Exercício da solidão

Transcrição

Exercício da solidão
Exercício da solidão
Escrito por Suely Caldas Schubert
"A solidão do homem das metrópoles não é somente a solidão que o rodeia, é também a
solidão que o habita! "
É madrugada. Insone, aproveito o tempo para ler e escrever, o que me é muito agradável.
Releio "As cerminônias da destruição" (Kalina e Kovadloff) e me deparo com a frase que abre
esta crônica. E me vejo apensar a solidão, hoje, todavia, numa condição de paz interior, o que
me permite admitir que em certas circunstâncias ela pode ser benéfica. Talvez amanhã ou
daqui a pouco ela não me seja mais tão atrativa.
Tenho, como todos, as minhas próprias experiências nesse sentido.
De repente me vêm à mente alguns versos de uma música, não sei se de Dolores Duran ou
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Escrito por Suely Caldas Schubert
Antônio Maria, inesquecíveis poetas: "Ai, a solidão vai acabar comigo. Ah eu já nem sei o que
faço e o que digo."
Gosto da noite, do silêncio e, de certa forma, de um pouco de solidão. Mas essas coisas
combinadas – insônia, noite, silêncio e solidão – quase sempre são o horror de muita gente.
Especialmente porque as três primeiras potencializam a solidão.
Recordo-me que nos momentos em que a senti como uma dor muito pungente também estava
dominada pela saudade. Solidão e saudade andam juntas, com freqüência. Esse estado íntimo
tem levado expressivo número de pessoas ao desespero e ao suicídio. A falta, a ausência de
um ser amado e a carência interior podem machucar tanto que se tornam uma dor física.
Quem – com alguma vivência – não passou por isto?
Às vezes a solidão me advém de um estado de saudade bastante impreciso. Estando rodeada
de pessoas queridas, estou só. Uma saudade inexplicável, vaga, de algum lugar e de alguém
me domina. O céu azul e o dia radioso e belo parecem cinza e frio. A noite estrelada
rescedendo perfumes de flores próximas é um abismo negro prestes a se fechar sobre mim.
Em momentos assim a solidão me habita e nesse planeta Terra talvez não haja um lugar em
que me sentisse feliz. Então eu sabia, como sei, que sofria por tempos e experiências que
ficaram lá atrás e que ressumam agora em forma de saudade.
O conforto de saber o porquê das coisas, dos desencontros e desenganos, de saber a gênese
de sofrimentos inexplicáveis nesta vida resulta em forças e coragem, estímulos para se
entender como desafios que se tem de vencer a custa de esforço, perseverança e
determinação.
Entretanto, quantos milhões de pessoas caminham em aturdimento e desespero buscando um
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sentido para a vida, tentando encontrar respostas e, sobretudo, sem esperanças e perspectivas
que lhe sejam arrimo e alternativa, ou mais que isto, certeza de progresso, de paz e felicidade
por vindouras?
Quantas pessoas existem que buscam freneticamente as diversões, os ruídos, os prazeres e
vícios apenas para ter companhia? Porque não se suportam temem a solidão de modo doentio
e inventam mil maneiras – nem sempre equilibradas – de evitá-la. Ou talvez pelo pavor de se
enxergarem por dentro no confronto que o estar sozinho propicia.
É este, especialmente, o ser humano das metrópoles. Cercado de edifícios, de automóveis, de
pessoas, está a sós, inevitavelmente só, porque perdido em si mesmo, num cipoal de
problemas mal resolvidos ou adiados enquanto outros vão se somando a cada dia. A solidão
que o rodeia, porém, é bem menos sofrida e intensa que aquela que mora me seu íntimo.
Desacostumado a uma vivência interior, desconhecendo a si mesmo, neurotizado pelos medos
que a vida moderna impõe e, talvez, por outros que carrega inconscientemente, o homem atual
parece absolutamente despreparado para vencer tudo isso.
Essa luta é intensa e íntima é tão dramática que pode chegar a um processo de
despedaçamento da personalidade, expressando-se por mecanismos de defesa neuróticos ou
psicóticos quando não vier a desaguar em alienação ou suicídio.
Émile Durkheim afirma: "Se hoje nos matamos mais que ontem não é porque temos que fazer,
para nos manter, esforços mais dolorosos nem porque nossas necessidades legítimas estão
menos satisfeitas; mas é porque já não sabemos onde estão as necessidades legítimas, nem
tão pouco, percebemos o sentido de nossos esforços".
Essa dificuldade que o ser humano tem de administrar os próprios conflitos e de superá-los
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advém, não raras vezes, do desconhecimento das suas causas geradoras. Tendo a visão
limitada pela concepção de uma única existência terrestre, esbarra nesse estreito universo
pessoal, como ave prisioneira impedida de alçar vôo. A solidão, a angústia, o medo, os
conflitos parecem irreversíveis.
A madrugada avança a prossigo na fieira dessas reflexões, sentindo-me bastante confortável
por não ter comigo – ainda que em momentos mais aflitivos e por isso mesmo – tal incógnita.
Sinto-me feliz por saber. Já não se trata de uma crença: eu sei porque sofro, porque vivo, de
onde vim e até do futuro posso fazer algumas projeções; como de resto sabem os espíritas e
também os espiritualistas reencarnacionistas.
A doutrina espírita oferece respostas e lança luzes sobre as causas dos sofrimentos e
vicissitudes terrestres.
Joanna de Ângelis tem algumas páginas sobre a solidão, dentre elas "Carma de solidão", que
está no livro Viver e amar.
Emmanuel, por sua vez, tem uma antológica mensagem cujo título é "Solidão", capítulo 70 de
Fonte viva
. Além dessas muitas outras estão inseridas na extensa e rica literatura espírita.
De repente me dou conta de que nós, espíritas, somos ricos. Ricos de conhecimentos, de
informações e comprovações que nos propiciam uma vida interior intensa e preciosa quando
os incorporamos à nossa vivência.
Por isso, digo a alguém que me lê e está sofrendo: procure conhecer os esclarecimentos que o
espiritismo apresenta para os problemas humanos.
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Esteja certo (esse alguém) que a doutrina lhe dirá que fomos criados para a felicidade, para o
amor, para o progresso espiritual. Que o sofrimento é opção nossa a qual podemos modificar
através do trabalho edificante, do nosso crescimento enquanto pessoa, pois todos temos direito
à felicidade. Não se entregue à solidão, à dor de uma saudade. Lute, trabalhe, viva! Tenha um
ideal superior que alimente o seu EU. Lembre-se de que o ser humano não é o corpo – é o
espírito. Ame a si mesmo, à vida, às pessoas. Afinal, "a maior felicidade, no amor, pertence a
quem ama".
A madrugada chega ao fim, as sombras desfazem-se e o novo dia amanhece.
Por Suely Caldas Schubert
Publicado no Jornal Correio Fraterno – Outubro, 1990
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