O uso da esteira ergométrica para a melhora da marcha em

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O uso da esteira ergométrica para a melhora da marcha em
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Revisão
Chagas PSC, Cruz DT, Ferreira JA, Frônio JS, Gontijo APB, Furtado SRC, Mancini MC. O uso da esteira ergométrica para a melhora da
marcha em crianças com paralisia cerebral: uma revisão sistemática da literatura. Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99):131-9.
Artigo recebido em 10/09/2009. Aceito para publicação em 30/09/2009.
O uso da esteira ergométrica para a melhora da
marcha em crianças com paralisia cerebral: uma
revisão sistemática da literatura
paula silva de c. chagas1
danielle teles da cruz2
jaqueline aparecida ferreira2
jaqueline da silva frônio3
ana paula b. gontijo4
sheyla rossana c. furtado4
marisa cotta mancini5
(1) Doutoranda em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Bolsista
PICDT da CAPES, Professora Assistente do Departamento de Fisioterapia da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Juiz de Fora.
(2) Fisioterapeutas, graduadas pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
(3) Doutora em Ciências Médicas pela Universidade Estadual de Campinas, Professora Adjunta do
Departamento de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.
(4) Doutorandas em Ciências da Reabilitação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professoras
Assistentes do Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia
Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais.
(5) Doutora em Ciências pela Universidade de Boston, Professora Associada do Departamento de
Terapia Ocupacional da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais.
Universidade Federal de Juiz de Fora, MG.
CORRESPONDÊNCIA
Paula Silva de Carvalho Chagas
Rua Tom Fagundes 80/402 – 36.033-300 – Juiz de Fora – MG.
[email protected].
RESUMO
O USO DA ESTEIRA ERGOMÉTRICA PARA A MELHORA DA MARCHA EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA DA LITERATURA: As revisões sistemáticas reúnem evidências capazes de guiar a prática clínica e nortear o desenvolvimento de novas pesquisas, sendo de extrema relevância para profissionais de reabilitação. Esta revisão sistemática se refere ao uso da
esteira ergométrica para o aprimoramento da marcha em crianças com Paralisia Cerebral (PC). Foi realizada busca nas bases de dados
Medline, Lilacs, PEDro, Cochrane, Scielo, CINAHL, EMBASE e DARE, abrangendo o período de janeiro de 1998 a dezembro de 2008. Oito
estudos foram selecionados, analisados e categorizados segundo os níveis de evidência de Sackett. Os resultados foram discutidos com
base na metodologia adotada pela American Academy of Cerebral Palsy and Development Medicine (AACPDM), abordando-se os seguintes tópicos: tipo de desenho metodológico, caracterização dos participantes dos estudos, descrição da intervenção, e análise dos desfechos de cada estudo, segundo os domínios da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Há evidências
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
131
que comprovam que o uso da esteira ergométrica nessas crianças é capaz de promover alterações nos parâmetros da marcha (aumento
da velocidade e do comprimento do passo), e nos escores da Gross Motor Function Measure (GMFM). Apesar de a diversidade dos protocolos, de as características dos participantes, e de a variedade de instrumentação utilizada nos estudos dificultarem o agrupamento dos
efeitos, há evidências que suportam o uso da esteira ergométrica em crianças com PC. Dessa forma, essa intervenção parece ser promissora e eficaz para a melhora da marcha neste grupo clínico.
Descritores: Paralisia cerebral, Esteira ergométrica, Fisioterapia, Marcha.
ABSTRACT
THE USE OF TREADMILL TRAINING FOR THE IMPROVEMENT OF GAIT IN CHILDREN WITH CEREBRAL PALSY: A SYSTEMATIC
REVIEW: A systematic review gathers evidence to guide the clinical practice and the development of new research, being extremely relevant to
rehabilitation professionals. This systematic review concerns the use of treadmill training for the improvement of gait in children with Cerebral
Palsy (CP). A search was conducted in databases Medline, Lilacs, PEDro, Cochrane, Scielo CINAHL, EMBASE and DARE, from January 1998
to December 2008. Eight studies were selected, analyzed and categorized according to levels of evidence of Sackett. The results were discussed based on the methodology adopted by the American Academy of Cerebral Palsy and Development Medicine (AACPDM), addressing the
following topics: type of methodological design, characterization of participants in the studies, intervention description, and outcomes analysis of
each study based on the domains of the International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF). There is evidence that the use of
treadmill training by these children can promote changes in the parameters of gait (increase in speed and in step length), and in the scores of
the Gross Motor Function Measure (GMFM). Despite the diversity of the protocols, the participants’ characteristics, as well as the diversity of
tools used by the studies limiting the pooling of outcomes, there are evidences supporting the use of treadmill training in children with CP. This
intervention seems to be promising and effective for the improvement of gait in this clinical group.
Keywords: Cerebral palsy, Treadmill training, Physical therapy, Gait.
Paralisia Cerebral (PC) é uma condição que inclui uma
série de deficiências motoras secundárias a disfunções ou
lesões que afetaram o cérebro imaturo, considerada a causa
1
mais comum de incapacidade física no início da infância . As
desordens neurológicas são permanentes e não progressi2,3
vas, levando à alteração de movimento e da postura . A
definição atual proposta para PC ressalta que essas crianças
podem apresentar limitações na realização de atividades
rotineiras, e que as desordens motoras da PC são frequentemente acompanhadas por distúrbios sensoriais, perceptuais, cognitivos e comportamentais, déficits oromotores e por
4
epilepsia . Os fatores característicos dessa condição de
saúde que contribuem para a disfunção motora apresentada
por pacientes com PC incluem problemas neuromusculares e
musculoesqueléticos secundários, tais como espasticidade,
distonia, contraturas musculares, deformidades ósseas, incoordenação, perda de controle motor seletivo e fraqueza
1,4,5
muscular .
Um dos marcos motores mais almejados por famílias de
crianças com PC é a aquisição da marcha independente, o
que gera frequentemente grande expectativa e questiona6
mentos por parte dos pais . Algumas características clínicas
são consideradas potencialmente úteis para o prognóstico da
marcha independente, entre as quais o tipo tônico de PC,
sua distribuição topográfica, a função motora grossa (i.e.,
aquisição do sentar independente antes dos dois anos de
idade), a forma de comunicação, a capacidade de alimentarse independentemente, o histórico de crises convulsivas e a
7,8
capacidade visual .
Atualmente, um procedimento frequentemente utilizado
na reabilitação motora infantil é o treinamento da marcha em
esteira ergométrica. Estudos que utilizaram este equipamento
no processo de reabilitação surgiram a partir da década de
1980, sendo que os primeiros trabalhos visaram à reabilitação
132
cardiovascular, usando a esteira como método diagnóstico de
disfunções cardíacas e no tratamento de indivíduos revascula9
rizados . Atualmente, este recurso vem sendo utilizado no
tratamento de diferentes condições de saúde, como lesão
10
11
medular , pós-operatório de artroplastia de quadril , doença
13
12
arterial periférica , doença de Parkinson , reabilitação pós14,15
acidentes vasculares cerebrais
, crianças com síndrome de
16
17
Down e, mais recentemente, em crianças com PC .
O uso da esteira ergométrica em crianças com PC pode
ser realizado de forma livre (i.e., quando a criança consegue
suportar seu próprio peso durante a marcha na esteira) ou
com um sistema de suporte parcial do peso (i.e., quando
parte do peso corporal da criança fica apoiado, verticalmente,
por um sistema de sustentação externo). O sistema de suporte de descarga parcial do peso corporal, conhecido como
Body Weight Support (BWS), auxilia o paciente na sua sustentação corporal e o terapeuta no treino de marcha de pacientes com lesão neurológica que apresentam grandes limita18
ções na capacidade de locomoção . Esse sistema de suporte é formado por um tipo de veste confeccionada para ser
usada pelo paciente, cordas, polias e um conjunto de fios
18
para controlar o peso do paciente .
17
Richards et al. foram os pioneiros em descrever o uso
da esteira ergométrica em crianças com PC. Investigaram o
efeito do treino de marcha na esteira ergométrica em quatro
crianças com PC espástica, com uma frequência de quatro
17
vezes por semana, durante quatro meses . O principal resultado encontrado nesse estudo foi o aumento do escore nas
dimensões D e E da Gross Motor Function Measure (GMFM),
que representam atividades na postura de pé, andando,
17
correndo e pulando .
Outros estudos que utilizaram a esteira ergométrica em
19-26
crianças com PC se encontram publicados na literatura
.
Conhecer as evidências disponíveis sobre os efeitos desse
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
equipamento na promoção da marcha de crianças com PC
pode auxiliar profissionais da reabilitação a optarem ou não
pela sua utilização como um recurso no processo terapêutico
desta clientela.
Estudos de revisão sistemática possibilitam a síntese das
evidências disponíveis na literatura sobre uma intervenção
ou tratamento, ressaltando os fatores associados com desfechos positivos ou negativos, bem como a ausência de efeitos, contribuindo, assim, para nortear a prática clínica e para
27
fundamentar pesquisas . O objetivo deste estudo foi realizar
uma revisão sistemática da literatura para analisar criteriosamente a qualidade metodológica dos artigos que utilizaram
a esteira ergométrica como um recurso terapêutico, visando
à promoção ou ao aprimoramento da marcha em crianças
com PC. Paralelamente ao desenvolvimento desse artigo de
revisão, quatro artigos de revisão sobre esse tema foram
28-31
publicados em revistas internacionais
. No entanto, não foi
encontrado, na literatura brasileira, artigo de revisão sobre os
efeitos do uso da esteira ergométrica na marcha de crianças
com PC. A disponibilização de diferentes estudos de revisão
sobre o mesmo tema pode servir para validar as inferências
sobre os efeitos de intervenções e consolidar a síntese da
informação disponível sobre o uso desse equipamento.
Método
As bases eletrônicas de dados Medline, Lilacs, The Physiotherapy Evidence Database (PEDro), Cochrane, Scielo,
CINAHL, EMBASE, LILACS e Database of Reviews of Effectiveness (DARE) foram pesquisadas, com buscas restritas ao
período de janeiro de 1998 a dezembro de 2008 (últimos 11
anos). Esse período foi escolhido uma vez que o primeiro
estudo sobre a viabilidade do uso da esteira em crianças
com PC foi publicado em 1997, e desde 1998 se encontram
na literatura diversos artigos que testaram empiricamente o
17
uso desse equipamento . As palavras-chave usadas nas
buscas foram: paralisia cerebral (cerebral palsy) e (AND)
marcha (gait or locomotion or walking), em combinação com
(AND) fisioterapia (physical therapy) ou (OR) esteira ergométrica (treadmill training) ou (OR) terapia funcional (functional
therapy). A busca foi limitada a artigos publicados em inglês,
espanhol ou português, com pesquisas realizadas com indivíduos de até 18 anos de idade.
Os artigos foram inicialmente selecionados por dois pesquisadores independentes, respeitando os seguintes critérios
de inclusão:
1. Clientela: crianças e adolescentes com PC;
2. Desfecho principal investigado: ênfase na promoção ou
melhora da marcha; e
3. Equipamento terapêutico utilizado na intervenção: esteira ergométrica.
Esses critérios de inclusão foram estabelecidos previamente, a fim de definir claramente a adequação da literatura
encontrada para esta revisão. O artigo cujo título ou resumo
não se enquadrou nesses três critérios foi automaticamente
descartado da seleção.
Na leitura dos artigos foi realizada uma segunda seleção,
excluindo os artigos que apresentaram:
a) tipo de estudo: estudos de revisão de literatura;
b) tipo de tratamento: estudos com abordagens terapêuticas invasivas e/ou medicamentosas; e
c) desenho metodológico: estudos transversais ou metodológicos com objetivos de avaliar a administração de instrumentos de avaliação ou verificar suas propriedades psicométricas.
Os dados dos artigos foram extraídos com base na metodologia adotada pela American Academy of Cerebral Palsy
32
and Development Medicine (AACPDM) , que desenvolve
revisões sistemáticas de diferentes intervenções na área de
neurologia infantil. Cada artigo foi classificado de acordo com
33
os critérios de Sackett em níveis de evidência de I a V
(Quadro 1) e com os desfechos dos estudos descritos de
acordo com os componentes da Classificação Internacional
34
de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (Quadro 2).
Primeiramente, a classificação dos artigos foi realizada independentemente por dois dos autores. Em um segundo momento, as duas classificações foram comparadas, obtendose índice de concordância Kappa superior a 0,80, sendo que
as divergências entre os pesquisadores foram sanadas,
chegando-se a um consenso.
Quadro 1.
Níveis de evidência para os estudos.
Nível Estudos intervenção (grupos)
I
Revisão sistemática de estudos controlados e aleatorizados (ECAs) / ECAs grandes (com intervalos de confiança estreitos; n>100)
II
ECAs menores (com intervalos de confiança maiores; n<100) / Revisões sistemáticas de estudos de coorte / ‘Pesquisas de desfechos’ (estudos ecológicos muito grandes)
III
Estudos de coorte (com grupo-controle simultâneo) / Revisões sistemáticas de estudos de caso-controle / Estudos experimentais de
caso-único (tipo ABA)
IV
Estudos quasi-experimentais ou séries de casos / (antes e depois, sem grupo-controle) / Estudo de coorte sem grupo-controle
simultâneo (ex., com grupo-controle histórico) / Estudo de caso-controle
V
Opinião de especialista / Estudo ou relato de caso / Pesquisas de banco de dados / Opinião de especialistas baseadas em teoria ou
pesquisas fisiológicas / Senso comum / histórias
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
133
Quadro 2.
Definição de termos e critérios segundo a CIF.
Componente da CIF
Definição
Função Corporal
Função Corporal são as funções fisiológicas dos sistemas do corpo, incluindo funções psicológicas
Estrutura Corporal
Atividade
Estrutura Corporal são as partes anatômicas do corpo, assim como os órgãos, membros, e outros componentes
Atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo
Participação
Participação é o envolvimento em situações de vida
Contexto / Fatores Ambientais
Fatores ambientais fazem parte do ambiente físico, social e de atitude em que as pessoas vivem e conduzem suas vidas
Os níveis de evidência de Sackett são baseados em um
sistema de classificação de acordo com o desenho do estu33
do . Esse sistema segue uma hierarquia de estudos segundo a força da evidência, ou seja, de acordo com o rigor metodológico da estrutura e do desenvolvimento da investigação, os estudos são classificados como mais fortes ou mais
fracos. Artigos de nível I constituem evidências fortes e definitivas, porque os estudos apresentam maior rigor metodológico e controle; estudos de nível II são evidências consideradas menos convincentes, porque apresentam estrutura e
desenvolvimento com menor qualidade metodológica; estudos de nível III e IV caracterizam evidências fracas, e se
referem à maior parte dos estudos sem controle de variáveis
intervenientes, apresentando baixo rigor metodológico; e os
de nível V não apresentam força para inferir sobre a eficácia
da intervenção estudada.
Os desfechos dos estudos foram descritos considerando
os componentes da Classificação Internacional de Funciona34
lidade, Incapacidade e Saúde (CIF) . A finalidade dessa
classificação é promover uma linguagem unificada e padronizada e estabelecer uma ferramenta de trabalho que permita
a descrição da saúde e domínios relacionados com a saú34
de . A estrutura conceitual da CIF descreve os processos de
funcionalidade e de incapacidade, e serve de modelo norteador para análise de evidências sobre temas relacionados a
35
estes processos . Os componentes classificados pela CIF
são descritos em três níveis de complexidade distintos, incluindo a perspectiva do corpo, do indivíduo em um contexto, e
do papel do indivíduo na sociedade. Para análise dos desfechos dos artigos revisados foram utilizadas as três dimensões básicas da CIF: (1) funções e estruturas do corpo; (2)
34
atividades; e (3) participação (Quadro 2) .
Apesar de os fatores contextuais fazerem parte da estrutura conceitual da CIF, dada a natureza do tema e a caracterização metodológica dos estudos, essa dimensão não foi
abordada diretamente nas seções de resultados e discussão.
Resultados
A busca sistematizada dos estudos que usaram a esteira
ergométrica como método de intervenção em crianças com
PC foi realizada no mês de dezembro de 2008. Foram en-
134
contrados 23 artigos nas bases de dados pesquisadas, dos
quais 11 foram consistentemente presentes em quase todas
as bases e foram pré-selecionados pelo título. A partir da
leitura do título, 12 artigos foram automaticamente excluídos
por não abordarem a população-alvo dessa revisão ou por
serem artigos de revisão genéricos sobre intervenções em
crianças com PC. Após a leitura dos 11 resumos pré-selecionados, três foram excluídos pelos seguintes motivos: um
por ter desfecho centrado em fortalecimento muscular; um
pelo fato de a criança não ter diagnóstico de PC (i.e., hemorragia intraventricular); e o outro por ter como objetivo observar mudanças na plasticidade cerebral através de ressonância magnética funcional. No final, oito estudos cumpriram
19-26
plenamente os critérios de inclusão para esta revisão
.
23
Destes, um é experimental controlado , dois são experimen20,21
19,25,26
tais de caso único
, três são quasi-experimentais
,e
22,24
dois são estudos de caso
. A Tabela 1 resume as informações disponibilizadas por cada artigo, em relação às características e tamanho da amostra, tipo de estudo e detalhamento da intervenção.
Análise da qualidade das evidências e desfechos
segundo os domínios da CIF
Nenhum dos artigos apresentou nível de evidência I; um
23
estudo apresentou nível de evidência II ; dois estudos apre20,21
19,25,26
sentaram nível de evidência III
; três estudos
apre22,24
sentaram nível IV; e dois estudos
apresentaram nível V.
A descrição da qualidade da evidência foi realizada para os
estudos com nível de evidência I, II ou III, sendo eles: Chan
20
21
23
et al , Cherng et al. e Dodd e Foley , segundo tabela
32
proposta pela AACPDM , que inclui os seguintes itens:
(1) Os critérios de inclusão foram bem descritos e seguidos?;
(2) A intervenção foi bem descrita e os participantes tiveram adesão ao tratamento? (em caso de dois grupos: a exposição do grupo-controle foi bem descrita?);
(3) As medidas foram claramente descritas e realizadas
por instrumentos válidos e confiáveis para medir os desfechos de interesse?;
(4) O avaliador dos desfechos foi cegado quanto ao tipo
de intervenção?;
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
Tabela 1.
Resumo dos estudos: participantes, intervenção e nível de evidência.
Estudo
Nível de evidência/ Desenho do
Estudo
Intervenção Grupo Tratamento
Grupo
Controle
População
Total
n
Idades
Tratamento: Fisioterapia convencional associada com PBWTT
(esteira GaitKeeper® 1800L e suporte Standard WalkAble®)
Não há grupo
Quadriplégicos
5
2,3 - 9,7
Quantidade de suporte: suficiente para manter a extensão
controle
(n=1);
anos
completa de joelho no médio apoio e extensão completa de
Diplégicos (n=4)
quadril no final da fase de apoio
Duração da sessão: 2 horas
Duração do treino: 15 a 35 minutos
Frequência: 3 a 4 sessões/semana
Velocidade: 0,1 a 4,0 mph
Duração total: 4 semanas
2 Grupos de intervenção: ABA
Chan et al.
III
1º grupo tratamento: duas primeiras semanas tratamento convenNão há grupo
Diplégicos (n=7);
12
4 - 11
(2004)20
(Experimental de
cional + quatro semanas seguintes tratamento experimental controle
Hemiplégicos (n=5)
anos
caso-único)
Treino de marcha com uso de esteira ergométrica (por 15 minutos
e velocidade variando de 0,45 a 0,80 m/s) + NMES (30-35
pulsos/segundo, por 15 minutos) + duas últimas semanas
tratamento convencional
2º grupo tratamento: duas primeiras semanas tratamento convencional + quatro semanas seguintes tratamento experimental Treino de marcha com uso de esteira ergométrica (por 15 minutos
e velocidade variando de 0,45 a 0,80 m/s)
Frequência: 3 vezes/semana
Duração total: 8 semanas (2-4-2)
Grupos: ABA e AAB
Cherng et al.
III
Onde: A = tratamento convencional (baseado no NDT),
Não há grupo
Diplégicos
8
3 - 7 anos
(2007)21
(Experimental de
B = treino de marcha na esteira ergométrica (Trackmaster®
controle
caso-único)
TM210AC) com o BWS (LiteGait®) + tratamento convencional
(baseado no NDT)
Frequência: 2 a 3 vezes/semana
Tempo de treino na esteira: 20 minutos
Velocidade: 0,1 mph + 0,1 mph até velocidade confortável.
Duração total: 12 semanas (4-4-4)
Tratamento: esteira ergométrica (Biodex® RTM 400 rehabilition
Day et al.
V
treadmill) com o BWS (Unweighting System: Neuro II® e Medical
Não há grupo
Quadriplégica
1
9 anos
(2004)22
(Estudo de caso)
Harness®)
controle
BWS: 40% a 60%
Velocidade: 0,2 mph a 1,3 mph
Tempo de treino na esteira: 11 a 25 minutos
Frequência: 2 a 3 vezes/semana
Fisioterapia convencional: 2 vezes/semana
Duração total: 44 sessões
Tratamento: PBWST (esteira Paragon® CR e sistema de suporte
Dodd e
II
WalkAble®) associado com terapia convencional (fisioterapia que
Tratamento convencioQuadriplégicos com
14
5 - 18
Foley
(Experimental
as crianças já recebiam)
nal
atetose (n=6);
anos
(2007)23
controlado e
Frequência: 2 vezes/semana
(não há
Quadriplégicos
randomizado)
Duração da sessão: 30 minutos
detalhes)
espásticos (n=6);
Velocidade mínima: 0,1 km/h + 0,1 km/h até velocidade confortáDiplégicos (n=2).
vel
Duração total: 6 semanas
Tratamento: esteira ergométrica (True® 980) Intervenção sem o
McNevin et
V
suporte:
Não há grupo
Espástica com
1
17 anos
al. (2000)24
(Estudo de caso)
Velocidade: 0,8 km/h a 2,4 km/h
controle
marcha com
Intervenção com o suporte (Vigor® harness):
muletas
Velocidade: 0,8 km/h a 2,72 km/h
canadenses
Suporte: aproximadamente 30%
Duração total: 2 intervenções (uma sem e outra com o suporte),
separadas por um intervalo de uma semana
Tratamento: BWSTT
Provost et al.
IV
Velocidade: 1,5 mph-1,9 mph a 2,3 mph-3,1 mph
Não há grupo
Hemiplégicos (n=4);
6
6 - 14
(2007)25
(QuasiBWS: 30% a 0%
controle
Diplégicos (n=2)
anos
experimental)
Frequência: 6 vezes/semana e 2 vezes/dia
Tempo de treino na esteira em cada sessão: 30 minutos
Duração total: 2 semanas consecutivas
Tratamento: fisioterapia convencional + treino em esteira ergoméSchindl et al.
IV
trica com o BWS
Não há grupo
Diplégicos (n=3);
10
6 - 18
(2000)26
(QuasiFrequência treino na esteira: 3 vezes/semana
controle
Quadriplégicos
anos
experimental)
Tempo de treino na esteira em cada sessão: 12,8 a 18,8 minutos
(n=4);
Velocidade: 0,23 m/seg a 0,34 m/seg
Quadriplégicos com
BWS: 0% a 40%
ataxia (n=3)
Fisioterapia convencional: 2 a 3 vezes/semana, com duração de
30 minutos
Duração total: 36 sessões
Legenda: ABA e AAB = tipos de estudos experimentais de caso único: A – linha de base e B – intervenção; PBWTT = Partial body weight treadmill training; NMES = Neuromuscular electrical
stimulation; BWS = Body weight support; NDT = Neurodevelopmental treatment; km/h = quilômetros por hora; BWSTT = Body weight support treadmill training; m/seg = metros por segundos;
mph = milhas por hora; n = número de participantes.
Begnoche e
Pitetti
(2007)19
IV
(Quasiexperimental)
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
135
(5) Os autores conduziram uma avaliação estatística apropriada e fizeram cálculo do poder estatístico dos resultados encontrados (power calculation)?;
(6) As desistências ou perdas no follow-up foram reportadas, e essas perdas representam menos do que 20% da
amostra? Em caso de dois grupos, as perdas foram balanceadas?; e
(7) Considerando o potencial desse tipo de desenho, foram utilizados métodos apropriados para controlar as variáveis de confusão e limitar os vieses dos resultados?
Após a pontuação dos itens desta escala, com escores
que variam de 1 a 7, os estudos foram classificados como
Tabela 2.
Descrição da qualidade do estudo (estudos I, II e III).
Estudo
Nível/qualidade
Chan et al. (2004)20
III/ Fraco
Cherng et al. (2007)21
III/ Moderado
Dodd e Foley (2007)23
II/ Moderado
1
Ø
Ø
2
Ø
fracos (escore < ou = 3), moderados (escores 4 e 5) ou fortes
32
(escores 6 e 7) (Tabela 2).
Os três artigos indicados como de evidência mais forte
20,21,23
(i.e., nível de evidência II ou III)
tiveram seus desfechos
34
e resultados apresentados segundo a CIF , demonstrados
na Tabela 3. Nesses três estudos, foram encontradas mudanças significativas no domínio de estrutura e função do
corpo, demonstradas pelo aumento do comprimento do pas21
23
so , aumento da velocidade da marcha , e aumento do
20
quociente de potência de tornozelo (QPT) , e no domínio de
atividade, demonstradas pelo aumento dos escores na
20,21
GMFM
.
3
4
Ø
Ø
5
Ø
Ø
6
7
Ø
Ø
Pontuação
3/7
4/7
5/7
Legenda: Ø ausência da pontuação; - presença da pontuação
Tabela 3.
Tabela dos desfechos, medidas e resultados dos estudos analisados segundo a CIF.
Componentes
Estudo
Desfecho de Interesse
Medida
Estrutura e Função do Corpo
Atividade e Participação
Fatores do
contexto
Quociente de Momento de
AMTI® force plataforms Vicon®
Chan et al.
Tornozelo (QMT)
370
(2004)20
Quociente de Potência de
ns
↓ p=0,015 (depois da quarta semana, ≠
entre grupos);
Tornozelo (QPT)
↓ p=0,037 (depois da sexta semana, ≠
entre grupos)
Função Motora Grossa
GMFM (dimensões D e E)
Velocidade da marcha
GAITRite®
Comprimento do passo
Cherng et al.
↑ p=0,0236
Cadência
ns
Tempo de duplo apoio
(2007)21
↑ p=0,045 (nos dois grupos)
ns
↓p=0,058
Tono muscular
Escala de Ashworth modificada
ns
Controle Motor Seletivo
Quantidade de dorsiflexão ativa
ns
Função Motora Grossa
GMFM
↑ p<0,05
(dimensão D → p=0,0338)
(dimensão E → p=0,0225, e
total → p=0,0008)
Dodd e Foley
Velocidade da marcha
10-meter walking speed test
Resistência física
10-minute walk test
↑ p=0,048
ns
(2007)23
Legenda: GMFM = Gross Motor Function Measure; ns = não significativo; p = significância estatística.
19,25,26
Nos estudos quasi-experimentais incluídos
, os domínios da CIF mensurados foram estrutura e função do corpo
19
e atividade. Begnoche e Pitetti verificaram aumento do
comprimento do passo após utilização da esteira. Provost et
25
al. observaram melhora na resistência física no teste de
medida de gasto energético (Energy Expenditure Measurement - EEI) (p = 0,029) e aumento da velocidade da marcha
136
no teste Ten-Meter Walking Velocity (p = 0,038). Schindl et
26
al. demonstraram melhora no desempenho da marcha com
a utilização do Functional Ambulation Categories (FAC). Um
19,25,26
aspecto relevante e comum a esses três estudos
foi a
melhora observada nos escores da dimensão E do teste
26
GMFM, sendo que Schindl et al. também observaram melhora na dimensão D.
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
22
24
Os trabalhos de Day et al. e McNevin et al. são estudos de caso, com baixo nível de evidência. Os resultados
desses estudos apresentaram efeitos positivos consequentes
ao uso da esteira nos domínios de estrutura e função do
corpo e de atividade, assim como os estudos experimentais
revisados, sugerindo benefícios no uso da esteira ergométrica com o suporte de peso corporal em crianças com PC.
Entre os desfechos positivos encontrados estão: (1) no domínio de estrutura e função do corpo: menores índices fisiológicos (i.e., frequência cardíaca e pressão arterial) durante a
prática da caminhada na esteira ergométrica com o uso do
suporte, quando comparados com a não utilização do supor24
te ; e (2) no domínio de atividade: melhora do resultado nos
testes GMFM e Pediatric Evaluation Disability Inventory
22
(PEDI) após o programa de tratamento .
Discussão
A discussão será apresentada a partir da metodologia
32
proposta pela AACPDM , baseando-se em perguntas norteadoras que analisam os desfechos segundo os componentes
da CIF, a presença de complicações durante o uso da esteira
ergométrica como intervenção, e a força das evidências dos
estudos revisados, realizada apenas para os três artigos
incluídos nas Tabelas 2 e 3.
Evidência dos efeitos da intervenção nos componentes da CIF e associação entre os resultados: Nesta revisão sistemática sobre o uso da esteira ergométrica em crian20,21,23
ças com PC, os três estudos experimentais
investigaram os efeitos desta intervenção em alguns parâmetros da
marcha. A função motora grossa foi pesquisada em dois dos
20,21
artigos
, e apenas um dos estudos investigou os efeitos
21
nas variáveis tono muscular e controle motor seletivo . Considerando os componentes da CIF, tono muscular, controle
motor seletivo e parâmetros da marcha representam o domínio de estrutura e função do corpo, ao passo que a função
motora grossa se refere ao domínio da atividade.
O tono muscular, mensurado pela escala de Ashworth
modificada, e o controle motor seletivo, que quantifica os
graus de dorsiflexão do tornozelo, foram desfechos pesqui21
sados apenas no estudo de Cherng et al. . Os resultados
desse estudo indicaram que o treinamento de marcha na
esteira não resultou em mudanças significativas nesses dois
parâmetros. De acordo com os autores, esse resultado pode
ser atribuído ao fato de que, apesar do treino de marcha ser
uma situação dinâmica, esses parâmetros foram avaliados
21
nas crianças de forma estática .
Muitas técnicas vêm sendo estudadas para modificar o
tono muscular, dentre elas o alongamento muscular tem
23
demonstrado resultados positivos . Já estudos que usaram
intervenções que objetivaram ganho de força muscular em
crianças com PC não demonstraram alterações no tono
37
muscular . Dessa forma, sendo o uso da esteira ergométrica
uma intervenção que busca primariamente melhorar a mar-
cha de crianças com PC, não são esperadas alterações no
tono muscular.
O controle motor seletivo, através do aumento da amplitude de movimento de tornozelo, no estudo de Cherng et
21
al. , não foi devidamente mensurado e não houve técnicas
de intervenção que trabalhassem diretamente sobre ele.
Estudos futuros que usem a esteira ergométrica e objetivem
melhora do controle motor seletivo (i.e., grau de dorsiflexão
do tornozelo) podem elucidar se essa intervenção é capaz de
promover tais alterações.
Em relação aos parâmetros da marcha, os estudos analisados indicaram que crianças com PC que se submeteram à
intervenção de treinamento de marcha na esteira apresentaram ganhos significativos na velocidade de marcha (p =
23
21
0,048) e aumento no comprimento do passo (p = 0,023) ,
sendo que a diminuição no tempo de duplo apoio se aproxi21
mou de significância estatística (p = 0,058) . Não foram
encontrados efeitos significativos nos desfechos cadência da
marcha e condicionamento físico. Os autores esperavam
encontrar melhoras nos parâmetros da marcha, tais como
velocidade e comprimento do passo, uma vez que esses
desfechos foram diretamente trabalhados durante a intervenção e mensurados nos estudos citados. Quanto aos outros
parâmetros da marcha, nos quais não ocorreram melhoras
estatisticamente significativas, acredita-se que os resultados
poderiam ser mais positivos em estudos com instrumentos
de mensuração mais confiáveis e/ou amostras com maior
número de participantes.
O quociente de momento de tornozelo (QMT) e o quociente de potência de tornozelo (QPT) foram avaliados por
20
Chan et al. . Esses autores não encontraram ganhos estatisticamente significativos nesses parâmetros em nenhum dos
grupos de tratamento (esteira ou esteira + neuroestimulação
elétrica – NMES) ao longo da intervenção. Entretanto, na
análise do QPT foram verificadas diferenças significativas
entre os grupos de tratamento depois da segunda semana do
início do uso da esteira ergométrica (p = 0,015) e após quatro
semanas do início do período de intervenção (p = 0,037). Os
autores ressaltam a existência de diferença entre os grupos
no início do tratamento, já que o grupo esteira + NMES apresentou maiores valores de QPT na linha de base, comparado
ao grupo que recebeu apenas esteira como intervenção.
Desta forma, os autores atribuem os efeitos observados
principalmente a essa diferença pré-intervenção, mas não
deixam claro qual dos dois grupos teve maior vantagem em
relação à redução do QPT (i.e., uma melhora na geração e
absorção de potência pelo tornozelo). Nos dois grupos investigados (i.e., grupo esteira e grupo esteira + NMES) foram
detectados resultados semelhantes, não sendo notadas
diferenças significativas entre os tipos de intervenção nem
mudanças significativas ao longo do tratamento nas variáveis
mensuradas. Esses resultados indicam que o grupo considerado pelos autores como “controle”, que só usou a esteira
ergométrica como intervenção, obteve os mesmos resultados
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
137
quando comparado ao grupo considerado “experimental”,
que utilizou esteira ergométrica associada à NMES.
O impacto da intervenção com o treino de marcha em esteira sobre a função motora grossa das crianças com PC foi
mensurada em dois dos estudos analisados a partir de au20,21
mento nos escores da GMFM
. Os resultados desses
estudos indicaram ganhos significativos nos escores das
dimensões D (em pé) e E (andando, correndo e pulando). A
melhora nessas duas dimensões era esperada, uma vez que
as duas subescalas incluem atividades de mobilidade seme38
lhantes à tarefa que estava sendo treinada .
Não foram verificados nos estudos revisados instrumentos de mensuração que permitissem a avaliação dos efeitos
do uso da esteira ergométrica nos domínios de participação e
nos fatores contextuais da CIF. A literatura de reabilitação é
bastante escassa com relação a estudos que avaliem os
efeitos de uma determinada intervenção nos domínios de
39
participação e nos fatores do contexto . Pode-se argumentar
que a melhora da marcha de uma criança obtida por meio do
treino de caminhada em esteira, num ambiente ambulatorial
muitas vezes controlado, não se transfere diretamente para a
participação dessa criança em outro ambiente, como, por
exemplo, o ambiente escolar. Tal argumento ilustra a não
linearidade do modelo conceitual da CIF.
A partir da análise dos estudos, observa-se que a associação das evidências entre todos os componentes da CIF é
limitada pelo fato de os estudos não apresentarem avaliação
dos domínios de participação e dos fatores contextuais. Além
20
21
disso, apesar de os estudos de Chan et al. e Cherng et al.
terem encontrado diferenças significativas tanto nos componentes de estrutura e função do corpo como em variáveis
referentes à atividade, há uma limitação na associação desses domínios. Além disso, não houve associação entre ganhos nos escores da GMFM e de desempenho de marcha
com a modificação do tono muscular e no controle seletivo
21
dos movimentos de tornozelo .
Qualidade e força da evidência dos artigos revisados:
Embora tenham sido encontrados oito estudos, somente
três apresentaram maior força de evidência científica (nível
20,21,23
de evidência II e III)
. Apenas o estudo de Dodd e Fo23
ley foi do tipo ensaio clínico randomizado e com cálculo de
20,21
poder estatístico. Os outros dois estudos
são experimentais de caso único, não possuindo, assim, grupo-controle.
Além disso, podemos citar algumas importantes limitações
20,21,23
nesses estudos
, como: amostras pequenas e de conveniência, ausência de randomização dos grupos no estudo
23
de Dodd e Foley , e falta de um programa de intervenção
individualizado. No entanto, mesmo com a presença dessas
limitações, podemos dizer que essa intervenção foi capaz de
produzir efeitos benéficos para crianças com PC, constituindo, assim, uma ferramenta de tratamento importante com
amplo potencial de promoção da marcha dessas crianças.
A generalização dos resultados de todos os estudos analisados é limitada devido à diversidade de suas característi-
138
cas. Há diferenças nas características dos programas de
intervenção adotados como, por exemplo, na duração total,
frequência de tratamento, tempo da sessão, velocidade da
esteira e porcentagem de peso corporal sustentado. Também
há uma grande variedade quanto ao número de participantes, faixa etária, classificação topográfica e tônica do tipo de
PC, grau de comprometimento motor e medidas utilizadas
para comparação entre pré e pós-tratamento. Além disso, a
19-22,24falta de grupo-controle, verificada em sete dos estudos
26
, e a continuação da fisioterapia convencional durante o
19,21treino na esteira em quase todos os estudos revisados
23,26
são fatores que corroboram essa dificuldade de síntese
e generalização dos efeitos.
Limitações do uso da esteira ergométrica em crianças
com PC: Nos artigos revisados, os autores não descrevem
nenhum efeito adverso ou complicações que tenham levado à
descontinuidade do tratamento ou a danos físicos. Acredita-se
que as crianças toleraram bem os programas de tratamento
que usaram a esteira ergométrica. Além disso, os artigos descrevem que medidas de segurança foram adotadas na implementação desses protocolos, tais como botão de emergência
da esteira; número de terapeutas auxiliadores da marcha durante o treino; o uso do próprio suporte de peso externo; e
respeito aos limites de resistência física da criança.
Como possíveis limitações dessa revisão sistemática, podemos citar o número reduzido de estudos encontrados, a
baixa qualidade do nível de evidência dos artigos e falta de
efeitos documentados em todos os domínios da CIF. Tais
limitações reforçam o foco de futuros estudos necessários
para ampliar e consolidar o corpo de conhecimento sobre o
uso da esteira ergométrica em crianças com PC.
Conclusão
Após a análise de todos os estudos revisados, é possível
concluir que o uso da esteira ergométrica é uma intervenção
promissora para promoção da marcha de crianças com PC.
No entanto, mais pesquisas são necessárias para determinar
quais crianças são mais aptas e responsivas a esse tipo de
intervenção. Algumas perguntas ainda devem ser respondidas em pesquisas futuras, como, por exemplo: Qual a intensidade ideal de treinamento na esteira? Qual a porcentagem
de peso corporal que deve ser sustentada? Qual a necessidade de terapeutas auxiliando a marcha, e quantos são necessários? Essas respostas contribuirão para o estabelecimento de um protocolo de intervenção sistematizado voltado
para as necessidades dessa clientela.
Implicações para a prática: Existem algumas evidências
para apoiar o uso de esteira ergométrica para a promoção da
marcha em crianças com PC. Nos estudos revisados foram
encontradas melhoras significativas na velocidade da mar23
21
cha , no comprimento do passo e nos escores da GMFM
20,21
nas dimensões D e E
. A esteira ergométrica é um recurso
que vem sendo usado na prática clínica; entretanto, detalha-
Temas sobre Desenvolvimento 2010; 17(99).
mento do protocolo terapêutico de uso desse equipamento
precisa ser definido de forma a possibilitar a reprodutibilidade
dos métodos experimentais com essa clientela.
Implicações para a pesquisa: As melhoras significativas
20,21,23
encontradas nesses estudos
devem ser consideradas.
Porém, o número de estudos e a qualidade das evidências
que investigaram os efeitos da esteira ergométrica são limitados, o que dificulta uma conclusão definitiva sobre essa
intervenção para essa clientela. Futuros estudos controlados,
randomizados, com amostras maiores, e com maior equivalência dos casos investigados (idade, tipo de PC e grau de
comprometimento semelhante) poderão contribuir para melhorar a força das evidências sobre os efeitos da esteira na
marcha em crianças com PC.
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