42. gt - [1855] juízes e cidades na américa latina
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ANAIS CONGRESSO DO MESTRADO EM DIREITO E SOCIEDADE DO UNILASALLE GT – [1855] JUÍZES E CIDADES NA AMÉRICA LATINA CANOAS, 2015 3402 OS TRIBUNAIS E AS CIDADES: A DISPUTA PELA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PLANO DIRETOR Aline Viotto Bianca Tavolari RESUMO: O artigo trata da disputa interpretativa em torno do sentido do plano diretor na argumentação dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. PALAVRAS-CHAVE: interpretação judicial. plano diretor; política urbana; constitucionalidade; 1 INTRODUÇÃO O recurso extraordinário n. 607940 está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro desde agosto de 2014. A relação entre o plano diretor – instrumento da política de desenvolvimento e expansão urbana, obrigatório para os municípios com mais de 20.000 habitantes, conforme estabelecem a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade – e outras leis que disciplinam o parcelamento, o uso e a ocupação do solo urbano é central nesse julgamento. Ao estabelecerem o vínculo entre esses dois tipos de normas jurídicas, os ministros do STF não tratam apenas de questões de competência legislativa e da hierarquia entre normas – são os próprios sentidos atribuídos ao papel do plano diretor que estão em disputa. O objetivo deste artigo é reconstruir internamente os argumentos jurídicos mobilizados pelos juízes nas diferentes instâncias do judiciário em que esta questão foi tratada. Isso porque o recurso extraordinário n. 607940 teve origem no questionamento, por parte do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), da constitucionalidade de uma lei do Distrito Federal que regula a abertura de condomínios fechados. A principal finalidade do artigo é expor as disputas interpretativas em cada um dos âmbitos institucionais, indicando como a questão se transformou ao ser analisada por essas cortes, deixando de ser 3403 apenas sobre a constitucionalidade de uma lei específica. Partimos da hipótese de que a discussão da relação entre plano diretor e outras leis coloca em jogo o próprio procedimento democrático para o planejamento urbano. Não se trata de questão meramente formal, mas de como se determina a política que orienta o desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Em outras palavras, é uma questão sobre quem pode fazer parte da tomada de decisão tanto no caso do plano diretor quanto nas leis urbanísticas em geral. A reconstrução da estrutura argumentativa das decisões judiciais em diferentes instâncias busca contribuir para o debate sobre a relação entre direito e espaço urbano sob uma perspectiva pouco usual. Nos estudos sobre direito e urbanismo, o foco das investigações tem sido o legislativo, sendo marginais as análises das decisões do judiciário e de seus impactos.1 Além disso, quando a pesquisa tem como objeto o judiciário, geralmente está centrada na análise quantitativa das decisões, sem adentrar na análise da qualidade da fundamentação das decisões. Por isso, este artigo também pretende contribuir para os estudos recentes2 sobre como são formuladas as fundamentações das decisões jurisdicionais e como é construída a legitimidade do poder judiciário no Brasil. Partimos, portanto, do pressuposto de que os argumentos judiciais importam. Em primeiro lugar, porque em uma democracia a justificação de uma decisão, pelo Estado, tornou-se condição de legitimidade da sua atuação. Fornecer justificativas permite que a qualidade das decisões possa ser controlada pela sociedade: sem fundamentação não é possível nem concordar nem discordar de uma decisão. Além disso, o texto das normas jurídicas é indeterminado, ou seja, não encerra apenas um único sentido. Diante dessa abertura, os juízes necessariamente interpretam o texto da lei e escolhem entre mais de uma alternativa possível, ainda que todas possam ser admitidas pelo direito. Como se trata de uma escolha, a justificativa é novamente central. 1 Para uma exceção, ver a pesquisa realizada pela PUC-SP no âmbito do projeto “Pensando o Direito” do Ministério da Justiça: SAULE Jr., Nelson, LIBÓRIO, Daniela, AURELLI, Arlete Inês (coords.). Conflitos coletivos sobre a posse e a propriedade de bens imóveis. Projeto Pensando o Direito, n.07/2009, Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça. 2 Aqui referimo-nos aos estudos realizados por RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013. 3404 Este artigo está estruturado em sete partes. Na primeira, será feita uma breve reconstrução histórica do debate e das disputas na Assembleia Nacional Constituinte de 1986-1988 a respeito da introdução do conceito de plano diretor no texto constitucional. O retorno ao debate do período da constituinte demonstra como a positivação do plano diretor na constituição foi marcada pelo conflitos entre diferentes grupos sociais que persistem até o presente. Entre a segunda e a sexta parte deste trabalho, será apresentado o estudo das controvérsias judiciais a respeito da constitucionalidade da lei n. 710/2005 do DF. O segundo e o terceiro pontos tratarão dos argumentos apresentados por cada uma das partes envolvidas na controvérsia judicial. Na segunda parte, serão apresentados os argumentos do MPDFT para questionar a constitucionalidade da referida lei, enquanto na terceira serão expostas as justificativas do Governador do Distrito Federal, do Presidente da Câmara Legislativa e do Procurador Geral do Distrito Federal para defender a constitucionalidade. Em seguida, será apresentada uma síntese dos argumentos das partes, acompanhada de uma discussão sobre como a questão da constitucionalidade da lei n. 710/2005 pode ser encarada sob diferentes perspectivas. No quinto ponto, serão reconstruídas as estruturas argumentativas dos votos dos desembargadores do TJDFT no julgamento da constitucionalidade da lei n. 710/2005. A sexta parte reconstituirá os caminhos argumentativos feitos pelos ministros do STF na decisão sobre a repercussão geral do recurso extraordinário e no julgamento de mérito da questão constitucional. Por último, com base no caso apresentado, apresentamos algumas considerações finais. 2 O PLANO DIRETOR NO TEXTO CONSTITUCIONAL E NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE A Constituição de 1988 é a primeira a dedicar um capítulo específico à questão urbana e dois parágrafos se referem expressamente ao plano diretor.3 No 3 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. 3405 entanto, ainda que tenham recebido outros nomes na história, planos diretores foram formulados e implementados no Brasil muito antes da previsão constitucional atualmente vigente.4 Ainda que não formem a origem dos planos, porém, a Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição são marcos decisivos da politização do plano diretor pelos movimentos sociais, se comparado com a primazia da técnica que estruturava as intervenções anteriores de maneira geral.5 Seria de se esperar, portanto, que a atual redação do artigo 182 tivesse sido fruto de uma iniciativa da sociedade civil. A emenda popular n. 63, articulada pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) com mais de 130 mil assinaturas, reivindicava a participação popular tanto na elaboração quanto na implementação dos chamados “planos de uso e ocupação do solo”. Ao longo do processo constituinte, vários termos foram utilizados para designar o instrumento de regulação do espaço urbano nas cidades – “planejamento do desenvolvimento municipal”, “ordenamento territorial”, “planos ordenadores do espaço urbano”, “planos urbanísticos”, entre outros.6 No entanto, uma das primeiras emendas que utiliza a expressão “plano diretor” é também a única a vinculá-lo à noção de § 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.” 4 Para uma análise das mudanças de concepção a respeito do plano diretor ao longo da história brasileira, com uma proposta de periodização, ver VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba, SCHIFFER, Sueli Ramos (orgs.). O processo de urbanização no Brasil. 2ª edição. São Paulo: FUPAM/EDUSP, 2010. 5 Um exemplo concreto pode ser encontrado no balanço sobre o plano diretor de São Paulo feito na gestão de Luiza Erundina (PT-SP): “[...] muito da tecnocracia dos anos 60 ainda está presente no planejamento urbano brasileiro e paulista, e as causas de sua ineficácia não devem ser procuradas nos aspectos técnicos ou científicos dos planos, no seu conteúdo, ou objetivos. Não foi por falhas deste tipo que tantos planos fracassaram. [...] Vamos repetir quantas vezes for necessário: não são os planos, nem o planejamento, mas as organizações sociais e políticas que lutam pela conquista de seus interesses os responsáveis pelas mudanças na sociedade”, KOWARICK, Lucio, ROLNIK, Raquel, SOMEKH, Nadia (eds.). São Paulo: crise e mudança. São Paulo: Brasiliense/Prefeitura de São Paulo, 1990, p.214-215. 6 Ver BASSUL, José Roberto. A constitucionalização da questão urbana. In: Volume IV – Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e economia em vinte anos de mudanças. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 13. Esta é a reconstrução mais detalhada e completa sobre o capítulo da ordem urbana na Assembleia Nacional Constituinte e nos apoiamos nesta análise para além deste ponto específico. 3406 função social da propriedade. Proposta pelo bloco conservador conhecido como “Centrão”, esta emenda elevou o “plano urbanístico à condição expressa de paradigma do cumprimento da função social da propriedade”7, com a finalidade de criar mais uma instância para impedir a auto-aplicação do princípio da função social. Assim, a exigência de que os municípios formulassem planos diretores teve o intuito original de bloquear, ainda que temporariamente, a aplicação da função social para as propriedades urbanas, o que limitou a proposta da emenda popular.8 Essa breve menção à origem do plano diretor na constituinte tem a finalidade de mostrar que tensões e embates entre forças sociais opostas perpassam o próprio texto constitucional. Além disso, o sentido de “plano diretor” já faz parte da disputa pela formulação do texto que é interpretado hoje pelo STF no recurso extraordinário analisado neste artigo: questões como a forma, a aplicabilidade, o conteúdo e os agentes envolvidos na elaboração do plano diretor já estavam em pauta ao menos desde 1987. Assim, os argumentos e as decisões analisadas aqui fazem parte de um contexto mais amplo de lutas sociais pelo direito no Brasil. No caso do plano diretor, essas lutas marcam a sua história desde a sua origem. 3 O QUESTIONAMENTO DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR N. 710/2005 Em junho de 2007, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a Lei Complementar n.710/2005.9 Editada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal por iniciativa do Governo do Estado, a lei regula os assim chamados “projetos urbanísticos com diretrizes especiais para unidades autônomas”. Como esses 7 Idem, p. 14. 8 Ver GRAZIA, Grazia de. Estatuto da Cidade: uma longa história com vitórias e derrotas. In: OSORIO, Letícia Marques (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 16. 9 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2007.00.2.006486-7, ajuizada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. 3407 projetos não são objeto de nenhuma outra norma urbanística brasileira, a própria lei complementar traz uma definição: “projeto devidamente aprovado pelo Governo do Distrito Federal, para determinado lote, regido pelas diretrizes especiais constantes desta Lei Complementar e integrado por unidades autônomas e áreas comuns condominiais, nos termos da Lei Federal n. 4.591, de 16 de dezembro de 1964” (art. 1º, §1º, grifos nossos). A primeira definição é complementada pela explicação de alguns de seus elementos constitutivos: lote é “o terreno resultante de quaisquer das modalidades de parcelamento do solo” (art. 3º, IV) e unidade autônoma é definida como “a unidade privativa que compuser Projeto Urbanístico com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas” (art. 3º, VI). Esse primeiro grupo de determinações indica que se trata de uma regulação específica (“projetos urbanísticos com diretrizes especiais”) para parcelas determinadas do solo compostas por unidades privativas organizadas em condomínio. O particular que tiver um projeto aprovado pelo poder público tem uma série de obrigações, tais como demarcar as unidades autônomas, implantar o sistema viário e a infraestrutura básica, composta por escoamento das águas pluviais, iluminação, rede de abastecimento de água potável, de energia e de esgoto (art. 4º, I e II). Em contrapartida, tem permissão para cercar os limites externos do empreendimento e colocar guaritas para controlar o acesso (art. 6º, I e II). Como veremos ao longo deste texto, todos os atores envolvidos nessa disputa entendem que a lei complementar regula os “condomínios fechados”. O Ministério Público desenvolve dois tipos de argumento para defender a inconstitucionalidade da lei. O primeiro deles afirma que o conteúdo da lei complementar teria de ser regulado pelo plano diretor de ordenamento territorial (PDOT) ou pelos planos diretores locais (PDL) e não por lei. O segundo argumento trata de violações materiais da regulação dos condomínios fechados aos princípios da política urbana e à Lei Federal de Uso e Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/1979). Como se trata de apontar problemas de caráter constitucional, os argumentos do MPDFT têm de se basear na Lei Orgânica do 3408 Distrito Federal, que tem status de constituição do estado.10 Passamos a examinar cada um dos tipos de argumento em mais detalhes. O primeiro é de ordem procedimental. Afirmar que o instrumento utilizado para regular os condomínios fechados não foi o adequado, o MPDFT não questiona a legalidade ou a legitimidade desses condomínios, mas tampouco se restringe ao âmbito puramente formal. Isso porque traça uma diferença importante entre o plano diretor – que formalmente é uma lei – e leis ordinárias e complementares. O plano diretor seria o instrumento mais adequado para uma “abordagem global e contextualizada para mudanças em normas de caráter urbanístico” (p.13)11 por exigir estudos urbanísticos prévios e “um plus (sic) a mais” (p.11), a participação popular por meio de audiências públicas. Haveria, portanto, uma contraposição entre o plano diretor – amparado por estudos técnicos sobre a cidade como um todo e formulado com participação social – e a lei – que trataria a questão dos condomínios fechados “de forma isolada e desvinculada de estudos urbanísticos globais” (p.11) e, nesse caso específico, de caráter casuístico por favorecer apenas particulares (p.18). Assim, a escolha do instrumento jurídico envolve tanto a medida em que os atores sociais podem participar da formulação da lei quanto o peso dado a estudos de ordem técnica. Segundo o MPDFT, o fundamento legal para embasar este argumento está numa série de artigos da Lei Orgânica que trata da obrigatoriedade do plano diretor.12 Como a ação do MPDFT não explora a relação entre os planos diretores 10 Lei Orgânica do Distrito Federal, promulgada em 8 de junho de 1993. 11 A ADIN encaminhada ao TJDFT, as manifestações e votos que dizem respeito a essa decisão são anexos do recurso extraordinário encaminhado ao STF. Assim, utilizamos os arquivos disponibilizados no sítio eletrônico do STF como base para nossa análise. O documento compilado pode ser encontrado em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=3823627, acesso em 12.04.2015. Como faremos muitas referências textuais a esse documento compilado, de agora em diante, a citação será feita no corpo do texto, com indicação apenas da página. 12 Arts. 316 a 319 e art. 321. Os artigos tratam, entre outras assuntos, da obrigatoriedade do PDOT e dos PDLs como “instrumentos básicos das políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano” (art. 316), da abrangência dos planos para todo o território e o objeto de sua regulação (“localização dos assentamentos humanos e das atividades econômicas e sociais da população”, art. 317), prazos de elaboração e revisão dos planos, a atribuição do Poder Executivo para conduzir “as bases de discussão e elaboração dos planos diretores” (art. 319). 3409 e a lei, o argumento implícito é o de que a exigência de elaboração de planos diretores impede que qualquer questão urbanística seja tratada fora deles. Ou, em outras palavras, que a lei genérica não é um instrumento válido para tratar de temas urbanos. Os planos diretores seriam os únicos meios legais e legítimos para tanto – tanto tecnicamente quanto no que diz respeito à participação popular. Assim, por “instrumentos básicos das políticas de ordenamento territorial e desenvolvimento urbano”13, o MPDFT entende que, por suas características próprias, os planos diretores seriam os únicos instrumentos. Esse argumento serviria de base para qualquer lei que pretendesse regular temas urbanos – não se restringe, portanto, à Lei Complementar n. 710/2005. Como veremos, a interpretação do significado de “instrumento básico” é um dos pontos que organizam a disputa no judiciário. O segundo tipo de argumento diz respeito ao conteúdo da lei complementar, ou seja, à regulação dos condomínios fechados propriamente dita. Ele tem peso menor na argumentação do MPDFT, provavelmente porque sua relação com a Lei Orgânica é menos direta. Se o primeiro tipo de argumento não fazia qualquer valoração a respeito dos condomínios fechados, o segundo identifica que eles são um problema em si. A consequência é negar qualquer tipo de regulação que reconheça sua existência legal. Os condomínios fechados seriam um “incentivo à segregação social” e impediriam “a criação de uma malha urbana consistente” (p.16). Assim, afrontariam os princípios da política urbana previstos na Lei Orgânica, tais como a “ocupação ordenada do território, uso de bens e distribuição adequada de serviços e equipamentos públicos”, o “uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado” do território, a “distribuição espacial adequada” e a “prevalência do interesse coletivo sobre o individual e o interesse público sobre o privado”14. A permissão para o uso de guaritas é interpretada como uma violação à Lei de Uso e Ocupação do Solo, que 13 Essa formulação não está apenas na Lei Orgânica do Distrito Federal. O artigo 182, §1º da Constituição Federal estabelece que “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. O caput do artigo 40 do Estatuto da Cidade tem redação parecida: “O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. 14 Arts. 314 e 326 da Lei Orgânica. 3410 estabelece que as vias e praças dos loteamentos pertencem ao domínio do município.15 O cercamento e o controle de entrada seriam, portanto, uma privatização das vias dos condomínios fechados. Na ADIN, o MPDFT traz uma série de decisões judiciais que declararam a inconstitucionalidade de leis que alteraram o plano diretor. Assim, apesar de não afirmar expressamente, o MPDFT equipara a Lei Complementar 710/2005 com normas jurídicas alteradoras do plano. 4 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À INCONSTITUCIONALIDADE Após receber a ADIN, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) pediu a manifestação do então Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PFL-DF), do então Presidente da Câmara Legislativa, o deputado Alírio Neto (PEN-DF), e do Procurador Geral do Distrito Federal. Como todos se posicionam em favor da constitucionalidade da lei, a análise dos argumentos foi organizada por temas abordados pelo TJDFT em sua decisão. 4.1. Relação entre Plano Diretor e Lei Um ponto que perpassa todas as argumentações é a análise da relação entre plano diretor e lei, tanto no caso específico da Lei Complementar n. 710/2005 como em geral. Para o Governador do Distrito Federal, o plano diretor é um instrumento de abstração e abrangência máximas (p.79). As leis urbanísticas serviriam tanto para dar maior concretude a planos mais abstratos quanto para regular situações não previstas no PDOT ou no PDL (p.78). Segundo o governador, “nenhum planejamento é absoluto” (p.78) e, portanto, todos os planos diretores podem e devem ser complementados por conteúdos regulados por lei. Quanto ao caso específico, não se trataria de lei alteradora do plano, uma vez que “o assunto não é abordado pelo plano diretor e necessita de regulamentação legal” (p.76). Não haveria como falar em afronta ao plano diretor ou mesmo à Art. 22 da Lei n. 6.766/1979. 15 3411 legislação existente, já que a matéria não teria sido tratada em nenhum outro diploma legal. Já o presidente da Câmara Legislativa afirma que a lei complementar “supre uma lacuna” (p.85) e seria, portanto, uma “suplementação legislativa para dispor sobre os loteamentos fechados” (p.87, grifo nosso). O Procurador Geral do Distrito Federal, por sua vez, defende se tratar de “detalhamento do PDOT” (p.109). Há, portanto, o pressuposto de que tanto o plano diretor quanto a lei são instrumentos de regulação de questões urbanísticas. A relação entre plano diretor e lei posterior não poderia ser de contrariedade, apenas de concretização, detalhamento, aprofundamento. A lei posterior também seria admitida para suprir temas não tratados no plano. 4.2. Plano Diretor como Instrumento Básico da Política de Desenvolvimento e Expansão Urbana Como estes três atores institucionais admitem a possibilidade de regulação de questões urbanísticas por lei e pelo plano diretor, sua interpretação é a de que a expressão “instrumento básico” não pode ser interpretada de tal forma que os planos sejam os únicos instrumentos da política de desenvolvimento e expansão urbana (p.77 e 105). O argumento está baseado na Lei Orgânica do Distrito Federal, que estabelece um rol de instrumentos legislativos válidos e, entre eles, inclui tanto o plano diretor quanto as leis urbanísticas.16 4.3. Competência para Legislar em Matéria Urbanística A argumentação do presidente da Câmara Legislativa é a única a tratar da questão da competência legislativa dos municípios. Segundo essa perspectiva, como o art. 24, I da Constituição Federal estabelece a competência concorrente entre a União e o Distrito Federal para legislar sobre direito urbanístico e como o 16 Art. 325 da Lei Orgânica do Distrito Federal. 3412 art. 30, I prevê a autonomia do município para legislar sobre assuntos de interesse local, nada impediria que questões urbanas fossem reguladas por lei. 4.4. Condomínios Fechados O posicionamento da presidência da Câmara Legislativa também procura refutar a tese de que os condomínios fechados seriam ilícitos e indesejáveis em si. Segundo essa argumentação, a lei complementar não privilegiaria grupos privados (p.88), já que não incidiria nos parcelamentos já consolidados, mas apenas nos futuros ou nos que estavam em processo de regularização. Como dito anteriormente, todos os atores envolvidos nessa disputa concordam que a lei complementar trata da figura do “condomínio fechado”, apesar de o termo não ser encontrado em nenhum texto legal vigente. Por mais que exista concordância quanto à figura, uma das discordâncias diz respeito a sua legalidade: para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, os condomínios fechados equivaleriam ao instituto do “loteamento fechado”, previsto na Lei n. 4.591/1964. 5 INTERPRETAÇÕES DISTINTAS SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE Esse primeiro grupo de argumentos não expressa apenas posicionamentos justificados em favor ou contra a constitucionalidade da lei complementar, mas também revela como os posicionamentos estão embasados em interpretações distintas sobre qual seria a questão em disputa. Para poder declarar a lei inconstitucional, o MPDFT tem de necessariamente contrapô-la à Lei Orgânica do Distrito Federal. É a Lei Orgânica que estabelece o terreno em que a constitucionalidade pode ser discutida, é sua interpretação que forma o critério que determina se houve um desvio ou uma violação. Enquanto o MPDFT recorre à parte da lei que traz as normas para a promulgação dos planos diretores, o Governador e o Procurador Geral se voltam a um artigo específico que expressamente inclui a lei como instrumento da política urbana. Perante essa contraposição, o argumento do MPDFT se mostra frágil: a 3413 previsão legal de obrigatoriedade do plano diretor teria de ser interpretada como exclusividade, o que impediria que o município editasse qualquer tipo de lei urbanística. Diante de um artigo da Lei Orgânica que prevê uma pluralidade de instrumentos urbanísticos, esse posicionamento parece insustentável. O argumento seria ainda corroborado pela competência legislativa em matéria de direito urbanístico prevista pela Constituição. Os argumentos em favor da constitucionalidade da lei partem, portanto, de outro ponto de partida. Se a principal questão do MPDFT era mostrar a contrariedade entre a lei complementar e a Lei Orgânica, a posição oposta parte do pressuposto de que tanto o plano diretor quanto a lei são instrumentos válidos para editar normas urbanísticas e a questão passa a ser da relação ou da hierarquia entre elas. Para sustentar a constitucionalidade, afirmam que a lei complementar ou preenche uma lacuna do plano diretor, complementando-o, ou detalha artigos que já estariam no próprio plano. Há ao menos dois pressupostos aqui: por um lado, o plano diretor é a referência a partir da qual a lei complementar tem de ser avaliada, o que indica que o plano seria hierarquicamente superior; por outro, está implícito que uma lei que alterasse o conteúdo do plano seria considerada inconstitucional, o que mais uma vez mostra que lei e plano não estariam no mesmo patamar. É importante notar que, neste ponto, a discussão se autonomiza da lei sobre loteamentos fechados e passa a abarcar a relação entre plano diretor e lei urbanística de forma geral. A discussão sobre a legalidade dos condomínios fechados passa a segundo plano, tanto porque o principal argumento do MPDFT está centrado no procedimento quanto porque esse caminho levaria a uma avaliação de leis infraconstitucionais – como a Lei n. 6.766/1979 e a Lei n. 4.591/1964 –, o que seria menos pertinente a uma ADIN. Com a mudança de ponto de partida, os argumentos em favor da constitucionalidade da lei não precisam mais explorar a diferença nos critérios de aprovação, participação e de qualidade técnica entre lei e plano diretor defendidos pelo MPDFT. Essa contraposição de argumentos também é representativa da forma com que demandas são trazidas ao judiciário. O governador, a Câmara e a Procuradoria propuseram e formularam a lei – são portanto seus defensores. O 3414 Ministério Público, por sua vez, defende a inconstitucionalidade da lei em todos os sentidos, sem contrapor sua tese com argumentos legais que poderiam fragilizála. Como é comum entre partes que litigam no judiciário, tanto um lado quanto o outro defendem posições absolutas: ou a lei é constitucional sob todos os aspectos ou é inconstitucional também sob todos os aspectos. Mas se a dimensão estratégica se sobressai e é constitutiva dos posicionamentos, “em um estado de direito, seus argumentos não podem ser puramente estratégicos, pois [...] precisam respeitar determinado padrão para serem considerados adequados; padrão este que se expressa em ônus argumentativos impostos a todos aqueles que pretendam argumentar juridicamente” 17. 6 A DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA A decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios também se organiza em torno de duas posições que, em grande medida, espelham as interpretações divergentes apresentadas anteriormente. Apesar de todos os desembargadores poderem justificar suas posições individualmente, apenas dois deles manifestaram seus votos – Dácio Vieira, o relator, e Mário Machado, em voto de vista. Todos os demais expressaram seu posicionamento de concordância com um dos dois votos, geralmente por meio da fórmula “voto com o relator/com o voto divergente”. Em seu voto, Dácio Vieira determina qual seria a questão a ser discutida pelo Tribunal de Justiça: seria necessário confrontar a lei complementar com a Lei Orgânica. Não seria pertinente avaliar “eventuais antinomias” entre a lei e o PDOT e os PDLs, uma vez que esse tipo de análise teria caráter ordinário e não constitucional (p.153). Assim, a constitucionalidade da lei complementar teria de ser analisada a partir do parâmetro da Lei Orgânica. O ponto que estrutura a argumentação do relator é o artigo da Lei Orgânica que expressamente indica a lei como instrumento legislativo, inserida em um rol não exaustivo de possibilidades à disposição do município (art. 325). Assim como RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013, p.73. 17 3415 no posicionamento do Governador, da Câmara e da Procuradoria Geral, diante da admissão dos planos e da lei como instrumentos igualmente válidos, a questão da relação entre essas normas fica em aberto e passa a ser central. O relator enfrenta essa questão a partir da interpretação da expressão “instrumento básico”. Diferentemente dos argumentos que vimos até agora, o adjetivo “básico” é interpretado como “geral”: por seu caráter geral, o plano diretor “não poder ser tido por pleno, completo, carecendo, ao contrário, de especificação, de detalhamento, para alcançar sua completude” (p.159). Haveria um vínculo interno entre plano diretor e lei posterior: o plano trataria das questões urbanísticas de forma geral que dependeriam das leis municipais para implementação das próprias diretrizes do plano. Em outras palavras, o plano diretor não subsistiria por ele mesmo, mas necessariamente exigiria complementação por lei. A partir deste argumento, o relator desenvolve as formas em que a relação entre plano diretor e lei pode se dar, segundo um exercício de “integração lógica” (PDF, p.159). Quando não houver regulação específica sobre o tema “na Lei Maior – como seja o PDL: Plano Diretor Local” (p.160), outro instrumento normativo pode ser utilizado “até que venha a norma própria, quando então caberá o exame de eventuais antinomias” (p.160). Quando o PDL já tiver sido regulado, os demais instrumentos legislativos não podem contrariar suas disposições básicas, entendidas como “disposições gerais”. Havendo ou não plano diretor, entendido como norma hierarquicamente superior e de caráter geral, o município pode legislar sobre matéria urbanística. O plano diretor é o critério para analisar a legalidade da lei, mesmo nos casos em que o plano é posterior à lei. A lei complementar é, assim, considerada constitucional em razão da previsão da coexistência entre tipos diferentes de normas na Lei Orgânica. Para divergir do voto do relator, o desembargador Mario Machado afirma que sua “posição já [é] conhecida” (p.163) por ter sido relator de outra ADIN “que cuida exatamente do mesmo tema da presente” (p.164).18 Seu voto é estruturado a partir da fundamentação do outro caso, que é reproduzida por completo. A ADIN julgada anteriormente trata da constitucionalidade de uma lei que “fixa índices de O desembargador se refere à ADIN n. 2006.00.2.002.994-6, julgada pelo TJDFT. 18 3416 ocupação do solo com a finalidade de regularizar o parcelamento dos condomínios” (p.166). Para o relator, ambos os casos seguiriam a mesma estrutura: as duas leis seriam inconstitucionais por tratarem de temas urbanísticos fora do plano diretor. O plano diretor é entendido como “pilar de toda a sustentação de toda a estrutura urbanística” (p.165). O desembargador faz referência a Hely Lopes Meirelles para mostrar que o plano diretor teria “supremacia” sobre todos os demais instrumentos (p.164). A “visão de todo” (p.172) do plano diretor teria de ser mantida e, portanto, não poderia haver qualquer papel para leis urbanísticas: eventuais modificações teriam de ser incorporadas seja na formulação do plano, seja em seu processo de revisão. Além da interpretação de “instrumento básico” como “superior” ou “supremo”, o uso de leis para tratar de temas urbanísticos também comprometeria a visão de todo trazida pelo plano, amparada por estudos técnicos contextualizados das regiões (p.170). Assim como na argumentação do MPDFT, o ministro traz julgados sobre a inconstitucionalidade de leis que alteram expressamente itens previstos no plano diretor do Distrito Federal. Não haveria, portanto, diferenciação entre leis que alteram, complementam, detalham, suprem lacunas ou confirmam o plano diretor. Não há relação possível entre lei urbanística e plano diretor que não seja de inconstitucionalidade. Essa posição é reforçada pela manifestação do ministro Sérgio Bittencourt em favor do voto de Mario Machado, para quem “toda essa legislação feita à margem do PDOT é inconstitucional” (p. 172, grifos nossos). Quadro 1. Estrutura dos argumentos dos votos do TJDFT As exigências de participação Ministros Qual o Qual a popular e A lei Qual o sentido do relação estudos compleme parâmetro da adjetivo entre técnicos ntar é constitucional “básico”? plano importam inconstituc 3417 idade? diretor e para a relação lei? entre as ional? normas? Não Está de “Instrument Plano acordo com Dácio Lei Orgânica o básico” é diretor e Não. a Lei Vieira do Distrito “instrument lei Orgânica do Federal o geral” e, coexistem. Distrito portanto, O plano Federal, não diretor é que prevê a completo. hierarquic coexistênci amente a de superior, instrumento mas exige s compleme legislativos ntação por em matéria lei. urbanística (art.325). “Instrument Questões Sim o básico” é urbanístic Parcialmente. Está de “instrument as só Os estudos desacordo Mario Lei Orgânica o podem ser técnicos com a Lei Machado do Distrito supremo”, tratadas importam para Orgânica do Federal o que por meio mostrar a Distrito indica a do plano visão global e Federal, preponderâ diretor. contextualizad que ncia do Não a do plano estabelece plano parece diretor. o plano sobre haver diretor todos os papel para como 3418 demais as leis instrumento instrument urbanístic básico da os. as. política urbana (art.316). Quadro 2. Placar A Lei Complementar n. Desembargadores Placar 710/2005 é inconstitucional? Mário Machado, Sérgio Sim Bittencourt, Estavam Maia, 4 Romão Oliveira Dácio Vieira, Edson Smaniotto, Lecir Manoel da Luz, Cruz Não Macedo, Romeu Gonzaga Neiva, 8 Haydevalda Sampaio, Carmelita Brasil, Nívio Gonçalves O Regimento Interno do TJDFT exige que as decisões sobre constitucionalidade sejam tomadas por maioria absoluta dos desembargadores que integram o Conselho Especial. Nesse caso, como o placar ficou em 8 a 4 e são 17 os integrantes do Conselho, a maioria absoluta não foi atingida.19 Por essa razão, o desembargador Natanael Caetano, ausente da primeira discussão, manifesta seu voto para que o quórum seja atingido. O voto é bastante curto e segue o do relator: como a Lei Orgânica não teria limitado os instrumentos legislativos e o plano diretor é apenas uma diretriz, a lei complementar seria constitucional (p.177). Seriam necessários 9 votos para declarar a lei constitucional. 19 3419 7 O JULGAMENTO DO STF 7.1 A Repercussão Geral Desde 2004, a admissibilidade dos recursos extraordinários pelo STF passou a contar com um novo requisito: a repercussão geral. Introduzida ao ordenamento pela Emenda Constitucional nº 45, conhecida como Emenda de Reforma do Judiciário, a repercussão geral aplica-se ao debate constitucional de “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A do Código de Processo Civil). Assim, após a mudança promovida pela Emenda Constitucional nº 45, apenas os recursos extraordinários que tem a repercussão geral reconhecida são apreciados pelo STF. A decisão sobre a existência, ou não, da repercussão geral cabe aos próprios ministros do STF antes da apreciação do mérito do recurso extraordinário. Caso a corte constitucional não reconheça a existência da repercussão geral, cabe à instância inferior do judiciário a decisão final sobre a questão constitucional. Como aponta pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) 20 , a criação desse instituto tinha dois objetivos principais. O primeiro é a diminuição do número de recursos analisados pelo STF, já que a repercussão geral funciona como uma espécie de “filtro” da corte constitucional. Outro argumento apresentado é que a repercussão geral contribui para a uniformização da jurisprudência de matéria constitucional, pois os tribunais inferiores são estimulados a seguir o entendimento consolidado pelo STF no julgamento de recursos extraordinários que tratem de questões jurídicas semelhantes. Considera-se, então, que repercussão geral contribui para a “racionalização” dos julgamentos de controvérsias constitucionais pelos tribunais ao reduzir a quantidade de recursos apreciados pelo STF e ao promover a 20 SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010. 3420 uniformização de julgados referentes a controvérsias constitucionais de maior impacto e repercussão 21 . A demonstração da existência da repercussão geral no recurso extraordinário compete à parte que recorre ao STF. No caso analisado neste artigo, coube, portanto, ao MPDFT apontar os motivos pelo qual o recurso extraordinário tratava de questão de grande impacto. Os principais argumentos apresentados pelo MPDFT para sustentar a repercussão geral do recurso extraordinário são que se trata de “tema afeto ao ordenamento territorial do Distrito Federal” e de um “processo objetivo, sem partes, ao qual não são integralmente aplicáveis normas processuais comuns”, ou seja, de controle abstrato de constitucionalidade. Dessa forma, para o MPDFT, configura-se a repercussão geral porque o tema do ordenamento territorial caracteriza-se como relevante e a decisão do STF sobre a controvérsia impactará outras decisões judiciais. É interessante notar que, nesta exposição do MPDFT, não fica claro o motivo pelo qual a decisão do STF traria impactos que não ficariam restritos ao caso. Repete-se apenas, numa argumentação circular, que o caso é importante e, por isso, a decisão teria “eficácia erga omnes” e que, como a decisão teria impacto que ultrapassa os interesses das partes, seria considerada relevante. Pela argumentação apresentada pelo MPDFT, seria possível concluir, por exemplo, que qualquer julgamento que trate do tema de ordenamento territorial necessariamente é de repercussão geral. Como veremos, uma argumentação que não conecta o caso concreto ao que dispõe a lei a respeito da repercussão geral também se repete nas justificativas apresentadas pelos ministros. A repercussão geral do recurso extraordinário apresentado pelo MPDFT foi apreciada pelos ministros do STF no final de 2010. Segundo a ementa da decisão, a questão constitucional em debate era a “obrigatoriedade do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano” (repercussão geral A pesquisa realizada pela SBDP aponta que “as decisões proferidas pelo STF em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida têm, de fato, sido acatadas pelas instâncias inferiores do Poder Judiciário” (SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010, p. 7). 21 3421 no recurso extraordinário n. 607940 22 ). A formulação da questão constitucional debatida pelo recurso extraordinário é fundamental porque é ela que guia a repercussão geral. Ou seja, todas as vezes que surgirem controvérsias nas instâncias inferiores que tratarem de matéria idêntica (no caso “a obrigatoriedade do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano”), os tribunais deveriam ter como norte a decisão do STF. Como aponta a pesquisa realizada pela SBDP, “ao descrever a questão constitucional, o STF facilita às partes e às instâncias do Judiciário uma aplicação uniforme do instituto da repercussão geral” 23. Assim, por orientar decisões posteriores e a própria decisão do STF, é importante que a questão constitucional discutida seja formulada de forma clara e precisa. Sem dúvida, a forma como foi elaborada a questão constitucional debatida na repercussão geral do recurso extraordinário n. 607940 não deixa clara qual a extensão da decisão sobre a “obrigatoriedade do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano”. É possível que seja interpretado, por exemplo, que o questionamento refere-se à obrigatoriedade da elaboração do plano diretor para os municípios com mais de vinte mil habitantes, conforme disposto no próprio art. 182, §1º, CF. Em outras palavras, se o plano diretor é obrigatório ou não. Como a maior parte dos casos 24 feito em plenário virtual. Cinco ministros , o julgamento da repercussão geral foi 25 reconheceram a repercussão geral do recurso extraordinário e apenas um apresentou voto contrário, o ministro Gilmar Mendes. No caso, não houve manifestação dos ministros Cezar Peluso, Celso de 22 O relatório da repercussão geral está disponível no seguinte link: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623934 Acesso em 13/04/2015. 23 SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010, p. 21. 24 Nos casos analisados pela pesquisa da SBDP, 90% foram decididos em plenário virtual e 10% em plenário presencial. Ver: SUNDFELD, Carlos Ari, SOUZA, Rodrigo Pagani de (coords.). Repercussão geral e o sistema brasileiro de precedentes (relatório de pesquisa). Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos, Ministério da Justiça, 2010, p. 39-40. 25 Os cinco ministros que votaram a favor da repercussão geral foram: Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Ayres Britto e Marco Aurélio. 3422 Mello, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Quando votam, no entanto, os ministros não precisam expor os argumentos da decisão, com exceção do relator da repercussão geral. Além do ministro Ayres Britto, relator, apenas o ministro Marco Aurélio publicou seu voto. Apesar de concordarem com a repercussão geral do recurso extraordinário, as justificativas apresentadas pelos ministros são diferentes. O relator aponta que como a questão “ultrapassa os interesses das partes”, isto é, como a “tese que será fixada pelo STF orientará a política de desenvolvimento urbano dos municípios brasileiros”, trata-se de controvérsia relevante e que atende aos requisitos do art. 543-A do CPC. O impacto da decisão, portanto, justifica a existência da repercussão geral para o ministro Ayres Britto. Para o ministro Marco Aurélio, contudo, o questionamento da constitucionalidade de uma lei local já é suficiente para justificar a existência da repercussão geral. Por isso, a base legal para seu posicionamento, conforme exposto em seu voto, é a Constituição Federal, art. 102, III, c 26 . Os votos de ambos os ministros apresentam uma estrutura semelhante à argumentação do MPDFT: não relacionam o caso concreto ao que prevê a legislação e, portanto, não explicam os motivos pelos quais a lei n. 710/2005 se encaixaria nos critérios legais. No fundo, as decisões dos ministros carecem de justificativa e acabam meramente refletindo a opinião de cada um sobre o caso. Este seria mais um caso que confirma um padrão decisório denominado por Rodriguez de “modelo de justiça opinativa”, em que há “padronização de decisões sem consideração alguma sobre seu fundamento” 27 . Se, por um lado, definiu-se que o julgamento da constitucionalidade da lei n. 710/2005 irá orientar a decisão de outros casos, por outro, não se sabe quais são as justificativas razões que levaram os ministros a decidir que nesse caso existe a repercussão geral. Não é possível saber se foi o argumento do ministro Ayres Britto, do ministro Marco Aurélio, ou se foram ambos 26 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: [...] c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013, p. 110. 27 3423 que justificaram a existência da repercussão geral, como também não sabemos qual elemento do caso concreto foi analisado. O pressuposto é o de que qualquer caso sobre ordenamento territorial teria repercussão geral e que a controvérsia sobre qualquer lei local teria repercussão geral. A deficiência argumentativa da repercussão geral, como exposto no próximo ponto, fica evidente quando o mesmo debate voltará a ser feito na discussão do mérito da questão. 7.2. O Julgamento de Mérito Como aponta Rodriguez 28 , os tribunais no Brasil não têm como objetivo produzir um texto com o término dos julgamentos que sistematize e organize a argumentação dogmática que justifique a decisão, o documento final acaba sendo composto pelas transcrições das falas dos ministros, da mesma forma e ordem que ocorreram. Nesse sentido, a manifestação pública dos juízes possui grande importância, pois “ é constitutiva da racionalidade de jurisdição nacional e precisa ser levada em conta por futuras análises de sua atuação” 29 . Este ponto analisa, portanto, as falas públicas dos ministros do STF no julgamento de mérito do recurso extraordinário 607.940, que teve início em agosto de 2014. Como a votação não foi concluída até o momento de elaboração deste trabalho, existem algumas dificuldades para analisar essas falas. A primeira, e mais evidente, é o fato de nem todos os ministros terem se posicionado a respeito da constitucionalidade da lei. Assim, há uma limitação da análise proposta neste ponto em razão da própria realidade. Outra dificuldade é a falta de um documento oficial do STF em que estejam registrados os argumentos que sustentam o voto dos ministros que já se pronunciaram. Na falta do relatório final da votação, a análise foi feita com base no vídeo da TV Justiça disponível na internet 30. Até o presente momento, o placar da votação é de dois votos pela negação de provimento do recurso extraordinário, ou seja, pela constitucionalidade da lei n. 710/2005, e de um voto pela inconstitucionalidade. De um lado, estão os ministros 28 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes? Rio de Janeiro: FGV, 2013. 29 Idem, p. 79 30 O vídeo está disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=BfRFQEWICO8. Acesso em 12/04/2015. 3424 Teori Zavascki, relator, e Luís Roberto Barroso. Do outro, o ministro Marco Aurélio. Em seu voto, o relator argumenta que “não há delimitação estanque no texto constitucional” a respeito da matéria do plano diretor, a Constituição Federal apresenta uma “indeterminação conceitual” sobre o que deveria ser disciplinado por esse instrumento. Para Zavascki, por mais que plano diretor possua “um certo grau de universalidade na percepção do espaço da cidade”, isso “não quer dizer que todas as formas de parcelamento, uso e ocupação do solo devam estar inteiramente contidas no plano diretor”. É dessa forma que o relator compreende a lei n. 710/2005: como uma lei específica que disciplina uma matéria, no caso “o padrão normativo mínimo a ser aplicado em projetos de parcelamento fechado”, que não foi regulamentada pelo plano diretor. Além disso, seguindo a argumentação de Zavascki, o Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001) corroboraria seu o posicionamento já que “não incluiu os modos de parcelamento, uso e ocupação do solo como conteúdos mínimos do plano diretor”. Pelo contrário, o art. 43 do Estatuto da Cidade “indica dispositivos separados para o plano diretor e a lei de parcelamento uso e ocupação do solo”. Conclui então o relator que “não há como afirmar que a matéria da lei distrital deveria ser tratada necessariamente no plano diretor” e, por isso, nega provimento ao recurso extraordinário e reconhece a lei n. 710/2005 como constitucional. O ministro Luís Roberto Barroso segue o voto do relator por concordar com a justificativa de que “uma lei complementar pode tratar de uma questão específica que não tenha sido tratada no plano diretor”. Pelo raciocínio do ministro, se uma lei complementar pode alterar o conteúdo do plano diretor – que também tem status de lei complementar – por consequência, uma lei complementar pode dispor sobre matéria do plano diretor. Ou seja, não é exclusividade do plano diretor dispor sobre matéria urbanística. Por mais que os votos dos ministros Barroso e Zavascki sejam pela constitucionalidade da lei, há uma certa gradação nos argumentos apresentados nas falas. Enquanto o voto do relator se assemelha ao argumento do desembargador Dácio Vieira de que o plano diretor possui especificidade por seu caráter “universal” (ou “geral”), as justificativas apresentadas pelo ministro Barroso aproximam o plano diretor das demais leis complementares, colocando-os praticamente no mesmo patamar. 3425 O mais interessante, contudo, é o debate suscitado entre os ministros sobre o que está sendo decidido pelo STF. O ministro Dias Toffoli argumenta que a decisão do STF vai fixar “diretrizes gerais sobre a questão relativa a loteamentos e parcelamento do solo urbano” para todos os municípios brasileiros em função da repercussão geral. O ministro Barroso, por sua vez, afirma que a tese fixada pelo seu voto e o do ministro Teori Zavascki não seria essa, mas outra “ainda menor”: a de que “é possível que uma lei complementar cuide de alguma coisa atinente a política urbanística que não tenha sido tratada pelo plano diretor”. Já Zavascki contesta a interpretação feita por Barroso ao dizer que a tese fixada em seu voto seria “ainda menor”: a de que “é legítima, sob o aspecto formal e material, a lei complementar n. 710/2005, que dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação do solo em loteamento fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos neles observados”. Esse debate em torno da tese fixada pelo STF demonstra como não há consenso entre os ministros sobre o que exatamente está sendo decidido pela corte e quais os reais impactos dessa decisão. Enquanto para o ministro Dias Toffoli o conteúdo da lei servirá como parâmetro para as decisões futuras, para o ministro Barroso é a possibilidade de elaboração de lei complementar de matéria urbanística pelos municípios e sua relação com o plano diretor o centro da tese fixada pelo STF. Já o ministro Teori Zavascki não se pronuncia sobre quais poderiam ser as consequências para os outros munícipios brasileiros se a lei n. 710/2005 for declarada constitucional pelo STF. Dessa forma, a divergência entre os ministros não é uma questão do tamanho da decisão (“decisão menor”), mas interpretações qualitativamente diferentes sobre a controvérsia. Ao longo de debate entre os ministros sobre os efeitos da decisão, o ministro Marco Aurélio acaba mudando seu posicionamento sobre a constitucionalidade da lei. Todavia, como iremos expor mais adiante, a alteração do seu voto não tem uma relação direta com o debate sobre os impactos da decisão da corte. Inicialmente, o ministro Marco Aurélio, com base nas premissas do acórdão do TJDFT, concordou com o voto do relator de que a lei n. 710/2005 não teria transgredido a Constituição Federal e, por isso, não conheceu o recurso extraordinário do MPDFT. Para o ministro, pode ser que a lei tenha transgredido o 3426 plano diretor, mas não caberia ao STF “adentrar a matéria de fundo e ser responsável por uma solução formalizada a partir da interpretação do ordenamento normativo local”. Esse questionamento deveria ser resolvido no âmbito da justiça local. No entanto, durante o debate, o ministro Marco Aurélio decide alterar seu voto e declarar a lei inconstitucional a partir do voto de Zavascki. Para o ministro, não caberia ao STF interpretar o que dispõe a legislação local do DF, mas já que a justificativa do voto do relator partiu dessa premissa, então todos poderiam proceder da mesma forma. Seguindo esse entendimento, o ministro Marco Aurélio passa a utilizar como fundamento do seu voto o relatório do TJDFT, o qual colocou o plano diretor em segundo plano e, assim, desrespeitou a Constituição Federal. Em suas próprias palavras: “vou reajustar o meu voto para admitir o recurso tendo em conta as premissas do voto condutor do julgamento (pelo TJDFT), premissas conducentes a concluir-se que realmente se colocou em segundo plano – como salientado pelo desembargador Mário Machado – o que é previsto no art. 182, §§ 1º e 2º da Constituição Federal”. Dessa forma, a alteração do voto do ministro Marco Aurélio se deu em razão do relatório apresentado pelo ministro Teori Zavascki e teve como fundamento o voto vencedor no TJDFT, do desembargador Dácio Vieira, que desconsidera a importância do plano diretor como instrumento básico da política urbana. Os quadros abaixo sintetizam a estrutura dos argumentos dos votos dos ministros (Quadro 3) e o placar de votação (Quadro 4) até o momento. Quadro 3. Estrutura dos argumentos dos votos do STF As exigência s de Qual o Qual a participaç A lei Minist Qual o sentido do relação ão compleme ros parâmetro da adjetivo entre popular e ntar é constitucional “básico”? plano estudos inconstituc diretor e técnicos ional? idade? 3427 lei? importam para a relação entre as normas? “Instrument Plano Não o básico” é diretor e Está de “instrument lei acordo com a CFB, art. Teori Constituição o que coexistem. Zavas Federal possui um O plano cki e certo grau diretor 2º, que não Robert de contém define o o universalid uma ideia que deve Barros ade” e, de ser matéria o portanto, globalidad do plano não regula e, mas diretor. todas as pode ser formas de suplement PUOS. ado por Não. 182, §§1º e outra lei compleme ntar. “Instrument Sim o básico” é Está em “instrument desacordo Marco Constituição o colocado O Auréli Federal em parcelame primeiro nto é §§1º e 2º, plano”, o matéria do que que indica plano estabelece a diretor. o plano o com a CFB, Não. art. 182, 3428 preponderâ diretor ncia do como plano instrumento sobre as básico da demais leis política complemen urbana. tares. Quadro 4. Placar STF A Lei Complementar n. Ministros Placar Sim Marco Aurélio 1 Não Teori Zavascki, Roberto Barroso 2 710/2005 é inconstitucional? É interessante notar como a discussão no STF não corresponde exatamente ao que está descrito na ementa da decisão da repercussão geral, que identifica a questão constitucional como sendo a “obrigatoriedade do plano diretor como instrumento da política de ordenamento urbano”. Não há nenhuma discordância entre os ministros que se pronunciaram de que o plano diretor seja um instrumento de política urbana obrigatório. O centro do debate está no conteúdo do plano diretor e em sua relação com outras normas de matéria urbanística. Outra questão relevante é que, por mais que os ministros compreendam que o plano diretor possua características próprias, não há qualquer menção à participação popular e aos estudos técnicos como elementos que diferenciem o plano diretor das demais leis complementares. 3429 8 CONCLUSÕES As disputas em torno do conceito do plano diretor estão presentes desde o período da constituinte e se estendem até o presente no debate a respeito da constitucionalidade da lei n. 710/2005 do DF. Ao apresentar os argumentos jurídicos mobilizados pelos desembargadores do TJDFT e pelos ministros do STF, este artigo pretendeu expor como a questão passou por transformações, saindo do debate a respeito da legalidade dos condomínios fechados para uma decisão com repercussão geral sobre a obrigatoriedade dos planos diretores. Em boa parte dos votos dos juízes, foi possível detectar problemas na construção argumentativa, o que acaba dificultando a compreensão dos motivos que levaram a determinada decisão. Dessa forma, a intervenção da sociedade no debate para disputar o sentido do plano diretor torna-se ainda mais difícil sem a exposição clara das justificativas das decisões tomadas. Apesar da questão ainda estar em aberto, por depender da manifestação de grande parte dos ministros do STF, vimos que a participação popular não tem sido um elemento considerado nas discussões dos tribunais, o que coloca em jogo a gestão democrática das cidades. REFERÊNCIAS BASSUL, J. R. A constitucionalização da questão urbana. In: Volume IV – Constituição de 1988: O Brasil 20 anos depois. Estado e economia em vinte anos de mudanças. Brasília: Senado Federal, 2008. GRAZIA, G. Estatuto da Cidade: uma longa história com vitórias e derrotas. In: OSORIO, L. M. (org.). Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. KOWARICK, L., ROLNIK, R., SOMEKH, N. (eds.). São Paulo: crise e mudança. 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São Paulo: FUPAM/EDUSP, 2010. 3431 GOVERNANÇA DA ÁGUA E JUSTIÇA SOCIAL EM SÃO PAULO, BRASIL WATER GOVERNANCE AND SOCIAL JUSTICE IN SÃO PAULO, BRAZIL CITATION: WATER POLICY. 16 (2014) 78–96 LaDawn Haglund RESUMO: Na região metropolitana de São Paulo, 20 milhões de pessoas compartilham recursos hídricos através de múltiplos usos. Esses recursos têm estado sob pressão crescente, devido à expansão urbana, o mau planejamento, e as alterações climáticas. Os conflitos entre usos e seus princípios subjacentes são cada vez mais julgadas nos tribunais. Como é que a gestão da água seja moldado por os princípios de justiça? E como são estes tipos de casos provocando uma reconsideração do papel da lei na administração pública? O método histórico-comparativa utiliza comparações contextualizadas sistemáticas para criar um diálogo entre teoria e dados, iluminando como efeitos causal variam de acordo com contexto. Processos judiciais foram recolhidos, codificados, categorizados e analisados. Foram recolhidos dados adicionais através de entrevistas semi-estruturadas de 45 min com advogados, litigantes e juízes. Este trabalho analisa as ramificações de uma crescente utilização de discursos e práticas judiciais para julgar conflitos relacionados com a água em São Paulo. É também, e, inversamente, mostra como as batalhas legais sobre água e saneamento força uma mudança no comportamento e perspectivas de juízes e advogados, e, posteriormente, ampliar o significado de 'justiça.' PALAVRAS-CHAVE: justiça ambiental; direitos humanos; direito e sociedade; advocacia legal; justiça social; água. ABSTRACT: In the greater metropolitan region of São Paulo, Brazil, close to 20 million people share water resources across multiple uses, from industry to recreation to basic household use. These resources have come under increasing strain due to urban expansion, poor planning, and, more recently, climate change. Conflicts among uses and their underlying principles are increasingly adjudicated in courts, with the Ministério Público (Public Prosecutor’s Office) acting as a key advocate for both human rights and environmental protection. As legal interventions become more common in policy questions, how are justice principles shaping emerging approaches to water governance? And how are these types of cases provoking a reconsideration of the role of law in public administration? This paper analyzes the justice ramifications of an increasing use of legal discourses 3432 and practices to adjudicate water-related conflicts in São Paulo. It also, and conversely, shows how legal battles over water and sanitation force a shift in the behavior and perspectives of legal actors, and subsequently broaden the meaning of “justice.” KEYWORDS: environmental justice; human rights; law and society; legal advocacy; social justice; water. 1 INTRODUCTION Achieving just, equitable, and sustainable water and sanitation provision can be challenging, despite the best intentions of water managers. Governance of such a complex sector—with its demanding technical and infrastructural requirements, environmental and economic constraints, and social importance— requires concerted efforts at coordination among agencies, consultation with stakeholders, and no small degree of wisdom and foresight. In cities in particular, structural inequality, rapid urbanization, and climate change pose formidable challenges and fuel conflicts among competing uses, some of which end up in court. In adjudicating these conflicts, judges and lawyers are becoming important agents in the construction of “water justice.” But as legal interventions become more common in what are, in effect, policy questions, how are legal principles shaping emerging approaches to water governance? Conversely, how are these types of cases provoking a reconsideration of the role of law in public administration? This paper evaluates the justice principles underlying attempts to adjudicate water-related conflicts through courts. It provides evidence for how concepts of justice bring new “logics” to water governance, opening possibilities for new channels of accountability, subtle shifts in priorities, greater scrutiny of social inequality, and a more thoughtful reckoning with impediments to justice. At the same time, the paper shows how water and sanitation present unique challenges and introduce alternative principles to legal efforts at adjudicating public policy. The fields of law and legal studies—with their tendency to regard rights as “belonging” to individuals and to define disputes, problems, and solutions 3433 accordingly—seem ill-equipped to address programmatic, value-laden public administration issues. Water governance challenges courts to consider collective rather than individualistic understandings of rights; systemic remedies, and the concomitant obligations these entail for non-judicial state entities; substantive rather than simply procedural justice; and the indivisibility of political, civil, economic, social, and cultural rights. I argue that processes of legal adjudication and water governance are mutually constitutive, producing effects with both theoretical and practical importance for the study and promotion of public goods. The research process comprised the collection of historical and archival data on water and environmental management, water-related court cases, and key informant interviews in São Paulo, Brazil between 2009 and 2012. Court cases and policy documents were chosen based on explicit engagement with human rights (including housing, health, life, and environmental rights), and/or environmental sustainability as they manifest in the water and sanitation sectors. Documents and policies since Constitutional ratification in 1988—a key historical moment from the perspective of law—were collected electronically, through existing in-country archives, and through secondary sources, and were analyzed for principles of justice, human rights, and environmental sustainability. Semistructured “key informant” interviews lasting approximately 45 minutes were conducted with 40 lawyers, litigants, judges, water and sanitation experts, public administrators, activists, and other knowledgeable people. Interviewees were chosen based on their relationship to and interest in water governance and litigation in the water sector. Purposive sampling was employed to select people with a range of perspectives on water policy and governance. The recruitment process involved contacting respondents directly and through already-established networks of collaborators and interlocutors, as well as using snowball techniques with current respondents to recruit new ones. These “key informant interviews” are valuable tools for understanding relations among institutions and agencies, between institutions and communities, and among individuals within a context, as well as perceptions of—and struggles over—policy (see Evans, 1995). The analysis that follows highlights the sometimes contradictory policies required to address water sector challenges, and explores how legal actors have 3434 attempted to resolve such conflicts—for example between the need for services in irregular communities on the periphery of São Paulo and the need to protect the watershed on which they have settled. It seeks to elucidate the legal and moral content of water policy adjudication and evaluate the ability of law and courts to promote multiple core principles, including social and ecological justice and human rights. It also explores the emergent character of the legal field in São Paulo from the perspective of legal actors immersed in applying shifting conceptions of justice to urban water and sanitation challenges. It also highlights the drawbacks of an overreliance on legal mechanisms for addressing shortcomings in water policy. This work forms part of a larger research program examining water, sanitation, human rights, and sustainability in rapidly growing urban areas. 2 JUSTICE THEORY AND THE FOUNDATIONS OF SOCIAL POLICY Justice studies as a contemporary field of inquiry concerns itself not only with traditional concepts of criminal justice, but also with broader economic, political, environmental, and social inequities and harms that emerge from unequal power relations, entrenched privilege, discrimination, and marginalization. Applied to public policy, a justice analysis calls attention to moral questions by identifying winners and losers and clarifying the painful costs of exclusion suffered by actual people. Though many modern-day social sciences consider distribution and social welfare important goals for public policy, policy makers do not routinely analyze their decisions critically in terms of these moral ramifications. In public goods sectors, especially, this sort of reflection is important for understanding the nuanced political and social divisions that can undermine efforts to serve society’s most vulnerable members (Haglund, 2010). In the area of water governance, the focus too often has been on the technical dimensions of provision without due consideration of other values that permeate the sector. With the rise of neoliberal reform of public goods sectors in the 1980s and 1990s, in particular, a heavy emphasis on “market-based organizing principles” such as “correct” pricing, full-cost recovery, efficiency through competition, individualistic consumerism, and investor protections 3435 predominated (Haglund, 2010). These principles crowded out other policy options that foregrounded social, environmental, or political principles. A justice analysis brings a different set of “logics” to water governance (Syme et al., 1999; Syme et al., 2006; Haglund 2010). For example, discourses framing water as a human right redefine marginalized groups as rights bearers rather than consumers or recipients of public largess, and emphasize state duties as a necessary corollary. This creates new channels for leveraging government action in the service of poor or otherwise marginalized groups (Nelson & Dorsey, 2003; Young, 2009; Khan, 2009), not simply for the purpose of resource distribution, but also to elevate human dignity as a legitimate legal and policy objective (Kratochvíl, 2007). Environmental rights and justice can also introduce new perspectives on the relationship between humans and the earth, strengthening environmental protection for the sake of human wellbeing. When codified into law, this perspective can raise the status of environmental protection in ways that challenge environmentally destructive forms of economic “development” endemic to capitalism (Hancock, 2003: 2). Bringing justice questions into water governance also foregrounds new policy priorities, such as securing basic minimums, core competencies, sustainability, intergenerational justice, and fairness (Chapman, 2007; Nussbaum, 2003; Swyngedouw and Heynen, 2003; Syme et al., 2008; Lukasiewicz et al., 2013). It also makes explicit the social relations that constitute and reconstitute distributive outcomes. Justice is intimately connected to class, gender, ethnicity, and other social divisions, as policies affect groups differently depending on their position in the array of power relations (Agyeman, Bullard, & Evans, 2003; Swyngedouw & Heynen, 2003). Though there is sometimes incommensurability and incompatibility in policy goals, actual decisions with material consequences are still routinely made. Current material resources and power have a strong impact on who makes such decisions, and the final winners and losers are partly determined by how different principles are brought to the table and prioritized (or ignored) (Lukes, 2003). Technocratic approaches, for example, can obscure implicit value judgments that should be made explicit and debated: “Some assumptions that give the appearance of working very nicely and smoothly 3436 operate through concealing the choice of values and weights in cultivated opaqueness” (Sen, 1999: 110). Justice and human rights allow impediments to justice in private law and market arrangements to be scrutinized, and bring the force of law to bear on violations (Haglund & Aggarwal, 2011). While a justice framework adds depth and moral fiber to water governance, law and justice studies can also benefit from an examination of essential goods and services such as water and other “economic and social rights.” For one, the legal realm, and human rights in particular, have been criticized as individualistic to a fault (Rajagopal, 2003; Bakker, 2010). Water governance questions have the potential to move us beyond individualistic conceptions of rights to collective (or “diffuse”) rights, which, when adjudicated as such, have been shown to have a greater positive impact for marginalized populations (Gauri & Brinks, 2010; see also Bond, 2013 for a discussion of how individualized adjudication can undermine justice in water governance). Similarly, water governance compels us to consider solutions that are more programmatic and systemic than individual remedies (Grigg, 2008; Sofoulis & Williams, 2008; Ostrom, 2009; Pahl-Wostl et al., 2010). The obligations invoked by public goods, in particular when framed as human rights, depend on a robust planning and policy apparatus, and may require institution- and capacity-building (Haglund, 2010). These, in turn, are more likely to bring justice to groups of marginalized people rather than simply to isolated claimants (Pedriana & Stryker, 2012). Planning does not automatically lead to more just outcomes, but it increases the likelihood that justice will be included in decision-making processes (Swyngedouw & Heynen, 2003). Similarly, “justice through the lens of water” moves us beyond a consideration of mere procedure to ensure substantive realization. Whether courts can (or should) define the substantive core of social rights is a key area of debate for both legal scholars and actors (Klug, 2015). But for water managers, inadequate provision cannot be considered acceptable, no matter how “fair” the process. This substantive orientation also presents a direct challenge to one of the most intransigent outcomes associated with market societies: inequality (Stryker, 2007). Addressing ecological problems and promoting equity often mean state interventions in which some people must give up material benefits, in particular 3437 where scarcity or environmental needs limit the availability of water for allocation (Syme et al., 2006). Water justice thus forces us to confront, directly, the political problem of how to redistribute resources in a world of dramatic inequality and a deep reverence for markets as allocative mechanisms (Haglund, 2010). As one researcher put it, “water resources management is inherently political” (Mollinga, 2008). Resolving such conflicts requires attention to political inclusion. Though technical approaches to water did historically acknowledge voices associated with property rights, consideration of human rights is a more recent development. Public discussion and democratic evaluation are key inputs for determining what is of value to a particular community and for weighing policy options (Sen, 1999; Castro, 2007). Water governance thus draws our attention to the critical links between economic, social, and cultural rights on one hand, and political and civil rights on the other, as well as to so-called “third generation” rights, which stress our shared concerns for peace, sustainability, and common goods (Salman & McInerney-Lankford, 2004). The tight interdependence of these issues is evidenced in efforts to promote “integrated water resources management” (Grigg, 2008), and is reflected in the language of international water declarations. The Hague Declaration (WWC, 2000), for example, explains that water governance should reflect “its economic, social, environmental and cultural values for all its uses,” and “ensure… that the involvement of the public and the interests of all stakeholders are included” (p. 1). In the language of human rights, these are factors are “indivisible” and must be considered together in order to achieve holistic, rights-responsive water governance (Syme et al., 2008). In sum, just as justice considerations have the potential to alter both the thinking and practice of water governance, so the challenges of and strategies required for effective water policy could potentially compel a reconsideration of traditional legal concepts and processes of law. In the sections that follow, I explore the mutual relationship between water governance and the legal sector in São Paulo, highlighting their emergent characteristics and tensions. 3438 3 SOCIAL JUSTICE IN SÃO PAULO—THE ROLE OF LEGAL ADVOCACY In the greater metropolitan region of São Paulo, Brazil, close to 20 million people share water resources across multiple uses, from industry to recreation to basic household use. Despite relatively high levels of annual rainfall (averaging 52 inches per year), municipal demands require nearly half of its water to be brought from distant watersheds, increasing tensions between São Paulo and its municipal neighbors. Meanwhile, resources within the city have come under increasing strain due to urban expansion, poor planning, and, more recently, climate change. Engineering such a system is, by itself, a challenge; the addition of new logics— social justice, environmental protection, and political inclusion—brought to water management by constitutional reforms in 1988 only added to the complexity (Campos & Fracalanza, 2010). Early in its history, the São Paulo state water company, SABESP, took on the mandate of constructing a network for water provision and democratization sanitation and integrally decentralization linking policies the did metropolitan not area. explicitly Yet address disjunctures between this integrated but centrally controlled system and the new structure of integrated water resources management. The new approach took the integrity of water basins, rather than previous jurisdictional boundaries, as its governing unit, entailing not only a reexamination of illegal settlements on watersheds and riversides, but also participation by a wider array of local stakeholders. Basin committees were created that crossed existing political and jurisdictional boundaries without clearly stipulating a division of labor or a means for overcoming institutional, geographic, and social fragmentation (Abers & Keck, 2006). The constitution also did not specify whether state or municipal entities were responsible for sanitation, making SABESP reluctant to invest in infrastructure for fear that municipalities might claim these systems once constructed. Systematically incorporating new principles into larger, integrated, crossinstitutional planning processes in the water and sanitation sector has thus been halting and difficult. Despite some advances (Moura & Gorsdorf, 2011), divisions persist today. Conflicts over values, uses, and institutional responsibilities are 3439 increasingly adjudicated in courts, with São Paulo’s Ministério Público (MP, akin to a state prosecutor’s office) acting as a key advocate. From the perspective of social justice, legal adjudication presents both promises and potential pitfalls. On one hand, legal framing of issues introduces new logics—such as sustainability and human rights—into policy decisions, and legal interventions can provide new forms of leverage in struggles to promote equity and protect the environment. Court battles lay bare the interests of various parties in public policy, and thus have the potential to provide greater transparency regarding winners and losers and to shift the balance of power away from historically dominant groups and damaging practices. Finally, legal processes can reorient priorities of state apparatuses to respond to a wider range of demands, and provide a space in which, “the feasibility of specific social and economic claims can be investigated” (Gauri & Brinks, 2010, emphasis added). On the other, top-down legal processes can run the risk of disempowering communities and individualizing problems that are, at root, about social power. Further, specific legal interventions designed to solve one problem can create new problems and conflicts when they are not well articulated with other public policy goals. In the section that follows, I outline how, in São Paulo, courts and legal actors navigate this terrain. 4 BRINGING “JUSTICE” TO WATER GOVERNANCE IN SÃO PAULO Conflicts affecting the water sector did not originate with constitutional reforms. In Brazil, as in many other parts of the world, three potentially contradictory values are in constant tension: property rights (individual, industrial, and agricultural properties), environmental protection, and human rights. In the pre-democracy period, and to some extent thereafter, developmental elites and property holders in São Paulo could expect their interests to be included in planning and policy processes (Hochstetler & Keck, 2007; McAllister, 2008), though the same could not be said for the environment and human rights. In the 1970s and 1980s, environmental and pro-democracy forces began to agitate for changes (Hochstetler & Keck, 2007). Coupled with high-profile cases such as industrial pollution in Cubatão and the creation of a large ecological corridor 3440 (Parque Estadual da Serra do Mar), these struggles raised awareness, “provoking people to get involved and understand and take sides.”31 Pressures from social movements, state reformers, and the broader public in turn shaped constitutional reforms, which explicitly embodied environmental norms and social rights into law. Soon thereafter, the MP and courts grew in importance as arbiters in cases of explicit environmental and human rights violations (McAllister, 2008; Haglund, 2014). In contrast to traditional political negotiations, where “those who govern can be influenced by money and other things,” courts created what some saw as “a more balanced power dynamic.”32 One entity, in particular, played an important (and in the global context, unique) role in arbitrating conflicts involving the environment: the Special Environmental Chamber (Câmara Especial do Meio Ambiente) of the São Paulo state appellate court (TJSP, 2005). The creation of this Chamber in 2005 (and subsequent creation of a second chamber in 2012) was an innovative approach to the rising number of environmental claims emerging from strong, new environmental laws. Prior to its creation, environmental cases were distributed among the large number of judges in different chambers of the appellate court, leading to a “multiplicity of opinions that could never guarantee jurisprudential consensus,” as well as to sometimes worrisome delays (Nalini, 2008). The hope was that creating a single chamber—where a core group of judges with shared institutional knowledge regarding environmental litigation—could alleviate uncertainty, promote consistency, and avoid contradictions in legal judgments. It was also a “signaling mechanism” for public administrators and citizens alike that environmental issues were going to be taken seriously by the courts. There is no doubt that in São Paulo, principles of environmental protection and social rights have gained prominence in water governance as a result of these legal and institutional shifts. SABESP managers explicitly market the company as the champion of both sustainability and rights, and indeed, the state responds quickly when people lack access to water. Judges in the Special Environmental 31 Personal Interview with Ricardo Cintra Torres de Carvalho (Judge), Presidente, s/prejuízo, Câmara Especial do Meio Ambiente, 22 March 2012 32 Personal Interview with Claudia Maria Beré, Promotor de Direitos Humanos (formerly of Housing and Urban Development), MP, 2 April 2012 3441 Chamber express a range of commitments to human rights in their rulings on water and sanitation. For Judge Antonio Celso Aguilar Cortez, individual property rights are rightly questioned when they violate other constitutionally protected rights: “Our job is to make sure that constitutional promises are not empty.” Judge Zelia Alves had a similarly expansive view: “I consider all aspects of protection [in my judgments about water]: rights, environment, etc.; I also consider future generations, and think about collective needs.” Yet tensions between property rights, environmental rights, and social rights are not always readily reconciled, and some analysts believe that stronger environmental laws have in some cases weakened human rights.33 Judges may attempt to sidestep controversy by looking to the letter of the law for answers, but this can lead to conflicting impulses: “Human dignity trumps other considerations; but property rights are at the same level… they are a part of human dignity.”34 There is little room in judicial processes for the community-based discussions and ongoing political engagement necessary to mediate particularistic interests and incommensurate values (Syme et al., 1999; Power & McCarty, 2006). But despite the fact that law is not a panacea, one reality is inescapable for judges in the Special Environmental Chamber, “everything involves human rights… There’s nothing we hear that doesn’t.”35 What that means for justice norms is that, though they have been “institutionalized” (embodied in the constitution, law, and courts), further instrumental, strategic, and discursive interventions are often necessary for them to become practices (Haglund & Aggarwal, 2011). In São Paulo, the range of instruments, both formal and informal, employed by rights-holders and advocates to hold duty-bearers to account has shifted in recent years (McAllister, 2008). Prelitigation instruments of negotiation, pressure through publicity of violations, and emergent types of public-spirited lawsuits have enhanced the leverage and boosted the legitimacy of judges and lawyers to hold states or companies 33 Personal Interview with Marussia Whately, Sociologist; Former coordinator “Programa Mananciais,” Instituto Socioambiental, 28 March 2012 34 Personal Interview with João Negrini Filho (Judge), Câmara Especial do Meio Ambiente, 21 March 2012 35 Personal Interview with Zélia Maria Antunes Alves (Judge), Câmara Especial do Meio Ambiente, 30 March 2012 3442 accountable (Hochstetler & Keck, 2007; Haglund, 2014). The MP and courts use their positions to raise the awareness of public administrators about their obligations regarding human rights and environmental protection. As one prosecutor explained, “Article 6 [of the Constitution] talks of social rights. This is the law. The administration needs to know this is their responsibility.”36 Legal actors also put public administrators on alert: “environmental secretaries are …taking more care to do their jobs because they know they might have issues under their purview adjudicated.”37 Lawsuits are a powerful last resort when public policies have failed. As one judge argued, “issues only come to court if they were not done properly by public administrators, so it’s logical that the court [and] the MP come at this point to fill the gap between the law and compliance [with human rights to water and sanitation].”38 Government inaction is harder to justify when justice principles are backed by human rights and environmental law, and when prosecutors and judges have legitimacy to argue that state funds are being poorly administered (Haglund, 2014).39 The introduction of justice principles to water governance has shifted state priorities in ways both expected and unexpected. Emerging logics of environmental protection and human rights, defended through new laws, legal pressure, and lawsuits, spurred a shift away from simply expansion of water provision (São Paulo has had relatively high rates of coverage since the 1990s) toward construction of a sanitation infrastructure. Local teams of prosecutors and magistrates worked closely with the main water company (SABESP’s) lawyers “to clarify technical and operational requirements” and design plans for compliance.40 Legal interventions had a direct impact on SABESP’s internal operations, in Personal Interview with Jose Carlos de Freitas, Promotor de Habitação e Urbanismo, MP, 4 April 2012 37 Personal Interview with Ruy Alberto Leme Cavalheiro (Judge), Câmara Especial do Meio Ambiente, 22 March 2012 38 Personal Interview with Alves, supra n. 5 39 Personal Interview with Freitas, supra n. 6 40 Personal Interview with Adriano C. Stringhini, SABESP, Superintendente, Superintendência de Comunicação, email correspondence with the author, 12 December 2012 36 3443 particular through the training of company lawyers in environmental and regulatory law and the creation of an environmental law department. The effects of this legal intervention can also be seen in the “regularization” process in marginal communities. For many decades, sanitation was not a high priority for municipal governments (Whately & Diniz, 2009), in part because of the relatively fewer resources allocated to sanitation in comparison with water or other development projects.41 There were also greater incentives for state actors to respond quickly to water deficiencies (people are less likely to mobilize around dimly perceived sewage issues),42 and a hesitation to invest in projects with an uncertain property status (as mentioned above). But as the MP and courts began to put tremendous pressure on SABESP and municipalities to install sanitation infrastructure (Santoro, Ferrara, & Whately, 2009), it began “developing very rapidly.”43 Investments for regularization of favelas in the Guarapiranga watershed, for example, increased by 600% between 2001 and 2007, benefitting a reported 9,659 families (SSE, 2009). TABLE 1. Investments in sanitation infrastructure: Guarapiranga watershed Year Total (Reais) 2001 13,746,000 2002 15,072,000 2003 15,719,000 2004 37,868,000 2005 52,916,000 2006 71,955,000 41 Personal Interview with SABESP managers and technicians: Wagner Luiz Bertoletto, Gerente de Departamento Comercial e Marketing Sul - MSM; Nercy Donini Bonato, Gerente de Departamento de Planejamento Integrado Sul - MSI; Sergio Vieira Silva, Setor Escritório Regional do Grajaú; Sidnei Ferreira Ramos, Geógrafo, Departamento de Planejamento Integrado Sul – MSI, 27 July 2009 42 Personal Interview with Pedro Jacobi, Profesor Titular, Faculdade de Educação e Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM), University of São Paulo, 29 June 2009 43 Personal Interview with Antonio Celso Aguilar Cortez (Judge), Câmara Especial do Meio Ambiente, 21 March 2012 3444 2007 84,065,000 Total 291,341,000 Source: Housing Secretary (Secretaria da Habitação), São Paulo Prefecture. Though the regularization programs did not and could not solve the many intertwined problems facing urban slums in São Paulo, they indicated a marked departure from the status quo with regard to favelas in watershed areas. The legal cases, and the social justice principles upon which they were based, played a key role in the acknowledgement and attention to populations that had previously been repressed or willfully ignored by municipalities and public administrators. They provoked action where there had been decades of inaction, and created incentives for local governments and state entities to take responsibility for working together to solve water governance problems. Justice considerations in water cases also highlight the differential effects of water policy on vulnerable versus elite populations. Rather than strictly following the letter of the law without weighing the justice implications of their rulings, judges are now being asked to consider these implications, and many of them are doing so: there was a case in San Sebastian where a widow bought a piece of land next to the river with her insurance money. The MP asked that she be moved so the area could be restored. The ruling was that she HAD to move. But since the municipality had authorized her to build the house in the first place, they were held responsible for finding her a new place to live of comparable quality. This is a social concern. She was poor. On the other hand, I gave a ruling about 22 houses in a luxury area, also at the edge of river. Too bad for them. The municipality didn't have to pay but they had to move. It is appropriate to consider the situation of the residents.44 The argument here is not that poor communities have an equal chance of receiving favorable legal rulings to remedy injustices. The case of Pinheirinho— where in 2012, following a court order, a community of approximately 1,600 families was violently displaced and their homes destroyed—belies such simplistic conclusions. The logic of the law is not to question underlying forms of capitalist development. But new norms, mechanisms, and points of intervention on behalf of Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7 44 3445 vulnerable populations create the potential for shining light on previously shadowy arrangements, exposing winners and losers, and providing leverage for social movements to challenge the logic of public policy. Indeed, this is what many movements have done, including the União Dos Movimentos Da Moradia, which mounted large protests in front of the São Paulo justice tribunal in the weeks following the Pinheirinho incident and filed a formal legal complaint alleging human rights violations.45 Another example is SOS Rios, which frequently mobilizes its constituents to engage with the MP to hold public administrators accountable for environmental pollution.46 These cases provide avenues for resistance, and provide additional resources to evaluate and judge policies based on their adherence to justice principles. 5 IMPACT OF WATER GOVERNANCE DEMANDS ON THE LEGAL FIELD IN SÃO PAULO Not only are legal struggles over resources shaping state orientations and behaviors in São Paulo, but also, and conversely, demands of water and sanitation governance are shaping the meaning of, and approaches to, constitutionally secured rights and protections. New legal norms and mechanisms used to promote visions of social justice confront a long-standing legal tradition that relies heavily on theoretical principles and doctrinaire reasoning. The civil law tradition as it is practiced in Brazil leads to an abstract, systematized way of thinking that “does not really teach students how to solve administrative problems.”47 A review of completed theses from the University of São Paulo Faculty of Law (the oldest and most highly revered law school in the country) confirms this, revealing a formalized training that tends to eschew empirical issues. Each branch of law is considered a separate, autonomous science, so when there is overlap (for example, in complex water and sanitation cases Personal observation, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, March 2012. 46 Accessed 24 October 2013: http://sosriosdobrasil.blogspot.com/2013/08/acao-civilpublica-do-mp-de-sp-obriga.html 47 Personal Interview with Diogo Coutinho, Associate Professor, University of Sao Paulo Law Faculty, 9 March 2012 45 3446 involving both environmental law and human rights), it may lead to disarticulation and disharmony among actors in practice. In the MP, it can be difficult for lawyers to keep the whole picture in mind. Legal training does not teach problem solving through law. Law itself is the end. Students do not get training in looking at complex social problems or understanding problems empirically.48 Judges are trained in broad categories of “public” or “private” law, but the idea of specialization in a substantive area such as water is only nascent.49 Large municipalities might have judges who specialize in public law with an emphasis on the environment, but this is voluntary: Generally it is judges who have an interest in the environment that move in this direction, but sometimes it is just if there is an opening on the bench, and then they learn as they go. There is no specialized training beyond law itself unless the judge seeks it.50 Because of this training and the relatively conservative nature of the Brazilian courts vis-à-vis social rights claims (Gauri & Brinks, 2010), there is resistance to becoming involved in policy questions. Though much of the state went through a transformation toward a more liberal engagement with social justice with the rise to power of the Workers’ Party (PT), this shift has yet to permeate the judiciary. As one judge told me regarding illegal settlement on watersheds: The problem of housing is not a problem of judges. It is a problem of public administration. I do my part as a judge, and administrators do their part. If settlers move to another protected area, we deal with that when it happens. Some judges try to fix a problem by saying “move, but only when [the people find housing].” This fixes and doesn't fix the problem. I prefer to fix the problem I have control over, and let the 51 administration deal with their problems. This attitude contrasts with the more activist role courts have played in questions of water governance in places like South Africa and India. According to some environmental experts, attempts to find solutions to complex water and sanitation problems by turning to the law, rather than analyzing the empirical situation, is insufficient: “I am skeptical of the ability of courts to improve the 48 Personal Interview with Luis Roberto Proença, Promotor de Justiça do Meio Ambiente, MP, 14 March 2012 49 Personal Interview with Freitas, supra n. 6 50 Personal Interview with Cortez, supra n. 13 51 Personal Interview with Carvalho, supra n. 1 (emphasis added) 3447 situation because… their vision is not broad enough, and they are not thinking like environmental specialists.”52 Interestingly, however, it is precisely problems of watershed protection and sanitation infrastructure in São Paulo that are forcing lawyers and judges to move beyond legal abstraction to more grounded decision-making. The uneasy truce between property rights, environmental protection, and social justice is not well mediated by abstract law, and judges and advocates are thus faced with reevaluating the nature of law and their own role in ensuring justice and protecting resources. As the aforementioned judge who eschews administrative problems acknowledged, the law may dictate that people leave a watershed, but “there are definitely cases, for example when land use is consolidated and in some ways serves the public interest, where the law cannot be applied; I don't rule to change that situation.”53 There had been a historical tendency for higher courts to forbid judicial intervention in policy questions with budget implications, as most water and sanitation cases do.54 But more recently, a regional appeals court ruled that municipalities can be prosecuted for failing to provide sanitation (TRF4, 2011). Another area where legal tradition tends to clash with more recent social justice demands is in the individualized nature of much litigation. Individualized litigation in the water sector can lead to negative outcomes for communities (Bond, 2013; Bakker, 2010). Though Brazilian courts still retain a preference for individualized adjudication (Hoffman & Bentes, 2010), the Brazilian Constitution of 1988 (Article 129-III) explicitly gave the MP powers to “promote civil investigations and public civil actions for the protection of public and social patrimony, of the environment and of other diffuse and collective interests.” Water and sanitation provision are quintessentially “collective” in that identifiable groups of people (all) have an interest in having access, as well as “diffuse” in that good water governance affects society as a whole (see McAllister, 2008: 199). Collective cases have become more numerous in recent years, which has meant that judges Personal Interview with Maria Luiza Granziera, Professor of Environmental Law, Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), 27 March 2012 53 Personal Interview with Carvalho, supra n. 1 54 Personal Interview with Ronaldo Porto Macedo Júnior, Procurador de Justiça, MP, 13 March 2012 52 3448 in São Paulo increasingly must confront potential contradictions between defending individual rights in the present and protecting collective or diffuse interests in the present and future: Providing sanitation now is part of our legal obligations… Protecting the environment for future generations is also in the law, and is considered fundamental. Sometimes these broader, societal and future generation rights trump individual rights.55 In fact, the newly created Special Environmental Chamber sees very few individual cases, and most of those concern individuals who are fighting penalties they have received for environmental violations. The chamber was created specifically to handle cases with wider societal impact, and it tends to attract judges who are open to collective cases, 56 creating an iteratively more receptive approach to systemic change.57 Prosecutors, as well, have had to modify single-minded pursuit of individual remedies in water and sanitation cases in order to address multifaceted challenges: Balance is hard to find because sometimes when you honor one right, you put another at risk. There is not always money in the public purse to move people to housing. Environmental problems are not always remedied… We seek to have a balance.58 The complexity of these cases has provided opportunities for novel legal approaches to problem solving. In the case of Cocaia, a favela alongside Billings Reservoir that had no sanitation system, the residents purchased their land from someone who did not own it, and built their houses there. The real owner won a lawsuit establishing his property rights, and began a suit against the water company, SABESP, for installing sanitation on his land. SABESP and municipal lawyers met and agreed to tell the property owner that either he could let them build the infrastructure, or they would take him to court for environmental violations. The state actors prevailed. As one water expert close to the case 55 Personal Interview with Negrini, supra n. 4 56 Personal Interview with Cortez, supra n. 13 57 Personal Interview with Carvalho, supra n. 1 58 Personal Interview with Freitas, supra n. 6 3449 recounted, “If it had only been about human rights, they wouldn't have had this leverage.”59 Case-by-case litigation similarly can create obstacles to addressing complex challenges. Though at first glance, cases seem better tailored to empirical realities, they also tend to miss the big picture in thorny governance issues. Public prosecution in São Paulo tends to be individualistic, with no clear hierarchy and few mechanisms for coordination among prosecutors (Proença, 2006; Haglund, 2014). In this situation, individual cases potentially become disconnected from broader MP or societal goals. The way cases are admitted and processed can exacerbate this piecemeal approach: Prosecutors wait for cases to come to their desk, and then handle them one by one. It’s hard to have a broader strategy because they feel obliged to take on every case… It becomes very bureaucratic rather than programmatic… There are a few instances where the big picture comes in, like the MP enforcing the rule that the state has to have a planning document for the environment every year. But it is more common to have individual cases that are not really linked to the whole picture.60 As cases move through appeals at the state or federal level, different prosecutors are brought in than the one who originally researched and defended it, creating fragmentation in the case narrative. These lawyers “might even take the opposite position from the original prosecutor,” and may “have no contact with the original prosecutor.”61 Appeals are thus fought by people who may have little knowledge of, and sometimes no interest in, the original case. Fragmentation in the MP and in courts has left little room for coordination and dialogue between the judiciary and other branches of government, an important ingredient for improving public policy (Verissimo, 2006). But there are signs that the demands of the water sectors may be forcing a more programmatic approach. In some smaller municipalities, there are specialized prosecutors whose jurisdictions follow ecological rather than administrative boundaries, and who have Personal Interview with Ricardo Araújo, Former Coordinator, Programa Mananciais, Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (SSE, now SSRH), 3 April 2012 60 Personal Interview with Proença, supra n. 18 61 Personal Interview with Proença, supra n. 18 59 3450 the authority to file legal suits across such boundaries.62 This model may encounter difficulties functioning in an area as large as São Paulo, but it offers a glimpse of some of the creative solutions being put forward to address the realities of water governance. As the number of “collective” cases and the resulting tension between legal and administrative interventions grow, so does the need for systematic, coordinated remedies that serve the collectivity. Despite the frustration or resignation that many judges expressed regarding administrative issues beyond their control, they nevertheless did not turn away from their legal duties: “We are trying to help improve the system as a whole… These issues need to be adjudicated.”63 Most of the judges interviewed pointed to concrete changes that have resulted from the formidable demands of water governance, including increased specialization in environment and human rights as part of legal training, a growing literature regarding social rights, and faster judgments and quicker resolution of environmental problems due to the accumulation of precedent. Though there was no real tradition of working together among legal and non-legal organs of the state until very recently, due to the urgent demands of watershed management, there have been improvements.64 Programa Mananciais (SSE, 2009) (the Watershed Project), for example, evidenced an unusual degree of institutional articulation in “regularizing” favelas. The plan was complex— involving the municipality, the MP, the state, and the federal government—and its environmental component entailed moving settlers from certain preservation and risk areas, as well as building sanitation and other infrastructure to protect the remaining resources.65 Though the case-based approach of the MP was criticized by some for requiring intervention only in select areas to the possible exclusion of others or the big picture,66 in the context of the plan as a whole, the MP served an 62 Personal Interview with Macedo, supra n. 24 63 Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7 64 Personal Interview with Araújo, supra n. 29 65 Personal Interview with José Eduardo Ismael Lutti, Promotor de Justiça do Meio Ambiente, MP, 14 March 2012 66 Personal Interview with Paula Freire Santoro, architect; former researcher with Instituto Pólis, 5 April 2012 3451 important accountability function. And importantly, as these projects are designed and implemented, “the tradition of success builds on itself, builds capacity.”67 Capacity is a crucial point of necessity as policy is increasingly “legalized” (Gauri & Brinks, 2010). Whether judges are qualified to evaluate the needs of the water sector when their expertise is in law is a point of stringent debate. Judges in the Environmental Chamber are aware of the need to consult with experts to help them evaluate the substantive, technological dimensions of a case, and they often do so. “Peritos” or “specialists” (doctors, engineers, lawyers, etc.) who assist on cases are often public (e.g., university) employees, in which case they are obligated to make evaluations, often without payment.68 They might also be private actors, in which case the judge or other person asking for support must provide compensation, either by asking the defendant or the MP to pay.69 Some judges even take on investigative responsibilities themselves: I had a case in the interior regarding water - a conflict between neighbors. They didn’t have an engineer to investigate, so it came to me. I went out there, saw the place, asked some friends about it, went to the library, and got to the bottom of it. Judges have this responsibility. 70 Though most judges interviewed believed they had sufficient technical support to make informed decisions, many respondents had mixed feelings about this system, in particular due to the fragmented, individualized approach it fosters, the uneven guidance it provides judges depending on their connections, and the burdens it potentially places on public professionals. There is an additional risk of biased assessments: Sometimes the private specialists have their own interests, as they work for the businesses in the area or have connections with people who degrade the environment. The specialists might depend for their income on agriculturalists or business people. Judges and courts don’t have their own technical evaluation teams, and they should. 71 Personal Interview with Araújo, supra n. 29 68 Personal Interview with Cristina Godoy, Promotora de Meio Ambiente, CAOs, MP. 4 April 2012 69 Personal Interview with Alves, supra n. 5 70 Personal Interview with Cavalheiro, supra n. 7 71 Personal Interview with Nelson Bugalho, Director Vice-President, CETESB; former Promotor de Justiça, MP, 10 April 2012 67 3452 The reality of judges making difficult decisions about water and environmental governance under less than ideal circumstances has led to calls for a more formal system of coordinated, funded, and substantive evaluations and support. The MP is somewhat better positioned in terms of technical support, in that they have internal investigation teams consisting of engineers, biologists, and others called CAEX (Technical and Enforcement Support Centers), as well as the similarly named CAOs (Operational Support Centers), which offer mainly legal and judicial support for prosecutors.72 Theoretically, CAOs could help with coordination among prosecutors and reduce conflict within the MP, but they have not performed this role, in part because “it has been difficult to convince prosecutors to work in concert.” 73 Some prosecutors have, however, taken it upon themselves “to translate complex [water and sanitation] cases for judges, who have the legal competence, but not necessarily the technical know-how.74 Again, according to some interviewees, water governance demands that these kinds of Operational Support Centers be developed across problem areas, and that they incorporate both legal and non-legal actors in information sharing, problem evaluation, and intervention. Although there is widespread agreement that better mechanisms of coordination would be helpful, and in isolated instances they are being considered and developed, such mechanisms are still in short supply. One of the barriers to their creation, besides institutional fragmentation, is cost: “Sometimes there is a shortage of specialists to evaluate a complex case. There should be a fund to pay for this. Some judges ask the defendant to pay, but others don’t.”75 The cost of addressing problems, as well, often is not part of legal discourse. As mentioned above, it was previously forbidden for judges to weigh in on budget allocation, and prosecutors steered clear as well: 72 Personal Interview with Lutti, supra n. 35 73 Personal Interview with Macedo, supra n. 24 74 Personal Interview with Carlos Salles, Procurador de Justiça, MP. Professor, USP Direito, 28 March 2012 75 Personal Interview with Beré, supra n. 2 3453 The role of prosecutors isn’t to consider the costs of fixing a problem. That’s not their job. They just make the arguments of what is wrong and how it is violating the law. Cost comes into the picture when they point out the cost to the government of sickness, or of having to retrieve water from further away, or whatever.76 But ignoring costs considerations does not make them go away. As with capacity-building, complex water challenges highlight the need for methods of incorporating cost considerations into legal interventions. Recently, higher courts have recognized that even questions of budget allocation can be adjudicated (TRF4, 2011). Judges do at times allow the issues of cost to enter their judgments, if only because they prefer not to make a “doomed” ruling (Gauri & Brinks, 2010): Judges do try to account for cases when the state cannot afford the steps required to remedy a problem (as in small municipalities). If there is a case where the problem has gone on for 20 years and nothing has been done to remedy [it], however, we start losing confidence in this argument… On the other hand, if something is simply impossible, the courts are not going to rule in favor of it.77 One other way in which the challenges of water governance redirect the gaze of legal actors is with substantive effects. As mentioned above, Brazilian legal actors are trained to approach their work with a theoretical orientation, rather than focusing on empirical outcomes (intended or unintended).78 But whether or not desired outcomes are achieved is an urgent question in the water sector because of the serious consequences of mismanagement for human wellbeing and the environment: “[Legal] delays are the real problem; sometimes the environment cannot wait.”79 In response to this reality, some prosecutors look for creative ways to avoid litigation, including working directly with administrative agencies, indirectly threatening litigation, or otherwise compelling pre-litigation legal compliance.80 There is one area of water governance that was strongly emphasized with Brazilian constitutional reforms that has not been well incorporated into the legal field in São Paulo: the importance of democratic participation. Conceptions of Personal Interview with Lutti, supra n. 35 77 Personal Interview with Negrini, supra n. 4 78 Personal Interview with Marcos Veríssimo, Assisstant Professor, University of Sao Paulo Law Faculty, 9 March 2012 79 Personal Interview with Cortez, supra n. 13 80 Personal Interview with Macedo, supra n. 24 76 3454 water governance that incorporate justice principles must interrogate who makes decisions based on what criteria, by what means and to what ends, as well as how “common citizens participate in the determination of those ends and values, and in the identification of the means for pursuing them” (Castro, 2007). In the legal cases discussed here, it is largely lawyers and courts that argue the value of different routes of action. This may be partly by choice (Haglund, 2014): There has been very little NGO inclusion in MP cases. They ask the MP or other public defenders to do it instead. They would have to have money and hire a lawyer. These are poor peoples’ organizations, and thus are poor themselves. They also believe judges are more receptive to the MP or Public Defender, though I don’t necessarily believe this.81 Some aspects of justice are well served by the fact that the MP, with its greater resources, is required to investigate all cases brought to its attention. But other concerns such as “voice,” representation of all views and values, and sufficient and clear communication among all stakeholders are more elusive. Decision-making that gives priority to experts with little public consultation may result in policies that come across as a fait accompli, causing misunderstandings, resentments, and conflicts that last for years (Nancarrow & Syme, 2001). There are other venues for citizen participation in water governance in São Paulo, such as water basin committees. But the key point here is that the full range of “human rights” that a justice approach to water governance would consider “indivisible” are not currently incorporated in a holistic fashion in judicial processes. This is a tension—at least for water governance—as demands for political, civil, economic, social, and cultural rights in their entirety are an integral part of holistic water management. 6 CONCLUSION: THE MUTUAL CONSTITUTION OF WATER GOVERNANCE AND JUSTICE The analysis presented in this paper is preliminary, in that not all potentially relevant documents could be obtained and examined, nor every relevant actor interviewed. Some initial observations can be made, however, regarding the 81 Personal Interview with Beré, supra n. 2 3455 mutually constitutive nature of water policy and the legal field in São Paulo. Democratization brought new legal mechanisms to protect and promote the rights and aspirations of Brazilians, and prioritized new logics for public administration— social justice, environmental protection, and political inclusion. Challenges and barriers to realizing these aspirations, including the complexity and the magnitude of the social problems themselves, facilitated a turn to courts to resolve discrepancies between norms and on-the-ground realities. Courts and law have provided new forms of leverage to promote transparency, to question historical domination and destructive development practices, and to force public administrators to justify their priorities. While law is not a panacea—it is not designed as a planning device, and legal empowerment of poor communities is limited—legal norms open up a range of strategies, both formal and informal, for promoting accountability, raising awareness, and fostering responsive government. Water governance in São Paulo is unquestionably influenced by the multiple (and sometimes conflicting) norms of human rights and environmental protection embodied in law and the constitution. Legal interventions on behalf of these norms (or the threat thereof) have led to vigorous discussions among institutional actors in the water company, the regulatory agency, the MP, and the private sector about policy priorities and alternative strategies for complying with legal obligations. Court judgments have helped to clarify expectations, and set clear limits regarding when and how compliance must occur. The rapid development of sanitation infrastructure and “regularization” of marginal communities are two examples of policy arenas where law has played a key role. Court cases have also called attention to differential effects of water policy decisions on poor communities versus wealthy developers, thus providing new points of leverage for social movements seeking to challenge existing power relations and distribution of resources. The legal field thus has the potential to act as an “anti-systemic force… tasked with prioritizing social and environmental values over the interests of capital accumulation” (Hancock, 2003: 7). However, the results also indicate that despite these emerging dynamics, legal strategies do not necessarily address structural and political barriers to justice, or overcome 3456 entrenched interests or contradictions among policy goals. A more systematic coordination among policy objectives and more vigorous inclusion of alternative voices would be needed to overcome barriers to a “just sustainability” (Agyeman, Bullard, & Evans, 2003). Future research on these dynamics would undoubtedly be beneficial for communities, human rights, and environmental advocacy. Meanwhile, as water and sanitation issues are increasingly adjudicated in courts, legal actors are forced to reconsider historical conceptions, assumptions, and behaviors, opening the possibility for a more robust engagement with collective and diffuse rights, programmatic solutions, substantive outcomes, and the full range of human rights. The inherent “collective” and “diffuse” nature of water and sanitation rights has allowed lawyers to put forward novel arguments for preventing harm to broader constituencies (even those not yet born), and judges to consider these impacts. The systemic breakdown of certain aspects of water governance, in particular watershed protection and sanitation infrastructure, have led legal actors to pinpoint failings of specific public administrators and institutions, thus creating targeted pressure for concrete, programmatic shifts, as well as for institution- and capacity-building to remedy shortcomings. There is still room for improved coordination across cases and institutions, and within geographic contexts, as well as improved turnaround time and more effective participatory governance mechanisms. But emerging developments—in particular, the creation of two Special Environmental Chambers and calls for improved legal education and support in relation to complex environmental policy issues—are promising. The use of law to adjudicate tricky social problems has also had the effect of broadening the vision of judges and lawyers beyond their formal training and expanding the meaning of “justice.” Though some judges contended that they were simply upholding the law, several others saw themselves as protecting the interests of society as a whole: Interviewer: Do you see yourself as a protector of social rights? Interviewee: Yes, as well as a protector of cities and the environment, and someone who protects the public against global warming and other environmental problems.82 82 Personal Interview with Alves, supra n. 5 3457 This statement is not mere hyperbole, in the sense that judges in the Special Environmental Chamber are being asked to lead the way into uncharted territory with few resources or legal precedent. The expectations are high: “It is historic; the judges are providing a great service to São Paulo and to the country.”83 Of course, these shifts in the role, perception, and action of the judiciary are not guaranteed, but rather, are contingent, newly emerging resolutions of tensions between traditional justice principles and the demands of integrated, holistic, and responsive water governance. Formal institutional and legal mechanisms do not operate alone, but work iteratively with social struggle to influence the degree to which water governance is premised on ideas of social justice. 7 ACKNOWLEDGEMENTS This research was made possible through an award granted by the J. William Fulbright Foreign Scholarship Board and the Brazilian Fulbright Commission. The author would like to thank Diogo Coutinho, Pedro Jacobi, Ronaldo Macedo, Luis Roberto Proença, and Marussia Whately, as well as all interviewees, for their generous and invaluable support in carrying out this research. All errors and omissions are solely the responsibility of the author. REFERENCES ABERS, R. & KECK, M.. (2006). Muddy waters: The political construction of deliberative water basin governance in Brazil. International Journal of Urban and Regional Research, 30(3), 601–622. AGYEMAN, J.; BULLARD, R. D., & Evans, B. (2003). Intro – Joined-up thinking: Bringing together sustainability, environmental justice, and equity. In Agyeman, J., Bullard, R. D., & Evans, B., Just Sustainabilities: Development in an Unequal World. MIT Press, Cambridge, MA. Statements made by Daniel Fink, Prosecutor, MP, before the first Environmental Chamber, 29 March 2012 83 3458 BAKKER, K. J. (2010). Privatizing Water: Governance failure and the world's urban water crisis. Cornell University Press, Ithaca. BOND, P. (2013). Water rights, commons, and advocacy narratives. South African Journal on Human Rights, 29, 125–143. CAMPOS, V. N. O. & Fracalanza A. P. (2010). 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Diante deste cenário, a presente pesquisa tem por problema central a verificação dos contornos legais e teóricos do direito à moradia e do instituto da desapropriação, perquirindo a respeito da viabilidade deste último enquanto instrumento a serviço da implementação do direito à moradia. Nestes termos, busca-se constatar quais os limites e potencialidades do instituto, bem como a forma como ele vem sendo aplicado na prática. Para tanto, inicialmente, realizar-se-á uma revisão da literatura sobre o assunto e da legislação concernente, para posteriormente desenvolver uma pesquisa qualitativa, do tipo documental, consistente na análise de julgados, com a pretensão de apurar, na prática, como as modalidades de desapropriação do imóvel urbano vêm sendo relacionadas com a efetivação do direito à moradia pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Comarca de São Paulo, no período entre 2011 e 2015. Com tal metodologia espera-se lançar luz sobre os delineamentos atuais do direito de propriedade, da desapropriação e da efetivação do direito à moradia, um dos sustentáculos da dignidade da pessoa humana, e cuja implementação abrange inúmeros desafios a serem superados num esforço que perpassa pelo conhecimento e aplicação racional dos instrumentos fornecidos pelo ordenamento jurídico, entre eles, a desapropriação. PALAVRAS-CHAVE: moradia urbana; direito de propriedade; desapropriação; análise jurisprudencial. 1 INTRODUÇÃO 84 Artigo decorrente de pesquisa financiada pelo Convênio FAPESP/CAPES - processo nº 2014/21287-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da FAPESP. 3463 Conforme revela o relatório World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, Highlights (ONU, 2014), elaborado pelo Departamento de assuntos econômicos e sociais, divisão de população da ONU, no século XXI o equilíbrio entre a população rural e a urbana mudou irreversivelmente: o ano de 2008 marcou o início de um mundo predominantemente urbano e as projeções apontam que em 2050 o total da população urbana no planeta atingirá a marca de 66% (UNITED NATIONS, 2014). Neste cenário majoritariamente urbano, é frequente a associação da vida nas cidades a maiores níveis de alfabetização, melhor saúde, acesso a serviços sociais, ampliação de experiências culturais, participação política, entre outras facilidades, não obstante, a observação atenta da realidade em inúmeros países, principalmente os considerados “em desenvolvimento”, revela que o rápido crescimento urbano não planejado coloca por terra a garantia de que os benefícios da vida urbana serão equitativamente partilhados por toda a população (UNITED NATIONS, 2014). Especificamente em relação ao cenário brasileiro, dados do Censo demográfico de 2010 indicam que desde 1970 a população urbana supera a rural, atingindo o número de 160.925.729 habitantes em 2010 (IBGE, 2010). Desta feita, ao menos a partir da década de 70, a questão urbana integra, ou pelo menos deveria integrar, as preocupações da sociedade brasileira e dos poderes públicos (BARBOSA; LEITE; MACHADO, 2011). Ocorre que, em virtude do padrão e da dinâmica do processo de urbanização no Brasil, o crescimento urbano, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento econômico, também tem gerado um processo ascendente de exclusão social e segregação territorial. Mais e mais indivíduos e grupos excluídos da economia urbana formal são impelidos a viver em regiões indevidamente urbanizadas, contribuindo para a baixa qualidade de vida nas cidades, para a degradação ambiental e para o aumento da pobreza (FERNANDES, 2001). É neste contexto que a efetivação do direito à moradia se insere como questão fundamental na dinâmica da vida urbana, ligando-se estreitamente aos 3464 esforços para a atenuação das situações de desigualdade social e territorial nas cidades, em especial as brasileiras. Em suma, Elisabete Maníglia expõe de forma clara o contexto por trás desta pesquisa: A notícia de que o mundo terá, a partir de então, segundo as previsões demográficas, 7 bilhões de pessoas como população, é em parte assustadora numa perspectiva jurídico social. A preocupação com o nível de vida destes povos, do que eles se alimentarão e como será a história de cada nação para manter a dignidade de cada cidadão é algo para se pensar coletivamente. Neste sentido, nada mais apropriado que a Universidade, em particular as ciências sociais aplicadas para propor uma discussão que reflita sobre direito, políticas públicas e sustentabilidade. Independentemente de ideologias, é necessário prover a discussão de caminhos que indique diretrizes de melhoria para o mundo, que neste instante, de forma assustadora discute a crise econômica, deixando a mercê a reflexão sobre a desigualdade, a miséria e a injustiça (MANÍGLIA, 2011, p. 5). Assim, não se olvidando a interdisciplinariedade e complexidade do tema, o estudo, que ainda está em andamento, tem por objetivo geral discutir, de uma perspectiva jurídica, um dos caminhos pensados pelo legislador para fazer valer nas cidades brasileiras o aclamado interesse social: busca-se analisar o instituto da desapropriação enquanto instrumento de efetivação do direito à moradia. Esta análise perpassa, portanto, pela verificação dos contornos gerais da proteção do direito à moradia no âmbito nacional e internacional, pela análise da evolução histórica do direito de propriedade e a exigência do cumprimento de sua função social, bem como pelo estudo das espécies expropriatórias relacionadas com a implementação do direito à moradia urbana, quais sejam, a desapropriação urbana por necessidade, utilidade pública ou interesse social e a “desapropriaçãopenalidade”. Tudo isso com o objetivo de recolher subsídios à compreensão da aplicação prática do instituto da desapropriação como instrumento de efetivação do direito à moradia na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de São Paulo, pelo período entre 2011 e 2015. 3465 2 DESENVOLVIMENTO DO ARTIGO Independentemente do momento histórico considerado, a questão habitacional é um problema do indivíduo e da sociedade. Ao perceber as vantagens do alojamento em um local fixo, o ser humano deixou de ser nômade e viver cada dia em um lugar diferente, optando pela moradia duradoura (BENEVOLO, 2011). De lá para cá, muitas foram as transformações sofridas pelo direito à moradia, o qual se vincula a anseios do ser humano tão essenciais como a vida, o que torna essa temática objeto de análise de diversos ramos da ciência, gerando questionamentos tanto no campo jurídico-econômico, como no sociopolítico (SOUZA, 2008). Não obstante, embora a necessidade de um local para ter como abrigo e referência persiga o homem desde os primórdios das civilizações, podendo-se inclusive falar na antecedência da moradia em relação à propriedade – posto que, autonomamente à condição de proprietário, o ser humano sempre procurou construir abrigo para habitar, em busca de proteção contra intempéries e predadores –, a previsão e o tratamento jurídico-legal do direito de propriedade antecede o direito à moradia tanto no âmbito internacional como interno (PAGANI, 2009). Entretanto, ainda que a passos menos velozes, a proteção jurídica do direito à moradia ganhou espaço no palco internacional, passando a constar do rol dos direitos humanos (PAGANI, 2009). Sob este aspecto, verifica-se nas últimas décadas um processo de globalização de importantes componentes da vida da pessoa humana, processo não raramente marcado pela violência, marginalidade urbana, conflitos étnicos, raciais, religiosos, entre outros, mas também pautado pela emergência de iniciativas que buscam alternativas para um mundo melhor, para uma vida mais digna e saudável em nosso planeta e que trazem o respeito e a proteção aos direitos humanos como componentes essenciais, considerados importantes e estratégicos no processo de globalização. Neste contexto insere-se o direito à moradia, enfoque desta pesquisa, que goza de proteção legal não somente no ordenamento jurídico interno brasileiro, mas também no âmbito internacional, estando previsto, dentre outros, nos seguintes 3466 instrumentos internacionais: na Declaração Universal, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966), no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), na Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), na Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família (1977) e na Convenção Internacional Sobre o Estatuto dos Refugiados (1951) (SAULE JUNIOR, 2004). Viver com segurança, viver com paz e viver com dignidade, esses seriam os integrantes do núcleo básico do direito à moradia, extraídos das normas internacionais de proteção dos direitos humanos segundo Nelson Saule Junior (2004), para quem o direito à moradia somente pode ser considerado plenamente satisfeito quando existirem os três elementos: segurança, paz e dignidade. Disto se depreende que a moradia, enquanto direito humano, deve ser compreendida como um componente fundamental da vida, peça chave para que as pessoas vivam dignamente. No que tange ao Brasil, em virtude da adesão do Estado brasileiro às normas de tratados internacionais como os acima explicitados, verifica-se que a obrigação de garantia do direito à moradia e as responsabilidades assumidas nesses acordos internacionais passam a ter não mero caráter moral e político, mas, especialmente, o caráter jurídico (SAULE JUNIOR, 2004). Isso porque o texto constitucional de 1988 trouxe grandes avanços em relação ao tratamento conferido aos direitos humanos ao inserir a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II) como princípio fundamental a reger o Estado em suas relações internacionais (BRASIL, 1988). Conforme expões Flávia Piovesan: Até então, as Constituições anteriores à de 1988, ao estabelecer tratamento jurídico às relações internacionais, limitavam-se a assegurar os valores da independência e soberania do País – tema básico da Constituição imperial de 1824 – ou se restringiam a proibir a guerra de conquista e a estimular a arbitragem internacional – constituições republicanas de 1891 e de 1934 –, ou se atinham a prever a possibilidade de aquisição de território, de acordo com o Direito Internacional Público – Constituição de 1937 –, ou, por fim, reduziam-se a propor a adoção de meios pacíficos para a solução de conflitos – Constituição de 1946 e de 1967 (PIOVESAN, 2010, p. 38). 3467 Assim, a Constituição de 1988 inova ao consagrar o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma da ordem internacional, abrindo a ordem interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Nestes termos, o princípio da prevalência dos direitos humanos implica o engajamento do país na elaboração de normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas também enseja a procura pela integração plena dessas regras na ordem jurídica interna brasileira (PIOVESAN, 2010, p. 40). Destaca-se, ainda, que o estudo da relação entre a Constituição de 1988 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, dentre eles a moradia, também perpassa, necessariamente, pela análise da redação do artigo 5º, §2º do texto constitucional, o qual estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (BRASIL, 1988), juntamente com o §3º do mesmo artigo, que equipara às emendas constitucionais os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos e por três quintos dos votos dos respectivos membros. Esses dois dispositivos fomentam a discussão a respeito da hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico interno brasileiro. Como explana Flávia Piovesan (2010, p. 71), existem quatro correntes sobre a hierarquia dos tratados de proteção dos direitos humanos no Brasil: a primeira corrente sustenta a hierarquia supraconstitucional desses tratados, a segunda consagra sua hierarquia constitucional, a terceira afirma a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, e, por fim, a quarta corrente defende a paridade hierárquica entre tratado e lei federal. Embora os detalhes dessa discussão tenham grande importância, tendo em vista que a posição adotada influencia na força e aplicabilidade dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Brasil, para as finalidades dessa pesquisa não é preciso entrar em suas minúcias, bastando compreender que, independentemente da hierarquia atribuída a esses tratados, o certo é que, de uma forma ou de outra, eles têm impacto jurídico no Direito interno brasileiro, noutros termos, o direito internacional e o direito interno interagem e se auxiliam mutuamente (PIOVESAN, 2010). 3468 Por conseguinte, para além do tratamento conferido pelo ordenamento interno brasileiro aos tratados de direitos humanos relativos ao direito à moradia, em complementação e reforço a eles, o texto da própria Constituição Federal de 1988 também pode ser considerado uma referência no tratamento deste direito. Assim, também no ordenamento jurídico brasileiro o direito à moradia foi paulatinamente angariando espaço dentre os direitos juridicamente tutelados, atingindo seu ápice com a Constituição Federal de 1988. De forma a dar uma sequência cronológica à análise, deve-se atentar que mesmo anteriormente ao reconhecimento do direito à moradia pela Constituição de 1988, a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (que veio a ser modificada pela Lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999), bem como a Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, já dispunham sobre o direito à moradia, posto que contemplavam, respectivamente, a segurança jurídica da posse ao possuidor adquirente de imóvel em loteamento clandestino e ao possuidor locatário. Não obstante estes precedentes, entretanto, concebida como o marco jurídico da transição ao regime democrático, o advento da Constituição de 1988, em 05 de janeiro de 1988, inovou a ordem interna que já vinha se estruturando com a democratização do país a partir da década de 80 (PAGANI, 2009). Neste contexto, o Texto Constitucional inaugural de 1988, em seu artigo 7º, inciso IV, ao tratar dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e referir-se ao salário mínimo, já expressava a preocupação com a moradia: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (BRASIL, 1988) (grifo nosso). Deste modo, no próprio texto constitucional original de 1988 pode-se visualizar o reconhecimento do direito à moradia. Aliás, consoante aponta Sergio Iglesias Nunes de Souza (2008, p. 121), embora aparentemente pareça que o constituinte de 1988 apenas preocupou-se com a moradia do trabalhador ao redigir o aludido dispositivo, deve-se observar que a norma está firmada no capítulo dos direitos sociais e estes não pertencem a uma determinada classe social, não são destinados tão-somente à classe dos trabalhadores, mas a toda a 3469 coletividade. Portanto, desde a redação original da Constituição Federal de 1988, “A moradia, embora não constituída expressamente até então como direito social genérico, já era tratada como preocupação e considerada com status constitucional” (SOUZA, 2008, p. 120). Ocorre que, surgiram novas alterações no texto constitucional com o passar do tempo. Destarte, com vistas a fortalecer o status constitucional do direito à moradia, sua previsão expressa no artigo 6º, por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000, extirpou qualquer dúvida quanto ao reconhecimento deste direito como um direito social pelo ordenamento jurídico brasileiro, determinando sua observância no mesmo patamar dos demais direitos fundamentais previstos no texto constitucional (SAULE JUNIOR, 2004). Observa-se, no entanto, que a despeito da importância das previsões constitucionais que reconhecem o direito à moradia, a Constituição não detalha como será assegurado e efetivado esse direito, o que suscitou a necessidade de outras leis infraconstitucionais para melhor discipliná-lo (PAGANI, 2009), ou seja, a partir da Constituição de 1988 viu-se formar uma nova ordem legal urbana, porém faltava uma base-mestra para as normas de direto urbanístico (SAULE JUNIOR, 2004). Assim, treze anos após a Constituição de 1988, a União exerceu sua competência legislativa e editou o Estatuto da Cidade, lei federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 que, dentre outros temas, abarcou o direito à moradia. Segundo preleciona Nelson Saule Junior: Como toda lei, o Estatuto da Cidade é uma ferramenta que pode ser usada diariamente para melhorar as condições de vida em nossas cidades, o que implica ser usada para melhorar as condições de moradia das pessoas que as habitam. A grande concentração de pessoas pobres e a escassez de oferta de terra e moradia em nossas metrópoles são indicadores do grande desafio que temos para encontrar soluções jurídicas que combinem os interesses econômicos e as necessidades sociais a serem atendidas para minimizar as desigualdades sociais (SAULE JUNIOR, 2004, p. 211). Logo, a Lei nº 10.257/2001 e sua concepção de política urbana devem guiar os entes federativos na implementação da política habitacional e, conforme se extrai logo do artigo 1º, parágrafo único da lei, nela estão previstas “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em 3470 prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2001). Nota-se, portanto, que o Estatuto da Cidade, como reflexo do texto constitucional de 1988, principia um verdadeiro marco histórico responsável por cindir com os modelos tradicionais acerca do direito de propriedade (PAGANI, 2009, p. 159). Aponta-se, ainda, que à Constituição de 1988 e à Lei 10.257/2001 somam-se diversos outros instrumentos legais que se dedicam ao tema moradia no ordenamento jurídico interno brasileiro, não sendo pretensão desta pesquisa descrevê-los todos. Importa mais aqui perceber que, muito embora haja diversos documentos internacionais e também nacionais reconhecendo o direito à moradia, e a despeito de existirem estudos da ONU HABITAT revelando que o progresso econômico e social é imenso quando se garante a segurança da posse, problemas na concretização dessas ideias estão presentes em todo o mundo, podendo-se, inclusive, falar em uma crise mundial de segurança na posse (NACIONES UNIDAS, 2012): La economia política de la tierra tiene uma gran influencia em los processos de desarrollo, urbanización y vivenda. La especulación com tierras y las adquisiciones de terrenos a gran escala em zonas rurales – que muchas veces no son transparentes y están mal gestionadas – socavam los derechos de tenência y los médios locales de subsistência. Essas actividdes, combinadas com las sequias y otros câmbios relacionados com el clima, son algunas de las principales causas de emigración a la ciudade, donde los recién llegados, especialmente los pobres, no disponen de tierras ni de uma vivenda decuada. Por ello, las personas se instalan em viviendas y asentamientos com regímenes de tenência que no ofrecen seguridade. La urbanización excludente y no planificada repercute de forma evidente em la seguridade de la tenência. Ademais, debido a su creciente mercantilización, las tierras rurales y urbanas se han convertido em activos muy disputados, lo cual acarrea consecuencias dramáticas, sobre todo, aunque no exclusivamente, em las economias emergentes. (NACIONES UNIDAS, 2012, p. 3-4). Neste contexto, a realidade denuncia que o processo de urbanização no Brasil tem se caracterizado pela proliferação de processos informais de desenvolvimento urbano, com implicações socioeconômicas, urbanísticas e ambientais graves, pois, além da irregularidade afetar diretamente os moradores dos assentamentos informais, ela também produz um grande impacto negativo sobre as cidades e sobre a população como um todo (FERNANDES, 2002). 3471 Estimativas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que, embora tenha reduzido no período entre 2007 e 2011, os valores do déficit habitacional no Brasil ainda são alarmantes, atingindo a casa dos milhões de domicílios (aproximadamente 4,5 milhões em 2011), consistentes em habitações precárias, coabitação familiar, ônus excessivo com aluguel e adensamento excessivo em domicílios locados. Os dados também revelam que o déficit habitacional brasileiro é predominantemente urbano (81%) (FURTADO; NETO; KRAUSE, 2010). Os dados também revelam que o déficit habitacional brasileiro é predominantemente urbano (81%), figurando o Estado de São Paulo, sobretudo a capital, como a unidade da Federação que mais se sobressai em todas as componentes explicitadas acima, com a exceção dos domicílios precários, quesito em que é superado apenas pelo Estado do Maranhão (FURTADO; NETO; KRAUSE, 2010). Paradoxalmente, no ano de 2005, estudos do Ministério das Cidades, pela Secretaria Nacional de Habitação, apontaram que, em números absolutos, os “domicílios vagos”, nesses considerados os domicílios “em condições de serem habitados”, os de “uso ocasional”, os em “construção ou reforma” e os “em ruína”, somavam 6.736.44 unidades em todo o país, sendo 5.084.284 nas áreas urbanas. Desses, 87,9% (a maioria), foram classificados como domicílios em condições de serem habitados, 10,7% como domicílios em construção e apenas 1,4% como domicílios em ruínas (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2006). Aqui, novamente, o Estado de São Paulo caracterizou-se por ter as piores estatísticas, eis que apresentou a maior concentração de “domicílios vagos” em números absolutos (somando-se imóveis urbanos e rurais), acentuando-se o meio urbano, onde foram computados 1.249.985 domicílios nessa condição em 2005, sendo que, desses, 85,6% estariam, à época da pesquisa, em condições de serem ocupados, 13,7% em construção e 0,7% em ruína. 3472 Destarte, em todo o país, mormente no Estado de São Paulo, grande parcela desses imóveis urbanos vagos poderia ser utilizada para fins de moradia, de modo a contribuir com a queda do déficit habitacional. Neste cenário, insta salientar que hodiernamente há um grande leque de instrumentos jurídicos a serviço do Poder Público para o enfrentamento dessas graves questões urbanas, sendo destaque desta pesquisa a desapropriação de imóveis urbanos. Sobre este assunto, nota-se que as limitações ao direito de propriedade em virtude do interesse público são uma constante no ordenamento brasileiro, posto que desde o período imperial o instituto da desapropriação já era previsto. Não obstante, é atribuído à Constituição brasileira de 1988 o mérito de ter elevado a função social da propriedade à categoria de regra fundamental, cláusula pétrea, insuscetível de alteração ou mesmo supressão. Condicionou-se, deste modo, a proteção da propriedade ao cumprimento de sua função social (SALLES, 2009). Por este prisma, evidencia-se que o uso e o gozo dos bens e riquezas particulares são condicionados à observância de normas e limites impostos pelo Poder Público com vistas ao bem-estar social. Assim, quando o interesse público exige, o Estado intervém na propriedade privada, por meio de atos de império predispostos a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir as condutas antissociais da iniciativa privada (MEIRELLES, 2008). Conforme expõe Edilson Pereira Nobre Júnior (2002, p. 88): A propriedade deixou de ser concebida como um instituto ilimitado, representando, inversamente, um direito jungido ao cumprimento de uma função social pelo seu titular, o que se impõe, em nossa sociedade, assinalada pela explosão demográfica nas cidades, não apenas no setor campesino, mas, com maior razão, na província urbana, a fim de satisfazer frente à aguda crise de moradia, cujo desrespeito poderá ensejar o manejo, pelo Poder Público, da desapropriação-sanção. Deste modo, dentre os diversos meios de intervenção do Estado na propriedade, a desapropriação é o meio pelo qual o Estado atinge o caráter perpétuo deste direito (DI PIETRO, 2010), implicando a legítima perda da titulação dominial e a imputação do bem no patrimônio do Estado (PENTEADO, 2014). Com isso, dada a relevância desse instrumento e não obstante a variedade de formas de desapropriação presentes no ordenamento jurídico 3473 nacional, a pesquisa propõe-se a analisar o instituto da desapropriação enquanto instrumento de efetivação do direito à moradia urbana. Essa escolha fundamentase no fato de que o instituto adquire grande importância ao permitir a perda da propriedade do particular e seu emprego a serviço do interesse social, onde se insere o direito constitucional à moradia, angariando inúmeros benefícios à coletividade, desde que devidamente empregada, ao permitir a redução das ocupações irregulares de áreas de risco, bem como ao garantir o acesso da população mais carente a terra já urbanizada. Portanto, a possibilidade de utilização desse instrumento também vai de encontro à preocupação com a questão locacional da moradia (localização dos assentamentos em relação ao conjunto de relações de emprego e demais teias de relações urbanas estabelecidas pelos moradores), dimensão essencial do problema, mas que raramente é inserida na discussão conceitual sobre assentamentos precários, déficit e necessidades habitacionais (ROYER, 2013). É diante de todo o exposto que se revela a importância da proposta aqui apresentada, justificada pela sua atualidade e por sua pretensão em contribuir para a discussão sobre o instituto da desapropriação do imóvel urbano como instrumento a serviço de políticas públicas de acesso à moradia, considerando que a eficácia dos direitos fundamentais deve ser objeto de permanente e responsável otimização pelo Estado e pela sociedade (SARLET, 2009/2010), onde se inclui a atuação do Poder Judiciário, a ser analisada na parte empírica da pesquisa, porque, conforme adverte Edésio Fernandes (2001), a discussão sobre o planejamento urbano não pode se desagregar da discussão sobre as condições político-institucionais-legais de gestão das cidades. Isso porque, frente à relevância do direito à moradia como condição sine qua non para uma vida digna, a falta de fiscalização do Poder Público sobre o uso e ocupação da terra urbana e a não aplicação de instrumentos legais voltados a combater o descumprimento da função social e a especulação imobiliária nas cidades são uma violência contra parcela da população que vive sem dignidade (POSSAS; MANIGLIA, 2011): A violência perpetrada pelo Estado brasileiro se manifesta, destarte, de duas formas: a ação deliberada (repressão dos 3474 movimentos sociais, por exemplo) e a omissão no cumprimento de suas funções (como a persistência da miséria sem uma firme plataforma política para a sua superação) (POSSAS; MANIGLIA, 2011). Por conseguinte, a atuação positiva do Estado por meio da efetivação do direito à moradia revela-se como uma forma de reação à indiferença para com aqueles que apresentam as carências mais básicas e que não podem ser considerados apenas “números de um gráfico” (POSSAS; MANIGLIA, 2011). Daí a necessidade de fazer valer o disposto no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, que insere como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). De tal sorte, seguindo os dizeres de Pedro Abramo e Martim Smolka (2002), a pesquisa fundamenta-se em sua pretensão em contribuir para a superação de obstáculos e desafios, transformando-os em oportunidades para avançar, no sentido do respeito ao direito à segurança da posse, à moradia para todos, bem como ao direito a cidades mais justas, democráticas e sustentáveis. Deste modo, pretende-se ir além da mera exposição enaltecedora da ideia do direito à moradia como um dos direito fundamentais, enumerando suas conquistas e as normas nacionais e internacionais que as positivaram. Com isso busca-se fugir de um discurso que Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2012) classificam como repetitivo e estéril: Tal tipo de abordagem só produz discursos políticos repetitivos e, afinal de contas, estéreis, sem indicar, de forma juridicamente fundamentada, quais direitos e por que prevalecem em cada caso concreto e quais as formas de sua implementação. Teoricamente, nada impede que um direito fundamental seja proclamado absoluto e superior a todos os demais. Não obstante, o constituinte brasileiro, seguindo uma prática geral, não desejou criar direitos “superiores” ou “absolutos”. Todos são proclamados no mesmo texto, havendo equivalência normativa. Nesse contexto, a tarefa da doutrina jurídica consiste em indicar o que exatamente, como e até onde deve ser juridicamente tutelado, partindo da tese da relatividade dos direitos fundamentais que foi 3475 oportunamente denominada “máxima da cedência recíproca” (DIMOULIS, MARTINS, 2012, p. 5). Por consequência, após a análise das normas nacionais e internacionais que positivam o direito à moradia, bem como depois de apresentado o instituto da desapropriação como um dos instrumentos voltados à sua efetivação, a pesquisa em andamento parte para mais um objetivo, consistente na análise juridicamente fundamentada das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Comarca de São Paulo, no período de 2011 a 2015 e relacionadas ao tema estudado. Sobre a parte empírica da pesquisa, tendo em vista o problema e os objetivos apresentados, optou-se por utilizar a metodologia qualitativa, do tipo documental, frente ao cunho exploratório do trabalho a ser empreendido, de forma a buscar uma compreensão mais aprofundada dos fenômenos envolvidos, apoiado no pressuposto da maior relevância dada ao aspecto subjetivo da ação social (HAGUETTE, 1997). Dessa forma, buscar-se-á enxergar o fenômeno de seu interior (FLICK, 2009), a partir da visão revelada pelos desembargadores do tribunal analisado. Portanto, a pesquisa a ser empreendida pode ser classificada como qualitativa, do tipo documental, pois da análise de ementas e acórdãos buscar-seá compreender como o instituto da desapropriação vem sendo relacionado com a efetivação do direito à moradia no Estado de São Paulo, mais precisamente, na Comarca de São Paulo (capital do Estado). Resta esclarecer que a opção pela análise dos julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo partiu da compreensão de que o legislador conferiu ênfase à competência expropriatória dos municípios e Distrito Federal para o planejamento do uso e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CRFB), outorgando ao Poder Público Municipal a execução da política de desenvolvimento urbano (art. 182, CRFB), e atribuindo competência exclusiva ao ente municipal para a realização da desapropriação para fins de reforma urbana (art. 182, §4º, CRFB), motivo pelo qual a desapropriação do imóvel urbano revela-se instrumento imprescindível do administrador municipal e, consequentemente, é de competência da Justiça Estadual. 3476 Além disso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo foi escolhido por abranger a região em que são flagrados os maiores déficits habitacionais do país por um lado, e a maior presença de imóveis vagos por outro, revelando a enorme contradição que marca o cenário urbano nacional. Ademais, optou-se por restringir a pesquisa à comarca de São Paulo devido à necessidade de delimitação do espaço amostral para viabilizar uma análise apurada. Não obstante, tal escolha embasou-se no fato do Município de São Paulo ser o maior responsável pelo alto nível de déficit habitacional do Estado, além de serem constantes os conflitos entre proprietários e ocupantes de imóveis subtilizados/abandonados na capital do Estado de São Paulo. Por sua vez, a expressão utilizada para a busca dos acórdãos por meio do website da Justiça Estadual, comarca de São Paulo, na seção intitulada “consulta de jurisprudência – consulta completa – pesquisa livre” foi (SÃO PAULO, [2014]): “desapropriação e moradia não usucapião”. Com estas palavraschave buscou-se abranger os julgados que tratam do instituto da desapropriação em sua intersecção com o direito à moradia, ademais, optou-se por depurar ainda mais os julgados, excluindo aqueles que tratavam da usucapião, porque muitos dos acórdãos selecionados com o uso das palavras-chave “desapropriação e moradia” tratavam dessa outra forma de aquisição da propriedade. Quanto ao período a ser analisado, ele abrangerá o intervalo entre os anos de 2011 e 2015. A escolha desse período de análise deu-se igualmente em virtude da necessidade de delimitação do espaço amostral para viabilizar uma análise mais aprofundada dos julgados selecionados pelo método de busca. Ao utilizar as palavras-chave “desapropriação e moradia não usucapião”, mesmo limitando à comarca de São Paulo, foram selecionados 160 julgados no período de 2007 (ano de julgamento do último acórdão colacionado no site de buscas) até a segunda metade do corrente ano (2014), número que certamente aumentará quando forem incluídos os julgados até o último dia de 2015, data projetada para o final da análise. Assim, houve a necessidade de delimitação, estabelecendo-se o ano de 2011 como início, por ser esse o ano em que houve a apresentação do projeto urbanístico específico da “Nova Luz”, na cidade de São Paulo que, entre outros objetivos, previa a consolidação de um novo núcleo habitacional de 3477 interesse social na área central da cidade e, para tanto, estabelecia a desapropriação de vários imóveis (SÃO PAULO, 2011). Este é, em poucas palavras, o desenho da pesquisa a ser realizada, elaborado a partir do problema a ser respondido e da metodologia escolhida para respondê-lo. Conforme preleciona Gabriel Ignacio Anitua (2006, p. 302): Investigar empiricamente es una forma de integrar y de apropriarse de la realiddad. El “diseño’ de la investigación es el plan que se traza el investigador y sobre cuya base queda prefigurado el aspecto de la realidade en que va a actuar y la forma en que va a hacerlo (la perspectiva que se adopta, el tiempo que dura el trabajo, los mecanismos de control, etc.). Si no se hace esto, se trabajará con datos secundários o elaborados – y creados – por otros investigadores; pero también entonces debe indicarse la forma y los instrumentos con que se recogerán los datos. Esos datos serán diferentes, como se há dicho, de acuerdo al mencionado diseño de investigación y de acuerdo a las diferentes disciplinas que se acerquen desde la transdisciplinariedade al común objeto de atención de tipo jurídico (ANITUA, 2006, p. 302). Portanto, é com essa metodologia que se busca caminhar da teoria para a aplicação prática do instituto estudado, analisando-se as diversas maneiras em que as modalidades de desapropriação aparecem relacionadas com o direito à moradia. Por fim, ressalta-se, mais uma vez, que a pesquisa ainda está em andamento, podendo-se, no momento, apresentar suas hipóteses, que nortearão o estudo: espera-se que o instituto expropriatório desponte como um instrumento importante a serviço da função social das cidades, em busca da implementação do interesse público presente na concretização do direito à moradia; acredita-se, ainda, que a expropriação urbana seja um instrumento diferenciado por possibilitar a revitalização dos centros urbanos a partir da utilização de imóveis melhor localizados e dotados de infraestrutura urbana, mas que descumpriam sua função social, permitindo, assim, uma maior integração do assentamento urbano ao conjunto da cidade, à mobilidade, aos serviços públicos, à acessibilidade, etc., e não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, buscando reduzir a pressão da expansão horizontal na direção de áreas sem infraestrutura ou ambientalmente frágeis (ROLNIK, 2002); não obstante, como resultado da pesquisa empírica, cogita-se que esse instrumento 3478 não vem sendo usado em toda sua potencialidade, enfrentando diversos desafios na prática, tais como a defesa de um direito de propriedade absoluto e os altos custos da utilização da desapropriação. Assim pretende-se caminhar no estudo, de forma a construir o quadro teórico aos poucos, à medida que os dados forem colhidos e examinados, sempre tendo como embasamento o estudo teórico realizado. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A falta de planejamento para suportar o crescimento populacional ensejou o problema da falta de moradias em diversas cidades do mundo, sendo também essa a realidade a ser enfrentada pelo Poder Judiciário brasileiro. Destarte, a pesquisa discute o instituto da desapropriação como instrumento a serviço da implementação do direito à moradia urbana. Nestes termos, muito embora fórmulas exclusivamente jurídicas não forneçam o instrumental suficiente para a concretização do direito à moradia (SARLET 2009/2010) diante dos diversos obstáculos jurídicos, políticos e institucionais existentes (FERNANDES, 2001), a discussão e o estudo acerca dos instrumentos disponibilizados pelo ordenamento jurídico para a resolução de problemas sociais é indispensável, para que se possa exigir do Estado a eficiência na gestão de suas políticas, cenário em que se destaca como objeto desta pesquisa o instituto da desapropriação. Assim, sem desatentar para o fato de que a ordem jurídica muitas vezes contribui para a reprodução da informalidade urbana, o trabalho objetiva colaborar para que a desapropriação da propriedade urbana assuma um papel transformador dessa realidade, por meio de seu uso consciente e direcionado ao interesse público, presente na efetivação do direito à moradia. Portanto, todo esforço faz-se necessário tendo em vista que a moradia, enquanto componente fundamental da vida urbana, é um tema que precisa ser enfrentado por todos que busquem modificar a situação de desigualdade social e territorial existente nas cidades (SAULE JÚNIOR, 2004). 3479 REFERÊNCIAS ABRAMO, P.; SMOLKA, M. O. Que componentes devem ser incorporados a uma estratégia de acompanhamento pós-intervenção de regularização fundiária? In: ALFONSIN, B. M. (coord.). Regularização da Terra e Moradia: o que é e como implementar? São Paulo: Instituto Polis, 2002. p. 144-149. ANITUA, G. I. Notas sobre la metodologia de investigaciones empíricas en derecho. In: COURTIS, C. (coord.). Observar la ley. Ensayos sobre metodologia de la investigación jurídica. Madrid: Trotta, 2006. P. 299/319. BARBOSA, V. R.; LEITE, T. S. C.; MACHADO, A. A. O dever de reconstrução das políticas públicas de habitação ou em busca da dignidade perdida: Um estudo a partir do Parque Vicente Leparace, em Franca/SP. 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