42. gt - [1855] juízes e cidades na américa latina

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42. gt - [1855] juízes e cidades na américa latina
ANAIS
CONGRESSO DO MESTRADO EM
DIREITO E SOCIEDADE DO
UNILASALLE
GT – [1855] JUÍZES E CIDADES NA AMÉRICA
LATINA
CANOAS, 2015
3402
OS TRIBUNAIS E AS CIDADES: A DISPUTA PELA INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL DO PLANO DIRETOR
Aline Viotto
Bianca Tavolari
RESUMO: O artigo trata da disputa interpretativa em torno do sentido do plano
diretor na argumentação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos
desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
PALAVRAS-CHAVE:
interpretação judicial.
plano
diretor;
política
urbana;
constitucionalidade;
1 INTRODUÇÃO
O recurso extraordinário n. 607940 está na pauta do Supremo Tribunal
Federal (STF) brasileiro desde agosto de 2014. A relação entre o plano diretor –
instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana, obrigatório para
os municípios com mais de 20.000 habitantes, conforme estabelecem a
Constituição Federal e o Estatuto da Cidade – e outras leis que disciplinam o
parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano é central nesse julgamento. Ao
estabelecerem o vínculo entre esses dois tipos de normas jurídicas, os ministros
do STF não tratam apenas de questões de competência legislativa e da hierarquia
entre normas – são os próprios sentidos atribuídos ao papel do plano diretor que
estão em disputa.
O objetivo deste artigo é reconstruir internamente os argumentos jurídicos
mobilizados pelos juízes nas diferentes instâncias do judiciário em que esta
questão foi tratada. Isso porque o recurso extraordinário n. 607940 teve origem no
questionamento, por parte do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT), da constitucionalidade de uma lei do Distrito Federal que regula a
abertura de condomínios fechados. A principal finalidade do artigo é expor as
disputas interpretativas em cada um dos âmbitos institucionais, indicando como a
questão se transformou ao ser analisada por essas cortes, deixando de ser
3403
apenas sobre a constitucionalidade de uma lei específica. Partimos da hipótese
de que a discussão da relação entre plano diretor e outras leis coloca em jogo o
próprio procedimento democrático para o planejamento urbano. Não se trata de
questão meramente formal, mas de como se determina a política que orienta o
desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Em outras palavras, é uma
questão sobre quem pode fazer parte da tomada de decisão tanto no caso do
plano diretor quanto nas leis urbanísticas em geral.
A reconstrução da estrutura argumentativa das decisões judiciais em
diferentes instâncias busca contribuir para o debate sobre a relação entre direito e
espaço urbano sob uma perspectiva pouco usual. Nos estudos sobre direito e
urbanismo, o foco das investigações tem sido o legislativo, sendo marginais as
análises das decisões do judiciário e de seus impactos.1 Além disso, quando a
pesquisa tem como objeto o judiciário, geralmente está centrada na análise
quantitativa
das
decisões,
sem
adentrar
na
análise
da
qualidade
da
fundamentação das decisões. Por isso, este artigo também pretende contribuir
para os estudos recentes2 sobre como são formuladas as fundamentações das
decisões jurisdicionais e como é construída a legitimidade do poder judiciário no
Brasil. Partimos, portanto, do pressuposto de que os argumentos judiciais
importam. Em primeiro lugar, porque em uma democracia a justificação de uma
decisão, pelo Estado, tornou-se condição de legitimidade da sua atuação.
Fornecer justificativas permite que a qualidade das decisões possa ser controlada
pela sociedade: sem fundamentação não é possível nem concordar nem
discordar de uma decisão. Além disso, o texto das normas jurídicas é
indeterminado, ou seja, não encerra apenas um único sentido. Diante dessa
abertura, os juízes necessariamente interpretam o texto da lei e escolhem entre
mais de uma alternativa possível, ainda que todas possam ser admitidas pelo
direito. Como se trata de uma escolha, a justificativa é novamente central.
1
Para uma exceção, ver a pesquisa realizada pela PUC-SP no âmbito do projeto “Pensando o
Direito” do Ministério da Justiça: SAULE Jr., Nelson, LIBÓRIO, Daniela, AURELLI, Arlete Inês
(coords.). Conflitos coletivos sobre a posse e a propriedade de bens imóveis. Projeto Pensando
o Direito, n.07/2009, Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça.
2
Aqui referimo-nos aos estudos realizados por RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como
decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013.
3404
Este artigo está estruturado em sete partes. Na primeira, será feita uma
breve reconstrução histórica do debate e das disputas na Assembleia Nacional
Constituinte de 1986-1988 a respeito da introdução do conceito de plano diretor
no texto constitucional. O retorno ao debate do período da constituinte demonstra
como a positivação do plano diretor na constituição foi marcada pelo conflitos
entre diferentes grupos sociais que persistem até o presente. Entre a segunda e a
sexta parte deste trabalho, será apresentado o estudo das controvérsias judiciais
a respeito da constitucionalidade da lei n. 710/2005 do DF. O segundo e o terceiro
pontos tratarão dos argumentos apresentados por cada uma das partes
envolvidas na controvérsia judicial. Na segunda parte, serão apresentados os
argumentos do MPDFT para questionar a constitucionalidade da referida lei,
enquanto na terceira serão expostas as justificativas do Governador do Distrito
Federal, do Presidente da Câmara Legislativa e do Procurador Geral do Distrito
Federal para defender a constitucionalidade. Em seguida, será apresentada uma
síntese dos argumentos das partes, acompanhada de uma discussão sobre como
a questão da constitucionalidade da lei n. 710/2005 pode ser encarada sob
diferentes perspectivas. No quinto ponto, serão reconstruídas as estruturas
argumentativas dos votos dos desembargadores do TJDFT no julgamento da
constitucionalidade da lei n. 710/2005. A sexta parte reconstituirá os caminhos
argumentativos feitos pelos ministros do STF na decisão sobre a repercussão
geral do recurso extraordinário e no julgamento de mérito da questão
constitucional. Por último, com base no caso apresentado, apresentamos algumas
considerações finais.
2 O PLANO DIRETOR NO TEXTO CONSTITUCIONAL E NA ASSEMBLEIA
NACIONAL CONSTITUINTE
A Constituição de 1988 é a primeira a dedicar um capítulo específico à
questão urbana e dois parágrafos se referem expressamente ao plano diretor.3 No
3
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
3405
entanto, ainda que tenham recebido outros nomes na história, planos diretores
foram formulados e implementados no Brasil muito antes da previsão
constitucional atualmente vigente.4 Ainda que não formem a origem dos planos,
porém, a Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição são marcos decisivos
da politização do plano diretor pelos movimentos sociais, se comparado com a
primazia da técnica que estruturava as intervenções anteriores de maneira geral.5
Seria de se esperar, portanto, que a atual redação do artigo 182 tivesse sido fruto
de uma iniciativa da sociedade civil. A emenda popular n. 63, articulada pelo
Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) com mais de 130 mil
assinaturas, reivindicava a participação popular tanto na elaboração quanto na
implementação dos chamados “planos de uso e ocupação do solo”. Ao longo do
processo constituinte, vários termos foram utilizados para designar o instrumento
de regulação do espaço urbano nas cidades – “planejamento do desenvolvimento
municipal”, “ordenamento territorial”, “planos ordenadores do espaço urbano”,
“planos urbanísticos”, entre outros.6 No entanto, uma das primeiras emendas que
utiliza a expressão “plano diretor” é também a única a vinculá-lo à noção de
§ 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de
vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana.
§ 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais
de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”
4
Para uma análise das mudanças de concepção a respeito do plano diretor ao longo da
história brasileira, com uma proposta de periodização, ver VILLAÇA, Flávio. Uma
contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba,
SCHIFFER, Sueli Ramos (orgs.). O processo de urbanização no Brasil. 2ª edição. São
Paulo: FUPAM/EDUSP, 2010.
5
Um exemplo concreto pode ser encontrado no balanço sobre o plano diretor de São
Paulo feito na gestão de Luiza Erundina (PT-SP): “[...] muito da tecnocracia dos anos 60
ainda está presente no planejamento urbano brasileiro e paulista, e as causas de sua
ineficácia não devem ser procuradas nos aspectos técnicos ou científicos dos planos,
no seu conteúdo, ou objetivos. Não foi por falhas deste tipo que tantos planos
fracassaram. [...] Vamos repetir quantas vezes for necessário: não são os planos, nem o
planejamento, mas as organizações sociais e políticas que lutam pela conquista de
seus interesses os responsáveis pelas mudanças na sociedade”, KOWARICK, Lucio,
ROLNIK, Raquel, SOMEKH, Nadia (eds.). São Paulo: crise e mudança. São Paulo:
Brasiliense/Prefeitura de São Paulo, 1990, p.214-215.
6
Ver BASSUL, José Roberto. A constitucionalização da questão urbana. In: Volume IV –
Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e economia em vinte anos de mudanças.
Brasília: Senado Federal, 2008, p. 13. Esta é a reconstrução mais detalhada e completa sobre o
capítulo da ordem urbana na Assembleia Nacional Constituinte e nos apoiamos nesta análise
para além deste ponto específico.
3406
função social da propriedade. Proposta pelo bloco conservador conhecido como
“Centrão”, esta emenda elevou o “plano urbanístico à condição expressa de
paradigma do cumprimento da função social da propriedade”7, com a finalidade
de criar mais uma instância para impedir a auto-aplicação do princípio da função
social.
Assim, a exigência de que os municípios formulassem planos diretores
teve o intuito original de bloquear, ainda que temporariamente, a aplicação da
função social para as propriedades urbanas, o que limitou a proposta da emenda
popular.8 Essa breve menção à origem do plano diretor na constituinte tem a
finalidade de mostrar que tensões e embates entre forças sociais opostas
perpassam o próprio texto constitucional. Além disso, o sentido de “plano diretor”
já faz parte da disputa pela formulação do texto que é interpretado hoje pelo STF
no recurso extraordinário analisado neste artigo: questões como a forma, a
aplicabilidade, o conteúdo e os agentes envolvidos na elaboração do plano diretor
já estavam em pauta ao menos desde 1987. Assim, os argumentos e as decisões
analisadas aqui fazem parte de um contexto mais amplo de lutas sociais pelo
direito no Brasil. No caso do plano diretor, essas lutas marcam a sua história
desde a sua origem.
3
O
QUESTIONAMENTO
DA
CONSTITUCIONALIDADE
DA
LEI
COMPLEMENTAR N. 710/2005
Em junho de 2007, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
(MPDFT) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a Lei
Complementar n.710/2005.9 Editada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal
por iniciativa do Governo do Estado, a lei regula os assim chamados “projetos
urbanísticos com diretrizes especiais para unidades autônomas”. Como esses
7
Idem, p. 14.
8
Ver GRAZIA, Grazia de. Estatuto da Cidade: uma longa história com vitórias e derrotas.
In: OSORIO, Letícia Marques (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas
perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.
16.
9
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2007.00.2.006486-7, ajuizada no Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
3407
projetos não são objeto de nenhuma outra norma urbanística brasileira, a própria
lei complementar traz uma definição: “projeto devidamente aprovado pelo
Governo do Distrito Federal, para determinado lote, regido pelas diretrizes
especiais constantes desta Lei Complementar e integrado por unidades
autônomas e áreas comuns condominiais, nos termos da Lei Federal n. 4.591, de
16 de dezembro de 1964” (art. 1º, §1º, grifos nossos). A primeira definição é
complementada pela explicação de alguns de seus elementos constitutivos: lote é
“o terreno resultante de quaisquer das modalidades de parcelamento do solo” (art.
3º, IV) e unidade autônoma é definida como “a unidade privativa que compuser
Projeto Urbanístico com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas” (art. 3º,
VI).
Esse primeiro grupo de determinações indica que se trata de uma
regulação específica (“projetos urbanísticos com diretrizes especiais”) para
parcelas determinadas do solo compostas por unidades privativas organizadas
em condomínio. O particular que tiver um projeto aprovado pelo poder público tem
uma série de obrigações, tais como demarcar as unidades autônomas, implantar
o sistema viário e a infraestrutura básica, composta por escoamento das águas
pluviais, iluminação, rede de abastecimento de água potável, de energia e de
esgoto (art. 4º, I e II). Em contrapartida, tem permissão para cercar os limites
externos do empreendimento e colocar guaritas para controlar o acesso (art. 6º, I
e II). Como veremos ao longo deste texto, todos os atores envolvidos nessa
disputa entendem que a lei complementar regula os “condomínios fechados”.
O Ministério Público desenvolve dois tipos de argumento para defender a
inconstitucionalidade da lei. O primeiro deles afirma que o conteúdo da lei
complementar teria de ser regulado pelo plano diretor de ordenamento territorial
(PDOT) ou pelos planos diretores locais (PDL) e não por lei. O segundo
argumento trata de violações materiais da regulação dos condomínios fechados
aos princípios da política urbana e à Lei Federal de Uso e Parcelamento do Solo
(Lei n. 6.766/1979). Como se trata de apontar problemas de caráter
constitucional, os argumentos do MPDFT têm de se basear na Lei Orgânica do
3408
Distrito Federal, que tem status de constituição do estado.10 Passamos a
examinar cada um dos tipos de argumento em mais detalhes.
O primeiro é de ordem procedimental. Afirmar que o instrumento utilizado
para regular os condomínios fechados não foi o adequado, o MPDFT não
questiona a legalidade ou a legitimidade desses condomínios, mas tampouco se
restringe ao âmbito puramente formal. Isso porque traça uma diferença importante
entre o plano diretor – que formalmente é uma lei – e leis ordinárias e
complementares. O plano diretor seria o instrumento mais adequado para uma
“abordagem global e contextualizada para mudanças em normas de caráter
urbanístico” (p.13)11 por exigir estudos urbanísticos prévios e “um plus (sic) a
mais” (p.11), a participação popular por meio de audiências públicas. Haveria,
portanto, uma contraposição entre o plano diretor – amparado por estudos
técnicos sobre a cidade como um todo e formulado com participação social – e a
lei – que trataria a questão dos condomínios fechados “de forma isolada e
desvinculada de estudos urbanísticos globais” (p.11) e, nesse caso específico, de
caráter casuístico por favorecer apenas particulares (p.18). Assim, a escolha do
instrumento jurídico envolve tanto a medida em que os atores sociais podem
participar da formulação da lei quanto o peso dado a estudos de ordem técnica.
Segundo o MPDFT, o fundamento legal para embasar este argumento está
numa série de artigos da Lei Orgânica que trata da obrigatoriedade do plano
diretor.12 Como a ação do MPDFT não explora a relação entre os planos diretores
10
Lei Orgânica do Distrito Federal, promulgada em 8 de junho de 1993.
11
A ADIN encaminhada ao TJDFT, as manifestações e votos que dizem respeito a essa
decisão são anexos do recurso extraordinário encaminhado ao STF. Assim, utilizamos
os arquivos disponibilizados no sítio eletrônico do STF como base para nossa análise.
O
documento
compilado
pode
ser
encontrado
em:
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=3823627,
acesso em 12.04.2015. Como faremos muitas referências textuais a esse documento
compilado, de agora em diante, a citação será feita no corpo do texto, com indicação
apenas da página.
12
Arts. 316 a 319 e art. 321. Os artigos tratam, entre outras assuntos, da obrigatoriedade
do PDOT e dos PDLs como “instrumentos básicos das políticas de ordenamento
territorial e desenvolvimento urbano” (art. 316), da abrangência dos planos para todo o
território e o objeto de sua regulação (“localização dos assentamentos humanos e das
atividades econômicas e sociais da população”, art. 317), prazos de elaboração e
revisão dos planos, a atribuição do Poder Executivo para conduzir “as bases de
discussão e elaboração dos planos diretores” (art. 319).
3409
e a lei, o argumento implícito é o de que a exigência de elaboração de planos
diretores impede que qualquer questão urbanística seja tratada fora deles. Ou, em
outras palavras, que a lei genérica não é um instrumento válido para tratar de
temas urbanos. Os planos diretores seriam os únicos meios legais e legítimos
para tanto – tanto tecnicamente quanto no que diz respeito à participação popular.
Assim, por “instrumentos básicos das políticas de ordenamento territorial e
desenvolvimento urbano”13, o MPDFT entende que, por suas características
próprias, os planos diretores seriam os únicos instrumentos. Esse argumento
serviria de base para qualquer lei que pretendesse regular temas urbanos – não
se restringe, portanto, à Lei Complementar n. 710/2005. Como veremos, a
interpretação do significado de “instrumento básico” é um dos pontos que
organizam a disputa no judiciário.
O segundo tipo de argumento diz respeito ao conteúdo da lei
complementar, ou seja, à regulação dos condomínios fechados propriamente dita.
Ele tem peso menor na argumentação do MPDFT, provavelmente porque sua
relação com a Lei Orgânica é menos direta. Se o primeiro tipo de argumento não
fazia qualquer valoração a respeito
dos condomínios fechados, o segundo
identifica que eles são um problema em si. A consequência é negar qualquer tipo
de regulação que reconheça sua existência legal. Os condomínios fechados
seriam um “incentivo à segregação social” e impediriam “a criação de uma malha
urbana consistente” (p.16). Assim, afrontariam os princípios da política urbana
previstos na Lei Orgânica, tais como a “ocupação ordenada do território, uso de
bens e distribuição adequada de serviços e equipamentos públicos”, o “uso
socialmente justo e ecologicamente equilibrado” do território, a “distribuição
espacial adequada” e a “prevalência do interesse coletivo sobre o individual e o
interesse público sobre o privado”14. A permissão para o uso de guaritas é
interpretada como uma violação à Lei de Uso e Ocupação do Solo, que
13
Essa formulação não está apenas na Lei Orgânica do Distrito Federal. O artigo 182,
§1º da Constituição Federal estabelece que “O plano diretor, aprovado pela Câmara
Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. O caput do artigo 40 do
Estatuto da Cidade tem redação parecida: “O plano diretor, aprovado por lei municipal,
é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”.
14
Arts. 314 e 326 da Lei Orgânica.
3410
estabelece que as vias e praças dos loteamentos pertencem ao domínio do
município.15 O cercamento e o controle de entrada seriam, portanto, uma
privatização das vias dos condomínios fechados.
Na ADIN, o MPDFT traz uma série de decisões judiciais que declararam a
inconstitucionalidade de leis que alteraram o plano diretor. Assim, apesar de não
afirmar expressamente, o MPDFT equipara a Lei Complementar 710/2005 com
normas jurídicas alteradoras do plano.
4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À INCONSTITUCIONALIDADE
Após receber a ADIN, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
(TJDFT) pediu a manifestação do então Governador do Distrito Federal, José
Roberto Arruda (PFL-DF), do então Presidente da Câmara Legislativa, o deputado
Alírio Neto (PEN-DF), e do Procurador Geral do Distrito Federal. Como todos se
posicionam em favor da constitucionalidade da lei, a análise dos argumentos foi
organizada por temas abordados pelo TJDFT em sua decisão.
4.1. Relação entre Plano Diretor e Lei
Um ponto que perpassa todas as argumentações é a análise da relação
entre plano diretor e lei, tanto no caso específico da Lei Complementar n.
710/2005 como em geral. Para o Governador do Distrito Federal, o plano diretor é
um instrumento de abstração e abrangência máximas (p.79). As leis urbanísticas
serviriam tanto para dar maior concretude a planos mais abstratos quanto para
regular situações não previstas no PDOT ou no PDL (p.78). Segundo o
governador, “nenhum planejamento é absoluto” (p.78) e, portanto, todos os planos
diretores podem e devem ser complementados por conteúdos regulados por lei.
Quanto ao caso específico, não se trataria de lei alteradora do plano, uma vez
que “o assunto não é abordado pelo plano diretor e necessita de regulamentação
legal” (p.76). Não haveria como falar em afronta ao plano diretor ou mesmo à
Art. 22 da Lei n. 6.766/1979.
15
3411
legislação existente, já que a matéria não teria sido tratada em nenhum outro
diploma legal.
Já o presidente da Câmara Legislativa afirma que a lei complementar
“supre uma lacuna” (p.85) e seria, portanto, uma “suplementação legislativa para
dispor sobre os loteamentos fechados” (p.87, grifo nosso). O Procurador Geral do
Distrito Federal, por sua vez, defende se tratar de “detalhamento do PDOT”
(p.109). Há, portanto, o pressuposto de que tanto o plano diretor quanto a lei são
instrumentos de regulação de questões urbanísticas. A relação entre plano diretor
e lei posterior não poderia ser de contrariedade, apenas de concretização,
detalhamento, aprofundamento. A lei posterior também seria admitida para suprir
temas não tratados no plano.
4.2. Plano Diretor como Instrumento Básico da Política de Desenvolvimento
e Expansão Urbana
Como estes três atores institucionais admitem a possibilidade de regulação
de questões urbanísticas por lei e pelo plano diretor, sua interpretação é a de que
a expressão “instrumento básico” não pode ser interpretada de tal forma que os
planos sejam os únicos instrumentos da política de desenvolvimento e expansão
urbana (p.77 e 105). O argumento está baseado na Lei Orgânica do Distrito
Federal, que estabelece um rol de instrumentos legislativos válidos e, entre eles,
inclui tanto o plano diretor quanto as leis urbanísticas.16
4.3. Competência para Legislar em Matéria Urbanística
A argumentação do presidente da Câmara Legislativa é a única a tratar da
questão da competência legislativa dos municípios. Segundo essa perspectiva,
como o art. 24, I da Constituição Federal estabelece a competência concorrente
entre a União e o Distrito Federal para legislar sobre direito urbanístico e como o
16
Art. 325 da Lei Orgânica do Distrito Federal.
3412
art. 30, I prevê a autonomia do município para legislar sobre assuntos de
interesse local, nada impediria que questões urbanas fossem reguladas por lei.
4.4. Condomínios Fechados
O posicionamento da presidência da Câmara Legislativa também procura
refutar a tese de que os condomínios fechados seriam ilícitos e indesejáveis em
si. Segundo essa argumentação, a lei complementar não privilegiaria grupos
privados (p.88), já que não incidiria nos parcelamentos já consolidados, mas
apenas nos futuros ou nos que estavam em processo de regularização.
Como dito anteriormente, todos os atores envolvidos nessa disputa
concordam que a lei complementar trata da figura do “condomínio fechado”,
apesar de o termo não ser encontrado em nenhum texto legal vigente. Por mais
que exista concordância quanto à figura, uma das discordâncias diz respeito a
sua legalidade: para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, os condomínios
fechados equivaleriam ao instituto do “loteamento fechado”, previsto na Lei n.
4.591/1964.
5 INTERPRETAÇÕES DISTINTAS SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE
Esse primeiro grupo de argumentos não expressa apenas posicionamentos
justificados em favor ou contra a constitucionalidade da lei complementar, mas
também revela como os posicionamentos estão embasados em interpretações
distintas sobre qual seria a questão em disputa.
Para
poder
declarar
a
lei
inconstitucional,
o
MPDFT
tem
de
necessariamente contrapô-la à Lei Orgânica do Distrito Federal. É a Lei Orgânica
que estabelece o terreno em que a constitucionalidade pode ser discutida, é sua
interpretação que forma o critério que determina se houve um desvio ou uma
violação. Enquanto o MPDFT recorre à parte da lei que traz as normas para a
promulgação dos planos diretores, o Governador e o Procurador Geral se voltam
a um artigo específico que expressamente inclui a lei como instrumento da política
urbana. Perante essa contraposição, o argumento do MPDFT se mostra frágil: a
3413
previsão legal de obrigatoriedade do plano diretor teria de ser interpretada como
exclusividade, o que impediria que o município editasse qualquer tipo de lei
urbanística. Diante de um artigo da Lei Orgânica que prevê uma pluralidade de
instrumentos
urbanísticos,
esse
posicionamento
parece
insustentável.
O
argumento seria ainda corroborado pela competência legislativa em matéria de
direito urbanístico prevista pela Constituição.
Os argumentos em favor da constitucionalidade da lei partem, portanto, de
outro ponto de partida. Se a principal questão do MPDFT era mostrar a
contrariedade entre a lei complementar e a Lei Orgânica, a posição oposta parte
do pressuposto de que tanto o plano diretor quanto a lei são instrumentos válidos
para editar normas urbanísticas e a questão passa a ser da relação ou da
hierarquia entre elas. Para sustentar a constitucionalidade, afirmam que a lei
complementar ou preenche uma lacuna do plano diretor, complementando-o, ou
detalha artigos que já estariam no próprio plano. Há ao menos dois pressupostos
aqui: por um lado, o plano diretor é a referência a partir da qual a lei
complementar tem de ser avaliada, o que indica que o plano seria
hierarquicamente superior; por outro, está implícito que uma lei que alterasse o
conteúdo do plano seria considerada inconstitucional, o que mais uma vez mostra
que lei e plano não estariam no mesmo patamar.
É importante notar que, neste ponto, a discussão se autonomiza da lei
sobre loteamentos fechados e passa a abarcar a relação entre plano diretor e lei
urbanística de forma geral. A discussão sobre a legalidade dos condomínios
fechados passa a segundo plano, tanto porque o principal argumento do MPDFT
está centrado no procedimento quanto porque esse caminho levaria a uma
avaliação de leis infraconstitucionais – como a Lei n. 6.766/1979 e a Lei n.
4.591/1964 –, o que seria menos pertinente a uma ADIN. Com a mudança de
ponto de partida, os argumentos em favor da constitucionalidade da lei não
precisam mais explorar a diferença nos critérios de aprovação, participação e de
qualidade técnica entre lei e plano diretor defendidos pelo MPDFT.
Essa contraposição de argumentos também é representativa da forma com
que demandas são trazidas ao judiciário. O governador, a Câmara e a
Procuradoria propuseram e formularam a lei – são portanto seus defensores. O
3414
Ministério Público, por sua vez, defende a inconstitucionalidade da lei em todos os
sentidos, sem contrapor sua tese com argumentos legais que poderiam fragilizála. Como é comum entre partes que litigam no judiciário, tanto um lado quanto o
outro defendem posições absolutas: ou a lei é constitucional sob todos os
aspectos ou é inconstitucional também sob todos os aspectos. Mas se a
dimensão estratégica se sobressai e é constitutiva dos posicionamentos, “em um
estado de direito, seus argumentos não podem ser puramente estratégicos, pois
[...] precisam respeitar determinado padrão para serem considerados adequados;
padrão este que se expressa em ônus argumentativos impostos a todos aqueles
que pretendam argumentar juridicamente” 17.
6 A DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
também se organiza em torno de duas posições que, em grande medida,
espelham as interpretações divergentes apresentadas anteriormente. Apesar de
todos os desembargadores poderem justificar suas posições individualmente,
apenas dois deles manifestaram seus votos – Dácio Vieira, o relator, e Mário
Machado, em voto de vista. Todos os demais expressaram seu posicionamento
de concordância com um dos dois votos, geralmente por meio da fórmula “voto
com o relator/com o voto divergente”.
Em seu voto, Dácio Vieira determina qual seria a questão a ser discutida
pelo Tribunal de Justiça: seria necessário confrontar a lei complementar com a Lei
Orgânica. Não seria pertinente avaliar “eventuais antinomias” entre a lei e o PDOT
e os PDLs, uma vez que esse tipo de análise teria caráter ordinário e não
constitucional (p.153). Assim, a constitucionalidade da lei complementar teria de
ser analisada a partir do parâmetro da Lei Orgânica.
O ponto que estrutura a argumentação do relator é o artigo da Lei Orgânica
que expressamente indica a lei como instrumento legislativo, inserida em um rol
não exaustivo de possibilidades à disposição do município (art. 325). Assim como
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013,
p.73.
17
3415
no posicionamento do Governador, da Câmara e da Procuradoria Geral, diante da
admissão dos planos e da lei como instrumentos igualmente válidos, a questão da
relação entre essas normas fica em aberto e passa a ser central. O relator
enfrenta essa questão a partir da interpretação da expressão “instrumento
básico”. Diferentemente dos argumentos que vimos até agora, o adjetivo “básico”
é interpretado como “geral”: por seu caráter geral, o plano diretor “não poder ser
tido por pleno, completo, carecendo, ao contrário, de especificação, de
detalhamento, para alcançar sua completude” (p.159). Haveria um vínculo interno
entre plano diretor e lei posterior: o plano trataria das questões urbanísticas de
forma geral que dependeriam das leis municipais para implementação das
próprias diretrizes do plano. Em outras palavras, o plano diretor não subsistiria por
ele mesmo, mas necessariamente exigiria complementação por lei.
A partir deste argumento, o relator desenvolve as formas em que a relação
entre plano diretor e lei pode se dar, segundo um exercício de “integração lógica”
(PDF, p.159). Quando não houver regulação específica sobre o tema “na Lei
Maior – como seja o PDL: Plano Diretor Local” (p.160), outro instrumento
normativo pode ser utilizado “até que venha a norma própria, quando então
caberá o exame de eventuais antinomias” (p.160). Quando o PDL já tiver sido
regulado, os demais instrumentos legislativos não podem contrariar suas
disposições básicas, entendidas como “disposições gerais”. Havendo ou não
plano diretor, entendido como norma hierarquicamente superior e de caráter
geral, o município pode legislar sobre matéria urbanística. O plano diretor é o
critério para analisar a legalidade da lei, mesmo nos casos em que o plano é
posterior à lei. A lei complementar é, assim, considerada constitucional em razão
da previsão da coexistência entre tipos diferentes de normas na Lei Orgânica.
Para divergir do voto do relator, o desembargador Mario Machado afirma
que sua “posição já [é] conhecida” (p.163) por ter sido relator de outra ADIN “que
cuida exatamente do mesmo tema da presente” (p.164).18 Seu voto é estruturado
a partir da fundamentação do outro caso, que é reproduzida por completo. A ADIN
julgada anteriormente trata da constitucionalidade de uma lei que “fixa índices de
O desembargador se refere à ADIN n. 2006.00.2.002.994-6, julgada pelo TJDFT.
18
3416
ocupação do solo com a finalidade de regularizar o parcelamento dos
condomínios” (p.166). Para o relator, ambos os casos seguiriam a mesma
estrutura: as duas leis seriam inconstitucionais por tratarem de temas urbanísticos
fora do plano diretor.
O plano diretor é entendido como “pilar de toda a sustentação de toda a
estrutura urbanística” (p.165). O desembargador faz referência a Hely Lopes
Meirelles para mostrar que o plano diretor teria “supremacia” sobre todos os
demais instrumentos (p.164). A “visão de todo” (p.172) do plano diretor teria de
ser mantida e, portanto, não poderia haver qualquer papel para leis urbanísticas:
eventuais modificações teriam de ser incorporadas seja na formulação do plano,
seja em seu processo de revisão. Além da interpretação de “instrumento básico”
como “superior” ou “supremo”, o uso de leis para tratar de temas urbanísticos
também comprometeria a visão de todo trazida pelo plano, amparada por estudos
técnicos contextualizados das regiões (p.170). Assim como na argumentação do
MPDFT, o ministro traz julgados sobre a inconstitucionalidade de leis que alteram
expressamente itens previstos no plano diretor do Distrito Federal. Não haveria,
portanto, diferenciação entre leis que alteram, complementam, detalham, suprem
lacunas ou confirmam o plano diretor. Não há relação possível entre lei
urbanística e plano diretor que não seja de inconstitucionalidade. Essa posição é
reforçada pela manifestação do ministro Sérgio Bittencourt em favor do voto de
Mario Machado, para quem “toda essa legislação feita à margem do PDOT é
inconstitucional” (p. 172, grifos nossos).
Quadro 1. Estrutura dos argumentos dos votos do TJDFT
As exigências
de
participação
Ministros
Qual o
Qual a
popular e
A lei
Qual o
sentido do
relação
estudos
compleme
parâmetro da
adjetivo
entre
técnicos
ntar é
constitucional
“básico”?
plano
importam
inconstituc
3417
idade?
diretor e
para a relação
lei?
entre as
ional?
normas?
Não
Está de
“Instrument
Plano
acordo com
Dácio
Lei Orgânica
o básico” é
diretor e
Não.
a Lei
Vieira
do Distrito
“instrument
lei
Orgânica do
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o geral” e,
coexistem.
Distrito
portanto,
O plano
Federal,
não
diretor é
que prevê a
completo.
hierarquic
coexistênci
amente
a de
superior,
instrumento
mas exige
s
compleme
legislativos
ntação por
em matéria
lei.
urbanística
(art.325).
“Instrument
Questões
Sim
o básico” é
urbanístic
Parcialmente.
Está de
“instrument
as só
Os estudos
desacordo
Mario
Lei Orgânica
o
podem ser
técnicos
com a Lei
Machado
do Distrito
supremo”,
tratadas
importam para
Orgânica do
Federal
o que
por meio
mostrar a
Distrito
indica a
do plano
visão global e
Federal,
preponderâ
diretor.
contextualizad
que
ncia do
Não
a do plano
estabelece
plano
parece
diretor.
o plano
sobre
haver
diretor
todos os
papel para
como
3418
demais
as leis
instrumento
instrument
urbanístic
básico da
os.
as.
política
urbana
(art.316).
Quadro 2. Placar
A Lei Complementar n.
Desembargadores
Placar
710/2005 é
inconstitucional?
Mário Machado, Sérgio
Sim
Bittencourt, Estavam Maia,
4
Romão Oliveira
Dácio Vieira, Edson Smaniotto,
Lecir Manoel da Luz, Cruz
Não
Macedo, Romeu Gonzaga Neiva,
8
Haydevalda Sampaio, Carmelita
Brasil, Nívio Gonçalves
O
Regimento
Interno
do
TJDFT
exige
que
as
decisões
sobre
constitucionalidade sejam tomadas por maioria absoluta dos desembargadores
que integram o Conselho Especial. Nesse caso, como o placar ficou em 8 a 4 e
são 17 os integrantes do Conselho, a maioria absoluta não foi atingida.19 Por essa
razão, o desembargador Natanael Caetano, ausente da primeira discussão,
manifesta seu voto para que o quórum seja atingido. O voto é bastante curto e
segue o do relator: como a Lei Orgânica não teria limitado os instrumentos
legislativos e o plano diretor é apenas uma diretriz, a lei complementar seria
constitucional (p.177).
Seriam necessários 9 votos para declarar a lei constitucional.
19
3419
7 O JULGAMENTO DO STF
7.1 A Repercussão Geral
Desde 2004, a admissibilidade dos recursos extraordinários pelo STF
passou a contar com um novo requisito: a repercussão geral. Introduzida ao
ordenamento pela Emenda Constitucional nº 45, conhecida como Emenda de
Reforma do Judiciário, a repercussão geral aplica-se ao debate constitucional de
“questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A do Código de
Processo Civil). Assim, após a mudança promovida pela Emenda Constitucional
nº 45, apenas os recursos extraordinários que tem a repercussão geral
reconhecida são apreciados pelo STF.
A decisão sobre a existência, ou não, da repercussão geral cabe aos
próprios ministros do STF antes da apreciação do mérito do recurso
extraordinário. Caso a corte constitucional não reconheça a existência da
repercussão geral, cabe à instância inferior do judiciário a decisão final sobre a
questão constitucional. Como aponta pesquisa realizada pela Sociedade
Brasileira de Direito Público (SBDP)
20
, a criação desse instituto tinha dois
objetivos principais. O primeiro é a diminuição do número de recursos analisados
pelo STF, já que a repercussão geral funciona como uma espécie de “filtro” da
corte constitucional. Outro argumento apresentado é que a repercussão geral
contribui para a uniformização da jurisprudência de matéria constitucional, pois os
tribunais inferiores são estimulados a seguir o entendimento consolidado pelo
STF no julgamento de recursos extraordinários que tratem de questões jurídicas
semelhantes.
Considera-se,
então,
que
repercussão
geral
contribui
para
a
“racionalização” dos julgamentos de controvérsias constitucionais pelos tribunais
ao reduzir a quantidade de recursos apreciados pelo STF e ao promover a
20
SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o
sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de
Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010.
3420
uniformização de julgados referentes a controvérsias constitucionais de maior
impacto e repercussão
21
. A demonstração da existência da repercussão geral no
recurso extraordinário compete à parte que recorre ao STF. No caso analisado
neste artigo, coube, portanto, ao MPDFT apontar os motivos pelo qual o recurso
extraordinário tratava de questão de grande impacto. Os principais argumentos
apresentados pelo MPDFT para sustentar a repercussão geral do recurso
extraordinário são que se trata de “tema afeto ao ordenamento territorial do
Distrito Federal” e de um “processo objetivo, sem partes, ao qual não são
integralmente aplicáveis normas processuais comuns”, ou seja, de controle
abstrato de constitucionalidade. Dessa forma, para o MPDFT, configura-se a
repercussão geral porque o tema do ordenamento territorial caracteriza-se como
relevante e a decisão do STF sobre a controvérsia impactará outras decisões
judiciais. É interessante notar que, nesta exposição do MPDFT, não fica claro o
motivo pelo qual a decisão do STF traria impactos que não ficariam restritos ao
caso. Repete-se apenas, numa argumentação circular, que o caso é importante e,
por isso, a decisão teria “eficácia erga omnes” e que, como a decisão teria
impacto que ultrapassa os interesses das partes, seria considerada relevante.
Pela argumentação apresentada pelo MPDFT, seria possível concluir, por
exemplo, que qualquer julgamento que trate do tema de ordenamento territorial
necessariamente é de repercussão geral. Como veremos, uma argumentação que
não conecta o caso concreto ao que dispõe a lei a respeito da repercussão geral
também se repete nas justificativas apresentadas pelos ministros.
A repercussão geral do recurso extraordinário apresentado pelo MPDFT foi
apreciada pelos ministros do STF no final de 2010. Segundo a ementa da
decisão, a questão constitucional em debate era a “obrigatoriedade do plano
diretor como instrumento da política de ordenamento urbano” (repercussão geral
A pesquisa realizada pela SBDP aponta que “as decisões proferidas pelo STF em
recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida têm, de fato, sido acatadas
pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário” (SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA,
Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes
(relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da
Justiça, 2010, p. 7).
21
3421
no recurso extraordinário n. 607940
22
). A formulação da questão constitucional
debatida pelo recurso extraordinário é fundamental porque é ela que guia a
repercussão geral. Ou seja, todas as vezes que surgirem controvérsias nas
instâncias inferiores que tratarem de matéria idêntica (no caso “a obrigatoriedade
do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano”), os
tribunais deveriam ter como norte a decisão do STF. Como aponta a pesquisa
realizada pela SBDP, “ao descrever a questão constitucional, o STF facilita às
partes e às instâncias do Judiciário uma aplicação uniforme do instituto da
repercussão geral” 23.
Assim, por orientar decisões posteriores e a própria decisão do STF, é
importante que a questão constitucional discutida seja formulada de forma clara e
precisa. Sem dúvida, a forma como foi elaborada a questão constitucional
debatida na repercussão geral do recurso extraordinário n. 607940 não deixa
clara qual a extensão da decisão sobre a “obrigatoriedade do plano diretor como
instrumento da política de ordenamento urbano”. É possível que seja interpretado,
por exemplo, que o questionamento refere-se à obrigatoriedade da elaboração do
plano diretor para os municípios com mais de vinte mil habitantes, conforme
disposto no próprio art. 182, §1º, CF. Em outras palavras, se o plano diretor é
obrigatório ou não.
Como a maior parte dos casos
24
feito em plenário virtual. Cinco ministros
, o julgamento da repercussão geral foi
25
reconheceram a repercussão geral do
recurso extraordinário e apenas um apresentou voto contrário, o ministro Gilmar
Mendes. No caso, não houve manifestação dos ministros Cezar Peluso, Celso de
22
O relatório da repercussão geral está disponível no seguinte link:
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623934
Acesso em 13/04/2015.
23
SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o
sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de
Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010, p. 21.
24
Nos casos analisados pela pesquisa da SBDP, 90% foram decididos em plenário virtual
e 10% em plenário presencial. Ver: SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de
(coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes (relatório de
pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010, p.
39-40.
25
Os cinco ministros que votaram a favor da repercussão geral foram: Ricardo
Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ayres Britto e Marco Aurélio.
3422
Mello, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Quando votam, no entanto, os
ministros não precisam expor os argumentos da decisão, com exceção do relator
da repercussão geral. Além do ministro Ayres Britto, relator, apenas o ministro
Marco Aurélio publicou seu voto. Apesar de concordarem com a repercussão
geral do recurso extraordinário, as justificativas apresentadas pelos ministros são
diferentes.
O relator aponta que como a questão “ultrapassa os interesses das partes”,
isto é, como a “tese que será fixada pelo STF orientará a política de
desenvolvimento urbano dos municípios brasileiros”, trata-se de controvérsia
relevante e que atende aos requisitos do art. 543-A do CPC. O impacto da
decisão, portanto, justifica a existência da repercussão geral para o ministro Ayres
Britto.
Para
o
ministro
Marco
Aurélio,
contudo,
o
questionamento
da
constitucionalidade de uma lei local já é suficiente para justificar a existência da
repercussão geral. Por isso, a base legal para seu posicionamento, conforme
exposto em seu voto, é a Constituição Federal, art. 102, III, c
26
. Os votos de
ambos os ministros apresentam uma estrutura semelhante à argumentação do
MPDFT: não relacionam o caso concreto ao que prevê a legislação e, portanto,
não explicam os motivos pelos quais a lei n. 710/2005 se encaixaria nos critérios
legais. No fundo, as decisões dos ministros carecem de justificativa e acabam
meramente refletindo a opinião de cada um sobre o caso. Este seria mais um
caso que confirma um padrão decisório denominado por Rodriguez de “modelo de
justiça opinativa”, em que há “padronização de decisões sem consideração
alguma sobre seu fundamento”
27
. Se, por um lado, definiu-se que o julgamento
da constitucionalidade da lei n. 710/2005 irá orientar a decisão de outros casos,
por outro, não se sabe quais são as justificativas razões que levaram os ministros
a decidir que nesse caso existe a repercussão geral. Não é possível saber se foi o
argumento do ministro Ayres Britto, do ministro Marco Aurélio, ou se foram ambos
26
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição,
cabendo-lhe: [...]
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,
quando a decisão recorrida: [...]
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013, p.
110.
27
3423
que justificaram a existência da repercussão geral, como também não sabemos
qual elemento do caso concreto foi analisado. O pressuposto é o de que qualquer
caso sobre ordenamento territorial teria repercussão geral e que a controvérsia
sobre qualquer lei local teria repercussão geral. A deficiência argumentativa da
repercussão geral, como exposto no próximo ponto, fica evidente quando o
mesmo debate voltará a ser feito na discussão do mérito da questão.
7.2. O Julgamento de Mérito
Como aponta Rodriguez
28
, os tribunais no Brasil não têm como objetivo
produzir um texto com o término dos julgamentos que sistematize e organize a
argumentação dogmática que justifique a decisão, o documento final acaba sendo
composto pelas transcrições das falas dos ministros, da mesma forma e ordem
que ocorreram. Nesse sentido, a manifestação pública dos juízes possui grande
importância, pois “ é constitutiva da racionalidade de jurisdição nacional e precisa
ser levada em conta por futuras análises de sua atuação”
29
. Este ponto analisa,
portanto, as falas públicas dos ministros do STF no julgamento de mérito do
recurso extraordinário 607.940, que teve início em agosto de 2014. Como a
votação não foi concluída até o momento de elaboração deste trabalho, existem
algumas dificuldades para analisar essas falas. A primeira, e mais evidente, é o
fato de nem todos os ministros terem se posicionado a respeito da
constitucionalidade da lei. Assim, há uma limitação da análise proposta neste
ponto em razão da própria realidade. Outra dificuldade é a falta de um documento
oficial do STF em que estejam registrados os argumentos que sustentam o voto
dos ministros que já se pronunciaram. Na falta do relatório final da votação, a
análise foi feita com base no vídeo da TV Justiça disponível na internet 30.
Até o presente momento, o placar da votação é de dois votos pela negação
de provimento do recurso extraordinário, ou seja, pela constitucionalidade da lei n.
710/2005, e de um voto pela inconstitucionalidade. De um lado, estão os ministros
28
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013.
29
Idem, p. 79
30
O vídeo está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=BfRFQEWICO8.
Acesso em 12/04/2015.
3424
Teori Zavascki, relator, e Luís Roberto Barroso. Do outro, o ministro Marco
Aurélio. Em seu voto, o relator argumenta que “não há delimitação estanque no
texto constitucional” a respeito da matéria do plano diretor, a Constituição Federal
apresenta uma “indeterminação conceitual” sobre o que deveria ser disciplinado
por esse instrumento. Para Zavascki, por mais que plano diretor possua “um certo
grau de universalidade na percepção do espaço da cidade”, isso “não quer dizer
que todas as formas de parcelamento, uso e ocupação do solo devam estar
inteiramente contidas no plano diretor”. É dessa forma que o relator compreende
a lei n. 710/2005: como uma lei específica que disciplina uma matéria, no caso “o
padrão normativo mínimo a ser aplicado em projetos de parcelamento fechado”,
que não foi regulamentada pelo plano diretor. Além disso, seguindo a
argumentação de Zavascki, o Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001)
corroboraria seu o posicionamento já que “não incluiu os modos de parcelamento,
uso e ocupação do solo como conteúdos mínimos do plano diretor”. Pelo
contrário, o art. 43 do Estatuto da Cidade “indica dispositivos separados para o
plano diretor e a lei de parcelamento uso e ocupação do solo”. Conclui então o
relator que “não há como afirmar que a matéria da lei distrital deveria ser tratada
necessariamente no plano diretor” e, por isso, nega provimento ao recurso
extraordinário e reconhece a lei n. 710/2005 como constitucional.
O ministro Luís Roberto Barroso segue o voto do relator por concordar com
a justificativa de que “uma lei complementar pode tratar de uma questão
específica que não tenha sido tratada no plano diretor”. Pelo raciocínio do
ministro, se uma lei complementar pode alterar o conteúdo do plano diretor – que
também tem status de lei complementar – por consequência, uma lei
complementar pode dispor sobre matéria do plano diretor. Ou seja, não é
exclusividade do plano diretor dispor sobre matéria urbanística. Por mais que os
votos dos ministros Barroso e Zavascki sejam pela constitucionalidade da lei, há
uma certa gradação nos argumentos apresentados nas falas. Enquanto o voto do
relator se assemelha ao argumento do desembargador Dácio Vieira de que o
plano diretor possui especificidade por seu caráter “universal” (ou “geral”), as
justificativas apresentadas pelo ministro Barroso aproximam o plano diretor das
demais leis complementares, colocando-os praticamente no mesmo patamar.
3425
O mais interessante, contudo, é o debate suscitado entre os ministros
sobre o que está sendo decidido pelo STF. O ministro Dias Toffoli argumenta que
a decisão do STF vai fixar “diretrizes gerais sobre a questão relativa a
loteamentos e parcelamento do solo urbano” para todos os municípios brasileiros
em função da repercussão geral. O ministro Barroso, por sua vez, afirma que a
tese fixada pelo seu voto e o do ministro Teori Zavascki não seria essa, mas outra
“ainda menor”: a de que “é possível que uma lei complementar cuide de alguma
coisa atinente a política urbanística que não tenha sido tratada pelo plano diretor”.
Já Zavascki contesta a interpretação feita por Barroso ao dizer que a tese fixada
em seu voto seria “ainda menor”: a de que “é legítima, sob o aspecto formal e
material, a lei complementar n. 710/2005, que dispôs sobre uma forma
diferenciada de ocupação do solo em loteamento fechados, tratando da disciplina
interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos neles observados”. Esse
debate em torno da tese fixada pelo STF demonstra como não há consenso entre
os ministros sobre o que exatamente está sendo decidido pela corte e quais os
reais impactos dessa decisão. Enquanto para o ministro Dias Toffoli o conteúdo
da lei servirá como parâmetro para as decisões futuras, para o ministro Barroso é
a possibilidade de elaboração de lei complementar de matéria urbanística pelos
municípios e sua relação com o plano diretor o centro da tese fixada pelo STF. Já
o ministro Teori Zavascki não se pronuncia sobre quais poderiam ser as
consequências para os outros munícipios brasileiros se a lei n. 710/2005 for
declarada constitucional pelo STF. Dessa forma, a divergência entre os ministros
não é uma questão do tamanho da decisão (“decisão menor”), mas interpretações
qualitativamente diferentes sobre a controvérsia.
Ao longo de debate entre os ministros sobre os efeitos da decisão, o
ministro
Marco
Aurélio
acaba
mudando
seu
posicionamento
sobre
a
constitucionalidade da lei. Todavia, como iremos expor mais adiante, a alteração
do seu voto não tem uma relação direta com o debate sobre os impactos da
decisão da corte. Inicialmente, o ministro Marco Aurélio, com base nas premissas
do acórdão do TJDFT, concordou com o voto do relator de que a lei n. 710/2005
não teria transgredido a Constituição Federal e, por isso, não conheceu o recurso
extraordinário do MPDFT. Para o ministro, pode ser que a lei tenha transgredido o
3426
plano diretor, mas não caberia ao STF “adentrar a matéria de fundo e ser
responsável por uma solução formalizada a partir da interpretação do
ordenamento normativo local”. Esse questionamento deveria ser resolvido no
âmbito da justiça local. No entanto, durante o debate, o ministro Marco Aurélio
decide alterar seu voto e declarar a lei inconstitucional a partir do voto de
Zavascki. Para o ministro, não caberia ao STF interpretar o que dispõe a
legislação local do DF, mas já que a justificativa do voto do relator partiu dessa
premissa, então todos poderiam proceder da mesma forma. Seguindo esse
entendimento, o ministro Marco Aurélio passa a utilizar como fundamento do seu
voto o relatório do TJDFT, o qual colocou o plano diretor em segundo plano e,
assim, desrespeitou a Constituição Federal. Em suas próprias palavras: “vou
reajustar o meu voto para admitir o recurso tendo em conta as premissas do voto
condutor do julgamento (pelo TJDFT), premissas conducentes a concluir-se que
realmente se colocou em segundo plano – como salientado pelo desembargador
Mário Machado – o que é previsto no art. 182, §§ 1º e 2º da Constituição Federal”.
Dessa forma, a alteração do voto do ministro Marco Aurélio se deu em razão do
relatório apresentado pelo ministro Teori Zavascki e teve como fundamento o voto
vencedor no TJDFT, do desembargador Dácio Vieira, que desconsidera a
importância do plano diretor como instrumento básico da política urbana.
Os quadros abaixo sintetizam a estrutura dos argumentos dos votos dos
ministros (Quadro 3) e o placar de votação (Quadro 4) até o momento.
Quadro 3. Estrutura dos argumentos dos votos do STF
As
exigência
s de
Qual o
Qual a
participaç
A lei
Minist
Qual o
sentido do
relação
ão
compleme
ros
parâmetro da
adjetivo
entre
popular e
ntar é
constitucional
“básico”?
plano
estudos
inconstituc
diretor e
técnicos
ional?
idade?
3427
lei?
importam
para a
relação
entre as
normas?
“Instrument
Plano
Não
o básico” é
diretor e
Está de
“instrument
lei
acordo com
a CFB, art.
Teori
Constituição
o que
coexistem.
Zavas
Federal
possui um
O plano
cki e
certo grau
diretor
2º, que não
Robert
de
contém
define o
o
universalid
uma ideia
que deve
Barros
ade” e,
de
ser matéria
o
portanto,
globalidad
do plano
não regula
e, mas
diretor.
todas as
pode ser
formas de
suplement
PUOS.
ado por
Não.
182, §§1º e
outra lei
compleme
ntar.
“Instrument
Sim
o básico” é
Está em
“instrument
desacordo
Marco
Constituição
o colocado
O
Auréli
Federal
em
parcelame
primeiro
nto é
§§1º e 2º,
plano”, o
matéria do
que
que indica
plano
estabelece
a
diretor.
o plano
o
com a CFB,
Não.
art. 182,
3428
preponderâ
diretor
ncia do
como
plano
instrumento
sobre as
básico da
demais leis
política
complemen
urbana.
tares.
Quadro 4. Placar STF
A Lei Complementar n.
Ministros
Placar
Sim
Marco Aurélio
1
Não
Teori Zavascki, Roberto Barroso
2
710/2005 é
inconstitucional?
É interessante notar como a discussão no STF não corresponde
exatamente ao que está descrito na ementa da decisão da repercussão geral, que
identifica a questão constitucional como sendo a “obrigatoriedade do plano diretor
como instrumento da política de ordenamento urbano”. Não há nenhuma
discordância entre os ministros que se pronunciaram de que o plano diretor seja
um instrumento de política urbana obrigatório. O centro do debate está no
conteúdo do plano diretor e em sua relação com outras normas de matéria
urbanística. Outra questão relevante é que, por mais que os ministros
compreendam que o plano diretor possua características próprias, não há
qualquer menção à participação popular e aos estudos técnicos como elementos
que diferenciem o plano diretor das demais leis complementares.
3429
8 CONCLUSÕES
As disputas em torno do conceito do plano diretor estão presentes desde o
período da constituinte e se estendem até o presente no debate a respeito da
constitucionalidade da lei n. 710/2005 do DF. Ao apresentar os argumentos
jurídicos mobilizados pelos desembargadores do TJDFT e pelos ministros do
STF, este artigo pretendeu expor como a questão passou por transformações,
saindo do debate a respeito da legalidade dos condomínios fechados para uma
decisão com repercussão geral sobre a obrigatoriedade dos planos diretores. Em
boa parte dos votos dos juízes, foi possível detectar problemas na construção
argumentativa, o que acaba dificultando a compreensão dos motivos que levaram
a determinada decisão. Dessa forma,
a intervenção da sociedade no debate para disputar o sentido do plano diretor
torna-se ainda mais difícil sem a exposição clara das justificativas das decisões
tomadas. Apesar da questão ainda estar em aberto, por depender da
manifestação de grande parte dos ministros do STF, vimos que a participação
popular não tem sido um elemento considerado nas discussões dos tribunais, o
que coloca em jogo a gestão democrática das cidades.
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Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e economia em vinte
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Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010.
VILLAÇA, F. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil.
In: DEÁK, C.; SCHIFFER, S. R. (orgs.). O processo de urbanização no Brasil.
2ª edição. São Paulo: FUPAM/EDUSP, 2010.
3431
GOVERNANÇA DA ÁGUA E JUSTIÇA SOCIAL EM SÃO PAULO, BRASIL
WATER GOVERNANCE AND SOCIAL JUSTICE IN SÃO PAULO, BRAZIL
CITATION: WATER POLICY. 16 (2014) 78–96
LaDawn Haglund
RESUMO: Na região metropolitana de São Paulo, 20 milhões de pessoas
compartilham recursos hídricos através de múltiplos usos. Esses recursos têm
estado sob pressão crescente, devido à expansão urbana, o mau planejamento, e
as alterações climáticas. Os conflitos entre usos e seus princípios subjacentes
são cada vez mais julgadas nos tribunais. Como é que a gestão da água seja
moldado por os princípios de justiça? E como são estes tipos de casos
provocando uma reconsideração do papel da lei na administração pública? O
método histórico-comparativa utiliza comparações contextualizadas sistemáticas
para criar um diálogo entre teoria e dados, iluminando como efeitos causal variam
de acordo com contexto. Processos judiciais foram recolhidos, codificados,
categorizados e analisados. Foram recolhidos dados adicionais através de
entrevistas semi-estruturadas de 45 min com advogados, litigantes e juízes. Este
trabalho analisa as ramificações de uma crescente utilização de discursos e
práticas judiciais para julgar conflitos relacionados com a água em São Paulo. É
também, e, inversamente, mostra como as batalhas legais sobre água e
saneamento força uma mudança no comportamento e perspectivas de juízes e
advogados, e, posteriormente, ampliar o significado de 'justiça.'
PALAVRAS-CHAVE: justiça ambiental; direitos humanos; direito e sociedade;
advocacia legal; justiça social; água.
ABSTRACT: In the greater metropolitan region of São Paulo, Brazil, close to 20
million people share water resources across multiple uses, from industry to
recreation to basic household use. These resources have come under increasing
strain due to urban expansion, poor planning, and, more recently, climate change.
Conflicts among uses and their underlying principles are increasingly adjudicated
in courts, with the Ministério Público (Public Prosecutor’s Office) acting as a key
advocate for both human rights and environmental protection. As legal
interventions become more common in policy questions, how are justice principles
shaping emerging approaches to water governance? And how are these types of
cases provoking a reconsideration of the role of law in public administration? This
paper analyzes the justice ramifications of an increasing use of legal discourses
3432
and practices to adjudicate water-related conflicts in São Paulo. It also, and
conversely, shows how legal battles over water and sanitation force a shift in the
behavior and perspectives of legal actors, and subsequently broaden the meaning
of “justice.”
KEYWORDS: environmental justice; human rights; law and society; legal
advocacy; social justice; water.
1 INTRODUCTION
Achieving just, equitable, and sustainable water and sanitation provision
can be challenging, despite the best intentions of water managers. Governance of
such a complex sector—with its demanding technical and infrastructural
requirements, environmental and economic constraints, and social importance—
requires concerted efforts at coordination among agencies, consultation with
stakeholders, and no small degree of wisdom and foresight. In cities in particular,
structural inequality, rapid urbanization, and climate change pose formidable
challenges and fuel conflicts among competing uses, some of which end up in
court. In adjudicating these conflicts, judges and lawyers are becoming important
agents in the construction of “water justice.” But as legal interventions become
more common in what are, in effect, policy questions, how are legal principles
shaping emerging approaches to water governance? Conversely, how are these
types of cases provoking a reconsideration of the role of law in public
administration?
This paper evaluates the justice principles underlying attempts to adjudicate
water-related conflicts through courts. It provides evidence for how concepts of
justice bring new “logics” to water governance, opening possibilities for new
channels of accountability, subtle shifts in priorities, greater scrutiny of social
inequality, and a more thoughtful reckoning with impediments to justice. At the
same time, the paper shows how water and sanitation present unique challenges
and introduce alternative principles to legal efforts at adjudicating public policy.
The fields of law and legal studies—with their tendency to regard rights as
“belonging” to individuals and to define disputes, problems, and solutions
3433
accordingly—seem ill-equipped to address programmatic, value-laden public
administration issues. Water governance challenges courts to consider collective
rather than individualistic understandings of rights; systemic remedies, and the
concomitant obligations these entail for non-judicial state entities; substantive
rather than simply procedural justice; and the indivisibility of political, civil,
economic, social, and cultural rights. I argue that processes of legal adjudication
and water governance are mutually constitutive, producing effects with both
theoretical and practical importance for the study and promotion of public goods.
The research process comprised the collection of historical and archival
data on water and environmental management, water-related court cases, and key
informant interviews in São Paulo, Brazil between 2009 and 2012. Court cases
and policy documents were chosen based on explicit engagement with human
rights (including housing, health, life, and environmental rights), and/or
environmental sustainability as they manifest in the water and sanitation sectors.
Documents and policies since Constitutional ratification in 1988—a key historical
moment from the perspective of law—were collected electronically, through
existing in-country archives, and through secondary sources, and were analyzed
for principles of justice, human rights, and environmental sustainability. Semistructured “key informant” interviews lasting approximately 45 minutes were
conducted with 40 lawyers, litigants, judges, water and sanitation experts, public
administrators, activists, and other knowledgeable people. Interviewees were
chosen based on their relationship to and interest in water governance and
litigation in the water sector. Purposive sampling was employed to select people
with a range of perspectives on water policy and governance. The recruitment
process involved contacting respondents directly and through already-established
networks of collaborators and interlocutors, as well as using snowball techniques
with current respondents to recruit new ones. These “key informant interviews” are
valuable tools for understanding relations among institutions and agencies,
between institutions and communities, and among individuals within a context, as
well as perceptions of—and struggles over—policy (see Evans, 1995).
The analysis that follows highlights the sometimes contradictory policies
required to address water sector challenges, and explores how legal actors have
3434
attempted to resolve such conflicts—for example between the need for services in
irregular communities on the periphery of São Paulo and the need to protect the
watershed on which they have settled. It seeks to elucidate the legal and moral
content of water policy adjudication and evaluate the ability of law and courts to
promote multiple core principles, including social and ecological justice and human
rights. It also explores the emergent character of the legal field in São Paulo from
the perspective of legal actors immersed in applying shifting conceptions of justice
to urban water and sanitation challenges. It also highlights the drawbacks of an
overreliance on legal mechanisms for addressing shortcomings in water policy.
This work forms part of a larger research program examining water, sanitation,
human rights, and sustainability in rapidly growing urban areas.
2 JUSTICE THEORY AND THE FOUNDATIONS OF SOCIAL POLICY
Justice studies as a contemporary field of inquiry concerns itself not only
with traditional concepts of criminal justice, but also with broader economic,
political, environmental, and social inequities and harms that emerge from unequal
power relations, entrenched privilege, discrimination, and marginalization. Applied
to public policy, a justice analysis calls attention to moral questions by identifying
winners and losers and clarifying the painful costs of exclusion suffered by actual
people. Though many modern-day social sciences consider distribution and social
welfare important goals for public policy, policy makers do not routinely analyze
their decisions critically in terms of these moral ramifications. In public goods
sectors, especially, this sort of reflection is important for understanding the
nuanced political and social divisions that can undermine efforts to serve society’s
most vulnerable members (Haglund, 2010).
In the area of water governance, the focus too often has been on the
technical dimensions of provision without due consideration of other values that
permeate the sector. With the rise of neoliberal reform of public goods sectors in
the 1980s and 1990s, in particular, a heavy emphasis on “market-based
organizing principles” such as “correct” pricing, full-cost recovery, efficiency
through competition, individualistic consumerism, and investor protections
3435
predominated (Haglund, 2010). These principles crowded out other policy options
that foregrounded social, environmental, or political principles. A justice analysis
brings a different set of “logics” to water governance (Syme et al., 1999; Syme et
al., 2006; Haglund 2010). For example, discourses framing water as a human right
redefine marginalized groups as rights bearers rather than consumers or
recipients of public largess, and emphasize state duties as a necessary corollary.
This creates new channels for leveraging government action in the service of poor
or otherwise marginalized groups (Nelson & Dorsey, 2003; Young, 2009; Khan,
2009), not simply for the purpose of resource distribution, but also to elevate
human dignity as a legitimate legal and policy objective (Kratochvíl, 2007).
Environmental rights and justice can also introduce new perspectives on the
relationship between humans and the earth, strengthening environmental
protection for the sake of human wellbeing. When codified into law, this
perspective can raise the status of environmental protection in ways that challenge
environmentally destructive forms of economic “development” endemic to
capitalism (Hancock, 2003: 2).
Bringing justice questions into water governance also foregrounds new
policy priorities, such as securing basic minimums, core competencies,
sustainability, intergenerational justice, and fairness (Chapman, 2007; Nussbaum,
2003; Swyngedouw and Heynen, 2003; Syme et al., 2008; Lukasiewicz et al.,
2013). It also makes explicit the social relations that constitute and reconstitute
distributive outcomes. Justice is intimately connected to class, gender, ethnicity,
and other social divisions, as policies affect groups differently depending on their
position in the array of power relations (Agyeman, Bullard, & Evans, 2003;
Swyngedouw & Heynen, 2003). Though there is sometimes incommensurability
and incompatibility in policy goals, actual decisions with material consequences
are still routinely made. Current material resources and power have a strong
impact on who makes such decisions, and the final winners and losers are partly
determined by how different principles are brought to the table and prioritized (or
ignored) (Lukes, 2003). Technocratic approaches, for example, can obscure
implicit value judgments that should be made explicit and debated: “Some
assumptions that give the appearance of working very nicely and smoothly
3436
operate through concealing the choice of values and weights in cultivated
opaqueness” (Sen, 1999: 110). Justice and human rights allow impediments to
justice in private law and market arrangements to be scrutinized, and bring the
force of law to bear on violations (Haglund & Aggarwal, 2011).
While a justice framework adds depth and moral fiber to water governance,
law and justice studies can also benefit from an examination of essential goods
and services such as water and other “economic and social rights.” For one, the
legal realm, and human rights in particular, have been criticized as individualistic
to a fault (Rajagopal, 2003; Bakker, 2010). Water governance questions have the
potential to move us beyond individualistic conceptions of rights to collective (or
“diffuse”) rights, which, when adjudicated as such, have been shown to have a
greater positive impact for marginalized populations (Gauri & Brinks, 2010; see
also Bond, 2013 for a discussion of how individualized adjudication can undermine
justice in water governance). Similarly, water governance compels us to consider
solutions that are more programmatic and systemic than individual remedies
(Grigg, 2008; Sofoulis & Williams, 2008; Ostrom, 2009; Pahl-Wostl et al., 2010).
The obligations invoked by public goods, in particular when framed as human
rights, depend on a robust planning and policy apparatus, and may require
institution- and capacity-building (Haglund, 2010). These, in turn, are more likely to
bring justice to groups of marginalized people rather than simply to isolated
claimants (Pedriana & Stryker, 2012). Planning does not automatically lead to
more just outcomes, but it increases the likelihood that justice will be included in
decision-making processes (Swyngedouw & Heynen, 2003).
Similarly, “justice through the lens of water” moves us beyond a
consideration of mere procedure to ensure substantive realization. Whether courts
can (or should) define the substantive core of social rights is a key area of debate
for both legal scholars and actors (Klug, 2015). But for water managers,
inadequate provision cannot be considered acceptable, no matter how “fair” the
process. This substantive orientation also presents a direct challenge to one of the
most intransigent outcomes associated with market societies: inequality (Stryker,
2007). Addressing ecological problems and promoting equity often mean state
interventions in which some people must give up material benefits, in particular
3437
where scarcity or environmental needs limit the availability of water for allocation
(Syme et al., 2006). Water justice thus forces us to confront, directly, the political
problem of how to redistribute resources in a world of dramatic inequality and a
deep reverence for markets as allocative mechanisms (Haglund, 2010). As one
researcher put it, “water resources management is inherently political” (Mollinga,
2008).
Resolving such conflicts requires attention to political inclusion. Though
technical approaches to water did historically acknowledge voices associated with
property rights, consideration of human rights is a more recent development.
Public discussion and democratic evaluation are key inputs for determining what is
of value to a particular community and for weighing policy options (Sen, 1999;
Castro, 2007). Water governance thus draws our attention to the critical links
between economic, social, and cultural rights on one hand, and political and civil
rights on the other, as well as to so-called “third generation” rights, which stress
our shared concerns for peace, sustainability, and common goods (Salman &
McInerney-Lankford, 2004). The tight interdependence of these issues is
evidenced in efforts to promote “integrated water resources management” (Grigg,
2008), and is reflected in the language of international water declarations. The
Hague Declaration (WWC, 2000), for example, explains that water governance
should reflect “its economic, social, environmental and cultural values for all its
uses,” and “ensure… that the involvement of the public and the interests of all
stakeholders are included” (p. 1). In the language of human rights, these are
factors are “indivisible” and must be considered together in order to achieve
holistic, rights-responsive water governance (Syme et al., 2008).
In sum, just as justice considerations have the potential to alter both the
thinking and practice of water governance, so the challenges of and strategies
required for effective water policy could potentially compel a reconsideration of
traditional legal concepts and processes of law. In the sections that follow, I
explore the mutual relationship between water governance and the legal sector in
São Paulo, highlighting their emergent characteristics and tensions.
3438
3 SOCIAL JUSTICE IN SÃO PAULO—THE ROLE OF LEGAL ADVOCACY
In the greater metropolitan region of São Paulo, Brazil, close to 20 million
people share water resources across multiple uses, from industry to recreation to
basic household use. Despite relatively high levels of annual rainfall (averaging 52
inches per year), municipal demands require nearly half of its water to be brought
from distant watersheds, increasing tensions between São Paulo and its municipal
neighbors. Meanwhile, resources within the city have come under increasing strain
due to urban expansion, poor planning, and, more recently, climate change.
Engineering such a system is, by itself, a challenge; the addition of new logics—
social justice, environmental protection, and political inclusion—brought to water
management by constitutional reforms in 1988 only added to the complexity
(Campos & Fracalanza, 2010). Early in its history, the São Paulo state water
company, SABESP, took on the mandate of constructing a network for water
provision
and
democratization
sanitation
and
integrally
decentralization
linking
policies
the
did
metropolitan
not
area.
explicitly
Yet
address
disjunctures between this integrated but centrally controlled system and the new
structure of integrated water resources management. The new approach took the
integrity of water basins, rather than previous jurisdictional boundaries, as its
governing unit, entailing not only a reexamination of illegal settlements on
watersheds and riversides, but also participation by a wider array of local
stakeholders. Basin committees were created that crossed existing political and
jurisdictional boundaries without clearly stipulating a division of labor or a means
for overcoming institutional, geographic, and social fragmentation (Abers & Keck,
2006). The constitution also did not specify whether state or municipal entities
were responsible for sanitation, making SABESP reluctant to invest in
infrastructure for fear that municipalities might claim these systems once
constructed.
Systematically incorporating new principles into larger, integrated, crossinstitutional planning processes in the water and sanitation sector has thus been
halting and difficult. Despite some advances (Moura & Gorsdorf, 2011), divisions
persist today. Conflicts over values, uses, and institutional responsibilities are
3439
increasingly adjudicated in courts, with São Paulo’s Ministério Público (MP, akin to
a state prosecutor’s office) acting as a key advocate. From the perspective of
social justice, legal adjudication presents both promises and potential pitfalls. On
one hand, legal framing of issues introduces new logics—such as sustainability
and human rights—into policy decisions, and legal interventions can provide new
forms of leverage in struggles to promote equity and protect the environment.
Court battles lay bare the interests of various parties in public policy, and thus
have the potential to provide greater transparency regarding winners and losers
and to shift the balance of power away from historically dominant groups and
damaging practices. Finally, legal processes can reorient priorities of state
apparatuses to respond to a wider range of demands, and provide a space in
which, “the feasibility of specific social and economic claims can be investigated”
(Gauri & Brinks, 2010, emphasis added). On the other, top-down legal processes
can run the risk of disempowering communities and individualizing problems that
are, at root, about social power. Further, specific legal interventions designed to
solve one problem can create new problems and conflicts when they are not well
articulated with other public policy goals. In the section that follows, I outline how,
in São Paulo, courts and legal actors navigate this terrain.
4 BRINGING “JUSTICE” TO WATER GOVERNANCE IN SÃO PAULO
Conflicts affecting the water sector did not originate with constitutional
reforms. In Brazil, as in many other parts of the world, three potentially
contradictory values are in constant tension: property rights (individual, industrial,
and agricultural properties), environmental protection, and human rights. In the
pre-democracy period, and to some extent thereafter, developmental elites and
property holders in São Paulo could expect their interests to be included in
planning and policy processes (Hochstetler & Keck, 2007; McAllister, 2008),
though the same could not be said for the environment and human rights. In the
1970s and 1980s, environmental and pro-democracy forces began to agitate for
changes (Hochstetler & Keck, 2007). Coupled with high-profile cases such as
industrial pollution in Cubatão and the creation of a large ecological corridor
3440
(Parque Estadual da Serra do Mar), these struggles raised awareness, “provoking
people to get involved and understand and take sides.”31 Pressures from social
movements, state reformers, and the broader public in turn shaped constitutional
reforms, which explicitly embodied environmental norms and social rights into law.
Soon thereafter, the MP and courts grew in importance as arbiters in cases of
explicit environmental and human rights violations (McAllister, 2008; Haglund,
2014). In contrast to traditional political negotiations, where “those who govern can
be influenced by money and other things,” courts created what some saw as “a
more balanced power dynamic.”32
One entity, in particular, played an important (and in the global context,
unique) role in arbitrating conflicts involving the environment: the Special
Environmental Chamber (Câmara Especial do Meio Ambiente) of the São Paulo
state appellate court (TJSP, 2005). The creation of this Chamber in 2005 (and
subsequent creation of a second chamber in 2012) was an innovative approach to
the rising number of environmental claims emerging from strong, new
environmental laws. Prior to its creation, environmental cases were distributed
among the large number of judges in different chambers of the appellate court,
leading to a “multiplicity of opinions that could never guarantee jurisprudential
consensus,” as well as to sometimes worrisome delays (Nalini, 2008). The hope
was that creating a single chamber—where a core group of judges with shared
institutional
knowledge
regarding
environmental
litigation—could
alleviate
uncertainty, promote consistency, and avoid contradictions in legal judgments. It
was also a “signaling mechanism” for public administrators and citizens alike that
environmental issues were going to be taken seriously by the courts.
There is no doubt that in São Paulo, principles of environmental protection
and social rights have gained prominence in water governance as a result of these
legal and institutional shifts. SABESP managers explicitly market the company as
the champion of both sustainability and rights, and indeed, the state responds
quickly when people lack access to water. Judges in the Special Environmental
31
Personal Interview with Ricardo Cintra Torres de Carvalho (Judge), Presidente,
s/prejuízo, Câmara Especial do Meio Ambiente, 22 March 2012
32
Personal Interview with Claudia Maria Beré, Promotor de Direitos Humanos (formerly of
Housing and Urban Development), MP, 2 April 2012
3441
Chamber express a range of commitments to human rights in their rulings on
water and sanitation. For Judge Antonio Celso Aguilar Cortez, individual property
rights are rightly questioned when they violate other constitutionally protected
rights: “Our job is to make sure that constitutional promises are not empty.” Judge
Zelia Alves had a similarly expansive view: “I consider all aspects of protection [in
my judgments about water]: rights, environment, etc.; I also consider future
generations, and think about collective needs.” Yet tensions between property
rights, environmental rights, and social rights are not always readily reconciled,
and some analysts believe that stronger environmental laws have in some cases
weakened human rights.33 Judges may attempt to sidestep controversy by looking
to the letter of the law for answers, but this can lead to conflicting impulses:
“Human dignity trumps other considerations; but property rights are at the same
level… they are a part of human dignity.”34 There is little room in judicial processes
for the community-based discussions and ongoing political engagement necessary
to mediate particularistic interests and incommensurate values (Syme et al., 1999;
Power & McCarty, 2006). But despite the fact that law is not a panacea, one reality
is inescapable for judges in the Special Environmental Chamber, “everything
involves human rights… There’s nothing we hear that doesn’t.”35
What that means for justice norms is that, though they have been
“institutionalized” (embodied in the constitution, law, and courts), further
instrumental, strategic, and discursive interventions are often necessary for them
to become practices (Haglund & Aggarwal, 2011). In São Paulo, the range of
instruments, both formal and informal, employed by rights-holders and advocates
to hold duty-bearers to account has shifted in recent years (McAllister, 2008). Prelitigation instruments of negotiation, pressure through publicity of violations, and
emergent types of public-spirited lawsuits have enhanced the leverage and
boosted the legitimacy of judges and lawyers to hold states or companies
33
Personal Interview with Marussia Whately, Sociologist; Former coordinator “Programa
Mananciais,” Instituto Socioambiental, 28 March 2012
34
Personal Interview with João Negrini Filho (Judge), Câmara Especial do Meio
Ambiente, 21 March 2012
35
Personal Interview with Zélia Maria Antunes Alves (Judge), Câmara Especial do Meio
Ambiente, 30 March 2012
3442
accountable (Hochstetler & Keck, 2007; Haglund, 2014). The MP and courts use
their positions to raise the awareness of public administrators about their
obligations regarding human rights and environmental protection. As one
prosecutor explained, “Article 6 [of the Constitution] talks of social rights. This is
the law. The administration needs to know this is their responsibility.”36 Legal
actors also put public administrators on alert: “environmental secretaries are
…taking more care to do their jobs because they know they might have issues
under their purview adjudicated.”37 Lawsuits are a powerful last resort when public
policies have failed. As one judge argued, “issues only come to court if they were
not done properly by public administrators, so it’s logical that the court [and] the
MP come at this point to fill the gap between the law and compliance [with human
rights to water and sanitation].”38 Government inaction is harder to justify when
justice principles are backed by human rights and environmental law, and when
prosecutors and judges have legitimacy to argue that state funds are being poorly
administered (Haglund, 2014).39
The introduction of justice principles to water governance has shifted state
priorities in ways both expected and unexpected. Emerging logics of
environmental protection and human rights, defended through new laws, legal
pressure, and lawsuits, spurred a shift away from simply expansion of water
provision (São Paulo has had relatively high rates of coverage since the 1990s)
toward construction of a sanitation infrastructure. Local teams of prosecutors and
magistrates worked closely with the main water company (SABESP’s) lawyers “to
clarify technical and operational requirements” and design plans for compliance.40
Legal interventions had a direct impact on SABESP’s internal operations, in
Personal Interview with Jose Carlos de Freitas, Promotor de Habitação e Urbanismo,
MP, 4 April 2012
37
Personal Interview with Ruy Alberto Leme Cavalheiro (Judge), Câmara Especial do
Meio Ambiente, 22 March 2012
38
Personal Interview with Alves, supra n. 5
39
Personal Interview with Freitas, supra n. 6
40
Personal Interview with Adriano C. Stringhini, SABESP, Superintendente,
Superintendência de Comunicação, email correspondence with the author, 12
December 2012
36
3443
particular through the training of company lawyers in environmental and regulatory
law and the creation of an environmental law department.
The effects of this legal intervention can also be seen in the “regularization”
process in marginal communities. For many decades, sanitation was not a high
priority for municipal governments (Whately & Diniz, 2009), in part because of the
relatively fewer resources allocated to sanitation in comparison with water or other
development projects.41 There were also greater incentives for state actors to
respond quickly to water deficiencies (people are less likely to mobilize around
dimly perceived sewage issues),42 and a hesitation to invest in projects with an
uncertain property status (as mentioned above). But as the MP and courts began
to put tremendous pressure on SABESP and municipalities to install sanitation
infrastructure (Santoro, Ferrara, & Whately, 2009), it began “developing very
rapidly.”43 Investments for regularization of favelas in the Guarapiranga watershed,
for example, increased by 600% between 2001 and 2007, benefitting a reported
9,659 families (SSE, 2009).
TABLE 1. Investments in sanitation infrastructure: Guarapiranga watershed
Year
Total (Reais)
2001
13,746,000
2002
15,072,000
2003
15,719,000
2004
37,868,000
2005
52,916,000
2006
71,955,000
41
Personal Interview with SABESP managers and technicians: Wagner Luiz Bertoletto,
Gerente de Departamento Comercial e Marketing Sul - MSM; Nercy Donini Bonato,
Gerente de Departamento de Planejamento Integrado Sul - MSI; Sergio Vieira Silva,
Setor Escritório Regional do Grajaú; Sidnei Ferreira Ramos, Geógrafo, Departamento
de Planejamento Integrado Sul – MSI, 27 July 2009
42
Personal Interview with Pedro Jacobi, Profesor Titular, Faculdade de Educação e
Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM), University of São
Paulo, 29 June 2009
43
Personal Interview with Antonio Celso Aguilar Cortez (Judge), Câmara Especial do
Meio Ambiente, 21 March 2012
3444
2007
84,065,000
Total
291,341,000
Source: Housing Secretary (Secretaria da Habitação), São Paulo Prefecture.
Though the regularization programs did not and could not solve the many
intertwined problems facing urban slums in São Paulo, they indicated a marked
departure from the status quo with regard to favelas in watershed areas. The legal
cases, and the social justice principles upon which they were based, played a key
role in the acknowledgement and attention to populations that had previously been
repressed or willfully ignored by municipalities and public administrators. They
provoked action where there had been decades of inaction, and created incentives
for local governments and state entities to take responsibility for working together
to solve water governance problems.
Justice considerations in water cases also highlight the differential effects of
water policy on vulnerable versus elite populations. Rather than strictly following
the letter of the law without weighing the justice implications of their rulings, judges
are now being asked to consider these implications, and many of them are doing
so:
there was a case in San Sebastian where a widow bought a piece
of land next to the river with her insurance money. The MP asked
that she be moved so the area could be restored. The ruling was
that she HAD to move. But since the municipality had authorized
her to build the house in the first place, they were held responsible
for finding her a new place to live of comparable quality. This is a
social concern. She was poor. On the other hand, I gave a ruling
about 22 houses in a luxury area, also at the edge of river. Too
bad for them. The municipality didn't have to pay but they had to
move. It is appropriate to consider the situation of the residents.44
The argument here is not that poor communities have an equal chance of
receiving favorable legal rulings to remedy injustices. The case of Pinheirinho—
where in 2012, following a court order, a community of approximately 1,600
families was violently displaced and their homes destroyed—belies such simplistic
conclusions. The logic of the law is not to question underlying forms of capitalist
development. But new norms, mechanisms, and points of intervention on behalf of
Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7
44
3445
vulnerable populations create the potential for shining light on previously shadowy
arrangements, exposing winners and losers, and providing leverage for social
movements to challenge the logic of public policy. Indeed, this is what many
movements have done, including the União Dos Movimentos Da Moradia, which
mounted large protests in front of the São Paulo justice tribunal in the weeks
following the Pinheirinho incident and filed a formal legal complaint alleging human
rights violations.45 Another example is SOS Rios, which frequently mobilizes its
constituents to engage with the MP to hold public administrators accountable for
environmental pollution.46 These cases provide avenues for resistance, and
provide additional resources to evaluate and judge policies based on their
adherence to justice principles.
5 IMPACT OF WATER GOVERNANCE DEMANDS ON THE LEGAL FIELD IN
SÃO PAULO
Not only are legal struggles over resources shaping state orientations and
behaviors in São Paulo, but also, and conversely, demands of water and
sanitation governance are shaping the meaning of, and approaches to,
constitutionally secured rights and protections. New legal norms and mechanisms
used to promote visions of social justice confront a long-standing legal tradition
that relies heavily on theoretical principles and doctrinaire reasoning. The civil law
tradition as it is practiced in Brazil leads to an abstract, systematized way of
thinking that “does not really teach students how to solve administrative
problems.”47 A review of completed theses from the University of São Paulo
Faculty of Law (the oldest and most highly revered law school in the country)
confirms this, revealing a formalized training that tends to eschew empirical
issues. Each branch of law is considered a separate, autonomous science, so
when there is overlap (for example, in complex water and sanitation cases
Personal observation, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, March 2012.
46
Accessed 24 October 2013: http://sosriosdobrasil.blogspot.com/2013/08/acao-civilpublica-do-mp-de-sp-obriga.html
47
Personal Interview with Diogo Coutinho, Associate Professor, University of Sao Paulo
Law Faculty, 9 March 2012
45
3446
involving both environmental law and human rights), it may lead to disarticulation
and disharmony among actors in practice. In the MP, it can be
difficult for lawyers to keep the whole picture in mind. Legal
training does not teach problem solving through law. Law itself is
the end. Students do not get training in looking at complex social
problems or understanding problems empirically.48
Judges are trained in broad categories of “public” or “private” law, but the
idea of specialization in a substantive area such as water is only nascent.49 Large
municipalities might have judges who specialize in public law with an emphasis on
the environment, but this is voluntary:
Generally it is judges who have an interest in the environment that
move in this direction, but sometimes it is just if there is an opening
on the bench, and then they learn as they go. There is no
specialized training beyond law itself unless the judge seeks it.50
Because of this training and the relatively conservative nature of the
Brazilian courts vis-à-vis social rights claims (Gauri & Brinks, 2010), there is
resistance to becoming involved in policy questions. Though much of the state
went through a transformation toward a more liberal engagement with social
justice with the rise to power of the Workers’ Party (PT), this shift has yet to
permeate the judiciary. As one judge told me regarding illegal settlement on
watersheds:
The problem of housing is not a problem of judges. It is a problem of
public administration. I do my part as a judge, and administrators do their
part. If settlers move to another protected area, we deal with that when it
happens. Some judges try to fix a problem by saying “move, but only
when [the people find housing].” This fixes and doesn't fix the problem. I
prefer to fix the problem I have control over, and let the
51
administration deal with their problems.
This attitude contrasts with the more activist role courts have played in
questions of water governance in places like South Africa and India. According to
some environmental experts, attempts to find solutions to complex water and
sanitation problems by turning to the law, rather than analyzing the empirical
situation, is insufficient: “I am skeptical of the ability of courts to improve the
48
Personal Interview with Luis Roberto Proença, Promotor de Justiça do Meio Ambiente,
MP, 14 March 2012
49
Personal Interview with Freitas, supra n. 6
50
Personal Interview with Cortez, supra n. 13
51
Personal Interview with Carvalho, supra n. 1 (emphasis added)
3447
situation because… their vision is not broad enough, and they are not thinking like
environmental specialists.”52
Interestingly, however, it is precisely problems of watershed protection and
sanitation infrastructure in São Paulo that are forcing lawyers and judges to move
beyond legal abstraction to more grounded decision-making. The uneasy truce
between property rights, environmental protection, and social justice is not well
mediated by abstract law, and judges and advocates are thus faced with reevaluating the nature of law and their own role in ensuring justice and protecting
resources. As the aforementioned judge who eschews administrative problems
acknowledged, the law may dictate that people leave a watershed, but “there are
definitely cases, for example when land use is consolidated and in some ways
serves the public interest, where the law cannot be applied; I don't rule to change
that situation.”53 There had been a historical tendency for higher courts to forbid
judicial intervention in policy questions with budget implications, as most water and
sanitation cases do.54 But more recently, a regional appeals court ruled that
municipalities can be prosecuted for failing to provide sanitation (TRF4, 2011).
Another area where legal tradition tends to clash with more recent social
justice demands is in the individualized nature of much litigation. Individualized
litigation in the water sector can lead to negative outcomes for communities (Bond,
2013; Bakker, 2010). Though Brazilian courts still retain a preference for
individualized adjudication (Hoffman & Bentes, 2010), the Brazilian Constitution of
1988 (Article 129-III) explicitly gave the MP powers to “promote civil investigations
and public civil actions for the protection of public and social patrimony, of the
environment and of other diffuse and collective interests.” Water and sanitation
provision are quintessentially “collective” in that identifiable groups of people (all)
have an interest in having access, as well as “diffuse” in that good water
governance affects society as a whole (see McAllister, 2008: 199). Collective
cases have become more numerous in recent years, which has meant that judges
Personal Interview with Maria Luiza Granziera, Professor of Environmental Law,
Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), 27 March 2012
53
Personal Interview with Carvalho, supra n. 1
54
Personal Interview with Ronaldo Porto Macedo Júnior, Procurador de Justiça, MP, 13
March 2012
52
3448
in São Paulo increasingly must confront potential contradictions between
defending individual rights in the present and protecting collective or diffuse
interests in the present and future:
Providing sanitation now is part of our legal obligations…
Protecting the environment for future generations is also in the law,
and is considered fundamental. Sometimes these broader, societal
and future generation rights trump individual rights.55
In fact, the newly created Special Environmental Chamber sees very few
individual cases, and most of those concern individuals who are fighting penalties
they have received for environmental violations. The chamber was created
specifically to handle cases with wider societal impact, and it tends to attract
judges who are open to collective cases, 56 creating an iteratively more receptive
approach to systemic change.57
Prosecutors, as well, have had to modify single-minded pursuit of individual
remedies in water and sanitation cases in order to address multifaceted
challenges:
Balance is hard to find because sometimes when you honor one
right, you put another at risk. There is not always money in the
public purse to move people to housing. Environmental problems
are not always remedied… We seek to have a balance.58
The complexity of these cases has provided opportunities for novel legal
approaches to problem solving. In the case of Cocaia, a favela alongside Billings
Reservoir that had no sanitation system, the residents purchased their land from
someone who did not own it, and built their houses there. The real owner won a
lawsuit establishing his property rights, and began a suit against the water
company, SABESP, for installing sanitation on his land. SABESP and municipal
lawyers met and agreed to tell the property owner that either he could let them
build the infrastructure, or they would take him to court for environmental
violations. The state actors prevailed. As one water expert close to the case
55
Personal Interview with Negrini, supra n. 4
56
Personal Interview with Cortez, supra n. 13
57
Personal Interview with Carvalho, supra n. 1
58
Personal Interview with Freitas, supra n. 6
3449
recounted, “If it had only been about human rights, they wouldn't have had this
leverage.”59
Case-by-case litigation similarly can create obstacles to addressing
complex challenges. Though at first glance, cases seem better tailored to
empirical realities, they also tend to miss the big picture in thorny governance
issues. Public prosecution in São Paulo tends to be individualistic, with no clear
hierarchy and few mechanisms for coordination among prosecutors (Proença,
2006; Haglund, 2014). In this situation, individual cases potentially become
disconnected from broader MP or societal goals. The way cases are admitted and
processed can exacerbate this piecemeal approach:
Prosecutors wait for cases to come to their desk, and then handle
them one by one. It’s hard to have a broader strategy because
they feel obliged to take on every case… It becomes very
bureaucratic rather than programmatic… There are a few
instances where the big picture comes in, like the MP enforcing the
rule that the state has to have a planning document for the
environment every year. But it is more common to have individual
cases that are not really linked to the whole picture.60
As cases move through appeals at the state or federal level, different
prosecutors are brought in than the one who originally researched and defended it,
creating fragmentation in the case narrative. These lawyers “might even take the
opposite position from the original prosecutor,” and may “have no contact with the
original prosecutor.”61 Appeals are thus fought by people who may have little
knowledge of, and sometimes no interest in, the original case.
Fragmentation in the MP and in courts has left little room for coordination
and dialogue between the judiciary and other branches of government, an
important ingredient for improving public policy (Verissimo, 2006). But there are
signs that the demands of the water sectors may be forcing a more programmatic
approach. In some smaller municipalities, there are specialized prosecutors whose
jurisdictions follow ecological rather than administrative boundaries, and who have
Personal Interview with Ricardo Araújo, Former Coordinator, Programa Mananciais,
Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (SSE, now SSRH), 3
April 2012
60
Personal Interview with Proença, supra n. 18
61
Personal Interview with Proença, supra n. 18
59
3450
the authority to file legal suits across such boundaries.62 This model may
encounter difficulties functioning in an area as large as São Paulo, but it offers a
glimpse of some of the creative solutions being put forward to address the realities
of water governance. As the number of “collective” cases and the resulting tension
between legal and administrative interventions grow, so does the need for
systematic, coordinated remedies that serve the collectivity. Despite the frustration
or resignation that many judges expressed regarding administrative issues beyond
their control, they nevertheless did not turn away from their legal duties: “We are
trying to help improve the system as a whole… These issues need to be
adjudicated.”63 Most of the judges interviewed pointed to concrete changes that
have resulted from the formidable demands of water governance, including
increased specialization in environment and human rights as part of legal training,
a growing literature regarding social rights, and faster judgments and quicker
resolution of environmental problems due to the accumulation of precedent.
Though there was no real tradition of working together among legal and
non-legal organs of the state until very recently, due to the urgent demands of
watershed management, there have been improvements.64 Programa Mananciais
(SSE, 2009) (the Watershed Project), for example, evidenced an unusual degree
of institutional articulation in “regularizing” favelas. The plan was complex—
involving the municipality, the MP, the state, and the federal government—and its
environmental component entailed moving settlers from certain preservation and
risk areas, as well as building sanitation and other infrastructure to protect the
remaining resources.65 Though the case-based approach of the MP was criticized
by some for requiring intervention only in select areas to the possible exclusion of
others or the big picture,66 in the context of the plan as a whole, the MP served an
62
Personal Interview with Macedo, supra n. 24
63
Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7
64
Personal Interview with Araújo, supra n. 29
65
Personal Interview with José Eduardo Ismael Lutti, Promotor de Justiça do Meio
Ambiente, MP, 14 March 2012
66
Personal Interview with Paula Freire Santoro, architect; former researcher with Instituto
Pólis, 5 April 2012
3451
important accountability function. And importantly, as these projects are designed
and implemented, “the tradition of success builds on itself, builds capacity.”67
Capacity is a crucial point of necessity as policy is increasingly “legalized”
(Gauri & Brinks, 2010). Whether judges are qualified to evaluate the needs of the
water sector when their expertise is in law is a point of stringent debate. Judges in
the Environmental Chamber are aware of the need to consult with experts to help
them evaluate the substantive, technological dimensions of a case, and they often
do so. “Peritos” or “specialists” (doctors, engineers, lawyers, etc.) who assist on
cases are often public (e.g., university) employees, in which case they are
obligated to make evaluations, often without payment.68 They might also be private
actors, in which case the judge or other person asking for support must provide
compensation, either by asking the defendant or the MP to pay.69 Some judges
even take on investigative responsibilities themselves:
I had a case in the interior regarding water - a conflict between
neighbors. They didn’t have an engineer to investigate, so it came
to me. I went out there, saw the place, asked some friends about
it, went to the library, and got to the bottom of it. Judges have this
responsibility. 70
Though most judges interviewed believed they had sufficient technical
support to make informed decisions, many respondents had mixed feelings about
this system, in particular due to the fragmented, individualized approach it fosters,
the uneven guidance it provides judges depending on their connections, and the
burdens it potentially places on public professionals. There is an additional risk of
biased assessments:
Sometimes the private specialists have their own interests, as they
work for the businesses in the area or have connections with
people who degrade the environment. The specialists might
depend for their income on agriculturalists or business people.
Judges and courts don’t have their own technical evaluation
teams, and they should. 71
Personal Interview with Araújo, supra n. 29
68
Personal Interview with Cristina Godoy, Promotora de Meio Ambiente, CAOs, MP. 4
April 2012
69
Personal Interview with Alves, supra n. 5
70
Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7
71
Personal Interview with Nelson Bugalho, Director Vice-President, CETESB; former
Promotor de Justiça, MP, 10 April 2012
67
3452
The reality of judges making difficult decisions about water and
environmental governance under less than ideal circumstances has led to calls for
a more formal system of coordinated, funded, and substantive evaluations and
support.
The MP is somewhat better positioned in terms of technical support, in that
they have internal investigation teams consisting of engineers, biologists, and
others called CAEX (Technical and Enforcement Support Centers), as well as the
similarly named CAOs (Operational Support Centers), which offer mainly legal and
judicial support for prosecutors.72 Theoretically, CAOs could help with coordination
among prosecutors and reduce conflict within the MP, but they have not performed
this role, in part because “it has been difficult to convince prosecutors to work in
concert.”
73
Some prosecutors have, however, taken it upon themselves “to
translate complex [water and sanitation] cases for judges, who have the legal
competence, but not necessarily the technical know-how.74 Again, according to
some interviewees, water governance demands that these kinds of Operational
Support Centers be developed across problem areas, and that they incorporate
both legal and non-legal actors in information sharing, problem evaluation, and
intervention.
Although there is widespread agreement that better mechanisms of
coordination would be helpful, and in isolated instances they are being considered
and developed, such mechanisms are still in short supply. One of the barriers to
their creation, besides institutional fragmentation, is cost: “Sometimes there is a
shortage of specialists to evaluate a complex case. There should be a fund to pay
for this. Some judges ask the defendant to pay, but others don’t.”75 The cost of
addressing problems, as well, often is not part of legal discourse. As mentioned
above, it was previously forbidden for judges to weigh in on budget allocation, and
prosecutors steered clear as well:
72
Personal Interview with Lutti, supra n. 35
73
Personal Interview with Macedo, supra n. 24
74
Personal Interview with Carlos Salles, Procurador de Justiça, MP. Professor, USP
Direito, 28 March 2012
75
Personal Interview with Beré, supra n. 2
3453
The role of prosecutors isn’t to consider the costs of fixing a
problem. That’s not their job. They just make the arguments of
what is wrong and how it is violating the law. Cost comes into the
picture when they point out the cost to the government of sickness,
or of having to retrieve water from further away, or whatever.76
But ignoring costs considerations does not make them go away. As with
capacity-building, complex water challenges highlight the need for methods of
incorporating cost considerations into legal interventions. Recently, higher courts
have recognized that even questions of budget allocation can be adjudicated
(TRF4, 2011). Judges do at times allow the issues of cost to enter their judgments,
if only because they prefer not to make a “doomed” ruling (Gauri & Brinks, 2010):
Judges do try to account for cases when the state cannot afford
the steps required to remedy a problem (as in small
municipalities). If there is a case where the problem has gone on
for 20 years and nothing has been done to remedy [it], however,
we start losing confidence in this argument… On the other hand, if
something is simply impossible, the courts are not going to rule in
favor of it.77
One other way in which the challenges of water governance redirect the
gaze of legal actors is with substantive effects. As mentioned above, Brazilian
legal actors are trained to approach their work with a theoretical orientation, rather
than focusing on empirical outcomes (intended or unintended).78 But whether or
not desired outcomes are achieved is an urgent question in the water sector
because of the serious consequences of mismanagement for human wellbeing
and the environment: “[Legal] delays are the real problem; sometimes the
environment cannot wait.”79 In response to this reality, some prosecutors look for
creative ways to avoid litigation, including working directly with administrative
agencies, indirectly threatening litigation, or otherwise compelling pre-litigation
legal compliance.80
There is one area of water governance that was strongly emphasized with
Brazilian constitutional reforms that has not been well incorporated into the legal
field in São Paulo: the importance of democratic participation. Conceptions of
Personal Interview with Lutti, supra n. 35
77
Personal Interview with Negrini, supra n. 4
78
Personal Interview with Marcos Veríssimo, Assisstant Professor, University of Sao
Paulo Law Faculty, 9 March 2012
79
Personal Interview with Cortez, supra n. 13
80
Personal Interview with Macedo, supra n. 24
76
3454
water governance that incorporate justice principles must interrogate who makes
decisions based on what criteria, by what means and to what ends, as well as how
“common citizens participate in the determination of those ends and values, and in
the identification of the means for pursuing them” (Castro, 2007). In the legal
cases discussed here, it is largely lawyers and courts that argue the value of
different routes of action. This may be partly by choice (Haglund, 2014):
There has been very little NGO inclusion in MP cases. They ask
the MP or other public defenders to do it instead. They would have
to have money and hire a lawyer. These are poor peoples’
organizations, and thus are poor themselves. They also believe
judges are more receptive to the MP or Public Defender, though I
don’t necessarily believe this.81
Some aspects of justice are well served by the fact that the MP, with its
greater resources, is required to investigate all cases brought to its attention. But
other concerns such as “voice,” representation of all views and values, and
sufficient and clear communication among all stakeholders are more elusive.
Decision-making that gives priority to experts with little public consultation may
result in policies that come across as a fait accompli, causing misunderstandings,
resentments, and conflicts that last for years (Nancarrow & Syme, 2001).
There are other venues for citizen participation in water governance in São
Paulo, such as water basin committees. But the key point here is that the full
range of “human rights” that a justice approach to water governance would
consider “indivisible” are not currently incorporated in a holistic fashion in judicial
processes. This is a tension—at least for water governance—as demands for
political, civil, economic, social, and cultural rights in their entirety are an integral
part of holistic water management.
6 CONCLUSION: THE MUTUAL CONSTITUTION OF WATER GOVERNANCE
AND JUSTICE
The analysis presented in this paper is preliminary, in that not all potentially
relevant documents could be obtained and examined, nor every relevant actor
interviewed. Some initial observations can be made, however, regarding the
81
Personal Interview with Beré, supra n. 2
3455
mutually constitutive nature of water policy and the legal field in São Paulo.
Democratization brought new legal mechanisms to protect and promote the rights
and aspirations of Brazilians, and prioritized new logics for public administration—
social justice, environmental protection, and political inclusion. Challenges and
barriers to realizing these aspirations, including the complexity and the magnitude
of the social problems themselves, facilitated a turn to courts to resolve
discrepancies between norms and on-the-ground realities. Courts and law have
provided new forms of leverage to promote transparency, to question historical
domination and destructive development practices, and to force public
administrators to justify their priorities. While law is not a panacea—it is not
designed as a planning device, and legal empowerment of poor communities is
limited—legal norms open up a range of strategies, both formal and informal, for
promoting
accountability,
raising
awareness,
and
fostering
responsive
government.
Water governance in São Paulo is unquestionably influenced by the
multiple (and sometimes conflicting) norms of human rights and environmental
protection embodied in law and the constitution. Legal interventions on behalf of
these norms (or the threat thereof) have led to vigorous discussions among
institutional actors in the water company, the regulatory agency, the MP, and the
private sector about policy priorities and alternative strategies for complying with
legal obligations. Court judgments have helped to clarify expectations, and set
clear limits regarding when and how compliance must occur. The rapid
development of sanitation infrastructure and “regularization” of marginal
communities are two examples of policy arenas where law has played a key role.
Court cases have also called attention to differential effects of water policy
decisions on poor communities versus wealthy developers, thus providing new
points of leverage for social movements seeking to challenge existing power
relations and distribution of resources. The legal field thus has the potential to act
as an “anti-systemic force… tasked with prioritizing social and environmental
values over the interests of capital accumulation” (Hancock, 2003: 7). However,
the results also indicate that despite these emerging dynamics, legal strategies do
not necessarily address structural and political barriers to justice, or overcome
3456
entrenched interests or contradictions among policy goals. A more systematic
coordination among policy objectives and more vigorous inclusion of alternative
voices would be needed to overcome barriers to a “just sustainability” (Agyeman,
Bullard, & Evans, 2003). Future research on these dynamics would undoubtedly
be beneficial for communities, human rights, and environmental advocacy.
Meanwhile, as water and sanitation issues are increasingly adjudicated in
courts, legal actors are forced to reconsider historical conceptions, assumptions,
and behaviors, opening the possibility for a more robust engagement with
collective and diffuse rights, programmatic solutions, substantive outcomes, and
the full range of human rights. The inherent “collective” and “diffuse” nature of
water and sanitation rights has allowed lawyers to put forward novel arguments for
preventing harm to broader constituencies (even those not yet born), and judges
to consider these impacts. The systemic breakdown of certain aspects of water
governance, in particular watershed protection and sanitation infrastructure, have
led legal actors to pinpoint failings of specific public administrators and institutions,
thus creating targeted pressure for concrete, programmatic shifts, as well as for
institution- and capacity-building to remedy shortcomings. There is still room for
improved coordination across cases and institutions, and within geographic
contexts, as well as improved turnaround time and more effective participatory
governance mechanisms. But emerging developments—in particular, the creation
of two Special Environmental Chambers and calls for improved legal education
and support in relation to complex environmental policy issues—are promising.
The use of law to adjudicate tricky social problems has also had the effect
of broadening the vision of judges and lawyers beyond their formal training and
expanding the meaning of “justice.” Though some judges contended that they
were simply upholding the law, several others saw themselves as protecting the
interests of society as a whole:
Interviewer: Do you see yourself as a protector of social rights?
Interviewee: Yes, as well as a protector of cities and the
environment, and someone who protects the public against global
warming and other environmental problems.82
82
Personal Interview with Alves, supra n. 5
3457
This statement is not mere hyperbole, in the sense that judges in the
Special Environmental Chamber are being asked to lead the way into uncharted
territory with few resources or legal precedent. The expectations are high: “It is
historic; the judges are providing a great service to São Paulo and to the
country.”83 Of course, these shifts in the role, perception, and action of the
judiciary are not guaranteed, but rather, are contingent, newly emerging
resolutions of tensions between traditional justice principles and the demands of
integrated, holistic, and responsive water governance. Formal institutional and
legal mechanisms do not operate alone, but work iteratively with social struggle to
influence the degree to which water governance is premised on ideas of social
justice.
7 ACKNOWLEDGEMENTS
This research was made possible through an award granted by the J.
William Fulbright Foreign Scholarship Board and the Brazilian Fulbright
Commission. The author would like to thank Diogo Coutinho, Pedro Jacobi,
Ronaldo Macedo, Luis Roberto Proença, and Marussia Whately, as well as all
interviewees, for their generous and invaluable support in carrying out this
research. All errors and omissions are solely the responsibility of the author.
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3462
O INSTITUTO DA DESAPROPRIAÇÃO E O DIREITO À MORADIA: ANÁLISE
JURISPRUDENCIAL84
Danielle Zoega Rosim,
Luciano de Camargo Penteado,
RESUMO: A falta de planejamento para suportar o acelerado crescimento
populacional ensejou o grave problema da falta de moradias nas cidades de
diversas partes do mundo, inclusive brasileiras. A despeito de diversos diplomas
legais internacionais e nacionais garantirem o direito à moradia, a questão do
déficit habitacional no país é muito séria, especialmente no meio urbano, onde
são evidentes a exclusão social e a segregação territorial. Diante deste cenário, a
presente pesquisa tem por problema central a verificação dos contornos legais e
teóricos do direito à moradia e do instituto da desapropriação, perquirindo a
respeito da viabilidade deste último enquanto instrumento a serviço da
implementação do direito à moradia. Nestes termos, busca-se constatar quais os
limites e potencialidades do instituto, bem como a forma como ele vem sendo
aplicado na prática. Para tanto, inicialmente, realizar-se-á uma revisão da
literatura sobre o assunto e da legislação concernente, para posteriormente
desenvolver uma pesquisa qualitativa, do tipo documental, consistente na análise
de julgados, com a pretensão de apurar, na prática, como as modalidades de
desapropriação do imóvel urbano vêm sendo relacionadas com a efetivação do
direito à moradia pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Comarca
de São Paulo, no período entre 2011 e 2015. Com tal metodologia espera-se
lançar luz sobre os delineamentos atuais do direito de propriedade, da
desapropriação e da efetivação do direito à moradia, um dos sustentáculos da
dignidade da pessoa humana, e cuja implementação abrange inúmeros desafios a
serem superados num esforço que perpassa pelo conhecimento e aplicação
racional dos instrumentos fornecidos pelo ordenamento jurídico, entre eles, a
desapropriação.
PALAVRAS-CHAVE: moradia urbana; direito de propriedade; desapropriação;
análise jurisprudencial.
1 INTRODUÇÃO
84
Artigo decorrente de pesquisa financiada pelo Convênio FAPESP/CAPES - processo nº
2014/21287-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As
opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de
responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP.
3463
Conforme revela o relatório World Urbanization Prospects: The 2014
Revision, Highlights (ONU, 2014), elaborado pelo Departamento de assuntos
econômicos e sociais, divisão de população da ONU, no século XXI o equilíbrio
entre a população rural e a urbana mudou irreversivelmente: o ano de 2008
marcou o início de um mundo predominantemente urbano e as projeções
apontam que em 2050 o total da população urbana no planeta atingirá a marca de
66% (UNITED NATIONS, 2014).
Neste cenário majoritariamente urbano, é frequente a associação da vida
nas cidades a maiores níveis de alfabetização, melhor saúde, acesso a serviços
sociais, ampliação de experiências culturais, participação política, entre outras
facilidades, não obstante, a observação atenta da realidade em inúmeros países,
principalmente os considerados “em desenvolvimento”, revela que o rápido
crescimento urbano não planejado coloca por terra a garantia de que os
benefícios da vida urbana serão equitativamente partilhados por toda a população
(UNITED NATIONS, 2014).
Especificamente em relação ao cenário brasileiro, dados do Censo
demográfico de 2010 indicam que desde 1970 a população urbana supera a rural,
atingindo o número de 160.925.729 habitantes em 2010 (IBGE, 2010). Desta feita,
ao menos a partir da década de 70, a questão urbana integra, ou pelo menos
deveria integrar, as preocupações da sociedade brasileira e dos poderes públicos
(BARBOSA; LEITE; MACHADO, 2011).
Ocorre que, em virtude do padrão e da dinâmica do processo de
urbanização no Brasil, o crescimento urbano, ao mesmo tempo em que promove
o desenvolvimento econômico, também tem gerado um processo ascendente de
exclusão social e segregação territorial. Mais e mais indivíduos e grupos
excluídos da economia urbana formal são impelidos a viver em regiões
indevidamente urbanizadas, contribuindo para a baixa qualidade de vida nas
cidades, para a degradação ambiental e para o aumento da pobreza
(FERNANDES, 2001).
É neste contexto que a efetivação do direito à moradia se insere como
questão fundamental na dinâmica da vida urbana, ligando-se estreitamente aos
3464
esforços para a atenuação das situações de desigualdade social e territorial nas
cidades, em especial as brasileiras.
Em suma, Elisabete Maníglia expõe de forma clara o contexto por trás
desta pesquisa:
A notícia de que o mundo terá, a partir de então, segundo as
previsões demográficas, 7 bilhões de pessoas como população, é
em parte assustadora numa perspectiva jurídico social. A
preocupação com o nível de vida destes povos, do que eles se
alimentarão e como será a história de cada nação para manter a
dignidade de cada cidadão é algo para se pensar coletivamente.
Neste sentido, nada mais apropriado que a Universidade, em
particular as ciências sociais aplicadas para propor uma discussão
que reflita sobre direito, políticas públicas e sustentabilidade.
Independentemente de ideologias, é necessário prover a
discussão de caminhos que indique diretrizes de melhoria para o
mundo, que neste instante, de forma assustadora discute a crise
econômica, deixando a mercê a reflexão sobre a desigualdade, a
miséria e a injustiça (MANÍGLIA, 2011, p. 5).
Assim, não se olvidando a interdisciplinariedade e complexidade do tema,
o estudo, que ainda está em andamento, tem por objetivo geral discutir, de uma
perspectiva jurídica, um dos caminhos pensados pelo legislador para fazer valer
nas cidades brasileiras o aclamado interesse social: busca-se analisar o instituto
da desapropriação enquanto instrumento de efetivação do direito à moradia. Esta
análise perpassa, portanto, pela verificação dos contornos gerais da proteção do
direito à moradia no âmbito nacional e internacional, pela análise da evolução
histórica do direito de propriedade e a exigência do cumprimento de sua função
social, bem como pelo estudo das espécies expropriatórias relacionadas com a
implementação do direito à moradia urbana, quais sejam, a desapropriação
urbana por necessidade, utilidade pública ou interesse social e a “desapropriaçãopenalidade”. Tudo isso com o objetivo de recolher subsídios à compreensão da
aplicação prática do instituto da desapropriação como instrumento de efetivação
do direito à moradia na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
Comarca de São Paulo, pelo período entre 2011 e 2015.
3465
2 DESENVOLVIMENTO DO ARTIGO
Independentemente do momento histórico considerado, a questão
habitacional é um problema do indivíduo e da sociedade. Ao perceber as
vantagens do alojamento em um local fixo, o ser humano deixou de ser nômade e
viver cada dia em um lugar diferente, optando pela moradia duradoura
(BENEVOLO, 2011). De lá para cá, muitas foram as transformações sofridas pelo
direito à moradia, o qual se vincula a anseios do ser humano tão essenciais como
a vida, o que torna essa temática objeto de análise de diversos ramos da ciência,
gerando questionamentos tanto no campo jurídico-econômico, como no
sociopolítico (SOUZA, 2008).
Não obstante, embora a necessidade de um local para ter como abrigo e
referência persiga o homem desde os primórdios das civilizações, podendo-se
inclusive falar na antecedência da moradia em relação à propriedade – posto que,
autonomamente à condição de proprietário, o ser humano sempre procurou
construir abrigo para habitar, em busca de proteção contra intempéries e
predadores –, a previsão e o tratamento jurídico-legal do direito de propriedade
antecede o direito à moradia tanto no âmbito internacional como interno (PAGANI,
2009).
Entretanto, ainda que a passos menos velozes, a proteção jurídica do
direito à moradia ganhou espaço no palco internacional, passando a constar do
rol dos direitos humanos (PAGANI, 2009). Sob este aspecto, verifica-se nas
últimas décadas um processo de globalização de importantes componentes da
vida da pessoa humana, processo não raramente marcado pela violência,
marginalidade urbana, conflitos étnicos, raciais, religiosos, entre outros, mas
também pautado pela emergência de iniciativas que buscam alternativas para um
mundo melhor, para uma vida mais digna e saudável em nosso planeta e que
trazem o respeito e a proteção aos direitos humanos como componentes
essenciais, considerados importantes e estratégicos no processo de globalização.
Neste contexto insere-se o direito à moradia, enfoque desta pesquisa, que goza
de proteção legal não somente no ordenamento jurídico interno brasileiro, mas
também no âmbito internacional, estando previsto, dentre outros, nos seguintes
3466
instrumentos internacionais: na Declaração Universal, no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966), no Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos (1966), na Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), na Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989), na Convenção Internacional de Proteção dos Direitos
de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família (1977) e na
Convenção Internacional Sobre o Estatuto dos Refugiados (1951) (SAULE
JUNIOR, 2004).
Viver com segurança, viver com paz e viver com dignidade, esses seriam
os integrantes do núcleo básico do direito à moradia, extraídos das normas
internacionais de proteção dos direitos humanos segundo Nelson Saule Junior
(2004), para quem o direito à moradia somente pode ser considerado plenamente
satisfeito quando existirem os três elementos: segurança, paz e dignidade. Disto
se depreende que a moradia, enquanto direito humano, deve ser compreendida
como um componente fundamental da vida, peça chave para que as pessoas
vivam dignamente.
No que tange ao Brasil, em virtude da adesão do Estado brasileiro às
normas de tratados internacionais como os acima explicitados, verifica-se que a
obrigação de garantia do direito à moradia e as responsabilidades assumidas
nesses acordos internacionais passam a ter não mero caráter moral e político,
mas, especialmente, o caráter jurídico (SAULE JUNIOR, 2004). Isso porque o
texto constitucional de 1988 trouxe grandes avanços em relação ao tratamento
conferido aos direitos humanos ao inserir a prevalência dos direitos humanos (art.
4º, inciso II) como princípio fundamental a reger o Estado em suas relações
internacionais (BRASIL, 1988). Conforme expões Flávia Piovesan:
Até então, as Constituições anteriores à de 1988, ao estabelecer
tratamento jurídico às relações internacionais, limitavam-se a
assegurar os valores da independência e soberania do País –
tema básico da Constituição imperial de 1824 – ou se restringiam
a proibir a guerra de conquista e a estimular a arbitragem
internacional – constituições republicanas de 1891 e de 1934 –,
ou se atinham a prever a possibilidade de aquisição de território,
de acordo com o Direito Internacional Público – Constituição de
1937 –, ou, por fim, reduziam-se a propor a adoção de meios
pacíficos para a solução de conflitos – Constituição de 1946 e de
1967 (PIOVESAN, 2010, p. 38).
3467
Assim, a Constituição de 1988 inova ao consagrar o primado do respeito
aos direitos humanos como paradigma da ordem internacional, abrindo a ordem
interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Nestes
termos, o princípio da prevalência dos direitos humanos implica o engajamento do
país na elaboração de normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos,
mas também enseja a procura pela integração plena dessas regras na ordem
jurídica interna brasileira (PIOVESAN, 2010, p. 40).
Destaca-se, ainda, que o estudo da relação entre a Constituição de 1988
e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, dentre eles a moradia, também
perpassa, necessariamente, pela análise da redação do artigo 5º, §2º do texto
constitucional, o qual estabelece que os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que
o Brasil seja parte (BRASIL, 1988), juntamente com o §3º do mesmo artigo, que
equipara às emendas constitucionais os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois
turnos e por três quintos dos votos dos respectivos membros.
Esses dois dispositivos fomentam a discussão a respeito da hierarquia
dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico
interno brasileiro. Como explana Flávia Piovesan (2010, p. 71), existem quatro
correntes sobre a hierarquia dos tratados de proteção dos direitos humanos no
Brasil: a primeira corrente sustenta a hierarquia supraconstitucional desses
tratados, a segunda consagra sua hierarquia constitucional, a terceira afirma a
hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, e, por fim, a quarta corrente
defende a paridade hierárquica entre tratado e lei federal. Embora os detalhes
dessa discussão tenham grande importância, tendo em vista que a posição
adotada influencia na força e aplicabilidade dos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos no Brasil, para as finalidades dessa pesquisa não é preciso
entrar em suas minúcias, bastando compreender que, independentemente da
hierarquia atribuída a esses tratados, o certo é que, de uma forma ou de outra,
eles têm impacto jurídico no Direito interno brasileiro, noutros termos, o direito
internacional e o direito interno interagem e se auxiliam mutuamente (PIOVESAN,
2010).
3468
Por conseguinte, para além do tratamento conferido pelo ordenamento
interno brasileiro aos tratados de direitos humanos relativos ao direito à moradia,
em complementação e reforço a eles, o texto da própria Constituição Federal de
1988 também pode ser considerado uma referência no tratamento deste direito.
Assim, também no ordenamento jurídico brasileiro o direito à moradia foi
paulatinamente angariando espaço dentre os direitos juridicamente tutelados,
atingindo seu ápice com a Constituição Federal de 1988.
De forma a dar uma sequência cronológica à análise, deve-se atentar que
mesmo anteriormente ao reconhecimento do direito à moradia pela Constituição
de 1988, a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (que veio a ser modificada
pela Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999), bem como a Lei 8.245, de 18 de
outubro de 1991, já dispunham sobre o direito à moradia, posto que
contemplavam, respectivamente, a segurança jurídica da posse ao possuidor
adquirente de imóvel em loteamento clandestino e ao possuidor locatário. Não
obstante estes precedentes, entretanto, concebida como o marco jurídico da
transição ao regime democrático, o advento da Constituição de 1988, em 05 de
janeiro de 1988, inovou a ordem interna que já vinha se estruturando com a
democratização do país a partir da década de 80 (PAGANI, 2009).
Neste contexto, o Texto Constitucional inaugural de 1988, em seu artigo
7º, inciso IV, ao tratar dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e referir-se
ao salário mínimo, já expressava a preocupação com a moradia:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim; (BRASIL, 1988) (grifo nosso).
Deste modo, no próprio texto constitucional original de 1988 pode-se
visualizar o reconhecimento do direito à moradia. Aliás, consoante aponta Sergio
Iglesias Nunes de Souza (2008, p. 121), embora aparentemente pareça que o
constituinte de 1988 apenas preocupou-se com a moradia do trabalhador ao
redigir o aludido dispositivo, deve-se observar que a norma está firmada no
capítulo dos direitos sociais e estes não pertencem a uma determinada classe
social, não são destinados tão-somente à classe dos trabalhadores, mas a toda a
3469
coletividade. Portanto, desde a redação original da Constituição Federal de 1988,
“A moradia, embora não constituída expressamente até então como direito social
genérico, já era tratada como preocupação e considerada com status
constitucional” (SOUZA, 2008, p. 120).
Ocorre que, surgiram novas alterações no texto constitucional com o
passar do tempo. Destarte, com vistas a fortalecer o status constitucional do
direito à moradia, sua previsão expressa no artigo 6º, por meio da Emenda
Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, extirpou qualquer dúvida quanto
ao reconhecimento deste direito como um direito social pelo ordenamento jurídico
brasileiro, determinando sua observância no mesmo patamar dos demais direitos
fundamentais previstos no texto constitucional (SAULE JUNIOR, 2004).
Observa-se, no entanto, que a despeito da importância das previsões
constitucionais que reconhecem o direito à moradia, a Constituição não detalha
como será assegurado e efetivado esse direito, o que suscitou a necessidade de
outras leis infraconstitucionais para melhor discipliná-lo (PAGANI, 2009), ou seja,
a partir da Constituição de 1988 viu-se formar uma nova ordem legal urbana,
porém faltava uma base-mestra para as normas de direto urbanístico (SAULE
JUNIOR, 2004). Assim, treze anos após a Constituição de 1988, a União exerceu
sua competência legislativa e editou o Estatuto da Cidade, lei federal nº 10.257,
de 10 de julho de 2001 que, dentre outros temas, abarcou o direito à moradia.
Segundo preleciona Nelson Saule Junior:
Como toda lei, o Estatuto da Cidade é uma ferramenta que pode
ser usada diariamente para melhorar as condições de vida em
nossas cidades, o que implica ser usada para melhorar as
condições de moradia das pessoas que as habitam. A grande
concentração de pessoas pobres e a escassez de oferta de terra e
moradia em nossas metrópoles são indicadores do grande desafio
que temos para encontrar soluções jurídicas que combinem os
interesses econômicos e as necessidades sociais a serem
atendidas para minimizar as desigualdades sociais (SAULE
JUNIOR, 2004, p. 211).
Logo, a Lei nº 10.257/2001 e sua concepção de política urbana devem
guiar os entes federativos na implementação da política habitacional e, conforme
se extrai logo do artigo 1º, parágrafo único da lei, nela estão previstas “normas de
ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em
3470
prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do
equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2001). Nota-se, portanto, que o Estatuto da
Cidade, como reflexo do texto constitucional de 1988, principia um verdadeiro
marco histórico responsável por cindir com os modelos tradicionais acerca do
direito de propriedade (PAGANI, 2009, p. 159).
Aponta-se, ainda, que à Constituição de 1988 e à Lei 10.257/2001
somam-se diversos outros instrumentos legais que se dedicam ao tema moradia
no ordenamento jurídico interno brasileiro, não sendo pretensão desta pesquisa
descrevê-los todos. Importa mais aqui perceber que, muito embora haja diversos
documentos internacionais e também nacionais reconhecendo o direito à moradia,
e a despeito de existirem estudos da ONU HABITAT revelando que o progresso
econômico e social é imenso quando se garante a segurança da posse,
problemas na concretização dessas ideias estão presentes em todo o mundo,
podendo-se, inclusive, falar em uma crise mundial de segurança na posse
(NACIONES UNIDAS, 2012):
La economia política de la tierra tiene uma gran influencia em los
processos de desarrollo, urbanización y vivenda. La especulación
com tierras y las adquisiciones de terrenos a gran escala em
zonas rurales – que muchas veces no son transparentes y están
mal gestionadas – socavam los derechos de tenência y los médios
locales de subsistência. Essas actividdes, combinadas com las
sequias y otros câmbios relacionados com el clima, son algunas
de las principales causas de emigración a la ciudade, donde los
recién llegados, especialmente los pobres, no disponen de tierras
ni de uma vivenda decuada. Por ello, las personas se instalan em
viviendas y asentamientos com regímenes de tenência que no
ofrecen seguridade. La urbanización excludente y no planificada
repercute de forma evidente em la seguridade de la tenência.
Ademais, debido a su creciente mercantilización, las tierras rurales
y urbanas se han convertido em activos muy disputados, lo cual
acarrea
consecuencias dramáticas, sobre todo, aunque no
exclusivamente, em las economias emergentes. (NACIONES
UNIDAS, 2012, p. 3-4).
Neste contexto, a realidade denuncia que o processo de urbanização no
Brasil tem se caracterizado pela proliferação de processos informais de
desenvolvimento urbano, com implicações socioeconômicas, urbanísticas e
ambientais graves, pois, além da irregularidade afetar diretamente os moradores
dos assentamentos informais, ela também produz um grande impacto negativo
sobre as cidades e sobre a população como um todo (FERNANDES, 2002).
3471
Estimativas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que,
embora tenha reduzido no período entre 2007 e 2011, os valores do déficit
habitacional no Brasil ainda são alarmantes, atingindo a casa dos milhões de
domicílios (aproximadamente 4,5 milhões em 2011), consistentes em habitações
precárias, coabitação familiar, ônus excessivo com aluguel e adensamento
excessivo em domicílios locados. Os dados também revelam que o déficit
habitacional brasileiro é predominantemente urbano (81%) (FURTADO; NETO;
KRAUSE, 2010).
Os dados também revelam que o déficit habitacional brasileiro é
predominantemente urbano (81%), figurando o Estado de São Paulo, sobretudo a
capital, como a unidade da Federação que mais se sobressai em todas as
componentes explicitadas acima, com a exceção dos domicílios precários, quesito
em que é superado apenas pelo Estado do Maranhão (FURTADO; NETO;
KRAUSE, 2010).
Paradoxalmente, no ano de 2005, estudos do Ministério das Cidades,
pela Secretaria Nacional de Habitação, apontaram que, em números absolutos,
os “domicílios vagos”, nesses considerados os domicílios “em condições de
serem habitados”, os de “uso ocasional”, os em “construção ou reforma” e os “em
ruína”, somavam 6.736.44 unidades em todo o país, sendo 5.084.284 nas áreas
urbanas. Desses, 87,9% (a maioria), foram classificados como domicílios em
condições de serem habitados, 10,7% como domicílios em construção e apenas
1,4% como domicílios em ruínas (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2006).
Aqui, novamente, o Estado de São Paulo caracterizou-se por ter as piores
estatísticas, eis que apresentou a maior concentração de “domicílios vagos” em
números absolutos (somando-se imóveis urbanos e rurais), acentuando-se o meio
urbano, onde foram computados 1.249.985 domicílios nessa condição em 2005,
sendo que, desses, 85,6% estariam, à época da pesquisa, em condições de
serem ocupados, 13,7% em construção e 0,7% em ruína.
3472
Destarte, em todo o país, mormente no Estado de São Paulo, grande
parcela desses imóveis urbanos vagos poderia ser utilizada para fins de moradia,
de modo a contribuir com a queda do déficit habitacional.
Neste cenário, insta salientar que hodiernamente há um grande leque de
instrumentos jurídicos a serviço do Poder Público para o enfrentamento dessas
graves questões urbanas, sendo destaque desta pesquisa a desapropriação de
imóveis urbanos.
Sobre este assunto, nota-se que as limitações ao direito de propriedade
em virtude do interesse público são uma constante no ordenamento brasileiro,
posto que desde o período imperial o instituto da desapropriação já era previsto.
Não obstante, é atribuído à Constituição brasileira de 1988 o mérito de ter elevado
a função social da propriedade à categoria de regra fundamental, cláusula pétrea,
insuscetível de alteração ou mesmo supressão. Condicionou-se, deste modo, a
proteção da propriedade ao cumprimento de sua função social (SALLES, 2009).
Por este prisma, evidencia-se que o uso e o gozo dos bens e riquezas
particulares são condicionados à observância de normas e limites impostos pelo
Poder Público com vistas ao bem-estar social. Assim, quando o interesse público
exige, o Estado intervém na propriedade privada, por meio de atos de império
predispostos a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir as condutas
antissociais da iniciativa privada (MEIRELLES, 2008). Conforme expõe Edilson
Pereira Nobre Júnior (2002, p. 88):
A propriedade deixou de ser concebida como um instituto
ilimitado, representando, inversamente, um direito jungido ao
cumprimento de uma função social pelo seu titular, o que se
impõe, em nossa sociedade, assinalada pela explosão
demográfica nas cidades, não apenas no setor campesino, mas,
com maior razão, na província urbana, a fim de satisfazer frente à
aguda crise de moradia, cujo desrespeito poderá ensejar o
manejo, pelo Poder Público, da desapropriação-sanção.
Deste modo, dentre os diversos meios de intervenção do Estado na
propriedade, a desapropriação é o meio pelo qual o Estado atinge o caráter
perpétuo deste direito (DI PIETRO, 2010), implicando a legítima perda da titulação
dominial e a imputação do bem no patrimônio do Estado (PENTEADO, 2014).
Com isso, dada a relevância desse instrumento e não obstante a
variedade de formas de desapropriação presentes no ordenamento jurídico
3473
nacional, a pesquisa propõe-se a analisar o instituto da desapropriação enquanto
instrumento de efetivação do direito à moradia urbana. Essa escolha fundamentase no fato de que o instituto adquire grande importância ao permitir a perda da
propriedade do particular e seu emprego a serviço do interesse social, onde se
insere o direito constitucional à moradia, angariando inúmeros benefícios à
coletividade, desde que devidamente empregada, ao permitir a redução das
ocupações irregulares de áreas de risco, bem como ao garantir o acesso da
população mais carente a terra já urbanizada. Portanto, a possibilidade de
utilização desse instrumento também vai de encontro à preocupação com a
questão locacional da moradia (localização dos assentamentos em relação ao
conjunto de relações de emprego e demais teias de relações urbanas
estabelecidas pelos moradores), dimensão essencial do problema, mas que
raramente é inserida na discussão conceitual sobre assentamentos precários,
déficit e necessidades habitacionais (ROYER, 2013).
É diante de todo o exposto que se revela a importância da proposta aqui
apresentada, justificada pela sua atualidade e por sua pretensão em contribuir
para a discussão sobre o instituto da desapropriação do imóvel urbano como
instrumento a serviço de políticas públicas de acesso à moradia, considerando
que a eficácia dos direitos fundamentais deve ser objeto de permanente e
responsável otimização pelo Estado e pela sociedade (SARLET, 2009/2010),
onde se inclui a atuação do Poder Judiciário, a ser analisada na parte empírica da
pesquisa, porque, conforme adverte Edésio Fernandes (2001), a discussão sobre
o planejamento urbano não pode se desagregar da discussão sobre as condições
político-institucionais-legais de gestão das cidades.
Isso porque, frente à relevância do direito à moradia como condição sine
qua non para uma vida digna, a falta de fiscalização do Poder Público sobre o uso
e ocupação da terra urbana e a não aplicação de instrumentos legais voltados a
combater o descumprimento da função social e a especulação imobiliária nas
cidades são uma violência contra parcela da população que vive sem dignidade
(POSSAS; MANIGLIA, 2011):
A violência perpetrada pelo Estado brasileiro se manifesta,
destarte, de duas formas: a ação deliberada (repressão dos
3474
movimentos sociais, por exemplo) e a omissão no cumprimento de
suas funções (como a persistência da miséria sem uma firme
plataforma política para a sua superação) (POSSAS; MANIGLIA,
2011).
Por conseguinte, a atuação positiva do Estado por meio da efetivação do
direito à moradia revela-se como uma forma de reação à indiferença para com
aqueles que apresentam as carências mais básicas e que não podem ser
considerados apenas “números de um gráfico” (POSSAS; MANIGLIA, 2011). Daí
a necessidade de fazer valer o disposto no artigo 3º da Constituição Federal de
1988, que insere como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e marginalização e redução
das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação (BRASIL, 1988).
De tal sorte, seguindo os dizeres de Pedro Abramo e Martim Smolka
(2002), a pesquisa fundamenta-se em sua pretensão em contribuir para a
superação de obstáculos e desafios, transformando-os em oportunidades para
avançar, no sentido do respeito ao direito à segurança da posse, à moradia para
todos, bem como ao direito a cidades mais justas, democráticas e sustentáveis.
Deste modo, pretende-se ir além da mera exposição enaltecedora da
ideia do direito à moradia como um dos direito fundamentais, enumerando suas
conquistas e as normas nacionais e internacionais que as positivaram. Com isso
busca-se fugir de um discurso que Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2012)
classificam como repetitivo e estéril:
Tal tipo de abordagem só produz discursos políticos repetitivos e,
afinal de contas, estéreis, sem indicar, de forma juridicamente
fundamentada, quais direitos e por que prevalecem em cada caso
concreto e quais as formas de sua implementação. Teoricamente,
nada impede que um direito fundamental seja proclamado
absoluto e superior a todos os demais. Não obstante, o
constituinte brasileiro, seguindo uma prática geral, não desejou
criar direitos “superiores” ou “absolutos”. Todos são proclamados
no mesmo texto, havendo equivalência normativa. Nesse
contexto, a tarefa da doutrina jurídica consiste em indicar o que
exatamente, como e até onde deve ser juridicamente tutelado,
partindo da tese da relatividade dos direitos fundamentais que foi
3475
oportunamente denominada “máxima da cedência recíproca”
(DIMOULIS, MARTINS, 2012, p. 5).
Por consequência, após a análise das normas nacionais e internacionais
que positivam o direito à moradia, bem como depois de apresentado o instituto da
desapropriação como um dos instrumentos voltados à sua efetivação, a pesquisa
em andamento parte para mais um objetivo, consistente na análise juridicamente
fundamentada das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, Comarca de São Paulo, no período de 2011 a 2015 e relacionadas ao
tema estudado.
Sobre a parte empírica da pesquisa, tendo em vista o problema e os
objetivos apresentados, optou-se por utilizar a metodologia qualitativa, do tipo
documental, frente ao cunho exploratório do trabalho a ser empreendido, de forma
a buscar uma compreensão mais aprofundada dos fenômenos envolvidos,
apoiado no pressuposto da maior relevância dada ao aspecto subjetivo da ação
social (HAGUETTE, 1997). Dessa forma, buscar-se-á enxergar o fenômeno de
seu interior (FLICK, 2009), a partir da visão revelada pelos desembargadores do
tribunal analisado.
Portanto, a pesquisa a ser empreendida pode ser classificada como
qualitativa, do tipo documental, pois da análise de ementas e acórdãos buscar-seá compreender como o instituto da desapropriação vem sendo relacionado com a
efetivação do direito à moradia no Estado de São Paulo, mais precisamente, na
Comarca de São Paulo (capital do Estado).
Resta esclarecer que a opção pela análise dos julgados do Tribunal de
Justiça de São Paulo partiu da compreensão de que o legislador conferiu ênfase à
competência expropriatória dos municípios e Distrito Federal para o planejamento
do uso e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CRFB), outorgando ao Poder
Público Municipal a execução da política de desenvolvimento urbano (art. 182,
CRFB), e atribuindo competência exclusiva ao ente municipal para a realização
da desapropriação para fins de reforma urbana (art. 182, §4º, CRFB), motivo pelo
qual a desapropriação do imóvel urbano revela-se instrumento imprescindível do
administrador municipal e, consequentemente, é de competência da Justiça
Estadual.
3476
Além disso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi escolhido
por abranger a região em que são flagrados os maiores déficits habitacionais do
país por um lado, e a maior presença de imóveis vagos por outro, revelando a
enorme contradição que marca o cenário urbano nacional. Ademais, optou-se por
restringir a pesquisa à comarca de São Paulo devido à necessidade de
delimitação do espaço amostral para viabilizar uma análise apurada. Não
obstante, tal escolha embasou-se no fato do Município de São Paulo ser o maior
responsável pelo alto nível de déficit habitacional do Estado, além de serem
constantes
os
conflitos
entre
proprietários
e
ocupantes
de
imóveis
subtilizados/abandonados na capital do Estado de São Paulo.
Por sua vez, a expressão utilizada para a busca dos acórdãos por meio
do website da Justiça Estadual, comarca de São Paulo, na seção intitulada
“consulta de jurisprudência – consulta completa – pesquisa livre” foi (SÃO
PAULO, [2014]): “desapropriação e moradia não usucapião”. Com estas palavraschave buscou-se abranger os julgados que tratam do instituto da desapropriação
em sua intersecção com o direito à moradia, ademais, optou-se por depurar ainda
mais os julgados, excluindo aqueles que tratavam da usucapião, porque muitos
dos acórdãos selecionados com o uso das palavras-chave “desapropriação e
moradia” tratavam dessa outra forma de aquisição da propriedade.
Quanto ao período a ser analisado, ele abrangerá o intervalo entre os
anos de 2011 e 2015. A escolha desse período de análise deu-se igualmente em
virtude da necessidade de delimitação do espaço amostral para viabilizar uma
análise mais aprofundada dos julgados selecionados pelo método de busca. Ao
utilizar as palavras-chave “desapropriação e moradia não usucapião”, mesmo
limitando à comarca de São Paulo, foram selecionados 160 julgados no período
de 2007 (ano de julgamento do último acórdão colacionado no site de buscas) até
a segunda metade do corrente ano (2014), número que certamente aumentará
quando forem incluídos os julgados até o último dia de 2015, data projetada para
o final da análise. Assim, houve a necessidade de delimitação, estabelecendo-se
o ano de 2011 como início, por ser esse o ano em que houve a apresentação do
projeto urbanístico específico da “Nova Luz”, na cidade de São Paulo que, entre
outros objetivos, previa a consolidação de um novo núcleo habitacional de
3477
interesse social na área central da cidade e, para tanto, estabelecia a
desapropriação de vários imóveis (SÃO PAULO, 2011).
Este é, em poucas palavras, o desenho da pesquisa a ser realizada,
elaborado a partir do problema a ser respondido e da metodologia escolhida para
respondê-lo. Conforme preleciona Gabriel Ignacio Anitua (2006, p. 302):
Investigar empiricamente es una forma de integrar y de
apropriarse de la realiddad. El “diseño’ de la investigación es el
plan que se traza el investigador y sobre cuya base queda
prefigurado el aspecto de la realidade en que va a actuar y la
forma en que va a hacerlo (la perspectiva que se adopta, el tiempo
que dura el trabajo, los mecanismos de control, etc.). Si no se
hace esto, se trabajará con datos secundários o elaborados – y
creados – por otros investigadores; pero también entonces debe
indicarse la forma y los instrumentos con que se recogerán los
datos.
Esos datos serán diferentes, como se há dicho, de acuerdo al
mencionado diseño de investigación y de acuerdo a las diferentes
disciplinas que se acerquen desde la transdisciplinariedade al
común objeto de atención de tipo jurídico (ANITUA, 2006, p. 302).
Portanto, é com essa metodologia que se busca caminhar da teoria para
a aplicação prática do instituto estudado, analisando-se as diversas maneiras em
que as modalidades de desapropriação aparecem relacionadas com o direito à
moradia.
Por fim, ressalta-se, mais uma vez, que a pesquisa ainda está em
andamento, podendo-se, no momento, apresentar suas hipóteses, que nortearão
o estudo: espera-se que o instituto expropriatório desponte como um instrumento
importante a serviço da função social das cidades, em busca da implementação
do interesse público presente na concretização do direito à moradia; acredita-se,
ainda, que a expropriação urbana seja um instrumento diferenciado por
possibilitar a revitalização dos centros urbanos a partir da utilização de imóveis
melhor localizados e dotados de infraestrutura urbana, mas que descumpriam sua
função social, permitindo, assim, uma maior integração do assentamento urbano
ao conjunto da cidade, à mobilidade, aos serviços públicos, à acessibilidade, etc.,
e não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os
ocupantes, buscando reduzir a pressão da expansão horizontal na direção de
áreas sem infraestrutura ou ambientalmente frágeis (ROLNIK, 2002); não
obstante, como resultado da pesquisa empírica, cogita-se que esse instrumento
3478
não vem sendo usado em toda sua potencialidade, enfrentando diversos desafios
na prática, tais como a defesa de um direito de propriedade absoluto e os altos
custos da utilização da desapropriação.
Assim pretende-se caminhar no estudo, de forma a construir o quadro
teórico aos poucos, à medida que os dados forem colhidos e examinados, sempre
tendo como embasamento o estudo teórico realizado.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A falta de planejamento para suportar o crescimento populacional ensejou
o problema da falta de moradias em diversas cidades do mundo, sendo também
essa a realidade a ser enfrentada pelo Poder Judiciário brasileiro. Destarte, a
pesquisa discute o instituto da desapropriação como instrumento a serviço da
implementação do direito à moradia urbana.
Nestes termos, muito embora fórmulas exclusivamente jurídicas não
forneçam o instrumental suficiente para a concretização do direito à moradia
(SARLET 2009/2010) diante dos diversos obstáculos jurídicos, políticos e
institucionais existentes (FERNANDES, 2001), a discussão e o estudo acerca dos
instrumentos disponibilizados pelo ordenamento jurídico para a resolução de
problemas sociais é indispensável, para que se possa exigir do Estado a
eficiência na gestão de suas políticas, cenário em que se destaca como objeto
desta pesquisa o instituto da desapropriação.
Assim, sem desatentar para o fato de que a ordem jurídica muitas vezes
contribui para a reprodução da informalidade urbana, o trabalho objetiva colaborar
para que a desapropriação da propriedade urbana assuma um papel
transformador dessa realidade, por meio de seu uso consciente e direcionado ao
interesse público, presente na efetivação do direito à moradia.
Portanto, todo esforço faz-se necessário tendo em vista que a moradia,
enquanto componente fundamental da vida urbana, é um tema que precisa ser
enfrentado por todos que busquem modificar a situação de desigualdade social e
territorial existente nas cidades (SAULE JÚNIOR, 2004).
3479
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