Vocês são mulheres viventes no mundo
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Vocês são mulheres viventes no mundo
FILHAS DE MARIA MISSIONÁRIAS _______________________________ Assembléia Inter-capitular “Vocês são mulheres viventes no mundo” ROMA 6-28 de julho - 2008 Casa Geral Via Lorenzo Valla, 21 _______________________________________ ÀS ORIGENS DAS FILHAS DE MARIA MISSIONÁRIAS A idéia e a possibilidade da fundação na experiência e na reflexão de Padre Jacinto Bianchi INTRODUÇÃO Impostação e limite do trabalho Primeira parte ÀS ORIGENS DA CONGREGAÇÀO NA EXPERIENCIA PESSOAL DO FUNDADOR – 1864-1875 1.1 As raízes em Scandolara (1864-1865) 1.2 Na escola de Frasinetti (1865-1868) 1.3 O método da “Correção Fraterna”e Contribuição do Pe. Luca Passi 1.4 1.4 A Pia União das Filhas de Maria e de Santa Inês do Abade Alberto Passèri 1.5 A fundação em Pigna (1870-1875) Segunda parte A MISSÃO NA PALESTINA 1876-1892 2.1 A presença das Filhas de Maria na missão 2.2 Os “votos” de 1877: Das filhas de Maria “missionárias” à Congregação das FMM 2.3 O Esquema da Regra de 1889 2.4 A progressiva autoconsciência da Congregação 2.5 O retorno à Itália (1892) Terceira parte O TEXTO NORMATIVO DE 1907 3.1 Análise Sintética e as circunstâncias de publicação 3.2 Um instrumento inadequado à aprovação Quarta parte CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA 4.1 Manifestações da Providência 4.2 A virtude e a regra 4.3 A força da humildade 4.4 A missão de hoje na vocação de origem CONCLUSÃO APÊNDICE O “FIM SECUNDÁRIO” DAS FMM NAS SUCESSIVAS FORMULAÇÕES 1 ÀS ORIGENS DAS FILHAS DE MARIA MISSIONÁRIAS A idéia e a possibilidade da fundação da Congregação à luz da experiência e das reflexões de Pe. Jacinto Bianchi INTRODUÇÃO A história de nossa Congregação, como todas as histórias vivas que ainda hoje envolvem pessoas e atividades, é de grande importância. Primeiramente porque é a “nossa” história e depois porque é uma história longa, de mais de 130 anos, que atravessou a idade contemporânea. Do ponto de vista da história da Igreja foi uma época difícil e de grandes inquietações, que favoreceu o momento no qual estamos vivendo; um período diferente de todos, nem melhor e nem pior do que os demais. Para o cristão, a história é a “história da providência” e em cada época é chamado a reconhecer esta verdade e a colaborar com ela. O tempo não existe em função do avanço do “progresso”; o tempo é o espaço da manifestação de Deus, cujas vias não são evidentemente aquelas conhecidas e apreciadas pelos homens. “Diante da grandiosidade dos fatos que tornou célebre este século, o trabalho de uma humilde Congregação parece um evento modesto demais e de pouca consideração aos olhos humanos, mas pode ser um germe fecundo de uma imensidade de bens”. 1 Impostação e limite do trabalho Procuraremos percorrer a gênese, o desenvolvimento e a manifestação da perspectiva fundacional, em Pe. Jacinto Bianchi enfatizando alguns momentos de sua biografia (especialmente os referentes à experiência com Frassinetti) e analisando o seu primeiro texto impresso que se tratava de normas. Leremos alguns de seus “fragmentos típicos” (não se trata de pequenos trechos, mas textos não organizados), buscando uni-los e interpretá-los. Este trabalho poderia até parecer arbitrário; porém é apenas o início de uma tentativa, uma busca de critério sobre o qual apoiar a hipótese, que por ora parece ser a mais convincente sobre a origem da Congregação. Após breves considerações sobre o segundo texto impresso, tentaremos chegar a algumas conclusões que expressem o espírito que Pe. Jacinto Bianchi desejava que tivessem suas missionárias. Certamente é necessário reforçar uma vez mais que restam muitos outros estudos e pesquisas a serem feitos para se conhecer melhor Jacinto Bianchi e a Congregação que ele fundou. São duas realidades muito diferentes, ainda que apresentem muitas coincidências históricas e documentais. Muitas pesquisas ainda precisam ser feitas em outros arquivos. Em nossos arquivos, pesquisa significa antes de tudo organização do próprio arquivo. Em seguida, será feito o estudo dos contextos históricos, eclesiais, normativos e espirituais, nos quais Pe. Jacinto viveu e deles recebeu muitas influências. Mesmo tendo adquirido novas informações e documentos sobre a pessoa de Pe. Jacinto e sobre sua obra, o atual conhecimento de muitas situaçòes apresentadas não foram ainda certificadas 1 “Rezem a Deus que na sua imensa bondade...” ms. di Pe. Jacinto Bianchi, Roma,AFMM, VIII.2.5.3. 2 do ponto historiográfico, uma parcial compreensão das circunstancias permite certamente de justapor e tentar interpretar fenômenos, comportamentos e juízos, mas na firma consiência que as ultereriores pesquizas necessárias ( a serem feitas em muitos arquivos e através de uma sistematização do nosso arquivo) poderão, seja iluminar as zonas ainda ofuscadas confirmando as hipóteses, seja impor uma avaliação também substancialmente diversa dos eventos. Os momentos principais da história da Congregação foram re-percorridos enquanto possível no que diz respeito a uma impostação cronológica e através de uma leitura “transversal” dos documentos disponíveis ( muitos dos quais atualmente não são datados), na tentativa de delinear um quadro de referencia tendencial coerente de sugerir uma “chave de leitura”unitária para atribuir a cada escrito uma possível colocação orgânica . O objetivo é evidentemente aquele de aproximar-se de uma reconstrução realística das situações ligada à contingência, ao sucededer-si das circunstâncias, procurando de evitar uma interpretação simplificada a posteriori que acaba por reconduzir a inevitável complexidade do presente às conseqüentes fases de um projeto delineado. A interpretação proposta quer sómente evidenciar a efetiva multiplicidade das “origens”da Congregação ligada a uma boa medida aos acontecimentos biográficas de Pe. Jacinto Bianchi, mas também as dinâmicas das pessoas e constextos que fugiam ao seu controle dos quais não podia haver direta ou completa cognição. Pensa-se, por exemplo, a utilidade que nesta prospectiva poderia haver uma rigorosa investigação histórica sobre cada co-irmã do início, no relacionamento recíproco com o fundador. Primeira parte ÀS ORIGENS DA CONGREGAÇÃO NA EXPERIÊNCIA PESSOAL DO FUNDADOR 1864-1875 1.1 As raízes em Scandolara (1864-1865) Pode-se chegar às primeiras origens das Filhas de Maria Missionárias não apenas resgatando a conhecida história de Pigna a Belém, mas também reconstruindo os fatos biográficos de Jacinto Bianchi. Ressaltemos, de modo particular, sua permanência em Scandolara Ravara como vigário da paróquia (da primeira metade de 1860 até abril de 1865), onde ele faz sua primeira “tentativa fundacional” 2 com o projeto e a realização de uma comunidade. Trata-se da Casa de trabalho para mulheres, aberta temporariamente no início de 1865, cujo Programa e regulamento aos quais chama de Espírito e Finalidade da Casa foi transcrito na carta a João Bosco, em 19 de novembro de 1865. 3 “Há alguns meses Pe. Jacinto encontra-se em Gênova e a fim de que Dom Bosco faça a sua apreciação, expõe a idéia de uma nova fundação que pretende fazer próxima a Cremona. O novo projeto” de proveito público-religioso” 4 previa uma outra casa de trabalho para mulheres, desta vez coligada a uma casa de hospedagem masculina para juntos 2 CONGREG. De CAUSIS SANCTORUM,Cremonen. Canonizationis Servi, Hyacinthi Bianchi sacerdotis fundatoris Instituti Sororum Filiarum Mariae Missionariarum (1835-1914), Positio Super Virtutibus, Tipografia Guerra, Roma 1993 (Positio), p. 33. 3 Jacinto Bianchi a Dom Bosco, Gênova 19 de novembro de 1865, Roma, AFMM, VIII. 1.1b Ep. 202. 4 Idem. 3 sustentarem um colégio de jovens, mas isto não teve continuidade. Para as mulheres, Jacinto queria propor novamente o regulamento já utilizado em Scandolara e por isso fez com que Dom Bosco também o conheça, informando-o de que “o mesmo foi feito bastante amplo de modo a não ressaltar a dimensão religiosa”5, isto para evitar a hostilidade anticlerical pela qual o forçaram a fechar a casa de Scandolara6 e consequentemente fizeram com que ele saísse da diocese de Cremona”. Não posso e não devo mais permanecer em Scandolara como Coadjutor. Retardar para ir embora seria como querer ser em seguida o acusador da conduta do Arciprete: o que não quero absolutamente. Nem que me faça o desprazer de ter que me retirar imediatamente, ou por razão de outro lugar, ou por motivo de missa em Scandolara, ou per compromissos assumidos por mim. Vou para minha casa para guanhar em saúde, e depois em Convento para fazer um pouco de retiro. Restam ainda 3 Missa em Scandolara. Quantos aos “meu projeto” saiba que mesmo distante posso ajudá-lo suficientemente tendo já garantido a sua existência7. Este projeto de regulamento com seus quatro artigos delineiam uma primeira estrutura de vida comunitária, baseada no “espírito de fraternidade” 8 e na partilha de vida “como muitas irmãs” que convivem observando a “disciplina [...] para o bem pessoal e dos outros.” Alguns indícios de caráter textual dão a entender que Pe. Jacinto já tinha em mente um estilo de “convivência” semelhante àquele de uma casa religiosa: são as referências (mesmo que de forma negativa) ao “distintivo”, ou seja, ao hábito e à “clausura”, a denominação de “superiora” com um cargo próprio, a prescrição de caráter moral, a obra de misericórdia corporal, a “entrega das esmolas” e, sobretudo, a missão educativa da juventude feminina, atividade típica das Pias Uniões das Filhas de Maria, que permanecerá como uma característica fundamental da Congregação. As intenções de iniciar uma casa religiosa, conforme bem havia entendido o autor de um artigo que ele enviara para Dom Bosco, transcrevendo-o ao final da carta, já eram explícitas. A distancia de diversos anos, no final de 1891, o mesmo, Pe. Jacinto reconhece explicitamente que em Scandolara começou a “primeira idéia da Casa”9, e poucos meses depois, no dia 16 de julho 1892, conseguia abrir uma Casa de Missionárias. Do ponto de vista da biografia de Pe. Bianchi é significativo o fato que ele mesmo faz ligação da sua primeira saída da diocese e a transferência para Gênova com a hostilidade gerada pela casa de Scandolara: “Diante de todas as coisas considerei ser melhor ir-me embora, pois me retirei de lá não por outra causa, a não ser pelo fato do bispo ter sido enganado e acreditado que o governo queria me prender por motivo dessa minha iniciativa.”10 5 Idem. Cf. Idem, última parte, Uma casa de trabalho em Scandolara Ravara. 7 G. Bianchi a A. Novasconi, Scandolara Ravara, 30 março 1865, AFMM, VIII.1.1c.Ep.214. 8 J. Bianchi a Don Bosco, Genova 19 de novembro 1865, AFMM.1.1b.Ep202. para todas as citações do parágrafo. 9 Jacinto, BIANCHI, Carta a Delfina 1886-1894, Filhas de Maria Missionárias, Roma 2007,p.36. Ir. Delfina Delfino specifica que por “Casa”se intende “Obra”e então a mesma Congregação.; cf.ivi 10 J. Bianchi a Don Bosco, Genova 19 de novembro 1865, AFMM.1.1b.Ep202. 6 4 Na realidade o bispo Novasconi, seu superior, tinha sofrido pressão da autoridade civil para afastar Pe. Jacinto, que na época tinha seus trinta anos, mas evidentemente lhe foi apresentada uma explicação bastante cômoda: distanciar-se para prevenir uma possível captura. 11 Em se tratando de Scandolara, primeira experiência “falida” de uma nova fundação, já aparece a referência às Pias Uniões das Filhas de Maria de Roma com a qual Bianchi mantinha contato, quando fala sobre o “cordão” e a “corrente” que providenciou para a jovem que “constituiu diretora da mesma Congregação”12 1.2 A escola de Frassinetti (1865-1868) Quando Pe. Jacinto, em abril 1865, transferiu-se para Gênova, já havia feito diversos contatos com Frassinetti, que evidentemente tinha percebido suas qualidades de homem e de sacerdote, a ponto de convidá-lo para ficar junto com ele. 13 “Paolo Giuseppe Maria Frassinetti, fundador das Filhas de Maria Imaculada, nasceu em Gênova no dia 15 de dezembro de 1804. Primogênito de quatro irmãos, todos sacerdotes: Giovanni e Raffaello, sacerdotes seculares; Francesco, canônico regular lateranense, e de uma irmã Paola, fundadora do Instituto das irmãs Dorotéias, canonizada no dia 11 de março de 1984. Foi ordenado sacerdote em Savona no dia 22 de setembro de 1827. Primeiramente foi pároco em Quinto (Gênova), onde orientou a irmã na fundação de seu instituto. Na sua estadia em Gênova, esteve na paróquia de Santa Sabina, onde trabalhou em defesa da religião católica ameaçada pelas idéias liberais e maçônicas. Escreveu várias obras de ascese traduzidas nas principais línguas européias e fundou muitas instituições de cultura, de piedade e de assistência social. Era característica fundamental de sua ascese a afirmação que cada cristão, mesmo não sendo religioso, pode alcançar a perfeição evangélica através da consagração secular e de um estado de graça obtido por meio da comunhão freqüente. Morreu em Gênova, no dia 2 de janeiro de 1868, assistido também por Pe. Jacinto Bianchi”. Desde os primeiros tempos de permanência em Gênova, Pe. Jacinto Bianchi teve condições de viver a consagração secular na Pia União dos Filhos de SMI (Santa Maria Imaculada), iniciada com Frassinetti, organização análoga a pia união feminina. Um pequeno grupo desses primeiros consagrados foi em seguida convidado a assumir a vida em comum e dar origem à Congregação dos Filhos de Maria Imaculada. Para difundir a consagração secular masculina, Frassinetti em 1864 publicou O religioso no mundo, baseado em A monja em casa de 1859. Bianchi definiu Frassinetti como uma “alma santa e grande conhecedora das necessidades da juventude cristã” 14 . É uma chave de leitura para interpretar a influência deste grande mestre espiritual sobre os interesses de Pe. Jacinto Bianchi e suas realizações futuras. “Frassinetti dá uma importância muito especial à educação das meninas e das jovens: vê nelas as futuras mães de família das quais dependerá em grande parte a tarefa tão delicada de fazer crescer uma nova geração enraizada na fé.” Observo – assim afirma 11 Cf. Positio, pp. 34-40, n. 2-5. Idem, p.37. 13 Cf.idem, p.61. 14 Origem e progresso da Congregação das Filhas de Maria Missionárias sob o patrocínio da Virgem Imaculada e de S. Inês Virgem e Mártir, Auspicie S. Ermelinda, ms. de Jacinto Bianchi , Roma, AFMM, VIII.2.1.4a 12 5 – que a educação dos filhos depende em quase tudo das mães, mostrando-nos a experiência que se a mãe é boa, mesmo se o pai não o é, conseguem-se bons filhos e não vice-versa”. Cabe-nos então, cuidar da educação das crianças “as quais formam a metade da adolescência”, e particularmente daquelas descuidadas pelos pais, porque “se elas crescerem bem, tornar-se-ão boas mães, e a outra metade, sob a educação delas necessariamente deverá também melhorar”. Com este objetivo Frassinetti convida os sacerdotes a se valerem da ajuda de tantas mulheres leigas prontas a se empenharem no apostolado em favor das jovens: “No povo cristão existe ainda um bom número de pessoas piedosas dedicadas a fazerem o bem, as quais, se fossem motivadas e orientadas seriam de grande valor tanto para as próprias famílias como para as outras”. Elas podem ter acesso às jovens lá onde um homem, e particularmente um padre, não poderia chegar “sem se expor e sem causar suspeitas de uma familiaridade inconveniente.”15 Em 1855, Frassinetti havia escrito a Regra para a Pia União de Santa Maria Imaculada, fundada em 1851 em Mornese por Ângela Maccagno, na qual havia esboçado aquelas que eram as características da consagração secular. Esta Pia União tinha, porém, uma natureza “religiosa” ligada à prática dos conselhos evangélicos, baseando-se nas Ursulinas de Santa Ângela Merici. Deste grupo é que surgirão as irmãs Salesianas: Filhas de Maria Auxiliadora. As qualidades exigidas para se inscreverem eram: “1. Aquelas ditas solteironas que queriam observar corretamente a lei divina, evitando todo pecado, mesmo os veniais, que são plenamente advertidos. 2. Aquelas que queriam praticar os conselhos evangélicos, conservando castidade perfeita, cultivando o espírito de piedade e de obediência. ”16 O objetivo desta Pia União era: “Formar congregações [= grupos, associações locais] de solteironas devotas interessadas na busca da própria santificação e em ajudar na salvação do próximo, congregações aptas a serem criadas também nas pequenas localidades. [...] o dever delas é em geral de se exercitarem na misericórdia corporal e espiritual. Portanto, devem assistir as enfermas pobres do lugar, e ao mesmo tempo cumprir suas próprias obrigações; devem fazer com que reine nas próprias famílias o santo temor de Deus; devem empenhar-se para que as crianças descuidadas pelos pais freqüentem os sacramentos e a doutrina cristã; e ainda, podendo, devem instruí-las: zelar para as que já são maiorzinhas se apaixonem pelas coisas santas e se entreguem a uma vida devota; devem ainda promover as práticas de piedade usadas no local”.17 Em 1856 Frassinetti “importa” para Gênova, na igreja de Santa Sabina, a Pia União das Filhas de Maria Imaculada de Mornese, que se definem “novas Ursulinas”; depois de alguns anos, prosseguindo a obra, convida as congregadas para uma vida em comum, abrindo casas para tal fim: “[através dessa fundação] desejava-se criar um apostolado voltado para a moralização dos costumes. Em particular esta exigência nascia da constatação de que muitas jovens 15 A formação à santidade na Igreja genovese dos anos oitocentos. A contribuição de José Frassinetti, aos cuidados de DANIEL BRUZZONE – MARIA FRANCISCA PORCELLA, LAS, Roma 2004, pp.380-381. 16 G. FRASSINETTI, Apêndice sobre a Pia União das Filhas de S. Maria Imaculada, 1862, em Obra ascética, IV, Tip. Poliglota vaticana, Roma 1912, p. 401. 17 Idem. 6 mulheres ficavam “expostas ao mundo com mil perigos e seduções, sem nenhuma advertência paterna, sem os cuidados maternos, sem um conselho fiel de uma amiga piedosa, longe dos sacramentos”. As Filhas de Maria poderiam inseri-las nos ambientes de trabalho e na sociedade, conduzindo-as para uma direção certa. Desse modo Frassinetti conseguiu reunir ao redor de si um bom número de jovens que instruía semanalmente, direcionando-as ao caminho da perfeição cristã. [...] Pensou-se também em preparar a fórmula da vida em comum: em 1860 algumas delas se reuniram em uma casa, incluindo outras que as auxiliavam em seus respectivos trabalhos. A comunidade, assim, aumentou rapidamente e em pouco tempo consideraram oportuno abrir uma outra casa maior, seguida sucessivamente de uma terceira”. 18 A abertura da primeira casa é assim recontada em 1863 por Frassinetti, no início de um parágrafo intitulado A Casa de trabalho: “Quatro solteironas vivem juntas numa casa muito simples, composta de uma salinha sem luz, dois quartos e cozinha. Elas trabalham para ganhar o pão; duas na confecção de flores artificiais; uma numa fábrica de botas, outra numa confecção de roupas de cama e mesa; faziam ainda hóstias para várias Igrejas. Davam também trabalho às jovenzinhas que estavam ao redor; e outras em número maior vinham até elas para aprenderem a doutrina cristã. [...] Esta casa de trabalho é ainda lugar de encontro para um grande número de meninas já grandinhas e também as adultas, que moram próximo ou até bem distante desta localidade. Para lá se dirigem especialmente em dias de festa, porque não trabalham; e tendo um pouco de tempo livre, reúnem-se também em dias normais [...] É fácil entender o quanto seria útil que casas semelhantes a estas fossem fundadas em outras localidades, especialmente onde há maior número de crianças com pouca instrução, educadas de qualquer modo, desprotegidas, as quais se já não são, rapidamente serão vitimas de uma depravação cada vez mais crescente.19 Jacinto Bianchi, provavelmente se refere a esta experiência de vida comum ao dizer que: “[Frassinetti] formou uma congregação especifica e abriu duas casas pequenas com o objetivo de orientar as crianças no caminho do bem através de uma afetuosa correção fraterna. 20 Neste método frassinettiano, ainda que delineado sinteticamente, pode-se reconhecer a fonte principal de inspiração das obras de Bianchi, tanto referente à primeira Casa de Trabalho em Scandolara (cuja origem pode ser reconhecida no pedido de um “parecer sobre como posicionar-me na paróquia” - positio, p.61), quanto para a verdadeira fundação de Pigna. Esta será mais sólida e duradoura, porque foi um período que Bianchi pôde conviver diretamente com Frassinetti, desfrutar prazerosamente de sua paternidade espiritual, observar o seu “carisma” de fundador na prática e ir aderindo pessoalmente às suas propostas de perfeição cristã; certamente, também as condições sócio-ambientais de Pigna foram bem mais oportunas (bem diferentes das de Scandolara, onde era forte o influxo do anti-clericalismo) e contribuíram para o sucesso da obra. 1.3 O método da “Correção Fraterna”e Contribuição do Pe. Luca Passi 18 Formação à santidade..., cit, p. 145. G. FRASSINETTI, A missão das meninas , 1863, em Obras ascéticas, IV, cit, p. 514, p. 516, p.517. 20 Origem e progresso do Instituto das FMM, ms. de Pe. Jacinto, Roma, AFMM, VIII. 2.1.4ª. 19 7 Jacinto Bianchi fundamentou a espiritualidade das Filhas de Maria Missionárias no método da “correção fraterna”. O inspirador desta interpretação educativa e formativa do mandamento evangélico de Mateus foi Pe. Luca Passi (“Se o teu irmão pecar, vá e mostre o erro dele, mas em particular, só entre vocês dois. Se ele der ouvidos, você terá ganho o seu irmão”. Mt. 18,15).(“Se o teu irmão comete um culpa, vai e o rimprovera entre você e ele sozinhos; se te escuterá terá ganhado o teu irmão”) foi Don Luca Passi ajudado pelo seu irmão Don Marco. “Luca Passi nasceu em 1789, filho da nobre veneziana Catarina Córner e do conde Enrico Passi de Preposulo, da cidade de Bergamo e dos quais herdou uma multiplicidade de talentos e de características pessoais positivas que fizeram com que ele tivesse uma personalidade marcante. De fato, toda família Passi se destacou por personagens que se distinguiram em religiosidade e virtudes. Até a idade de 18 anos, Luca foi educado no ambiente familiar, indo em seguida para o seminário de Bergamo e no dia 13 de março de 1813 foi ordenado sacerdote. Em 16 de maio de 1815 passou a fazer parte do Colégio apostólico, cujo modelo sacerdotal era caracterizado por uma sólida espiritualidade e por uma vida apostólica muito dinâmica. Pe. Luca passou por muitas provações devido às influências e conseqüências da revolução francesa, que marcaram a sociedade italiana nos anos oitocentos. As condições de degradação moral da sociedade, o analfabetismo, a ignorância religiosa havia repercutido de modo marcante sobre as crianças e a juventude, deixando-as abandonadas a si mesmas. Quanto ao perfil religioso e eclesial opunham-se, de um lado, as classes populares com seu forte espírito cristão, e de outro, as classes cultas com um espírito arrogante de independência da doutrina e da presença da Igreja. Nessa sociedade agitada e carregada de tensões, Pe. Luca solidificou sua vocação de “missionário itinerante”, título que lhe foi conferido por Gregório XVI. Impelido por um forte realismo e por um invencível zelo pela salvação das almas, Pe. Luca projetou e atuou com instrumentos idôneos para a evangelização e elevação das classes mais vulneráveis, dando expressão concreta às suas múltiplas intuições pastorais, dentre as quais ocupou um lugar de destaque a Pia Obra de Santa Dorotéia. Esta obra brotada de seu coração de sacerdote-missionário foi uma resposta dada a uma urgente exigência pastoral e tinha como meta firmar a juventude na fé cristã. Esta tarefa contava com o envolvimento de mulheres leigas que seriam “guias amorosas” para os jovens. Em seguida, Pe. Luca tentou servir-se da mesma fórmula apostólica em favor dos jovens, através da Obra de São Rafael e agilizou ainda o Projeto Moral e Econômico, instituição sócio-religiosa para a juventude rural. Enfim, a atividade de Passi, se convergiu para a fundação do Instituto das Irmãs Mestras de Santa Dorotéia de Veneza, realizada em 6 de agosto de 1838. Pe. Lucas morreu em Veneza no dia 18 de abril de 1866, deixando como testamento uma afirmação ao mesmo tempo maravilhosa e comprometedora: é preciso dar a vida ainda que seja para a salvação de uma só pessoa”. Em 1835 Pe. Luca estava em Gênova para a pregação da Quaresma e entrou em contato com a beata Paola Frassinetti, irmã de Pe. Giuseppe, que havia dirigido uma comunidade religiosa feminina. Desse encontro nasceram as Irmãs de Santa Dorotéia, cujo nome proveio da Pia Obra de Santa Dorotéia, fundada por Passi. Esta era uma obra paroquial de tipo associativo, destinada à educação cristã das meninas, através de um sistema pedagógico-catequético, um meio pastoral para atrair, educar, formar cristãmente as meninas e transformá-las em pequenas apóstolas no meio das mesmas. [... Passi] era conviccto por experiência de que, se de um lado, “as meninas comumente são mais dóceis para serem guiadas ao bem”, por outro, “são também mais fáceis, tanto para serem pervertidas como para se tornarem pervertedoras”. Portanto, “é de suma importância a boa conduta delas e a influência que sempre causarão sobre a moral pública, principalmente quando se tornarem mães de família”.21 21 LUIGI PORSI, Luca Passi. Ardere per accendere, Città Nuova, Roma 2001, p.68, p.69. 8 A obra era organizada com muita simplicidade, expressa de forma sintética e eficaz pelo próprio fundador Pe. Luca Passi: “Toda a obra consiste nisto: algumas pessoas piedosas, com o nome de Reguladoras, ou Mestras como de costume, assumem cuidar das meninas para estimulá-las ao santo temor a Deus e formá-las nos bons costumes, instruindo-as, preparando-as para os Santos Sacramentos, fazendo com que freqüentem o ensinamento da doutrina, corrigindo seus defeitos pessoais”. 22 O coração da Obra de Santa Dorotéia era o método da correção fraterna, utilizado como forma de educação preventiva: “Nas duas palavras: correção fraterna está a alma da Obra apostólica instituída por Pe. Luca Passi. Este conceito parece cheio de implicações e de valores. O dever geral do cristão de corrigir o irmão é entendido, de acordo com a natureza da Obra, como dever particular que cabe ao Apóstolo, de ensinar a prudência às meninas: um dever cuidadoso, delicado, para ser feito com amor, indo ao encontro delas no seu ambiente, sem mudar em nada seus costumes: “A educação vai ao encontro das meninas em seus próprios bairros, nas suas casas, na roça... é como um guia amoroso que se coloca em companhia do viajante”. Esta orientação prática específica é muito clara e exige que as mestras-apóstolas tenham uma disponibilidade que antes de tudo significa serem capazes de se colocar no mesmo nível das meninas, caminhando junto com elas. Este é um dos traços mais significativos da espiritualidade própria da Pia Obra e que revela também a sensibilidade pedagógica dos iniciantes, lançando um raio de luz sobre o sentido humano e cristão da ação de Pe. Luca Passi. A correção fraterna tem uma grande finalidade: a salvação das almas. Nesta perspectiva, esta é a máxima de todas as obras: corrigindo o irmão, eu “ajudo a Deus”, antecipo o seu Reino, preparo a Sua vinda. O fundo teológico é, em última análise, o princípio Paulino de completar a paixão redentora de Cristo; pois são palavras de Pe. Luca – “conforme disse o Apóstolo, deste modo se completa em nós aquilo que falta à paixão de Jesus Cristo, ou seja, tornar frutífera a paixão de Cristo por meio da nossa cooperação”.23 No ambiente frassinetiano os irmãos Passi eram bem conhecidos e por isso Pe. Bianchi também pôde entrar em contato com a Obra de Santa Dorotéia. É provável até que a devoção à Santa Ermelinda e a escolha dela como padroeira da Congregação, foram-lhe inspiradas nas mesmas razões que induziram Pe. Luca Passi a eleger Santa Dorotéia: “Não se consegue colher de imediato o significado e a importância escondida nesta denominação e pode-se perguntar: por que a Obra de Santa Dorotéia? Quem era Dorotéia e que relação tinha com esta Obra? Não foi por acaso que Pe. Luca deu este nome à sua instituição, que deveria ter postura e finalidade religiosa claras. Segundo ele era necessário que as meninas, às quais a obra se destinava, tivessem um modelo e uma protetora. Havia numerosas santas que eram lembradas no calendário da Igreja, algumas muito conhecidas e muito presentes na devoção popular, porém, escolheu Dorotéia, pouco conhecida e nem presente no cenário dos conhecimentos hagiográficos e da consciência eclesial de sua época. Pe. Luca, pesquisando no vasto campo da hagiografia, no qual era perito, deu-se conta de que a figura e as vicissitudes da vida de Dorotéia, virgem e mártir, faziam-na apta a ser proposta como um modelo para as meninas e ser venerada e imitada por elas”. 24 22 Idem, pp.70-71. GIORGIO PAPÁSOGLI, Don Luca Passi, Ist. delle Suore Maestre di Santa Dorotea, Roma 1978,p. 106 24 LUIGI PORSI, Luca Passi, cit., pp.62-63. 23 9 1.4 A Pia União das Filhas de Maria e de Santa Inês do Abade Alberto Passèri Era uma constante nas reflexões direcionadas a Educação religiosa e moral da juventude feminina,a mensão de uma jovem que tivesse vivido coeerentemente a propria fé, e até mesmo tivesse chegado ao supremo testemunho do martírio. Pe. Jacinto Bianchi utilizerà dessa forma, para a difusão da Pia União das Filhas de Maria e de Santa Inês. Como já foi exposto, desde a época em que esteve em Scandolara, Pe. Jacinto conhecia e difundia a Pia União das filhas de Maria de Roma, fundada pelo canônico regular lateranense Alberto Passèri (1822-1884), com a colaboração da marquesa Costanza Lepri e inaugurada oficialmente em 23 de janeiro de 1864 na basílica de Santa Inês com o título de “Pia União das Filhas de Maria sob o patrocínio da Virgem Imaculada e de Santa Inês virgem e mártir”, instituída em 12 de abril do mesmo ano. Também esta associação mariana era voltada para a educação religiosa e moral da juventude feminina, tendo como finalidade. “Proteger a inocência das jovenzinhas, defender a idade crítica delas da maldade do mundo e encaminhá-las através de conselhos e da prática religiosa no cumprimento dos deveres que têm para com Deus, para com o próximo e para consigo mesmas; conquistando assim uma virtude cristã sólida sob a proteção fidelíssima da Imaculada Rainha do Céu e à luz dos exemplos da adolescente de 13 anos, a Virgem Santa Inês”.25 A Pia União de Passèri si caracterizava-se por uma clara postura laical e secular, mirada na formação de cristãos maduros e responsáveis, capazes de reconhecer e percorrer com coerência a estrada da própria vocação: “Em poucas palavras pode-se dizer que a finalidade desta associação não é a de encher o mundo de religiosas, como estão dizendo os nossos inimigos e sim fazer com que as jovenzinhas cresçam na piedade cristã, na honestidade dos costumes, na obediência e no respeito para com seus pais; a fim de que um dia, conforme o estado de vida ao qual Deus as chamará, consigam ser esposas fiéis e ótimas mães de família, ou esposas de Deus no convento, ou ainda virgens bondosas inseridas no mundo, vivendo com suas próprias famílias e onde estiverem, serem exemplo de piedade e de virtude para todos”. 26 Como se pode ver esta se diferencia explicitamente daquela originada em Mornese e depois “guiada” por Frassinetti. Porém, era bastante comum que vocações nascessem (ou fossem incentivadas) dentro da Pia União, um terreno fértil no qual germinava o desejo de uma vida de perfeição, que poderia ser vivida também no mundo: “É conveniente advertir aqui que, se na Pia União tivessem jovens que mesmo continuando a viver no mundo desejassem consagrar a própria virgindade inteiramente a Deus, as mesmas ficariam sob o cuidado do Diretor que as orientaria para se inscreverem em outras Pias Uniões destinadas a tal fim, ou para a Companhia de Santa Úrsula instituída por Santa Ângela Merici. Estas jovens poderiam também continuar na nossa Pia União e, neste caso, ao mesmo tempo em que aconselhamos aos zelosos Diretores a ajudarem estas meninas e encorajá-las a responder a Deus que as chama para uma vida de perfeição, aconselhamos, outrossim, a não formar um grupo 25 Prefácio do Manual Grande a uso das Filhas de Maria elaborado pelo Revmo. Pe. Abade Pe. Alberto Passèri, Sociedade de São João Ev., Desclée, Lefreve e C.i, Roma 1903, ed. 36ª, p. 20. O prefácio citado vem como premissa à 31ª edição do Manual, publicada antes da morte de Passèri em 1884. 26 Idem. 10 diferente dentro da Pia União. O ato da consagração seria feito privadamente, evitando-se qualquer tratamento diferenciado e divisão na associação. Para os Diretores das nossas Pias Uniões fica bem claro que as Filhas de Maria como tais, não têm nenhum vínculo de voto e de promessa, pois a finalidade destas é muito diferente daquela da Pia União de Santa Ângela Merici”.27 A intuição de Pe. Bianchi será não somente a de permitir, mas de favorecer, direcionar e guiar o desejo de perfeição que encontrava nas Pias Uniões Marianas, distinguindo-as, mas sem separá-las da congregação de origem, pois assim seria de proveito recíproco. No manuscrito já citado Origem e progresso da Congregação das Filhas de Maria Missionárias Pe. Jacinto menciona juntamente com Frassinetti, os irmãos Passi e o abade Passèri, quase que identificando as fontes inspiradoras do seu pensamento fundacional: “Deus suscita vocações de acordo com as necessidades dos tempos; e desta vez, pela sua excessiva caridade pelas almas – hoje em dia cheias de si próprias e de espírito mundano, não dispostas a aceitar e escutar como boas as advertências da autoridade eclesiástica – fez com que estas Irmãs surgissem para consolar a sua Igreja, desolada ao ver seus filhos correrem atrás do mundo e de seus prazeres. São necessárias vocações novas porque a maldade humana é nova. Como já foi dito da parte de homens competentes, esta obra foi considerada necessária”. 28 1.5 A fundação em Pigna (1870-1875) Pe.Jacinto Bianchi esteve na cidade de Pigna em 1870 para a pregação das missões ao povo e no ano seguinte voltou como ecônomo espiritual. Na cidade “já existia uma congregação de mulheres solteiras, mas sem estatutos”. 29 Em março de 1871 a Pia União Mariana foi instituída canonicamente, sendo agregada à Matriz de Roma e em agosto Pe Jacinto Bianchi foi nomeado seu diretor. 30 Pe. Jacinto proporcionou a esta instituição, o início de uma vida em comum assim como Frassinetti já havia feito em Gênova com a Casa de trabalho31, conforme se pode constatar no manuscrito Implantação e progresso da Casa das Filhas de Maria Imaculada: 27 Idem. Origem e progresso da Congregação das Filhas de Maria Missionárias..., ms. de Pe. Jacinto Bianchi, Roma, AFMM, VIII. 2.1.4a. O documento continua: “com afeto quero citar aqui as Santas almas dos irmãos Passi – Marco e Luca – Missionários que foram os primeiros a iniciar e desenvolver a prática da correção fraterna. Além deles citarei também Frassinetti, aquela alma santa e grandíssima entendedora das necessidades da juventude cristã [...]. Por fim nomearei, com sentimentos da mais profunda veneração e reconhecimento pelo bem feito a mim e às primeiras Missionárias, o abade Passèri – o Pai das Pias Uniões Marianas”. 29 Apanhado descritivo dos atos e memórias importantes que dizem respeito à implantação, instituição canônica, a agregação à Matriz de Roma e à vida moral da Congregação das Filhas de Maria de Pigna – Paróquia da diocese de Ventimiglia, ms. de Jacinto Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.6.18 30 Cf. Idem. 31 Muitas das numerosas congregações religiosas femininas surgidas na Itália durante o séc. XIX tiveram inicio conforme o modelo da associação mariana, tanto de tipo “religioso” como laical. Um exemplo disto são as Filhas de S. Maria da Providência fundada por Pe. Luiz Guanella (1842-1915) que se formaram a partir de um pequeno grupo de jovens ursulinas em Pianello Lario, no alto lago de Como: “O sacerdote pároco Carlo Coppini, meu imediato antecessor, com decreto diocesano em 1º de julho de 1871 n. 1023, instituía nesta paróquia a Pia União de Maria SS. Imaculada sobre a proteção de Santa Úrsula e de S. Ângela Merici. E desta Pia União e com o consenso do Ordinário em 1871 tirando algumas jovens as uniu em forma de comunidade religiosa e confiou-as à educação das filhas órfãs e abandonadas. Esta pequena sociedade foi consolidando-se e em 1880 deu-lhe um esboço de Regra com cópia para o objetivo da narração histórica” (Carta de L. Guanella a mons. G. Merizzi, Pianello Lario, 19 de setembro 1884, cit. in As constituições e os Regulamentos de Dom Luiz Guanella. Aproximações históricas e temáticas, aos cuidados de A. Diegues, Nova Fronteira, Roma, 1998,p. 103 28 11 Desde o ano de mil oitocentos e setenta e três concebeu-se a idéia de fundar uma Casa das Filhas de Maria Imaculada sob a proteção de S. Ermelinda. Em 1874 fez-se alguma coisa para preparar tal casa: porém, somente no fim do mesmo ano uma Filha de Maria Imaculada realizou tal propósito de abrir aquela casa com a intenção de recolher todas as Filhas que quisessem viver e trabalhar para a maior glória de Deus. 32 Neste documento, redigido antes de 1876, observam-se os seguintes conteúdos: • • • • • • Encontram-se as definições simples e claras daquilo que Pe. Jacinto iniciou: uma Casa das Filhas de Maria Imaculada (cfr. Nn.1,7,8); Aparece talvez pela primeira vez a referência à Santa Ermelinda (cfr. Nn.1,8); A decisão de se congregar em vida comum é manifestada publicamente (cfr.nn.1,2); É indicado o nome das primeiras irmãs que iniciaram a Casa (cfr. N.5; Esta comunidade cria uma “regra moderadora” própria que é enviada ao bispo, dando-lhe ciência de sua constituição (cfr. N.8); As congregadas trabalham para se manter (cfr.nn.18,20). É definido com ênfase o caráter laical da Casa e desta iniciativa, opondo-se à possibilidade de se agregarem às irmãs salesianas (ponto 15); contudo estas Filhas de Maria têm um hábito diferente e seguem uma regra (ponto 27-29). O documento narra finalmente (com referências históricas bem definidas) o início da missão na Palestina (ponto 33-36). A circunstância é identificada como uma “preciosa e pleníssima consolação” quase uma confirmação da bondade e da vocação comum, através das quais seria aberta inesperada e providencialmente uma nova estrada. Segunda Parte A MISSÃO NA PALESTINA 1876-1892 2.1 A presença das Filhas de Maria na missão Pe. Jacinto Bianchi já tinha estado na Palestina em 1868, provavelmente por solicitação da Igreja Genovese, em cujo ambiente reinava uma vigorosa sensibilidade para a missão no exterior, especialmente para com o Vizinho Oriente. De fato, os dois primeiros patriarcas do restabelecido Patriarcado de Jerusalém eram da Ligúria: Monsenhor José Valerga (1813-1872) de Loano e Monsenhor Vicente Bracco (1835-1889) de Torazza, na província de Imperia; em 1855 tinha sido aberto em Gênova o seminário de Brignole – Sale, onde estudou Pe. Antonio Belloni (1831-1903) natural de Oneglia, que estava na Palestina desde 1859. 32 Implantação e progresso da Casa das Filhas de Maria Imaculada, de 1873 a 1875, ms. de Pe. Jacinto, Roma, AFMM, VIII.2.1.1. 12 Num manuscrito intitulado O Instituto das Missionárias Pe. Bianchi fez uma releitura das poucas anotações que possuía sobre a história dos primórdios da Congregação e da partida para Belém, reconhecendo com satisfação nestes eventos “o germe, o desenvolvimento e a manifestação da vontade de Maria Imaculada” 33, ocasiões estas que clarearam e amadureceram o seu espírito missionário: “Encontrando-me em Pigna por missão como regente – leitor assíduo da Unidade Católica – compreendi como em Belém Belloni – rezei – fiz também – preguei e algumas Filhas decidiram-se - e assim foi. Tinha, porém, estado no Oriente desde [18]68, amava aquele lugar. Era Maria Imaculada que me guiava, como é a sua missão e mantinha em mim o terno amor para com ela”.34 Os documentos nos fazem considerar que nesta fase Pe. Jacinto Bianchi não pretendia fundar um instituto religioso, uma “congregação” no sentido atual do termo, nem tão pouco uma obra própria. Respondeu generosamente a um pedido de ajuda, enviando ao Orfanato de Pe. Belloni as jovens que ele estava formando em Pigna, nas quais certamente cultivava o espírito missionário. Pe Jacinto enviou as jovens para a Palestina com o mesmo objetivo, o da correção fraterna, pelo qual as havia reunido na casa de Pigna, conforme explicação citada no manuscrito Origem e progresso do Instituto das Filhas de Maria Missionárias: “Mas, e a missão no exterior? Respondo que esta é parte integrante da Congregação porque é dela a correção fraterna levada ao heroísmo, a verdadeira caridade fraterna pregada por Jesus – a maior, porque dá a vida ao próximo. As missionárias vão advertir aqueles pobres infiéis, fazer compreender que vivem no erro e na morte. E existiria algo mais essencial à Congregação das Missionárias?” 35 Neste documento, redigido desde que as jovens Filhas de Maria partiram de Pigna para junto de Belloni, deve-se considerar o seguinte: • • • • • • • “A denominação “Instituto”; A estima pelas Pias Uniões das Filhas de Maria; O “Objetivo essencial” das iniciativas de Pe. Bianchi: “a correção fraterna das Filhas de Maria”; A relação entre missão exterior e correção fraterna; A cumplicidade em corresponder a uma exigência dos tempos; A referência aos “mestres espirituais” Passi, Frassinetti e Passèri, na identificação das origens de uma realidade que vai se transformando para assumir uma fisionomia própria e original: por motivo da missão, as jovens enviadas a Belém não são somente Filhas de Maria reunidas para a vida comum; A hipótese que Pe. Bianchi tenha colocado em prática a Instituição de Passèri cuja finalidade era a conservação do espírito originário das Filhas de Maria”. 33 Instituto das Missionárias, ms. de Jacinto Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.8. Idem. 35 Origem e progresso do Instituto das Filhas de Maria Missionárias..., Roma, AFMM, VIII.2.1.4ª - VIII.2.1.4b. 34 13 A missão é considerada neste documento como um dom de Deus à “família” das Filhas de Maria, como sinal de uma bênção particular: “Sem medo de falar demais, observo que logo que foi aberta a primeira casa das Missionárias com o objetivo já citado, Deus abriu caminhos e favoreceu os meios para as missões no exterior [...] E Ele mesmo revelou o quanto queria bem esta família, pois onde ela se instalava, providenciava-lhe também os meios necessários para ir em frente, defendendo-a dos perseguidores, dos caluniadores e as primeiras irmãs que se reuniram Deus se serviu delas para as missões exteriores. As outras, porém, tiveram que esperar muito. Se Deus as abençoar, hão de dar inúmeros frutos. As missionárias, ajudando as Filhas de Maria como irmãs, contribuirão para o bem da sociedade”. 36 Em 1882, depois de seis anos da chegada das primeiras missionárias na Palestina, Pe. Bianchi ainda as apresenta somente como Filhas de Maria. Em 1882, também foi reeditada e difundida uma carta sua datada de 09 de novembro 1880, já publicada em A Filha de Maria, documentário da Pia União romana. 37 Nesta carta ele conta para todas as Filhas de Maria a sua viagem no Oriente e antecipa um pedido de ajuda para as “irmãs” descrevendo o trabalho delas no orfanato de Belloni: “Sabem, (já que vosso Jornal A Filha de Maria falou com grandes louvores) que faz quatro anos que 5 Filhas de Maria de Pigna, perto de Ventimiglia, foram para a Terra Santa e estão muito contentes, embora trabalhem um dia mais que o outro, no Orfanato católico fundado em Belém do M. R. Canônico Belloni [...] Venham nos ajudar. De que modo? Com a oração pelas 5 filhas de Maria e também para as outras que estão dispostas a virem [...] cada P. União, poderá comprar uma fotografia onde tem os órfãos com as filhas de Maria e colocar na Congregação, pois será de grande estímulo tê-la sob os olhos [...] As vossas 5 irmãs Filhas de Maria, que vos precederam generosamente, não lhes impulsionam a partir? Ah! Filhas de Maria Imaculada façam alguma coisa logo, senão acabarão por não fazerem nada. As vossas 5 irmãs que estão aqui em Belém, à tarde se decidiram e de noite partiram”.38 2.2 Os “votos” de 1877: Das filhas de Maria “missionárias” à Congregação das FMM Pe. Jacinto continuava a apresentar publicamente as jovens enviadas à Palestina como simples Filhas de Maria; pois mesmo que já tivessem respondido generosamente a um convite “missionário” e vivessem em comunidade numa obra, substancialmente como forma de pertença à Igreja, não eram diferentes das “irmãs” que tinham ficado na pátria, simples batizadas associadas a uma congregação mariana secular. Na realidade, porém, as condições de vida das jovens que foram para a Palestina eram muito diferentes daquelas que ficaram. Iam assumindo as características de uma comunidade autônoma, que vivia seguindo os conselhos evangélicos. Da mesma forma viviam as co-irmãs que ficaram em Pigna, onde mantinham a Casa mãe que de fato se apresentava como embrião de noviciado. Todas as Congregações que foram aprovadas nasceram de uma instituição carismática de um fundador, que desde sua origem revelou-se necessária e capaz de atrair pessoas para a santificação pessoal mediante os conselhos evangélicos e suscitar um grupo originário 36 Idem. Gênova, Tipografia Arquidiocesana, 1882, 8 p. exemplar conservado em Roma, AFMM XI. Falta a capa e folha de rosto. 38 Idem. 37 14 caracterizado pelos mesmos objetivos, vida em comum e trabalho numa obra de apostolado. A razão de ser desta forma primordial de vida consagrada deveria encontrar um modo de expressão, que geralmente consistia na profissão dos conselhos evangélicos, pessoal e comunitariamente, nas mãos do fundador. Esta mesma dinâmica, inevitável e realística, pode ser reconhecida também na história das FMM. No primeiro Livro Mestre da congregação, compilado nos anos Trinta, consta que em 1877 Pe. Bianchi foi à Palestina e em 25 de março acolheu os votos das Irmãs Callista Lantero, Pacifica Garoscio, Crocifissa Ferrero, Fortunina Orengo, Seconda Alavena e Agnese Ughetti; o sucessivo 15 de agosto professaram em Pigna, irmã Ermelinda Cereseto e irmã Francesca Barucchi, e nunca foram em Palestina. Mesmo sendo plenamente válidos como intenção diante de Deus, estes denominados “votos” tinham um valor puramente privado, como garantia recíproca “para uso interno” de escolha da vida comum, um compromisso que se compartilha e se assume solenemente. O impulso inicial dado às Filhas de Maria em Pinha, mérito de Pe. Bianchi, era destinado necessariamente a ter uma expressão concreta impossível de se prever, diante da qual achou oportuno realizar um gesto significativo de confirmação e de consolidação das intenções da origem. Além disso, desde 1878 algumas das jovens se transferiram para outras casas abertas por Pe. Belloni em Beitgemal e depois em Cremisan, onde chegaram ainda como Filhas de Maria. “Algumas Filhas de Maria, a exemplo do quanto já fazem suas co-irmãs no Orfanato de Belém com dedicação admirável, consideraram uma honra ir para Beitgemal na nossa escola agrícola e serem encarregadas de dirigir a cozinha, a rouparia e a enfermaria”. 39 Esta nova situação exigia uma estruturação mínima para aquelas jovens: decidir quem iria, quem ficaria com a responsabilidade local, quem e como teria contato com as outras etc. Elas tinham partido de Pigna como Filhas de Maria “missionárias”, ou seja, “enviadas em missão”, ato este identificado como partida. Mas a permanência que se prolongava, a partilha do trabalho, a vida delas em comunidade ia progressivamente dando-lhes uma configuração diferente: não mais a soma de cada vontade e nem a intenção pessoal (aquelas que as impulsionaram a partir), mas um corpus original, as Filhas de Maria Missionárias, ou seja, uma síntese de experiências, uma forma nova de se unificarem e para onde convergirem as motivações individuais. Na perspectiva de uma história “carismática” da Congregação deve-se reconhecer o seu nascimento em 11 de fevereiro de 1875, como a tradição assim o quer. Mas os acontecimentos da fundação foram historicamente mais complexos e desenvolvidos ao longo do tempo, entendidos de forma progressiva, onde a idéia da fundação foi amadurecendo em cada uma das irmãs através das experiências e da compreensão que delas iam fazendo. Este desenrolar histórico pode ser comprovado num Relatório Histórico da Congregação, apresentado pela Superiora Geral Irmã Maria Solimani, em 1933, para a Sagrada Congregação dos Religiosos, em vista da aprovação diocesana, onde declara: “O longo tempo transcorrido desde 1875 até hoje e a ausência de documentos autênticos não nos possibilitam prever a vida real das primeiras missionárias no Oriente e em Pinha. O que se pôde conseguir foi informação oral de algumas Irmãs idosas, das quais uma 39 A. BELLONI, Nossa escola agrícola de São José em Beitgemal, in Obras da Santa Família na Terra Santa, Tournai, Paris 1878, p. 9. 15 ainda estava viva (Irmã Segunda Allavena, falecida em 29 de abril de 1935). Elas viveram juntas durante alguns anos como uma simples Sociedade fazendo promessas e não votos. Parece que Pe. Bianchi no início as animou a viverem juntas como boas Irmãs, porque foram encontrados alguns manuscritos dele a respeito disto, talvez como um primeiro indício de uma vida em comum”. 40 2.3. O Esquema da Regra de 1889 No Arquivo da Casa Geral das FMM estão conservados dois exemplares de um texto impresso atribuído a Jacinto Bianchi: Esquema da regra para o Instituto das Filhas de Maria Missionárias. Áuspice Santa Ermelinda, datado de 1889 41. Este documento marca a passagem definitiva, ainda que formal, da experiência secular iniciada por Pe. Bianchi com as Filhas de Maria de Pigna, à vida religiosa. É uma declaração pública da própria identidade, perfeitamente contextualizada, que poderia ter sido solicitada diante das dificuldades que passaram as Filhas de Maria naquele período, quando foram enviadas à Palestina como missionárias: da morte do patriarca Vincenzo Bracco em 16 de junho de 1889, com as complicações das mudanças de sua sucessão, até os sinais de instabilidade que a obra do Belloni começou a demonstrar na época42. A finalidade deste Esquema, dividido em Constituições, Regulamento e Rituais, era obter da Propaganda da Fé, a aprovação da “Congregação das Filhas de Maria Missionárias ou das “Irmãs do Oriente” (cf. Introdução Histórica). Tem-se a impressão de que este texto já existia, que foi reelaborado e integrado, a fim de que a Congregação fosse inserida “canonicamente na Palestina”. Nele encontram-se indicações claras da dupla finalidade da Congregação: as missões estrangeiras e o apostolado junto às Pias Uniões marianas. O texto é muito heterogêneo. Traz conselhos para a vida espiritual, normas, o diretório do capítulo, indicações para o discernimento vocacional e a formação, pequenas prescrições de caráter pessoal e vários rituais. Ao mesmo tempo em que é vasto, é de pouco conteúdo. Quanto ao Esquema de 1889, podemos fazer algumas observações: - Introdução histórica: aquelas que “se retiraram para uma casa modesta e deram início à congregação das missionárias” foram juntar-se a uma vida em comum já em andamento; nesta interpretação a posteriore os acontecimentos iniciais devem ser “lidos novamente” de maneira integral à luz do presente, que dá também a prospectiva para o futuro: a continuação da missão na Palestina. - Art. 1, Art.4: as FMM têm a configuração de um instituto de votos simples: está explícito que não existe nem classe, nem requisitos econômicos mínimos (cf. também Art. 16, Art. 17). - Art. 3: a presença da Pia União Mariana como único espaço de vocações para a Congregação delineia a situação originária da casa de Pigna, enquanto que o “zelo em promover a virtude na juventude feminina” certamente não define a obra das Missionárias na Palestina, onde desenvolvem trabalhos domésticos para um orfanato masculino. 40 MARIA SOLIMANI, Relatório Histórico da Congregação das FMM tendo a Casa Geral em Massa (Carrara), Massa, 8 de julho de 1953, ms., Cidade do Vaticano, Arquivo da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica, M 126, pp. 10-11. 41 (G. Bianchi), Esquema da Regra de Vida para o Instituto das Filhas de Maria Missionárias. Áuspice Santa Ermelinda, Lendinara, Tipografia de Luigi Buffetti,1889, 30,5 x 21,6 cm, p.23; AFMM, X.5 a/b. 42 “De Beitgemal em 10 de julho de 1890 após serem descritos o mal estar e os contrastes surgidos entre os religiosos na eleição do novo Patriarca e entre os missionários e Pe. Belloni que naquele tempo tinha feito maus negócios e parece que os Seus e as Irmãs queriam abandoná-lo caso admitisse estrangeiros (os Salesianos) em casa; escrevia o Diretor” (G. BIANCHI, Cartas à Delfina 1886-1894, Filhas de Maria missionárias, Roma 2007, p. 18). 16 - Artigos 5-9: aspectos do discernimento vocacional, onde coexistem dados objetivos e considerações de tipo psicológico. - Capítulo Terceiro: a admissão das viúvas é um sinal típico das formas de consagração secular, próprio das ursulinas (Frassinetti): nas congregações de votos simples não era possível a presença delas. - Os artigos (62, 74, 79, 103, 136, 157) fazem referências à autoridade das coisas ordinárias ( que poderia ser entendido como o bispo na Casa “central” da sua diocese), e que na introdução do tema sobre Constituição é afirmado explicitamente: “ O Patriarca latino de Jerusalém é o superior”, em contradição também com o Art. 46, que diz: “ A Superiora da Congregação como um todo é chamada de Superiora geral, e outros artigos onde são definidas as funções da mesma. É uma outra indicação em que o Autor se baseou num texto já existente sem eliminar as incoerências nas quais a Congregação iria se integrando nas suas eventuais exigências. - Art. 84: a Casa mãe (“central”) deve ser a única onde a Congregação está presente com uma atividade própria da natureza da casa; a vontade de transferi-la para Roma (que não seria realizada enquanto Pe. Bianchi estava vivo) insere-se em um outro elemento de provisoriedade e de ambigüidade neste texto, que busca dar uma característica sólida à Congregação, partindo de uma situação que ainda não está definida. - Art. 85: a expansão da Congregação deveria dar-se seguindo as linhas paralelas de um duplo objetivo: a simples presença nas “missões exteriores” (sem especificar o tipo da obra) e a ação educativa junto às Pias Uniões Marianas “mediante a correção fraterna”; cf. também o Art. 128. - A figura da “Corretrice”, aquela que revisa, corrige, rege, (cf.Art. 39, Art. 50, Art. 96), lembra também o método educativo-relacional de Pe. Luca Passi, que era habitual na tradição monástica. - Artigos 89-92: a relação entre as Casas e as integrantes da Congregação é marcada por uma vida fraterna partilhada. - Capítulo décimo oitavo: a vida em comum se desenvolve entre “irmãs verdadeiras e muito amorosas”, unidas por um vínculo espiritual da filiação mariana: “Recordar sempre que a Missionária é filha de Maria, e por sua vocação procura imitar, amar ternamente, honrar e fazer honrar a celeste Mãe Imaculada, por todos, em todos os lugares e sempre” (Art. 122). - Artigos 123-135: A vida em comum é (provavelmente de modo inevitável) baseada em uma forma bastante “monástica” bem diferente das formas de consagração secular. - Artigos 167-173: com os horários definidos por esta forma de vida, não era possível fazer outra coisa a não ser o serviço do orfanato. 17 Além de ser o ato público da presença da Congregação religiosa, esta regra impressa se torna a base para a primeira expansão, realizada graças à Irmã Delfina Delfino, “a segunda fundadora da Congregação” 43. Para preparar o retorno das missionárias e para acolher as novas vocações, entre 1891 e 1895, foram abertas as casas de Frata Polesine, Recco, Scandolara Ravara, Cingia de’ Botti, Santo Ilario d’Enza e Vicovaro. Era necessário, portanto, uma direção única para a formação e uma disciplina de vida em comum, cuja base foi tomada do Esquema de 1889. Nas Cartas à Delfina está documentado o uso deste texto, onde é aconselhada a leitura comunitária com sua respectiva explicação, de modo que possa ser compreendido e conhecido: “Aos Domingos, ou em um outro dia mais favorável, ler alguns pontos do Regulamento, explicá-lo e compreendê-lo bem, de modo que a regra seja conhecida e praticada por todas as Irmãs44. Nada de desânimo; confiança, oração, confidência, amor, segurança, alegria em Deus e na nossa Mãe Imaculada. Duas vezes na semana lerão o Regulamento porque todas devem conhecê-lo bem. Eu explico para as Irmãs45. Minha Isabella, peço-te para pegar o Regulamento, chamar as Irmãs e ler as regras da vida em comum (capítulo 18) e explicá-las a fim de que compreendam bem. Lerás também o artigo 159 do capítulo 21, e na sexta-feira santa à noite começará ensiná-las a fazer a acusação” 46. É importante fazer referência sobre a disciplina dos votos assim como estão expostos no Esquema de 1889 (Capítulo nono: Das promessas, dos votos e das suas renovações. Artigos 3437), quando declara irmã Maria Solimani no Relatório Histórico de 1933 já citado: depois de ter resumido os Artigos, afirma que “ Não era estritamente necessária a emissão destes votos e que quem não quisesse pronunciá-los, pertenceria igualmente à Congregação”47. 2.4 A progressiva autoconsciência da Congregação Em 21 de setembro Pe. Bianchi escreveu um pequeno texto sobre a Congregação para a aprovação da Propaganda, Origem e progresso da Congregação Irmãs Missionárias. Áuspice Santa Ermelinda V[irgem]. Este manuscrito 48 pode ter como hipótese ser um esboço ou minuta de um relatório enviado à Propaganda seguido pelo Esquema de 1889, mas ainda precisa de pesquisas posteriores para uma confirmação. Existem “outras informações a respeito da origem ou do desenvolvimento desta Congregação”49, que no Esquema de 1889 não se achou oportuno acrescentar à introdução histórica. É um documento importante para aquela releitura meditada sobre as origens à luz dos eventos providenciais que se sucederam; onde se pode notar algumas relevâncias do ponto de vista histórico: - na denominação da Congregação está o título de “Irmã” e não “Filha de Maria”, transportado no Esquema impresso de 1889; 43 J. BIANCHI, Cartas à Delfina 1886-1894, cit., p. 80. Jacinto Bianchi à irmã Delfina Delfino, Belém, 5 agosto 1890; ídem, p. 19. 45 Jacinto Bianchi à irmã Delfina Delfino, Belém, anterior a 25 agosto de 1890; ídem, p. 20. 46 Jacinto Bianchi à irmã Isabella Raffaghelli, S. Sebastiano Curone, 28 de março de 1893; ídem, p. 55. 47 47 MARIA SOLIMANI, Relatório histórico da Congregação..., cit., p. 11. 48 Origem e progresso da Congregação Irmãs Missionárias. Áuspice S. Ermelinda V[irgem], ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.11. 49 [J. BIANCHI], Esquema da Regra para a Congregação..., cit., p. 5. 44 18 - A Congregação nasce de uma experiência de “vida em comum para cuidar melhor da santificação própria e a da juventude feminina com a correção fraterna” 50: onde é expresso o fim primeiro (perfeição das próprias integrantes) e o fim secundário ou especial (obra de caridade) que toda congregação “moderna” deve ter e que serão formalizadas pelas Normas de 190151 já citadas; - as “Missões exteriores” são uma possibilidade que se apresenta sucessivamente, “depois de poucos meses de vida em comum”; - a notícia da presença nas obras de Pe. Belloni na Palestina assume alguma relevância e traz um florescer vocacional que, porém, não foi acolhido integralmente; - durante a permanência na Palestina, apresentam-se outros campos de apostolado na Itália (Ventimiglia e Taggia), às quais as “Missionárias” se dedicaram durante algum tempo. Do ponto de vista de uma compreensão mais ampla, cabe refletir sobre o conceito de “predileção” que Pe. Bianchi utiliza para reler a história daqueles primeiros 15 anos. Praediligo, isto é “prefiro” mas também “desejo mais”. A Casa de origem das Filhas de Maria era um bom terreno no qual Deus quis lançar a semente de Sua predileção, pedindo as primeiras “Irmãs” alguma coisa a mais: coloca-as à prova e sustenta a resposta generosa delas com a Sua graça. É uma dinâmica da relação entre Deus e a criatura que encontra o seu cume na Anunciação. Sob esta luz podem ser lidas outras considerações de Pe. Bianchi a respeito do início da Congregação e da missão, nas quais não é difícil reconhecer também outras significativas sugestões bíblicas, da vocação de Abraão (cf Gn 12) ao canto de alegria sobre Jerusalém (cf. Sl 121): “Conselhos e instruções para estar [na Palestina] – Para lá [se] foi e depois disto não houve nenhum momento que não fosse para a glória de Deus a serviço dos órfãos. Vibraram com uma especial alegria quando partiram [...] – daquela alegria que Deus sabe tão bem fazer enamorar de Si e de Suas obras, as pessoas que escolhe, e para coisas grandes lhes destina. Tal foi o princípio da Congregação – nasceu no mês das flores [março de 1871? Cf. Primeira parte, nota 27] – e sob a forma de congregação Mariana”52. É “predileto” aquilo que foi motivado em vista de um cumprimento, uma experiência precedente; e isto Pe. Bianchi reforça em um outro escrito seu, Memórias dos primórdios, desenvolvimento e conquistas da Congregação Irmãs Missionárias 53, onde evoca de novo com precisão as circunstâncias nas quais lançou a proposta das missões às Filhas de Maria de Pigna: “Num Domingo, pregando às Filhas de Maria e de Santa Inês na presença de todo o povo para animá-las ao bem, falou do grande bem que faziam as Irmãs nas Missões exteriores, e fez referência a um fato particular dizendo: “Em Belém, um tal Pe. 50 Origem e progresso da Congregação Irmãs Missionárias, cit S.C EPISCOPORUM ET REGULARIUM, Nomae secundum quas S. Congr. Episcoporum procede solet in approbandis novis institutis votorum simplicium, Romae, Typis S.C de Propaganda Fide, (18 junho) 19011, ns 1325,59 p. 52 [Anotações sobre a partida para a Palestina e os inícios da presença missionária], ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.2. 53 Memórias dos primórdios, desenvolvimento e conquistas da Congregação Irmãs Missionárias, ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.7. 51 19 Antonio Belloni fundou um Orfanato Masculino e não tem mulheres que se dediquem ao governo doméstico do mesmo, ou seja, da cozinha, da rouparia etc.” 54. O documento deveria ser posterior a 1902 e Pe. Bianchi retoma eventos de aproximadamente trinta anos atrás, recordando claramente que Caterina Orengo, “na época Superiora das Irmãs Missionárias com o nome de Fortunina”, ofereceu-se para ir à missão e foi convidada, juntamente com outras cinco companheiras “missionárias” que a seguiram, a fazerem parte da Casa das Filhas de Maria para “morarem juntas”. O impulso missionário ia se inserindo fecundamente em uma realidade viva, desejada por Deus através de uma intuição carismática, a realização do “ideal” confiado a Pe. Bianchi: “Vocês não têm idéia dos obstáculos que atrapalham o nosso caminho. Os desenganos, os desgostos não têm fim: mas sigo adiante sem me abalar e não volto atrás diante do sacrifício a fim de alcançar a minha meta, o meu ideal. E querem saber qual é o meu ideal? Quero que a juventude feminina obtenha as virtudes. Para este fim e para melhor colaborar, de minha parte, procurei unir as Filhas de Maria como família”55. A “família [das] Filhas de Maria” foi uma oferenda agradável a Deus, que a “transformou” de acordo com os seus misteriosos desígnios e de fato “as primeiras que se uniram, Deus se serviu delas já nas Missões exteriores” 56. Mas a obra delas era uma necesidade dos tempos, uma daquelas “vocações novas” que o Espírito Santo suscita na Igreja no momento oportuno: “Quem quisesse pensar e temer que estas Missionárias, trabalhando na obra [a correção fraterna] nos países civis, perderiam logo o espírito bom, porque o trabalho é de pouco empenho, reflita que Deus suscita vocações de acordo com as necessidades dos tempos; e desta vez, pela sua excessiva caridade pelas almas – hoje em dia cheias de si próprias e de espírito mundano, não dispostas a aceitar e escutar como boas as advertências da autoridade eclesiástica – fez com que estas Irmãs surgissem para consolar a sua Igreja, desolada ao ver seus filhos correrem atrás do mundo e de seus prazeres. Reflita ainda que atualmente são necessárias vocações novas porque a maldade humana é nova” 57. A missão definiu e iluminou a experiência inicial, modificando uma sucessão temporal (primeiro a Casa das Filhas de Maria e depois a ocasião de predileção) numa dinâmica providencial: a Casa das Filhas de Maria “para” a missão. Com uma imagem mariana, o nascimento da Congregação em Belém pode ser relido como o cumprimento da “promessa” (pro-mitto = mandar para, a favor de) feita em Pigna, lugar do anúncio, Nazaré das FMM. 2.5 O retorno à Itália (1892) Com as evidentes mudanças da entrada dos salesianos e das Filhas de Maria Auxiliadora para conduzir as obras fundadas por Pe. Belloni, em maio de 1892, as FMM retornaram definitivamente para a Itália. Num documento, provavelmente de 1902, Memórias do 54 Idem, também para as citações seguintes. [Breves considerações autobiográficas...], ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.12. 56 Origem e progresso da Congregação das Filhas de Maria Missionárias sob o patrocínio da Virgem Imaculada e de S. Inês Virgem e Mártir. Áuspice S. Ermelinda, ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.4a - VIII.2.1.4b. 57 Idem. 55 20 desenvolvimento da Congregação Irmãs Missionárias de Propaganda da Fé 58, Pe. Bianchi descreve resumidamente o desenvolvimento sucessivo da Congregação, mas sobretudo exprime a grande expectativa que tinha motivado aquela primeira década: “Vive-se desejando ardentemente o modo e meio seguros para viver em plenitude de acordo com a finalidade da Congregação: preparar-se para as Missões exteriores. O bem que pode fazer a Congregação nos países é secundário à finalidade. Se for agradável a Deus abrir caminhos para as Missões Exteriores, 12 estão prontas a partir para cuidar das casas dos Missionários, costurando, bordando, cozinhando, instruindo as crianças e qualquer outro serviço necessário nas Missões. E quanto à língua, estão prontas a aprendê-la, assim como bem aprenderam o Árabe e o turco59. Reconhecida a providencial predileção de Deus, a Sua iniciativa que não começa a não ser para atingir a sua meta, o interromper da missão pode ser aceito como um “sacrifício de Isaque”, uma situação que aparentemente contradiz a origem. Mas a espera é confiante e produtiva, fundamentalmente dócil e disponível aos desígnios de Deus, vivida quase naquele espírito “messiânico” com o qual os primeiros cristãos aguardavam o próximo retorno de Jesus Jesus. Observa-se que neste manuscrito aparece a referência à Propaganda da Fé, que evidentemente manifesta uma aspiração e um desejo mais do que uma realidade de fato. É igualmente importante ressaltar que a missão não contém uma forma específica, uma forma definida de apostolado. É ao invés “missão para a missão” que dá significado pleno à vida da Congregação: ser uma presença onde é necessário, onde Deus chama de acordo com as circunstâncias; à luz desta finalidade pode-se compreender o motivo pelo qual as Irmãs Missionárias foram “con-vocadas” à vida em comum. Na pertença à Congregação, a vocação de cada uma é um chamado ao próprio ser original criado por Deus, escolhido por Cristo no Batismo e por Ele “predileto” na consagração pessoal que se realiza nas circunstâncias históricas concretas, embora sejam estas “secundárias”. Assim compreende-se o motivo pelo qual as irmãs Missionárias foram “convocadas”a vida comum na pertença à Congregação na qual a vocação de cada uma se revela e se realiza, prescindir das diversas contingências históricas. A “provação” do retorno permite, porém, uma redescoberta do impulso inicial, que neste momento assume uma dimensão diferente, uma plena consciência e cumplicidade do chamado à dedicação total de si mesma. A continuidade da Congregação após o retorno forçado da missão, na primeira fase de expansão e o consolidamento devem-se à Irmã Delfina Delfino. A ela Pe. Bianchi confia e entrega o destino da Congregação, que graças ao seu modo discreto e atuante de guiar, o “ideal” do fundador 60 revive com consciência renovada a originária “vocação nova” 61 vivida na obra exemplar, de estímulo e educação da juventude feminina: “Voltaram à Itália: e sempre firmes na intenção de retornar às Missões Exteriores se dedicam a trabalhar na costura e bordado, e juntas promovem a piedade e as virtudes cristãs da juventude feminina – especialmente cuidando das Pias Uniões de Maria Imaculada e de Santa Inês 62. 58 Memórias do desenvolvimento da Congregação Irmãs Missionárias da Propaganda da Fé, ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.1.3. 59 Ídem. 60 .cfr. nota 55. 61 Cf. nota. 56. 62 Relatório da Congregação, ms. De J. Bianchi, [post. 1901], Roma, AFMM, VIII.2.1.9. 21 A finalidade e o desejo de ir às Missões Exteriores continua presente e acontecerá quando Deus lhes abrir os caminhos. No entanto, dedicam-se a trabalhar na promoção da piedade e da prática das virtudes cristãs da juventude feminina, ensinando-lhes a doutrina, sob a direção do Pároco; cultivar as Pias Uniões Marianas nas jovens e ensinar costura e bordado às filhas do povo 63. Voltando à Itália, permanece sempre firmes na intenção que as havia reunido inicialmente, a de se prepararem para as Missões Exteriores: e enquanto aguardam, colocam-se a trabalhar conforme a finalidade secundária de educar as filhas do povo na piedade e nas virtudes cristãs, promovendo as Congregações Marianas, vendo onde organizá-las, ensinando a Doutrina Cr[istã] sob a direção dos Par [ocos] e ensinando os trabalhos femininos de costura, bordado em branco ou colorido, e em ouro etc. e entretendo as jovens com a recreação para tirá-las das libertinagens mundanas” 64. Este retorno forçado não foi um redditum, só como um “voltar atrás”, também como um “ganho”, pois se revelou um novo início, aquele necessário “nascer de novo” no Espírito Santo (cf. Jo 3,5) merecido pelo fato de estarem prontas ao chamado de Deus e de docilidade ao quanto Ele mesmo tinha reservado a esta “Sua” Congregação. Terceira parte O TEXTO NORMATIVO DE 1907 3.1 Análise Sintética e as circunstâncias de publicação A confirmação da mudança de perspectiva da Congregação pode ser encontrada numa edição nova de normas, subdividida em Constituições e Rituais, entitulada simplesmente Congregação das Filhas de Maria Missionárias. Áuspice Santa Ermelinda virgem (da Bélgica),65 sem data e que nas pesquisas atuais, pode se referir a 1902 ou a 1907. Constata-se que numa carta de 1902, Pe. Bianchi afirma que “a Regra” está para ser impressa 66 e quanto a 1907, deduz-se através de algumas de suas anotações sobre os exemplares do Esquema de 1889, conservados no AFMM 67. Nem mesmo a referência à presença das irmãs “em oito cidades [Scandolara R., Cingia de’ Botti, S. Ilario d’Enza, Vicovaro, Bagno, Licenza, Villa Pasquali, Mandela] de três dioceses diferentes [Cremona, Reggio E., Tivoli]”, ajuda no momento a clarear a data, pois a existência delas é válida para todo o período citado. O texto se apresenta quase idêntico ao Esquema de 1889 68, mas com uma diferença clara que é a ausência de referências específicas à missão na Palestina, onde nem sequer é citada a Propaganda da Fé. 63 Memória histórica da Congregação Irmãs Missionárias. Áuspice S. Ermelinda virgem, ms. de J. Bianchi, [post. 1901], Roma, AFMM, VIII.2.1.10. 64 Memória histórica da Congregação, ms. de J. Bianchi, [1901-1903], Roma, AFMM, VIII.2.1.6. 65 [J. BIANCHI], Congregação das Filhas de Maria Missionárias. Áuspice Santa Ermelinda virgem (da Bélgica), Treviso, Tipografia Luigi Buffetti, s.d., 29,5 x 20 cm, 19 p., Roma, AFMM, X.6. 66 Cfr. Nota 71 e 72. 67 A Introdução histórica dos exemplares do esquema da Regra, cit., conservados no AFMM (cf.nota 41), è utilizada por J. Bianchi como primeiro esboço para o seu análogo e sucessivo texto de 1907. Origem e natureza, (Congregação das Filhas de Maria Missionárias, cit., p. 3): onde se encontra a indicação dos trinta e dois anos passados desde 1875. 68 . Para facilitar um confronto rápido foi preparado um documento, X.5-6 Sinopse, onde os dois textos são colocados um ao lado do outro para uma leitura paralela 22 No Capítulo primeiro, Origem e natureza, são retomados brevemente os acontecimentos iniciais de Pigna, a partida em 1876 e a permanência junto a Belloni, mas principalmente descreve a obra atual que é o fim secundário educativo-apostólico (como na originária “família das Filhas de Maria” em Pigna), que as Missionárias desenvolvem, permanecendo porém “firmes na primeira intenção”, ou seja, na espera de voltar à missão: “ocupam-se a educar as filhas do povo na prática das virtudes cristãs e a ensinar costura e bordado. Depois, sob a guia dos Párocos, ensinam a doutrina cristã e promovem as P [ias] U[niões] Marianas. Não dão aulas nas escolas públicas69. Uma referência idêntica à experiência anterior está no Art. 21, onde é acrescentado aos três votos tradicionais o “propósito de ir às missões exteriores”. Como novidade nota-se especialmente uma denominação diferente, agora “Congregação das Irmãs Missionárias” (Capítulo primeiro); a menção a uma consistência patrimonial em imóveis e rendimentos (Art. 6); a introdução do título de “Assistente” para as Superioras locais, que será típico da Congregação (Art. 28); a presença da Casa Mãe em Villa Pasquali, sem sinais de intenção de transferi-la para Roma (Art. 56). São tirados também os artigos relativos à admissão das viúvas70. Além de tudo isto é significativo o fato de não se fazer mais a referência sobre o fato de as aspirantes serem de proveniência exclusiva das Pias Uniões das Filhas de Maria (cf. Art. 3 do Esquema de 1889), permanecendo este somente como espaço onde desenvolver a ação educativa e a animação vocacional junto às jovens (cf. Capítulo primeiro e Art. 98). A publicação deste texto normativo acontece num momento significativo para a história das FMM: a chegada na Sicilia no início de 1908. A origem dessa escolha se revelou fecunda de vocações e de possibilidades operativas, uma possibilidade semelhante àquela que em 1876 impulsionou a partida para a Palestina. Pe. Jacinto toma conhecimento de um sacerdote religioso, padre Li Vigni, também ativo no ministério da pregação, que no orfanato Renda em Partanna, sua cidade natal, havia necessidade de irmãs educadoras. Ele ofereceu a possibilidade das irmãs, que foi aceita no dia 6 de fevereiro de 1908 Irmã Maria Solimani e irmã Silvia Leveratto, juntas a duas postulantes, iniciaram a primeira comunidade das FMM na Sicilia. Em breve foram abertas outras quatro Casas: Montevago (7 de dezembro de 1908), Santa Ninfa (15 de dezembro de 1909), Santa Margarita Belice (16 janeiro de 1910) e Mazara del Vallo (4 de janeiro de 1911), também graças a numerosas vocações que foram suscitadas: Pe. Jacinto viu aproximadamente umas vinte jovens Siciliana professar entre as suas irmãs. Após a morte de Irmã Delfina Delfino (10 de dezembro de 1897), aconteceu duas novas fases de expansão da Congregação: de 1900 a 1902, foram abertas quatro novas Casas (Bagno, Licenza, Villa Pasquali, Mandela) e no início de 1908, as “Irmãs Missionárias” desembarcavam na Sicília. Ambas as circunstâncias justificariam a impressão de um novo texto de normas, tornou-se, pois evidentemente necessário um instrumento “oficial” que acompanhasse e sustentasse a expansão, adequado a fornecer uma configuração específica à Congregação, respondendo assim àquela que era a sua realidade efetiva depois do retorno em 1892. 69 [J. BIANCHI], Congregação das Filhas de Maria Missionárias, cit., p. 3. Apesar de tudo Pe. Bianchi, de fato, se restringe a aceitar: «No primeiro regulamento tinha um artigo sobre as Viúvas, para serem aceitas não poderiam ter filhos e nem graus na Congregação. Retirei este artigo, mas se as Viúvas se apresentassem, seriam aceitas aquelas que fossem boas e humildes» (Jacinto Bianchi à Irmã Maria Solimani, Gênova, 14 agosto 1908, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep114). 70 23 3.2 Um instrumento inadequado à aprovação Além de ser encaminhado aos bispos 71, o texto impresso foi ainda enviado a Roma para uma tentativa de aprovação 72 que por ser substancialmente idêntico àquele de 1889, não pode obter um parecer positivo. A Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares já tinha publicado as Normas 73,em 28 de junho de 1901, que davam indicações claras sobre os requisitos necessários para a aprovação das “congregações recentes” e ofereciam particularmente um modelo de texto constitucional. Ora, pela documentação existente, parece que Pe. Bianchi tivesse conhecimento destas Normas, pois elas são citadas numa carta de um religioso dominicano de Roma em 6 de junho de 1901, a quem se dirigiu justamente por causa da aprovação da Congregação74 . É improvável que ele não tenha tido acesso a elas e é bastante estranho que as indicações da Santa Sé não se pronunciem sobre isto na edição de 1907. Em três de seus textos, dos quais na Terceira Parte se discorre sobre o fim secundário da Congregação, existe também a parte relativa ao fim primário, que provém de uma tradução do nº 42 das referidas Normas: « Finis primarius et generalis Instituti [...] est sanctificatio membrorum suorum per observantia trium eorundem votorum et propriarum Constitutionum. A Congregação [...] tem como finalidade principal a santificação das próprias integrantes por meio da observância dos três votos simples de obediência, pobreza e castidade, além das presentes constituições75. Após diversos anos, Pe. Bianchi ainda fará chegar este texto até Monsenhor Guido Maria Conforti para fazer considerações sobre o mesmo. Em 1913 o bispo de Parma, fundador dos Missionários Xaverianos, submeterá o mesmo a Pe. Giuseppe Parma, professor do Seminário, cujo parecer não poderia certamente ser positivo: “Parece-me que a Constituição da Congregação das Filhas de Maria Missionárias, áuspice S. Ermelinda virgem ( a qual, no seu conjunto, apresenta-se não como uma Pia União qualquer, vivendo em Comunidade, mas como uma verdadeira e própria Congregação religiosa de Votos simples) não responda nem às mais modestas 71 “Assim que o tipógrafo me entregar a Regra te enviarei 6 cópias. Tu levarás 2 ao Bispo [de Tivoli], 1 para Monsenhor Giustini, conhecido teu, em Roma (J. Bianchi à Irmã Consolata Zampieri, Gênova, 28 de julho de 1902, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep114); “No entanto veja com o Pároco ou com o Capelão se deram uma cópia das nossas Regras para o Bispo; eu te mando outras cópias”. (Jacinto Bianchi à Irmã Maria Solimani, Gênova, 25 de maio de 1908, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep24); ”Enviei o regulamento para Girgenti entregar ao Bispo” (Jacinto Bianchi à Irmã Maria Solimani, post. em 1 de dezembro de 1908, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep25). 72 “Em Roma estão fazendo a análise da Regra” (Jacinto Bianchi à irmã Consolata Zampieri, Vicovaro 26 de janeiro de 1909, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep101). 73 Cf. nota Error! Bookmark not defined.. 74 “Resta dizer que a Congregação cresceu e se expandiu suficientemente; poder-se-ia dar início às práticas para ser aprovada por Roma e assim poder ser uma associação perfeitamente organizada. No momento também a S. Cong[regação] dos Bispos e Regulares está justamente discutindo e formando um esquema de Constituições para ser aplicado em todas as Congregações no que se refere às regras comuns a todas elas: como por ex. sobre os votos, sobre a eleição dos Superiores etc.” (Vincenzo Nardelli a Jacinto Bianchi, Roma, 5 de junho de 1901, Roma AFMM, VIII.1.2a.140). 75 Constituições da Congregação das Irmãs Missionárias, ms. de J. Bianchi, Roma AFMM, VIII.2.2.7c; o texto citado é idêntico ao VIII.2.2.7a (Da natureza da Congregação, e do modo de viver) e em VIII.2.2.7b (Congregação das Filhas de Maria Missionárias. Áuspice S. Ermelinda virgem). 24 exigências em relação a si mesma, como Estatuto de uma Associação; nem em relação às exigências do Direito Canônico; e nem mesmo a respeito da Autoridade Eclesiástica 76 . Depois desta análise inicial sintética, o Pe. Parma passa a um exame mais aprofundado e rigoroso do texto, rebatendo todas as suas justificadas perplexidades e conclui: “As Constituições, como organização de uma sociedade, como Regra de Vida, em relação ao Direito Canônico, à Autoridade Eclesiástica, não são suficientes às necessidades tanto de direito como de fato, pois nascem do desenvolvimento destas obras delicadas, especialmente em se tratando de Missionárias, das quais se exige uma forte educação de espírito e normas definidas e claras77. Enquanto aguardam-se outras pesquisas, vale considerar o fato de Pe. Bianchi continuar por um longo período a sustentar e a propor para a aprovação da Congregação um texto cujos limites já não poderiam ser mais ignorados. Permanecem, portanto, no momento abertas ( e necessitadas de pesquisa) as questões referentes aos modos e tempos nos quais ele buscou obter para as FMM o reconhecimento da Santa Sé. De qualquer modo o “espírito” que animava as Missionárias deveria ser bem mais sólido e eficaz do que o exposto na “carta” e que constituía uma configuração pública, ainda que não fosse oficial. Mesmo desejando uma confirmação institucional, Pe. Bianchi foi capaz de se arriscar, destinando os seus recursos humanos e materiais para amenizar uma realidade de obras e de pessoas que de qualquer modo crescia e se consolidava sem seguranças objetivas. Quarta parte CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA Depois de ter traçado o desenvolvimento histórico da Congregação, da tentativa de Pe. Bianchi em Scandolara, da fundação da Pia União das Filhas de Maria Imaculada e de Santa Inês em Pigna até a partida para a Palestina, do retorno após 16 anos e da consolidação na Itália, neste trecho se procurará analisar as considerações do próprio Pe. Bianchi sobre estes acontecimentos no seu todo, seguindo-os assim como emergem de alguns de seus manuscritos. Obviamente as sugestões que se seguem assinalam apenas alguns pontos dos textos que são sempre muito ricos de referências, densos de reflexão, articulados nas possíveis coligações internas e recíprocas: sempre merecedoras de uma leitura completa e meditada. 4.1 Manifestações da Providência 76 Pe. Giuseppe Parma a mons. Guido Maria Conforti, Parma, 30 de janeiro de 1913 (texto), publicada em GUIDO MARIA CONFORTI, As pequenas Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria. Relação entre Mons.J. M. Conforti, a Congregação e o Assistente Eclesiástico Pe. G. Parma. As figuras dos servos de Deus Mons. Agostino Chieppi, Fundador, e Madre A. Eugenia Picco, 3a Superiora geral – Cartas e documnetosde 1895 a 1931 e breve documentação da história da congregação até hoje, apresentação do Card. Agostino Casaroli, introdução e notas de P. Franco Teodori, s. x., Roma, Procuradoria Geral Saveriana - Parma, Casa Madre Pequenas Filhas, 1980, pp. 307-309, nota 106. 77 Idem. 25 É de absoluta importância um documento sem título, atualmente não datado, que discorre resumidamente sobre os momentos relevantes da “obra das Missionárias” 78. Embora sem ter um esquema traçado, apresenta-se bastante articulado, refere-se a um discurso desenvolvido numa festividade mariana, provavelmente dirigido às postulantes, convidadas a ter como virtude a confiança nos sinais concretos da Providência, que desde as origens se manifestaram na Congregação. Pode-se sugerir uma linha de interpretação do manuscrito, retomando-o por subdivisões em pontos: - 1. “a obra das Missionárias” é “instrumento” do qual Deus se serve para a “sua” glória: diferente dos modos e tempos humanos; - 2. a referência à Maria está na própria natureza das FMM “desde as primeiras, as fundadoras”: ou seja, das missionárias na Palestina a quem o próprio Pe. Bianchi dá o mérito de ter iniciado a Congregação; - 3. a providencialidade que é reconhecida numa “história de propósitos generosos, de lutas angustiantes, de sacrifícios heróicos, de atenções e cuidados paternos e constantes, de obras santas, de frutos copiosos, fecundos” é o efeito de uma predileção evidente, “expressão daquela caridade que poucas almas privilegiadas sabem dignamente viver”; - 4. discurso que é ocasião pela redação do documento; - 5. ponto central de toda a reflexão de Pe. Bianchi sobre “sua” Congregação, que a considera na perspectiva evangélica do grão de mostarda; desde o “berço” da “simples Congregação Mariana” até Pigna, a Congregação se inicia quando algumas “se decidem”, de decido, isto é, “corte”, e estão, portanto prontas a “cortar” as pontes, a dar uma virada radical na própria vida com a partida: deste modo concreto “corresponderam à graça”, isto é, juntas responderam a uma iniciativa de Deus para com elas, certa de que “Deus passo a passo lhes teria preparado novas ajudas”; - 6. como na tradição bíblica, também para a Congregação ( aqui “Missionárias da Propaganda Filhas de Maria”, sem diferença substancial) o “nome” marca a origem e o destino, que acontece em uma realidade que “abraça a fé e a caridade, o intelecto e o coração, a palavra e a ação, a compaixão e o amor, a mulher e Deus”; - 7. o retorno da Palestina visto de uma perspectiva totalmente providencial, que poderia ser definida “manzoniana” pois “Quem lhes dava tanta jovialidade para tudo; e não turba nunca a alegria de seus filhos, a não ser para lhes preparar uma outra ainda mais certa e maior” 79; enquanto que a “palavra de grande conforto [...] respeitável e santa” só pode ser a aprovação desejada; - 8. importância da “vocação nova” 80aprendida dos grandes mestres, obra educativa discreta, pessoal, simples, eficaz, voltada para a regeneração da sociedade e realizada por meio da mulher, pois a verdadeira Filha de Maria é aquela que sabe “gerar verdade e virtude”, como se lê no verso do mesmo documento; 78 “Rezai a Deus para que na sua imensa bondade...”, ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.5.3. ALESSANDRO MANZONI, I promessi sposi, cap. VIII. 80 Cf. nota 56. 79 26 - 9. total consagração mariana, completa entrega a Ela, na confiança absoluta que um filho tem em sua mãe, assim é a Congregação para com Maria. A afirmação “As nossas coisas sejam todas para Maria”, parece uma “profecia” do Totus tuus de João Paulo II, através da qual mais uma vez na Igreja, foi retomado o papel imprescindível de Maria na Redenção cristã; - 10. a “firme confiança” no desenvolvimento da Congregação, considerando as “penúrias na qual se encontrava”, não pode ser fudamentada em argumentos humanos, mas só “na proteção de Maria”. 4.2 A virtude e a regra Como comprovam também as Cartas à Delfina,81 Pe. Bianchi sempre se interessou pela formação das Missionárias, baseada principalmente na confiança absoluta da oração. Num manuscrito seu ainda sem data, provavelmente posterior a 1889, trata de sua própria “diligência [...] referente à educação das Missionárias” 82 e ainda define bem o quanto é importante a observância da “regra”, no Esquema de 1889: “A persuasão verdadeira e constante que Deus quer da Congregação é aquela confiança de ver um dia as Missionárias atuantes, espalhadas em grande parte do mundo. Para isto, portanto, não podem diminuir o fervor; para tornar viva a memória destas regras, cada assistente das casas fará com que elas as leiam todos os meses, não permitindo que aconteçam abusos ou faltas de nenhuma natureza, sendo que a observância exata delas sempre será o único meio para fazer com que cada Missionária assuma um teor de vida regulada e perfeita, fazendo com que cresçam no espírito, a serviço de Deus, para [o] bem das almas” 83. Apropriando-se da lógica de Gamaliel (cf. At 5,38), Pe. Bianchi reconhece na subsistência da Congregação um sinal da vontade de Deus, pois Ele mesmo a fez, “elegeu-a” como um “instrumento” a trabalhar “para a Sua glória” 84, cumprindo o mandato da evangelização (cf. Mc 16,15) que há de ver as “Missionárias atuantes espalhadas pelo mundo”. A eficaz cooperação com os desígnios divinos está interligada ao “fervor” na “exata observância”. A regra é instrumento de educação “fácil” para as missionárias, a fim de que possam “alcançar as virtudes do próprio estado de vida, a seu benefício e dos outros”: portanto, por meio da observância da regra, poderão “[continuar] a serem verdadeiras Filhas de Maria, ou seja, gerar verdade e virtudes” 85. 4.3 A força da humildade Num documento interessante Pe. Bianchi discorre sobre orientações destinadas à mestra das noviças para um correto discernimento vocacional, além de dar conselhos de caráter 81 Cfr. Nota 42 “A persuasão verdadeira e constante...», ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.5.1. 83 Idem. 84 Cf. acima, ponto 1. 85 Cf. nota ivi. 82 27 educativo e espiritual destinados às irmãs 86. Além disso, delineia as características do estilo de vida que deseja para elas (mesmo depois da volta da Palestina): é extremamente simples, uma aplicação sempre válida do Ora et labora, onde a oração se torna fonte de energia e a ação é dirigida para o bem dos irmãos: “Vida Missionária, de oração e de ação; com a oração para revigorar o zelo à glória de Maria no bem das filhas, com a ação a fim de se tornarem úteis” 87. É uma vida fundamentada na humildade, na sua concretude, no reconhecimento dos próprios limites, numa consideração correta da natureza humana, que nada pode se não for envolvida pela Graça: “A humildade dá força, energia e confiança em Deus também aos pacíficos. É sinal de Deus. Entre muitas circunstâncias diferentes, ora contrárias ora favoráveis, as contradições e os padecimentos mais fortes (fome e doença, falta de trabalho), as necessidades urgentes e as angustiantes incertezas, mantiveram-se sempre iguais e inalteráveis na tranqüilidade e naquela segurança constante que pode vir somente de Deus, a exemplo de S. Ermelinda, escolhida como padroeira especial, que tanto sofreu” 88 . Humilitas vem de húmus, que quer dizer “terra”, “solo”, “pó”; como imagem da existência humana; o conceito nos indica toda a pobreza e a efemeridade (“Lembra-te de que és pó e em pó te hás de tornar”), mas sugere também que este “solo” sem veste e aparentemente instável é o lugar escolhido por Deus (a começar pela humanidade de Cristo) para edificar o Seu Reino: Ele faz surgir na “terra” daqueles que escolhe, as magníficas construções de Sua caridade. Deste modo podem também ser aplicadas a Pe. Bianchi e as primeiras “irmãs”, à sua experiência de fundador e aos acontecimentos iniciais das FMM, as palavras do filósofo católico Emmanuel Mounier que descrevem a paciência (patior, “suporto”, “espero”) e o sacrifício (sacrum facere, “torno sagrado”, “me refiro a Deus”), como também a confiança e a esperança que animam toda experiência de vida cristã autêntica, a sabedoria em permanecer numa atitude de interrogação e de espera: “É da terra, da solidez, que deriva necessariamente um parto pleno de alegria e o sentimento paciente da obra que cresce, das etapas que se sucedem, esperadas quase com calma, com segurança [...] Ocorre sofrer para que a verdade não se cristalize em doutrina, mas nasça da carne”89. Pe. Bianchi certamente não se livrou da necessidade de “sofrer”, à Via Sacra, ao cálice amargo da incompreensão, à custa de salvaguardar e de cumprir a missão para a qual se sentia chamado: não uma obra “sua”, ou uma obra qualquer que facilmente acabe em “teoria” e “se cristaliz [e] em doutrina”, mas a obra desejada por Deus e realizada por ele de modo irrevogável como o sinal definitivo na “carne” de Jacó: 86 «Mestra de noviças: do exterior... », ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.5.4. Idem. 88 Idem. 89 EMMANUEL MOUNIER, Cartas sobre a dor. Um olhar sobre o mistério do sofrimento, BUR, Milão 1995, p. 39, p. 40. 87 28 “Foi um tempo em que a congregação (Belloni) sentiu-se ameaçada por um golpe mortal e se disse fora o falso – se quis impedir a sua liberdade em um dos interesses mais delicados e importantes para o desenvolvimento normal de uma comunidade (obrigá-las a passar para as Sales[ianas] ).Foi um tempo de incertezas, de fadigas, de angústias indescritíveis: o Diretor sofreu, mas não temeu, nem seu projeto foi prejudicado; era cada vez mais firme, quanto mais era confusa a questão e duvidosa a dissolução” 90. A humildade difícil e definitiva de Pe. Bianchi está toda nesta fidelidade ao “programa” colocado à sua disposição; pro-grapho, isto é “primeiro escrever”: aprendeu a “ler” os acontecimentos, encontrando neles a permanência do desígnio de Deus, perseverou na adesão a quanto Ele lhe “escreveu por primeiro”, ou seja, desde a origem, desde o momento em que Deus o escolheu para manifestar um carisma na Igreja. Pe. Jacinto quer que as Missionárias vivam com esta mesma humildade. É o “segredo” que lhes revela necessário para o bom êxito da Congregação e para a sua aprovação. Numa carta circular, com ênfase profética, Pe. Bianchi garante-lhes que, juntamente com a total confiança em Deus, a humildade é a única e verdadeira riqueza delas, a arma mais eficaz contra as corrupções do mundo, por maior que pareçam as adversidades: “Confiança absoluta somente em Deus – Respeitem as pessoas, mas não busquem apoio nelas. Deus as ajudará, assistirá, proverá sempre melhor do que o mundo todo fizesse por vocês porque a Congregação é desejada por Deus, para a glória da S. Família e o bem das almas, áuspice S. Ermelinda. Sim, Deus é quem a tornou conhecida, estejam pois certas, a Congregação florescerá muito após a minha morte. Coragem – não temam, não, não, nem se chegarem forte tribulações. Deus é o dono da Congregação, vocês devem ser verdadeiras Irmãs, todas um só coração e uma só vontade: e Deus estará com vocês e lhes dará grande conforto. Agora vivemos momentos difíceis demais, demais, devido aos escândalos que acontecem e Roma irá devagar com as aprovações, mas vocês sejam humildes, humildes, humildes e Deus as exaltará. Sejam firmes e fortes na vontade de serem verdadeiras Missionárias e serão consoladas muito, muito, porque Roma lhes dará a provação e bendirá imensamente” 91 . 4.4 A missão de hoje na vocação de origem Num outro manuscrito, provavelmente redigido antes de 1892, Pe. Bianchi sublinha quase de forma paradigmática a “descendência” das FMM das Pias Uniões92. Parece querer definir claramente o desenrolar dos fatos e o significado que foram tomando quando começa insistindo na idéia de que “O missionário não se cria de improviso, não” 93. Portanto expõe as características da formação à vida missionária e passa a avaliar as FMM atuais, quanto ao “trabalham demais” e se são preparadas pelas Pias Uniões, pois “antes de serem irmãs foram verdadeiras filhas de Maria”. Além da indicação cronológica, é possível perceber nesta afirmação a identificação de uma origem, uma marca que é encontrada em cada experiência concreta: 90 Cf. nota 86. Jacinto Bianchi à Irmã Consolata Zampieri, Gênova, 28 de julho de 1902, Roma, AFMM, VIII.1.1a.Ep59. 92 “O Missionário não se cria de improviso...”, ms. de J. Bianchi, Roma, AFMM, VIII.2.5.6. 93 Idem, também para as citações sucessivas. 91 29 “Não podemos elogiá-las sem primeiramente bendizer e agradecer a Pia União que as dispuseram e as fortaleceram, inspirando-lhes um zelo fervoroso para propagar o Reino de Jesus no Oriente”. O cardeal Ratzinger definiu a fé como “uma obediência de coração àquela forma de ensinamento aos quais nos entregamos” 94. Os méritos da atividade missionária e educativa que as FMM obteriam estão todos enraizados na fidelidade (“ obediência de coração” da qual fala o cardeal) à forma original de pertença (“ser parte de” mas também depender”), na qual à luz da fé reconhecem a vocação que continha in nuce a capacidade de um testemunho mais explícito e convicto para “mostrar a caridade cristã, colocando claramente os grandes princípios do Evangelho e atraindo pessoas para Jesus”. É significativo que neste documento não faça referências à vida em comum na Casa das Filhas de Maria, quase confirmando que as primeiras congregadas eram da mesma “natureza” das outras “irmãs” e que aquela passagem não era substancial, mas somente um instrumento necessário. Segundo o método da Encarnação, a origem de toda experiência cristã já contém tudo, porque a obra de Deus se cumpre desde o seu princípio, sendo que o tempo e as contingências são somente o Caminho onde encontrar a Verdade e a Vida. Neste mesmo documento, ao falar que as Missionárias são ligadas intimamente às Pias Uniões, Pe. Bianchi exprime também o desejo que a experiência de fé, como aquela suscitada por meio dele, se repita e se multiplique, de tal modo que “não exista lugar onde não seja implantada”. Como conclusão final, pode-se enfatizar a mais profunda esperança de um fundador, a oração constante em favor da obra na qual tinha reconhecido a sensível intervenção de Deus e que também depois a Igreja, com a aprovação, teria confirmado. Ele quer que a vida de cada Missionária e da Congregação possa dedicar-se a uma missão única e definitiva, não necessariamente ligada a lugares ou a circunstâncias particulares, mas destinada essencialmente ao anúncio evangélico. Numa visão providencial da história (e da história da Congregação), a perspectiva da extensão “espacial” desejada por Pe. Bianchi mudou-se necessariamente ao longo do tempo, porque também necessitou de um reconhecimento canônico definitivo, ainda que fosse de “forma” limitada e contingente, indispensável a circunscrever um “sopro” particular do Espírito Santo. O carisma suscitado por meio de Pe. Bianchi, mesmo nas mudanças de contextos e de perspectivas, pôde ser vivido para suscitar e fomentar uma companhia de vida cristã, reunindo em nome de Cristo, mulheres que O reconheçam e O acolham integralmente, para torná-Lo presente “naquele” lugar, para oferecer liberdade, abertura e acolhida num autêntico espírito evangélico: lugares de encontro cotidiano onde a graça de Deus possa facilmente “tocar,” tornando-as exemplos de testemunho e vocação, atraindo e fazendo surgir “almas desapegadas do mundo, almas desejosas da vida perfeita”. O horizonte deste carisma “católico” abraça cada ser humano, porque “Deus iluminará a mente dos cativos para conhecer o bem e fará sentir em seus corações a necessidade das virtudes para a dignidade da própria natureza humana” 95; abraça cada cristão na vocação comum à santidade, isto é, à perfeição da vida segundo o próprio estado. 94 Intervenção do card. Joseph Ratzinger na apresentação do Catecismo Igreja Católica, em «L’Osservatore Romano», Cidade do Vaticano, 20 de janeiro de 1993; cf. Rm 6, 17. 95 Cf. nota 78. 30 CONCLUSÃO Concluindo estas considerações sobre Pe. Jacinto Bianchi e a Congregação que nele teve suas origens, é oportuno confrontar os critérios seguidos: O conhecimento atual sobre os fatos que foram retomados ainda não está definitivamente concluído do ponto de vista histórico e documental. Uma compreensão parcial das circunstâncias, porém, permite justapor e tentar interpretar fenômenos, comportamentos e juízos, conscientes de que pesquisas posteriores serão necessárias tanto para iluminar aspectos obscuros que confirmem as hipóteses já levantadas, como para impor considerações substancialmente diferentes sobre os eventos. Tentou-se fazer uma leitura “transversal” dos documentos disponíveis no momento, dispensando uma rigorosa sucessão cronológica (por outro lado também difícil de acertar), na tentativa de delinear um quadro de referência coerente, de sugerir uma “chave de leitura” unitária para dar uma possível organicidade a cada texto. Os documentos foram utilizados para sustentar a hipótese de uma reconstrução realística dos fatos, ligada à contingência e à sucessão das circunstâncias, procurando evitar uma interpretação simplificada a posteriore que venha comprometer a realidade atual na sua complexidade. A hipótese de interpretação desenvolvida quer somente evidenciar a efetiva multiplicidade das “origens” da Congregação, relacionada aos registros biográficos de Pe. Bianchi, às dinâmicas de pessoas e contextos que fugiam de seu controle ou dos quais não podia ter conhecimento direto ou completo. Pensa-se, por exemplo, na utilidade que poderia ter esta perspectiva, uma sondagem histórica rigorosa sobre cada uma das primeiras irmãs, sobre o relacionamento entre elas e delas com o fundador. Provavelmente seria uma ação arbitrária e incerta querer determinar a contribuição que cada “surgente” poderia trazer para um período histórico específico, mas isto não impede reconhecer que aparentemente existe uma unidade, uma convergência das multiplicidades, como um rio que desde a sua surgente canaliza em si águas de várias proveniências, e estas fundindo-se, continuamente o criam, o alimentam e o impelem para o mar. 31 Também Pe. Primo Mazzolari, um dos “profetas” dos Novecentos, há setenta anos atrás descreveu desta mesma forma as origens daquele “movimento” suscitado por meio de Pe. Jacinto Bianchi: “Existem paternidades que são inexplicáveis: como aquela de Pe. Bianchi, por exemplo. Sobre o primeiro grupo, não se vê nem mesmo como começa e a quais atividades se propõe. Sem carta de fundação, sem regras, mas um ímpeto de graça e de espontaneidade que resiste ao tempo e aos homens, às oposições e aos insucessos de todo gênero... Depois, o breve córrego aumenta, se desemboca, caminha, retrocede, se esconde, procurando ser perdoado por existir e por fazer o bem” 96. 96 PRIMO MAZZOLARI Um bom semeador (o missionário apostólico Jacinto Bianchi, padre cremonês), em “A Vida Católica», Cremona, 9 de dezembro de 1938, p. 2. O artigo é uma apreciação de F. MANDELLI, Um bom semeador . Biografia do Missionário Apostólico sac. Jacinto Bianchi , Vittorio Gatti, Brescia 1938, 151 p. 32 Apêndice O “FIM SECUNDÁRIO” DAS FMM NAS SUCESSIVAS FORMULAÇÕES Nas Normas de 1901 foi dada a definição genérica do “fim secundário” que cada congregação de votos simples deveria ter: “O fim secundário e particular, evidentemente específico de cada Congregação, é constituído por aquelas peculiares obras de caridade para com Deus ou para com o próximo a serem praticadas para as quais a própria Congregação foi constituída” 97. São apresentadas as sucessivas formulações sobre o “fim secundário” da Congregação, em três manuscritos 98 de Pe. Bianchi após as Normas de 1901 até as expressões com as quais vem mais articuladamente indicado nas Constituições vigentes, promulgadas em 1985. Manuscritos de Jacinto Bianchi - 2. O fim secundário é o bem espiritual e corporal do próximo por meio da educação cristã das meninas (especialmente as pobres), dos trabalhos domésticos, a assistência aos jardins de infância e aos Orfanatos femininos. - Art. 2. O fim secundário é o bem espiritual e corporal do próximo por meio da educação cristã das meninas – especialmente as pobres – e do ensino da costura, do bordado. Após considerar todas as circunstâncias, se a caridade cristã sugerisse, dar assistência aos jardins de infância. - 2. O fim secundário é o bem espiritual e corporal do próximo por meio da instrução e educação cristã das meninas – especialmente as pobres – e com a assistência aos jardins da infância, após considerar todas as circunstâncias que a caridade cristã sugerisse99. Constituições aprovadas em 17 de maio de 1924 por mons. Eduardo Brettoni, bispo de Reggio Emilia O fim secundário da Congregação é educar a filha do povo à prática das virtudes cristãs, ensinar-lhes a costura e o bordado, assistir aos jardins da infância e nas escolas, dirigir orfanatos e educandários. Sob a direção dos Párocos as Irmãs Missionárias dedicam-se ao ensino da Doutrina cristã e às obras paroquiais. Salvo raras exceções, não atendem aos cuidados dos enfermos em domicílio100. Constituições de 1934 2. O fim especial da Congregação é: a) a instrução e a educação religiosa das filhas do povo, mediante a prática das virtudes cristãs, a assistência nos jardins da infância, nos Orfanatos, nos Educandários, nas Oficinas de Costura e Bordado, e em todos os modos sugeridos pela piedade cristã, juntamente com o propósito de ir às Missões Exteriores se vierem a ser chamadas; b) prestar trabalhos nos Seminários, nos Internatos e em outras Obras de Caridade. 97 Finis secundarius et specialis, unicuique scilicet Instituto proprius, constituitur in illis peculiaribus caritatis operibus erga Deum aut erga proximum, ad quae exercenda Institutum ipsum formatum est (S. C. EPISCOPORUM ET REGULARIUM, Normae secundum quas..., cit., n. 42). 98 Cf. Segunda Parte, nota 40. 99 [Esboços Esquemáticos dos textos normativos], ms. de J. Bianchi, [post. 1907?], Roma, AFMM, VIII.2.2.7a/c. 100 Texto datilografado, Roma, AFMM; na parte do artigo precedente à citação, à obsevância dos três votos vinha acrescentado “o propósito de ir às Missões exteriores”, de modo idêntico ao art. 21 do texto impresso de 1902/1907. 33 3. Sob a direção dos Párocos, as Irmãs desta Congregação se consagrarão também para o ensino da Doutrina cristã e das Obras Paroquiais. Somente em casos excepcionais poderão atender aos cuidados dos enfermos em domicílio e isto com a permissão da Superiora Geral e com o voto deliberativo do seu Conselho101. Costituições de 1946 e reedição de 1964 2. O fim especial é: instruir e educar religiosa e civilmente as filhas do povo por meio das escolas, educandários, jardins da infância, orfanatos, oficinas de costura e bordado e em todos os modos sugeridos pela piedade cristã, assistir os enfermos em seus domicílios, sem, todavia diminuir o pessoal do ensino que deve ser considerado como obra principal, dedicar-se com todos os meios disponíveis às Missões Exteriores entre os infiéis e entre os Italianos nos países católicos, prestar serviço nos Seminários, nos Internatos e em outros Institutos de Caridade. 3. Sob a direção dos Párocos, as Irmãs da Congregação consagram-se também ao ensino da doutrina cristã e às Obras Paroquiais102. Regra de Vida - Constituições, 1985. 1.[...] Nascida de uma necessidade de missão, recebida por impulso do mesmo Espírito pelo Servo de Deus Pe. Jacinto Bianchi, Missionario Apostólico, a nossa Família Religiosa é uma comunidade de Irmãs que, fiéis à graça das origens, pretendem realizar no tempo, com a consagração religiosa, o desígnio salvífico do Pai, que foi atuado por Cristo, dedicando toda a vida exclusivamente ao serviço missionário no mundo[...] Finalidade específica 8. Unidas no Espírito de Cristo pelo comum carisma, vivido na liberdade dos conselhos evangélicos, o nosso compromisso de Missionária, na fidelidade ao espírito do Fundador, torna-se testemunho, anúncio e serviço: - onde a Igreja ainda não existe; - onde Cristo ainda não é suficientemente conhecido e amado. 9. Por força da nossa vocação missionária permanecemos disponíveispara os serviços concretos exigidos pelas necessidades da Igreja e que nos permitem realizar as finalidades próprias das origens. Com efeito, na evangelização, da qual a promoção humana constitui parte integrante, orientamo-nos particularmente: - na formação da mulher em todas as suas expressões; - na educação da juventude. Estimulamos a comunidade cristã para que descubra a dimensão missionária da sua vocação103. Decreto di aprovação das Constituições, 1985. As Irmãs, Filhas de Maria Missionárias, com Casa Geral em Roma, inspirando-se na Virgem Maria e assumindo-lhe o espírito e o estilo missionário, têm por missão especial na Igreja testemunhar, anunciar e servir, onde a Igreja ainda não existe e onde Cristo ainda não é suficientemente conhecido e amado, dedicando-se especialmente à formação da mulher, à educação da juventude e à animação vocacional-missionária da comunidade cristã104. . 101 Costituições das FMM (Massa Carrara), Tipografia Rolla, Carrara 1934, p. 3. Costituições das FMM, Tipografia Mori, Aulla 1946, pp. 3-4; Tipografia Golinelli, Formigine, 1964, pp. 3-4. 103 Congregação das Filhas de Maria Missionárias, Regra de Vida, constituições, Roma 1985. 104 Decreto da Sagrada Congregação para os Religiosos e os Institutos Seculares, prot. n. M. 126 - 1/84, Roma 11 de fevereiro de 1985. 102 34