- Revista de Processo Comparado
Transcrição
- Revista de Processo Comparado
TUTELA CONTRA O ILÍCITO (art. 497, parágrafo único, CPC/2015) LUIZ GUILHERME MARINONI Professor Titular da Universidade Federal do Paraná [email protected] RESUMO: O autor firma posição no sentido de que pode haver ilícito sem dano. Pensar-se o contrário significa confundir o ilícito com sua habitual consequência, que é o dano. Essa concepção nasceu do estudo da concorrência desleal, mas é também visível quando se pensa na proteção dos direitos fundamentais. O mesmo se deve dizer quanto à tutela jurisdicional que consiste na remoção do ilícito: pode-se pleitear a remoção do ilícito, independentemente da existência do dano. Essas espécies de tutela independem da culpa ou dolo. Neste ponto, evoluiu o CPC de 2015, em relação à legislação anterior. PALAVRAS-CHAVE: Ilícito. Remoção. Dano. Prevenção. Ressarcimento. Remoção. Inibição. ABSTRACT: The author holds the position that there can be a wrongdoing without damage, otherwise the wrongdoing would be mistaken for the its usual consequence, damage. This principle arose from the study of unfair competition but is also present in the analysis of the deference of fundamental rights. The same can be said of remedies which prohibit the wrongdoing: one can request a prohibitory injunction regardless of the existence of damage. These types of remedies do not require proof of fault or intent. In this regard, the 2015 CPC has evolved in relation to previous legislation. KEYWORDS: Ilicit. Harm. Judicial provisions against illicit acts. SUMÁRIO: 1. A tutela contra o ilícito no CPC/2015; 2. A tutela ressarcitória pelo equivalente como única resposta contra o ilícito; 3. A incompatibilidade entre o processo civil permeado pelos valores do direito liberal clássico e a tutela contra o ilícito (ato contrário ao direito); 4. Primeiros passos na percepção da necessidade de tutela contra o ilícito (ato contrário ao direito); 5. A norma de proteção dos direitos fundamentais e a tutela dos direitos transindividuais; 6. A tutela jurisdicional contra o ilícito (não danoso); 7. A tutela contra o ilícito e os pressupostos da culpa e do dolo; 8. Significado da proibição de se discutir o dano na ação voltada à tutela contra o ilícito. 1. A tutela contra o ilícito no CPC/2015 A mais importante forma de tutela jurisdicional do novo Código de Processo Civil está prevista no seu art. 497, parágrafo único. Diz esta norma: “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único: Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo”. O art. 497, parágrafo único, do novo Código de Processual Civil consagra a necessidade de tutela jurisdicional contra o ato contrário ao direito, ou melhor, de tutela jurisdicional contra o ilícito. A norma elenca duas formas de tutela jurisdicional contra o ilícito: i) a tutela inibitória, que pode ser voltada contra a prática, a repetição ou a continuação de um ilícito; e ii) a tutela de remoção do ilícito, direcionada à remoção dos efeitos concretos da conduta ilícita. Mais do que isso, a norma afirma a dissociação entre ato contrário ao direito e fato danoso, deixando claro que tais tutelas não têm como pressuposto o dano e os critérios para a imputação da sanção ressarcitória, ou seja, a culpa e o dolo. 2. A tutela ressarcitória pelo equivalente como única resposta contra o ilícito Existe um dogma – de origem romana – no sentido de que a tutela ressarcitória é a única forma de tutela contra o ilícito. Isso quer dizer que a unificação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, já realizada no direito romano, percorreu a história do direito, inclusive do direito processual civil, sem suscitar maior inquietude de parte da doutrina. Pior do que isso: chegou-se a identificar o ilícito com o ressarcimento em dinheiro. Portanto, é preciso perceber não apenas os motivos que conduziram à unificação entre o ilícito civil, o fato danoso e o ressarcimento em dinheiro, mas também como eles repercutiram sobre o processo civil. Embora essa história seja bastante antiga, é oportuno considerar a questão a partir do direito liberal clássico. Nessa época, diante da ideia de equivalência das mercadorias, o bem objeto do litígio era visto como uma “coisa” dotada de valor de troca. Assim, como o valor da lesão era passível de aferição em pecúnia, entendia-se que os direitos podiam ser adequadamente tutelados por meio do ressarcimento em dinheiro1. É certo que o art. 1.142 do Código Napoleão – segundo o qual toda obrigação de fazer e não fazer resolve-se em perdas e danos em caso de inadimplemento do devedor – constitui um reflexo dos princípios de liberdade e de defesa da personalidade, próprios do jusnaturalismo e do racionalismo iluminista 2 . Mas, se não há como negar que há uma relação entre a incoercibilidade das obrigações e a preservação da “liberdade do homem”, não se pode deixar de perceber que, dentro da lógica do liberalismo, há também um nexo entre a tutela pelo equivalente e o princípio da abstração das pessoas e dos bens. Se os bens são equivalentes, e assim não merecem tratamento diversificado, a transformação do bem devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado. Por outro lado, se o juiz não pode dar tratamento distinto às necessidades sociais, nada mais natural do que unificar tal forma de tratamento, dando ao lesado valor em dinheiro. Se todos são iguais – e essa igualdade deve ser preservada no plano do contrato –, não há razão para admitir uma intervenção mais incisiva do juiz diante do inadimplemento para que, então, seja assegurado o adimplemento in natura. Se o princípio da igualdade formal atua da mesma forma diante do contrato e do processo, bastaria ao juiz conferir ao lesado a tutela pecuniária. A sanção pecuniária teria a função de “igualizar” os bens e as necessidades, pois, se tudo é igual, inclusive os bens – os quais podem ser transformados em dinheiro –, não existiria motivo para pensar em tutela judicial específica. No direito liberal, os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando dessa mesma natureza a tutela pelo equivalente3. As perdas e danos seriam necessárias não só para conservar o dogma Cesare Salvi, Legittimità e “razionalità” dell’art. 844 Codice Civile, Giurisprudenza Italiana, 1975, p. 591 e ss. 2 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, Napoli, Jovene, 1978, p. 36. 1 3 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, p. 37. da “neutralidade” do juiz, como também para manter em funcionamento os mecanismos de mercado. No “mercado” pouco importam as qualidades do sujeito ou as dos bens, de modo que a tutela pelo equivalente, ao expressar apenas o custo econômico do valor da lesão, mantinha íntegros os mecanismos do próprio mercado, sem alterar a sua lógica4. Sendo o princípio da igualdade formal imprescindível para a manutenção da liberdade e do bom funcionamento do mercado, não há como pensar em forma de tutela que tome em consideração determinados interesses socialmente relevantes - ou em “técnica processual diferenciada” -, a revelar a necessidade de conferir “tratamento diferenciado” a situações e posições sociais diversas. A tutela ressarcitória pelo equivalente não se importa com as diferentes necessidades e espécies de bens ou mesmo pressupõe qualquer programa de proteção das posições sociais mais frágeis. Esta forma de tutela jurisdicional, na medida em que desejava apenas conservar em funcionamento o mercado na perspectiva do princípio da igualdade formal, ignorava as características e as necessidades socialmente diversificadas, limitando-se a exprimir a equivalência das mercadorias5. Se as pessoas são iguais, e não precisam ser tratadas de forma diferenciada, também não há razão para pensar em tutela preventiva – e, muito menos, em tutela contra o ato contrário ao direito -, que assume importância apenas em um contexto de Estado preocupado em cuidar de maneira diferenciada de determinadas situações tomadas em consideração pelo direito material. Recorde-se que os direitos fundamentais, no constitucionalismo liberal-burguês, eram vistos somente como direitos de defesa contra o Estado. O direito liberal se importava com a defesa da liberdade do cidadão contra as eventuais agressões da autoridade estatal e não com as diferentes Como observa Adolfo di Majo, “le dottrine giuridiche dell’Ottocento, dopo la parentesi medioevale, recuperano appieno il principio romanistico (della prevalenza) della condemnatio pecuniaria, dovendo apparire, questa prevalenza, come la più funzionale alle esigenze del mercato. Nel mercato, com’è noto, non contano le qualità dei soggetti né quelle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza dei valori). In presenza di atti e/o di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di diritti, la linea tendenziale è di imporre al responsabile il mero ‘costo economico’ di sifatti comportamenti, tendendosi in tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati” (Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, Milano: Giuffrè, 1993, p. 156). 5 Salvatore Mazzamuto, L’attuazione degli obblighi di fare, p. 38. 4 necessidades sociais do grupo. O Estado não dirigia uma política destinada a garantir determinadas necessidades sociais, não interferindo na sociedade e no processo econômico de modo a tutelá-las. 3. A incompatibilidade entre o processo civil permeado pelos valores do direito liberal clássico e a tutela contra o ilícito (ato contrário ao direito) Entretanto, é interessante perceber que o que igualizava as necessidades sociais era a forma de tutela – pelo equivalente – entregue ao lesado. A partir dessa forma de tutela, perfeita dentro da lógica do direito liberal, é que o procedimento e, inclusive, as sentenças eram desenhados. Se o processo, como instrumento, serve a um fim, a sua função e estrutura certamente dependem do seu escopo. Isso quer dizer que a função e a estrutura do processo de conhecimento do início do século XX – que ainda estão presentes em vários países da América Latina e da Europa - são consequências da finalidade que lhe foi atribuída por aqueles que o moldaram. O direito liberal do século XIX, além de eminentemente patrimonialista, era marcado pela preocupação fundamental de delimitar rigidamente os poderes de interferência do Estado na esfera jurídica dos particulares. Ora, quando se parte da suposição de que a qualidade do bem litigioso não importa para o processo e que o juiz deve ter os seus poderes limitados para não interferir na esfera jurídica privada, o processo civil não precisa e não pode exercer função preventiva. Lembre-se que a condenação foi pensada para o caso de dano6, ao 6 Para se compreender o conceito de sentença condenatória é preciso tomar em conta os valores do momento em que foi concebido. O direito liberal, para não permitir a interferência do Estado em algo que, como se supunha, não lhe dizia respeito, proibiu o juiz de ordenar sob pena de multa. A correlação entre a condenação e os meios de execução demonstra a forma pela qual a sentença pode atuar para modificar os fatos. Se o Judiciário estava proibido de impor um fazer ou um não fazer – não apenas porque isto constituiria um atentado contra a liberdade, mas também porque não era desejado pelos valores da época –, a sentença não teria motivo para garantir a tutela preventiva ou a tutela específica do direito. Bastaria uma sentença capaz de garantir um valor em dinheiro, ou seja, uma sentença indiferente ao direito material tutelado. Note-se, assim, que a “abstração” dos bens e das pessoas reflete sobre a “neutralidade” dos procedimentos e das sentenças. Se tudo é igual, e assim não há necessidade de tutela diferenciada ou específica, basta um único procedimento, uma única sentença, e logicamente apenas os meios executivos tipificados na lei. Daí a passo que a sentença declaratória, que independe de execução e, assim, não precisa interferir na realidade dos fatos, é completamente incapaz de evitar o ilícito ou o dano7. Para que a função preventiva fosse possível – se desejável, deixe-se claro – seria necessário dar ao juiz o poder de ordenar mediante coerção indireta, o que não só foi expressamente vedado pelo Código Napoleão, como por muito tempo foi visto pela doutrina europeia como um atentado contra o princípio da liberdade. Mas, se as sentenças do processo de conhecimento eram evidentemente incapazes de conferir prevenção, seria possível perguntar sobre a tutela cautelar, diante da sua conhecida relação com o periculum in mora. A doutrina sempre viu na tutela cautelar uma garantia de efetividade do processo de conhecimento. Daí ter afirmado sua natureza instrumental. No entanto, se a tutela do processo de conhecimento não é preventiva, a cautelar obviamente não pode assumir tal função. Não apenas porque aí a tutela cautelar estaria exercendo exatamente a função não desejada e permitida pelos valores liberais, mas também porque uma providência instrumental não pode ser utilizada para alcançar algo (prevenir) que a própria tutela jurisdicional final está impossibilitada de propiciar. A tutela cautelar, ainda que voltada contra o perigo, foi moldada para impedir que a demora do processo pudesse retirar a utilidade da tutela imprescindibilidade da perspectiva histórico-crítica para a compreensão do conceito de condenação. 7 A sentença declaratória possui laços visíveis com o modelo de Estado de Direito de matriz liberal, pois não incide sobre a vontade do réu, limitando-se apenas a declarar algo sobre uma relação jurídica já formada pela autonomia das vontades. Se a sentença que ordena sob pena de multa faz com que o juiz atue sobre a vontade do réu para, por exemplo, assegurar a não violação do direito, a sentença declaratória se limita a regular, formalmente, a relação jurídica que foi criada a partir da livre vontade dos particulares. Vittorio Denti também reconhece a ligação da tutela declaratória, como remédio de caráter preventivo, com o modelo institucional liberal: “Altro punto che va tenuto fermo è il carattere preventivo dell’azione inibitoria. La dottrina processualistica ha, per lunga tradizione, risolto la tutela giurisdizionale preventiva nel mero accertamento, con una scelta che non ha avuto – come è stato recentemente dimostrato – soltanto carattere concettuale, poiché era condizionata dalla tendenza a delimitare rigidamente i poteri di ingerenza statale nella sfera giuridica privata. Si trattava, quindi, della adesione al modello istituzionale liberale, chiaramente presente nel maggiore teorizzatore dell’azione di mero accertamento e della sua funzione preventiva, Giuseppe Chiovenda” (Vittorio Denti, Diritti della persona e tecniche di tutela giudiziale. L’informazione e idiritti della persona. Napoli: Jovene, 1983, p. 267). V. ainda Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, Padova: Cedam, 1986, p. 52. jurisdicional final. A tutela cautelar não poderia ter o fim de evitar a violação do direito, pois nem mesmo o processo de conhecimento foi pensado e estruturado para tanto. Ora, se o processo de conhecimento não tinha como fim evitar a violação do direito, não há como admitir, por simples lógica, que uma tutela que a ele deveria servir pudesse ultrapassar a sua função, outorgando tutela preventiva. Como está claro, o processo civil marcado pelos valores do Estado liberal, que deu origem ao processo de conhecimento das sentenças condenatória, declaratória e constitutiva e à tutela cautelar que objetiva garantir a efetividade do processo de conhecimento, nada mais é do uma estrutura técnica marcada pela impossibilidade da interferência do Estado na esfera do particular e idealizada para permitir a tutela dos direitos patrimoniais. Esse processo civil tem intima relação com a associação entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil e, portanto, é evidentemente inidôneo à tutela contra o ato contrário ao direito. 4. Primeiros passos na percepção da necessidade de tutela contra o ilícito (ato contrário ao direito) Um dos temas que levou a doutrina a evidenciar a necessidade de distinção entre ilícito e dano para efeito de tutela jurisdicional adequada foi, sem dúvida, o da tutela contra a concorrência desleal. Para que se compreenda a razão pela qual a doutrina italiana foi obrigada a estudar o ilícito de modo a melhor compreender essa forma de tutela é necessário perceber a estrutura normativa italiana da tutela contra a concorrência desleal, que fez surgir, na realidade, diversas espécies de tutelas voltadas à proteção do empresário.8 8 Sobre a problemática da tutela contra a concorrência desleal, v. Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss.; Marco Saverio Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale. Milano: Giuffrè, 1982; Tullio Ascarelli, Teoria della concorrenza e dei beni immateriali. Milano: Giuffrè, 1957; Geraldo Santini, Concorrenza sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss.; Pier Giusto Jaeger, Valutazione comparativa di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto Industriale, 1970, p. 38 e ss.; Gustavo Ghidini, La repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2598 ss. cod. civ. Le sanzioni. Rivista di Diritto Civile, 1970, p. 329 e ss.; Remo O Código Civil italiano, ao tratar do assunto, além de estabelecer quais são os atos que configuram concorrência desleal, prevê três espécies de tutela: a tutela inibitória9, a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória. Afirma o art. 2.599 que a sentença que declara a existência de atos de concorrência desleal inibe a sua continuação e confere as providências necessárias a fim de que sejam eliminados os seus efeitos. O art. 2.600, complementando o leque da tutela jurisdicional contra a concorrência desleal, dispõe que, se os atos são praticados com dolo ou culpa, o seu autor fica obrigado a ressarcir o dano. Note-se que o art. 2.600, ao disciplinar a reparação do dano, exige a culpa ou o dolo, mas o art. 2.599, ao disciplinar a tutela inibitória e a tutela que tem por fim remover os efeitos dos atos praticados, prescinde de tais elementos subjetivos. O art. 2.043 do CC italiano afirma que qualquer fato doloso ou culposo, que ocasione a outrem um dano injusto, obriga ao ressarcimento do dano. Uma vez que a tutela contra a concorrência desleal, de lado a própria tutela ressarcitória, não requer dano, culpa ou dolo, tornou-se necessária a separação das tutelas inibitória e reintegratória contra a concorrência desleal da tutela contra o dano (por ela produzido), que até então era vista como a única tutela contra o ilícito. Parte da doutrina, ainda presa à ideia de que o dano constitui elemento imprescindível à configuração do ilícito, chegou a propor uma dicotomia dos atos de concorrência desleal, os quais, quando culposos e danosos, ficariam enquadrados no conceito de ato ilícito, e em hipótese diversa classificados de Franceschelli, Studi sulla concorrenza sleale. La fattispecie. Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 269 e ss.; Giuseppe Auletta, Divieto di concorrenza e divieto di concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279 e ss.; Gustavo Minervini, Concorrenza e consorzi. Milano: Vallardi, 1965, p. 51 e ss.; Marco Sertorio, Illecito civile, concorrenza, prescrizione. Archivo della responsabilità civile e dei problemi generali del danno, 1964, p. 122 e ss.; Luigi Mosco, La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956, p. 188 e ss. 9 No direito argentino, v. Roberto O. Berizonce, Fundamentos y confines de las tutelas procesales diferenciadas, disponible en el sitio web Ateneo de Estudios del Proceso Civil de Rosario, http://www.elateneo.org/Doctrina-seleccionada.php; Jorge W. Peyrano, El derecho procesal civil de las posibilidades ilimitadas o el fin de los sistemas, Jurisprudencia Argentina, n. 1, p. 835 e ss; Noemi Lidia Nicolau, La tutela inhibitoria y el nuevo artículo 43 de la Constitución Nacional. La Ley, 1996-A, p. 1.248); Ricardo Luis Lorenzetti, La tutela civil inhibitoria. La Ley, 1995-C, p. 1.217 e ss. modo totalmente autônomo.10 Uma outra parte da doutrina, porém, tentou distanciar conceitualmente o ilícito que abre ensejo para as tutelas inibitória e reintegratória do ilícito que requer o dano. Esta doutrina estabeleceu algumas premissas que são fundamentais dentro do esforço de revisão do conceito de ilícito. Afirmou-se que o art. 2.043 do CC italiano não descreve o ilícito – como supunha a doutrina mais antiga –, mas apenas configura a responsabilidade pelo dano. Deduziu-se, nesta linha, que a tutela ressarcitória não é a única forma de tutela contra o ilícito11e que a culpa é uma condição (geralmente) necessária para o ressarcimento do dano, mas não para a ilicitude do ato.12 Para evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilícito, argumentou-se que, quando se diz que não há ilícito sem dano, identifica-se o ato contra ius com aquela que é a sua normal consequência, e isso ocorreria apenas porque o dano é o sintoma sensível da violação da norma. A confusão entre ilícito e dano seria o reflexo do fato de que o dano é a prova da violação e, ainda, do aspecto de que entre o ato ilícito e o dano subsiste frequentemente uma contextualidade cronológica que torna difícil a distinção dos fenômenos, ainda que no plano lógico.13 Bonasi Benucci distinguiu perigo de ilícito e dano, argumentando que o dano é uma consequência normal da periculosidade do ilícito e de sua capacidade de provocar dano. O perigo, nesta concepção, seria elemento 10 V. Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 565. V. também Luigi Mosco, La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956, p. 188 e ss. 11 É o que admite Bonasi Benucci no mais importante trabalho sobre o ilícito dentro do tema da concorrência desleal: “Ci sembra indubbio che l’art. 2043 si limiti a porre in forma generalissima le condizioni cui è sottoposta l’insorgenza dell’obbligo a risarcire il danno conseguente all’illecito, ma che esso non descriva l’illecito, né esaurisca la specificazione dei mezzi di tutela che l’ordinamento offre a colui che sia vittima dell’illecito stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 12 “Essendo quindi anche la colpa una condizione normalmente necessaria (salvo eccezioni che si vanno facendo sempre più numerose, ma che, appunto per il loro carattere di eccezioni, non capovolgono ancora il principio generale) della risarcibilità del danno e non della illiceità dell’atto, illiceità che si perfeziona con la mera violazione della norma quale consegue all’atto stesso” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567). 13 V. Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 569. constitutivo do ilícito (o ilícito é sempre de perigo), enquanto o dano, por ser uma consequência meramente eventual da violação, é um elemento extrínseco a sua fattispecie constitutiva. Embora a teorização de Benucci tenha sido importante para demonstrar que o dano é uma consequência eventual do ilícito, não se esclareceu que a tutela contra um ilícito sem dano não é sinônimo de tutela contra a probabilidade de dano. A tutela contra o ilícito nada tem a ver com o dano, que pode ou não acontecer. Portanto, não basta simplesmente dizer que o dano é uma consequência do ilícito. É preciso frisar que o dano, enquanto consequência eventual, pouco importa para a admissão de tutela contra o ato contrário ao direito, seja ela futuro ou passado. 5. A norma de proteção dos direitos fundamentais e a tutela dos direitos transindividuais No entanto, o que realmente obriga à distinção entre ato contrário ao direito e dano para efeito de tutela jurisdicional adequada é a função das normas de proteção dos direitos fundamentais. Quando o Estado assume novas preocupações sociais e, assim, passam a importar a proteção do meio ambiente, da saúde, da educação e da posição do consumidor no mercado, além de um enfoque dos direitos da personalidade à luz da evolução das técnicas de comunicação, surgem normas que, objetivando tutelar estas situações de direito substancial, passam a impor condutas positivas e negativas. O direito do consumidor, por exemplo, constitui direito fundamental que requer proteção normativa. Perceba-se que o direito ambiental também pode ser pensado – dentro da multifuncionalidade dos direitos fundamentais – como um direito à proteção. Ou melhor, o bem ambiental, visto como fundamental para a organização social, deve ser protegido por meio de normas impositivas e proibitivas de condutas. Para a efetiva proteção desses direitos, ou melhor, para a realização das normas que objetivam lhes dar proteção, é indispensável a tutela contra o ato contrário ao direito, ou seja, a tutela da norma, vista como tutela jurisdicional destinada a inibir a violação da norma ou a remover os efeitos concretos derivados da sua violação. Ora, se o ordenamento jurídico dos dias de hoje deve proteger determinados bens mediante a imposição de certas condutas, e por esta razão são editadas normas de direito material, é necessário que o processo civil seja estruturado de modo a atuá-las. Só isso demonstra a necessidade de o processo abandonar a indevida associação entre ilícito e dano, que até hoje faz pensar que a tutela contra o ilícito futuro é tutela contra a probabilidade de dano e a tutela contra o ilícito passado é tutela ressarcitória14. 6. A tutela jurisdicional contra o ilícito (não danoso) Imaginou-se por muito tempo que a lei, por obrigar quem comete um dano a indenizar, não diferenciasse ilícito de dano, ou melhor, considerasse o dano como elemento essencial e necessário da fattispecie constitutiva do ilícito.15 Entretanto, o dano não é uma conseqüência necessária do ato ilícito. O dano é requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não para a constituição do ilícito. 16 Na realidade, se o dano não é elemento constitutivo do ilícito, podendo este último existir independentemente do primeiro, não há razão para não se admitir uma tutela que leve em consideração apenas o ilícito, deixando de lado o dano 17 . A tutela jurisdicional que inibe a violação da norma impõe a observância da conduta nela positivada. A norma que impõe conduta positiva abre oportunidade para tutela inibitória mediante a imposição de fazer, embora, em regra, a tutela inibitória seja utilizada para impedir a conduta proibida pela norma. A tutela inibitória garante a atuação do desejo de proteção contido na norma. Do mesmo modo, se a conduta ilícita foi praticada e restaram efeitos concretos derivados da violação que podem abrir oportunidade para dano, torna-se oportuna a tutela jurisdição de remoção dos efeitos concretos da conduta ilícita. 14 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inhibitoria, Madrid: Marcial Pons, 2014, p. 65 e ss. Aldo Frignani, L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, Milano: Giuffrè, 1974, p. 413. 16 Aldo Frignani, L’injunction nella common law el’inibitoria nel diritto italiano, p. 413. 17 Cristina Rapisarda, Inibitoria, Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7; Cristina Rapisarda, Profili della tutela civile inibitoria, p. 108 e ss. 15 Ambas as tutelas – inibitória e de remoção - nada têm a ver com o dano, mas apenas com a norma, ou melhor, apenas com a necessidade de efetividade da norma. A norma que, por exemplo, proíbe a venda de produto com determinada substância, deve abrir oportunidade a uma ação processual destinada a inibir a sua violação. Pela mesma razão, se a norma foi violada e os produtos estão expostos à venda ao consumidor, cabe ação voltada a remover os efeitos concretos derivados da conduta proibida, ou seja, tutela de remoção do ilícito - que, no caso, pode ser executada mediante a busca e apreensão dos produtos. Em qualquer das hipóteses, a tutela jurisdicional obviamente não se volta contra a probabilidade de dano18 ao consumidor, mas contra a probabilidade de violação da norma (inibitória) ou contra os efeitos concretos da conduta violadora (remoção de ilícito) 19. Note-se que, quando se pensa na tutela que deve incidir depois do ato contrário ao direito que não produziu dano, não se pergunta sobre a tutela que seria efetiva para evitar o ato contrário ao direito ou para reparar o dano, mas sobre a tutela que seria adequada para remover o ato contrário ao direito e, apenas por consequência, impedir o dano. O desenvolvimento do raciocínio, no caso, encontraria um obstáculo, que seria consistente em saber se realmente existe, no plano do direito substancial, um ilícito civil que não tenha repercussão danosa. Mas a superação de tal obstáculo não é difícil. Como já dito, a tipificação de condutas contrárias ao direito constitui decorrência do dever de proteção do Estado em relação a determinados bens e situações imprescindíveis para a justa organização social. É exatamente o caso das normas de proteção aos direitos fundamentais. Tais condutas, em tese, poderiam ser sancionadas pelo processo penal. Contudo, não há como imaginar que o processo civil possa 18 Frignani, referindo-se à distinção, formulada por Candian, entre ilícito de perigo e ilícito de lesão, diz o seguinte: “Secondo questa impostazione ogni contravvenzione della legge dovrebbe risolversi in un illecito di danno o in un illecito di pericolo (di danno). Come si vede, il danno rimarrebbe il metro di misura, il perno centrale di tutto il sistema della responsabilità. Ma non sembra corretto impostare il problema in questi termini, perché il danno è una conseguenza soltanto eventuale, anche se la più frequente, della violazione di una norma e perciò sbaglierebbe chi volesse indurre l’illecito soltanto dalla presenza del danno” (Azione in cessazione. Novissimo Digesto Italiano, 1980, p. 654). 19 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inhibitoria, cit., p. 122 e ss. lavar as mãos em relação aos ilícitos – como se não tivesse o dever de contribuir para a efetividade das normas –, resignando-se à função de dar reparação aos danos. No caso de norma que proíbe a venda de produto nocivo à saúde do consumidor, a exposição à venda de produto com essa qualidade constitui ato contrário ao direito, embora não configure dano. Diante da ilícita exposição à venda, o legitimado à tutela dos direitos do consumidor certamente poderá propor ação coletiva para a busca e apreensão dos produtos. Nesse caso, embora o ato contrário ao direito já tenha ocorrido, ninguém poderá pensar em tutela ressarcitória. A busca e apreensão viabilizará a tutela de remoção do ilícito, tendo a capacidade de impedir, em razão da restauração da situação anterior ao ilícito, a produção do dano. Na verdade, tal busca e apreensão é sempre equivocadamente associada à tutela cautelar, ou seja, à tutela contra a probabilidade de dano, o que mais uma vez evidencia que não se enxerga ilícito civil no ato contrário ao direito (exposição à venda), mas apenas no dano – que, no caso, seria provável (probabilidade de dano ao consumidor ou à saúde). Ou seja, para esta situação o processo civil tradicional forneceria a técnica da tutela cautelar incidental (busca e apreensão) no curso de ação coletiva com pedido de sentença declaratória, enquanto que, quando bem vistas as coisas, o correto é propor ação coletiva com pedido de tutela de remoção do ilícito mediante busca e apreensão. É que o objeto da ação coletiva não é o dano ao consumidor, mas a ilicitude da conduta de expor o produto à venda. Nesta ação, o dano sequer importa. Quando o ilícito civil é identificado com o dano, conclui-se, de forma apressada, que não há ato contrário ao direito que, ao não provocar dano, deva ser sancionado civilmente. Porém, o fato de uma transgressão não produzir dano não permite que o processo civil possa deixá-la de lado, como se não importasse ou tivesse significação. Quando se toma em consideração a função de proteção das normas jurídicas não penais, não é difícil perceber que, em determinados casos, um ilícito – ainda que configurando ação que se exaure em um único instante – pode possuir eficácia continuada, como no caso de exposição à venda de produtos nocivos à saúde do consumidor. Aliás, mesmo no plano dos direitos individuais não há como ignorar a necessidade de isolar uma tutela jurisdicional que se preocupe somente com o ato contrário ao direito. Imagine-se a busca e apreensão de produtos que evidenciam contrafação de marca comercial ou a retirada de cartazes publicitários que configuram concorrência desleal. Nesses dois casos, a tutela ressarcitória, ainda que viável em vista da possibilidade de os ilícitos terem gerado danos, não elimina a necessidade da busca e apreensão e da retirada dos cartazes, as quais constituem tutelas de remoção do ilícito. O exemplo da concorrência desleal é importante para a demonstração do impacto da evolução da sociedade e do direito material sobre a dissociação entre ato contrário ao direito e dano. Diante da exposição de propaganda que configure concorrência desleal, ao empresário é mais relevante obter a retirada de circulação da propaganda do que ser indenizado pelo dano ocasionado. A preservação de uma marca, de um invento ou mesmo da significação do trabalho de uma empresa é fundamental para sua sobrevivência no mercado. Pouco adiantaria ao empresário obter indenização após sua empresa ter sido obrigada a fechar as portas. Além disso, o valor agregado a uma marca, a um invento ou a vida de uma empresa dificilmente poderá ser precisado e quantificado em dinheiro. Melhor: tal valor não se concilia com o ressarcimento e, assim, este somente deve ser aceito quando impossível evitar o dano – ou seja, como última alternativa. Portanto, o ideal, nestes casos, é a ação de remoção do ilícito. Essa ação conduzirá – obvia- mente que no caso de procedência – à remoção do ilícito e não ao ressarcimento. Note-se que remover o ilícito é secar a fonte dos danos. Tal ação, assim, terá o objetivo de remover o ilícito e, apenas por consequência, impedir que danos ocorram. Entretanto, se danos já ocorreram, nada impede que se peça remoção do ilícito mais ressarcimento dos danos ocasionados. Perceba-se que a tutela civil que inibe a venda de produto nocivo ou determina a sua busca e apreensão não tem como pressuposto probabilidade de dano à saúde ou ao consumidor, mas apenas probabilidade da prática de ato contrário ao direito (quando se inibe a venda) ou simplesmente a prática de ato contrário ao direito (no caso em que se determina a apreensão do produto). Na verdade, a possibilidade de se requerer uma tutela independentemente da existência de dano tem relação com o próprio conceito de norma jurídica, uma vez que se a única sanção contra o ilícito fosse a obrigação de ressarcir em virtude do dano a própria razão de ser da norma estaria comprometida. Simplesmente não haveria como o processo civil reafirmar o dever de proteção do legislador aos direitos fundamentais, de modo que a própria razão de ser do sistema de tutela dos direitos transindividuais estaria comprometida. 7. A tutela contra o ilícito e os pressupostos da culpa e do dolo Supunha-se, exatamente porque se fazia uma identificação entre ilícito e dano, que o elemento psicológico (dolo ou culpa) também fosse necessário para a configuração do próprio ilícito. Na verdade, se o ilícito é compreendido através do ponto de vista da responsabilidade civil, torna-se natural não só a confusão entre ilícito e dano, mas também a exigência da culpa ou do dolo como componente do ilícito.20 De lado a responsabilidade objetiva, o ato do homem é fonte da obrigação de ressarcir porque é culposo ou doloso; tais elementos são relacionados com a responsabilidade pelo dano.21 Entretanto, dentro da noção de ilícito antes delineada, que se afasta da ideia de dano, não há razão para se cogitar sobre culpa ou dolo22. A culpa e o dolo são critérios para a imposição da tutela ressarcitória. Como é evidente, não há motivo para demonstrar culpa ou dolo para se obter tutela judicial que inibe a violação de uma norma ou que remove os efeitos concretos da conduta que a violou. “Il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento costitutivo dell’illecito civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto l’angolo visuale della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della responsabilità per tali danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2.043 c.c.), si è costruito l’illecito su base soggettiva ossia sulla base della colpa dell’agente” (Eduardo Bonasi Benucci, Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579). 21 “Parlando di presupposti della inibitoria, dottrina e giurisprudenza sono ormai concordi nel rilevare che essa prescinde dal dolo o dalla colpa dell’agente e dall’essersi verificato un danno nel patrimonio del soggetto passivo” (Marco Saverio Spolidoro, Le misure di prevenzione nel diritto industriale, Milano: Giuffrè, 1982, p. 161-163). 22 O próprio Barassi, ainda que ligando a tutela inibitória à probabilidade de dano, percebeu que “la colpa è imposta per il risarcimento del danno attuale, non per la sua prevenzione” (Lodovico Barassi, La teoria generale delle obbligazioni, Milano: Giuffrè, 1964, p. 431). 20 8. Significado da proibição de se discutir o dano na ação voltada à tutela contra o ilícito De lado as questões de que o ilícito não requer dano e de que a tutela contra o ilícito se dirige apenas contra o ato contrário ao direito, é preciso deixar claro que o autor da ação contra o ilícito - que pode ser, conforme o caso, inibitória ou de remoção - não precisa alegar dano e, mais do que isso, que o juiz está proibido de perguntar sobre dano em qualquer dessas ações. Isso quer dizer que o réu não pode contestar alegando que o provável ato ilícito ou que o ato ilícito já praticado não produzirá ou não produziu dano. Em outras palavras, não será possível ao réu alegar, por exemplo, que a construção em local proibido pela legislação não acarretará dano ambiental ou que o produto que contém substância proibida por norma não provoca dano à saúde. Bem por isso, o juiz não pode determinar prova para a elucidação das questões de se a construção pode gerar dano ambiental e de se o produto pode causar dano à saúde. Lembre-se que a norma de proteção impõe a conduta a partir do pressuposto de que ela pode gerar dano. Ou seja, o dano é o motivo que leva o legislador a impor um dever de não fazer ou de fazer. De modo que, quando a norma é violada e se torna necessária a sua atuação mediante a tutela jurisdicional, a cognição judicial e a instrução probatória estão circunscritas exclusivamente à questão de se saber se houve ou não violação da norma. Só isso importa, pode ser investigado pela prova e pode ser aferido pelo juiz na ação voltada contra o ilícito, compreendido como ato contrário ao direito. Nessa linha, não há como imaginar que as tutelas antecipadas de inibição e de remoção possam ter como pressuposto a “probabilidade de dano”, embora o art. 300 do CPC/2015 marque exatamente esta expressão como requisito para o requerimento de tutela antecipada. Isso não apenas porque o direito material obviamente se impõe sobre as fórmulas processuais, mas também pela circunstância de que o legislador, por lamentável influência, muitas vezes imagina que pode desenhar técnicas processuais neutras em relação às necessidades do direito substancial. Deixe-se consignado, assim, que a tutela inibitória antecipada requer a probabilidade da prática de ato contrário ao direito (durante o tempo necessário a definição da ação inibitória), ao passo que a tutela de remoção antecipada requer a probabilidade da prática de ao ilícito. Aliás, caso tudo não fosse assim não haveria significado em tutelar os direitos fundamentais mediante normas, o que é imprescindível para que estes direitos possam frutificar nas sociedades contemporâneas. O infrator sempre teria a faculdade de violar a norma para discuti-la judicialmente, ocasião em que poderia alegar que a conduta proibida não provoca dano.