Magia e Sedução
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Magia e Sedução
Clã Gunn 3 Magia e Sedução Magic and mist Theresa Michaels Dig e Rev Joyce stou-se. Ele não havia ido muito longe quaResumo Davey Gunn fora enfeitiçado... Pelo menos era isso que seu clã supunha. O que , mais, além de bruxaria, poderia impelir o corajoso guerreiro a deixar as Terras Altas para ajudar uma misteriosa druida? Mas Davey sabia que seu destino e seu coração estavam para sempre ligados a Meredith de Projeto Revisoras Cambria, a mulher que conquistara sua alma beligerante!... Meredith sabia que o amor que nascia em seu coração poderia significar a morte para os sonhos de seu povo. Davey fora escolhido somente para ajudá-la a recuperar as quatro dádivas de poder, nada além disso. Mas agora ela começava a suspeitar que a força da mais antiga das magias - O verdadeiro amor — não poderia jamais ser negada! PRÓLOGO Escócia, 1384. A jovem, conhecida como Meredith de Camaria, talhou o último punhado de grama verde, em um movimento gracioso que contradizia seus pensamentos conturbados. Deteve-se, de repente, e inseriu a longa adaga na bainha atada ao cinto. O rico aroma de torga e grama expandia-se pelo ar. Ela já havia recolhido o suficiente para compor a cama onde repousaria naquela noite. Seu leito solitário. Afinal, estava Projeto Revisoras sempre sozinha. Por um momento, Meredith deixou de lado as preocupações e imaginou como seria mergulhar em um sono profundo com alguém que a envolvesse e a aquecesse. A imagem de um homem surgiu-lhe à mente tão rapidamente que a assustou. Olhos castanhos escuros, nariz angular, lábios que se abriam em um sorriso sutil, e todo o conjunto emoldurado por cabelos negros que pendiam à altura dos ombros. Ela visualizou aquele rosto com extrema clareza. Tratava-se de um homem inesquecível. Davey do Clã Gunn. Para além do rio Halladale, o pôr-do-sol enegrecia as pedras de Ben Griam More. Meredith postou-se sob a penumbra, dominada pela sufocante fadiga. Sentia-se acuada entre os sentimentos de exaustão e de ser só. Virou-se para olhar o semicírculo que as pedras formavam. O local parecia inerte; nem sequer um sopro de ar movia os galhos das árvores. Meredith não conseguia escutar o sussurro dos espíritos que residiam naquele lugar. Perdeu a noção do tempo enquanto admirava o que os homens das Terras Altas chamavam de Pedras Eretas de Achavanich. Naquele mesmo local, os Cymry haviam Projeto Revisoras fugido das próprias terras centenas de anos antes de se subjugarem e converterem-se. Seu povo escapou das espadas dos romanos que destruíram os que tinham recusado o cativeiro e a conversão a crenças sacras. Meredith não compreendia por que as quarenta pedras se erigiam em forma de U. Sabia que o espaço gerava um enorme poder. Os velhos druidas, que lhe haviam ensinado os antigos conhecimentos e depois a enviaram ao mundo, não transmitiram informações necessárias acerca do significado das pedras. Somente garantiram que ela estaria sempre segura envolta por aquele agrupamento. Armada de tal sabedoria e de seus dons, Meredith atravessara a Inglaterra e depois a Escócia, para realizar sua missão. O momento de reivindicar o que fora roubado de seu povo havia chegado. Um súbito tremor lembrou-a do avançado da hora. Recolheu o punhado de grama e torga, e carregou-o ao centro das pedras para arrumar seu leito. Se ali permanecesse até o amanhecer, nada de mal lhe aconteceria. Mas, ao se ajoelhar a fim de preparar a própria cama, o poder absoluto elevou-se em total necessidade. O cansaço foi esquecido quando ela se levantou e caminhou em direção à costa sul do diminuto lago Stemster. Projeto Revisoras Sem o vento para movimentá-la, a superfície do lago permanecia plácida refletindo os raios prateados da lua, tal qual um espelho resplandecente. Pressentindo as sombras ao redor, ela prosseguiu sem medo. Os espíritos guardiões protegiam pessoas como Meredith. Sempre tornava-se vulnerável a qualquer um que a surpreendesse consultando as águas cristalinas. Especialmente a um inimigo. E ele não estava longe. Tão logo aproximou-se da beira do lago, ela parou. Sua voz, doce como o canto dos pássaros, entoou o verso de palavras anciãs. Lembranças vividas despontaram em sua mente. Visualizou a menina, rodeada de druidas em seus mantos, aprendendo os preceitos da antiga sabedoria na floresta de carvalhos, localizada nas montanhas da região outrora denominada Gales pelos saxões. Ela nascera para aquilo, fora treinada como a última da linhagem, e não ousaria falhar. Os inimigos estavam próximos e a caçavam. O medo reapareceu, poderoso em sua intensidade. Meredith concentrou-se no brilho prateado da água e viu novamente o rosto de Davey do Clã Gunn. Projeto Revisoras O medo esvaiu-se. O coração disparou ao divisá-lo na superfície brilhante. Os lábios se curvaram em um sorriso ladino, como se Davey soubesse que Meredith o protegia e também entendesse o que ela precisava. A visão de Davey era límpida. A lua, a seu pedido, revelava mais que a luz do dia. Tudo ao redor tornou-se fosco ante a radiação refletida na água. Um brilho repentino apagou a visão e, então, retrocedeu alguns meses. Meredith viu Davey, armado e a cavalo, lutando. Avistou também punhos que o ameaçavam pela retaguarda. Ela o alertara para não acompanhar o irmão, Jamie, mas o aviso de nada valeu. A distância, Meredith empreendia sua vigília, observando cada sopro ofegante de Davey e visitando-o em cada sonho fervoroso. Ela utilizara a maioria dos poderosos feitiços de seu povo para mantê-lo vivo e a salvo. A visão na água tornou-se embaçada e, em seguida, clareou. Davey apareceu com seus amados cães no pátio do castelo Halberry, o domínio do Clã Gunn. Embora já tivesse visto aquela imagem, Meredith espantou-se ante o brilho assombroso do olhar de Davey. Projeto Revisoras Era sua contínua ausência que marcava aqueles olhos. Um frágil sussurro, tão suave quanto o farfalhar das folhas no topo das árvores, emergiu para avisá-la que estava na hora de abandonar a beira do lago e recolher-se. Meredith respeitou o aviso. A consulta às águas cristalinas abrira o caminho daqueles que a perseguiam. A todo custo, precisava evitar as garras de Owain ap Madog, pois este almejava os dons de Meredith para objetivos maléficos. Ele queria usá-la a fim de aumentar os próprios poderes. Aflita, retornou ao círculo das pedras eretas. Podia sentir a sua volta o peso sombrio de Owain. O perigo era iminente, mas Meredith não se deixaria sufocar pelo medo. Davey representava a resposta. O juramento sagrado a proibia de utilizar o próprio dom para ferir ou matar. Davey, porém, não vivia sob pactos. Ele a ajudaria e a protegeria até que ela completasse sua jornada. Com certa amargura, Meredith entendia que, na sequência de eventos, nem ela ou Davey importavam uma vez que a meta principal fosse atingida. Davey fora escolhido por ela. A princípio, havia preferido esperar que a comemoração do casamento de Jamie Projeto Revisoras terminasse para pleitear o guerreiro; no entanto a presença de Owain a obrigara a modificar os planos. Esfregou o anel de prata. Longevidade, continuidade, eternidade. O simbolismo milenar do círculo e do nó sem emendas. Ao luar, ela se levantou, orgulhosa, e orou. Tinha de convencer Davey a abandonar o lar, a família e tudo mais que amava para ajudá-la. A despeito da natureza obstinada de Davey, havia pequenos obstáculos que um druida precisava superar. CAPÍTULO I Não haverá filhas da Beleza ante uma magia como a vossa... George Gordon, Lorde Byron Todos os membros do Clã Gunn compareceram ao castelo naquele final de verão para celebrar o casamento de Jamie Gunn com Gilliane de Verrill. A noiva radiante e o charmoso noivo foram vítimas de impiedosas brincadeiras por parte dos parentes, antes de fazerem os votos que os tornariam marido e mulher. O casal, alegre e feliz, sentado à mesa mais Projeto Revisoras alta, abraçava as meninas órfãs que ambos amavam como filhas legítimas. Jamie e Gilliane ainda aguardavam o decreto do rei que permitiria a adoção. Os raios de sol penetravam pelas janelas e iluminavam o grande salão do castelo Halberry, a fortaleza do clã, aquecendo aqueles que dançavam animados ao som das gaitas de foles. Servos abriam caminho entre a multidão, carregando bandejas repletas de carne assada, tortas e pães, cujo aroma se confundia ao forte odor do mar. O castelo ocupava as terras que bordejavam o mar do norte, em Mid Clyth, a noroeste da costa escocesa, próximo a Caithness. Micheil, o mais velho dos irmãos Gunn, era o chefe do clã. Ele cedera o lugar no centro da mesa para Jamie e sentou-se em uma das extremidades com a esposa, Sea-na, e o filho, Heth. Após recusar uma farta fatia de torta de cebola e creme, Micheil ergueu o cálice para brindar os recém-casados. O saboroso vinho de Aquitaine, a cerveja e o malte escocês, devidamente armazenados e conservados na adega, circulavam entre os presentes. Micheil desejou felicidade ao irmão e à cunhada, e também almejou a paz para o futuro dos Gunn. George, o chefe do Clã Keith, havia morrido. O sangue que Projeto Revisoras oprimia os Gunn fenecera com ele. Os Keith agora discutiam quem seria nomeado o novo líder. Micheil esvaziou o cálice com a esperança de que continuariam a disputar o posto pela eternidade. Voltou a atenção ao irmão caçula, Davey, o único ainda solteiro. Pelo olhar das duas jovens que o cercavam, tal condição não duraria muito tempo. Micheil levantou-se para alertar Davey e, quando conseguiu, pediu-lhe que se aproximasse. Davey correspondeu ao gesto do irmão e, pegando o odre de vinho para saciar a sede, caminhou até Micheil com um sorriso malicioso entre os lábios. — Está na hora, Micheil? — Está. Pode começar, Davey — ele murmurou no ouvido do irmão para que ninguém o escutasse. A voz grave de Davey reverberou pelo salão. Ele chamou Jamie para que este apresentasse a dança da espada à noiva. Micheil e os outros membros do clã iniciaram o canto das espadas. Davey gargalhou ao ser carregado por quatro homens. Crisden e Colin o agarraram pelos braços, Gabhan e Marcus seguraram-lhe as pernas. Eram os melhores amigos de seus irmãos, como também membros do clã. Os quatro levaram Davey à parede, onde as armas dos inimigos estavam dispostas. Projeto Revisoras Houve aplausos e gritos quando Davey, equilibrando-se sobre os companheiros, tentou pegar uma espada. Durante centenas de anos, armas foram penduradas àquela parede, e cada uma delas simbolizava a vitória sobre as batalhas travadas contra os inimigos. Espadas e lanças escocesas; adagas, punhais e facas dos ingleses retratavam lutas e conquistas. A mão de Davey passou pela mais recente aquisição. A espada de Guy de Orbrec, conquistada por Jamie após uma batalha sangrenta. Mas Davey escolheu outra. Todas as armas eram o testemunho da determinação do Clã Gunn de sobreviver em meio aos maiores e mais poderosos clãs. Recentemente, Davey havia se recuperado de ferimentos graves e de uma febre violenta. Seu equilíbrio era notável, já que os homens que o carregavam estavam mais embriagados que ele. No entanto, Davey tinha uma vantagem. Enquanto doente, ele recebera um dom. Sua percepção em relação ao movimento das pessoas estava tão aguçada que ele podia prever a ação dos homens que o carregavam. Ereto e seguro de si, Davey ergueu uma espada que não pertencia à memória recente dos irmãos. Jogou-a aos homens Projeto Revisoras que assistiam à cena. Berros e exclamações obrigaram Jamie a levantar-se quando os menestréis principiaram os acordes de "A Dança das Espadas". Todos abriram espaço no centro do salão para que Jamie posicionasse a primeira espada. Mais uma vez, Davey fez menção de escolher outra espada, embora hesitasse. Chegou a tocar o punho da arma, mas seus companheiros cambalearam, forçando-o a recuar. No instante em que agarrou a espada, ele olhou a arcada, onde as portas de madeira maciça abertas davam livre acesso do salão para o pátio. Uma mulher, envolvida em um pesado manto, ocultava o rosto sob as sombras do capuz. Davey sabia quem era ela. Conhecia o nome e o som da voz. Micheil enviara homens para encontrá-la. As angustiantes semanas de raiva e frustração devido à ausência dela se dissiparam. Um súbito arrepio pelo corpo revelava a verdade sobre aquela mulher. Davey apertou o punho da espada que escolhera. Música e vozes cessaram. Fitou a figura estática, certo de que estava sendo observado por ela. Nem percebeu o choque ao notar que seus cães, Jennet e Cudgel, postaram-se ao lado dela. Os cachorros não rosnaram, tampouco latiram para anunciar a presença de um Projeto Revisoras estranho. — Ponham-me no chão — ele ordenou, sem desviar o olhar da misteriosa figura. Precisava estar com ela. Ainda empunhando a espada, esperou que os homens abaixassem. Davey pulou no assoalho de pedra. Não ousou olhar para Jamie, que ainda dançava. Decidido, caminhou entre a multidão de convidados. Queria ver-lhe o rosto. Conhecia a voz, pois a suave melodia o perseguia, mas jamais vira o semblante. O único e breve encontro que haviam tido naquele mesmo local ainda o perturbava. Seu dom, ou maldição como às vezes ele denominava a segunda visão, oferecera-lhe a imagem de uma espada ensanguentada. Jamais conseguiu discernir quem empunhava a espada ou se o aviso referiase ao irmão ou a ele próprio. Mas a mulher estivera presente, falara com ele e, depois, desaparecera. Davey ainda recordava a profecia: Os eventos vêm e passam. Tudo será claro quando chegar a hora. Ela havia voltado. Davey tinha a estranha sensação de ser arrastado até ela, como se a mulher possuísse o poder de comandá-lo. Se alguém o chamou, ele não ouviu. Seu foco estava fixo na jovem enigmática. Ao menos, acreditava que fosse jovem. Davey respeitava a intrínseca urgência de aproProjeto Revisoras ximar-se ainda mais para satisfazer a necessidade de escutar aquela voz melodiosa. Enfim, postou-se diante dela. Os cães lhe cheiravam as mãos com o intuito de receber algum carinho de seu mestre. Mas Davey os ignorou. — Pensei que nunca mais fosse voltar — disse ao deduzir que ela não o cumprimentaria. Resistiu à vontade de puxar o capuz e ver o rosto da mulher misteriosa. — Mas você sabia que eu voltaria. Davey fechou os olhos a fim de assimilar o som daquela voz, uma dádiva a seus ouvidos. — Pressentiu meu retorno? — ela indagou. — Tentei... — Talvez eu apenas desejasse revê-la — Davey murmurou, evitando admitir ou negar o que a mulher dizia. No fundo, recusava-se a acreditar. Não queria aceitar que ela tivesse o poder de visitá-lo em sonhos. Voltou a fitá-la. — Deve ter visto... — Ela se calou ante a dúvida. Com certeza, dissera a verdade. Davey havia previsto o reencontro. Afinal, a segunda visão lhe informara. — Você insiste em jogar comigo. Venha — ele convidou, segurando-a pelo braço. — O excesso de poeira em seu manto indica uma Projeto Revisoras longa jornada. Deve estar com fome e sede. — Preciso falar com você. Não há tempo a perder... — Há muito tempo — Davey insistiu e apertou o braço delicado. Não pretendia deixá-la desaparecer. Inclinou-se e sussurrou: — Abaixe o capuz. Quero ver seu rosto. De repente, foram interrompidos por um grupo de homens ansiosos para assistir aos ursos dançarinos no pátio. Davey colou o próprio corpo no dela, tal qual um escudo, e prensou-a contra a parede de pedras. — O capuz — ordenou. Ela puxou o capuz, revelando cabelos tão negros quanto a noite. Quando ergueu uma das mãos para tocar o lindo rosto, Davey notou que ainda segurava a espada. — A espada — ela sussurrou ao divisar a arma. — Untava certa. Você sabia mesmo que eu viria. — Você continua dizendo frases incoerentes — Davey retrucou, impaciente. — Escolhi esta espada para a dança do meu irmão. Sua aparição repentina me distraiu. — Não. Você nem sequer ofereceu esta espada a seu irmão. Na verdade, não poderia oferecê-la a ninguém. — Meredith tocou o punho da espada com a ponta dos dedos. A mão estremeceu visivelmente. Acompanhando o gesto, Davey estudou a espada que empunhava. Projeto Revisoras A extensa lâmina parecia tão afiada quanto o dia em que fora forjada. Sob a luminosidade das tochas, ele não pôde distinguir que tipo de aço era aquele, pois parecia estrangeiro, diferente. Culpou o acúmulo de bebida em seu sangue ao notar o brilho intenso que a lâmina adquiria a cada segundo. Continuou a avaliar a arma e levou-a para mais perto da luz. Tanto o punho quanto o segmento superior à lâmina eram minuciosamente trabalhados. Havia pedras coloridas nos olhos das serpentes gêmeas entrelaçadas. Brilhavam como o ouro reluzente que compunha aquele desenho. Uma onda de calor intenso percorreu-lhe o corpo, desde os pés, passando pelas pernas, até a cintura. Gotas de suor começaram a escorrer na testa. A camisa de mangas longas parecia justa demais. A túnica, que outrora lhe trazia conforto, agora o sufocava e dificultava a respiração. Davey baixou a espada no instante em que Meredith recuou. Bloqueou qualquer possibilidade de movimento com o corpo, temendo que ela fugisse. — Em guarda — instruiu os cães. — Dou-lhe minha palavra que não vou fugir — Meredith protestou. — Talvez, milady, mas prefiro não me arriscar. Projeto Revisoras — Minha palavra é minha honra, Davey. — Mulheres não sabem nada sobre honra quando o assunto é homens. — Você não me conhece o suficiente para afirmar tal suposição. A calma, a voz firme e as palavras o irritavam. — Nesse caso, sou eu quem deve ir embora. — A declaração pareceu-lhe vazia e sentia que ela também o percebera. Cabisbaixa, Meredith encolheu-se sob o manto. Davey voltou a apreciar as incrustações da espada. O desenho do nascer do sol era exótico. A bola de fogo possuía resquícios de um brilho azulado que formavam dois olhos. A figura irradiava sabedoria e dor. Raios de ouro e prata mesclavam-se em cada curva. Como aquela espada magnificente não lhe chamara a atenção? Tal qual os irmãos e outros membros do clã, Davey ouvira histórias a respeito de inimigos que foram vencidos em batalhas com as armas expostas na parede, onde estava escrita a dinastia do clã. No entanto, não se lembrava de nenhuma história referente àquela espada. Quem a pusera na parede? E quando? — Não gosto de jogos pérfidos, mulher. Meredith ergueu as mãos, em um gesto suplicante, porém, a expressão de surpresa de Davey a deteve. Projeto Revisoras Nesse exato momento, ele reparou no anel. Atônito, comparou-o ao desenho da espada. O mesmo nó sem emendas que ornava o anel estava trabalhado na guarda da espada. Conforme a movimentava, descobria novas facetas do artesanato. — A quem pertence esta espada? — perguntou, em tom autoritário. A raiva começou a emergir. Sentia que alguma força o confundia. — É isto que veio procurar? Voltou para roubá-la? Mas não pode ser — Davey prosseguiu, sem esperar respostas. — Os delicados ossos de sua mão não conseguem segurá-la, muito menos manejá-la. Meredith não esperava tamanha revolta. — Por favor, escute-me. Podemos conversar em particular? — Em particular? — ele repetiu, intrigado. Um sorriso sutil surgiu em seus lábios e os olhos brilharam com novo interesse. — Como pode ver, milady, não preciso de seus talentos curativos. Disse a minha irmã por casamento, Sea-na, e a meu irmão, Jamie, que é uma curandeira? — Sim. É verdade! Tenho de falar com você, contar-lhe... — Contar-me? Sim, prometi a mim mesmo que você me contaria tudo que desejo saber. Irá explicar sua súbita aparição após os meses de busca, insatisfatória que os homens deste castelo realizaram. E isso que Projeto Revisoras pretende? — Mais uma vez, Davey não lhe deu oportunidade de resposta. — Pensei que o pedido de privacidade fosse designado ao prazer. Uma dor abrasadora dominou-o. Sua visão tornou-se turva. Davey apertou ainda mais o braço de Meredith. — Pare! O que está fazendo comigo? — Nada! Juro que, dessa vez, não sou a responsável. Os cães rosnaram ao pressentir o perigo que assolava seu mestre, mas, tal qual Davey, não podiam divisar onde se encontrava a ameaça. — Diga-me a verdade! — exigiu, lutando contra a dor que lhe pressionava a cabeça. — Diga-me que espécie de bruxaria é esta ou terei de castigá-la. Melhor ainda, eu a prenderei sozinha na torre. Alguns dias de clausura serão suficientes para arrancarlhe a verdade. — Então, em um sussurro sombrio, ele acrescentou: — O sofrimento será tamanho, mulher misteriosa, que estará disposta a dar tudo em troca de sua liberdade. — Juro que não tenciono feri-lo! — Meredith gritou, quando sentiu os ossos quase esmigalhados pela força da mão de Davey a apertar-lhe o braço. — São seus pensamentos tolos que causaram essa dor. Pare de me considerar uma mulher a serviço de sua luxúria. — Ela fitou-o nos Projeto Revisoras olhos. — Não pode me prender. Há forças maiores que as suas, Davey, conspirando acima de nós. Davey não podia negar tal afirmação. Tampouco respondeu quando os pensamentos sumiram de sua mente. Encarou o rosto oval, na tentativa de adivinhar que esquemas havia por trás da pele rosada. Os cílios, tão negros quanto os cabelos, realçavam a expressão acinzentada dos olhos. Ele via sabedoria e dor naquele brilho profundo. Fitou a suave linha do nariz e notou o movimento constante das narinas, como se Meredith pressentisse o perigo. Mas foram os lábios que o atraíram. Eram carnudos e possuíam um tom avermelhado como amoras silvestres. Controlou o desejo de provar as doces promessas que eles incitavam. Meredith encostou na parede, temerosa. — Não tema, donzela. Não vou machucá-la. — Davey soltou-a para que ela se afastasse. Ficou satisfeito ao vê-la imóvel. — Sim, Davey, vejo verdade em suas palavras. Embora confuso, ele voltou ao tema inicial. — A espada. — Não tem a sensação de que sempre empunhou esta espada? Desviando-se do olhar penetrante, tentou ignorar a necessidade subentendida na Projeto Revisoras questão. A juventude e a beleza de Meredith o atraíam mais que desvendar o mistério da espada. — Por favor — ela sussurrou. — Respondame. Preciso saber. — Trata-se de uma arma antiga. Uma das mais belas que já vi ou segurei. A espada parece pesada, mas não preciso despender muita força para empunhá-la. É isso que queria saber? Várias tochas foram acesas no salão e no pátio. Somente nesse momento ele reparou que a noite, enfim, chegara. Um tanto zonzo, olhou ao redor, espantado por ninguém nutri-los. Era como se ele e a mulher fossem invisíveis. — Quem é você? — indagou. — O que quer de mim e desta espada? Havia diversas maneiras de responder à pergunta, con-tudo, Meredith escolheu a mais simples. — Sou Meredith de Cambria, que você e os ingleses chamam de Gales. Sou curandeira. É verdade que alertei Seana para que você não acompanhasse seu irmão, Ja-mie. Caso contrário, sofreria ferimentos graves. Meredith fechou os olhos, suportando a agonia diante do que teria de revelar. — Tenho rezado por você e observado seus passos nos últimos meses. Não pude me aproximar. Sabia que os homens do clã me procuravam, mas eu também empreendia Projeto Revisoras uma busca e não permiti que me encontrassem. Fui enviada para recuperar todos os pertences de meu povo. A espada é o primeiro. Ela fez uma pausa antes de prosseguir. — E vim buscá-lo, Davey Gunn. Você disse a verdade quando afirmou que não conseguirei empunhar a espada. Não possuo a força de um guerreiro. E... meus votos sagrados me proíbem de matar. Uma onda de piedade invadiu-a ao observar o semblante sério de Davey. Conteve o aperto no coração, tal qual lhe fora instruído. Mas doía. Ninguém a prevenira de tremendo sofrimento. Ambos estavam unidos pela mesma dor. De forma inesperada, o horror contido no pedido de Meredith abateu Davey. Ele recuou um passo. — Quer que eu mate por você? Que tipo de feiticeira é? É uma daquelas fadas descendentes dos Pict, os mais bárbaros e sanguinários? — Seu povo é tão diferente assim, Davey? Nunca temeram o terror daqueles que erguem espadas contra vocês? Os escoceses não falam da ambição desmedida dos ingleses para conquistar estas terras? O tom firme e baixo da voz não lhe deixava alternativa, a não ser escutá-la. — Aqueles a quem chama de bárbaros e sanguinários abandonaram o próprio lar Projeto Revisoras para fugir do romanos que desejavam impor crenças, culturas e uma civilização que não lhes dizia respeito. Se não houvessem fugido, teriam de enfrentar a escravidão até a morte. Os romanos invadiram terras e povoados, governaram por meio de roubos, assassinatos e ultrajes que quase destruíram uma raça. Esses romanos execraram uma região inteira e nomearam a chacina um ato de paz. — Você se refere a tempos arcaicos, a fatos que não mais importam. E não pode saber o que é para um homem tirar a vida de outro — Davey argumentou. — Não posso? Vou lhe mostrar. — Meredith segurou-lhe a mão, a mesma que brandia a espada. — Olhe comigo, Davey. Feche os olhos e veja como foi. Por um instante, ele avistou luzes azuis, verdes e douradas nos olhos de Meredith. Então, tudo que lhe era familiar desapareceu. Absolutamente tudo, menos a mulher de Cambria. CAPITULO II Davey sentiu uma rápida vertigem quando a névoa se dissipou. Uma paliçada de maProjeto Revisoras deira, enegrecida pela umidade, erguia-se sobre o chão arenoso. O forte odor de queimado impregnava o ar. Tudo ao redor testemunhava as chamas da destruição. Ouviam-se gritos e gemidos agonizantes dos moribundos. O ruído estridente de lâminas colidindo obrigou-o a virar-se e, chocado, notou que ainda segurava a espada. Uma súbita pancada jogou-o de joelhos. A espada escapou de sua mão. Ele gritou, sabendo, sem entender como, que a arma magnífica lhe pertencia. Fabricara-a com a força de seu suor e com todo o poder dos druidas; era sua espada que protegeria seu povo... Gemeu de dor ao sentir a ardência do ferimento. Esticou o braço para tocar a figura esguia de cabelos negros e olhos cinzentos. Viu o tremendo esforço que ela despendia para levantar a espada e defender-se dos atacantes. Davey gritou novamente. A espada caiu. E ele foi levado à segurança da floresta. Mais uma vez cambaleou, ainda estonteado. Conseguiu recuperar o equilíbrio ao apoiar-se no arco de pedra do castelo Halberry. Respirou fundo e estremeceu. Recusava-se a acreditar no que havia acontecido. O barulho, que gradualmente começou a emergir, lembrou-o de que estava em seu domínio, onde era celebrado o casamento de Jamie. Projeto Revisoras Encarou Meredith que, ainda encostada à parede, mantinha os olhos fechados e o manto ao redor de si. Davey não tinha fôlego para emitir uma só palavra. Jamais vira aquele lugar, apesar da breve imagem que assimilara. Era como se houvesse sido assolado pela cena proveniente da segunda visão. Lutou para espantá-la de sua mente. Mas não podia negar que a espada e a mulher continuavam vívidas naquele momento presente. Somente agora percebia que a arma se achava ao lado de Meredith. Um grupo de homens atravessou a arcada. Davey pegou o odre de um deles e sorriu, disfarçando a mulher que escondia com o próprio corpo. Tomou um longo gole de vinho quando os homens adentraram o salão. — Sua sede deve ser tão grande quanto a minha. Pode esperar enquanto vou buscar um cálice? Ela meneou a cabeça em negativa. Com o movimento, os cabelos revelaram a pele macia do pescoço. A confiança implícita do gesto sensibilizou-o. Davey segurou o odre para que Meredith bebesse o vinho e, com a outra mão, pegou a espada. Perdido na intimidade dos lábios carnudos tocando o local onde os dele estiveram, ele apertou o punho da arma. A sensação de Projeto Revisoras posse que sentiu em relação à espada estendia-se à mulher. Se acreditasse no que ela acabara de revelar, o que lhe pertencera no passado não correspondia ao presente. Havia certa magia naquela adorável jovem de Cam-bria, algo que o impedia de tocá-la ou reivindicá-la para si. E, ao mesmo tempo, o desejo de infringir tais proibições aumentava. Ele desviou o olhar para que Meredith não o flagrasse. O fato de que ela possuía poderes sobrenaturais o perturbava. Ao saciar a sede, Meredith devolveu-lhe o odre, mas Davey deixou-o com ela. Não pretendia largar a espada por nada. — Você se recusa a olhar para mim — Meredith comentou, suavemente. — Agora entende, Davey? — Não retiro as acusações que fiz sobre sua pessoa. Ao contrário, acrescento outras tantas. — Não tive a intenção de feri-lo. De onde vem sua raiva? — E impossível esconder meus sentimentos. — A admissão o irritou. — É verdade que estou zangado. Por que mio usa sua mágica para descobrir a razão de minha raiva? — O que mais devo fazer para provar que conheço o significado da morte de um ser? Por favor, eu lhe imploro. Vamos a um lugar onde possamos conversar livremente. A voz soou cristalina e Davey foi obrigado a Projeto Revisoras fitá-la. Pequenas gotas de suor se formaram na testa de Meredith. O rosto estava pálido. — Essa... experiência que me fez viver a enfraqueceu. Fui um tolo por não ter percebido. Sem aviso, Davey tomou-a nos braços, ignorando o odre que tombara no solo. Virou-se a atravessou o salão. O corpo feminino era tão leve quanto uma pluma, mas ele caminhou devagar entre a multidão, observando a apresentação que acontecia no centro da sala e sempre ciente de que ainda segurava a espada. Meredith moveu-se para estudar o semblante de Davey. Ele se manteve concentrado. A respiração, um tanto ofegante, roçava-lhe o pescoço. Inocente ante o desejo que inspirava, ela suspirou e recobrou as forças. — Davey, não pode negar quem é. No entanto, sinto que ainda tem dúvidas. Como não chegara a nenhuma conclusão acerca do que ela lhe mostrara, Davey preferiu não responder. Aproximou-se da parede, onde a passagem tornou-se menos obstruída. Quando dirigiu-se à torre norte, ela repetiu as mesmas palavras. — Dúvidas? — Davey sussurrou, ainda caminhando. Roçou o queixo nos cabelos sedosos. A carícia liberou uma essência bem mais inebriante que o malte escocês o Projeto Revisoras qual ele bebera a valer. No entanto, a embriaguez causada pela bebida desapareceu. Davey agora estava totalmente sóbrio. — Você veio a meu reduto não uma, mas duas vezes. Provocou-me com sua beleza e seu estranho poder capaz de penetrar em minha alma. Afirmou que precisa de mim para matar. Mostrou-me algo impossível de acreditar. Duvidar é uma reação muito justa, mulher. A raiva, por sua vez, é imensa. E acrescente a suspeita de que você aplica algum tipo de trama diabólica. Mas terei a verdade antes que a noite termine. Uma outra presença anunciou-se. — Davey, pretende escapar para divertir-se sozinho? Eu devia ter adivinhado. A voz e o peso da mão sobre seu ombro identificou Micheil. Davey parou entre as sombras de propósito. Não queria encarar o irmão mais velho. Tampouco Meredith desejava que o chefe do clã a visse, pois escondeu o rosto no peito de Davey. — O que o incomoda, irmão? — Nada, Micheil. Você tem razão. Pretendo me divertir de outra maneira. E está me atrasando. Micheil bateu nas costas do irmão caçula. — Vá em frente. Hoje os irmãos Gunn irão usufruir do prazer com suas esposas. É melhor encontrar a sua, Davey. Mas não tenha pressa. Projeto Revisoras Davey escapou o mais rápido possível. Sentiu o calor do desejo atingir-lhe as faces. Se não estivesse tão determinado a interrogar Meredith, ele teria repreendido Micheil. A responsabilidade pelos meses de abstinência não era dele. Devido à guerra entre os Gunn e os McKay, Davey tivera de enviar mensagens e liderar os primeiros ataques contra os inimigos. Sobrara-lhe pouco tempo para o prazer sexual. Havia aproveitado alguns momentos de luxúria com mulheres, porém o interlúdio passageiro lhe pareceu vazio e sem sentido. O único erro fora queixar-se com os irmãos. Os dois zombavam dele sem piedade. Agora, com a proximidade da paz entre os clãs, poderia encontrar tempo para o prazer da sedução. Ao subir a escada de pedra, fitou a mulher que mantinha nos braços. Os olhos estavam fechados e a respiração, irregular. Se ela descobrisse que pensamentos o tentavam... Mais uma vez, a fuga foi interrompida. — Davey! Salve-nos. Peigi quer nos levar para a cama! A última vontade de Davey naquele instante era brincar com as filhas adotivas de Jamie e Gilliane. As meninas o detiveram e o agarraram pelas pernas. — Ei! Onora, se não me soltar, vou cair e esmagá-la. Jeanne, pare de choramingar ou apoiarei a ideia de Peigi colocá-las na Projeto Revisoras cama. Ofegante, Peigi aproximou-se. Em seus braços, ela carregava Ailis, a mais nova. — Estou ficando velha demais para correr atrás destas três. — Peigi querida, você nunca vai envelhecer — Davey acarinhou a ama. — Quanto a estas duas choronas, tenho de conversar com elas. — Conversar? Eu diria que a jovem em seus braços está tão embriagada que precisa se recolher. — Não, Peigi, ela só está cansada. — Oh, que Deus me perdoe. Ande logo, Davey. Eu cuido das meninas. — Davey — Meredith murmurou. — Ponhame no chão. — Não se apoquente. Serei rápido. — Ele encarou as duas meninas. — Viu o que fizeram? A dama precisa de descanso e quietude. Envergonhadas, Onora e Jeanne se afastaram. Davey segurou Meredith com mais vigor quando uma névoa surgiu à frente. A imagem não trazia mortes, somente a visão de Onora sendo oferecida como prêmio de guerra. E Jeanne, sorridente, fugindo de um pretendente apaixonado. A linda donzela curvando-se diante de um rei era Ailis? Um suspiro suave apagou a visão. Peigi, cujos olhos haviam testemunhado Projeto Revisoras quase tudo, fitou Meredith. — Obrigada por me deixar ver o que acontecerá após minha morte. Seu poder é fabuloso, milady — ela pronunciou, mostrando total reverência. — E, sim — Davey concordou, chocado com a compreensão de Peigi e os sorrisos maravilhados das três meninas. — Elas também viram? — perguntou a Meredith. — Viram apenas que irão se tornar lindas mulheres. Seus sonhos serão doces esta noite. Enquanto levava as meninas, Peigi olhou para trás, porém, não parou. — Sua Peigi também tem o dom. — É — Davey retrucou, sem saber o que dizer. Apressado, precipitou-se ao antigo quarto de Gilliane, agora desocupado. Sem mais interrupções acomodou Meredith no leito e pensativo ateve-se a acender a lareira. De quando em quando, olhava a espada que deixara sobre a cadeira ao lado. Os eventos daquela noite o confundiam. Qual era a relação entre a espada e as visões? Teria sua raiva originado a primeira? E a segunda fora provocada pela impaciência e curiosidade? Ou seriam outras emoções? Davey não sabia as respostas. Através das janelas, a música animada invadia o quarProjeto Revisoras to impregnado pelo odor da brisa marinha. Davey se mo-vomentava com lentidão. Ao fitar Meredith, notou que ela o observava. Ele encarou-a. Esperava escutar um discurso desmedido agora que se achavam a sós, tal qual ela pedira. O olhar sério o enervava. Decidiu não romper o silêncio entre ambos. Enquanto os segundos tornavam-se minutos, viu-se desconcertado diante daquele olhar intenso que o avaliava. Davey desejava acender o candelabro para poder enxergá-la melhor, mas qualquer movimento poderia significar rendição. Parte dele sabia que o silêncio sugeria uma ridícula luta de forças, uma infantilidade que jamais enfrentara diante de uma mulher. A despeito da ironia de Micheil, Davey nunca ficou sem uma companhia feminina. Meninas e mulheres o perseguiam, e ele raramente as declinava. Logo ao primeiro encontro, antes de se tornarem amantes, ele as prevenia de que não estava à procura de esposa. Riu consigo mesmo. Aquela bela jovem não o queria como amante. Precisava, na verdade, de um guerreiro para brandir a pesada espada. Tal pensamento, por alguma razão incompreensível, incomodava-o como um espinho cravado na pele. Não conseguia mais suportar o silêncio. Pegou a espada. Projeto Revisoras — Durma bem. Ninguém neste castelo irá perturbá-la. — Espere! — Meredith exclamou, abandonando a contemplação do homem que almejava. — Ainda não ouviu o que tenho a lhe dizer. — Seu silêncio contínuo não me disse nada. — Davey permaneceu parado, embora pretendesse sair. — Perdoe-me. Você é mais bonito do que eu havia imaginado. — E muito mais teimoso, ela completou em pensamento. O tom adocicado da voz despertou a atenção de Davey. O comentário em relação a sua aparência não indicava a necessidade de um guerreiro. Davey ajeitou a cadeira e sentou-se diante dela. Meredith observou o modo como os dedos fortes acariciavam a espada. Tais afagos pertenceram a muitas mulheres. Um homem não poderia atingir a idade de Davey sem conhecer as artimanhas da paixão. Emoções conflituosas a dominavam. Jamais pensara em um homem daquela maneira. Meneou a cabeça a fim de clarear a mente. — Tem sido muito paciente comigo. — Meredith sentou-se no meio da cama. — Descobri que a paciência é uma estratégia eficiente quando se trata de mulheres. — Eis um homem sábio que aprendeu com Projeto Revisoras cada uma das amantes. Constrangido, Davey expressou um sorriso sutil como resposta. — Creio que houve várias — Meredith comentou, em tom amargo. — Nesse caso, estou em desvantagem, milady, porque nada sei sobre seus amantes. — Não tive nenhum — ela declarou para surpreendê-lo. No entanto, não ficou surpresa quando ele soltou uma gargalhada. — Se meu clã... ou melhor, se todos os homens das Terras Altas oferecessem um prêmio para a sedução mais criativa, você seria a vencedora. Por que inventou um artifício tão elaborado para ficar a sós comigo? Tão ágil quanto uma raposa, Meredith desceu da cama. — Não inventei nada. Tampouco tentei seduzi-lo. Não posso. Você foi escolhido pelo meu povo para recuperar os presentes que nos foram roubados. — Ela ergueu as mãos em um gesto de súplica. — Tem de acreditar. Nunca seremos amantes, Davey Gunn. Isso significaria a morte dos sonhos alheios. - Nunca? — A palavra era um desafio. Ele apreciou os longos cabelos negros que a Projeto Revisoras envolviam tal qual um segundo manto. -Nunca — Meredith repetiu um tanto atemorizada consigo mesma. Davey ignorou a voz da razão que lhe pedia cautela. Foi o olhar fugidio que o levou a sorrir. Meredith baixou a cabeça, envergonhada. - Pequei em meus deveres como anfitrião. — Davey levantou-se. — Você conseguiu atiçar minha curiosidade. Vamos conversar, mas antes deixe-me buscar comida e bebida para fortificá-la. Sua história requer mais que alguns minutos? - Sim. O sorriso tímido deixou-o culpado. Ela realmente acreditava que Davey havia aceito a predição de que nunca seriam amantes. No entanto, queria provar que a afirmação era uma deslavada mentira. A mulher de Cymry, como ela própria se denominava, tentava-o de forma abrasadora. Ou era uma jovem inocente, ou armava uma cilada maléfica para ele. Se a primeira visão fosse verdadeira, Davey tinha certa vantagem. A mulher que havia matado para salvar-lhe a vida pertencera a ele. Sua como qualquer amante deveria ser. E, se fora uma vez, poderia ser de novo. Não, corrigiu-se em pensamento. Ela o seria com certeza. Meredith viu-o sair, sem se mexer. Projeto Revisoras Cometera um terrível engano ao revelar seu segredo. Como iria defender-se do homem que escolhera para protegê-la? CAPÍTULO III Meredith aproximou-se da janela aberta -e admirou o céu estrelado. Inspirou o forte aroma de maresia, enquanto imaginava o movimento incessante das ondas de encontro às pedras da costa. A sonoridade das gaitas de foles era uma distração à quietude de que ela necessitava. Quando criança, costumava deitar-se no campo para apreciar as nuvens do céu. Em sua mente, visualizara castelos, grandes dragões e rostos que sempre emergiam entre as formações esbranquiçadas. Lembrou-se da paz e da liberdade que possuía, e almejava agora a mesma sensação. Muito tempo havia se passado. Não conseguia sentir-se em paz. Na verdade, admitiu a si própria, não houvera paz desde o dia em que divisara o rosto de Davey entre as chamas e, em seguida, descobrira qual seria sua missão. Projeto Revisoras Fitou o local onde Davey havia deixado a espada. Ela recuperara outro grande presente de seu povo. Então, de onde vinha o súbito receio de que iria falhar? Fechou os olhos, atormentada. Sentia-se à beira de um profundo precipício. Um simples passo poderia significar a morte. Mas Meredith aprendera com os sacerdotes que a morte se manifestava de várias formas. Mirando a noite, mordeu o lábio inferior, apreensiva. Não podia mentir a si mesma. Tinha conhecimento de que causava muitas dúvidas. Fora tolice mostrar-se tão honesta com Davey. Mas como teria presumido que ele assimilaria a ver-dade tal qual um desafio? Se não o dissuadisse, ambos desviariam da missão e teriam a vida ameaçada. - Davey — sussurrou, saboreando a musicalidade do nome, entre os lábios. Deveria ter zombado dele. Talvez mentido. Conhecia velhos estratagemas femininos capazes de eliminar qualquer outro pensamento e direcioná-lo somente à meta que ela traçara. Uma alternativa segura para obter seus intentos. Era inútil desgastar-se. Tinha de enfrentar as consequências dos próprios atos". Projeto Revisoras Meredith encarou o fogo na lareira. Por um instante, viu a postura agressiva de Davey e o semblante charmoso sob as sombras. Alto, robusto e determinado. A mera lembrança daquele homem fazia o coração disparar, a respiração tornava-se errática e os pensamentos, caóticos. A tensão física não diminuía. Na realidade, ela se misturava à excitante sensação de expectativa. A combinação, embora deliciosa, incomodava-a. Acreditara piamente ser capaz de protegerse da masculinidade de Davey. O estranho estímulo que ele causava seria responsável pelo despertar do desejo? Meredith repreendeu-se. Não podia ser. Não nesta vida. Prevenira-se ante a possibilidade de sentir-se atraída pelo guerreiro. Porém, havia guardado somente para si um segredo que os druidas lhe transmitiram. Nunca o revelara aos sussurros do vento que entoavam o nome de Davey. Em um dos contos arcaicos de seu povo, apenas o companheiro de coração, mente, corpo e alma possuía tanto poder. Essa era a verdade que jamais poderia contar a Davey. Era também a única verdade que não podia negar. Interrompeu a contemplação meditativa quando Davey retornou, trazendo uma Projeto Revisoras bandeja, a qual colocou na mesa ao lado da lareira. — Perdoe minhas maneiras, mas não lhe perguntei onde deixou sua escolta. — Vim sozinha. — Meredith se recompôs antes de encarar o fogo novamente. Ficou espantada ao ver que as velas foram acesas. Não prestara muita atenção no cómodo, mas agora, sob a claridade, notou riqueza em cada objeto. — Veio sozinha? — Davey repetiu, incrédulo. — Sim. Sempre viajo sozinha. Davey reparou que ela observava a tapeçaria, a mesa e a cama. Parecia avaliar o custo. O breve tempo de separação ajudou-o a clarear a mente e eliminar pensamentos fúteis. Agora dúvidas e questões manifestavam-se. Ela realmente avaliava o custo dos objetos. Estudou a cobertura dos travesseiros, as cortinas que rodeavam o leito e a sombra de Davey impressa no tecido. Meredith nunca provou tais riquezas. Como ele aguentaria dormir ao relento após ter vivido em meio a tanto luxo? — A comida está esfriando, milady. — Não possuo títulos. — Somente um nome? — Sou conhecida como Meredith, a curandeira. — Mas é muito mais que isso. — Não houve Projeto Revisoras réplica. — Peguei o que restava de comida na cozinha. Venha, junte-se a mim perto do fogo — ele convidou-a, sedutor. As chamas das velas iluminavam os cabelos fartos de Davey. Deviam ser sedosos, Meredith pensou, e, como se recordava, tombavam na altura dos ombros. Os lábios sustentavam um sorriso sensual. Os olhos castanhos, fixos nos dela, emanavam intensidade. A voz e o sorriso compunham a intenção de deixá-la a vontade. Meredith procurou forças para resistir ao char-me. Precisava de todas as armas e disposição para utilizá-las. Do contrário, a fraqueza feminina poderia representar sua morte. Davey observava e aguardava. Notou a hesitação de Me-redith e ponderou sobre o erro de tê-la deixado sozinha. Como tirar vantagem da atual situação? O repentino ci-nismo o surpreendeu. Explorava com certa cautela o novo dom que recebera, e não pressentia nada naquele momento. Ao desviar o olhar, ela escondeu os pensamentos. — Pensei que quisesse alimentar-se. Se não vai apro-veitar a comida, talvez uma taça de cerveja lhe agrade. Ele serviu a bebida. — Aceite minha oferta, Meredith. Beba comigo. O sabor raro deste líquido lhe fará bem. Projeto Revisoras — Suas palavras são doces e tentadoras, mas ainda sinto uma certa raiva. Em sua ausência, consegui, de algum modo, agravar essa fúria. Satisfeita consigo, aproximou-se, e não pegou a taça que ele lhe oferecia. — Compreendeu mal minha necessidade, Davey. Iremos conversar quando estiver aberto para me ouvir. O dom que possui é especial, e não me lembro de tê-lo percebido na primeira vez em que nos encontramos. Mas preste atenção. Não queira igualar seus talentos aos meus. Vai perder. A revolta contida nas palavras foi lamentável. Por que o provocava quando a única intenção era pedir-lhe ajuda? Onde estava sua calma natural? Eram perguntas cujas respostas ela desconhecia. — Pelo jeito, minha ausência também estimulou sua raiva — Davey comentou, indiferente. Então sentou-se em uma das cadeiras e esticou as pernas diante do fogo. Encarando-a, provou a cerveja que havia servido para ela. — É uma mulher admirável — prosseguiu. — Seus poderes devem ser muito fortes a ponto de ameaçar um homem no próprio domínio. Ousaria acreditar que é capaz de transformar-se em uma névoa diante de meus olhos e fugir pela janela? — Você zomba de mim e me ameaça! Projeto Revisoras — Tem razão. — Davey fitou-a com frieza. — E não tenciono desculpar-me. Já se sentiu obcecada por alguma coisa? Eu já — ele respondeu de pronto. — E devo a você esse tormento. Meredith escutou-o, sem esforçar-se para responder. Poderia explicar que era ela mesma quem o observava de longe a ponto de causar tamanho tormento. Porém, Davey não a escutaria, tampouco acreditaria. — Embora seja jovem, sabe quando permanecer calada. — Ele tomou outro gole de cerveja. — Estando eu embriagado, você resolve aparecer e me mostrar uma espécie de história fantasiosa. — Por isso está com raiva? — Em parte, adorável mulher. Somente em parte. — A hora de aparecer diante de você não foi minha escolha. Negar que poderiam ser amantes havia ferido o orgulho do guerreiro. Contudo, era o único que poderia ajudá-la. Se Davey optasse pela inimizade, não a deixaria partir. A todo custo, ela tinha de evitar qualquer desentendimento. Teriam os velhos sacerdotes se enganado? Eles e Meredith haviam subestimado a bravura de Davey Gunn? Pesarosa, fechou os olhos. A intuição lhe dizia que ele analisava cada movimento. A Projeto Revisoras tensão que Davey impunha ao clima alertava-a quanto à qualidade tátil, outro exímio talento para o qual não se prevenira. Em suas mãos, Davey tinha o destino de um povo. Meredith conseguiria seu apoio valendo-se dos meios necessários. — Deseja me destruir? — perguntou, por fim. A hesitação no tom de voz traía sua pretensa coragem. -Tenho esse poder? -Somente uma tola ou uma louca responderia à per-gunta com a verdade. -Ora, mulher, essa resposta é mais que uma afirmativa. — Ele sorriu. Com um suspiro, sentou-se na cadeira oposta a ele. Davey conseguira enredá-la. E a responsabilidade pertencia apenas a Meredith. Subestimará também a disposição do homem de percorrer o caminho que ela havia planejado. Davey olhou a taça que segurava, e não viu o conteúdo. Reviveu os minutos em que a tomara nos braços. A curva das coxas em sua mão originou o desejo de tocá-la. Os seios representaram uma maciez sedutora. Sentiu-se zonzo ao inspirar a delicada fragrância. A mulher de Cymry dominara-o com sua feminilidade, e ele não podia ignorar o desejo que lhe aquecia o sangue. Esse era o maior de seus problemas. Não sabia se a confusão de emoções fazia Projeto Revisoras parte da estratégia de ganhá-lo como aliado. Conhecia os jogos da sedução a ponto de bancar o inocente para obter a intimidade. E a recompensa seria mais que satisfatória. No entanto, ela o proibira de tentar conquistá-la. E a tentação desabrochava na deliciosa proibição. Davey largou a taça sobre a mesa e dirigiuse à bandeja de comida. — Essa conversa abriu meu apetite. — Ele pegou uma fatia de pão, partiu-a ao meio e ofereceu a metade a Meredith. — Vamos recomeçar partilhando este pedaço de pão. A desconfiança aumentou quando ele subitamente representou o papel de bom anfitrião. Mesmo assim, Meredith aceitou a oferta, tomando cuidado para não tocar nos dedos de Davey. Não esquecera os minutos em que ele a carregara. Fraca devido às imagens do passado que projetara, ela não tinha meios de protegerse contra as reação do próprio corpo. Ninguém a alertara quanto a isso. Não sabia que um homem era capaz de atiçarlhe os sentidos, acelerar a respiração, enquanto ondas de expectativa a invadiam. Podia sentir o rubor nas faces. Davey significava uma distração que ela não se permitiria viver. As toras na lareira estalaram, levando o Projeto Revisoras olhar de Me-redith às chamas. Mordeu o pedaço de pão, ciente de que ele já havia ingerido o dele e agora escolhia uma maçã. — Está com frio? Posso inserir mais lenha no fogo. — Não precisa. — Pergunto-me por que ainda veste seu manto. — A roupa me conforta. — Por que desapareceu se tencionava retornar? E para onde foi? Meu irmão enviou uma tropa de homens para seguir Janet, mas ela sabia muito pouco a seu respeito. Não é? — Ela sabia apenas o que eu queria que soubesse. Davey tinha certeza de que Meredith não responderia a mais perguntas. Cortou a maçã em quatro com sua faca e, depois, largou a lâmina afiada sobre a bandeja. — Os dias que passou aqui durante a primavera mostraram-lhe que Micheil devolveria n espada, caso você provasse que a arma era sua. — De meu povo. — Seu povo? Você o reverencia o tempo todo. Quem são eles? Que lugar era aquele que mo mostrou através da visão? Uma batida à porta salvou-a de responder. Davey atendeu ao chamado. Um menino do uns onze anos surgiu a porta e, maravilhado, esquadrinhou o quarto Projeto Revisoras luxuoso. — Rhud — Davey alertou o garoto. -- Por que veio até aqui? — Lorde Micheil pediu-me que viesse buscálo. A noiva já se retirou com as outras damas.Está na hora de o noivo recolher-se. Alarmado, Davey atinou para o fato de que havia esquecido o casamento do irmão. Ficou tentado em dissuadir o garoto a dizer que não o encontrara em parte alguma. Mas seria injusto para com Jamie. As turbulentas emoções em relação a Meredith mereciam outra interrupção para que ele pudesse, de novo, clarear a mente. — Diga a Micheil que já vou. No instante em que a porta se fechou, Davey levantou-se. Aproximou-se de Meredith e acariciou os cabelos negros. Podia jurar que ela estremeceu ao toque. — Espere-me aqui — ordenou. — Para ter certeza de que não vai desaparecer novamente, vou levar isto comigo. Meredith observpu-o pegar a espada. Viu também o brilho ameaçador dos olhos castanhos antes de ele se retirar. Era a primeira vez, desde que adentrara a terra dos Gunn, que conseguia respirar aliviada. Mas, de repente, escutou o ruído da chave na fechadura. Davey a trancara no quarto. Ele se atrevia a pensar que uma porta bem fechada poderia prendê-la! Que ousadia! Projeto Revisoras CAPITULO IV Dessa vez, Davey não passou desapercebido pelo salão. Riu de deboches e zombarias, e retrucou no mesmo tom de brincadeira. Suas palavras perderam-se no rompante de gargalhadas que deixou para trás. Subiu, apressado, a escada que levava ao quarto de Jamie. Estava ansioso para finalizar aquela obrigação e voltar a Meredith. Ao atingir os últimos degraus, foi forçado a encostar-se na parede para dar passagem às mulheres do clã que desciam. — Corra, Davey, ou não terá tempo de desejar felicidades a seu irmão. — É verdade — confirmou outra. — Jamie está impaciente. — Davey, rapaz! — Crisdean chamou-o. — Por onde andava? Abri um barril de cerveja para nós dois e tive de bebê-lo sozinho. Davey sorriu, abraçou o melhor amigo de seu irmão, mas nada respondeu. Trocou alguns gracejos com outros companheiros que ali se encontravam: Marcus e Gabhan com as respectivas esposas; Colin, que se postava diante da porta do quarto. Esses Projeto Revisoras homens haviam atingido a maturidade com os irmãos Gunn e eram considerados da família. O aposento nupcial fora decorado com flores. Seana, sua irmã por casamento, havia colhido flores e ervas em seu jardim para aromatizar o ninho de amor dos recém-casados. O chão e as cobertas estavam repletos de pétalas. Jamie e Gilliane achavam-se na cama, e a noiva, com as faces ruborizadas, fitava o perfil do marido. — Enfim, eles o encontraram — Jamie disse ao ver o irmão caçula surgir à porta. — Entre. Deseje-me alegria esta noite e vá embora. — Depressa, Davey, pois a impaciência de Jamie aumenta a cada segundo. — Mas, Micheil, sempre desejei o melhor para o casal. — Sirvam uma bebida ao rapaz — Jamie ordenou. — Nosso irmão já está sóbrio. Micheil, sem condições de julgar, fitou Davey. Não podia ler a expressão do irmão. Silencioso, ele estendeu o cálice de ouro, a peça tradicional do chefe do clã desde as Cruzadas. Houve outra sessão de pilhérias entre os homens e as mulheres. Porém, ninguém ousou desrespeitar a intimidade dos noivos. Micheil e Seana formavam um belo casal, assim como Jamie e Gilliane. Projeto Revisoras Enquanto os outros se retiravam, Davey ergueu o cálice. — Amor, alegria e vida longa aos dois. Que o rei permita a adoção das três meninas antes que Gilliane carregue seu primeiro rebento nos braços. — Ele bebeu o conteúdo do cálice e trocou olhares cúmplices com Micheil. O chefe do clã havia despendido uma grande quantia para que a adoção acontecesse o mais rápido possível. Davey surrupiou duas laranjas raras da bandeja de frutas e nozes, e saiu antes que Micheil pudesse impedi-lo. No fim da escada, diminuiu os passos a fim de evitar os convivas que ainda bebiam e cantavam no salão. Man-tendo-se às sombras das velas e tochas, ele se esgueirou até a torre do outro lado. Olhou para cima, espantado com a escuridão. Não se ausentara por tantas horas a ponto de as tochas se apagarem. Não perdeu tempo à procura de iluminação. Começou a subir e, antes da segunda sequência de degraus, dete-ve-se para pegar a lâmina de aço que deixara escondida em uma vala da parede. Não encontrou a espada. Ninguém subiria naquela torre, já que a festa se dava no salão. Logo, quem pegara a espada? A mulher... Eliminou a possibilidade. Ele a tinha trancado na câmara. Um barulho no pavimento superior Projeto Revisoras chamou-lhe a atenção. Com suas longas pernas avançou a cada dois e três degraus. Sentia o coração bater disparado. O temor aumentava a circulação do sangue em seu corpo. O instinto de guerreiro alertava-o quanto ao perigo. Davey lembrava de ter pego a faca antes de sair, embora fosse ineficiente em uma luta. Mas, em honra ao casamento do irmão, não podia portar armas. Lamentou não estar com a poderosa espada, sua mais nova aquisição. Surpreendeu-se com o sentimento de posse em relação à valiosa espada. Com ela poderia proteger sua donzela. Proteger sua donzela. A certeza da constatação revelava-se a cada passo. Ele parou antes do último lance de escada e escutou, sem ousar respirar. Um silêncio sepulcral envolvia o espaço à frente. Mesmo os ruídos da festa haviam desaparecido. Davey colou-se à parede e percorreu os últimos degraus. Havia apenas escuridão. O receio dominava-o. Use seu dom, Davey, A voz melodiosa de Meredith reverberou em sua mente. Conteve o medo com fria e calculada fúria. Iria estraçalhar aquele que se atrevia a feri-la. Respirou fundo. Usaria o dom para se esgueirar entre as sombras. Sabia, sem ver, Projeto Revisoras que a porta, outrora trancada, agora estava aberta. E pressentia que a morte o aguardava. A respiração tornou-se lenta. O corpo preparou-se para a batalha. Aguçou os sentidos a fim de enfrentar a escuridão. Haveria apenas um homem morto, prometeu a si mesmo ao jogar-se no chão. O som estridente do metal colidindo na parede o fez rolar pelo assoalho do quarto em movimento contínuo. Davey supôs que alguém lhe atirara uma faca e, caso entrasse no cômodo sem prevenir-se, a lâmina teria atingido seu peito. O olhar sagaz mostrou-lhe que o fogo havia sido apagado. Mas Davey tinha a vantagem de conhecer cada móvel daquele quarto. Prendendo a respiração, tentou ouvir algo que delatasse a presença do intruso. Não lhe passou pela cabeça que pudesse ser Meredith quem o assaltara com a faca. Em um canto, abaixo da janela, um brilho prateado surgiu e desapareceu segundos depois. Davey imaginou que fosse Meredith avisando-lhe que estava com a espada. Sua espada. Mas a mulher não tinha a permissão de matar. Pensar nela era uma distração à qual Davey não poderia sucumbir. A total imobilidade de Meredith o intrigava. Estaria ela ferida, amarrada e amordaçada? Projeto Revisoras A aguçada percepção o fez sentir outra faca atravessar o ar, próxima a seu rosto. Um gesto ligeiro salvou-o de um ferimento. Davey girou, tateando a escuridão para encontrar o homem. Tinha certeza de que era um homem. Sentia um forte odor de cavalo, suor e poeira no canto da cama, o lado oposto onde acreditava estar Meredith. Mal conseguia controlar a revolta por alguém atrever-se a atacá-lo em seu lar. Precisava contar com a própria força em vez de preocupar-se com sua faca. Apesar de afiada, a lâmina não poderia matar. Mas Davey possuía certos talentos. Na infância, costumava usar um truque para provocar os irmãos. — Pare! — gritou e com um movimento sutil do corpo, pronunciou repetidas vezes a palavra em tom de voz mais baixo, de forma que seria impossível discernir de onde surgia o som. Em poucos minutos, ele circundou a presa e aproximou-se. Escutou a respiração ofegante do homem e o consistente odor do medo indicou-lhe a eficiência da artimanha infantil. Davey colou-se à parede, segurando a respiração. Sentiu o invasor em posição de ataque e notou quando este virou o corpo à procura de quem o assombrava na escuridão. Projeto Revisoras Devagar, Davey pegou o castiçal. Então, embainhou a faca e segurou o pesado metal com as duas mãos. Virou-se quando o homem identificou o perigo. Faíscas pipocaram quando o aço chocou-se com o ferro. Em um gesto ágil, Davey usou o castiçal para abater as pernas do homem. O resultado foi a queda da espada e um grito de dor. Ele voltou a espancá-lo. — Bastardo! Davey lançou-se em direção à voz que o insultava, mas já era tarde. Escutou o intruso escapar. Fez menção de persegui-lo, mas lembrou-se de que precisava verificar o estado de Meredith. Pelo tato, localizou a tigela que continha pedaços de quartzo. Esfregou a lâmina da faca na pedra, na esperança de causar faíscas. A impaciência não o ajudava. Jogou cerveja na lareira e tentou em vão reacender o fogo. Praguejando, Davey procurou a vela que havia caído no assoalho. Em minutos, conseguiu uma chama. — Santo Deus! — exclamou. Meredith encontrava-se no canto abaixo da janela, tal qual ele pressentira. As mãos e os pés estavam amarrados, e a boca amordaçada. Mas a mente diabólica acrescentara um detalhe fatal para mantê-lo imóvel. O punho da espada fora atado às mãos e a ponta da lâmina mirava o pescoço alvo. Projeto Revisoras Quando se aproximou, Davey reparou que ela tentara alertá-lo quanto ao perigo, pois havia um corte na pele. A fúria irascível o consumiu. A visão tornou-se turva e as mãos tremiam tanto que a chama da vela formava uma dança de sombras nas paredes. A paralisia durou somente alguns minutos. Ele correu para acender as outras velas do quarto. Cuidadoso, usou a faca para cortar os trapos que a prendiam à espada. Nem sequer ligou para a preciosa lâmina que jogou no chão. Desatou a mordaça. Ficou colérico ao divisar o arranhão no rosto de Meredith. Tocou o corte avermelhado com a ponta dos dedos, jurando que o responsável iria pagar com a vida. Então ajoelhou-se para libertar-lhe os pés. Ao se levantar, ela jogou-se em seus braços. O violento tremor de Meredith o levou a apertá-la contra si. Queria sussurrar palavras de conforto, mas estaria mentindo caso o fizesse. A ameaça ainda pairava sobre eles. Controlando a raiva, Davey acomodou o rosto de Meredith sobre o ombro. Evitava, a todo custo, fitá-la. Não poderia suportar o brilho acusatório dos olhos cinzentos, responsabilizando-o pelo acontecido. Trancara-a naquele quarto deixando-a vulnerável. Projeto Revisoras — Não — ela murmurou. Meredith era capaz de ler pensamentos com facilidade. Davey a abraçou com tanta força que ela engasgou. Sussurrou um pedido de desculpas, enquanto tentava ignorar o doce calor daquele corpo. Ajudoua a deitar-se na cama e cobriu-a com uma coberta. — Fique deitada — mandou. — Vou buscar alguém para lhe fazer companhia. E juro que dessa vez estará segura. — Espere. — Meredith segurou-o pelos braços. — Tome cuidado, Davey. Não sabe quem está perseguindo. — Sei, sim. É somente um homem. Não foi seu fabuloso poder que ocasionou esse pesadelo. Como ele conseguiu amarrá-la? — Eu adormeci. — Pois então, tente dormir de novo. — As palavras de Davey foram tão bruscas quanto sua saída. Não queria conversar com ela naquele momento. Receava revelar sua ira. Tampouco desejava permanecer ao lado de Meredith, porque a necessidade de abraçála ameaçava a vontade absurda de caçar o assassino. Davey desceu correndo a escada. Tinha de acordar Micheil e seus homens. Não podia mais ocultar a história de Meredith; seu irmão exigiria saber tudo antes do amanhecer. Projeto Revisoras Nesse ínterim, Meredith pulou da cama para ir atrás dele. Após dois passos, tropeçou na espada. Pegou-a e pressionou o punho da arma nos lábios. — Cuidado, Davey, cuidado — murmurou, sabendo que era o lacaio de Owain ap Madog que Davey perseguia. Entoou um canto de proteção, embora sua fraqueza a prejudicasse. Não conseguia parar de reviver os minutos em que permaneceu com a espada em sua garganta. As lembranças foram interrompidas pelo som de passos na escada. Notou que Davey enviara a esposa do chefe para assisti-la. Depois de ordenar aos dois homens armados que montassem guarda na porta, Seana entrou no quarto, sem nem sequer expressar um leve sorriso de boas-vindas. — Ficarei aqui com você até meu marido e Davey voltarem. Reze para que não lhes aconteça nenhum mal. Meredith não se defendeu. Abaixou a cabeça e, ainda segurando a espada, retornou à cama para esperar. CAPITULO V Projeto Revisoras Movidos pela fúria, os homens do clã saí-ram à procura daquele que atacara o irmão do chefe. Horas depois, reuniram-se no salão sem encontrar vestígio do invasor nas dependências do castelo e nas imediações. — O homem não pode ter evaporado no ar! — Davey bradou aos companheiros, completamente frustrado. — A maioria está cega de tanto beber. Uma ovelha passaria diante de vocês e nem sequer a veriam! — Calma, Davey — Micheil aconselhou-o. Na verdade, não sabia quem precisava se acalmar mais, ele ou o irmão! — Podem se recolher — ordenou aos homens. — Não há nada a fazer por enquanto. Ao amanhecer, iniciaremos uma nova busca. Acatando as palavras do irmão, Davey assentiu. Fez menção de retornar à torre, onde deixara Meredith, mas Micheil o interceptou. — Espere um momento, Davey. Como foi que tudo aconteceu? De forma breve, ele contou a Micheil que Meredith aparecera para reclamar a espada. Porém, não revelou a forte atração que sentia pela mulher, nem a imagem tenebrosa transmitida pela visão. — Ela alega que a espada pertence a seu povo, e acredito nela — Davey concluiu. — Se não fosse minha terrível dor de cabeça, eu faria questão de ouvir detalhes Projeto Revisoras dessa história relatada por ela. — Siga as próprias ordens, Micheil. Verei o que mais ela tem a dizer. Vá dormir. — Antes preciso buscar minha esposa. Mandei-a vigiar a mulher. — Abraçando o irmão pelos ombros, Micheil acompanhouo. — Felizmente, Jamie não acordou. — Mandei avisá-lo que tudo estava bem. E também não quero atrapalhar a noite nupcial que ele tanto almejou. Muito menos desejaria aborrecer minha irmã por casamento roubando-lhe o marido no primeiro encontro romântico após o matrimônio. — Tem razão, Davey, a ira de uma mulher recém-ca-sada pode ser nossa ruína. O silêncio amistoso com o qual Davey e Micheil subiram a escada, em direção aos aposentos onde Meredith os recebeu, foi interrompido pela aflição da jovem. — Você o achou? — Não tema — Micheil disse para tranquilizá-la. No entanto, Davey sabia que a pergunta fora direcionada a ele. — Não encontramos nem um sinal dele. Com um suspiro de alívio, Meredith voltou a sentar-se na cama. Davey, de repente, sentiu-se incomodado. Reparou então que Seana, embora permanecesse calada, mostrava-se extremamente tensa. Observou os dois homens que montavam guarda à porta e se questionou se eles garantiram Projeto Revisoras que as ordens de Micheil fossem seguidas. Esfregou a nuca com intenção de eliminar a própria tensão. Enganara-se ao suspeitar de Meredith. Se almejava roubar a espada e fugir, ela poderia tê-lo feito a despeito da porta trancada. A menos que a intenção de matar Davey estivesse ligada ao fato de ela possuir a espada. Sabendo que as suposições o deixariam mais confuso, resolveu romper o silêncio. — Como já perdi o sono, gostaria de ouvir o resto de sua história. Principalmente se souber quem a atacou. — Também quero escutar sua versão — Micheil disse,. sentando-se ao lado da esposa. — Amor, já é tarde — Seana protestou. — Não pode esperar até amanhã? — Micheil é livre para fazer o que quiser. Quanto a mim, pretendo me colocar a par de todo esse mistério. Davey encostou-se na parede e dirigiu-se a Meredith. — Já contei a meu irmão que veio buscar a espada pertencente a seu povo em priscas eras — ele começou. — Também expliqueilhe sua primeira visita e a necessidade de adiar a devolução da espada quando soube que nossa tia havia sido raptada. Micheil entendeu que não tenciona ignorar os sérios problemas que ocorriam na época. Meredith compreendeu que Davey a Projeto Revisoras alertava quanto ao que relatara a Micheil. Ela voltou-se ao chefe do clã, mas não pôde encarar Seana devido ao brilho desconfiado nos olhos da mulher. — Davey lhe contou a verdade. Sei que a espada representou um prémio de guerra, centenas de anos atrás. Mas a arma possui um significado especial para meu povo e vim recuperá-la. — É estranho que essa missão esteja a cargo de uma mulher — Micheil comentou, de olhos fechados. — Sou a última sobrevivente de meus ancestrais. A espada nos foi dada e, em seguida, roubada. Desde então, é nosso objetivo resgatá-la. O significado daquela declaração era perfeitamente claro para Davey. O que ela lhe mostrara acerca do passado fora real, não uma bruxaria. Portanto, estaria ele também encarregado de recuperar a espada? Esfregou a nuca outra vez, na tentativa de relaxar. A explicação de Meredith não foi suficiente para esclarecer os fatos misteriosos que a envolviam e o assalto de que foi vítima. Pelo contrário, os eventos levantaram mais suspeitas. — Entendo a importância de sua missão, mas o que me intriga é você ter vindo sozinha — Micheil declarou. — Não pretendia alarmá-lo. Davey encarou o irmão. Onde ele queria Projeto Revisoras chegar? — Talvez. A verdade é que você foi rendida e meu irmão, atacado. — Essa é a questão, Micheil — Davey interveio. — O que desejava o intruso? Não houve tempo de roubar a espada. Ou de matá-la — acrescentou, encarando Meredith que respondia ao interrogatório em plena tranquilidade. — Ele veio atrás de minha morte? — Sim — ela respondeu. Micheil abriu os olhos. — Por que ele desejaria a morte de meu irmão? O que Davey tem a ver com você e a espada? Meredith fitou os frios olhos azuis de Micheil e o semblante enigmático de Davey. Existia uma forte semelhança entre ambos. Os irmãos suspeitavam dela. Davey permanecia de braços cruzados e não havia calor em sua expressão. Angariando coragem, ela prosseguiu: — Do awenyddion, como os profetas são chamados em nossa língua, surgiu uma profecia. Em tempos remotos, meu povo recebeu quatro presentes sagrados para ajudar a combater o mal que atemorizava nossa gente. Vocês são livres para acreditar ou não nesta história — Meredith pontuou. — Os presentes serviam para salvar um inocente que foi morto ao tentar aplacar a queimada de nossas florestas, a peste dos Projeto Revisoras animais e a escravidão de homens, mulheres e crianças sacrificados pelos romanos. Conforme as lembranças surgiam, Meredith sentia-se vacilar. Juntou as mãos para continuar. — Os presentes foram dados a nossos sacerdotes, e estes ficaram incumbidos de encontrar aqueles entre nosso povo que usariam as dádivas com sabedoria. Mas o aparecimento de centenas de romanos mudou o rumo da história e muitos de nós foram subjugados a eles. Outros tantos escaparam e vieram para as terra no norte, trazendo crenças antigas. Nossos presentes se perderam, roubados para despojo de guerras. Esta espada é o primeiro pois, sem ela, não há como recuperar os demais. O tom de voz modificou-se quando ela contou a pequena mentira. — Minha missão é solitária — Meredith completou para o benefício de Micheil. — Vim sozinha até seu castelo, mas sei que fui, seguida. Cabe a mim recuperar a espada em minha jornada. Contudo, preciso de um guerreiro capaz de empunhar essa arma. — E quanto aos outros? — Davey perguntou depressa a fim de impedir que Micheil a questionasse. — Quais são os outros presentes? Atenta, Meredith não conseguiu ler os pensamentos de Davey. Concentrou-se para Projeto Revisoras responder. — Não devemos saber? — ele indagou. — A espada que você segura é a Espada da Justiça. Foi forjada por um homem especial que jamais perdeu uma batalha com esta arma nas mãos — ela respondeu. — Há o Cálice da Verdade. Qualquer líquido que ele contenha será capaz de extrair a verdade de quem nele beber. E a crwth, a harpa que emite uma melodia poderosa capaz de adormecer aqueles que a escutarem. Pausando, Meredith perguntou-se quanto mais poderia revelar sobre a harpa. Em mãos inábeis e sem o feitiço para liberar sua magia, não passava de um simples instrumento musical. Por fim, decidiu ocultar tal informação. — E o último? — Davey apressou-a. — Um anel que protege de qualquer maldade aquele que o usar. Distraída, esfregou o nó sem emendas de seu anel de prata, uma oferenda dos sacerdotes após um feitiço de proteção. Infelizmente, a jóia era inútil se usada contra outro druida ou feiticeiro. — Você se refere a tempos arcaicos e presentes remotos — Micheil concluiu com frieza. — Por que só agora resolveu reivindicá-los? Havia dúvidas nos olhos do chefe. Meredith fitou Davey que observava a espada. Seana desviou o rosto. Projeto Revisoras — Bem, você tem um motivo plausível? — Micheil insistiu. — É a primeira vez em séculos que os presentes foram encontrados — Meredith replicou. — E esse guerreiro de que necessita é meu irmão caçula, Davey. — Sim, seu irmão foi o escolhido. — Escolhido? — Micheil confrontou Davey. — Você sabia disso e não me comunicou? — Não houve tempo, Micheil. Meredith podia sentir o arrependimento de Davey por ter mentido ao irmão. A bem da verdade, a omissão representava uma mentira. Ficou espantada ante o profundo tormento de Davey. — Acho que não compreendi, Davey. Você concorda com tudo isso? — Não concordo nem discordo, Micheil. Também quero ouvir o que Meredith tem a dizer. Posso brandir a espada. Ela parece ter sido feita para mim. Davey aproximou-se. — Veja você mesmo. É uma arma para um homem, irmão. E quando Micheil tentou pegar a espada, Davey recuou. — Pode examiná-la sem precisar tocá-la. Micheil cerrou os dentes e estudou o intrincado desenho. A resistência de Davey o desagradava. E o desagrado afiou sua voz. — Diz não concordar ou discordar com a Projeto Revisoras mulher e sua necessidade de um guerreiro. No entanto, Davey, você considera sua esta espada. Não seja reticente e espere que eu aceite o fato passivamente, sem questionar. — Quando eu quiser ouvir um sermão, Micheil, irei procurar um padre. — Olhe a mulher quando falar em aceitação passiva, Micheil — Seana protestou e agarrou o braço da cadeira como se assim pudesse reprimir o ataque a Meredith. — Sua maneira dócil e dissimulada está colocando-o contra o próprio irmão. — Não é verdade! — Meredith gritou e encarou Seana, incrédula. Então, fechou os olhos cinzentos. Sentiu um tremor repentino ao perceber a intensidade da raiva que ameaçava o autocontrole. Os anos de terror, caçando e sendo caçada, a pesarosa solidão e as infindáveis dúvidas que a consumiam pareceram emergir naquele instante. Voltou a encarar Seana. — Como ousa? Por que me acusa de dividilos? Esse jogo pertencia a você no início. — Meredith chocou-se com o próprio conhecimento. — Seduziu Davey para que ele traísse o irmão. Sim, agora são um casal, mas não eram na época. Não tenho a intenção de magoar ninguém. Disse a verdade sobre a espada. A tarefa de recuperar esses presentes foi imposta a minha família. Não quero nada de vocês, a Projeto Revisoras não ser o que pertenceu a meu povo. Davey assimilou o significado das palavras. Minha família. Se a visão fosse verdadeira... Era, sim, não podia negar. Micheil levantou-se, no entanto, Seana segurou-o pelo braço para impedi-lo. Davey olhou Meredith. Ela ergueu as mãos a fim de defender-se de um suposto ataque de Micheil. Alguns segundos se passaram antes que ela atinasse para o que fazia. A raiva corava o lindo rosto e os olhos tornaram-se enegrecidos. O movimento rápido do busto indicava a respiração ofegante. Davey notou também um detalhe acima do corte curvo do vestido: um arabesco azul. — Basta! — A voz de Micheil reverberou pelo quarto. Não admitia que aquela mulher desconhecida se referisse a ele e a esposa com tamanha desfaçatez. Beligerante, Davey postou-se entre Meredith e o irmão. — Contenha-se, Micheil. Não vai machucála. Você e Seana não a acusarão de trazer desgraça a nosso domínio. — Está contra mim, Davey? Esqueceu-se... — Não me esqueci de que você é meu irmão e amigo. Mas estou aqui para protegê-la. Micheil observou o irmão, tão orgulhoso quanto Lúcifer. — Davey, não tome resoluções precipitadas. Você não a conhece. E não quero vê-lo Projeto Revisoras contra mim. — Controle sua ira — Seana interveio. — Já é tarde e estamos todos cansados. Por favor, Davey — suplicou ao ver que ele não se movia. — Falei sem pensar. — Era a única desculpa que ela podia oferecer. — Pela manhã decidiremos o que deve ser feito. — Micheil ofereceu a mão à esposa. Davey sentiu o toque de Meredith. Assentiu e esperou o irmão se retirar em companhia da esposa. Quando a porta se fechou, ele sacudiu a cabeça como se acordasse de um transe. — Sente-se perto do fogo, Davey. Eu disse a verdade. Nunca quis me colocar entre você e seu irmão. — Não foi a primeira vez, nem será a última — ele replicou, esticando as pernas diante da lareira. — Micheil carrega um pesado fardo desde que nosso pai morreu. Mas não quero falar de meu irmão. Digame quem a atacou. Meredith serviu uma taça de vinho para ambos. — Ele se chama Owain ap Madog. Ambiciona usurpar os quatro presentes para objetivos maléficos. Não foi ele quem esteve aqui, mas sim um de seus lacaios. Owain deve ter prometido riquezas e poder ao pobre. — Há mais, tenho certeza — Davey afirmou quando ela virou o rosto. Projeto Revisoras — Sim. Owain foi criado pelos druidas remanescentes de meu povo. Ao perceberem a ambição desmedida e a maldade de Owain, eles o renegaram. Tentei dizer-lhes que era tarde demais e que não deveriam libertá-lo. Não quiseram me ouvir. Owain conhece a missão que me foi imposta e está determinado a obter cada dádiva para si. Ele também me quer, porque possuo a chave que irá liberar o poder mágico dos presentes. — Chave? — Davey perguntou. — Sim. É um feitiço para encantar a magia. — Você escutou o que eu disse diante de meu irmão e sua mulher. Considero-me seu protetor. Não retiro minha promessa. — Davey... — Não — ele a calou. — Deixe-me terminar. Não sei se você me enfeitiçou ou se aceitei o cargo por livre e espontânea vontade. Mas mantenho a palavra. Eu a seguirei aonde quer que vá. — Juro que não usei nenhuma artimanha para induzi-lo! Enquanto analisava o comportamento de Meredith, ele sorriu. A honestidade era fascinante. E a voz encantada tanto o excitava quanto o acalmava. No entanto, não era somente o aspecto adorável que o impelia a protegêla. Ele entendia a forte determinação de enfrentar grandes obstáculos. Não ignorava o desejo, mas naquele Projeto Revisoras momento satisfazia-se em manter apenas a brasa da paixão. Ela lhe pertencera, e lhe pertenceria de novo. Davey tinha certeza disso. — Micheil e Seana estão certos. — Davey levantou-se e segurou-lhe as mãos. — Tente descansar esta noite. Sei que está pronta para iniciar sua jornada e não o fará sozinha. — Você vai arriscar sua vida — Meredith preveniu-o. Ele ajudou-a levantar e beijoulhe a ponta dos dedos. Manteve-se atento aos olhos reluzentes, como se pudesse descobrir alguma mentira naquela profundidade cinzenta. — Nenhuma vida vale a pena se não há riscos. E por você eu arriscaria tudo. Sem que ela pudesse evitar, Davey segurou o rosto delicado e cobriu os lábios carnudos com os dele. De início, Meredith sentiu certa ternura e os sentidos pareceram elevar-se. Havia calor do toque sensual. A essência masculina tornou-se nova e familiar ao mesmo tempo. Com um gemido de dor e prazer, ele aprofundou o beijo. Era exigente mas gentil, cruel mas carinhoso. Uma confusão de sensações dominou-a. A necessidade abrasadora forçou-a a inclinar a cabeça e os braços fortes apertaram-na ao corpo viril. Ele a beijava nos lábios, nos olhos, nas Projeto Revisoras têmporas e retomava a boca rubra, sugando-a. Tal qual o vinho que tinham bebido, Davey provou uma docilidade tóxica, com uma subentendida paixão que podia destruí-la. Os dons mágicos desertaram. Não tinha vontade própria. Somente o perigo prevalecia e uma crescente necessidade de detê-lo. — Você me assombrou esse tempo todo — ele murmurou, beijando a curva do pescoço alvo. — Você, sua voz e esses seus olhos enfeitiçados. — Davey mordiscou o lóbulo delicado, enviando ondas de calor ao corpo de Meredith. — Arriscarei tudo para tê-la outra vez — sussurrou e pressionou-a contra si. Meredith o desejava, mas lutava contra a proximidade e a inevitável resposta de seu corpo, que se derretia com o contato vigoroso do guerreiro. — Eu lhe imploro. — Ela agarrou-o pelos ombros para empurrá-lo. — Pense, Davey! Pense no que aconteceria! — berrou, apavorada. — Destruiria a mim e a meu povo? Você tem esse poder! Ofegante, ele ergueu o rosto. Segurou-a pela nuca e acomodou-a entre os braços. Abraçou-a com tanta força que Meredith sentiu o tremor nas mãos e as batidas frenéticas dos dois corações. — Davey — sussurrou. — Ainda há tempo. Projeto Revisoras Salve-se. Não me acompanhe. Se não controlar esse desejo, você irá aniquilar todas as esperanças que dão sentido a minha vida. — É você quem precisa de mim para empunhar aquela espada! — Exato. Falei a verdade. Ele afastou-a, sem lhe soltar os braços. — Eu fiz uma promessa, Meredith. Irei e a ajudarei. Porém, no final, quando tudo for devolvido a seu povo, você será minha. Meredith não sabia o que responder. Um dia, até mesmo uma hora atrás, envolvida pelo beijo, ela teria sabido como argumentar. Entretanto, ainda sentia o sabor de Davey e o calor do vigor másculo. Perderia a força da magia e nenhum poder seria útil, se ela se entregasse. Mas Davey se referia a uma promessa futura. Poderia ela negar-lhe? — Se não me der uma resposta, não serei responsável pelo que vier a acontecer hoje à noite. Havia paixão no tom de voz e uma ameaça perigosa. Meredith fitou os traços do belo rosto. — Dou-lhe minha palavra de que, quando os presentes forem entregues aos sacerdotes para que se realize a profecia, farei o que deseja. Peço-lhe, porém, Davey, que não me tente. Sem meus poderes não poderei reaver nada. E em sua consciência ficará a Projeto Revisoras destruição do sonho de unificar as terras de meu povo. E, se isso acontecer, estarei contra você. Não subestime minha força, porque posso arruinar qualquer um que cruze meu caminho. Os olhos castanhos adquiriram um brilho sombrio. — Eu a quero, Meredith — ele consolidou, com a voz rouca. — Sim, eu a desejo como jamais desejei outra mulher. Diz a lenda que os Gunn são assim. Quando avistam uma donzela que lhes agrada, nada no mundo os impede de conquistá-la. Eu a quero de corpo e alma. Na tentativa de se controlar, ele respirou fundo. — Escutei o que disse. Que assim seja — Davey proclamou, solene. — Não se esqueça disso, Davey. — Vamos selar nossa promessa com um beijo, Meredith. E ele conseguiu o que queria, deixando-a enlevada. Instantes depois, Davey soltou-a e saiu. Ainda trêmula, Meredith sentou-se na cama. Havia obtido o que queria: um guerreiro para protegê-la e ajudá-la. Mas ele levara consigo a preciosa espada. E sabia, a despeito das belas palavras, que Davey não confiava nela. Projeto Revisoras CAPÍTULO VI - Micheil tem razão! — Jamie exclamou, frustrado. — É insensato acreditar e desastroso confiar nela. Sim, eu sei — acrescentou, resignado. — Foi seu bom senso que o ajudou a decidir. Mas pense, irmão. Raciocine. Não sabe se o que ela diz é verdade. A mulher pode levá-lo à morte. — Acha que sou tolo e jovem demais a ponto de me deixar enganar? — Davey perguntou, fitando o pátio interno. A imensa abertura da janela praticamente unia o salão ao pátio. Ele temera aquele confronto e, no entanto, nada fizera para evitar os irmãos naquela manhã. Até realizara o desjejum com eles, tal qual evidenciava a mesa ainda repleta de comida. — Receio que nosso irmão caçula esteja apenas querendo me criar problemas — Micheil comentou, fatiando uma maçã. O comentário atiçou Davey. — É assim que me vê? Como seu irmão caçula? — Ele não quis insultá-lo, Davey — Jamie apressou-se. Desde que soubera do ocorrido na noite anterior, Jamie tentava manter a harmonia entre os dois Projeto Revisoras irmãos. Ficou furioso por ninguém tê-lo chamado. Como sucessor, todas as questões de segurança referentes às terras dos Gunn eram de sua responsabilidade. Gilliane teria entendido. Ele possuía uma posição de destaque no clã e pretendia mantê-la no papel de líder de guerra. — Pouco importa. Não vou mudar de ideia. Dei ordens para que um cavalo seja selado com provisões e também meu garanhão. Não levarei Jennet e Cudgel. Ela está prenhe, portanto, não quero prejudicar os filhotes. — Micheil está certo! Você está fazendo isso apenas para provocá-lo! Impaciente, Jamie sentou-se na cadeira e serviu-se de cerveja. Bebeu rápido para não gritar com Davey. Brigas coléricas não resolveriam. Trocou olhares com Micheil, que parecia incerto quanto ao que fazer. Não desejavam que Davey se aventurasse com uma donzela desconhecida, apesar da veemência do rapaz. — Talvez não — Micheil ponderou. — Talvez Davey saiba mais do que nos contou. Jamie encarou Davey. — Por exemplo? — Pense no que ele nos disse. Sabemos muito pouco sobre a história dessa mulher, Jamie. Não tenho dúvidas de que Davey nos contou a verdade, mas temo que nosso Projeto Revisoras irmão tenha revelado somente parte desta verdade. O mais importante permanece oculto. O julgamento de Micheil surtiu efeito. Ruborizado, Davey confrontou o patriarca do clã. — O que mais eu poderia lhes dizer? Partirei para ajudá-la como jurei que o faria. Podem me dar alguma segurança de que nada de ruim irá me acontecer? — Nunca imaginei que precisaria de um alicate de ferreiro para arrancar informações de meu próprio irmão. — Ora, Micheil, está falando como nosso pai. — Sim, Davey, é verdade. Mas Micheil aventou um detalhe fundamental. Você está escondendo algo de nós. — O que vocês querem? — Davey esbravejou, indignado com a interferência dos irmãos. — Já lhes disse tudo que sei. Preferem que eu invente histórias fantasiosas? — Nunca minta, Davey. Jamais pediria isso a homem nenhum — Micheil pontuou. — Nem eu — Jamie acrescentou, acenando para Davey se aproximar. Enfim, ele respirou aliviado. Odiava desavenças com os irmãos, principalmente após o que haviam passado juntos. Notou, de repente, que mantivera os punhos fechados por tanto tempo que os dedos Projeto Revisoras começavam a doer. Flexionou as mãos para relaxar. — Toda minha vida — Davey proferiu, caminhando até a mesa — vivi à sombra de vocês. Brigamos e discutimos, mas sempre, Micheil, é você quem dá a última palavra. E Jamie, como sucessor, determina questões que envolvem guerra. Não há nenhuma posição especial para mim. Quero fazer isso e o farei. Estamos acertados? Havia um brilho distinto nos olhos e uma firmeza na voz quando Davey postou-se diante de Jamie e Micheil. Despejou cerveja em um cálice. — Vamos beber a meu sucesso? Ou minha partida será amarga? — Deixe-me mandar alguns homens com você — Jamie sugeriu em vão. — Não. Eu e Meredith iremos sozinhos. — E que tipo de perigo esse Owain ap Madog representa? Se ele ousou enviar alguém para invadir minha fortaleza a fim de capturar a mulher e a espada, suas tentativas podem matá-lo tão logo você saia de nossas terras. — Eu sei, Micheil. Mas vocês não acreditam no que me ensinaram? Não posso montar no mais espirituoso dos garanhões? Já falhei em alguma tarefa da qual você me encarregou? Mas me enxergam como um jovem impetuoso que precisa de proteção. Quero me livrar deste fardo que me Projeto Revisoras impuseram. Conseguem entender? Embora tensos, os dois irmãos assentiram. Davey sorriu. — Então, desejem-me boa sorte. — Ele bebeu a cerveja e notou que Micheil e Jamie também, após hesitar, beberam. — Um último pedido, Davey — Micheil disse com a voz neutra. — Seria possível esperar um dia ou dois? Jamie acaba de se casar. É injusto esquecer as outras comemorações planejadas para ele e Gilliane. Se a busca desses presentes sagrados esperou tanto tempo, alguns dias não irão afetar a mulher. — Seu nome é Meredith, Micheil. E quanto mais cedo eu partir, mais cedo voltarei. — De onde vem a certeza de que você voltará? — Micheil vociferou, desvalendo-se da razão. — Como chefe deste clã, tenho o direito de proibi-lo. E você deve me obedecer. — Vai me proibir? — Por favor, Micheil — Jamie tentou abrandar o clima, lembrando-se de que, no passado, as ordens de Micheil quase custaram a vida de Davey. Confuso, Micheil esfregou a testa. Sempre acabava ferindo o orgulho de Davey, quando seu único desejo era protegê-lo. Imaginou que o irmão se tornaria vulnerável ao receber a segunda visão. Quem o defenderia agora? Aquela frágil Projeto Revisoras mulher? Como chegar a um acordo com um homem determinado a seguir as próprias leis? — Micheil? — Jamie tocou o braço do irmão. — O que mais vai ordenar, exigir ou oferecer como suborno para me impedir de partir? — Davey indagou, irônico. — Somente nós três estamos aqui, Micheil. Portanto, ninguém saberá que artimanhas usou para fazer valer sua vontade. — Não direi mais nada, Davey— ele respondeu, enfim. — Desejo-lhe boa sorte e que Deus o acompanhe. Em vez de alívio, Davey sentiu remorso. Mas não o bastante para alegrar Micheil. Não sabia explicar por que insistia em partir naquele mesmo dia. Uma sensação desconhecida o apressava e queria estar a sós com Meredith. Estava ciente do perigo que Owain ap Madog representava e de que suas grandes habilidades talvez não fossem suficientes para combatê-lo. Contudo, a necessidade era evidente e precisava ser atendida. Também sentia culpa. Devia ter revelado aos irmãos a visão que Meredith projetara para ele. As imagens provariam sua determinação, mas Davey conhecia Micheil e Jamie. Usariam qualquer argumento para dissuadi-lo e alegariam que Meredith o enfeitiçou. A discussão com os irmãos o deixou Projeto Revisoras exaurido. O melhor seria partir e confiar ao tempo e ao sucesso a certeza de sua decisão. — Davey, mande selar Ciotach para você — Micheil ofereceu. — Ele foi bem treinado para combater inimigos. — Você me daria o filho de Breac para montar? — Eu o quero bem guarnecido, e seus garanhões não são páreo para Ciotach. — Obrigado, irmão. — Davey segurou o braço de Micheil e, depois, o de Jamie. — Tomem conta de suas mulheres. — Cuide-se — os dois disseram em coro quando Davey afando foi interpelado pela presença de Seana e Gilliane. Davey respirou fundo e esperou que elas se aproximassem. — Está decidido? — Seana perguntou. — Davey — Gilliane disse —, espere mais um dia. Assim teremos tempo de saber se o que a mulher diz é verdade. Por favor, você acaba de se recuperar dos ferimentos. Vendo a postura teimosa, Seana parou diante dele. — Davey, tenha bom senso. Não é o momento de ser tão orgulhoso. É sua vida que está em jogo — ela exclamou, temerosa. — Você é precioso para aqueles que o amam. Não vá. Eu lhe imploro. — Se estou arriscando minha vida, irmãs, está nas mãos de Deus. — Seu idiota! Os ferimentos que quase o Projeto Revisoras levaram à morte não foram suficientes? — Gilliane apertou a mão de Davey. — Não vá com ela. — Gilliane tem razão, Davey — Seana concordou. — Deus às vezes precisa de auxílio. Um homem tem livre arbítrio, mas o seu parece levá-lo à destruição de si mesmo. — Creio — ele replicou, calmo — que vocês tenham maridos e filhos para cuidar. Deixem-me decidir meu destino sem sua interferência. — Não entende? — Seana o desafiou. — Não acreditamos que esteja fazendo isso por vontade própria. É ela quem o conduz. — Não. — Davey usou o que lhe restava de paciência. — Eu as amo como se fossem minhas irmãs. Mas sou um homem, e não um menino que se esconde atrás destas muralhas. Pensei seriamente e já me decidi. A passos largos, Davey afastou-se delas. Uma vez longe dos irmãos e das esposas, ele estaria livre para negar a reação emocional que as súplicas causaram. Irritado, praguejou em pensamento. A despeito da severidade, admirava os irmãos. A insistência em fazer tudo a seu modo parecia-lhes um ato de rebeldia contra a autoridade de Micheil e Jamie, e uma espécie de vingança sentimental por terem reprimido os desejos de Davey. Mas nada disso era verdade, e ele não Projeto Revisoras suportaria discutir por mais uma hora a fim de provar que agia com total segurança. Ao atingir seu quarto, não se espantou quando viu Peigi a sua espera. Ela trabalhava no castelo Halberry desde o dia em que a mãe de Davey chegara ao legado como noiva. Porém, até para Peigi, ele não enxergava o erro que cometia. — Peigi, amor, poupe-me de seus sermões. Já ouvi muito de meus irmãos e suas mulheres. — Claro, esse é o jeito de eles protegerem aqueles que amam. E tal atitude o está sufocando, pelo que vejo. Vim me despedir. É como um filho para mini, Davey. Não enxergo nenhum mal sobre você. Das mãos de sua mãe eu recebi isto. Peigi entregou-lhe um tecido dobrado. — Guardei segredo todos esses anos porque seus irmãos não precisaram disso. Você, no entanto, irá precisar — ela o preveniu. — Não o abra agora. Quando houver necessidade, você saberá. Os eventos vêm e passam. Tudo será claro quando chegar a hora. Davey segurou-a pelo braço. — Essas palavras! Ela me disse essas mesmas palavras. Mas não pode ser. Você não saberia. Eu não contei a ninguém. — Davey, menino de meu coração, repeti apenas o que sua mãe me disse. Não Projeto Revisoras entendo o que as palavras significam. "Para proteger meu filho", ela falou. "Lembre-se de dizer isso a Davey". Foi em sonho ou em uma visão que sua mãe lhe disse as mesmas palavras? — Não, Peigi — ele respondeu, repleto de dúvidas. — Não foi sonho ou visão. Meredith pronunciou essas palavras quando esteve aqui pela primeira vez. — Oh, sim, ela tem o poder. — Com a mão trêmula, Peigi tocou o rosto de Davey. — Sei que estão todos falando da donzela, Davey. Mas vá com ela. É o que tem de fazer. — Chorosa, Peigi abraçou o favorito de seus meninos. Quando o soltou, ela recobrou a maneira habitual de ama. — Preparei tortas de carne e separei um bom pedaço de queijo salgado. Há também maçãs, pão fresco e... — Dê-me um beijo, Peigi. Não se preocupe com a comida. Se você mesma preparou meu alforje, não sentirei fome. Reze por nós. Se o bom Deus estiver ouvindo, sei que irá atendê-la. Para que ela não visse suas dúvidas, Davey virou-se depressa. Mas as palavras, advindas de sua mãe, ainda o incomodavam. Como podia ser? O que mais encontraria na jornada com Meredith? Pensou em guardar o pacote que Peigi lhe dera na bolsa de couro, já repleta de moedas, mas viu-se colocando o presente Projeto Revisoras em sua camisa, abaixo do coração. O tecido aqueceu-lhe a pele, mas Davey pouco atinou para o fato, enquanto vistoriava o cômodo a fim de certificar-se de que não esquecera nada. Olhou com pesar a cota de malha longa. Era pesada demais para removê-la sozinho e não pretendia passar dias transportandoa. Davey vestiu, por fim, a coura acolchoada com lã. O traje era capaz de resistir ao corte de uma espada ou ao impacto de um golpe violento. Em vez da cota de malha, optou pela armadura de couro, conhecida como cuir bouilli. O couro fora fervido e depois endurecido em cera quente. Também era potente o bastante para protegê-lo de uma lança ou espada. O atributo mais precioso era sua leveza, que o manteria flexível em um combate. Sobre essa armadura, Davey vestiu uma túnica de lã. Em seguida, amarrou o cinturão da espada e acrescentou uma adaga à bota. Pensou em levar mais uma faca, como Micheil sempre fizera, e achou que a arma aumentaria a proteção. Pegou a própria espada, sabendo que a outra já se encontrava atada à sela, tal qual ele ordenara. Considerou a possibilidade de carregar a espada Cym-ry, mas seria uma tentação para cada homem que a visse. A vestimenta Projeto Revisoras modesta permitiria abrigo e comida em qualquer aldeia ou castelo, e manteria afastados os ladrões e criminosos. Davey precipitou-se ao pátio, onde Meredith o esperava. Seus irmãos, com certeza, alegariam bruxaria e o trancariam na torre, se soubessem que ele ignorava o rumo daquela aventura. Mas pelo prêmio que receberia no final, ele seguiria Meredith até a boca do inferno, se necessário. Como um verdadeiro guerreiro, Davey parou nos degraus, sob o sol quente daquela manhã. Fitou o que mais amava. Escutou os uivos dos cachorros no canil, onde estavam trancados e lá ficariam pois, do contrário, os cães seguiriam os rastros de seu mestre até encontrá-lo. O pátio estava vazio. Davey montou em Ciotach e, sem olhar diretamente para Meredith, montada em uma égua, liderou o trajeto em direção aos portões. Para o bem ou para o mal, ele agora estava sob o comando de Meredith. CAPÍTULO VII Projeto Revisoras Naquela mesma manhã, em uma pequena cavidade a sul do castelo Halberry, Owain ap Madog acendia o fogo para lançar um feitiço. Era alto, forte, atraente e, como diziam, tão sagaz quanto uma raposa. Também possuía o charme e o apetite voraz do animal. Nunca se incomodou com os comentários porque tinha cobiça pelo poder e estava determinado a obter todos os dons sagrados dos mais poderosos druidas para si. A neblina que o rodeava não atrapalhava seu intento, mas forçava os três lacaios a se juntarem para aquecerem-se longe de sua fogueira. O que Owain realizava era mágica, transformava as chamas avermelhadas em fachos azuis e verdes, e o centro das labaredas tornou-se branco. A visão que se apresentou em meio ao fogo aumentou-lhe a raiva de ter perdido a oportunidade de capturar a Espada da Justiça. A culpa era dele, mas não pretendia admitila a ninguém. Deixara-se levar pela ansiedade e ambição. Significava sua maldição, embora pudesse enxergar o que estava por vir. O poder premonitório nunca se estendia além de algumas horas no futuro. Porém, era o bastante para elaborar o próximo passo. E, quando tivesse os presentes do povo Projeto Revisoras Cymry, conseguiria a donzela. Paciente, havia esperado que ela se tornasse mulher e amadurecesse seus talentos. Durante anos, Owain a vigiara com orgulho possessivo, sabendo que seria sua companheira, a única escolha que restava aos velhos sacerdotes. Owain compreendeu muito cedo que seu destino achava-se ligado ao dela. Também entendia que seria necessária toda astúcia para afastá-la dos ensinamentos dos druidas. As chamas se tornaram quase negras quando sua fúria aumentou. Murmúrios dos três que havia selecionado para seguilo finalmente o despertaram dos eventos que tinham arruinado seus planos. Acalmou-se e permitiu que o fogo abrandasse. Virou-se a fim de mirar a direção norte para onde ela cavalgava. E com ela uma nova arma. A donzela escolhera outro para empunhar a espada, mas a vida do homem sofreria uma penalidade. Owain sorriu e ergueu a mão mutilada, tal qual uma garra, para esfregar os cabelos loiros. Fitou o membro deficiente, um pagamento por suas transgressões. Não conseguia olhar a própria mão sem se lembrar da agonia de tê-la sobre o fogo, quando usaram a magia do livro que ele havia roubado para puni-lo. Mas jurara Projeto Revisoras vingar-se por aquela perda. — Tragam o menino — ordenou. Em instantes, um garoto, com não mais de doze verões, ajoelhou-se ao lado dele. O olhar perplexo do menino fez Owain sorrir. Levantou os braços para que as mangas soltas do traje de monge, que ele roubara, revelassem os braceletes de ouro que cobriam todo o antebraço. — Você os vê? — perguntou com uma voz quase terna. O garoto tinha bebido o vinho que Owain havia preparado e mal conseguiu assentir. — Esses braceletes mostram o que sou. — Sim — o menino murmurou. Owain puxou uma adaga e inseriu a lâmina no fogo. O aço tornou-se enegrecido, mas não de fumaça. — Sabe o que vai fazer com isto. Sabe aonde deve ir. Eu o esperarei para recompensá-lo por me servir. — Owain estava ciente de que o rapaz não o entendia, mas sorriu com o intuito de expressar aprovação. — Cei, pegue o cavalo dele. Pwyll, ajude-o a montar. Vá, meu filho. Tem o poder e a necessidade de me obedecer. — Ele colocou a adaga na bainha atada ao cinto do garoto. Após escutar o cavalo partir, mandou David, outro de seus lacaios, desmontar o acampamento. — Partiremos em uma hora. Projeto Revisoras Aflitas, Seana e Gilliane adentraram o solário privativo de Micheil. — Como pôde deixá-lo partir com aquela mulher! — Seana confrontou o chefe do clã. — Por que, Jamie? — Gilliane perguntou ao novo marido. — Vai permitir que seu irmão pereça porque o pobre ficou enfeitiçado por um par de lindos olhos? Não pode enviar um grupo de homens com ele para protegê-lo? — Seana encarou Micheil, ruborizada e furiosa. — O que há com vocês? — Gilliane indagou, ao ver Jamie e Micheil sorrindo. — Eu devia me sentir ultrajado ante a afronta de vocês duas. Ainda sou o chefe deste clã — Micheil entoou, solene. — Mas como estou de bom humor, eu as perdoo. — Perdoa! — Seana exclamou, indignada. — Micheil, não é hora de pilhérias. Davey corre um sério perigo. Por que não faz nada? — Seana, amor, acalme-se. Acha que eu nada faria para proteger meu irmão do demônio em pessoa? Que vergonha, mulher, pensei que tivesse mais fé em mim. Neste exato momento — ele se adiantou, ao notar a apreensão de Seana — meus homens o seguem a distância, com a promessa de que só irão aproximar-se quando o perigo for extremo. — Oh, Micheil. — Ela o abraçou. — Sabia Projeto Revisoras que você tomaria uma atitude. — Ora, você parecia não confiar em mim — ele se queixou, observando Jamie abraçar a esposa. — Estamos muito preocupadas — Seana murmurou. — Sim — Gilliane confirmou. — Davey não quis nos ouvir. Ele parece estar cego. Vê apenas aquela mulher. Temo por sua vida. — Eu também, Micheil. — Fiz tudo que podia. Se eu exagerasse, Davey me odiaria. Ele é um homem, não mais um garoto, como nos provou hoje de manhã. Para ser sincero, Jamie e eu não teríamos a paciência de Davey após tantos anos sob nossas asas. Era hora, amor, de deixá-lo ir. — Não confio nela — Seana confessou. — Nem eu — Gilliane reforçou, aconchegando-se nos braços de Jamie. — Então confiem em Davey — Jamie disse, trocando olhares com Micheil. Tinham de acreditar que Davey sabia o que estava fazendo. Do contrário seriam obrigados a segui-lo e, por consequência, destruir o amor e o respeito que Davey nutria por eles. A discussão daquela manhã, no entanto, impedira que o afeto e a lealdade do clã fossem expressos. — Escutem as palavras de Jamie — Micheil pronunciou, com a autoridade de um líder. — Ele tem o direito de viver o próprio Projeto Revisoras destino. Todos nós confiaremos em Davey. Tinham de confiar, Davey pensou quando a noite tombou sobre o lago Shin, às sombras de Ben More. Após quase três horas de cavalgadura, ele perguntara a Meredith aonde iam. Percorreram o oeste, em direção às terras de Ross e Cromart. E, mais uma vez, ponderou acerca dos poderes da curandeira. Iriam à aldeia de Torridon e, depois, ao sul da Inglaterra. Mas Meredith omitiu que presente seria resgatado e como. Meredith sonhou. A escuridão, apesar de negra como a noite, era composta de sombras móveis. Ela tentou enxergá-las enquanto mudavam de tamanho, da mais larga à mais minúscula das sombras. Pressentiu a ameaça. Algo ou alguém a alcançava. Sentiu uma necessidade tremenda que quase a consumiu. Havia perigo ao redor, e com ele emergiu a maldade. Parecia sufocá-la. Ela correu em sonho, tropeçou e caiu só para levantar-se e correr novamente. Tinha de se libertar. A escuridão a cegava. Mal conseguia respirar. O coração batia acelerado. Estava sendo perseguida. Enquanto fugia, ousou olhar para trás apenas uma vez. Não havia forma humana ou animal, somente a sensação da presença tentando agarrá-la. Sentia cheiro de destruição e sangue. O Projeto Revisoras odor aumentava e ela gritou, porque não via luz ou um lugar seguro. Continuou a correr, sabendo que, se parasse, iria morrer. A perda de algo a dominou e quase a fez cair de joelhos. Um grito emergiu em sua garganta, permeado de dor. Então, não conseguiu evitar a sucessão de gritos pavorosos. Sentiu que alguém a segurava, por mais que se debatesse. Era assim que terminaria, sem forças para lutar, sem palavras para se salvar. — Calma, Meredith. Não precisa ter medo. Ela abriu os olhos e divisou Davey. A voz suave a confortava. — Está segura a meu lado, Meredith. Trêmula, ela aconchegou-se no peito musculoso e agarrou-se aos braços fortes. Os sentidos estavam confusos, ainda reverberavam o terror do sonho. Mas a voz gentil e o calor do abraço abrandaram o pavor. — Você me assustou quando gritou. Pensei que fôssemos vítimas de um ataque surpresa. — Davey afastou-se um pouco e fitou-a, preocupado. — Quer falar do sonho? Meredith não respondeu. Não podia. Como nomear o terror, sem forma ou rosto, que a assolara? Tentou desvencilhar-se dele, mas Davey a segurou com força. — Não tenha medo. Vou abraçá-la até parar Projeto Revisoras de tremer. — Davey acomodou-a no colo. Cobriu a ambos com seu casaco. Sabia o que era despertar de um sonho ruim, no qual as sensações não tinham nome. A noite, embebida em aromas de verão, apresentava a lua crescente e o brilho único das estrelas. Não havia brisa para farfalhar as folhas das árvores e curvar os arbustos. No entanto, o ruído sutil das águas percorrendo as pedras ecoava no silêncio noturno. O fogo tornara-se brasa. Davey pensou em reacendê-lo para aquecer Meredith. Mas não ousaria largá-la por alguns minutos. O desejo acordara junto com ele, provando que a tentativa de controlar a paixão durante o dia fora inútil. O tremor se intensificou, como se ela pressentisse o clima. Davey apressou-se em acender o fogo, tendo em mente apenas a segurança de ambos. Suspirando, Meredith pousou o rosto sobre o ombro largo. A fragrância de torga, alecrim e tomilho o atiçava. Davey observou o local onde amarrara os cavalos e não notou nada que o alarmasse. Totalmente desperto agora, sentia que algo os vigiava na escuridão. Não queria se arriscar, mesmo havendo perigo. A espada jazia a seu lado, pois a pegara tão logo escutou o primeiro grito. Não desejava incrementar o medo de Projeto Revisoras Meredith. Segurando-a com um braço, liberou o outro para que pudesse alcançar a espada sem empecilhos. No fundo, queria perseguir aquilo que lhe causava a sensação de perigo, mas temia deixar Meredith sozinha. Não sabia quanto tempo se passara antes de sentir que a tensão tinha diminuído. A respiração de Meredith tornou-se lenta e profunda. Davey desejou estar tão tranquilo quanto ela. Talvez, ponderou, fosse apenas o terror do sonho e o despertar abrupto que causavam aquele desconforto. Mas Davey tinha certeza de que existia alguém à espreita. Ou algo... Um súbito arrepio percorreu-lhe a espinha. Novamente, verificou os cavalos. Continuavam calmos. Devagar, ajeitou o casaco ao redor de Meredith, contente porque ela dormia. Esqueceria a noite de descanso para confortá-la e montar guarda. Na verdade, Meredith não dormia. O calor do corpo viril apagava o medo e aliviava a tensão. A presença sólida de Davey era um refúgio que ela, feliz, aceitava. Mantinha-se imóvel para não estimular o desejo. Precisou de muito poder a fim de controlarse quando sentiu-o reagir. Permaneceu onde estava, acreditando que a promessa de protegê-la superaria a necessidade de Projeto Revisoras investigar quem os vigiava. Contudo, não era justo sentir-se segura nos braços do homem que a ameaçava mais que qualquer sonho. Quase emitiu um gemido quando Davey beijou-lhe a testa. Continuou encostada a ele, imóvel. O beijo causou-lhe uma onde de calor. O que ele fazia? Não mais sentia que eram observados? Ou seria a paixão que o comandava? Durante o dia inteiro, o silêncio contínuo a perturbara. Queria perguntar o que lhe acontecia, mas não teve coragem. Havia uma proibição no ar a qual ela respeitava. Imaginava que a ausência dos irmãos na hora de partir contribuía para aquela postura pensativa. Meredith tinha certeza de que Micheil e Jamie tinham discutido ferozmente com Davey. Sentiu outra vez um beijo leve e quente. Lembrou-se do instante em que teve aqueles mesmos lábios nos dela, seu primeiro gosto da paixão. A lembrança trouxe as mesmas sensações estranhas. Meredith esforçou-se para manter o ritmo da respiração, como se estivesse dormindo, mas o corpo a traiu. Os seios ficaram túrgidos e ela sentiu um estranho calor. Que poder Davey possuía para excitá-la quando ordenava a seu corpo que não reagisse a ele? Danu, doce deusa, ajude-me! Porém não foi a voz da deusa que Projeto Revisoras respondeu... foi a de Davey. — Durma, Meredith — ele sussurrou. — Não deixarei que ninguém a machuque. Durma. A respiração voltou ao normal, enquanto Davey murmurava palavras carinhosas e jurava manter sua promessa. Em pensamento, ela agradeceu à deusa por atender-lhe a prece. Ele não mais a beijou, mas a guardou por toda a noite. CAPÍTULO VIII O despontar dos primeiros raios da manhã, Davey e Meredith fizeram o desjejum com queijo e pão. Ela lhe contou, então, quão pouco tempo tinham para resgatar as três dádivas remanescentes e completar a jornada a seu povo. — Estamos da época de Lughnasa, uma longa comemoração realizada na última quinzena de agosto. Celebramos a solenidade de Lugh, o carvalho do deus Bran. É o momento de lembrar a morte, de homenagear um novo rei, agradecer às mulheres e bendizer o casamento. Se o céu estiver claro hoje à noite, vou lhe mostrar as estrelas que formam Llew Llaw Gyffes. Projeto Revisoras Davey tentou, em vão, entender as palavras sacras que Meredith pronunciava. Do cume da pedra, sentada em um cobertor, ela sorriu. — Minha língua não é simples para aqueles que não a aprenderam. As palavras significam "leão com pata firme". E você verá a forma de uma ursa. Morrigan, a grande rainha que divide o totem animal de Bran, o corvo, aparece disfarçada de ursa. Temos muitas histórias de animais, Davey. Quando o verão termina e o outono passa, Samhain começa no início de novembro. Devo retornar até lá ou tudo estará perdido por mais centenas de anos. — Você nunca me explicou por que precisa reaver os quatro presentes. Esquivando-se da resposta, ela escutou os pássaros iniciarem o ritual matutino enquanto voavam de galho em galho. A estrela da manhã surgiu entre nuvens. No matagal, as criaturas da noite estariam voltando a seus esconderijos, e as do dia começariam a saracotear pela relva. — Meredith, por que não responde? Quanto poderia dizer a ele?, perguntou-se, confusa. Davey entenderia o jugo de opressão ao qual seu povo fora submetido durante séculos? E em que ele acreditaria? — Meredith — chamou-a, impaciente. — Sinais e presságios interpretados pelos sacerdotes falam do nascimento de um Projeto Revisoras príncipe que reunirá meu povo e as terras como nunca antes acontecera. Os presentes sagrados são para que ele os use. O tempo é primordial para mim. Os sacerdotes precisam purificar com um ritual cada dádiva a fim de trazer a verdadeira forma dos poderes anciãos. — O que está dizendo? Mentiu para mim e meu irmão quando mencionou esses presentes? — Se a omissão for uma mentira, menti. Mas lhe contei a verdade, Davey. Sem as orações, conhecidas somente por mim, são objetos comuns. A espada jamais chamou sua atenção antes de eu aparecer. Mas esses presentes representam muito mais. — Enfim, Meredith o fitou, permitindo que ele soubesse o que ela dizia sem palavras. — Mais? — Davey repetiu. — Muito mais... Está dizendo que a espada oferece mais que o direito à justiça ao homem que a brandir? Não havia meios de evitar aquela pergunta. Ela respirou fundo, desejando que ele esquecesse o assunto. — E o Cálice da Verdade? Você afirmou que qualquer líquido que ele contenha poderá arrancar a verdade de uma pessoa. Que outro poder um cálice possuiria? — Eu violarei a verdade confiada a mim, se revelar esses segredos a você. — Diga-me! Somente a necessidade do guerreiro a fez Projeto Revisoras obedecer o comando. — O cálice detém o poder da vida ou da morte para qualquer um que beber nele. Davey levantou-se. — Então a espada... — Torna seu possessor invencível, Davey. Não há substância que sua lâmina não possa cortar, desde a pedra ao metal mais resistente. Dizem que um método secreto foi utilizado para forjar a lâmina. Sei apenas isso. — E a harpa? Meredith encolheu-se ante o brilho magnético dos olhos e o tom de voz ríspido. — Crwth, a harpa, impele o sono, como eu disse. A morte é uma forma interminável de sono. — Que Deus nos proteja! — ele murmurou. — E o anel que protege aquele que o usar? Suponho que seja um instrumento de morte. — Só para aquele que o roubar, Davey. No momento, cada um dos presentes sagrados não possui nenhum poder. — É você quem irá despertá-los. As poucas palavras continham um tom acusatório, e, para tal constatação, ela não tinha defesas. Como defender-se da verdade? — O que mais escondeu de mim? Há outro objetivo além de devolver tais objetos a seu povo? — Davey não conseguia reprimir a Projeto Revisoras raiva. A reticência de Meredith o incomodava sobremaneira. Antes de responder, ela permaneceu em silêncio por alguns instantes. — Em meu povo, as mulheres têm total liberdade para fazerem o que quiserem. Não somos escravas dos homens. Tomamos o destino com as próprias mãos e escolhemos ou não um marido. Mas o homem deve aceitar nossas condições. Honramos nossos talentos e dons, ao contrário dos ingleses e normandos, que amaldiçoam mulheres como eu e as tacham de bruxas. Somos mais aceitas na Escócia, principalmente nas Terras Altas, onde nosso povo se assentou. Mas, a despeito da independência, há aqueles entre nós que nasceram destinados a antigas leis e votos sagrados. — Você é uma dessas pessoas. Mas evita minhas perguntas com muita prática... — Estou tentando responder com a verdade, Davey! — Sim, a verdade colorida por sua necessidade de manter segredos. Minha palavra é honra. Eu me ofereci livremente. Ou não? — Não fiz nada para me apossar de sua vontade. Foi, ainda é e continuará sendo sua. — Nesse caso, responda a uma simples pergunta, Meredith. O que é esperado após Projeto Revisoras seu retorno? Pense bem antes de falar, porque lembro-me da promessa que me fez. — Não fui informada sobre o papel que irei desempenhar. Chega de perguntas, Davey. Não posso revelar mais nada. Ela estava mentindo. Davey tinha certeza disso. Seu talento ofuscava o dele. Podia induzi-la com o novo dom, e ainda assim Meredith se protegeria. Por fim, assentiu quando ela o encarou. Estava certo de que a convencera de que não mais faria perguntas. No entanto, Davey não havia terminado. Postou-se diante da pedra em que ela sentava-se e admirou o despertar da mata. — Ontem à noite — começou — pressenti que um perigo nos rondava. — Eu também. — Porém, nada aconteceu. Os cavalos permaneceram calmos, como se estivessem nos estábulos de Halberry. Gostaria de ter obtido o mesmo sossego. — O que quer saber? — Meredith perguntou, nervosa. — Antes de adormecer, você caminhou ao redor do acampamento. O que fazia? Ela se concentrou nos farelos de pão sobre seu colo. O canto dos pássaros, de repente, cessou enquanto ponderava acerca de quanto deveria explicar a ele. — Meredith, não me deixe na ignorância. Exijo saber por que sou tão necessário. Projeto Revisoras — Tenho o poder de me manter em segurança porque viajo sozinha. Não lhe contei tudo sobre Owain. Ele... — Meredith fitou o lago à frente. — Davey, se valoriza minha sabedoria, não podemos ficar aqui. Chega de perguntas, por favor. E apressese. Teremos de cavalgar longas distâncias hoje e amanhã, ou perderei a chance de recuperar o cálice. A vontade de prosseguir com as perguntas que o perseguiram a noite toda era urgente. Ele precisava esclarecer suas dúvidas. Mas Meredith já empacotava os pertences, como se Davey tivesse acatado sua decisão. Tinha certeza, dados os movimentos rápidos, de que partiria sem ele. Sob seu comando. O pensamento que tivera no dia anterior ressurgiu enquanto amarrava o alforje na sela. Notou o objeto longo que ela prendia à sela, e teria perguntado do que se tratava, mas Meredith já encontrava-se montada na égua. — Rápido, Davey. Continuar aqui é perigoso. Juro que Owain está próximo. Ele não pode roubar a espada. Segundos depois, Davey montou no garanhão, e mais uma dúvida surgiu-lhe à mente. Owain realmente estava próximo ou era uma maneira conveniente de finalizar aquela conversa? Meredith saiu a galope. Cavalgava muito bem e segurava as rédeas com firmeza. Projeto Revisoras Davey a acompanhava, observando os arredores à procura de sinais. Ocorreu-lhe que ela conhecia aquela região, pois sempre havia água quando paravam para descansar, enveredavam por caminhos distantes de moradias ou trilhas quando a floresta de carvalhos era densa e bloqueava o trajeto. Ao pararem pela segunda vez, ele lembroua de que precisavam rumar para oeste a fim de evitar as cascatas do lago Shin e, mais ao sul, o rio Oykel. Foi a partir desse local que Davey cavalgou com uma flecha cravada em suas costas. Toda a vez que olhava para trás, não via sinais de que alguém os seguia. Aquelas terras que atravessavam pertenciam ao Clã Sutherland, às vezes inimigo de seu clã, mas nunca amigo quando havia trégua. Meredith diminuiu o passo. Davey ficou em silêncio enquanto ela observava a travessia. O lindo perfil o perturbava. Precisava manter-se atento a qualquer sinal de perigo. Mas o sol oferecia um brilho encantador ao rosto delicado. — O que sente, Davey? — Sinto uma flecha envenenada em minhas costas — ele respondeu, sincero. — Os Sutherland não gostam de estranhos em suas terras, embora Hugh de Moray tenha recebido esta região há pouco tempo do rei. O território pertencia aos nórdicos. Projeto Revisoras Davey olhou a floresta, onde algumas clareiras recebiam a luz do sol. Tudo parecia calmo, no entanto, o pressentimento persistia. — Por que perdemos tempo aqui? Você foi rápida o bastante para silenciar minhas perguntas com a urgência de prosseguirmos a jornada. — Quero saber quem está atrás de nós, Davey. Mas não creio que seja esse o motivo que o deixa incomodado. Ela sempre o desorientava, e Davey suspeitava de que Meredith o fazia de propósito. Continuaram a cavalgar em silêncio. — Ouvi boatos de que Robert, o conde do Clã Sutherland, iria se casar com a filha de Wolf de Badenoch. — Você ouve rumores a que poucos têm acesso — ele comentou. — Uma boa união, se a filha possuir metade da ferocidade do pai. E se ela for tão conceituada quanto o noivo, será o inferno. A mulher o obrigará a construir outro Dunrobin com seu nome. — Com seu nome? — Sim, Robert construiu Dunrobin, que significa o Castelo de Robin. — Ah, Dunrobin. — Parece conhecer o castelo. Havia desconfiança nos olhos de Davey. — Sei onde ele o construiu. O local é próximo à região dos Pict. Eu lhe disse que Projeto Revisoras meu povo se estabeleceu aqui muito antes do seu e dos nórdicos. Existe uma torre de pedra perto de Dunrobin. E, Davey, não tema os Su-therland. A avó do conde era Cymry. Somos observados, mas podemos atravessar as terras sem medo. Tenho certeza de que aqueles que nos seguem não querem nos ferir. Owain sempre deixa rastros de crueldade onde passa. Quanto à sensação de ter uma flecha nas costas, suponho que ela venha de meu arco. — Meredith indicou o objeto longo e estreito atado à sela. — Um arco galês? Ouvi dizer que os galeses são ótimos arqueiros. Os ingleses os usam contra nós em batalhas. Mas por que você possui essa arma? Pensei que não tivesse a permissão de matar. — E não tenho. Pare de tentar descobrir minhas mentiras, Davey. Carrego o arco para alertar aqueles que cruzam meu caminho. Meredith esporeou a égua antes que ele pudesse fazer mais perguntas. Davey disparou atrás dela com o objetivo de tomar a liderança. Porém, quando os passos longos de Ciotach a alcançaram, Meredith ria do prazer de galopar, e inclinou-se sobre o pescoço do animal, pedindo-lhe que corresse. Espantado com a súbita mudança de humor, Davey deixou-a ir. Se ela houvesse Projeto Revisoras dito a verdade e seu povo os observava... Mais uma dúvida somava-se às que ele ja tinha: Nada lhe restava a fazer a não ser galopar atrás dela. A trilha enveredou a uma clareira. Davey avistou um galo silvestre entre as folhagens e imaginou o delicioso assado que o animal daria. Talvez uma meia-dúzia deles seria o suficiente para satisfazê-lo. Mas ao notar que Meredith havia desaparecido, ele adentrou a floresta. Ficou surpreso quando encontrou uma rota no meio do matagal. De repente, avistou Meredith parada logo à frente e correu para alcançá-la. As palavras de recriminação morreram em seus lábios quando sentiu o odor ofensivo. Ciotach sacudiu a cabeça e relinchou, incitando a égua de Meredith. O garanhão ameaçou disparar, mas Davey segurou as rédeas com força até acalmá-lo. Nos imensos carvalhos do limite da floresta, restos de quatro corpos pendiam nos galhos. O cheiro de decomposição impregnava o ar e sufocava. — Meredith, saia daí. — Por que, Davey, por quê? Como um homem pôde fazer isso? — Eram criminosos. A forca foi a punição pelos crimes que cometeram. Ela então virou-se para fitá-lo, com os olhos repletos de lágrimas. — Ninguém merece morrer assim — Projeto Revisoras sussurrou. — Há aqueles que discordariam de você, mas não eu. É melhor morrer rápido e de forma limpa. Vamos embora. Só nos resta rezar por suas almas. Ela baixou o rosto e não protestou quando Davey puxou as rédeas da égua. Manteve o trote dos cavalos e, respeitando o silêncio reflexivo de Meredith, não fez perguntas. Uma hora depois, o caminho abriu-se em uma colina e, quando Davey atingiu o topo, avistou um pequeno vilarejo. Parou os animais e encarou Meredith. — Quer hospedar-se em uma estalagem ou prefere acampar por aqui? — Ele voltou a fitar os telhados das casas. — Prefiro dormir sobre um leito esta noite. — Davey evitara tocar em Meredith o dia todo, mas soltou as rédeas da égua e segurou-lhe a mão. — Você está gelada. Venha, milady, enfim encontraremos comida quente. — Davey, não devemos descer até o vilarejo. — Ela tentou organizar as sensações. — Não lhe contei tudo sobre Owain. Ele faria qualquer coisa para se apossar... — Sim, sei quão longe ele pode ir. Se não tem certeza de que ele está no vilarejo, nós iremos. Meredith calou-se e, mais uma vez, permitiu que ele assumisse a liderança. As sensações ainda a perturbavam. Não Projeto Revisoras queria encarar o fato de que Davey despertava-lhe o desejo. Tivera tanta convicção de sua meta, mas as dúvidas dele a deixavam incerta quanto ao que o destino lhe reservava após recuperar os presentes sagrados. Se conseguisse impedir a maldade de Owain e sobreviver... Admitiu a si mesma que fora falsa com Davey ao ocultar a verdade sobre o que o esperava. A princípio, pareceu-lhe a melhor opção, mas agora a incerteza a assombrava. Um vento fresco soprou da costa oeste, trazendo o odor de peixe e mar. Meredith não prestava atenção ao caminho que percorriam. Perdida em pensamentos, não atinava para o campo verdejante e as ovelhas. Onde estavam os encantos e os feitiços que a protegeriam de um homem como Davey? Com sua honra, gentileza e força, ele enfraquecia a promessa da mantê-la intacta. O desejo de almejar um futuro com ele a fazia esmorecer. Chamou os deuses, tentou readquirir força espiritual e jurou eliminar pensamentos pessoais de sua mente. A aparição inesperada de um jovem sob a sombra de um carvalho a despertou. O cavalo que ele montava parecia depauperado. As roupas do menino não se assemelhavam às de um camponês, exceto Projeto Revisoras pela sujeira e alguns rasgos. Enquanto Meredith estudava o semblante juvenil, próximo à beleza angelical, achou esquisito ver os lábios do garoto mexeremse sem produzir som. Havia algo estranho nos delicados traços, nos cabelos dourados e nos olhos azuis. Aproximou-se de Davey para alertá-lo. Ele escolheu aquele momento para descer a colina quando o menino chegou mais perto. Meredith gritou, mas Davey não a escutou. Owain! Ele tinha enviado o garoto. Meredith não teve chance de parar a adaga que surgira da mão do menino de aparência inocente. Ela então jogou a égua sobre Ciotach, tirando cavaleiro e cavalo da mira da adaga. A lâmina negra não atingiu o coração de Davey, mas penetrou no ombro de Meredith. Davey gritou quando, atônito ante o poder da arma, ela tombou no chão. CAPITULO IX Davey puxou a espada, pronto para derrubar o garoto, que havia desmaiado no chão Projeto Revisoras após lançar a adaga. Não sabia se o rapaz estava morto, e pouco importava-se. Era a visão de Meredith caída na relva que o comandava. Tinha falhado ao protegê-la! Atento à floresta, Davey apeou temendo outro ataque antes que pudesse garantir a segurança de Meredith. Mandou Ciotach vigiá-los e ajoelhou-se ao lado dela. Quando fez menção de pegar a adaga, um objeto hediondo cravado no ombro delicado, ela pediu-lhe que não tocasse a arma com as mãos nuas. — Enrole meu casaco em sua mão e puxe-a — ela murmurou, fraca. — Deixe-me carregá-la... — Não há tempo. Está enfeitiçada, Davey. Rápido. Aflito, ele enrolou o casaco na mão. A respiração de Meredith falhava, mas estava viva. Trêmulo, segurou a adaga negra. Não era o momento para gentilezas, no entanto, sofreu ao puxar a lâmina em um só gesto. O sangue escorria, encharcando a roupa. Davey imaginou que o melhor seria deixar a sangria limpar a ferida. Não podia tratála naquele local sujo. Precisava encontrar um lugar seguro. Nem sequer considerou ir ao vilarejo. Só Deus sabia o que os aguardava na aldeia. Tomou Meredith nos braços e acomodou-a sobre Ciotach. Mal reparou no garoto Projeto Revisoras deitado no solo. Como Davey conseguiu controlar a ira assassina estava além de sua compreensão. — Não o abandone — Meredith sussurrou. Davey levantou a espada, disposto a acabar com a vida do rapaz, se ela assim o desejasse. — Leve-o. Ele é um joguete, e nada mais. Davey fitou as mãos de Meredith que agarravam a crina de Ciotach, e, em seguida, mirou a ponta da espada no peito do jovem. Iria obedecê-la, decidiu embainhando a espada. Colocou o garoto sobre a égua, amarrou as rédeas do cavalo depauperado à sela e montou atrás de Meredith. Voltou pelo mesmo trajeto que haviam percorrido, na esperança de encontrar um local seguro. Adentrou a floresta, atento a qualquer som que indicasse algum perseguidor. Deixou que Ciotach liderasse, sabendo que o animal acharia água mais rápido que ele. O cavalo não o decepcionou; em menos de uma hora, Ciotach guiou-os a uma pequena cachoeira que caía entre pedras, formando uma piscina natural. À beira, Davey avistou um enorme carvalho que seria perfeito para um refugio seguro. Apressou-se em deitar Meredith sobre o cobertor que esticara ao pé da árvore. Depois de acender o fogo, verificou o Projeto Revisoras menino. Ele continuava desmaiado. Amarrou-o para que ele não fugisse, caso acordasse. Meredith implorou pela sacola e, quando Davey a entregou, pediu-lhe que esquentasse água na pequena chaleira de metal. — Tenho algumas ervas para preparar um chá contra a febre — ela explicou. Conforme movia-se para procurar as ervas, sentia cada vez mais dor. — Meredith, a ferida ainda está sangrando. Vou lavá-la e... Davey calou-se ao ver a expressão de pavor de Meredith. Rezou para que ela não percebesse seu desespero ante a possibilidade de cauterizar o ferimento. Quanto mais retardasse o curativo, mais sangue ela perderia e mais fraca se tornaria. A chance de haver febre era alta, no entanto o que o apavorava ainda mais era o feitiço da adaga. — Faça o que tem de fazer — ela ordenou. Com movimentos lentos, separou o unguento e tentou tirar o casaco. Impaciente, Davey assumiu a tarefa rapidamente. Com uma das mãos, ele a segurou pela nuca, e com a outra ajudou-a a deitar-se. — A adaga... — Joguei fora. Poupe energia e deixe-me tratá-la. Ele não ousou fazer uma fogueira Projeto Revisoras alta, pois não queria alertar os habitantes daquela terra desconhecida. A água na chaleira, cada vez que a verificava, permanecia fria. Davey aproximou os cavalos e amarrou-os nas redondezas. Seriam suas sentinelas. Então cobriu Meredith com outro cobertor. Amaldiçoou a teimosia de recusar-se a trazer ao menos um homem com eles. Alguém que poderia ir àquele vilarejo procurar um curandeiro ou alimento quente para Meredith. Novamente verificou o garoto que ainda permanecia inerte. Se a adaga estava enfeitiçada, o pobre menino também devia estar. Davey nada sentira quando o rapaz se aproximara. Isso lhe ensinaria a não ser tão presunçoso em relação ao novo dom que recebera. Intrigava-o a facilidade com que o garoto deixou-se enfeitiçar. Que tipo de homem era Owain ap Madog? Davey não se acovardava, mas se o bruxo utilizava outras armas além do aço... Tinha de eliminar tais pensamentos. Meredith precisava dele. Enfim, a água tornou-se morna. Davey pegou a sacola e achou um pano limpo e outro vestido de lã, tão simples quanto aquele que o usava. Buscou uma de suas camisas para cortá-la em tiras. — Ferva logo! — esbravejou com a água, Projeto Revisoras embora fosse inútil. Sentia-se impotente. Separou um punhado de ervas em uma caneca, e guardou o resto onde facilmente poderia encontrá-lo se necessário. Meredith continuava quieta. Ele observou a chaleira e o céu entre fartas copas das árvores. Havia poucas nuvens. O som ritmado da cachoeira o irritava. Agora sem nenhuma paciência, Davey ajoelhou-se diante do fogo e molhou a roupa na água morna. Enquanto ele limpava o ferimento, Meredith mante-ve-se calada. Davey precisou abaixar o decote do vestido para enxergar o ferimento. A luz da tarde começava a fenecer e uma brisa fria soprava na floresta. Devia despi-la para assim tratar melhor da ferida, mas não queria que ela se resfriasse. Ou morresse, pensou consigo ao ver o corte profundo na pele alva. Deus misericordioso! Teria de cauterizar o ferimento, mas odiaria deixar uma cicatriz no corpo de Meredith. Ela gemeu quando Davey a ajudou a tomar o chá. Segurou-lhe a cabeça até vê-la terminar o conteúdo da caneca. E a sangria não parava. — Davey... está ruim? — Está. Não vou mentir para você. O sangramento não pára. Não conheço a arte da cura. Sei apenas lidar com isso como um Projeto Revisoras guerreiro. — Ele acariciou os cabelos negros. — Caso haja alguma poção mágica em sua sacola, é melhor me dizer agora. Espere... Se a adaga estava enfeitiçada, pode conter um veneno também? — Ela foi destinada a você. — Eu sei. — Não subestime Owain. Ele voltará. Davey olhou o tecido que cobria o corte. Estava encharcado de sangue. Tinha de se apressar, antes que perdesse a coragem. — E o menino? — Ainda respira. Por que você quis trazê-lo está além de minha compreensão. — Owain irá matá-lo por ter falhado. — Tal qual o anel falhara ao protegê-la da bruxaria de outro druida. Davey ficou tenso ao perceber quão fraca ela estava. Não podia mais adiar. — O sangue já deve ter limpado a ferida. Após acomodá-la, ele retornou ao fogo. Pegou sua faca e posicionou a lâmina sobre as chamas. Tirou o cinturão e ofereceu a extremidade de couro a ela. — Morda isto. Se seus gritos chamarem a atenção de intrusos, estaremos perdidos. Consegue fazê-lo, Mere-dith? Ou prefere que a amordace? Os olhos cinzentos o encararam. Davey não escondia a angústia diante do ato que estava prestes a realizar. — O couro — ela escolheu, fechando os Projeto Revisoras olhos. Com o pano limpo, Davey retirou a faca do fogo. As mãos tremiam. Sentia-se fraco, furioso e sem nenhuma coragem. Os lindos lábios mordiam o couro à espera do pior. — Não se mexa, Meredith. Em dezenas de batalhas, Davey vira sangue e ferimentos, mas nada se comparava àquele corte em um ombro tão frágil. Não pense. Não sinta. Faça. Abaixou a cabeça e orou por perdão. Beijou a pele acima do ferimento, onde o estranho arabesco azul estava impresso. Respirou fundo, pressionou a lâmina quente sobre o corte e cauterizou-o. Meredith abriu os olhos. Havia dor no brilho cinzento. Contudo, somente um leve gemido escapou-lhe dos lábios. Ela estremeceu. Ignorando-a, Davey passou unguento sobre a ferida e colocou o pano dobrado sobre o creme. Então beijou a única lágrima que molhava o belo rosto. — Chore, se quiser. Depois da valentia que demonstrou, não é vergonha chorar. Ao pegar o cinturão, ele viu as marcas dos dentes cravadas no couro. O som de um murmúrio o fez virar-se. O menino moveuse e murmurou outra vez. Davey levantou-se com a espada em punho. Não deixaria a idade ou a aparência angelical do garoto compadecê-lo. Parou Projeto Revisoras diante do prisioneiro e notou que os olhos estavam abertos mas opacos. — Pode me ouvir? — Davey empurrou a perna fina com o pé. Como não obtivesse resposta, ele se afastou. O garoto gritou por socorro. — Socorro? — Davey bradou. — Devia agradecer à dama por lhe ter salvo a vida. Ante a expressão pálida do garoto, Davey praguejou. Ao descobrir que estava amarrado, o rapaz nem sequer esperneou, somente ficou paralisado e suspirou. Uma reação inocente, ele pensou, voltando a Meredith. Tentou deixá-la confortável, depois encheu a chaleira e acrescentou alguns alimentos para preparar uma sopa. Recolheu lenha a fim de manter o fogo aceso e cuidou dos cavalos. Quando a viu descansando, pegou a espada e fez uma ronda entre as árvores, circundando o acampamento. Acima deles, o penhasco se expandia como uma trama incompleta, com Ben Dearg no centro. Davey prosseguiu, na esperança de comprovar que estavam sozinhos. Recolheu punhados de grama verde e só voltou ao acampamento com os braços cheios de mato. Meredith dormia a sono solto. Davey improvisou uma cama de grama e deitou-a sobre o leito. O carvalho maciço a protegia de um lado, e a fogueira, que ele acendeu Projeto Revisoras também. A sopa borbulhava na chaleira. Ele despejou um pouco na caneca e esperou que o alimento esfriasse antes de acordá-la. Mas ainda havia o problema do garoto. Não podia deixá-lo amarrado e, se o libertasse, correriam o risco de sofrer outro atentado. Após alguns minutos de reflexão, Davey encontrou a resposta. Carregou o menino até o fogo, encheu uma caneca com sopa e acrescentou um pedaço de pão. O garoto o fitava com o olhar perdido, enquanto Davey desamarrava a corda que lhe prendia os braços. — Há comida aqui, se estiver com fome. Mas não vou servi-lo. Existia sofrimento no semblante do menino quando este tentou esticar os braços. Tentou erguer a mão, mas estava fraco demais ou a corda prejudicava sua mobilidade. A piedade impeliu Davey, embora ele a abominasse. Ajoelhou-se ao lado do garoto e massageou os membros finos, enquanto o jovem gemia de dor. — Não me culpe por seu estado. Você tentou me matar e não vou esquecer. Coma. Eu o soltarei para esticar as pernas, mas passará a noite amarrado como um prisioneiro. De tão entretido em preencher a boca de comida, o menino nem sequer escutou o discurso. Bastou Davey olhar para Meredith e a piedade foi substituaída pela Projeto Revisoras raiva. Devia ter matado o jovem. Ao menos seria uma morte justa. Man-tê-lo com eles atrairia Owain muito mais rapidamente. Mas como Owain saberia que o menino cumpriu seu intento? Davey aproximou-se, pois sem sua ajuda o rapazola não conseguiria tomar a sopa. Esperou que ele esvaziasse a caneca e perguntou-lhe se queria mais, antes de iniciar o interrogatório. — Aonde você pretendia ir após me matar? Owain o aguarda para saber se teve sucesso, certo? — Davey esperou, mas obteve apenas aquele olhar perdido. — Owain está próximo de nós? — Davey. — Meredith acordou com o tom ríspido da voz. — Ele não sabe de nada. Não foi informado. — Meredith, tenho de nos proteger. Ele tem a informação de que necessito. Descanse e deixe-me cuidar disso. Davey levantou-se e jogou o garoto sobre o ombro, como um saco de batatas. Afastouse o suficiente do carvalho para que ela não o escutasse. Não sentiu a presença de ninguém, tal qual ocorrera na noite anterior, mas não mais confiava em seu novo dom de pressentir o perigo. Sem cessar, ele fez as mesmas perguntas ao garoto. — Foi Tylwyth Teg que me pegou. — Nada de galês — Davey ordenou, aliviado Projeto Revisoras pelo menino ter falado enfim. — As Trevas, Davey. Ele se virou e divisou Meredith em pé, apoiada no tronco do carvalho. Fitou-o sem piscar. — Mulher teimosa. Quer desmaiar ou prefere reabrir a ferida? — Traga-o até mim — ela ordenou. — Vai acocá-lo agora? — Davey, tenha compaixão. Sei o que aconteceu a ele. Owain tentou o mesmo comigo. — Com você? — ele repetiu, perplexo. — Tentou persuadi-la a matar alguém? — Não. A roubar o que ele desejava. Era tolice sentir ciúme de um homem que ele nem sequer conhecia, mas já o considerava inimigo. Só conseguia pensar em Meredith tornando-se escrava de... Owain ap Madog. E o que mais ele exigira dela? Davey interrompeu os devaneios quando Meredith pediu-lhe de novo que lhe trouxesse o menino. — Vou fazer outra ronda — avisou, largando o garoto aos pés dela. — Grite, se ele tentar algo. — Espere. Traga minha sacola. Ainda há água quente? — Sim. Embora ressentido, Davey entregou-lhe a sacola. Mais uma vez, perguntou-se por que Meredith precisava dele. Mal podia conter a Projeto Revisoras surpresa de vê-la em pé e falando, dado o grave ferimento do ombro. Então lembrouse de que se tratava de uma curandeira. Ainda assim, até agora ela o usava somente para carregar seus pertences. Davey se afastou sem mais palavras. Meredith estimulava sentimentos que não lhe agradavam. Mas, tão logo iniciou sua caminhada de vigília, esqueceu-se dela e concentrou-se nos ruídos da floresta. O som das criaturas entre as folhagens o apaziguou; elas silenciavam ante a presença humana. A menos que Owain tivesse o poder de criar realidades. Ele não mais escutava o murmúrio de Meredith ou do garoto respondendo-lhe perguntas. Até o barulho da água caindo sobre as pedras havia cessado. Observava cada passo e detinha-se de quando em quando para ouvir. De súbito, bocejou, sentindo o cansaço premente. Não podia passar outra noite sem dormir. Ao constatar a segurança do acampamento, ele retornou. — Tudo parece calmo — disse, notando que o garoto já dormia. Sob as chamas da fogueira, pôde perceber que o rosto de Meredith contorcia-se de dor. — Vou fazer mais chá. Você irá repousar? — Davey, preciso lhe contar sobre Owain. Ele usou o menino. E usará outros. Owain não absorveu os ensinamento que ambos Projeto Revisoras recebemos. Ela o atraía como a estrela guia. A luz do fogo brincava com os traços delicados, mostrando os lindos olhos, a doce curva das faces e o brilho reluzente dos cabelos. Davey começava a dar vazão ao desejo que aquela proximidade causava. Sentou-se ao lado dela e segurou-lhe a mão enquanto Meredith bebia o chá. — Você me parece perturbada. — E estou. Andei pensando nos dias em que passei com Owain, aprendendo o que os velhos sacerdotes nos ensinavam. Ele os persuadiu a ensinar mais que o necessário. Foi quando Owain começou a praticar feitiçarias em mini. Havia um livro a que somente os druidas sábios tinham acesso. Owain o queria e tentou me obrigar a roubá-lo. Já existia o mal dentro dele naquela época, embora tivesse apenas dezesseis invernos. Meredith fitou o garoto que dormia profundamente. — Eu devia ter a idade deste menino e, no final, falhei porque fui pega. Não pude mentir. Todos sabiam que Owain almejava o livro. Após tantos cuidados para proteger o volume, Owain acabou roubando-o. As últimas palavras foram ditas quase como um sussurro. Davey reparou no rosto pálido e ajudou-a a deitar-se. — Precisa estar sempre atento, Davey — ela Projeto Revisoras o advertiu. — Coloquei um snaidm druad a nosso redor. Mas não vá à floresta antes de eu acordar. E durma esta noite, Davey. Durma. — Esses dizeres em galês o que significam? — São um nó de druida para proteção. — Meredith fechou os olhos, exausta. Era tarde quando Davey, enfim, conseguiu conciliar o sono. A história de Meredith ainda reverberava em sua mente. Owain havia roubado o livro dos sacerdotes. Mas o que ele roubara de Meredith? CAPÍTULO X Na tarde do dia seguinte, o poder curativo do unguento e dos chás de Meredith devolveu a ela as forças. Davey lutou contra a urgente necessidade de sair daquele lugar, mas escondeu a impaciência. Ela ainda precisava de mais horas de repouso antes de voltarem a cavalgar. Ficou sabendo que o garoto chamava-se Dai, sua mãe era galesa e o pai ele jamais conhecera. Os olhos haviam perdido o tom opaco devido a algum preparado que Meredith lhe dera. No entanto, o que Davey não conseguiu Projeto Revisoras descobrir era qual seria a missão de Dai após matá-lo. Por mais que o questionasse, o garoto sempre contava a mesma história: Owain o encontraria e lhe daria uma recompensa. — Sim — Meredith disse a Davey quando sozinhos. — A recompensa seria uma faca em seu coração. É assim que Owain elimina rastros. Aquela era uma boa oportunidade para perguntar-lhe o que mais Owain havia roubado além do tal livro, mas Davey não podia verbalizar suas suspeitas. Tentou distrair-se. — Meredith, amanhã prosseguiremos a jornada. Não quero levar Dai conosco. Não confio nele. — Davey ergueu as mãos. — Nem pense em discutir. Se quer que eu a proteja, deixe-me fazê-lo. — Owain matará Dai quando o encontrar. — Darei ao garoto a chance de se libertar. O que fará depois é problema dele. Dito isso, Davey se afastou para evitar argumentos e resistir à compaixão de Meredith. Não confiava mesmo no menino. O olhar, agora límpido, de Dai observava Meredith com total adoração. E não era o ciúme que preponderava, tampouco o dom da percepção que recebera. Davey confiava em seus instintos de guerreiro e estes clamavam para que desconfiasse de Dai. Explicar tal decisão Projeto Revisoras seria perda de tempo e energia, embora sentisse que precisava. Mas Meredith o encarregara de protegê-la, e Davey o faria mesmo contra a vontade dela. Pensativa, Meredith observou-o afastar-se. Considerou usar um feitiço para obrigá-lo a mudar de ideia, mas sabia que nada poderia derrubar a vontade implacável de Davey. Mesmo que garantisse a inocência de Dai, Davey não iria ceder. Ele se manteve a distância, cuidando dos cavalos, afiando a espada em uma pedra que guardava na bagagem da sela. Meredith continuou a observá-lo até que o sol se pôs atrás das rochas. Não lhe contara tudo a respeito de Owain. Contudo, caso o fizesse, estaria violando seu juramento. Sentiu-se agonizar quando Davey preparou o que lhes restava de suprimentos. Comeu sem saborear a refeição, tentando encará-lo, mas ele a evitava. Davey acatara a ideia de soltar Dai, mas não o queria dormindo tão próximo a eles. Meredith sabia que o garoto a fitava com explícita adoração e isso parecia irritar Davey. Quando o fogo transformou-se em brasa, ela caminhou até onde Davey estava. — Você devia estar dormindo — ele comentou. — Tenho de conversar com você. Confesso Projeto Revisoras que não queria, mas sua decisão me força a fazê-lo. A luz prateada da lua a iluminava, tornando-a ainda mais misteriosa. Meredith usava o capuz que lhe ocultava as lindas feições. — Davey, já conheceu alguém tão diabólico que é capaz de matar e cometer atos devassos só para preservar a própria vida? — Já vi o diabo em vários disfarces. — Mas nunca conheceu Owain. Ele se recusa a aceitar a mortalidade. Pratica magia negra para obter a vida eterna. — Se pretende me deixar com medo do homem, admito que conseguiu, Meredith. Uma coisa é lutar contra um oponente de grande força física e habilidades, outra é combater alguém que utiliza feitiços e magia. — Vejo que é tão sábio quanto eu imaginava. Nunca abaixe sua guarda, Davey. Mas tenho... — Se vai insistir em levar Dai conosco, desista. Não me deixarei persuadir por nada. — Mas tem de me ouvir. — Meredith o segurou pelo ombro quando ele fez menção de levantar. — Há muitos que nos acusam de realizar sacrifícios humanos. Os druidas que sigo não são cruéis. Mas Owain... Preciso quebrar um juramento para lhe dizer em que ele acredita. Owain assassina Projeto Revisoras inocentes porque crê que as mortes o tornarão imortal. Contudo, ele acrescenta requintes de crueldade. Ela segurou-lhe o rosto. — Juro que é verdade. O livro que ele roubou... — Há mais que isso — Davey a interrompeu, desconfiado. — Você sabe muito bem o que ele é capaz de fazer porque já testemunhou. A vergonha desmedida a obrigou a virar o rosto. Porém Davey merecia saber. Encarou-o, sem admitir ou negar nada. Trémula devido à confusão de emoções, Meredith o abraçou, absorvendo o calor e a força do guerreiro. — Não quero vê-la sofrer com as lembranças, Meredith. Se pudesse, eu as apagaria de sua mente. Meredith descansou a cabeça sobre o ombro largo e mirou a água da piscina natural. A superfície tornou-se límpida e o que ela divisou ali a fez chorar. Davey postou-se diante dela, bloqueando qualquer perigo. Mas tudo continuava sereno. — O que você viu? — Homens morrendo atrás de nós. São os mesmos cavaleiros que pressenti — Meredith respondeu, apavorada. — Abraceme, Davey, por favor. Ele sabe onde estamos. — Sim, ele tem de saber. Do contrário, por Projeto Revisoras que Dai estaria esperando? Owain está em algum lugar a nossa frente. Davey apertou-a entre os braços. O capuz tombou, revelando o rosto atraente. O desejo irrompeu como uma tempestade no mar. Mal conseguia controlá-lo. Acariciou os lábios convidativos com os dele. Atiçou-a por alguns instantes, adorando o beijo que ela lhe oferecia. Os lábios se tocaram novamente, e a doce fragrância de ervas o envolveu. Davey queria estar com o coração puro tal qual ela desejava. O calor e a maciez da boca usurpavam seu autocontrole. Traçou a curva dos lábios com a língua, e foi recompensado com um suspiro. Na ponta dos pés, Meredith colou-se ao corpo viril. A profunda percepção do desejo a estimulava. A respiração de ambos tornou-se uma, transformando a vida em um momento único. Não conseguia absorver as sensações que a dominavam por completo. Dos lábios aos lugares em que as mãos hábeis acariciavam, a paixão crescia, fervorosa e urgente. Quando Meredith moveu-se na tentativa de abrandar a crescente necessidade, Davey quase entregou-se de tão grande que era o desejo de possuí-la. Aqueles lábios carnudos pareciam ainda mais potentes. O abandono inocente infligia destruição a sua consciência. Mas Projeto Revisoras os suspiros de prazer incitavam uma selvageria capaz de vencer a força de vontade. O sangue fervia enquanto ele afagava os quadris, pressionando-os contra si. A barreira das roupas o frustrava. Precisava afastar-se dela. Tinha bastante experiência para saber quando parar. A honra digladiava-se com a urgência de satisfazer o desejo de ambos. Davey beijou-lhe a testa, os olhos e as faces na esperança de suprimir o fervor em seu sangue. Meredith sussurrou o nome dele e beijou-o, perdendo-se na paixão. Com as mãos Davey a guiou em uma dança de corpos para que pudesse deslizar a coxa musculosa entre as dela. Por um instante, permaneceu inerte, esperando que ela o empurrasse ou empreendesse algum movimento para afastá-lo. Mas Meredith continuava a mover-se entre suspiros e gemidos suaves. Ele a apertou contra si. Em cada movimento, Meredith roçava o próprio corpo no dele, instigando o desejo. A princípio, Davey a achara inocente, porém a sutileza dos beijos e carícias demonstravam conhecimento. Como se pressentisse o pensamento de Davey, ela mordiscou-lhe o lábio e liberou a fome que ele tanto reprimia. Meredith não mais pensava em certo ou errado. O despertar do poder feminino Projeto Revisoras submetia-lhe o corpo e a mente. Davey a acariciava, beijava-a e excitava os sentidos com a prática de um homem acostumado a dar prazer. Estava tão entretida na paixão que, ao levantar o braço machucado, sentiu uma dor aguda no ombro e gritou. A dor não diminuiu quando Davey interrompeu o beijo. No mesmo instante, Meredith sentiu a perda de tão profunda e lenta intimidade entre um homem e uma mulher. Aconchegou-se nos braços de Davey, enquanto ele gentilmente a confortava. Murmurava palavras sem sentido só para acalentá-la. O que a possuíra? Todos os protestos e a promessa de que nunca seriam amantes dissiparamse no momento em que o beijou. O corpo másculo estava tenso e quente, mas Davey escondia os pensamentos e nada dizia, somente a abraçava até que o coração dos dois recobrasse o ritmo normal. O medo a impelira. Meredith não podia mentir a si mesma. Owain. O nome já era o suficiente para fazê-la tremer. Durante muito tempo, ela ocultara aquele temor. Davey teria entendido o que lhe fora dito? Ousaria ela repetir? Ele continuava em silêncio e a mantinha entre os braços com a suavidade necessária para Meredith soltar-se quando quisesse. Mas não desejava abandonar aquele Projeto Revisoras paraíso. Caíra em uma armadilha. Havia paixão. Negar que se sentia atraída por Davey como uma flor pelo sol era o mesmo que cegar-se à.vida. Por que agora?, perguntou-se. Necessitava da mente, da força e de todos os poderes para impedir que Owain obtivesse as dádivas. A falha de Dai não o deteria. Nenhuma morte o faria parar. E quanto a Davey? O que pensava dela agora? Ele não sabia que escondia os próprios pensamentos. A raiva não era a emoção que esperava após o que acontecera entre ambos. Porém, a ira o consumia. Precisava ficar longe de Meredith. Não pensava com clareza quando ela estava por perto. Por quê? Meredith fora veemente ao dizer que não havia lugar para a paixão em sua vida. E, no entanto, não mostrava sinais de resistência, e ele não conseguia distanciarse. Teria ela o tentado para dissuadi-lo a levar Dai? Seus instintos o impediam de realizar tal ato insano. Mas como negá-la se era tudo que ele desejava? Voltou a perguntar-se por quê. As desconfianças aumentavam. Meredith não devia estar associada a Owain. Ela temia o homem. Podia o medo ser maior que a promessa de castidade até atingir sua missão? As perguntas o perseguiam e o obrigavam a Projeto Revisoras afastar-se. Mas Meredith tomou a decisão por ele. Desvencilhou-se e caminhou até o fogo. — Vou tecer um nó poderoso para que você possa dormir esta noite — ela informou com extrema calma, como se os últimos minutos nada tivessem significado. — Certo — Davey murmurou. — Teça outro nó como o feitiço que jogou em mim. — Está enganado, Davey. Seu coração e sua mente regem sua vontade. Procure dentro de si as respostas para seus conflitos. Não me responsabilize. Havia uma certa frieza no tom de voz. Cada vez que se sentia livre da perscrutação de Meredith, ela provava o contrário. Ao vê-la desequilibrar-se, ele correu para socorrê-la. — Deixe-me cuidar de seu ferimento. E não desperdice fôlego discutindo. — Como quiser, Davey. — Ela deitou-se no leito de grama. — Pense no que lhe disse a respeito de Owain e no que acontecerá a Dai. Não quero que o garoto morra... — Você sempre tem de dar a última palavra. Meredith não retrucou. Ficou deitada enquanto ele trocava o curativo. — Owain — ela murmurou, quando Davey terminou. — Não vou ouvir este nome outra vez. Meredith agarrou-lhe o pulso. — Vai ouvir o que ele fez comigo. Assim, Projeto Revisoras entenderá por que e como ele controla aqueles que tentam negá-lo. — Fique calma, Meredith. Você se desgasta com tanta fúria. Eu a ouvirei, se isso a livrar do veneno que a consome por causa desse homem. — Animal — ela o corrigiu. — Sim, não vou discutir com você. — Owain é seis invernos mais velho que eu. Quando completei meu décimo terceiro verão, ele me disse que seríamos companheiros se eu conseguisse provar meu valor. Exigiu que eu roubasse o livro sagrado. Minha recusa de nada adiantou. Ele deixou a carcaça de uma lebre na porta de minha cabana. Avisou-me que cada vez que me recusasse a obedecê-lo, mataria um animal ainda maior. Não acreditei. — Você contou aos druidas? — Somente uma semana depois. Não havia animais maiores que o gamo. Owain alegou que se eu continuasse a resistir, ele mataria um homem. Meredith respirou fundo, antes de prosseguir. — Ninguém acreditou em mim. Não até meus gritos alertarem o acampamento na noite seguinte. O homem morto diante de minha cabana era desconhecido. Acusei Owain, mas os mais velhos alegaram que eu não o vira assassinar o pobre. Owain estava sendo treinado para instruir nosso Projeto Revisoras príncipe que ainda ia nascer. Nenhum aprendiz se igualava a ele, e muitos ficaram em silêncio quando pedi justiça. Davey segurou as mãos de Meredith. Ela o fitava, mas não parecia enxergá-lo. — Mas eu tinha medo de Owain. Ele riu quando o amaldiçoei por matar um inocente. Nem sequer ligou. Entendi então que algo em Owain faltava. Ele não sentia remorso, culpa ou outro sentimento normal. Nos dias que se seguiram, ponderei sobre que espécie de homem ele havia se tornado. E mantive-me resoluta em não ajudá-lo. Com os olhos enevoados, ela suspirou. — De repente, Owain obteve a oportunidade de roubar o livro. Em vez de fugir, ele continuou no acampamento. Novamente, exigiu que eu fizesse um sacrifício especial. Disse que conseguiria ter mais poder que aqueles que nos ensinavam. Por isso, precisava do livro. — Não precisa continuar, Meredith. Acredito que ele seja um demónio. Não há necessidade de lembrar tanto sofrimento. — Talvez eu esteja fazendo isso por mim. Creio que necessito me lembrar de quão depravado é Owain. Por favor — ela sussurrou. — Vai me ouvir? — Nunca implore. Nenhuma mulher devia suplicar diante de um homem. Nem mesmo para contar uma história. Projeto Revisoras — Eu gostaria — Meredith tocou-lhe o rosto — que fosse somente um simples conto. Talvez a dor diminuísse. — Se eu pudesse poupá-la... — Escute. É tudo que lhe peço. — A bem da verdade, o som deste nome em seus lábios me enoja — Davey confessou. — Desculpe-me, Meredith. Termine sua história. Se tem forças para falar, conseguirei ser forte para ouvi-la. Então Owain pegou o livro que tanto desejava — ele a encorajou. — Sim, e negou o crime. Eu não sabia que ele pretendia muito mais. Owain cobiçava ampliar os limites de seus poderes, e os mais velhos o contiveram. Os sacerdotes sabiam que ele roubara o livro, porque ninguém havia demonstrado tanto interesse quanto Owain. Quando negou as acusações, ele disse que protegia outra pessoa. A mim. Então, acusou-me de roubar o livro. E, de novo, Owain avisou que eu deveria acatar seus desejos ou pagaria um preço terrível. Mas não fiz o que ele queria. Os olhos cinzentos carregavam tamanha angústia que Davey não tinha palavras para descrever. Queria abraçá-la, suplicar para que parasse, mas compreendia a necessidade de desabafar. Segurou-lhe as mãos com força, na esperança de que ela tivesse forças para terminar. — Eu cuidava de duas meninas órfãs. Projeto Revisoras Branwen e 01-wen eram inocentes e me davam muita alegria. Embora Owain estivesse confinado em sua cabana, havia alguns que acreditavam nele. Almejavam obter mais poderes. Eles pegaram as meninas. E, dessa vez, todos me ouviram quando levantei as acusações contra Owain. Por mais que eu suplicasse, por mais que os druidas o ameaçassem, ele se recusava a devolver o livro e as crianças. Owain recebeu uma terrível punição e foi banido. Lágrimas começaram a rolar sobre as faces delicadas. Meredith ficou em silêncio. Davey não dimensionava a dor que ela sentia, tampouco negou-lhe a chance de chorar pela perda das crianças. Encostou no tronco do carvalho e a acomodou junto a si. Enfim, ambos adormeceram. A história de Meredith serviu pelo menos a um propósito. Dai partiu com eles na manhã seguinte. CAPÍTULO XI A pressa não declarada impelia os três viaLjantes a percorrer a estafante cavalgada de dois dias seguidos, através da densa Projeto Revisoras floresta constituída de carvalhos e pinheiros. A região era totalmente desconhecida para Davey. Várias vezes tiveram de recuar para atravessar ravinas e quando encontravam a trilha bloqueada por pedras gigantescas. No terreno pantanoso a travessia foi mais fácil, apesar da vegetação alta e do calor retido no solo improdutivo. E o odor familiar do mar sempre os acompanhava. De propósito, evitavam qualquer moradia. Davey preparava armadilhas e Meredith colhia vegetais comestíveis à beira de riachos, onde paravam para descansar. Dai permanecia com eles, ajudando como podia. Davey ainda desconfiava do garoto, e fazia questão de amarrá-lo todas as noites, atitude essa que desagradava Meredith. Incomodava-o vê-los conversando em galês, um idioma que ele não compreendia. Embora não fosse cruel com Dai, Davey recordava, cada vez que trocava- o curativo de Meredith, o momento em que o garoto lançara a adaga enfeitiçada. Por sua vez, Meredith mantinha-se calada respeitando o excesso de cuidado do guerreiro. O tempo e as ações provariam que estava certa sobre Dai. A culpa que sentia +..em relação às duas crianças inocentes, sacrificadas por Owain, a consumia. Se pudesse, usaria seus poderes Projeto Revisoras para pôr um fim naquele desalmado. Matálo seria sua própria destruição, e o povo Cymry precisava dela. Em poucas horas, atingiriam os portões de Torridon. Ela virou o rosto para alertar Davey, porém a atenção do guerreiro estava voltada à retaguarda. A distância, divisou a figura de um homem montado em um burrico. Devia ser um dos monges de St. Dutho, pensou, mas nada disse a Davey. Ele parecia imerso em pensamentos, e Meredith não desejava romper a paz aparente entre ambos. Dai cochilava sobre o cavalo, cujas rédeas estavam amarradas ao garanhão de Davey. O garoto tornou-se calado demais desde o desjejum e Meredith suspeitava de que ele estivesse adoecendo. Ela riu quando uma gaivota, em um vôo rasante, quase tocou seu ombro. Queria ter farelo de pão para jogar ao pássaro. A gaivota emitiu um grito agudo, como se a recriminasse pela falta de alimento, e desapareceu no céu azul. Os olhos de Meredith brilhavam quando fitaram Davey. — Alegra-me vê-la tão radiante, Meredith. — Ele notou que o comentário causou em leve rubor nas faces delicadas. — Sim, há tempos não tenho motivos para rir. Mas veja, Davey. Logo abaixo está o lugar que procuramos. Projeto Revisoras — Vai me contar o que iremos fazer ali? — Pretendo resgatar o cálice a qualquer custo. Não sei se ele pertence ao senhor do feudo. Porém, antes do anoitecer, o cálice será meu. A mudança no tom de voz o impressionou. De repente, voltou a visualizar a mulher que conhecera. Sentia um estranho poder irradiando a sua volta. Talvez a revelação de seu passado com Owain houvesse eliminado o veneno que a devorara durante anos. Parecia calma, mas firme em seu propósito. A admiração e o constante desejo que Davey nutria por ela aumentavam. Meredith espantou-se quando ele segurou as rédeas da égua para detê-la. — Precisa discutir seu plano comigo, Meredith. Não posso invadir Torridon sem saber por quê. Que papel você pretende desempenhar? A seriedade era evidente. Davey não demonstrava raiva ante a possibilidade de obedecê-la. Meredith evitara argumentar, pois ele era homem o bastante para impor suas vontades. — Quer ser meu marido, Davey? — Quero, se é disso que necessita. E quanto a Dai? — Será meu irmão. Assim, ficaremos juntos e você não se sentirá tão ameaçado com a presença dele. Projeto Revisoras — Já que será minha esposa, lembre-se de manter a submissão. Diremos que estamos voltando do casamento de sua irmã. — Davey fez uma pausa para visualizar o mapa da região oeste que Micheil havia adquirido. — Retornamos de um local bem distante como a Ilha de Mull. Combinado? — Teremos de viajar pelo mar depois que eu recuperar o cálice. Iremos à Inglaterra. — E acha que um navio estará nos esperando? É preciso tempo para obter passagem... — Ele calou-se ao vê-la menear a cabeça. — O que foi? — Nada. Está tudo arranjado. Você não... — Às vezes, milady, você me faz sentir um inútil! Exasperado, Davey esporeou Ciotach para enxergar melhor o feudo. Uma pequena aldeia de pescadores localizava-se à costa do lago. Os barcos estavam ancorados no cais. As cabanas, coladas umas às outras, jaziam ao pé da fortaleza, rodeada por um muro de madeira. Os portões permaneciam fechados. Davey não avistou guardas na amurada, tampouco animais. Havia um aspecto de abandono no lugarejo. Na verdade, o sinal de fumaça em poucas chaminés dava a impressão de que a fortaleza estava sendo desertada. — Presumo que você passou por aqui a caminho de Halberry — ele comentou com Projeto Revisoras Meredith. — Torridon encontrava-se tão deserto como agora? Ela ignorou o tom ríspido, tal qual fizera quando Davey dissera sentir-se um inútil. Não entendia aquela atitude. Por que estava tão zangado? Ao observar a aldeia e a fortaleza, Meredith concordou com o comentário. — De forma alguma. Se o senhor do feudo se foi, per mi tirão nossa entrada? Com certeza, oferecerão abrigo a viajantes. Não acha? — Não sei nada sobre quem governa Torridon. Se o senhor se foi, como você disse, há uma chance remota de nos deixarem entrar. Vamos descobrir. Davey liderou o trajeto à aldeia. Esquadrinhou os arredores, onde qualquer brigante poderia se esconder e achacar transeuntes distraídos. Pareceu-lhe estranho que o senhor da fortaleza não houvesse mandado limpar a trilha. Com uma das mãos, ele segurava as rédeas, e a outra mantinha apoiada no punho da espada. Felizmente, passaram ilesos e logo atingiram os portões de Torridon. Meredith nada comentou acerca das precauções de Davey, embora as achasse desnecessárias. Sabia que a floresta estava livre de predadores humanos. Davey parecia seguro, forte e valente a seus olhos. Projeto Revisoras De súbito, ela compreendeu aquela atitude. Claro que ele queria liderar a jornada. Afinal, fora treinado para tais empreitadas. Poderia Davey um dia aceitar os amplos poderes de Meredith? As reflexões foram interrompidas pela arrogância de Davey ao exigir a abertura dos portões. Ela escutou a voz tornar-se mais severa e prepotente. Por fim, o rosto de um velho surgiu sobre a amurada. Meredith imaginou que o homem precisaria ficar na ponta dos pés para enxergá-los. Além da aparência sonolenta do velho, suas palavras pareciam incompreensíveis. Mas Davey impunha autoridade. Meredith permaneceu em silêncio enquanto os dois discutiam. Após alguns minutos, Davey fitou-a com extrema intensidade. Ela prendeu a respiração. — Há quanto tempo esteve aqui? — Foi antes do verão — ela respondeu. — O que aconteceu? Por que os portões não se abriram para nós? Davey, por que me olha como se eu fosse uma estranha? — Você pretende resgatar o cálice a qualquer custo, certo? — Certo. — Meredith ficou alarmada. — E não posso usar meus dons para ferir ou matar. Diga-me o que aconteceu aqui! — Estão todos mortos. O senhor, a esposa, os servos, e também alguns lavradores Projeto Revisoras foram acometidos por essa morte repentina. Uma hemorragia, segundo o homem, e não havia poção que a estancasse. — Davey — ela murmurou, suplicante. — Acredita que tive algo a ver com isso? Não era necessário ser cego para não ver a dor que ele, sem querer, provocara. — Não, Meredith. Só queria saber se você notou algo diferente quando esteve aqui. — Oh, eu o interpretei mal — ela justificouse. — Não notei nada de diferente. Partilhei as refeições e dormi sob este teto. O senhor... Duncan era seu nome, mostrou-se gentil e festeiro, tal qual a esposa. Não havia estranhos aqui. Mas, Davey, isso foi há meses. — Entendi. O velho se recusa a... — Você sabe que tenho de entrar. — Nesse caso, milady, sugiro que crie um feitiço e voe. O velho não quer que entremos. Recebeu ordens para barrar a entrada de qualquer um até o conde Ross chegar. — Quando? — Ele não sabe. — Davey acariciou o pescoço de Ciotach. — Se todos morreram, quem lhe deu a ordem? — Meredith perguntou, intrigada. — Não sei. Mas não importa. — Claro que importa, Davey. Como o velho conseguiu sobreviver à hemorragia? Projeto Revisoras — Isso eu sei. Ele alega ter ido visitar a filha na aldeia de pescadores na noite em que todos adoeceram. — Uma hemorragia súbita — Meredith murmurou, pensativa. Como curandeira, conhecia os poderes de todas as plantas. O podofilo e o teixo, em grande quantidade, podiam efetivamente matar. Ambos eram fáceis de encontrar. Ela se virou na sela e encarou Dai. — Olhe para mim! Dai obedeceu devagar. Mas tão logo mirou os olhos cinzentos, ele pareceu hipnotizado. — Você esteve aqui com Owain? Tenso, Davey encarou o garoto. Ciotach sacudiu a cabeça devido à reação inesperada de seu mestre. — Responda, Dai — ele ordenou. Atenta, Meredith mantinha o olhar fixo em Dai, como se assim pudesse obrigá-lo a falar. Segundos depois, o rapazola virou o rosto. — Menino, não vou pedir de novo. Responda à pergunta ou o deixarei à mercê da própria sorte. — Davey observou Dai baixar o rosto ainda em silêncio. — Pelo jeito, você obteve sua resposta, apesar de ele ser covarde demais para admitir que esteve aqui. — Dai, é verdade? Você ajudou Owain a fazer isso? — Não quero morrer! — Dai exclamou, pulou da sela e correu. Projeto Revisoras Ele tentou fugir, mas Davey adiantou-se, agarrou-o pela gola da túnica e o ergueu. Ignorando os protestos de Dai, aproximouse de Meredith e jogou o garoto no chão. — Milady, tenha piedade — Dai sussurrou, ajoelhado diante dela. — Dai, não vou recriminá-lo pelo ato pecaminoso que Owain cometeu. Pergunteilhe apenas se esteve aqui. Preciso saber se ele matou essas pessoas. Também lhe peço piedade. Dai a encarou. As feições angelicais do garoto expressavam certa rebeldia. Meredith obrigou-o a responder, exigiu e, enfim, quase exausta, tentou coagi-lo a admitir. Ele permaneceu calado. Nenhum som saiu de seus lábios. — Aceite o fato de que Owain chegou aqui primeiro — Davey argumentou. — Estamos perdendo tempo. Dai não vai responder. É melhor pensarmos em um lugar para acamparmos esta noite. — Aqui. — Ficou louca? — Espero que não, Davey. Tenho de entrar na fortaleza. A lua está subindo e eu... — E você vai se transformar em um pássaro e voar sobre a muralha de madeira! — Ele desceu do cavalo, resmungando. Nada parecia atenuar o tormento. Davey não achava seguro permanecer tão Projeto Revisoras próximo à amurada. Também imaginava que o esquema ousado de Meredith para entrar no domínio não daria o resultado almejado. Enquanto ocupava-se com Ciotach, escutou-a sussurrar à medida que caminhava em círculo ao redor deles. No mínimo, entoava outro nó de druida para protegê-los. Quando por fim ela se aquietou para preparar uma sopa, Davey teve a sensação de que havia algo errado no discurso do velho. E o garoto recusava-se a confessar! Acreditava que Owain houvesse assassinado todos os habitantes de Torridon só para obter o cálice. E seria ele capaz de aniquilá-los também a fim de roubar todos os presentes sagrados? — Davey? — Meredith chamou, com o intuito de distraí-lo. Tinha de eliminar a expressão consternada do belo rosto. — A comida é pouca. O pão endureceu e as tortas ressecaram. Precisamos de água. . Com toda a graça feminina, ela puxou a mecha de cabelo que soltara da tiara. — Escutou o que eu disse, Davey? — Escutei — respondeu, de pronto. Era impossível não ater-se ao menor movimento de Meredith. — Podia pedir ao velho... — Tem coragem de beber ou comer qualquer coisa que ele oferecer? Projeto Revisoras — Não seja rude comigo, Davey. Concordo com você. O lago não está longe. Podemos buscar água lá. Gostaria de ter tempo de me banhar. — Aqui não. Não é seguro. Quanto à comida, divida minha parte entre você e Dai. Minha fome desapareceu. — Na verdade, era o desejo absurdo que sentia por ela que eliminava o apetite. A fim de evitar que aqueles olhos penetrantes lessem seus pensamentos, Davey recuou. — Como pretende entrar na fortaleza? Ele a atacava com o rigor de uma violenta tempestade. Meredith não sabia o que o deixava enfurecido. Porém Davey aprenderia a falar com educação. — Pretendo me transformar em um pássaro e voar sobre a muralha, como você sugeriu — ela ironizou. A postura austera e beligerante acrescentava mais intensidade ao vigor do guerreiro. O coração de Meredith disparou ao lembrar-se do que acontecera entre ambos na noite anterior. — Nessas circunstâncias, milady, seu talento me assombra. — Também fico maravilhada, oh grande guerreiro. — Deve ficar mesmo — ele resmungou, sem olhá-la. Meredith estava ajoelhada sobre o cobertor, e Davey queria apenas tomá-la Projeto Revisoras nos braços e tirá-la dali. — Perdoe-me, Davey, por responder dessa maneira. — Você não sente este incómodo? Não tenho palavras para descrevê-lo. Não gosto deste lugar. Nem sei se é o odor da morte ou algo diferente. Com seus dons, deve estar pressentindo o mesmo que eu. Meredith observou Dai brincar com uma pedra. Ele parecia alheio à conversa, como se estivesse sozinho. — Meredith? — Tudo que sinto, Davey, é a presença do cálice na fortaleza. Se Owain enfeitiçou este lugar, eu seria capaz de perceber. Entretanto, o livro possuía magias poderosas, às quais ela jamais teve acesso. Eram feitiços maléficos e talvez servissem para ocasionar a morte. Mas se verbalizasse os temores, Davey a proibiria de entrar no domínio de Tor-ridon. E isso não poderia acontecer. Caso a vida de Meredith corresse perigo, ele faria qualquer coisa para impedi-la. — É tudo? Não tem mais nada a me dizer? — Sinto o mesmo que você. A morte paira sobre a fortaleza — ela confirmou. — Assim que anoitecer, vou entrar. — Mulher obstinada! Pode me dizer, oh grande admiradora de maravilhas, qual é minha função? Devo vigiar nossos míseros pertences? Ou os cavalos? Ou Dai, que paProjeto Revisoras rece perdido em si mesmo? Devo dormir enquanto você se arrisca? Ou vai sussurrar outra magia para me silenciar? — O que deu em você, Davey? — Ela se levantou. O que ele sentia era impossível de definir, mas possuía muita força. — Quero sair daqui. Se insiste em recuperar o cálice hoje, faça-o agora. Não tenho todas as respostas. Mas, se nos demorarmos aqui, estaremos arriscando nossas vidas. Quando estava prestes a argumentar, Meredith fitou-o nos olhos. Havia um brilho obscuro, ameaçador. A expressão a confundiu. Ela não pressentia nada, mas era óbvio que Davey sentia o perigo. — Que assim seja. Vou entrar agora. CAPÍTULO XII - Espere, Meredith. Iremos juntos. - E Dai? O que vai fazer com ele? Em segundos, a despeito dos protestos de Dai, Davey o amarrou. — Pelo menos, não me preocuparei com nossa retaguarda. — Ele avaliou a altura da muralha de madeira. — Ainda não entendo como você vai entrar. — Davey olhou para o Projeto Revisoras lado no instante em que Meredith rodeava o feudo. Agarrando a espada, precipitou-se atrás dela. Haveria um portão lateral? Ao considerar a possibilidade, ele divisou uma trilha estreita que circundava a muralha. Meredith deteve-se para pegar sua faca e inseriu a lâmina entre as juntas de madeira. Por um breve momento, os olhos cinzentos o fitaram, brilhantes. Então, voltou ao trabalho, rompendo as amarras entre as estacas. Recusou a oferta de ajuda e continuou a trabalhar do outro lado. — Está com a espada verdadeira? — ela indagou. — Não. Você não me pediu para trazê-la. — Vá buscá-la. — Espere-me aqui, Meredith. Não entre sem mim. — Davey não aguardou resposta. Correu para buscar a outra espada. Frenética, ela suou para soltar a outra estaca. Haveria espaço suficiente para passar em um instante ou dois. Davey ficaria furioso, mas Meredith não podia esperar. Puxou a extremidade inferior da madeira e esgueirou-se pela abertura. Pelo que tudo indicava, o portão lateral fora bloqueado. Atenta, ela escutou o silêncio sepulcral. Não pressentia nada, mas a desconfiança de Davey a deixava em guarda. Com extrema cautela, atravessou o pátio, recordando a Projeto Revisoras localização das construções em sua última visita à fortaleza. As folhas secas do solo estalavam conforme Meredith caminhava em direção à escada de madeira, a qual dava acesso ao domínio. Escutou um estalo atrás de si. Davey havia descoberto que ela entrara. Não conseguia imaginá-lo passando pela estreita abertura do muro. Já seria o bastante ele montar guarda para lhe garantir a fuga. O único detalhe que Meredith não previa era encontrar a porta principal trancada. Se o velho dormia no saguão... Não, não existiriam barreiras. Ela tinha de recuperar o cálice e fugir daquele lugar mórbido. Subiu a escada dos fundos, enquanto notava que ainda empunhava a faca. Pensou em recolocá-la na bainha, mas hesitou. Ao sentir um arrepio súbito, culpou Davey por lhe passar tal insegurança. Bastou um pequeno empurrão para a porta se abrir. Deparou com a total escuridão. Sentiu o cheiro fétido da putrefação e um forte odor de fumaça que não advinha da imensa lareira à parede. Meredith murmurou uma prece de proteção para si e deteve-se ante o portal. O aguçado sentido lhe dizia que ser vivo algum respirava naquela área. E no entanto... suprimiu qualquer suspeita e adentrou, decidida. Projeto Revisoras A presença do cálice a atraía, tal qual acontecera com a espada. Ele tinha pouco valor, pois não era feito de ouro ou prata, e tampouco era guardado com os objetos preciosos do feudo. Silenciosa, Meredith cruzou o saguão, ignorando as sujeiras em que pisava. Percebeu também que, quando a morte recaíra sobre o local, não levara somente vidas humanas. Nem um rato sequer alimentava-se de detritos. Novamente sentiu um arrepio. Embora usasse todos os sentidos, não conseguia identificar a origem do tremor. Após alguns passos, uma profunda necessidade a apressou. No mesmo momento, notou que Davey estava atrás dela. Como a espada que empunhava, ele brilhava feito aço. Não fez nenhum movimento para falar ou tocá-la, mas a surpreendeu ao aproximar-se sem emitir ruídos. Em pensamento, Meredith baniu qualquer investida maléfica. O mal ainda rondava aquele castelo? Ela saberia, caso Owain estivesse por perto. Meredith prendeu a respiração para tentar escutar algum som. O toque repentino em seu braço quase a fez gritar. Com o gesto sutil, Davey lhe dizia para prosseguir e guiá-lo. Sem vacilar, ela percorreu o corredor, Projeto Revisoras contando os passos até atingir o cómodo principal. Não havia porta para impedirlhe a entrada, somente uma grossa tapeçaria. Meredith fechou os olhos. Era impossível o quarto estar mais escuro que o saguão. Porém, quando olhou-o outra vez, certificou-se do fato. — Por que hesitou? — Davey murmurou. Calada, ela adentrou o aposento com uma das mãos estendida para não trombar nos móveis. De repente, esbarrou na cômoda e tateou as gavetas até encontrar a quarta, onde acharia o cálice. O ar parecia carregado. Ficou grata por ninguém ter trancado o gaveteiro. Aflita, deslizou os dedos entre as roupas, sentindo o aroma de alecrim impregnado nos tecidos. No fundo da gaveta, encontrou objetos enrolados em pedaços de couro. Trêmula, ela apalpou cada peça antes de agarrar o cálice. Felizmente, ela já estava com o cálice na mão quando Davey a empurrou. Meredith sacudiu a cabeça como se saísse de um transe. Havia mais alguém no quarto. A respiração ofegante do intruso o delatou. Meredith nada disse ou fez para distrair Davey. Atrás dele, tentou discernir quem achava-se à soleira da porta. Seus dons de percepção tinham falhado. Entretanto, não Projeto Revisoras se tratava de Owain. De súbito, Davey ergueu a espada, e o barulho de metais colidindo ecoou pelo quarto. Colada à cômoda, ela espantou-se com a capacidade de Davey de prever o ataque. Mesmo sob a escuridão, pôde ver que a lâmina do oponente era negra, tal qual a adaga que Dai usara para tentar matar Davey. Segurando o cálice de encontro ao peito, ela agarrou o punho da faca com a outra mão. Ficou desesperada por não conseguir divisar o homem que enfrentava Davey. A colisão das lâminas reverberava pelo cômodo. Davey iria vencer a luta. Porém a certeza de Meredith jazia nas habilidades do guerreiro, e não no poder da espada. Assustava-a não poder ajudá-lo. O pavor crescia. Murmurou várias orações para proteger Davey. Faíscas cintilavam no escuro cada vez que as espadas se encontravam. Grunhidos e exclamações pareciam surgir de todas as direções. Ela invocou feitiços para acender a lareira ou alguma vela, mas a negritude prevalecia. Owain havia enfeitiçado o feudo e utilizara a poderosa bruxaria que o livro continha. Meredith afastou-se de Davey, certa de que magia e feitiços não o salvariam; somente o talento do guerreiro que empunhava a Projeto Revisoras Espada da Justiça poderia eliminar o perigo. Choque e ira espantaram o medo. Um grito de dor a fez recuar. Seria Davey? Estaria ferido? Como poderia ajudá-lo? As espadas, mais uma vez, encontraram-se na escuridão. Faíscas pipocaram no ar. Incapaz de gritar, Meredith respirou fundo na tentativa de conter o temor que sentia por Davey. E havia um forte odor de fumaça. Um gosto estranho atingiu-lhe a boca. Precisava avisar Davey. Mas como? Berrar poderia distraí-lo e causar-lhe a morte. Meredith tentou acalmar-se. Não havia escolha. Tinha de abaixar as defesas. Os grunhidos aumentaram, mas se distanciaram dela. Enquanto as lâminas colidiam, os ruídos estridentes tornaram-se mais lentos. O que estava prestes a fazer seria tão perigoso quanto distraí-lo. Davey? Escute-me. Há fumaça. Você precisa terminar esta luta agora. Somente o treinamento de Davey o salvou ao ouvir a voz carinhosa de Meredith em sua mente. Quase derrubou a espada quando ela repetiu o aviso. Mas foi a necessidade de protegê-la que intensificou a fúria. Esqueceu-se de que aquela espada especial voaria sobre a lâmina do oponente cada vez Projeto Revisoras que ele atacava e se defendia. O homem parecia cansado, mas se recusava a renderse. Davey não mais precisava ouvir a súplica de Meredith. Podia sentir o sufocante odor de fumaça. Escorregou de repente quando pressentiu o medo de Meredith. Naquele breve instante, enquanto lutava para tirála de sua mente, permitiu que o feroz inimigo o empurrasse contra o móvel encostado à parede. A despeito da escuridão, Davey havia deduzido o tamanho do homem. Pela investidas da espada, ele o julgava mais alto e mais pesado. Mas a raiva de Davey dava-lhe forças. Meredith estava sob sua proteção. Escutoua tossir devido à fumaça que invadia o quarto. O suor encharcava suas roupas e escorria sobre os olhos, cegando-o. Tinha de terminar aquela batalha o mais rápido possível. O ar esfumaçado sufocava-lhe os pulmões, e, novamente, a preocupação foi duplicada ao sentir o terror em Meredith. — Seu monte de ossos — Davey zombou do oponente. — Vou vê-lo sangrar até morrer. Usando as duas mãos, Davey brandiu a espada de uma lado a outro para confundir o inimigo. Abaixou-se e rolou pelo chão, agarrando a faca da bota. A lâmina atingiu o alvo quando a arma voou de sua mão. Escutou um gemido e, em seguida, o corpo Projeto Revisoras pesado tombando no assoalho. — Vá! — gritou para Meredith. Em vez de obedecê-lo, ela o segurou pelo braço quando Davey recolheu a faca. — Você está ferido. Deixe-me ajudá-lo. O calor da batalha ainda o aquecia, portanto, não sentia os cortes que levara. Levantando-se, ele a abraçou pela cintura e colou-a junto a si. A tapeçaria que fechava a entrada do quarto estava queimando. Podiam escutar o estalar das madeiras em chamas e a luz avermelhada do fogo que dominava o corredor. Davey puxou o capuz do casaco e cobriu a cabeça de Meredith. — Não me solte — ordenou. — Respire fundo e prenda o ar nos pulmões. Juro que vou nos tirar daqui. Segurá-la tão próxima a si paralisava a agonia que o envolveu ao pensar na promessa que acabava de fazer. Mas não havia tempo para duelar com emoções. Davey avançou, cortando a tapeçaria incendiada com a espada. Monstruosas, as chamas erguiam-se do chão às paredes. — Vamos correr — Davey avisou, sabendo que a chance de escaparem sem ferimentos seria pequena. Embainhou a espada e carregou Meredith. Precipitou-se pelo corredor quando um Projeto Revisoras ruído estrondoso ecoou atrás dele. Davey notou o lençol de chamas cobrindo a parede. O pânico o dominou por um instante. Não era covarde, mas tentar atravessar o fogo parecia tolice. Não queria que Meredith morresse queimada, tampouco ele mesmo. Baixou a cabeça e correu através da fumaça. Lágrimas ofuscavam-lhe a visão enquanto aproximava-se do que talvez fosse a porta do saguão. Davey! Ponha-me no chão! Sou um peso muito grande para você. Ignorou a invasão de Meredith em sua mente. A parede de chamas, onde a porta outrora existia, o fez parar. A densa fumaça bloqueava-lhe a garganta. Ele cambaleou e quase derrubou seu precioso fardo. A ousadia estimulou as forças e a agilidade, ajudando-o a sair para o pátio externo. O fogo já havia atingido as paliçadas. Em questão de minutos, ambos iriam perecer sob as chamas. Desorientado, tentou localizar o portão lateral. Com a espada poderia derrubá-lo e fugir dali. Nesse momento, ele divisou os barris de piche ao longo da muralha. Fora deliberado! Alguém pretendia queimálos vivos! Uma violenta fúria o consumiu. Iria matar Owain ap Madog! Meredith renovou as súplicas. Em silêncio, implorou a Davey que a soltasse e se Projeto Revisoras salvasse. Mal conseguia respirar sob o grosso tecido do casaco e, quando conseguia, inalava apenas fumaça. Mas Davey sofria ainda mais. O receio por ele diminuía-lhe as forças. No entanto, quando Davey começou a correr outra vez, ela se entregou. Davey ouviu-a engasgar e sentiu-a tesa em seus braços. Ela dependia dele, embora o ato de fé não tivesse fundamento. Ambos sabiam que havia uma ténue possibilidade de escaparem das chamas. Ele correu para os fundos do feudo, rezando por uma intervenção divina. Gigantescas chamas o encontraram. Outro barril de piche explodiu, enviando uma nuvem de fumaça. Uma chuva de fuligem tombou sobre eles. Davey continuou correndo à procura de salvação. As construções do pátio eram engalfinhadas pelas labaredas. Mas o ar estava claro nas proximidades da muralha. Davey deduziu que o fogo houvesse começado ali. Ele respirou fundo, enquanto tentava enxergar a paliçada. — Segure-se. — A voz soou rouca devido ao esforço. Optou por uma rota, escondeu o rosto sob o capuz de Meredith e mergulhou nas chamas. No último instante, virou-se e usou as costas e os ombros para derrubar a Projeto Revisoras paliçada, e, então, rolou para a liberdade. CAPÍTULO XIII Davey não fazia ideia de que aquele local encontrava-se destituído de plantas. As chuvas torrenciais haviam causado erosões no solo formando valas profundas. O violento impulso para libertar-se das chamas foi forte o suficiente para arrancar Meredith de seus braços e jogar a ambos com incrível velocidade no declive forrado de pedras. Meredith gritava desesperada, tentando desvencilhar-se do pesado manto. A densa fumaça impedia sua visão e, com grande pavor, clamava por Davey sem cessar. Ele a escutava, mas não tinha forças para responder. Havia colidido em uma imensa pedra e, ofegante, ali permaneceu imóvel por causa da intensa dor. Aos poucos, voltou a respirar, enquanto o vento limpava o ar esfumaçado. Queria fechar os olhos e descansar, porém o perigo ainda prevalecia. Ele e Meredith estavam indefesos e o inimigo os rondava. Tentou umedecer os lábios, mas não havia saliva. Apoiou-se na pedra para conseguir Projeto Revisoras levantar. Ao ver Meredith arrastando-se em sua direção, ele a chamou. — Está ferida? — Davey perguntou, após não ouvi-la emitir nenhum som. — Responda, mulher — ele insistiu. — Abrace-me, Davey. Embora sentisse dor em cada músculo do corpo, conseguiu tomá-la nos braços e, por um longo momento, ficaram abraçados, enquanto as labaredas ainda consumiam a fortaleza. — Não estamos seguros aqui — Meredith sussurrou. Precisava de descanso e água antes de usar seus poderes curativos em Davey. Zonzo, ele não tinha noção da extensão dos ferimentos. Havia cortes, arranhões e a pele tornara-se avermelhada demais por causa das queimaduras. Meredith sentia, o próprio pescoço tão queimado quanto o dele. Davey fora forte quando ela mais precisou, e agora tinha de ser valente para ajudá-lo. — Os cavalos — ele murmurou, afastandose da pedra que o sustentava. Tinha de empunhar a espada, pois Owain devia estar à espreita, pronto para atacá-los. — Você o pressente? Meredith meneou a cabeça em negativa. Ainda esforçava-se para entender o que ocorrera no cómodo. Sua mente parecia tão enevoada quanto o ar. Não havia razão Projeto Revisoras para se preocupar com Davey, mas o medo profundo a envolvia quando pensava no poder absurdo que Owain ganhara. Poder este que ele usaria contra ela sem pestanejar. — Os cavalos se foram. — A fala causou-lhe um forte espasmo. Sôfrego, Davey postou-se ao lado dela. Meredith tinha razão. Owain não lhes deixaria a menor chance de escaparem. O que precisavam, ele ponderou quando a mente ficou mais clara, era de um lugar seguro e sossegado para descansar e planejar a próxima estratégia. — A aldeia. Após dois passos, Davey caiu. Ela o abraçou pela cintura a fim de ajudá-lo a caminhar. Seria perigoso exporem-se aos aldeões. Mas uma generosa propina revelou a determinação de Davey de impor certo respeito. Resignada, Meredith suspirou. Ele provaria o excesso de teimosia, caso ela argumentasse. E discutir com Davey requeria forças, as quais ela não mais possuía. Owain finalizou a busca nos alforjes que Cei e Pwyll lhe haviam trazido, junto com os cavalos de Meredith e Davey. Ao ver a espada atada à sela, sentiu um súbito rompante de euforia. Enfim os deuses foram generosos e abençoaram os Projeto Revisoras esforços de restaurar a adoração a crenças arcaicas. Assim, seriam reverenciados como na antiguidade, tal qual estava escrito no precioso livro que Owain tinha roubado. Uma fúria gélida o dominou tão logo examinou a espada e descobriu que, apesar da lâmina excepcional, não se tratava da Espada da Justiça. E pior, o Cálice da Verdade e a mulher Cymry ainda não estavam em seu poder. A ira, no entanto, transformou-se em total amargor quando soube que o homem, o qual Meredith escolhera para proteger, ainda vivia. Owain sabia onde o cálice fora escondido. Não tinha certeza da localização exata, somente que se encontrava no feudo. Não possuía os poderes de Meredith para atrair os objetos sacros que tanto almejava obter. Portanto, a necessidade de capturá-la ainda prevalecia. A morte de Davey significava muito. Owain o ofereceria como sacrifício. Os quatro homens de Halberry que seguiram Meredith e o guerreiro também tinham sido sacrificados; Owain conseguira vencê-los dias antes, na floresta. Mas não era o suficiente. Ele havia falhado. Colérico, levantou-se. Olhou para Cei, Pwyll e fixou-se em Dai. O garoto ainda permanecia amarrado, tal qual Owain o Projeto Revisoras encontrara. Dai cometera uma grave falha. E Owain recusava-se a aceitar falhas. A água estava tão fria que Davey sentiu a garganta arder. Bebeu-a em longos goles, fechou os olhos e suspirou. A sede de Meredith também era gigantesca. Sentou-se em uma pedra à beira do lago e jogou água no rosto! Os aldeões lhes ofereceram o pouco que tinham quando elâ e Davey adentraram a aldeia de pescadores. Pão duro e peixe, acompanhados de algumas verduras, representavam tudo que os habitantes possuíam. Ninguém questionou a história de que haviam se perdido e, ao se aproximarem do feudo em chamas, seus cavalos fugiram. Ainda podiam divisar as labaredas, mas o incêndio cedia. Davey pareceu melhor depois que Meredith aplicou gordura de ganso em seu rosto e mãos. Sem dúvida, ele iria questioná-la quanto ao que ocorrera no quarto e traria à tona a razão de ela ter entrado sozinha no domínio de Torridon. E assim aconteceu, tal qual ela havia previsto. Davey sentou-se à beira do lago, segurando o odre de água. — Não entendo por que Owain quis nos queimar vivos, Meredith. Sei que ele deseja a espada, o cálice e você, mas por que arriscou perdê-la entre as chamas? — A Projeto Revisoras última frase soou rouca devido à quantidade de fumaça que ele havia inalado. — Creio que o fogo serviu apenas para me afugentar do feudo. — Discordo de você. Minha vida também correu um sério risco. — Davey, por favor, não quis diminuir seu valor. Eu... — Ela calou-se. Como explicaria que seu poder de percepção fora, de alguma maneira, bloqueado? Um arrepio percorreu-lhe o corpo ao notar a expressão no rosto de Davey. — Está com frio? — Não. Este xale me aquece e meu casaco estará seco até o amanhecer. Aliás, nossas roupas secarão até lá. — Meredith, não finja que ignora o que estou lhe perguntando. O que aconteceu? — Não sei ao certo. Owain tornou-se mais poderoso. Não pressenti sua presença. — Mas você disse que ele... — Eu menti! — Ela se levantou. — Por quê? — Davey perguntou. — Estava apavorada. Não consegui protegê-lo como deveria, e não pude me defender. Você não entende, Davey. Ele sentiu o desespero e desejou que a exaustão desaparecesse tão facilmente quanto a sede. Levantar-se representava um esforço sobre-humano, quando tudo que queria era deitar-se. Mas Meredith Projeto Revisoras precisava dele. Quando a abraçou por trás, ela estremeceu. — Enquanto estivermos juntos, ele não será capaz de feri-la. — Davey, você não... — Quieta. Precisamos descansar. E temos de encontrar os cavalos também. — Owain capturou os animais. E Dai. Ele irá... — Matar o garoto porque ele falhou. Meredith tentou, em vão, desvencilhar-se de Davey. — Estão por perto? — ele indagou. — Posso detê-los? Ante o comentário irônico, ela quase sorriu. Davey não conseguiria combater uma formiga de tão exaurido. — Venha. Vou lhe mostrar. Aproximou-o da água e lá sussurrou um encantamento. O vento, de repente, cessou. — Olhe a superfície da água, Davey. A água agitou-se e brilhou. Segundos depois, um círculo se formou. Após um rápido tremor, uma imagem surgiu, mostrando um homem envolto por uma aura negra. — Owain — Meredith murmurou, desprovida de emoção. Davey fitou o homem que os poderes de Meredith projetavam. Sabia que era água, mas a superfície assemelhava-se a vidro. E a imagem parecia tão clara quanto a Projeto Revisoras realidade. A admiração por Meredith cresceu. Não pôde evitar a inveja que sentia diante de um poder tão explícito. Fitou-a de soslaio. Ela aparentava calma, mas Davey sentia a agitação interna. Os olhos cinzentos estavam fixos na visão de Owain. Davey voltou a atenção à imagem. Cabelos em desalinho, corpo esguio envolvido por um traje de monge... Mas eram os olhos malignos que definiam o homem. A ambição desmedida estragava o rosto bonito. Enquanto Davey assistia, o fogo emergiu, as chamas tornaram-se azuis e verdes e o centro transformou-se em uma cúpula branca. Mas não conseguia ver o que Owain fazia. Pôde apenas enxergar a fúria que deformava a expressão do homem e o grito silencioso quando este abriu os lábios. Na visão, Owain ergueu os braços e apontou com a mão semelhante a uma garra. Transfigurado, Davey observava a cena como se estivesse diante do bruxo. O fogo, sem lenha para alimentá-lo, aumentava conforme as ordens de Owain. Cores vívidas surgiam nas labaredas, controladas pelo feitiço. O brilho da água intensificava à medida que o fogo crescia. Davey fitou Meredith que continuava estática. Projeto Revisoras Quando voltou à imagem, ele viu Dai. Uma sombra se movia atrás do garoto, cortando as amarras e arrastando-o. As pernas de Dai estavam bambas, impedindo-o de permanecer em pé. Mas aquele que o segurava obrigou-o a levantar-se. O que estava por vir era evidente. O medo que Davey experimentara no feudo em chamas retornou. Abraçou Meredith, abrigando-a com o próprio corpo. Não tinha coragem de assistir à festa maligna que Owain ap Madog coordenava. Meredith conteve um grito de dor. Engoliu o gosto amargo que surgiu em sua garganta. Tinha de interromper a visão, mas Davey a apertava com tanta força que não conseguia mover-se. — Solte-me, Davey. Não vou deixá-lo vencer. Ele previu que eu assistiria a isso com o objetivo de me punir e avisar. Owain distorceu nossos ensinamentos. Seu poder vem das Trevas. Mas juro que irá pagar por tirar a vida de inocentes. O velho, os moradores do feudo, o menino e aqueles homens que nos seguiam. Então, Davey lembrou-se de que ela mencionara algo sobre outros assassinatos, embora não houvesse dito que homens os seguiam. Concluiu no mesmo instante que Mi-cheil e Jamie haviam enviado cavaleiros atrás dele. A responsabilidade por tantas mortes recaiu em suas costas. Projeto Revisoras — Meredith, se Owain sabe que o estamos vendo, ele também pode nos observar através do fogo? Como você o faz com a água? — Exato. Cada um de nós utiliza uma das forças da natureza para expressar o dom. — Pode entoar um feitiço de proteção para nós? — ele sussurrou. — Davey, eu lhe disse que os poderes de Owain aumentaram sobremaneira. — Não consegue impedir que ele veja para onde estamos indo? — Vou tentar. — Meredith sentia a fúria de Owain, mas não permitia que a emoção a influenciasse. Sem se mover, ela dissipou a imagem na água e entregou-se à segurança dos braços de Davey, enquanto murmurava um encanto de proteção. — Acha que consegue atravessar a aldeia sem ser vista? — ele perguntou, minutos depois. — Não vou deixá-lo, Davey. Owain está perto demais, e é ainda mais perigoso se nos separarmos. — Estou contando com a proximidade de Owain. — Seus pensamentos se confundem por causa do que aconteceu. Deve estar tão cansado quanto eu. Para que se vingar agora? — Pode fazer o que lhe peço? — Davey Projeto Revisoras perguntou, impaciente. — Farei, se me der um bom motivo — ela rebateu. — Precisamos dos cavalos, e esse motivo é o suficiente. Responda-me, Meredith, porque cada momento de atraso depõe contra meu sucesso. — Não permitirei que o enfrente, Davey. — Ela tocou o belo rosto. — Não quero perdêlo. Segurando as mãos delicadas, ele as beijou. — Não vai me perder. Agora, milady, pode ir e me deixar tranquilo? O calor dos lábios a fez estremecer. Davey utilizava a sedução para distraí-la. — Meredith? — Certo. Eu vou. Ele recuou alguns passos e se virou. Meredith jogou-se nos braços fortes e o beijou, quase desesperada. — Não pretendo falhar novamente. — Davey... Veloz, ele embrenhou na escuridão da mata. — Sim, meu guerreiro, eu poderia esperá-lo, mas não o farei. Sem preocupar-se com a umidade, Meredith vestiu o manto ainda molhado. Pegou o odre de água e precipitou-se atrás de Davey. Mas, enquanto o seguia, mante-vese a distância para que ele não a visse. Tentou sorrir ao concluir que o guerreiro Projeto Revisoras não poderia abandoná-la, pois carregava consigo a espada e ela, o cálice. Tais presentes sagrados possuíam uma força de união tão poderosa quanto a que existia entre Davey e Meredith. CAPÍTULO XIV O céu ainda estava claro quando Davey atingiu a floresta, para além da fortaleza incendiada. Não tinha uma rota a seguir; somente os instintos o guiavam. Embora soubesse ser prejudicial, não parava de pensar em Meredith. Como sempre, ela representava uma séria distração. Owain cometera um grave engano ao roubar Ciotach. O bruxo nada sabia acerca do treinamento de guerra que os cavalos recebiam no Clã Gunn. E Davey contava com essa vantagem, enquanto se esgueirava pela floresta. Fora Meredith quem lhe dissera onde encontrar Owain. Não diretamente. Ela mencionara que cada um possuía um dom relacionado à força da natureza. Se Meredith precisava de água para projetar eventos, Owain, por mais poderoso que fosse, necessitava de muita madeira para fazer fogo. Projeto Revisoras Com certeza, Davey pensou, todos os deuses conspiravam a seu favor para vingar a morte de tantos inocentes e conduzi-lo ao acampamento de Owain. Davey tropeçou e quase caiu. Suas forças começavam a fenecer, apesar de a raiva ainda lhe dar energia. Permaneceu quieto, respirou fundo e escutou. As copas das árvores eram frondosas demais, impedindo-lhe a visão do céu. Nenhuma criatura noturna rastejava-se. Sabia que seus movimentos, embora silenciosos, mantinham os animais afastados. Ou talvez estivesse bem próximo a Owain. Davey puxou a espada e a faca que levava à cintura. O solo, coberto de folhas secas, farfalhava conforme ele caminhava. De repente, ouviu o ruído de um galho se quebrando. Em segundos, abrigou-se atrás de um aglomerado de carvalhos. Esperou, sentindo gotas de suor sobre a testa, e lembrou-se da armadilha que quase matou a ele e a Meredith. O anoitecer se aproximava, pois as sombras das árvores começavam a sumir. A distância, ouvia guinchos de alguns pássaros marítimos. Não se tornara um guerreiro para esconder-se do inimigo. Pensou em cada ataque, em cada estratégia que Owain utilizara. Lembrou-se do ferimento de Projeto Revisoras Meredith e das mortes que o bruxo causara. Davey precisava recordar tais fatos para que a fúria o fortalecesse. Owain não iria escapar dessa vez. Meredith nunca mais temeria o inimigo. Eram motivos suficientes para Davey prosseguir. Porém, não se moveu. O que estava fazendo? Havia jurado proteger Meredith até que ela reunisse os quatro presentes sagrados e os entregasse a seu povo. Com que direito arriscava a própria vida somente para se vingar do homem que o desafiara? Davey fechou os olhos. Tinha a espada e Meredith, o cálice. Acima de tudo, ela estava livre das garras de Owain. A perda dos cavalos não era tão importante. Ainda possuía a bolsa repleta de moedas de ouro para garantir o transporte. E não estaria caindo na armadilha de Owain ao tentar atacá-lo? Que chance haveria de ter sucesso? Nenhuma. Davey conhecia a própria força e as habilidades de guerreiro que tanto o auxiliaram em batalhas sangrentas. Mas agora admitia que estava errado. A covardia não tinha nada a ver com sua decisão. Manter Meredith viva e longe da maldade de Owain era o fundamental. Se prosseguisse, iria arriscar tamanha segurança. Atento, fitou a densa floresta à frente. Projeto Revisoras Jamais temeu pela própria vida. Davey? Alarmado, esquadrinhou as árvores. De súbito, acalmou-se ao perceber que Meredith comunicava-se com ele. Estou indo a seu encontro. Meredith baixou a cabeça e apoiou-se em um tronco. Ele ficaria furioso, mas se sentia tão grata por suas preces serem atendidas que a ira de Davey seria um preço ínfimo a pagar. Owain esperava que o guerreiro fosse até ele. Não havia matado Dai. Encontrara uma utilidade para o garoto, que agora usava o traje de um monge, embora ainda estivesse amarrado ao lado da fogueira. Cei achava-se escondido entre as árvores, na direção oposta à de Pwyll. Tal qual as mandíbulas de uma besta, eles atacariam o guerreiro por ambos os lados. Enfim, sozinha e desprotegida, Meredith teria de se render a Owain e, sem escolha, juntaria forças com ele. Ansioso, Owain esfregou as mãos. Precisava ser paciente, mas era difícil obedecer ao bom senso. Breve... muito em breve. Os instantes tornaram-se minutos. Owain fitou o local onde tinha certeza de que o guerreiro apareceria. Ele devia estar com a espada. Sem pensar, Owain acariciou a lâmina da Projeto Revisoras arma que mantinha a seu lado. Sorriu ao concluir quão tola fora Meredith quando escolheu o guerreiro, aquele cuja juventude era mais ameaçadora que Owain. Juventude e orgulho. Owain contava com essas qualidades para obter o que almejava, o que devia ter. Então, ele esperou. Meredith o observava com renovado respeito. Não houve necessidade de palavras; ambos sabiam que tinham de afastar-se de Owain o mais rápido possível. Pegaram a direção sul, tendendo a oeste, enquanto rodeavam a floresta até que a exaustão completa os assolou. Davey ordenou que Meredith dormisse em uma pequena clareira. Ele vasculhou os arredores, sem ousar parar. Se o fizesse, entregar-se-ia às exigências de seu corpo fatigado. Não obstante, dois pensamentos o mantinham acordado: o desejo por Meredith e a vontade de confrontar e matar Owain ap Madog. O primeiro desejo o fez sorrir, pois pouco podia fazer pela causa. Mesmo assim, deteve-se alguns momentos para observá-la dormindo. Sob a penumbra, enriquecida pelas sombras esverdeadas, Meredith repousava agarrada ao cálice. Davey admirou o rosto, a linha do pequeno nariz, a doce curva dos lábios. Projeto Revisoras O desejo o envolvia como a maré. Sabia ser apenas uma reação ao perigo que havia passado. Aquela mulher o atraía intensamente. Davey a colocara em risco ao esquecer seu dever para com ela. Não podia se esquecer jamais. Meiga, passional, desejável e corajosa. Nunca conhecera uma mulher como Meredith. Estudou a floresta, calculando a posição do sol. Um incômodo repentino o lembrou da fome. Voltou a olhar Meredith, que, acordada, o encarava. — Venha, você precisa descansar. Já me sinto capaz de cuidar de seus ferimentos. Davey aceitou o convite e ignorou o resto. — Deite-se a meu lado. Prometo que não vou machucá-lo — ela murmurou. O sorriso sutil feriu o orgulho de guerreiro. — Não tenho medo de você. E as queimaduras pararam de arder. — Quieto — ela sussurrou, permitindo que Davey se aconchegasse. — Feche os olhos. Os dedos delicados tocaram a testa de Davey. A extensão do cansaço quase a sufocou, apesar de Meredith ser uma curandeira poderosa. Existia outra dificuldade. Inclinada sobre Davey e tocando-o, ela sentiu um calor súbito invadi-la. Conseguia ocultar os pensamentos, mas era incapaz de mascarar os anseios do coração. Ali estava o homem Projeto Revisoras que dispensara a necessidade inata de vingar-se daquele que ousara ferir seus entes queridos. Meredith sabia que ele o fizera por ela. Com a ponta dos dedos, traçou o rosto másculo. A pele estava avermelhada e seca. Viu como o toque curativo acrescentava certa suavidade no semblante. Acariciou os arranhões nos ombros, e eliminou a dor. Fechou os olhos e percorreu o corpo musculoso, curando os ferimentos que encontrava. Seu guerreiro. Ele quase fora morto. Lágrimas surgiram quando Meredith murmurou em um linguajar antigo as palavras encantadas que trariam de volta a vitalidade de Davey. Enquanto Davey permanecia submetido ao toque gentil, uma onda de calor o dominou. Não se atreveu a abrir os olhos. O gesto simples parecia requerer um esforço imenso. Cada corte ou queimadura recebia a atenção esmerada de Meredith. Primeiro o arrepio, depois o calor crescente que o impelia a mover-se, mas não conseguia. Quando ela transferiu o tratamento a outro ponto, a dor desapareceu. Davey flutuava em um lugar sem sombras ou luzes. Nada ouvia; sentia apenas uma essência que não podia nomear. Era impossível pensar. Ele repousava em algum Projeto Revisoras local imaginário. Meredith suspirou e deitou-se. Tremia de exaustão, mas tinha outras tarefas a cumprir. Sentou-se e pegou o odre para beber um pouco de água. Estava quase vazio. Levantou-se e tirou o casaco. Rapidamente, despiu o resto das roupas. Soltou os cabelos e desamarrou as sandálias de couro. Aproximando-se de Davey, pegou a espada. As árvores e os arbustos engoliam a pequena clareira. Mas não era o solo que ela queria limpar, e sim as copas verdejantes para que pudesse ver o céu. Um enorme galho foi o suficiente. A árvore, ainda jovem, teria a chance de proliferar. Agora Meredith conseguia enxergar o céu. Durante alguns minutos, reconsiderou o que pretendia fazer. Não tinha o direito. Por outro lado, salvar a vida de seu guerreiro significava muito para ela. Ao fitar Davey, sua decisão se intensificou. Sabia, acima de tudo, que os deuses poderiam atender a sua súplica ou recusála. Estava ciente de que, tão logo os presentes fossem devolvidos aos sacerdotes, sua vida e a de Davey não importariam. Mas ganhar tempo valia qualquer preço. Pressionou a ponta do dedo na lâmina e deixou que gotas minúsculas de sangue Projeto Revisoras deslizassem no aço, até o centro da empunhadura. Meredith não usou as palavras sagradas que aprendera; o pedido de ajuda emergiu de seu coração. Pequenas labaredas de fogo despontaram na pedra encravada na magnífica arma. O punho da espada começou a esquentar até tornar-se fervente. Ela não o soltou. Os deuses exigiam cerimônia e testavam aqueles que lhes pediam auxílio. Erguendo a lâmina em direção ao céu, rogou aos deuses que a ouvissem. Raios de luz juntaram-se às labaredas que nasciam na pedra. A espada estremecia devido ao poder que ela liberava. Chamas reluzentes subiam e desciam ao longo da lâmina. O fogo não queimava, apenas esquentava. Uma brisa suave sacudiu as folhas e acariciou os cabelos negros de Meredith. Em segundos, o vento aumentou, fazendo-a tremer. Fitou o céu repleto de estrelas. Meredith caiu de joelhos, ainda segurando a espada, e encostou a testa no punho quente. Implorou na língua arcaica de seu povo para que a luz, o poder e o conhecimento que os deuses sabiamente investiram retornasse à espada. A noite tornou-se fria, mas uma fina camada de calor cobria o corpo nu. Ela nem sequer moveu-se quando o vento a abateu. Ainda de joelhos, ergueu os olhos Projeto Revisoras ao céu. Somente uma estrela parecia mais brilhante que as outras. Meredith aguardou em silêncio que a segunda estrela aparecesse. — Olhem para mim. Vim de coração aberto — murmurou, solene. — Estou aqui para servir a nossa profecia. Recuperei o Cálice da Verdade. Tenho a Espada da Justiça em minhas mãos. Ofereço-lhes o guerreiro que escolhi. Confio a vocês minha vida e a dele. Ouçam meu pedido de ajuda. Sabem que o poder das Trevas nos persegue. Eu imploro. Escutem-me — ela gritou. — Preservem sua Cymry. Ajudem sua serva fiel, Meredith. Então, a terceira estrela brilhou no céu com tamanha intensidade que chegou a cegá-la. Enquanto mirava a trindade, sentiu um arrepio pelo corpo. Não oferecia nenhuma barganha aos deuses. Não tinha nada que eles já não possuíssem. Os braços tremiam devido à força que fazia para empunhar a espada. Após o choque inicial, notou que a lâmina havia se tornado uma chama reluzente. Nada podia fazer pois a arma movia-se por vontade própria. Quando a ponta da lâmina tocou o chão, a espada penetrou no solo até a altura do punho. Ela abaixou a cabeça. Era apenas uma mensageira, e não uma mulher com Projeto Revisoras pensamentos e emoções. Servir de coração aberto significava submissão. Meredith acreditava em suas crenças. Dedicava-se e vivia somente em função dos deuses que a guiavam. Sentiu um tremor no solo. Observou o punho da espada, onde os raios emolduravam o rosto que detinha toda a tristeza e sabedoria do mundo. Três lanças brancas surgiram no coração da pedra. Ergueu uma das mãos para tocá-las. Mas não foi o bastante. Ela agarrou o punho da espada e mais gotas de sangue escorreram pelos desenhos esculpidos. E da espada, o sangue atingiu o solo. Quem é você? — Sou sua serva. Uma mensageira. Tudo que sou cabe a vocês cuidar ou matar. Você realmente vale a tarefa que lhe foi imposta1? — Fui avaliada por aqueles que lhes servem. Somente vocês podem saber se eles me julgaram de forma válida. Está disposta a entregar sua vida? — Ela pertence a vocês. E a vida de seu guerreiro? — Também lhes pertence. — Meredith sentiu um repentino pavor. Eles veriam e saberiam. Mas não podia barganhar. O mesmo fogo quente que engolfara a espada agora a cobria. Em um piscar de olhos, as estrelas Projeto Revisoras desapareceram. Meredith respirou fundo, segurando a espada. O tremor no solo parou. O fogo branco havia sumido. Sentiase fatigada quando iniciou o ritual, mas agora não mais. Levantou-se e puxou a espada. Não havia sequer um resquício de terra na lâmina. Ela continuava limpa e brilhante. O punho parecia intato. A pedra central não revelava nenhum sinal de luz ou fogo. No entanto, Meredith sabia que fora aceita e atendida. E Davey também. E ela jamais lhe diria o preço a ser pago. CAPÍTULO XV javey acordou com relutância. De olhos fechados, usou os outros sentidos para assegurar-se de que não havia perigo imediato. O aroma de grama verde era forte. Espreguiçou-se e logo sentou-se à procura de Meredith. Ela encontrava-se a sua frente, agachada entre as grossas raízes de uma árvore. Mesmo ocupada em destrinchar algumas ervas em seu colo, Meredith o fitou e sorriu. À medida que ele observava os arredores, as lembranças do dia anterior emergiram à Projeto Revisoras mente. Olhou as mãos e não viu sinais de batalha ou fogo. Percebeu então que havia dormido profundamente, como se estivesse em Hal-berry. Sentia-se descansado e inteiro. No entanto, não conseguia explicar a súbita sensação de estranhamento. Meredith parecia pálida e extremamente fatigada. Perturbado, Davey notou que ela evitava encará-lo. Esperou uns minutos, mas o silêncio preponderava. — Suas habilidades curativas são uma dádiva dos deuses. Sinto-me um novo homem esta manhã. Meredith assentiu e continuou a destrinchar as ervas. — O que há, Meredith? — Nada que não possamos consertar. — Entendo. Não temos cavalos ou alimento. Owain ainda está a nossa procura, e permanecemos aqui como idiotas para que ele nos encontre. — Vejo está curado em corpo e espírito. Zombaria? De Meredith? Davey ficou pasmo. — O que aconteceu enquanto eu dormia? — Nada. — Está mentindo. Você me curou. Posso ver quanto lhe custou tratar de meus ferimentos. Mas imagino que o preço a pagar tenha sido... — Não diga bobagens, Davey. Tampouco Projeto Revisoras deboche ou justifique seu bem-estar em termos de custos. O que os deuses oferecem, eles tiram com a mesma facilidade. Meredith havia esquecido como seu guerreiro podia se mover com destreza. Davey aproximou-se e a fitou. Bastou uma espiadela naqueles olhos castanhos para ela de novo perceber a ameaça que ele podia representar. Porém, não apresentou resistência quando ele a segurou pelos braços, obrigando-a levantar. Nem sequer ligou para as ervas que tombaram no solo. Muitos menos esquivou-se quando Davey tocou-lhe o queixo. A pele estava quente sob os dedos, e macia, muito macia. O desejo o envolveu tal qual a fome. Davey queria beijar aqueles lábios carnudos para prová-la e senti-la. Notou o brilho dos olhos cinzentos quando Meredith leu seus pensamentos. — Não banque a donzela inocente, milady. Seu feitiço me proporcionou paz. Posso deduzir que vantagens você ofereceu aos deuses para me curar. — A voz soava rouca. Davey queria que ela soubesse os efeitos sensuais que causava nele. E Meredith sabia. Prendeu a respiração. Não conseguia fitá-lo. Sentiu-se corar. Olhou para os lados à procura de um meio de escapar. — Davey? Projeto Revisoras O nome ecoou como uma súplica que ele recusava-se a responder. Aproximou-se ainda mais, ignorando a voz da razão. O desejo possuía exigência e paixão. Davey inclinou-se de leve para tocar os lábios entreabertos com os dele. Não foi o desejo urgente que lhe aqueceu o sangue, mas sim o beijo doce. Ele saboreava a pele suave conforme percorria o rosto e, depois, retomava os lábios. Seduzia tanto a si mesmo quanto a ela, roubando-lhe o fôlego através da boca rubra. Os lábios de ambos provocavam sensações abrasadoras ao longo do corpo. Devagar, Davey mergulhou os dedos nos cabelos negros e encontrou a delicada curva da orelha. Acariciou o lóbulo com extrema gentileza. Meredith soltou um gemido frágil. Com uma das mãos, Davey apoiou-se no tronco da árvore. Queria afagar a protuberância macia dos seios. Controlou a vontade de deitar-se com ela sobre a grama. Evitou imaginar-se colado ao corpo curvilíneo, mas o desejo parecia engalfinhá-lo. Possuir Meredith significava o paraíso. Davey não se esforçou para ocultar os pensamentos e as imagens que fluíam em sua mente. No entanto, Meredith mostrouse defendida. Ela negava a beleza e o sentimento de Projeto Revisoras completude que ambos poderiam partilhar. Furioso, Davey aprofundou o beijo. Instantes depois, afastou-se, satisfeito apenas com o tremor do corpo feminino e os suspiros de paixão que ela emitia. A reação quase o fez perder o controle. Seja cautelosa. As palavras ecoavam como sinos estridentes. Determinada, ela tinha de resistir. Queria tocá-lo. Desejava acariciar os cabelos rebeldes, abraçá-lo e permitir que o prazer selvagem dominasse seus sentidos. Malicioso. Sedutor. Perigoso. Seu guerreiro possuía as três qualidades. E Meredith queria mais. O corpo ardia de necessidade. Tinha de ser forte para combater a luxúria que Davey incitava. Devia ouvir a voz da consciência que a alertava a não sucumbir à magia que crescia entre ambos. Seja cautelosa. Lembre-se da promessa que fez horas atrás. Mas o jogo de sedução liderava o caminho onde a paixão despertava os sentidos. Em seus lábios havia somente o sabor de Davey. A essência também era vigorosa. Ela deu um passo à frente, pisando nas ervas que liberaram sua fragrância. Fechou os punhos a fim de evitar tocá-lo. Contudo nada podia fazer para bloquear o tremor passional. As carícias de minutos atrás pareciam impressas em seu corpo. As sensações eram novas para ela, e sufocantes. Queria parar o tempo e Projeto Revisoras experimentar cada uma delas, mas Davey a distraiu quando mordiscou-lhe os lábios. Meredith soltou um gemido lânguido. O coração batia acelerado. Ela não conseguia respirar direito. As pernas bambearam, forçando-a a sustentar-se no corpo viril. E, quando fez menção de entregar-se a outro beijo ardente, ele recuou. O movimento severo interrompeu a avalanche de calor que os unia. Davey estava ofegante, e seus olhos adquiriam um brilho sombrio, enquanto as faces tornavam-se rubras de paixão. Ele não mais a tocava. Os lábios de Davey se curvaram em um sorriso sutil. Fascinada, Meredith queria beijá-lo até perder totalmente a razão. — Você pretendia me impedir? — ele perguntou. — Sim. Creio ser o certo a fazer. — Não sabe mentir, Meredith. Você oferece um banquete de delícias que jamais partilhou com homem algum. E seus deuses, milady — Davey comentou —, nunca lhe darão o mesmo em troca. Os olhos cinzentos cintilaram de raiva. Ela ergueu a mão para estapeá-lo, mas Davey segurou-lhe o pulso. — Cheguei perto da verdade? — O que acontece entre mim e meus deuses não lhe diz respeito, Davey. Você não é Projeto Revisoras como nós. Não é e nunca será um Cymry. Jamais poderá entender minha servidão a eles. Meredith encarou os dedos que prendiam seu pulso até que ele a soltou. Tentou afastar-se, mas Davey a bloqueou. Estudou o lindo rosto e ateve-se aos olhos cinzentos. Quis penetrar no escudo que ela impunha. Havia algo mais a dizer. Davey aguardou, ainda impedindo-a de fugir, e logo percebeu que Meredith nada diria. — Sou grato pela cura que me proporcionou. — Ele acariciou os cabelos negros, embevecido. — Não pude evitar meu desejo. Vamos, Meredith, diga que me perdoa. O olhar repressor o forçou a afastar-se. — Não é fácil admitir que estou errado, mulher. Tampouco me agrada o ciúme que sinto do poder que os deuses têm sobre você. Meredith não queria ouvir mais nada. Sabia que ele falava a verdade. Davey estava com ciúmes. Gomo não conseguisse controlar a atração que sentia, ela apenas assentiu. — Eu o perdoo. Mas me prometa que nunca mais voltará a esse assunto, Davey. A luz da manhã coloria as faces de Meredith. Ele a tocou, apaixonado. — Prometa-me, Davey. — Quer que eu minta depois de tudo que Projeto Revisoras passamos juntos? Não me obrigue a prometer. Sinto que algo mudou em você. Algo está lhe causando dor. Essa nova intimidade é estranha para mim, Meredith. Esperei escutar sua voz quando ardia em febre meses atrás. Não entendo por que insiste em reprimir o que podemos viver juntos. Há mais que paixão entre nós, e você sabe disso. Quero... Suspirando, Davey fechou os olhos. — Ora, sabe muito bem o que quero. Não vou forçá-la. Eu... Mas as palavras se perderam no instante em que ambos ouviram vozes e cavalos aproximando-se. CAPÍTULO XVI - Vamos! — Davey puxou-a em di-reção ao aglomerado de árvores que rodeava a clareira. Meredith não perdeu tempo. Ergueu a barra do manto e do vestido e as prendeu no cinto para que não atrapalhassem os movimentos. Quando Davey levantou-a, ela agarrou um dos galhos. A árvore possuía ramificações grossas e robustas, facilitando a escalada à vasta copa que a Projeto Revisoras esconderia. Mas, para seu desaponto, Davey não a seguiu. Ele esfregou o pé no solo, onde seu corpo ainda estava impresso, para apagar a pista e, em seguida, olhou Meredith. Assentindo, precipitou-se ao outro lado da clareira e desapareceu. Desesperada, Meredith queria chamá-lo. Porém homens armados já cavalgavam abaixo dela. Quieta, contou a tropa de soldados que por ali passavam: dezesseis homens e quatro cavalos carregando suprimentos. O mais importante, todavia, era Davey. Onde estaria? Tão logo atinou que os homens vinham do sul, Davey recordou que o velho lhe dissera que soldados seriam enviados ao feudo incendiado. Ele os acompanhou, mantendo-se escondido na floresta para não ser visto. Os cavalos que transportavam suprimentos eram seu alvo. Mas não todos, pois a ganância poderia prejudicá-lo durante o roubo. Achou ingenuidade da parte dos soldados cavalgarem em fila. Dessa forma, ficavam vulneráveis. Davey cobriu as roupas de galhos e folhas. A maioria dos homens já estavam fora de sua visão, restando somente os quatro últimos e os cavalos carregando alforjes. Projeto Revisoras O último soldado não prestava a menor atenção aos animais que puxava. Davey rolou até o ponto em que o cavalo iria passar, assobiando em tom baixo uma melodia especial que ele usava apenas para cavalos. Tratava-se de um talento nato que os três irmãos Gunn partilhavam, e o animal nem sequer relinchou quando Davey utilizou a faca para cortar alguns sacos. Silencioso, ele sumiu floresta adentro. Não tinha ideia do que havia roubado, mas sabia que ele e Meredith dariam algum uso ao furto. Davey caminhou em direção à árvore em que Meredith se escondera. Jogou os sacos no chão e aproximou-se do tronco. — Seu ladrão voltou. Venha festejar comigo, milady. — Na ponta do pés, ele tentou enxergá-la entre a folhagem. — Meredith, o local está seguro. Instantes após, Davey entendeu o súbito arrepio que sentiu na nuca. — Meredith! Era perda de tempo subir na árvore. Mesmo assim, ele o fez. Sobre um dos galhos, olhou para baixo e divisou um pacote de tecido preso entre as folhas. Tinha certeza absoluta de que Meredith o deixara ali para que ele encontrasse. O cálice. Bem longe, ao norte, um dos soldados escutou um grito e perguntou que som era Projeto Revisoras aquele. — Parece o grito do inferno — um deles replicou. — Deve ser um lobo — outro supôs. Olharam ao redor, temendo as forças malignas, enquanto os gritos ecoavam na floresta. Meredith emergia de quando em quando do estado de torpor causado pela poção vil que Owain a obrigara a beber. Cavalgava ao lado dele, presa e amordaçada. Tentou se lembrar do que acontecera, mas o esforço a esgotava. Pensou que estavam galopando, já que o vento cortava-lhe o rosto. Davey ficaria furioso, como os deuses, porque permitiram que Owain a encontrasse. Quando a escuridão ameaçou surgir novamente, ela sentiu-se caindo. Mas Owain a empurrou. — Nunca mais irá escapar de mim, Meredith — ele bradou. — Tenho estudado seu guerreiro e sei que ele virá atrás de você. E, quando assim acontecer, vou matálo. A Espada da Justiça e o Cálice da Verdade serão meus. E você, principalmente, render-se-á a mim. Davey desceu da árvore, agarrado ao cálice como se o objeto fosse o único elo com Meredith. Sôfrego, encostou-se no tronco. O coração batia disparado em seu peito. Abriu os lábios para extravasar a ira, mas nenhum som emergiu. Ele a tinha perdido. Projeto Revisoras Havia subestimado a servidão aos deuses, e, por punição, eles a entregaram a Owain. Meredith], gritou em pensamento. Não houve resposta. Precisava encontrá-la. Mas onde e como? Não possuía nada além dele próprio. Nem feitiço, encantamento ou meios de ver o futuro. Esquadrinhou a clareira, ignorando o medo de perder Meredith para sempre. Tinha de descobrir o que ocorrera ali. Algo a fizera descer da árvore. Relembrou o estardalhaço que os soldados haviam feito. A tropa rumava para norte quando Davey roubou os alforjes. Caminhou devagar, à procura de alguma pista sobre a terra, qualquer coisa que lhe informasse a direção que Owain tomara. O bruxo devia ter usado magia negra para apagar os rastros. Não havia sinais de luta ou rendição. Davey voltou à clareira. Eliminou a direção norte, pois, do contrário, ele os teria visto. Aonde Meredith dissera que teriam de ir para resgatar o terceiro presente sagrado? Estudava a floresta, com a mão sobre o punho da espada, quando sentiu outro arrepio na nuca. Alguém o observava. Usou o dom da percepção enquanto avaliava os arbustos e as árvores como possíveis esconderijos. Escutou um galho quebrando-se e puxou a Projeto Revisoras espada. Aquele que Owain deixara para trás era imprudente. O infeliz fazia mais barulho que um rebanho. Davey colocou-se em estado de alerta, pronto a atacar. Andou até o centro da clareira. Tinha certeza de que o oponente o atacaria. Beligerante, Davey ansiava por derramar sangue, mas não matar o homem. Precisaria interrogá-lo a fim de saber em que direção Owain fora com Meredith. O que apareceu da floresta deixou-o chocado. Ciotach relinchou e trotou à clareira. Depois de guardar a espada, Davey sentiu a raiva aumentar ao ver as marcas de chicote no lombo do cavalo. O garanhão estendeu o pescoço para cheirar o mestre. Davey recusava-se a ceder ao desespero. Ciotach necessitava de cuidados e ele precisava do cavalo. Enquanto trabalhava com o pouco que tinha, ele conversava com Meredith em pensamento, na esperança de que ela pudesse ouvi-lo. Meredith abriu os olhos lentamente. A noite estava tão negra quanto um poço sem fundo. Uma pequena luz avermelhada indicava uma fogueira. Precisou fechar os olhos. Sua cabeça latejava demais. Os lábios, a garganta e a boca estavam secos. As cordas que amarravam os pulsos e os tornozelos pareciam estancar a circulação do sangue de tão apertadas. O peito doía Projeto Revisoras conforme ela respirava. Encontrava-se em uma espécie de estábulo. Alguém roncou do outro lado. As baias dos cavalos permaneciam fechadas. Não ouvia vozes, nem mesmo aquela que a apavorava. Tinha uma vaga lembrança de Owain capturando-a, fazendo perguntas e dizendo-lhe coisas. Owain, terrivelmente bonito, possuía olhos que revelavam o brilho da loucura por trás do ódio. Meredith queria bloquear qualquer visão. Desejava mergulhar no vazio da escuridão. Não lutou contra a ameaça de outro desmaio. Nem sequer tinha noção do tempo. Teria se passado um dia desde que Owain a prendera? Ou dois? A dor de cabeça aumentava sobremaneira. A ação de pensar causava pinçadas agudas no crânio. Ficou petrificada quando escutou alguém virando-se sobre a cama de palha. Não queria que a descobrissem acordada. Precisava angariar forças para encontrar um modo de fugir. Pelo menos, podia contentar-se com o fato dè Owain mantê-la viva. Retrocedeu na memória e visualizou o sorriso cruel do bruxo ao sussurrar algo em seus ouvidos. O que ele dissera? Tentar lembrar-se era uma tortura insuportável. A dor aguda concentrava-se na testa, impedindo-a de raciocinar. Dessa Projeto Revisoras vez, quando a escuridão a envolveu, Meredith ficou grata. Davey caminhava pela trilha que levava à costa. O cavalo depauperado o seguia. Perdeu a conta de quantas vezes quase caiu. Meredith precisava dele e isso lhe dava forças para prosseguir. A fome não mais o incomodava. Sufocou a risada ensandecida que escapava. Os sacos que havia roubado dos soldados continham apenas grãos. Abandonara Meredith por nada. O cavalo resfolegou, fazendo Davey parar. Ouviu o som de água jorrando sobre pedras e rumou para a direita. Minutos depois, ele tirou a atadura que fizera com a manga da camisa e molhou o tornozelo e o casco do garanhão. Enquanto o animal saciava a sede, Davey lavou o sangue ressecado sobre as marcas do chicote, amaldiçoando Owain pela feroz crueldade. Meredith lhe contara quão poderoso era Owain. Portanto, ficou agradecido por Cio-tach ter sido poupado. Mas o sentimento de gratidão não removia a culpa. Seria melhor o cavalo ter morrido a ver Meredith nas garras de Owain. Davey sentiu um gosto amargo na boca. Ajoelhou-se na beira do riacho e jogou água fria no rosto, com o intuito de manter-se desperto. Pegou o cálice que amarrara ao cinturão. O simples toque parecia Projeto Revisoras aproximá-lo de Meredith. A lua esculpida no metal estava rodeada pelo nó sem emendas. Não se tratava de um objeto caro, mas mesmo assim, Owain o queria. Almejava o cálice e a espada. O bruxo, sem dúvida, planejava trocar Meredith pelos presentes sagrados quando Davey o confrontasse. Mas, na realidade, Owain não o faria. A vida de Davey fazia parte da barganha e Meredith jamais seria libertada. Encheu o cálice com água e o ergueu. — Meredith disse que este é o cálice da verdade. Se os deuses estiverem me observando, verão que vou beber neste copo. Ele bebeu sem parar até esvaziar o cálice e, mais uma vez, ergueu-o. — Como a espada, ele é um presente especial para o povo de Meredith. Com certeza, vocês não a deixarão falhar. Ela não pode se libertar da opressão de Owain. O homem desenvolveu um poder maligno que Meredith não consegue superar. Tornei-me servo da mulher Cymry e, através dela, sirvo a vocês. Mas tive ciúme porque queria ser o único a ocupar os pensamentos de Meredith. E por essa razão... eu falhei. A angústia o impeliu a gritar. — Escutem-me! Ofereço-lhes minha vida, desde que ela recupere os presentes e os devolva a seu povo! Projeto Revisoras O desespero o dominou. As palavras eram sinceras porque sua vida não significava nada sem ela. Davey incumbira-se de protegê-la e falhara. Continuaria a falhar a menos que Meredith estivesse ilesa quando a encontrasse. O que fiz a você, doce donzela? Ergueu o rosto para fitar o céu. As estrelas pareciam pequenos diamantes em um manto negro, e o luar refletia seus raios prateados no cálice. — Bebi neste cálice. Portanto, sabem que falo a verdade. Meredith pertence a vocês. Levem-me até ela. Deixem-me ajudá-la como prometi. Visualizou a imagem de Meredith em sua mente. Generosa e adorável. Os longos cabelos sedosos, os olhos cinzentos fixandose nos dele... O rubor da paixão nas faces, a promessa de um sorriso. Davey fechou os olhos e lembrou-se do sabor daqueles lábios e do desejo que ela não podia ocultar. O corpo trêmulo, mas sempre forte... A valente Meredith o desafiava, suportava ferimentos na carne, confortava-o em um momento, e no outro ditava ordens. Meredith era a única mulher de sua vida. Assim aconteceu com seus irmãos, e agora com ele. Uma vez encontrada a mulher certa, nunca mais desejaria outra. Nuvens cinzas rodeavam a lua. Estaria Projeto Revisoras Meredith fitando o céu e perguntando-se onde Davey encontrava-se? Saberia que ele ainda vivia? Temia Owain? Seu coração e mente teriam a certeza de que Davey daria qualquer coisa para estar junto dela novamente? Teria ela escutado seu chamado? Mais pesarosa, a angústia voltou a dominálo. Davey sabia o que iria fazer. Blasfémia! E não hesitou em desacatar os ensinamentos sacros que recebera na infância. Não negava a existência de Deus. Mas pedir ajuda a outras divindades era o suficiente para condená-lo ao inferno. Quase soltou uma gargalhada. Já se sentia no inferno após perder Meredith para Owain ap Madog. Nada poderia ser pior. Mergulhou o cálice na água. — Ouçam-me! Minha vida pela dela! O que pretendia ser uma súplica tornou-se um desafio. A noite pareceu envolvê-lo de tal forma que Davey sentiu-se sufocado. Sua mão segurava o cálice com vigor sob a água. Tentou enxergar, mas seus olhos não abriam. Fez menção de se mover, porém as pernas não obedeceram. Por fim, conseguiu tocar a espada. A lâmina estremeceu. Loucura! Ficou louco de só por imaginar que a espada tinha se movido, como se a arma ansiasse beber o sangue que ele prometera. Projeto Revisoras — Por favor, escutem-me — murmurou. — Por favor... CAPÍTULO XVII Meredith debatia-se para resistir ao sonho. ; imagens a atiçavam, oferecendo conforto e a promessa de realizar o desejosecreto de seu coração. Estava assustada. Ignorava o que o sonho pudesse revelar. Afinal, segredos deviam permanecer guardados. Mas o sonho prevalecia. Viu-se adentrando uma senda que ela jamais percorrera. Não existiam temores nesse lugar. De repente, notou que usava um vestido dourado, enfeitado de flores coloridas e pássaros. O traje moldava-lhe o corpo como uma segunda pele. As mangas longas aderiam aos braços e o decote acentuava a curva dos seios. Os cabelos estavam soltos, e no alto da cabeça, sobre a vastidão sedosa, havia uma tiara de ouro. Quem era ela para estar vestida como uma rainha? Os raios de sol penetravam entre os galhos das árvores que rodeavam a senda, e deitavam-se sobre a relva florida. O açude, Projeto Revisoras circundado por pedras cobertas de musgo, possuía uma superfície plácida. A água era tão límpida quanto cristal. Atraída pela água, Meredith aproximou-se e mirou o fundo do açude. A areia branca estava imaculada. Nenhum ruído perturbava a paz da senda. Ela podia sentir a magia daquele lugar e a presença de alguém a observá-la. Mas não pressentiu perigo. Reparou então que estava livre de preocupações e sofrimento. Das profundezas do solo, e através de seu corpo, emergiu a força curativa que lhe pertencia. Uma enorme sensação de bem-estar a envolveu. Feliz, ergueu os braços e rodopiou. O perfume de ervas e flores invadia o ar. O sorriso tornou-se risadas. Sentia-se abençoada pelos deuses. Deteve-se, de súbito, e olhou ao redor. Tamanha benção requeria um preço alto a pagar. Davey sonhou. Percebeu-se muito bem vestido, com botas polidas e uma túnica preta. Quando levantou o braço para empurrar os galhos das árvores, viu um brilho prateado. A Espada da Justiça refletia os raios de sol em sua lâmina, e ele carregava o Cálice da verdade. O som da harpa o guiava. Onde a melodia o levaria, Davey não sabia. Contudo, ela lhe Projeto Revisoras pertencia. Logo percebeu o repentino bemestar interior. Não, era mais que isso. Sentia-se forte, quase invencível. A melodia intensificou-se, e o pânico o dominou. Se perdesse o som, ele morreria. Correu pela floresta e parou ao escutar a música que o excitava e, ao mesmo tempo, fazia-o esperar pelo que estava por vir. O tom frágil das notas lembrava a voz de Meredith. A canção soava como uma mulher clamando pelo amor de seu parceiro, sua alma gémea. Havia promessa nos acordes. Davey deixou que a magia musical tocasse sua alma, coração e mente. Foi o instinto de guerreiro que o obrigou a empunhar a espada, mas Davey não se apavorou. Não pressentia ameaças malignas, enquanto seguia a adorável melodia que o guiava pela trilha da floresta. Tal qual a voz de Meredith, o som da harpa era eloquente e passional. O desejo pela mulher escolhida cresceu. Davey apressouse, na esperança de encontrá-la novamente. Enfim a senda se abriu em uma clareira. A música e a magia estancaram. Ele prendeu a respiração ao divisar o desejo de seu coração. Ela brilhava em um vestido dourado, com cinto e tiara de ouro. — Eu sabia que você viria — Meredith sussurrou em voz melodiosa. — Sua bruxaria me atraiu. Ela riu. Projeto Revisoras — Alguns homens me chamam de bruxa. Não os condeno. Mas você me conhece muito bem, Davey. — Sim, conheço. — Ele notou que Meredith fitava o cálice. — Vim devolver-lhe o Cálice da Verdade. Gentil, ela deu um passo à frente para segurar o cálice. — Você bebeu nele. — É verdade. — Não foi apenas o ato de beber que o impediu de mentir. Davey o fizera por vontade própria. Os olhos de Meredith revelavam uma emoção desconhecida. A senda envolvia o espírito em uma aura de paz. — Era você quem tocava a harpa? — Escutou a canção, Davey? — Claro. Foi ela que me conduziu até aqui. Sei que parece tolice, mas achei que o som representava sua voz me chamando em sonho. — Jamais o considerei um tolo, Davey. — Ela indicou a senda. — Tem razão. Estamos partilhando um sonho. Mas não usei feitiçaria para atraí-lo. Não poderia. Owain. O nome e o homem postaram-se entre eles. Davey recusava-se a enfrentar o demônio naquele local. Pensou no que ela havia dito sobre usar feitiçaria: — Sabe por que fui enviado? — Os eventos vêm e passam. Tudo será Projeto Revisoras claro quando chegar a hora. — Você me disse as mesmas palavras tempos atrás. Agora lembro que Peigi as repetiu para mim. Ela me deu algo de minha mãe, o qual eu esqueci. Também avisou-me que eu deveria usar esse objeto somente quando houvesse necessidade. — E há necessidade? — Necessito de você. — Davey segurou-lhe as mãos. — Afinal, este sonho não é um presente dos deuses? Meredith ficou tensa. Jamais dissera a ele que o sonho representava uma dádiva. Na verdade, ela tivera tal pensamento antes de Davey aparecer. Fitou o cálice. — Davey, o que você fez? — Nada. Vim a seu encontro. — Davey entendeu o que ela quis dizer quando a viu mirar o cálice. — Olhe para mim, Meredith. Olhe para dentro de mim. Vê malícia ou subterfúgio em meus olhos, mente e coração? Você pode me ler tanto quanto consigo interpretar as ações de um guerreiro em batalha. Sabe que eu bebi do cálice. Ele posicionou o cálice entre ambos. — O Cálice da Verdade, como você mesma disse. Ninguém pode mentir após beber o líquido que ele contém. E não fui leal somente a você, milady? Meredith fitou os olhos castanhos e não Projeto Revisoras enxergou trapaça ou mentira. Também usou seu poder para penetrar na mente de Davey. Ele não tentou ocultar os pensamentos. Tinha certeza de que não mentia. No entanto, a omissão significava uma forma de mentira, e essa falta ele havia cometido. — Você afirma que este sonho é um presente dos deuses. E estes irão exigir um pagamento. Sei que lhes pediu essa dádiva. Espero que o preço seja válido. — Chega! O presente pertence a nós dois. Vai desperdiçar o sonho com recriminações? Eu não. Meredith, senti sua falta. Precisava estar com você assim como necessito do ar para respirar. Pretende me condenar por isso? Quem se moveu primeiro, ela não pôde saber. Mas, em instantes, viu-se envolvida pelos braços fortes e escutando as batidas do coração de Davey. Naquele homem, Meredith possuía o guerreiro e o amante. Mas não podia revelar tal segredo. Ficaram abraçados por um longo momento, sentindo o aroma da natureza. Tudo ao redor estava envolto pelos raios dourados do sol. Davey afagou os cabelos negros e fechou os olhos para absorver a sensação que o corpo macio estimulava. O que estava por acontecer entre eles era desconhecido. Porém o prelúdio prometia algo Projeto Revisoras inenarrável. Ter Meredith tão próxima significava o paraíso. Ele sentiu o sorriso antes que ela o fitasse. Havia somente alegria no rosto feminino. Davey não queria falar. Palavras lhe faltavam. Notou que a respiração de ambos tornava-se ofegante. Um calor fervoroso dominou-lhe os sentidos. Memorizou cada traço da face ruborizada, deixando o desejo crescer até transformarse na essência tão conhecida pelos garanhões. Ela fechou os olhos, e Davey saboreou o ato de rendição. Sua mente se abriu para ele. Meredith deslizou as mãos pelo pescoço e acariciou os cabelos rebeldes. Entreabriu os lábios para convidá-lo a um beijo. — Beije-me, Davey, até que não reste o amanhã. Vamos viver apenas este momento. Ele a obedeceu, submisso. Os lábios firmes cobriram os dela, como se o gesto sensual os fundisse em um só ser. A necessidade pareceu explodir com tanta intensidade que o solo rompeu-se, formando uma redoma dourada onde somente as sensações prevaleciam. Davey sentiu-se maravilhado, enquanto se beijavam sob a poderosa incandescência. O desejo carnal equilibrava-se com a terna sedução que ela exigia. O que vivia com Projeto Revisoras Meredith era indescritível. Almejava uma paixão que excluía todo o resto. Meredith era seu coração e mente. Comandava o corpo masculino e aquecialhe o sangue. Emoções, pensamentos e resposta física estavam à mercê da mulher através da ligação completa. Meredith percebeu que Davey havia derrubado o cálice. Seu corpo moldava-se ao dele. O prazer intenso lhe pertencia, mas duplicou quando libertou o desejo que guardava para si. No instante em que o beijou tornou-se ainda mais ardente. Aromas misturavamse ao calor sensual. As fragrâncias masculina e feminina transformaram-se em um único perfume. Tudo em volta os excitava. Ela tremeu quando Davey traçou as curvas do lóbulo delicado, estimulando a tóxica sensação de ser amada por ele. O calor dos lábios gentis percorria as faces, as têmporas e os olhos. Meredith espantava-se com o fato de ele achá-la sensual e desejável a ponto de dar a própria vida para possuíla. Quando as carícias atingiram o pescoço alvo, ela sentiu-se derreter. O toque trouxe nova intensidade ao prazer. Mãos afoitas, temendo o fim daquele breve interlúdio, soltaram o cinturão da espada. Com o mesmo vigor, Meredith despiu-se, Projeto Revisoras aflita para livrar-se das barreiras que as roupas impunham. Agora nus e em total intimidade, ela se mostrou tão frágil e terna que Davey precisou conter-se para ser gentil em suas carícias. Meredith conhecia cada músculo daquele corpo viril devido às noites de vigília, quando tratara dos ferimentos do guerreiro. Contudo, nunca o havia tocado, apenas visto. Tentou dizer-lhe quão encantava estada, mas os sussurros não atravessaram a paixão que Davey manifestava. Os seios já túrgidos roçavam o tórax musculoso. Ela ardeu de desejo quando ele agarrou-a pelos quadris. Uma onda de tensão emergiu. Meredith arqueou o corpo. Davey então sugou a ponta dos mamilos. O toque quente da pele espalhou-se. Ele percorreu a protuberância dos seios, mordiscou e beijou cada curva. Meredith cravou as unhas nos ombros largos, fogosa. — Nenhum homem conheceu a fome que sinto agora — Davey murmurou. As carícias continuaram pelo ventre macio. Era loucura resistir a tanto ardor. De súbito, ela sentiu pânico ao pensar que Davey poderia sugar-lhe a alma e o corpo. Mas a urgência do desejo aumentou quando ele atingiu a região entre as pernas. Os tremores emergiam sem cessar até que Projeto Revisoras Meredith entrou em choque. Gemia a cada gentil exploração, embora se sentisse tensa. Porém, Davey sabia quão preciosa era a confiança que ela depositava nele. Os gemidos tornaram-se gritos de prazer. Ele a segurava com firmeza enquanto acariciava o portal da feminilidade. Sob os pés, Meredith percebia o poder da terra que estivera a seu comando. Ao abrir os olhos, divisou a luz dourada e escutou a melodia sensual da harpa. Magia. Era isso que realizavam. Mas queria algo mais, algo que não tinha nome. Seu corpo ansiava pelo dele. Precisava completar o que haviam iniciado no primeiro ciclo da vida. O prazer que a dominava era tão intenso que ela pensou em morrer. Melhor que a morte foi a radiante explosão de sua primeira experiência de êxtase. Antes que ela pudesse gritar, Davey beijoulhe os lábios. Meredith sabia que se tratava de uma oferenda sagrada, um presente que ele jamais dera a mulher alguma. Por sua vez, ela lhe ofereceria a virgindade. — Junte-se a mim, Davey — implorou, sôfrega. — Por favor, o tempo urge. Então ele a penetrou. Meredith não queria, tampouco precisava de estímulos. O mesmo abandono selvagem que o comandava agora a envolvia. Abraçou-o com as pernas e os braços, Projeto Revisoras beijando o rosto do guerreiro, enquanto absorvia o sabor salgado do suor. A dor foi aguda, mas, de alguma forma, pareceu-lhe doce contra a fina pele que protegia a virgindade. Minha. Agora e antes. Aqui e para sempre. As palavras de Davey tornaram-se dela também. Os cabelos formavam um manto negro sob o rosto desejoso. Davey incrementava os movimentos, provocando-a. Linda. Os sorrisos se perderam em um beijo. Para Meredith, ele era maravilhoso. Enquanto o observava, sentia os músculos enrijecerem; sentia o poder viril aproximar-se do clímax. O rosto rosado em contraste com os sedosos cabelos negros transmitia sensualidade. Meredith o abraçou, recebendo-o em sua intimidade. Fechou os olhos quando percebeu que o momento chegava. Partilhou com ele outra vivência de completude. Havia se tornado a mãe terra, e ele a água da vida. Um não podia existir sem o outro. E ali, unidos, formavam o santuário mágico. Mas se tratava de um sonho. E logo a realidade começou a prevalecer. Davey resistiu. Meredith o persuadiu. Era uma dádiva para guardarem em seus corações, a despeito do que aconteceria depois. Contudo, ele precisava de um último beijo antes de render-se à sabedoria da mulher Projeto Revisoras Cymry. Saberia Meredith quão profunda era sua rendição a ela? Vestiram-se apressados, porque o som da harpa desaparecera e agora sombras invadiam a senda. A brisa sacudia as folhas e murmurava: depressa, depressa... No entanto, havia um último pedido. Davey pegou o cálice e o mergulhou na água do açude. Meredith o observava, ajeitando a tiara nos cabelos. Ele voltou e ajoelhou-se diante dela. — Beba comigo, milady, e faça uma jura. — Davey estendeu-lhe o cálice. — Jure que um dia iremos nos unir para sempre. Se não for nesta vida, que seja em outra. Com a mão trêmula, ela tocou a haste do cálice. Se após beber a água fizesse a jura, ela estaria renegando os deuses. A morte seria o menor preço a pagar. Pensou em contar a Davey, mas'os olhos castanhos mostravam saber a verdade. Como poderia negá-lo? Ele era sua alma gêmea. Sempre fora e continuaria sendo pela eternidade. Meredith segurou o cálice. CAPÍTULO XVIII Projeto Revisoras Davey lutou bravamente contra o despertar. Não a abandonaria! Mas a nítida imagem da senda já se dissipava. O som da harpa e a trilha da floresta desapareceram. A visão de Meredith fenecia enquanto ele a olhava. Tentou alcançá-la, gritava seu nome temendo perdê-la. A súplica ficou sem resposta. As sombras o envolveram. Por fim, abriu os olhos, encharcado de suor. Agarrou a espada. Acima dele havia apenas a lua coberta por nuvens acinzentadas. Sentiu-se vazio. A dor, pior que os ferimentos de batalha, o dilacerava por dentro. Davey esbravejou, mas ninguém o escutava. Ciotach resfolegou e trotou até seu mestre. Davey sentou-se, esfregando as têmporas. Precisava recuperar o controle das emoções. Repetidamente, tentou convencer-se de que fora um sonho etéreo. Estivera com Meredith. Ele a beijara e acariciara o corpo quente. Davey fizera amor com ela. No entanto, quando olhou ao redor, viu que continuava no mesmo local onde havia estagnado de exaustão. Ciotach aproximouse, e, irritado, ele empurrou o focinho do garanhão. Iria ficar louco! Nada havia sido real? O cálice! Tateou os arredores até encontrar o tecido. Abriu-o e segurou o cálice com as Projeto Revisoras duas mãos, tal qual fizera em sonho. — Santo Deus! Onde está você? — exclamou. Não sabia por que virava o cálice para recolher o conteúdo na palma da mão. — O que está fazendo, seu idiota? Não obteve resposta. Esperou um longo tempo, quase uma eternidade, e foi recompensado pela paciência e fé. Uma minúscula gota de água escorreu do cálice e tombou sobre sua mão. Uma gota tão diminuta quanto um grão de areia. Mas Davey sentiu aquela confortável sensação que abrandou o receio por Meredith, e um sentimento de paz o invadiu. Tudo aconteceria como fora escrito. Uma corrente de calor percorreu sua perna, advinda da bolsa de moedas. — Tudo será claro quando chegar a hora — sussurrou. Davey abriu a bolsa e retirou o pequeno pacote que Peigi lhe entregara. Não se lembrava de têlo guardado, mas ficou aliviado por ainda mantê-lo consigo. Aquela era a fonte de calor. Peigi dissera que sua mãe havia lhe pedido que entregasse o objeto a Davey. Fazia tempo que não pensava na mãe. Recordou os cabelos cor de ébano e o olhar sereno. Diziam que Davey havia herdado os mesmos olhos. Lady Gunn casara-se por obrigação, mas os anos de união e os filhos Projeto Revisoras tinham estreitado os laços que a uniam ao marido. O dom de percepção que Davey recebera viera de sua mãe. Ela sabia ler as runas antigas e seguir as estrelas. Uma das três meninas que Jamie adotara possuía o nome dela... Onora. Davey sussurrou o nome da mãe e abriu o pequeno pacote. Embora estivesse escuro demais, percebeu que no tratava de uma pedra. Segurou-a entre os dedos e a ergueu na altura dos olhos. Enquanto a segurava, a luz de todas as estrelas acumulou-se na pedra. O brilho intenso ofuscou-lhe a visão, causando uma repentina dor de cabeça. Não conseguia impedir a transformação, mas se sentiu grato pelo presente. Mal pôde conter a impaciência quando a imagem começou a tomar forma. Nesse ínterim, antes de entender o que acontecia, Davey percebeu por que a pedra era especial. O sofrimento físico, que em geral acompanhava suas tentativas de visionar o futuro, não estava presente. E a dor de cabeça havia passado. — Deus a abençoe, mãe. E a você também, Peigi, por se lembrar. Quando divisou o estábulo sob o brilho do luar, tinha certeza de que Meredith ali se encontrava. Davey notou também vultos circulando ao redor dela. O coração disProjeto Revisoras parou por alguns segundos. Meredith, sua outra metade, estava lá. Era tudo que precisava para sentir-se inteiro. Davey nunca controlara o dom da segunda visão. Ele surgia ao acaso, revelando imagens sem sentido até que o evento ocorresse. Mas naquela noite tudo era diferente. Ele e Meredith estavam em lugares distintos e, no entanto, era capaz de observá-la. Não foi o suficiente. Nada o tranquilizaria, se não pudesse tomá-la nos braços novamente. Tinha de saber onde Owain a prendera. Concentrado, Davey bloqueou todos os pensamentos. Fechou os olhos e a chamou. Necessitava acreditar no sonho que haviam partilhado para que o elo de comunicação entre ambos funcionasse. Por mais doces que fossem, as palavras sussurradas não a despertavam. Podia ver que ela dormia profundamente. A vontade de tocá-la pulsava em seu peito. Ou Owain usava sua arte macabra para isolá-la, ou o dom de Davey representava apenas um brinquedo nas mãos dos deuses. De repente, as imagens em sua mente tornaram-se foscas. Davey fixou o olhar no brilho da pedra até sentir a vista arder. Apertou-a na palma da mão. Inútil. Sentiuse tão indefeso quanto um novilho. Ao erguer o rosto, notou a luz pálida que Projeto Revisoras emergia no céu. A manhã logo se anunciaria. Não podia continuar sentado ali. Antes de guardar a pedra, olhou-a pela última vez. Não enxergou Meredith. Tinha a impressão de que o homem de costas para ele não era Owain. Pouco importava. Davey estava mais interessado nas intenções do bruxo. O alvorecer, impresso na imagem, revelava uma larga porção de água e navios ancorados à costa. Outro homem surgiu e, mais uma vez, ele pressentiu que não era Owain. Os dois sussurravam, mas não viravam o rosto para que Davey pudesse vê-los. Considerou-se um tolo por não atinar para o poder que tinha nas mãos. Não se assemelhava ao dom de prever o futuro. A preciosa pedra o ajudava a seguir o rastro de Meredith e descobrir onde Owain a levara. Não havia tempo a perder. Com ou sem pedra, precisava estar perto deles. Ainda tinham de recuperar o anel e a harpa. Somente os deuses sabiam o que Owain faria a Meredith para que ela revelasse a localização dos objetos. Quando Davey aproximou-se do cavalo, descobriu que os deuses lhe haviam dado outro presente. Os ferimentos do garanhão desapareceram. Montar sem o benefício da sela não representava obstáculo; Davey e Projeto Revisoras seus irmãos tinham sido criados no lombo de cavalos. Com a pedra, o cálice e a espada, ele cavalgou em direção à costa, rumo a sua amada. A necessidade desesperada de rever Meredith o impelia. Temia que as imagens da pedra logo desaparecessem. Portanto, esporeava Ciotach para um galope ligeiro. De quando em quando, fitava a pedra. Devido ao ódio que o consumia, Davey ignorava sua reação ao encontrar Owain ap Madog e salvar Meredith. Meredith acordou, imaginando que Davey a chamava. Mas descartou a possibilidade. Era Owain quem se inclinava sobre ela, sacudindo-lhe os ombros para despertá-la. Zonza, abriu os olhos e mirou a expressão colérica. Sentindo um peso súbito no estômago, ela expeliu o conteúdo da porção diabólica que ele a forçara a beber. Foi com satisfação que Meredith testemunhou a indignação de Owain. Ela havia sujado o traje impecável. Assim que Owain ergueu o punho, ela o encarou com toda a fúria que possuía. Resmungando impropérios, Owain baixou o braço. Porém Meredith não era tola. Ele a espancaria até obter o que desejava. Antes, contudo, ele tentaria dissuadi-la, usando de sedução para encontrar os outros presentes sagrados e Davey. Mas Projeto Revisoras Meredith preferia morrer a confessar tamanho segredo. — Cariad, sua resistência é desnecessária. Ambos queremos o mesmo: ver nossos presentes em poder do povo Cymry como diz a profecia. O tratamento Cymry soava doentio na língua de Owain. Meredith não respondeu, tampouco continuou a encará-lo. No entanto, ele faria tudo para quebrar o encanto que a mantinha intocável. Iria torturá-la até transformá-la em uma serva submissa. Sem aviso, um arrepio gélido percorreu seu corpo. Podia sentir a intenção maléfica de Owain, caso não conseguisse sujeitá-la a sua vontade. — É tão linda quanto imaginei — Owain disse, acariciando os cabelos de Meredith. — Seu guerreiro não pode ajudá-la agora. Se ainda não morreu, ele logo irá fenecer. E o que você vai fazer contra mim? — Os deuses cuidarão de você. — Assim que as palavras surgiram, ela se arrependeu de proferi-las. Era isso que Owain queria. Pretendia mostrar-lhe o poder maligno. — Lembre-se, cariad, sirvo a meus deuses, tal qual você serve aos seus. Creio que irão se divertir quando se. voltar contra os ensinamentos. Conheço o resultado de qualquer disputa entre nós, Meredith. Devia usar sua sabedoria para render-se a Projeto Revisoras meus poderes e conceder a derrota. Perderá tempo, se continuar a me desafiar. Com um estalar de dedos, o fogo adquiriu vida. Pwyll acrescentou lenha à pequena chama. Em segundos, labaredas emergiram. — Olhe para o fogo. Veja quão tolo é depender de seu guerreiro. Olhe! — Owain a agarrou pelos cabelos e a arrastou até a fogueira. A risada de Meredith o confundiu. — Olhe você para o fogo — ela rebateu. — Vejo apenas chamas e nada mais. Owain mirou o centro esbranquiçado do fogo e nada enxergou. Murmurou encantamentos, contendo a ira. Praguejou, mas as chamas recusavam-se a projetar a imagem de Davey. A garganta de Meredith ficou seca. Fitou o rosto insano, e um medo avassalador a dominou. O homem a tocou com as mãos frias. Ela gritou quando Owain puxou-lhe o braço para trás e o torceu. Os dedos deformados apertavam os ombros de Meredith, causando uma dor absurda. Abaixou a cabeça na tentativa de aliviar a aflição, mas não conseguiu. — Você vai me dizer o que quero saber — Owain exigiu. — Irá suplicar para que eu a mate antes do anoitecer. Embora desejasse enfrentá-lo, Meredith sabia que quanto mais protelasse o Projeto Revisoras confronto, mais chances Davey teria de encontrá-la. E ela precisava ser salva o mais rápido possível. — Se me ferir, não conseguirá o que quer, Owain. Você pode saber onde encontrar os outros presentes, mas nunca lhes dará vida. Após agonizantes minutos, um pouco de sanidade retornou aos olhos de Owain. — Se continuar a me irritar, cariad, pagará um preço alto. Você lhe deu a espada e o cálice. Ele tentará resgatá-la. E sei que adoraria ser espancada para que o guerreiro me destrua. Pois desista. Cei — Owain ordenou —, espere a chegada do homem das Terras Altas. Mate-o. Traga-me a espada e o cálice. Eu o recompensarei com tesouros inimagináveis. Cei esfregou as mãos e reverenciou Owain. — Como quiser, mestre. — Devia aprender com ele, cariad. — Owain se afastou e acenou para Cei. — Traga as flechas. Quero prepará-las devidamente. O sorriso era tão diabólico quanto o homem. Meredith mordeu o lábio até sentir o gosto de sangue. Owain pretendia envenenar as flechas. Mesmo que Cei não o matasse de imediato, o veneno tiraria a vida de Davey. — Prevejo lágrimas e súplicas de você. — Não confunda meus sentimentos para com ele, Owain. O guerreiro... — Poupe-me de suas mentiras. Eu os vi Projeto Revisoras juntos. Você se entregou a um homem de pouco valor. -- Nunca! Eu o usei, Owain. Do jeito que você usa estes homens e usou Dai para me atacar na floresta. — Foi uma estratégia inteligente. Você tem a tendência de proteger os fracos e oprimidos. — Será amaldiçoado por matá-lo! — Ele falhou, e a punição é a morte. Mas não vai me decepcionar, certo? Eu a mataria, se quisesse, mas creio que sua morte seria a única a lamentar. Owain voltou-se a Cei. — Cuide para que sua mira seja certeira. E, quando ele estiver morto, traga-me um trofeu. Quero a mão que ousou tocar minha espada e a mulher que escolhi. Sim, tragame a mão dele. Meredith berrou e continuou a gritar até que Owain cobriu-lhe os lábios com as mãos para silenciá-la. CAPÍTULO XIX Impaciente, Owain aguardava que Cei se juntasse a ele. Havia se hospedado em uma estalagem nas docas de Applecross, após Projeto Revisoras forçar Meredith a engolir mais uma dose de sua poção malévola. Vestindo o traje de monge, Owain não teve problemas para encontrar abrigo para si, para sua "irmã viúva" e para seus servos. No entanto, enquanto caminhava ansioso pelo quarto, ponderou se não devia enviar Pwyll para ajudar Cei. O guerreiro das Terras Altas havia provado ser talentoso. E, acima de tudo, ele possuía a espada. Owain evitou pensar no que aconteceu à tentativa de evocar a visão através do fogo. Olhou para o canto do quarto, onde Meredith dormia. Teria ela o poder de bloquear seu dom? Aproximou-se da janela que focalizava o cais. Ignorou o odor fétido de peixe. Com as mãos sob a manga larga do traje, ele refletiu acerca da resistência que Meredith insistia em demonstrar. Por que ela não cedia? Owain lhe apresentava um poder gigantesco, que nenhum homem ou mulher poderia conquistar. E, mesmo assim, ela o recusava. O que aqueles sacerdotes retrógrados fizeram a ela? Que tipo de promessas ofereceram para que Meredith sacrificasse a própria vida por eles? Os velhos tacanhos haviam esperado, planejado e esquematizado o nascimento de uma criança que iria unir o povo novamente. Mas Owain conhecia os Cymry. Projeto Revisoras Sabia que o amor pela guerra e o ódio à subserviência lhes proporcionariam força, a menos que ele provasse ser mais poderoso que todos os seres. E Owain seria o homem mais poderoso do mundo. Talvez até conseguisse dominar Cambria. Que os anciãos lessem as runas, seguissem as estrelas e fizessem seus rituais. Owain levantou a mão deformada. Sim, obteria sua vingança. E iria se regozijar só de vê-los queimar. Rindo, ele voltou a caminhar pelo quarto. De repente, deteve-se. Por que tinha tanta, certeza de que o guerreiro os encontraria no estábulo? O homem não possuía poderes. Como iria de encontro a Cei? Que terrível erro Owain havia cometido? — Pwyll! Sele um cavalo para mim. E tome conta dela. Uma simples falha lhe custará a vida. Davey devia mais à espada que ao rígido treinamento que recebera. Achou o estábulo e aniquilou o homem que o esperava para matá-lo. Nunca mais duvidaria das palavras de Meredith. Ela dissera que a espada aprimoraria as habilidades do guerreiro que a brandisse. Davey nem sequer imaginava que a lâmina poderia rebater a flecha que atingiria seu coração. Olhou a construção em ruínas que jazia na Projeto Revisoras estrada de Applecross. Dali podia divisar os mastros dos navios tal qual a visão da pedra. Mas chegaria a tempo de evitar que Owain tomasse algum barco com Meredith? Lamentou ter matado o homem antes de questioná-lo. Porém, o mais importante era manter-se vivo. Correu para onde deixara Ciotach. Pelo que pôde observar, Applecross assemelhava-se a uma precária vila de pescadores. Talvez descobrisse alguma pista de Owain. Antes de montar, segurou a pedra contra os raios de sol. O tom amarelo pálido nada revelava. Embora a fúria o dominasse, ele não jogou a pedra fora. Guardou-a na bolsa de moedas. Devolveu a espada à cintura e cobriu-se com a capa. A vila fora construída em uma planície ao pé das montanhas de Torridon. Davey avistou homens armados e com o brasão do conde Ross. Também notou vários monges dirigindo-se à residência prioral. A cena lembrou-o de ver Owain usando um traje parecido. Agora Davey tinha por onde iniciar a busca. Alguém devia ter visto Owain e Meredith. Dois navios mercantes estavam sendo carregados de barris e caixas. Davey esquadrinhou o horizonte para verificar se alguma embarcação havia zarpado. Projeto Revisoras Somente pequenos barcos de pesca navegavam, mas não o mastro que ele procurava. Entretanto, se Owain deixara um homem para matar Davey, o bruxo não partiria sem a espada e o cálice. Davey apeou. Levaria tempo para caminhar até as ruas da vila. Porém, durante o trajeto, poderia investigar sem ser notado. Pelo menos, assim esperava. Obrigando-se a ter paciência, tentou chamar Meredith em pensamento. No fim da rua principal, pequena ruelas se ramificavam como uma teia de aranha. Davey optou por continuar a busca próximo às docas. Caso nada conseguisse, procuraria pelas ruelas. Fixou o olhar em cada um dos monges. O instinto de guerreiro lhe dizia que Owain usaria o mesmo disfarce novamente. Era uma boa pedida. Os religiosos jamais recusavam ajuda a um irmão. O que Davey procurava precisamente era aquele cujo capuz escondia boa parte do rosto. Um grupo de meninos apareceu e tentou arrastar Davey e o cavalo ao estábulo. Ele os deteve e perguntou-lhes se tinham visto um monge com uma mulher nas últimas horas. Descreveu Meredith e Owain. Nenhum dos meninos os vira. A algazarra das crianças atraiu a atenção de três soldados. Quando os homens de Projeto Revisoras Ross se aproximaram, os meninos precipitaram-se às ruelas transversais. Davey permaneceu onde estava. Os três o encaravam, beligerantes. Davey, porém, tirou vantagem da situação. — Preciso de ajuda, soldados. A família de minha amada a raptou. Querem entregá-la à igreja, embora meu pai tenha oferecido um dote vantajoso pela noiva. Creio que ela esteja aqui, viajando com o tio. É ele que a quer na igreja. Se já se apaixonaram alguma vez, homens, ajudem-me a encontrá-la. Duvidosos, os três se entreolharam. O teor da história era frequente em famílias que possuíam muitas filhas e nenhum dote. E os padres sempre encorajavam suas ovelhas a ceder os filhos e filhas para servir às abadessas e aos priores. Os de poucos recursos realizavam tarefas domésticas. — Não tenho muito dinheiro, mas estou disposto a oferecer meu garanhão ao homem que me ajudar a encontrá-la. — Qual é sua intenção? — Comprar passagens no primeiro navio que nos tirar daqui. Escutem, estamos apaixonados. Pretendem me impedir? Davey adoçou a oferta com uma das moedas de ouro. Se os soldados não quisessem participar da busca, pelo menos não iriam atrapalhar. Ambos os casos serviriam a Davey. Projeto Revisoras Tão logo começou a descrever Meredith, ele a escutou chamá-lo. Respondeu em silêncio, ignorando os semblantes consternados a sua frente. Ela estava lá. Perto o bastante para alcançá-lo. Discretamente, Davey segurou o punho da espada sob a capa. Mataria qualquer um que se pusesse em seu caminho. Empurrou os homens de Ross e precipitouse às docas, implorando para que ela o guiasse. Não viu Owain sair a galope, pois o bruxo não mais usava o traje religioso. Tampouco Owain reparou no homem de capa que corria pelas docas com três soldados a seu encalço. Davey precisava saber se Meredith estava sozinha. Ela lhe contou que Owain a obrigara a beber uma poção que a deixara fraca e zonza. Explicou também que o bruxo havia partido de repente, depois de ordenar a um homem que a vigiasse. Tudo que Davey queria saber era onde ela estava. Em uma estalagem, perto das docas. Mas havia três estalagens no local. Temendo perdê-la, Davey jogou outra moeda de ouro aos soldados e pediu-lhes que procurassem em duas das estalagens. Nem sequer parou para perguntar por que o ajudavam; ateve-se à terceira hospedaria. Nesse ínterim, continuava a falar com Meredith, dizendo-lhe para distrair o guarda, porque ele pressentia quão Projeto Revisoras próximo estava dela. Distraí-lo? Meredith mal conseguia se mexer. Encarou Pwyll que, sentado à mesa, bebia uma caneca de cerveja. O semblante embriagado a vigiava. O efeito da poção de Owain não durou tanto tempo quanto a primeira dose. Ela podia pensar e comunicar-se com Davey. Lembrou-se, então, de que a única coisa que Owain não queria era chamar atenção. Meredith respirou fundo e gritou. Pwyll pulou na cadeira, derrubando a mesa e a cerveja para silenciá-la. Apesar do corpanzil, ele se moveu depressa. Quando o homem atravessou o quarto, prestes a espancá-la, Davey esmurrou a porta. Com o ombro, Davey golpeava a madeira. Havia uma barreira atrás da porta. Em minutos, os soldados, o proprietário e vários hóspedes se juntaram a ele. — Abra em nome do conde Ross! — um dos soldados gritou. Se Meredith não estivesse tão temerosa de ser estrangulada pelas mãos de Pwyll, ela sentiria pena da expressão confusa nos olhos do infeliz. Aquelas terras pertenciam ao conde. Portanto, não havia meios de recusar entrada aos soldados. Com a mão de Pwyll cobrindo-lhe a boca e o nariz, ela não podia respirar. Debatia-se para se libertar, enquanto escutava a comoção do outro lado da porta. O Projeto Revisoras proprietário discutia com Davey e vozes exaltadas exigiam passagem em nome do conde. Pwyll, enfim, soltou-a. Meredith conseguiu respirar, embora com dificuldade. Observou-o tirar a barreira e abrir a porta. A princípio, não avistou Davey devido à multidão de homens que invadiu o quarto. De súbito, alguém agarrou sua mão, e ela se viu acolhida por braços fortes. Davey abriu passagem, carregando-a. Recusou-se a responder perguntas e marchou pelo estreito corredor. — Consegue andar? — indagou a Meredith. — Acho que sim. Onde está Owain? Você o viu? Ignorando o questionário, Davey puxou a espada. — Vamos sair daqui. Acabarei com aquele que tentar nos impedir. Todavia, ninguém o fez. Do lado de fora, ele a acomodou em Ciotach e montou atrás dela. Em vez de tomar a estrada pela qual viera, Davey rumou para a praia. A única intenção era distanciar-se ao máximo de Owain. — Onde estão a harpa e o anel, Meredith? — Na Inglaterra. Temos de ir ao feudo em River Ribble, para além de Whalley. O anel está lá. — Precisamos de um navio. Sabe qual é o porto mais próximo? Ela refletiu por um instante. Projeto Revisoras — Há uma aldeia abaixo do castelo Lancaster, e ao sul, Liverpool. Davey esporeou o garanhão. Apertou-a com força, agradecendo aos deuses por tê-la encontrado sã e salva. CAPITULO XX Os dias de cavalgadura e preocupação com Meredith sugaram as forças de Davey, antes de ele encontrar um navio que os levasse até a costa da Inglaterra. A princípio, Meredith não conseguia se alimentar devido aos danos que a poção causara em seu estômago. Enfim, recolheu as ervas necessárias para preparar uma infusão que eliminaria de vez os efeitos do veneno maléfico. Davey detestava ter de forçá-la a seguir em frente, já que ela precisava de descanso. A lenta recuperação o impedia de fazer perguntas ou mencionar o sonho. Por fim, conseguiram entrada em um navio mercante, cujo capitão obrigou Davey a pagar caro para embarcar Ciotach. Abençoou o tempo em que se envolvera nos interesses navais do clã, pois demonstrou conhecimento e admiração pelo navio, Projeto Revisoras impressionando o capitão. Davey cobriu a cabeça do garanhão com um tecido escuro antes de guiá-lo pela prancha, para que o cavalo não se assustasse e caísse no mar. Contudo, não sabia que Meredith nunca havia navegado. — Juro que este navio é resistente, Meredith. O mar está calmo e o capitão sabe comandar a embarcação. — Ouvi dizer que uma pessoa pode morrer de enjoo. — Bobagem. — Davey virou o rosto. Lembrou-se da primeira vez em que navegou por mares bravios e quase caiu da amurada. — Davey? — Você não ficará doente. Sentirá apenas um desconforto. Venha. — Ele a abraçou pela cintura. — Vamos embarcar antes que eles partam sem nós. O que Davey não citou quando subiram a bordo foi que cada minuto de atraso permitiria a Owain alcançá-los. Não tinha dúvidas quanto a isso, e Meredith também o sabia, embora não mencionasse o nome do captor. As cargas já encontravam-se no navio. Não havia tempo a perder. As passagens custaram a Davey quase tudo que lhe restava de moedas de ouro. Apesar do medo, Meredith não ofereceu resistência quando ele a conduziu pela Projeto Revisoras prancha. As cordas foram puxadas pelos marinheiros, e as velas içadas. Davey a levou para além das caixas e dos barris que o navio transportava, e encontrou um lugar seguro, longe da atividade dos homens, para se sentarem. Tão logo a acomodou, ele a cobriu com a capa. O navio começou a se mover quando o vento atingiu as velas. Por alguns minutos, satisfez-se em abraçá-la. Mas Davey estava perturbado. Desde que escapara de Owain, Meredith falara muito pouco. Não referiuse ao sonho, tampouco perguntou como ele a achara. Então, contou-lhe o sonho e, enquanto discursava, Meredith mantinha a cabeça apoiada em seu ombro. Não podia ver-lhe o rosto. A voz tornou-se rouca ao descrever o ato amoroso e, em seguida, a tristeza o dominou quando explicou quão pouco o sonho havia durado. O silêncio se instalou. Meredith aconchegou-se ao calor do corpo másculo. Não podia acusá-lo de mentir. Partilhar um sonho como aquele só podia ser o resultado de uma negociação com os deuses. E sabia que as divindades eram imparciais em se tratando de favores e exigências. Um pavor repentino a invadiu. Que preço Davey havia pago pelo sonho? Ela não ousou perguntar. Tinha de negar o sonho. Se admitisse a verdade, que o desejo Projeto Revisoras por ela era tão poderoso a ponto de amá-la a quilómetros de distância com a ajuda dos deuses, estaria perdida. Sentiu a profundidade de Davey, a paixão retumbante, e a retribuía na mesma medida. Mas jurou que ele não saberia quanto o desejava. Seria melhor manter o segredo. Do contrário, Davey faria tudo para transformar o sonho em realidade. Lutou contra as lágrimas que ameaçaram surgir. Nunca existiria o momento de juntar-se a ele naquela união perfeita de coração, mente, corpo e alma. Por um instante, baixou a guarda e imaginou a conflagração paradisíaca da fusão entre ela e Davey. Mas não agora. Tinha de se concentrar em sua missão. E precisava descobrir que desejo a destruiria primeiro, o de Davey ou o de Owain. — O sonho foi apenas fruto da imaginação exaustiva de um homem pressionado além de seus limites — explicou, valendo-se da raiva como arma contra ele. Porém, Davey não ficou zangado. Somente suspirou e apertou-a entre os braços. — Talvez a poção que Owain a abrigou a beber tenha afetado sua memória. — Davey, o que quer de mim? Não partilhei esse sonho com você. Se não acredita, não posso ajudá-lo. Já lhe disse que não darei vazão ao desejo. Não vou trair meu povo. Projeto Revisoras — Quero seu amor. — Ele beijou-lhe a testa. — Eu o tive no passado e agora. Preciso ouvi-la dizer que me ama. — Não, é muito mais que isso, Davey. Você quer me ter só para si, quer me controlar. Nesse ponto, não é diferente de Owain. Meredith tentou se afastar, mas Davey a segurou. Ela resistiu até não lhe restar forças. — Por que nega a verdade? Meredith, estivemos juntos no passado, fomos amantes. Acha mesmo que não dimensiono o perigo que você corre ao entregar-se a outro? Como meus irmãos, encontrei a única mulher de minha vida. Há forças que se opõem a nossa união. Onde quer que você vá, eu a seguirei. Davey conteve a raiva ante tamanha teimosia. — E não tenciono controlá-la. A menos que tenha esquecido, milady, não estou tentando detê-la. Não sei nada sobre esses presentes. Após o que passamos juntos, ainda tem coragem de me comparar a Owain? — Davey, eu o magoei! Perdoe-me, por favor. — Perdoo tudo, mesmo sua cegueira diante do sonho que vivemos. — Ele passou as mãos nos cabelos, já ume-decidos pela maresia. Porém o odor do mar o acalmava. — Às vezes tenho a sensação de que a Projeto Revisoras magoei no passado e, por isso, você não consegue me perdoar. As palavras morreram ao vento. O suspiro profundo de Meredith disse-lhe que não haveria mais discussão. Mais uma vez, ele deixou passar. Faria de tudo para protegêla. Mas, assim que a missão estivesse terminada, Davey exigiria sua rendição. Navegaram pelo mar irlandês com a benção dos deuses porque nada perturbou a trajetória. Onde quer que aportassem, Davey não largaria Meredith. Atracaram na pequena cidade portuária de Raven-glass. Notando o mercado no cais, Davey disse ao capitão que ele e sua esposa, tal qual alegara de início, iriam fazer compras enquanto o navio era descarregado. Resolveu levar Ciotach para exercitar o garanhão. Meredith quis caminhar entre as barracas do mercado. Havia sacos de iguarias, pilhas de roupas e animais. O odor de pão fresco e outros alimentos exalava pelo ar. Quando Davey parou para comprar petiscos saborosos, sentiu que alguém os vigiava. Encarou Meredith, sem a necessidade de palavras para comunicar o pressentimento. A multidão ajudava-os a se esconder, mas também dificultava a localização daquele que os observava. Projeto Revisoras Caminharam, sossegados, saboreando iguarias e puxando Ciotach. — Talvez seja apenas um jovem galante querendo conhecê-la — Davey comentou e sorriu. O rosto de Meredith corou. Durante a viagem de navio, ela aproveitou o tempo a fim de cerzir uma nova túnica verde a Davey e para si, um humilde traje branco de algodão. Não estavam vestidos com elegância, mas a beleza de Meredith jamais seria disfarçada. Conforme fiscalizava a multidão, o desconforto de Meredith crescia. Apreensiva, rompeu o silêncio que havia imposto em relação a Owain. — Sente que ele está por perto? — Não tenho certeza. Descobrir um navio que não realizou tantas paradas como o nosso não representa dificuldade. No entanto, isso não explica de que forma ele nos acharia aqui. — Owain sempre sabe. Atenha-se em descobrir quem está nos observando. — Compre alguma coisa — Davey ordenou. — O suficiente para retornarmos ao navio. — É melhor irmos agora. — Não tenho intenção de permanecer aqui, Meredith. Podemos ser pegos em um piscar de olhos. — Davey a guiou até um grupo de mulheres em uma barraca de especiarias. O desconforto aumentou. — Acha que devemos continuar a jornada Projeto Revisoras por terra? — Acho. Não há lugar para se esconder em um navio. E aquele bastardo seria capaz de incinerar a tripulação inteira só para roubar você e os presentes sagrados. — Não diga mais nada. — Meredith agarrou a mão de Davey que segurava as rédeas do cavalo. Sabia que o terror que viveram no incêndio de Torridon ainda prevalecia. Então Meredith comprou uma cesta, queijo, pão e um pedaço de linho para cobrir o suprimento. Em seguida, pararam em cada barraca a caminho do navio. Embora não houvesse feito nenhuma outra aquisição, a cesta coberta ocultava o fato. Fingiu que carregava uma cesta pesada demais e entregou-a a Davey quando atingiram as docas. Esperando confundir aquele que os vigiava, Davey to-mou-a nos braços e beijou-a, antes de acomodá-la no lombo de Ciotach. Então, amarrou a cesta à sela. — Vou buscar nossos pertences. Se alguém se aproximar, grite tairbh para Ciotach. Ele lutará por você. — Tairbh? — Exato. — Ele vistoriou a multidão nas docas. — Os cavalos do Clã Gunn são treinados para obedecer determinadas palavras de comando. Faça o que eu disse. Davey precipitou-se ao navio. Queria ter tempo para encontrar um cavalo a Projeto Revisoras Meredith no mercado. Mas, caso o fizesse, a demora alertaria os inimigos. Sem dúvida, havia mais de um à espreita. Soube também, depois de conversar com o capitão, que estavam próximos a Whal-ley. Do outro lado da baía de Morecambe localizava-se River Lune, e mais ao sul o local onde pretendiam chegar. Recolheu os pacotes que havia escondido entre os barris e correu de volta a Meredith. O brilho dos olhos cinzentos confirmou a presença de Owain. Davey entregou-lhe os pertences e montou atrás dela. Ciotach não precisou de estímulo para galopar. Acima de Ravenglass, nas montanhas Cumbrian, uma fogueira queimava diante de uma caverna. Uma risada sonora ecoou. O som maníaco aumentou quando o centro esbranquiçado do fogo projetou o desejo de Owain ap Madog. Ele tinha a druida e o guerreiro novamente. Apertou entre os dedos a pequena argola de prata. Meredith não sabia que ele já havia encontrado o anel. E, em breve, obteria o feitiço para despertar o poder da jóia. — Que eles venham até mim! — Owain gritou, erguendo os braços ao céu. CAPÍTULO XXI Projeto Revisoras Duas semanas se passaram antes de eles atingirem a colina acima das fazendas do feudo de Whalley. O fim daquela tarde foi recebido por nuvens densas que anunciavam chuva ao anoitecer. Davey utilizou seu talento de guerreiro a fim de roubar uma égua para Meredith montar. Em troca, ela o surpreendeu com a habilidade não somente de aquietar cavalos, como também domou a égua em menos de uma hora. Se não tivesse testemunhado a cena, ele não acreditaria. Com o auxílio das duas últimas maçãs e de sua voz, Meredith afagou o pêlo da égua, sussurrou palavras doces e a conquistou. O carinho foi tanto que Ciotach relinchou seu ciúme. Davey identificava-se com o sentimento do garanhão. Queria a atenção de Meredith apenas para si. No entanto, ela se mantinha a distância. Recusava-se a revelar o que a perturbava. Ela havia erguido novamente as barreiras. A conversa centrava-se apenas na pressa. As dúvidas e apreensões de Davey foram deixadas de lado, causando-lhe um certo desespero. Ele a observava com frequência. Meredith percebia cada olhar, quando se sentou ao pé de uma árvore. As raízes eram grossas o bastante para prover abrigo e privacidade, Projeto Revisoras já que os galhos quase alcançavam o solo. Não podia evitar os pensamentos tumultuados. Ao invés de concentrar-se em Owain e suas artimanhas, só pensava em Davey. Se descobrisse o que havia feito, ele jamais a perdoaria. Meredith mentira. O sonho também lhe fora real. E a lembrança daqueles momentos a perseguia. Uma dádiva dos deuses. Mas a união depunha contra tudo que aprendera e acreditava. Sabia que o magoava ao frustrar cada tentativa de ele descobrir o que estava errado. Como poderia revelar a verdade? Ela o queria, e não apenas em sonho. Davey a escolhera como mulher, e Meredith o via como sua alma gêmea. — Perdida em pensamentos, milady? Gostaria que pudesse me dizer quais são. Meredith assustou-se. Davey se aproximara o suficiente para sussurrar em seu ouvido, e ela não percebera. Virou-se e o fitou. O olhar sombrio a alarmou. — O quê... Ele a silenciou com um beijo. Os lábios transmitiram ternura e calor durante um breve momento. Embora ansiasse por mais, Davey manteve a promessa de esperar e afastou-se. — Tem certeza de que a harpa ainda está aqui? — Não. — Era verdade. Meredith nem Projeto Revisoras sequer pensara na harpa. — Então, descubra o paradeiro da harpa o mais rápido possível. Acabo de avistar um grupo de cavaleiros e juro que um deles está usando um traje de monge. Meredith aproximou-se de Davey, no topo da colina. Divisou uma nuvem de poeira na estrada. Havia cinco cavaleiros rumando para o sul. — É ele — Davey afirmou. — Por que tem tanta certeza? — Veja por si mesma. — Ele mostrou-lhe a pedra. Admirada, Meredith fitou o tom amarelado da pedra. — Pegue-a. Esta pedra pertenceu a minha mãe. Garanto que não lhe fará nenhum mal. — A pedra é sua, Davey. Ninguém mais deve usá-la. — Não consigo ver muito bem, Meredith — ele disse, avaliando a imagem. — Não sei se está perto ou longe de nós. Enxergo apenas o rosto de Owain. Temerosa, Meredith fitou as águas azuis de River Ribble. Se pudesse descer até o rio, obteria a resposta à pergunta de Davey. Mas no fundo já sabia. E o risco de evocar a visão, dada a proximidade de Owain, era muito alto. Tinha de mantê-lo afastado de Davey. E ela não mais pressentia a harpa. Se Owain conseguiu resgatar a harpa... que os deuses os ajudassem! A força da Projeto Revisoras proteção que a acompanhara desde o início da jornada parecia dissipar-se. Ou então fora anulada pela magia negra de Owain. A possibilidade incrementou seus temores. Podiam os deuses lhe virarem as costas? O amor e o desejo que sentia pelo guerreiro escolhido seriam sua ruína? Se falhasse, os sonhos de seu povo estariam destruídos. Juntando as mãos, Meredith começou a esfregar o anel. Sabia que ocultar tudo isso de Davey os enfraquecia. Era a vida dele que a preocupava. Owain nunca poderia matá-la. Mas tiraria a de Davey, sem pestanejar. Deuses, ajudem-me!, clamou em pensamento. Não permitam que Owain obtenha a harpa. Passarei o resto de minha vida buscando os presentes, se pouparem a vida de Davey. Esfregou o nó sem emendas. O feitiço de proteção só funcionaria se Davey usasse o anel. Porém, seria inútil contra os poderes gigantescos de Owain. — Meredith, o que foi? — Davey abraçou o corpo tenso. — Diga-me o que tenho de fazer. Devo cavalgar até eles para me certificar de que é Owain? Seria um enorme prazer cortá-lo em dois. Aflita, ela sacudiu a cabeça em negativa. — Você está tremendo. O que há? — Davey, você confia em mim? — Com sua vida — ele respondeu, sem Projeto Revisoras hesitar. — Minha vida? — Sim, milady. Venho lhe dizendo que a amo e a quero como esposa. Sua vida para mim é mais preciosa que a minha. — Ele sorriu. — Confio-lhe o poder de proteger o que é mais importante que minha própria vida. Entretanto, Meredith não retribuiu o sorriso. Fechou os olhos para não vê-lo. E, dessa vez, Davey não teve paciência. — Pare de se esconder de mim! Sua estimada harpa já deve estar nas mãos daquele insano. Se não me disser o que tenho de fazer, seguirei minha inclinação de abater Owain. Decidido, Davey recuou. — Não se aproxime dele! — Meredith abriu os olhos e enxergou fúria no semblante de seu guerreiro. Sem pensar, jogou-se nos braços de Davey e o beijou. Somente o coração a impelia. Não havia meios de retroceder. A paixão de muitas vidas, o desejo e o amor que os unira durante séculos emergiram. Não se importava com o que lhe aconteceria, desde que Davey estivesse a salvo. Sabia o que Owain podia fazer com a harpa. As barreiras cederam. Davey se viu outra vez mergulhado no sonho. Aquela era a mulher que tanto desejava. Deixou-se envolver pelo calor feminino, como se preciProjeto Revisoras sasse de sustentação. Não havia pensamentos para Owain. Meredith o consumia. Enquanto ele a beijava com ardor, Meredith sentiu o mundo parar. Existiam apenas o desejo insaciável e a paixão abrasadora. Suspirava a cada exigência famélica dos lábios Ele a saboreava, afoito. Os corpos se colavam entre carícias. Ousada, mordeu o lábio inferior de Davey, lembrando-se de como ele a fazia sentir-se. Davey a apertou entre os braços até que a excitação adquiriu força entre ambos. O calor da maré de desejo que fluía dentro dela espalhou-se. Entregue, Meredith sentiu-o estremecer quando deslizou os dedos sobre a nuca de Davey. Aprofundou o beijo, na tentativa de fundir-se a ele. O tortuoso conflito que a fatigava foi dragado pelo amor que nutria por aquele homem. Queria afogar-se na paixão e esquecer as proibições e os impedimentos. A cada beijo fogoso, ela se via embebida pela magia que os tornava partes de um todo. As carícias que Davey desenvolvia nas coxas, nos quadris e na protuberância dos seios a faziam seguir o mesmo trajeto no corpo viril. Tateou os músculos rijos que as roupas não conseguiam ocultar. Projeto Revisoras A necessidade queimava-lhe a mente e o corpo. Cada contato irradiava calor. Meredith tremia devido ao desejo de possuir e ser possuída. Era incrível perceber que um toque, um beijo e um doce suspiro podiam estimular tamanha paixão. De repente, sentiu o poder da masculinidade se afirmar. Se fosse o captor, ela se veria capturada pelo mesmo encantamento. — Eu o quero — sussurrou, ainda beijandoo. — Mais que a vida, eu o desejo. A necessidade fulminante incrementou a fome. À medida que Meredith correspondia às carícias, uma voz insistente dizia a Davey que algo estava errado. Tentou ignorar o aviso, porque em seus braços encontrava-se a mulher que almejava mais que a vida. Mais que a vida... As palavras ecoaram, mas logo surgiu a voz da razão, embora o corpo ardesse de desejo e a paixão comandasse a mente. Por mais ardorosa e passional, Meredith agia contra a doutrina que lhe fora imposta. Não podemos ser amantes... seria a morte... a traição... a ruína dos sonhos de meu povo. Davey escutava as frases em sua mente, somadas ao calor do momento. A paixão não tinha nada a ver com a satisfação carnal, mas se relacionava diretamente ao fogo do coração. Nunca Projeto Revisoras amantes... jamais. Isso a destruiria. Arruinaria a profecia. E Owain ainda representava a maior ameaça à vida de ambos. Frio e calculista, Davey a empurrou. — Davey? O ar lhe faltava nos pulmões e a fome por ela o dilacerava. Meredith o fitava, apaixonada. As faces estavam rubras e os lábios, inchados por causa dos beijos. Davey meneou a cabeça, resignado. Tinha de se afastar dela. O melhor seria permanecer calado para não magoá-la com palavras tolas. Mas um sentimento de traição começou a surgir onde outrora jazia o desejo. Durante um longo instante, Meredith sentiu-se vazia e fria. Tentou esconder-se antes que ele entendesse por que ignorara o dever, a honra e a lealdade para com suas crenças e seu povo. Era tarde demais. Ela enxergou a verdade nos olhos castanhos. Sentiu-a no próprio corpo e na dor aguda que lhe rasgava o coração. Ergueu as mãos para impedi-lo e suplicar. Em seguida, fitou o céu repleto de nuvens carregadas. Ao longe, um trovão reverberou. O vento tornou-se feroz, afugentando as palavras antes que Davey as ouvisse. Raios cruzaram o céu. A terra parecia estremecer ao som dos trovões e da Projeto Revisoras tempestade iminente. Meredith correu até Davey. Tinha de lhe entregar o anel. Precisava protegê-lo. — Davey, eu lhe imploro! — gritou. Então, escutou a primeira nota sendo trazida pelo vento, e sentiu as enormes gotas de chuva desabando do céu. Ela escorregou e agarrou-se a Davey. — A harpa... Owain! Tarde demais! CAPÍTULO XXII Davey estendeu os braços a fim de tentar segurar as mãos de Meredith antes de cair de joelhos, completamente derrotado. Inclinou a cabeça para trás e soltou um grito de angústia tão grave quanto os trovões. O vento soprava com tamanha força que ameaçava afastá-la dele. Meredith não conseguia alcançá-lo. Davey fechou os punhos, usando a formidável potência de guerreiro para combater a melodia agonizante que Owain tocava na harpa. Através da chuva e das lágrimas, ela divisava a máscara de dor que dominava as marcantes feições de Davey. 0 corpo arqueado traduzia o horror que a melodia infligia. Ouvir histórias sobre o Projeto Revisoras sofrimento que a harpa podia causar era diferente de testemunhar a cena. Meredith começou a rodeá-lo, evocando a poderosa pro-teção de druida, a airbe druad. Seria a única maneira de evitar a morte de ambos. Outro grito de pavor surgiu dos lábios de Davey. Por intuição, Meredith sabia que precisava oferecer-lhe conforto. Contradizendo a necessidade, ela enfrentou a chuva e o vento para aproximar-se dos pertences sob a árvore. Vasculhou os objetos até encontrar o cálice envolto no tecido. Orou para que o feitiço maligno de glám dichenn retesasse as mãos de Owain e destruísse seu corpo. Sem ela, o bruxo não obteria a chave da harpa para dedilhar a melodia mortal. Depressa... depressa! A litania reverberava em sua mente sem cessar. Se não protegesse Davey agora, Meredith jamais conseguiria impedir o dano que Owain produzia. Tinha de salvar seu amado do espírito diabólico de Owain. Ela o faria ou morreria tentando. Devido à fúria da tormenta, galhos desprendiam-se das árvores e chicoteavam o rosto e as costas de Meredith. Estimulada pela raiva, usou os dentes para desatar o nó da tira que amarrava o cálice. Depois de liberá-lo, ela juntou as mãos a Projeto Revisoras fim de formar um funil para que a água da chuva enchesse o cálice. Soltou uma risada nervosa e levou a água a Davey. Suplicou aos deuses que intercedessem e transformassem aquele líquido em deog dermaid, a bebida do esquecimento. Se as preces fossem atendidas, Meredith correria o risco de Davey perder a lembrança do que haviam vivido juntos. Contudo, qualquer preço valeria a pena para salvá-lo. Caso não pudesse amá-lo nesta vida, esperaria por outra. Ele era sua alma gémea, o sangue do coração. A metade necessária para compor o todo. — Beba, meu amor. — Meredith levou o cálice aos lábios de Davey. — Escute apenas minha voz. Vou eliminar o horror que o dilacera. Obedeça-me, Davey! — implorou, sabendo a agonia que ele teria de superar. — Owain não vai vencer. Não vou deixar. Nós dois o impediremos. Por favor, beba. Ela o segurou de encontro ao peito e, mais uma vez, tentou obrigá-lo a beber. — Davey, ouça-me. Eu te amo! — Meredith sentiu o gelo que envolvia o corpo de Davey. Abraçou-o com força enquanto ele pelejava para beber a água encantada. Desesperada, Meredith berrou. O corpo estava tão tenso por causa da violenta agonia que o rosto do guerreiro empalideceu. — Não permitirei que esse servo das Trevas Projeto Revisoras lhe tire a vida! Ele é meu — Meredith gritou aos deuses. — Se o matarem, estarão me destruindo também. E a profecia não mais existirá! Pelo que há de mais sagrado, salvem-no! — exclamou, na tentativa de se fazer ouvir além da tempestade. Largando o cálice, ela se ajoelhou na lama para segurar Davey entre os braços. — Ele não vai vencer — murmurou em prantos. A força do vento e da chuva e a intensidade dos raios e dos trovões ocasionaram um tremor na terra e as raízes das árvores irromperam, do solo. Ainda assim, Meredith agarrava Davey para não perdê-lo. A garganta ardia de tanto gritar e suplicar para que Owain parasse de tocar a harpa. Quando não lhe restou mais energia, ela tombou no chão e sentiu o corpo de Davey cair a seu lado. Ali, onde a chuva encharcava o solo, Meredith o manteve junto a si. Não possuía mais lágrimas, mas os gritos de súplica ainda ecoavam em sua mente. Então, aguardou a decisão dos deuses que exigiriam a renúncia daquilo que havia partilhado com seu amor. Owain assistia a tudo. A tempestade prosseguia, mas nada perturbava o fogo que ele havia acendido. Dedilhava as cordas da harpa e via seu inimigo agonizar no chão. Vulnerável como estava, tal qual Projeto Revisoras um bebé recém-nascido, o guerreiro dependia de outro para sobreviver. E Meredith iria falhar. As águas do rio formavam ondas imensas, e das gordas nuvens a fúria da chuva caía. Até o vento, que puxava sua capa como uma asa gigantesca, o alegrava. Regozijou-se ao extrair notas discordantes da harpa. Sorriu quando viu Meredith limpar as gotas de sangue da boca de seu amante. Ela jamais escaparia. E nunca escolheria outro homem além de Owain. Sussurrou as preciosas palavras que liberavam a agonia e o horror, dor e morte além do desconhecido. A mão mutilada mal conseguia segurar a harpa, enquanto Owain tocava as cordas. Esse era seu poder! Um poder que os anciãos temiam usar. De súbito, através do fogo, ele avistou um manto negro sendo estendido. Uma névoa branca cortou a escuridão, lentamente envolvendo Meredith e o guerreiro. Owain arregalou os olhos. Vociferou impropérios. Teve de engolir o gosto amargo da boca quando avistou a chance de matar o inimigo ser engolida pela bruma repentina. — Não! — O vento abafou o grito de ódio. No coração do fogo a névoa ergueu-se. Owain viu Meredith virar-se como se soubesse que ele a observava. Um sorriso Projeto Revisoras frio surgiu nos lindos lábios quando os olhos cinzentos fitaram a escuridão do céu. Horrorizado, Owain testemunhou o instante em que sua mulher, sua igual, beijou a boca do homem que ele havia jurado matar. Com toda fúria, voltou a dedilhar a harpa. Frenético, ele usava a mão boa para percorrer as cordas. Ficou chocado ao ouvir a voz de Meredith. — Ele é meu, Owain. Sua vida e seu amor me pertencem. Largue a harpa e observe a própria morte passar. Enfurecido, Owain jogou a harpa no fogo. — Veja a harpa queimar — berrou. Então soltou uma gargalhada e atirou o anel nas chamas. — Você não sabia que tenho o anel. Como a harpa, ele é meu! E vou destruir todos os presentes, se não puder tê-los! Mas uma avalanche de chuva emergiu das nuvens e apagou o fogo até reduzi-lo a pó. Então, o anel e harpa, imunes ao fogo e à chuva, permaneceram intatos sobre as cinzas. A despeito da exaustão, Meredith não ousou fechar os olhos durante a noite e o dia seguinte. O desconforto causado pelo barro, pelas roupas molhadas, pela sede e fome era ínfimo comparado à satisfação de ouvir a respiração ritmada de Davey. A névoa que os rodeou a intrigava sobremaneira. Estava sentada no círculo Projeto Revisoras da airbe druad, com Davey repousando sobre seu colo. Acariciou o semblante sereno. Os olhos ardiam de cansaço e o corpo clamava por descanso, mas Meredith recusava-se a perturbar o sono de seu guerreiro. Onde Owain estaria naquele momento não importava., Se a bruma que os envolvia representava uma bênção dos deuses, Owain seria punido quando chegasse a hora. O esforço para permanecer acordada era de fato imenso. Meredith cochilava de quando em quando e lutava contra o torpor. Pela primeira vez, tinha Davey só para si, e não em sonhos ou visões projetadas na água. Traçou os lábios, imaginando o sorriso e escutando a risada. Então, levou os dedos aos próprios lábios, beijou-os e voltou a tocar a boca de Davey. Ele suspirou. Por enquanto, era o bastante poder tocá-lo. Meredith moveu as pernas que já formigavam devido ao peso de Davey sobre elas. Ignorou o incômodo, preferindo pensar na memória de Davey quando acordasse. Ele a reconheceria? Fechou os olhos para controlar a dor que sentiu ante a possibilidade, embora soubesse que não tinha escolha. O melhor seria aproveitar o tempo para Projeto Revisoras pensar em um local seguro. E ainda precisava recuperar a harpa. O ar gélido da noite a fez estremecer. Não deixaria Davey sozinho. Ficou tentada a acender uma fogueira para aquecê-los. Davey moveu-se dormindo e acomodou a cabeça sobre o ventre de Meredith. Ela acariciou os cabelos cor de ébano e pousou as mãos na terra. Momentos depois, percebeu que sentia vibrações no solo semelhantes às de um tambor. Não podia ser. Fitou a escuridão sombria da noite, pois a lua se escondia atrás das nuvens. O relinchar de cavalos informou-lhe que homens se aproximavam a galope. Seria Owain? Mas o bruxo sabia que, se cruzasse a linha da airbe druad, ele morreria. Tal poder o impediria de matar outro homem? Meredith conhecia a resposta. Owain não se importaria. E, tão logo cruzasse a linha, o feitiço de proteção seria quebrado. Tinha de acordar Davey. Não havia meios de movê-lo sozinha. O pânico a invadiu. Talvez não fosse Owain. E talvez pudesse entoar um feitiço para que ela e Davey sumissem dali. Projeto Revisoras CAPÍTULO XXIII Em total desespero, Meredith sacudiu Davey, I avisando-o que homens a cavalo se aproximavam. Mesmo havendo violado tantos ensinamentos para mantê-lo vivo, fez menção de pegar a faca que ele levava à cintura. Mas hesitou. Era proibido mutilar ou matar. Descartou a faca e voltou a sacudi-lo, agora com mais força. Devagar, Davey abriu os olhos. Era noite. Sua cabeça latejava demais. Sentiu a umidade das roupas e tateou o corpo que usava como travesseiro. — O que há com você, mulher? — perguntou, com a voz sonolenta. — Cavaleiros... — Meredith enfim sorriu aliviada. — Está acordado? — Estou. Deus, o que aconteceu? — Davey, não é hora de fazer perguntas. Há cavaleiros perto do rio vindo em nossa direção. Não sei se Owain está entre eles. Consegue se levantar? — Ela tentou erguêlo, mas estava sem forças. Tinha energia apenas para mover as próprias pernas. — Espere um minuto. Sinto-me como se houvesse bebido um barril inteiro de cerveja. — Não temos tempo. Precisamos nos Projeto Revisoras esconder. — Meredith levantou-se e o puxou pelas mãos. — Você viu ou ouviu os cavaleiros? Acho que já se foram. Devem estar à procura de um lugar para descansar. — Davey olhou ao redor, atarantado. — Por que preferiu passar frio? Sei que pode acender uma fogueira. — Tudo está molhado, Davey. Houve uma tempestade e Owain... — Não pronuncie este nome novamente. Juro que minha cabeça vai explodir. — Com extremo esforço, ele conseguiu levantar-se. — Vamos descer até o feudo. Eles nos darão abrigo. Você está tremendo tanto quanto eu. — Existe somente morte naquele feudo, Davey. Owain resgatou a harpa. — Meredith ficou grata pela escuridão impedir que os olhos penetrantes a fitassem. No entanto, Davey tinha razão em um ponto: os cavaleiros foram embora. — Estamos muito vulneráveis aqui, Meredith. Vamos pegar os cavalos e descer até o rio. Lembro-me de ter visto uma clareira segura próxima ao banco. Podemos encontrar madeira seca e... Aflita, Meredith agarrou-lhe os braços. — Primeiro, vamos nos aquecer. Depois conversaremos. De acordo? — De acordo. — Ela o abraçou, agradecida. Projeto Revisoras O delicioso calor do corpo másculo a esquentou. — Meredith, você se feriu? — Não. Ele não me tocou. — Então, vamos sair deste lugar. — Davey nada disse acerca do fato de se lembrar exatamente o que havia acontecido. Tudo ainda era muito vago. Embora fraco, ajudou-a a recolher os pertences. Pressentia a presença de Owain. Mas não comentou a sensação com Meredith. Ela precisava se aquecer. O estado enfraquecido e a falta de luz o faziam caminhar devagar, enquanto Meredith puxava os cavalos. A princípio, manteve a mão no punho da espada, porém, ao atingir o pé da colina, puxou-a ante a ameaça de perigo. Por duas vezes, ele mudou de direção para evitar armadilhas. Era o silêncio que o alertava. A total ausência de sons na mata parecia irreal. Não podia ver sombras movendo-se ou brisa sacudindo as folhas, mas de repente escutou um ruído. Salteadores surgiram sem aviso. Três deles andavam com tochas nas mãos. Quatro homens a cavalo circularam Meredith e Davey. — Meredith, solte Ciotach. — Davey ficou onde estava e murmurou palavras escocesas que prepararam o garanhão à Projeto Revisoras batalha. Os homens se mantinham a distância. Ciotach empinou, desafiando a montaria dos inimigos. O que Davey não pressentia era a presença de Owain. Tampouco teve tempo para perguntar a Meredith se o bruxo estava entre os adversários. Dois cavaleiros avançaram contra ele, um pela direita e dois pela frente. Davey segurou a espada com as duas mãos. Apesar da lentidão que sentia nos membros, sabia que a espada faria seu trabalho e, momentos depois, testou a crença contra um dos homens. A Espada da Justiça cortou a lâmina do oponente, deixando-o com apenas um toco de aço. Eles blasfemaram e uma voz grave e gutural gritou ordens aos outros dois. Ciotach se colocou entre Davey e um dos homens. Como um cavalo bem treinado, ele usou os dentes e os cascos para atacar a montaria. A pé, outro homem precipitou-se a Davey, movimentando a espada como se esta fosse uma foice. No mesmo instante, a exaustão de Davey desapareceu com os movimentos conhecidos de batalha. A raiva o dominou por completo. Ouvia a respiração ofegante do inimigo e o som da lâmina cortando o ar. O homem agitava-se de um lado a outro até que a espada de Davey cortou-lhe o corpo. Ele tombou na terra, rolou e fugiu Projeto Revisoras para a escuridão da floresta. Um cavaleiro avançou sobre ele, mas logo foi rendido^ pela poderosa espada. Davey permanecia no mesmo lugar para não se distanciar de Meredith. Sabia que ela e a égua vigiavam a retaguarda, e Ciotach as laterais. Davey continuou a lutar, sempre atento à segurança de Meredith. Fora treinado para o ataque, mas não ousava mover-se para não deixá-la vulnerável. Estava preocupado também com os dois homens que esperavam na mata. Os olhos sagazes o observavam, avaliando seu desempenho com a espada. — Venham encontrar a morte, seus safardanas! — Davey berrou. — Minha lâmina tem sede de sangue, covardes. Um homem galopou em sua direção, brandindo a espada. Davey desviou-se do cavaleiro e cortou a pele do cavalo. O animal escoiceou, quase derrubando o homem Após dominar o cavalo, o inimigo tentou atacá-lo novamente. Davey o derrubou com um só golpe e a montaria fugiu a galope. Outro relinchar ecoou atrás de Davey. Era Ciotach clamando vitória contra um dos oponentes. Pelo som dos cascos de Ciotach, Davey teve certeza de que o animal não se levantaria outra vez. Só esperava que o Projeto Revisoras cavaleiro também permanecesse rendido sob a ameaça de Ciotach. Três longos assobios finalizaram o ataque. As tochas caíram no solo e os homens pareceram fundir-se à escu ridão. Em questão de minutos, tão rápido quanto come çou, Davey e Meredith encontraramse sozinhos. Ainda dominado pelo calor da batalha, Davey de espada. em punho vistoriou o local. Os salteadores não só sumiram. como também levaram os mortos com eles. Meredith correu para pegar uma tocha que ainda continuava acesa. Com voz suave, Davey acalmou Ciotach. — Foi mais um dos testes de Owain? — ele perguntou a Meredith. — Owain não estava com eles. — Eu sei. Não vamos nos demorar aqui. A qualquer momento, eles podem nos atacar de novo. — Puxando Ciotach, Davey aproximou-se dela. — Eles a feriram? — Ninguém pode chegar perto de mim. — Meredith aproximou a tocha. Você está ferido. Precisa de cuidados. — O ferimento pode esperar. Meredith ocultava algo. Não era a primeira vez que Davey pressentia isso. Ficou irritado. Não se daria ao trabalho de perguntar. Com um movimento brusco, arrancou a tocha da mão dela e liderou o caminho. Projeto Revisoras Encontraram um ninho de musgo sobre uma imensa pedra. Davey logo acendeu uma fogueira. Sentado ao lado do fogo, limpou a lâmina da espada. Mas quando Meredith aproximou-se para cuidar do ferimento, ele a rejeitou. — Não ficaremos aqui — avisou. Ao notar o abatimento no lindo rosto, imaginou que o dele também devia expressar fadiga. Fazia semanas que vinham fugindo da perseguição de Owain sem comida ou descanso. Porém o ataque daquele dia mostrara quão vulneráveis eram. — Não posso ir, Davey. A crwth não está longe daqui. E, de alguma forma, Owain recuperou o anel. Não vou partir enquanto não estiver com todos os presentes sagrados em mãos, e souber que Owain foi derrotado. — Mesmo que o preço a pagar seja sua morte? Através das chamas do fogo, Meredith notou um brilho indefinido nos olhos de Davey. — Minha morte é um risco do qual sempre estive ciente - alegou com carinho, esperando abrandar a raiva de Davey. — Risco? Sim, é verdade. Reconheço os riscos que temos corrido desde o início. E quanto a minha memória, Meredith? Perdêla faz parte dos riscos? Por que não me contou o que aconteceu? — Davey... Projeto Revisoras — Pare de mentir! Diga-me somente a verdade. — Não grite comigo. Não sou sua inimiga. — Ela se afastou do fogo para se esconder nas sombras. Como explicar-lhe o que havia acontecido? Se Davey soubesse quão facilmente Owain podia utilizar a harpa para aniquilaria crença em si mesmo e na espada seria destruída. Não haveria meios de controlar a fúria. Meredith temia que Owain encontrasse a chave para quebrar o feitiço de proteção do anel. Admitir tudo isso também arruinaria a fé de Davey nela própria. Era um preço que não estava disposta a pagar. — Posso sentir seu conflito, mulher. A verdade é tão terrível que não pode revelála a mim? Mesmo depois de tudo que passamos? Davey era forte. Bastava observar os traços marcantes para saber que ela podia contarlhe qualquer coisa. Mas, no fundo, a resistência a mantinha longe dele. Impaciente, Davey levantou-se e caminhou até Meredith. Ambos se sentaram ao lado da pedra. Ele segurou a mão delicada e beijou-a. Um doce calor a invadiu. Mas não foi o desejo que o impeliu, pois o corpo estava tenso. — Talvez seja melhor começarmos pelos fatos que ainda lembro. — Davey respirou Projeto Revisoras fundo, antes de continuar. — Um sentimento estranho me assolou. Ele fez algo muito vil com a harpa, porque o som das cordas não me pareceu música. Eu me senti impotente. Depois disso, não me recordo de mais nada. — É o suficiente — Meredith sussurrou. — Mais que suficiente. — Sabe onde ele está? — Em algum lugar, bem perto daqui. — Consegue localizá-lo? — Davey, você não vai atrás dele. Os acordes que Owain tocou na harpa lhe causaram um mal muito grande. Terno, ele a segurou pelo queixo e memorizou cada detalhe do belo rosto. — Se está disposta a arriscar a vida, decidirá por mim se devo ou não arriscar a minha? — Não peça isso. — Ela fechou os olhos. — Covarde — Davey murmurou. — Olhe para mim, Meredith. Devagar, ela abriu os olhos. — Quando iniciamos a jornada — Davey sussurrou, beijando-lhe os lábios —, você fez questão de arriscar minha vida para que eu a acompanhasse. E, como um tolo, aceitei o risco sem queixas. Não pretendo perdê-la agora. Sempre esperamos que Owain faça o primeiro movimento. É uma estratégia fútil, Meredith. O melhor é atacar quando nosso inimigo nos imagina Projeto Revisoras fracos. Davey beijou-lhe a ponta do nariz. Sorriu ao ver que Meredith lhe oferecia os lábios. Mas se negou a ceder. Precisava estar consciente, e os beijos de Meredith o confundiam. — Diga-me onde ele está, mulher — sussurrou, roçando os lábios no pescoço alvo. — Se não disser, pensarei que está tentando protegê-lo. As últimas palavras foram pronunciadas com tamanha sensualidade que ela fez menção de se afastar. Mas Davey a agarrou pela cintura. — Como ousa me acusar de traição? — Meredith excla-mou. — A única pessoa que estou protegendo é você. Para mim tudo está claro. Mostrou-me o que significa desejar tanto alguém a ponto de ignorar a lealdade e as promessas de um povo, Davey. É sua vida que não quero arriscar. — Então não estava sonhando quando a ouvi dizer que me ama? O semblante adquiriu uma expressão tão zombeteira que Meredith ergueu a mão para estapeá-lo. Ele a segurou pelo pulso, evitando o tapa. — Não me recrimine por ser trapaceiro. Você me força a isso quando omite seus segredos. Não vou cantar vitória, tampouco lhe perguntarei se foi sincera. Mas não Projeto Revisoras pretendo negar o que está por trás destes olhos que me capturaram desde o início. Sedutor, Davey inclinou-se sobre ela. Os olhos castanhos também a capturaram, anulando o escudo de pro-teção que Meredith impunha. Não queria render-se, mas se sentia culpada por esconder a verdade. Almejava beijá-lo, entoar um feitiço para que ele dormisse, enquanto saía em busca de Owain. No entanto, matar era proibido para ela. Dentre todos os votos que havia feito, este ela não podia quebrar. — Guarde seus segredos, se quiser, mulher. Mas me deixe ouvi-la dizer que me ama. — É verdade, Davey. Porém não posso dizer as palavras porque de nada adiantaria. Você foi avisado desde o começo. Nunca menti a respeito disso. Comovida, ela pôde sentir a dor que o consumia. — Davey, Owain tem mais que a harpa para ajudá-lo. De alguma maneira, ele conseguiu o anel. Se descobrir o feitiço correto, ele possuirá um poder muito maior que o meu. A bem da verdade, ele já sabe um encantamento capaz de bloquear minha percepção. — Entendo. Owain adoraria se aproximar sem ser descoberto. — Davey levantou-se e puxou Meredith. — A despeito das bruxarias e da magia negra, ele ainda é um Projeto Revisoras homem. No final, iremos rir daquele ser desprezível. — O que deu em você, Davey? — Nada. Tudo está do jeito que quero. Entretanto, ele parecia atento aos arredores. Meredith tocou-lhe o rosto, na tentativa de dizer que também pressentia a presença de alguém. Davey só esperava que ela não percebesse o temor de escutar aquela harpa novamente. Tinha uma vaga lembrança do horror que havia vivido, do medo que o dominara e do frio quase mortífero. Sacudindo a cabeça, livrou-se da estranha lembrança e concentrou-se em Meredith, que o beijava e abraçava. Ergueu a perna e verificou se a sgian-duhh ainda encontrava-se no cano da bota. De propósito, tinha deixado a espada ao lado da fogueira. Owain era pretensioso o bastante para acreditar que venceria. Davey provaria o contrário. A menos que os instintos de guerreiro e o novo dom da percepção estivessem enganados, Owain aproximava-se deles. Davey encarou Meredith. Que ela não veja o medo em meu coração e mente. Mas foi exatamente isso que ela viu. CAPÍTULO XXIV Projeto Revisoras Okwain os fez esperar, embora estivesse ansioso para antecipar a próxima investida. O ataque daqueles salteadores lhe permitira observar os efeitos ocasionados pela harpa no guerreiro da Terras Altas, assim como suas táticas em batalha. Assistiu à luta e amaldiçoou o homem por não ter se afastado de Meredith. Planejara capturá-la na escuridão da mata. Agora ela se vangloriava de amar aquele infeliz talentoso. Por um instante, lamentou ter assassinado Pwyll em um rompante de raiva quando a harpa não matou o homem que se interpunha entre ele e tudo que mais desejava. Pwyll seria útil para distrair o guerreiro, enquanto Owain raptava a druida. Sorriu ao divisar o pobre vasculhando a floresta à beira do rio. Owain não seria encontrado, a menos que quisesse. Com deliciosa expectativa, pegou a harpa. Acomodou-a entre os braços, como se o instrumento fosse um bebê. Apesar da falha, sabia que a magia não era a responsável pelo fracasso. Deslizou a mão sobre as cordas, pensando em que melodia mortal iria tocar. Testemunhar o inimigo de joelhos e impotente proporcionou-lhe um prazer Projeto Revisoras sensual. Se sujeitasse o guerreiro, conseguiria a mulher. E os presentes sagrados. Todos reunidos outra vez. E o poder... Deliciou-se com o tremor que percorria seu corpo. Tão logo ele vencesse, Meredith seria obrigada a revelar a chave do encanto que despertava o anel. Como consequência, ela se submeteria a Owain. Aliás, todos os seres estariam à mercê dele. Riquezas, terras, homens de joelhos e mulheres fogosas estariam disponíveis a Owain. Reis suplicariam sua ajuda... Podia tornar-se rei. Iria tornar-se rei. Piscou várias vezes para se livrar das imagens que invadiam sua mente. Logo abaixo, o nevoeiro pairava sobre o rio. Mas a pequena fogueira ainda permanecia acesa. Quão perto ele estava?, perguntou-se. Perto o bastante para divisar a dor e ver Meredith mais uma vez incapaz de derrotálo. Owain precipitou-se ao local onde quase vencera o inimigo. No topo da colina, abriu os braços, como se pretendesse apropriarse do céu. A sensação de triunfo o enaltecia. A cada respiração, sentia o poder surgir dentro de si. Cada feitiço despertava as forças malignas dos deuses que o comandavam. Projeto Revisoras Ele venceria. Não havia outro final. O proscrito e mutilado, Owain ap Madog, aquele que fora expurgado de memórias e escritos antigos, dominaria o mundo e eliminaria os que se opusessem a ele. À beira do rio, Davey fazia preparativos para confrontar Owain. Precisaria de cada habilidade, de cada gota de coragem para suportar a agonia que o bruxo usaria a fim de vencer. O profundo amor que Meredith sentia por ele foi comprovado no instante em que ela removeu o anel do dedo, e colocou em uma fita vermelha para que Davey o pendurasse no pescoço. Meredith agora não tinha nenhuma proteção, a não ser os feitiços que conhecia. Mas Davey estava decidido a impedir que Owain sequer se aproximasse dela. Após encontrar um toco de vela entre os pertences, ele caminhou até o fogo para derreter a cera. — Não estou louco — Davey comentou, ao ver o olhar curioso de Meredith. — O que você vê é uma arma tão poderosa quanto aquela espada. — Ele se recusou a dar maiores explicações. — Fique comigo, Davey. Owain não pode cruzar a airbe druad. Isso o matará. Ela não mais se importava em esconder as emoções. Um dos dois, Davey ou Owain, iria perder. E estava apavorada demais para ousar evocar a visão na água do rio a Projeto Revisoras fim de saber quem morreria. A covardia representava, sem dúvida, uma traição a Davey. O guerreiro precisava acreditar que triunfaria sobre Owain e sua bruxaria. Ela forçou um sorriso e mandoulhe um beijo. — Preciso estar livre para me mover, Meredith. Não permitirei que ele me cerque. Isso lhe daria muitas vantagens. Durante os últimos minutos, antes de dar início à estratégia de ataque, Davey memorizou a imagem de Meredith. Os cabelos negros, como um manto sagrado, brilhavam tanto quanto os olhos cinzentos. Os lábios carnudos pareciam confessar sentimentos. Sabia que Owain poderia matá-lo e, depois, esquartejar Meredith. Davey acreditava ser a mais pura realidade. E sem ela não haveria vida para ele. Como um verdadeiro guerreiro a caminho da batalha, ele se aproximou da beira do rio. A água estava gélida quando Davey entrou no rio e deixou a corrente carregá-lo. Owain encontrava-se muito próximo, podia senti-lo. Agarrou algumas plantas aquáticas, tomando cuidado para não arrancar as raízes. Colheu um punhado e voltou à beira. Usando os elementos da natureza como camuflagem, voltou à elevação, onde estava Projeto Revisoras Meredith. As árvores baixas dificultavam a passagem. Tentou perceber qualquer sinal de movimento, mas nada movia-se. Mesmo os cavalos permaneciam em total silêncio. Não conseguia enxergar a luminosidade da fogueira. Abaixado, Davey enveredou pela floresta e quase caiu quando tropeçou em uma pedra. Recuperou o equilíbrio. Quando avançou um pouco mais, divisou o que procurava; na colina havia um clarão de fogo. — Owain ap Madog! — gritou, alterando o tom de voz enquanto ziguezagueava pela mata. Pequenas fogueiras surgiram ao redor. Aos poucos as chamas foram crescendo. Tratava-se de uma ilusão, ponderou Davey. E, para sua desvantagem, ele não tinha como se esconder. Owain não o esperava na colina. Davey não o via ou o escutava. Precisava acreditar que Meredith estava segura; do contrário, iria facilitar a própria derrota. Mas onde o covarde se escondera? Não conseguia encontrar o inimigo. As chamas ofuscavam-lhe a visão. O fogo criava sombras por todos os lados, e qualquer uma delas poderia ser o esconderijo de Owain. Havia jurado a si mesmo que Owain não seria o primeiro a atacar. Projeto Revisoras — Apareça e lute como um homem, Owain! — Davey berrou e desceu a colina, em direção ao acampamento. O bruxo devia estar lá. Meredith e o cálice o atraíam, já que Davey carregava a espada. No entanto, antes de se aproximar, Davey preparou-se para a harpa. Viu e ouviu as primeiras notas. Precipitou-se até Owain, que se achava perto do círculo de pro-teção. Meredith, segurando os cavalos, encaravao enquanto o bruxo implorava que ela se rendesse. — Pouparei a vida do guerreiro, se é tão precioso para você. Olhe para ele, Meredith. Veja como enfraquece ante os primeiros acordes. Vai tentar salvá-lo novamente? — Owain, esqueça a visão — ela respondeu. — Você irá morrer, se usar o instrumento sagrado para o mal. Escute-me. Sei que falo a verdade. Pare agora. Pare e eu o ajudarei... — Não quero sua ajuda! — ele esbravejou, colérico. Virou-se para ver Davey de joelhos, mas se desapontou. O poderoso guerreiro ainda avançava sem que a música da harpa o afetasse. Owain continuou a tocar, ainda mais furioso. — O que você fez? — gritou a Meredith. Vociferou feitiços maléficos contra ela e Davey. Quanto mais blasfemava, mais os fogos cresciam até que a colina inteira ficou Projeto Revisoras em chamas. Meredith via o que Davey não conseguia ver. O rosto de Owain transfigurava-se devido ao desejo de morte. Não haveria escapatória para os horrores que o bruxo causara a inocentes. Por mais que invocasse a magia negra, Davey continuava avançando. Owain largou a harpa e puxou a espada. Apavorada, Meredith conteve o grito. Owain usaria a espada de Davey para enfrentá-lo. Com ambas as mãos, o bruxo segurou a espada. Ergueu-a e, conjurando os piores feitiços, correu em direção a Davey. — Diga-me como conseguiu vencer a harpa! — Owain exigiu ao deter-se diante do guerreiro. — Que magia aquela bruxa lhe deu? Eu o vi sucumbir à sonoridade mortal da harpa. Eu vi! O sorriso de Davey era frio. Podia divisar a boca de Owain movendo-se e os olhos que indicavam a fúria enlouquecida. Porém, não escutava nada, nem mesmo o som demoníaco da harpa. Ele posicionou a espada. Owain recuou para o lado e golpeou o braço de Davey com a outra lâmina. Quando a ponta da espada cortou-lhe a mão, Davey pulou para trás. Nesse momento, reconheceu a arma. Era a lâmina que ele empunhara em dezenas de batalhas. Projeto Revisoras Ao se voltar para a esquerda, Owain não mais estava lá. Davey girou e defendeu-se do ataque repentino de Owain. Confiou nas habilidades de exímio espadachim e investiu contra o bruxo, impedindo-o de atacar. Mas Davey sabia que não aguentaria lutar por muito tempo; o que Owain produzira com a harpa o havia enfraquecido. A raiva fria o guiava contra o louco. Notou o brilho de ódio nos olhos de Owain. As lâminas colidiam, soltando faíscas de aço. Com certeza, Owain enfeitiçara a espada, pois os golpes ferozes de guerreiro não pareciam surtir efeito. Ofegante, Davey recuou, mas rodeou Owain, que brandia a espada para mantêlo a distância. Davey atiçava-o, forçando o bruxo a moverse em círculo. Em um dado instante, feriu o braço de Owain. Ao divisar o sangue, ele largou a espada. O homem caiu de joelhos e ergueu a mão ensanguentada. Os lábios se mexiam, mas não emitiam som. Davey não acreditava que ele estivesse mortalmente ferido. Precisava ter certeza. Investiu contra o bruxo e inseriu a Espada da Justiça no corpo de Owain até que a lâmina atingisse a terra. Feixes incandescentes de luz surgiram do rosto agonizante. Davey protegeu os olhos com o Projeto Revisoras braços e virou de costas. Rapidamente, ele tirou os pedaços de cera que havia colocado nos ouvidos para evitar o som mortífero da harpa. O fogo que incinerava o bruxo começava a ceder. Davey teve de olhar outra vez a fim de certificar-se de que Owain estava morto. Enquanto fitava o corpo, disse com uma voz desprovida de emoção: — Sua morte jamais recompensará as vidas dos inocentes que você eliminou. Que o fogo do inferno queime sua alma, Owain ap Madog. — Ao pronunciar as últimas palavras, Davey puxou a espada. Um brilho esbranquiçado emergiu do punho e percorreu a lâmina. Outro feixe de luz piscou e os resquícios do corpo de Owain tornaram-se cinzas. Davey tremia de exaustão. Revolveu as cinzas para recuperar o anel. Escutou Meredith chamá-lo. Em prantos, ela correu e jogou-se em seus braços. — Acabou, amor — Davey murmurou, acariciando-a. — É hora de levá-la para casa. — Sim, Davey. Tive tanto medo por você, mas nunca duvidei de que iria vencer. — Houve momentos em que fraquejei. Mas agora não mais. Vamos embora, meu amor. Entretanto, existia mais uma batalha que Davey teria de enfrentar. Meredith agora possuía todos os presentes sagrados e ele Projeto Revisoras estava disposto a cobrar a promessa final. Os sacerdotes a deixariam partir? CAPÍTULO XXV s velhas estradas romanas compunham o ca-linho, enquanto Davey e Meredith retornavam à terra dos Cymry. Cruzaram Offa's Duke, o grande muro de pedras, em direção a uma região de selvagem beleza. Meredith avisou que eram vigiados e seguidos pelos Cymry. Davey entendia por que as forças da Inglaterra haviam fracassado em conquistar esse povo. As trilhas que percorriam pareciam estreitas o bastante para permitir somente a passagem de animais. Nenhum homem conseguiria lutar contra forças ocultas que utilizavam árvores, arbustos, desfiladeiros de pedras e água corrente como defesas. As costas de Davey doíam devido à sensação de ter uma das famosas flechas galesas cravada na carne. Mas encontrou sinais de bem-aventurança nas oferendas deixadas pelos Cymry ao longo do trajeto: comida, flores, um odre de vinho e pedras polidas com esmero. Por mais que tivesse se esforçado, não viu sequer um representante Projeto Revisoras do povo Cymry. Diante de tantas homenagens, Meredith mantinha-se reservada. Estava de bom humor e, com frequência, partilhavam risadas, contudo ela evitava contato físico. Quando Davey sentia o desejo clamar por satisfação, o novo comportamento o zangava e confundia. Imaginava se ela tentava mostrar-lhe quão exigente era ou se o amor por ele não mais existia. O tema tornou-se um tabu. Qualquer menção ao futuro era rebatida pelas mesmas palavras que Meredith lhe dissera em Halberry. — Os eventos vêm e passam. Tudo será claro quando chegar a hora. — E quando chegará a hora? — ele perguntava. — Breve. Muito em breve. A resposta não o contentava. Deixava-o ansioso, aliás. Conforme cavalgavam pelas montanhas de Cambria, atravessando riachos cujos nomes Davey não sabia pronunciar ou desviando por vales, maior tornava-se o medo de perder a mulher amada. Meredith contou-lhe histórias daquela terra. Hiraeth, como ela a chamava, não possuía nenhuma palavra equivalente nas línguas normanda e inglesa que expressasse o verdadeiro amor pela região. Davey compreendia o sentimento porque Projeto Revisoras sentia o mesmo em relação às Terras Altas. Ela prosseguia, revelando cada detalhe encantador a respeito de Cambria. Houve momentos em que Davey estava tão mergulhado em pensamentos que ela teve de chamá-lo vários vezes. De súbito, Meredith apontou a presença de uma escolta. Davey se viu rodeado por homens morenos, cujos semblantes nada expressavam. — Eles vieram para nos acompanhar à moradia de Alawn — Meredith informou. — Seja paciente. — Paciente? Tenho sido tão paciente que posso até virar um santo. — Não adianta zangar-se. Prometo que tudo... — Sim, tudo estará claro quando chegar a hora — ele rebateu. — Não levará muito tempo, Davey. — Meredith esporeou o cavalo e saiu a galope. Escutou-o chamá-la, mas se manteve firme e não olhou para trás. Os homens bloquearam o caminho de Davey. Ele precisou conter Ciotach para que o animal não atacasse aqueles que o impediam de aproximar-se de Meredith. Murmurou impropérios quando eles começaram a falar naquela língua incompreensível. Não entendeu as palavras, mas os gestos com arcos e flechas indicavam que Davey não podia segui-la. Projeto Revisoras Meredith sabia que ele não sofreria mal algum. Assim como tinha certeza de que o magoara por não permitir nenhuma aproximação. No entanto, a distância se fazia necessária. Com um simples olhar, Davey era capaz de incitar um desejo gigantesco, e isso a enfraquecia. Precisava se preparar. Não seria fácil encarar os sacerdotes. Sem dúvida, a próxima tarefa prometia ser árdua. E ela não poderia ajudar Davey quando chegasse a hora. Quando Meredith apeou diante da residência onde atingira a maturidade, encontrou Alawn a sua espera. Não o temia, embora muitos se apavorassem diante da figura sábia do ancião. Para ela, aquele par de olhos azuis sempre fora gentil. Não guardava segredos de Alawn, porque o notável sacerdote tinha o poder de ler a mente, o coração e alma. Ele segurava o cajado de madeira, onde palavras arcaicas estavam impressas. O instrumento era utilizado para adivinhações. Alawn sorriu e abriu os braços para recebêla. — Bem-vinda, minha menina. Você enfrentou percalços e tornou-se ainda mais forte. — Alawn a abraçou, sabendo que Meredith revelaria o que a perturbava no Projeto Revisoras momento certo. — Entre. Há comida e os outros querem revê-la. — Sabe que Owain está morto? — Sei. Eu vi. — Os olhos azuis refletiam tristeza. — Alguns disseram que ele foi amaldiçoado por dlui fulla, mas lhes mostrei que os pensamentos malignos de Owain eram fruto de sua ambição desmedida pelo poder. — Não houve escolha, a não ser matá-lo — Meredith justificou a fim de defender as ações de Davey. — Nunca houve outro destino para ele. Mas venha comigo. Todos aqui estão saudosos. Segurando a mão de seu mentor, Meredith ajudou-o a caminhar. Ele envelhecera em sua ausência. — Sim, é verdade. Sinto frio em qualquer estação do ano. Meredith riu. Quando criança, ela sempre se surpreendia ao escutar um comentário ou resposta a qualquer pergunta que se fazia em pensamento. Agora sentia-se em casa. Alawn parou em frente às portas da residência. — Minha menina, o que quer que decida, você o fará por vontade própria. Este é seu lar. Portanto, não se apresse. — Você não conhece Davey, Alawn, Não me agrada deixá-lo para trás. — Ele é mais sábio do que imagina. Sabe que não pode participar de certos assuntos. Projeto Revisoras Você gosta dele? — Alawn estudou o rosto que tanto amava. — Sim, posso ver que gosta. Converse com seu coração, Meredith. Suas dúvidas irão acabar. Mas já escuto Emrys e Brehon discutindo, como faziam quando você era criança. Sempre pensam que eu a guardo só para mim. Ah! Tão logo adentrou o saguão, Davey procurou Meredith. Fazia três dias que não se encontravam. Os anfitriões, tal qual batizara aqueles que o vigiavam e tentavam ensiná-lo a atirar com arco e flecha, haviam providenciado banho e roupas limpas para ele. Para as festividades da noite, Davey havia caçado um cervo. Tentou convencer os homens Cymry que não fora sua flecha que tinha acertado o animal, apesar do linguajar estranho. E a comunicação tornouse ainda mais difícil após algumas canecas de cerveja. Jurou levar um barril ou dois da bebida para que seus irmãos a provassem. — Bem-vindo a nosso lar, jovem guerreiro. Ao escutar a voz, Davey se virou e deparouse com três velhos. Queria perguntar onde estava Meredith, mas se conteve por saber que receberia apenas respostas evasivas. — Será recompensado por sua paciência — um deles disse. — Sou Emrys. A minha direita está Alawn, e este é Brehon. Nós o abençoamos por ter protegido nossa dama. Nós a criamos nesta moradia. Projeto Revisoras — Ele não está interessado em sua ladainha, Emrys — Alawn repreendeu-o. — O jovem não vê a hora de encontrar nossa menina. — E alguém pode recriminá-lo? — Brehon perguntou. — Eu mesmo preferia estar com Meredith a aguentar vocês dois. Antes que Davey pudesse se manifestar, Alawn ergueu a mão. — Nossa dama virá se juntar a nós. Não vamos incomodá-lo. Há muito a ser dito entre vocês. Os três se separaram e Meredith surgiu. Ela vestia um manto branco, semelhante aos trajes que os sacerdotes usavam. Havia pequenos grupos de pessoas no salão, e muitos pararam para conversar com ela. Davey ficou paralisado. A mulher que se aproximava possuía uma aura de selvagem esplendor. Os gloriosos cabelos negros estavam soltos sob a tiara de pérolas. Mas era o rosto que o atraía. A expressão traduzia pura serenidade. Os olhos cinzentos cintilavam. Dúvidas e temores tinham desaparecido. Meredith postou-se diante dele. Davey respirou fundo, fascinado. Ela sorriu. A vontade de tomá-la nos braços e declará-la sua em público resvalou-lhe a mente. — Não podemos, Davey — Meredith sussurrou. — Fomos convidados a sentar na Projeto Revisoras mesa principal. Esta festa é em nossa homenagem. — Não preciso de festa. A única fome que me consome é... — Quieto! Pessoas aqui presentes podem ler pensamentos e outras adoram bisbilhotar. Teremos tempo mais tarde. Prometo. — Sozinhos? — Sim, sozinhos. Mas agora precisamos discutir assuntos de extrema importância. — Nesse caso, contento-me em usufruir de sua companhia. Os três sacerdotes se juntaram a eles. A comida era simples, mas farta. Havia também muito vinho e cerveja. Ele compreendia o fato de ninguém mencionar Owain ou a razão de estar ali. Davey falou das Terras Altas, do clã e dos irmãos. Nem sequer se importou de segurar a mão de Meredith e fitá-la com todo amor diante de desconhecidos. No fundo, queria gritar a todos, mas cabia a ela anunciar o sentimento, já que estavam entre seu povo. Meredith o deixou por algum tempo quando pediram que ela cantasse. A harpa que dedilhava era diferente da que Owain roubara, para o alívio de Davey. Todos permaneceram em silêncio enquanto a voz melodiosa reverberava pelo salão. Davey notou como os outros a observavam. Os rostos transmitiam amor e devoção, Projeto Revisoras admiração e respeito. Eles a deixariam partir? A canção mudou de tom, ocasionando risadas. Davey sorriu, ávido para estar a sós com ela. Não desistiria de sua mulher. Jamais. CAPÍTULO XXVI A noite estava fresca e a brisa recendia a fumaça, quando Meredith o conduziu à pequena colina. O luar a- iluminava de forma etérea. Po-rém a mão que segurava a dele era real. O silêncio de Meredith ameaçava a confiança de Davey. Os dias em que não pôde vê-la ou tocá-la foram uma tortura. Imaginava se ela sentira o mesmo. — Esses últimos dias têm sido difíceis para você — Meredith, enfim, comentou, atenta aos pensamentos que o perturbavam. — E para você também, suponho. — Ainda tem dúvidas, Davey? Eu queria estar com você. É verdade. Incapaz de passar mais um instante sem tocá-la, Davey a abraçou. — Perdoe minhas palavras. Ando muito irritado. Temia que você não me quisesse. Projeto Revisoras Será somente minha agora? — A questão não é tão simples quanto imagina. — Não aceitarei outra resposta além de sua aceitação, hoje e para sempre. — Se eu fosse outra pessoa, poderia lhe dizer as mesmas palavras. Mas não sou. — Está me rejeitando? Tudo o que vivemos não significou... Meredith utilizou a única arma que possuía para silenciá-lo. Beijou-o com ardor. A força do sentimento que os unia era inegável. Enquanto Davey estivesse vivo, não haveria outro homem para ela. Glorificava o ser humano e a potência de guerreiro. O calor do beijo a invadiu. Gemeu suavemente quando ele estreitou o abraço. Existia tanto amor naquele homem... A coragem ante o perigo, a honra de cavaleiro e a genuína bondade no coração o engrandeciam. E Davey pertencia a ela. Segurando-a pela nuca, Davey beijou a ponta do nariz delicado, a curva do pescoço e voltou a cobrir os lábios carnudos. — Eu a amo demais — sussurrou. — Eneit. — Meredith estremeceu ante a paixão eminente. — Eneit. Minha alma. — Você me ama. Tenho certeza. Vamos embora. Hoje à noite. Juro pelo que há de mais sagrado que a farei feliz. A necessidade de negar o convite a dilacerava. Projeto Revisoras — Por favor, escute-me. Amanhã os sacerdotes perguntarão a você o que mais deseja. Pode lhes pedir permissão para se casar comigo. — Meredith o fitou intensamente. — Vai aceitar? — Não. Eu a quero só por uma noite. Meu Deus, Meredith, nem precisa perguntar! Claro que a quero como esposa. Mas por que devemos esperar? Podemos falar com eles agora. — Não posso, Davey. Após tudo que realizou, eles não seriam capazes de lhe recusar nada. Recuperar os sonhos de um povo e devolver a eles as dádivas dos deuses... não é qualquer homem que consegue fazer isso. — E eles são poderosos o bastante para prendê-la aqui — Davey completou, amargurado. — Vi o jeito afetuoso com que a tratam, Meredith. Mas estou ávido para fazer amor com você e tê-la só para mim pelos próximos mil anos. — Então deixe-me ir agora. — Ela o beijou, suplicante. — Eles prepararam algum tipo de teste para eu provar que a mereço? — Oh, Davey, não pense bobagens. Lembrase de que fui eu quem o escolheu? Não há motivos para temê-los, meu amado. Eles me amam e querem que eu seja feliz. E... — Meredith deteve-se antes de revelar a dúvida que tinha. Projeto Revisoras Por mais que Davey a amasse, ele teria ainda de fazer uma escolha crucial. — Até amanhã — ela se despediu. — Sonhe comigo. — É só o que tenho feito. — Davey quis impedi-la de afastar-se, mas conteve o impulso. Havia algo mais. Confuso, ele fitou o céu. Três estrelas brilhantes lhe chamaram a atenção. O dia seguinte logo viria. Podia esperar algumas horas para ver sua vontade prevalecer. E Meredith, em breve, seria apenas dele. Ao raiar do dia, Davey já estava desperto e vestido. A túnica escura que usava parecia negra sob a luminosidade da vela. Ao lavar o rosto, sentiu a água gélida, um aviso de que o verão acabava. Sorridente, atravessou o saguão, dirigindose à cozinha. Serviu-se de pão e queijo, e sentou-se em um barril para apreciar o amanhecer. Esperava que algum servo viesse chamá-lo. Porém, para sua surpresa, o velho sacerdote, Emrys, foi o único a aparecer. Sem palavras, Emrys o conduziu pela floresta até atingir uma estreita trilha. — Vá, meu filho. O que tanto almeja o aguarda. Davey sentiu uma certa tontura. A sensação era semelhante ao dom da segunda visão. Notou o sorriso sutil de Projeto Revisoras Emrys e seguiu a trilha. A possibilidade de estar caindo em uma armadilha não passou pela mente de Davey. No entanto, sentiu que conhecia a floresta. Riu consigo mesmo. Nunca havia estado naquele lugar. Desviando-se dos galhos, ele enveredou pela densa mata. O sol já estava alto, e seus raios penetravam entre as folhas, guiandoo pela trilha. Um som melodioso o fez parar. Não podia ser o mesmo local de seu sonho, mas a música... Não, assemelhava-se à doce voz de Meredith. Desde o começo, o que mais o atraíra na misteriosa mulher fora a voz. Davey disparou a correr. Lembrou-se do sonho. Recordou o som da harpa e como o associara ao chamado de Meredith, seu amor, sua alma gêmea. A promessa valeu a espera. Tudo seria claro quando chegasse a hora. A canção apaixonada restaurou a crença de que havia magia naquele lugar. Davey corria ansioso para vê-la. O desejo aquecialhe o sangue quando atingiu a senda de seu sonho. Os raios da manhã deitavam-se sobre o tapete de flores silvestres. O riacho, rodeado de pedras, refletia em sua superfície o brilho dourado do sol. A água era cristalina. Nem sequer os pássaros ousavam atrapalhar o canto de Meredith. Projeto Revisoras Tampouco a brisa perturbava a paz da senda. À beira do riacho, ela evocava a magia. Davey invejou o brilho dourado que a iluminava. Não podia ser um sonho. Morreria, se a visão daquela aura dourada não fosse sua Meredith. De súbito, a canção terminou. Ela ergueu os braços e, rindo, começou a rodopiar de olhos fechados. Então, um sorriso surgiu nos lindos lábios; era o sorriso secreto de mulher, como se ela guardasse algum conhecimento somente para si. Davey sorriu, fascinado. Ela o encantava. Jamais se cansaria de ver todas as faces de mulher que Meredith lhe mostraria. — Eu sabia que você viria — ela sussurrou em voz melodiosa. — Sua bruxaria me atraiu. Meredith riu. — Alguns homens me chamam de bruxa. Não os condeno. Mas você me conhece muito bem, Davey. — Sim, e a conheceria quantas vezes fossem necessárias. — Ele caminhou devagar. — Quero conhecê-la de todas as maneiras que um homem pode conhecer sua metade. Pelo resto de minha vida. — Davey parou diante dela. — Chegou a hora? — Reconhece o lugar em que estamos? — Sim. Eu sonhei com este lugar. — Há apenas magia, Davey. Aqui os sonhos daqueles que são favorecidos pelos deuses Projeto Revisoras tornam-se verdades. — Já conheço a verdade de meu sonho. — É mesmo? — Meredith acariciou o belo rosto. — Eu gostaria de ter a mesma certeza. — Meredith... — Espere. Há algo que você precisa fazer. Alawn — ela o chamou. Davey não mostrou surpresa ao ver o velho sacerdote. Alawn surgiu entre as árvores, segurando o Cálice da Verdade. — Meredith quer que vocês dois bebam no cálice. Ela tem algo a lhe pedir e, admito, também quero saber a resposta. Ela e o sacerdote o fitavam com tamanha intensidade que Davey teve receio. Mas não hesitou em pegar o cálice e beber um longo gole de vinho. Em seguida, entregou-o a Meredith. Trêmula, pegou a peça sagrada e tomou o líquido. Ainda restava um pouco de vinho quando passou o cálice a Alawn. — Vá em frente, menina — o sacerdote a incentivou. — Davey, se eu aceitar casar-me com você e deixar este lugar, serei como qualquer outra mulher. Os poderes e dons que possuo não mais existirão. Vai me querer assim mesmo? Concentrado, Davey refletiu sobre o que aquela mudança radical significaria na vida de Meredith. Projeto Revisoras — Saiba que... — Ela começou a dizer, mas Alawn a impediu de prosseguir. — Não percebe que ele não está adiando a resposta? Que vergonha, Meredith. Eu lhe ensinei a ser sábia no referente a homens. O jovem não se preocupa consigo próprio, mas com você, filha de meu coração. E, prudente como é, ele considera a perda de algo grandioso que sempre lhe pertenceu. Carinhoso, Davey segurou as mãos delicadas e beijou-as. — Ouça o sábio sacerdote, amor. O que Alawn diz é verdade. Ninguém aqui pode mentir. O cálice não permite. Você suportaria viver sem aquilo que lhe é tão sagrado? Estas lindas mãos possuem o poder da cura através do toque gentil, e não da magia. Seus doces lábios sempre serão música em meus ouvidos. Sua coragem enobrece a mulher. Não precisamos de mais nada, a ghraidh mo chridhe, amor de meu coração. Ora, Meredith, devia saber que nosso amor é a única magia... Davey não terminou a frase, porque os lábios ardentes de Meredith lhe ofereceram o paraíso de um beijo apaixonado. — Que os deuses os abençoem — Alawn murmurou. Então, abraçou Meredith e Davey. — O que estava perdido há muitos anos agora foi encontrado. Usufruam do amor, que é maior que a dura jornada que enfrentaram. Projeto Revisoras Alawn pousou a mão na cabeça de Meredith. — Os presentes sagrados estão reunidos. — Ele olhou para Davey e o tocou também. — Você nos trouxe as dádivas, e nós lhe damos outra em troca. Longa vida aos dois e àqueles que amam. A sabedoria trará paz a seus filhos. Sigam com amor. Vão, eu disse, as metades agora formam o todo. No instante seguinte, Davey beijou sua futura noiva. Ou melhor, corrigiu-se em pensamento, sua esposa. Não se casaria com uma mulher dócil. Meredith nunca seria submissa. Iria se unir a uma Cymry diante dos membros do Clã Gunn e esperaria o ritual cerimonioso para satisfazer a paixão que o consumia. Após o longo beijo, Davey não encontrou relutância em esperar. Meredith o encarou à procura de algum sinal de arrependimento. Não mais conseguia saber o que ele estava pensando. — Tem certeza? — ela perguntou. — Tenho. Não lhe disse desde o início que seria minha? Está na hora de irmos para casa, amor. — Casa. A palavra soa maravilhosa em seus lábios. Agarrando-a pela cintura, Davey a ergueu. Ambos riram de felicidade. De repente, a sedutora melodia da harpa emergiu entre as árvores. Projeto Revisoras — Davey, este lugar é mágico. Quando partirmos, ele permanecerá em nossa lembrança por muito tempo. — Por que preciso deste lugar? Estou com você em meus braços. Há mágica suficiente para este homem. — E para esta mulher também, amor. THERESA MICHAELS foi premiada vá-rias vezes como escritora e vive na Flórida. Sua alegria consiste em proporcionar aos leitores a participação no mundo fictício de seus personagens. Eles choram, amam, riem e se divertem. Ela acredita no poder curativo do amor. Quando não está escrevendo ou sonhando com a próxima aventura de seus personagens, ela pesquisa o mundo medieval ou a América do Velho Oeste. Ela resgata gatos abandonados, inventa misturas de ervas e rosas que cultiva, e lê de tudo, exceto histórias de terror. Projeto Revisoras Este livro foi distribuído cortesia de: Para ter acesso próprio a leituras e ebooks ilimitados GRÁTIS hoje, visite: http://portugues.Free-eBooks.net Compartilhe este livro com todos e cada um dos seus amigos automaticamente, selecionando uma das opções abaixo: Para mostrar o seu apreço ao autor e ajudar os outros a ter experiências de leitura agradável e encontrar informações valiosas, nós apreciaríamos se você "postar um comentário para este livro aqui" . Informações sobre direitos autorais Free-eBooks.net respeita a propriedade intelectual de outros. Quando os proprietários dos direitos de um livro enviam seu trabalho para Free-eBooks.net, estão nos dando permissão para distribuir esse material. Salvo disposição em contrário deste livro, essa permissão não é passada para outras pessoas. Portanto, redistribuir este livro sem a permissão do detentor dos direitos pode constituir uma violação das leis de direitos autorais. 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