distúrbios hemorrágicos do recém-nascido

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distúrbios hemorrágicos do recém-nascido
DISTÚRBIOS HEMORRÁGICOS DO RECÉM-NASCIDO
Maria Francielze Holanda Lavor
As síndromes hemorrágicas no período neonatal podem resultar de alterações no
mecanismo hemostático como integridade dos vasos sanguíneos, plaquetas e fatores de
coagulação.
ALTERAÇÕES VASCULARES
Podem ter como etiologia causas hereditárias (Telangiectasia hemorrágica
familiar) ou adquiridas (como hipóxia grave, infecção, hipotermia e trauma). As
adquiridas se associam frequentemente com alteração no número de plaquetas e nos
fatores de coagulação.
ALTERAÇÕES PLAQUETÁRIAS
A trombocitopenia neonatal é definida como o número de plaquetas abaixo de
150.000/mm3 e pode ocorrer devido a destruição aumentada das plaquetas
(trombocitopenia imunomediadas e não-imunomediadas), diminuição na produção de
plaquetas, esses dois fatores combinados ou disfunção plaquetária.
TROMBOCITOPENIA
PLAQUETAS
POR
DESTRUIÇÃO
AUMENTADA
DAS
Púrpura trombocitopênica imunomediada:
Auto-imune – nesse caso a mãe é portadora de púrpura
trombocitopênica idiopática ou pode estar associada a doenças maternas
como lúpus eritematoso sistêmico, hipertireoidismo ou uso de drogas
pela mãe como digoxina, sulfamida. A mãe produz anticorpos IgG que
tem capacidade de atravessar a placenta e atingir as plaquetas do feto.
Então a mãe apresenta plaquetopenia e história de sangramento e o RN
saudável, sem clínica ou apenas um quadro leve de sangramentos
(petéquias) e um risco menor do RN apresentar sangramentos graves
como a hemorragia intracraniana.
Aloimune – a mãe produz anticorpos contra as plaquetas fetais. A mãe
apresenta plaquetas normais e o RN saudável com petéquias, ou
hemorragia gastrointestinal ou do trato genitourinário e há um risco
elevado do RN apresentar hemorragia intracraniana precoce.
Púrpura trombocitopênica não-imunomediada:
Esta condição está associada a condições patológicas neonatais como:
enterocolite necrosante, sepse, anemia hemolítica, policitemia
exsanguíneotransfusão,
retardo
de
crescimento
intra-uterino,
hiperesplenismo, hemangiomas (síndrome de Kasabach-Merrit), nutrição
parenteral prolongada, hipertensão pulmonar persistente neonatal,
Isoimunização Rh e erros inatos do metabolismo .
TROMBOCITOPENIA
PLAQUETAS
POR
DIMINUIÇÃO
NA
PRODUÇÃO
DE
Esta condição pode estar associada a várias doenças congênitas
como:Anormalidades cromossômicas como as trissomias do 13 e 18, leucemia
congênita, Anemia de Fanconi, Trombocitopenia com ausência de rádio,
trombocitopenia amegacariocítica.
DISFUNÇÃO PLAQUETÁRIA
Nessa condição as plaquetas apresentam-se em número normal, porém a função
como agregação encontram-se alterada. Podem ser adquiridas como é o caso de uso de
drogas maternas como aspirina, penicilina, cefalosporinas, carbenecilina e
indometacina, também pode estar associada a desordens metabólicas relacionadas a
fototerapia, diabetes materno e acidose. Também podem ser hereditárias como a
tromboastenia de Glanzmann, Síndrome de Bernard-Soulier e Síndrome de WiskottAldrich.
DEFICIÊNCIA DOS FATORES DE COAGULAÇÃO
ALTERAÇÕES
COAGULAÇÃO
HEREDITÁRIAS
NOS
FATORES
DE
Hemofilia A- deficiência do fator VIII.
Hemofilia B – deficiência do fator IX.
Aproximadamente 10% dos casos de hemofilia apresentam
manifestações no período neonatal tais como sangramentos leves a
intensos em locais de punção, coto umbilical, em pós operatórios e
hemorragia in tracraniana.
Doença de Von Willebrand – é a deficiência do fator de Von
Willebrand que é um co-fator da adesão plaquetária e um carreador do
fator VIII na circulação e exerce um papel importante na hemostasia.
ALTERAÇÕES
COAGULAÇÃO
ADQUIRIDAS
NOS
FATORES
DA
Deficiência de Vitamina K - que leva à deficiência de produção dos
fatores II, VII, IX e X, sendo responsável pela chamada “Doença
Hemorrágica do Recém-Nascido” (ver detalhes na tabela 1).
Coagulação intravascular disseminada (CIVD) – é uma coagulopatia
adquirida que se carcteriza pelo consumo intravascular de fatores de
coagulação, principalmente I,II,V,VIII e XI e de plaquetas. Pode ser
desencadeada por: asfiiixia grave, hipotermia, sepse, choque
hemorrágico, aspiração meconial, acidose, enterocolite necrosante e
síndrome do desconforto respiratório neonatal.
Doença Hepática – que leva a deficiência do fator V
Tabela 1. Doença Hemorrágica do Recém-Nascido
Precoce
Clássica
Tardia
< 24 horas de vida
2 a 7 dias de vida
2 a 12 semanas de vida
materno
de
e Uso
de anticonvulsivantes
(barbitúricos
e
fenitoina),
de
anticoagulante
oral
(ACO), rifampicina,
isoniazida e causa
idiopática
Oferta inadequada
de vitamina K ao
nascimento
e
aleitamento
materno exclusivo
Oferta inadequada de
vitamina
K
ao
nascimento
e
aleitamento materno
exclusivo associado a
situações de alteração
na
absorção
da
vitamina K como:
diarréia,fibrose cística,
hepatite,
doença
celíaca, deficiência de
1 antitripsina e atresia
de vias biliares
Localização
TGI, umbilical, intraabdominal,
HIC*
(20%)
e
céfalohematoma
TGI,
umbilical,
pós-circuncisão,
ouvido, nariz, boca,
pontos de punção e
HIC
HIC (50%), TGI**,
pele,
ouvido,nariz,
boca,
pontos
de
punção,
TGU***,
intratorácico
Profilaxia
Se possível suspensão Vitamina K 1 – Vitamina K 1 – 1mg/IM
da medicação
1mg/IM
ao ao nascimento e a cada
materna. Substituir o
nascimento
4 semanas
ACO por heparina no
primeiro e no terceiro
trimestres de gestação.
E para todas indicar
vitamina K 1 - 5mg
/diaVO
Início
Etiologia
fatores
risco
*HIC- hemorragia intracraniana ** TGI- trato gastrointestinal ***TGU- trato genitourinário
DIAGNÓSTICO
DIAGNÓSTICO CLÍNICO
O diagnóstico clínico do recém-nascido que sangra baseia-se na história e no
exame físico.
História familiar – avaliar a existência familiar de coagulopatias como
Hemofilia A e B, história materna de púrpura tombocitopênica
idiopática.
História obstétrica- dados sobre infecções maternas, uso de drogas
comno anticonvulsivante (fenitoina), anticoagulantes orais, rifampicina,
isoniazida, hidralazina, indometacina, penicilinas e carbenicilinas em
altas doses, cefalosporinas, sulfonamidas e quininas.
Exame Físico do RN – avaliar os locais de sangramento, investigar a
presença de icterícia, hepatoesplenomegalia, hemangiomas e sinais
carcterísticos de infecções congênitos.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Se o RN apresenta hemorragia do trato gastrointestinal (TGI) deve-se
proceder o Teste de Apt com NaOH 1% - para fazer o diagnóstico
diferencial entre sangramento do TGI e deglutição de sangue
materno.Para isso, mistura-se uma parte da secreção sanguinolenta do
TGI do RN com cinco partes de água e centrifuga a mistura. Junta-se
5mL do sobrenadante com 1mL de NaOH 1% e então se a coloração for
róseo indica sangue do RN (teste de Apt positivo) e de for marrom –
amarelada indica sangue materno deglutido.
Se o RN apresenta hemorragias em outros sítios e/ou teste de Apt
poisitivo, realiza-se um screenig de coagulação :
Hemograma com contagem de plaquetas, Tempo de Protrombina (PT),
Tempo de Tromboplastina Parcial (TTP) eTempo de Trombina (TT)
Se esses testes forem alterados, realiza-se a dosagem dos fatores de
coagulação, dosagem dos produtos de degradação da fibrina (PDF),
tempo de sangramento e testes de adesividade e agregação plaquetária.
Roteiro Diagnóstico na Síndrome hemorrágica do RN (modificado de Gross &
Stuart)
RN em bom estado geral que sangra
Número de Plaquetas
_________________________________________________________
Normal
Diminuido
TP e TTP
-Doenças maternas
-Drogas
-Púrpura isoimune
-Trombocitopenia
hereditária
TP normal
TTP normal
Tempo de
sangramento
Normal
Prolongado
Deficiência
fator XIII
Defeito
qualitativo das
plaquetas Von
Willebrand
TP normal
TTP prolongado
TP prolongado
TP prolongado TTP
prolongado
TTP normal
Tempo de
Trombina
Administrar 2mg
vitamina K
Deficiência
fator II e VII
Repetir TP e TTP após
4 horas
Normal
Prolongado
Def. fator
VII, IX, XI,
XII, Von
Willebrand
Efeito
heparínico
TP normal
TTP normal
Def.
Vitamina K
TP= tempo de protombina
TTP= tempo de tromboplastina
TT= tempo de trombina
CIVD = Coagulação intravascular
Normal
Def. fator V ou X
TP prolongado
TTP normal
TT
Prolongado
Afibrinogenemia
Desfibrinogenemia
Roteiro Diagnóstico na Síndrome hemorrágica do RN (modificado de Gross &
Stuart)
RN em mau estado geral que sangra
TP e TTP
TP normal
TTP normal
TP= tempo de protombina
TTP= tempo de tromboplastina
CIVD = Coagulação intravascular
TP prolongado
TTP prolongado
TRATAMENTO
Medidas Gerais
Manter vias aéreas pérvias e respiração efetiva, monitorização
gasométrica e por oximetria de pulso. Evitar hipóxia, acidose respiratória
e/ou metabólica.
Manter estabilidade hemodinâmica.
Lavagem gástrica com soro fisiológico em temperatura ambiente (evitar
soro gelado.
Evitar injeções intramusculares, punções vasculares, capilares e
procedimentos invasivos.
Corrigir anemia, manter hematócrito acima de 40%.
Medidas especíificas
Tratar as causas específicas do sangramento de cada RN:
Púrpura trombocitopênica auto-imune – uma contagem inicial de plaquetas
de 30.000 a 50.000/mm3 pode ser observada para se determinar uma tendência prévia a
tratamento. As terapias atuais de primeira linha são dose elevada de imunoglobulina
intravenosa (IV IgG) 1g/Kg/dia por 2 dias e/ou prednisona 3 a 4mg/kg/dia inicialmente.
Acompanhar com contagem de plaquetas; pode-se repetir a IV IgG se o número de
plaquetas aumentou no primeiro momento e caiu novamente mais tarde.Transfusão de
plaquetas não tem nenhum efeito terapêutico porque as plaquetas de doadores
aleatóripos irão reagir com os anticorpos plaquetários.
Púrpura trombocitopênica aloimune (isoimune)- Se plaquetas abaixo de
50.000/mm3, transfundir plaquetas maternas ou doador compatível antígeno-negativo
Pla 1 negativo), lavadas e irradiadas, conforme tabela abaixo:
Tabela 2. Indicações gerais para transfusão de plaquetas na ausência de
hemorragia clínica
Situação Clínica
Indicação de Transfusão
RN termo sadio
<20.000/mm3
RN pré-termo sadio
<30.000/mm3
Procedimentos invasivos (punção lombar, <50.000/mm3
ou pequena cirurgia ou RN doente)
Cirurgia grande
<100.000/mm3
Dose usual: 1 unidade (1 unidade é usualmente igual a 20ml). Somente em
circunstâncias excepcionais de restrição de volume deve ser administrado menos que
uma unidade de plaquetas.
Atenção: Plaquetas não devem ser administradas em um acesso arterial ou em
acesso venoso central.
Doença hemorrágica do recém-nascido – o tratamento do sangramento por
deficiência de vitamina K , deve ser realizado com vitamina K 1 2mg EV que deve ser
administrado lentamente devido ao risco de anafilaxia. Deve ser evitada a administração
intramuscular pelo risco de formação de hematoma. Após a administração da vitamina
K, dentro de 2 horas ocorre o aumento dos níveis dos fatores de coagulação e da função,
e a completa correção dentro de 24 horas. Diante de hemorragias severas deve-se
administrar plasma fresco congelado 10 a 20mL/K. Nos casos de hemorragias
ameaçadoras à vida (hemorragia intracraniana ou sangramentos intensos) pode-se
utilizar concentrado de protrombina (II,IX,X) 50U/Kg+ vitamina K 1 – 20mg
subcutâneo.
Coagulação intravascular disseminada – o principal objetivo do tratamento é
resolver ou controlar a causa básica e promover a manutenção dos seguintes parâmetros:
contagem de plaquetas superior a 50.000/mm3, concentração sérica de fibrinogênio
acima de 100mg/dL, normalização de TP e TTP (ver tabela 3).
Tabela 3. Coagulação intarvascular disseminada – resultado de exames
laboratoriais e tratamento
Exames
Resultados
Tratamento
TP e TTP
Prolongados
Plasma fresco congelado –
10 a 20mL/Kg a cada 12 a
24 horas
Fibrinogênio
< 100mg/dL
Crioprecipitado 10mL/Kg
a cada 12 a 24 horas
Contagem de plaquetas
< 50.000/mm3
Concentrado de plaquetas
10 a 20ml/Kg a cada 12 a
24 horas
Produtos de degradação da Aumentados
fibrina (PDF)
Plasma fresco congelado –
10 a 20mL/Kg a cada 12 a
24 horas
Fatores II, V e VIII
Crioprecipitado 10mL/Kg
+ Plasma fresco congelado
– 10 a 20mL/Kg a cada 12
Baixos
a 24 horas
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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