O Internet-Relay-Chat como ferramenta de formação - Latec-UFRJ

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O Internet-Relay-Chat como ferramenta de formação - Latec-UFRJ
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO
O INTERNET-RELAY-CHAT
COMO FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DE
COMUNIDADES DE CONHECIMENTO
NA INTERNET
SÉRGIO LUIZ TAVARES FILHO
Rio de Janeiro
2007
2
O INTERNET RELAY-CHAT COMO
FERRAMENTA DE FORMAÇÃO DE
COMUNIDADES DE CONHECIMENTO
NA INTERNET
SÉRGIO LUIZ TAVARES FILHO
Trabalho de conclusão de curso apresentado
como parte dos requisitos para obtenção do grau
de bacharel em Comunicação Social com
habilitação em Publicidade e Propaganda da
Escola de Comunicação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
Orientadora:
Prof. Dra. Cristina Haguenauer
Rio de Janeiro
2007
3
O Internet-relay-chat como ferramenta de formação de comunidades de
conhecimento na Internet
Sérgio Luiz Tavares Filho
Trabalho de conclusão de curso submetido ao corpo docente da Escola de Comunicação
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social.
Professora Doutora Cristina Haguenauer
Professor Doutor Luiz Solon Gonçalves Galloti
Professora Doutora Ilana Strozemberg
Aprovada em: ____ de _____________________ de ________.
Nota: _________
Rio de Janeiro
2007
4
TAVARES FILHO, Sérgio Luiz
O Internet-relay-chat como formador de comunidades de conhecimento na Internet. Orientadora:
Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO / UFRJ, 2007. 76 fl. Ilustrado (Inclui glossário).
1. Comunidades de conhecimento. 2. Internet-relay-chat. 3. Cibercultura. I Cristina Haguenauer
(orient.). II ECO/UFRJ. Publicidade e Propaganda. IV. Título.
5
Dedico este trabalho a todos
aqueles que buscam o conhecimento
mesmo nos lugares onde o acesso à
navegação é difícil.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço
à
minha
família,
primeiramente. Aos amigos de sempre,
pelo suporte possível. Aos colegas e
amigos
que
acreditaram.
Aos
professores, em especial por terem
mostrado o quanto é apaixonante o
estudo da comunicação. E agradeço à
Lara, por tudo.
7
There is no there.
Gertrude Stein
8
TAVARES FILHO, Sérgio Luiz. O Internet-relay-chat como formador de comunidades
de conhecimento na Internet. Orientadora: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO
/ UFRJ, 2007. 76 fl. Ilustrado (Inclui glossário).
RESUMO
A ferramenta do IRC (Internet-Relay Chat), pioneira entre usuários de Internet no Brasil
e dediário entre internautas do mundo todo é emblemática no que diz respeito à
democracia oferecida pela Internet. O IRC é gratuito e pode ser acessado de qualquer
computador conectado à rede mundial de computadores, suportando ainda qualquer
caractere em qualquer idioma. Agrega usuários em canais de conversação fundados
pelos próprios usuários, sendo alguns destes canais com temas ligados conhecimentos
específicos – são, assim, comunidades de conhecimentos específicos. Este estudo tem
por objetivo familiarizar o meio acadêmico com esta ferramenta através da análise das
comunidades de conhecimento #filosofia, da rede de IRC BrasNet, e do canal
#philosophy, da rede Undernet.
Palavras-chave: IRC – Internet Relay Chat – Comunidades de Conhecimento – Chats –
Cibercultura – Internet.
9
TAVARES FILHO, Sérgio Luiz. The Internet-relay-chat tool forming communities of
knowledge on the Internet. Advisor: Cristina Haguenauer. Rio de Janeiro: ECO /
UFRJ, 2007. 76 pages. Illustrated (Includes glossary).
ABSTRACT
The IRC (Internet-Relay Chat) tool has been more popular among brazilian Internet users, although it is still popular worldwide. IRC is a free tool, compatible with any language and it can be used in any personal computer connected to the world-wide web.
IRC gathers users in conversation channels, created by them. Some of these channels
has specific topics related to knowledge – therefore, communities of knowledge with
specific characteristics. This study is an attempt to introduce the Academic environment
to the IRC tool through the analysis of the channels #filosofia from IRC server BrasNet
and #philosophy, from Undernet.
Keywords: IRC – Internet Relay Chat – Communities of Knowledge – Chats – Cyberculture – Internet.
10
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................................ 12
O que é o IRC?......................................................................................................... 15
1.1 Histórico ...................................................................................................................... 15
1.2 Uso e usabilidade ........................................................................................................ 16
1.3 Mediação nos canais ................................................................................................... 16
1.4 BOTS – sentinelas e catalisadores de conversação .................................................... 16
As redes BrasNet e Undernet ................................................................................. 19
1.5 Rede BrasNet .............................................................................................................. 19
1.6 Perfil do usuário BrasNet............................................................................................. 20
1.7 Rede Undernet ............................................................................................................ 23
1.8 Perfil do usuário Undernet ........................................................................................... 24
1.9 Redes de IRC no mundo ............................................................................................. 28
A Linguagem no IRC ............................................................................................... 29
O IRC forma comunidades? ................................................................................... 35
Real e virtual no IRC ............................................................................................... 38
Múltiplas identidades no IRC ................................................................................. 43
1.10 A identidade no IRC .................................................................................................. 43
1.11 Nomes, nicknames e facetas no IRC: exemplos reais ............................................... 44
O IRC como ferramenta anti-hegemônica ............................................................. 50
1.12 Uma maneira instantânea de intercâmbio ................................................................. 50
1.13 Momentos históricos.................................................................................................. 52
Comunidades de conhecimento: panoramas de discussão ............................... 55
1.14 #Philosophy @ Undernet........................................................................................... 55
1.15 #Filosofia @ BrasNet................................................................................................. 59
1.16 De Hegel à Nanotecnologia ....................................................................................... 63
Desperdício e aproveitamento da informação no IRC ........................................ 66
11
1.17 A Internet como a Biblioteca de Babel ....................................................................... 66
1.18 O meio corporativo e a Universidade em comunidades de conhecimento ................. 67
Considerações......................................................................................................... 69
Referências .............................................................................................................. 73
Glossário .................................................................................................................. 75
Anexos ..................................................................................................................... 77
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende adentrar o universo de chats do IRC (Internet Relay Chat) e
das comunidades de conhecimentos específicos online, que apresentam grande profusão
de discussões, debates e produção de subjetividades acerca de conhecimentos
específicos.
O objeto de estudo do trabalho são as comunidades de conhecimentos específicos
que encontra-se no IRC. O objetivo geral do trabalho é apresentar a ferramenta do IRC
ao meio acadêmico, em seus diversos usos. O objetivo especifico é familiarizar o meio
acadêmico com as comunidades de conhecimento específicos.
A metodologia utilizada inclui pesquisa bibliográfica na área de cibercultura e
teoria da comunicação, artigos e reportagens sobre formação de comunidades e
conversação via Internet, pesquisas disponibilizadas pelos servidores de IRC estudados,
extratos de conversações ocorridas nas comunidades de conhecimentos específicos do
IRC e análise das mesmas sob o ponto de vista funcional (temas, coesão, forma) e
entrevistas com usuários do IRC.
A justificativa para o trabalho, que visa esta aproximação e familiarização do meio
acadêmico com as comunidades de conhecimentos específicos, é a afinidade que existe
entre os interesses entre o meio acadêmico e os usuários das comunidades: enquanto o
primeiro grupo procura e produz o conhecimento de maneira “formatada”, o segundo
(as comunidades de conhecimentos) procuram discutir o conhecimento ainda sem um
sistema de “legitimação” do mesmo. Com isto percebe-se interesses em comum (a
“busca pelo conhecimento”) e uma disparidade que pode resultar em ajuda mútua: tanto
o meio acadêmico pode se beneficiar da pluralidade de discursos e agilidade da
13
ferramenta, quanto as comunidades podem se beneficiar com a proximidade das
mesmas junto à Academia.
Para que o estudo seja melhor compreendido, procura-se apresentar primeiramente
o processo da formação de comunidades no IRC e as instâncias de seu uso: processos de
identidade, linguagem, conversação. Em seguida apresenta-se duas comunidades de
conhecimentos específicos que possuem usuários assíduos e que conseguem, em suas
discussões, transcender o uso da Internet como “entretenimento” para uma busca de
debates científicos, filosóficos e ligados ao conhecimento.
Os primeiros capítulos descrevem o IRC em linhas gerais: sua história, estrutura,
servidores, canais, comandos de operação. O objetivo deste conteúdo é uma introdução
à ferramenta para que se possa ter noção de sua utilização, recursos e possibilidades de
uso. As redes BrasNet e Undernet são apresentadas no capítulo 2. Foram utilizados
dados históricos da criação do IRC e das redes BrasNet e Undernet para a pesquisa.
Logo após, entra-se no aspecto teórico da utilização da ferramenta, utilizando-se
referências bibliográficas de autores na área de cibercultura e teoria da comunicação.
Discute-se o aspecto da linguagem no IRC: a maneira como ela, por um lado,
empobrece-se (na busca da rapidez) e, por outro, sofistica-se (na tentativa de suprir,
com o teclado, as limitações técnicas do chat e imprimir mais personalização ao
discurso). Utiliza-se extratos de conversações ocorridas nestes canais para a análise.
Em seguida, pretende-se debater se o IRC forma comunidades. Comunidades são
grupos de pessoas unidas por vínculos. Tais vínculos existem de fato no IRC? E, se
existem, são transitórios ou permanentes?
Ainda sobre o processo de utilização da ferramenta do IRC, o tópico é uma
discussão sobre o “real” e o “virtual” no IRC. Tal oposição tem razão de ser? Um
relacionamento mediado por computador é necessariamente menos profundo que um
presencial? Esta dualidade deve ser levada em conta uma vez que não se trata apenas do
conteúdo discutido, mas também da forma como ele é discutido.
Nos capítulos 6 e 7 discute-se a questão da multiplicidade de personas no IRC. É o
IRC uma ferramenta esquizofrênica? Ou apenas uma maneira saudável de pessoas
expressarem múltiplas facetas de si próprias?
14
No capítulo 8, valendo-se novamente de fatos históricos, discute-se o IRC como
ferramenta Anti-hegemônica. É o IRC um instrumento de guerrilha informativa? É uma
ferramenta democrática? Aponta-se alguns momentos históricos que demonstram o
quanto a ferramenta do IRC é ágil e eficiente na divulgação de informação de forma
síncrona. E quanto às comunidades de conhecimento, são formas democráticas de
discussão ou tornam-se elitistas e inacessíveis a leigos nos assuntos abordados?
Por fim, através de extratos de conversação dos canais #filosofia e #philosophy, são
apresentados panoramas de algumas discussões dentro das ditas comunidades de
conhecimento e são discutidos problemas e soluções no que diz respeito ao
aproveitamento de seu conteúdo. Entre os anexos, há ainda entrevistas com operadores
de canais de IRC que funcionam como comunidades de conhecimento.
Espera-se, enfim, que o presente trabalho seja uma contribuição ao estudo da
cibercultura de forma aplicada, que transformou não apenas as possibilidades de maior
intercâmbio de conhecimento (o foco do estudo), mas também a própria experiência de
viver, aprender e existir em comunidade.
Para facilitar a compreensão do trabalho, todas as palavras seguidas do sinal gráfico
* encontram-se arroladas no glossário, na página 75.
15
1
O QUE É O IRC?
O IRC (Internet-Relay Chat) é um sistema de bate-papo síncrono utilizado desde a
década de 90 na Internet. Dentro de cada servidor (rede), apresenta canais de
conversação e ao acessar um canal o usuário pode conversar com diversos usuários ao
mesmo tempo, ou com cada um em particular.
Histórico
O IRC foi criado em 1988 por Jarkko Oikarinen, da Universidade de Oulu, na
Finlândia. Trata-se de um dos “protocolos” de comunicação mais utilizados na Internet,
é utilizado basicamente como bate-papo (chat) e para troca de arquivos, permitindo a
conversa em grupo ou privada, sendo o predecessor dos mensageiros instantâneos. A
diferença é que no IRC converas-se em canais (“salas” virtuais criadas pelos próprios
usuários de cada rede), em princípio abertas a todos, diferentemente do MSN, onde são
trocadas mensagens apenas com os membros de sua lista particular.
Os servidores não são necessariamente isolados, também podem ser reunidos em
rede. Grandes redes podem reunir, em horário de pico, dezenas de milhares de pessoas.
Há múltiplos servidores que se ligam a redes maiores, assim, todos conversam na
mesma rede sem haver “sobrecarga”.
16
1.1
Uso e usabilidade
Ao inicializar o mIRC (programa popular para o acesso ao IRC), inicia-se a janela
status*. A partir dela, o usuário digita os comandos desejados para acessar os canais de
bate-papo.
Primeiramente, escolhe seu nickname (apelido)*, em seguida o servidor de rede e
então os canais propriamente ditos.
Acessando os canais, o usuário visualiza uma tela com as conversações. Cada frase
é precedida pelo nickname do autor da frase. Ao lado, há uma lista com os nicknames
dos usuários presentes no canal.
Como no exemplo da página 18 (Ilustração 1), há a possibilidade de entrar em
múltiplos canais em múltiplas redes simultaneamente. Há também a possibilidade de, ao
dar um duplo clique no nome de um usuário, iniciar uma conversa particular.
1.2
Mediação nos canais
Os canais contam com operadores*. Eles podem mudar os modos do canal (os
canais possuem um tópico e algumas regras, como, por exemplo, só permitir a entrada
de usuários com nicknames registrados na rede, para evitar usuários-fantasma que estão
fazendo propagandas).
No que diz respeito a este controle, o mais importante é o fato de que os operadores
podem banir* usuários dos canais. Em tese, isto se aplica apenas para usuários que
estejam infringindo as regras estabelecidas dos canais: repetindo frases excessivamente,
utilizando temas ou vocabulário que não estejam de acordo com o canal. Mas é
freqüente ver, em alguns canais, desentendimentos pessoais com operadores serem fator
de banimento.
1.3
BOTS – sentinelas e catalisadores de conversação
Alguns elementos extras povoam os canais do IRC, como, por exemplo, os BOTs.
São “robôs”, ou seja, programas de computador que “cuidam” do canal. Banem usuários
que estejam infringindo regras (propagandas, repetição excessiva de frases, palavrões),
17
oferecem jogos (como, por exemplo, em jogos de perguntas), temas e assuntos em
comunidades de conhecimento, como o BOT Skept do canal #philosophy, acionado pelo
comando “[wheel]”:
<I_Ronnie^> so what topic would you like to discuss stratus?
<stratus4life> let's wheel
<stratus4life> [wheel]
<Skept-> Here in the Philosophy channel, we can communicate ideas without knowing race, or age, or where another lives. What is important, in the context of human interaction, for us to KNOW about others?1
O BOT tem um banco de dados de temas e propostas filosóficas para debates. O
“abastecimento” deste banco de dados é feito pelos próprios usuários, simplesmente
encaminhando uma pergunta ao BOT.
1
<I_Ronnie^> que assunto você gostaria de discutir, stratus?
<stratus4life> vamos girar a roda
<stratus4life> [wheel]
<Skept-> Aqui no Philosophy, podemos comunicar idéias sem saber a raça, idade, ou
localização das pessoas. O que é importante, no context da interação humana, que nós
SAIBAMOS sobre os outros?
18
Ilustração 1: Tela de IRC em servidores BrasNet (canais #mp3 e #filosofia) e Undernet (#philosophy).
Fonte: captura da imagem do IRC em uso simultâneo na rede BrasNet e Undernet, em 25 de jan. 2007.
O IRC não é difícil de se usar e tem adeptos no mundo todo. No Brasil, a rede BrasNet
engloba a rede BrasIRC, sua principal concorrente.
19
2
AS REDES BRASNET E UNDERNET
Este trabalho tem por objeto de análise os canais #filosofia (rede BrasNet) e
#philosophy (rede Undernet), entretanto antes de chegar-se aos canais propriamente
ditos, avalia-se algumas características das redes, a fim de traçar um perfil genérico de
seus usuários.
Rede BrasNet
Fundada no início do ano de 1996, começa com dois servidores e um grupo de
amigos freqüentadores de um canal de bate-papo de uma rede americana de IRC. A
BrasNet atrai a atenção dos usuários brasileiros e também de diversos provedores que
iniciam suas operações na época. Nos seis primeiros meses a rede conta com 10
provedores conectados e cerca de 300 usuários simultâneos nos horários de maior
movimento.
No final de 1996 a rede alcança picos de 1000 pessoas conversando
simultaneamente, passando para 2500 no final de 1997. Em 1998 há um crescimento de
100% e em 1999 o crescimento é de 300%, chegando a 15 mil usuários simultâneos. Em
julho de 2000 ultrapassa o patamar de 18 mil com uma média de 300 mil conexões
diárias.
No início de 2001 há mais um salto no crescimento da rede: o pico de 22 mil
usuários simultâneos e um fluxo diário de 400 mil conexões por dia. Em seis meses
(junho/2001) o recorde alcançado foi de 28 mil e em janeiro de 2002, 36 mil usuários
simultâneos.
O crescimento da rede durante o ano de 2002 acompanha o amadurecimento da
Internet no Brasil, com a disseminação da banda larga. Os usuários aumentaram seu
20
tempo de permanência e, em janeiro de 2003, a BrasNet alcança a marca de 48 mil
usuários conectados em horário de pico com um fluxo superior a um milhão de
conexões por dia.
Durante o ano de 2003 o crescimento se acentua, alcançando os recordes de 53 mil
em julho e 60 mil em novembro. É interessante observar que no início das férias
escolares o tempo de permanência dos usuários aumenta consideravelmente, fato
justificado pela maioria dos usuários da rede ser constituida por jovens entre 12 e 24
anos.
Os usuários de bate-papo são tipicamente medium users e heavy users, ou seja,
usuários que utilizam a Internet numa freqüência regular ou intensa, respectivamente.
Cerca de 81% dos internautas brasileiros que utilizam bate o IRC se encontram nessas
categorias. Além disto, a maioria deles (84%) está entre as classes A e B (BRASNET,
2004).
2.1
Perfil do usuário BrasNet
Segundo os gráficos abaixo, disponibilizados pela rede BrasNet em seu sítio oficial,
o perfil do usuário reflete com fidelidade o perfil do internauta brasileiro: em sua
maioria são jovens, sexo masculino, de 12 a 24 anos. Quanto aos adultos, o maior
número de acesso é entre com idade entre 25 e 34 anos. Aproximadamente 6% dos
usuários da rede tem mais de 55 anos, o que é surpreendente se for levada em
consideração a dificuldade do idoso para a “alfabetização digital”. Isto pode ser
considerado também um reflexo da usabilidade acessível do IRC.
Abaixo seguem gráficos, respectivamente, sobre a distribuição por sexo, idade,
região, escolaridade e profissão.
21
22
23
Fonte: Rede BrasNet, 2005.
2.2
Rede Undernet
A Undernet é uma das maiores redes de IRC do mundo, estabelecida em outubro de
1992 como uma rede experimental para testar uma nova versão do programa de servidor
de IRC Efnet Irc2.7. O intuito de diminuir problemas de tráfego na rede, que
sobrecarregada, faz com que a partir desta data a Undernet cresça e solidifique-se.
A Undernet surge numa época em que muitas pequenas redes de IRC estavam
sendo criadas e logo depois desaparecendo. Entretanto, a Undernet consegue tornar-se
uma das maiores redes de IRC, mesmo passando por alguns problemas iniciais como,
em 1994, uma flame war (guerra de mensagens destrutivas sem o intuito de
conversação, também comum em fóruns de Internet).
A Undernet tem aproximadamente vinte servidores de IRC, que possibilitam uma
conexão média de 120 mil usuários a todo momento. Além do impressionante número
de canais, a rede conta com muitos funcionários e voluntários ajudando novos usuários.
A Undernet provê uma série de canais de suporte para os iniciantes, como por
exemplo #cservice, #help, #helpchan, #mIRC, #beginner.
Para ajuda na exclusão de vírus/trojan/malware, a rede oferece os canais #vh,
#DmSetup or #NoHack.
24
Há ainda um canal oficial da rede para conversa amigável, #normalpeoplehateme
(“pessoas normais me odeiam”).
Além disso, a rede promove aulas em tempo real para operadores de canais e aulas
básicas de utilização do mIRC.
Estas iniciativas compõe um cenário acolhedor para o usuário, que muitas vezes
tem o programa instalado no computador mas não sabe utilizá-lo devidamente. E se
sabe, muitas vezes não consegue “navegar” pelo programa encontrando informações de
seu interesse.
2.3
Perfil do usuário Undernet
Pode-se falar sobre o perfil de usuários da Undernet a partir das pesquisas que o site
do servidor faz regularmente. São pesquisas informais, uma vez que não se precisa
preencher cadastros. As perguntas visam traçar um perfil geral do usuário. Algumas
alternativas de resposta são absurdas, como por exemplo a da localidade (“sou um
pingüim do Pólo Norte”). É possível que este seja um recurso para evitar que os
usuários que não estejam interessados em fornecer os dados corretamente respondam a
pesquisa de maneira irreverente.
Algumas perguntas não são relativas ao universo do IRC. Fornecem, contudo,
algumas informações interessantes sobre o perfil sócio-cultural do usuário enquanto
“consumidor”.
Pesquisas da rede Undernet – 1994-2007
Pergunta/Resposta
Total de Votos Percentual
Você pagou pelo mIRC?
2. Não
1213
62%
3. Não utilizo mIRC
460
23%
1. Sim
291
15%
Você tem seu próprio canal?
25
3. Sim, tenho meu próprio canal com o BOT X.
479
35%
2. Não, não, apenas fico em canais de outros usuários.
443
33%
Eu faria se o BOT X me deixasse registrar.
234
17%
1. Canal? Não tenho televisão!
197
15%
Você gostaria de mais encontros presenciais?
1. Sim!
1363
60%
3. Eu não ligo.
700
31%
2. Não!
217
10%
1. Desde 1994
646
18%
4. Desde 1997
457
13%
3. Desde 1996
450
13%
5. Desde 1998
441
12%
2. Desde 1995
374
11%
6. Desde 1999
371
10%
7. Desde 2000
315
9%
9. Desde 2002
259
7%
8. Desde 2001
234
7%
Há quanto tempo você usa o IRC?
Quanto você se lembra do antigo logo da Undernet?
5. Nós temos um logo?
384
38%
1. Muito.
288
28%
3. Não ligo.
127
12%
26
6. O atual é melhor.
118
12%
2. Um pouco.
55
5%
4. Não me lembro.
45
4%
2. De uma a cinco horas por dia.
353
78%
1. Menos de uma hora por dia.
98
22%
2. Coca-cola
2863
56%
1. Pepsi
1653
32%
3. Nenhuma das duas.
637
12%
Quanto tempo você passa no IRC?
Pepsi ou Coca-cola?
Que você acha da newsletter da Undernet?
Não sabia que havia uma
382
41%
É chato, nunca li
276
30%
Muito interessante, nunca perco os artigos
127
14%
Passo esta pergunta
94
10%
Muito hi-tech pra mim. Leio às vezes.
48
5%
Arrumar uma namorada/namorado
509
46%
Não, minha vida é perfeita
305
28%
Parar de fumar
159
14%
Diminuir uso do IRC
128
12%
Qual sua resolução de ano novo?
Como devemos nos referir ao servidor do Canadá e EUA?
27
1. na.Undernet.org (na = North America)
935
50%
2. us.Undernet.org (us = United States)
921
50%
3. Europa
1490
41%
1. América do Norte
948
26%
5. Ásia
349
10%
2. América do Sul
301
8%
8. Sou um pingüim do pólo sul
271
7%
7. Sou Papai Noel, do pólo norte
118
3%
4. África
76
2%
6. Oceania
75
2%
De onde você é?
Fonte: Rede Undernet, 1994-2005.
Através das pesquisas vê-se que 62% dos usuários não pagaram pelo mIRC. O
mIRC tem uma versão demo disponível em seu sítio oficial. Com a expiração da data de
licença, contudo, o programa continua funcionando, apenas exibindo um aviso ao ser
iniciado.
A pesquisa também informa que 35% dos usuários do servidor têm seus próprios
canais registrados (praticamente a mesma quantidades de usuários que apenas visitam
canais existentes). Criar e registrar um canal nos BOTs da Undernet demanda um
conhecimento um pouco mais aprofundado da ferramenta.
Isso suscita outros ítens da pesquisa, como o ano de início de utilização do IRC
(1994 para a maioria, 18%) e o tempo diário online: enquanto 22% dos usuários que
responderam à pergunta ficam online por menos de uma hora, 78% afirmam ficar de
uma a cinco horas por dia na rede.
28
Apesar deste uso intenso, interação entre rede e usuário nos moldes da relação entre
produto e consumidor não é grande: quase metade dos usuários não conhece a
newsletter2 da rede e 40% não se lembra da antiga logomarca da empresa.
A maioria dos usuários concentra-se na Europa (41%) e seguem respectivamente os
demais continentes: América do Norte (26%), Ásia (10%), América do Sul (8%),
África e Oceania (2%).
Peculiaridades da pesquisa: Os usuários da América do Norte dividem-se em dois
blocos para o nome do servidor da América do Norte (que faria as conexões do Canadá
e dos Estados Unidos da América): a referência na.Undernet com 50% (Undernet North
America), contra também 50% de us.Undernet (Undernet United States).
Dos entrevistados, 60% afirmam que gostariam de mais reuniões presenciais da
rede – os ditos “IRContros”.
A Undernet ainda oferece canais onde são ministradas aulas para utilização de
BOTs e iniciação para usuários que não dominam ainda a ferramenta plenamente.
2.4
Redes de IRC no mundo
Atualmente existem milhares de redes de IRC no mundo. Muitas redes diferentes,
mas todas podem ser acessadas com o mesmo programa de acesso ao IRC. Algumas das
maiores redes de IRC são:
2

AustNet

DALnet

EFnet

IRCnet

QuakeNet

Undernet
Periódico com notícias, reportagens e artigos enviados por empresas através do e-mail.
29
3
A LINGUAGEM NO IRC
Por mais que a Internet esteja subvertendo a escrita (com o uso generalizado de
abreviações e de todo um sistema para-gramatical), não se pode dizer que ela a esteja
negligenciando. Talvez nunca se tenha lido e escrito tanto na História.
Para se instalar qualquer programa (a começar pelo próprio sistema operacional), é
preciso entender o que dizem as frases do seu utilitário de instalação. Para se acessar um
sítio, é preciso digitar seu endereço. Para se usar qualquer um dos muitos instrumentos
de comunicação pessoal existentes (MSN Messenger, ICQ, AIM, etc.), é necessário,
antes de mais nada, entender o que dizem seus botões (que estão grafados em linguagem
escrita) e, depois, é necessário também usar linguagem escrita para se comunicar com
os outros usuários do mesmo programa.
O IRC é uma expressão clássica das criações e desvios lingüísticos surgidos com a
Internet. Mesmo tendo mudado bastante sua estrutura desde sua criação, ele continua só
permitindo o uso de caracteres de texto. No máximo, caracteres coloridos, sem imagens
ou sons. É dentro destas limitações que os internautas trabalham.
Em toda a lingüística do IRC há dois movimentos: um é o do empobrecimento da
língua, resultado da necessidade de se estabelecer diálogos rápidos. Neste caso, tem-se
como melhor exemplo as abreviações.
O outro é o do enriquecimento da língua, que surge em virtude das limitações
técnicas de um chat (que não possui tom de voz, gestos, olhares e tudo o mais que há
numa conversa presencial). Aqui tem-se os “emoticons”, para citar apenas um caso.
Veja-se isso melhor adiante.
30
A linguagem do IRC é, por óbvio, escrita. Por outro lado, como a troca de
mensagens ocorre com enorme rapidez, ganha contornos de linguagem falada coloquial.
“ (...) a conversação online é uma nova forma híbrida que é, ao mesmo tempo, falada e
escrita e ainda assim não é completamente nenhuma. É falar através do escrever. É
escrever porque você digita em um teclado e as pessoas lêem. Mas por causa da
natureza efêmera das letras luminescentes na tela, e porque são tão rápidas – algumas
vezes instantâneas – as mudanças, é mais semelhante ao falar.” (Coate, 1998, citado em
RECUERO)
No canal #filosofia (rede BrasNet) há certo conservadorismo no uso dos caracteres,
o que constitui uma excessão dentre os demais canais do IRC. No #filosofia busca-se,
de preferência, usar uma linguagem formal, até como forma adequada de suporte à
“seriedade” dos temas tratados. Mas, ainda assim, pode-se notar subversões. No
#philosophy, um alerta é acionado quando faz-se o uso excessivo de abreviações.
Além de contrações e abreviações há uma série de recursos utilizados pelos
participantes dos canais para enriquecer as conversas. Inclusive tentando adicionar
recursos expressivos que em princípio só seriam possíveis numa interação presencial.
Numa conversa “ao vivo”, paralelamente às frases, existe a entonação com que elas
são pronunciadas, gestos, movimento dos olhos. Há toda uma gama de significados
atuando conjuntamente. No IRC, só há os caracteres de texto, que buscam suprir esta
relativa pobreza expressiva.
Antes de mais nada, tem-se as cores. As cores podem ser usadas como mecanismo
expressivo. Por exemplo, o vermelho para significar urgência. Mas via de regra são
utilizadas como mecanismo de formação de identidades: o torcedor do Flamengo que só
escreve em preto e vermelho, por exemplo.
Os usuários também podem optar por escrever com todas as letras em maiúsculas, o
que equivale a gritar:
<João3> NÃO!
O “grito”, assim como numa conversa presencial, não é bem visto no IRC. Além da
compatibilidade da linguagem, é também necessária a compreensão de uma etiqueta
3
Usuário ficcional
31
comum. Os participantes que não se enquadram via de regra são expulsos do canal
#filosofia, que utiliza o recurso de expulsão (kick/ban) indiscriminadamente. No canal
#philosophy, raramente vê-se uma expulsão, todavia também é raro encontrar pessoas
que infrinjam as regras propositadamente, como acontece no #filosofia.
Algumas regras de etiqueta não são universais como, por exemplo, a do uso da tecla
Caps Lock, que é sabidamente indesejada nos canais de conversação. É o caso das
mensagens particulares (ou Private Messages, também conhecidas como PVT): no canal
#philosophy, pressupõe-se que estão todos num debate aberto, portanto não é
recomendada a utilização da mensagem particular.
Isto influi diretamente no ideal da construção dos vínculos desta comunidade.
Mesmo sob estas regras algumas pessoas conversam em particular sem estarem
necessariamente infringindo estas regras: quando trata-se de um comentário sobre o
assunto no canal ou sobre um usuário, pode ser configurada a falta de etiqueta (como
falar ao ouvido de alguém com outros presentes). Entretanto se o assunto é relevante
apenas aos dois usuários, ou se há o intuito de obter informações pessoais como a típica
pergunta “ASL?” (ou “Age, Sex, Location?”4), a conversa se afasta do assunto do canal e
não é considerada falta de educação.
A repetição de letras dentro de uma palavra, especialmente vogais, também cria a
impressão de grito. E também a repetição de pontos de exclamação. Este recurso pode
ou não vir acompanhado do recurso anterior:
<João> NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOO!!!!!
Outro recurso parecido é a “soletração” das palavras, que visa a conferir ênfase ao
que é dito:
<João> N-Ã-O!
<John> N-O!
Há ainda os emoticons. Emoticons são caracteres de texto dispostos de maneira que
pareçam rostos expressando alguma emoção. Por exemplo:


4
:-) para designar um sorriso;
:-( para designar tristeza;
“Idade, sexo, localização?”, pergunta típica no início de conversas particulares nos chats internacionais de IRC.
32



>:-( para designar raiva;
:-P para designar ironia ou provocação (perceba-se que o P ilustra uma língua de
fora)
etc.
Assim como os demais recursos expressivos, os emoticons servem para tornar mais
claras as mensagens. Sobretudo quando pode haver incompreensão, como no caso das
ironias. Eles também são muito usados na construção de identidades por parte dos
usuários dos canais. Muitos inventam seus próprios emoticons e passam a utilizá-los
com freqüência, às vezes após cada mensagem.
Além de tudo isso, existem as onomatopéias:













Tsc,tsc para expressar desaprovação (Português);
Hahahaha para expressar riso (Português e Inglês);
Kkkkkkkk para expressar riso (Português);
Huahuahuahua para expressar gargalhada (Português e Inglês);
Aff para expressar impaciência (Português);
Smack para expressar beijo (Português e Inglês);
Sniff, sniff para expressar choro (Português e Inglês);
Ohhh para expressar surpresa (Português e Inglês);
Hmmm para expressar dúvida (Português e Inglês);
Ufa para expressar alívio (Português);
Wow para expressar espanto (Inglês);
Gee também para expressar espanto (Inglês);
etc.
Um recurso muito interessante é o da descrição de “ações”, que aparecem na tela
precedidas de asteriscos, o chamado recurso “reverso”, pois começa-se a frase com o
comando “/me”, publicando assim uma frase do tipo “ação”. Ao usuário ficcional que
utiliza o nickname Joao digitar a frase “/me aperta a mão de Pedro”, na tela será exibida
a seguinte frase:
* João aperta a mão de Pedro
Obviamente João não aperta fisicamente a mão de ninguém, mas este imaginado
comportamento não-verbal contribui para construir a fantasia de um encontro físico
entre os usuários.
33
Mas o IRC não é só riqueza expressiva ou construção de um ambiente físico
imaginário. A busca da rapidez faz com que, muitas vezes, a linguagem seja truncada,
abreviada. Vejam-se algumas abreviações muito utilizadas:













Vc – você (Português)
Aki – aqui (Português)
P/ – para (Português)
Kd – cadê (Português)
Blz – beleza (Português)
Ksa – casa (Português)
D+ – demais (Português)
Tc – teclar, ou seja, conversar (Português)
4 – for (Inglês)
U – you (Inglês)
2 – too (Inglês)
BOT – both (Inglês)
R – are (Inglês)
Também são muito usados os acrônimos, agrupamentos das letras iniciais de
palavras.






LOL – laughing out loud, rindo alto, ou lots of laughs, muitas gargalhadas
(Português e Inglês)
ROFL – rolling on the floor laughing, rolando no chão de rir (Inglês)
ROTFLOL – rolling over the floor laughing out loud, rolando no chão de tanto
rir (Inglês)
BBIAB – be back in a bit, de volta em um Segundo (Inglês)
BRB – be right back, já volto (Inglês)
Rs – risos (Português)
Afirmar que a interação via Internet é um tipo de interação enriquecida ou
empobrecida é complexo. Um usuário do IRC tem a oportunidade de conversar com
pessoas de todo o mundo enquanto que, se não acessasse a ferramenta, tal intercâmbio
não serioa possível. Entretanto, pergunta-se se ele procuraria mais interatividade em
grupos, conversando mais com amigos próximos e familiares.
“Expostos aos contatos facilitados da tecnologia eletrônica, perdemos a habilidade
de nos engajar em interações espontâneas com pessoas reais
(...) no intuito de
34
escaparmos de interações complexas, confusas, imprevisíveis, difíceis de interromper e
de abandonar com pessoas reais.” (BAUMAN, 2005, p. 101)
35
4
O IRC FORMA COMUNIDADES?
Este trabalho pretende analisar, além das comunidades de conhecimento #filosofia
e #philosophy, o processo da utilização do IRC. Para tanto, discute-se a questão das
comunidades virtuais, uma vez que a formação de comunidades influi no uso da
ferramenta de conversação e na natureza de interação entre seus usuários.
A definição geral de comunidade, aplicada à ecologia e à sociologia, consiste no
conjunto de seres vivos inter-relacionados que habita um mesmo lugar.
Na ecologia pensa-se em ecossistema e interação, enquanto que na sociologia
afirma-se que a comunidade existe a partir de interesses mútuos entre os que habitam ou
freqüentam um mesmo local e se organizam dentro de um conjunto de normas.
Segundo a definição que consta na Wikipedia (e não havia melhor fonte para se
procurar num trabalho sobre comunidades virtuais, uma vez que a própria Wikipedia é
fruto de um trabalho coletivo que formou uma autêntica comunidade de colaboradores e
contribuintes para o projeto), uma comunidade virtual se estabelece quando há
relações num espaço virtual através de meios de comunicação a distância.
A comunidade virtual, portanto, “caracteriza-se pela aglutinação de um grupo de
indivíduos com interesses comuns que trocam experiências e informações no ambiente
virtual”.
Na definição da enciclopédia livre, ainda destaca-se o fato de que a dispersão
geográfica dos membros contribui para a potencialização da criação de comunidades
virtuais. Isto é verificado no IRC, que possui milhares de canais internacionais e
nacionais, onde só se restringe geograficamente o perfil de seus usuários quando a
36
própria comunidade em si é ligada a um fator geográfico (por exemplo, os canais
#SãoPaulo ou #Rio).
Partindo do princípio de que os vínculos são parte fundamentadora de uma
comunidade, nas comunidades de conhecimento do IRC eles são o tema destas
comunidades.
É possível comparar a formação do senso de comunidade nos canais de
conhecimento a um diagrama de conjuntos matemáticos onde os subconjuntos são todos
recortes contidos nos conjuntos maiores: pessoas que empreendem tempo explorando o
espaço virtual nos finais de semana, tardes ou madrugada; dentre estas, pessoas que
procuram interação do tipo chat; dentre estas pessoas, aqueles que procuram temas de
seu interesse nestes chats.
Nestes dois últimos “conjuntos”, a ordem pode ser inversa e pode ser uma
interseção com um grupo de pessoas que sequer usa o IRC – pessoas interessadas em
debater temas de seu interesse. Acontece que, habituadas ao ciberespaço, tais pessoas
recorrem à ferramenta de chat conhecida e assim passam a fazer parte das comunidades
de conhecimento. A questão da inclusão e alfabetização digital é que poderia tornar
estes dois grupos mais próximos de ser um só.
O IRC é uma ferramenta de tempo real e amplamente aberta a “visitação”. Mesmo
as comunidades de conhecimento, por terem um número relativamente estável e
constante de usuários online, acabam por ser um canal “walk in” (ou seja, o usuário de
IRC visita os canais de conhecimento para ver se ali se há algo que lhe interessa, ainda
que ele não esteja habituado a discutir filosofia ou política).
No IRC há um constante sentimento de “Ei, alguém me ouve?”, lembrando os
primórdios do rádio amador ou outros equipamentos que buscavam a comunicação a
distância – e isto, por si, já forma vínculos, ainda que transitórios. É comum que
usuários se encontrem em momentos onde uma conversação com outra pessoa não é
facilmente possível (numa madrugada, por exemplo). Assim, se há alguém “na escuta”
isto é o bastante para que se entabule uma conversação: o vínculo comum é que duas
pessoas estejam, naquela hora, conectados ao IRC.
O estabelecimento de um vínculo contínuo acontece pelo fato simples de que os
canais de conhecimento concentram usuários com interesses comuns e “fidelizam” suas
37
relações com o IRC. Não existem tantos interessados em política ou filosofia como
existem interessados em música, portanto existem muitos canais de troca de arquivos de
MP3. Este interesse gera pouca identificação entre usuários, a não ser que gostem do
mesmo tipo de música.
Sendo assim, nos abrangentes canais de troca de música existem vínculos
transitórios, com freqüentadores assídios que não necessariamente reconhecem-se.
Todavia, o usuário fã da banda Pink Floyd poderá acessar o canal #PinkFloyd e lá
encontrará um número mais reduzido de usuários que conversam sobre a banda e, em
algumas vezes, mantêm-se no canal apenas para que este esteja vinculado à sua
identidade no IRC.
Percebe-se, na chegada de usuários que se conhecem, uma saudação afetuosa e até
certa satisfação das partes por estarem online na mesma hora.
Assim entra-se na questão da formação da identidade, quando o indivíduo passa a
fazer parte de comunidades de acordo com seus interesses. Algumas vezes, passa a fazer
parte de muitas comunidades, como se aquilo fosse lhe definir melhor a identidade
(fenômeno observado não apenas no IRC mas também no Orkut, popular sítio de
relacionamentos), formando assim na maior parte vínculos transitórios e fluidos.
Zygmunt Bauman afirma que “quando a qualidade não está disponível, você tende
a procurar redenção na quantidade. Se os compromissos, incluindo aqueles em relação a
uma identidade particular, são „insignificantes‟, você tende a trocar uma identidade,
escolhida de uma vez para sempre, por uma „rede de conexões‟.” (BAUMAN, 2005,
p.37)
38
5
REAL E VIRTUAL NO IRC
As concepções corriqueiras para o termo “real” são: aquilo que existe de fato,
aquilo que é tangível. Já a palavra “virtual” vem do latim medieval virtualis. Este, por
sua vez, vem de virtus: força, potência. Hoje, o significado usual de “virtual” é: aquilo
que não existe de fato, mas como potência; aquilo que é intangível.
Se não há muitas dúvidas de que os relacionamentos tête-à-tête são reais, convém
discutir a suposta “virtualidade” dos relacionamentos mediados por computador.
Como se dá uma conversa presencial? O som que sai da boca de cada interlocutor
se propaga no ar até atingir o aparelho auditivo do outro. O ar é o meio de propagação
do som. A luz reflete-se nos corpos dos falantes e forma uma imagem no aparelho
visual de cada um. A luz propaga a imagem. No IRC, a diferença é que mudam as
mediações envolvidas no processo.
Num chat, cada teclado e placa de silício faz a mediação do usuário com o
processador de sua máquina. O processador, por sua vez, faz a mediação da relação
entre o teclado e a memória, e também a relação entre a memória e o modem (que é
quem vai enviar e receber os caracteres de texto). O servidor, por sua vez, faz a
mediação da relação entre os diversos caracteres enviados por cada usuário. Portanto,
“não existe, a rigor, diferença entre uma interação ao vivo e uma interação por
computador” (DA ROCHA). São todas mediadas.
Quando se define o termo “real” como um dos pólos de uma oposição, subentendese, necessariamente, que o outro pólo é “não-real”. E o que é “real”? O que “existe de
fato”?
39
Vá-se à segunda definição corriqueira para o termo: “aquilo que é tangível”. De
fato, é possível tocar um jornal de papel, mas impossível fazer o mesmo com o website
da CNN. – embora ambos existam de fato. E as relações? Não são todas as relações
intangíveis – sejam ou não mediadas por computador?
Relações são, de fato, abstrações teóricas. O que existem são duas ou mais mentes
nas quais estão gravadas a aparência, o tom de voz, os hábitos e o tipo de
relacionamento que há com o Outro. Isto vale para relações presenciais ou internéticas.
Assim sendo, todas as relações seriam virtuais, no sentido da intangibilidade.
O filósofo da informação Pierre Lévy também problematiza esta discussão. Para
ele, o contrário do virtual não é o real, mas o atual. Eis sua definição de virtual: “é
como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma
situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um
processo de resolução: a atualização”. (LÉVY, 1996, p.16) Para ele, o contrário de real
é o possível. O possível é um real sem existência.
Essa definição de virtual, apesar de intrigante, aproxima-se da concepção vulgar
“aquilo que não existe de fato, mas como potência”. Como exemplo, Lévy fala da
árvore que está virtualmente presente na semente. Tal concepção talvez sirva para
descrever os bens culturais disponibilizados pela Internet – textos, imagens, vídeos que,
para se tornarem “atuais”, precisam ser decodificados e interpretados por alguém. Mas
não funciona quando se quer tratar das relações que se dão por meio do IRC, e mesmo
da Internet como um todo.
Como dizer que uma amizade surgida via IRC é apenas um “nó de tendências e
forças”, que necessita de uma “atualização”? Como já se disse, a Comunicação Mediada
por Computador (CMC) apenas sofre mediações diferentes da comunicação presencial.
Não há diferença de natureza entre elas. No sentido da potência, uma amizade via IRC
não é virtual.
Além disto, tente-se diferenciar na prática o possível do virtual. E o real do atual.
Está aí uma tarefa inglória. Lévy parece ter tentado dividir o indivisível, separar o
inseparável.
Já Eduardo O. C. Chaves (1999) propõe duas definições para o termo virtual.
Poderia, por um lado, representar aquilo cuja existência é “fraca”. Aquilo que ocorre em
40
peças de teatro, filmes, poemas, contos. É o imaginado. Nesta concepção, a humanidade
conviveria com a virtualidade desde os seus primórdios.
“A realidade dita virtual de hoje é, portanto, uma realidade que se distingue,
conceitualmente, do reino do ficcional e do imaginário”. Para ele, uma livraria virtual
existe num sentido “forte”: os livros anunciados em seu sítio existem, o dinheiro pago
pelos clientes é real, as compras são efetivamente (espera-se) entregues na casa dos
consumidores. Esta posição retoma o que foi dito no início: que não existe diferença de
natureza entre uma interação presencial e uma interação mediada por computador.
Algumas espécies de “apresentação de si mesmo” são mais comuns na CMC, como
por exemplo o estudante entrevistado por Sherry Turkle (autora de A vida no écrã), que
apresenta-se na Internet ora como um vaqueiro másculo, ora como uma mulher
sedutora, ora como um coelho (WIRED, janeiro de 1996).
Pode-se dizer que no IRC, por um lado, ocorre uma espécie de desterritorialização
das relações. No lugar do território, a força maior de diferenciação interpessoal é o
idioma. Em princípio, pouco importa se você escreve de Angola ou Portugal, contanto
que eu entenda o que você escreve. E pouco importa se você é meu vizinho, caso você
fale grego.
O aspecto do território deve ser bem assinalado, porque, como base física dos
relacionamentos tradicionais, é freqüentemente associado à própria noção de realidade.
Por outro lado, não é correto dizer que no IRC não haja absolutamente territórios
delimitados. Eles apenas são menos rígidos e diferentes dos do mundo “real”.
Cada canal possui seus OPs (operadores), que atuam como aristocratas no pequeno
território virtual a eles confiado. Antes de mais nada, eles podem exigir que apenas
usuários com nicknames registrados possam entrar nos seus canais. Tal qual os países
que exigem passaporte de quem deseja neles adentrar. Era o caso do #filosofia. E, uma
vez lá dentro, os participantes podem ser expulsos (kick) ou banidos (ban) do canal.
Basta, para isto, irritar algum dos OPs. No #filosofia, em especial, há uma longa lista de
usuários banidos.
Além das punições evidentes, existem outras maneiras mais sutis de fazer um
usuário se sentir fora de casa nos canais e elas variam de acordo com os canais.
41
Os canais do IRC não são democracias, mas nem por isto os aristocráticos OPs
podem fazer o que bem entenderem nos territórios virtuais que lhes cabem. O abuso de
poder por parte dos OPs pode levar à criação de canais dissidentes, como o
#humanidades (cisão do #filosofia). No IRC, qualquer um pode criar e gerir seu próprio
canal. Nem o mais absolutista dos monarcas pode ignorar totalmente a vontade de seu
povo.
No IRC, pouco se usa a função fática. As conversas se iniciam com rapidez. Basta
um usuário dizer “alguem quer teclar?” ou trazer algum assunto à baila – “vocês acham
que a filosofia é uma ciencia ou não?” – para as discussões começarem. Isto não
costuma ocorrer quando duas pessoas estão uma em frente à outra. “Quem contacta um
desconhecido num café? E quem hesita em o fazer num chat?” (PINTO, 2004, p. 4) A
falta de pudores sociais no IRC também está relacionada à possibilidade do anonimato.
Mas isto será analisado mais à frente.
“Talvez o ciberespeaço seja um dos lugares públicos informais onde possamos
reconstruir os aspectos comunitários perdidos quando a mercearia da esquina se
transforma em supermercado” (RHEINGOL, apud PINTO, 2004, p.4). Sucederia aqui a
“destruição criadora” de Schumpeter – o mesmo progresso que destruiu comunidades
tradicionais as estaria recriando em novas bases?
A urbanização iniciada na primeira Revolução Industrial, e aguçada no século XX,
transportou bilhões de pessoas a um mundo impessoal e distante. Quanto maior a
densidade populacional, menos profundas parecem ser as relações humanas. Neste
contexto, a Internet talvez esteja causando um retorno às origens. Todo mundo sente-se
livre para iniciar uma conversa com todo mundo, assim como numa cidadezinha do
interior. Se antigamente o vínculo passageiro que havia entre indivíduos que
compartilhavam um ambiente (digamos, um vagão de metrô) era corriqueiro, “hoje o
evitamos para procurarmos desesperadamente por conhecidos em nossos aparelhos de
celular” (BAUMAN, 2005). O IRC parece reverter a realidade ao estado anterior.
Sherry Turkle é professora de Sociologia do MIT (Massachussets Institute of
Tecnology). Numa entrevista à revista FAMECOS, recorda: “quando os encontro [os
colegas] nos corredores do MIT, por exemplo, não estamos ali uns pelos outros, mas
para fazer cada um o seu trabalho. Quando as pessoas participam online de uma
42
comunidade virtual, estão ali para responder umas às outras” (FAMECOS, dezembro
1999). Estar dentro do IRC não é uma obrigação, mas uma vontade.
Turkle também propõe uma divisão menos radical, para dar conta de explicar os
novos tempos. Para ela, em vez de virtual versus real, mais correto É dizer: virtual
versus R-V, resto da vida. Isto porque ambas as dimensões possuem, cada uma a seu
modo, sua própria existencialidade.
No dia-a-dia da Internet, o que se percebe é uma crescente permeabilidade na
duvidosa fronteira que supostamente separaria o “real” do “virtual”. No IRC, são
bastante freqüentes os chamados “ircontros”, encontros físicos entre os participantes dos
canais. Nesse sentido, a desterritorialização (mencionada anteriormente) se relativiza, e
há uma predileção por estabelecer relações com pessoas que estejam fisicamente
próximas para facilitar os encontros pessoais.
Via de regra, relacionamentos “virtuais”, à medida que ganham profundidade,
produzem a necessidade de existência de um prolongamento físico. E esse
prolongamento físico, quando acontece, não elimina a necessidade e a vontade da
conversa online. São duas esferas (se é que há mais de uma) complementares, não
excludentes – digamos, por exemplo, que o flerte ganha novas ferramentas, pois uma
mensagem no MSN ou um encontro “por acaso” no IRC não é o mesmo que dar um
telefonema à outra pessoa. Por isto é que atribuir à conversação online a expressão
“realidade virtual” parece tão adequado: é virtual, mas nem por isto deixa de ser real.
43
6
MÚLTIPLAS IDENTIDADES NO IRC
Carl Jung dizia que o ser humano é um todo divisível. Para ele, a alma humana é
composta por várias partes. Entre essas partes, haveria algumas que nunca apareceriam
associadas ao eu, os chamados complexos autônomos. Esses complexos autônomos
seriam os responsáveis pelos sonhos e alucinações.
O complexo do eu é apenas um entre vários. Jung rejeitava a unidade da
consciência. A psicopatologia surgiria apenas nos casos em que um dos complexos da
personalidade se tornasse muito forte, causando ações e pensamentos compulsivos.
6.1
A identidade no IRC
Para alguns, o Transtorno Dissociativo de Identidade, anteriormente Transtorno de
Personalidade Múltipla, consiste na coexistência, em um mesmo indivíduo, de duas ou
mais personalidades. Não raro essas personalidades possuem características bem
marcadas, backgrounds culturais distintos e maneiras diferentes de reagir aos estímulos
do meio.
O principal programa de acesso ao IRC (o mIRC) permite que se mantenham
abertas diferentes janelas. E que uma mesma pessoa acesse um mesmo canal com
diferentes apelidos (nicknames). Tecnicamente, portanto, é o instrumento ideal para
quem deseja manter mais de um perfil de si mesmo.
Sherry Turkle e muitos estudiosos da mente defendem que a psicopatologia ocorre
quando há um fracasso em se integrar as diferentes personalidades de um indivíduo. “O
sintoma da doença é a falta de comunicação entre os componentes do ser” (TURKLE,
p.119).
44
Simone Jappour, psicóloga clínica, também reconhece a normalidade da existência
de diferentes facetas dentro de cada indivíduo. “Eu posso ter milhões de
características”, diz. A doença somente surge “quando as atuações do indivíduo são
absolutamente destrutivas”.
Embora muitos usuários utilizem o mesmo nickname na maior parte do tempo,
compondo-os de maneira a exaltar algo existente em sua personalidade como um todo –
semelhantemente à maneira como são atribuídos apelidos às pessoas, a composição do
nickname também se faz de maneira a exaltar uma única característica, de maneira que
há o questionamento sobre a “esquizofrenia” da ferramenta. Os usuários podem utilizar
a interface de forma a multifacetar suas personalidades em personas, por assim dizer,
simplificadas e “bidimensionais” e suprimir uma experiência mais balanceada e
verdadeira.
Turkle também observou jogadores de jogos do tipo RPG (Role-Playing Game, ou
seja, cada jogador desempenha um personagem numa narrativa interativa) e propõe que
esta experiência na Internet é a vivência de uma narrativa ficcional tanto quanto é a
vivência da “RL” (“Real Life”, ou vida real).
6.2
Nomes, nicknames e facetas no IRC: exemplos reais
H. V., 27 anos, morador de Brasília, desempregado, é um usuário do #filosofia. Ele
possui três nicknames distintos, cada qual com uma personalidade e ideologia diferente.
BodeMorrison talvez seja o perfil com o qual seu eu mais se identifique. É um
“socialista tranqüilo, que lê mais do que escreve”.
Já setembronegro é “terrorista e anti-sionista”. Ele entra no canal geralmente
quando BodeMorrison quer se esconder de algo ou alguém. O baadermeinhof não é
muito usado, e ele não soube falar muito a respeito.
Para ele, sua personalidade como um todo está retratada nos três nicknames. Não há
nenhuma faceta de sua personalidade que não esteja contemplada. Se ele se considera
um indivíduo mentalmente saudável? “Eu sou normal, o mundo é que é doido”.
MORDRED (ou Producao_Independente, ou _Pombo_Negro_) é um caso mais
complexo. Tem 25 anos, e também é de Brasília. Ele distingue personalidade de humor.
45
Também freqüentador do #filosofia, alega ter duas personalidades: uma que acessa e
outra que não acessa a Internet.
A que acessa, por sua vez, é dividida em três “humores”. MORDRED é seu estado
“normal”, Producao_Independente é seu estado bem-humorado (“maternal/paternal”) e
_Pombo_Negro_ é seu estado “negro”, “calculista”, “sombrio”. Todos esses humores
são, no entanto, “balizados pelo mesmo rigoroso código de ética, forma de raciocínio,
traumas, etc.”
Em relação à sua outra personalidade, aquela que não acessa a Internet, ele diz que
há poucas coisas em comum. Também lhe foi perguntado se ele se acha mentalmente
saudável. Sua resposta: “sou um cético.. não acredito no conceito de saúde mental. :-) ”
L. C. Vieira, 18 anos, Paraná, estudante usa dois nicknames no IRC: _HUMANA_
e Foice dos Ventos. O primeiro para quando quer conversar, o segundo para quando
quer apenas “escutar” (ou seja, ler as conversas). Em ambos os casos, ela se diz
analítica, racional, crítica. Quando lhe foi perguntado sobre as diferenças entre sua
personalidade online e sua personalidade offline, ela disse que fora da Internet não sai
falando com qualquer um. O IRC é uma grande ferramenta de desinibição, pois todo
mundo se sente à vontade para puxar conversa com todo mundo, conforme já foi visto.
Por fim, a usuária Ellen, 21 anos, mora em Mogi das Cruzes e é estudante. Ellen diz
ser hermafrodita. Sua identidade sexual de pouco importaria se não estivesse
relacionada com seu comportamento no IRC. Ela muda de nickname com altíssima
freqüência. Durante o tempo em que se conversou, ela trocou de nickname no mínimo
cinco vezes.
Ela não se considera metade homem, metade mulher. Mas uma mulher com pênis –
que ela pretende, por meio de uma operação, extirpar. O objetivo manifesto de sua troca
constante de apelidos é o fato dos outros usuários a confundirem com um homossexual.
“Mas sempre me localizam”, lamenta. Ela diz: “eu sempre sou a pessoa da vida real.
Não tenho identidades psico-virtuais”.
É possível que sua troca constante de nicknames esteja relacionada com a
dificuldade de Ellen se aceitar como o ser humano que é, ou em construir efetivamente
sua identidade. Como se a cada novo nickname ela pudesse renascer. Mas como a
promessa de renascimento não se concretiza (pelo menos, não até a operação), ela
46
continua trocando seus nomes. Sua persona “virtual” parece estar profundamente ligada
a sua persona “não-virtual”.
A troca de nicknames é bastante comum, apesar de alguns usuários utilizarem
sempre a mesma alcunha. Talvez o “normal” seja mudar de humor, e “doença” seja
mudar de personalidade. Todos podem mudar de humor, embora alguns mudem de
nickname quando isto acontece. Assim, “normal” é mudar de humor ou personalidade, e
“doença” é mudar de personalidade sem que as diferentes personalidades se
comuniquem entre si.
O IRC, com sua possibilidade de anonimato, potencializa a multiplicidade natural
do ser humano. Assim sendo, não é um instrumento a favor da loucura, mas, antes, uma
maneira do ser humano se mostrar ainda mais humano. Um comentário interessante é
atribuído ao novelista britânico J.G. Ballard:
“Há vinte anos ninguém imaginaria os efeitos que a Internet teria:
relacionemantos inteiros florescem, amizades prosperam… há uma vasta e
nova intimidade e poesia acidental, isso para não mencionar a mais estranha
pornografia. Toda a experiência humana parece desvelar-se como a superfície
de um novo planeta.” (BALLARD, James Graham) 5
A sectarização por interesses e regiões facilita o encontro de usuários com
interesses comuns. O anonimato, que era um grande advento da Internet naquele
momento, possibilitava ainda falar livremente sobre qualquer coisa, inclusive tabus.
Este trabalho não seria completo se não mencionasse este tipo de uso da ferramenta.
Em fins da década de 90 a utilização dos chats é maior, as redes brasileiras de IRC
tinham mais usuários e a população testemunha uma espécie de sensação de “mágica”
com o que via-se na rede: a possibilidade de conversar com pessoas do Brasil e do
mundo todo, em tempo real, parece incrível.
Com o tempo, o público torna-se mais “exigente”: falar com pessoas do Brasil e do
mundo não é mais o bastante para entretê-las. A façanha não parece mais tão incrível e
os meios evoluiram de forma a valorizar ferramentas que faziam a manutenção de seus
relacionamentos “reais”, como por exemplo o ICQ e posteriormente o MSN.
O número de usuários cresceu o suficiente para que isso fosse possível, pois antes a
rede era reduzida e num círculo de amigos nem todos tinham acesso à Internet.
5
Disponível em < http://en.wikiquote.org/wiki/J._G._Ballard> Acesso em: 25 jan 2007.
47
Assim, a “face” da Internet migra do grande oceano, que valoriza e faz uso do
anonimato e as possibilidades de se falar e ser qualquer coisa, para o modelo do oceano
com apenas algumas ilhas povoadas. A população vislumbra o desconhecido e, tendo
desbravado-o, aporta-se em lugares seguros.
Surgem, assim, instrumentos que mostram o nome e o rosto dos usuários, como os
fotologs, que possibilitam uma espécie de “mircroindústria” de “foto-celebridades”,
posteriormente surge o Orkut, que literalmente “mapeia” as redes de relacionamentos
dos usuários e o YouTube, que ao exibir vídeos dos próprios usuários da Internet,
materializa como nunca antes a máxima de Andy Warhol sobre os “quinze minutos de
fama”.
Assim, as ferramentas da Internet que possibilitam um usuário conhecer o outro
dividem-se em “janelas”, compartimentam-se, mantendo o primeiro modelo da Internet
com o anonimato, e, em outra janela, utilizando a web de maneira “mapeada”.
Usuários do Orkut criam seu cadastro com nome e sobrenome e um outro com
pseudônimos, usuários do MSN* criam múltiplas contas, usuários do IRC utilizam
nicknames alternados, para assim manter a identidade “pública” e a particular.
A linguagem dos anúncios íntimos, troca de fotos e correspondência erótica, antes
legada em sua maioria a revistas masculinas, passa a ocupar estes perfis “secretos” e a
viabilizar de diversas formas esta faceta da comunicação através do computador.
48
Tira de humor de Peter Steiner no jornal The New Yorker
“Na Internet, ninguém sabe que você é um cachorro”. (STEINER, 1993, p. 61).
Assim, deixar um menor desacompanhado utilizar a Internet torna-se o mesmo que
deixar um menor desacompanhado andar pela rua. A ausência de uma vigilância –
pouca coisa é mais controversa e polêmica que a idéia de uma vigilância para a Internet
– possibilita inúmeras ações danosas, que variam desde a troca de fotos envolvendo
pornografia infantil, como o aliciamento e a sedução de menores, o tráfico de drogas e
até a premeditação de crimes.
Enquanto alguns usuários afirmam que o IRC é uma maneira de conhecer
profundamente as pessoas6, outras realidades surgem e é importante alertar a sociedade
para este tipo de ocorrência.
Desde o surgimento da Internet, nota-se que as soluções inovadoras surgem, mas
seu mau uso compromete seu desenvolvimento.
6
A seção ANEXO deste trabalho apresenta entrevista com o usuário Tau, estudante de matemática da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e fundador do canal #brsoft, registrado há quatro anos na rede BrasNet,
que presta auxílio para programação em informática. Tau defende que o IRC serve não apenas para instruir e
prestar auxílio, mas como meio de socialização, estabelecimento de amizades duradouras e inclusive influências
construtivas em novos usuários que se aproximam do círculo.
49
Os canais religiosos, políticos ou de conhecimento existem, são freqüentados e
possibilitam trocas de informação e debates. Entretanto, é como navegar um pequeno
barco numa enxurrada informacional de cultura vigente. Não é, contudo, impossível
aportar numa destas “ilhas” e debater seu ponto de vista.
Numa alusão ao Admirável mundo novo de Huxley, que inicia-se com as palavras
“Comunidade, Identidade, Estabilidade” (HUXLEY, 2000, p.8), o modelo da cultura
vigente pode correr por toda a web, como na alegoria do livro, que demonstra uma
sociedade normativa e ideologicamente uniforme que tira o lugar das experiências
pessoais para as coletivas, num esmagamento da subjetividade.
Na “fábula” de Huxley há uma ilha povoada pelos rebeldes que nao se adaptam
(pode-se dizer que são aqueles que “vencem” a cultura massificada da sociedade
retratada). A web funciona também desta maneira, mesmo que sem a ação de um Estado
organizador: ela possibilita um acesso irrestrito a diversas “ilhas” de subjetividade
independentes, sejam elas na esfera ideológia, social ou pessoal.
50
7
O IRC COMO FERRAMENTA ANTI-HEGEMÔNICA
Falar em hegemonia na sociedade contemporânea é um pouco paradoxal na
instância de pensarmos a sociedade de hoje enquanto “sociedade de informação”. Se a
explosão de das trocas comunicacionais deu-se de forma a baixar os custos da troca de
informação é possível imaginar que a liberdade de expressão e pensamento teria
alcançado um nível utópico.
7.1
Uma maneira instantânea de intercâmbio
Entretanto o que encontra-se, na realidade, é um mar de informações e grandes
fluxos dela. O extremo oposto da sociedade onde a informação era controlada, acarreta
num alienamento semelhante – as informações são tantas que não se encontra
passivamente as informações “anti-hegemônicas”. A cultura de massa reinforça seus
valores estruturais, globalizados e globalizantes, para o espectador passivo.
Felizmente, a passividade diante tela de TV não ocorre com mesma intensidade
diante da tela do computador. O usuário no computador pode ou não receber
passivamente as informações, de forma que a “alfabetização” do meio é que vai
proporcionar a capacidade do usuário “surfar” na Internet, ou navegar por sítios que têm
conteúdo diverso da informação caracterizada como cultura de massa, por exemplo.
O IRC, por sua vez, possibilita a livre expressão e o intercâmbio do bate-papo
síncrono. Isto pluraliza e pulveriza a informação de forma que é possível conversar com
pessoas do mundo todo sem as grandes dificuldades anteriores, onde apenas “fazer
contato” já era fantástico. O IRC permite que pessoas trocassem informações de
51
qualquer natureza, a qualquer momento, em qualquer lugar, segmentadas em canais
divididos por tópicos.
São quatro as principais promessas propostas por esta nova rede de ampla
comunicação: a descentralização de um poder de emitir informações a distância; o
anonimato; o novo poder da audiência em relação a representações que lhes são
transmitidas; a Internet como um lugar terceiro de sociabilidade, para além da família e
do trabalho (VAZ, 2001)
A comunicação possibilitada em nível “muitos-para-muitos” era uma novidade, o
anonimato possibilita a livre expressão e as comunidades segmentam os interesses de
forma a usuários com interesses comuns conseguirem encontrar outros usuários com os
mesmos interesses.
Esta liberdade gera a necessidade da intervenção de servidores, para combater a
pedofilia, a troca de arquivos de pornografia infantil e até crimes que tiveram a Internet
como meio. Esta questão é ainda um pouco delicada, tal como é delicada a política para
o Orkut: a rede BrasNet, por exemplo, tem registrado o canal C.V. (Comando
Vermelho), cujo tópico (mensagem de entrada) em 03/07/2006 era:
* Tópico do canal alterado para 'COMANDO VERMELHO
PORRAAAA....MACACO E A RAINHA VAI VE..VAI VERMELHAR
VAI VE..VAI VERMELHAR..O RIO E TUDO NOSSO PORRA, UM
ALO PROS 40 LADRAO PORRA'
Esta vigilância é feita aos poucos, nota-se que canais com outros temas como
racismo ou pedofilia já são bloqueados pelos servidores.
As discussões a temas construtivos e debates de conhecimento e a adesão à
ferramenta por usuários habituados com a Internet possibilita o encontro de estudantes e
professores, graduandos e profissionais, graduados e pós-graduados, interioranos e
habitantes da capital, assim como a possibilidade de se conversar com pessoas do
mundo todo. Neste sentido, o IRC é uma ferramenta amplamente democrática – é
gratuita e funciona em qualquer computador do mundo, em português, inglês, russo ou
chinês.
52
Este intercâmbio cultural e de conhecimento, auto-regulamentado e regulado pelos
próprios usuários de cada canal (a intervenção dos servidores é mínima, apenas em
abusos de natureza criminosa) permite uma pluralidade de doutrinas e visões políticas
que não são divulgadas nos grandes veículos e que são encontradas com maior
dificuldade navegando pela web. Afinal, na web o usuário procura aquilo que conhece e
numa conversa, nova informação é trazida a ele sem que ele esteja perguntando
necessariamente sobre algum tema. Assim, pessoas de todos os países são convidadas a
reportarem suas impressões e trocarem idéias.
A questão da geografia é inclusive um tema de discussão no canal #philosophy,
como foi exposto anteriormente: o BOT Skept- pergunta aos usuários: É melhor saber a
origem e localização de um usuário antes ou depois de debater um assunto?
A organização dos operadores dos canais de conhecimento pouco influi para que
haja uma “posição política” no canal. Isso seria absurdo, e, além do mais, há uma
quantidade grande de operadores que freqüentam os canais em horários diferentes e que
apresentam diferentes discussões e posições políticas.
No canal #filosofia, por exemplo, as discussões entre operadores e usuários são
normalmente acompanhadas por usuários conhecidos (vínculos duradouros) que tomam
partido de determinado operador (impossível não evocar a figura do bajulador e do
monarca). No #philosophy, onde encontra-se menos vínculos duradouros e, ainda que
haja a identificação dos presentes, há menos “coalizões” e o panorama é um quadro
onde cada usuário opina de forma a ser considerado de forma semelhante (salvo um
arruaceiro ou um usuário muito antigo do canal). Isso possibilita uma democracia de
opiniões, ainda que não haja necessariamente uma síntese nesta dialética – afinal de
contas, ela é necessária? Ou pode-se terminar a discussão ainda tendo pontos de vista
diferentes?
7.2
Momentos históricos
O fato do IRC ser síncrono e de fácil acesso a várias pessoas ao mesmo tempo,
também contribui para que as informações cruzaem o mundo em apenas alugns
segundos. Enquanto as agências de notícias completavam suas manchetes, os usuários
53
do IRC podiam ler através do texto leigo dos usuários a narração de fatos históricos
antes que qualquer um.
Em 1991, com a Geurra do Golfo Pérsico, o IRC foi uma rede de profusão de
informações sobre este conflito. Criou-se espontaneamente (como todos os canais de
IRC são criados) um canal para ouvir os últimos relatos da guerra. Isso possibilita não
apenas uma leitura (literalmente, uma leitura) dos fatos com impressionante atualização
temporal, como também permite uma pluralidade de visões e versões do fato que
nenhum meio de comunicação apresenta. Afinal, não há comprometimento com
instituição alguma, apenas o desejo de dizer ao longe o que acontece por ali.
No golpe contra Boris Yeltsin, em setembro de 1993, o IRC novamente aparece
como ferramenta de multiplicação de relatos acerca dos fatos acontecidos na situação
corrente:
Swe-TV> Sovjet security force has taken control over
internal (state) affairs department, city council and the
TV-hous in Riga. Telephone connections to Vilnius stopped.7
No terremoto em Los Angeles de 1994, seguem extratos do canal #earthquake,
criado para trazer informações sobre o episódio:
<NeilM> join #quaketalk for talk and chat
<KNBC> Fire truck ran into road that had buckled
<NeilM> any nuclear facilities affected?
<tasm> knbc: when .. just now? bad
<KNBC> yeah
<tasm> KCBS - house collapsed on 4 year old child feared crushed to
death
<KNBC> No nuclear affected
<11:13AM KFWB> Just in! Death toll to 16
<11:13AM cavalier> CONFIRMED?
<11:13AM NPR_News> KPPC Quake felt srongest in San fernando valley, and cut a swath from Northridge
<11:13AM KNBC> 17 CONFIRMED
<11:52AM KNBC> HOW IS SANTA BARBARA
<11:52AM KNBC> ANY INFO ON ANGELES CREST NATIONAL FOREST
<11:53AM KNBC> WHT IS HAPPENING IN LANCASTER
7
<SweTV> Força de segurança soviética tomou o poder sobre o departamento de questões internas, o conselho da
cidade e a TV-hous em Riga. Conexões por telefone para Vilnius estão paradas.
54
<11:53AM Newswire> ARCO HA SHUT DOWN ALL OIL PIPELINES IN
LOS ANGELES TO CHECK FRO STRUCTURAL DAMAGE8
Isso demonstra a possibilidade de intercâmbio síncrono, prático e instantâneo no
IRC.
O que resta questionar é que até que haja não apenas o acesso à ferramenta do IRC
– computador, Internet – é necessária alfabetização digital. Não basta saber operá-lo, é
preciso acostumar-se com sua linguagem, sua estrutura, a arquitetura de sua informação
e sua funcionalidade para que realmente a ferramenta passe a ser utilizada para fins de
interesse dos usuários.
8
<NeilM> entre no #quaketalk para falar e conversar
<KNBC> Caminhão de bombeiros entrou em rua que caiu
<NeilM> Alguma instalação nuclear afetada?
<tasm> KNBC: quando? Agora? Ruim
<KNBC> sim
<tasm> KCBS – casa caiu com criança de 4 anos soterrada até a morte
<KFWB> Entendido! Contagem de mortos para 16
<Cavalier> CONFIRMADO?
<NPR_News> KPPC Terremoto sentido com mais força no vale de San fernando e abriu uma vala desde Northridge
<KNBC> 17 CONFIRMADO
<KNBC> COMO ESTÁ SANTA BARBARA?
<KNBC> QUALQUER INFORMAÇÃO SOBRE A FLORESTA NACIONAL ANGELES CREST
<KNBC> O QUE ESTÁ ACONTECENDO EM LANCASTER
<Newswire> ARCO HA DESLIGUE TODOS OS OLEODUTOS EM LOS ANGELES PARA CHEGAR DANOS
ESTRUTURAIS
55
8
COMUNIDADES DE CONHECIMENTO:
PANORAMAS DE DISCUSSÃO
Não é possível avaliar de fato o andamento das comunidades mencionadas sem que
fossem colocadas as discussões na íntegra. Publica-se, assim, dois extratos de
conversação, o primeiro do canal #Philosophy da rede Undernet e o segundo do canal
#Filosofia da rede BrasNet.
8.1
#Philosophy @ Undernet
Este é um extrato de uma conversa ocorrida no #philosophy, em 15/06/2006. No
IRC, não é possível dizer com clareza quando uma discussão começa ou termina, dada a
continuidade incessante do chat.
A intenção desta parte do trabalho é apenas familiarizar o leitor com o ambiente do
IRC, de maneira a ilustrar o que foi dito até aqui.
O debate é sobre igualitarismo e liberdade. Quem lança a discussão é o BOT Skept.
Em seguida, debatem MonaObeys, tikka e kaitlin:
<Skept> Egalitarianism and freedom are functionally incompatible. Disagree?
<coney>
<MonaObeys> egalitarianism is like... equal rights?
<MonaObeys> or that all are equal?
<MonaObeys> or that they DESERVE to be treated equally?
<tikka> no as in microcasm/macrocasm
<MonaObeys> hmm
<tikka> micro-economic freedom and macro-economic freedom, functionally incompatible? yes, disagree
<MonaObeys> economics and freedom are not compatible
56
<tikka> well in egalitarian the economy is based on freedom, whereas in capitalism freedom is based on the economy
<kaitlyn> it is if it's not egalitarian at all. back to the barter system. that's freedom.
<tikka> they arent necessarily incompatible
<tikka> not even functionally
<kaitlyn> they aren't compatible because they are extreme and opposite. however, functionally they are compatible because they aren't as extreme (like we
have today)
<tikka> the family/tribal unit is still very egalitarian, although that may be shifting, i.e. parents charge their kids for rent, use allowance systems to buy additional rights
<tikka> that's what i meant one can coexist inside the other larger one9
Agora RevLuv2pondr entra na conversa. Kaitlin debate com MonaObeys a questão
da igualdade dentro de um sistema maior. Há divergências de opiniões, e notamos aos
poucos pontos de vistas que carregam bagagens histórico-culturais diversas, ainda que
semelhantes – uma equação com a variável do espaçamento geográfico e também da
globalização.
<calf> i used to believe in equality for all
9
<Skept> Igualitarismo e liberdade são funcionalmente incompatíveis. Discordam?
<MonaObeys> igualitarismo como… direitos iguals?
<MonaObeys> ou é dizer que somos todos iguais?
<MonaObeys> ou que DEVEMOS todos ser tratados iguais?
<tikka> não em microcosmo/macrocosmo
<MonaObeys> hmm
<tikka> liberdade micro-economica e liberdade macro-economica, functionalmente incompativeis? sim, discordo
<MonaObeys> economia and liberdade não são incompatíveis
<tikka> bem, no [modelo] igualitário a economia é baseada na liberdade, enquanto no capitalismo a liberdade é
baseada na economia
<kaitlyn> é [incompatível] se não for igualitária em absoluto. De volta ao sistema de barter. Isto é liberdade.
<tikka> não são necessariamente incompatíveis
<tikka> nem mesmo funcionalmente
<kaitlyn> são incompatíveis pq são extremos e opostos. entretanto, funcionalmente, são compatíveis porque são são
tão extremos (como vivemos hoje)
<tikka> a unidade tribal/familiar ainda é bem igualitária, apesar disso estar mudando, por exemplo, pais cobram
aluguel de seus filhos, usam suas mesadas para dar direitos adicionais
<tikka> é isso que quero dizer, um sistema pode coexistir dentro de outro
57
<MonaObeys> everyone is not equal, that is just a silly concept - but everyone
deserves to be treated equally well
<RevLuv2pondr> MonaObeys, I totally agree.
<tikka> egalitarian tribes even exist in large capitalist cities, i.e. everyone pools
their money for the benefit of the group
<kaitlyn> well of course. but it's more like everyone buys into the same system.
like money. we all use money. i don't use gold while you use copper wire. so
basically, there is no freedom to use an alternative system. that's where it's incompatible.
<MonaObeys> this channel is neet10
RevLuv2pondr continua dando o tom da discussão. Falam sobre o modelo de ajuda
econômica dado aos EUA e sobre o modelo contemporâneo Europeu de organização.
Também há uma discussão sobre a esfera “macro” e a “micro” da igualdade numa
sociedade.
<kaitlyn> unfortunately, you cannot grow by denying the freedoms of your best
producers because you consider them extreme.
<RevLuv2pondr> The bailout position for "unequal" Europeans during the 18th
and 20th centuries was North America. If we make the same mistake as Europe did and allow position and advantage to shape access to opportunity, we'll
have failed out purpose and become as boorish and crumbling as Europe presently is.
<tikka> i was just stating that egalitarian subcultures can function within a nonegalitarian super-culture
<Robert-x> what does it surprise you rev?
<LogosD> egalitarian subcultures can function within a non-egalitarian superculture
<LogosD> .. try and fit that on a bumper sticker
<MonaObeys> :D
<RevLuv2pondr> Robert-x, doesn't surprise me at all. It's there to see if you
just look at European history for the past 400 years, and look at Europe today.
10
<calf> eu costumava acreditar em igualdade para todos
<MonaObeys> todos não são iguais, isto é um conceito tolo – mas todos devem ser igualmente bem tratados
<RevLuv2pondr> MonaObeys, concordo totalmente.
<tikka> tribos igualitárias existem até mesmo em grandes cidades capitalistas, por exemplo, quando juntam seu
dinheiro para benefício do grupo
<kaitlyn> bem, é claro. Mas é mais algo como todo mundo comprar uma coisa dentro do mesmo sistema. Como
dinheiro. Todo mundo usa dinheiro. Eu nao uso ouro enquanto você usa cobre. Então, basicamente, não há
liberdade para utilizar um sistema alternative. É aí que é incompatível
<MonaObeys> este canal é legal.
58
North America is on the verge of making the same economic and social mistakes.11
Aqui a discussão se estende ao debate sobre igualdade e idade. Uma criança deve
ser tratada como seus pais? No final, ainda surge um novo tópico: o livre-arbítrio só
existe para o ser humano?
<kaitlyn> i don't think using adults dealing with children proves anything. children are different. they aren't equal at all in society.
<Robert-x> ah, fair enough
<MonaObeys> they're not?
<tikka> no the equality doesnt extend beyond the subculture, i.e. all the kids are
treated equal to the parents (well, hopefully)
<LogosD> kaitlyn: you're suggesting a revival of carthage?
<LogosD> `:/8
<Robert-x> if you cant treat others equal, regardless of age, you're in for some
serious backlash12
11
<kaitlyn> infelizmente, você não pode crescer negando as liberdades de seus melhores produtores porque você os
considera extremistas.
<RevLuv2pondr> A posição de receber ajuda para europeus “desiguais” durante os séculos XXIII e XX foi da
América do Norte. Se cometermos o mesmo erro que a Europa fez e permitirmos a posição de vantagem para
moldar o acesso à oportunidade, nós teremos falhado no propósito e nos tornaremos ineptos e quebrantados como
somos hoje.
<tikka> eu só estava argumentando que subculturas igualitárias podem existir dentro de culturas não-igualitárias
<Robert-x> o que surpreende você, Rev?
<LogosD> subculturas igualitárias podem funcionar dentro de superculturas não-igualitárias
<LogosD> .. tente achar isso num adesivo
<MonaObeys> :D [risos]
<RevLuv2pondr> Robert-x, isso não me surpreende. Você vê isso se olhar para a Europa de 400 anos atrás e olhar a
de hoje. A América do Norte está prestes a cometer o mesmo erro agora.
12
<kaitlyn> eu nao acho que usar adultos lidando com crianças prove algo. Crianças são diferentes. Elas não são
igualitárias em sociedade.
<Robert-x> ah, é justo
<MonaObeys> não são?
<tikka> não, a igualidade não se extende além de sua subculture, por exemplo, as crianças são tratadas
igualitariamente pelos pais (espera-se)
<LogosD> kaitlyn: você sugere um renascimento de of carthage?
<LogosD> `:/
<Robert-x> se vc nao sabe tartar os outros igualmente, independentemente da idade, você pode sofrer retaliações
59
8.2
#Filosofia @ BrasNet
Abaixo segue um trecho de um debate ocorrido no #filosofia, em 10/06/2006. O
debate é de natureza sociológica e histórica. Pastor_Ateu defende o conceito da
“humanidade pendular”: não evoluiria, mas conheceria uma trajetória pendular. Em
cada época haveria um retorno a uma época precendente.
<Pastor_Ateu> Humanidade pendular.
<Miles_Teg`off> ou seja, ideias que parecem boas quando aplicados a um
pequeno grupo selecto, podem não funcionar quando expandem seus
horizontes a grupos maiores e menos coeso
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: não precisa extinguir-se, é uma hipótese,
tanto quanto manter-se, logo é incerto
<Miles_Teg`off> temos aí outro conceito: jumanidade pendular, exponha
melhor o que vc quer dizer com isso
<Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> veja
<Miles_Teg`off> a analogia da ilha pode tambem ser usada para dar um
sentido de tempo
<Pastor_Ateu> Não interpreto o curso do tempo, equanto humanos habitaram a
terra como uma escada.
<Miles_Teg`off> na limitação da ilhas os recursos podem ser exauridos e se
não tiverem mais uma fonte de onde crescer, definham
<Pastor_Ateu> è uma visão distorcida dizer: que subimos degrais.
<Miles_Teg`off> só estou dando exemplos onde vc pode dar base à teoria
<Pastor_Ateu> degraus, efim.
<Miles_Teg`off> bem, mas é como eu percebi que funciona
<Miles_Teg`off> vc crê que a humanidade oscila, e está certo, em parte
<Miles_Teg`off> porem algo na humanidade não regride
<Miles_Teg`off> há algo nela que está em constante evolução
<Pastor_Ateu> quero saber o que é.
<Miles_Teg`off> mesmo que ela repita os mesmos erros
<Miles_Teg`off> que cometa as emsmas atrocidades
<Pastor_Ateu> è um erro interpretar a historicidade humana dentro de uma
concepção evolutiva.
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: ou que se repete!
<Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> olhe o retrospecto
Pastou_Ateu se mostra um relativista. Não acredita no conceito de evolução.
Miles_Teg`off discorda.
60
<Miles_Teg`off> creio que não terão dificuldade em descobrir o que está
sempre em evolução em nós como espécie
<Pastor_Ateu> biologicamente?
<Miles_Teg`off> não
<Miles_Teg`off> embora haja comprovadas mudanças nesse setor tb
<Pastor_Ateu> Miles_Teg
<Pastor_Ateu> Há um emprego errado da palavra evolução
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: o que se repetiria, é o que cham de
medíocre
<Pastor_Ateu> Biologicamente entendo que um animal não evolui.
<Miles_Teg`off> o que há de errado no emprego dessa palavra?
<Miles_Teg`off> o que vc entende por evolução?
<Pastor_Ateu> Mas se adapta. è uma questão de adaptação. Adapatar é a
palavra.
<Miles_Teg`off> adaptar é uma faceta da evolução, mas não única
<Miles_Teg`off> para adaptar ele não precisa evolução
<Pastor_Ateu> A um determinado contexto natural, se adapta os seres.
<Miles_Teg`off> embora possa servir-se dela
<Pastor_Ateu> Isso é fato.
<Miles_Teg`off> se ele passa por uma mutação para se adaptar, se a mutação
é positiva para a sobrevivência, é uma evolução
<Miles_Teg`off> se eu invento a roupa para melhor sobreviver ao frio, não há
evolução, embora haja adaptação
<Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> Mas no sentido lato, evolução poderia nos
passar a idéia de que o estágio anterior é pior. Concordo se dissermos que
algo é pior relativizando.
<Pastor_Ateu> è ruim ser macaco
<Pastor_Ateu> Se o planeta terra só tem água
Miles_Teg`off diz que, ainda que a história corra como um pêndulo, a humanidade
“sempre emerge mais conhecedora”. Seria a história uma espiral?
<Miles_Teg`off> o estado anterior é menos propício à sobrevivência, então,
nesse sentido é pior
<Pastor_Ateu> Este é o ponto.
<Pastor_Ateu> Se você mesmo concorda com esta relativização nao tera
dificuldades
<Pastor_Ateu> em compreender a historicidade como um pendulo.
<Miles_Teg`off> em muitas coisas, sim
<Miles_Teg`off> imperios nascem crescem e caem
<Pastor_Ateu> Então me diga o que não está sob este processo.
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: que ele voltará a acontecer
<Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Retsorpecto
<Pastor_Ateu> Retrospecto
61
<Miles_Teg`off> a consciência de nós mesmos como interdempendentes
<Pastor_Ateu> Aí lhe dou cheque-mate Miles.
<Pastor_Ateu> xeque-mate
<Jesus_of_Suburbia> não é como sugere, um conceito, não necessariamente
é substituído
<Miles_Teg`off> ainda não atingiu todos, mas muito em breve ou atingirá ou
então não terá qqr importância
<Pastor_Ateu> Justamente pelo fato de que a propria construção ideologica do
ser humano é pendular.
<Pastor_Ateu> Não háum estágio de pensamento melhor que outro
<Pastor_Ateu> Se não relativizar isso
<Miles_Teg`off> vc está quase chegando lá, ela é dual
<Pastor_Ateu> Em tempos de guerra, belo é matar para defender a pátria.
Miles_Teg`off quase concorda com Pastor_Ateu, mas defende que nem tudo corre
pendularmente. O debate adentra um pouco a Física:
<Miles_Teg`off> e em quase tudo estamos deslizando entre um extremo e
outro
<Pastor_Ateu> Não é um bom exemplo mas ilustra um pouco
<Pastor_Ateu> Não é o melhor exemplo mas ilustra um pouco
<Jesus_of_Suburbia> Miles_Teg`off: lógico
<Pastor_Ateu> em quase tudo? Você quer salvar algo dessa inexorável
ocorrência?
<Miles_Teg`off> sim
<Miles_Teg`off> por mais repetitiva que uma coisa seja não é suficiente para
se considerar inxorável
<Miles_Teg`off> se é preciso que atinjamos o equilibrio para isso, que
esperemos até conseguirmos este equilíbrio
<Miles_Teg`off> e veja, a humanidade sempre emerge mais conhecedora,
deste pêndulo
<Miles_Teg`off> o conheciment, exceto por algum cataclisma cósmico, é
sempre positivo
<Pastor_Ateu> <Miles_Teg`off> Está dizendo entre linhas, que a ciência pode
se enganar.
<Miles_Teg`off> até mesmo quando cometemos ignominias como queimar
livros
<Pastor_Ateu> Porquê a Física sempre contou com a lei da gravidade.
<Miles_Teg`off> mas isso deveria ser óbvio, a ciência não só pode como se
engana muitas vezes, ou nop mínimno, mostra-se incompleta
<Miles_Teg`off> sempre contou?
<Pastor_Ateu> Digo
<Miles_Teg`off> não estou compreendendo
<Pastor_Ateu> A partir da concepção dessa lei;
62
<Pastor_Ateu> Formulamos outras
<Pastor_Ateu> È como uma casa
<Pastor_Ateu> A base sustenta o restante
<Pastor_Ateu> A ciência é assim
* Knives entrou no canal #filosofia
<Miles_Teg`off> veja, as leis de Newton mostraram-se válidas apenas dentro
do âmbito terrestre, ela não serve para grandes descios disso, como a física do
cosmo e nem a do microcosmo
<Pastor_Ateu> Você não pode dizer
<Pastor_Ateu> Ah, se um dia deixar de ser assim?
<Knives> claro que serve
<Pastor_Ateu> Não se pode fazer isso.
<Knives> pelas leis de newton dá pra deduzir a orbita dos planetas
<Knives> a fisica pra levar o homem a lua é a de newton
<Pastor_Ateu> Enfim, voltemos a idéia anterior.
<Pastor_Ateu> você diz que algo que se repete desde que o mundo é mundo
pode nos surpreender um dia.
<Miles_Teg`off> eu não disse isso, mas é um ponto a ponderar
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: certo
<Pastor_Ateu> Então não podemos afirmar nada
<Pastor_Ateu> òtimo
<Knives> Pastor_Ateu: porque não? já que o que nos surpreende é a
frequencia com que algo ocorre, e não o fato de ser algo inédito ou não
<Pastor_Ateu> <Knives> você fala de possiblidades.
<Pastor_Ateu> òtimo
<Pastor_Ateu> Veja o caos em que estamos
<Pastor_Ateu> Dormir com o sol e acordar com trevas
<Pastor_Ateu> Talvez um dia acordaremos sem o sol
<Pastor_Ateu> Vão ainda mais além do que eu
<Pastor_Ateu> Eu falava do caos ideológico.
<Pastor_Ateu> E vocês já incluem o comportamento do universo
* MORDRED entrou no canal #filosofia
* Anarquico entrou no canal #filosofia
* Filosofia mudou seu nick para Filosofia_longe
<Pastor_Ateu> Enfim, gostaria de saber, o que se salva deste pendulo.
<Jesus_of_Suburbia> MORDRED: hoje o verme não está aqui
<MORDRED> Eu me dou bem com vermes. (o:
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: a inconstância
<Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Isso é tautológico.
* Spiritual|OFF mudou seu nick para Spiritual
* J4C0BS3N entrou no canal #filosofia
* J4C0BS3N saiu do canal #filosofia
<Pastor_Ateu> Miles_Teg estamos de comum acordo sobre a humanidade
pendular?
* _Pombo_Negro_ entrou no canal #filosofia
<Jesus_of_Suburbia> Pastor_Ateu: por que seria?
<_Pombo_Negro_> MORDRED, lerdo da por!
63
<Pastor_Ateu> <Jesus_of_Suburbia> Ora, eu falo da inconstancia exatamente
porque afirmo a humanidade pendular.
<Pastor_Ateu> Nada SEMPRE sobe.
<Pastor_Ateu> Como nada SEMPRE desce.
<Pastor_Ateu> Não estamos diante de uma escada
<Pastor_Ateu> que subimos degrau por degrau
<Pastor_Ateu> Estamos antes diante do caos
<Pastor_Ateu> que tentamos ordenar.
8.3
De Hegel à Nanotecnologia
Através de amostras de conversa (em ambas as redes), pode-se notar um grau
elevado de interdisciplinariedade nas discussões. Exatamente como uma conversa ao
vivo, as discussões no IRC têm assuntos iniciados e encerrados como debates e mesasredondas.
Apesar de novos assuntos serem tangenciados durante os debates (sempre há
usuários mais e menos interessados em diferentes pontos do debate), o que enriquece a
discussão, a evocação dos temas a partir do BOT Skept- e do comando [wheel] e a
adesão coletiva a esta regra como uma “etiqueta” do canal funciona como uma maneira
de respeitar a relevância de cada assunto e as opiniões dos demais usuários, inibindo a
divagação excessiva.
Quando o assunto é encerrado, os usuários percebem o final do mesmo e evocam “a
roda” (do inglês, wheel) novamente, que fará com que o BOT Skept lance um outro
tema para um novo debate. Um usuário também pode lançar uma pergunta de seu
interesse sobre algum assunto, e os mesmos devem ser respondidos sob a abordagem
filosófica.
Pode-se notar que os debates do canal #filosofia têm discussões mais ligadas às
ciências sociais (inclusive a filosofia “pura”, no sentido dos debates de grandes autores
e suas obras – Hegel, por exemplo, aparece com freqüência nas discussões, assim como
Marx. No #philosophy, percebe-se uma presença muito maior de debates científicos,
novas descobertas, cosmologia, tecnologia.
Isto se relaciona também com as facilidades e dificuldades que existem para o
debate em cada um dos canais.
64
No canal #filosofia, o conhecimento específico da filosofia clássica muitas vezes se
faz necessário para que seja possível o entrosamento na conversação.
As apresentações são mais próximas da formalidade do encontro presencial: os
usuários procuram saber onde os visitantes/usuários/operadores vivem, o que estudam,
qual o grau de instrução. Assim, não raro encontra-se pessoas relatando viagens,
diplomas conquistados ou graus de especialização, no intento de posicionarem-se numa
hierarquia social/intelectual.
Isso afasta e elitiza de certa forma a conversação proveitosa, tornando o debate
pouco democrático. Isso pode, inclusive, justificar a presença de tantos usuários
desinteressados em um debate efetivo, que acabam por fazer algazarras e atrapalhar
qualquer andamento de conversa. Na rede BrasNet, vê-se muitos canais “dissidentes”,
como o #humanidades ou #filosofia_ . Brigas entre operadores são constantes, que
começam por divergência de opiniões e rapidamente migram para o aspecto pessoal,
com insultos à formação acadêmica um do outro, conteúdo de trabalhos publicados etc.
Estas questões têm prejudicado grandemente o aproveitamento do canal, que é o
canal brasileiro mais antigo no assunto no Brasil.
Entretanto o problema não é um problema interente ao Brasil – um outro servidor
de IRC no Brasil, o VirtuaLife, surgido após o fechamento da rede BrasIRC, tem sua
freqüência composta na maior parte por usuários do sul do Brasil, mais especificamente
Santa Catarina. Isto torna a freqüência dos canais mais regionalizada, o que muda certos
aspectos de sua visitação.
O canal #filosofia da rede VirtuaLife tem visitações diárias de 5 ou 6 usuários,
normalmente os mesmos. São, em sua maioria, estudantes da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), do departamento de filosofia, letras, física e outros.
O IRC nesta instância permite a discussão dos temas filosóficos, que são bastante
freqüentes, e aumenta a possibilidade do entrosamento interpessoal, uma vez que os
indivíduos encontram-se na mesma Universidade, diminuindo assim o distanciamento
cultural e geográfico.
No canal #philosophy, em contraste com o canal #filosofia da BrasNet (nosso
objeto de análise), o debate é relativamente democrático. Tendo o inglês como língua
65
oficial, é raríssimo que um usuário pergunte a outro sua localização, talvez até como
“medida preventiva” para “bairrismos”, manifestações xenofóbicas ou até mesmo
preconceitos.
Isso dá uma dimensão maior de “chat” para o andamento das discussões – um chat,
onde só se “é” o conjunto de opiniões por detrás de seu nickname, evitando comentários
identificatórios e dedicando-se mormente a comentários e opiniões universais sobre os
assuntos debatidos.
As perguntas são muito bem-vindas. Normalmente são discutidas e as opiniões,
normalmente, mesmo que sejam divergentes equacionam-se em resultados plurais.
São mais raros os debates de “filosofia pura”, ou alta cultura. Encontra-se debates
sobre Marx, Nietzsche e outros nomes, mas normalmente utilizados como referência a
algum assunto em debate.
As discussões científicas são bem mais comuns que nos chats dos servidores
brasileiros. Assim, é comum encontrar usuários que entram no canal com uma única
pergunta específica sobre, por exemplo, a teoria do Big Bang ou sobre números primos
e combinatória.
Em ambos os canais, curiosamente, pouco se discute literatura ou cinema.
Entretanto, há alguns canais no IRC com estes temas para debate.
Em suma, avalia-se que ambos os canais têm seus problemas e qualidades.
Enquanto o canal da Undernet mantém a filosofia clássica em papel coadjuvante, o da
BrasNet faz o domínio em grau elevado deste conhecimento tão imprescindível que
inviabiliza a democracia da discussão. Assim como quanto às ciencias técnicas e exatas,
que parecem superestimadas no #philosophy e subestimadas no #filosofia.
O intercâmbio das soluções e dinâmicas adotadas em cada um dos canais pode
servir, portanto, como base para um modelo de conversação aprimorado, que atente para
a democracia tanto na participação dos usuários quanto na pluralidade das ciências
debatidas, afinal, como vê-se, as discussões passam da metafísica à aritmética, da
fenomenologia à tecnologia em poucos instantes. Assim, há a necessidade de se
organizar os discursos, embora seja importante não tolhir as possibilidades.
66
9
DESPERDÍCIO E APROVEITAMENTO
DA INFORMAÇÃO NO IRC
"As pessoas não navegam pela Web. Elas agora
têm o poder de criá-la. Saindo dos túmulos dos
planos de negócios falidos, essas comunidades
colaborativas de autores e criadores são os
profetas da renascença cultural e talvez
política."
Ecologiadigital.net
Nos capítulos anteriores foi descrita a estrutura do IRC, seu funcionamento e
usabilidade, o perfil e as possibilidades de utilização dos usuários e um panorama das
discussões estabelecidas nos canais escolhidos para avaliação (#philosophy e
#filosofia). Analisamos, a partir de agora, como o conhecimento produzido no IRC pode
ser melhor aproveitado.
9.1
A Internet como a Biblioteca de Babel
A primeira problemática é a do aproveitamento da informação, que constitui em
parte a preocupação deste trabalho. Um enorme número de debates são entabulados
diariamente, da física quântica ao marxismo, da programação de computadores à
biologia, do direito à filosofia, e a não ser pelos participantes presentes, pouco é
aproveitado desta dialética.
No que diz respeito aos bate-papos, no meio corporativo encontra-se a mesma
problemática: encontra-se as “ilhas de conhecimento” no “oceano” da Internet, mas não
consegue-se garimpá-la tão facilmente.
67
Evocando a literatura, pode-se trazer o conto de Jorge Luis Borges, “A Biblioteca
de Babel” para uma alegoria da Internet. A biblioteca do conto traduz-se infinita,
composta de infinitas salas hexagonais, cada uma contendo um determinado número de
livros, cada livro contendo um determinado número de caracteres. Sendo assim, todas as
combinações possíveis constituem a infinidade da biblioteca, mas apenas alguns poucos
livros desta combinatória fazem sentido.
O desafio, portanto, consiste em aproveitar as discussões de forma a preservar seus
resultados de alguma maneira útil.
9.2
O meio corporativo e a Universidade em comunidades de
conhecimento
A organização Apache.org, com unidades em diversas cidades diferentes dos EUA,
especializada em programação de computadores, estabelece em cada segunda sextafeira de cada mês um get-together (reunião menos formal que uma reunião comercial)
de 24 horas utilizando listas de discussão da empresa, o IRC e outras ferramentas
colaborativas, para trabalhar no desenvolvimento do software Forrest e para que os
usuários conheçam mais uns ao outros.
Nas semanas que precedem datas importantes para a empresa, as reuniões têm foco
em trabalhos colaborativos e de grupo (como, por exemplo, mudar o formato de sua
plataforma interna de programação).
A utilização do IRC tem críticas favoráveis. O aproveitamento é grande, o
aprendizado é dinâmico e há a possibilidade de diversas conversas, em grupo e em
particular, simultâneamente.
O contraponto se dá na questão do conhecimento não ser formatado, nem
selecionado, nem passível de edição ou “histórico”. Apesar de haver a possibilidade de
salvar os arquivos da conversa (habilitando a opção “LOG”), estes arquivos raramente
se convertem num arquivo útil, pois há muita informação dispersa entre a informação
aproveitável. John Sisson, da Apalache.org, afirma num debate13:
13
Disponível no sítio da Apache <www.apache.org> Acesso em 25 jan 2007.
68
“O IRC pode ser uma grande ferramenta de aprendizado, entretanto o ponto
negativo é que o que é aprendido não é documentado (como por exemplo na
Wikipédia ou numa lista de discussão por e-mail) para o benefício de outros e
as mesmas perguntas acabam sendo feitas muitas vezes.
“Eu não acho que seja realista pensar que, num servidor de IRC muito
freqüentado, haja um cargo para resumir arquivos de discussão por pessoas
diferentes, até porque esta pessoa talvez não entenda tudo o que foi discutido.
Provavelmente seria melhor cada indivíduo resumir sua própria discussão”.
A questão do “desperdício de informação” ou da “volatilidade dos debates” é
preocupação da empresa, que busca uma maneira de maximizar o aproveitamento da
ferramenta.
O IEA (Instuto de Estudos Avançados) da Universidade de São Paulo (USP) criou
um programa “Cidade do Conhecimento”, cuja primeira atividade é o curso de extensão
universitária “Educar na Sociedade de Informação”. O projeto é iniciativa do
economista, sociólogo, jornalista e professor visitante do IEA Gilson Schwartz.
Segundo Schwartz14,
o desafio é construir comunidades de conhecimento
apontando para a Internet e para as redes como suportes de uma nova era de criatividade
empresarial, institucional e política.
Schwartz também afirma que a Universidade pública é a arena mais apropriada para
esta tarefa e acredita que o desafio é ampliar os impactos da Universidade pública na
formação da cidadania, numa época em que ser cidadão ou „estar incluído‟ são
praticamente sinônimos de ter acesso ao conhecimento.
No sítio da agenda de eventos da USP encontra-se um depoimento de Schwartz
sobre comunidades virtuais de conhecimento:
“Além da interação em sala de aula, o Cidade do Conhecimento busca um
aprendizado sobre a criação e o gerenciamento de comunidades virtuais,
iniciativa importante num momento em que a infra-estrutura de
telecomunicações no Brasil está em expansão e começa a alcançar também a
rede escolar. Para Schwartz, “está nascendo um novo modo de produção de
conhecimento em escala global e o País precisa integrar-se a ele com
autonomia e capacidades críticas e criativas.” (SCHWARTZ, Gilson, 2007).
14
Sítio da Universidade de São Paulo, seção “Agenda” http://www.usp.br/agen/rede722.htm> Acesso em 25 jan
2007.
69
CONSIDERAÇÕES
Criado em agosto de 1988, o IRC, ao longo do tempo, se converteu no mais
utilizado sistema de chats do planeta. Suas limitações técnicas – não é possível
incrementar a conversação com sons ou imagens – serviu, inclusive, para incentivar o
uso criativo da ferramenta. Sua característica síncrona, os múltiplos e simultâneos
canais de comunicação chegaram a um importante papel em acontecimentos históricos –
como a Guerra do Golfo, de 1991, e outros eventos que exigiam diálogo rápido entre
partes distantes.
Formador de comunidades dos mais variados aspectos, o IRC problematiza a
clássica oposição real e virtual, e cuidou de abrir fronteiras. Amizades e
relacionamentos conjugais foram formados dentro dos canais e extrapolaram a tela do
computador.
A transcendência destes “meios” – tanto para outras comunicações mediadas pelo
computador, quanto da comunicação mediada para a direta – também trouxe outros
questionamentos: como em todo fenômeno de massa ligado à Internet (a exemplo do
Orkut, sítio que divulga a rede de relacionamentos do indivíduo, ou do YouTube, sítio
em que usuários comuns podem exibir vídeos) surgem as conseqüências de seu mauuso: o aliciamento e exploração sexual de menores, o tráfico de pornografia infantil, as
manifestações de violência dos comandos do narcotráfico.
Cada um dos canais estudados possui uma lógica diferente. No #filosofia, exige-se
durante os debtaes certo domínio dos textos clássicos e a longo prazo procura-se saber
sobre a formação acadêmica de cada um. Utiliza-se o status como legitimação das
posições defendidas. O #philosophy é um canal com menos formalidade e justamente
70
por isso, com discussões mais colaborativas. O segredo para isso possivelmente reside
na moderação, tanto dos operadores quanto dos usuários.
Interessante notar maior presença do conhecimento de filosofia clássica no canal
brasileiro do que nos chats internacional. Enquanto na discussão do canal brasileiro
temas profundos são tangenciados, no canal #philosophy sempre explica-se desde o
princípio a base dos conhecimentos discutidos. E por outro lado, enquanto numa noite
discute-se uma infinidade de temas no #philosophy, a “informação garimpável” do
#filosofia resume-se a poucos debates durante o mesmo período de tempo.
De qualquer forma, ambos os canais são uma tentativa de superar o caráter lúdico
que a Internet carrega, além de barreiras geográfica, de nacionalidade ou convenções
socioculturais que atrapalham a comunicação no debate.
Além do entretenimento, a função de discutir assuntos relevantes para o
conhecimento existe no IRC. O Orkut, por exemplo, proporciona uma multiplicade
ainda maior de comunidades – mas raramente existe um debate aprofundado, sem
contar ainda o fato do Orkut não ser ferramenta síncrona. A avaliação do Orkut foi
importante pois foi o surgimento de uma nova maneira de “existir” na rede – sem fazer
uso do anonimato que costumava ser característico da rede.
O IRC é uma evidência de que mesmo sob a vigência de modismos e cultura de
massa, a Internet encontra seus nichos específicos produtivos. A minoria que se dispõe a
discutir filosofia e política tem o seu espaço para fazê-lo livremente no espaço do IRC.
Este tipo de procura reinforça uma outra observação feita a partir dos estudos deste
trabalho, que é o modelo das “ilhas de informação” (onde há informação conhecida)
dentro do “oceano” em que se configura a Internet. Assim, percebemos que os
modismos também fazem parte de uma transformação sutil no uso da Internet.
O intuito do trabalho, além de avaliar aspectos do comportamento dos indivíduos
na popular ferramenta de chat do IRC, em especial nas comunidades de conhecimento,
foi aproximar o meio acadêmico desta ferramenta – professores, alunos, pesquisadores.
Considerando que o IRC já é utilizado por inúmeros profissionais do meio acadêmico, o
incentivo por uma adesão maior destes grupos a este ambiente pode ser próspero.
71
Não apenas nos estudos de cibercultura – onde a freqüência ao IRC pode significar
uma experiência “real” da virtualidade – mas sim a todos aqueles que procuram debater
temas muito específicos em comunidades que exigem diferentes graus de instrução. A
presença de graduandos, pós-graduandos, especialistas e doutorados, como visto nas
pesquisas, é significativa nas comunidades de conhecimento do IRC.
A parceria com Universidades parece-me ser a mais eficiente maneira de integrar o
debate das comunidades do IRC com uma formalização e preservação deste
conhecimento. As possibilidades de parceria são muitas.
Considerando ser uma ferramenta de fácil utilização, uma iniciativa possível é a
organização das Universidades brasileiras em torno de um servidor de IRC exclusivo
para Universidades, possibilitando não apenas o debate, mas facilitando também
instâncias de ensino mediado pelo computador. O IRC poderia servir, inclusive, para
plataformas para entrevistas, encontros e debates com professores e autores da área
acadêmica.
A proximidade com o meio acadêmico pode permitir maior intercâmbio, menos
formal e mais “interpessoal”, entre conhecedores de diversas áreas – um intercâmbio
muito plural.
Um sistema de identificação dos usuários pode ser idealizado também, para que
seja possível creditar autores que façam suas contribuições durante e a partir das
discussões no IRC, informando a instituição de ensino a qual pertencem, por exemplo.
Uma outra iniciativa pode visar a edição dos arquivos de conversação, que na
maioria dos canais com presença de BOTs estão arquivados, embora não estejam
organizados ou formatados.
Um projeto de integração do conhecimento acadêmico em vários níveis
desenvolvido para a web – portais de informação, entrevistas, discussões, publicações –
poderia utilizar o IRC como grande ferramenta de integração.
Este trabalho já tem grande parte de seu intuito cumprido ao trazer à luz do
conhecimento acadêmico a existência do IRC e a pluralidade e riqueza de suas
comunidades de conhecimento.
72
Assim, é esperado que quando surja a oportunidade de integrar e trabalhar um
projeto desta natureza, seja possível contar com mais uma ferramenta no intuito da
colaboração com a idéia de integrar o conhecimento, ampliar o intercâmbio e expandir
suas fronteiras de forma ordenada e frutífera.
73
REFERÊNCIAS
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<http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/comunicacaovirtual/0127.htm>
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74
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Revista FAMECOS, Porto Alegre, dezembro 2001.
Revista WIRED, Nova Iorque, setembro 2006.
ROCHA, José Antonio Meira da. O mito do “virtual” e da “virtualidade”. Disponível
em <http://www.meiradarocha.jor.br/index.pl/o_mito_do_virtual> Acesso em: 25 jan.
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ROCHA, José Antonio Meira da. Modelo de trabalho de conclusão de curso (TCC).
Modelo de documento digital do programa OpenOffice 2.0 disponível em
<http://www.meiradarocha.jor.br/uploads/1021/196/modelo_de_projeto_de_TCC-200606-12a.sxw>. Acesso em: 25 jan. 2007.
SILVA, Michele Tancman Candido da. A territorialidade do ciberespaço. Disponível
em <http://www.tamandare.g12.br/ciber/territoriovirtual.PDF> Acesso em: 25 jan.
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<http://www.revista.unicamp.br/infotec/artigos/renato.html> Acesso em: 25 jan. 2007.
THUMS, Jorge. Acesso à realidade: técnicas de pesquisa e construção do
conhecimento. Porto Alegre: Sulina/Ulbra, 2000.
75
GLOSSÁRIO
IRC – Internet Relay Chat: é um protocolo de comunicação bastante utilizado na
Internet. Ele é utilizado basicamente como bate-papo (chat) e troca de arquivos,
permitindo a conversa em grupo ou privada, sendo o predecessor dos mensageiros
instantâneos actuais.
Servidor de IRC: O IRC é um protocolo aberto que usa o TCP e opcionalmente
SSL. Um servidor de IRC pode ser ligado a outros servidores de forma a expandir a
rede de IRC. Para que os utilizadores tenham acesso às redes de IRC é necessário ligar a
um dos servidores utilizando um cliente apropriado.
Nickname: apelido utilizado para identificar o usuário ao acessar um servidor de
IRC.
Canal: É onde os utilizadores podem juntar-se e enviar mensagens que são depois
reenviadas para todos os outros utilizadores do mesmo canal. Os canais que estão
disponíveis através de toda a rede de IRC são precedidos de um „#‟.
OP ou OpChan: Operador de canal. Os privilégios dos operadores de canal
permitem expulsar utilizadores (“kick”), colocar modos (preferências do canal), e alterar
o tópico do canal se este estiver „+t‟ (se o modo do canal para tópico estiver habilitado).
Voice: Os privilégios dos utilizadores com „voice‟ permitem ao utilizador falar no
canal se este estiver moderado (o modo „m‟, dentre os modos de canal, permite apenas
usuários com privilégio de operador e voice falarem no canal).
Founder: É o usuário com maior privilégio, similar a um operador de canal, mas
que pode alterar mais funções no canal.
76
Topic: É o tópico que fica na barra de título da janela do canal. Normalmente tratase do assunto em pauta, avisos ou até datas comemorativas, URLs em evidência ou
aniversários de usuários.
Ban: É o comando para banimento, ou seja, a expulsão com tempo determinado do
usuário do canal. Apenas pode ser executado por um OP.
Kick: É uma expulsão imediata, sem tempo determinado para o afastamento do
canal. O usuário pode voltar imediatamente para o canal, pois o “kick” serve como
alerta.
PVT: Janela de conversa particular, aberta a partir do duplo click sobre o nickname
do usuário com quem se deseja conversar ou através do comando “/msg” seguido pelo
apelido do destinatário.
Nuke: Espécie de ataque feito através do IRC, como usar mensagens ICMP do tipo
unreachable para desligar ligações TCP ao IRC, feito para chatear utilizadores ou
facilitar “takeovers”.
Takeover: É quando um usuário ou um grupo de usuários utiliza-se de ataques para
tomar o registro de canais ou derrubar os operadores (pois com o canal vazio, o
primeiro a entrar recebe automaticamente o privilégio de operador).
DCC: Sistema utilizado no IRC para troca de arquivos como imagens, músicas,
vídeos.
Status (janela): É a janela permanente que mantém o usuário conectado ao
servidor de IRC. Ali são exibidas as informações de saudação do servidor, as regras de
utilização do servidor e informações sobre a conexão (ping).
Ping: Tempo de retorno de envio e recebimento de mensagens para o usuário.
Lag: Atraso no tempo de envio das mensagens. Ocorre quando o servidor de IRC
está sobrecarregado ou quando a conexão do usuário está lenta.
Whois: Comando direcionado ao usuário, exibe informações sobre o usuário
digitadas na entrada do IRC (nome, e-mail, sistema operacional, identificação). Exibe
também em quais canais o usuário está conectado no momento.
List: Comando para exibição da lista de canais do servidor.
77
ANEXOS
ENTREVISTA: Zendroid
O usuário Zendroid, cursando PhD em psicologia na Austrália, usuário há mais de 6
anos do canal #philosophy na rede Undernet, comenta a construção de seu apelido
baseando-se na teoria de Walther sobre “hiperpersonalidade”, que é o teórico que estuda
seu projeto de fornecer aconselhamento psicológico online.
“Ele [o apelido] fala sobre outros fatores de comunicação na Internet, tipicamente
via chat, onde as pessoas criam uma apresentação altamente controlada de si mesmo.
Por exemplo, eu sou kungfuzi e zendroid. Estas identidades, se você quiser, tendem a
comunicar apenas alguns aspectos de si mesmo. Muito de mim não é compartilhado ou
especificamente escolhido para não ser comunicado.
“Eu gosto de kung fu, logo, kungfuzi (também uma alusão a Confucius). Meu outro
nickname, Zendroid, também é semelhante. Era originalmente Zenjite, mas numa
brincadeira, acabei mudando para Zendroid e gostei. Meu nome é Bem, e meus amigos
me chamam de Benji – então virou Zenji... até porque devem haver muitos “Bens” que
gostam de Zen... Zenjis... e Zenjite para o Zen assim como Israel para Israelita
(“Israelite”).
“Sobre meu projeto de aconselhamento online, se Walther estiver certo – e a
maioria dos teóricos cognitivos concordam com ele – isto significa que as pessoas
poderiam conseguir alguns resultados através do aconselhamento online.
“Isto significa que quem opta por tentar o aconselhamento online vai desenvolver
objetivos pragmáticos que eles crêem serem alcançáveis, e vão apresentar a si mesmos
78
numa maneira bastante específica, sabendo o que eles querem obter daquele que
aconselha.
“Este “conselheiro”, por sua vez, irá identificar esta “apresentação” e oferecer
reflexões sobre ela. Estou sendo bastante breve, mas é mais ou menos assim que
funciona”.
ENTREVISTA: Tau
O usuário Tau, estudante do 3o ano de matemática da UFRJ, é fundador do canal
#brsoft na rede BrasNet. Tau diz ter organizado um canal duradouro através de esforços
em fazer do canal um ambiente semelhante a uma rede de amigos e, além disso, de
ajuda mútua em programação de computação.
Pergunta: Você acha que ele contribui para responder tanto perguntas mais
simples como mais complexas?
Primeiro, eu como idealista e fundador do #brsoft, implemento nas pessoas lá uma
ideologia, e uma filosofia minha, adquiridas com a inteligência que possuo e com o
tempo de vida que tive. Consiste no seguinte: respeitar uns aos outros, não por poder ser
punido, mas por esperar que sempre você precisará de ajuda. As pessoas vão ao #brsoft
porque elas já sabem que lá é um canal de amigos e que poderão obter ajuda lá.
Quanto à pergunta sobre as perguntas mais complexas, sem sombra de dúvidas. Há
algum tempo atrás, quando eu fundei o #brsoft, o pessoal que entrava lá não tinha
conhecimento de programação, eu criei programadores do nada. Eu forjei pessoas, e o
caráter de cada uma delas. Tome como exemplo o FULIGEM, ele me admira, e eu o
ajudo em todos os sentidos da vida. Eu não busco como foco principal mudar o mundo,
eu busco como foco principal criar um “mundo” ao meu redor, que seja do meu gosto.
Eu sou um dos lideres, para ser líder é preciso ser admirado, mas não basta ser admirado
para ser um bom líder, é preciso admirar a si próprio antes de mais nada.
Qualquer individuo dotado de bom senso, é capaz de saber o que é correto e errado
de acordo com a moral imposta pelos seus antecessores.
79
E o que eu sou? Um sujeito com uma boa moral, apenas isso, por isso me admiro,
mas o fato de ser admirado, não está intimamente ligado com a minha moral, mas com
minhas vitórias nos campos de batalhas.
A idéia é que o brsoft se transforme numa família. Numa corrente, onde todos se
ajudem mutuamente, mas sem ligação com religiosidade, apenas com o sentido lógico
da coisa.
Pergunta: Como você acha que se dá a passagem do mundo virtual para o
real? Como isso aconteceu no #brsoft?
Eu já conheci várias pessoas do virtual para o real. E vou lhe dizer, não muda em
nada. Eu particularmente continuo agindo da mesma maneira. E todos aqueles que
conheci, também agiram. É claro que muitas pessoas, dependendo da mente, tem certas
restrições. Eu notei essa aproximação nas outras pessoas, não em mim, pois sempre
foram o que foram. Independente de estarem a dois passos de mim, ou a dois mil km.
Eu tenho amigos de anos aqui.
Pergunta: Passar uma sexta-feira teclando é próximo de passar uma sextafeira num bar. Você concorda com isso? Tem algum comentário?
Passar uma sexta feira teclando é melhor que passar uma sexta em um bar. Pois
num bar você pode voltar com a cara quebrada, pois não sabe com quem conversa. Mas
aqui não, você pode saber exatamente com quem conversa antes de tudo.
Veja, a tendência das pessoas é se tornar livres. E a Internet proporciona isso a elas.
Por mais que se precise se isolar em grupos, as pessoas sempre estarão ligadas via a
grande aldeia global. O IRC sem dúvida é o meio mais fantástico de conhecer mentes, e
aprender com as pessoas. Você pode estar com 100 pessoas numa sala, e conversar à
vontade. Isso sem dúvida é fantástico, você jamais poderia fazer isso ao vivo.

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