Perfil Inês Cordeiro

Transcrição

Perfil Inês Cordeiro
A rainha das manhãs
Costumava gravar programas e entrevistas de rádio sozinha em criança, mas
durante muito tempo quis ser educadora e psicóloga. Depois de quatro anos de
curso e de passar por todo o tipo de empregos, Inês Cordeiro assentou na rádio e
hoje é a rainha das manhãs da Star FM.
João Pedro Pincha
Exasperada com o painel de mistura de 70 anos que tem à frente, Inês Cordeiro
introduz as notícias das 9 e meia. O estúdio que a Star FM ocupa é provisório e tudo o
que aqui está já existia antes do 25 de Abril. Quando a colega da redacção acaba de ler
as notícias, Inês confessa: “Ontem deu-me um ataque de nervos com isto.”
Nada habitual nela, confirmam todas as colegas. “É das pessoas mais bemdispostas aqui dentro, tem sempre uma piada pronta”, diz Rita Soares, da redacção, que
é comum a todas as rádios da Media Capital, de que faz parte a Star. Foi ali que Inês
começou, a fazer notícias para a Best Rock. “Quando entrei havia uma redacção que
estava cá há 30 anos e depois caiu, mas foi muito bom para aprender diferentes
perspectivas do jornalismo”, diz.
Enquanto se vai ouvindo Joe Dassin, Inês canta, bate o pé no chão, refaz textos e
revê o alinhamento para os próximos minutos. É todos os dias assim, das 7 às 11, “mas
não é monótono porque gosto disto”, diz, antes de a virem avisar que andam sapos na
rua. É a forma como aqui tratam os inspectores da EMEL. Inês sai disparada do estúdio
para dar moedas a alguém que lhe vá renovar o parquímetro. De regresso, repete: “Nada
monótono mesmo.”
A paixão pela comunicação começou muito cedo, “já falava com um ano e
meio”, recorda a mãe Paula Cordeiro. “Desde muito nova já brincava às rádios, punha
música, dançava e andava a entrevistar toda a gente”, conta o irmão João Domingues.
Inês lembra-se bem destes tempos, mas admite que a comunicação não foi a sua
primeira escolha profissional: “Lá para os doze, treze anos quis ser educadora, por
influência da minha mãe, mas depois o meu sobrinho mais velho cortou-se com um xato e isso foi uma experiência traumática. Disse à minha mãe que não, que criava os
meus filhos, mas não os dos outros.” Outras ideias da adolescência foram ser
cabeleireira e psicóloga, mas nenhuma acabou por ganhar, porque é a própria Inês a
assumir: “Sou muito teimosa, as minhas primeiras escolhas vingam quase sempre.”
Mesmo durante o curso de Ciências da Comunicação e Cultura, teve dúvidas,
mas acabou por se decidir pelo jornalismo: “Havia as vertentes de cinema, marketing,
gestão de actividades culturais. Mais uma vez pensei que o jornalismo tinha sido a
minha primeira escolha, logo era para ali que eu ia”, diz, com Paula a concordar: “Ela
tem uma personalidade muito vincada.”
Esta personalidade, que se traduz numa veia contestatária, já lhe trouxe
dissabores. “Sempre foi contestatária, punha-se em causa para conseguir melhorias”,
conta a mãe. Inês relata que “na Lusófona foi-nos prometido a todos um curso do
Cenjor, mas houve uns problemas e a Universidade perdeu o protocolo. Andei um ano a
batalhar para que tivéssemos o curso e graças a isso todos os alunos da vertente de
Jornalismo tiveram esse curso.”
Quando acabou a licenciatura, Inês estagiou na Rádio Lezíria, em Vila Franca de
Xira, onde fazia de tudo, desde trabalho jornalístico a limpezas. Apesar da dureza de ir e
vir todos os dias, e de estar praticamente sozinha a comandar a rádio, diz que a
experiência “foi óptima.” Faltavam-lhe apenas três meses para obter a Carteira
Profissional quando se veio embora, para trabalhar na Experimenta Design e, pouco
mais tarde, entrar na Media Capital Rádios. Pouco depois de chegar, foi convidada para
ser locutora da ainda não nascida Cidade FM, mas recusou: “Acho que fiz bem em não
ter aceite ir para a Cidade na altura. Aprendi muito e consegui ir para a animação mais
tarde, por isso não me arrependo.” Depois de um período na Best Rock, passou para a
Comercial, “que estava muito mal tratada, porque tinham tido o projecto megalómano
de copiar a RFM.”
Foi uma fase dura. Ao chegar à Comercial, Inês trabalhou directamente com
Pedro Ribeiro, o actual director, que tentava recuperar a rádio. Passado um tempo,
começaram a namorar. “Gerou imensa celeuma, porque as pessoas de repente
esquecem-se do passado e começam a dizer que eu estava onde estava por namorar com
ele”, conta um pouco revoltada, admitindo que “na rádio há algum cinismo.”
A mãe é taxativa: “Não foi por namorar com o Pedro que chegou onde chegou,
ela mereceu o programa porque é lutadora.” A saída da Comercial foi feita à pressa,
porque Inês não queria que a vida pessoal interferisse na profissional, e assim abraçou o
projecto da Star FM: “Quando fui escolhida para as manhãs da Star houve logo
comentários: a miúda é que vai fazer manhãs?”
A Star FM nasceu em Novembro de 2010 para vir ocupar um nicho de mercado
inexistente em Portugal, o da música dos anos 40, 50 e 60. Carla Vicente, a produtora
do programa de Inês, conhece-a desde essa altura: “É muito descontraída e muito bemdisposta, mas muito exigente consigo mesmo. Não vai nada para o ar sem ser
preparado.” A exigência e perfeccionismo são características que facilmente lhe são
atribuídas, tanto por familiares como por amigos e colegas. Margarida Gonçalves,
jornalista, diz que “é uma bacana, sempre pronta a ajudar, mas demasiado exigente e
extremista consigo mesmo.”
Marisa Tavares, também jornalista, amiga de Inês desde os 14 anos, admite que
a princípio “não gostava nada dela”, mas foram-se gradualmente aproximando. Não tem
problemas em dizer que “a primeira impressão foi péssima” e que ainda hoje acha Inês
arrogante, “o que pode ser bom, porque ela sabe gerir isso.” Juntas fizeram toda a escola
secundária, curso superior e até empregos, na Rádio Lezíria e em ATLs. Têm o hábito
de ir todos os anos a quase todos os festivais de Verão e fazem férias juntas, uma
convivência que deixa Marisa à vontade para dizer que “os traços principais da Inês
continuam na mesma, mas ela está mais tolerante e ponderada. Quando está maldisposta
é insuportável, mas quase sempre faz a festa sozinha. É transparente: se tem de chorar,
chora; se está feliz, está mesmo feliz.” O irmão João corrobora: “É uma mulher
apaixonada, vive as coisas com intensidade, embora saiba racionalizar as emoções.”
Alegre com os primeiros dados de audiência da Star, que lhe dão 0,9 por cento
em Lisboa, Inês é, contudo, reservada quanto ao futuro: “A Star vai ter sucesso, mas não
ao nível de uma M80 porque tem um emissor de muito baixa potência.” Apesar deste
sucesso, Inês já viu o seu trabalho directamente criticado “por um fórum nojento, o
Onda da Rádio. Perguntei a esses senhores quem eles eram e eles responderam
vagamente, a dizer que não podiam dizer quem eram. Desde aí, criticam-me de vez em
quando.”
Paula Cordeiro vê o futuro de Inês como uma grande interrogação: “Mas acho
que ela não se deve acomodar, não deve nunca perder a motivação.” Inês, que vê na
mãe um modelo e com quem tem uma grande relação de companheirismo, pensa o
mesmo: “Comecei quase pelo fim, pela animação, uma mulher fazer manhãs sozinha é o
topo, mas quero fazer outras coisas. Quero fazer rádio para sempre.”