Manejo da agrobiodiversidade dos sistemas agroflorestais

Transcrição

Manejo da agrobiodiversidade dos sistemas agroflorestais
Anais do I Seminário Internacional
de Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia
MANEJO DA AGROBIODIVERSIDADE DOS
SISTEMAS AGROFLORESTAIS POR
RIBEIRINHOS EM AGROECOSSISTEMA DE
VÁRZEA NA AMAZÔNIA OCIDENTAL
Albejamere Pereira de Castro, Therezinha de Jesus Pinto Fraxe, Karina de Oliveira
Milhomem, Adriana Siqueira, Alberlane Pereira de Castro.
Realização
Apoio
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
INTRODUÇÃO
Em anos recentes, os sistemas agroflorestais (SAF’s) têm surgido como uma das
alternativas mais promissoras para o uso das terras da bacia amazônica. A combinação de árvores com
cultivos anuais ou pastagens fazem com que estes sistemas possuam o potencial de minimizar a
degradação do solo, diversificar as fontes de renda e diminuir a pressão sobre as áreas florestais restantes
(SMITH et al., 1998). Os sistemas agroflorestais são caracterizados por muitos autores de duas formas:
SAF’s planejados e os SAF’s tradicionais. Os sistemas agroflorestais planejados são aqueles oriundos de
modelos elaborados e executados por instituições de pesquisa. O Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia (INPA) foi uma das primeiras instituições do mundo a iniciar a experimentação agroflorestal. O
primeiro ensaio foi instalado em 1977 e ocupou 39 hectares, outros, de tamanhos menores vieram em
seguida (VAN LEEUWEN et al. 1997, MENEZES, 1996).
Os sistemas agroflorestais tradicionais, os quais serão abordados neste trabalho, foram
e são até hoje desenvolvidos por comunidades indígenas e caboclo-ribeirinhas, para fins principalmente de
subsistência. As características principais desse sistema são: pouco emprego de mão de obra externa,
sendo maior força de trabalho, a familiar; reduzido ou nenhum uso de insumos e material convencional
(implementos e máquinas); alta diversidade específica e genética; uso da regeneração natural das espécies
florestais; utilização de sistema de descanso da terra denominado de pousio e uma alta proporção de
produtos usados para fins de subsistência, tendo como a principal espécie anual à mandioca (SMITH et al.,
1998 & NODA et al., 1995).
O conhecimento do manejo das plantas por uma comunidade faz parte da sua cultura e
é transmitido de geração a geração, por isso encontra-se relacionado com sua história de vida. Existe,
portanto, um grande tesouro do saber local por investigar e documentar antes que se perca para sempre
(PESSA, 2004). Diante disso, este trabalho caracterizou o etnoconhecimento dos agricultores familiares no
manejo e tecnologia de cultivos de plantas em agroecossistema de várzea. Utilizando-se de uma abordagem
etnoecológica em busca de associar o conhecimento e as práticas utilizadas pelos agricultores tradicionais,
as quais pressupõe-se que são melhores adaptadas à agricultura local, favorecendo, assim, a conservação
dos recursos vegetais.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
2
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
OBJETIVOS
Caracterizar o saber local dos agricultores tradicionais manejo e cultivos de plantas nos
sistemas agroflorestais na comunidade Nossa Senhora das Graças, Manacapuru/AM.
METODOLOGIA
O estudo foi realizado na comunidade Nossa Senhora das Graças, localizada à margem
direita do Rio Solimões, em frente à sede do município de Manacapuru, em uma localidade chamada de
Costa do Pesqueiro II.
O método de estudo empregado foi o Estudo de caso, que segundo YIN (2001, p. 27), é a
estratégia que deve ser escolhida ao se examinar acontecimentos contemporâneos, por apresentar a
capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências - documentos, artefatos, entrevistas e
observações.
Inicialmente foram contatadas as famílias de agricultores mais antigos e realizada uma reunião,
onde foi exposta a natureza do trabalho aos comunitários que participaram da pesquisa. Posteriormente realizouse uma visita nas propriedades em que os chefes de família concordaram em colaborar com a pesquisa. Após
esta etapa iniciou-se a aplicação dos procedimentos da pesquisa: aplicação do questionário, entrevistas abertas,
croquis, história de vida e observações participativas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Identificações das principais espécies cultivadas nos sistemas agroflorestais dos
agricultores familiares
Os SAF’s, implantados pelos agricultores familiares, constituem a área ao redor da casa
do produtor, onde são cultivadas árvores frutíferas, plantas medicinais e ornamentais, cultivo de grãos,
hortaliças e criação de animais. Estes têm como principal finalidade a complementação da produção obtida
em outras áreas de produção da propriedade, como a roça, a criação de animais, a floresta e as capoeiras
melhoradas. Neste trabalho, este componente quintal ou sítio é denominado de quintal agroflorestal.
Nos SAF’s (Figura 1), além das características já citadas destacam-se a presença dos
terreiros, que são locais limpos próximos da casa do agricultor que servem como área de laser para as
famílias, e onde há apenas o cultivo de plantas ornamentais. VAN LEEWEN (1995) descreve “terreiro” como
a parte do pomar caseiro mais próximo a casa que é manejado diferentemente do restante do pomar
caseiro.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
3
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
Os quintais agroflorestais são os subsistemas agrícolas que mais se destacam. Sua
importância decorre devido a produção ser constante e mais intensiva, proporcionando produtos variados
em diferentes quantidades em uma área reduzida que complementam a necessidade e renda do produtor
familiar, além de ser verdadeiro banco de germoplasma in situ.
Figura 1 – Vista de um sistema agroflorestal da comunidade Nossa Senhora das Graças,
Manacapuru/AM.
VIANA et al (1996) relatam que o quintal agroflorestal é utilizado para obter alimentos
ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais. Normalmente, o quintal é utilizado para assegurar um fluxo
pequeno e contínuo destes produtos complementares, e às vezes para produzir excedente para a venda nos
locais. Requerem baixos insumos e representam uma fonte adicional de renda, caracterizando-se como uma
atividade potencial para a obtenção de alimentos e para suprir as necessidades de lenha e madeira da
família (VÍQUEZ et al.,1994).
Os quintais agroflorestais pesquisados na comunidade Nossa Senhora das Graças
possuem uma miscelânea de cultivos anuais, bianuais e perenes além das espécies florestais. Entre os
produtos cultivados os que mais se destacam é a goiaba (Psidium guajava), coco (Cocos nucifera) e manga (
Mangifera indica) (Figura 2).
O manejo dos quintais se dá uma vez por semana através da capina e da varrição,
entretanto o desbaste e a poda ocorrem quando necessário, ou seja, quando a planta a ser manejada esta
comprometendo a casa do agricultor ou influenciando no desenvolvimento de outras plantas de grande
interesse para este.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
4
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
Figura 2 – Freqüências das principais espécies frutíferas cultivadas nos quintais na comunidade
Nossa Senhora das Graças, Manacapuru/AM
Frequência
20%
15%
10%
5%
0%
Espécies Frutiferas
Registrou-se em Nossa Senhora das Graças que os agricultores cultivam em seus
quintais uma maior diversidade de oléricolas. As hortaliças que necessitam de menor espaço para
desenvolver são cultivadas em jiraus (cebolinha (Allium fistulosum) e chicória (Eryngium foetidum), entre
outras) nos quintais. Porém os tubérculos ou hortaliças que necessitam de espaços para melhor
desenvolvimento são cultivados diretamente no solo (jerimum (Curcubita sp.), batata (Solanum tuberosum),
maxixe (Cucumis anguria L.) entre outras) ou nas roças. As principais hortaliças verificadas são: cariru
(Talinum sculentum Jacq.), coentro (Coriandrum sativum) e pimenta de cheiro (Capsicum chinense).
A principal função desses cultivos é a manutenção da família, sendo o excedente
comercializado. De acordo com os agricultores familiares pesquisados, quando há um excedente de alguma
cultura, estes são comercializados ou trocado entre os vizinhos por outros produtos, havendo assim um
sistema de reciprocidade entre as famílias de agricultores.
O Manejo das hortaliças é realizado principalmente pelas mulheres, as quais adubam as
plantas três vezes por ano ou dependendo da necessidade do cultivo, e também realizam a monda ou a
capina no aparecimento de plantas invasoras.
A roça ou roçado é o local onde geralmente são cultivadas espécies anuais durante
algum período (normalmente dois ciclos, dependendo da qualidade do solo) e após isso é deixado em
descanso, para recuperação da fertilidade e eliminação das plantas invasoras no solo. Essa técnica
conhecida como pousio, permite que os nutrientes disponíveis sejam imediatamente utilizados na produção
de alimentos energéticos.
As roças, subsistemas dos SAF’s, são os sistemas de uso da terra mais utilizados na
Amazônia, sendo predominante o cultivo de espécies anuais utilizadas principalmente para subsistência das
populações ribeirinhas. Nesse subsistema, a mandioca (Manihot esculenta), foi o componente principal
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
5
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
identificado, consorciado com outras culturas como, por exemplo, maxixe (Cucumis anguria L.), milho (Zea
mays), banana (Musa sp.) e hortaliças em geral.
O cultivo de mandioca (Figura 3) é o componente básico do sistema de produção na
Amazônia, quer seja em ambientes de várzea, quanto nos ambientes de terra firme, em razão de sua dupla
finalidade: subsistência e comercialização (FRAXE, 2000).
As roças encontradas na comunidade Nossa Senhora das Graças estão localizadas na
área de várzea. Os tipos de roças encontradas são divididas em consorciadas e monocultura.
O plantio das culturas agrícolas é feito manualmente pela força de trabalho familiar e
com a utilização de instrumentos de trabalho como a enxada e o terçado.
Algumas roças são feitas próximas as casas dos agricultores, nos fundos da
propriedade ou ainda a frente das mesmas, outras são feitas em áreas mais distantes da moradia, neste
caso são utilizadas canoas e rabetas para o transporte.
A Figura 3 revela as principais espécies cultivadas nas roças da comunidade com
destaque para a mandioca (Manihot esculenta), o milho (Zea mays) e o feijão de praia (Sophora tomentosa).
Frequência
Figura 3 – Espécies cultivadas nas roças da comunidade Nossa Senhora das Graças, Manacapuru/AM
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Espécies Cultivadas
A finalidade dos produtos cultivados nas roças da comunidade é na maioria das vezes
para o consumo familiar, sendo vendido o excedente produzido, com exceção da malva cuja produção é
destinada somente para venda.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
6
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se falar do saber local dos agricultores tradicionais de Nossa Senhora das Graças em
relação às práticas de manejo nos componentes produtivos dos sistemas agroflorestais é preciso conhecer e
compreender os aspectos socioculturais e econômicos da localidade. Os agricultores realizam o manejo
tanto nos quintais agroflorestais como nas roças, porém nos quintais há uma maior limpeza na área, ou seja,
menor adensamento das árvores, o solo do bosque do quintal são limpos com as folhas amontoadas nos
troncos das árvores. As árvores plantadas próximos da casa são selecionadas pelos agricultores, o terreiro
do quintal é limpo com a presença apenas das plantas herbáceas ornamentais.
Na roça o sistema de manejo do solo, ocorre por meio do pousio, o qual propicia
condições necessárias para a recuperação da capacidade produtiva do solo. A maioria dos cultivos nas
roças se dá através de consórcios entre espécies como a mandioca, milho, feijão e banana, onde a
finalidade é para consumo, apenas o excedente é comercializado. Diante disso verifica-se uma diversidade
de plantas e saberes que podem contribuir para conservação da agrobiodiversidade da Amazônia.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
7
Manejo da Agrobiodiversidade dos Sistemas Agroflorestais por Ribeirinhos em Agroecossistema de Várzea na Amazônia Ocidental
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
FRAXE, T. J. P. A cultura cabocla-ribeirinha mitos, lendas e transculturalidade. Tese Doutorado.
Universidade Federal do Ceará. Fortaleza/CE, 2001. 301p.
MENEZES, J. M. T. Unidades demonstrativas de frutíferas regionais no estado de Rondônia- Avaliação
preliminar. Acta Encontro de Pesquisadores da Amazônia. Porto Velho. 1996, p. 34.
NODA, S.N.; PEREIRA, H.S; CASTELO-BRANCO, M. & NODA, H. Os processos de trabalho nos sistemas
de produção de agriculturas familiares na várzea do estado do Amazonas. In: IEncontro da Sociedade
Brasileira de Sistema de Produção, II; 1995; Londrina, IAPAR, SBS. Londrina,1995b. 149-163 p.
PESSA, M. C. Etnobiologia de uma comunidade ribeirinha no Alto da Bacia do Rio Aricá, Cuiabá, mato
Grosso. Tese de Doutorado. Universidade Federal de São Carlos, 2004. 174p.
SMITH, N.; DUBOIS, J.C.L.; CURRENT; D.; LUTZ, E.; CLEMENT, C. Experiencias Agroflorestais na Amazônia
Brasileira: Restrições e oportunidades. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil, Breasilia,
Brasil, 1998. 146p.
VAN LEEUWEN, J.; MENEZES, J.M.T.; MOREIRA GOMES, J.B. ; IRIARTE-MARTEL, J.H.; CLEMENT, C.R..
Sistemas agroflorestais para a Amazônia: Importância e pesquisa realizada. In: NODA, H.; SOUZA, L.A.G.
DE.; FONSECA, O.J. DE (eds) Duas décadas de contribuições do INPA à pesquisa agronômica nos
Trópico Úmido. Manaus, 1997. 131-146p.
VAN LEEUWEN, J. Estimulando la Agroforestaria entre pequeños colonos, la experiência de INPA. Ruralter,
Revista de Desarollo Rural Alternativo, Centro Internacional de Cooperácion para el Desarollo Agrícola
(CICDA), nº 13/14: 1995. 173-191.
VIANA, V.M.; DUBOIS, J.C.L.; ANDERSON, A.B. Manual Agroflorestal para a Amazônia.
Fundação Ford, Rio de Janeiro, 1996. 228p.
vol.1 Rebraf/
VIQUEZ, E.; PRADO, A.; OÑORO, P. et al. Caracterización del huerto mixto tropical “La Asunción”, Masatepe,
Nicaragua. Agroforesteria en las Américas, Turrialba, n. 2, p. 5-9, 1994.
YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. p. 205.
Anais do I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia.
8

Documentos relacionados

caracterização de quintais agroflorestais no projeto de

caracterização de quintais agroflorestais no projeto de fim de conhecer a diversidade de espécies e o seu uso pela família. A pesquisa foi realizada em três quintais do assentamento rural Belo Horizonte I, localizado no km 30 da BR-153, no município de ...

Leia mais

[11] NT 38-02 Os quintais agroflorestais do assentamento

[11] NT 38-02 Os quintais agroflorestais do assentamento muito difundida e utilizada. O quintal agroflorestal é a área ao redor da casa onde são feitos plantios de árvores, cultivo de grãos, hortaliças, plantas medicinais e ornamentais e criação de anima...

Leia mais