As galinhas - Loja Rubem Alves Loja Rubem Alves

Transcrição

As galinhas - Loja Rubem Alves Loja Rubem Alves
Campinas RMC
Entretenimento
Nacional
Mundo
Esporte
Gente
CAMPINAS, 9 DE SETEMBRO DE 2014
Capa
Esporte
Home
Entretenimento
Perfil
Tv Correio
Blogs
Colunistas
Especiais
Motor
Turismo
Arquivos
Colunistas
CORREIO POPULAR
XEQUE-MATE
Clima quente
As galinhas
27/01/2013 - 05h00 | Rubem Alves
Recomendar
72
Tweet
0
Galinhas são aves difíceis de se fazer poesia com elas. Elas se prestam a metáforas destituídas
de qualquer grau de sublimidade. Os amantes se referem à amada como uma rola, ave de
curvas lisas e canto suave. Mas jamais a chamariam de “galinha”, por mais linda que a galinha
fosse. “Galinhar” é falta de caráter. Acho uma injustiça, mormente em se levando em conta
que as pobrezinhas, depois de gastar uma vida inteira botando ovos, são transformadas em
canja, sem a menor gratidão.
Felizmente há escritores sensíveis. O Luiz Fernando Veríssimo sugeriu restaurar a dignidade
da galinha colocando-a no lugar do coelho de páscoa. Coelho não bota ovo. Quem inventou
essa estória de coelho é um mentiroso. Isso sem levar em conta o seu perigo para a educação.
Há sempre a possibilidade de alguma criança escrever numa prova que coelho é uma ave.
A Adélia Prado é uma mulher que reconhece a feminilidade da galinha. “As galinhas com
susto abrem o bico e param daquele jeito imóvel, as barbelas e as cristas vermelhas, só as
artérias palpitando no pescoço. Uma mulher espantada com sexo: mas gostando muito.”
Disse que galinha é uma ave difícil de se fazer poesia com ela. Apresso-me a corrigir o meu
equívoco. A elevação da galinha à altura da poesia eu a encontrei no Manoel de Barros que
disse que “todas as coisas cujos valores podem ser disputados no cuspe à distância servem
para a poesia.” E acrescenta: “Tudo que explique a lagartixa da esteira e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia.” Que é o caso da galinha.
E ontem abri um livro que me foi mandado de presente pelo autor e lá encontrei um poeminha
que fala da amizade entre a galinha e o poeta. É que, para o poeta, tudo o que existe é
assombroso. Galinhas são assombrosas. Prova disso é que botam ovos, esses objetos
impossíveis. Os poetas são mestres dos assombros. “Enquanto o homem passa ligeiro, com os
olhos no relógio, com as mãos no telefone, com o pensamento na carteira, uma galinha cisca,
tranquilamente, para seus pintinhos. Coitada! Não tem telefone, não tem carteira, ninguém
percebe. Ninguém vê. Só o poeta. Que não tem nada para fazer.” O nome do poeta é
Aguinaldo Tadeu e o nome do seu livro é De mineiro e louco, com mais um pouco...
É comovente ver uma galinha ciscando a terra para ver se acha algum bichinho para os seus
pintinhos e os chamando com a voz característica de galinha choca. E que ninguém se
aproxime. Ela desconhece tamanhos. Avança de asas abertas e bico ameaçador. Uma galinha
com seus pintinhos é uma encarnação do que se chama “maternagem”.
Será que alguma criança sabe o que é uma “barbela”— palavra que a Adélia usou? Ah! Já ia
me esquecendo... Minha mãe não gostava de cachorros. Por isso nunca me foi permitido ter o
meu. Que pena! Soubesse ela dos poderes terapêuticos e educacionais de um cãozinho ela não
me teria privado desse prazer. Pois lá na minha casa em Minas, ao abrir a janela de madeira
pela manhã, encontramos uma caixa de sapato com um pintinho dentro. Ele foi imediatamente
adotado e passou a ser parte da família. Com o passar do tempo percebemos que não se tratava
de um pintinho mas de uma pintinha que cresceu e virou uma galinha garnizé. Ela foi o meu
bichinho de estimação.
TAGS | Rubem Alves, coluna, opinião
ANTONIO CONTENTE
E se Keila Gon fosse americana?
FÁBIO TOLEDO
Casar-se ou juntar-se?

Documentos relacionados