Magia e Sedução

Transcrição

Magia e Sedução
Clã Gunn 3
Magia e Sedução
Magic and mist
Theresa Michaels
Dig e Rev Joyce
stou-se.
Ele não havia ido muito longe quaResumo
Davey Gunn fora enfeitiçado... Pelo menos
era isso que seu clã supunha. O que , mais,
além de bruxaria, poderia impelir o
corajoso guerreiro a deixar as Terras Altas
para ajudar uma misteriosa druida? Mas
Davey sabia que seu destino e seu coração
estavam para sempre ligados a Meredith de
Projeto Revisoras
Cambria, a mulher que conquistara sua
alma beligerante!...
Meredith sabia que o amor que nascia em
seu coração poderia significar a morte para
os sonhos de seu povo. Davey fora escolhido
somente para ajudá-la a recuperar as
quatro dádivas de poder, nada além disso.
Mas agora ela começava a suspeitar que a
força da mais antiga das magias - O
verdadeiro amor — não poderia jamais ser
negada!
PRÓLOGO
Escócia, 1384.
A jovem, conhecida como Meredith de
Camaria, talhou o último punhado de
grama verde, em um movimento gracioso
que contradizia seus pensamentos
conturbados.
Deteve-se, de repente, e inseriu a longa
adaga na bainha atada ao cinto. O rico
aroma de torga e grama expandia-se pelo
ar. Ela já havia recolhido o suficiente para
compor a cama onde repousaria naquela
noite. Seu leito solitário. Afinal, estava
Projeto Revisoras
sempre sozinha.
Por um momento, Meredith deixou de lado
as preocupações e imaginou como seria
mergulhar em um sono profundo com
alguém que a envolvesse e a aquecesse.
A imagem de um homem surgiu-lhe à mente
tão rapidamente que a assustou.
Olhos castanhos escuros, nariz angular,
lábios que se abriam em um sorriso sutil, e
todo o conjunto emoldurado por cabelos
negros que pendiam à altura dos ombros.
Ela visualizou aquele rosto com extrema
clareza. Tratava-se de um homem
inesquecível.
Davey do Clã Gunn.
Para além do rio Halladale, o pôr-do-sol
enegrecia as pedras de Ben Griam More.
Meredith postou-se sob a penumbra,
dominada pela sufocante fadiga. Sentia-se
acuada entre os sentimentos de exaustão e
de ser só.
Virou-se para olhar o semicírculo que as
pedras formavam. O local parecia inerte;
nem sequer um sopro de ar movia os galhos
das árvores. Meredith não conseguia escutar o sussurro dos espíritos que residiam
naquele lugar.
Perdeu a noção do tempo enquanto
admirava o que os homens das Terras Altas
chamavam de Pedras Eretas de
Achavanich.
Naquele mesmo local, os Cymry haviam
Projeto Revisoras
fugido das próprias terras centenas de anos
antes de se subjugarem e converterem-se.
Seu povo escapou das espadas dos romanos
que destruíram os que tinham recusado o
cativeiro e a conversão a crenças sacras.
Meredith não compreendia por que as
quarenta pedras se erigiam em forma de U.
Sabia que o espaço gerava um enorme
poder. Os velhos druidas, que lhe haviam
ensinado os antigos conhecimentos e depois
a enviaram ao mundo, não transmitiram
informações necessárias acerca do significado das pedras. Somente garantiram
que ela estaria sempre segura envolta por
aquele agrupamento.
Armada de tal sabedoria e de seus dons,
Meredith atravessara a Inglaterra e depois
a Escócia, para realizar sua missão.
O momento de reivindicar o que fora
roubado de seu povo havia chegado.
Um súbito tremor lembrou-a do avançado
da hora. Recolheu o punhado de grama e
torga, e carregou-o ao centro das pedras
para arrumar seu leito. Se ali
permanecesse até o amanhecer, nada de
mal lhe aconteceria.
Mas, ao se ajoelhar a fim de preparar a
própria cama, o poder absoluto elevou-se
em total necessidade. O cansaço foi
esquecido quando ela se levantou e
caminhou em direção à costa sul do
diminuto lago Stemster.
Projeto Revisoras
Sem o vento para movimentá-la, a
superfície do lago permanecia plácida
refletindo os raios prateados da lua, tal
qual um espelho resplandecente.
Pressentindo as sombras ao redor, ela
prosseguiu sem medo. Os espíritos
guardiões protegiam pessoas como Meredith. Sempre tornava-se vulnerável a
qualquer um que a surpreendesse
consultando as águas cristalinas. Especialmente a um inimigo. E ele não estava
longe.
Tão logo aproximou-se da beira do lago, ela
parou. Sua voz, doce como o canto dos
pássaros, entoou o verso de palavras
anciãs.
Lembranças vividas despontaram em sua
mente. Visualizou a menina, rodeada de
druidas em seus mantos, aprendendo os
preceitos da antiga sabedoria na floresta de
carvalhos, localizada nas montanhas da
região outrora denominada Gales pelos
saxões.
Ela nascera para aquilo, fora treinada
como a última da linhagem, e não ousaria
falhar.
Os inimigos estavam próximos e a
caçavam. O medo reapareceu, poderoso em
sua intensidade.
Meredith concentrou-se no brilho prateado
da água e viu novamente o rosto de Davey
do Clã Gunn.
Projeto Revisoras
O medo esvaiu-se.
O coração disparou ao divisá-lo na
superfície brilhante. Os lábios se curvaram
em um sorriso ladino, como se Davey
soubesse que Meredith o protegia e também
entendesse o que ela precisava.
A visão de Davey era límpida. A lua, a seu
pedido, revelava mais que a luz do dia.
Tudo ao redor tornou-se fosco ante a
radiação refletida na água.
Um brilho repentino apagou a visão e,
então, retrocedeu alguns meses. Meredith
viu Davey, armado e a cavalo, lutando.
Avistou também punhos que o ameaçavam
pela retaguarda. Ela o alertara para não
acompanhar o irmão, Jamie, mas o aviso
de nada valeu.
A distância, Meredith empreendia sua
vigília, observando cada sopro ofegante de
Davey e visitando-o em cada sonho
fervoroso.
Ela utilizara a maioria dos poderosos
feitiços de seu povo para mantê-lo vivo e a
salvo.
A visão na água tornou-se embaçada e, em
seguida, clareou.
Davey apareceu com seus amados cães no
pátio do castelo Halberry, o domínio do Clã
Gunn.
Embora já tivesse visto aquela imagem,
Meredith espantou-se ante o brilho
assombroso do olhar de Davey.
Projeto Revisoras
Era sua contínua ausência que marcava
aqueles olhos.
Um frágil sussurro, tão suave quanto o
farfalhar das folhas no topo das árvores,
emergiu para avisá-la que estava na hora
de abandonar a beira do lago e recolher-se.
Meredith respeitou o aviso. A consulta às
águas cristalinas abrira o caminho
daqueles que a perseguiam. A todo custo,
precisava evitar as garras de Owain ap
Madog, pois este almejava os dons de
Meredith para objetivos maléficos. Ele
queria usá-la a fim de aumentar os
próprios poderes.
Aflita, retornou ao círculo das pedras
eretas. Podia sentir a sua volta o peso
sombrio de Owain.
O perigo era iminente, mas Meredith não se
deixaria sufocar pelo medo. Davey
representava a resposta. O juramento
sagrado a proibia de utilizar o próprio dom
para ferir ou matar. Davey, porém, não
vivia sob pactos. Ele a ajudaria e a
protegeria até que ela completasse sua
jornada.
Com certa amargura, Meredith entendia
que, na sequência de eventos, nem ela ou
Davey importavam uma vez que a meta
principal fosse atingida.
Davey fora escolhido por ela. A princípio,
havia preferido esperar que a
comemoração do casamento de Jamie
Projeto Revisoras
terminasse para pleitear o guerreiro; no
entanto a presença de Owain a obrigara a
modificar os planos.
Esfregou o anel de prata. Longevidade,
continuidade, eternidade. O simbolismo
milenar do círculo e do nó sem emendas.
Ao luar, ela se levantou, orgulhosa, e orou.
Tinha de convencer Davey a abandonar o
lar, a família e tudo mais que amava para
ajudá-la.
A despeito da natureza obstinada de Davey,
havia pequenos obstáculos que um druida
precisava superar.
CAPÍTULO I
Não haverá filhas da Beleza ante uma
magia como a vossa...
George Gordon, Lorde Byron
Todos os membros do Clã Gunn
compareceram ao castelo naquele final de
verão para celebrar o casamento de Jamie
Gunn com Gilliane de Verrill.
A noiva radiante e o charmoso noivo foram
vítimas de impiedosas brincadeiras por
parte dos parentes, antes de fazerem os
votos que os tornariam marido e mulher. O
casal, alegre e feliz, sentado à mesa mais
Projeto Revisoras
alta, abraçava as meninas órfãs que ambos
amavam como filhas legítimas. Jamie e
Gilliane ainda aguardavam o decreto do rei
que permitiria a adoção.
Os raios de sol penetravam pelas janelas e
iluminavam o grande salão do castelo
Halberry, a fortaleza do clã, aquecendo
aqueles que dançavam animados ao som
das gaitas de foles.
Servos abriam caminho entre a multidão,
carregando bandejas repletas de carne
assada, tortas e pães, cujo aroma se
confundia ao forte odor do mar. O castelo
ocupava as terras que bordejavam o mar
do norte, em Mid Clyth, a noroeste da costa
escocesa, próximo a Caithness.
Micheil, o mais velho dos irmãos Gunn, era
o chefe do clã. Ele cedera o lugar no centro
da mesa para Jamie e sentou-se em uma
das extremidades com a esposa, Sea-na, e o
filho, Heth.
Após recusar uma farta fatia de torta de
cebola e creme, Micheil ergueu o cálice para
brindar os recém-casados. O saboroso
vinho de Aquitaine, a cerveja e o malte escocês, devidamente armazenados e
conservados na adega, circulavam entre os
presentes.
Micheil desejou felicidade ao irmão e à
cunhada, e também almejou a paz para o
futuro dos Gunn. George, o chefe do Clã
Keith, havia morrido. O sangue que
Projeto Revisoras
oprimia os Gunn fenecera com ele. Os Keith
agora discutiam quem seria nomeado o
novo líder. Micheil esvaziou o cálice com a
esperança de que continuariam a disputar
o posto pela eternidade.
Voltou a atenção ao irmão caçula, Davey, o
único ainda solteiro. Pelo olhar das duas
jovens que o cercavam, tal condição não
duraria muito tempo. Micheil levantou-se
para alertar Davey e, quando conseguiu,
pediu-lhe que se aproximasse.
Davey correspondeu ao gesto do irmão e,
pegando o odre de vinho para saciar a sede,
caminhou até Micheil com um sorriso
malicioso entre os lábios.
— Está na hora, Micheil?
— Está. Pode começar, Davey — ele
murmurou no ouvido do irmão para que
ninguém o escutasse.
A voz grave de Davey reverberou pelo
salão. Ele chamou Jamie para que este
apresentasse a dança da espada à noiva.
Micheil e os outros membros do clã
iniciaram o canto das espadas.
Davey gargalhou ao ser carregado por
quatro homens. Crisden e Colin o
agarraram pelos braços, Gabhan e Marcus
seguraram-lhe as pernas. Eram os
melhores amigos de seus irmãos, como
também membros do clã. Os quatro
levaram Davey à parede, onde as armas
dos inimigos estavam dispostas.
Projeto Revisoras
Houve aplausos e gritos quando Davey,
equilibrando-se sobre os companheiros,
tentou pegar uma espada.
Durante centenas de anos, armas foram
penduradas àquela parede, e cada uma
delas simbolizava a vitória sobre as
batalhas travadas contra os inimigos.
Espadas e lanças escocesas; adagas,
punhais e facas dos ingleses retratavam
lutas e conquistas.
A mão de Davey passou pela mais recente
aquisição. A espada de Guy de Orbrec,
conquistada por Jamie após uma batalha
sangrenta. Mas Davey escolheu outra.
Todas as armas eram o testemunho da
determinação do Clã Gunn de sobreviver
em meio aos maiores e mais poderosos clãs.
Recentemente, Davey havia se recuperado
de ferimentos graves e de uma febre
violenta. Seu equilíbrio era notável, já que
os homens que o carregavam estavam mais
embriagados que ele.
No entanto, Davey tinha uma vantagem.
Enquanto doente, ele recebera um dom. Sua
percepção em relação ao movimento das
pessoas estava tão aguçada que ele podia
prever a ação dos homens que o
carregavam.
Ereto e seguro de si, Davey ergueu uma
espada que não pertencia à memória
recente dos irmãos. Jogou-a aos homens
Projeto Revisoras
que assistiam à cena. Berros e exclamações
obrigaram Jamie a levantar-se quando os
menestréis principiaram os acordes de "A
Dança das Espadas". Todos abriram espaço
no centro do salão para que Jamie
posicionasse a primeira espada.
Mais uma vez, Davey fez menção de
escolher outra espada, embora hesitasse.
Chegou a tocar o punho da arma, mas seus
companheiros cambalearam, forçando-o a
recuar.
No instante em que agarrou a espada, ele
olhou a arcada, onde as portas de madeira
maciça abertas davam livre acesso do salão
para o pátio. Uma mulher, envolvida em
um pesado manto, ocultava o rosto sob as
sombras do capuz.
Davey sabia quem era ela. Conhecia o nome
e o som da voz. Micheil enviara homens
para encontrá-la. As angustiantes semanas
de raiva e frustração devido à ausência
dela se dissiparam. Um súbito arrepio pelo
corpo revelava a verdade sobre aquela
mulher.
Davey apertou o punho da espada que
escolhera. Música e vozes cessaram.
Fitou a figura estática, certo de que estava
sendo observado por ela. Nem percebeu o
choque ao notar que seus cães, Jennet e
Cudgel, postaram-se ao lado dela. Os
cachorros não rosnaram, tampouco
latiram para anunciar a presença de um
Projeto Revisoras
estranho.
— Ponham-me no chão — ele ordenou, sem
desviar o olhar da misteriosa figura.
Precisava estar com ela. Ainda
empunhando a espada, esperou que os
homens abaixassem. Davey pulou no assoalho de pedra.
Não ousou olhar para Jamie, que ainda
dançava. Decidido, caminhou entre a
multidão de convidados. Queria ver-lhe o
rosto. Conhecia a voz, pois a suave melodia
o perseguia, mas jamais vira o semblante.
O único e breve encontro que haviam tido
naquele mesmo local ainda o perturbava.
Seu dom, ou maldição como às vezes ele
denominava a segunda visão, oferecera-lhe
a imagem de uma espada ensanguentada.
Jamais conseguiu discernir quem
empunhava a espada ou se o aviso referiase ao irmão ou a ele próprio. Mas a mulher
estivera presente, falara com ele e, depois,
desaparecera.
Davey ainda recordava a profecia: Os
eventos vêm e passam. Tudo será claro
quando chegar a hora.
Ela havia voltado. Davey tinha a estranha
sensação de ser arrastado até ela, como se
a mulher possuísse o poder de comandá-lo.
Se alguém o chamou, ele não ouviu. Seu
foco estava fixo na jovem enigmática. Ao
menos, acreditava que fosse jovem. Davey
respeitava a intrínseca urgência de aproProjeto Revisoras
ximar-se ainda mais para satisfazer a
necessidade de escutar aquela voz
melodiosa.
Enfim, postou-se diante dela. Os cães lhe
cheiravam as mãos com o intuito de receber
algum carinho de seu mestre. Mas Davey os
ignorou.
— Pensei que nunca mais fosse voltar —
disse ao deduzir que ela não o
cumprimentaria. Resistiu à vontade de
puxar o capuz e ver o rosto da mulher
misteriosa.
— Mas você sabia que eu voltaria.
Davey fechou os olhos a fim de assimilar o
som daquela voz, uma dádiva a seus
ouvidos.
— Pressentiu meu retorno? — ela indagou.
— Tentei...
— Talvez eu apenas desejasse revê-la —
Davey murmurou, evitando admitir ou
negar o que a mulher dizia.
No fundo, recusava-se a acreditar. Não
queria aceitar que ela tivesse o poder de
visitá-lo em sonhos. Voltou a fitá-la.
— Deve ter visto... — Ela se calou ante a
dúvida. Com certeza, dissera a verdade.
Davey havia previsto
o reencontro. Afinal, a segunda visão lhe
informara.
— Você insiste em jogar comigo. Venha —
ele convidou, segurando-a pelo braço. — O
excesso de poeira em seu manto indica uma
Projeto Revisoras
longa jornada. Deve estar com fome e sede.
— Preciso falar com você. Não há tempo a
perder...
— Há muito tempo — Davey insistiu e
apertou o braço delicado. Não pretendia
deixá-la desaparecer. Inclinou-se e
sussurrou: — Abaixe o capuz. Quero ver seu
rosto.
De repente, foram interrompidos por um
grupo de homens ansiosos para assistir aos
ursos dançarinos no pátio. Davey colou o
próprio corpo no dela, tal qual um escudo, e
prensou-a contra a parede de pedras.
— O capuz — ordenou.
Ela puxou o capuz, revelando cabelos tão
negros quanto a noite. Quando ergueu uma
das mãos para tocar o lindo rosto, Davey
notou que ainda segurava a espada.
— A espada — ela sussurrou ao divisar a
arma. — Untava certa. Você sabia mesmo
que eu viria.
— Você continua dizendo frases incoerentes
— Davey retrucou, impaciente. — Escolhi
esta espada para a dança do meu irmão.
Sua aparição repentina me distraiu.
— Não. Você nem sequer ofereceu esta
espada a seu irmão. Na verdade, não
poderia oferecê-la a ninguém. — Meredith
tocou o punho da espada com a ponta dos
dedos. A mão estremeceu visivelmente.
Acompanhando o gesto, Davey estudou a
espada que empunhava.
Projeto Revisoras
A extensa lâmina parecia tão afiada quanto
o dia em que fora forjada. Sob a
luminosidade das tochas, ele não pôde
distinguir que tipo de aço era aquele, pois
parecia estrangeiro, diferente.
Culpou o acúmulo de bebida em seu sangue
ao notar o brilho intenso que a lâmina
adquiria a cada segundo.
Continuou a avaliar a arma e levou-a para
mais perto da luz. Tanto o punho quanto o
segmento superior à lâmina eram
minuciosamente trabalhados. Havia
pedras coloridas nos olhos das serpentes
gêmeas entrelaçadas. Brilhavam como o
ouro reluzente que compunha aquele
desenho.
Uma onda de calor intenso percorreu-lhe o
corpo, desde os pés, passando pelas pernas,
até a cintura. Gotas de suor começaram a
escorrer na testa. A camisa de mangas
longas parecia justa demais. A túnica, que
outrora lhe trazia conforto, agora o
sufocava e dificultava a respiração.
Davey baixou a espada no instante em que
Meredith recuou. Bloqueou qualquer
possibilidade de movimento com o corpo,
temendo que ela fugisse.
— Em guarda — instruiu os cães.
— Dou-lhe minha palavra que não vou fugir
— Meredith protestou.
— Talvez, milady, mas prefiro não me
arriscar.
Projeto Revisoras
— Minha palavra é minha honra, Davey.
— Mulheres não sabem nada sobre honra
quando o assunto é homens.
— Você não me conhece o suficiente para
afirmar tal suposição.
A calma, a voz firme e as palavras o
irritavam.
— Nesse caso, sou eu quem deve ir embora.
— A declaração pareceu-lhe vazia e sentia
que ela também o percebera.
Cabisbaixa, Meredith encolheu-se sob o
manto. Davey voltou a apreciar as
incrustações da espada. O desenho do
nascer do sol era exótico. A bola de fogo
possuía resquícios de um brilho azulado
que formavam dois olhos. A figura
irradiava sabedoria e dor. Raios de ouro e
prata mesclavam-se em cada curva.
Como aquela espada magnificente não lhe
chamara a atenção?
Tal qual os irmãos e outros membros do
clã, Davey ouvira histórias a respeito de
inimigos que foram vencidos em batalhas
com as armas expostas na parede, onde estava escrita a dinastia do clã.
No entanto, não se lembrava de nenhuma
história referente àquela espada. Quem a
pusera na parede? E quando?
— Não gosto de jogos pérfidos, mulher.
Meredith ergueu as mãos, em um gesto
suplicante, porém, a expressão de surpresa
de Davey a deteve.
Projeto Revisoras
Nesse exato momento, ele reparou no anel.
Atônito, comparou-o ao desenho da espada.
O mesmo nó sem emendas que ornava o
anel estava trabalhado na guarda da
espada. Conforme a movimentava,
descobria novas facetas do artesanato.
— A quem pertence esta espada? —
perguntou, em tom autoritário. A raiva
começou a emergir. Sentia que alguma
força o confundia. — É isto que veio
procurar? Voltou para roubá-la? Mas não
pode ser — Davey prosseguiu, sem esperar
respostas. — Os delicados ossos de sua mão
não conseguem segurá-la, muito menos
manejá-la. Meredith não esperava
tamanha revolta.
— Por favor, escute-me. Podemos conversar
em particular?
— Em particular? — ele repetiu, intrigado.
Um sorriso sutil surgiu em seus lábios e os
olhos brilharam com novo interesse. —
Como pode ver, milady, não preciso de seus
talentos curativos. Disse a minha irmã por
casamento, Sea-na, e a meu irmão, Jamie,
que é uma curandeira?
— Sim. É verdade! Tenho de falar com você,
contar-lhe...
— Contar-me? Sim, prometi a mim mesmo
que você me contaria tudo que desejo saber.
Irá explicar sua súbita aparição após os
meses de busca, insatisfatória que os
homens deste castelo realizaram. E isso que
Projeto Revisoras
pretende? — Mais uma vez, Davey não lhe
deu oportunidade de resposta. — Pensei que
o pedido de privacidade fosse designado ao
prazer.
Uma dor abrasadora dominou-o. Sua visão
tornou-se turva. Davey apertou ainda mais
o braço de Meredith.
— Pare! O que está fazendo comigo?
— Nada! Juro que, dessa vez, não sou a
responsável. Os cães rosnaram ao
pressentir o perigo que assolava
seu mestre, mas, tal qual Davey, não
podiam divisar onde se encontrava a
ameaça.
— Diga-me a verdade! — exigiu, lutando
contra a dor que lhe pressionava a cabeça.
— Diga-me que espécie de bruxaria é esta ou
terei de castigá-la. Melhor ainda, eu a
prenderei sozinha na torre. Alguns dias de
clausura serão suficientes para arrancarlhe a verdade. — Então, em um sussurro
sombrio, ele acrescentou: — O sofrimento
será tamanho, mulher misteriosa, que
estará disposta a dar tudo em troca de sua
liberdade.
— Juro que não tenciono feri-lo! — Meredith
gritou, quando sentiu os ossos quase
esmigalhados pela força da mão de Davey a
apertar-lhe o braço. — São seus
pensamentos tolos que causaram essa dor.
Pare de me considerar uma mulher a
serviço de sua luxúria. — Ela fitou-o nos
Projeto Revisoras
olhos. — Não pode me prender. Há forças
maiores que as suas, Davey, conspirando
acima de nós.
Davey não podia negar tal afirmação.
Tampouco respondeu quando os
pensamentos sumiram de sua mente. Encarou o rosto oval, na tentativa de
adivinhar que esquemas havia por trás da
pele rosada. Os cílios, tão negros quanto os
cabelos, realçavam a expressão
acinzentada dos olhos. Ele via sabedoria e
dor naquele brilho profundo.
Fitou a suave linha do nariz e notou o
movimento constante das narinas, como se
Meredith pressentisse o perigo. Mas foram
os lábios que o atraíram. Eram carnudos e
possuíam um tom avermelhado como
amoras silvestres. Controlou o desejo de
provar as doces promessas que eles
incitavam.
Meredith encostou na parede, temerosa.
— Não tema, donzela. Não vou machucá-la.
— Davey soltou-a para que ela se afastasse.
Ficou satisfeito ao vê-la imóvel.
— Sim, Davey, vejo verdade em suas
palavras. Embora confuso, ele voltou ao
tema inicial.
— A espada.
— Não tem a sensação de que sempre
empunhou esta espada?
Desviando-se do olhar penetrante, tentou
ignorar a necessidade subentendida na
Projeto Revisoras
questão. A juventude e a beleza de Meredith
o atraíam mais que desvendar o mistério da
espada.
— Por favor — ela sussurrou. — Respondame. Preciso saber.
— Trata-se de uma arma antiga. Uma das
mais belas que já vi ou segurei. A espada
parece pesada, mas não preciso despender
muita força para empunhá-la. É isso que
queria saber?
Várias tochas foram acesas no salão e no
pátio. Somente nesse momento ele reparou
que a noite, enfim, chegara. Um tanto
zonzo, olhou ao redor, espantado por
ninguém nutri-los. Era como se ele e a
mulher fossem invisíveis.
— Quem é você? — indagou. — O que quer
de mim e desta espada?
Havia diversas maneiras de responder à
pergunta, con-tudo, Meredith escolheu a
mais simples.
— Sou Meredith de Cambria, que você e os
ingleses chamam de Gales. Sou curandeira.
É verdade que alertei Seana para que você
não acompanhasse seu irmão, Ja-mie. Caso
contrário, sofreria ferimentos graves.
Meredith fechou os olhos, suportando a
agonia diante do que teria de revelar.
— Tenho rezado por você e observado seus
passos nos últimos meses. Não pude me
aproximar. Sabia que os homens do clã me
procuravam, mas eu também empreendia
Projeto Revisoras
uma busca e não permiti que me
encontrassem. Fui enviada para recuperar
todos os pertences de meu povo. A espada é
o primeiro.
Ela fez uma pausa antes de prosseguir.
— E vim buscá-lo, Davey Gunn. Você disse a
verdade quando afirmou que não
conseguirei empunhar a espada. Não
possuo a força de um guerreiro. E... meus
votos sagrados me proíbem de matar.
Uma onda de piedade invadiu-a ao
observar o semblante sério de Davey.
Conteve o aperto no coração, tal qual lhe
fora instruído. Mas doía. Ninguém a
prevenira de tremendo sofrimento. Ambos
estavam unidos pela mesma dor.
De forma inesperada, o horror contido no
pedido de Meredith abateu Davey. Ele
recuou um passo.
— Quer que eu mate por você? Que tipo de
feiticeira é? É uma daquelas fadas
descendentes dos Pict, os mais bárbaros e
sanguinários?
— Seu povo é tão diferente assim, Davey?
Nunca temeram o terror daqueles que
erguem espadas contra vocês? Os escoceses
não falam da ambição desmedida dos
ingleses para conquistar estas terras?
O tom firme e baixo da voz não lhe deixava
alternativa, a não ser escutá-la.
— Aqueles a quem chama de bárbaros e
sanguinários abandonaram o próprio lar
Projeto Revisoras
para fugir do romanos que desejavam
impor crenças, culturas e uma civilização
que não lhes dizia respeito. Se não
houvessem fugido, teriam de enfrentar a
escravidão até a morte. Os romanos invadiram terras e povoados, governaram
por meio de roubos, assassinatos e ultrajes
que quase destruíram uma raça. Esses
romanos execraram uma região inteira e
nomearam a chacina um ato de paz.
— Você se refere a tempos arcaicos, a fatos
que não mais importam. E não pode saber o
que é para um homem tirar a vida de outro
— Davey argumentou.
— Não posso? Vou lhe mostrar. — Meredith
segurou-lhe a mão, a mesma que brandia a
espada.
— Olhe comigo, Davey. Feche os olhos e veja
como foi. Por um instante, ele avistou luzes
azuis, verdes e douradas nos olhos de
Meredith.
Então, tudo que lhe era familiar
desapareceu. Absolutamente tudo, menos a
mulher de Cambria.
CAPITULO II
Davey sentiu uma rápida vertigem quando
a névoa se dissipou. Uma paliçada de maProjeto Revisoras
deira, enegrecida pela umidade, erguia-se
sobre o chão arenoso. O forte odor de
queimado impregnava o ar. Tudo ao redor
testemunhava as chamas da destruição. Ouviam-se gritos e gemidos agonizantes dos
moribundos.
O ruído estridente de lâminas colidindo
obrigou-o a virar-se e, chocado, notou que
ainda segurava a espada. Uma súbita
pancada jogou-o de joelhos. A espada
escapou de sua mão. Ele gritou, sabendo,
sem entender como, que a arma magnífica
lhe pertencia. Fabricara-a com a força de
seu suor e com todo o poder dos druidas;
era sua espada que protegeria seu povo...
Gemeu de dor ao sentir a ardência do
ferimento. Esticou o braço para tocar a
figura esguia de cabelos negros e olhos
cinzentos. Viu o tremendo esforço que ela
despendia para levantar a espada e
defender-se dos atacantes. Davey gritou
novamente. A espada caiu. E ele foi levado à
segurança da floresta.
Mais uma vez cambaleou, ainda
estonteado. Conseguiu recuperar o
equilíbrio ao apoiar-se no arco de pedra do
castelo Halberry. Respirou fundo e
estremeceu. Recusava-se a acreditar no que
havia acontecido. O barulho, que
gradualmente começou a emergir,
lembrou-o de que estava em seu domínio,
onde era celebrado o casamento de Jamie.
Projeto Revisoras
Encarou Meredith que, ainda encostada à
parede, mantinha os olhos fechados e o
manto ao redor de si.
Davey não tinha fôlego para emitir uma só
palavra. Jamais vira aquele lugar, apesar
da breve imagem que assimilara. Era como
se houvesse sido assolado pela cena
proveniente da segunda visão.
Lutou para espantá-la de sua mente. Mas
não podia negar que a espada e a mulher
continuavam vívidas naquele momento
presente.
Somente agora percebia que a arma se
achava ao lado de Meredith.
Um grupo de homens atravessou a arcada.
Davey pegou o odre de um deles e sorriu,
disfarçando a mulher que escondia com o
próprio corpo. Tomou um longo gole de
vinho quando os homens adentraram o
salão.
— Sua sede deve ser tão grande quanto a
minha. Pode esperar enquanto vou buscar
um cálice?
Ela meneou a cabeça em negativa. Com o
movimento, os cabelos revelaram a pele
macia do pescoço. A confiança implícita do
gesto sensibilizou-o. Davey segurou o odre
para que Meredith bebesse o vinho e, com a
outra mão, pegou a espada.
Perdido na intimidade dos lábios carnudos
tocando o local onde os dele estiveram, ele
apertou o punho da arma. A sensação de
Projeto Revisoras
posse que sentiu em relação à espada
estendia-se à mulher. Se acreditasse no que
ela acabara de revelar, o que lhe pertencera
no passado não correspondia ao presente.
Havia certa magia naquela adorável jovem
de Cam-bria, algo que o impedia de tocá-la
ou reivindicá-la para si. E, ao mesmo
tempo, o desejo de infringir tais proibições
aumentava.
Ele desviou o olhar para que Meredith não
o flagrasse. O fato de que ela possuía
poderes sobrenaturais o perturbava.
Ao saciar a sede, Meredith devolveu-lhe o
odre, mas Davey deixou-o com ela. Não
pretendia largar a espada por nada.
— Você se recusa a olhar para mim —
Meredith comentou, suavemente. — Agora
entende, Davey?
— Não retiro as acusações que fiz sobre sua
pessoa. Ao contrário, acrescento outras
tantas.
— Não tive a intenção de feri-lo. De onde
vem sua raiva?
— E impossível esconder meus sentimentos.
— A admissão o irritou. — É verdade que
estou zangado. Por que mio usa sua mágica
para descobrir a razão de minha raiva?
— O que mais devo fazer para provar que
conheço o significado da morte de um ser?
Por favor, eu lhe imploro. Vamos a um
lugar onde possamos conversar livremente.
A voz soou cristalina e Davey foi obrigado a
Projeto Revisoras
fitá-la. Pequenas gotas de suor se
formaram na testa de Meredith. O rosto
estava pálido.
— Essa... experiência que me fez viver a
enfraqueceu. Fui um tolo por não ter
percebido.
Sem aviso, Davey tomou-a nos braços,
ignorando o odre que tombara no solo.
Virou-se a atravessou o salão. O corpo
feminino era tão leve quanto uma pluma,
mas ele caminhou devagar entre a
multidão, observando a apresentação que
acontecia no centro da sala e sempre ciente
de que ainda segurava a espada.
Meredith moveu-se para estudar o
semblante de Davey. Ele se manteve
concentrado. A respiração, um tanto
ofegante, roçava-lhe o pescoço. Inocente
ante o desejo que inspirava, ela suspirou e
recobrou as forças.
— Davey, não pode negar quem é. No
entanto, sinto que ainda tem dúvidas.
Como não chegara a nenhuma conclusão
acerca do que ela lhe mostrara, Davey
preferiu não responder. Aproximou-se da
parede, onde a passagem tornou-se menos
obstruída. Quando dirigiu-se à torre norte,
ela repetiu as mesmas palavras.
— Dúvidas? — Davey sussurrou, ainda
caminhando. Roçou o queixo nos cabelos
sedosos. A carícia liberou uma essência
bem mais inebriante que o malte escocês o
Projeto Revisoras
qual ele bebera a valer.
No entanto, a embriaguez causada pela
bebida desapareceu. Davey agora estava
totalmente sóbrio.
— Você veio a meu reduto não uma, mas
duas vezes. Provocou-me com sua beleza e
seu estranho poder capaz de penetrar em
minha alma. Afirmou que precisa de mim
para matar. Mostrou-me algo impossível de
acreditar. Duvidar é uma reação muito
justa, mulher. A raiva, por sua vez, é
imensa. E acrescente a suspeita de que você
aplica algum tipo de trama diabólica. Mas
terei a verdade antes que a noite termine.
Uma outra presença anunciou-se.
— Davey, pretende escapar para divertir-se
sozinho? Eu devia ter adivinhado.
A voz e o peso da mão sobre seu ombro
identificou Micheil. Davey parou entre as
sombras de propósito. Não queria encarar
o irmão mais velho. Tampouco Meredith
desejava que o chefe do clã a visse, pois
escondeu o rosto no peito de Davey.
— O que o incomoda, irmão?
— Nada, Micheil. Você tem razão. Pretendo
me divertir de outra maneira. E está me
atrasando.
Micheil bateu nas costas do irmão caçula.
— Vá em frente. Hoje os irmãos Gunn irão
usufruir do prazer com suas esposas. É
melhor encontrar a sua, Davey. Mas não
tenha pressa.
Projeto Revisoras
Davey escapou o mais rápido possível.
Sentiu o calor do desejo atingir-lhe as faces.
Se não estivesse tão determinado a
interrogar Meredith, ele teria repreendido
Micheil. A responsabilidade pelos meses de
abstinência não era dele. Devido à guerra
entre os Gunn e os McKay, Davey tivera de
enviar mensagens e liderar os primeiros
ataques contra os inimigos. Sobrara-lhe
pouco tempo para o prazer sexual.
Havia aproveitado alguns momentos de
luxúria com mulheres, porém o interlúdio
passageiro lhe pareceu vazio e sem sentido.
O único erro fora queixar-se com os irmãos.
Os dois zombavam dele sem piedade.
Agora, com a proximidade da paz entre os
clãs, poderia encontrar tempo para o
prazer da sedução.
Ao subir a escada de pedra, fitou a mulher
que mantinha nos braços. Os olhos estavam
fechados e a respiração, irregular. Se ela
descobrisse que pensamentos o tentavam...
Mais uma vez, a fuga foi interrompida.
— Davey! Salve-nos. Peigi quer nos levar
para a cama!
A última vontade de Davey naquele
instante era brincar com as filhas adotivas
de Jamie e Gilliane. As meninas o detiveram
e o agarraram pelas pernas.
— Ei! Onora, se não me soltar, vou cair e
esmagá-la. Jeanne, pare de choramingar
ou apoiarei a ideia de Peigi colocá-las na
Projeto Revisoras
cama.
Ofegante, Peigi aproximou-se. Em seus
braços, ela carregava Ailis, a mais nova.
— Estou ficando velha demais para correr
atrás destas três.
— Peigi querida, você nunca vai envelhecer
— Davey acarinhou a ama. — Quanto a
estas duas choronas, tenho de conversar
com elas.
— Conversar? Eu diria que a jovem em seus
braços está tão embriagada que precisa se
recolher.
— Não, Peigi, ela só está cansada.
— Oh, que Deus me perdoe. Ande logo,
Davey. Eu cuido das meninas.
— Davey — Meredith murmurou. — Ponhame no chão.
— Não se apoquente. Serei rápido. — Ele
encarou as duas meninas. — Viu o que
fizeram? A dama precisa de descanso e
quietude.
Envergonhadas, Onora e Jeanne se
afastaram. Davey segurou Meredith com
mais vigor quando uma névoa surgiu à
frente. A imagem não trazia mortes,
somente a visão de Onora sendo oferecida
como prêmio de guerra. E Jeanne,
sorridente, fugindo de um pretendente
apaixonado. A linda donzela curvando-se
diante de um rei era Ailis?
Um suspiro suave apagou a visão.
Peigi, cujos olhos haviam testemunhado
Projeto Revisoras
quase tudo, fitou Meredith.
— Obrigada por me deixar ver o que
acontecerá após minha morte. Seu poder é
fabuloso, milady — ela pronunciou,
mostrando total reverência.
— E, sim — Davey concordou, chocado com
a compreensão de Peigi e os sorrisos
maravilhados das três meninas. — Elas
também viram? — perguntou a Meredith.
— Viram apenas que irão se tornar lindas
mulheres. Seus sonhos serão doces esta
noite.
Enquanto levava as meninas, Peigi olhou
para trás, porém, não parou.
— Sua Peigi também tem o dom.
— É — Davey retrucou, sem saber o que
dizer. Apressado, precipitou-se ao antigo
quarto de Gilliane,
agora desocupado. Sem mais interrupções
acomodou Meredith no leito e pensativo
ateve-se a acender a lareira.
De quando em quando, olhava a espada que
deixara sobre a cadeira ao lado. Os eventos
daquela noite o confundiam.
Qual era a relação entre a espada e as
visões? Teria sua raiva originado a
primeira? E a segunda fora provocada pela
impaciência e curiosidade? Ou seriam
outras emoções? Davey não sabia as
respostas.
Através das janelas, a música animada
invadia o quarProjeto Revisoras
to impregnado pelo odor da brisa marinha.
Davey se mo-vomentava com lentidão. Ao
fitar Meredith, notou que ela o observava.
Ele encarou-a. Esperava escutar um
discurso desmedido agora que se achavam
a sós, tal qual ela pedira. O olhar sério o
enervava. Decidiu não romper o silêncio
entre ambos.
Enquanto os segundos tornavam-se
minutos, viu-se desconcertado diante
daquele olhar intenso que o avaliava. Davey desejava acender o candelabro para
poder enxergá-la melhor, mas qualquer
movimento poderia significar rendição.
Parte dele sabia que o silêncio sugeria uma
ridícula luta de forças, uma infantilidade
que jamais enfrentara diante de uma
mulher. A despeito da ironia de Micheil,
Davey nunca ficou sem uma companhia
feminina. Meninas e mulheres o
perseguiam, e ele raramente as declinava.
Logo ao primeiro encontro, antes de se
tornarem amantes, ele as prevenia de que
não estava à procura de esposa.
Riu consigo mesmo. Aquela bela jovem não
o queria como amante. Precisava, na
verdade, de um guerreiro para brandir a
pesada espada.
Tal pensamento, por alguma razão
incompreensível, incomodava-o como um
espinho cravado na pele. Não conseguia
mais suportar o silêncio. Pegou a espada.
Projeto Revisoras
— Durma bem. Ninguém neste castelo irá
perturbá-la.
— Espere! — Meredith exclamou,
abandonando a contemplação do homem
que almejava. — Ainda não ouviu o que
tenho a lhe dizer.
— Seu silêncio contínuo não me disse nada.
— Davey permaneceu parado, embora
pretendesse sair.
— Perdoe-me. Você é mais bonito do que eu
havia imaginado. — E muito mais teimoso,
ela completou em pensamento.
O tom adocicado da voz despertou a
atenção de Davey. O comentário em relação
a sua aparência não indicava a necessidade
de um guerreiro. Davey ajeitou a cadeira e
sentou-se diante dela.
Meredith observou o modo como os dedos
fortes acariciavam a espada. Tais afagos
pertenceram a muitas mulheres. Um
homem não poderia atingir a idade de
Davey sem conhecer as artimanhas da
paixão. Emoções conflituosas a
dominavam. Jamais pensara em um homem daquela maneira.
Meneou a cabeça a fim de clarear a mente.
— Tem sido muito paciente comigo. —
Meredith sentou-se no meio da cama.
— Descobri que a paciência é uma
estratégia eficiente quando se trata de
mulheres.
— Eis um homem sábio que aprendeu com
Projeto Revisoras
cada uma
das amantes.
Constrangido, Davey expressou um sorriso
sutil como
resposta.
— Creio que houve várias — Meredith
comentou, em tom amargo.
— Nesse caso, estou em desvantagem,
milady, porque nada sei sobre seus
amantes.
— Não tive nenhum — ela declarou para
surpreendê-lo. No entanto, não ficou
surpresa quando ele soltou uma
gargalhada.
— Se meu clã... ou melhor, se todos os
homens das Terras Altas oferecessem um
prêmio para a sedução mais criativa, você
seria a vencedora. Por que inventou um
artifício tão elaborado para ficar a sós
comigo?
Tão ágil quanto uma raposa, Meredith
desceu da cama.
— Não inventei nada. Tampouco tentei
seduzi-lo. Não posso. Você foi escolhido pelo
meu povo para recuperar os presentes que
nos foram roubados. — Ela ergueu as mãos
em um gesto de súplica. — Tem de
acreditar. Nunca seremos amantes, Davey
Gunn. Isso significaria a morte dos sonhos
alheios.
- Nunca? — A palavra era um desafio. Ele
apreciou os longos cabelos negros que a
Projeto Revisoras
envolviam tal qual um segundo manto.
-Nunca — Meredith repetiu um tanto
atemorizada consigo mesma.
Davey ignorou a voz da razão que lhe pedia
cautela. Foi o olhar fugidio que o levou a
sorrir. Meredith baixou a cabeça,
envergonhada.
- Pequei em meus deveres como anfitrião. —
Davey levantou-se. — Você conseguiu atiçar
minha curiosidade. Vamos conversar, mas
antes deixe-me buscar comida e bebida
para fortificá-la. Sua história requer mais
que alguns minutos?
- Sim.
O sorriso tímido deixou-o culpado. Ela
realmente acreditava que Davey havia
aceito a predição de que nunca seriam
amantes.
No entanto, queria provar que a afirmação
era uma deslavada mentira. A mulher de
Cymry, como ela própria se denominava,
tentava-o de forma abrasadora. Ou era
uma jovem inocente, ou armava uma cilada
maléfica para ele.
Se a primeira visão fosse verdadeira, Davey
tinha certa vantagem. A mulher que havia
matado para salvar-lhe a vida pertencera a
ele. Sua como qualquer amante deveria ser.
E, se fora uma vez, poderia ser de novo.
Não, corrigiu-se em pensamento. Ela o
seria com certeza.
Meredith viu-o sair, sem se mexer.
Projeto Revisoras
Cometera um terrível engano ao revelar seu
segredo. Como iria defender-se do homem
que escolhera para protegê-la?
CAPÍTULO III
Meredith aproximou-se da janela aberta -e
admirou o céu estrelado. Inspirou o forte
aroma de maresia, enquanto imaginava o
movimento incessante das ondas de
encontro às pedras da costa. A sonoridade
das gaitas de foles era uma distração à
quietude de que ela necessitava.
Quando criança, costumava deitar-se no
campo para apreciar as nuvens do céu. Em
sua mente, visualizara castelos, grandes
dragões e rostos que sempre emergiam
entre as formações esbranquiçadas.
Lembrou-se da paz e da liberdade que
possuía, e almejava agora a mesma
sensação.
Muito tempo havia se passado. Não
conseguia sentir-se em paz.
Na verdade, admitiu a si própria, não
houvera paz desde o dia em que divisara o
rosto de Davey entre as chamas e, em
seguida, descobrira qual seria sua missão.
Projeto Revisoras
Fitou o local onde Davey havia deixado a
espada. Ela recuperara outro grande
presente de seu povo.
Então, de onde vinha o súbito receio de que
iria falhar?
Fechou os olhos, atormentada. Sentia-se à
beira de um profundo precipício. Um
simples passo poderia significar a morte.
Mas Meredith aprendera com os sacerdotes
que a morte se manifestava de várias
formas.
Mirando a noite, mordeu o lábio inferior,
apreensiva.
Não podia mentir a si mesma. Tinha
conhecimento de que causava muitas
dúvidas. Fora tolice mostrar-se tão honesta
com Davey.
Mas como teria presumido que ele
assimilaria a ver-dade tal qual um desafio?
Se não o dissuadisse, ambos
desviariam da missão e teriam a vida
ameaçada. - Davey — sussurrou,
saboreando a musicalidade do nome, entre
os lábios.
Deveria ter zombado dele. Talvez mentido.
Conhecia velhos estratagemas femininos
capazes de eliminar qualquer outro
pensamento e direcioná-lo somente à meta
que ela traçara. Uma alternativa segura
para obter seus intentos.
Era inútil desgastar-se. Tinha de enfrentar
as consequências dos próprios atos".
Projeto Revisoras
Meredith encarou o fogo na lareira. Por um
instante, viu a postura agressiva de Davey
e o semblante charmoso sob as sombras.
Alto, robusto e determinado. A mera
lembrança daquele homem fazia o coração
disparar, a respiração tornava-se errática
e os pensamentos, caóticos.
A tensão física não diminuía. Na realidade,
ela se misturava à excitante sensação de
expectativa. A combinação, embora
deliciosa, incomodava-a.
Acreditara piamente ser capaz de protegerse da masculinidade de Davey.
O estranho estímulo que ele causava seria
responsável pelo despertar do desejo?
Meredith repreendeu-se. Não podia ser.
Não nesta vida. Prevenira-se ante a
possibilidade de sentir-se atraída pelo
guerreiro.
Porém, havia guardado somente para si um
segredo que os druidas lhe transmitiram.
Nunca o revelara aos sussurros do vento
que entoavam o nome de Davey.
Em um dos contos arcaicos de seu povo,
apenas o companheiro de coração, mente,
corpo e alma possuía tanto poder.
Essa era a verdade que jamais poderia
contar a Davey.
Era também a única verdade que não podia
negar.
Interrompeu a contemplação meditativa
quando Davey retornou, trazendo uma
Projeto Revisoras
bandeja, a qual colocou na mesa ao lado da
lareira.
— Perdoe minhas maneiras, mas não lhe
perguntei onde deixou sua escolta.
— Vim sozinha. — Meredith se recompôs
antes de encarar o fogo novamente.
Ficou espantada ao ver que as velas foram
acesas. Não prestara muita atenção no
cómodo, mas agora, sob a claridade, notou
riqueza em cada objeto.
— Veio sozinha? — Davey repetiu,
incrédulo.
— Sim. Sempre viajo sozinha.
Davey reparou que ela observava a
tapeçaria, a mesa e a cama. Parecia avaliar
o custo. O breve tempo de separação
ajudou-o a clarear a mente e eliminar
pensamentos fúteis. Agora dúvidas e
questões manifestavam-se.
Ela realmente avaliava o custo dos objetos.
Estudou a cobertura dos travesseiros, as
cortinas que rodeavam o leito e a sombra
de Davey impressa no tecido. Meredith
nunca provou tais riquezas. Como ele
aguentaria dormir ao relento após ter
vivido em meio a tanto luxo?
— A comida está esfriando, milady.
— Não possuo títulos.
— Somente um nome?
— Sou conhecida como Meredith, a
curandeira.
— Mas é muito mais que isso. — Não houve
Projeto Revisoras
réplica. — Peguei o que restava de comida
na cozinha. Venha, junte-se a mim perto do
fogo — ele convidou-a, sedutor.
As chamas das velas iluminavam os cabelos
fartos de Davey. Deviam ser sedosos,
Meredith pensou, e, como se recordava,
tombavam na altura dos ombros. Os lábios
sustentavam um sorriso sensual. Os olhos
castanhos, fixos nos dela, emanavam
intensidade.
A voz e o sorriso compunham a intenção de
deixá-la a vontade. Meredith procurou
forças para resistir ao char-me. Precisava
de todas as armas e disposição para utilizá-las. Do contrário, a fraqueza feminina
poderia representar
sua morte.
Davey observava e aguardava. Notou a
hesitação de Me-redith e ponderou sobre o
erro de tê-la deixado sozinha. Como tirar
vantagem da atual situação? O repentino
ci-nismo o surpreendeu. Explorava com
certa cautela o novo dom que recebera, e
não pressentia nada naquele momento. Ao
desviar o olhar, ela escondeu os
pensamentos.
— Pensei que quisesse alimentar-se. Se não
vai apro-veitar a comida, talvez uma taça
de cerveja lhe agrade.
Ele serviu a bebida. — Aceite minha oferta,
Meredith. Beba comigo. O sabor raro deste
líquido lhe fará bem.
Projeto Revisoras
— Suas palavras são doces e tentadoras,
mas ainda sinto uma certa raiva. Em sua
ausência, consegui, de algum modo,
agravar essa fúria.
Satisfeita consigo, aproximou-se, e não
pegou a taça que ele lhe oferecia.
— Compreendeu mal minha necessidade,
Davey. Iremos conversar quando estiver
aberto para me ouvir. O dom que possui é
especial, e não me lembro de tê-lo percebido
na primeira vez em que nos encontramos.
Mas preste atenção. Não queira igualar
seus talentos aos meus. Vai perder.
A revolta contida nas palavras foi
lamentável. Por que o provocava quando a
única intenção era pedir-lhe ajuda? Onde
estava sua calma natural? Eram perguntas
cujas respostas ela desconhecia.
— Pelo jeito, minha ausência também
estimulou sua raiva — Davey comentou,
indiferente.
Então sentou-se em uma das cadeiras e
esticou as pernas diante do fogo.
Encarando-a, provou a cerveja que havia
servido para ela.
— É uma mulher admirável — prosseguiu.
— Seus poderes devem ser muito fortes a
ponto de ameaçar um homem no próprio
domínio. Ousaria acreditar que é capaz de
transformar-se em uma névoa diante de
meus olhos e fugir pela janela?
— Você zomba de mim e me ameaça!
Projeto Revisoras
— Tem razão. — Davey fitou-a com frieza.
— E não tenciono desculpar-me. Já se sentiu
obcecada por alguma coisa? Eu já — ele
respondeu de pronto. — E devo a você esse
tormento.
Meredith escutou-o, sem esforçar-se para
responder. Poderia explicar que era ela
mesma quem o observava de longe a ponto
de causar tamanho tormento. Porém,
Davey não a escutaria, tampouco
acreditaria.
— Embora seja jovem, sabe quando
permanecer calada. — Ele tomou outro gole
de cerveja. — Estando eu embriagado, você
resolve aparecer e me mostrar uma espécie
de história fantasiosa.
— Por isso está com raiva?
— Em parte, adorável mulher. Somente em
parte.
— A hora de aparecer diante de você não foi
minha escolha. Negar que poderiam ser
amantes havia ferido o orgulho
do guerreiro. Contudo, era o único que
poderia ajudá-la. Se Davey optasse pela
inimizade, não a deixaria partir. A todo
custo, ela tinha de evitar qualquer
desentendimento.
Teriam os velhos sacerdotes se enganado?
Eles e Meredith haviam subestimado a
bravura de Davey Gunn?
Pesarosa, fechou os olhos. A intuição lhe
dizia que ele analisava cada movimento. A
Projeto Revisoras
tensão que Davey impunha ao clima
alertava-a quanto à qualidade tátil, outro
exímio talento para o qual não se
prevenira.
Em suas mãos, Davey tinha o destino de um
povo. Meredith conseguiria seu apoio
valendo-se dos meios necessários.
— Deseja me destruir? — perguntou, por
fim. A hesitação no tom de voz traía sua
pretensa coragem.
-Tenho esse poder?
-Somente uma tola ou uma louca
responderia à per-gunta com a verdade.
-Ora, mulher, essa resposta é mais que uma
afirmativa. — Ele sorriu.
Com um suspiro, sentou-se na cadeira
oposta a ele. Davey conseguira enredá-la. E
a responsabilidade pertencia apenas a
Meredith. Subestimará também a
disposição do homem de percorrer o
caminho que ela havia planejado.
Davey olhou a taça que segurava, e não viu
o conteúdo. Reviveu os minutos em que a
tomara nos braços. A curva das coxas em
sua mão originou o desejo de tocá-la. Os
seios representaram uma maciez sedutora.
Sentiu-se zonzo ao inspirar a delicada
fragrância. A mulher de Cymry dominara-o
com sua feminilidade, e ele não podia
ignorar o desejo que lhe aquecia o sangue.
Esse era o maior de seus problemas.
Não sabia se a confusão de emoções fazia
Projeto Revisoras
parte da estratégia de ganhá-lo como
aliado. Conhecia os jogos da sedução a
ponto de bancar o inocente para obter a
intimidade. E a recompensa seria mais que
satisfatória.
No entanto, ela o proibira de tentar
conquistá-la.
E a tentação desabrochava na deliciosa
proibição.
Davey largou a taça sobre a mesa e dirigiuse à bandeja de comida.
— Essa conversa abriu meu apetite. — Ele
pegou uma fatia de pão, partiu-a ao meio e
ofereceu a metade a Meredith. — Vamos
recomeçar partilhando este pedaço de pão.
A desconfiança aumentou quando ele
subitamente representou o papel de bom
anfitrião. Mesmo assim, Meredith aceitou a
oferta, tomando cuidado para não tocar
nos dedos de Davey. Não esquecera os
minutos em que ele a carregara. Fraca
devido às imagens do passado que
projetara, ela não tinha meios de protegerse contra as reação do próprio corpo.
Ninguém a alertara quanto a isso. Não
sabia que um homem era capaz de atiçarlhe os sentidos, acelerar a respiração,
enquanto ondas de expectativa a invadiam.
Podia sentir o rubor nas faces. Davey
significava uma distração que ela não se
permitiria viver.
As toras na lareira estalaram, levando o
Projeto Revisoras
olhar de Me-redith às chamas. Mordeu o
pedaço de pão, ciente de que ele já havia
ingerido o dele e agora escolhia uma maçã.
— Está com frio? Posso inserir mais lenha
no fogo.
— Não precisa.
— Pergunto-me por que ainda veste seu
manto.
— A roupa me conforta.
— Por que desapareceu se tencionava
retornar? E para onde foi? Meu irmão
enviou uma tropa de homens para seguir
Janet, mas ela sabia muito pouco a seu
respeito. Não é?
— Ela sabia apenas o que eu queria que
soubesse. Davey tinha certeza de que
Meredith não responderia
a mais perguntas. Cortou a maçã em quatro
com sua faca e, depois, largou a lâmina
afiada sobre a bandeja.
— Os dias que passou aqui durante a
primavera mostraram-lhe que Micheil
devolveria n espada, caso você provasse
que a arma era sua.
— De meu povo.
— Seu povo? Você o reverencia o tempo
todo. Quem são eles? Que lugar era aquele
que mo mostrou através da visão?
Uma batida à porta salvou-a de responder.
Davey atendeu ao chamado.
Um menino do uns onze anos surgiu a porta
e, maravilhado, esquadrinhou o quarto
Projeto Revisoras
luxuoso.
— Rhud — Davey alertou o garoto. -- Por
que veio até aqui?
— Lorde Micheil pediu-me que viesse buscálo. A noiva já se retirou com as outras
damas.Está na hora de o noivo recolher-se.
Alarmado, Davey atinou para o fato de que
havia esquecido o casamento do irmão.
Ficou tentado em dissuadir o garoto a dizer
que não o encontrara em parte alguma.
Mas seria injusto para com Jamie. As
turbulentas emoções em relação a Meredith
mereciam outra interrupção para que ele
pudesse, de novo, clarear a mente.
— Diga a Micheil que já vou.
No instante em que a porta se fechou,
Davey levantou-se. Aproximou-se de
Meredith e acariciou os cabelos negros.
Podia jurar que ela estremeceu ao toque.
— Espere-me aqui — ordenou. — Para ter
certeza de que não vai desaparecer
novamente, vou levar isto comigo.
Meredith observpu-o pegar a espada. Viu
também o brilho ameaçador dos olhos
castanhos antes de ele se retirar.
Era a primeira vez, desde que adentrara a
terra dos Gunn, que conseguia respirar
aliviada. Mas, de repente, escutou o ruído
da chave na fechadura.
Davey a trancara no quarto. Ele se atrevia
a pensar que uma porta bem fechada
poderia prendê-la! Que ousadia!
Projeto Revisoras
CAPITULO IV
Dessa vez, Davey não passou desapercebido
pelo salão. Riu de deboches e zombarias, e
retrucou no mesmo tom de brincadeira.
Suas palavras perderam-se no rompante de
gargalhadas que deixou para trás. Subiu,
apressado, a escada que levava ao quarto
de Jamie. Estava ansioso para finalizar
aquela obrigação e voltar a Meredith. Ao
atingir os últimos degraus, foi forçado a
encostar-se na parede para dar passagem
às mulheres do clã que desciam.
— Corra, Davey, ou não terá tempo de
desejar felicidades a seu irmão.
— É verdade — confirmou outra. — Jamie
está impaciente.
— Davey, rapaz! — Crisdean chamou-o. —
Por onde andava? Abri um barril de cerveja
para nós dois e tive de bebê-lo sozinho.
Davey sorriu, abraçou o melhor amigo de
seu irmão, mas nada respondeu. Trocou
alguns gracejos com outros companheiros
que ali se encontravam: Marcus e Gabhan
com as respectivas esposas; Colin, que se
postava diante da porta do quarto. Esses
Projeto Revisoras
homens haviam atingido a maturidade com
os irmãos Gunn e eram considerados da
família.
O aposento nupcial fora decorado com
flores. Seana, sua irmã por casamento,
havia colhido flores e ervas em seu jardim
para aromatizar o ninho de amor dos
recém-casados. O chão e as cobertas
estavam repletos de pétalas. Jamie e
Gilliane achavam-se na cama, e a noiva,
com as faces ruborizadas, fitava o perfil do
marido.
— Enfim, eles o encontraram — Jamie disse
ao ver o irmão caçula surgir à porta. —
Entre. Deseje-me alegria esta noite e vá
embora.
— Depressa, Davey, pois a impaciência de
Jamie aumenta a cada segundo.
— Mas, Micheil, sempre desejei o melhor
para o casal.
— Sirvam uma bebida ao rapaz — Jamie
ordenou. — Nosso irmão já está sóbrio.
Micheil, sem condições de julgar, fitou
Davey. Não podia ler a expressão do irmão.
Silencioso, ele estendeu o cálice de ouro, a
peça tradicional do chefe do clã desde as
Cruzadas.
Houve outra sessão de pilhérias entre os
homens e as mulheres. Porém, ninguém
ousou desrespeitar a intimidade dos noivos.
Micheil e Seana formavam um belo casal,
assim como Jamie e Gilliane.
Projeto Revisoras
Enquanto os outros se retiravam, Davey
ergueu o cálice.
— Amor, alegria e vida longa aos dois. Que
o rei permita a adoção das três meninas
antes que Gilliane carregue seu primeiro
rebento nos braços. — Ele bebeu o conteúdo
do cálice e trocou olhares cúmplices com
Micheil. O chefe do clã havia despendido
uma grande quantia para que a adoção
acontecesse o mais rápido possível.
Davey surrupiou duas laranjas raras da
bandeja de frutas e nozes, e saiu antes que
Micheil pudesse impedi-lo.
No fim da escada, diminuiu os passos a fim
de evitar os convivas que ainda bebiam e
cantavam no salão. Man-tendo-se às
sombras das velas e tochas, ele se esgueirou
até a torre do outro lado.
Olhou para cima, espantado com a
escuridão. Não se ausentara por tantas
horas a ponto de as tochas se apagarem.
Não perdeu tempo à procura de
iluminação. Começou a subir e, antes da
segunda sequência de degraus, dete-ve-se
para pegar a lâmina de aço que deixara
escondida em uma vala da parede.
Não encontrou a espada. Ninguém subiria
naquela torre, já que a festa se dava no
salão. Logo, quem pegara a espada?
A mulher... Eliminou a possibilidade. Ele a
tinha trancado na câmara.
Um barulho no pavimento superior
Projeto Revisoras
chamou-lhe a atenção. Com suas longas
pernas avançou a cada dois e três degraus.
Sentia o coração bater disparado. O temor
aumentava a circulação do sangue em seu
corpo. O instinto de guerreiro alertava-o
quanto ao perigo.
Davey lembrava de ter pego a faca antes de
sair, embora fosse ineficiente em uma luta.
Mas, em honra ao casamento do irmão, não
podia portar armas. Lamentou não estar
com a poderosa espada, sua mais nova
aquisição. Surpreendeu-se com o
sentimento de posse em relação à valiosa
espada. Com ela poderia proteger sua
donzela.
Proteger sua donzela. A certeza da
constatação revelava-se a cada passo. Ele
parou antes do último lance de escada e
escutou, sem ousar respirar.
Um silêncio sepulcral envolvia o espaço à
frente. Mesmo os ruídos da festa haviam
desaparecido.
Davey colou-se à parede e percorreu os
últimos degraus. Havia apenas escuridão.
O receio dominava-o.
Use seu dom, Davey,
A voz melodiosa de Meredith reverberou em
sua mente. Conteve o medo com fria e
calculada fúria. Iria estraçalhar aquele que
se atrevia a feri-la.
Respirou fundo. Usaria o dom para se
esgueirar entre as sombras. Sabia, sem ver,
Projeto Revisoras
que a porta, outrora trancada, agora
estava aberta.
E pressentia que a morte o aguardava.
A respiração tornou-se lenta. O corpo
preparou-se para a batalha. Aguçou os
sentidos a fim de enfrentar a escuridão.
Haveria apenas um homem morto,
prometeu a si mesmo ao jogar-se no chão. O
som estridente do metal colidindo na
parede o fez rolar pelo assoalho do quarto
em movimento contínuo. Davey supôs que
alguém lhe atirara uma faca e, caso
entrasse no cômodo sem prevenir-se, a
lâmina teria atingido seu peito.
O olhar sagaz mostrou-lhe que o fogo havia
sido apagado. Mas Davey tinha a vantagem
de conhecer cada móvel daquele quarto.
Prendendo a respiração, tentou ouvir algo
que delatasse a presença do intruso. Não
lhe passou pela cabeça que pudesse ser
Meredith quem o assaltara com a faca.
Em um canto, abaixo da janela, um brilho
prateado surgiu e desapareceu segundos
depois. Davey imaginou que fosse Meredith
avisando-lhe que estava com a espada.
Sua espada. Mas a mulher não tinha a
permissão de matar.
Pensar nela era uma distração à qual
Davey não poderia sucumbir. A total
imobilidade de Meredith o intrigava.
Estaria ela ferida, amarrada e
amordaçada?
Projeto Revisoras
A aguçada percepção o fez sentir outra faca
atravessar o ar, próxima a seu rosto. Um
gesto ligeiro salvou-o de um ferimento.
Davey girou, tateando a escuridão para
encontrar o homem. Tinha certeza de que
era um homem. Sentia um forte odor de
cavalo, suor e poeira no canto da cama, o
lado oposto onde acreditava estar
Meredith.
Mal conseguia controlar a revolta por
alguém atrever-se a atacá-lo em seu lar.
Precisava contar com a própria força em
vez de preocupar-se com sua faca. Apesar
de afiada, a lâmina não poderia matar.
Mas Davey possuía certos talentos. Na
infância, costumava usar um truque para
provocar os irmãos.
— Pare! — gritou e com um movimento sutil
do corpo, pronunciou repetidas vezes a
palavra em tom de voz mais baixo, de forma
que seria impossível discernir de onde
surgia o som.
Em poucos minutos, ele circundou a presa e
aproximou-se. Escutou a respiração
ofegante do homem e o consistente odor do
medo indicou-lhe a eficiência da artimanha
infantil.
Davey colou-se à parede, segurando a
respiração. Sentiu o invasor em posição de
ataque e notou quando este virou o corpo à
procura de quem o assombrava na
escuridão.
Projeto Revisoras
Devagar, Davey pegou o castiçal. Então,
embainhou a faca e segurou o pesado metal
com as duas mãos. Virou-se quando o
homem identificou o perigo.
Faíscas pipocaram quando o aço chocou-se
com o ferro. Em um gesto ágil, Davey usou
o castiçal para abater as pernas do homem.
O resultado foi a queda da espada e um
grito de dor. Ele voltou a espancá-lo. —
Bastardo!
Davey lançou-se em direção à voz que o
insultava, mas já era tarde. Escutou o
intruso escapar. Fez menção de persegui-lo,
mas lembrou-se de que precisava verificar o
estado de Meredith.
Pelo tato, localizou a tigela que continha
pedaços de quartzo. Esfregou a lâmina da
faca na pedra, na esperança de causar
faíscas. A impaciência não o ajudava.
Jogou cerveja na lareira e tentou em vão
reacender o fogo. Praguejando, Davey
procurou a vela que havia caído no
assoalho. Em minutos, conseguiu uma
chama. — Santo Deus! — exclamou.
Meredith encontrava-se no canto abaixo da
janela, tal qual ele pressentira. As mãos e
os pés estavam amarrados, e a boca
amordaçada. Mas a mente diabólica acrescentara um detalhe fatal para mantê-lo
imóvel.
O punho da espada fora atado às mãos e a
ponta da lâmina mirava o pescoço alvo.
Projeto Revisoras
Quando se aproximou, Davey reparou que
ela tentara alertá-lo quanto ao perigo, pois
havia um corte na pele. A fúria irascível o
consumiu. A visão tornou-se turva e as
mãos tremiam tanto que a chama da vela
formava uma dança de sombras nas
paredes. A paralisia durou somente alguns
minutos. Ele correu para acender as outras
velas do quarto.
Cuidadoso, usou a faca para cortar os
trapos que a prendiam à espada. Nem
sequer ligou para a preciosa lâmina que
jogou no chão. Desatou a mordaça.
Ficou colérico ao divisar o arranhão no
rosto de Meredith. Tocou o corte
avermelhado com a ponta dos dedos,
jurando que o responsável iria pagar com a
vida. Então ajoelhou-se para libertar-lhe os
pés.
Ao se levantar, ela jogou-se em seus braços.
O violento tremor de Meredith o levou a
apertá-la contra si. Queria sussurrar
palavras de conforto, mas estaria mentindo
caso o fizesse. A ameaça ainda pairava
sobre eles.
Controlando a raiva, Davey acomodou o
rosto de Meredith sobre o ombro. Evitava, a
todo custo, fitá-la. Não poderia suportar o
brilho acusatório dos olhos cinzentos,
responsabilizando-o pelo acontecido.
Trancara-a naquele quarto deixando-a
vulnerável.
Projeto Revisoras
— Não — ela murmurou.
Meredith era capaz de ler pensamentos com
facilidade. Davey a abraçou com tanta
força que ela engasgou. Sussurrou um
pedido de desculpas, enquanto tentava
ignorar o doce calor daquele corpo. Ajudoua a deitar-se na cama e cobriu-a com uma
coberta.
— Fique deitada — mandou. — Vou buscar
alguém para lhe fazer companhia. E juro
que dessa vez estará segura.
— Espere. — Meredith segurou-o pelos
braços. — Tome cuidado, Davey. Não sabe
quem está perseguindo.
— Sei, sim. É somente um homem. Não foi
seu fabuloso poder que ocasionou esse
pesadelo. Como ele conseguiu amarrá-la?
— Eu adormeci.
— Pois então, tente dormir de novo. — As
palavras de Davey foram tão bruscas
quanto sua saída.
Não queria conversar com ela naquele
momento. Receava revelar sua ira.
Tampouco desejava permanecer ao lado de
Meredith, porque a necessidade de abraçála ameaçava a vontade absurda de caçar o
assassino.
Davey desceu correndo a escada. Tinha de
acordar Micheil e seus homens. Não podia
mais ocultar a história de Meredith; seu
irmão exigiria saber tudo antes do
amanhecer.
Projeto Revisoras
Nesse ínterim, Meredith pulou da cama
para ir atrás dele. Após dois passos,
tropeçou na espada. Pegou-a e pressionou o
punho da arma nos lábios.
— Cuidado, Davey, cuidado — murmurou,
sabendo que era o lacaio de Owain ap
Madog que Davey perseguia.
Entoou um canto de proteção, embora sua
fraqueza a prejudicasse. Não conseguia
parar de reviver os minutos em que
permaneceu com a espada em sua
garganta.
As lembranças foram interrompidas pelo
som de passos na escada. Notou que Davey
enviara a esposa do chefe para assisti-la.
Depois de ordenar aos dois homens
armados que montassem guarda na porta,
Seana entrou no quarto, sem nem sequer
expressar um leve sorriso de boas-vindas.
— Ficarei aqui com você até meu marido e
Davey voltarem. Reze para que não lhes
aconteça nenhum mal.
Meredith não se defendeu. Abaixou a
cabeça e, ainda segurando a espada,
retornou à cama para esperar.
CAPITULO V
Projeto Revisoras
Movidos pela fúria, os homens do clã saí-ram à procura daquele que atacara o irmão
do chefe. Horas depois, reuniram-se no
salão sem encontrar vestígio do invasor
nas dependências do castelo e nas
imediações.
— O homem não pode ter evaporado no ar!
— Davey bradou aos companheiros,
completamente frustrado. — A maioria está
cega de tanto beber. Uma ovelha passaria
diante de vocês e nem sequer a veriam!
— Calma, Davey — Micheil aconselhou-o.
Na verdade, não sabia quem precisava se
acalmar mais, ele ou o irmão! — Podem se
recolher — ordenou aos homens. — Não há
nada a fazer por enquanto. Ao amanhecer,
iniciaremos uma nova busca.
Acatando as palavras do irmão, Davey
assentiu. Fez menção de retornar à torre,
onde deixara Meredith, mas Micheil o
interceptou.
— Espere um momento, Davey. Como foi
que tudo aconteceu?
De forma breve, ele contou a Micheil que
Meredith aparecera para reclamar a
espada. Porém, não revelou a forte atração
que sentia pela mulher, nem a imagem
tenebrosa transmitida pela visão.
— Ela alega que a espada pertence a seu
povo, e acredito nela — Davey concluiu.
— Se não fosse minha terrível dor de
cabeça, eu faria questão de ouvir detalhes
Projeto Revisoras
dessa história relatada por ela.
— Siga as próprias ordens, Micheil. Verei o
que mais ela tem a dizer. Vá dormir.
— Antes preciso buscar minha esposa.
Mandei-a vigiar a mulher. — Abraçando o
irmão pelos ombros, Micheil acompanhouo. — Felizmente, Jamie não acordou.
— Mandei avisá-lo que tudo estava bem. E
também não quero atrapalhar a noite
nupcial que ele tanto almejou. Muito menos
desejaria aborrecer minha irmã por
casamento roubando-lhe o marido no
primeiro encontro romântico após o
matrimônio.
— Tem razão, Davey, a ira de uma mulher
recém-ca-sada pode ser nossa ruína.
O silêncio amistoso com o qual Davey e
Micheil subiram a escada, em direção aos
aposentos onde Meredith os recebeu, foi
interrompido pela aflição da jovem.
— Você o achou?
— Não tema — Micheil disse para
tranquilizá-la. No entanto, Davey sabia que
a pergunta fora direcionada a ele.
— Não encontramos nem um sinal dele.
Com um suspiro de alívio, Meredith voltou
a sentar-se na cama. Davey, de repente,
sentiu-se incomodado. Reparou então que
Seana, embora permanecesse calada,
mostrava-se extremamente tensa. Observou
os dois homens que montavam guarda à
porta e se questionou se eles garantiram
Projeto Revisoras
que as ordens de Micheil fossem seguidas.
Esfregou a nuca com intenção de eliminar a
própria tensão. Enganara-se ao suspeitar
de Meredith. Se almejava roubar a espada e
fugir, ela poderia tê-lo feito a despeito da
porta trancada. A menos que a intenção de
matar Davey estivesse ligada ao fato de ela
possuir a espada.
Sabendo que as suposições o deixariam
mais confuso, resolveu romper o silêncio.
— Como já perdi o sono, gostaria de ouvir o
resto de sua história. Principalmente se
souber quem a atacou.
— Também quero escutar sua versão —
Micheil disse,. sentando-se ao lado da
esposa.
— Amor, já é tarde — Seana protestou. —
Não pode esperar até amanhã?
— Micheil é livre para fazer o que quiser.
Quanto a mim, pretendo me colocar a par
de todo esse mistério.
Davey encostou-se na parede e dirigiu-se a
Meredith.
— Já contei a meu irmão que veio buscar a
espada pertencente a seu povo em priscas
eras — ele começou. — Também expliqueilhe sua primeira visita e a necessidade de
adiar a devolução da espada quando soube
que nossa tia havia sido raptada. Micheil
entendeu que não tenciona ignorar os
sérios problemas que ocorriam na época.
Meredith compreendeu que Davey a
Projeto Revisoras
alertava quanto ao que relatara a Micheil.
Ela voltou-se ao chefe do clã, mas não pôde
encarar Seana devido ao brilho desconfiado
nos olhos da mulher.
— Davey lhe contou a verdade. Sei que a
espada representou um prémio de guerra,
centenas de anos atrás. Mas a arma possui
um significado especial para meu povo e
vim recuperá-la.
— É estranho que essa missão esteja a cargo
de uma mulher — Micheil comentou, de
olhos fechados.
— Sou a última sobrevivente de meus
ancestrais. A espada nos foi dada e, em
seguida, roubada. Desde então, é nosso
objetivo resgatá-la.
O significado daquela declaração era
perfeitamente claro para Davey. O que ela
lhe mostrara acerca do passado fora real,
não uma bruxaria. Portanto, estaria ele
também encarregado de recuperar a
espada? Esfregou a nuca outra vez, na
tentativa de relaxar. A explicação de
Meredith não foi suficiente para esclarecer
os fatos misteriosos que a envolviam e o
assalto de que foi vítima. Pelo contrário, os
eventos levantaram mais suspeitas.
— Entendo a importância de sua missão,
mas o que me intriga é você ter vindo
sozinha — Micheil declarou.
— Não pretendia alarmá-lo.
Davey encarou o irmão. Onde ele queria
Projeto Revisoras
chegar?
— Talvez. A verdade é que você foi rendida
e meu irmão, atacado.
— Essa é a questão, Micheil — Davey
interveio. — O que desejava o intruso? Não
houve tempo de roubar a espada. Ou de
matá-la — acrescentou, encarando Meredith que respondia ao interrogatório em
plena tranquilidade. — Ele veio atrás de
minha morte?
— Sim — ela respondeu. Micheil abriu os
olhos.
— Por que ele desejaria a morte de meu
irmão? O que Davey tem a ver com você e a
espada?
Meredith fitou os frios olhos azuis de
Micheil e o semblante enigmático de Davey.
Existia uma forte semelhança entre ambos.
Os irmãos suspeitavam dela. Davey
permanecia de braços cruzados e não havia
calor em sua expressão.
Angariando coragem, ela prosseguiu:
— Do awenyddion, como os profetas são
chamados em nossa língua, surgiu uma
profecia. Em tempos remotos, meu povo
recebeu quatro presentes sagrados para
ajudar a combater o mal que atemorizava
nossa gente. Vocês são livres para acreditar
ou não nesta história — Meredith pontuou.
— Os presentes serviam para salvar um
inocente que foi morto ao tentar aplacar a
queimada de nossas florestas, a peste dos
Projeto Revisoras
animais e a escravidão de homens,
mulheres e crianças sacrificados pelos
romanos.
Conforme as lembranças surgiam,
Meredith sentia-se vacilar. Juntou as mãos
para continuar.
— Os presentes foram dados a nossos
sacerdotes, e estes ficaram incumbidos de
encontrar aqueles entre nosso povo que
usariam as dádivas com sabedoria. Mas o
aparecimento de centenas de romanos
mudou o rumo da história e muitos de nós
foram subjugados a eles. Outros tantos
escaparam e vieram para as terra no norte,
trazendo crenças antigas. Nossos presentes
se perderam, roubados para despojo de
guerras. Esta espada é o primeiro pois, sem
ela, não há como recuperar os demais. O
tom de voz modificou-se quando ela contou
a pequena mentira.
— Minha missão é solitária — Meredith
completou para o benefício de Micheil. —
Vim sozinha até seu castelo, mas sei que fui,
seguida. Cabe a mim recuperar a espada
em minha jornada. Contudo, preciso de um
guerreiro capaz de empunhar essa arma.
— E quanto aos outros? — Davey perguntou
depressa a fim de impedir que Micheil a
questionasse. — Quais são os outros
presentes?
Atenta, Meredith não conseguiu ler os
pensamentos de Davey. Concentrou-se para
Projeto Revisoras
responder.
— Não devemos saber? — ele indagou.
— A espada que você segura é a Espada da
Justiça. Foi forjada por um homem especial
que jamais perdeu uma batalha com esta
arma nas mãos — ela respondeu. — Há o
Cálice da Verdade. Qualquer líquido que ele
contenha será capaz de extrair a verdade de
quem nele beber. E a crwth, a harpa que
emite uma melodia poderosa capaz de
adormecer aqueles que a escutarem.
Pausando, Meredith perguntou-se quanto
mais poderia revelar sobre a harpa. Em
mãos inábeis e sem o feitiço para liberar
sua magia, não passava de um simples instrumento musical. Por fim, decidiu ocultar
tal informação.
— E o último? — Davey apressou-a.
— Um anel que protege de qualquer
maldade aquele que o usar.
Distraída, esfregou o nó sem emendas de
seu anel de prata, uma oferenda dos
sacerdotes após um feitiço de proteção.
Infelizmente, a jóia era inútil se usada
contra outro druida ou feiticeiro.
— Você se refere a tempos arcaicos e
presentes remotos — Micheil concluiu com
frieza. — Por que só agora resolveu
reivindicá-los?
Havia dúvidas nos olhos do chefe. Meredith
fitou Davey que observava a espada. Seana
desviou o rosto.
Projeto Revisoras
— Bem, você tem um motivo plausível? —
Micheil insistiu.
— É a primeira vez em séculos que os
presentes foram encontrados — Meredith
replicou.
— E esse guerreiro de que necessita é meu
irmão caçula, Davey.
— Sim, seu irmão foi o escolhido.
— Escolhido? — Micheil confrontou Davey.
— Você sabia disso e não me comunicou?
— Não houve tempo, Micheil.
Meredith podia sentir o arrependimento de
Davey por ter mentido ao irmão. A bem da
verdade, a omissão representava uma
mentira. Ficou espantada ante o profundo
tormento de Davey.
— Acho que não compreendi, Davey. Você
concorda com tudo isso?
— Não concordo nem discordo, Micheil.
Também quero ouvir o que Meredith tem a
dizer. Posso brandir a espada. Ela parece
ter sido feita para mim.
Davey aproximou-se.
— Veja você mesmo. É uma arma para um
homem, irmão. E quando Micheil tentou
pegar a espada, Davey recuou.
— Pode examiná-la sem precisar tocá-la.
Micheil cerrou os dentes e estudou o
intrincado desenho. A resistência de Davey
o desagradava. E o desagrado afiou sua
voz.
— Diz não concordar ou discordar com a
Projeto Revisoras
mulher e sua necessidade de um guerreiro.
No entanto, Davey, você considera sua esta
espada. Não seja reticente e espere que eu
aceite o fato passivamente, sem questionar.
— Quando eu quiser ouvir um sermão,
Micheil, irei procurar um padre.
— Olhe a mulher quando falar em aceitação
passiva, Micheil — Seana protestou e
agarrou o braço da cadeira como se assim
pudesse reprimir o ataque a Meredith. —
Sua maneira dócil e dissimulada está
colocando-o contra o próprio irmão.
— Não é verdade! — Meredith gritou e
encarou Seana, incrédula.
Então, fechou os olhos cinzentos. Sentiu um
tremor repentino ao perceber a intensidade
da raiva que ameaçava o autocontrole. Os
anos de terror, caçando e sendo caçada, a
pesarosa solidão e as infindáveis dúvidas
que a consumiam pareceram emergir
naquele instante.
Voltou a encarar Seana.
— Como ousa? Por que me acusa de dividilos? Esse jogo pertencia a você no início. —
Meredith chocou-se com o próprio
conhecimento. — Seduziu Davey para que
ele traísse o irmão. Sim, agora são um
casal, mas não eram na época. Não tenho a
intenção de magoar ninguém. Disse a
verdade sobre a espada. A tarefa de
recuperar esses presentes foi imposta a
minha família. Não quero nada de vocês, a
Projeto Revisoras
não ser o que pertenceu a meu povo.
Davey assimilou o significado das
palavras. Minha família. Se a visão fosse
verdadeira... Era, sim, não podia negar.
Micheil levantou-se, no entanto, Seana
segurou-o pelo braço para impedi-lo. Davey
olhou Meredith. Ela ergueu as mãos a fim
de defender-se de um suposto ataque de
Micheil.
Alguns segundos se passaram antes que ela
atinasse para o que fazia. A raiva corava o
lindo rosto e os olhos tornaram-se
enegrecidos. O movimento rápido do busto
indicava a respiração ofegante. Davey
notou também um detalhe acima do corte
curvo do vestido: um arabesco azul.
— Basta! — A voz de Micheil reverberou pelo
quarto. Não admitia que aquela mulher
desconhecida se referisse a ele e a esposa
com tamanha desfaçatez.
Beligerante, Davey postou-se entre
Meredith e o irmão.
— Contenha-se, Micheil. Não vai machucála. Você e Seana não a acusarão de trazer
desgraça a nosso domínio.
— Está contra mim, Davey? Esqueceu-se...
— Não me esqueci de que você é meu irmão
e amigo. Mas estou aqui para protegê-la.
Micheil observou o irmão, tão orgulhoso
quanto Lúcifer.
— Davey, não tome resoluções precipitadas.
Você não a conhece. E não quero vê-lo
Projeto Revisoras
contra mim.
— Controle sua ira — Seana interveio. — Já
é tarde e estamos todos cansados. Por
favor, Davey — suplicou ao ver que ele não
se movia. — Falei sem pensar. — Era a única
desculpa que ela podia oferecer.
— Pela manhã decidiremos o que deve ser
feito. — Micheil ofereceu a mão à esposa.
Davey sentiu o toque de Meredith. Assentiu
e esperou o irmão se retirar em companhia
da esposa. Quando a porta se fechou, ele
sacudiu a cabeça como se acordasse de um
transe.
— Sente-se perto do fogo, Davey. Eu disse a
verdade. Nunca quis me colocar entre você
e seu irmão.
— Não foi a primeira vez, nem será a
última — ele replicou, esticando as pernas
diante da lareira. — Micheil carrega um
pesado fardo desde que nosso pai morreu.
Mas não quero falar de meu irmão. Digame quem a atacou.
Meredith serviu uma taça de vinho para
ambos.
— Ele se chama Owain ap Madog.
Ambiciona usurpar os quatro presentes
para objetivos maléficos. Não foi ele quem
esteve aqui, mas sim um de seus lacaios.
Owain deve ter prometido riquezas e poder
ao pobre.
— Há mais, tenho certeza — Davey afirmou
quando ela virou o rosto.
Projeto Revisoras
— Sim. Owain foi criado pelos druidas
remanescentes de meu povo. Ao perceberem
a ambição desmedida e a maldade de
Owain, eles o renegaram. Tentei dizer-lhes
que era tarde demais e que não deveriam
libertá-lo. Não quiseram me ouvir. Owain
conhece a missão que me foi imposta e está
determinado a obter cada dádiva para si.
Ele também me quer, porque possuo a
chave que irá liberar o poder mágico dos
presentes.
— Chave? — Davey perguntou.
— Sim. É um feitiço para encantar a magia.
— Você escutou o que eu disse diante de meu
irmão e sua mulher. Considero-me seu
protetor. Não retiro minha promessa.
— Davey...
— Não — ele a calou. — Deixe-me terminar.
Não sei se você me enfeitiçou ou se aceitei o
cargo por livre e espontânea vontade. Mas
mantenho a palavra. Eu a seguirei aonde
quer que vá.
— Juro que não usei nenhuma artimanha
para induzi-lo! Enquanto analisava o
comportamento de Meredith, ele
sorriu. A honestidade era fascinante. E a
voz encantada tanto o excitava quanto o
acalmava. No entanto, não era somente o
aspecto adorável que o impelia a protegêla. Ele entendia a forte determinação de
enfrentar grandes obstáculos.
Não ignorava o desejo, mas naquele
Projeto Revisoras
momento satisfazia-se em manter apenas a
brasa da paixão. Ela lhe pertencera, e lhe
pertenceria de novo. Davey tinha certeza
disso.
— Micheil e Seana estão certos. — Davey
levantou-se e segurou-lhe as mãos. — Tente
descansar esta noite. Sei que está pronta
para iniciar sua jornada e não o fará
sozinha.
— Você vai arriscar sua vida — Meredith
preveniu-o. Ele ajudou-a levantar e beijoulhe a ponta dos dedos.
Manteve-se atento aos olhos reluzentes,
como se pudesse descobrir alguma mentira
naquela profundidade cinzenta.
— Nenhuma vida vale a pena se não há
riscos. E por você eu arriscaria tudo.
Sem que ela pudesse evitar, Davey segurou
o rosto delicado e cobriu os lábios carnudos
com os dele. De início, Meredith sentiu certa
ternura e os sentidos pareceram elevar-se.
Havia calor do toque sensual. A essência
masculina tornou-se nova e familiar ao
mesmo tempo.
Com um gemido de dor e prazer, ele
aprofundou o beijo. Era exigente mas
gentil, cruel mas carinhoso. Uma confusão
de sensações dominou-a. A necessidade
abrasadora forçou-a a inclinar a cabeça e
os braços fortes apertaram-na ao corpo
viril.
Ele a beijava nos lábios, nos olhos, nas
Projeto Revisoras
têmporas e retomava a boca rubra,
sugando-a. Tal qual o vinho que tinham
bebido, Davey provou uma docilidade
tóxica, com uma subentendida paixão que
podia destruí-la.
Os dons mágicos desertaram. Não tinha
vontade própria. Somente o perigo
prevalecia e uma crescente necessidade de
detê-lo.
— Você me assombrou esse tempo todo —
ele murmurou, beijando a curva do pescoço
alvo. — Você, sua voz e esses seus olhos
enfeitiçados. — Davey mordiscou o lóbulo
delicado, enviando ondas de calor ao corpo
de Meredith. — Arriscarei tudo para tê-la
outra vez — sussurrou e pressionou-a
contra si.
Meredith o desejava, mas lutava contra a
proximidade e a inevitável resposta de seu
corpo, que se derretia com o contato
vigoroso do guerreiro.
— Eu lhe imploro. — Ela agarrou-o pelos
ombros para empurrá-lo. — Pense, Davey!
Pense no que aconteceria!
— berrou, apavorada. — Destruiria a mim e
a meu povo? Você tem esse poder!
Ofegante, ele ergueu o rosto. Segurou-a
pela nuca e acomodou-a entre os braços.
Abraçou-a com tanta força que Meredith
sentiu o tremor nas mãos e as batidas
frenéticas dos dois corações.
— Davey — sussurrou. — Ainda há tempo.
Projeto Revisoras
Salve-se. Não me acompanhe. Se não
controlar esse desejo, você irá aniquilar
todas as esperanças que dão sentido a
minha vida.
— É você quem precisa de mim para
empunhar aquela espada!
— Exato. Falei a verdade.
Ele afastou-a, sem lhe soltar os braços.
— Eu fiz uma promessa, Meredith. Irei e a
ajudarei. Porém, no final, quando tudo for
devolvido a seu povo, você será minha.
Meredith não sabia o que responder. Um
dia, até mesmo uma hora atrás, envolvida
pelo beijo, ela teria sabido como
argumentar. Entretanto, ainda sentia o
sabor de Davey e o calor do vigor másculo.
Perderia a força da magia e nenhum poder
seria útil, se ela se entregasse.
Mas Davey se referia a uma promessa
futura. Poderia ela negar-lhe?
— Se não me der uma resposta, não serei
responsável pelo que vier a acontecer hoje à
noite.
Havia paixão no tom de voz e uma ameaça
perigosa. Meredith fitou os traços do belo
rosto.
— Dou-lhe minha palavra de que, quando os
presentes forem entregues aos sacerdotes
para que se realize a profecia, farei o que
deseja. Peço-lhe, porém, Davey, que não me
tente. Sem meus poderes não poderei
reaver nada. E em sua consciência ficará a
Projeto Revisoras
destruição do sonho de unificar as terras de
meu povo. E, se isso acontecer, estarei
contra você. Não subestime minha força,
porque posso arruinar qualquer um que
cruze meu caminho.
Os olhos castanhos adquiriram um brilho
sombrio.
— Eu a quero, Meredith — ele consolidou,
com a voz rouca. — Sim, eu a desejo como
jamais desejei outra mulher. Diz a lenda
que os Gunn são assim. Quando avistam
uma donzela que lhes agrada, nada no
mundo os impede de conquistá-la. Eu a
quero de corpo e alma.
Na tentativa de se controlar, ele respirou
fundo.
— Escutei o que disse. Que assim seja —
Davey proclamou, solene.
— Não se esqueça disso, Davey.
— Vamos selar nossa promessa com um
beijo, Meredith. E ele conseguiu o que
queria, deixando-a enlevada.
Instantes depois, Davey soltou-a e saiu.
Ainda trêmula, Meredith sentou-se na
cama. Havia obtido o que queria: um
guerreiro para protegê-la e ajudá-la. Mas
ele levara consigo a preciosa espada. E
sabia, a despeito das belas palavras, que
Davey não confiava nela.
Projeto Revisoras
CAPÍTULO VI
- Micheil tem razão! — Jamie exclamou,
frustrado. — É insensato acreditar e
desastroso confiar nela. Sim, eu sei —
acrescentou, resignado. — Foi seu bom
senso que o ajudou a decidir. Mas pense,
irmão. Raciocine. Não sabe se o que ela diz
é verdade. A mulher pode levá-lo à morte.
— Acha que sou tolo e jovem demais a ponto
de me deixar enganar? — Davey perguntou,
fitando o pátio interno.
A imensa abertura da janela praticamente
unia o salão ao pátio. Ele temera aquele
confronto e, no entanto, nada fizera para
evitar os irmãos naquela manhã. Até
realizara o desjejum com eles, tal qual
evidenciava a mesa ainda repleta de
comida.
— Receio que nosso irmão caçula esteja
apenas querendo me criar problemas —
Micheil comentou, fatiando uma maçã.
O comentário atiçou Davey.
— É assim que me vê? Como seu irmão
caçula?
— Ele não quis insultá-lo, Davey — Jamie
apressou-se. Desde que soubera do ocorrido
na noite anterior, Jamie
tentava manter a harmonia entre os dois
Projeto Revisoras
irmãos. Ficou furioso por ninguém tê-lo
chamado. Como sucessor, todas as questões
de segurança referentes às terras dos Gunn
eram de sua responsabilidade. Gilliane
teria entendido.
Ele possuía uma posição de destaque no clã
e pretendia mantê-la no papel de líder de
guerra.
— Pouco importa. Não vou mudar de ideia.
Dei ordens para que um cavalo seja selado
com provisões e também meu garanhão.
Não levarei Jennet e Cudgel. Ela está
prenhe, portanto, não quero prejudicar os
filhotes.
— Micheil está certo! Você está fazendo isso
apenas para provocá-lo!
Impaciente, Jamie sentou-se na cadeira e
serviu-se de cerveja. Bebeu rápido para não
gritar com Davey. Brigas coléricas não
resolveriam. Trocou olhares com Micheil,
que parecia incerto quanto ao que fazer.
Não desejavam que Davey se aventurasse
com uma donzela desconhecida, apesar da
veemência do rapaz.
— Talvez não — Micheil ponderou. — Talvez
Davey saiba mais do que nos contou.
Jamie encarou Davey.
— Por exemplo?
— Pense no que ele nos disse. Sabemos
muito pouco sobre a história dessa mulher,
Jamie. Não tenho dúvidas de que Davey nos
contou a verdade, mas temo que nosso
Projeto Revisoras
irmão tenha revelado somente parte desta
verdade. O mais importante permanece
oculto.
O julgamento de Micheil surtiu efeito.
Ruborizado, Davey confrontou o patriarca
do clã.
— O que mais eu poderia lhes dizer?
Partirei para ajudá-la como jurei que o
faria. Podem me dar alguma segurança de
que nada de ruim irá me acontecer?
— Nunca imaginei que precisaria de um
alicate de ferreiro para arrancar
informações de meu próprio irmão.
— Ora, Micheil, está falando como nosso
pai.
— Sim, Davey, é verdade. Mas Micheil
aventou um detalhe fundamental. Você está
escondendo algo de nós.
— O que vocês querem? — Davey
esbravejou, indignado com a interferência
dos irmãos. — Já lhes disse tudo que sei.
Preferem que eu invente histórias
fantasiosas?
— Nunca minta, Davey. Jamais pediria isso
a homem nenhum — Micheil pontuou.
— Nem eu — Jamie acrescentou, acenando
para Davey se aproximar.
Enfim, ele respirou aliviado. Odiava
desavenças com os irmãos, principalmente
após o que haviam passado juntos. Notou,
de repente, que mantivera os punhos fechados por tanto tempo que os dedos
Projeto Revisoras
começavam a doer. Flexionou as mãos para
relaxar.
— Toda minha vida — Davey proferiu,
caminhando até a mesa — vivi à sombra de
vocês. Brigamos e discutimos, mas sempre,
Micheil, é você quem dá a última palavra. E
Jamie, como sucessor, determina questões
que envolvem guerra. Não há nenhuma
posição especial para mim. Quero fazer isso
e o farei. Estamos acertados?
Havia um brilho distinto nos olhos e uma
firmeza na voz quando Davey postou-se
diante de Jamie e Micheil. Despejou cerveja
em um cálice.
— Vamos beber a meu sucesso? Ou minha
partida será amarga?
— Deixe-me mandar alguns homens com
você — Jamie sugeriu em vão.
— Não. Eu e Meredith iremos sozinhos.
— E que tipo de perigo esse Owain ap
Madog representa? Se ele ousou enviar
alguém para invadir minha fortaleza a fim
de capturar a mulher e a espada, suas
tentativas podem matá-lo tão logo você
saia de nossas terras.
— Eu sei, Micheil. Mas vocês não acreditam
no que me ensinaram? Não posso montar
no mais espirituoso dos garanhões? Já
falhei em alguma tarefa da qual você me
encarregou? Mas me enxergam como um
jovem impetuoso que precisa de proteção.
Quero me livrar deste fardo que me
Projeto Revisoras
impuseram. Conseguem entender?
Embora tensos, os dois irmãos assentiram.
Davey sorriu.
— Então, desejem-me boa sorte. — Ele bebeu
a cerveja e notou que Micheil e Jamie
também, após hesitar, beberam.
— Um último pedido, Davey — Micheil disse
com a voz neutra. — Seria possível esperar
um dia ou dois? Jamie acaba de se casar. É
injusto esquecer as outras comemorações
planejadas para ele e Gilliane. Se a busca
desses presentes sagrados esperou tanto
tempo, alguns dias não irão afetar a
mulher.
— Seu nome é Meredith, Micheil. E quanto
mais cedo eu partir, mais cedo voltarei.
— De onde vem a certeza de que você
voltará? — Micheil vociferou, desvalendo-se
da razão. — Como chefe deste clã, tenho o
direito de proibi-lo. E você deve me
obedecer.
— Vai me proibir?
— Por favor, Micheil — Jamie tentou
abrandar o clima, lembrando-se de que, no
passado, as ordens de Micheil quase
custaram a vida de Davey.
Confuso, Micheil esfregou a testa. Sempre
acabava ferindo o orgulho de Davey,
quando seu único desejo era protegê-lo.
Imaginou que o irmão se tornaria
vulnerável ao receber a segunda visão.
Quem o defenderia agora? Aquela frágil
Projeto Revisoras
mulher? Como chegar a um acordo com um
homem determinado a seguir as próprias
leis?
— Micheil? — Jamie tocou o braço do
irmão.
— O que mais vai ordenar, exigir ou
oferecer como suborno para me impedir de
partir? — Davey indagou, irônico. —
Somente nós três estamos aqui, Micheil.
Portanto, ninguém saberá que artimanhas
usou para fazer valer sua vontade.
— Não direi mais nada, Davey— ele
respondeu, enfim. — Desejo-lhe boa sorte e
que Deus o acompanhe.
Em vez de alívio, Davey sentiu remorso.
Mas não o bastante para alegrar Micheil.
Não sabia explicar por que insistia em
partir naquele mesmo dia. Uma sensação
desconhecida o apressava e queria estar a
sós com Meredith. Estava ciente do perigo
que Owain ap Madog representava e de que
suas grandes habilidades talvez não fossem
suficientes para combatê-lo.
Contudo, a necessidade era evidente e
precisava ser atendida. Também sentia
culpa. Devia ter revelado aos irmãos a
visão que Meredith projetara para ele. As
imagens provariam sua determinação, mas
Davey conhecia Micheil e Jamie. Usariam
qualquer argumento para dissuadi-lo e
alegariam que Meredith o enfeitiçou.
A discussão com os irmãos o deixou
Projeto Revisoras
exaurido. O melhor seria partir e confiar ao
tempo e ao sucesso a certeza de sua decisão.
— Davey, mande selar Ciotach para você —
Micheil ofereceu. — Ele foi bem treinado
para combater inimigos.
— Você me daria o filho de Breac para
montar?
— Eu o quero bem guarnecido, e seus
garanhões não são páreo para Ciotach.
— Obrigado, irmão. — Davey segurou o
braço de Micheil e, depois, o de Jamie. —
Tomem conta de suas mulheres.
— Cuide-se — os dois disseram em coro
quando Davey afando foi interpelado pela
presença de Seana e Gilliane. Davey
respirou fundo e esperou que elas se
aproximassem.
— Está decidido? — Seana perguntou.
— Davey — Gilliane disse —, espere mais um
dia. Assim teremos tempo de saber se o que
a mulher diz é verdade. Por favor, você
acaba de se recuperar dos ferimentos.
Vendo a postura teimosa, Seana parou
diante dele.
— Davey, tenha bom senso. Não é o
momento de ser tão orgulhoso. É sua vida
que está em jogo — ela exclamou, temerosa.
— Você é precioso para aqueles que o
amam. Não vá. Eu lhe imploro.
— Se estou arriscando minha vida, irmãs,
está nas mãos de Deus.
— Seu idiota! Os ferimentos que quase o
Projeto Revisoras
levaram à morte não foram suficientes? —
Gilliane apertou a mão de Davey. — Não vá
com ela.
— Gilliane tem razão, Davey — Seana
concordou. — Deus às vezes precisa de
auxílio. Um homem tem livre arbítrio, mas
o seu parece levá-lo à destruição de si
mesmo.
— Creio — ele replicou, calmo — que vocês
tenham maridos e filhos para cuidar.
Deixem-me decidir meu destino sem sua
interferência.
— Não entende? — Seana o desafiou. — Não
acreditamos que esteja fazendo isso por
vontade própria. É ela quem o conduz.
— Não. — Davey usou o que lhe restava de
paciência. — Eu as amo como se fossem
minhas irmãs. Mas sou um homem, e não
um menino que se esconde atrás destas
muralhas. Pensei seriamente e já me decidi.
A passos largos, Davey afastou-se delas.
Uma vez longe dos irmãos e das esposas, ele
estaria livre para negar a reação emocional
que as súplicas causaram.
Irritado, praguejou em pensamento. A
despeito da severidade, admirava os
irmãos. A insistência em fazer tudo a seu
modo parecia-lhes um ato de rebeldia
contra a autoridade de Micheil e Jamie, e
uma espécie de vingança sentimental por
terem reprimido os desejos de Davey. Mas
nada disso era verdade, e ele não
Projeto Revisoras
suportaria discutir por mais uma hora a
fim de provar que agia com total
segurança.
Ao atingir seu quarto, não se espantou
quando viu Peigi a sua espera. Ela
trabalhava no castelo Halberry desde o dia
em que a mãe de Davey chegara ao legado
como noiva. Porém, até para Peigi, ele não
enxergava o erro que cometia.
— Peigi, amor, poupe-me de seus sermões.
Já ouvi muito de meus irmãos e suas
mulheres.
— Claro, esse é o jeito de eles protegerem
aqueles que amam. E tal atitude o está
sufocando, pelo que vejo. Vim me despedir.
É como um filho para mini, Davey. Não
enxergo nenhum mal sobre você. Das mãos
de sua mãe eu recebi isto.
Peigi entregou-lhe um tecido dobrado.
— Guardei segredo todos esses anos porque
seus irmãos não precisaram disso. Você, no
entanto, irá precisar
— ela o preveniu. — Não o abra agora.
Quando houver necessidade, você saberá.
Os eventos vêm e passam. Tudo será claro
quando chegar a hora.
Davey segurou-a pelo braço.
— Essas palavras! Ela me disse essas
mesmas palavras. Mas não pode ser. Você
não saberia. Eu não contei a ninguém.
— Davey, menino de meu coração, repeti
apenas o que sua mãe me disse. Não
Projeto Revisoras
entendo o que as palavras significam.
"Para proteger meu filho", ela falou.
"Lembre-se de dizer isso a Davey". Foi em
sonho ou em uma visão que sua mãe lhe
disse as mesmas palavras?
— Não, Peigi — ele respondeu, repleto de
dúvidas. — Não foi sonho ou visão.
Meredith pronunciou essas palavras
quando esteve aqui pela primeira vez.
— Oh, sim, ela tem o poder. — Com a mão
trêmula, Peigi tocou o rosto de Davey. — Sei
que estão todos falando da donzela, Davey.
Mas vá com ela. É o que tem de fazer.
— Chorosa, Peigi abraçou o favorito de seus
meninos. Quando o soltou, ela recobrou a
maneira habitual de ama.
— Preparei tortas de carne e separei um
bom pedaço de queijo salgado. Há também
maçãs, pão fresco e...
— Dê-me um beijo, Peigi. Não se preocupe
com a comida. Se você mesma preparou
meu alforje, não sentirei fome. Reze por
nós. Se o bom Deus estiver ouvindo, sei que
irá atendê-la.
Para que ela não visse suas dúvidas, Davey
virou-se depressa. Mas as palavras,
advindas de sua mãe, ainda o
incomodavam. Como podia ser? O que mais
encontraria na jornada com Meredith?
Pensou em guardar o pacote que Peigi lhe
dera na bolsa de couro, já repleta de
moedas, mas viu-se colocando o presente
Projeto Revisoras
em sua camisa, abaixo do coração. O tecido
aqueceu-lhe a pele, mas Davey pouco
atinou para o fato, enquanto vistoriava o
cômodo a fim de certificar-se de que não
esquecera nada.
Olhou com pesar a cota de malha longa.
Era pesada demais para removê-la sozinho
e não pretendia passar dias transportandoa. Davey vestiu, por fim, a coura acolchoada com lã. O traje era capaz de resistir
ao corte de uma espada ou ao impacto de
um golpe violento.
Em vez da cota de malha, optou pela
armadura de couro, conhecida como cuir
bouilli. O couro fora fervido e depois
endurecido em cera quente. Também era
potente o bastante para protegê-lo de uma
lança ou espada. O atributo mais precioso
era sua leveza, que o manteria flexível em
um combate.
Sobre essa armadura, Davey vestiu uma
túnica de lã. Em seguida, amarrou o
cinturão da espada e acrescentou uma
adaga à bota. Pensou em levar mais uma
faca, como Micheil sempre fizera, e achou
que a arma aumentaria a proteção. Pegou a
própria espada, sabendo que a outra já se
encontrava atada à sela, tal qual ele
ordenara.
Considerou a possibilidade de carregar a
espada Cym-ry, mas seria uma tentação
para cada homem que a visse. A vestimenta
Projeto Revisoras
modesta permitiria abrigo e comida em
qualquer aldeia ou castelo, e manteria
afastados os ladrões e criminosos.
Davey precipitou-se ao pátio, onde
Meredith o esperava. Seus irmãos, com
certeza, alegariam bruxaria e o trancariam
na torre, se soubessem que ele ignorava o
rumo daquela aventura.
Mas pelo prêmio que receberia no final, ele
seguiria Meredith até a boca do inferno, se
necessário.
Como um verdadeiro guerreiro, Davey
parou nos degraus, sob o sol quente
daquela manhã. Fitou o que mais amava.
Escutou os uivos dos cachorros no canil,
onde estavam trancados e lá ficariam pois,
do contrário, os cães seguiriam os rastros
de seu mestre até encontrá-lo.
O pátio estava vazio. Davey montou em
Ciotach e, sem olhar diretamente para
Meredith, montada em uma égua, liderou o
trajeto em direção aos portões.
Para o bem ou para o mal, ele agora estava
sob o comando de Meredith.
CAPÍTULO VII
Projeto Revisoras
Naquela mesma manhã, em uma pequena
cavidade a sul do castelo Halberry, Owain
ap Madog acendia o fogo para lançar um
feitiço. Era alto, forte, atraente e, como
diziam, tão sagaz quanto uma raposa.
Também possuía o charme e o apetite voraz
do animal. Nunca se incomodou com os
comentários porque tinha cobiça pelo
poder e estava determinado a obter todos
os dons sagrados dos mais poderosos
druidas para si.
A neblina que o rodeava não atrapalhava
seu intento, mas forçava os três lacaios a se
juntarem para aquecerem-se longe de sua
fogueira. O que Owain realizava era
mágica, transformava as chamas
avermelhadas em fachos azuis e verdes, e o
centro das labaredas tornou-se branco. A
visão que se apresentou em meio ao fogo
aumentou-lhe a raiva de ter perdido a
oportunidade de capturar a Espada da
Justiça.
A culpa era dele, mas não pretendia admitila a ninguém. Deixara-se levar pela
ansiedade e ambição. Significava sua
maldição, embora pudesse enxergar o que
estava por vir. O poder premonitório nunca
se estendia além de algumas horas no
futuro. Porém, era o bastante para
elaborar o próximo passo.
E, quando tivesse os presentes do povo
Projeto Revisoras
Cymry, conseguiria a donzela. Paciente,
havia esperado que ela se tornasse mulher e
amadurecesse seus talentos. Durante anos,
Owain a vigiara com orgulho possessivo,
sabendo que seria sua companheira, a
única escolha que restava aos velhos
sacerdotes.
Owain compreendeu muito cedo que seu
destino achava-se ligado ao dela. Também
entendia que seria necessária toda astúcia
para afastá-la dos ensinamentos dos
druidas.
As chamas se tornaram quase negras
quando sua fúria aumentou. Murmúrios
dos três que havia selecionado para seguilo finalmente o despertaram dos eventos
que tinham arruinado seus planos.
Acalmou-se e permitiu que o fogo
abrandasse. Virou-se a fim de mirar a
direção norte para onde ela cavalgava. E
com ela uma nova arma. A donzela
escolhera outro para empunhar a espada,
mas a vida do homem sofreria uma
penalidade.
Owain sorriu e ergueu a mão mutilada, tal
qual uma garra, para esfregar os cabelos
loiros. Fitou o membro deficiente, um
pagamento por suas transgressões. Não
conseguia olhar a própria mão sem se
lembrar da agonia de tê-la sobre o fogo,
quando usaram a magia do livro que ele
havia roubado para puni-lo. Mas jurara
Projeto Revisoras
vingar-se por aquela perda.
— Tragam o menino — ordenou.
Em instantes, um garoto, com não mais de
doze verões, ajoelhou-se ao lado dele. O
olhar perplexo do menino fez Owain sorrir.
Levantou os braços para que as mangas
soltas do traje de monge, que ele roubara,
revelassem os braceletes de ouro que
cobriam todo o antebraço.
— Você os vê? — perguntou com uma voz
quase terna. O garoto tinha bebido o vinho
que Owain havia preparado e mal
conseguiu assentir. — Esses braceletes
mostram o que sou.
— Sim — o menino murmurou.
Owain puxou uma adaga e inseriu a lâmina
no fogo. O aço tornou-se enegrecido, mas
não de fumaça.
— Sabe o que vai fazer com isto. Sabe aonde
deve ir. Eu o esperarei para recompensá-lo
por me servir. — Owain estava ciente de que
o rapaz não o entendia, mas sorriu com o
intuito de expressar aprovação. — Cei,
pegue o cavalo dele. Pwyll, ajude-o a
montar. Vá, meu filho. Tem o poder e a
necessidade de me obedecer. — Ele colocou
a adaga na bainha atada ao cinto do
garoto.
Após escutar o cavalo partir, mandou
David, outro de seus lacaios, desmontar o
acampamento.
— Partiremos em uma hora.
Projeto Revisoras
Aflitas, Seana e Gilliane adentraram o
solário privativo de Micheil.
— Como pôde deixá-lo partir com aquela
mulher! — Seana confrontou o chefe do clã.
— Por que, Jamie? — Gilliane perguntou ao
novo marido.
— Vai permitir que seu irmão pereça
porque o pobre ficou enfeitiçado por um
par de lindos olhos? Não pode enviar um
grupo de homens com ele para protegê-lo?
— Seana encarou Micheil, ruborizada e
furiosa.
— O que há com vocês? — Gilliane indagou,
ao ver Jamie e Micheil sorrindo.
— Eu devia me sentir ultrajado ante a
afronta de vocês duas. Ainda sou o chefe
deste clã — Micheil entoou, solene. — Mas
como estou de bom humor, eu as perdoo.
— Perdoa! — Seana exclamou, indignada. —
Micheil, não é hora de pilhérias. Davey
corre um sério perigo. Por que não faz
nada?
— Seana, amor, acalme-se. Acha que eu
nada faria para proteger meu irmão do
demônio em pessoa? Que vergonha,
mulher, pensei que tivesse mais fé em mim.
Neste exato momento — ele se adiantou, ao
notar a apreensão de Seana — meus
homens o seguem a distância, com a
promessa de que só irão aproximar-se
quando o perigo for extremo.
— Oh, Micheil. — Ela o abraçou. — Sabia
Projeto Revisoras
que você tomaria uma atitude.
— Ora, você parecia não confiar em mim —
ele se queixou, observando Jamie abraçar a
esposa.
— Estamos muito preocupadas — Seana
murmurou.
— Sim — Gilliane confirmou. — Davey não
quis nos ouvir. Ele parece estar cego. Vê
apenas aquela mulher. Temo por sua vida.
— Eu também, Micheil.
— Fiz tudo que podia. Se eu exagerasse,
Davey me odiaria. Ele é um homem, não
mais um garoto, como nos provou hoje de
manhã. Para ser sincero, Jamie e eu não
teríamos a paciência de Davey após tantos
anos sob nossas asas. Era hora, amor, de
deixá-lo ir.
— Não confio nela — Seana confessou.
— Nem eu — Gilliane reforçou,
aconchegando-se nos braços de Jamie.
— Então confiem em Davey — Jamie disse,
trocando olhares com Micheil.
Tinham de acreditar que Davey sabia o que
estava fazendo. Do contrário seriam
obrigados a segui-lo e, por consequência,
destruir o amor e o respeito que Davey
nutria por eles. A discussão daquela
manhã, no entanto, impedira que o afeto e a
lealdade do clã fossem expressos.
— Escutem as palavras de Jamie — Micheil
pronunciou, com a autoridade de um líder.
— Ele tem o direito de viver o próprio
Projeto Revisoras
destino. Todos nós confiaremos em Davey.
Tinham de confiar, Davey pensou quando a
noite tombou sobre o lago Shin, às sombras
de Ben More. Após quase três horas de
cavalgadura, ele perguntara a Meredith
aonde iam. Percorreram o oeste, em
direção às terras de Ross e Cromart. E,
mais uma vez, ponderou acerca dos poderes
da curandeira.
Iriam à aldeia de Torridon e, depois, ao sul
da Inglaterra. Mas Meredith omitiu que
presente seria resgatado e como.
Meredith sonhou. A escuridão, apesar de
negra como a noite, era composta de
sombras móveis. Ela tentou enxergá-las
enquanto mudavam de tamanho, da mais
larga à mais minúscula das sombras.
Pressentiu a ameaça. Algo ou alguém a
alcançava. Sentiu uma necessidade
tremenda que quase a consumiu. Havia
perigo ao redor, e com ele emergiu a
maldade.
Parecia sufocá-la. Ela correu em sonho,
tropeçou e caiu só para levantar-se e correr
novamente. Tinha de se libertar. A
escuridão a cegava. Mal conseguia
respirar. O coração batia acelerado.
Estava sendo perseguida. Enquanto fugia,
ousou olhar para trás apenas uma vez. Não
havia forma humana ou animal, somente a
sensação da presença tentando agarrá-la.
Sentia cheiro de destruição e sangue. O
Projeto Revisoras
odor aumentava e ela gritou, porque não
via luz ou um lugar seguro.
Continuou a correr, sabendo que, se
parasse, iria morrer. A perda de algo a
dominou e quase a fez cair de joelhos. Um
grito emergiu em sua garganta, permeado
de dor. Então, não conseguiu evitar a
sucessão de gritos pavorosos.
Sentiu que alguém a segurava, por mais
que se debatesse. Era assim que terminaria,
sem forças para lutar, sem palavras para se
salvar.
— Calma, Meredith. Não precisa ter medo.
Ela abriu os olhos e divisou Davey. A voz
suave a confortava.
— Está segura a meu lado, Meredith.
Trêmula, ela aconchegou-se no peito
musculoso e agarrou-se aos braços fortes.
Os sentidos estavam confusos, ainda
reverberavam o terror do sonho. Mas a voz
gentil e o calor do abraço abrandaram o
pavor.
— Você me assustou quando gritou. Pensei
que fôssemos vítimas de um ataque
surpresa. — Davey afastou-se um pouco e
fitou-a, preocupado. — Quer falar do
sonho?
Meredith não respondeu. Não podia. Como
nomear o terror, sem forma ou rosto, que a
assolara? Tentou desvencilhar-se dele, mas
Davey a segurou com força.
— Não tenha medo. Vou abraçá-la até parar
Projeto Revisoras
de tremer. — Davey acomodou-a no colo.
Cobriu a ambos com seu casaco. Sabia o
que era despertar de um sonho ruim, no
qual as sensações não tinham nome.
A noite, embebida em aromas de verão,
apresentava a lua crescente e o brilho único
das estrelas. Não havia brisa para
farfalhar as folhas das árvores e curvar os
arbustos. No entanto, o ruído sutil das
águas percorrendo as pedras ecoava no
silêncio noturno.
O fogo tornara-se brasa. Davey pensou em
reacendê-lo para aquecer Meredith. Mas
não ousaria largá-la por alguns minutos.
O desejo acordara junto com ele, provando
que a tentativa de controlar a paixão
durante o dia fora inútil. O tremor se
intensificou, como se ela pressentisse o
clima. Davey apressou-se em acender o
fogo, tendo em mente apenas a segurança
de ambos.
Suspirando, Meredith pousou o rosto sobre
o ombro largo. A fragrância de torga,
alecrim e tomilho o atiçava. Davey
observou o local onde amarrara os cavalos
e não notou nada que o alarmasse.
Totalmente desperto agora, sentia que algo
os vigiava na escuridão.
Não queria se arriscar, mesmo havendo
perigo. A espada jazia a seu lado, pois a
pegara tão logo escutou o primeiro grito.
Não desejava incrementar o medo de
Projeto Revisoras
Meredith.
Segurando-a com um braço, liberou o outro
para que pudesse alcançar a espada sem
empecilhos. No fundo, queria perseguir
aquilo que lhe causava a sensação de
perigo, mas temia deixar Meredith sozinha.
Não sabia quanto tempo se passara antes
de sentir que a tensão tinha diminuído. A
respiração de Meredith tornou-se lenta e
profunda. Davey desejou estar tão tranquilo quanto ela.
Talvez, ponderou, fosse apenas o terror do
sonho e o despertar abrupto que causavam
aquele desconforto. Mas Davey tinha
certeza de que existia alguém à espreita. Ou
algo...
Um súbito arrepio percorreu-lhe a espinha.
Novamente, verificou os cavalos.
Continuavam calmos.
Devagar, ajeitou o casaco ao redor de
Meredith, contente porque ela dormia.
Esqueceria a noite de descanso para
confortá-la e montar guarda.
Na verdade, Meredith não dormia. O calor
do corpo viril apagava o medo e aliviava a
tensão. A presença sólida de Davey era um
refúgio que ela, feliz, aceitava. Mantinha-se
imóvel para não estimular o desejo.
Precisou de muito poder a fim de controlarse quando sentiu-o reagir. Permaneceu
onde estava, acreditando que a promessa
de protegê-la superaria a necessidade de
Projeto Revisoras
investigar quem os vigiava.
Contudo, não era justo sentir-se segura nos
braços do homem que a ameaçava mais que
qualquer sonho.
Quase emitiu um gemido quando Davey
beijou-lhe a testa. Continuou encostada a
ele, imóvel. O beijo causou-lhe uma onde de
calor. O que ele fazia? Não mais sentia que
eram observados? Ou seria a paixão que o
comandava?
Durante o dia inteiro, o silêncio contínuo a
perturbara. Queria perguntar o que lhe
acontecia, mas não teve coragem. Havia
uma proibição no ar a qual ela respeitava.
Imaginava que a ausência dos irmãos na
hora de partir contribuía para aquela
postura pensativa. Meredith tinha certeza
de que Micheil e Jamie tinham discutido
ferozmente com Davey.
Sentiu outra vez um beijo leve e quente.
Lembrou-se do instante em que teve aqueles
mesmos lábios nos dela, seu primeiro gosto
da paixão. A lembrança trouxe as mesmas
sensações estranhas.
Meredith esforçou-se para manter o ritmo
da respiração, como se estivesse dormindo,
mas o corpo a traiu. Os seios ficaram
túrgidos e ela sentiu um estranho calor.
Que poder Davey possuía para excitá-la
quando ordenava a seu corpo que não
reagisse a ele? Danu, doce deusa, ajude-me!
Porém não foi a voz da deusa que
Projeto Revisoras
respondeu... foi a de Davey.
— Durma, Meredith — ele sussurrou. — Não
deixarei que ninguém a machuque. Durma.
A respiração voltou ao normal, enquanto
Davey murmurava palavras carinhosas e
jurava manter sua promessa. Em
pensamento, ela agradeceu à deusa por
atender-lhe a prece.
Ele não mais a beijou, mas a guardou por
toda a noite.
CAPÍTULO VIII
O despontar dos primeiros raios da manhã,
Davey e Meredith fizeram o desjejum com
queijo e pão. Ela lhe contou, então, quão
pouco tempo tinham para resgatar as três
dádivas remanescentes e completar a
jornada a seu povo.
— Estamos da época de Lughnasa, uma
longa comemoração realizada na última
quinzena de agosto. Celebramos a
solenidade de Lugh, o carvalho do deus
Bran. É o momento de lembrar a morte, de
homenagear um novo rei, agradecer às
mulheres e bendizer o casamento. Se o céu
estiver claro hoje à noite, vou lhe mostrar
as estrelas que formam Llew Llaw Gyffes.
Projeto Revisoras
Davey tentou, em vão, entender as palavras
sacras que Meredith pronunciava.
Do cume da pedra, sentada em um
cobertor, ela sorriu.
— Minha língua não é simples para aqueles
que não a aprenderam. As palavras
significam "leão com pata firme". E você
verá a forma de uma ursa. Morrigan, a
grande rainha que divide o totem animal de
Bran, o corvo, aparece disfarçada de ursa.
Temos muitas histórias de animais, Davey.
Quando o verão termina e o outono passa,
Samhain começa no início de novembro.
Devo retornar até lá ou tudo estará perdido
por mais centenas de anos.
— Você nunca me explicou por que precisa
reaver os quatro presentes.
Esquivando-se da resposta, ela escutou os
pássaros iniciarem o ritual matutino
enquanto voavam de galho em galho. A
estrela da manhã surgiu entre nuvens. No
matagal, as criaturas da noite estariam
voltando a seus esconderijos, e as do dia
começariam a saracotear pela relva.
— Meredith, por que não responde?
Quanto poderia dizer a ele?, perguntou-se,
confusa. Davey entenderia o jugo de
opressão ao qual seu povo fora submetido
durante séculos? E em que ele acreditaria?
— Meredith — chamou-a, impaciente.
— Sinais e presságios interpretados pelos
sacerdotes falam do nascimento de um
Projeto Revisoras
príncipe que reunirá meu povo e as terras
como nunca antes acontecera. Os presentes
sagrados são para que ele os use. O tempo é
primordial para mim. Os sacerdotes
precisam purificar com um ritual cada
dádiva a fim de trazer a verdadeira forma
dos poderes anciãos.
— O que está dizendo? Mentiu para mim e
meu irmão quando mencionou esses
presentes?
— Se a omissão for uma mentira, menti.
Mas lhe contei a verdade, Davey. Sem as
orações, conhecidas somente por mim, são
objetos comuns. A espada jamais chamou
sua atenção antes de eu aparecer. Mas
esses presentes representam muito mais. —
Enfim, Meredith o fitou, permitindo que ele
soubesse o que ela dizia sem palavras.
— Mais? — Davey repetiu. — Muito mais...
Está dizendo que a espada oferece mais que
o direito à justiça ao homem que a brandir?
Não havia meios de evitar aquela pergunta.
Ela respirou fundo, desejando que ele
esquecesse o assunto.
— E o Cálice da Verdade? Você afirmou que
qualquer líquido que ele contenha poderá
arrancar a verdade de uma pessoa. Que
outro poder um cálice possuiria?
— Eu violarei a verdade confiada a mim, se
revelar esses segredos a você.
— Diga-me!
Somente a necessidade do guerreiro a fez
Projeto Revisoras
obedecer o comando.
— O cálice detém o poder da vida ou da
morte para qualquer um que beber nele.
Davey levantou-se.
— Então a espada...
— Torna seu possessor invencível, Davey.
Não há substância que sua lâmina não
possa cortar, desde a pedra ao metal mais
resistente. Dizem que um método secreto foi
utilizado para forjar a lâmina. Sei apenas
isso.
— E a harpa?
Meredith encolheu-se ante o brilho
magnético dos olhos e o tom de voz ríspido.
— Crwth, a harpa, impele o sono, como eu
disse. A morte é uma forma interminável de
sono.
— Que Deus nos proteja! — ele murmurou.
— E o anel que protege aquele que o usar?
Suponho que seja um instrumento de
morte.
— Só para aquele que o roubar, Davey. No
momento, cada um dos presentes sagrados
não possui nenhum poder.
— É você quem irá despertá-los.
As poucas palavras continham um tom
acusatório, e, para tal constatação, ela não
tinha defesas. Como defender-se da
verdade?
— O que mais escondeu de mim? Há outro
objetivo além de devolver tais objetos a seu
povo? — Davey não conseguia reprimir a
Projeto Revisoras
raiva. A reticência de Meredith o
incomodava sobremaneira.
Antes de responder, ela permaneceu em
silêncio por alguns instantes.
— Em meu povo, as mulheres têm total
liberdade para fazerem o que quiserem.
Não somos escravas dos homens. Tomamos
o destino com as próprias mãos e
escolhemos ou não um marido. Mas o
homem deve aceitar nossas condições.
Honramos nossos talentos e dons, ao
contrário dos ingleses e normandos, que
amaldiçoam mulheres como eu e as tacham
de bruxas. Somos mais aceitas na Escócia,
principalmente nas Terras Altas, onde
nosso povo se assentou. Mas, a despeito da
independência, há aqueles entre nós que
nasceram destinados a antigas leis e votos
sagrados.
— Você é uma dessas pessoas. Mas evita
minhas perguntas com muita prática...
— Estou tentando responder com a
verdade, Davey!
— Sim, a verdade colorida por sua
necessidade de manter segredos. Minha
palavra é honra. Eu me ofereci livremente.
Ou não?
— Não fiz nada para me apossar de sua
vontade. Foi, ainda é e continuará sendo
sua.
— Nesse caso, responda a uma simples
pergunta, Meredith. O que é esperado após
Projeto Revisoras
seu retorno? Pense bem antes de falar,
porque lembro-me da promessa que me fez.
— Não fui informada sobre o papel que irei
desempenhar. Chega de perguntas, Davey.
Não posso revelar mais nada.
Ela estava mentindo. Davey tinha certeza
disso. Seu talento ofuscava o dele. Podia
induzi-la com o novo dom, e ainda assim
Meredith se protegeria.
Por fim, assentiu quando ela o encarou.
Estava certo de que a convencera de que
não mais faria perguntas. No entanto,
Davey não havia terminado.
Postou-se diante da pedra em que ela
sentava-se e admirou o despertar da mata.
— Ontem à noite — começou — pressenti
que um perigo nos rondava.
— Eu também.
— Porém, nada aconteceu. Os cavalos
permaneceram calmos, como se estivessem
nos estábulos de Halberry. Gostaria de ter
obtido o mesmo sossego.
— O que quer saber? — Meredith perguntou,
nervosa.
— Antes de adormecer, você caminhou ao
redor do acampamento. O que fazia?
Ela se concentrou nos farelos de pão sobre
seu colo. O canto dos pássaros, de repente,
cessou enquanto ponderava acerca de
quanto deveria explicar a ele.
— Meredith, não me deixe na ignorância.
Exijo saber por que sou tão necessário.
Projeto Revisoras
— Tenho o poder de me manter em
segurança porque viajo sozinha. Não lhe
contei tudo sobre Owain. Ele... — Meredith
fitou o lago à frente. — Davey, se valoriza
minha sabedoria, não podemos ficar aqui.
Chega de perguntas, por favor. E apressese. Teremos de cavalgar longas distâncias
hoje e amanhã, ou perderei a chance de
recuperar o cálice.
A vontade de prosseguir com as perguntas
que o perseguiram a noite toda era urgente.
Ele precisava esclarecer suas dúvidas.
Mas Meredith já empacotava os pertences,
como se Davey tivesse acatado sua decisão.
Tinha certeza, dados os movimentos
rápidos, de que partiria sem ele.
Sob seu comando. O pensamento que tivera
no dia anterior ressurgiu enquanto
amarrava o alforje na sela. Notou o objeto
longo que ela prendia à sela, e teria perguntado do que se tratava, mas Meredith já
encontrava-se montada na égua.
— Rápido, Davey. Continuar aqui é
perigoso. Juro que Owain está próximo. Ele
não pode roubar a espada.
Segundos depois, Davey montou no
garanhão, e mais uma dúvida surgiu-lhe à
mente. Owain realmente estava próximo ou
era uma maneira conveniente de finalizar
aquela conversa?
Meredith saiu a galope. Cavalgava muito
bem e segurava as rédeas com firmeza.
Projeto Revisoras
Davey a acompanhava, observando os
arredores à procura de sinais. Ocorreu-lhe
que ela conhecia aquela região, pois sempre
havia água quando paravam para
descansar, enveredavam por caminhos
distantes de moradias ou trilhas quando a
floresta de carvalhos era densa e bloqueava
o trajeto.
Ao pararem pela segunda vez, ele lembroua de que precisavam rumar para oeste a fim
de evitar as cascatas do lago Shin e, mais
ao sul, o rio Oykel.
Foi a partir desse local que Davey cavalgou
com uma flecha cravada em suas costas.
Toda a vez que olhava para trás, não via
sinais de que alguém os seguia. Aquelas
terras que atravessavam pertenciam ao Clã
Sutherland, às vezes inimigo de seu clã,
mas nunca amigo quando havia trégua.
Meredith diminuiu o passo. Davey ficou em
silêncio enquanto ela observava a
travessia. O lindo perfil o perturbava.
Precisava manter-se atento a qualquer
sinal de perigo. Mas o sol oferecia um
brilho encantador ao rosto delicado.
— O que sente, Davey?
— Sinto uma flecha envenenada em minhas
costas — ele respondeu, sincero. — Os
Sutherland não gostam de estranhos em
suas terras, embora Hugh de Moray tenha
recebido esta região há pouco tempo do rei.
O território pertencia aos nórdicos.
Projeto Revisoras
Davey olhou a floresta, onde algumas
clareiras recebiam a luz do sol. Tudo
parecia calmo, no entanto, o
pressentimento persistia.
— Por que perdemos tempo aqui? Você foi
rápida o bastante para silenciar minhas
perguntas com a urgência de
prosseguirmos a jornada.
— Quero saber quem está atrás de nós,
Davey. Mas não creio que seja esse o motivo
que o deixa incomodado.
Ela sempre o desorientava, e Davey
suspeitava de que Meredith o fazia de
propósito. Continuaram a cavalgar em
silêncio.
— Ouvi boatos de que Robert, o conde do
Clã Sutherland, iria se casar com a filha de
Wolf de Badenoch.
— Você ouve rumores a que poucos têm
acesso — ele comentou. — Uma boa união,
se a filha possuir metade da ferocidade do
pai. E se ela for tão conceituada quanto o
noivo, será o inferno. A mulher o obrigará a
construir outro Dunrobin com seu nome.
— Com seu nome?
— Sim, Robert construiu Dunrobin, que
significa o Castelo de Robin.
— Ah, Dunrobin.
— Parece conhecer o castelo.
Havia desconfiança nos olhos de Davey.
— Sei onde ele o construiu. O local é
próximo à região dos Pict. Eu lhe disse que
Projeto Revisoras
meu povo se estabeleceu aqui muito antes
do seu e dos nórdicos. Existe uma torre de
pedra perto de Dunrobin. E, Davey, não
tema os Su-therland. A avó do conde era
Cymry. Somos observados, mas podemos
atravessar as terras sem medo. Tenho certeza de que aqueles que nos seguem não
querem nos ferir. Owain sempre deixa
rastros de crueldade onde passa. Quanto à
sensação de ter uma flecha nas costas, suponho que ela venha de meu arco. —
Meredith indicou o objeto longo e estreito
atado à sela.
— Um arco galês? Ouvi dizer que os galeses
são ótimos arqueiros. Os ingleses os usam
contra nós em batalhas. Mas por que você
possui essa arma? Pensei que não tivesse a
permissão de matar.
— E não tenho. Pare de tentar descobrir
minhas mentiras, Davey. Carrego o arco
para alertar aqueles que cruzam meu
caminho.
Meredith esporeou a égua antes que ele
pudesse fazer mais perguntas. Davey
disparou atrás dela com o objetivo de
tomar a liderança. Porém, quando os
passos longos de Ciotach a alcançaram,
Meredith ria do prazer de galopar, e
inclinou-se sobre o pescoço do animal,
pedindo-lhe que corresse.
Espantado com a súbita mudança de
humor, Davey deixou-a ir. Se ela houvesse
Projeto Revisoras
dito a verdade e seu povo os observava...
Mais uma dúvida somava-se às que ele ja
tinha: Nada lhe restava a fazer a não ser
galopar atrás dela.
A trilha enveredou a uma clareira. Davey
avistou um galo silvestre entre as folhagens
e imaginou o delicioso assado que o animal
daria. Talvez uma meia-dúzia deles seria o
suficiente para satisfazê-lo. Mas ao notar
que Meredith havia desaparecido, ele
adentrou a floresta. Ficou surpreso quando
encontrou uma rota no meio do matagal.
De repente, avistou Meredith parada logo à
frente e correu para alcançá-la.
As palavras de recriminação morreram em
seus lábios quando sentiu o odor ofensivo.
Ciotach sacudiu a cabeça e relinchou,
incitando a égua de Meredith. O garanhão
ameaçou disparar, mas Davey segurou as
rédeas com força até acalmá-lo.
Nos imensos carvalhos do limite da
floresta, restos de quatro corpos pendiam
nos galhos. O cheiro de decomposição
impregnava o ar e sufocava.
— Meredith, saia daí.
— Por que, Davey, por quê? Como um
homem pôde fazer isso?
— Eram criminosos. A forca foi a punição
pelos crimes que cometeram.
Ela então virou-se para fitá-lo, com os olhos
repletos de lágrimas.
— Ninguém merece morrer assim —
Projeto Revisoras
sussurrou.
— Há aqueles que discordariam de você,
mas não eu. É melhor morrer rápido e de
forma limpa. Vamos embora. Só nos resta
rezar por suas almas.
Ela baixou o rosto e não protestou quando
Davey puxou as rédeas da égua. Manteve o
trote dos cavalos e, respeitando o silêncio
reflexivo de Meredith, não fez perguntas.
Uma hora depois, o caminho abriu-se em
uma colina e, quando Davey atingiu o topo,
avistou um pequeno vilarejo. Parou os
animais e encarou Meredith.
— Quer hospedar-se em uma estalagem ou
prefere acampar por aqui? — Ele voltou a
fitar os telhados das casas. — Prefiro
dormir sobre um leito esta noite. — Davey
evitara tocar em Meredith o dia todo, mas
soltou as rédeas da égua e segurou-lhe a
mão. — Você está gelada. Venha, milady,
enfim encontraremos comida quente.
— Davey, não devemos descer até o
vilarejo. — Ela tentou organizar as
sensações. — Não lhe contei tudo sobre
Owain. Ele faria qualquer coisa para se
apossar...
— Sim, sei quão longe ele pode ir. Se não
tem certeza de que ele está no vilarejo, nós
iremos.
Meredith calou-se e, mais uma vez,
permitiu que ele assumisse a liderança. As
sensações ainda a perturbavam. Não
Projeto Revisoras
queria encarar o fato de que Davey
despertava-lhe o desejo. Tivera tanta
convicção de sua meta, mas as dúvidas dele
a deixavam incerta quanto ao que o destino
lhe reservava após recuperar os presentes
sagrados. Se conseguisse impedir a
maldade de Owain e sobreviver...
Admitiu a si mesma que fora falsa com
Davey ao ocultar a verdade sobre o que o
esperava. A princípio, pareceu-lhe a melhor
opção, mas agora a incerteza a
assombrava.
Um vento fresco soprou da costa oeste,
trazendo o odor de peixe e mar. Meredith
não prestava atenção ao caminho que
percorriam. Perdida em pensamentos, não
atinava para o campo verdejante e as
ovelhas.
Onde estavam os encantos e os feitiços que
a protegeriam de um homem como Davey?
Com sua honra, gentileza e força, ele
enfraquecia a promessa da mantê-la
intacta. O desejo de almejar um futuro com
ele a fazia esmorecer. Chamou os deuses,
tentou readquirir força espiritual e jurou
eliminar pensamentos pessoais de sua
mente.
A aparição inesperada de um jovem sob a
sombra de um carvalho a despertou. O
cavalo que ele montava parecia depauperado. As roupas do menino não se
assemelhavam às de um camponês, exceto
Projeto Revisoras
pela sujeira e alguns rasgos.
Enquanto Meredith estudava o semblante
juvenil, próximo à beleza angelical, achou
esquisito ver os lábios do garoto mexeremse sem produzir som. Havia algo estranho
nos delicados traços, nos cabelos dourados
e nos olhos azuis.
Aproximou-se de Davey para alertá-lo. Ele
escolheu aquele momento para descer a
colina quando o menino chegou mais perto.
Meredith gritou, mas Davey não a escutou.
Owain! Ele tinha enviado o garoto.
Meredith não teve chance de parar a adaga
que surgira da mão do menino de
aparência inocente.
Ela então jogou a égua sobre Ciotach,
tirando cavaleiro e cavalo da mira da
adaga. A lâmina negra não atingiu o
coração de Davey, mas penetrou no ombro
de Meredith.
Davey gritou quando, atônito ante o poder
da arma, ela tombou no chão.
CAPITULO IX
Davey puxou a espada, pronto para derrubar o garoto, que havia desmaiado no chão
Projeto Revisoras
após lançar a adaga. Não sabia se o rapaz
estava morto, e pouco importava-se. Era a
visão de Meredith caída na relva que o
comandava.
Tinha falhado ao protegê-la! Atento à
floresta, Davey apeou temendo outro
ataque antes que pudesse garantir a
segurança de Meredith.
Mandou Ciotach vigiá-los e ajoelhou-se ao
lado dela. Quando fez menção de pegar a
adaga, um objeto hediondo cravado no
ombro delicado, ela pediu-lhe que não
tocasse a arma com as mãos nuas.
— Enrole meu casaco em sua mão e puxe-a
— ela murmurou, fraca.
— Deixe-me carregá-la...
— Não há tempo. Está enfeitiçada, Davey.
Rápido. Aflito, ele enrolou o casaco na mão.
A respiração de
Meredith falhava, mas estava viva.
Trêmulo, segurou a adaga negra. Não era o
momento para gentilezas, no entanto,
sofreu ao puxar a lâmina em um só gesto.
O sangue escorria, encharcando a roupa.
Davey imaginou que o melhor seria deixar
a sangria limpar a ferida. Não podia tratála naquele local sujo. Precisava encontrar
um lugar seguro. Nem sequer considerou ir
ao vilarejo. Só Deus sabia o que os
aguardava na aldeia.
Tomou Meredith nos braços e acomodou-a
sobre Ciotach. Mal reparou no garoto
Projeto Revisoras
deitado no solo. Como Davey conseguiu
controlar a ira assassina estava além de
sua compreensão.
— Não o abandone — Meredith sussurrou.
Davey levantou a espada, disposto a acabar
com a vida do rapaz, se ela assim o
desejasse.
— Leve-o. Ele é um joguete, e nada mais.
Davey fitou as mãos de Meredith que
agarravam a crina de Ciotach, e, em
seguida, mirou a ponta da espada no peito
do jovem. Iria obedecê-la, decidiu
embainhando a espada. Colocou o garoto
sobre a égua, amarrou as rédeas do cavalo
depauperado à sela e montou atrás de
Meredith.
Voltou pelo mesmo trajeto que haviam
percorrido, na esperança de encontrar um
local seguro. Adentrou a floresta, atento a
qualquer som que indicasse algum perseguidor. Deixou que Ciotach liderasse,
sabendo que o animal acharia água mais
rápido que ele.
O cavalo não o decepcionou; em menos de
uma hora, Ciotach guiou-os a uma pequena
cachoeira que caía entre pedras, formando
uma piscina natural. À beira, Davey
avistou um enorme carvalho que seria
perfeito para um refugio seguro.
Apressou-se em deitar Meredith sobre o
cobertor que esticara ao pé da árvore.
Depois de acender o fogo, verificou o
Projeto Revisoras
menino. Ele continuava desmaiado.
Amarrou-o para que ele não fugisse, caso
acordasse.
Meredith implorou pela sacola e, quando
Davey a entregou, pediu-lhe que
esquentasse água na pequena chaleira de
metal.
— Tenho algumas ervas para preparar um
chá contra a febre — ela explicou. Conforme
movia-se para procurar as ervas, sentia
cada vez mais dor.
— Meredith, a ferida ainda está sangrando.
Vou lavá-la e...
Davey calou-se ao ver a expressão de pavor
de Meredith. Rezou para que ela não
percebesse seu desespero ante a
possibilidade de cauterizar o ferimento.
Quanto mais retardasse o curativo, mais
sangue ela perderia e mais fraca se
tornaria. A chance de haver febre era alta,
no entanto o que o apavorava ainda mais
era o feitiço da adaga.
— Faça o que tem de fazer — ela ordenou.
Com movimentos lentos, separou o
unguento e tentou tirar o casaco.
Impaciente, Davey assumiu a tarefa
rapidamente. Com uma das mãos, ele a
segurou pela nuca, e com a outra ajudou-a
a deitar-se.
— A adaga...
— Joguei fora. Poupe energia e deixe-me
tratá-la. Ele não ousou fazer uma fogueira
Projeto Revisoras
alta, pois não queria
alertar os habitantes daquela terra
desconhecida. A água na chaleira, cada vez
que a verificava, permanecia fria. Davey
aproximou os cavalos e amarrou-os nas
redondezas. Seriam suas sentinelas.
Então cobriu Meredith com outro cobertor.
Amaldiçoou a teimosia de recusar-se a
trazer ao menos um homem com eles.
Alguém que poderia ir àquele vilarejo
procurar um curandeiro ou alimento
quente para Meredith.
Novamente verificou o garoto que ainda
permanecia inerte. Se a adaga estava
enfeitiçada, o pobre menino também devia
estar. Davey nada sentira quando o rapaz
se aproximara. Isso lhe ensinaria a não ser
tão presunçoso em relação ao novo dom
que recebera.
Intrigava-o a facilidade com que o garoto
deixou-se enfeitiçar. Que tipo de homem era
Owain ap Madog? Davey não se
acovardava, mas se o bruxo utilizava
outras armas além do aço... Tinha de
eliminar tais pensamentos. Meredith
precisava dele.
Enfim, a água tornou-se morna. Davey
pegou a sacola e achou um pano limpo e
outro vestido de lã, tão simples quanto
aquele que o usava. Buscou uma de suas
camisas para cortá-la em tiras.
— Ferva logo! — esbravejou com a água,
Projeto Revisoras
embora fosse inútil. Sentia-se impotente.
Separou um punhado de ervas em uma
caneca, e guardou o resto onde facilmente
poderia encontrá-lo se necessário.
Meredith continuava quieta. Ele observou a
chaleira e o céu entre fartas copas das
árvores. Havia poucas nuvens. O som
ritmado da cachoeira o irritava. Agora sem
nenhuma paciência, Davey ajoelhou-se
diante do fogo e molhou a roupa na água
morna.
Enquanto ele limpava o ferimento,
Meredith mante-ve-se calada. Davey
precisou abaixar o decote do vestido para
enxergar o ferimento. A luz da tarde
começava a fenecer e uma brisa fria
soprava na floresta. Devia despi-la para
assim tratar melhor da ferida, mas não
queria que ela se resfriasse.
Ou morresse, pensou consigo ao ver o corte
profundo na pele alva. Deus
misericordioso! Teria de cauterizar o ferimento, mas odiaria deixar uma cicatriz no
corpo de Meredith.
Ela gemeu quando Davey a ajudou a tomar
o chá. Segurou-lhe a cabeça até vê-la
terminar o conteúdo da caneca.
E a sangria não parava.
— Davey... está ruim?
— Está. Não vou mentir para você. O
sangramento não pára. Não conheço a arte
da cura. Sei apenas lidar com isso como um
Projeto Revisoras
guerreiro. — Ele acariciou os cabelos
negros. — Caso haja alguma poção mágica
em sua sacola, é melhor me dizer agora.
Espere... Se a adaga estava enfeitiçada,
pode conter um veneno também?
— Ela foi destinada a você.
— Eu sei.
— Não subestime Owain. Ele voltará.
Davey olhou o tecido que cobria o corte.
Estava encharcado de sangue. Tinha de se
apressar, antes que perdesse a coragem.
— E o menino?
— Ainda respira. Por que você quis trazê-lo
está além de minha compreensão.
— Owain irá matá-lo por ter falhado. — Tal
qual o anel falhara ao protegê-la da
bruxaria de outro druida.
Davey ficou tenso ao perceber quão fraca
ela estava. Não podia mais adiar.
— O sangue já deve ter limpado a ferida.
Após acomodá-la, ele retornou ao fogo.
Pegou sua faca e posicionou a lâmina sobre
as chamas. Tirou o cinturão e ofereceu a
extremidade de couro a ela.
— Morda isto. Se seus gritos chamarem a
atenção de intrusos, estaremos perdidos.
Consegue fazê-lo, Mere-dith? Ou prefere
que a amordace?
Os olhos cinzentos o encararam. Davey não
escondia a angústia diante do ato que
estava prestes a realizar.
— O couro — ela escolheu, fechando os
Projeto Revisoras
olhos.
Com o pano limpo, Davey retirou a faca do
fogo. As mãos tremiam. Sentia-se fraco,
furioso e sem nenhuma coragem. Os lindos
lábios mordiam o couro à espera do pior.
— Não se mexa, Meredith.
Em dezenas de batalhas, Davey vira sangue
e ferimentos, mas nada se comparava
àquele corte em um ombro tão frágil.
Não pense. Não sinta. Faça.
Abaixou a cabeça e orou por perdão. Beijou
a pele acima do ferimento, onde o estranho
arabesco azul estava impresso. Respirou
fundo, pressionou a lâmina quente sobre o
corte e cauterizou-o.
Meredith abriu os olhos. Havia dor no
brilho cinzento. Contudo, somente um leve
gemido escapou-lhe dos lábios. Ela
estremeceu. Ignorando-a, Davey passou
unguento sobre a ferida e colocou o pano
dobrado sobre o creme.
Então beijou a única lágrima que molhava
o belo rosto.
— Chore, se quiser. Depois da valentia que
demonstrou, não é vergonha chorar.
Ao pegar o cinturão, ele viu as marcas dos
dentes cravadas no couro. O som de um
murmúrio o fez virar-se. O menino moveuse e murmurou outra vez.
Davey levantou-se com a espada em punho.
Não deixaria a idade ou a aparência
angelical do garoto compadecê-lo. Parou
Projeto Revisoras
diante do prisioneiro e notou que os olhos
estavam abertos mas opacos.
— Pode me ouvir? — Davey empurrou a
perna fina com o pé.
Como não obtivesse resposta, ele se
afastou. O garoto gritou por socorro.
— Socorro? — Davey bradou. — Devia
agradecer à dama por lhe ter salvo a vida.
Ante a expressão pálida do garoto, Davey
praguejou. Ao descobrir que estava
amarrado, o rapaz nem sequer esperneou,
somente ficou paralisado e suspirou.
Uma reação inocente, ele pensou, voltando
a Meredith. Tentou deixá-la confortável,
depois encheu a chaleira e acrescentou
alguns alimentos para preparar uma sopa.
Recolheu lenha a fim de manter o fogo
aceso e cuidou dos cavalos. Quando a viu
descansando, pegou a espada e fez uma
ronda entre as árvores, circundando o
acampamento.
Acima deles, o penhasco se expandia como
uma trama incompleta, com Ben Dearg no
centro. Davey prosseguiu, na esperança de
comprovar que estavam sozinhos. Recolheu
punhados de grama verde e só voltou ao
acampamento com os braços cheios de
mato.
Meredith dormia a sono solto. Davey
improvisou uma cama de grama e deitou-a
sobre o leito. O carvalho maciço a protegia
de um lado, e a fogueira, que ele acendeu
Projeto Revisoras
também. A sopa borbulhava na chaleira.
Ele despejou um pouco na caneca e esperou
que o alimento esfriasse antes de acordá-la.
Mas ainda havia o problema do garoto.
Não podia deixá-lo amarrado e, se o
libertasse, correriam o risco de sofrer outro
atentado. Após alguns minutos de reflexão,
Davey encontrou a resposta.
Carregou o menino até o fogo, encheu uma
caneca com sopa e acrescentou um pedaço
de pão. O garoto o fitava com o olhar
perdido, enquanto Davey desamarrava a
corda que lhe prendia os braços.
— Há comida aqui, se estiver com fome.
Mas não vou servi-lo.
Existia sofrimento no semblante do menino
quando este tentou esticar os braços.
Tentou erguer a mão, mas estava fraco
demais ou a corda prejudicava sua mobilidade. A piedade impeliu Davey, embora ele
a abominasse. Ajoelhou-se ao lado do
garoto e massageou os membros finos,
enquanto o jovem gemia de dor.
— Não me culpe por seu estado. Você tentou
me matar e não vou esquecer. Coma. Eu o
soltarei para esticar as pernas, mas
passará a noite amarrado como um
prisioneiro.
De tão entretido em preencher a boca de
comida, o menino nem sequer escutou o
discurso. Bastou Davey olhar para
Meredith e a piedade foi substituaída pela
Projeto Revisoras
raiva. Devia ter matado o jovem. Ao menos
seria uma morte justa. Man-tê-lo com eles
atrairia Owain muito mais rapidamente.
Mas como Owain saberia que o menino
cumpriu seu intento?
Davey aproximou-se, pois sem sua ajuda o
rapazola não conseguiria tomar a sopa.
Esperou que ele esvaziasse a caneca e
perguntou-lhe se queria mais, antes de
iniciar o interrogatório.
— Aonde você pretendia ir após me matar?
Owain o aguarda para saber se teve
sucesso, certo? — Davey esperou, mas
obteve apenas aquele olhar perdido. —
Owain está próximo de nós?
— Davey. — Meredith acordou com o tom
ríspido da voz. — Ele não sabe de nada. Não
foi informado.
— Meredith, tenho de nos proteger. Ele tem
a informação de que necessito. Descanse e
deixe-me cuidar disso.
Davey levantou-se e jogou o garoto sobre o
ombro, como um saco de batatas. Afastouse o suficiente do carvalho para que ela não
o escutasse. Não sentiu a presença de
ninguém, tal qual ocorrera na noite
anterior, mas não mais confiava em seu
novo dom de pressentir o perigo.
Sem cessar, ele fez as mesmas perguntas ao
garoto.
— Foi Tylwyth Teg que me pegou.
— Nada de galês — Davey ordenou, aliviado
Projeto Revisoras
pelo menino ter falado enfim.
— As Trevas, Davey.
Ele se virou e divisou Meredith em pé,
apoiada no tronco do carvalho. Fitou-o sem
piscar.
— Mulher teimosa. Quer desmaiar ou
prefere reabrir a ferida?
— Traga-o até mim — ela ordenou.
— Vai acocá-lo agora?
— Davey, tenha compaixão. Sei o que
aconteceu a ele. Owain tentou o mesmo
comigo.
— Com você? — ele repetiu, perplexo. —
Tentou persuadi-la a matar alguém?
— Não. A roubar o que ele desejava.
Era tolice sentir ciúme de um homem que
ele nem sequer conhecia, mas já o
considerava inimigo. Só conseguia pensar
em Meredith tornando-se escrava de...
Owain ap Madog. E o que mais ele exigira
dela? Davey interrompeu os devaneios
quando Meredith pediu-lhe de novo que lhe
trouxesse o menino.
— Vou fazer outra ronda — avisou,
largando o garoto aos pés dela. — Grite, se
ele tentar algo.
— Espere. Traga minha sacola. Ainda há
água quente?
— Sim.
Embora ressentido, Davey entregou-lhe a
sacola. Mais uma vez, perguntou-se por que
Meredith precisava dele. Mal podia conter a
Projeto Revisoras
surpresa de vê-la em pé e falando, dado o
grave ferimento do ombro. Então lembrouse de que se tratava de uma curandeira.
Ainda assim, até agora ela o usava somente
para carregar seus pertences.
Davey se afastou sem mais palavras.
Meredith estimulava sentimentos que não
lhe agradavam. Mas, tão logo iniciou sua
caminhada de vigília, esqueceu-se dela e
concentrou-se nos ruídos da floresta. O som
das criaturas entre as folhagens o
apaziguou; elas silenciavam ante a
presença humana. A menos que Owain
tivesse o poder de criar realidades.
Ele não mais escutava o murmúrio de
Meredith ou do garoto respondendo-lhe
perguntas. Até o barulho da água caindo
sobre as pedras havia cessado. Observava
cada passo e detinha-se de quando em
quando para ouvir. De súbito, bocejou,
sentindo o cansaço premente. Não podia
passar outra noite sem dormir.
Ao constatar a segurança do
acampamento, ele retornou.
— Tudo parece calmo — disse, notando que
o garoto já dormia. Sob as chamas da
fogueira, pôde perceber que o rosto de
Meredith contorcia-se de dor. — Vou fazer
mais chá. Você irá repousar?
— Davey, preciso lhe contar sobre Owain.
Ele usou o menino. E usará outros. Owain
não absorveu os ensinamento que ambos
Projeto Revisoras
recebemos.
Ela o atraía como a estrela guia. A luz do
fogo brincava com os traços delicados,
mostrando os lindos olhos, a doce curva das
faces e o brilho reluzente dos cabelos.
Davey começava a dar vazão ao desejo que
aquela proximidade causava.
Sentou-se ao lado dela e segurou-lhe a mão
enquanto Meredith bebia o chá.
— Você me parece perturbada.
— E estou. Andei pensando nos dias em que
passei com Owain, aprendendo o que os
velhos sacerdotes nos ensinavam. Ele os
persuadiu a ensinar mais que o necessário.
Foi quando Owain começou a praticar
feitiçarias em mini. Havia um livro a que
somente os druidas sábios tinham acesso.
Owain o queria e tentou me obrigar a
roubá-lo. Já existia o mal dentro dele
naquela época, embora tivesse apenas
dezesseis invernos.
Meredith fitou o garoto que dormia
profundamente.
— Eu devia ter a idade deste menino e, no
final, falhei porque fui pega. Não pude
mentir. Todos sabiam que Owain almejava
o livro. Após tantos cuidados para proteger
o volume, Owain acabou roubando-o.
As últimas palavras foram ditas quase
como um sussurro. Davey reparou no rosto
pálido e ajudou-a a deitar-se.
— Precisa estar sempre atento, Davey — ela
Projeto Revisoras
o advertiu. — Coloquei um snaidm druad a
nosso redor. Mas não vá à floresta antes de
eu acordar. E durma esta noite, Davey.
Durma.
— Esses dizeres em galês o que significam?
— São um nó de druida para proteção. —
Meredith fechou os olhos, exausta.
Era tarde quando Davey, enfim, conseguiu
conciliar o sono. A história de Meredith
ainda reverberava em sua mente. Owain
havia roubado o livro dos sacerdotes. Mas o
que ele roubara de Meredith?
CAPÍTULO X
Na tarde do dia seguinte, o poder curativo
do unguento e dos chás de Meredith devolveu a ela as forças. Davey lutou contra a
urgente necessidade de sair daquele lugar,
mas escondeu a impaciência. Ela ainda
precisava de mais horas de repouso antes
de voltarem a cavalgar.
Ficou sabendo que o garoto chamava-se
Dai, sua mãe era galesa e o pai ele jamais
conhecera. Os olhos haviam perdido o tom
opaco devido a algum preparado que Meredith lhe dera.
No entanto, o que Davey não conseguiu
Projeto Revisoras
descobrir era qual seria a missão de Dai
após matá-lo. Por mais que o questionasse,
o garoto sempre contava a mesma história:
Owain o encontraria e lhe daria uma
recompensa.
— Sim — Meredith disse a Davey quando
sozinhos. — A recompensa seria uma faca
em seu coração. É assim que Owain elimina
rastros.
Aquela era uma boa oportunidade para
perguntar-lhe o que mais Owain havia
roubado além do tal livro, mas Davey não
podia verbalizar suas suspeitas. Tentou
distrair-se.
— Meredith, amanhã prosseguiremos a
jornada. Não quero levar Dai conosco. Não
confio nele. — Davey ergueu as mãos. —
Nem pense em discutir. Se quer que eu a
proteja, deixe-me fazê-lo.
— Owain matará Dai quando o encontrar.
— Darei ao garoto a chance de se libertar. O
que fará depois é problema dele.
Dito isso, Davey se afastou para evitar
argumentos e resistir à compaixão de
Meredith. Não confiava mesmo no menino.
O olhar, agora límpido, de Dai observava
Meredith com total adoração. E não era o
ciúme que preponderava, tampouco o dom
da percepção que recebera.
Davey confiava em seus instintos de
guerreiro e estes clamavam para que
desconfiasse de Dai. Explicar tal decisão
Projeto Revisoras
seria perda de tempo e energia, embora
sentisse que precisava. Mas Meredith o
encarregara de protegê-la, e Davey o faria
mesmo contra a vontade dela.
Pensativa, Meredith observou-o afastar-se.
Considerou usar um feitiço para obrigá-lo a
mudar de ideia, mas sabia que nada
poderia derrubar a vontade implacável de
Davey. Mesmo que garantisse a inocência
de Dai, Davey não iria ceder.
Ele se manteve a distância, cuidando dos
cavalos, afiando a espada em uma pedra
que guardava na bagagem da sela.
Meredith continuou a observá-lo até que o
sol se pôs atrás das rochas.
Não lhe contara tudo a respeito de Owain.
Contudo, caso o fizesse, estaria violando
seu juramento. Sentiu-se agonizar quando
Davey preparou o que lhes restava de
suprimentos. Comeu sem saborear a
refeição, tentando encará-lo, mas ele a
evitava.
Davey acatara a ideia de soltar Dai, mas
não o queria dormindo tão próximo a eles.
Meredith sabia que o garoto a fitava com
explícita adoração e isso parecia irritar
Davey.
Quando o fogo transformou-se em brasa,
ela caminhou até onde Davey estava.
— Você devia estar dormindo — ele
comentou.
— Tenho de conversar com você. Confesso
Projeto Revisoras
que não queria, mas sua decisão me força a
fazê-lo.
A luz prateada da lua a iluminava,
tornando-a ainda mais misteriosa.
Meredith usava o capuz que lhe ocultava as
lindas feições.
— Davey, já conheceu alguém tão diabólico
que é capaz de matar e cometer atos
devassos só para preservar a própria vida?
— Já vi o diabo em vários disfarces.
— Mas nunca conheceu Owain. Ele se
recusa a aceitar a mortalidade. Pratica
magia negra para obter a vida eterna.
— Se pretende me deixar com medo do
homem, admito que conseguiu, Meredith.
Uma coisa é lutar contra um oponente de
grande força física e habilidades, outra é
combater alguém que utiliza feitiços e
magia.
— Vejo que é tão sábio quanto eu
imaginava. Nunca abaixe sua guarda,
Davey. Mas tenho...
— Se vai insistir em levar Dai conosco,
desista. Não me deixarei persuadir por
nada.
— Mas tem de me ouvir. — Meredith o
segurou pelo ombro quando ele fez menção
de levantar. — Há muitos que nos acusam
de realizar sacrifícios humanos. Os druidas
que sigo não são cruéis. Mas Owain...
Preciso quebrar um juramento para lhe
dizer em que ele acredita. Owain assassina
Projeto Revisoras
inocentes porque crê que as mortes o
tornarão imortal. Contudo, ele acrescenta
requintes de crueldade.
Ela segurou-lhe o rosto.
— Juro que é verdade. O livro que ele
roubou...
— Há mais que isso — Davey a interrompeu,
desconfiado. — Você sabe muito bem o que
ele é capaz de fazer porque já testemunhou.
A vergonha desmedida a obrigou a virar o
rosto. Porém Davey merecia saber.
Encarou-o, sem admitir ou negar nada.
Trémula devido à confusão de emoções,
Meredith o abraçou, absorvendo o calor e a
força do guerreiro.
— Não quero vê-la sofrer com as
lembranças, Meredith. Se pudesse, eu as
apagaria de sua mente.
Meredith descansou a cabeça sobre o
ombro largo e mirou a água da piscina
natural. A superfície tornou-se límpida e o
que ela divisou ali a fez chorar.
Davey postou-se diante dela, bloqueando
qualquer perigo. Mas tudo continuava
sereno.
— O que você viu?
— Homens morrendo atrás de nós. São os
mesmos cavaleiros que pressenti —
Meredith respondeu, apavorada. — Abraceme, Davey, por favor. Ele sabe onde
estamos.
— Sim, ele tem de saber. Do contrário, por
Projeto Revisoras
que Dai estaria esperando? Owain está em
algum lugar a nossa frente.
Davey apertou-a entre os braços. O capuz
tombou, revelando o rosto atraente. O
desejo irrompeu como uma tempestade no
mar. Mal conseguia controlá-lo. Acariciou
os lábios convidativos com os dele. Atiçou-a
por alguns instantes, adorando o beijo que
ela lhe oferecia.
Os lábios se tocaram novamente, e a doce
fragrância de ervas o envolveu. Davey
queria estar com o coração puro tal qual
ela desejava. O calor e a maciez da boca
usurpavam seu autocontrole. Traçou a
curva dos lábios com a língua, e foi
recompensado com um suspiro.
Na ponta dos pés, Meredith colou-se ao
corpo viril. A profunda percepção do desejo
a estimulava. A respiração de ambos
tornou-se uma, transformando a vida em
um momento único. Não conseguia
absorver as sensações que a dominavam
por completo. Dos lábios aos lugares em
que as mãos hábeis acariciavam, a paixão
crescia, fervorosa e urgente.
Quando Meredith moveu-se na tentativa de
abrandar a crescente necessidade, Davey
quase entregou-se de tão grande que era o
desejo de possuí-la.
Aqueles lábios carnudos pareciam ainda
mais potentes. O abandono inocente
infligia destruição a sua consciência. Mas
Projeto Revisoras
os suspiros de prazer incitavam uma
selvageria capaz de vencer a força de
vontade. O sangue fervia enquanto ele
afagava os quadris, pressionando-os
contra si. A barreira das roupas o
frustrava. Precisava afastar-se dela. Tinha
bastante experiência para saber quando
parar. A honra digladiava-se com a
urgência de satisfazer o desejo de ambos.
Davey beijou-lhe a testa, os olhos e as faces
na esperança de suprimir o fervor em seu
sangue. Meredith sussurrou o nome dele e
beijou-o, perdendo-se na paixão. Com as
mãos Davey a guiou em uma dança de
corpos para que pudesse deslizar a coxa
musculosa entre as dela.
Por um instante, permaneceu inerte,
esperando que ela o empurrasse ou
empreendesse algum movimento para
afastá-lo. Mas Meredith continuava a
mover-se entre suspiros e gemidos suaves.
Ele a apertou contra si. Em cada
movimento, Meredith roçava o próprio
corpo no dele, instigando o desejo.
A princípio, Davey a achara inocente,
porém a sutileza dos beijos e carícias
demonstravam conhecimento. Como se
pressentisse o pensamento de Davey, ela
mordiscou-lhe o lábio e liberou a fome que
ele tanto reprimia.
Meredith não mais pensava em certo ou
errado. O despertar do poder feminino
Projeto Revisoras
submetia-lhe o corpo e a mente. Davey a
acariciava, beijava-a e excitava os sentidos
com a prática de um homem acostumado a
dar prazer. Estava tão entretida na paixão
que, ao levantar o braço machucado, sentiu
uma dor aguda no ombro e gritou.
A dor não diminuiu quando Davey
interrompeu o beijo. No mesmo instante,
Meredith sentiu a perda de tão profunda e
lenta intimidade entre um homem e uma
mulher. Aconchegou-se nos braços de
Davey, enquanto ele gentilmente a
confortava. Murmurava palavras sem
sentido só para acalentá-la. O que a
possuíra? Todos os protestos e a promessa
de que nunca seriam amantes dissiparamse no momento em que o beijou.
O corpo másculo estava tenso e quente, mas
Davey escondia os pensamentos e nada
dizia, somente a abraçava até que o
coração dos dois recobrasse o ritmo
normal.
O medo a impelira. Meredith não podia
mentir a si mesma. Owain. O nome já era o
suficiente para fazê-la tremer. Durante
muito tempo, ela ocultara aquele temor.
Davey teria entendido o que lhe fora dito?
Ousaria ela repetir?
Ele continuava em silêncio e a mantinha
entre os braços com a suavidade necessária
para Meredith soltar-se quando quisesse.
Mas não desejava abandonar aquele
Projeto Revisoras
paraíso. Caíra em uma armadilha. Havia
paixão. Negar que se sentia atraída por
Davey como uma flor pelo sol era o mesmo
que cegar-se à.vida.
Por que agora?, perguntou-se. Necessitava
da mente, da força e de todos os poderes
para impedir que Owain obtivesse as
dádivas. A falha de Dai não o deteria. Nenhuma morte o faria parar.
E quanto a Davey? O que pensava dela
agora?
Ele não sabia que escondia os próprios
pensamentos. A raiva não era a emoção que
esperava após o que acontecera entre
ambos. Porém, a ira o consumia. Precisava
ficar longe de Meredith. Não pensava com
clareza quando ela estava por perto.
Por quê? Meredith fora veemente ao dizer
que não havia lugar para a paixão em sua
vida. E, no entanto, não mostrava sinais de
resistência, e ele não conseguia distanciarse.
Teria ela o tentado para dissuadi-lo a levar
Dai? Seus instintos o impediam de realizar
tal ato insano. Mas como negá-la se era
tudo que ele desejava?
Voltou a perguntar-se por quê. As
desconfianças aumentavam. Meredith não
devia estar associada a Owain. Ela temia o
homem. Podia o medo ser maior que a promessa de castidade até atingir sua missão?
As perguntas o perseguiam e o obrigavam a
Projeto Revisoras
afastar-se.
Mas Meredith tomou a decisão por ele.
Desvencilhou-se e caminhou até o fogo.
— Vou tecer um nó poderoso para que você
possa dormir esta noite — ela informou com
extrema calma, como se os últimos minutos
nada tivessem significado.
— Certo — Davey murmurou. — Teça outro
nó como o feitiço que jogou em mim.
— Está enganado, Davey. Seu coração e
sua mente regem sua vontade. Procure
dentro de si as respostas para seus
conflitos. Não me responsabilize.
Havia uma certa frieza no tom de voz. Cada
vez que se sentia livre da perscrutação de
Meredith, ela provava o contrário.
Ao vê-la desequilibrar-se, ele correu para
socorrê-la.
— Deixe-me cuidar de seu ferimento. E não
desperdice fôlego discutindo.
— Como quiser, Davey. — Ela deitou-se no
leito de grama. — Pense no que lhe disse a
respeito de Owain e no que acontecerá a
Dai. Não quero que o garoto morra...
— Você sempre tem de dar a última palavra.
Meredith não retrucou. Ficou deitada
enquanto ele trocava o curativo.
— Owain — ela murmurou, quando Davey
terminou.
— Não vou ouvir este nome outra vez.
Meredith agarrou-lhe o pulso.
— Vai ouvir o que ele fez comigo. Assim,
Projeto Revisoras
entenderá por que e como ele controla
aqueles que tentam negá-lo.
— Fique calma, Meredith. Você se desgasta
com tanta fúria. Eu a ouvirei, se isso a
livrar do veneno que a consome por causa
desse homem.
— Animal — ela o corrigiu.
— Sim, não vou discutir com você.
— Owain é seis invernos mais velho que eu.
Quando completei meu décimo terceiro
verão, ele me disse que seríamos
companheiros se eu conseguisse provar
meu valor. Exigiu que eu roubasse o livro
sagrado. Minha recusa de nada adiantou.
Ele deixou a carcaça de uma lebre na porta
de minha cabana. Avisou-me que cada vez
que me recusasse a obedecê-lo, mataria um
animal ainda maior. Não acreditei.
— Você contou aos druidas?
— Somente uma semana depois. Não havia
animais maiores que o gamo. Owain alegou
que se eu continuasse a resistir, ele mataria
um homem.
Meredith respirou fundo, antes de
prosseguir.
— Ninguém acreditou em mim. Não até
meus gritos alertarem o acampamento na
noite seguinte. O homem morto diante de
minha cabana era desconhecido. Acusei
Owain, mas os mais velhos alegaram que
eu não o vira assassinar o pobre. Owain
estava sendo treinado para instruir nosso
Projeto Revisoras
príncipe que ainda ia nascer. Nenhum
aprendiz se igualava a ele, e muitos ficaram
em silêncio quando pedi justiça.
Davey segurou as mãos de Meredith. Ela o
fitava, mas não parecia enxergá-lo.
— Mas eu tinha medo de Owain. Ele riu
quando o amaldiçoei por matar um
inocente. Nem sequer ligou. Entendi então
que algo em Owain faltava. Ele não sentia
remorso, culpa ou outro sentimento
normal. Nos dias que se seguiram, ponderei
sobre que espécie de homem ele havia se
tornado. E mantive-me resoluta em não
ajudá-lo.
Com os olhos enevoados, ela suspirou.
— De repente, Owain obteve a oportunidade
de roubar o livro. Em vez de fugir, ele
continuou no acampamento. Novamente,
exigiu que eu fizesse um sacrifício especial.
Disse que conseguiria ter mais poder que
aqueles que nos ensinavam. Por isso,
precisava do livro.
— Não precisa continuar, Meredith.
Acredito que ele seja um demónio. Não há
necessidade de lembrar tanto sofrimento.
— Talvez eu esteja fazendo isso por mim.
Creio que necessito me lembrar de quão
depravado é Owain. Por favor — ela
sussurrou. — Vai me ouvir?
— Nunca implore. Nenhuma mulher devia
suplicar diante de um homem. Nem mesmo
para contar uma história.
Projeto Revisoras
— Eu gostaria — Meredith tocou-lhe o rosto
— que fosse somente um simples conto.
Talvez a dor diminuísse.
— Se eu pudesse poupá-la...
— Escute. É tudo que lhe peço.
— A bem da verdade, o som deste nome em
seus lábios me enoja — Davey confessou. —
Desculpe-me, Meredith. Termine sua
história. Se tem forças para falar, conseguirei ser forte para ouvi-la. Então Owain
pegou o livro que tanto desejava — ele a
encorajou.
— Sim, e negou o crime. Eu não sabia que
ele pretendia muito mais. Owain cobiçava
ampliar os limites de seus poderes, e os
mais velhos o contiveram. Os sacerdotes
sabiam que ele roubara o livro, porque
ninguém havia demonstrado tanto
interesse quanto Owain. Quando negou as
acusações, ele disse que protegia outra
pessoa. A mim. Então, acusou-me de roubar
o livro. E, de novo, Owain avisou que eu
deveria acatar seus desejos ou pagaria um
preço terrível. Mas não fiz o que ele queria.
Os olhos cinzentos carregavam tamanha
angústia que Davey não tinha palavras
para descrever. Queria abraçá-la, suplicar
para que parasse, mas compreendia a necessidade de desabafar. Segurou-lhe as
mãos com força, na esperança de que ela
tivesse forças para terminar.
— Eu cuidava de duas meninas órfãs.
Projeto Revisoras
Branwen e 01-wen eram inocentes e me
davam muita alegria. Embora Owain
estivesse confinado em sua cabana, havia
alguns que acreditavam nele. Almejavam
obter mais poderes. Eles pegaram as
meninas. E, dessa vez, todos me ouviram
quando levantei as acusações contra
Owain. Por mais
que eu suplicasse, por mais que os druidas
o ameaçassem, ele se recusava a devolver o
livro e as crianças. Owain recebeu uma
terrível punição e foi banido.
Lágrimas começaram a rolar sobre as faces
delicadas. Meredith ficou em silêncio.
Davey não dimensionava a dor que ela
sentia, tampouco negou-lhe a chance de
chorar pela perda das crianças. Encostou
no tronco do carvalho e a acomodou junto a
si. Enfim, ambos adormeceram.
A história de Meredith serviu pelo menos a
um propósito. Dai partiu com eles na
manhã seguinte.
CAPÍTULO XI
A pressa não declarada impelia os três viaLjantes a percorrer a estafante cavalgada
de dois dias seguidos, através da densa
Projeto Revisoras
floresta constituída de carvalhos e
pinheiros. A região era totalmente
desconhecida para Davey. Várias vezes
tiveram de recuar para atravessar ravinas
e quando encontravam a trilha bloqueada
por pedras gigantescas.
No terreno pantanoso a travessia foi mais
fácil, apesar da vegetação alta e do calor
retido no solo improdutivo. E o odor
familiar do mar sempre os acompanhava.
De propósito, evitavam qualquer moradia.
Davey preparava armadilhas e Meredith
colhia vegetais comestíveis à beira de
riachos, onde paravam para descansar. Dai
permanecia com eles, ajudando como
podia.
Davey ainda desconfiava do garoto, e fazia
questão de amarrá-lo todas as noites,
atitude essa que desagradava Meredith.
Incomodava-o vê-los conversando em
galês, um idioma que ele não compreendia.
Embora não fosse cruel com Dai, Davey
recordava, cada vez que trocava- o curativo
de Meredith, o momento em que o garoto
lançara a adaga enfeitiçada.
Por sua vez, Meredith mantinha-se calada
respeitando o excesso de cuidado do
guerreiro. O tempo e as ações provariam
que estava certa sobre Dai. A culpa que
sentia +..em relação às duas crianças
inocentes, sacrificadas por Owain, a
consumia. Se pudesse, usaria seus poderes
Projeto Revisoras
para pôr um fim naquele desalmado. Matálo seria sua própria destruição, e o povo
Cymry precisava dela.
Em poucas horas, atingiriam os portões de
Torridon. Ela virou o rosto para alertar
Davey, porém a atenção do guerreiro
estava voltada à retaguarda. A distância,
divisou a figura de um homem montado em
um burrico. Devia ser um dos monges de St.
Dutho, pensou, mas nada disse a Davey. Ele
parecia imerso em pensamentos, e
Meredith não desejava romper a paz
aparente entre ambos.
Dai cochilava sobre o cavalo, cujas rédeas
estavam amarradas ao garanhão de Davey.
O garoto tornou-se calado demais desde o
desjejum e Meredith suspeitava de que ele
estivesse adoecendo.
Ela riu quando uma gaivota, em um vôo
rasante, quase tocou seu ombro. Queria ter
farelo de pão para jogar ao pássaro. A
gaivota emitiu um grito agudo, como se a
recriminasse pela falta de alimento, e
desapareceu no céu azul.
Os olhos de Meredith brilhavam quando
fitaram Davey.
— Alegra-me vê-la tão radiante, Meredith.
— Ele notou que o comentário causou em
leve rubor nas faces delicadas.
— Sim, há tempos não tenho motivos para
rir. Mas veja, Davey. Logo abaixo está o
lugar que procuramos.
Projeto Revisoras
— Vai me contar o que iremos fazer ali?
— Pretendo resgatar o cálice a qualquer
custo. Não sei se ele pertence ao senhor do
feudo. Porém, antes do anoitecer, o cálice
será meu.
A mudança no tom de voz o impressionou.
De repente, voltou a visualizar a mulher
que conhecera. Sentia um estranho poder
irradiando a sua volta. Talvez a revelação
de seu passado com Owain houvesse
eliminado o veneno que a devorara durante
anos. Parecia calma, mas firme em seu
propósito. A admiração e o constante
desejo que Davey nutria por ela
aumentavam.
Meredith espantou-se quando ele segurou
as rédeas da égua para detê-la.
— Precisa discutir seu plano comigo,
Meredith. Não posso invadir Torridon sem
saber por quê. Que papel você pretende
desempenhar?
A seriedade era evidente. Davey não
demonstrava raiva ante a possibilidade de
obedecê-la. Meredith evitara argumentar,
pois ele era homem o bastante para impor
suas vontades.
— Quer ser meu marido, Davey?
— Quero, se é disso que necessita. E quanto
a Dai?
— Será meu irmão. Assim, ficaremos juntos
e você não se sentirá tão ameaçado com a
presença dele.
Projeto Revisoras
— Já que será minha esposa, lembre-se de
manter a submissão. Diremos que estamos
voltando do casamento de sua irmã. —
Davey fez uma pausa para visualizar o
mapa da região oeste que Micheil havia
adquirido. — Retornamos de um local bem
distante como a Ilha de Mull. Combinado?
— Teremos de viajar pelo mar depois que eu
recuperar
o cálice. Iremos à Inglaterra.
— E acha que um navio estará nos
esperando? É preciso tempo para obter
passagem... — Ele calou-se ao vê-la menear
a cabeça. — O que foi?
— Nada. Está tudo arranjado. Você não...
— Às vezes, milady, você me faz sentir um
inútil! Exasperado, Davey esporeou Ciotach
para enxergar
melhor o feudo. Uma pequena aldeia de
pescadores localizava-se à costa do lago. Os
barcos estavam ancorados no cais. As
cabanas, coladas umas às outras, jaziam ao
pé da fortaleza, rodeada por um muro de
madeira. Os portões permaneciam
fechados. Davey não avistou guardas na
amurada, tampouco animais.
Havia um aspecto de abandono no
lugarejo. Na verdade, o sinal de fumaça em
poucas chaminés dava a impressão de que a
fortaleza estava sendo desertada.
— Presumo que você passou por aqui a
caminho de Halberry — ele comentou com
Projeto Revisoras
Meredith. — Torridon encontrava-se tão
deserto como agora?
Ela ignorou o tom ríspido, tal qual fizera
quando Davey dissera sentir-se um inútil.
Não entendia aquela atitude. Por que
estava tão zangado?
Ao observar a aldeia e a fortaleza, Meredith
concordou com o comentário.
— De forma alguma. Se o senhor do feudo se
foi, per mi tirão nossa entrada? Com
certeza, oferecerão abrigo a viajantes. Não
acha?
— Não sei nada sobre quem governa
Torridon. Se o senhor se foi, como você
disse, há uma chance remota de nos
deixarem entrar. Vamos descobrir.
Davey liderou o trajeto à aldeia.
Esquadrinhou os arredores, onde qualquer
brigante poderia se esconder e achacar
transeuntes distraídos. Pareceu-lhe
estranho que o senhor da fortaleza não
houvesse mandado limpar a trilha. Com
uma das mãos, ele segurava as rédeas, e a
outra mantinha apoiada no punho da
espada.
Felizmente, passaram ilesos e logo
atingiram os portões de Torridon.
Meredith nada comentou acerca das
precauções de Davey, embora as achasse
desnecessárias. Sabia que a floresta estava
livre de predadores humanos. Davey
parecia seguro, forte e valente a seus olhos.
Projeto Revisoras
De súbito, ela compreendeu aquela atitude.
Claro que ele queria liderar a jornada.
Afinal, fora treinado para tais empreitadas.
Poderia Davey um dia aceitar os amplos
poderes de Meredith?
As reflexões foram interrompidas pela
arrogância de Davey ao exigir a abertura
dos portões. Ela escutou a voz tornar-se
mais severa e prepotente. Por fim, o rosto
de um velho surgiu sobre a amurada.
Meredith imaginou que o homem precisaria
ficar na ponta dos pés para enxergá-los.
Além da aparência sonolenta do velho, suas
palavras pareciam incompreensíveis. Mas
Davey impunha autoridade. Meredith
permaneceu em silêncio enquanto os dois
discutiam.
Após alguns minutos, Davey fitou-a com
extrema intensidade. Ela prendeu a
respiração.
— Há quanto tempo esteve aqui?
— Foi antes do verão — ela respondeu. — O
que aconteceu? Por que os portões não se
abriram para nós? Davey, por que me olha
como se eu fosse uma estranha?
— Você pretende resgatar o cálice a
qualquer custo, certo?
— Certo. — Meredith ficou alarmada. — E
não posso usar meus dons para ferir ou
matar. Diga-me o que aconteceu aqui!
— Estão todos mortos. O senhor, a esposa,
os servos, e também alguns lavradores
Projeto Revisoras
foram acometidos por essa morte
repentina. Uma hemorragia, segundo o
homem, e não havia poção que a
estancasse.
— Davey — ela murmurou, suplicante. —
Acredita que tive algo a ver com isso?
Não era necessário ser cego para não ver a
dor que ele, sem querer, provocara.
— Não, Meredith. Só queria saber se você
notou algo diferente quando esteve aqui.
— Oh, eu o interpretei mal — ela justificouse. — Não notei nada de diferente. Partilhei
as refeições e dormi sob este teto. O
senhor... Duncan era seu nome, mostrou-se
gentil e festeiro, tal qual a esposa. Não
havia estranhos aqui. Mas, Davey, isso foi
há meses.
— Entendi. O velho se recusa a...
— Você sabe que tenho de entrar.
— Nesse caso, milady, sugiro que crie um
feitiço e voe.
O velho não quer que entremos. Recebeu
ordens para barrar a entrada de qualquer
um até o conde Ross chegar.
— Quando?
— Ele não sabe. — Davey acariciou o
pescoço de Ciotach.
— Se todos morreram, quem lhe deu a
ordem? — Meredith perguntou, intrigada.
— Não sei. Mas não importa.
— Claro que importa, Davey. Como o velho
conseguiu sobreviver à hemorragia?
Projeto Revisoras
— Isso eu sei. Ele alega ter ido visitar a filha
na aldeia de pescadores na noite em que
todos adoeceram.
— Uma hemorragia súbita — Meredith
murmurou, pensativa. Como curandeira,
conhecia os poderes de todas as plantas. O
podofilo e o teixo, em grande quantidade,
podiam efetivamente matar. Ambos eram
fáceis de encontrar. Ela se virou na sela e
encarou Dai. — Olhe para mim!
Dai obedeceu devagar. Mas tão logo mirou
os olhos cinzentos, ele pareceu hipnotizado.
— Você esteve aqui com Owain?
Tenso, Davey encarou o garoto. Ciotach
sacudiu a cabeça devido à reação
inesperada de seu mestre.
— Responda, Dai — ele ordenou.
Atenta, Meredith mantinha o olhar fixo em
Dai, como se assim pudesse obrigá-lo a
falar. Segundos depois, o rapazola virou o
rosto.
— Menino, não vou pedir de novo.
Responda à pergunta ou o deixarei à mercê
da própria sorte. — Davey observou Dai
baixar o rosto ainda em silêncio. — Pelo
jeito, você obteve sua resposta, apesar de
ele ser covarde demais para admitir que
esteve aqui.
— Dai, é verdade? Você ajudou Owain a
fazer isso?
— Não quero morrer! — Dai exclamou,
pulou da sela e correu.
Projeto Revisoras
Ele tentou fugir, mas Davey adiantou-se,
agarrou-o pela gola da túnica e o ergueu.
Ignorando os protestos de Dai, aproximouse de Meredith e jogou o garoto no chão.
— Milady, tenha piedade — Dai sussurrou,
ajoelhado diante dela.
— Dai, não vou recriminá-lo pelo ato
pecaminoso que Owain cometeu. Pergunteilhe apenas se esteve aqui. Preciso saber se
ele matou essas pessoas. Também lhe peço
piedade.
Dai a encarou. As feições angelicais do
garoto expressavam certa rebeldia.
Meredith obrigou-o a responder, exigiu e,
enfim, quase exausta, tentou coagi-lo a
admitir. Ele permaneceu calado. Nenhum
som saiu de seus lábios.
— Aceite o fato de que Owain chegou aqui
primeiro — Davey argumentou. — Estamos
perdendo tempo. Dai não vai responder. É
melhor pensarmos em um lugar para
acamparmos esta noite.
— Aqui.
— Ficou louca?
— Espero que não, Davey. Tenho de entrar
na fortaleza. A lua está subindo e eu...
— E você vai se transformar em um
pássaro e voar sobre a muralha de
madeira! — Ele desceu do cavalo,
resmungando.
Nada parecia atenuar o tormento. Davey
não achava seguro permanecer tão
Projeto Revisoras
próximo à amurada. Também imaginava
que o esquema ousado de Meredith para entrar no domínio não daria o resultado
almejado. Enquanto ocupava-se com
Ciotach, escutou-a sussurrar à medida que
caminhava em círculo ao redor deles. No
mínimo, entoava outro nó de druida para
protegê-los.
Quando por fim ela se aquietou para
preparar uma sopa, Davey teve a sensação
de que havia algo errado no discurso do
velho. E o garoto recusava-se a confessar!
Acreditava que Owain houvesse
assassinado todos os habitantes de
Torridon só para obter o cálice. E seria ele
capaz de aniquilá-los também a fim de
roubar todos os presentes sagrados?
— Davey? — Meredith chamou, com o
intuito de distraí-lo. Tinha de eliminar a
expressão consternada do
belo rosto. — A comida é pouca. O pão
endureceu e as tortas ressecaram.
Precisamos de água. .
Com toda a graça feminina, ela puxou a
mecha de cabelo que soltara da tiara.
— Escutou o que eu disse, Davey?
— Escutei — respondeu, de pronto. Era
impossível não ater-se ao menor
movimento de Meredith.
— Podia pedir ao velho...
— Tem coragem de beber ou comer
qualquer coisa que ele oferecer?
Projeto Revisoras
— Não seja rude comigo, Davey. Concordo
com você. O lago não está longe. Podemos
buscar água lá. Gostaria de ter tempo de
me banhar.
— Aqui não. Não é seguro. Quanto à
comida, divida minha parte entre você e
Dai. Minha fome desapareceu. — Na
verdade, era o desejo absurdo que sentia
por ela que eliminava o apetite.
A fim de evitar que aqueles olhos
penetrantes lessem seus pensamentos,
Davey recuou.
— Como pretende entrar na fortaleza?
Ele a atacava com o rigor de uma violenta
tempestade. Meredith não sabia o que o
deixava enfurecido. Porém Davey
aprenderia a falar com educação.
— Pretendo me transformar em um
pássaro e voar sobre a muralha, como você
sugeriu — ela ironizou.
A postura austera e beligerante
acrescentava mais intensidade ao vigor do
guerreiro. O coração de Meredith disparou
ao lembrar-se do que acontecera entre
ambos na noite anterior.
— Nessas circunstâncias, milady, seu
talento me assombra.
— Também fico maravilhada, oh grande
guerreiro.
— Deve ficar mesmo — ele resmungou, sem
olhá-la. Meredith estava ajoelhada sobre o
cobertor, e Davey queria apenas tomá-la
Projeto Revisoras
nos braços e tirá-la dali.
— Perdoe-me, Davey, por responder dessa
maneira.
— Você não sente este incómodo? Não tenho
palavras para descrevê-lo. Não gosto deste
lugar. Nem sei se é o odor da morte ou algo
diferente. Com seus dons, deve estar
pressentindo o mesmo que eu.
Meredith observou Dai brincar com uma
pedra. Ele parecia alheio à conversa, como
se estivesse sozinho.
— Meredith?
— Tudo que sinto, Davey, é a presença do
cálice na fortaleza. Se Owain enfeitiçou este
lugar, eu seria capaz de perceber.
Entretanto, o livro possuía magias
poderosas, às quais ela jamais teve acesso.
Eram feitiços maléficos e talvez servissem
para ocasionar a morte. Mas se
verbalizasse os temores, Davey a proibiria
de entrar no domínio de Tor-ridon. E isso
não poderia acontecer. Caso a vida de
Meredith corresse perigo, ele faria
qualquer coisa para impedi-la.
— É tudo? Não tem mais nada a me dizer?
— Sinto o mesmo que você. A morte paira
sobre a fortaleza — ela confirmou. — Assim
que anoitecer, vou entrar.
— Mulher obstinada! Pode me dizer, oh
grande admiradora de maravilhas, qual é
minha função? Devo vigiar nossos míseros
pertences? Ou os cavalos? Ou Dai, que paProjeto Revisoras
rece perdido em si mesmo? Devo dormir
enquanto você se arrisca? Ou vai sussurrar
outra magia para me silenciar?
— O que deu em você, Davey? — Ela se
levantou. O que ele sentia era impossível de
definir, mas possuía muita força.
— Quero sair daqui. Se insiste em
recuperar o cálice hoje, faça-o agora. Não
tenho todas as respostas. Mas, se nos
demorarmos aqui, estaremos arriscando
nossas vidas.
Quando estava prestes a argumentar,
Meredith fitou-o nos olhos. Havia um brilho
obscuro, ameaçador. A expressão a
confundiu. Ela não pressentia nada, mas
era óbvio que Davey sentia o perigo.
— Que assim seja. Vou entrar agora.
CAPÍTULO XII
- Espere, Meredith. Iremos juntos. - E Dai?
O que vai fazer com ele? Em segundos, a
despeito dos protestos de Dai, Davey o
amarrou.
— Pelo menos, não me preocuparei com
nossa retaguarda. — Ele avaliou a altura da
muralha de madeira. — Ainda não entendo
como você vai entrar. — Davey olhou para o
Projeto Revisoras
lado no instante em que Meredith rodeava o
feudo.
Agarrando a espada, precipitou-se atrás
dela. Haveria um portão lateral? Ao
considerar a possibilidade, ele divisou uma
trilha estreita que circundava a muralha.
Meredith deteve-se para pegar sua faca e
inseriu a lâmina entre as juntas de
madeira. Por um breve momento, os olhos
cinzentos o fitaram, brilhantes. Então,
voltou ao trabalho, rompendo as amarras
entre as estacas. Recusou a oferta de ajuda
e continuou a trabalhar do outro lado.
— Está com a espada verdadeira? — ela
indagou.
— Não. Você não me pediu para trazê-la.
— Vá buscá-la.
— Espere-me aqui, Meredith. Não entre sem
mim. — Davey não aguardou resposta.
Correu para buscar a outra espada.
Frenética, ela suou para soltar a outra
estaca. Haveria espaço suficiente para
passar em um instante ou dois. Davey
ficaria furioso, mas Meredith não podia
esperar. Puxou a extremidade inferior da
madeira e esgueirou-se pela abertura. Pelo
que tudo indicava, o portão lateral fora
bloqueado.
Atenta, ela escutou o silêncio sepulcral. Não
pressentia nada, mas a desconfiança de
Davey a deixava em guarda. Com extrema
cautela, atravessou o pátio, recordando a
Projeto Revisoras
localização das construções em sua última
visita à fortaleza. As folhas secas do solo
estalavam conforme Meredith caminhava
em direção à escada de madeira, a qual
dava acesso ao domínio.
Escutou um estalo atrás de si. Davey havia
descoberto que ela entrara. Não conseguia
imaginá-lo passando pela estreita abertura
do muro. Já seria o bastante ele montar
guarda para lhe garantir a fuga.
O único detalhe que Meredith não previa
era encontrar a porta principal trancada.
Se o velho dormia no saguão... Não, não
existiriam barreiras. Ela tinha de
recuperar o cálice e fugir daquele lugar
mórbido.
Subiu a escada dos fundos, enquanto
notava que ainda empunhava a faca.
Pensou em recolocá-la na bainha, mas
hesitou. Ao sentir um arrepio súbito, culpou
Davey por lhe passar tal insegurança.
Bastou um pequeno empurrão para a porta
se abrir. Deparou com a total escuridão.
Sentiu o cheiro fétido da putrefação e um
forte odor de fumaça que não advinha da
imensa lareira à parede.
Meredith murmurou uma prece de proteção
para si e deteve-se ante o portal. O aguçado
sentido lhe dizia que ser vivo algum
respirava naquela área. E no entanto...
suprimiu qualquer suspeita e adentrou,
decidida.
Projeto Revisoras
A presença do cálice a atraía, tal qual
acontecera com a espada. Ele tinha pouco
valor, pois não era feito de ouro ou prata, e
tampouco era guardado com os objetos
preciosos do feudo. Silenciosa, Meredith
cruzou o saguão, ignorando as sujeiras em
que pisava.
Percebeu também que, quando a morte
recaíra sobre o local, não levara somente
vidas humanas. Nem um rato sequer
alimentava-se de detritos. Novamente
sentiu um arrepio. Embora usasse todos os
sentidos, não conseguia identificar a
origem do tremor.
Após alguns passos, uma profunda
necessidade a apressou. No mesmo
momento, notou que Davey estava atrás
dela. Como a espada que empunhava, ele
brilhava feito aço. Não fez nenhum
movimento para falar ou tocá-la, mas a
surpreendeu ao aproximar-se sem emitir
ruídos.
Em pensamento, Meredith baniu qualquer
investida maléfica. O mal ainda rondava
aquele castelo? Ela saberia, caso Owain
estivesse por perto.
Meredith prendeu a respiração para tentar
escutar algum som. O toque repentino em
seu braço quase a fez gritar. Com o gesto
sutil, Davey lhe dizia para prosseguir e
guiá-lo.
Sem vacilar, ela percorreu o corredor,
Projeto Revisoras
contando os passos até atingir o cómodo
principal. Não havia porta para impedirlhe a entrada, somente uma grossa
tapeçaria.
Meredith fechou os olhos. Era impossível o
quarto estar mais escuro que o saguão.
Porém, quando olhou-o outra vez,
certificou-se do fato.
— Por que hesitou? — Davey murmurou.
Calada, ela adentrou o aposento com uma
das mãos estendida para não trombar nos
móveis. De repente, esbarrou na cômoda e
tateou as gavetas até encontrar a quarta,
onde acharia o cálice.
O ar parecia carregado. Ficou grata por
ninguém ter trancado o gaveteiro. Aflita,
deslizou os dedos entre as roupas, sentindo
o aroma de alecrim impregnado nos
tecidos.
No fundo da gaveta, encontrou objetos
enrolados em pedaços de couro. Trêmula,
ela apalpou cada peça antes de agarrar o
cálice.
Felizmente, ela já estava com o cálice na
mão quando Davey a empurrou. Meredith
sacudiu a cabeça como se saísse de um
transe. Havia mais alguém no quarto.
A respiração ofegante do intruso o delatou.
Meredith nada disse ou fez para distrair
Davey. Atrás dele, tentou discernir quem
achava-se à soleira da porta. Seus dons de
percepção tinham falhado. Entretanto, não
Projeto Revisoras
se tratava de Owain.
De súbito, Davey ergueu a espada, e o
barulho de metais colidindo ecoou pelo
quarto.
Colada à cômoda, ela espantou-se com a
capacidade de Davey de prever o ataque.
Mesmo sob a escuridão, pôde ver que a
lâmina do oponente era negra, tal qual a
adaga que Dai usara para tentar matar
Davey.
Segurando o cálice de encontro ao peito, ela
agarrou o punho da faca com a outra mão.
Ficou desesperada por não conseguir
divisar o homem que enfrentava Davey. A
colisão das lâminas reverberava pelo
cômodo.
Davey iria vencer a luta. Porém a certeza de
Meredith jazia nas habilidades do
guerreiro, e não no poder da espada.
Assustava-a não poder ajudá-lo.
O pavor crescia. Murmurou várias orações
para proteger Davey. Faíscas cintilavam no
escuro cada vez que as espadas se
encontravam. Grunhidos e exclamações
pareciam surgir de todas as direções. Ela
invocou feitiços para acender a lareira ou
alguma vela, mas a negritude prevalecia.
Owain havia enfeitiçado o feudo e utilizara
a poderosa bruxaria que o livro continha.
Meredith afastou-se de Davey, certa de que
magia e feitiços não o salvariam; somente o
talento do guerreiro que empunhava a
Projeto Revisoras
Espada da Justiça poderia eliminar o
perigo.
Choque e ira espantaram o medo. Um grito
de dor a fez recuar. Seria Davey? Estaria
ferido? Como poderia ajudá-lo?
As espadas, mais uma vez, encontraram-se
na escuridão. Faíscas pipocaram no ar.
Incapaz de gritar, Meredith respirou fundo
na tentativa de conter o temor que sentia
por Davey. E havia um forte odor de
fumaça.
Um gosto estranho atingiu-lhe a boca.
Precisava avisar Davey. Mas como? Berrar
poderia distraí-lo e causar-lhe a morte.
Meredith tentou acalmar-se. Não havia
escolha. Tinha de abaixar as defesas. Os
grunhidos aumentaram, mas se
distanciaram dela. Enquanto as lâminas
colidiam, os ruídos estridentes tornaram-se
mais lentos.
O que estava prestes a fazer seria tão
perigoso quanto distraí-lo.
Davey? Escute-me. Há fumaça. Você
precisa terminar esta luta agora.
Somente o treinamento de Davey o salvou
ao ouvir a voz carinhosa de Meredith em
sua mente. Quase derrubou a espada
quando ela repetiu o aviso. Mas foi a necessidade de protegê-la que intensificou a
fúria.
Esqueceu-se de que aquela espada especial
voaria sobre a lâmina do oponente cada vez
Projeto Revisoras
que ele atacava e se defendia. O homem
parecia cansado, mas se recusava a renderse.
Davey não mais precisava ouvir a súplica
de Meredith. Podia sentir o sufocante odor
de fumaça. Escorregou de repente quando
pressentiu o medo de Meredith. Naquele
breve instante, enquanto lutava para tirála de sua mente, permitiu que o feroz
inimigo o empurrasse contra o móvel
encostado à parede.
A despeito da escuridão, Davey havia
deduzido o tamanho do homem. Pela
investidas da espada, ele o julgava mais
alto e mais pesado.
Mas a raiva de Davey dava-lhe forças.
Meredith estava sob sua proteção. Escutoua tossir devido à fumaça que invadia o
quarto. O suor encharcava suas roupas e
escorria sobre os olhos, cegando-o. Tinha
de terminar aquela batalha o mais rápido
possível. O ar esfumaçado sufocava-lhe os
pulmões, e, novamente, a preocupação foi
duplicada ao sentir o terror em Meredith.
— Seu monte de ossos — Davey zombou do
oponente. — Vou vê-lo sangrar até morrer.
Usando as duas mãos, Davey brandiu a
espada de uma lado a outro para confundir
o inimigo. Abaixou-se e rolou pelo chão,
agarrando a faca da bota. A lâmina atingiu
o alvo quando a arma voou de sua mão.
Escutou um gemido e, em seguida, o corpo
Projeto Revisoras
pesado tombando no assoalho.
— Vá! — gritou para Meredith.
Em vez de obedecê-lo, ela o segurou pelo
braço quando Davey recolheu a faca.
— Você está ferido. Deixe-me ajudá-lo.
O calor da batalha ainda o aquecia,
portanto, não sentia os cortes que levara.
Levantando-se, ele a abraçou pela cintura e
colou-a junto a si.
A tapeçaria que fechava a entrada do
quarto estava queimando. Podiam escutar
o estalar das madeiras em chamas e a luz
avermelhada do fogo que dominava o
corredor.
Davey puxou o capuz do casaco e cobriu a
cabeça de Meredith.
— Não me solte — ordenou. — Respire fundo
e prenda o ar nos pulmões. Juro que vou
nos tirar daqui.
Segurá-la tão próxima a si paralisava a
agonia que o envolveu ao pensar na
promessa que acabava de fazer. Mas não
havia tempo para duelar com emoções.
Davey avançou, cortando a tapeçaria
incendiada com a espada.
Monstruosas, as chamas erguiam-se do
chão às paredes.
— Vamos correr — Davey avisou, sabendo
que a chance de escaparem sem ferimentos
seria pequena. Embainhou a espada e
carregou Meredith.
Precipitou-se pelo corredor quando um
Projeto Revisoras
ruído estrondoso ecoou atrás dele. Davey
notou o lençol de chamas cobrindo a
parede. O pânico o dominou por um
instante. Não era covarde, mas tentar
atravessar o fogo parecia tolice. Não queria
que Meredith morresse queimada, tampouco ele mesmo.
Baixou a cabeça e correu através da
fumaça. Lágrimas ofuscavam-lhe a visão
enquanto aproximava-se do que talvez
fosse a porta do saguão.
Davey! Ponha-me no chão! Sou um peso
muito grande para você.
Ignorou a invasão de Meredith em sua
mente. A parede de chamas, onde a porta
outrora existia, o fez parar. A densa fumaça
bloqueava-lhe a garganta. Ele cambaleou e
quase derrubou seu precioso fardo. A
ousadia estimulou as forças e a agilidade,
ajudando-o a sair para o pátio externo.
O fogo já havia atingido as paliçadas. Em
questão de minutos, ambos iriam perecer
sob as chamas. Desorientado, tentou
localizar o portão lateral. Com a espada poderia derrubá-lo e fugir dali. Nesse
momento, ele divisou os barris de piche ao
longo da muralha.
Fora deliberado! Alguém pretendia queimálos vivos! Uma violenta fúria o consumiu.
Iria matar Owain ap Madog!
Meredith renovou as súplicas. Em silêncio,
implorou a Davey que a soltasse e se
Projeto Revisoras
salvasse. Mal conseguia respirar sob o
grosso tecido do casaco e, quando
conseguia, inalava apenas fumaça. Mas
Davey sofria ainda mais.
O receio por ele diminuía-lhe as forças. No
entanto, quando Davey começou a correr
outra vez, ela se entregou.
Davey ouviu-a engasgar e sentiu-a tesa em
seus braços. Ela dependia dele, embora o
ato de fé não tivesse fundamento. Ambos
sabiam que havia uma ténue possibilidade
de escaparem das chamas. Ele correu para
os fundos do feudo, rezando por uma
intervenção divina.
Gigantescas chamas o encontraram.
Outro barril de piche explodiu, enviando
uma nuvem de fumaça. Uma chuva de
fuligem tombou sobre eles. Davey
continuou correndo à procura de salvação.
As construções do pátio eram
engalfinhadas pelas labaredas. Mas o ar
estava claro nas proximidades da muralha.
Davey deduziu que o fogo houvesse
começado ali.
Ele respirou fundo, enquanto tentava
enxergar a paliçada.
— Segure-se. — A voz soou rouca devido ao
esforço.
Optou por uma rota, escondeu o rosto sob o
capuz de Meredith e mergulhou nas
chamas. No último instante, virou-se e usou
as costas e os ombros para derrubar a
Projeto Revisoras
paliçada, e, então, rolou para a liberdade.
CAPÍTULO XIII
Davey não fazia ideia de que aquele local
encontrava-se destituído de plantas. As
chuvas torrenciais haviam causado erosões
no solo formando valas profundas. O
violento impulso para libertar-se das
chamas foi forte o suficiente para arrancar
Meredith de seus braços e jogar a ambos
com incrível velocidade no declive forrado
de pedras.
Meredith gritava desesperada, tentando
desvencilhar-se do pesado manto. A densa
fumaça impedia sua visão e, com grande
pavor, clamava por Davey sem cessar.
Ele a escutava, mas não tinha forças para
responder. Havia colidido em uma imensa
pedra e, ofegante, ali permaneceu imóvel
por causa da intensa dor. Aos poucos, voltou a respirar, enquanto o vento limpava o
ar esfumaçado.
Queria fechar os olhos e descansar, porém o
perigo ainda prevalecia. Ele e Meredith
estavam indefesos e o inimigo os rondava.
Tentou umedecer os lábios, mas não havia
saliva. Apoiou-se na pedra para conseguir
Projeto Revisoras
levantar. Ao ver Meredith arrastando-se em
sua direção, ele a chamou.
— Está ferida? — Davey perguntou, após
não ouvi-la emitir nenhum som. —
Responda, mulher — ele insistiu.
— Abrace-me, Davey.
Embora sentisse dor em cada músculo do
corpo, conseguiu tomá-la nos braços e, por
um longo momento, ficaram abraçados,
enquanto as labaredas ainda consumiam a
fortaleza.
— Não estamos seguros aqui — Meredith
sussurrou. Precisava de descanso e água
antes de usar seus poderes curativos em
Davey.
Zonzo, ele não tinha noção da extensão dos
ferimentos. Havia cortes, arranhões e a
pele tornara-se avermelhada demais por
causa das queimaduras. Meredith sentia, o
próprio pescoço tão queimado quanto o
dele.
Davey fora forte quando ela mais precisou,
e agora tinha de ser valente para ajudá-lo.
— Os cavalos — ele murmurou, afastandose da pedra que o sustentava. Tinha de
empunhar a espada, pois Owain devia estar
à espreita, pronto para atacá-los. — Você o
pressente?
Meredith meneou a cabeça em negativa.
Ainda esforçava-se para entender o que
ocorrera no cómodo. Sua mente parecia tão
enevoada quanto o ar. Não havia razão
Projeto Revisoras
para se preocupar com Davey, mas o medo
profundo a envolvia quando pensava no
poder absurdo que Owain ganhara. Poder
este que ele usaria contra ela sem
pestanejar.
— Os cavalos se foram. — A fala causou-lhe
um forte espasmo.
Sôfrego, Davey postou-se ao lado dela.
Meredith tinha razão. Owain não lhes
deixaria a menor chance de escaparem. O
que precisavam, ele ponderou quando a
mente ficou mais clara, era de um lugar
seguro e sossegado para descansar e
planejar a próxima estratégia.
— A aldeia.
Após dois passos, Davey caiu. Ela o
abraçou pela cintura a fim de ajudá-lo a
caminhar. Seria perigoso exporem-se aos
aldeões. Mas uma generosa propina
revelou a determinação de Davey de impor
certo respeito.
Resignada, Meredith suspirou. Ele provaria
o excesso de teimosia, caso ela
argumentasse. E discutir com Davey
requeria forças, as quais ela não mais
possuía.
Owain finalizou a busca nos alforjes que
Cei e Pwyll lhe haviam trazido, junto com
os cavalos de Meredith e Davey.
Ao ver a espada atada à sela, sentiu um
súbito rompante de euforia. Enfim os
deuses foram generosos e abençoaram os
Projeto Revisoras
esforços de restaurar a adoração a crenças
arcaicas. Assim, seriam reverenciados
como na antiguidade, tal qual estava
escrito no precioso livro que Owain tinha
roubado.
Uma fúria gélida o dominou tão logo
examinou a espada e descobriu que, apesar
da lâmina excepcional, não se tratava da
Espada da Justiça. E pior, o Cálice da
Verdade e a mulher Cymry ainda não
estavam em seu poder.
A ira, no entanto, transformou-se em total
amargor quando soube que o homem, o
qual Meredith escolhera para proteger,
ainda vivia.
Owain sabia onde o cálice fora escondido.
Não tinha certeza da localização exata,
somente que se encontrava no feudo. Não
possuía os poderes de Meredith para atrair
os objetos sacros que tanto almejava obter.
Portanto, a necessidade de capturá-la
ainda prevalecia.
A morte de Davey significava muito. Owain
o ofereceria como sacrifício. Os quatro
homens de Halberry que seguiram
Meredith e o guerreiro também tinham sido
sacrificados; Owain conseguira vencê-los
dias antes, na floresta. Mas não era o
suficiente. Ele havia falhado.
Colérico, levantou-se. Olhou para Cei,
Pwyll e fixou-se em Dai. O garoto ainda
permanecia amarrado, tal qual Owain o
Projeto Revisoras
encontrara. Dai cometera uma grave falha.
E Owain recusava-se a aceitar falhas.
A água estava tão fria que Davey sentiu a
garganta arder. Bebeu-a em longos goles,
fechou os olhos e suspirou.
A sede de Meredith também era gigantesca.
Sentou-se em uma pedra à beira do lago e
jogou água no rosto! Os aldeões lhes
ofereceram o pouco que tinham quando elâ
e Davey adentraram a aldeia de
pescadores. Pão duro e peixe,
acompanhados de algumas verduras,
representavam tudo que os habitantes
possuíam.
Ninguém questionou a história de que
haviam se perdido e, ao se aproximarem do
feudo em chamas, seus cavalos fugiram.
Ainda podiam divisar as labaredas, mas o
incêndio cedia. Davey pareceu melhor
depois que Meredith aplicou gordura de
ganso em seu rosto e mãos. Sem dúvida, ele
iria questioná-la quanto ao que ocorrera no
quarto e traria à tona a razão de ela ter
entrado sozinha no domínio de Torridon.
E assim aconteceu, tal qual ela havia
previsto.
Davey sentou-se à beira do lago, segurando
o odre de água.
— Não entendo por que Owain quis nos
queimar vivos, Meredith. Sei que ele deseja
a espada, o cálice e você, mas por que
arriscou perdê-la entre as chamas? — A
Projeto Revisoras
última frase soou rouca devido à
quantidade de fumaça que ele havia
inalado.
— Creio que o fogo serviu apenas para me
afugentar do feudo.
— Discordo de você. Minha vida também
correu um sério risco.
— Davey, por favor, não quis diminuir seu
valor. Eu... — Ela calou-se. Como explicaria
que seu poder de percepção fora, de alguma
maneira, bloqueado? Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao notar a expressão no
rosto de Davey.
— Está com frio?
— Não. Este xale me aquece e meu casaco
estará seco até o amanhecer. Aliás, nossas
roupas secarão até lá.
— Meredith, não finja que ignora o que
estou lhe perguntando. O que aconteceu?
— Não sei ao certo. Owain tornou-se mais
poderoso. Não pressenti sua presença.
— Mas você disse que ele...
— Eu menti! — Ela se levantou.
— Por quê? — Davey perguntou.
— Estava apavorada. Não consegui
protegê-lo como deveria, e não pude me
defender. Você não entende, Davey.
Ele sentiu o desespero e desejou que a
exaustão desaparecesse tão facilmente
quanto a sede. Levantar-se representava
um esforço sobre-humano, quando tudo que
queria era deitar-se. Mas Meredith
Projeto Revisoras
precisava dele.
Quando a abraçou por trás, ela estremeceu.
— Enquanto estivermos juntos, ele não será
capaz de feri-la.
— Davey, você não...
— Quieta. Precisamos descansar. E temos
de encontrar os cavalos também.
— Owain capturou os animais. E Dai. Ele
irá...
— Matar o garoto porque ele falhou.
Meredith tentou, em vão, desvencilhar-se
de Davey.
— Estão por perto? — ele indagou. — Posso
detê-los? Ante o comentário irônico, ela
quase sorriu. Davey não
conseguiria combater uma formiga de tão
exaurido.
— Venha. Vou lhe mostrar.
Aproximou-o da água e lá sussurrou um
encantamento. O vento, de repente, cessou.
— Olhe a superfície da água, Davey.
A água agitou-se e brilhou. Segundos
depois, um círculo se formou. Após um
rápido tremor, uma imagem surgiu,
mostrando um homem envolto por uma
aura negra.
— Owain — Meredith murmurou,
desprovida de emoção. Davey fitou o
homem que os poderes de Meredith projetavam. Sabia que era água, mas a
superfície assemelhava-se a vidro. E a
imagem parecia tão clara quanto a
Projeto Revisoras
realidade.
A admiração por Meredith cresceu. Não
pôde evitar a inveja que sentia diante de um
poder tão explícito. Fitou-a de soslaio. Ela
aparentava calma, mas Davey sentia a
agitação interna. Os olhos cinzentos
estavam fixos na visão de Owain.
Davey voltou a atenção à imagem. Cabelos
em desalinho, corpo esguio envolvido por
um traje de monge... Mas eram os olhos
malignos que definiam o homem. A
ambição desmedida estragava o rosto
bonito.
Enquanto Davey assistia, o fogo emergiu,
as chamas tornaram-se azuis e verdes e o
centro transformou-se em uma cúpula
branca. Mas não conseguia ver o que
Owain fazia. Pôde apenas enxergar a fúria
que deformava a expressão do homem e o
grito silencioso quando este abriu os lábios.
Na visão, Owain ergueu os braços e
apontou com a mão semelhante a uma
garra.
Transfigurado, Davey observava a cena
como se estivesse diante do bruxo. O fogo,
sem lenha para alimentá-lo, aumentava
conforme as ordens de Owain. Cores
vívidas surgiam nas labaredas, controladas
pelo feitiço.
O brilho da água intensificava à medida
que o fogo crescia. Davey fitou Meredith
que continuava estática.
Projeto Revisoras
Quando voltou à imagem, ele viu Dai. Uma
sombra se movia atrás do garoto, cortando
as amarras e arrastando-o. As pernas de
Dai estavam bambas, impedindo-o de
permanecer em pé. Mas aquele que o
segurava obrigou-o a levantar-se.
O que estava por vir era evidente. O medo
que Davey experimentara no feudo em
chamas retornou. Abraçou Meredith,
abrigando-a com o próprio corpo. Não
tinha coragem de assistir à festa maligna
que Owain ap Madog coordenava.
Meredith conteve um grito de dor. Engoliu
o gosto amargo que surgiu em sua
garganta. Tinha de interromper a visão,
mas Davey a apertava com tanta força que
não conseguia mover-se.
— Solte-me, Davey. Não vou deixá-lo
vencer. Ele previu que eu assistiria a isso
com o objetivo de me punir e avisar. Owain
distorceu nossos ensinamentos. Seu poder
vem das Trevas. Mas juro que irá pagar por
tirar a vida de inocentes. O velho, os
moradores do feudo, o menino e aqueles
homens que nos seguiam.
Então, Davey lembrou-se de que ela
mencionara algo sobre outros assassinatos,
embora não houvesse dito que homens os
seguiam. Concluiu no mesmo instante que
Mi-cheil e Jamie haviam enviado cavaleiros
atrás dele. A responsabilidade por tantas
mortes recaiu em suas costas.
Projeto Revisoras
— Meredith, se Owain sabe que o estamos
vendo, ele também pode nos observar
através do fogo? Como você o faz com a
água?
— Exato. Cada um de nós utiliza uma das
forças da natureza para expressar o dom.
— Pode entoar um feitiço de proteção para
nós? — ele sussurrou.
— Davey, eu lhe disse que os poderes de
Owain aumentaram sobremaneira.
— Não consegue impedir que ele veja para
onde estamos indo?
— Vou tentar. — Meredith sentia a fúria de
Owain, mas não permitia que a emoção a
influenciasse.
Sem se mover, ela dissipou a imagem na
água e entregou-se à segurança dos braços
de Davey, enquanto murmurava um
encanto de proteção.
— Acha que consegue atravessar a aldeia
sem ser vista? — ele perguntou, minutos
depois.
— Não vou deixá-lo, Davey. Owain está
perto demais, e é ainda mais perigoso se
nos separarmos.
— Estou contando com a proximidade de
Owain.
— Seus pensamentos se confundem por
causa do que aconteceu. Deve estar tão
cansado quanto eu. Para que se vingar
agora?
— Pode fazer o que lhe peço? — Davey
Projeto Revisoras
perguntou, impaciente.
— Farei, se me der um bom motivo — ela
rebateu.
— Precisamos dos cavalos, e esse motivo é o
suficiente. Responda-me, Meredith, porque
cada momento de atraso depõe contra meu
sucesso.
— Não permitirei que o enfrente, Davey. —
Ela tocou o belo rosto. — Não quero perdêlo.
Segurando as mãos delicadas, ele as beijou.
— Não vai me perder. Agora, milady, pode
ir e me deixar tranquilo?
O calor dos lábios a fez estremecer. Davey
utilizava a sedução para distraí-la.
— Meredith?
— Certo. Eu vou.
Ele recuou alguns passos e se virou.
Meredith jogou-se nos braços fortes e o
beijou, quase desesperada.
— Não pretendo falhar novamente.
— Davey...
Veloz, ele embrenhou na escuridão da
mata.
— Sim, meu guerreiro, eu poderia esperá-lo,
mas não o farei.
Sem preocupar-se com a umidade, Meredith
vestiu o manto ainda molhado. Pegou o
odre de água e precipitou-se atrás de
Davey. Mas, enquanto o seguia, mante-vese a distância para que ele não a visse.
Tentou sorrir ao concluir que o guerreiro
Projeto Revisoras
não poderia abandoná-la, pois carregava
consigo a espada e ela, o cálice. Tais
presentes sagrados possuíam uma força de
união tão poderosa quanto a que existia
entre Davey e Meredith.
CAPÍTULO XIV
O céu ainda estava claro quando Davey
atingiu a floresta, para além da fortaleza
incendiada. Não tinha uma rota a seguir;
somente os instintos o guiavam. Embora
soubesse ser prejudicial, não parava de
pensar em Meredith. Como sempre, ela
representava uma séria distração.
Owain cometera um grave engano ao
roubar Ciotach. O bruxo nada sabia acerca
do treinamento de guerra que os cavalos
recebiam no Clã Gunn. E Davey contava
com essa vantagem, enquanto se
esgueirava pela floresta.
Fora Meredith quem lhe dissera onde
encontrar Owain. Não diretamente. Ela
mencionara que cada um possuía um dom
relacionado à força da natureza. Se Meredith precisava de água para projetar
eventos, Owain, por mais poderoso que
fosse, necessitava de muita madeira para
fazer fogo.
Projeto Revisoras
Com certeza, Davey pensou, todos os deuses
conspiravam a seu favor para vingar a
morte de tantos inocentes e conduzi-lo ao
acampamento de Owain.
Davey tropeçou e quase caiu. Suas forças
começavam a fenecer, apesar de a raiva
ainda lhe dar energia. Permaneceu quieto,
respirou fundo e escutou.
As copas das árvores eram frondosas
demais, impedindo-lhe a visão do céu.
Nenhuma criatura noturna rastejava-se.
Sabia que seus movimentos, embora
silenciosos, mantinham os animais
afastados. Ou talvez estivesse bem próximo
a Owain.
Davey puxou a espada e a faca que levava à
cintura. O solo, coberto de folhas secas,
farfalhava conforme ele caminhava. De
repente, ouviu o ruído de um galho se
quebrando. Em segundos, abrigou-se atrás
de um aglomerado de carvalhos. Esperou,
sentindo gotas de suor sobre a testa, e lembrou-se da armadilha que quase matou a
ele e a Meredith.
O anoitecer se aproximava, pois as sombras
das árvores começavam a sumir. A
distância, ouvia guinchos de alguns
pássaros marítimos.
Não se tornara um guerreiro para
esconder-se do inimigo. Pensou em cada
ataque, em cada estratégia que Owain
utilizara. Lembrou-se do ferimento de
Projeto Revisoras
Meredith e das mortes que o bruxo causara.
Davey precisava recordar tais fatos para
que a fúria o fortalecesse.
Owain não iria escapar dessa vez. Meredith
nunca mais temeria o inimigo. Eram
motivos suficientes para Davey prosseguir.
Porém, não se moveu. O que estava
fazendo? Havia jurado proteger Meredith
até que ela reunisse os quatro presentes
sagrados e os entregasse a seu povo. Com
que direito arriscava a própria vida
somente para se vingar do homem que o
desafiara?
Davey fechou os olhos. Tinha a espada e
Meredith, o cálice. Acima de tudo, ela
estava livre das garras de Owain. A perda
dos cavalos não era tão importante. Ainda
possuía a bolsa repleta de moedas de ouro
para garantir o transporte. E não estaria
caindo na armadilha de Owain ao tentar
atacá-lo?
Que chance haveria de ter sucesso?
Nenhuma. Davey conhecia a própria força e
as habilidades de guerreiro que tanto o
auxiliaram em batalhas sangrentas. Mas
agora admitia que estava errado.
A covardia não tinha nada a ver com sua
decisão. Manter Meredith viva e longe da
maldade de Owain era o fundamental. Se
prosseguisse, iria arriscar tamanha
segurança.
Atento, fitou a densa floresta à frente.
Projeto Revisoras
Jamais temeu pela própria vida.
Davey?
Alarmado, esquadrinhou as árvores. De
súbito, acalmou-se ao perceber que
Meredith comunicava-se com ele.
Estou indo a seu encontro.
Meredith baixou a cabeça e apoiou-se em
um tronco. Ele ficaria furioso, mas se sentia
tão grata por suas preces serem atendidas
que a ira de Davey seria um preço ínfimo a
pagar.
Owain esperava que o guerreiro fosse até
ele. Não havia matado Dai. Encontrara
uma utilidade para o garoto, que agora
usava o traje de um monge, embora ainda
estivesse amarrado ao lado da fogueira. Cei
achava-se escondido entre as árvores, na
direção oposta à de Pwyll. Tal qual as
mandíbulas de uma besta, eles atacariam o
guerreiro por ambos os lados.
Enfim, sozinha e desprotegida, Meredith
teria de se render a Owain e, sem escolha,
juntaria forças com ele.
Ansioso, Owain esfregou as mãos.
Precisava ser paciente, mas era difícil
obedecer ao bom senso. Breve... muito em
breve.
Os instantes tornaram-se minutos. Owain
fitou o local onde tinha certeza de que o
guerreiro apareceria. Ele devia estar com a
espada.
Sem pensar, Owain acariciou a lâmina da
Projeto Revisoras
arma que mantinha a seu lado. Sorriu ao
concluir quão tola fora Meredith quando
escolheu o guerreiro, aquele cuja juventude
era mais ameaçadora que Owain.
Juventude e orgulho. Owain contava com
essas qualidades para obter o que
almejava, o que devia ter.
Então, ele esperou.
Meredith o observava com renovado
respeito. Não houve necessidade de
palavras; ambos sabiam que tinham de
afastar-se de Owain o mais rápido possível.
Pegaram a direção sul, tendendo a oeste,
enquanto rodeavam a floresta até que a
exaustão completa os assolou.
Davey ordenou que Meredith dormisse em
uma pequena clareira. Ele vasculhou os
arredores, sem ousar parar. Se o fizesse,
entregar-se-ia às exigências de seu corpo
fatigado.
Não obstante, dois pensamentos o
mantinham acordado: o desejo por
Meredith e a vontade de confrontar e
matar Owain ap Madog.
O primeiro desejo o fez sorrir, pois pouco
podia fazer pela causa. Mesmo assim,
deteve-se alguns momentos para observá-la
dormindo. Sob a penumbra, enriquecida
pelas sombras esverdeadas, Meredith
repousava agarrada ao cálice. Davey
admirou o rosto, a linha do pequeno nariz,
a doce curva dos lábios.
Projeto Revisoras
O desejo o envolvia como a maré. Sabia ser
apenas uma reação ao perigo que havia
passado. Aquela mulher o atraía
intensamente. Davey a colocara em risco ao
esquecer seu dever para com ela.
Não podia se esquecer jamais.
Meiga, passional, desejável e corajosa.
Nunca conhecera uma mulher como
Meredith.
Estudou a floresta, calculando a posição do
sol. Um incômodo repentino o lembrou da
fome. Voltou a olhar Meredith, que,
acordada, o encarava.
— Venha, você precisa descansar. Já me
sinto capaz de cuidar de seus ferimentos.
Davey aceitou o convite e ignorou o resto.
— Deite-se a meu lado. Prometo que não
vou machucá-lo — ela murmurou.
O sorriso sutil feriu o orgulho de guerreiro.
— Não tenho medo de você. E as
queimaduras pararam de arder.
— Quieto — ela sussurrou, permitindo que
Davey se aconchegasse. — Feche os olhos.
Os dedos delicados tocaram a testa de
Davey. A extensão do cansaço quase a
sufocou, apesar de Meredith ser uma
curandeira poderosa.
Existia outra dificuldade. Inclinada sobre
Davey e tocando-o, ela sentiu um calor
súbito invadi-la. Conseguia ocultar os
pensamentos, mas era incapaz de mascarar
os anseios do coração. Ali estava o homem
Projeto Revisoras
que dispensara a necessidade inata de
vingar-se daquele que ousara ferir seus
entes queridos. Meredith sabia que ele o
fizera por ela.
Com a ponta dos dedos, traçou o rosto
másculo. A pele estava avermelhada e seca.
Viu como o toque curativo acrescentava
certa suavidade no semblante. Acariciou os
arranhões nos ombros, e eliminou a dor.
Fechou os olhos e percorreu o corpo
musculoso, curando os ferimentos que
encontrava.
Seu guerreiro. Ele quase fora morto.
Lágrimas surgiram quando Meredith
murmurou em um linguajar antigo as
palavras encantadas que trariam de volta a
vitalidade de Davey.
Enquanto Davey permanecia submetido ao
toque gentil, uma onda de calor o dominou.
Não se atreveu a abrir os olhos. O gesto
simples parecia requerer um esforço
imenso.
Cada corte ou queimadura recebia a
atenção esmerada de Meredith. Primeiro o
arrepio, depois o calor crescente que o
impelia a mover-se, mas não conseguia.
Quando ela transferiu o tratamento a outro
ponto, a dor desapareceu.
Davey flutuava em um lugar sem sombras
ou luzes. Nada ouvia; sentia apenas uma
essência que não podia nomear. Era
impossível pensar. Ele repousava em algum
Projeto Revisoras
local imaginário.
Meredith suspirou e deitou-se. Tremia de
exaustão, mas tinha outras tarefas a
cumprir. Sentou-se e pegou o odre para
beber um pouco de água. Estava quase
vazio. Levantou-se e tirou o casaco.
Rapidamente, despiu o resto das roupas.
Soltou os cabelos e desamarrou as
sandálias de couro.
Aproximando-se de Davey, pegou a espada.
As árvores e os arbustos engoliam a
pequena clareira. Mas não era o solo que
ela queria limpar, e sim as copas
verdejantes para que pudesse ver o céu.
Um enorme galho foi o suficiente. A árvore,
ainda jovem, teria a chance de proliferar.
Agora Meredith conseguia enxergar o céu.
Durante alguns minutos, reconsiderou o
que pretendia fazer. Não tinha o direito.
Por outro lado, salvar a vida de seu
guerreiro significava muito para ela.
Ao fitar Davey, sua decisão se intensificou.
Sabia, acima de tudo, que os deuses
poderiam atender a sua súplica ou recusála. Estava ciente de que, tão logo os
presentes fossem devolvidos aos
sacerdotes, sua vida e a de Davey não importariam. Mas ganhar tempo valia
qualquer preço.
Pressionou a ponta do dedo na lâmina e
deixou que gotas minúsculas de sangue
Projeto Revisoras
deslizassem no aço, até o centro da
empunhadura. Meredith não usou as
palavras sagradas que aprendera; o pedido
de ajuda emergiu de seu coração.
Pequenas labaredas de fogo despontaram
na pedra encravada na magnífica arma. O
punho da espada começou a esquentar até
tornar-se fervente. Ela não o soltou. Os
deuses exigiam cerimônia e testavam
aqueles que lhes pediam auxílio.
Erguendo a lâmina em direção ao céu,
rogou aos deuses que a ouvissem. Raios de
luz juntaram-se às labaredas que nasciam
na pedra.
A espada estremecia devido ao poder que
ela liberava. Chamas reluzentes subiam e
desciam ao longo da lâmina. O fogo não
queimava, apenas esquentava.
Uma brisa suave sacudiu as folhas e
acariciou os cabelos negros de Meredith.
Em segundos, o vento aumentou, fazendo-a
tremer. Fitou o céu repleto de estrelas.
Meredith caiu de joelhos, ainda segurando
a espada, e encostou a testa no punho
quente. Implorou na língua arcaica de seu
povo para que a luz, o poder e o conhecimento que os deuses sabiamente
investiram retornasse à espada. A noite
tornou-se fria, mas uma fina camada de
calor cobria o corpo nu.
Ela nem sequer moveu-se quando o vento a
abateu. Ainda de joelhos, ergueu os olhos
Projeto Revisoras
ao céu.
Somente uma estrela parecia mais
brilhante que as outras. Meredith
aguardou em silêncio que a segunda estrela
aparecesse.
— Olhem para mim. Vim de coração aberto
— murmurou, solene. — Estou aqui para
servir a nossa profecia. Recuperei o Cálice
da Verdade. Tenho a Espada da Justiça em
minhas mãos. Ofereço-lhes o guerreiro que
escolhi. Confio a vocês minha vida e a dele.
Ouçam meu pedido de ajuda. Sabem que o
poder das Trevas nos persegue. Eu imploro.
Escutem-me — ela gritou. — Preservem sua
Cymry. Ajudem sua serva fiel, Meredith.
Então, a terceira estrela brilhou no céu com
tamanha intensidade que chegou a cegá-la.
Enquanto mirava a trindade, sentiu um
arrepio pelo corpo.
Não oferecia nenhuma barganha aos
deuses. Não tinha nada que eles já não
possuíssem. Os braços tremiam devido à
força que fazia para empunhar a espada.
Após o choque inicial, notou que a lâmina
havia se tornado uma chama reluzente.
Nada podia fazer pois a arma movia-se por
vontade própria.
Quando a ponta da lâmina tocou o chão, a
espada penetrou no solo até a altura do
punho.
Ela abaixou a cabeça. Era apenas uma
mensageira, e não uma mulher com
Projeto Revisoras
pensamentos e emoções. Servir de coração
aberto significava submissão. Meredith
acreditava em suas crenças. Dedicava-se e
vivia somente em função dos deuses que a
guiavam.
Sentiu um tremor no solo. Observou o
punho da espada, onde os raios
emolduravam o rosto que detinha toda a
tristeza e sabedoria do mundo. Três lanças
brancas surgiram no coração da pedra.
Ergueu uma das mãos para tocá-las. Mas
não foi o bastante. Ela agarrou o punho da
espada e mais gotas de sangue escorreram
pelos desenhos esculpidos.
E da espada, o sangue atingiu o solo.
Quem é você?
— Sou sua serva. Uma mensageira. Tudo
que sou cabe a vocês cuidar ou matar.
Você realmente vale a tarefa que lhe foi
imposta1?
— Fui avaliada por aqueles que lhes
servem. Somente vocês podem saber se eles
me julgaram de forma válida.
Está disposta a entregar sua vida?
— Ela pertence a vocês.
E a vida de seu guerreiro?
— Também lhes pertence. — Meredith sentiu
um repentino pavor. Eles veriam e
saberiam. Mas não podia barganhar. O
mesmo fogo quente que engolfara a espada
agora a cobria.
Em um piscar de olhos, as estrelas
Projeto Revisoras
desapareceram. Meredith respirou fundo,
segurando a espada. O tremor no solo
parou. O fogo branco havia sumido. Sentiase fatigada quando iniciou o ritual, mas
agora não mais.
Levantou-se e puxou a espada. Não havia
sequer um resquício de terra na lâmina. Ela
continuava limpa e brilhante. O punho
parecia intato. A pedra central não
revelava nenhum sinal de luz ou fogo.
No entanto, Meredith sabia que fora aceita
e atendida. E Davey também. E ela jamais
lhe diria o preço a ser pago.
CAPÍTULO XV
javey acordou com relutância. De olhos fechados, usou os outros sentidos para assegurar-se de que não havia perigo
imediato. O aroma de grama verde era
forte. Espreguiçou-se e logo sentou-se à
procura de Meredith.
Ela encontrava-se a sua frente, agachada
entre as grossas raízes de uma árvore.
Mesmo ocupada em destrinchar algumas
ervas em seu colo, Meredith o fitou e sorriu.
À medida que ele observava os arredores,
as lembranças do dia anterior emergiram à
Projeto Revisoras
mente. Olhou as mãos e não viu sinais de
batalha ou fogo. Percebeu então que havia
dormido profundamente, como se estivesse
em Hal-berry. Sentia-se descansado e
inteiro.
No entanto, não conseguia explicar a súbita
sensação de estranhamento. Meredith
parecia pálida e extremamente fatigada.
Perturbado, Davey notou que ela evitava
encará-lo. Esperou uns minutos, mas o
silêncio preponderava.
— Suas habilidades curativas são uma
dádiva dos deuses. Sinto-me um novo
homem esta manhã.
Meredith assentiu e continuou a
destrinchar as ervas.
— O que há, Meredith?
— Nada que não possamos consertar.
— Entendo. Não temos cavalos ou alimento.
Owain ainda está a nossa procura, e
permanecemos aqui como idiotas para que
ele nos encontre.
— Vejo está curado em corpo e espírito.
Zombaria? De Meredith? Davey ficou
pasmo.
— O que aconteceu enquanto eu dormia?
— Nada.
— Está mentindo. Você me curou. Posso ver
quanto lhe custou tratar de meus
ferimentos. Mas imagino que o preço a
pagar tenha sido...
— Não diga bobagens, Davey. Tampouco
Projeto Revisoras
deboche ou justifique seu bem-estar em
termos de custos. O que os deuses oferecem,
eles tiram com a mesma facilidade.
Meredith havia esquecido como seu
guerreiro podia se mover com destreza.
Davey aproximou-se e a fitou. Bastou uma
espiadela naqueles olhos castanhos para
ela de novo perceber a ameaça que ele
podia representar.
Porém, não apresentou resistência quando
ele a segurou pelos braços, obrigando-a
levantar. Nem sequer ligou para as ervas
que tombaram no solo. Muitos menos esquivou-se quando Davey tocou-lhe o
queixo.
A pele estava quente sob os dedos, e macia,
muito macia. O desejo o envolveu tal qual a
fome. Davey queria beijar aqueles lábios
carnudos para prová-la e senti-la. Notou o
brilho dos olhos cinzentos quando Meredith
leu seus pensamentos.
— Não banque a donzela inocente, milady.
Seu feitiço me proporcionou paz. Posso
deduzir que vantagens você ofereceu aos
deuses para me curar. — A voz soava rouca.
Davey queria que ela soubesse os efeitos
sensuais que causava nele.
E Meredith sabia. Prendeu a respiração.
Não conseguia fitá-lo. Sentiu-se corar.
Olhou para os lados à procura de um meio
de escapar.
— Davey?
Projeto Revisoras
O nome ecoou como uma súplica que ele
recusava-se a responder. Aproximou-se
ainda mais, ignorando a voz da razão. O
desejo possuía exigência e paixão. Davey
inclinou-se de leve para tocar os lábios
entreabertos com os dele.
Não foi o desejo urgente que lhe aqueceu o
sangue, mas sim o beijo doce. Ele saboreava
a pele suave conforme percorria o rosto e,
depois, retomava os lábios. Seduzia tanto a
si mesmo quanto a ela, roubando-lhe o
fôlego através da boca rubra.
Os lábios de ambos provocavam sensações
abrasadoras ao longo do corpo. Devagar,
Davey mergulhou os dedos nos cabelos
negros e encontrou a delicada curva da
orelha.
Acariciou o lóbulo com extrema gentileza.
Meredith soltou um gemido frágil. Com
uma das mãos, Davey apoiou-se no tronco
da árvore.
Queria afagar a protuberância macia dos
seios. Controlou a vontade de deitar-se com
ela sobre a grama. Evitou imaginar-se
colado ao corpo curvilíneo, mas o desejo
parecia engalfinhá-lo. Possuir Meredith
significava o paraíso.
Davey não se esforçou para ocultar os
pensamentos e as imagens que fluíam em
sua mente. No entanto, Meredith mostrouse defendida.
Ela negava a beleza e o sentimento de
Projeto Revisoras
completude que ambos poderiam partilhar.
Furioso, Davey aprofundou o beijo.
Instantes depois, afastou-se, satisfeito
apenas com o tremor do corpo feminino e os
suspiros de paixão que ela emitia. A reação
quase o fez perder o controle.
Seja cautelosa. As palavras ecoavam como
sinos estridentes. Determinada, ela tinha
de resistir. Queria tocá-lo. Desejava
acariciar os cabelos rebeldes, abraçá-lo e
permitir que o prazer selvagem dominasse
seus sentidos. Malicioso. Sedutor. Perigoso.
Seu guerreiro possuía as três qualidades. E
Meredith queria mais.
O corpo ardia de necessidade. Tinha de ser
forte para combater a luxúria que Davey
incitava. Devia ouvir a voz da consciência
que a alertava a não sucumbir à magia que
crescia entre ambos. Seja cautelosa.
Lembre-se da promessa que fez horas atrás.
Mas o jogo de sedução liderava o caminho
onde a paixão despertava os sentidos.
Em seus lábios havia somente o sabor de
Davey. A essência também era vigorosa.
Ela deu um passo à frente, pisando nas
ervas que liberaram sua fragrância.
Fechou os punhos a fim de evitar tocá-lo.
Contudo nada podia fazer para bloquear o
tremor passional. As carícias de minutos
atrás pareciam impressas em seu corpo. As
sensações eram novas para ela, e
sufocantes. Queria parar o tempo e
Projeto Revisoras
experimentar cada uma delas, mas Davey a
distraiu quando mordiscou-lhe os lábios.
Meredith soltou um gemido lânguido.
O coração batia acelerado. Ela não
conseguia respirar direito. As pernas
bambearam, forçando-a a sustentar-se no
corpo viril. E, quando fez menção de
entregar-se a outro beijo ardente, ele
recuou.
O movimento severo interrompeu a
avalanche de calor que os unia. Davey
estava ofegante, e seus olhos adquiriam um
brilho sombrio, enquanto as faces
tornavam-se rubras de paixão. Ele não
mais a tocava.
Os lábios de Davey se curvaram em um
sorriso sutil. Fascinada, Meredith queria
beijá-lo até perder totalmente a razão.
— Você pretendia me impedir? — ele
perguntou.
— Sim. Creio ser o certo a fazer.
— Não sabe mentir, Meredith. Você oferece
um banquete de delícias que jamais
partilhou com homem algum. E seus
deuses, milady — Davey comentou —,
nunca lhe darão o mesmo em troca.
Os olhos cinzentos cintilaram de raiva. Ela
ergueu a mão para estapeá-lo, mas Davey
segurou-lhe o pulso.
— Cheguei perto da verdade?
— O que acontece entre mim e meus deuses
não lhe diz respeito, Davey. Você não é
Projeto Revisoras
como nós. Não é e nunca será um Cymry.
Jamais poderá entender minha servidão a
eles.
Meredith encarou os dedos que prendiam
seu pulso até que ele a soltou. Tentou
afastar-se, mas Davey a bloqueou.
Estudou o lindo rosto e ateve-se aos olhos
cinzentos. Quis penetrar no escudo que ela
impunha. Havia algo mais a dizer. Davey
aguardou, ainda impedindo-a de fugir, e
logo percebeu que Meredith nada diria.
— Sou grato pela cura que me
proporcionou. — Ele acariciou os cabelos
negros, embevecido. — Não pude evitar meu
desejo. Vamos, Meredith, diga que me
perdoa.
O olhar repressor o forçou a afastar-se.
— Não é fácil admitir que estou errado,
mulher. Tampouco me agrada o ciúme que
sinto do poder que os deuses têm sobre
você.
Meredith não queria ouvir mais nada.
Sabia que ele falava a verdade. Davey
estava com ciúmes. Gomo não conseguisse
controlar a atração que sentia, ela apenas
assentiu.
— Eu o perdoo. Mas me prometa que nunca
mais voltará a esse assunto, Davey.
A luz da manhã coloria as faces de
Meredith. Ele a tocou, apaixonado.
— Prometa-me, Davey.
— Quer que eu minta depois de tudo que
Projeto Revisoras
passamos juntos? Não me obrigue a
prometer. Sinto que algo mudou em você.
Algo está lhe causando dor. Essa nova
intimidade é estranha para mim, Meredith.
Esperei escutar sua voz quando ardia em
febre meses atrás. Não entendo por que
insiste em reprimir o que podemos viver
juntos. Há mais que paixão entre nós, e
você sabe disso. Quero...
Suspirando, Davey fechou os olhos.
— Ora, sabe muito bem o que quero. Não
vou forçá-la. Eu...
Mas as palavras se perderam no instante
em que ambos ouviram vozes e cavalos
aproximando-se.
CAPÍTULO XVI
- Vamos! — Davey puxou-a em di-reção ao
aglomerado de árvores que rodeava a
clareira.
Meredith não perdeu tempo. Ergueu a
barra do manto e do vestido e as prendeu
no cinto para que não atrapalhassem os
movimentos. Quando Davey levantou-a, ela
agarrou um dos galhos. A árvore possuía
ramificações grossas e robustas,
facilitando a escalada à vasta copa que a
Projeto Revisoras
esconderia.
Mas, para seu desaponto, Davey não a
seguiu. Ele esfregou o pé no solo, onde seu
corpo ainda estava impresso, para apagar
a pista e, em seguida, olhou Meredith.
Assentindo, precipitou-se ao outro lado da
clareira e desapareceu.
Desesperada, Meredith queria chamá-lo.
Porém homens armados já cavalgavam
abaixo dela. Quieta, contou a tropa de
soldados que por ali passavam: dezesseis
homens e quatro cavalos carregando
suprimentos.
O mais importante, todavia, era Davey.
Onde estaria?
Tão logo atinou que os homens vinham do
sul, Davey recordou que o velho lhe dissera
que soldados seriam enviados ao feudo
incendiado. Ele os acompanhou, mantendo-se escondido na floresta para não ser
visto.
Os cavalos que transportavam suprimentos
eram seu alvo. Mas não todos, pois a
ganância poderia prejudicá-lo durante o
roubo.
Achou ingenuidade da parte dos soldados
cavalgarem em fila. Dessa forma, ficavam
vulneráveis. Davey cobriu as roupas de
galhos e folhas. A maioria dos homens já
estavam fora de sua visão, restando
somente os quatro últimos e os cavalos
carregando alforjes.
Projeto Revisoras
O último soldado não prestava a menor
atenção aos animais que puxava. Davey
rolou até o ponto em que o cavalo iria
passar, assobiando em tom baixo uma
melodia especial que ele usava apenas para
cavalos. Tratava-se de um talento nato que
os três irmãos Gunn partilhavam, e o
animal nem sequer relinchou quando
Davey utilizou a faca para cortar alguns
sacos.
Silencioso, ele sumiu floresta adentro. Não
tinha ideia do que havia roubado, mas
sabia que ele e Meredith dariam algum uso
ao furto.
Davey caminhou em direção à árvore em
que Meredith se escondera. Jogou os sacos
no chão e aproximou-se do tronco.
— Seu ladrão voltou. Venha festejar
comigo, milady. — Na ponta do pés, ele
tentou enxergá-la entre a folhagem. —
Meredith, o local está seguro.
Instantes após, Davey entendeu o súbito
arrepio que sentiu na nuca.
— Meredith!
Era perda de tempo subir na árvore. Mesmo
assim, ele o fez. Sobre um dos galhos, olhou
para baixo e divisou um pacote de tecido
preso entre as folhas. Tinha certeza
absoluta de que Meredith o deixara ali para
que ele encontrasse. O cálice.
Bem longe, ao norte, um dos soldados
escutou um grito e perguntou que som era
Projeto Revisoras
aquele.
— Parece o grito do inferno — um deles
replicou.
— Deve ser um lobo — outro supôs.
Olharam ao redor, temendo as forças
malignas, enquanto os gritos ecoavam na
floresta.
Meredith emergia de quando em quando do
estado de torpor causado pela poção vil que
Owain a obrigara a beber. Cavalgava ao
lado dele, presa e amordaçada. Tentou se
lembrar do que acontecera, mas o esforço a
esgotava. Pensou que estavam galopando,
já que o vento cortava-lhe o rosto. Davey
ficaria furioso, como os deuses, porque
permitiram que Owain a encontrasse.
Quando a escuridão ameaçou surgir
novamente, ela sentiu-se caindo. Mas
Owain a empurrou.
— Nunca mais irá escapar de mim,
Meredith — ele bradou. — Tenho estudado
seu guerreiro e sei que ele virá atrás de
você. E, quando assim acontecer, vou matálo. A Espada da Justiça e o Cálice da
Verdade serão meus. E você,
principalmente, render-se-á a mim.
Davey desceu da árvore, agarrado ao cálice
como se o objeto fosse o único elo com
Meredith. Sôfrego, encostou-se no tronco. O
coração batia disparado em seu peito.
Abriu os lábios para extravasar a ira, mas
nenhum som emergiu. Ele a tinha perdido.
Projeto Revisoras
Havia subestimado a servidão aos deuses,
e, por punição, eles a entregaram a Owain.
Meredith], gritou em pensamento. Não
houve resposta. Precisava encontrá-la.
Mas onde e como?
Não possuía nada além dele próprio. Nem
feitiço, encantamento ou meios de ver o
futuro.
Esquadrinhou a clareira, ignorando o medo
de perder Meredith para sempre. Tinha de
descobrir o que ocorrera ali.
Algo a fizera descer da árvore. Relembrou o
estardalhaço que os soldados haviam feito.
A tropa rumava para norte quando Davey
roubou os alforjes. Caminhou devagar, à
procura de alguma pista sobre a terra,
qualquer coisa que lhe informasse a direção
que Owain tomara.
O bruxo devia ter usado magia negra para
apagar os rastros. Não havia sinais de luta
ou rendição.
Davey voltou à clareira. Eliminou a direção
norte, pois, do contrário, ele os teria visto.
Aonde Meredith dissera que teriam de ir
para resgatar o terceiro presente sagrado?
Estudava a floresta, com a mão sobre o
punho da espada, quando sentiu outro
arrepio na nuca. Alguém o observava. Usou
o dom da percepção enquanto avaliava os
arbustos e as árvores como possíveis
esconderijos.
Escutou um galho quebrando-se e puxou a
Projeto Revisoras
espada. Aquele que Owain deixara para
trás era imprudente. O infeliz fazia mais
barulho que um rebanho. Davey colocou-se
em estado de alerta, pronto a atacar.
Andou até o centro da clareira. Tinha
certeza de que o oponente o atacaria.
Beligerante, Davey ansiava por derramar
sangue, mas não matar o homem.
Precisaria interrogá-lo a fim de saber em
que direção Owain fora com Meredith.
O que apareceu da floresta deixou-o
chocado.
Ciotach relinchou e trotou à clareira.
Depois de guardar a espada, Davey sentiu a
raiva aumentar ao ver as marcas de chicote
no lombo do cavalo. O garanhão estendeu o
pescoço para cheirar o mestre. Davey
recusava-se a ceder ao desespero. Ciotach
necessitava de cuidados e ele precisava do
cavalo. Enquanto trabalhava com o pouco
que tinha, ele conversava com Meredith em
pensamento, na esperança de que ela
pudesse ouvi-lo.
Meredith abriu os olhos lentamente. A noite
estava tão negra quanto um poço sem
fundo. Uma pequena luz avermelhada
indicava uma fogueira. Precisou fechar os
olhos. Sua cabeça latejava demais. Os
lábios, a garganta e a boca estavam secos.
As cordas que amarravam os pulsos e os
tornozelos pareciam estancar a circulação
do sangue de tão apertadas. O peito doía
Projeto Revisoras
conforme ela respirava. Encontrava-se em
uma espécie de estábulo. Alguém roncou do
outro lado. As baias dos cavalos
permaneciam fechadas. Não ouvia vozes,
nem mesmo aquela que a apavorava. Tinha
uma vaga lembrança de Owain
capturando-a, fazendo perguntas e
dizendo-lhe coisas.
Owain, terrivelmente bonito, possuía olhos
que revelavam o brilho da loucura por trás
do ódio.
Meredith queria bloquear qualquer visão.
Desejava mergulhar no vazio da escuridão.
Não lutou contra a ameaça de outro
desmaio. Nem sequer tinha noção do
tempo. Teria se passado um dia desde que
Owain a prendera? Ou dois?
A dor de cabeça aumentava sobremaneira.
A ação de pensar causava pinçadas agudas
no crânio. Ficou petrificada quando
escutou alguém virando-se sobre a cama de
palha. Não queria que a descobrissem
acordada. Precisava angariar forças para
encontrar um modo de fugir.
Pelo menos, podia contentar-se com o fato
dè Owain mantê-la viva. Retrocedeu na
memória e visualizou o sorriso cruel do
bruxo ao sussurrar algo em seus ouvidos. O
que ele dissera?
Tentar lembrar-se era uma tortura
insuportável. A dor aguda concentrava-se
na testa, impedindo-a de raciocinar. Dessa
Projeto Revisoras
vez, quando a escuridão a envolveu,
Meredith ficou grata.
Davey caminhava pela trilha que levava à
costa. O cavalo depauperado o seguia.
Perdeu a conta de quantas vezes quase
caiu. Meredith precisava dele e isso lhe
dava forças para prosseguir.
A fome não mais o incomodava. Sufocou a
risada ensandecida que escapava. Os sacos
que havia roubado dos soldados continham
apenas grãos. Abandonara Meredith por
nada.
O cavalo resfolegou, fazendo Davey parar.
Ouviu o som de água jorrando sobre pedras
e rumou para a direita. Minutos depois, ele
tirou a atadura que fizera com a manga da
camisa e molhou o tornozelo e o casco do
garanhão.
Enquanto o animal saciava a sede, Davey
lavou o sangue ressecado sobre as marcas
do chicote, amaldiçoando Owain pela feroz
crueldade. Meredith lhe contara quão
poderoso era Owain. Portanto, ficou
agradecido por Cio-tach ter sido poupado.
Mas o sentimento de gratidão não removia
a culpa. Seria melhor o cavalo ter morrido
a ver Meredith nas garras de Owain.
Davey sentiu um gosto amargo na boca.
Ajoelhou-se na beira do riacho e jogou água
fria no rosto, com o intuito de manter-se
desperto. Pegou o cálice que amarrara ao
cinturão. O simples toque parecia
Projeto Revisoras
aproximá-lo de Meredith. A lua esculpida
no metal estava rodeada pelo nó sem
emendas.
Não se tratava de um objeto caro, mas
mesmo assim, Owain o queria. Almejava o
cálice e a espada. O bruxo, sem dúvida,
planejava trocar Meredith pelos presentes
sagrados quando Davey o confrontasse.
Mas, na realidade, Owain não o faria. A
vida de Davey fazia parte da barganha e
Meredith jamais seria libertada. Encheu o
cálice com água e o ergueu. — Meredith
disse que este é o cálice da verdade. Se os
deuses estiverem me observando, verão que
vou beber neste copo.
Ele bebeu sem parar até esvaziar o cálice e,
mais uma vez, ergueu-o.
— Como a espada, ele é um presente
especial para o povo de Meredith. Com
certeza, vocês não a deixarão falhar. Ela
não pode se libertar da opressão de Owain.
O homem desenvolveu um poder maligno
que Meredith não consegue superar.
Tornei-me servo da mulher Cymry e,
através dela, sirvo a vocês. Mas tive ciúme
porque queria ser o único a ocupar os
pensamentos de Meredith. E por essa
razão... eu falhei.
A angústia o impeliu a gritar.
— Escutem-me! Ofereço-lhes minha vida,
desde que ela recupere os presentes e os
devolva a seu povo!
Projeto Revisoras
O desespero o dominou. As palavras eram
sinceras porque sua vida não significava
nada sem ela. Davey incumbira-se de
protegê-la e falhara. Continuaria a falhar a
menos que Meredith estivesse ilesa quando
a encontrasse.
O que fiz a você, doce donzela?
Ergueu o rosto para fitar o céu. As estrelas
pareciam pequenos diamantes em um
manto negro, e o luar refletia seus raios
prateados no cálice.
— Bebi neste cálice. Portanto, sabem que
falo a verdade. Meredith pertence a vocês.
Levem-me até ela. Deixem-me ajudá-la
como prometi.
Visualizou a imagem de Meredith em sua
mente. Generosa e adorável. Os longos
cabelos sedosos, os olhos cinzentos fixandose nos dele... O rubor da paixão nas faces, a
promessa de um sorriso.
Davey fechou os olhos e lembrou-se do
sabor daqueles lábios e do desejo que ela
não podia ocultar. O corpo trêmulo, mas
sempre forte... A valente Meredith o desafiava, suportava ferimentos na carne,
confortava-o em um momento, e no outro
ditava ordens.
Meredith era a única mulher de sua vida.
Assim aconteceu com seus irmãos, e agora
com ele. Uma vez encontrada a mulher
certa, nunca mais desejaria outra.
Nuvens cinzas rodeavam a lua. Estaria
Projeto Revisoras
Meredith fitando o céu e perguntando-se
onde Davey encontrava-se? Saberia que ele
ainda vivia? Temia Owain? Seu coração e
mente teriam a certeza de que Davey daria
qualquer coisa para estar junto dela
novamente?
Teria ela escutado seu chamado?
Mais pesarosa, a angústia voltou a dominálo. Davey sabia o que iria fazer. Blasfémia!
E não hesitou em desacatar os
ensinamentos sacros que recebera na
infância. Não negava a existência de Deus.
Mas pedir ajuda a outras divindades era o
suficiente para condená-lo ao inferno.
Quase soltou uma gargalhada. Já se sentia
no inferno após perder Meredith para
Owain ap Madog. Nada poderia ser pior.
Mergulhou o cálice na água.
— Ouçam-me! Minha vida pela dela!
O que pretendia ser uma súplica tornou-se
um desafio. A noite pareceu envolvê-lo de
tal forma que Davey sentiu-se sufocado.
Sua mão segurava o cálice com vigor sob a
água. Tentou enxergar, mas seus olhos não
abriam.
Fez menção de se mover, porém as pernas
não obedeceram. Por fim, conseguiu tocar a
espada. A lâmina estremeceu.
Loucura! Ficou louco de só por imaginar
que a espada tinha se movido, como se a
arma ansiasse beber o sangue que ele
prometera.
Projeto Revisoras
—
Por favor, escutem-me — murmurou. —
Por favor...
CAPÍTULO XVII
Meredith debatia-se para resistir ao
sonho. ; imagens a atiçavam, oferecendo
conforto e a promessa de realizar o desejosecreto de seu coração.
Estava assustada. Ignorava o que o sonho
pudesse revelar. Afinal, segredos deviam
permanecer guardados.
Mas o sonho prevalecia. Viu-se adentrando
uma senda que ela jamais percorrera. Não
existiam temores nesse lugar. De repente,
notou que usava um vestido dourado,
enfeitado de flores coloridas e pássaros. O
traje moldava-lhe o corpo como uma
segunda pele. As mangas longas aderiam
aos braços e o decote acentuava a curva dos
seios. Os cabelos estavam soltos, e no alto
da cabeça, sobre a vastidão sedosa, havia
uma tiara de ouro.
Quem era ela para estar vestida como uma
rainha?
Os raios de sol penetravam entre os galhos
das árvores que rodeavam a senda, e
deitavam-se sobre a relva florida. O açude,
Projeto Revisoras
circundado por pedras cobertas de musgo,
possuía uma superfície plácida. A água era
tão límpida quanto cristal.
Atraída pela água, Meredith aproximou-se
e mirou o fundo do açude. A areia branca
estava imaculada. Nenhum ruído
perturbava a paz da senda. Ela podia sentir
a magia daquele lugar e a presença de
alguém a observá-la. Mas não pressentiu
perigo.
Reparou então que estava livre de
preocupações e sofrimento. Das
profundezas do solo, e através de seu corpo,
emergiu a força curativa que lhe pertencia.
Uma enorme sensação de bem-estar a
envolveu.
Feliz, ergueu os braços e rodopiou. O
perfume de ervas e flores invadia o ar. O
sorriso tornou-se risadas. Sentia-se
abençoada pelos deuses.
Deteve-se, de súbito, e olhou ao redor.
Tamanha benção requeria um preço alto a
pagar.
Davey sonhou. Percebeu-se muito bem
vestido, com botas polidas e uma túnica
preta. Quando levantou o braço para
empurrar os galhos das árvores, viu um
brilho prateado. A Espada da Justiça
refletia os raios de sol em sua lâmina, e ele
carregava o Cálice da verdade.
O som da harpa o guiava. Onde a melodia o
levaria, Davey não sabia. Contudo, ela lhe
Projeto Revisoras
pertencia. Logo percebeu o repentino bemestar interior. Não, era mais que isso.
Sentia-se forte, quase invencível.
A melodia intensificou-se, e o pânico o
dominou. Se perdesse o som, ele morreria.
Correu pela floresta e parou ao escutar a
música que o excitava e, ao mesmo tempo,
fazia-o esperar pelo que estava por vir.
O tom frágil das notas lembrava a voz de
Meredith. A canção soava como uma
mulher clamando pelo amor de seu
parceiro, sua alma gémea. Havia promessa
nos acordes. Davey deixou que a magia
musical tocasse sua alma, coração e mente.
Foi o instinto de guerreiro que o obrigou a
empunhar a espada, mas Davey não se
apavorou. Não pressentia ameaças
malignas, enquanto seguia a adorável
melodia que o guiava pela trilha da
floresta.
Tal qual a voz de Meredith, o som da harpa
era eloquente e passional. O desejo pela
mulher escolhida cresceu. Davey apressouse, na esperança de encontrá-la novamente.
Enfim a senda se abriu em uma clareira. A
música e a magia estancaram. Ele prendeu
a respiração ao divisar o desejo de seu
coração. Ela brilhava em um vestido dourado, com cinto e tiara de ouro.
— Eu sabia que você viria — Meredith
sussurrou em voz melodiosa.
— Sua bruxaria me atraiu. Ela riu.
Projeto Revisoras
— Alguns homens me chamam de bruxa.
Não os condeno. Mas você me conhece
muito bem, Davey.
— Sim, conheço. — Ele notou que Meredith
fitava o cálice. — Vim devolver-lhe o Cálice
da Verdade.
Gentil, ela deu um passo à frente para
segurar o cálice.
— Você bebeu nele.
— É verdade. — Não foi apenas o ato de
beber que o impediu de mentir. Davey o
fizera por vontade própria.
Os olhos de Meredith revelavam uma
emoção desconhecida. A senda envolvia o
espírito em uma aura de paz.
— Era você quem tocava a harpa?
— Escutou a canção, Davey?
— Claro. Foi ela que me conduziu até aqui.
Sei que parece tolice, mas achei que o som
representava sua voz me chamando em
sonho.
— Jamais o considerei um tolo, Davey. —
Ela indicou a senda. — Tem razão. Estamos
partilhando um sonho. Mas não usei
feitiçaria para atraí-lo. Não poderia.
Owain.
O nome e o homem postaram-se entre eles.
Davey recusava-se a enfrentar o demônio
naquele local. Pensou no que ela havia dito
sobre usar feitiçaria:
— Sabe por que fui enviado?
— Os eventos vêm e passam. Tudo será
Projeto Revisoras
claro quando chegar a hora.
— Você me disse as mesmas palavras
tempos atrás.
Agora lembro que Peigi as repetiu para
mim. Ela me deu algo de minha mãe, o qual
eu esqueci. Também avisou-me que eu
deveria usar esse objeto somente quando
houvesse necessidade.
— E há necessidade?
— Necessito de você. — Davey segurou-lhe
as mãos. — Afinal, este sonho não é um
presente dos deuses?
Meredith ficou tensa. Jamais dissera a ele
que o sonho representava uma dádiva. Na
verdade, ela tivera tal pensamento antes de
Davey aparecer. Fitou o cálice.
— Davey, o que você fez?
— Nada. Vim a seu encontro. — Davey
entendeu o que ela quis dizer quando a viu
mirar o cálice. — Olhe para mim, Meredith.
Olhe para dentro de mim. Vê malícia ou
subterfúgio em meus olhos, mente e
coração? Você pode me ler tanto quanto
consigo interpretar as ações de um
guerreiro em batalha. Sabe que eu bebi do
cálice.
Ele posicionou o cálice entre ambos.
— O Cálice da Verdade, como você mesma
disse. Ninguém pode mentir após beber o
líquido que ele contém. E não fui leal
somente a você, milady?
Meredith fitou os olhos castanhos e não
Projeto Revisoras
enxergou trapaça ou mentira. Também
usou seu poder para penetrar na mente de
Davey. Ele não tentou ocultar os pensamentos. Tinha certeza de que não mentia.
No entanto, a omissão significava uma
forma de mentira, e essa falta ele havia
cometido.
— Você afirma que este sonho é um presente
dos deuses. E estes irão exigir um
pagamento. Sei que lhes pediu essa dádiva.
Espero que o preço seja válido.
— Chega! O presente pertence a nós dois.
Vai desperdiçar o sonho com
recriminações? Eu não. Meredith, senti sua
falta. Precisava estar com você assim como
necessito do ar para respirar. Pretende me
condenar por isso?
Quem se moveu primeiro, ela não pôde
saber. Mas, em instantes, viu-se envolvida
pelos braços fortes e escutando as batidas
do coração de Davey. Naquele homem,
Meredith possuía o guerreiro e o amante.
Mas não podia revelar tal segredo.
Ficaram abraçados por um longo momento,
sentindo o aroma da natureza. Tudo ao
redor estava envolto pelos raios dourados
do sol.
Davey afagou os cabelos negros e fechou os
olhos para absorver a sensação que o corpo
macio estimulava. O que estava por
acontecer entre eles era desconhecido.
Porém o prelúdio prometia algo
Projeto Revisoras
inenarrável.
Ter Meredith tão próxima significava o
paraíso. Ele sentiu o sorriso antes que ela o
fitasse.
Havia somente alegria no rosto feminino.
Davey não queria falar. Palavras lhe
faltavam. Notou que a respiração de ambos
tornava-se ofegante. Um calor fervoroso
dominou-lhe os sentidos.
Memorizou cada traço da face ruborizada,
deixando o desejo crescer até transformarse na essência tão conhecida pelos
garanhões. Ela fechou os olhos, e Davey saboreou o ato de rendição.
Sua mente se abriu para ele. Meredith
deslizou as mãos pelo pescoço e acariciou
os cabelos rebeldes. Entreabriu os lábios
para convidá-lo a um beijo.
— Beije-me, Davey, até que não reste o
amanhã. Vamos viver apenas este
momento.
Ele a obedeceu, submisso. Os lábios firmes
cobriram os dela, como se o gesto sensual
os fundisse em um só ser. A necessidade
pareceu explodir com tanta intensidade que
o solo rompeu-se, formando uma redoma
dourada onde somente as sensações
prevaleciam.
Davey sentiu-se maravilhado, enquanto se
beijavam sob a poderosa incandescência. O
desejo carnal equilibrava-se com a terna
sedução que ela exigia. O que vivia com
Projeto Revisoras
Meredith era indescritível.
Almejava uma paixão que excluía todo o
resto. Meredith era seu coração e mente.
Comandava o corpo masculino e aquecialhe o sangue. Emoções, pensamentos e
resposta física estavam à mercê da mulher
através da ligação completa.
Meredith percebeu que Davey havia
derrubado o cálice. Seu corpo moldava-se
ao dele. O prazer intenso lhe pertencia, mas
duplicou quando libertou o desejo que guardava para si.
No instante em que o beijou tornou-se
ainda mais ardente. Aromas misturavamse ao calor sensual. As fragrâncias
masculina e feminina transformaram-se
em um único perfume. Tudo em volta os
excitava.
Ela tremeu quando Davey traçou as curvas
do lóbulo delicado, estimulando a tóxica
sensação de ser amada por ele. O calor dos
lábios gentis percorria as faces, as
têmporas e os olhos. Meredith espantava-se
com o fato de ele achá-la sensual e desejável
a ponto de dar a própria vida para possuíla.
Quando as carícias atingiram o pescoço
alvo, ela sentiu-se derreter. O toque trouxe
nova intensidade ao prazer.
Mãos afoitas, temendo o fim daquele breve
interlúdio, soltaram o cinturão da espada.
Com o mesmo vigor, Meredith despiu-se,
Projeto Revisoras
aflita para livrar-se das barreiras que as
roupas impunham.
Agora nus e em total intimidade, ela se
mostrou tão frágil e terna que Davey
precisou conter-se para ser gentil em suas
carícias. Meredith conhecia cada músculo
daquele corpo viril devido às noites de
vigília, quando tratara dos ferimentos do
guerreiro. Contudo, nunca o havia tocado,
apenas visto.
Tentou dizer-lhe quão encantava estada,
mas os sussurros não atravessaram a
paixão que Davey manifestava. Os seios já túrgidos roçavam o tórax
musculoso. Ela ardeu de desejo quando ele
agarrou-a pelos quadris.
Uma onda de tensão emergiu. Meredith
arqueou o corpo. Davey então sugou a
ponta dos mamilos.
O toque quente da pele espalhou-se. Ele
percorreu a protuberância dos seios,
mordiscou e beijou cada curva. Meredith
cravou as unhas nos ombros largos, fogosa.
— Nenhum homem conheceu a fome que
sinto agora — Davey murmurou.
As carícias continuaram pelo ventre macio.
Era loucura resistir a tanto ardor. De
súbito, ela sentiu pânico ao pensar que
Davey poderia sugar-lhe a alma e o corpo.
Mas a urgência do desejo aumentou quando
ele atingiu a região entre as pernas.
Os tremores emergiam sem cessar até que
Projeto Revisoras
Meredith entrou em choque. Gemia a cada
gentil exploração, embora se sentisse tensa.
Porém, Davey sabia quão preciosa era a
confiança que ela depositava nele. Os
gemidos tornaram-se gritos de prazer. Ele a
segurava com firmeza enquanto acariciava
o portal da feminilidade.
Sob os pés, Meredith percebia o poder da
terra que estivera a seu comando. Ao abrir
os olhos, divisou a luz dourada e escutou a
melodia sensual da harpa. Magia. Era isso
que realizavam.
Mas queria algo mais, algo que não tinha
nome. Seu corpo ansiava pelo dele.
Precisava completar o que haviam iniciado
no primeiro ciclo da vida. O prazer que a
dominava era tão intenso que ela pensou
em morrer. Melhor que a morte foi a
radiante explosão de sua primeira
experiência de êxtase.
Antes que ela pudesse gritar, Davey beijoulhe os lábios. Meredith sabia que se tratava
de uma oferenda sagrada, um presente que
ele jamais dera a mulher alguma. Por sua
vez, ela lhe ofereceria a virgindade.
— Junte-se a mim, Davey — implorou,
sôfrega. — Por favor, o tempo urge.
Então ele a penetrou. Meredith não queria,
tampouco precisava de estímulos. O mesmo
abandono selvagem que o comandava
agora a envolvia.
Abraçou-o com as pernas e os braços,
Projeto Revisoras
beijando o rosto do guerreiro, enquanto
absorvia o sabor salgado do suor. A dor foi
aguda, mas, de alguma forma, pareceu-lhe
doce contra a fina pele que protegia a
virgindade. Minha. Agora e antes. Aqui e
para sempre. As palavras de Davey
tornaram-se dela também. Os cabelos
formavam um manto negro sob o rosto desejoso. Davey incrementava os
movimentos, provocando-a. Linda.
Os sorrisos se perderam em um beijo. Para
Meredith, ele era maravilhoso. Enquanto o
observava, sentia os músculos enrijecerem;
sentia o poder viril aproximar-se do clímax.
O rosto rosado em contraste com os sedosos
cabelos negros transmitia sensualidade.
Meredith o abraçou, recebendo-o em sua
intimidade. Fechou os olhos quando
percebeu que o momento chegava.
Partilhou com ele outra vivência de
completude.
Havia se tornado a mãe terra, e ele a água
da vida. Um não podia existir sem o outro.
E ali, unidos, formavam o santuário
mágico.
Mas se tratava de um sonho. E logo a
realidade começou a prevalecer. Davey
resistiu. Meredith o persuadiu. Era uma
dádiva para guardarem em seus corações,
a despeito do que aconteceria depois.
Contudo, ele precisava de um último beijo
antes de render-se à sabedoria da mulher
Projeto Revisoras
Cymry. Saberia Meredith quão profunda
era sua rendição a ela?
Vestiram-se apressados, porque o som da
harpa desaparecera e agora sombras
invadiam a senda. A brisa sacudia as folhas
e murmurava: depressa, depressa...
No entanto, havia um último pedido. Davey
pegou o cálice e o mergulhou na água do
açude. Meredith o observava, ajeitando a
tiara nos cabelos. Ele voltou e ajoelhou-se
diante dela.
— Beba comigo, milady, e faça uma jura. —
Davey estendeu-lhe o cálice. — Jure que um
dia iremos nos unir para sempre. Se não for
nesta vida, que seja em outra.
Com a mão trêmula, ela tocou a haste do
cálice. Se após beber a água fizesse a jura,
ela estaria renegando os deuses. A morte
seria o menor preço a pagar. Pensou em
contar a Davey, mas'os olhos castanhos
mostravam saber a verdade.
Como poderia negá-lo? Ele era sua alma
gêmea. Sempre fora e continuaria sendo
pela eternidade.
Meredith segurou o cálice.
CAPÍTULO XVIII
Projeto Revisoras
Davey lutou bravamente contra o despertar. Não a abandonaria! Mas a nítida
imagem da senda já se dissipava. O som da
harpa e a trilha da floresta desapareceram.
A visão de Meredith fenecia enquanto ele a
olhava.
Tentou alcançá-la, gritava seu nome
temendo perdê-la. A súplica ficou sem
resposta. As sombras o envolveram.
Por fim, abriu os olhos, encharcado de
suor. Agarrou a espada. Acima dele havia
apenas a lua coberta por nuvens
acinzentadas. Sentiu-se vazio. A dor, pior
que os ferimentos de batalha, o dilacerava
por dentro. Davey esbravejou, mas
ninguém o escutava.
Ciotach resfolegou e trotou até seu mestre.
Davey sentou-se, esfregando as têmporas.
Precisava recuperar o controle das
emoções.
Repetidamente, tentou convencer-se de que
fora um sonho etéreo. Estivera com
Meredith. Ele a beijara e acariciara o corpo
quente. Davey fizera amor com ela.
No entanto, quando olhou ao redor, viu que
continuava no mesmo local onde havia
estagnado de exaustão. Ciotach aproximouse, e, irritado, ele empurrou o focinho do
garanhão.
Iria ficar louco! Nada havia sido real? O
cálice! Tateou os arredores até encontrar o
tecido. Abriu-o e segurou o cálice com as
Projeto Revisoras
duas mãos, tal qual fizera em sonho.
— Santo Deus! Onde está você? —
exclamou.
Não sabia por que virava o cálice para
recolher o conteúdo na palma da mão.
— O que está fazendo, seu idiota?
Não obteve resposta. Esperou um longo
tempo, quase uma eternidade, e foi
recompensado pela paciência e fé. Uma
minúscula gota de água escorreu do cálice e
tombou sobre sua mão.
Uma gota tão diminuta quanto um grão de
areia. Mas Davey sentiu aquela confortável
sensação que abrandou o receio por
Meredith, e um sentimento de paz o
invadiu. Tudo aconteceria como fora
escrito. Uma corrente de calor percorreu
sua perna, advinda da bolsa de moedas.
— Tudo será claro quando chegar a hora —
sussurrou. Davey abriu a bolsa e retirou o
pequeno pacote que
Peigi lhe entregara. Não se lembrava de têlo guardado, mas ficou aliviado por ainda
mantê-lo consigo.
Aquela era a fonte de calor. Peigi dissera
que sua mãe havia lhe pedido que
entregasse o objeto a Davey.
Fazia tempo que não pensava na mãe.
Recordou os cabelos cor de ébano e o olhar
sereno. Diziam que Davey havia herdado os
mesmos olhos. Lady Gunn casara-se por
obrigação, mas os anos de união e os filhos
Projeto Revisoras
tinham estreitado os laços que a uniam ao
marido.
O dom de percepção que Davey recebera
viera de sua mãe. Ela sabia ler as runas
antigas e seguir as estrelas.
Uma das três meninas que Jamie adotara
possuía o nome dela... Onora.
Davey sussurrou o nome da mãe e abriu o
pequeno pacote. Embora estivesse escuro
demais, percebeu que no tratava de uma
pedra. Segurou-a entre os dedos e a ergueu
na altura dos olhos.
Enquanto a segurava, a luz de todas as
estrelas acumulou-se na pedra. O brilho
intenso ofuscou-lhe a visão, causando uma
repentina dor de cabeça. Não conseguia
impedir a transformação, mas se sentiu
grato pelo presente. Mal pôde conter a
impaciência quando a imagem começou a
tomar forma.
Nesse ínterim, antes de entender o que
acontecia, Davey percebeu por que a pedra
era especial. O sofrimento físico, que em
geral acompanhava suas tentativas de
visionar o futuro, não estava presente. E a
dor de cabeça havia passado.
— Deus a abençoe, mãe. E a você também,
Peigi, por se lembrar.
Quando divisou o estábulo sob o brilho do
luar, tinha certeza de que Meredith ali se
encontrava. Davey notou também vultos
circulando ao redor dela. O coração disProjeto Revisoras
parou por alguns segundos.
Meredith, sua outra metade, estava lá. Era
tudo que precisava para sentir-se inteiro.
Davey nunca controlara o dom da segunda
visão. Ele surgia ao acaso, revelando
imagens sem sentido até que o evento
ocorresse.
Mas naquela noite tudo era diferente.
Ele e Meredith estavam em lugares
distintos e, no entanto, era capaz de
observá-la. Não foi o suficiente. Nada o
tranquilizaria, se não pudesse tomá-la nos
braços novamente. Tinha de saber onde
Owain a prendera.
Concentrado, Davey bloqueou todos os
pensamentos. Fechou os olhos e a chamou.
Necessitava acreditar no sonho que haviam
partilhado para que o elo de comunicação
entre ambos funcionasse.
Por mais doces que fossem, as palavras
sussurradas não a despertavam. Podia ver
que ela dormia profundamente. A vontade
de tocá-la pulsava em seu peito. Ou Owain
usava sua arte macabra para isolá-la, ou o
dom de Davey representava apenas um
brinquedo nas mãos dos deuses.
De repente, as imagens em sua mente
tornaram-se foscas. Davey fixou o olhar no
brilho da pedra até sentir a vista arder.
Apertou-a na palma da mão. Inútil. Sentiuse tão indefeso quanto um novilho.
Ao erguer o rosto, notou a luz pálida que
Projeto Revisoras
emergia no céu. A manhã logo se
anunciaria. Não podia continuar sentado
ali.
Antes de guardar a pedra, olhou-a pela
última vez. Não enxergou Meredith. Tinha a
impressão de que o homem de costas para
ele não era Owain. Pouco importava. Davey
estava mais interessado nas intenções do
bruxo. O alvorecer, impresso na imagem,
revelava uma larga porção de água e
navios ancorados à costa.
Outro homem surgiu e, mais uma vez, ele
pressentiu que não era Owain. Os dois
sussurravam, mas não viravam o rosto
para que Davey pudesse vê-los.
Considerou-se um tolo por não atinar para
o poder que tinha nas mãos. Não se
assemelhava ao dom de prever o futuro. A
preciosa pedra o ajudava a seguir o rastro
de Meredith e descobrir onde Owain a
levara.
Não havia tempo a perder. Com ou sem
pedra, precisava estar perto deles. Ainda
tinham de recuperar o anel e a harpa.
Somente os deuses sabiam o que Owain
faria a Meredith para que ela revelasse a
localização dos objetos.
Quando Davey aproximou-se do cavalo,
descobriu que os deuses lhe haviam dado
outro presente. Os ferimentos do garanhão
desapareceram. Montar sem o benefício da
sela não representava obstáculo; Davey e
Projeto Revisoras
seus irmãos tinham sido criados no lombo
de cavalos.
Com a pedra, o cálice e a espada, ele
cavalgou em direção à costa, rumo a sua
amada.
A necessidade desesperada de rever
Meredith o impelia. Temia que as imagens
da pedra logo desaparecessem. Portanto,
esporeava Ciotach para um galope ligeiro.
De quando em quando, fitava a pedra.
Devido ao ódio que o consumia, Davey
ignorava sua reação ao encontrar Owain
ap Madog e salvar Meredith.
Meredith acordou, imaginando que Davey
a chamava. Mas descartou a possibilidade.
Era Owain quem se inclinava sobre ela,
sacudindo-lhe os ombros para despertá-la.
Zonza, abriu os olhos e mirou a expressão
colérica.
Sentindo um peso súbito no estômago, ela
expeliu o conteúdo da porção diabólica que
ele a forçara a beber. Foi com satisfação
que Meredith testemunhou a indignação de
Owain. Ela havia sujado o traje impecável.
Assim que Owain ergueu o punho, ela o
encarou com toda a fúria que possuía.
Resmungando impropérios, Owain baixou
o braço. Porém Meredith não era tola. Ele a
espancaria até obter o que desejava.
Antes, contudo, ele tentaria dissuadi-la,
usando de sedução para encontrar os
outros presentes sagrados e Davey. Mas
Projeto Revisoras
Meredith preferia morrer a confessar
tamanho segredo.
— Cariad, sua resistência é desnecessária.
Ambos queremos o mesmo: ver nossos
presentes em poder do povo Cymry como
diz a profecia.
O tratamento Cymry soava doentio na
língua de Owain. Meredith não respondeu,
tampouco continuou a encará-lo. No
entanto, ele faria tudo para quebrar o encanto que a mantinha intocável. Iria
torturá-la até transformá-la em uma serva
submissa.
Sem aviso, um arrepio gélido percorreu seu
corpo. Podia sentir a intenção maléfica de
Owain, caso não conseguisse sujeitá-la a
sua vontade.
— É tão linda quanto imaginei — Owain
disse, acariciando os cabelos de Meredith.
— Seu guerreiro não pode ajudá-la agora.
Se ainda não morreu, ele logo irá fenecer. E
o que você vai fazer contra mim?
— Os deuses cuidarão de você. — Assim que
as palavras surgiram, ela se arrependeu de
proferi-las. Era isso que Owain queria.
Pretendia mostrar-lhe o poder maligno.
— Lembre-se, cariad, sirvo a meus deuses,
tal qual você serve aos seus. Creio que irão
se divertir quando se. voltar contra os
ensinamentos. Conheço o resultado de
qualquer disputa entre nós, Meredith.
Devia usar sua sabedoria para render-se a
Projeto Revisoras
meus poderes e conceder a derrota. Perderá
tempo, se continuar a me desafiar.
Com um estalar de dedos, o fogo adquiriu
vida. Pwyll acrescentou lenha à pequena
chama. Em segundos, labaredas
emergiram.
— Olhe para o fogo. Veja quão tolo é
depender de seu guerreiro. Olhe! — Owain
a agarrou pelos cabelos e a arrastou até a
fogueira.
A risada de Meredith o confundiu.
— Olhe você para o fogo — ela rebateu. —
Vejo apenas chamas e nada mais.
Owain mirou o centro esbranquiçado do
fogo e nada enxergou. Murmurou
encantamentos, contendo a ira. Praguejou,
mas as chamas recusavam-se a projetar a
imagem de Davey.
A garganta de Meredith ficou seca. Fitou o
rosto insano, e um medo avassalador a
dominou. O homem a tocou com as mãos
frias. Ela gritou quando Owain puxou-lhe o
braço para trás e o torceu.
Os dedos deformados apertavam os ombros
de Meredith, causando uma dor absurda.
Abaixou a cabeça na tentativa de aliviar a
aflição, mas não conseguiu.
— Você vai me dizer o que quero saber —
Owain exigiu. — Irá suplicar para que eu a
mate antes do anoitecer.
Embora desejasse enfrentá-lo, Meredith
sabia que quanto mais protelasse o
Projeto Revisoras
confronto, mais chances Davey teria de
encontrá-la. E ela precisava ser salva o
mais rápido possível.
— Se me ferir, não conseguirá o que quer,
Owain. Você pode saber onde encontrar os
outros presentes, mas nunca lhes dará vida.
Após agonizantes minutos, um pouco de
sanidade retornou aos olhos de Owain.
— Se continuar a me irritar, cariad, pagará
um preço alto. Você lhe deu a espada e o
cálice. Ele tentará resgatá-la. E sei que
adoraria ser espancada para que o
guerreiro me destrua. Pois desista. Cei —
Owain ordenou —, espere a chegada do
homem das Terras Altas. Mate-o. Traga-me
a espada e o cálice. Eu o recompensarei com
tesouros inimagináveis.
Cei esfregou as mãos e reverenciou Owain.
— Como quiser, mestre.
— Devia aprender com ele, cariad. — Owain
se afastou e acenou para Cei. — Traga as
flechas. Quero prepará-las devidamente.
O sorriso era tão diabólico quanto o
homem. Meredith mordeu o lábio até sentir
o gosto de sangue. Owain pretendia
envenenar as flechas. Mesmo que Cei não o
matasse de imediato, o veneno tiraria a
vida de Davey.
— Prevejo lágrimas e súplicas de você.
— Não confunda meus sentimentos para
com ele, Owain. O guerreiro...
— Poupe-me de suas mentiras. Eu os vi
Projeto Revisoras
juntos. Você se entregou a um homem de
pouco valor.
-- Nunca! Eu o usei, Owain. Do jeito que
você usa estes homens e usou Dai para me
atacar na floresta.
— Foi uma estratégia inteligente. Você tem
a tendência de proteger os fracos e
oprimidos.
— Será amaldiçoado por matá-lo!
— Ele falhou, e a punição é a morte. Mas
não vai me decepcionar, certo? Eu a
mataria, se quisesse, mas creio que sua
morte seria a única a lamentar.
Owain voltou-se a Cei.
— Cuide para que sua mira seja certeira. E,
quando ele estiver morto, traga-me um
trofeu. Quero a mão que ousou tocar minha
espada e a mulher que escolhi. Sim, tragame a mão dele.
Meredith berrou e continuou a gritar até
que Owain cobriu-lhe os lábios com as
mãos para silenciá-la.
CAPÍTULO XIX
Impaciente, Owain aguardava que Cei se
juntasse a ele. Havia se hospedado em uma
estalagem nas docas de Applecross, após
Projeto Revisoras
forçar Meredith a engolir mais uma dose de
sua poção malévola.
Vestindo o traje de monge, Owain não teve
problemas para encontrar abrigo para si,
para sua "irmã viúva" e para seus servos.
No entanto, enquanto caminhava ansioso
pelo quarto, ponderou se não devia enviar
Pwyll para ajudar Cei. O guerreiro das
Terras Altas havia provado ser talentoso. E,
acima de tudo, ele possuía a espada.
Owain evitou pensar no que aconteceu à
tentativa de evocar a visão através do fogo.
Olhou para o canto do quarto, onde
Meredith dormia. Teria ela o poder de bloquear seu dom?
Aproximou-se da janela que focalizava o
cais. Ignorou o odor fétido de peixe. Com as
mãos sob a manga larga do traje, ele
refletiu acerca da resistência que Meredith
insistia em demonstrar.
Por que ela não cedia? Owain lhe
apresentava um poder gigantesco, que
nenhum homem ou mulher poderia
conquistar. E, mesmo assim, ela o
recusava. O que aqueles sacerdotes
retrógrados fizeram a ela? Que tipo de
promessas ofereceram para que Meredith
sacrificasse a própria vida por eles?
Os velhos tacanhos haviam esperado,
planejado e esquematizado o nascimento de
uma criança que iria unir o povo
novamente. Mas Owain conhecia os Cymry.
Projeto Revisoras
Sabia que o amor pela guerra e o ódio à
subserviência lhes proporcionariam força,
a menos que ele provasse ser mais poderoso
que todos os seres.
E Owain seria o homem mais poderoso do
mundo. Talvez até conseguisse dominar
Cambria.
Que os anciãos lessem as runas, seguissem
as estrelas e fizessem seus rituais.
Owain levantou a mão deformada. Sim,
obteria sua vingança. E iria se regozijar só
de vê-los queimar.
Rindo, ele voltou a caminhar pelo quarto.
De repente, deteve-se. Por que tinha tanta,
certeza de que o guerreiro os encontraria
no estábulo? O homem não possuía poderes. Como iria de encontro a Cei? Que
terrível erro Owain havia cometido?
— Pwyll! Sele um cavalo para mim. E tome
conta dela. Uma simples falha lhe custará a
vida.
Davey devia mais à espada que ao rígido
treinamento que recebera. Achou o
estábulo e aniquilou o homem que o
esperava para matá-lo.
Nunca mais duvidaria das palavras de
Meredith. Ela dissera que a espada
aprimoraria as habilidades do guerreiro
que a brandisse. Davey nem sequer
imaginava que a lâmina poderia rebater a
flecha que atingiria seu coração.
Olhou a construção em ruínas que jazia na
Projeto Revisoras
estrada de Applecross. Dali podia divisar os
mastros dos navios tal qual a visão da
pedra. Mas chegaria a tempo de evitar que
Owain tomasse algum barco com Meredith?
Lamentou ter matado o homem antes de
questioná-lo. Porém, o mais importante era
manter-se vivo.
Correu para onde deixara Ciotach. Pelo que
pôde observar, Applecross assemelhava-se
a uma precária vila de pescadores. Talvez
descobrisse alguma pista de Owain. Antes
de montar, segurou a pedra contra os raios
de sol. O tom amarelo pálido nada
revelava.
Embora a fúria o dominasse, ele não jogou
a pedra fora. Guardou-a na bolsa de
moedas. Devolveu a espada à cintura e
cobriu-se com a capa.
A vila fora construída em uma planície ao
pé das montanhas de Torridon. Davey
avistou homens armados e com o brasão do
conde Ross. Também notou vários monges
dirigindo-se à residência prioral. A cena
lembrou-o de ver Owain usando um traje
parecido.
Agora Davey tinha por onde iniciar a
busca. Alguém devia ter visto Owain e
Meredith.
Dois navios mercantes estavam sendo
carregados de barris e caixas. Davey
esquadrinhou o horizonte para verificar se
alguma embarcação havia zarpado.
Projeto Revisoras
Somente pequenos barcos de pesca
navegavam, mas não o mastro que ele
procurava.
Entretanto, se Owain deixara um homem
para matar Davey, o bruxo não partiria
sem a espada e o cálice.
Davey apeou. Levaria tempo para
caminhar até as ruas da vila. Porém,
durante o trajeto, poderia investigar sem
ser notado. Pelo menos, assim esperava.
Obrigando-se a ter paciência, tentou
chamar Meredith em pensamento. No fim
da rua principal, pequena ruelas se
ramificavam como uma teia de aranha.
Davey optou por continuar a busca
próximo às docas. Caso nada conseguisse,
procuraria pelas ruelas.
Fixou o olhar em cada um dos monges. O
instinto de guerreiro lhe dizia que Owain
usaria o mesmo disfarce novamente. Era
uma boa pedida. Os religiosos jamais recusavam ajuda a um irmão. O que Davey
procurava precisamente era aquele cujo
capuz escondia boa parte do rosto.
Um grupo de meninos apareceu e tentou
arrastar Davey e o cavalo ao estábulo. Ele
os deteve e perguntou-lhes se
tinham visto um monge com uma mulher
nas últimas horas. Descreveu Meredith e
Owain. Nenhum dos meninos os vira.
A algazarra das crianças atraiu a atenção
de três soldados. Quando os homens de
Projeto Revisoras
Ross se aproximaram, os meninos
precipitaram-se às ruelas transversais.
Davey permaneceu onde estava.
Os três o encaravam, beligerantes. Davey,
porém, tirou vantagem da situação.
— Preciso de ajuda, soldados. A família de
minha amada a raptou. Querem entregá-la
à igreja, embora meu pai tenha oferecido
um dote vantajoso pela noiva. Creio que ela
esteja aqui, viajando com o tio. É ele que a
quer na igreja. Se já se apaixonaram
alguma vez, homens, ajudem-me a
encontrá-la.
Duvidosos, os três se entreolharam. O teor
da história era frequente em famílias que
possuíam muitas filhas e nenhum dote. E os
padres sempre encorajavam suas ovelhas a
ceder os filhos e filhas para servir às
abadessas e aos priores. Os de poucos
recursos realizavam tarefas domésticas.
— Não tenho muito dinheiro, mas estou
disposto a oferecer meu garanhão ao
homem que me ajudar a encontrá-la.
— Qual é sua intenção?
— Comprar passagens no primeiro navio
que nos tirar daqui. Escutem, estamos
apaixonados. Pretendem me impedir?
Davey adoçou a oferta com uma das
moedas de ouro. Se os soldados não
quisessem participar da busca, pelo menos
não iriam atrapalhar. Ambos os casos
serviriam a Davey.
Projeto Revisoras
Tão logo começou a descrever Meredith, ele
a escutou chamá-lo. Respondeu em silêncio,
ignorando os semblantes consternados a
sua frente. Ela estava lá. Perto o bastante
para alcançá-lo.
Discretamente, Davey segurou o punho da
espada sob a capa. Mataria qualquer um
que se pusesse em seu caminho.
Empurrou os homens de Ross e precipitouse às docas, implorando para que ela o
guiasse. Não viu Owain sair a galope, pois o
bruxo não mais usava o traje religioso.
Tampouco Owain reparou no homem de
capa que corria pelas docas com três
soldados a seu encalço.
Davey precisava saber se Meredith estava
sozinha. Ela lhe contou que Owain a
obrigara a beber uma poção que a deixara
fraca e zonza. Explicou também que o bruxo
havia partido de repente, depois de ordenar
a um homem que a vigiasse.
Tudo que Davey queria saber era onde ela
estava. Em uma estalagem, perto das
docas. Mas havia três estalagens no local.
Temendo perdê-la, Davey jogou outra
moeda de ouro aos soldados e pediu-lhes
que procurassem em duas das estalagens.
Nem sequer parou para perguntar por que
o ajudavam; ateve-se à terceira hospedaria.
Nesse ínterim, continuava a falar com
Meredith, dizendo-lhe para distrair o
guarda, porque ele pressentia quão
Projeto Revisoras
próximo estava dela.
Distraí-lo? Meredith mal conseguia se
mexer. Encarou Pwyll que, sentado à mesa,
bebia uma caneca de cerveja. O semblante
embriagado a vigiava. O efeito da poção de
Owain não durou tanto tempo quanto a
primeira dose. Ela podia pensar e
comunicar-se com Davey. Lembrou-se,
então, de que a única coisa que Owain não
queria era chamar atenção.
Meredith respirou fundo e gritou.
Pwyll pulou na cadeira, derrubando a mesa
e a cerveja para silenciá-la. Apesar do
corpanzil, ele se moveu depressa. Quando o
homem atravessou o quarto, prestes a
espancá-la, Davey esmurrou a porta.
Com o ombro, Davey golpeava a madeira.
Havia uma barreira atrás da porta. Em
minutos, os soldados, o proprietário e
vários hóspedes se juntaram a ele.
— Abra em nome do conde Ross! — um dos
soldados gritou.
Se Meredith não estivesse tão temerosa de
ser estrangulada pelas mãos de Pwyll, ela
sentiria pena da expressão confusa nos
olhos do infeliz. Aquelas terras pertenciam
ao conde. Portanto, não havia meios de
recusar entrada aos soldados.
Com a mão de Pwyll cobrindo-lhe a boca e o
nariz, ela não podia respirar. Debatia-se
para se libertar, enquanto escutava a
comoção do outro lado da porta. O
Projeto Revisoras
proprietário discutia com Davey e vozes
exaltadas exigiam passagem em nome do
conde.
Pwyll, enfim, soltou-a. Meredith conseguiu
respirar, embora com dificuldade.
Observou-o tirar a barreira e abrir a porta.
A princípio, não avistou Davey devido à
multidão de homens que invadiu o quarto.
De súbito, alguém agarrou sua mão, e ela se
viu acolhida por braços fortes.
Davey abriu passagem, carregando-a.
Recusou-se a responder perguntas e
marchou pelo estreito corredor.
— Consegue andar? — indagou a Meredith.
— Acho que sim. Onde está Owain? Você o
viu? Ignorando o questionário, Davey
puxou a espada.
— Vamos sair daqui. Acabarei com aquele
que tentar nos impedir.
Todavia, ninguém o fez. Do lado de fora, ele
a acomodou em Ciotach e montou atrás
dela. Em vez de tomar a estrada pela qual
viera, Davey rumou para a praia. A única
intenção era distanciar-se ao máximo de
Owain.
— Onde estão a harpa e o anel, Meredith?
— Na Inglaterra. Temos de ir ao feudo em
River Ribble, para além de Whalley. O anel
está lá.
— Precisamos de um navio. Sabe qual é o
porto mais próximo?
Ela refletiu por um instante.
Projeto Revisoras
— Há uma aldeia abaixo do castelo
Lancaster, e ao sul, Liverpool.
Davey esporeou o garanhão. Apertou-a com
força, agradecendo aos deuses por tê-la
encontrado sã e salva.
CAPITULO XX
Os dias de cavalgadura e preocupação com
Meredith sugaram as forças de Davey,
antes de ele encontrar um navio que os
levasse até a costa da Inglaterra.
A princípio, Meredith não conseguia se
alimentar devido aos danos que a poção
causara em seu estômago. Enfim, recolheu
as ervas necessárias para preparar uma
infusão que eliminaria de vez os efeitos do
veneno maléfico. Davey detestava ter de
forçá-la a seguir em frente, já que ela
precisava de descanso. A lenta recuperação
o impedia de fazer perguntas ou mencionar
o sonho.
Por fim, conseguiram entrada em um navio
mercante, cujo capitão obrigou Davey a
pagar caro para embarcar Ciotach.
Abençoou o tempo em que se envolvera nos
interesses navais do clã, pois demonstrou
conhecimento e admiração pelo navio,
Projeto Revisoras
impressionando o capitão.
Davey cobriu a cabeça do garanhão com
um tecido escuro antes de guiá-lo pela
prancha, para que o cavalo não se
assustasse e caísse no mar. Contudo, não
sabia que Meredith nunca havia navegado.
— Juro que este navio é resistente,
Meredith. O mar está calmo e o capitão
sabe comandar a embarcação.
— Ouvi dizer que uma pessoa pode morrer
de enjoo.
— Bobagem. — Davey virou o rosto.
Lembrou-se da primeira vez em que
navegou por mares bravios e quase caiu da
amurada.
— Davey?
— Você não ficará doente. Sentirá apenas
um desconforto. Venha. — Ele a abraçou
pela cintura. — Vamos embarcar antes que
eles partam sem nós.
O que Davey não citou quando subiram a
bordo foi que cada minuto de atraso
permitiria a Owain alcançá-los. Não tinha
dúvidas quanto a isso, e Meredith também
o sabia, embora não mencionasse o nome
do captor.
As cargas já encontravam-se no navio. Não
havia tempo a perder. As passagens
custaram a Davey quase tudo que lhe
restava de moedas de ouro.
Apesar do medo, Meredith não ofereceu
resistência quando ele a conduziu pela
Projeto Revisoras
prancha. As cordas foram puxadas pelos
marinheiros, e as velas içadas. Davey a
levou para além das caixas e dos barris que
o navio transportava, e encontrou um lugar
seguro, longe da atividade dos homens,
para se sentarem.
Tão logo a acomodou, ele a cobriu com a
capa. O navio começou a se mover quando o
vento atingiu as velas. Por alguns minutos,
satisfez-se em abraçá-la. Mas Davey estava
perturbado. Desde que escapara de Owain,
Meredith falara muito pouco. Não referiuse ao sonho, tampouco perguntou como ele
a achara.
Então, contou-lhe o sonho e, enquanto
discursava, Meredith mantinha a cabeça
apoiada em seu ombro. Não podia ver-lhe o
rosto. A voz tornou-se rouca ao descrever o
ato amoroso e, em seguida, a tristeza o
dominou quando explicou quão pouco o
sonho havia durado.
O silêncio se instalou. Meredith
aconchegou-se ao calor do corpo másculo.
Não podia acusá-lo de mentir. Partilhar um
sonho como aquele só podia ser o resultado
de uma negociação com os deuses. E sabia
que as divindades eram imparciais em se
tratando de favores e exigências. Um pavor
repentino a invadiu. Que preço Davey havia
pago pelo sonho?
Ela não ousou perguntar. Tinha de negar o
sonho. Se admitisse a verdade, que o desejo
Projeto Revisoras
por ela era tão poderoso a ponto de amá-la
a quilómetros de distância com a ajuda dos
deuses, estaria perdida.
Sentiu a profundidade de Davey, a paixão
retumbante, e a retribuía na mesma
medida. Mas jurou que ele não saberia
quanto o desejava. Seria melhor manter o
segredo. Do contrário, Davey faria tudo
para transformar o sonho em realidade.
Lutou contra as lágrimas que ameaçaram
surgir. Nunca existiria o momento de
juntar-se a ele naquela união perfeita de
coração, mente, corpo e alma. Por um
instante, baixou a guarda e imaginou a
conflagração paradisíaca da fusão entre
ela e Davey.
Mas não agora. Tinha de se concentrar em
sua missão. E precisava descobrir que
desejo a destruiria primeiro, o de Davey ou
o de Owain.
— O sonho foi apenas fruto da imaginação
exaustiva de um homem pressionado além
de seus limites — explicou, valendo-se da
raiva como arma contra ele.
Porém, Davey não ficou zangado. Somente
suspirou e apertou-a entre os braços.
— Talvez a poção que Owain a abrigou a
beber tenha afetado sua memória.
— Davey, o que quer de mim? Não partilhei
esse sonho com você. Se não acredita, não
posso ajudá-lo. Já lhe disse que não darei
vazão ao desejo. Não vou trair meu povo.
Projeto Revisoras
— Quero seu amor. — Ele beijou-lhe a testa.
— Eu o tive no passado e agora. Preciso
ouvi-la dizer que me ama.
— Não, é muito mais que isso, Davey. Você
quer me ter só para si, quer me controlar.
Nesse ponto, não é diferente de Owain.
Meredith tentou se afastar, mas Davey a
segurou. Ela resistiu até não lhe restar
forças.
— Por que nega a verdade? Meredith,
estivemos juntos no passado, fomos
amantes. Acha mesmo que não dimensiono
o perigo que você corre ao entregar-se a
outro? Como meus irmãos, encontrei a
única mulher de minha vida. Há forças que
se opõem a nossa união. Onde quer que
você vá, eu a seguirei.
Davey conteve a raiva ante tamanha
teimosia.
— E não tenciono controlá-la. A menos que
tenha esquecido, milady, não estou
tentando detê-la. Não sei nada sobre esses
presentes. Após o que passamos juntos,
ainda tem coragem de me comparar a
Owain?
— Davey, eu o magoei! Perdoe-me, por
favor.
— Perdoo tudo, mesmo sua cegueira diante
do sonho que vivemos. — Ele passou as
mãos nos cabelos, já ume-decidos pela
maresia. Porém o odor do mar o acalmava.
— Às vezes tenho a sensação de que a
Projeto Revisoras
magoei no passado e, por isso, você não
consegue me perdoar.
As palavras morreram ao vento. O suspiro
profundo de Meredith disse-lhe que não
haveria mais discussão. Mais uma vez, ele
deixou passar. Faria de tudo para protegêla. Mas, assim que a missão estivesse
terminada, Davey exigiria sua rendição.
Navegaram pelo mar irlandês com a
benção dos deuses porque nada perturbou a
trajetória. Onde quer que aportassem,
Davey não largaria Meredith.
Atracaram na pequena cidade portuária de
Raven-glass. Notando o mercado no cais,
Davey disse ao capitão que ele e sua esposa,
tal qual alegara de início, iriam fazer
compras enquanto o navio era
descarregado.
Resolveu levar Ciotach para exercitar o
garanhão. Meredith quis caminhar entre as
barracas do mercado. Havia sacos de
iguarias, pilhas de roupas e animais. O
odor de pão fresco e outros alimentos
exalava pelo ar.
Quando Davey parou para comprar
petiscos saborosos, sentiu que alguém os
vigiava.
Encarou Meredith, sem a necessidade de
palavras para comunicar o pressentimento.
A multidão ajudava-os a se esconder, mas
também dificultava a localização daquele
que os observava.
Projeto Revisoras
Caminharam, sossegados, saboreando
iguarias e puxando Ciotach.
— Talvez seja apenas um jovem galante
querendo conhecê-la — Davey comentou e
sorriu. O rosto de Meredith corou.
Durante a viagem de navio, ela aproveitou
o tempo a fim de cerzir uma nova túnica
verde a Davey e para si, um humilde traje
branco de algodão. Não estavam vestidos
com elegância, mas a beleza de Meredith
jamais seria disfarçada.
Conforme fiscalizava a multidão, o
desconforto de Meredith crescia.
Apreensiva, rompeu o silêncio que havia
imposto em relação a Owain.
— Sente que ele está por perto?
— Não tenho certeza. Descobrir um navio
que não realizou tantas paradas como o
nosso não representa dificuldade. No
entanto, isso não explica de que forma ele
nos acharia aqui.
— Owain sempre sabe. Atenha-se em
descobrir quem está nos observando.
— Compre alguma coisa — Davey ordenou.
— O suficiente para retornarmos ao navio.
— É melhor irmos agora.
— Não tenho intenção de permanecer aqui,
Meredith. Podemos ser pegos em um piscar
de olhos. — Davey a guiou até um grupo de
mulheres em uma barraca de especiarias. O
desconforto aumentou.
— Acha que devemos continuar a jornada
Projeto Revisoras
por terra?
— Acho. Não há lugar para se esconder em
um navio. E aquele bastardo seria capaz de
incinerar a tripulação inteira só para
roubar você e os presentes sagrados.
— Não diga mais nada. — Meredith agarrou
a mão de Davey que segurava as rédeas do
cavalo. Sabia que o terror que viveram no
incêndio de Torridon ainda prevalecia.
Então Meredith comprou uma cesta, queijo,
pão e um pedaço de linho para cobrir o
suprimento. Em seguida, pararam em cada
barraca a caminho do navio. Embora não
houvesse feito nenhuma outra aquisição, a
cesta coberta ocultava o fato.
Fingiu que carregava uma cesta pesada
demais e entregou-a a Davey quando
atingiram as docas.
Esperando confundir aquele que os vigiava,
Davey to-mou-a nos braços e beijou-a,
antes de acomodá-la no lombo de Ciotach.
Então, amarrou a cesta à sela.
— Vou buscar nossos pertences. Se alguém
se aproximar, grite tairbh para Ciotach. Ele
lutará por você.
— Tairbh?
— Exato. — Ele vistoriou a multidão nas
docas. — Os cavalos do Clã Gunn são
treinados para obedecer determinadas
palavras de comando. Faça o que eu disse.
Davey precipitou-se ao navio. Queria ter
tempo para encontrar um cavalo a
Projeto Revisoras
Meredith no mercado. Mas, caso o fizesse, a
demora alertaria os inimigos. Sem dúvida,
havia mais de um à espreita. Soube
também, depois de conversar com o
capitão, que estavam próximos a Whal-ley.
Do outro lado da baía de Morecambe
localizava-se River Lune, e mais ao sul o
local onde pretendiam chegar.
Recolheu os pacotes que havia escondido
entre os barris e correu de volta a Meredith.
O brilho dos olhos cinzentos confirmou a
presença de Owain. Davey entregou-lhe os
pertences e montou atrás dela. Ciotach não
precisou de estímulo para galopar.
Acima de Ravenglass, nas montanhas
Cumbrian, uma fogueira queimava diante
de uma caverna. Uma risada sonora ecoou.
O som maníaco aumentou quando o centro
esbranquiçado do fogo projetou o desejo de
Owain ap Madog. Ele tinha a druida e o
guerreiro novamente.
Apertou entre os dedos a pequena argola de
prata. Meredith não sabia que ele já havia
encontrado o anel. E, em breve, obteria o
feitiço para despertar o poder da jóia.
— Que eles venham até mim! — Owain
gritou, erguendo os braços ao céu.
CAPÍTULO XXI
Projeto Revisoras
Duas semanas se passaram antes de eles
atingirem a colina acima das fazendas do
feudo de Whalley. O fim daquela tarde foi
recebido por nuvens densas que
anunciavam chuva ao anoitecer.
Davey utilizou seu talento de guerreiro a
fim de roubar uma égua para Meredith
montar. Em troca, ela o surpreendeu com a
habilidade não somente de aquietar cavalos, como também domou a égua em menos
de uma hora. Se não tivesse testemunhado
a cena, ele não acreditaria.
Com o auxílio das duas últimas maçãs e de
sua voz, Meredith afagou o pêlo da égua,
sussurrou palavras doces e a conquistou. O
carinho foi tanto que Ciotach relinchou seu
ciúme. Davey identificava-se com o
sentimento do garanhão. Queria a atenção
de Meredith apenas para si. No entanto, ela
se mantinha a distância.
Recusava-se a revelar o que a perturbava.
Ela havia erguido novamente as barreiras.
A conversa centrava-se apenas na pressa.
As dúvidas e apreensões de Davey foram
deixadas de lado, causando-lhe um certo
desespero.
Ele a observava com frequência. Meredith
percebia cada olhar, quando se sentou ao
pé de uma árvore. As raízes eram grossas o
bastante para prover abrigo e privacidade,
Projeto Revisoras
já que os galhos quase alcançavam o solo.
Não podia evitar os pensamentos
tumultuados. Ao invés de concentrar-se em
Owain e suas artimanhas, só pensava em
Davey. Se descobrisse o que havia feito, ele
jamais a perdoaria. Meredith mentira. O
sonho também lhe fora real. E a lembrança
daqueles momentos a perseguia.
Uma dádiva dos deuses. Mas a união
depunha contra tudo que aprendera e
acreditava. Sabia que o magoava ao
frustrar cada tentativa de ele descobrir o
que estava errado. Como poderia revelar a
verdade?
Ela o queria, e não apenas em sonho.
Davey a escolhera como mulher, e Meredith
o via como sua alma gêmea.
— Perdida em pensamentos, milady?
Gostaria que pudesse me dizer quais são.
Meredith assustou-se. Davey se aproximara
o suficiente para sussurrar em seu ouvido,
e ela não percebera. Virou-se e o fitou. O
olhar sombrio a alarmou.
— O quê...
Ele a silenciou com um beijo. Os lábios
transmitiram ternura e calor durante um
breve momento. Embora ansiasse por mais,
Davey manteve a promessa de esperar e
afastou-se.
— Tem certeza de que a harpa ainda está
aqui?
— Não. — Era verdade. Meredith nem
Projeto Revisoras
sequer pensara na harpa.
— Então, descubra o paradeiro da harpa o
mais rápido possível. Acabo de avistar um
grupo de cavaleiros e juro que um deles
está usando um traje de monge.
Meredith aproximou-se de Davey, no topo
da colina. Divisou uma nuvem de poeira na
estrada. Havia cinco cavaleiros rumando
para o sul.
— É ele — Davey afirmou.
— Por que tem tanta certeza?
— Veja por si mesma. — Ele mostrou-lhe a
pedra. Admirada, Meredith fitou o tom
amarelado da pedra.
— Pegue-a. Esta pedra pertenceu a minha
mãe. Garanto que não lhe fará nenhum
mal.
— A pedra é sua, Davey. Ninguém mais deve
usá-la.
— Não consigo ver muito bem, Meredith —
ele disse, avaliando a imagem. — Não sei se
está perto ou longe de nós. Enxergo apenas
o rosto de Owain.
Temerosa, Meredith fitou as águas azuis de
River Ribble. Se pudesse descer até o rio,
obteria a resposta à pergunta de Davey.
Mas no fundo já sabia. E o risco de evocar a
visão, dada a proximidade de Owain, era
muito alto. Tinha de mantê-lo afastado de
Davey. E ela não mais pressentia a harpa.
Se Owain conseguiu resgatar a harpa... que
os deuses os ajudassem! A força da
Projeto Revisoras
proteção que a acompanhara desde o início
da jornada parecia dissipar-se. Ou então
fora anulada pela magia negra de Owain. A
possibilidade incrementou seus temores.
Podiam os deuses lhe virarem as costas? O
amor e o desejo que sentia pelo guerreiro
escolhido seriam sua ruína? Se falhasse, os
sonhos de seu povo estariam destruídos.
Juntando as mãos, Meredith começou a
esfregar o anel. Sabia que ocultar tudo isso
de Davey os enfraquecia. Era a vida dele
que a preocupava. Owain nunca poderia
matá-la. Mas tiraria a de Davey, sem
pestanejar.
Deuses, ajudem-me!, clamou em
pensamento. Não permitam que Owain
obtenha a harpa. Passarei o resto de minha
vida buscando os presentes, se pouparem a
vida de Davey.
Esfregou o nó sem emendas. O feitiço de
proteção só funcionaria se Davey usasse o
anel. Porém, seria inútil contra os poderes
gigantescos de Owain.
— Meredith, o que foi? — Davey abraçou o
corpo tenso. — Diga-me o que tenho de
fazer. Devo cavalgar até eles para me
certificar de que é Owain? Seria um enorme
prazer cortá-lo em dois.
Aflita, ela sacudiu a cabeça em negativa.
— Você está tremendo. O que há?
— Davey, você confia em mim?
— Com sua vida — ele respondeu, sem
Projeto Revisoras
hesitar.
— Minha vida?
— Sim, milady. Venho lhe dizendo que a
amo e a quero como esposa. Sua vida para
mim é mais preciosa que a minha. — Ele
sorriu. — Confio-lhe o poder de proteger o
que é mais importante que minha própria
vida.
Entretanto, Meredith não retribuiu o
sorriso. Fechou os olhos para não vê-lo. E,
dessa vez, Davey não teve paciência.
— Pare de se esconder de mim! Sua
estimada harpa já deve estar nas mãos
daquele insano. Se não me disser o que
tenho de fazer, seguirei minha inclinação
de abater Owain.
Decidido, Davey recuou.
— Não se aproxime dele! — Meredith abriu
os olhos e enxergou fúria no semblante de
seu guerreiro.
Sem pensar, jogou-se nos braços de Davey e
o beijou. Somente o coração a impelia. Não
havia meios de retroceder. A paixão de
muitas vidas, o desejo e o amor que os
unira durante séculos emergiram. Não se
importava com o que lhe aconteceria, desde
que Davey estivesse a salvo. Sabia o que
Owain podia fazer com a harpa.
As barreiras cederam. Davey se viu outra
vez mergulhado no sonho. Aquela era a
mulher que tanto desejava. Deixou-se
envolver pelo calor feminino, como se preciProjeto Revisoras
sasse de sustentação. Não havia
pensamentos para Owain. Meredith o
consumia.
Enquanto ele a beijava com ardor,
Meredith sentiu o mundo parar. Existiam
apenas o desejo insaciável e a paixão
abrasadora. Suspirava a cada exigência
famélica dos lábios
Ele a saboreava, afoito. Os corpos se
colavam entre carícias. Ousada, mordeu o
lábio inferior de Davey, lembrando-se de
como ele a fazia sentir-se.
Davey a apertou entre os braços até que a
excitação adquiriu força entre ambos. O
calor da maré de desejo que fluía dentro
dela espalhou-se.
Entregue, Meredith sentiu-o estremecer
quando deslizou os dedos sobre a nuca de
Davey. Aprofundou o beijo, na tentativa de
fundir-se a ele.
O tortuoso conflito que a fatigava foi
dragado pelo amor que nutria por aquele
homem. Queria afogar-se na paixão e
esquecer as proibições e os impedimentos.
A cada beijo fogoso, ela se via embebida
pela magia que os tornava partes de um
todo.
As carícias que Davey desenvolvia nas
coxas, nos quadris e na protuberância dos
seios a faziam seguir o mesmo trajeto no
corpo viril. Tateou os músculos rijos que as
roupas não conseguiam ocultar.
Projeto Revisoras
A necessidade queimava-lhe a mente e o
corpo. Cada contato irradiava calor.
Meredith tremia devido ao desejo de
possuir e ser possuída. Era incrível
perceber que um toque, um beijo e um doce
suspiro podiam estimular tamanha paixão.
De repente, sentiu o poder da
masculinidade se afirmar. Se fosse o
captor, ela se veria capturada pelo mesmo
encantamento.
— Eu o quero — sussurrou, ainda beijandoo. — Mais que a vida, eu o desejo.
A necessidade fulminante incrementou a
fome. À medida que Meredith correspondia
às carícias, uma voz insistente dizia a
Davey que algo estava errado. Tentou
ignorar o aviso, porque em seus braços
encontrava-se a mulher que almejava mais
que a vida.
Mais que a vida... As palavras ecoaram,
mas logo surgiu a voz da razão, embora o
corpo ardesse de desejo e a paixão
comandasse a mente.
Por mais ardorosa e passional, Meredith
agia contra a doutrina que lhe fora
imposta. Não podemos ser amantes... seria
a morte... a traição... a ruína dos sonhos de
meu povo. Davey escutava as frases em sua
mente, somadas ao calor do momento. A
paixão não tinha nada a ver com a
satisfação carnal, mas se relacionava diretamente ao fogo do coração. Nunca
Projeto Revisoras
amantes... jamais.
Isso a destruiria. Arruinaria a profecia. E
Owain ainda representava a maior ameaça
à vida de ambos. Frio e calculista, Davey a
empurrou. — Davey?
O ar lhe faltava nos pulmões e a fome por
ela o dilacerava. Meredith o fitava,
apaixonada. As faces estavam rubras e os
lábios, inchados por causa dos beijos.
Davey meneou a cabeça, resignado. Tinha
de se afastar dela. O melhor seria
permanecer calado para não magoá-la com
palavras tolas. Mas um sentimento de
traição começou a surgir onde outrora
jazia o desejo.
Durante um longo instante, Meredith
sentiu-se vazia e fria. Tentou esconder-se
antes que ele entendesse por que ignorara o
dever, a honra e a lealdade para com suas
crenças e seu povo.
Era tarde demais. Ela enxergou a verdade
nos olhos castanhos. Sentiu-a no próprio
corpo e na dor aguda que lhe rasgava o
coração.
Ergueu as mãos para impedi-lo e suplicar.
Em seguida, fitou o céu repleto de nuvens
carregadas. Ao longe, um trovão
reverberou. O vento tornou-se feroz,
afugentando as palavras antes que Davey
as ouvisse.
Raios cruzaram o céu. A terra parecia
estremecer ao som dos trovões e da
Projeto Revisoras
tempestade iminente.
Meredith correu até Davey. Tinha de lhe
entregar o anel. Precisava protegê-lo.
— Davey, eu lhe imploro! — gritou.
Então, escutou a primeira nota sendo
trazida pelo vento, e sentiu as enormes
gotas de chuva desabando do céu. Ela
escorregou e agarrou-se a Davey.
— A harpa... Owain! Tarde demais!
CAPÍTULO XXII
Davey estendeu os braços a fim de tentar
segurar as mãos de Meredith antes de cair
de joelhos, completamente derrotado.
Inclinou a cabeça para trás e soltou um
grito de angústia tão grave quanto os
trovões.
O vento soprava com tamanha força que
ameaçava afastá-la dele. Meredith não
conseguia alcançá-lo. Davey fechou os
punhos, usando a formidável potência de
guerreiro para combater a melodia
agonizante que Owain tocava na harpa.
Através da chuva e das lágrimas, ela
divisava a máscara de dor que dominava as
marcantes feições de Davey.
0 corpo arqueado traduzia o horror que a
melodia infligia. Ouvir histórias sobre o
Projeto Revisoras
sofrimento que a harpa podia causar era
diferente de testemunhar a cena.
Meredith começou a rodeá-lo, evocando a
poderosa pro-teção de druida, a airbe
druad. Seria a única maneira de evitar a
morte de ambos.
Outro grito de pavor surgiu dos lábios de
Davey. Por intuição, Meredith sabia que
precisava oferecer-lhe conforto.
Contradizendo a necessidade, ela enfrentou
a chuva e o vento para aproximar-se dos
pertences sob a árvore.
Vasculhou os objetos até encontrar o cálice
envolto no
tecido. Orou para que o feitiço maligno de
glám dichenn retesasse as mãos de Owain e
destruísse seu corpo. Sem ela, o bruxo não
obteria a chave da harpa para dedilhar a
melodia mortal.
Depressa... depressa! A litania reverberava
em sua mente sem cessar. Se não protegesse
Davey agora, Meredith jamais conseguiria
impedir o dano que Owain produzia.
Tinha de salvar seu amado do espírito
diabólico de Owain. Ela o faria ou morreria
tentando.
Devido à fúria da tormenta, galhos
desprendiam-se das árvores e chicoteavam
o rosto e as costas de Meredith. Estimulada
pela raiva, usou os dentes para desatar o
nó da tira que amarrava o cálice.
Depois de liberá-lo, ela juntou as mãos a
Projeto Revisoras
fim de formar um funil para que a água da
chuva enchesse o cálice. Soltou uma risada
nervosa e levou a água a Davey. Suplicou
aos deuses que intercedessem e
transformassem aquele líquido em deog
dermaid, a bebida do esquecimento.
Se as preces fossem atendidas, Meredith
correria o risco de Davey perder a
lembrança do que haviam vivido juntos.
Contudo, qualquer preço valeria a pena
para salvá-lo. Caso não pudesse amá-lo
nesta vida, esperaria por outra. Ele era sua
alma gémea, o sangue do coração. A
metade necessária para compor o todo.
— Beba, meu amor. — Meredith levou o
cálice aos lábios de Davey. — Escute apenas
minha voz. Vou eliminar o horror que o
dilacera. Obedeça-me, Davey! — implorou,
sabendo a agonia que ele teria de superar.
— Owain não vai vencer. Não vou deixar.
Nós dois o impediremos. Por favor, beba.
Ela o segurou de encontro ao peito e, mais
uma vez, tentou obrigá-lo a beber.
— Davey, ouça-me. Eu te amo! — Meredith
sentiu o gelo que envolvia o corpo de
Davey. Abraçou-o com força enquanto ele
pelejava para beber a água encantada.
Desesperada, Meredith berrou. O corpo
estava tão tenso por causa da violenta
agonia que o rosto do guerreiro
empalideceu.
— Não permitirei que esse servo das Trevas
Projeto Revisoras
lhe tire a vida! Ele é meu — Meredith gritou
aos deuses. — Se o matarem, estarão me
destruindo também. E a profecia não mais
existirá! Pelo que há de mais sagrado,
salvem-no! — exclamou, na tentativa de se
fazer ouvir além da tempestade.
Largando o cálice, ela se ajoelhou na lama
para segurar Davey entre os braços.
— Ele não vai vencer — murmurou em
prantos.
A força do vento e da chuva e a intensidade
dos raios e dos trovões ocasionaram um
tremor na terra e as raízes das árvores
irromperam, do solo.
Ainda assim, Meredith agarrava Davey
para não perdê-lo. A garganta ardia de
tanto gritar e suplicar para que Owain
parasse de tocar a harpa. Quando não lhe
restou mais energia, ela tombou no chão e
sentiu o corpo de Davey cair a seu lado.
Ali, onde a chuva encharcava o solo,
Meredith o manteve junto a si. Não possuía
mais lágrimas, mas os gritos de súplica
ainda ecoavam em sua mente. Então,
aguardou a decisão dos deuses que
exigiriam a renúncia daquilo que havia
partilhado com seu amor.
Owain assistia a tudo. A tempestade
prosseguia, mas nada perturbava o fogo
que ele havia acendido. Dedilhava as
cordas da harpa e via seu inimigo agonizar
no chão. Vulnerável como estava, tal qual
Projeto Revisoras
um bebé recém-nascido, o guerreiro
dependia de outro para sobreviver. E
Meredith iria falhar.
As águas do rio formavam ondas imensas, e
das gordas nuvens a fúria da chuva caía.
Até o vento, que puxava sua capa como uma
asa gigantesca, o alegrava.
Regozijou-se ao extrair notas discordantes
da harpa. Sorriu quando viu Meredith
limpar as gotas de sangue da boca de seu
amante. Ela jamais escaparia. E nunca
escolheria outro homem além de Owain.
Sussurrou as preciosas palavras que
liberavam a agonia e o horror, dor e morte
além do desconhecido. A mão mutilada mal
conseguia segurar a harpa, enquanto
Owain tocava as cordas. Esse era seu
poder! Um poder que os anciãos temiam
usar.
De súbito, através do fogo, ele avistou um
manto negro sendo estendido. Uma névoa
branca cortou a escuridão, lentamente
envolvendo Meredith e o guerreiro.
Owain arregalou os olhos. Vociferou
impropérios. Teve de engolir o gosto
amargo da boca quando avistou a chance
de matar o inimigo ser engolida pela bruma
repentina.
— Não! — O vento abafou o grito de ódio.
No coração do fogo a névoa ergueu-se.
Owain viu Meredith virar-se como se
soubesse que ele a observava. Um sorriso
Projeto Revisoras
frio surgiu nos lindos lábios quando os
olhos cinzentos fitaram a escuridão do céu.
Horrorizado, Owain testemunhou o
instante em que sua mulher, sua igual,
beijou a boca do homem que ele havia
jurado matar. Com toda fúria, voltou a
dedilhar a harpa.
Frenético, ele usava a mão boa para
percorrer as cordas. Ficou chocado ao
ouvir a voz de Meredith.
— Ele é meu, Owain. Sua vida e seu amor
me pertencem. Largue a harpa e observe a
própria morte passar.
Enfurecido, Owain jogou a harpa no fogo.
— Veja a harpa queimar — berrou. Então
soltou uma gargalhada e atirou o anel nas
chamas. — Você não sabia que tenho o anel.
Como a harpa, ele é meu! E vou destruir
todos os presentes, se não puder tê-los!
Mas uma avalanche de chuva emergiu das
nuvens e apagou o fogo até reduzi-lo a pó.
Então, o anel e harpa, imunes ao fogo e à
chuva, permaneceram intatos sobre as
cinzas.
A despeito da exaustão, Meredith não ousou
fechar os olhos durante a noite e o dia
seguinte. O desconforto causado pelo barro,
pelas roupas molhadas, pela sede e fome
era ínfimo comparado à satisfação de ouvir
a respiração ritmada de Davey.
A névoa que os rodeou a intrigava
sobremaneira. Estava sentada no círculo
Projeto Revisoras
da airbe druad, com Davey repousando
sobre seu colo. Acariciou o semblante
sereno. Os olhos ardiam de cansaço e o
corpo clamava por descanso, mas Meredith
recusava-se a perturbar o sono de seu
guerreiro.
Onde Owain estaria naquele momento não
importava., Se a bruma que os envolvia
representava uma bênção dos deuses,
Owain seria punido quando chegasse a
hora.
O esforço para permanecer acordada era de
fato imenso. Meredith cochilava de quando
em quando e lutava contra o torpor. Pela
primeira vez, tinha Davey só para si, e não
em sonhos ou visões projetadas na água.
Traçou os lábios, imaginando o sorriso e
escutando a risada.
Então, levou os dedos aos próprios lábios,
beijou-os e voltou a tocar a boca de Davey.
Ele suspirou.
Por enquanto, era o bastante poder tocá-lo.
Meredith moveu as pernas que já
formigavam devido ao peso de Davey sobre
elas.
Ignorou o incômodo, preferindo pensar na
memória de Davey quando acordasse. Ele a
reconheceria? Fechou os olhos para
controlar a dor que sentiu ante a
possibilidade, embora soubesse que não
tinha escolha.
O melhor seria aproveitar o tempo para
Projeto Revisoras
pensar em um local seguro. E ainda
precisava recuperar a harpa.
O ar gélido da noite a fez estremecer. Não
deixaria Davey sozinho. Ficou tentada a
acender uma fogueira para aquecê-los.
Davey moveu-se dormindo e acomodou a
cabeça sobre o ventre de Meredith. Ela
acariciou os cabelos cor de ébano e pousou
as mãos na terra.
Momentos depois, percebeu que sentia
vibrações no solo semelhantes às de um
tambor. Não podia ser. Fitou a escuridão
sombria da noite, pois a lua se escondia
atrás das nuvens.
O relinchar de cavalos informou-lhe que
homens se aproximavam a galope. Seria
Owain? Mas o bruxo sabia que, se cruzasse
a linha da airbe druad, ele morreria.
Tal poder o impediria de matar outro
homem?
Meredith conhecia a resposta. Owain não
se importaria. E, tão logo cruzasse a linha,
o feitiço de proteção seria quebrado.
Tinha de acordar Davey. Não havia meios
de movê-lo sozinha.
O pânico a invadiu. Talvez não fosse Owain.
E talvez pudesse entoar um feitiço para que
ela e Davey sumissem dali.
Projeto Revisoras
CAPÍTULO XXIII
Em total desespero, Meredith sacudiu
Davey, I avisando-o que homens a cavalo se
aproximavam. Mesmo havendo violado
tantos ensinamentos para mantê-lo vivo,
fez menção de pegar a faca que ele levava à
cintura. Mas hesitou. Era proibido mutilar
ou matar.
Descartou a faca e voltou a sacudi-lo, agora
com mais força.
Devagar, Davey abriu os olhos. Era noite.
Sua cabeça latejava demais. Sentiu a
umidade das roupas e tateou o corpo que
usava como travesseiro.
— O que há com você, mulher? —
perguntou, com a voz sonolenta.
— Cavaleiros... — Meredith enfim sorriu
aliviada. — Está acordado?
— Estou. Deus, o que aconteceu?
— Davey, não é hora de fazer perguntas. Há
cavaleiros perto do rio vindo em nossa
direção. Não sei se Owain está entre eles.
Consegue se levantar? — Ela tentou erguêlo, mas estava sem forças. Tinha energia
apenas para mover as próprias pernas.
— Espere um minuto. Sinto-me como se
houvesse bebido um barril inteiro de
cerveja.
— Não temos tempo. Precisamos nos
Projeto Revisoras
esconder. — Meredith levantou-se e o puxou
pelas mãos.
— Você viu ou ouviu os cavaleiros? Acho
que já se foram. Devem estar à procura de
um lugar para descansar. — Davey olhou
ao redor, atarantado. — Por que preferiu
passar frio? Sei que pode acender uma
fogueira.
— Tudo está molhado, Davey. Houve uma
tempestade e Owain...
— Não pronuncie este nome novamente.
Juro que minha cabeça vai explodir. — Com
extremo esforço, ele conseguiu levantar-se.
— Vamos descer até o feudo. Eles nos darão
abrigo. Você está tremendo tanto quanto
eu.
— Existe somente morte naquele feudo,
Davey. Owain resgatou a harpa. —
Meredith ficou grata pela escuridão
impedir que os olhos penetrantes a
fitassem.
No entanto, Davey tinha razão em um
ponto: os cavaleiros foram embora.
— Estamos muito vulneráveis aqui,
Meredith. Vamos pegar os cavalos e descer
até o rio. Lembro-me de ter visto uma
clareira segura próxima ao banco.
Podemos encontrar madeira seca e...
Aflita, Meredith agarrou-lhe os braços.
— Primeiro, vamos nos aquecer. Depois
conversaremos. De acordo?
— De acordo. — Ela o abraçou, agradecida.
Projeto Revisoras
O delicioso calor do corpo másculo a
esquentou.
— Meredith, você se feriu?
— Não. Ele não me tocou.
— Então, vamos sair deste lugar. — Davey
nada disse acerca do fato de se lembrar
exatamente o que havia acontecido. Tudo
ainda era muito vago.
Embora fraco, ajudou-a a recolher os
pertences. Pressentia a presença de Owain.
Mas não comentou a sensação com
Meredith. Ela precisava se aquecer.
O estado enfraquecido e a falta de luz o
faziam caminhar devagar, enquanto
Meredith puxava os cavalos. A princípio,
manteve a mão no punho da espada,
porém, ao atingir o pé da colina, puxou-a
ante a ameaça de perigo. Por duas vezes,
ele mudou de direção para evitar
armadilhas.
Era o silêncio que o alertava. A total
ausência de sons na mata parecia irreal.
Não podia ver sombras movendo-se ou
brisa sacudindo as folhas, mas de repente
escutou um ruído.
Salteadores surgiram sem aviso. Três deles
andavam com tochas nas mãos. Quatro
homens a cavalo circularam Meredith e
Davey.
— Meredith, solte Ciotach. — Davey ficou
onde estava e murmurou palavras
escocesas que prepararam o garanhão à
Projeto Revisoras
batalha.
Os homens se mantinham a distância.
Ciotach empinou, desafiando a montaria
dos inimigos. O que Davey não pressentia
era a presença de Owain. Tampouco teve
tempo para perguntar a Meredith se o
bruxo estava entre os adversários. Dois
cavaleiros avançaram contra ele, um pela
direita e dois pela frente.
Davey segurou a espada com as duas mãos.
Apesar da lentidão que sentia nos
membros, sabia que a espada faria seu
trabalho e, momentos depois, testou a
crença contra um dos homens.
A Espada da Justiça cortou a lâmina do
oponente, deixando-o com apenas um toco
de aço. Eles blasfemaram e uma voz grave e
gutural gritou ordens aos outros dois.
Ciotach se colocou entre Davey e um dos
homens. Como um cavalo bem treinado, ele
usou os dentes e os cascos para atacar a
montaria. A pé, outro homem precipitou-se
a Davey, movimentando a espada como se
esta fosse uma foice.
No mesmo instante, a exaustão de Davey
desapareceu com os movimentos
conhecidos de batalha. A raiva o dominou
por completo. Ouvia a respiração ofegante
do inimigo e o som da lâmina cortando o
ar. O homem agitava-se de um lado a outro
até que a espada de Davey cortou-lhe o
corpo. Ele tombou na terra, rolou e fugiu
Projeto Revisoras
para a escuridão da floresta.
Um cavaleiro avançou sobre ele, mas logo
foi rendido^ pela poderosa espada. Davey
permanecia no mesmo lugar para não se
distanciar de Meredith. Sabia que ela e a
égua vigiavam a retaguarda, e Ciotach as
laterais.
Davey continuou a lutar, sempre atento à
segurança de Meredith. Fora treinado para
o ataque, mas não ousava mover-se para
não deixá-la vulnerável. Estava preocupado também com os dois homens que
esperavam na mata. Os olhos sagazes o
observavam, avaliando seu desempenho
com a espada.
— Venham encontrar a morte, seus
safardanas! — Davey berrou. — Minha
lâmina tem sede de sangue, covardes.
Um homem galopou em sua direção,
brandindo a espada. Davey desviou-se do cavaleiro e
cortou a pele do
cavalo. O animal escoiceou, quase
derrubando o homem
Após dominar o cavalo, o inimigo tentou
atacá-lo novamente. Davey o derrubou com
um só golpe e a montaria fugiu a galope.
Outro relinchar ecoou atrás de Davey. Era
Ciotach clamando vitória contra um dos
oponentes. Pelo som dos cascos de Ciotach,
Davey teve certeza de que o animal não se
levantaria outra vez. Só esperava que o
Projeto Revisoras
cavaleiro também permanecesse rendido
sob a ameaça de Ciotach.
Três longos assobios finalizaram o ataque.
As tochas caíram no solo e os homens
pareceram fundir-se à escu ridão. Em
questão de minutos, tão rápido quanto
come çou, Davey e Meredith encontraramse sozinhos.
Ainda dominado pelo calor da batalha,
Davey de espada. em punho vistoriou o
local. Os salteadores não só sumiram. como
também levaram os mortos com eles.
Meredith correu para pegar uma tocha que
ainda continuava acesa.
Com voz suave, Davey acalmou Ciotach.
— Foi mais um dos testes de Owain? — ele
perguntou a Meredith.
— Owain não estava com eles.
— Eu sei. Não vamos nos demorar aqui. A
qualquer momento, eles podem nos atacar
de novo. — Puxando Ciotach, Davey
aproximou-se dela. — Eles a feriram?
— Ninguém pode chegar perto de mim. —
Meredith aproximou a tocha. Você está
ferido. Precisa de cuidados.
— O ferimento pode esperar.
Meredith ocultava algo. Não era a primeira
vez que Davey pressentia isso. Ficou
irritado. Não se daria ao trabalho de
perguntar. Com um movimento brusco, arrancou a tocha da mão dela e liderou o
caminho.
Projeto Revisoras
Encontraram um ninho de musgo sobre
uma imensa pedra. Davey logo acendeu
uma fogueira. Sentado ao lado do fogo,
limpou a lâmina da espada. Mas quando
Meredith aproximou-se para cuidar do
ferimento, ele a rejeitou.
— Não ficaremos aqui — avisou. Ao notar o
abatimento no lindo rosto, imaginou que o
dele também devia expressar fadiga. Fazia
semanas que vinham fugindo da
perseguição de Owain sem comida ou
descanso. Porém o ataque daquele dia
mostrara quão vulneráveis eram.
— Não posso ir, Davey. A crwth não está
longe daqui. E, de alguma forma, Owain
recuperou o anel. Não vou partir enquanto
não estiver com todos os presentes sagrados em mãos, e souber que Owain foi
derrotado.
— Mesmo que o preço a pagar seja sua
morte? Através das chamas do fogo,
Meredith notou um brilho
indefinido nos olhos de Davey.
— Minha morte é um risco do qual sempre
estive ciente - alegou com carinho,
esperando abrandar a raiva de Davey.
— Risco? Sim, é verdade. Reconheço os
riscos que temos corrido desde o início. E
quanto a minha memória, Meredith? Perdêla faz parte dos riscos? Por que não me
contou o que aconteceu?
— Davey...
Projeto Revisoras
— Pare de mentir! Diga-me somente a
verdade.
— Não grite comigo. Não sou sua inimiga. —
Ela se afastou do fogo para se esconder nas
sombras.
Como explicar-lhe o que havia acontecido?
Se Davey soubesse quão facilmente Owain
podia utilizar a harpa para aniquilaria
crença em si mesmo e na espada seria
destruída. Não haveria meios de controlar
a fúria. Meredith temia que Owain
encontrasse a chave para quebrar o feitiço
de proteção do anel. Admitir tudo isso também arruinaria a fé de Davey nela própria.
Era um preço que não estava disposta a
pagar.
— Posso sentir seu conflito, mulher. A
verdade é tão terrível que não pode revelála a mim? Mesmo depois de tudo que
passamos?
Davey era forte. Bastava observar os traços
marcantes para saber que ela podia contarlhe qualquer coisa. Mas, no fundo, a
resistência a mantinha longe dele.
Impaciente, Davey levantou-se e caminhou
até Meredith. Ambos se sentaram ao lado
da pedra. Ele segurou a mão delicada e
beijou-a. Um doce calor a invadiu. Mas não
foi o desejo que o impeliu, pois o corpo
estava tenso.
— Talvez seja melhor começarmos pelos
fatos que ainda lembro. — Davey respirou
Projeto Revisoras
fundo, antes de continuar. — Um
sentimento estranho me assolou. Ele fez
algo muito vil com a harpa, porque o som
das cordas não me pareceu música. Eu me
senti impotente. Depois disso, não me
recordo de mais nada.
— É o suficiente — Meredith sussurrou. —
Mais que suficiente.
— Sabe onde ele está?
— Em algum lugar, bem perto daqui.
— Consegue localizá-lo?
— Davey, você não vai atrás dele. Os
acordes que Owain tocou na harpa lhe
causaram um mal muito grande.
Terno, ele a segurou pelo queixo e
memorizou cada detalhe do belo rosto.
— Se está disposta a arriscar a vida,
decidirá por mim se devo ou não arriscar a
minha?
— Não peça isso. — Ela fechou os olhos.
— Covarde — Davey murmurou. — Olhe
para mim, Meredith.
Devagar, ela abriu os olhos.
— Quando iniciamos a jornada — Davey
sussurrou, beijando-lhe os lábios —, você
fez questão de arriscar minha vida para
que eu a acompanhasse. E, como um tolo,
aceitei o risco sem queixas. Não pretendo
perdê-la agora. Sempre esperamos que
Owain faça o primeiro movimento. É uma
estratégia fútil, Meredith. O melhor é
atacar quando nosso inimigo nos imagina
Projeto Revisoras
fracos.
Davey beijou-lhe a ponta do nariz. Sorriu
ao ver que Meredith lhe oferecia os lábios.
Mas se negou a ceder. Precisava estar
consciente, e os beijos de Meredith o
confundiam.
— Diga-me onde ele está, mulher —
sussurrou, roçando os lábios no pescoço
alvo. — Se não disser, pensarei que está
tentando protegê-lo.
As últimas palavras foram pronunciadas
com tamanha sensualidade que ela fez
menção de se afastar. Mas Davey a agarrou
pela cintura.
— Como ousa me acusar de traição? —
Meredith excla-mou. — A única pessoa que
estou protegendo é você. Para
mim tudo está claro. Mostrou-me o que
significa desejar tanto alguém a ponto de
ignorar a lealdade e as promessas de um
povo, Davey. É sua vida que não quero
arriscar.
— Então não estava sonhando quando a
ouvi dizer que me ama?
O semblante adquiriu uma expressão tão
zombeteira que Meredith ergueu a mão
para estapeá-lo. Ele a segurou pelo pulso,
evitando o tapa.
— Não me recrimine por ser trapaceiro.
Você me força a isso quando omite seus
segredos. Não vou cantar vitória, tampouco
lhe perguntarei se foi sincera. Mas não
Projeto Revisoras
pretendo negar o que está por trás destes
olhos que me capturaram desde o início.
Sedutor, Davey inclinou-se sobre ela. Os
olhos castanhos também a capturaram,
anulando o escudo de pro-teção que
Meredith impunha. Não queria render-se,
mas se sentia culpada por esconder a
verdade. Almejava beijá-lo, entoar um
feitiço para que ele dormisse, enquanto saía
em busca de Owain.
No entanto, matar era proibido para ela.
Dentre todos os votos que havia feito, este
ela não podia quebrar.
— Guarde seus segredos, se quiser, mulher.
Mas me deixe ouvi-la dizer que me ama.
— É verdade, Davey. Porém não posso dizer
as palavras porque de nada adiantaria.
Você foi avisado desde o começo. Nunca
menti a respeito disso.
Comovida, ela pôde sentir a dor que o
consumia.
— Davey, Owain tem mais que a harpa para
ajudá-lo. De alguma maneira, ele
conseguiu o anel. Se descobrir o feitiço
correto, ele possuirá um poder muito maior
que o meu. A bem da verdade, ele já sabe
um encantamento capaz de bloquear minha
percepção.
— Entendo. Owain adoraria se aproximar
sem ser descoberto. — Davey levantou-se e
puxou Meredith. — A despeito das
bruxarias e da magia negra, ele ainda é um
Projeto Revisoras
homem. No final, iremos rir daquele ser
desprezível.
— O que deu em você, Davey?
— Nada. Tudo está do jeito que quero.
Entretanto, ele parecia atento aos
arredores. Meredith tocou-lhe o rosto, na
tentativa de dizer que também pressentia a
presença de alguém. Davey só esperava que
ela não percebesse o temor de escutar
aquela harpa novamente. Tinha uma vaga
lembrança do horror que havia vivido, do
medo que o dominara e do frio quase
mortífero.
Sacudindo a cabeça, livrou-se da estranha
lembrança e concentrou-se em Meredith,
que o beijava e abraçava.
Ergueu a perna e verificou se a sgian-duhh
ainda encontrava-se no cano da bota. De
propósito, tinha deixado a espada ao lado
da fogueira. Owain era pretensioso o
bastante para acreditar que venceria.
Davey provaria o contrário.
A menos que os instintos de guerreiro e o
novo dom da percepção estivessem
enganados, Owain aproximava-se deles.
Davey encarou Meredith. Que ela não veja
o medo em meu coração e mente.
Mas foi exatamente isso que ela viu.
CAPÍTULO XXIV
Projeto Revisoras
Okwain os fez esperar, embora estivesse ansioso para antecipar a próxima investida. O
ataque daqueles salteadores lhe permitira
observar os efeitos ocasionados pela harpa
no guerreiro da Terras Altas, assim como
suas táticas em batalha. Assistiu à luta e
amaldiçoou o homem por não ter se
afastado de Meredith. Planejara capturá-la
na escuridão da mata.
Agora ela se vangloriava de amar aquele
infeliz talentoso.
Por um instante, lamentou ter assassinado
Pwyll em um rompante de raiva quando a
harpa não matou o homem que se
interpunha entre ele e tudo que mais desejava. Pwyll seria útil para distrair o
guerreiro, enquanto Owain raptava a
druida.
Sorriu ao divisar o pobre vasculhando a
floresta à beira do rio. Owain não seria
encontrado, a menos que quisesse.
Com deliciosa expectativa, pegou a harpa.
Acomodou-a entre os braços, como se o
instrumento fosse um bebê. Apesar da
falha, sabia que a magia não era a
responsável pelo fracasso.
Deslizou a mão sobre as cordas, pensando
em que melodia mortal iria tocar.
Testemunhar o inimigo de joelhos e
impotente proporcionou-lhe um prazer
Projeto Revisoras
sensual. Se sujeitasse o guerreiro,
conseguiria a mulher. E os presentes
sagrados. Todos reunidos outra vez. E o
poder...
Deliciou-se com o tremor que percorria seu
corpo. Tão logo ele vencesse, Meredith seria
obrigada a revelar a chave do encanto que
despertava o anel.
Como consequência, ela se submeteria a
Owain. Aliás, todos os seres estariam à
mercê dele. Riquezas, terras, homens de
joelhos e mulheres fogosas estariam
disponíveis a Owain. Reis suplicariam sua
ajuda... Podia tornar-se rei.
Iria tornar-se rei.
Piscou várias vezes para se livrar das
imagens que invadiam sua mente. Logo
abaixo, o nevoeiro pairava sobre o rio. Mas
a pequena fogueira ainda permanecia
acesa.
Quão perto ele estava?, perguntou-se.
Perto o bastante para divisar a dor e ver
Meredith mais uma vez incapaz de derrotálo.
Owain precipitou-se ao local onde quase
vencera o inimigo. No topo da colina, abriu
os braços, como se pretendesse apropriarse do céu.
A sensação de triunfo o enaltecia. A cada
respiração, sentia o poder surgir dentro de
si. Cada feitiço despertava as forças
malignas dos deuses que o comandavam.
Projeto Revisoras
Ele venceria. Não havia outro final.
O proscrito e mutilado, Owain ap Madog,
aquele que fora expurgado de memórias e
escritos antigos, dominaria o mundo e
eliminaria os que se opusessem a ele.
À beira do rio, Davey fazia preparativos
para confrontar Owain. Precisaria de cada
habilidade, de cada gota de coragem para
suportar a agonia que o bruxo usaria a fim
de vencer. O profundo amor que Meredith
sentia por ele foi comprovado no instante
em que ela removeu o anel do dedo, e
colocou em uma fita vermelha para que
Davey o pendurasse no pescoço.
Meredith agora não tinha nenhuma
proteção, a não ser os feitiços que conhecia.
Mas Davey estava decidido a impedir que
Owain sequer se aproximasse dela.
Após encontrar um toco de vela entre os
pertences, ele caminhou até o fogo para
derreter a cera.
— Não estou louco — Davey comentou, ao
ver o olhar curioso de Meredith. — O que
você vê é uma arma tão poderosa quanto
aquela espada. — Ele se recusou a dar
maiores explicações.
— Fique comigo, Davey. Owain não pode
cruzar a airbe druad. Isso o matará.
Ela não mais se importava em esconder as
emoções. Um dos dois, Davey ou Owain,
iria perder. E estava apavorada demais
para ousar evocar a visão na água do rio a
Projeto Revisoras
fim de saber quem morreria.
A covardia representava, sem dúvida, uma
traição a Davey. O guerreiro precisava
acreditar que triunfaria sobre Owain e sua
bruxaria. Ela forçou um sorriso e mandoulhe um beijo.
— Preciso estar livre para me mover,
Meredith. Não permitirei que ele me cerque.
Isso lhe daria muitas vantagens.
Durante os últimos minutos, antes de dar
início à estratégia de ataque, Davey
memorizou a imagem de Meredith. Os
cabelos negros, como um manto sagrado,
brilhavam tanto quanto os olhos cinzentos.
Os lábios carnudos pareciam confessar
sentimentos.
Sabia que Owain poderia matá-lo e, depois,
esquartejar Meredith. Davey acreditava ser
a mais pura realidade. E sem ela não
haveria vida para ele.
Como um verdadeiro guerreiro a caminho
da batalha, ele se aproximou da beira do
rio.
A água estava gélida quando Davey entrou
no rio e deixou a corrente carregá-lo.
Owain encontrava-se muito próximo, podia
senti-lo.
Agarrou algumas plantas aquáticas,
tomando cuidado para não arrancar as
raízes. Colheu um punhado e voltou à beira.
Usando os elementos da natureza como
camuflagem, voltou à elevação, onde estava
Projeto Revisoras
Meredith.
As árvores baixas dificultavam a passagem.
Tentou perceber qualquer sinal de
movimento, mas nada movia-se. Mesmo os
cavalos permaneciam em total silêncio.
Não conseguia enxergar a luminosidade da
fogueira.
Abaixado, Davey enveredou pela floresta e
quase caiu quando tropeçou em uma pedra.
Recuperou o equilíbrio. Quando avançou
um pouco mais, divisou o que procurava;
na colina havia um clarão de fogo.
— Owain ap Madog! — gritou, alterando o
tom de voz enquanto ziguezagueava pela
mata.
Pequenas fogueiras surgiram ao redor. Aos
poucos as chamas foram crescendo.
Tratava-se de uma ilusão, ponderou Davey.
E, para sua desvantagem, ele não tinha
como se esconder.
Owain não o esperava na colina.
Davey não o via ou o escutava. Precisava
acreditar que Meredith estava segura; do
contrário, iria facilitar a própria derrota.
Mas onde o covarde se escondera?
Não conseguia encontrar o inimigo. As
chamas ofuscavam-lhe a visão. O fogo
criava sombras por todos os lados, e
qualquer uma delas poderia ser o
esconderijo de Owain.
Havia jurado a si mesmo que Owain não
seria o primeiro a atacar.
Projeto Revisoras
— Apareça e lute como um homem, Owain!
— Davey berrou e desceu a colina, em
direção ao acampamento. O bruxo devia
estar lá. Meredith e o cálice o atraíam, já
que Davey carregava a espada.
No entanto, antes de se aproximar, Davey
preparou-se para a harpa. Viu e ouviu as
primeiras notas. Precipitou-se até Owain,
que se achava perto do círculo de pro-teção.
Meredith, segurando os cavalos, encaravao enquanto o bruxo implorava que ela se
rendesse.
— Pouparei a vida do guerreiro, se é tão
precioso para você. Olhe para ele,
Meredith. Veja como enfraquece ante os
primeiros acordes. Vai tentar salvá-lo
novamente?
— Owain, esqueça a visão — ela respondeu.
— Você irá morrer, se usar o instrumento
sagrado para o mal. Escute-me. Sei que falo
a verdade. Pare agora. Pare e eu o
ajudarei...
— Não quero sua ajuda! — ele esbravejou,
colérico. Virou-se para ver Davey de
joelhos, mas se desapontou.
O poderoso guerreiro ainda avançava sem
que a música da harpa o afetasse. Owain
continuou a tocar, ainda mais furioso.
— O que você fez? — gritou a Meredith.
Vociferou feitiços maléficos contra ela e
Davey. Quanto mais blasfemava, mais os
fogos cresciam até que a colina inteira ficou
Projeto Revisoras
em chamas.
Meredith via o que Davey não conseguia
ver. O rosto de Owain transfigurava-se
devido ao desejo de morte. Não haveria
escapatória para os horrores que o bruxo
causara a inocentes.
Por mais que invocasse a magia negra,
Davey continuava avançando. Owain
largou a harpa e puxou a espada.
Apavorada, Meredith conteve o grito.
Owain usaria a espada de Davey para
enfrentá-lo.
Com ambas as mãos, o bruxo segurou a
espada. Ergueu-a e, conjurando os piores
feitiços, correu em direção a Davey.
— Diga-me como conseguiu vencer a harpa!
— Owain exigiu ao deter-se diante do
guerreiro. — Que magia aquela bruxa lhe
deu? Eu o vi sucumbir à sonoridade mortal
da harpa. Eu vi!
O sorriso de Davey era frio. Podia divisar a
boca de Owain movendo-se e os olhos que
indicavam a fúria enlouquecida. Porém,
não escutava nada, nem mesmo o som
demoníaco da harpa.
Ele posicionou a espada. Owain recuou
para o lado e golpeou o braço de Davey com
a outra lâmina.
Quando a ponta da espada cortou-lhe a
mão, Davey pulou para trás. Nesse
momento, reconheceu a arma. Era a lâmina
que ele empunhara em dezenas de batalhas.
Projeto Revisoras
Ao se voltar para a esquerda, Owain não
mais estava lá. Davey girou e defendeu-se
do ataque repentino de Owain. Confiou nas
habilidades de exímio espadachim e
investiu contra o bruxo, impedindo-o de
atacar.
Mas Davey sabia que não aguentaria lutar
por muito tempo; o que Owain produzira
com a harpa o havia enfraquecido. A raiva
fria o guiava contra o louco. Notou o brilho
de ódio nos olhos de Owain.
As lâminas colidiam, soltando faíscas de
aço. Com certeza, Owain enfeitiçara a
espada, pois os golpes ferozes de guerreiro
não pareciam surtir efeito.
Ofegante, Davey recuou, mas rodeou
Owain, que brandia a espada para mantêlo a distância.
Davey atiçava-o, forçando o bruxo a moverse em círculo. Em um dado instante, feriu o
braço de Owain. Ao divisar o sangue, ele
largou a espada.
O homem caiu de joelhos e ergueu a mão
ensanguentada. Os lábios se mexiam, mas
não emitiam som.
Davey não acreditava que ele estivesse
mortalmente ferido. Precisava ter certeza.
Investiu contra o bruxo e inseriu a Espada
da Justiça no corpo de Owain até que a
lâmina atingisse a terra. Feixes
incandescentes de luz surgiram do rosto
agonizante. Davey protegeu os olhos com o
Projeto Revisoras
braços e virou de costas.
Rapidamente, ele tirou os pedaços de cera
que havia colocado nos ouvidos para evitar
o som mortífero da harpa. O fogo que
incinerava o bruxo começava a ceder.
Davey teve de olhar outra vez a fim de
certificar-se de que Owain estava morto.
Enquanto fitava o corpo, disse com uma voz
desprovida de emoção:
— Sua morte jamais recompensará as vidas
dos inocentes que você eliminou. Que o fogo
do inferno queime sua alma, Owain ap
Madog. — Ao pronunciar as últimas
palavras, Davey puxou a espada.
Um brilho esbranquiçado emergiu do
punho e percorreu a lâmina. Outro feixe de
luz piscou e os resquícios do corpo de
Owain tornaram-se cinzas. Davey tremia
de exaustão. Revolveu as cinzas para
recuperar o anel.
Escutou Meredith chamá-lo. Em prantos,
ela correu e jogou-se em seus braços.
— Acabou, amor — Davey murmurou,
acariciando-a. — É hora de levá-la para
casa.
— Sim, Davey. Tive tanto medo por você,
mas nunca duvidei de que iria vencer.
— Houve momentos em que fraquejei. Mas
agora não mais. Vamos embora, meu amor.
Entretanto, existia mais uma batalha que
Davey teria de enfrentar. Meredith agora
possuía todos os presentes sagrados e ele
Projeto Revisoras
estava disposto a cobrar a promessa final.
Os sacerdotes a deixariam partir?
CAPÍTULO XXV
s velhas estradas romanas compunham o
ca-linho, enquanto Davey e Meredith
retornavam à terra dos Cymry. Cruzaram
Offa's Duke, o grande muro de pedras, em
direção a uma região de selvagem beleza.
Meredith avisou que eram vigiados e
seguidos pelos Cymry. Davey entendia por
que as forças da Inglaterra haviam
fracassado em conquistar esse povo. As
trilhas que percorriam pareciam estreitas o
bastante para permitir somente a
passagem de animais. Nenhum homem
conseguiria lutar contra forças ocultas que
utilizavam árvores, arbustos, desfiladeiros
de pedras e água corrente como defesas.
As costas de Davey doíam devido à
sensação de ter uma das famosas flechas
galesas cravada na carne. Mas encontrou
sinais de bem-aventurança nas oferendas
deixadas pelos Cymry ao longo do trajeto:
comida, flores, um odre de vinho e pedras
polidas com esmero. Por mais que tivesse se
esforçado, não viu sequer um representante
Projeto Revisoras
do povo Cymry.
Diante de tantas homenagens, Meredith
mantinha-se reservada. Estava de bom
humor e, com frequência, partilhavam
risadas, contudo ela evitava contato físico.
Quando Davey sentia o desejo clamar por
satisfação, o novo comportamento o
zangava e confundia. Imaginava se ela
tentava mostrar-lhe quão exigente era ou se
o amor por ele não mais existia.
O tema tornou-se um tabu. Qualquer
menção ao futuro era rebatida pelas
mesmas palavras que Meredith lhe dissera
em Halberry.
— Os eventos vêm e passam. Tudo será
claro quando chegar a hora.
— E quando chegará a hora? — ele
perguntava.
— Breve. Muito em breve.
A resposta não o contentava. Deixava-o
ansioso, aliás. Conforme cavalgavam pelas
montanhas de Cambria, atravessando
riachos cujos nomes Davey não sabia pronunciar ou desviando por vales, maior
tornava-se o medo de perder a mulher
amada.
Meredith contou-lhe histórias daquela
terra. Hiraeth, como ela a chamava, não
possuía nenhuma palavra equivalente nas
línguas normanda e inglesa que
expressasse o verdadeiro amor pela região.
Davey compreendia o sentimento porque
Projeto Revisoras
sentia o mesmo em relação às Terras Altas.
Ela prosseguia, revelando cada detalhe
encantador a respeito de Cambria. Houve
momentos em que Davey estava tão
mergulhado em pensamentos que ela teve
de chamá-lo vários vezes.
De súbito, Meredith apontou a presença de
uma escolta. Davey se viu rodeado por
homens morenos, cujos semblantes nada
expressavam.
— Eles vieram para nos acompanhar à
moradia de Alawn — Meredith informou. —
Seja paciente.
— Paciente? Tenho sido tão paciente que
posso até virar um santo.
— Não adianta zangar-se. Prometo que
tudo...
— Sim, tudo estará claro quando chegar a
hora — ele rebateu.
— Não levará muito tempo, Davey. —
Meredith esporeou o cavalo e saiu a galope.
Escutou-o chamá-la, mas se manteve firme
e não olhou para trás.
Os homens bloquearam o caminho de
Davey. Ele precisou conter Ciotach para
que o animal não atacasse aqueles que o
impediam de aproximar-se de Meredith.
Murmurou impropérios quando eles
começaram a falar naquela língua
incompreensível. Não entendeu as palavras, mas os gestos com arcos e flechas
indicavam que Davey não podia segui-la.
Projeto Revisoras
Meredith sabia que ele não sofreria mal
algum. Assim como tinha certeza de que o
magoara por não permitir nenhuma
aproximação.
No entanto, a distância se fazia necessária.
Com um simples olhar, Davey era capaz de
incitar um desejo gigantesco, e isso a
enfraquecia.
Precisava se preparar. Não seria fácil
encarar os sacerdotes. Sem dúvida, a
próxima tarefa prometia ser árdua. E ela
não poderia ajudar Davey quando chegasse
a hora.
Quando Meredith apeou diante da
residência onde atingira a maturidade,
encontrou Alawn a sua espera. Não o
temia, embora muitos se apavorassem
diante da figura sábia do ancião. Para ela,
aquele par de olhos azuis sempre fora
gentil.
Não guardava segredos de Alawn, porque o
notável sacerdote tinha o poder de ler a
mente, o coração e alma. Ele segurava o
cajado de madeira, onde palavras arcaicas
estavam impressas. O instrumento era utilizado para adivinhações.
Alawn sorriu e abriu os braços para recebêla.
— Bem-vinda, minha menina. Você
enfrentou percalços e tornou-se ainda mais
forte. — Alawn a abraçou, sabendo que
Meredith revelaria o que a perturbava no
Projeto Revisoras
momento certo. — Entre. Há comida e os
outros querem revê-la.
— Sabe que Owain está morto?
— Sei. Eu vi. — Os olhos azuis refletiam
tristeza. — Alguns disseram que ele foi
amaldiçoado por dlui fulla, mas lhes
mostrei que os pensamentos malignos de
Owain eram fruto de sua ambição
desmedida pelo poder.
— Não houve escolha, a não ser matá-lo —
Meredith justificou a fim de defender as
ações de Davey.
— Nunca houve outro destino para ele. Mas
venha comigo. Todos aqui estão saudosos.
Segurando a mão de seu mentor, Meredith
ajudou-o a caminhar. Ele envelhecera em
sua ausência.
— Sim, é verdade. Sinto frio em qualquer
estação do ano. Meredith riu. Quando
criança, ela sempre se surpreendia
ao escutar um comentário ou resposta a
qualquer pergunta que se fazia em
pensamento. Agora sentia-se em casa.
Alawn parou em frente às portas da
residência.
— Minha menina, o que quer que decida,
você o fará por vontade própria. Este é seu
lar. Portanto, não se apresse.
— Você não conhece Davey, Alawn, Não me
agrada deixá-lo para trás.
— Ele é mais sábio do que imagina. Sabe
que não pode participar de certos assuntos.
Projeto Revisoras
Você gosta dele? — Alawn estudou o rosto
que tanto amava. — Sim, posso ver que
gosta. Converse com seu coração, Meredith.
Suas dúvidas irão acabar. Mas já escuto
Emrys e Brehon discutindo, como faziam
quando você era criança. Sempre pensam
que eu a guardo só para mim. Ah!
Tão logo adentrou o saguão, Davey
procurou Meredith. Fazia três dias que não
se encontravam. Os anfitriões, tal qual
batizara aqueles que o vigiavam e
tentavam ensiná-lo a atirar com arco e
flecha, haviam providenciado banho e
roupas limpas para ele.
Para as festividades da noite, Davey havia
caçado um cervo. Tentou convencer os
homens Cymry que não fora sua flecha que
tinha acertado o animal, apesar do linguajar estranho. E a comunicação tornouse ainda mais difícil após algumas canecas
de cerveja. Jurou levar um barril ou dois da
bebida para que seus irmãos a provassem.
— Bem-vindo a nosso lar, jovem guerreiro.
Ao escutar a voz, Davey se virou e deparouse com três velhos. Queria perguntar onde
estava Meredith, mas se conteve por saber
que receberia apenas respostas evasivas.
— Será recompensado por sua paciência —
um deles disse. — Sou Emrys. A minha
direita está Alawn, e este é Brehon. Nós o
abençoamos por ter protegido nossa dama.
Nós a criamos nesta moradia.
Projeto Revisoras
— Ele não está interessado em sua
ladainha, Emrys
— Alawn repreendeu-o. — O jovem não vê a
hora de encontrar nossa menina.
— E alguém pode recriminá-lo? — Brehon
perguntou.
— Eu mesmo preferia estar com Meredith a
aguentar vocês dois.
Antes que Davey pudesse se manifestar,
Alawn ergueu a mão.
— Nossa dama virá se juntar a nós. Não
vamos incomodá-lo. Há muito a ser dito
entre vocês.
Os três se separaram e Meredith surgiu. Ela
vestia um manto branco, semelhante aos
trajes que os sacerdotes usavam.
Havia pequenos grupos de pessoas no
salão, e muitos pararam para conversar
com ela. Davey ficou paralisado. A mulher
que se aproximava possuía uma aura de
selvagem esplendor.
Os gloriosos cabelos negros estavam soltos
sob a tiara de pérolas. Mas era o rosto que o
atraía. A expressão traduzia pura
serenidade. Os olhos cinzentos cintilavam.
Dúvidas e temores tinham desaparecido.
Meredith postou-se diante dele. Davey
respirou fundo, fascinado. Ela sorriu. A
vontade de tomá-la nos braços e declará-la
sua em público resvalou-lhe a mente.
— Não podemos, Davey — Meredith
sussurrou. — Fomos convidados a sentar na
Projeto Revisoras
mesa principal. Esta festa é em nossa
homenagem.
— Não preciso de festa. A única fome que me
consome é...
— Quieto! Pessoas aqui presentes podem
ler pensamentos e outras adoram
bisbilhotar. Teremos tempo mais tarde.
Prometo.
— Sozinhos?
— Sim, sozinhos. Mas agora precisamos
discutir assuntos de extrema importância.
— Nesse caso, contento-me em usufruir de
sua companhia. Os três sacerdotes se
juntaram a eles. A comida era
simples, mas farta. Havia também muito
vinho e cerveja.
Ele compreendia o fato de ninguém
mencionar Owain ou a razão de estar ali.
Davey falou das Terras Altas, do clã e dos
irmãos. Nem sequer se importou de segurar
a mão de Meredith e fitá-la com todo amor
diante de desconhecidos. No fundo, queria
gritar a todos, mas cabia a ela anunciar o
sentimento, já que estavam entre seu povo.
Meredith o deixou por algum tempo quando
pediram que ela cantasse. A harpa que
dedilhava era diferente da que Owain
roubara, para o alívio de Davey.
Todos permaneceram em silêncio enquanto
a voz melodiosa reverberava pelo salão.
Davey notou como os outros a observavam.
Os rostos transmitiam amor e devoção,
Projeto Revisoras
admiração e respeito. Eles a deixariam
partir?
A canção mudou de tom, ocasionando
risadas. Davey sorriu, ávido para estar a
sós com ela. Não desistiria de sua mulher.
Jamais.
CAPÍTULO XXVI
A noite estava fresca e a brisa recendia a
fumaça, quando Meredith o conduziu à
pequena colina. O luar a- iluminava de
forma etérea. Po-rém a mão que segurava a
dele era real.
O silêncio de Meredith ameaçava a
confiança de Davey. Os dias em que não
pôde vê-la ou tocá-la foram uma tortura.
Imaginava se ela sentira o mesmo.
— Esses últimos dias têm sido difíceis para
você — Meredith, enfim, comentou, atenta
aos pensamentos que o perturbavam.
— E para você também, suponho.
— Ainda tem dúvidas, Davey? Eu queria
estar com você. É verdade.
Incapaz de passar mais um instante sem
tocá-la, Davey a abraçou.
— Perdoe minhas palavras. Ando muito
irritado. Temia que você não me quisesse.
Projeto Revisoras
Será somente minha agora?
— A questão não é tão simples quanto
imagina.
— Não aceitarei outra resposta além de sua
aceitação, hoje e para sempre.
— Se eu fosse outra pessoa, poderia lhe
dizer as mesmas palavras. Mas não sou.
— Está me rejeitando? Tudo o que vivemos
não significou... Meredith utilizou a única
arma que possuía para silenciá-lo. Beijou-o
com ardor. A força do sentimento que os
unia era inegável. Enquanto Davey
estivesse vivo, não haveria outro homem
para ela. Glorificava o ser humano e a
potência de guerreiro.
O calor do beijo a invadiu. Gemeu
suavemente quando ele estreitou o abraço.
Existia tanto amor naquele homem... A
coragem ante o perigo, a honra de
cavaleiro e a genuína bondade no coração o
engrandeciam. E Davey pertencia a ela.
Segurando-a pela nuca, Davey beijou a
ponta do nariz delicado, a curva do pescoço
e voltou a cobrir os lábios carnudos.
— Eu a amo demais — sussurrou.
— Eneit. — Meredith estremeceu ante a
paixão eminente. — Eneit. Minha alma.
— Você me ama. Tenho certeza. Vamos
embora. Hoje à noite. Juro pelo que há de
mais sagrado que a farei feliz.
A necessidade de negar o convite a
dilacerava.
Projeto Revisoras
— Por favor, escute-me. Amanhã os
sacerdotes perguntarão a você o que mais
deseja. Pode lhes pedir permissão para se
casar comigo. — Meredith o fitou intensamente. — Vai aceitar?
— Não. Eu a quero só por uma noite. Meu
Deus, Meredith, nem precisa perguntar!
Claro que a quero como esposa. Mas por
que devemos esperar? Podemos falar com
eles agora.
— Não posso, Davey. Após tudo que
realizou, eles não seriam capazes de lhe
recusar nada. Recuperar os sonhos de um
povo e devolver a eles as dádivas dos
deuses... não é qualquer homem que
consegue fazer isso.
— E eles são poderosos o bastante para
prendê-la aqui — Davey completou,
amargurado. — Vi o jeito afetuoso com que
a tratam, Meredith. Mas estou ávido para
fazer amor com você e tê-la só para mim
pelos próximos mil anos.
— Então deixe-me ir agora. — Ela o beijou,
suplicante.
— Eles prepararam algum tipo de teste para
eu provar que a mereço?
— Oh, Davey, não pense bobagens. Lembrase de que fui eu quem o escolheu? Não há
motivos para temê-los, meu amado. Eles me
amam e querem que eu seja feliz. E... —
Meredith deteve-se antes de revelar a
dúvida que tinha.
Projeto Revisoras
Por mais que Davey a amasse, ele teria
ainda de fazer uma escolha crucial.
— Até amanhã — ela se despediu. — Sonhe
comigo.
— É só o que tenho feito. — Davey quis
impedi-la de afastar-se, mas conteve o
impulso.
Havia algo mais. Confuso, ele fitou o céu.
Três estrelas brilhantes lhe chamaram a
atenção. O dia seguinte logo viria. Podia
esperar algumas horas para ver sua
vontade prevalecer. E Meredith, em breve,
seria apenas dele.
Ao raiar do dia, Davey já estava desperto e
vestido. A túnica escura que usava parecia
negra sob a luminosidade da vela. Ao lavar
o rosto, sentiu a água gélida, um aviso de
que o verão acabava.
Sorridente, atravessou o saguão, dirigindose à cozinha. Serviu-se de pão e queijo, e
sentou-se em um barril para apreciar o
amanhecer.
Esperava que algum servo viesse chamá-lo.
Porém, para sua surpresa, o velho
sacerdote, Emrys, foi o único a aparecer.
Sem palavras, Emrys o conduziu pela
floresta até atingir uma estreita trilha.
— Vá, meu filho. O que tanto almeja o
aguarda.
Davey sentiu uma certa tontura. A
sensação era semelhante ao dom da
segunda visão. Notou o sorriso sutil de
Projeto Revisoras
Emrys e seguiu a trilha.
A possibilidade de estar caindo em uma
armadilha não passou pela mente de
Davey. No entanto, sentiu que conhecia a
floresta. Riu consigo mesmo. Nunca havia
estado naquele lugar.
Desviando-se dos galhos, ele enveredou
pela densa mata. O sol já estava alto, e seus
raios penetravam entre as folhas, guiandoo pela trilha.
Um som melodioso o fez parar. Não podia
ser o mesmo local de seu sonho, mas a
música... Não, assemelhava-se à doce voz
de Meredith. Desde o começo, o que mais o
atraíra na misteriosa mulher fora a voz.
Davey disparou a correr. Lembrou-se do
sonho. Recordou o som da harpa e como o
associara ao chamado de Meredith, seu
amor, sua alma gêmea. A promessa valeu a
espera. Tudo seria claro quando chegasse a
hora.
A canção apaixonada restaurou a crença de
que havia magia naquele lugar. Davey
corria ansioso para vê-la. O desejo aquecialhe o sangue quando atingiu a senda de seu
sonho.
Os raios da manhã deitavam-se sobre o
tapete de flores silvestres. O riacho,
rodeado de pedras, refletia em sua
superfície o brilho dourado do sol. A água
era cristalina. Nem sequer os pássaros
ousavam atrapalhar o canto de Meredith.
Projeto Revisoras
Tampouco a brisa perturbava a paz da
senda. À beira do riacho, ela evocava a
magia. Davey invejou o brilho dourado que
a iluminava.
Não podia ser um sonho. Morreria, se a
visão daquela aura dourada não fosse sua
Meredith.
De súbito, a canção terminou. Ela ergueu os
braços e, rindo, começou a rodopiar de
olhos fechados. Então, um sorriso surgiu
nos lindos lábios; era o sorriso secreto de
mulher, como se ela guardasse algum
conhecimento somente para si.
Davey sorriu, fascinado. Ela o encantava.
Jamais se cansaria de ver todas as faces de
mulher que Meredith lhe mostraria.
— Eu sabia que você viria — ela sussurrou
em voz melodiosa.
— Sua bruxaria me atraiu. Meredith riu.
— Alguns homens me chamam de bruxa.
Não os condeno. Mas você me conhece
muito bem, Davey.
— Sim, e a conheceria quantas vezes fossem
necessárias. — Ele caminhou devagar. —
Quero conhecê-la de todas as maneiras que
um homem pode conhecer sua metade. Pelo
resto de minha vida. — Davey parou diante
dela. — Chegou a hora?
— Reconhece o lugar em que estamos?
— Sim. Eu sonhei com este lugar.
— Há apenas magia, Davey. Aqui os sonhos
daqueles que são favorecidos pelos deuses
Projeto Revisoras
tornam-se verdades.
— Já conheço a verdade de meu sonho.
— É mesmo? — Meredith acariciou o belo
rosto. — Eu gostaria de ter a mesma
certeza.
— Meredith...
— Espere. Há algo que você precisa fazer.
Alawn — ela o chamou.
Davey não mostrou surpresa ao ver o velho
sacerdote. Alawn surgiu entre as árvores,
segurando o Cálice da Verdade.
— Meredith quer que vocês dois bebam no
cálice. Ela tem algo a lhe pedir e, admito,
também quero saber a resposta.
Ela e o sacerdote o fitavam com tamanha
intensidade que Davey teve receio. Mas não
hesitou em pegar o cálice e beber um longo
gole de vinho. Em seguida, entregou-o a
Meredith.
Trêmula, pegou a peça sagrada e tomou o
líquido. Ainda restava um pouco de vinho
quando passou o cálice a Alawn.
— Vá em frente, menina — o sacerdote a
incentivou.
— Davey, se eu aceitar casar-me com você e
deixar este lugar, serei como qualquer
outra mulher. Os poderes e dons que possuo
não mais existirão. Vai me querer assim
mesmo?
Concentrado, Davey refletiu sobre o que
aquela mudança radical significaria na
vida de Meredith.
Projeto Revisoras
— Saiba que... — Ela começou a dizer, mas
Alawn a impediu de prosseguir.
— Não percebe que ele não está adiando a
resposta? Que vergonha, Meredith. Eu lhe
ensinei a ser sábia no referente a homens. O
jovem não se preocupa consigo próprio,
mas com você, filha de meu coração. E,
prudente como é, ele considera a perda de
algo grandioso que sempre lhe pertenceu.
Carinhoso, Davey segurou as mãos
delicadas e beijou-as.
— Ouça o sábio sacerdote, amor. O que
Alawn diz é verdade. Ninguém aqui pode
mentir. O cálice não permite. Você
suportaria viver sem aquilo que lhe é tão
sagrado? Estas lindas mãos possuem o
poder da cura através do toque gentil, e não
da magia. Seus doces lábios sempre serão
música em meus ouvidos. Sua coragem enobrece a mulher. Não precisamos de mais
nada, a ghraidh mo chridhe, amor de meu
coração. Ora, Meredith, devia saber que
nosso amor é a única magia...
Davey não terminou a frase, porque os
lábios ardentes de Meredith lhe ofereceram
o paraíso de um beijo apaixonado.
— Que os deuses os abençoem — Alawn
murmurou. Então, abraçou Meredith e
Davey. — O que estava perdido há muitos
anos agora foi encontrado. Usufruam do
amor, que é maior que a dura jornada que
enfrentaram.
Projeto Revisoras
Alawn pousou a mão na cabeça de
Meredith.
— Os presentes sagrados estão reunidos. —
Ele olhou para Davey e o tocou também. —
Você nos trouxe as dádivas, e nós lhe damos
outra em troca. Longa vida aos dois e
àqueles que amam. A sabedoria trará paz a
seus filhos. Sigam com amor. Vão, eu disse,
as metades agora formam o todo.
No instante seguinte, Davey beijou sua
futura noiva. Ou melhor, corrigiu-se em
pensamento, sua esposa. Não se casaria
com uma mulher dócil. Meredith nunca
seria submissa. Iria se unir a uma Cymry
diante dos membros do Clã Gunn e
esperaria o ritual cerimonioso para satisfazer a paixão que o consumia.
Após o longo beijo, Davey não encontrou
relutância em esperar.
Meredith o encarou à procura de algum
sinal de arrependimento. Não mais
conseguia saber o que ele estava pensando.
— Tem certeza? — ela perguntou.
— Tenho. Não lhe disse desde o início que
seria minha? Está na hora de irmos para
casa, amor.
— Casa. A palavra soa maravilhosa em
seus lábios.
Agarrando-a pela cintura, Davey a ergueu.
Ambos riram de felicidade. De repente, a
sedutora melodia da harpa emergiu entre
as árvores.
Projeto Revisoras
— Davey, este lugar é mágico. Quando
partirmos, ele permanecerá em nossa
lembrança por muito tempo.
— Por que preciso deste lugar? Estou com
você em meus braços. Há mágica suficiente
para este homem.
— E para esta mulher também, amor.
THERESA MICHAELS foi premiada vá-rias
vezes como escritora e vive na Flórida. Sua
alegria consiste em proporcionar aos
leitores a participação no mundo fictício de
seus personagens. Eles choram, amam,
riem e se divertem. Ela acredita no poder
curativo do amor. Quando não está
escrevendo ou sonhando com a próxima
aventura de seus personagens, ela pesquisa
o mundo medieval ou a América do Velho
Oeste. Ela resgata gatos abandonados,
inventa misturas de ervas e rosas que
cultiva, e lê de tudo, exceto histórias de
terror.
Projeto Revisoras
Este livro foi distribuído cortesia de:
Para ter acesso próprio a leituras e ebooks ilimitados GRÁTIS hoje, visite:
http://portugues.Free-eBooks.net
Compartilhe este livro com todos e cada um dos seus amigos automaticamente,
selecionando uma das opções abaixo:
Para mostrar o seu apreço ao autor e ajudar os outros a ter
experiências de leitura agradável e encontrar informações valiosas,
nós apreciaríamos se você
"postar um comentário para este livro aqui" .
Informações sobre direitos autorais
Free-eBooks.net respeita a propriedade intelectual de outros. Quando os proprietários dos direitos de um livro enviam seu trabalho para Free-eBooks.net, estão nos dando permissão para distribuir
esse material. Salvo disposição em contrário deste livro, essa permissão não é passada para outras pessoas. Portanto, redistribuir este livro sem a permissão do detentor dos direitos pode constituir uma
violação das leis de direitos autorais. Se você acredita que seu trabalho foi usado de uma forma que constitui uma violação dos direitos de autor, por favor, siga as nossas Recomendações e Procedimento
de reclamações de Violação de Direitos Autorais como visto em nossos Termos de Serviço aqui:
http://portugues.free-ebooks.net/tos.html

Documentos relacionados