Comunicação - PORTCOM

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Comunicação - PORTCOM
Prefácio
1
Coleção Fortuna Critica da INTERCOM
Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa
Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e
Tyciane C. Vaz
Vol. 1 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Jornalismo e Midiologia
Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi, org. (2013)
Vol. 2 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Teoria e Pedagogia da Comunicação
Iury Parente Aragão, Sônia Jaconi, Osvando J. de Morais, org. (2013)
Vol. 3 – Fortuna Crítica de José Marques de Melo – Comunicação, Universidade e Sociedade
Clarissa Josgrilberg Pereira, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais,
Sônia Jaconi, org. (2013)
Vol. 4 – Fortuna Crítica da Intercom – José Marques de Melo
Clarissa Josgrilberg Pereira, Eduardo Amaral Gurgel, Iury Parente Aragão,
Osvando Morais, org. (2014)
Vol. 5 – Fortuna Crítica da Intercom – Visionários
Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,
Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)
Vol. 6 – Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Roseméri Laurindo,
Tyciane Cronemberger Viana Vaz, org. (2014)
2
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Fortuna Crítica da Intercom
Baluartes
Prefácio
3
Coleção Fortuna Critica da INTERCOM
Consultoria: Adolpho Queiroz, Marialva Barbosa, Rosa Maria Dalla Costa
Coordenadores: Aline Strelow, Iury Parente Aragão, Osvando J. de Morais, Sônia Jaconi e
Tyciane C. Vaz
DIRETORIA EXECUTIVA - TRIÊNIO 2014 2017
Presidência – Marialva Carlos Barbosa (UFRJ)
Vice-Presidência – Ana Silvia Lopes Davi Médola (UNESP)
Diretoria Financeira – Fernando Ferreira de Almeida (METODISTA)
Diretoria Administrativa – Sonia Maria Ribeiro Jaconi (METODISTA)
Diretoria Científica – Iluska Maria da Silva Coutinho (UFJF)
Diretoria Cultural – Adriana Cristina Omena dos Santos (UFU)
Diretoria de Projetos – Tassiara Baldissera Camatti (PUCRS)
Diretoria de Documentação – Ana Paula Goulart Ribeiro (UFRJ)
Diretoria Editorial – Felipe Pena de Oliveira (UFF)
Diretoria de Relações Internacionais – Giovandro Marcus Ferreira (UFBA)
Diretoria Regional Norte – Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues (UFAM)
Diretoria Regional Nordeste – Aline Maria Grego Lins (UNICAP)
Diretoria Regional Sudeste – Nair Prata Moreira Martins (UFOP)
Diretoria Regional Sul – Marcio Ronaldo Santos Fernandes (UNICENTRO)
Diretoria Regional Centro-Oeste – Daniela Cristiane Ota (UFMS)
Conselho Fiscal
Elza Aparecida de Oliveira Filha (UP)
Luiz Alberto Beserra de Farias (USP)
Osvando J. de Morais (UNESP)
Raquel Paiva de Araujo Soares (UFRJ)
Sandra Lucia Amaral de Assis Reimão (USP)
Conselho Curador – quadriênio 2013-2017
4
Presidente – José Marques de Melo
Vice-Presidente – Manuel Carlos da Conceição Chaparro
Secretária – Cicília Maria Krohling Peruzzo
Conselheiro – Adolpho Carlos Françoso Queiroz
Conselheira – Anamaria Fadul
Conselheiro – Antonio Carlos Hohlfeldt
Conselheiro – Gaudêncio Torquato
Conselheira – Margarida Maria Krohling Kunsch
Conselheira – Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Conselheira – Sonia Virginia Moreira
Secretaria Executiva Intercom
Gerente Administrativo – Maria do Carmo Silva Barbosa
Designer
– Genio Nascimento
Fortuna Crítica daWeb
Intercom
– Baluartes
Assistente de Comunicação e Marketing – Jovina Fonseca
Fortuna Crítica da Intercom
Baluartes
Vol. 6 – Coleção Fortuna Crítica
Osvando J. de Morais
Iury Parente Aragão
Roseméri Laurindo
Tyciane Cronemberger Viana Vaz
(Orgs.)
São Paulo
Intercom
2014
Prefácio
5
Direção Editorial
Felipe Pena de Oliveira
Presidência
Muniz Sodré (UFRJ)
Conselho Editorial – Intercom
Alex Primo (UFRGS)
Alexandre Barbalho (UFCE)
Ana Sílvia Davi Lopes Médola (UNESP)
Christa Berger (UNISINOS)
Cicília M. Krohling Peruzzo (UMESP)
Erick Felinto (UERJ)
Etienne Samain (UNICAMP)
Giovandro Ferreira (UFBA)
José Manuel Rebelo (ISCTE, Portugal)
Jeronimo C. S. Braga (PUC-RS)
José Marques de Melo (UMESP)
Juremir Machado da Silva (PUCRS)
Luciano Arcella (Universidade d’Aquila, Itália)
Luiz C. Martino (UnB)
Marcio Guerra (UFJF)
Margarida M. Krohling Kunsch (USP)
Maria Teresa Quiroz (Universidade de Lima/Felafacs)
Marialva Barbosa (UFF)
Mohammed Elhajii (UFRJ)
Muniz Sodré (UFRJ)
Nélia R. Del Bianco (UnB)
Norval Baitelo (PUC-SP)
Olgária Chain Féres Matos (UNIFESP)
Osvando J. de Morais (UNESP)
Paulo B. C. Schettino (UFRN/ASL)
Pedro Russi Duarte (UnB)
Sandra Reimão (USP)
Sérgio Augusto Soares Mattos (UFRB)
Fortuna Crítica da Intercom
Baluartes
Vol. 6 – Coleção Fortuna Crítica
Osvando J. de Morais
Iury Parente Aragão
Roseméri Laurindo
Tyciane Cronemberger Viana Vaz
(Orgs.)
São Paulo
Intercom
2014
Coleção Fortuna Crítica Vol. 6 –
Fortuna Crítica da Intercom - Baluartes
Copyright © 2014 dos autores dos textos, cedidos para esta edição à Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM
Editor
Osvando J. de Morais
Projeto Gráfico e Diagramação
Mariana Real e Marina Real
Capa
Mariana Real e Marina Real
Revisão
Carlos Eduardo Parreira
Ficha Catalográfica
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes / Organizadores,
Osvando J. de Morais, Iury Parente Aragão, Roseméri
Laurindo, Tyciane Cronemberger Viana Vaz. – São Paulo:
INTERCOM, 2014. Coleção Fortuna Crítica; vol. 6
364 p. ; 23 cm
ISBN: 978-85-8208-076-4
Inclui bibliografias.
1. Comunicação. 2. Comunidade. 3. Intercom. 4. História. 5.
Cultura. 6. História da Comunicação. 7. Crítica. 8. Biobibliografia.
9. Ex-presidentes. 10. Diretoria. 11. Memória. I. Morais, Osvando
J. de. II. Aragão, Iury Parente. III. Laurindo, Roseméri. IV. Vaz,
Tyciane Cronemberger Viana. V. Título.
CDD-079.09
CDD-302.23
Todos os direitos desta edição reservados à:
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM
Rua Joaquim Antunes, 705 – Pinheiros
CEP: 05415 - 012 - São Paulo - SP - Brasil - Tel: (11) 2574 - 8477 /
3596 - 4747 / 3384 - 0303 / 3596 - 9494
http://www.intercom.org.br – E-mail: [email protected]
8
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Sumário
Apresentação...................................................................................... 16
Maria Cristina Gobbi
SEÇÃO I – EX-PRESIDENTES
1.1 MARGARIDA MARIA KROHLING KUNSCH
Cláudia Peixoto de Moura (Organizadora especial)
Referência para Comunicação ­Organizacional e
Relações Públicas.......................................................................... 21
Cláudia Peixoto de Moura
Livros Publicados e Suas Edições
Planejamento de relações públicas na
comunicação integrada................................................................. 25
Cleusa Maria Andrade Scroferneker
Universidade e Comunicação na ­edificação
da sociedade (1992)...................................................................... 28
Sidinéia Gomes Freitas
Prefácio
9
Relações Públicas e modernidade – ­novos paradigmas na
comunicação organizacional (1997).............................................. 32
por Maria Aparecida Ferrari
Livros Organizados e Capítulos ­Publicados
Planejamento estratégico para a ­excelência
da comunicação............................................................................ 37
Paulo Nassar
Rodrigo Cogo
Perspectivas e desafios para as profissões de comunicação
no ­terceiro milênio........................................................................ 41
Elizabeth Pazito Brandão
Planejamento e gestão estratégica das
Relações Públicas Comunitárias................................................... 44
Celsi Brönstrup Silvestrin
Planejamento estratégico da comunicação.................................... 47
Luiz-Alberto de Farias
Relações Públicas na gestão estratégica da comunicação
integrada nas organizações............................................................ 50
Ana Lúcia Romero Novelli
Percursos paradigmáticos e avanços epistemológicos nos
estudos da C
­ omunicação Organizacional...................................... 53
Luiz Carlos Iasbeck
Os campos acadêmicos da comunicação organizacional e de
relações públicas; e Comunicação Organizacional e Relações
Públicas no Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação da ECA-USP.......................................................... 57
João José Azevedo Curvello
10
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
A comunicação para a sustentabilidade das organizações
na sociedade global....................................................................... 60
Ivone de Lourdes Oliveira
A dimensão humana da comunicação organizacional................... 63
Rudimar Baldissera
Comunicação pública e Comunicação Organizacional:
em direção à integração................................................................. 66
Heloiza Matos
Artigos Publicados em Edições Especiais dos
Periódicos Científicos Criados
Comunicação Organizacional e Relações Públicas:
perspectivas dos estudos latino-americanos................................... 71
Doris Fagundes Haussen
Relações Públicas e Comunicação organizacional:
das práticas à institucionalização acadêmica................................. 74
Eugênia Mariano da Rocha Barichello
Produção bibliográfica.................................................................. 77
2.1 CICILIA MARIA KROHLING PERUZZO
Contribuições teóricas e empíricas para um novo pensamento
comunicacional alternativo, comunitário e popular...................... 82
Orlando Maurício de Carvalho Berti
3.1 ADOLPHO CARLOS FRANÇOSO QUEIROZ
Pesquisador e animador intelectual de tempo integral................ 105
Antonio Hohlfeldt
Prefácio
11
Para entender e aprender
marketing político....................................................................... 111
Mirna Tonus
O papel da POLITICOM nos caminhos do marketing
político no Brasil......................................................................... 116
Mirella Arruda
O global e o local no marketing p
­ olítico:
conhecendo as estratégias............................................................ 120
Adriana C. Omena Santos
Em cena a história das campanhas ­eleitorais
do período republicano............................................................... 125
Igor Aparecido Dallaqua Pedrini
Arte e reflexão nos 40 anos do Salão ­Internacional
de Humor de Piracicaba.............................................................. 128
Jéssica Amorim
Comunicação pública e política: um livro sobre
personagens e histórias da mídia................................................. 131
Milena Buarque
Um novo elo na cadeia de ensino e ­pesquisa sobre
marketing político....................................................................... 134
Priscila Nespolo Vanti
Produção bibliográfica................................................................ 139
4.1 MANUEL CARLOS CHAPARRO
Marli dos Santos (Organizadora especial)
Na linha do tempo, dias de jornalista e pesquisador................... 143
Marli dos Santos
12
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Ética: valor central do jornalismo, ­segundo
Manuel Carlos Chaparro............................................................ 153
Antonio Hohlfeldt
A contribuição de Chaparro à ­Comunicação
Organizacional............................................................................ 163
Wilson da Costa Bueno
O padre, os operários e o jornalista............................................. 175
Dimas A. Künsch
Os fundamentos do jornalismo no blog
“O Xis da Questão”.................................................................... 186
Nelia R. Del Bianco
Produção bibliográfica................................................................ 195
5.1 SONIA VIRGÍNIA MOREIRA
Doris Fagundes Haussen e Roseméri Laurindo
(Organizadoras especiais)
Sintonia jornalística e científica.................................................. 199
Doris Fagundes Haussen
Viagem através do Brasil............................................................. 201
João Batista de Abreu
Rádio no Brasil:
tendências e perspectivas............................................................. 205
Izani Mustafá
O Rádio no Brasil: o fortalecimento dos conteúdos
e da história na Era da Tecnologia.............................................. 212
Luciano Klöckner
Prefácio
13
Os desafios de estudar o rádio..................................................... 215
Mágda Rodrigues da Cunha
Predição sobre o futuro do rádio no século XXI......................... 221
Nelia R. Del Bianco
25 anos de INTERCOM............................................................ 228
Everton Darolt
Rádio em transição: estudo comparado no início
do novo milênio.......................................................................... 231
Ana Baumworcel
O Pensamento da Comunicação brasileira.................................. 235
Carlos Alberto Silva
Um marco na história do rádio em um marco na
pesquisa acadêmica..................................................................... 239
Luiz Artur Ferraretto
Comunicação: ensino e pesquisa................................................. 245
Ben-Hur Demeneck
Radiojornalismo e Repórter Esso................................................ 250
Nair Prata
Enlace disciplinar para compreender a Comunicação................. 254
Miriam Santini
Plural, interdisciplinar e cooperativa........................................... 259
Clóvis Reis
Chamada à ação: um manual para n
­ oticiar a
Educação no rádio....................................................................... 263
Valci Regina Mousquer Zuculoto
Produção bibliográfica................................................................ 268
14
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
6.1 MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE LOPES
Francisco de Assis (Organizador especial)
Travessias híbridas no campo da ­Comunicação.......................... 271
Francisco de Assis
Olhar precursor sobre as audiências populares............................ 290
Maria Aparecida Baccega
Maria Isabel Orofino
Obra pioneira e matricial nos estudos em Comunicação............ 297
Richard Romancini
Para abrir as Ciências da Comunicação:
engendramento do campo e reflexividade
epistemológica e metodológica................................................... 310
Roberta Brandalise
Reflexões sobre ficção televisiva................................................... 325
Marcia Perencin Tondato
Vencendo os desafios da construção de uma rede
internacional de pesquisa............................................................ 337
Maria Cristina Palma Mungioli
Ligia Maria Prezia Lemos
Uma metodóloga da utopia cotidiana......................................... 348
Raquel Paiva
Productos y procesos de integración y organización
académica: diálogos en lengua española...................................... 353
Raúl Fuentes Navarro
Produção bibliográfica................................................................ 362
Prefácio
15
Fortuna Crítica Intercom:
odisseia comunicativa
Maria Cristina Gobbi
Pesquisadora da Unesp
APRESENTAÇÃO
16
Neste volume 6 da coleção “Fortuna Crítica da Intercom –
Baluartes” resgata a contribuição dos ex-presidentes da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação), fruto de um projeto nascido na Cátedra
Unesco/Metodista de Comunicação, no ano de 2013, sob a
coordenação geral do professor José Marques de Melo, seu
Diretor-Titular e contou com o apoio da Intercom.
O material desenha um conjunto de quesitos, nos perfis disponibilizados, que evidenciam as experiências acadêmico-profissionais de um grupo de pesquisadores que se constituem em referências dentro de suas áreas de atuação. As
histórias descrevem trajetórias que evidenciam formas capazes de diminuir as distâncias entre a teoria e a prática comunicativa, distinguindo a criação coletiva como ação transformadora, fruto do exercício de parceria entre pesquisadores e
instituições, que é não só desejável como inevitável nas ciências contemporâneas.
Inserida no contexto das inquietudes, as experiências resultantes das histórias aqui relatadas evidenciam a construção
de novos conhecimentos, superando a fragmentação dos saberes. São resultados de um olhar transformador, permeado
pela combinação teórico-prática, na perspectiva integradora não apenas dos conteúdos, mas e, sobretudo, de pesquisadores e instituição. Assim, à ameaça na formação de um
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
campo da Comunicação autônomo, devido ao uso desconectado dos múltiplos
conhecimentos é superado com a reflexão constante dos perfilados. Os diversos
aportes teórico-metodológicos, resultados das várias pesquisas desenvolvidas ao
longo de suas trajetórias intelectuais, estão voltados a um objetivo maior: o entrecruzamento das ciências, que compõe o campo comunicativo, de modo que
este seja transformado e repensado em função de múltiplos espaços de diálogo.
São os perfis de Margarida Maria Krohling Kunsch, Cicília Maria Krohling
Peruzzo, Adolpho Carlos Françoso Queiroz, Manuel Carlos Chaparro, Sonia
Virginia Moreira e Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Cada pesquisador teve
seu trabalho conceituado por diversos outros, oferecendo para a comunidade
acadêmico-científica múltiplas análises, diversos olhares, mas sem perder de
foco a centralidade das contribuições desses precursores. Contribuíram com
suas reflexões: Claudia Peixoto de Moura, Cleusa Maria Andrade Scroferneker,
Sidnéia Gomes de Freitas, Maria Aparecida Ferrari, Paulo Nassar, Rodrigo
Congo, Elizabeth Pazito Brandão, Celsi Brönstrup Silvestrin, Luiz-Alberto de
Farias, Ana Lúcia Romero Novelli, Luiz Carlos Iasbeck, João José Azevedo Curvello, Ivone de Lourdes Oliveira, Rudimar Baldissera, Heloiza Matos, Doris
Fagundes Haussen, Eugênia Mariano da Rocha Barichello, Orlando Maurício
de Carvalho Berti, Antonio Hohlfeldt, Mirna Tonus, Mirella Arruda, Adriana
C. Omena Santos, Igor Aparecido Dallaqua Pedrini, Jéssica Amorim, Milena
Buarque, Priscila Nespolo Vanti, Marli dos Santos, Wilson da Costa Bueno, Dimas A. Künsch, Nelia R. Del Bianco, Doris Fagundes Haussen, João Batista de
Abreu, Izani Mustafá, Luciano Klöckner, Mágda Rodrigues da Cunha, Everton
Darolt, Ana Baumworcel, Carlos Alberto Silva, Luiz Artur Ferraretto, Ben-Hur
Demeneck, Nair Prata, Miriam Santini, Clóvis Reis, entre outros.
Os perfis analisados e os textos disponibilizados apontam que se faz necessário estar atento para enxergar a polaridade, sem delimitar fronteiras, mas
visualizando os cenários e os atores que nele encenam diariamente seus cotidianos comunicativos. E é com esse espírito que a Intercom vem construindo sua
história ao longo de seus quase 40 anos de existência. Os caminhos percorridos
pela entidade demonstram a luta pela consolidação e sobrevivência de um campo multidisciplinar, permeado por muitas diferenças. Por outro, evidencia que
as possibilidades desbravadas pela entidade e por aqueles que têm contribuído
em sua gestão ao longo desse período têm estimulado a pesquisa e produzido
alternativas capazes de permitir o entendimento da Comunicação como um
campo científico do conhecimento.
A leitura atenta e crítica do tomo permitem perceber o acercamento entre
o campo comunicacional, as indústrias midiáticas e a sociedade, contida nos
perfis e nas análises críticas das principais obras tratadas no volume, possibiliApresentação
17
tam que todos sejam sujeitos das investigações, balizando referências conceituais
que universalizam características comunicativas e subsidiam políticas públicas
capazes de atender as necessidades informativas em todos os âmbitos da Comunicação. Através de um determinismo que extrapola os guetos acadêmicos
e as miradas pessoais, os resultados das várias contribuições convergem para a
amplitude que o processo comunicativo estabelece para ser efetivo. Um espaço
amplo, plural e democrático.
Inverno de 2014
18
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
MARGARIDA MARIA
KROHLING KUNSCH
Cláudia Peixoto de Moura (PUCRS)
(Organizadora especial)
Referência para Comunicação
­Organizacional e Relações Públicas
Cláudia Peixoto de Moura1
1.1
KUNSCH
Perfil da Homenageada
Identificada com as áreas de Comunicação Organizacional
e de Relações Públicas, Margarida é a diretora da Escola de
Comunicações e Artes - ECA, da Universidade de São Paulo - USP, em 2013. Sua formação acadêmica teve início no
Espírito Santo, em Cachoeiro de Itapemirim, onde cursou o
ensino fundamental e o ensino médio, também atuando na
cidade como professora do primeiro e segundo graus. Já a
graduação em Relações Públicas foi realizada na capital paulista, na Universidade Anhembi Morumbi - UAM (1977).
Continuou seus estudos na Universidade de São Paulo, obtendo os títulos de mestre (1985), doutora (1991) e livre-docente (1996).
Kunsch se vinculou a várias instituições de ensino superior
como professora. Fez parte da Universidade de Mogi das
1. Professora Titular da Faculdade de Comunicação Social – FAMECOS/PUCRS. Doutorado em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes – ECA, da Universidade de São
Paulo – USP. Pós-Doutorado no Departamento de Filosofia, Artes e Comunicação FAC, da Faculdade de Letras, da Universidade
de Coimbra.
Margarida Maria Krohling Kunsch
21
Cruzes – UMC; da Universidade Anhembi Morumbi – UAM; da Faculdade
de Comunicação Social e Turismo de Santo Amaro – FCSTSA, na qual coordenou o curso de Relações Públicas; da Faculdade de Comunicação Social Cásper
Líbero – FCSCL; e da Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, onde
criou a Agência Experimental de Relações Públicas e foi coordenadora do curso
de Relações Públicas. Na ECA-USP, iniciou como docente convidada (1986),
passando a efetiva com dedicação exclusiva em 1989. Desde 2005, é professora
titular, atuando na graduação como coordenadora do curso de Relações Públicas por duas ocasiões e como chefe de departamento. Na pós-graduação, já foi
presidente da Comissão, vice-coordenadora do Programa e coordenadora de
Área. Criou, em 1999, e coordena o curso lato sensu de “Gestão Estratégica em
Comunicação Organizacional e Relações Públicas”.
Quanto às entidades científicas e associações de classe, Margarida ocupou
diversos cargos diretivos, no Brasil e no exterior. Merecem registro a Associação
Brasileira de Relações Públicas/Seção São Paulo – ABRP/SP; a União Cristã
Brasileira de Comunicação Social – UCBC; a Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, na qual foi presidente em
duas gestões; a Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación
- ALAIC, onde assumiu a vice-presidência em dois momentos e a presidência
em mais dois períodos; a International Association for Media and Communication Research – IAMCR; a Associação Ibero-Americana de Comunicação - ASSIBERCOM, sendo cofundadora e vice-presidente; a Associação Brasileira de
Agências de Comunicação; a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial – ABERJE; a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP, sendo criadora e presidente
por duas gestões; a Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas da Comunicação – SOCICOM, na qual é a presidente. Igualmente, atua em
instituições públicas de fomento à pesquisa, como colaboradora do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (pesquisadora
de nível 1B); da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– CAPES; da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Também é colaboradora da Scielo – Scientific Electronic Library Online.
Seus projetos de pesquisa estão focados em comunicação organizacional e
em relações públicas, abordando questões políticas e estratégicas, de gestão e de
planejamento, de sustentabilidade e de humanização, em organizações públicas
e privadas, com as perspectivas para o campo acadêmico e a produção científica.
Recebeu inúmeras premiações e homenagens, de instituições de ensino superior, de entidades de pesquisadores, de entidades profissionais, de veículos de
comunicação. Participou como avaliadora institucional e consultora de vários
22
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
cursos de Comunicação Social no Brasil, em universidades públicas e privadas.
Foi presidente da Comissão de Especialistas da Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Relações Públicas (2010). Kunsch é membro
do conselho editorial de diversos periódicos científicos, brasileiros e estrangeiros. É criadora e diretora da Organicom – Revista Brasileira de Comunicação
Organizacional e Relações Públicas, e da Revista Latinoamericana de Ciencias de
la Comunicación, desde 2004.
Em termos numéricos, participou de mais de 270 bancas de trabalhos de
doutorado, de mestrado, de especialização e de graduação, além de mais de 60
comissões julgadoras. Orientou mais de 210 trabalhos de pós-doutorado, doutorado, mestrado, especialização, graduação e iniciação científica. Também participou de mais de 190 eventos, nacionais e internacionais, para conferências,
palestras, cursos de curta duração, apresentações de trabalhos. Organizou mais
de 40 eventos, no Brasil e no exterior, entre congressos, fóruns, seminários, simpósios, colóquios e ciclos de estudos. Em sua produção bibliográfica há quase
100 textos de apresentações, prefácios, depoimentos, relatos, editoriais referentes a obras diversas de outros autores. Até janeiro de 2013, havia 25 artigos seus
em periódicos, 68 capítulos de livros e 36 livros publicados ou organizados. Ou
seja, sua trajetória acadêmica revela o compromisso com o ensino e a pesquisa
na área, cujas ideias estão consolidadas na comunidade científica.
Suas obras para a constituição da Fortuna Crítica foram selecionadas com
base nas produções ocorridas de 1986 a 2012. Treze livros foram considerados,
entre aqueles de sua autoria ou organização, e estão registrados em ordem cronológica de edição. Os capítulos de livros foram escolhidos de obras organizadas
por Kunsch. Igualmente, os dois artigos publicados em edições especiais das
duas revistas científicas, citadas anteriormente, fazem parte da seleção devido ao
fato de terem sido criadas por Margarida. Assim, quinze referências bibliográficas foram analisadas por pesquisadores da área, que conviveram com a homenageada em determinadas etapas de sua vida, na ECA-USP, na Abrapcorp, na
INTERCOM, na Alaic, na Aberje, e em outros espaços institucionais, indicando suas temáticas de interesse ao longo do tempo.
Com base nos registros recebidos de vários dos convidados, Margarida
Kunsch pode ser definida como um baluarte que guia passos e ilumina caminhos
das práticas e da institucionalização dos referidos campos, a partir de sua visão de
contexto e de seus conceitos, de suas experiências e de suas contribuições teóricas, de
sua sensibilidade e arte de planejar, de seu posicionamento a respeito da gestão e da
estratégia de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas.
Margarida Maria Krohling Kunsch
23
MARGARIDA MARIA
KROHLING KUNSCH
Livros Publicados e Suas Edições
Planejamento de relações públicas na
comunicação integrada
Edições – 1986, 2002 e 20031
por Cleusa Maria Andrade
Scroferneker (PUCRS)
1.1
KUNSCH
A possibilidade de comentar a produção bibliográfica de
Margarida M. K. Kunsch é um privilégio, especialmente em
se tratando de uma obra emblemática como Planejamento de
relações públicas na comunicação integrada. Essa obra, que faz
parte da coleção ‘Novas buscas em comunicação’, publicada
inicialmente em 1986, é fruto da sua dissertação de mestrado, realizado na Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo – ECA-USP, e conta com a apresentação
de Cândido Theobaldo de Souza Andrade. Acredita-se ser
possível afirmar que esse livro, desde a sua primeira edição,
constitui-se em uma referência para a área de relações públicas, por introduzir a concepção da filosofia da Comunicação
Integrada como um novo paradigma.
Considerando que a obra foi publicada em 1986, identifica-se desde já a clareza e a visão da pesquisadora em relação a
uma área que ainda estava em busca de reconhecimento e legitimação na década de 80. Ao discorrer sobre conceitos de
organização como sistema social e planejamento organizacional,
1. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada.
São Paulo: Summus, 1986 (Novas buscas em comunicação, v.17)
foi a primeira edição. Em 2003, foi publicada a 4.ed.ver.atual. e
ampl. (Novas buscas em comunicação, v.69).
Margarida Maria Krohling Kunsch
25
­ unsch construiu um arcabouço teórico significativo sobre ‘planejamento de relaK
ções públicas’. No último capítulo desse livro, com 174 páginas e organizado em
quatro capítulos, apresentava as possibilidades das Relações Públicas no composto
da Comunicação Integrada, ancorando as suas conclusões em pesquisa de campo
realizada mediante questionário aplicado para o diagnóstico das organizações, em
função do planejamento de relações públicas numa Comunicação Integrada.
Em 2003, foi lançada uma nova edição (4ª edição) revista, atualizada e ampliada da obra Planejamento de relações públicas na comunicação integrada, agora
com 417 páginas e nove capítulos. Se a primeira edição já era uma obra de referência, essa nova edição reafirmou-se como leitura obrigatória, especialmente
nos cursos de Relações Públicas. Nessa obra, a pesquisadora revisita e amplia
conceitos e perspectivas que faziam parte do livro de 1986. Assim, o capítulo sobre Organização como sistema social foi atualizado e redimensionado, incluindo
as Organizações no sistema social global. O tema sobre O indivíduo e as organizações passou a compor esse capítulo, que inclui também uma revisão conceitual
sobre organizações e instituições, sobre as tipologias e formatos organizacionais
sob a perspectiva de diferentes autores e A nova arquitetura organizacional.
A Comunicação nas Organizações, As Relações Públicas nas Organizações,
Planejamento Estratégico direcionado para a comunicação organizacional, Pesquisa e auditoria em Relações Públicas foram novos temas incluídos e discutidos
nessa edição. É importante reiterar a preocupação da pesquisadora em relação
às precisões conceituais e a inclusão de temáticas - que até então não eram
encontradas nas [poucas] obras disponíveis sobre relações públicas - que são
desenvolvidas e sistematizadas, de forma clara e com fundamentação teórica
consistente. A comunicação organizacional e as relações públicas já se configuram nessa obra como áreas complementares. Por sua vez, os capítulos referentes
ao Planejamento Organizacional, Relações Públicas no composto da Comunicação
Integrada foram ampliados, atualizados e renomeados. No que tange à Comunicação Integrada, um diagrama é apresentado para explicar as modalidades dessa
filosofia, com descrição detalhada das subáreas que a compõe, o que revelou um
avanço conceitual, ao materializar em figura, o seu entendimento [atualizado]
do Composto da Comunicação Integrada.
Chama-se atenção para o fato de que no livro Relações Públicas e modernidade:
novos paradigmas na comunicação organizacional (1997)2, Kunsch já havia proposto
um esquema para visualizar esse composto. Na obra de 2003, essa figura é atuali-
2. Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
26
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
zada, sendo apresentada então como um diagrama3. O planejamento, que é o fio
condutor da obra e que articula os demais temas, é abordado e detalhado com base
em autores de referência, que auxiliam na compreensão da sua relevância para as
áreas de relações públicas e comunicação organizacional. Esse é outro aspecto que
distingue essa obra, ou seja, a revisão teórica sobre planejamento para fundamentar
as abordagens voltadas para o Planejamento estratégico direcionado para a comunicação organizacional e para o Planejamento de relações públicas nas organizações.
Essa revisão inclui no capítulo 9 as distinções e especificidades conceituais entre Planos, projetos e programas de relações públicas, possibilitando clareza
quando voltados especificamente para o planejamento da comunicação [organizacional] e de relações públicas. O detalhamento em quadros síntese para a Formulação de um plano estratégico de comunicação organizacional, e das Estruturas
de um projeto global de comunicação, de um projeto específico de comunicação e de
um programa de relações públicas, ainda hoje são utilizados pelos profissionais,
professores e alunos das áreas de Comunicação, especialmente de Relações Públicas, para pensar e elaborar um planejamento.
A obra Planejamento de relações públicas na comunicação integrada revelou
uma pesquisadora transgressora, no sentido atribuído por Lia Luft (2004). Para
essa escritora, pensar é transgredir4, pois “[...] Pensar pede audácia, pois refletir é
transgredir a ordem superficial que nos pressiona tanto”. É importante destacar
uma fala da Margarida que evidencia essa transgressão assumida e consentida:
Na época, alguns não compreenderam minhas ideias, achando que eu
estava desmerecendo a importância das Relações Públicas ao propor a
integração das áreas afins da Comunicação Social, por meio de uma filosofia e de uma política de comunicação integrada. No entanto, para mim
estava muito claro a necessidade de ver as Relações Públicas de uma forma mais abrangente e sem um viés regulatório e corporativista que não
atendia mais às novas demandas da sociedade (KUNSCH, 2009, p.187).
Ao aceitar as implicações da transgressão, do pensar diferente, suas obras e ações
asseguram à Margarida M. K. Kunsch um lugar de destaque como Baluarte.
3. Na obra Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. São
Caetano do Sul: Difusão Editora, 2008, uma nova atualização é realizada, redefinindo
as grandes áreas e algumas de suas características.
4. Pensar é transgredir é o título do livro e também de uma das crônicas que fazem parte
do referido livro. LUFT, Lya. Pensar é transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2004.
Margarida Maria Krohling Kunsch
27
Universidade e Comunicação na
­edificação da sociedade (1992)
por Sidinéia Gomes Freitas
(ECA-USP)
1.1
KUNSCH
28
A título de introdução, a autora apresenta ao leitor as linhas
mestras dos capítulos da obra e as preocupações que a levaram ao desenvolvimento do tema. Destaca questões pertinentes à democratização do conhecimento e à difusão do
produto científico nas universidades. Para o desenvolvimento
das questões efetuou pesquisa de campo em universidades
nacionais e internacionais. Compara realidades distintas e
demonstra as contribuições das atividades de comunicação
como facilitadoras da democratização do conhecimento e,
principalmente, como difusoras do produto científico. São
cinco capítulos intitulados: Repensando o conceito de universidade; Produção científica na universidade; Difusão da produção
científica na universidade; Comunicação na universidade e Planejamento da comunicação na universidade.
O cenário em que se desenvolveu a obra no meio acadêmico, notadamente no campo da comunicação, era de ampla
discussão e inserção de assessorias ou coordenadorias de comunicação nas universidades. Projetos em desenvolvimento
elaborados por profissionais da comunicação eram analisados
e discutidos em eventos científicos, justificando a necessidade
de se ampliar a pesquisa, correlacionando universidade e comunicação. Assim, Margarida inicia sua obra caracterizando
a universidade enquanto organização formal e, com base em
Amitai Etizioni, afirma que são os diferentes tipos de contro-
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
le e funções desempenhadas na sociedade que as diferencia. Cita ainda Blau e
Scott, Katz e Kahn indicando diversidade de visões na literatura. Universidades
são organizações normativas, de serviços, organizações de manutenção, organizações de adaptação. Um quadro resumo na página 22 ilustra as referências citadas. Passa, a seguir, de uma visão didática funcionalista para uma visão crítica e
uma análise de cenário político do Brasil. Com base em autores como Florestan
Fernandes, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, Moacir Gadotti, Cristovan Buarque
e outros aborda o papel da universidade na sociedade moderna e finaliza concordando com Eunice Ribeiro Durhan, que não as considera nem boas nem más,
mas necessárias onde duas medidas se impõem: liberar as amarras burocráticas
e estabelecer novos sistemas de financiamento. A questão de liberar as amarras
burocráticas permanece. Em contrapartida, é possível visualizarmos novos sistemas de financiamento na pesquisa de campo elaborada por Margarida.
O capítulo 2 destina-se a analisar a produção científica na universidade.
Com base em ampla pesquisa de campo nas universidades brasileiras, passa por
questões estruturais como a criação de departamentos, a improdutividade denunciada pelo jornal Folha de São Paulo (lista dos improdutivos), a dissociação
entre ensino de graduação e pesquisa científica, o papel dos órgãos de fomento
à pesquisa – Capes e CNPq, o peso das publicações (publicar ou perecer é o
lema). O fato é que houve crescimento nas universidades brasileiras (ver quadro
2 acerca do Ensino de Pós-Graduação no Brasil - p.150). Das 29 universidades
que responderam ao questionário enviado pela autora, 55,17% disseram que,
só em termos, a pesquisa ocupa uma posição de destaque dentro das instituições de ensino. Professores e pesquisadores mais experientes afirmarão, sem temeridade, que são as universidades públicas que oferecem condições mínimas
para o desenvolvimento do binômio ensino e pesquisa. Via de regra, ainda que
com honrosas exceções, o fomento à pesquisa na iniciativa privada é bastante
precário. O que encontramos são grandes conglomerados que funcionam como
hipermercados onde a educação, geralmente em nível de graduação, é a mercadoria. E bastante lucrativa.
E quando a produção científica existe, a sociedade nem toma conhecimento.
Não é natural a divulgação do conhecimento como fator intrínseco ao desenvolvimento social. E o jornalismo científico, que contribuições oferece para a
divulgação científica? São questões tratadas no capítulo 3. Pelo que se percebe
há uma dificuldade de ambos os lados nas relações profissionais entre jornalistas e pesquisadores. Interesses subjetivos de caráter profissional por parte dos
jornalistas e interesses de pesquisadores nem sempre convergem. São os jornais
locais ou regionais que oferecem mais retorno para a divulgação científica das
universidades. Apenas os jornais de São Paulo e Rio de Janeiro são utilizados de
Margarida Maria Krohling Kunsch
29
forma nacional. Um dado a destacar é que 24,08% da amostra pesquisada não
aproveitam jornais de maior circulação para difundir sua produção científica. Se
por um lado o jornalismo científico tem problemas no desempenho de seus profissionais, as universidades também deixam a desejar na sua comunicação com
a sociedade. Nas revistas a situação é pior e no rádio e televisão as relações entre
universidades e sociedade são totalmente frágeis. As universidades falam mais
consigo mesmas e procuram divulgação científica por meios próprios (quando
tem), criando um mundo à parte perante a sociedade “civil”. Das 29 universidades que responderam ao questionário, a revista científica da própria universidade apresentou um percentual da ordem de 40,13%. Isto não significa que
o jornalismo não exista nas universidades, porque nos jornais diários o avanço
é significativo. O que mais causa frustração ao profissional de comunicação é
que apesar da existência de laboratórios de rádio e TV, em muitos casos bem
equipados, as universidades sequer otimizam, para si, os investimentos feitos
na formação de seus alunos. Claro que sempre há honrosas exceções. É o caso
da Agencia Universitária de Notícias da USP - AUN que adquiriu maior relevância com José Marques de Melo. Depois, sob a liderança de Manoel Carlos
Chaparro, com o Pré-Pauta, a divulgação científica assumiu maior abrangência
e performance adequada a um veículo impresso de divulgação científica. Chaparro cuidou do comportamento ético que só favoreceu as relações entre jornalistas e cientistas. Outra iniciativa correta apontada é o trabalho desenvolvido
pelo Centro de Divulgación Científica Plaza Houssay, da Universidade de Buenos
Aires. A autora também registra a questão da divulgação científica em programas televisivos externos ao meio acadêmico, como o Globo Ciência, o Globo
Ecologia e destaca o importante papel da SBPC na divulgação científica. Cita
o programa “Uma janela aberta para o mundo”, da Rádio Cultura de Brasília.
O que realmente falta são políticas definidas no que tange à comunicação
das universidades com a sociedade. Destarte, a autora passa a discorrer acerca da
comunicação nas universidades no capítulo 4 da obra. É neste capítulo que percebemos a valiosíssima contribuição da professora na obra aqui analisada. O capítulo começa de forma didática, útil aos programas de graduação, mas adquire
substancia quando apresenta sua pesquisa de campo efetuada em duas grandes
universidades da Alemanha. Compara a Universidade de Munique e a Universidade Católica de Eichstatt. Com o subtítulo Comunicação e Ciência em duas
Universidades alemãs demonstra as políticas de comunicação das universidades,
as estruturas de comunicação das assessorias lá existentes e o fato de que ambas
contam não só com o apoio do governo como da sociedade. Traçam políticas
que abrangem todo o território europeu. Contam com profissionais de diversas
habilitações do campo da comunicação e não utilizam a Comunicação Integrada
30
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
enquanto tipo, mas sim como filosofia que norteia as ações comunicativas das
assessorias de comunicação das organizações universitárias. No caso da Universidade de Munique, a participação da Sociedade dos Amigos e Divulgadores da
Universidade pagam taxa anual para que se mantenham informados acerca de
sua divulgação científica. A assessoria de comunicação da universidade integra
a Associação dos Agentes de Relações Públicas e Informação das Universidades
Europeias - Euprio, indicando políticas macro e nada egoístas. O ministro da
Educação da Comunidade Europeia está envolvido, assim como os reitores das
universidades. A Universidade Católica de Eichstatt conta com uma associação
que apoia financeiramente projetos de pesquisa, colóquios, simpósios, impressão de trabalhos científicos e dissertações, intercâmbios internacionais, eventos culturais e até excursões científicas. Para finalizar, a professora deixa como
exemplo o trabalho que vem desenvolvendo com tanto brilhantismo e em tão
pouco tempo a jovem Universidade de Campinas – UNICAMP, que investiu
na área de comunicação de forma contundente. Contava com 30 profissionais
de comunicação; dois ou três eventos por dia, abertos ao público em geral; dez
profissionais de relações públicas trabalhando na época em que se deu a pesquisa
(1992). Uma informação que um profissional de relações públicas não pode
deixar de registrar é o fato de que, mesmo na UNICAMP, a comunicação interna não utiliza recursos com bom retorno e pouco investimento, como a caixa de
sugestões, e não executa seu telejornal. Afinal, políticas de comunicação corretas
são traçadas de dentro para fora das organizações.
No último capítulo, a autora fornece as linhas mestras para o planejamento
da comunicação na universidade. Apresenta uma proposta para que se efetive
as etapas do planejamento, a começar pelas políticas de comunicação que devem ser definidas, passando por briefing, auditorias, diagnóstico e a sequência
natural do planejamento científico na filosofia da Comunicação Integrada. Sem
dúvida uma proposta importante para as organizações universitárias.
Margarida Maria Krohling Kunsch
31
Relações Públicas e modernidade –
­novos paradigmas na comunicação
organizacional (1997)
por Maria Aparecida Ferrari
(ECA-USP)
1.1
KUNSCH
32
A década de 1990 foi pródiga na literatura das relações públicas no Brasil e nos demais países da América Latina. Razões não faltam para explicar esse fenômeno que se iniciou
com a abertura política e econômica da maioria dos países
da região, o avanço da tecnologia que superou as distâncias
geográficas, a instalação do curso universitário de Relações
Públicas em praticamente todos os países e um olhar mais
atento dos líderes políticos e de empresários de outros continentes para a América Latina com o objetivo de investir e
aumentar seus negócios.
Nesse período, a modernidade e a globalização passaram a ser
fenômenos analisados como “vilões e benfeitores” para explicar a nova realidade latino-americana que começou a surgir
como um espaço político estável e economicamente viável.
O restabelecimento das instituições democráticas criou um
cenário que impulsionou a sociedade a cobrar seus direitos,
seja no relacionamento com empresas por meio de seus produtos e serviços, como pela exigência de um serviço público
mais transparente e ético.
Estudos da época mostram que as organizações passaram a
incorporar a comunicação como uma atividade formal apresentada nos organogramas de suas estruturas, mesmo que na
prática do dia-a-dia as funções ainda se encontravam mais
relacionadas a funções táticas de produção de instrumentos
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
de comunicação, do que as estratégias ligadas à análise de cenários. Apesar do
viés tático, a área de relações públicas cresceu e se expandiu nas organizações
públicas, privadas e no terceiro setor.
Com a publicação, em 1985, do livro Planejamento de relações públicas na
comunicação integrada, Margarida M. K. Kunsch passou a ser a acadêmica brasileira que capitaneou o novo ciclo na área das Relações Públicas no país. Sua
atuação na academia, a partir de 1977, proporcionou à autora vasta experiência
no mundo das comunicações, especialmente das relações públicas, profissão que
abraçou desde o início de sua carreira.
Sua trajetória proporcionou, em 1997, a publicação da obra Relações Públicas
e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional que pode ser
considerada como uma radiografia do momento histórico, uma vez que apresenta novos paradigmas na comunicação organizacional. Francisco Gaudêncio
Torquato do Rego foi o autor do prefácio da referida obra e, sabiamente, ele
reforça esse texto quando diz:
[...] hoje, a comunicação empresarial está consolidada, nas estruturas,
nas linguagens, na configuração dos veículos, nos programas, bem como
na profissionalização dos quadros. O resultado é esta bela radiografia,
tão bem pesquisada e definida pela professora Margarida. Trata-se de
uma obra que merece estar na bibliografia de todos os cursos de relações
públicas e comunicação empresarial.
Cuidadosamente estruturado, o livro está dividido em cinco capítulos. Os três
primeiros capítulos são fruto de pesquisas desenvolvidas pela acadêmica que faz
uma análise crítica da trajetória das relações públicas no país até a década de 1990.
Aqui é importante destacar a relevância dos resultados apresentados sobre a produção científica em relações públicas, de 1950 a 1995, até então inédito na academia.
O segundo capítulo traz a discussão sobre o processo histórico da comunicação
organizacional no Brasil, assim como os principais conceitos e a visão do mercado.
O capítulo três aplica os conceitos apresentados no capítulo anterior e, por meio de
pesquisas, trata de “ouvir a voz do mercado”. Como resultado das pesquisas, a autora destaca a substituição de ‘Relações Públicas’ por ‘Comunicação’, como demonstra na página 87 da obra. Segundo Kunsch, os entrevistados opinaram que “os
tempos mudaram e o conceito de comunicação é mais abrangente”. Tal resultado,
na época, apontava para as mudanças rápidas ocorridas a partir da década dos anos
1990. Hoje, esse enfoque é questionado, uma vez que, utilizando a classificação
lógica, a comunicação deve ser tratada como uma grande área (categoria - gênero
supremo) e as relações públicas como uma área (gênero subalterno).
Margarida Maria Krohling Kunsch
33
No capítulo quatro, em aproximadamente 35 páginas, Kunsch apresenta os
novos paradigmas das relações públicas estabelecidos por pesquisadores norte-americanos. Em 1993, Otto Lebinger, professor emérito da Universidade de
Boston, ministrou conferência magna durante evento realizado na Pontificia
Universidad Católica de Chile, em Santiago, e apresentou pela primeira vez a
tipologia dos modelos de prática de relações públicas desenvolvida por James E.
Grunig e Todd Hunt (1984). Esse novo paradigma, até então inédito na América Latina, foi traduzido e aplicado em organizações brasileiras e chilenas, sendo
confirmada a validade do modelo em questão por Maria Aparecida Ferrari, na
época orientanda de Margarida M. K. Kunsch. A divulgação da referida teoria
foi realçada por Kunsch, quando afirmou em sua obra que “queremos fazer uma
reflexão sobre seus principais fundamentos e apresentar novos rumos em delineamento, que podem contribuir para repensar essa atividade na atual conjuntura”.
Desta forma, a publicação do livro Relações Públicas e modernidade – novos paradigmas na comunicação organizacional proporcionou, na época, para os
pesquisadores, estudantes e profissionais, acesso a um enfoque absolutamente
inovador e que ajudou a caracterizar as práticas comunicacionais nas organizações brasileiras. Completando o capítulo, Kunsch tratou das diferenças entre
as relações públicas e o marketing, assunto até então bastante confuso entre os
acadêmicos, com a colaboração de outro especialista, Philip Lesley.
O capítulo final proporciona ao leitor um novo caminho da comunicação
para a modernidade. Recorre à literatura das ciências humanas, sociais, políticas, econômicas e da comunicação para contextualizar a modernidade e a
sociedade contemporânea. Nesta reflexão, Kunsch explica que a comunicação
será a “mola propulsora” que permitirá viabilizar o processo de mudanças na
sociedade atual. Apresenta a atividade de relações públicas como uma estratégia
eficiente para as organizações modernas e destaca temas contemporâneos para o
comunicador, como o gerenciamento de conflitos e a responsabilidade social. O
fecho do capítulo está dedicado a sintonizar a prática das relações públicas em
um espaço regido pela integridade e ética. Para tanto, é necessária a formação e
a reciclagem profissional como condição sine qua non à legitimação da função
de comunicador nas organizações.
Passados mais de 15 anos da publicação de Relações Públicas e modernidade –
novos paradigmas na comunicação organizacional, o conteúdo da obra continua
a inspirar gerações na prática das relações públicas no Brasil. Margarida M. K.
Kunsch revela sua veia de pesquisadora e incentivadora da área da comunicação
e sua produção acadêmica tem sido acompanhada por sua ativa e permanente
participação junto às entidades da categoria, como INTERCOM, Alaic, Confibercom, Socicom, Abrapcorp, entre outras.
34
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Seu legado tem ajudado milhares de estudantes a trilhar o caminho das relações públicas, atividade que sempre defendeu nas suas aulas, nos seus livros e
nas associações da área. A modernidade pregada por Margarida M. K. Kunsch
está em entender as relações públicas mais do que uma técnica, mas como uma
função social e mediadora dos relacionamentos.
Margarida Maria Krohling Kunsch
35
MARGARIDA MARIA
KROHLING KUNSCH
Livros Organizados e Capítulos
­Publicados
Obtendo resultados com relações públicas
Edições – 1997, 1999, 2001 e 2004 (1ª. edição); 2006 e 2011 (2ª. edição)
Capítulo: Planejamento estratégico
para a e­ xcelência da comunicação
por Paulo Nassar (ECA-USP, ABERJE) e
Rodrigo Cogo (ABERJE)
1.1
KUNSCH
O que falar sobre mais esta etapa de registro da trajetória de
Margarida Kunsch? Talvez seja importante começar pelo simbolismo da organização de todo o livro e do postulado presente no artigo, que é tão relevante quanto a sempre precisa
elaboração intelectual da pesquisadora. A referência para esta
constatação é variada: de uma vez só ela conseguiu reunir e
entregar vários postulados que a acompanham desde o início
de seus estudos e carreira docente – atentar de maneira visionária para temas emergentes sobre comunicação corporativa;
estimular, mobilizar e concretizar parceria entre profissionais
de múltiplas formações e origens; e promover intercâmbio e
sinergia entre os esforços de pesquisadores acadêmicos e profissionais de mercado. E tudo isto embalado numa vontade
de ampliar a ação da Escola de Comunicações e Artes, da
Universidade de São Paulo (ECA-USP) em formar pessoas e
preparar quadros profissionais de qualidade para atender as
necessidades do país. Sem dúvida, foi um empreendimento
de pleno êxito: quatro tiragens de uma primeira edição a partir de 1997, e até agora duas tiragens da segunda edição em
2006 e 2011, inclusive com revisão dos 20 textos integrantes.
Estamos falando de Obtendo resultados com relações públicas.
Margarida Maria Krohling Kunsch
37
Como permanente defensora das relações públicas, Kunsch convidou meticulosamente os autores para, com o conjunto das leituras, credenciar relações
públicas num cenário de mudanças comportamentais da sociedade, também
diante de um certo cansaço de técnicas persuasivas publicitárias. Era a emergência de um profissional habilitado a um novo padrão de relações, e não só de
consumo. Seria um agente que não abandonava o atendimento de demandas de
mercado, mas considerava as aspirações socioculturais entremeadas e não menos
preponderantes. De um relações públicas vindo de uma ação parcial, cosmética
ou manipuladora, ligado às origens de sua regulamentação no período militar,
ela visualiza sua essência que, com postura ética, busca transparência e abertura,
caminhando pela transmissão de informações até chegar ao diálogo. Trata-se de
uma perspectiva que contempla o caráter diplomático da área, no sentido de
postar-se como um grande negociador de entendimentos e ganhos amplos para
todos os interagentes.
Apresentado pela própria Editora Cengage Learning como “uma publicação
inédita na história das relações públicas no Brasil” (2011), o livro de 275 páginas é formatado em três grandes partes: 1) Relações Públicas: conceitos básicos
e funções estratégicas – composta por seis capítulos que desenvolvem elementos
de reflexão para a prática profissional; 2) Relações Públicas: técnicas e instrumentos – com mais seis capítulos, discorre sobre práticas do dia-a-dia do profissional; e 3) Relações Públicas: mercado de trabalho – reservada para apresentar
as possibilidades do mercado de trabalho para a área de relações públicas, promissora para quem se modernizar e se dispuser a enfrentar os grandes desafios
da sociedade globalizada. De maneira exemplar, Margarida Kunsch demonstra
aqui a necessidade do planejamento e da gestão estratégica da comunicação
organizacional no contexto da sociedade contemporânea.
Especialmente em seu artigo Planejamento estratégico para a excelência da
comunicação, que compõe o capítulo 3 da primeira parte, assinala que o cenário
da complexidade nos pontos de vista socioambiental e sociocultural configura
a exigência do surgimento de alguma ferramenta de criação e de orquestração
de esforços administrativos e comunicacionais nas organizações, para uma otimização de recursos e de percepções e para a própria longevidade do negócio.
Transformações significativas no final do século XX são trazidas por ela como
justificativas para a adoção de alterações nas estratégias de gestão e de informação e relacionamento. O fenômeno da globalização é um dos pontos ressaltados,
integrante de um novo paradigma para entender o mundo. Com ele, aponta
uma série de aspectos decorrentes, tais como a desregulamentação dos mercados
financeiros, a privatização de empresas públicas, as novas tecnologias de informação e comunicação e a desregulamentação jurídica. Citando Mattelard, a
38
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
autora conforma um postulado essencial do texto: as novas responsabilidades da
empresa como ator social de pleno direito, cada vez mais agindo politicamente
sobre o conjunto de problemas da sociedade. Mais do que nunca, portanto, o
planejamento estratégico fica dado como imprescindível para contemplação do
atendimento das necessidades tanto inerentes à operação (impostos, empregos,
matérias-primas) quanto àquelas que exercem e concretizam uma escala de valores e um entendimento de interdependência com públicos de relação.
Kunsch, na edição revisada, já incorpora um dos autores que seria celebrado mundialmente tempos depois, ao falar em “sociedade em rede” – Manuel
Castells, demonstrando seu olhar preciso sobre as reflexões que estão em andamento a respeito do aparato tecnológico de interconexão, que viria a se dar em
larga escala nos anos seguintes da obra. Diz ela: “é exatamente no âmbito dessa
nova sociedade e de cenários mutantes e complexos que as organizações operam,
lutam para se manter e para cumprir sua missão e visão e para cultivar seus valores”. E com isto, defende que as organizações, mais do que nunca, não poderão
prescindir de uma comunicação viva e permanente sob a ótica de uma política
de relações públicas. Não há outro caminho para desenvolver este enfoque sem
a transparência, outro ponto abordado na sequência de seu raciocínio.
A autora, então, após perfilar todas as condições propícias para uma comunicação de resultados, passa a postular que a fluidez e a confiança nestes
processos se fortalecem mediante a aplicação da metodologia do planejamento
estratégico. Aliás, historicamente foi ela quem teceu com mais habilidade os
laços indissociáveis entre comunicação e gestão – desde a original concepção
da comunicação integrada no final dos anos 80. Margarida envereda constantemente a este traçado inspirador e antecipatório para o que, tempos mais tarde,
todos acharão coerente e indispensável.
Aliás, vem da ótica do planejamento estratégico uma questão altamente badalada, e que ela sempre articulou e ensinou: a absoluta relevância da análise
ambiental interna, externa, setorial e de tarefa como partida para quaisquer esforços posteriores em termos de definição de interfaces comunicativas. O campo da inteligência comunicacional, ou do tão atual big data, é uma das sensações
da atualidade, e neste artigo já fica esboçado a partir do amparo de autores
tradicionais em administração. Este alinhavo entre pensamento estratégico e
contextual com a cultura organizacional e com as expressões narrativas e atitudinais das empresas e instituições junto a seus stakeholders é o fator de destaque
deste seu texto - mais ainda, se observada a época em que foi escrito, sobre o
que pouco ainda se falava.
Dedica ainda espaço ao estudo Excellence in public relations and communications management, patrocinado pela Research Foundation da International
Margarida Maria Krohling Kunsch
39
Association of Business Communications - IABC e conduzido por James Grunig.
A noção de “comunicação excelente”, inclusive, foi disseminada por Kunsch no
Brasil, pontuando características como o valor atribuído à área pelos altos executivos; o caráter de subsídio para tomada de decisão e não amparo meramente
técnico; a presença do comunicador no planejamento estratégico; o uso de pesquisas para condução e avaliação do trabalho; e a valorização da cooperação em
larga escala.
O artigo aqui em foco parte, neste instante, para uma abordagem mais prática, indicando passos para planejar esta comunicação excelente. Mostra, com
isto, uma inquietude sempre presente na pesquisadora: não estar satisfeita com a
disponibilização do arrazoado teórico, mas sobremaneira desejar ver a aplicação
destas formulações no cotidiano das organizações por profissionais da área. Esta
é a nossa Margarida Kunsch: uma pessoa cheia de virtudes, uma pesquisadora
consistente e uma marca de valor na comunicação brasileira.
40
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Ensino de comunicação: qualidade na formação acadêmica-profissional (2007)
Capítulo: Perspectivas e desafios
para as profissões de comunicação no
­terceiro milênio
por Elizabeth Pazito Brandão (CONFERP)
1.1
KUNSCH
Há alguns anos, quando eu coordenava um curso de Relações
Públicas, uma turma de formandos decidiu, no final do ano,
fazer uma árvore de natal enfeitada de margaridas, de tanto
que os alunos tinham lido e discutido os textos da Margarida Kunsch, no decorrer de sua graduação. A árvore ficou na
intenção, mas a história é inesquecível porque revela o que
Margarida Kunsch representa para a área de comunicação:
ela é bibliografia obrigatória, referência e citação permanente
em trabalhos científicos, ou seja, um padrão de qualidade.
Em resumo: é a pensadora que formou gerações de profissionais que, hoje, atuam em todo o Brasil.
No entanto, fora dos círculos acadêmicos, creio que sua contribuição para o ensino da comunicação, em especial para a
comunicação organizacional e as relações públicas, não seja
tão conhecida como deveria e seria justo. Margarida Kunsch
é educadora e debatedora militante sobre o ensino de comunicação. Nos últimos anos, quase todas as iniciativas e decisões da área receberam sua influência.
Entre a vasta produção da pesquisadora, destaca-se o livro
Ensino de comunicação: qualidade na formação acadêmico-profissional, publicado em 2007, pela INTERCOM e ECA-USP,
como resultado do I ENDECOM – Fórum Nacional em
Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação, realizado
em maio de 2006, em São Paulo. A obra apresenta os prinMargarida Maria Krohling Kunsch
41
cipais textos de um encontro que enfrentou um debate franco sobre a expansão
das pesquisas teóricas, a qualidade e a avaliação do ensino de comunicação e a
realidade do mercado de trabalho. Temas de constantes discussões. Justamente
por isso exigem um olhar provocativo para obter resultados transformadores.
A organização do livro seguiu os temas da programação do evento e está
dividida em três partes. Na primeira, os autores discutem a qualidade do ensino
superior: seus desafios, as estratégias possíveis e as metodologias de avaliação. A
segunda parte analisa a organização do mercado de trabalho de comunicação, as
características necessárias ao profissional que busca ser competitivo e as demandas do setor público e privado para a área. A última parte do livro aprofunda a
discussão sobre os padrões de qualidade ao ensino de comunicação e discute as
diretrizes existentes e as propostas da comunidade acadêmica para cada área: o
jornalismo, as relações públicas, a publicidade e propaganda, o audiovisual e a
editoração multimídia.
A ordem e a diversidade de perspectivas apresentadas pelos autores permitem ao leitor apreender a multiplicidade de aspectos que precisam ser analisados
quando se discute a qualidade do ensino de comunicação. Kunsch, com habilidade, conduz os textos que exploram os acertos e as fragilidades do ensino superior, as idiossincrasias deste campo de conhecimento, as interfaces e os conflitos
com o mercado de trabalho, os desafios cotidianos dos educadores e as reflexões
sobre o papel do comunicador na sociedade.
A configuração do campo acadêmico-profissional é o tema do texto de Margarida Kunsch para o referido livro. Nele, a autora começa historiando brevemente a institucionalização do campo no Brasil e o reflexo na multiplicação
da produção científica. Apresenta as perspectivas e a expansão do mercado de
trabalho e aponta, com precisão, as exigências para um profissional de qualidade e as tendências do setor, tais como a habilidade para o gerenciamento de
crise, a valorização da comunicação interna pelas organizações, o crescimento
da ouvidoria e sua identidade com a área de relações públicas, a importância do
relacionamento da organização com seus públicos e as oportunidades profissionais com o crescimento do terceiro setor. E, mais uma vez, chamou a atenção
para a necessidade do profissional pensar a comunicação de forma integrada e
responsável, pois “as ciências da comunicação constituem um campo que exige
um olhar interdisciplinar” e seus agentes precisam estar “comprometidos com
as transformações sociais”.
Marques de Melo afirma, no prefácio, que o evento Endecom deu origem
ao livro e representou o retorno da INTERCOM à arena do debate pedagógico,
da qual tinha se distanciado nos anos anteriores. A volta foi profícua, pois mais
do que a memória de um evento importante, o livro foi o ponto de partida para
42
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
as várias discussões sobre a qualidade de ensino em comunicação que se seguiram. A abordagem tríplice – os processos pedagógicos, o mercado de trabalho
e o posicionamento da academia para os padrões de qualidade – tornou a obra
referência obrigatória para os vários cursos de Comunicação que, naqueles anos,
reformulavam seus projetos pedagógicos. São também resultados desta arena de
debates, as novas diretrizes curriculares de Jornalismo e de Relações Públicas,
que ainda estão em avaliação no Conselho Nacional de Educação, mas que já
são reconhecidas como marco tanto para a estruturação de novos cursos, como
para repensar os currículos de cursos já existentes.
Seis anos após a publicação do livro, muitos questionamentos foram – e
continuam sendo – enfrentados com sucesso, como os padrões de avaliação dos
cursos e as diretrizes curriculares. Como não são questões acabadas, são processos permanentes de discussão, pois os temas não se extinguem, se aperfeiçoam.
Outros problemas permanecem como constantes desafios para a educação e
para a construção de um padrão de qualidade ao ensino superior, como as dificuldades do ensino fundamental e médio em nosso país, tão bem colocadas por
Eunice Durham no texto que abre a obra.
Analisado em seu conjunto, o viés crítico do livro, presente em todos os
autores, faz com que seu conteúdo continue atual, ainda que alguns temas já
tenham sido enfrentados pela comunidade acadêmica. Os desafios permanecem
árduos, como a dissonância entre a teoria e a prática, característica inerente
a todas as profissões, mas que na comunicação se materializa em uma tensão
permanente e aflitiva por conta das Tecnologias de Informação e Comunicação
que reconstruíram a mídia, o mercado de trabalho e a forma de se pensar e fazer comunicação. Esperemos que Margarida Kunsch já esteja pensando em um
novo livro sobre o tema.
Margarida Maria Krohling Kunsch
43
Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora (2007)
Capítulo: Planejamento e gestão estratégica das Relações Públicas Comunitárias
por Celsi Brönstrup Silvestrin (UFPR)
1.1
KUNSCH
44
A coletânea organizada por Margarida Maria Krohling Kunsch, em parceria com Waldemar Luiz Kunsch, Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica
e transformadora, está disposta em quatro partes principais,
cada uma delas constituída por textos de diferentes autores,
que, de uma forma ou outra, contribuem com reflexões teóricas e práticas para o desenvolvimento das relações públicas
comunitárias. A primeira, Sociedade, cidadania e comunicação, concentra-se em questões sobre a construção da cidadania, com ênfase em aspectos da comunicação e no desenvolvimento social. A segunda, Conceitos e fundamentos teóricos
das relações públicas comunitárias, expõe as dimensões conceituais da atividade. A terceira, Frentes de atuação e dimensões
práticas das relações públicas comunitárias, situa a atuação das
relações públicas no campo de ação, em diferentes cenários.
Finalmente, a quarta, Estratégias, técnicas e instrumentos das
relações públicas comunitárias, trata das especificidades instrumentais e estratégicas de um contexto cuja exigência principal é promover a participação dos envolvidos, favorecendo o
diálogo e dando-lhes “voz”, em busca da transformação de
seus contextos existenciais.
Vale salientar a importância de todos os conteúdos apresentados pelos diversos autores que contribuíram na coletânea,
uma vez que cada um deles desenvolveu aspectos fundamen-
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
tais sobre o tema central, com base em suas pesquisas e experiências profissionais. Porém, na impossibilidade de analisarmos todos os textos neste espaço,
destacamos aqui os artigos produzidos por Margarida Kunsch. São eles: Sociedade civil, multicidadania e comunicação social (I parte), que apresenta conceitos sobre sociedade civil e cidadania, situando “o papel da comunicação social
na valorização da cidadania”, texto no qual a autora questiona a formação de
pesquisadores e profissionais da área, atentando para a necessidade de uma profissionalização e de uma qualificação mais críticas e que os capacitem para a
promoção de novas formas cidadãs. Em Dimensões e perspectivas das relações
públicas comunitárias (II parte), Margarida discorre sobre os aportes teóricos
que fundamentam algumas experiências acadêmicas e profissionais de relações
públicas comunitárias no Brasil, reportando-se mais uma vez à formação do
profissional, ou gestor de comunicação, para atuar nessa realidade social.
A autora, uma das mais importantes pesquisadoras de relações públicas no
Brasil, contribuiu significativamente com várias produções bibliográficas para
os campos acadêmico e profissional da área, onde o tema planejamento mereceu especial atenção em uma das suas investigações científicas que resultou na
publicação de um livro intitulado Planejamento de relações públicas na comunicação integrada (1986). Com base nesse conhecimento, Margarida incluiu nesta
coletânea o artigo Planejamento e gestão estratégica das relações públicas comunitárias (IV parte), esclarecendo sobre as principais características do processo
de planejamento voltado para as organizações sociais de interesse público, por
compreender que também nesse contexto “as relações públicas têm de se pautar
por bases científicas”.
Ao mesmo tempo em que reconhece as especificidades das diferentes realidades em que o planejamento é desenvolvido, Margarida defende que “os
conceitos básicos que fundamentam o seu processo são os mesmos e aplicáveis a qualquer área ou setor”. Assim, passa a fazer referência aos principais
“aspectos conceituais e dimensões do planejamento”, discorrendo sobre os três
níveis (estratégico, tático e operacional), entendendo-os como um processo técnico, racional, lógico e político, que segue uma filosofia e políticas definidas,
em conformidade com a organização. Em seguida, apresenta “o planejamento
em função do desenvolvimento social”, enfatizando o uso dos princípios gerais
e das técnicas de planejamento pelas organizações populares - as comunidades
e as entidades do terceiro setor. A autora parte da convicção de que o sucesso
dessas entidades está relacionado com as estratégias de comunicação que elas
adotam – as quais devem ser devidamente planejadas, focadas em políticas sociais e na adoção de novos paradigmas e de novas metodologias –, considerando
as exigências das realidades situacionais em que essas estratégias serão aplicadas.
Margarida Maria Krohling Kunsch
45
Na sequência, no tópico planejamento das relações públicas comunitárias, a
autora faz recomendações para uma prática alternativa de planejamento no contexto das organizações da sociedade civil em que prevalece o interesse público,
destacando que o ato de planejar requer participação coletiva. Por último, em
possibilidades metodológicas do planejamento das relações públicas comunitárias,
aponta caminhos para que as relações públicas, “por meio de suas teorias e no
exercício de suas funções administrativa, estratégica, mediadora e política”, contribuam eficazmente para o cumprimento das missões dessas organizações.
Na palavra dos dois organizadores, a publicação dessa obra teve como objetivo principal reunir textos sobre relações públicas comunitárias, em um esforço
para fazer com que o material já produzido até então chegue às salas de aula,
ao mercado e à sociedade em geral. Atualmente, é possível afirmar que a obra
vem cumprindo essa função, uma vez que os conceitos assimilados criticamente
cooperam para o alargamento dos debates acadêmicos sobre o assunto – ao
despertar maior interesse sobre o tema entre alunos, professores e pesquisadores
– como também fornecem importantes subsídios aos profissionais que atuam
nesse cenário.
Cenário este que não se esgota em organizações do terceiro setor ou nas
iniciativas de empresas privadas junto às comunidades, mas se amplia junto
aos movimentos sociais cada vez mais fortalecidos e legitimados no universo da
sociedade civil brasileira. Assim, tais conhecimentos contribuem para a especialização de competências e habilidades de acadêmicos e profissionais da área de
relações públicas e afins, sugerindo novas posturas metodológicas e desencadeando outras pesquisas e produções sobre o tema, tanto na graduação como em
cursos de pós-graduação, lato e stricto sensu.
46
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Gestão estratégica em comunicação
organizacional e relações públicas (2008)
Capítulo: Planejamento estratégico da
comunicação
por Luiz-Alberto de Farias (ECA-USP)
1.1
KUNSCH
Um dos principais pontos de pesquisa de Margarida Maria
Krohling Kunsch é o planejamento de comunicação. Não
é à toa que esse se tornou um elemento referencial quando
recorremos às suas obras. O trabalho de pesquisa e de resgate realizado por Margarida tem ajudado a dar limites (ou
a eliminá-los, talvez!) quando se fala de planejamento e das
diversas imbricações temáticas e conceituais que se inserem
nesse contexto.
O texto Planejamento estratégico da comunicação, presente
na obra Gestão estratégica em comunicação organizacional e
relações públicas é um convite a algumas importantes reflexões. Organizado em itens como o pensamento estratégico, a
gestão da comunicação integrada e os processos de planejar,
todo o material faz relações diretas com áreas-limite da comunicação, como a administração e o marketing.
Essas conexões são de extrema relevância, pois quando se
refere a planejamento, a autora enfatiza o fato de que “os
conceitos básicos que fundamentam o seu processo são os
mesmos e aplicáveis a qualquer área ou setor”. Segundo
Kunsch, o planejamento é mesmo uma filosofia de trabalho
que deve partir da alta gestão, mas não pode estar apartada
do todo organizacional com o risco do prejuízo de não se
Margarida Maria Krohling Kunsch
47
entender os objetivos mais importantes de cada instituição – e sendo assim,
não os alcançar.
A visão política também é uma importante reflexão da autora, pois estratégia
é um campo amplo, de visão de longo prazo e, por isso, deve estar em sintonia
com as aspirações políticas de cada empresa. Em seu texto destaca que planejamento é um processo que interfere na realidade para transformá-la e construí-la
com características que se desejam para a mesma (citando Danilo Gandin).
Nessa significação e ressignificação de situações, objeto e fruto do planejamento, Kunsch destaca em sua obra a importância da utilização de técnicas
célebres em outros campos, como a análise SWOT (forças e fraquezas, ameaças
e oportunidades), a fim de se ter o perímetro para o planejamento ampliado a
espaços internos e externos, o que reforça a ideia de Comunicação Integrada,
conceito defendido e trabalhado pela autora. A comunicação nas organizações,
gerenciada pelas relações públicas deve, então, servir-se de valores que esquadrinhem a realidade da organização, seja no âmbito dos públicos, seja no dos
mercados, seja no das condições gerais.
Para tanto, é necessário também, como destaca a autora, a visão de etapas e
de processos no planejamento, que se dividem em estratégico, tático e operacional. O planejamento é um elemento da inteligência corporativa, da maneira de
se pensar o todo, sem deixar de lado cada parte.
A trajetória intelectual de Margarida Kunsch é marcada pela revisão dos
principais temas que se relacionam às relações públicas e à comunicação organizacional. Pela orientação de trabalhos nos níveis de graduação, lato e stricto
sensu, organização de obras, gestão de entidades científicas, reúne intelectuais
e produção que dão corpo ao pensamento de uma área que ganha a cada dia
importância e espaço nas decisões organizacionais.
Todavia, ainda há longo caminho até que o planejamento da comunicação
esteja plenamente inserido no processo macro de decisão dos rumos das organizações. Ainda há a cultura de que se deva “encomendar” às áreas de comunicação um planejamento a partir do que se tenha previsto para a organização,
sem, contudo, ter-se colocado o planejamento das questões da comunicação. A
valorização de conceitos afins e o diálogo que Kunsch desenvolve com outros
autores e setores, especialmente a aproximação entre os ditos mercado e academia, endossam-na como um pilar essencial na cultura e na filosofia do planejamento em nosso país e no mundo.
Experiências de aplicação conceitual ao mundo corporativo e da utilização
de cases ao mundo acadêmico fortalecem as conexões e as parcerias que hoje
crescem e permitem que a ciência ganhe maior aplicabilidade e que o mercado
possa trazer a espaços acadêmicos as questões do dia a dia para novos caminhos
48
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
serem traçados. O trabalho de Margarida Kunsch tem feito com que essa realidade se transforme e ganhe adeptos. A formação de novas correntes de pensamento e a consolidação de uma produção sólida capitaneada por ela fazem da
realidade um espaço de discussão permanente.
O capítulo Planejamento estratégico da comunicação, da obra organizada por
Kunsch, Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas, é fruto de uma síntese do pensamento da autora, de pesquisas realizadas
nas últimas décadas que representam mais do que uma área, uma contribuição
a diversas áreas de pensamento e de aplicação profissional.
Margarida Maria Krohling Kunsch
49
Relações Públicas: história, teorias e estratégias nas organizações contemporâneas (2009)
Capítulo: Relações Públicas na gestão
estratégica da comunicação integrada
nas organizações
por Ana Lúcia Romero Novelli
1.1
KUNSCH
50
Na obra Relações Públicas: história, teoria e estratégias nas organizações contemporâneas, de 2009, Margarida Kunsch reuniu
20 autores brasileiros para traçar um aprofundado relato da
situação passada, presente e futura das relações públicas no
Brasil. Ao longo de cinco partes estrategicamente definidas,
os textos se sucedem no encaminhamento conceitual e prático das várias abordagens pertinentes ao campo das relações
públicas.
No início, o texto se dedica a apresentar a gênese e o desenvolvimento da área de relações públicas, bem como destacar
as características específicas do ensino de relações públicas e
de suas entidades de classe no Brasil. Ao encaminhar o pensamento teórico e conceitual de autores nacionais a respeito
das perspectivas das relações públicas, a obra apresenta o pioneirismo de Cândido Teobaldo de Andrade, a rede teórica
de Roberto Porto Simões, a visão crítica sobre a essência das
relações públicas sob a ótica de Cicilia Peruzzo, a gestão estratégica da comunicação integrada, proposta pela própria Margarida Kunsch, e a releitura do conceito de público defendida
por Fábio França.
Na sequência da obra, os textos assumem caráter prático sem,
contudo, perderem de vista a proposta conceitual do estudo.
Aspectos como cultura e valores organizacionais, reputação,
identidade e memória organizacional são os temas debatidos
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
na terceira parte do livro, enquanto a perspectiva estratégica das relações públicas é a tônica da parte quatro, com artigos sobre a questão do poder, comunicação dirigida, interconexões com o marketing, a avaliação e mensuração de
resultados em comunicação.
A parte final da obra é dedicada à dimensão pública e comunitária das relações públicas, apresentando uma perspectiva mais social da atividade, com
exemplos e reflexões sobre a aplicação das relações públicas no terceiro setor e
no governo. Em seu conjunto, a obra representa o amadurecimento do campo
das relações públicas no Brasil com relevante contribuição para o debate sobre o
encaminhamento da área a partir de uma perspectiva eminentemente nacional.
No seu artigo, Relações Públicas na gestão estratégica da comunicação integrada
nas organizações, Margarida Kunsch procura detalhar um pouco mais sua proposta de fundamentar teoricamente as relações públicas a partir de três eixos
temáticos. Ela inicia seu relato expondo parte de sua trajetória acadêmica no
sentido de justificar as opções conceituais que passa a defender ao longo do
presente estudo.
De acordo com a autora, desde 1979, quando ingressou na pós-graduação
na ECA-USP, tinha a intenção de buscar novos paradigmas que pudessem sustentar as relações públicas frente aos grandes desafios que se colocavam para as
organizações contemporâneas. O planejamento como instrumento de ação e a
integração das relações públicas com as demais áreas da comunicação social se
mostraram propostas viáveis e já revolucionárias naquela época.
O resultado de sua dissertação de mestrado transformou-se no livro Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada, de 1986, que é uma das
principais referências teóricas da área no Brasil. Segundo Kunsch, essa perspectiva
conceitual é sua principal temática de estudo e é a partir dela que tem se dedicado
a formar mestres e doutores no Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo, ao longo de todos esses anos.
A partir de breve introdução sobre sua trajetória acadêmica, Margarida se
dedica ao propósito do artigo e passa a apresentar a sua perspectiva sobre os
três eixos temáticos aos quais a área de relações públicas está vinculada: o subsistema institucional das organizações, a dimensão estratégica e a comunicação
integrada. Inicialmente, destaca a importância do subsistema institucional que é
composto pela missão, valores e princípios das organizações, compreendendo a
organização a partir de uma visão mais ampla e holística. Está relacionado com
o sistema de crenças e valores da organização e com a forma como ela encara seu
papel público na sociedade.
Segundo Kunsch, a partir dessa perspectiva, as relações públicas “constituem
parte integrante do subsistema institucional e exercem, primeiro, funções essenMargarida Maria Krohling Kunsch
51
ciais e específicas, apoiando e auxiliando os demais subsistemas e os processos
de gestão de relacionamento das organizações com seu universo de públicos”.
Um outro desafio das relações públicas, neste contexto, é contribuir para o cumprimento dos objetivos gerais da organização e suas metas de responsabilidade
social.
Margarida Kunsch continua o texto desenvolvendo a ideia de que, para dar
o suporte necessário ao subsistema institucional das organizações, a área de relações públicas precisa adotar uma perspectiva mais estratégica. Para tanto, relembra sua proposta, de 2003, em que as funções essenciais de relações públicas
podem corresponder às quatro teorias essenciais da área propostas por Ehling,
White e Grunig, no artigo Public relations and marketing practice: que são “função administrativa – teoria interorganizacional; função estratégica – teoria de
administração/gerenciamento; função mediadora – teoria da comunicação; e
função política – teoria da ciência política e dos conflitos-resolução”. Para a
pesquisadora, estas conexões demonstram o quanto a área das relações públicas
pode ser vista a partir da sua interdisciplinariedade.
Ressaltando a perspectiva estratégica das relações públicas, Kunsch enfatiza
que cabe à atividade ajudar a organização a se posicionar perante a sociedade.
A atividade abre canais de comunicação entre as organizações e os públicos, em
busca de confiança mútua, construindo credibilidade, ou seja, fortalecendo sua
dimensão institucional. De acordo com Kunsch, as relações públicas devem
ser encaradas pelas empresas como função estratégica e com valor econômico,
muito distante de uma função periférica e dispensável. Infelizmente, no Brasil,
criou-se uma visão distorcida da área, mas é preciso resgatar seu papel de pensar
e agir estrategicamente em busca da excelência da comunicação simétrica entre
públicos e organizações.
Ao finalizar sua proposta e incorporando a perspectiva da comunicação integrada, ela destaca que para obter sucesso é preciso saber planejar a comunicação
organizacional de forma integrada, abrindo canais de diálogo e auscultando a
opinião pública. Kunsch reafirma “que pensar as relações públicas vinculadas ao
subsistema institucional das organizações em uma perspectiva de comunicação
integrada pressupõe a necessidade de buscar fundamentos teóricos da teoria
institucional, dos estudos organizacionais e das teorias das ciências da comunicação, alicerçados por uma perspectiva multidisciplinar, sobretudo nas ciências
sociais aplicadas”.
52
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Comunicação organizacional –
volumes 1 e 2 (2009)
Capítulo: Percursos paradigmáticos e
avanços epistemológicos nos estudos
da ­Comunicação Organizacional
por Luiz Carlos Iasbeck (UCB)
1.1
KUNSCH
Margarida Kunsch é dessas pessoas que congregam em torno
de si simpatias, força de trabalho e gente disposta a colaborar.
Seu poder de liderança está mais que patente nos diversos
livros organizados que publicou, reunindo estudiosos e pesquisadores das mais diferentes áreas e de diversos pontos do
país e do exterior. Ela sabe que ciência se constrói com pesquisa e colaboração. Sabe também que novos sentidos surgem dos encontros entre tendências diferentes e divergentes,
entre novos e velhos, entre professores e alunos, pesquisadores e empresários.
A importância de tais competências é exponenciada se considerarmos que a professora e pesquisadora surge para o mundo acadêmico de relações públicas, a terceira parte da Comunicação Social que, ainda hoje, sofre intensas consequências
por localizar-se numa área bastante complexa. Caracteriza-se
tanto pelos interesses pragmáticos empresariais quanto por
objetivos especulativos de pesquisa intelectual e desenvolvimento acadêmico. O trabalho de Kunsch, nos últimos 20
anos, tem sido o de aproximar esses interesses e diminuir os
espaços entre as fronteiras que as separam.
No texto que ora resenhamos e comentamos, Margarida faz
um levantamento criterioso e hábil das principais teorias que
constituem a base epistemológica da comunicação organizacional. Podemos dizer que essa área dos estudos comunicaMargarida Maria Krohling Kunsch
53
cionais no Brasil ganhou existência e fortaleceu-se graças aos esforços de Kunsch, por instituí-la em estreita colaboração com a área de relações públicas, mas
com identidade e fundamentos próprios. São esses fundamentos que ela resume
e redireciona no capítulo em questão.
Numa breve retrospectiva histórica, mostra-nos um panorama no qual os
estudos comunicacionais nascem nos Estados Unidos, na década de 40, das
escolas de Relações Humanas, assim denominadas as correntes de pensamento
administrativo que valorizavam os relacionamentos entre empregados. Isto é, na
contramão das demais vertentes do pensamento produtivo que privilegiava os
processos de produção e os resultados econômicos (o Fordismo, o Taylorismo,
por exemplo). A comunicação de negócios e a comunicação industrial aliaram-se às habilidades gerenciais de liderança para engrossar o caldo de relevância
dos estudos de comunicação nas organizações.
É na década de 50 que a business communication ganha grandes espaços,
alastrando-se na comunicação interna como competência indiscutível dos gerentes para comandarem seus subordinados nos processos produtivos. Um dos
primeiros estudos acadêmicos da comunicação organizacional, localizados por
Kunsch, acontece nessa década: a tese de Keith Davis, na Ohio State University,
de 1952. Nesse trabalho, curiosamente, Davis interessou-se em entender a cadeia de transmissão de mensagens nas empresas, a interferência dos ruídos, dos
boatos e das fofocas, ou seja, como o imaginário dos empregados alterava de
algum modo a integridade das mensagens de trabalho.
A seguir, muitas teses buscaram explicar a função da comunicação nos processos de trabalho, no âmbito, sobretudo, dos negócios. Além disso, os cursos
realizados por Dale Carnegie, especialista em capacitação gerencial, desempenharam importante papel no desenvolvimento da comunicação organizacional,
pois ressaltavam sempre a relação entre a eficácia da comunicação e a obtenção
de resultados satisfatórios nos processos de produção e nas vendas. De certa
forma, Carnegie conseguia sensibilizar os empresários naquilo que para eles era
mais sensível: o sucesso empresarial e a consequente obtenção de lucros. Uma
relação hoje um pouco esquecida, mas que ainda rende motivação e conscientização do empresariado para com as práticas de comunicação.
As décadas de 60 e 70 foram marcadas, respectivamente, por estudos da comunicação administrativa (Tompkins e Wanca-Thibault) e pela revisão que W.
Charles Redding propõe para os estudos da comunicação, ao examinar aspectos
relevantes da comunicação interna no contexto mais amplo da comunicação das
empresas. A ênfase na produção de sentidos e a relevância do receptor no processo
de comunicação ficam patentes em seus postulados. No rastro dessa tendência surge Lee Thayer com sua teoria da recepção, sintonizada com as emergentes ideias do
54
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
marketing. Kunsch apoia-se no trabalho de Linda Putnam e George Cheney para
nos trazer, de forma resumida e incisiva, as tradições da pesquisa neste campo: o
estudo das mensagens, a ênfase nos canais, os estudos do clima organizacional e das
redes formais e informais de comunicação, bem como as pesquisas empíricas acerca
das relações chefe-subordinado, no âmbito da comunicação interna.
A década de 80 é marcada pelo funcionalismo e pelo mecanicismo, modos
pragmáticos de ver a comunicação voltada para resultados nas organizações.
Margarida Kunsch acredita que essas tendências vigoram com força até os dias
de hoje, uma vez que os administradores só se sensibilizam para os problemas
de comunicação quando eles interferem diretamente nos processos produtivos,
dificultando ou impedindo a consecução de metas e resultados empresariais.
Os estudos da cultura e das narrativas, que fazem parte das tendências interpretativas da comunicação ocupam também um grande espaço na década de
80. O estudo das organizações a partir de metáforas tais como conduíte, lente,
linkage, performance, símbolo, voz e discurso, proposto por Linda Putnam, Nelson Phillips e Pamela Chapmam são analisados por Kunsch na perspectiva da
comunicação humana nas organizações. Margarida acredita que mesmo com
os estudos comunicativos sendo levados à linha de produção, são os fatores humanos ocorridos nos relacionamentos internos que determinam a qualidade da
comunicação de uma empresa.
Nos anos 1990 e 2000, os estudos da comunicação ganham amplas perspectivas teóricas e dialógicas. Reforçou-se a epistemologia e voltaram-se os olhos
para estudos emergentes e mais direcionados à teoria da comunicação do que às
práticas organizacionais.
Após essa retrospectiva dos trabalhos internacionais que aloca no âmbito
da comunicação organizacional, Kunsch relaciona habilmente os paradigmas
que norteiam esta vertente do conhecimento, partindo dos estudiosos norte-americanos. O trabalho clássico de G. Burrel e G. Morgan (1979) é eleito pela
autora como fundamental por inaugurar as perspectivas funcionalistas, interpretativas, humanas e estruturalistas radicais no cerne epistemológico. Junta
a eles a perspectiva crítica e as elencadas por Putnam: mecânicas, psicológicas,
interpretativas e interativas. Ao final, lamenta que apesar dos tantos avanços as
organizações ainda assumem retóricas modernas com base em modelos autoritários do século. E propõe que a perspectiva crítica deva instaurar uma mudança
arraigada de hábitos no mundo empresarial.
Sobre os inúmeros conceitos que buscam caracterizar a comunicação organizacional, Kunsch a entende como área integradora das subáreas da comunicação social. A perspectiva da comunicação integrada, marca registrada da
pesquisadora e objeto de um de seus livros mais conhecidos no Brasil, encabeça
Margarida Maria Krohling Kunsch
55
uma coleção de conceitos outros defendidos por teóricos como o canadense
James Taylor, da Escola de Montreal, que busca reunir o pragmatismo norte-americano com o pensamento analítico francês em torno da interpretação e
da crítica dos modelos de comunicação. O foco na gestão, típico dos estudos
norte-americanos, é aqui relacionado como uma tônica em desaparecimento no
rol de tantos novos enfoques: análise do discurso, tomada de decisão, relações de
poder, aprendizagem organizacional, globalização e organização, entre outros.
E, com base nas novas tendências dos estudos organizacionais, Kunsch cita
Stanley Deetz, para quem a comunicação organizacional pode ser entendida:
a) como um departamento de produção de comunicação; b) um fenômeno
inerente às organizações; e c) um modo de descrever e explicar as organizações. Sem entrar no mérito dos trabalhos europeus. Margarida passeia ainda por
conceitos vindos das experiências holandesas, mexicanas e colombianas, para
desembocar nos trabalhos realizados por pesquisadores brasileiros que, para ela,
privilegiam visões amplas e integradas. Diz-se francamente favorável à não fragmentação dos estudos da comunicação, mas admite que os conflitos na área
são produtivos, principalmente aqueles que envolvem outras subáreas como as
relações públicas e o marketing.
Margarida Kunsch faz um levantamento dos trabalhos produzidos no Brasil
nos cursos de pós-graduação, nos 33 Programas diferentes de stricto sensu, autorizados pela CAPES, até 2008. A exaustiva pesquisa é aqui relacionada de modo
quantitativo e contextualizada segundo as tendências dominantes nas instituições que mantêm linhas de pesquisa em comunicação organizacional e relações
públicas. A presença da Abrapcorp, instituição agregadora desses estudos, é aqui
enaltecida por Margarida e responsabilizada pela disciplina que hoje rege os
trabalhos da área.
Reconhece que os campos científicos das Relações Públicas e da Comunicação Organizacional estão instituídos e sedimentados no Brasil com pesquisas
significativas. Sugere que deva haver maior divulgação dos trabalhos aqui produzidos, sobretudo no exterior, de forma a agregar e integrar a diversidade de
perspectivas e âmbitos de atuação dos profissionais da área. Assim, no contexto
da ampla obra organizada por Margarida Kunsch em dois volumes – Comunicação Organizacional Vol. 1: histórico, fundamentos e processos; e Comunicação Organizacional Vol. 2: linguagem, gestão e perspectivas – o capítulo ora comentado,
que integra o Volume I resume e condensa de algum modo o ideário e realiza
o objetivo de integrar ideias, propósitos e conflitos em torno do pensamento
comunicacional na área da comunicação organizacional. Um trabalho de fôlego
e de importância fundamental para a história da ciência no Brasil.
56
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Relações públicas e comunicação organizacional: campos acadêmicos e aplicados de
múltiplas perspectivas (2009)
Capítulo: Os campos acadêmicos da
comunicação organizacional e de relações públicas; e Comunicação Organizacional e Relações Públicas no Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Comunicação da ECA-USP
por João José Azevedo Curvello (UCB)
1.1
KUNSCH
A obra Relações públicas e comunicação organizacional: campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas, organizada por Margarida Kunsch, inaugurou a ‘Série Pensamento e
Prática’, patrocinada pela Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas - ABRAPCORP, para divulgar as contribuições emanadas
dos congressos anuais da entidade. Dividida em cinco partes
(Comunicação organizacional e relações públicas: perspectivas
conceituais e teóricas; Comunicação organizacional e relações
públicas no cenário nacional e internacional; Considerações
sobre a metodologia dos estudos e das práticas de comunicação
organizacional e de relações públicas; A pesquisa brasileira em
comunicação organizacional e relações públicas; e Diálogo e interação entre a academia e o mercado em comunicação organizacional e relações públicas), a obra traz textos de autores
nacionais e internacionais, como Antoni Noguero i Grau,
Linda Putnam, James Grunig e Larissa Grunig, Maria Rebeil
Corella, entre outros.
Margarida Maria Krohling Kunsch
57
Nesta obra específica, Margarida Kunsch apresenta dois textos, além do Prólogo: Os campos acadêmicos da Comunicação Organizacional e de relações públicas no Brasil (pp.113-136) e Comunicação Organizacional e Relações Públicas no
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP (pp.263284).
No primeiro texto, Os campos acadêmicos da Comunicação Organizacional e
de relações públicas no Brasil, Kunsch nos revela um estudo sobre a evolução e
a interconexão dos campos desde suas origens no Brasil até a primeira década
do século XXI, com destaque para as contribuições dos cursos de graduação e
de pós-graduação e das instituições científicas como INTERCOM e Abrapcorp. Estruturado de forma a manter coerência cronológica, o texto registra
e valoriza as iniciativas de pesquisadores e de instituições que foram decisivas
para o surgimento e a qualificação dos cursos de graduação, dos programas de
pós-graduação, das associações, dos grupos de pesquisa, e do periódico Organicom, que acabaram por aproximar e permitir uma caminhada paralela de dois
campos científicos distintos e complementares.
Kunsch confirma, no seu texto, a franca expansão das áreas em processo de
legitimação acadêmica e de consolidação institucional, capaz de produzir mais
de 160 teses e de 400 dissertações (apenas até 2006). De uma primeira fase, em
que predominavam os estudos descritivos e prescritivos, pelo texto de Kunsch
é possível saber que, a partir do ano 2000, novas abordagens com perfil mais
teórico e analítico começam a se debruçar sobre temas como complexidade,
interculturalidade, sistemas sociais, discurso, identidade, imagem em espaços
dialógicos e relacionais, marcados por mudanças culturais e tecnológicas. A autora destaca, ainda, a crescente produção editorial fortificada pela produção dos
novos programas de pós-graduação, pelo aumento do volume de projetos de
pesquisa com financiamento público e privado e pelo fortalecimento dos grupos
de pesquisa abrigados nas associações científicas.
Margarida Kunsch conclui seu texto ao propor cinco recomendações para
garantir um crescimento sustentável aos campos: a democratização do conhecimento; a otimização das experiências acumuladas nas práticas sociais e no
mercado profissional, como possível fermento para inovação nas reflexões e nos
processos de teorização; intercâmbios e acordos entre pesquisadores e universidades; a defesa e a valorização de uma cultura acadêmica; e a melhoria da qualidade de ensino na graduação e nos diversos níveis da pós-graduação.
O segundo texto de Kunsch, Comunicação Organizacional e Relações Públicas
no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP, apresenta por meio de um estudo quantitativo analítico, a produção e a contribuição
dos pesquisadores vinculados à Escola de Comunicações e Artes, da USP, reco58
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nhecida pela autora como um centro pioneiro e nucleador, de onde saíram mestres e doutores que hoje despontam como lideranças em outras universidades
brasileiras. A pesquisa destaca, entre outros aspectos, a diversidade de temáticas
de pesquisa, o volume de teses e dissertações e a contribuição histórica da USP
na constituição científica dos campos. Ela vislumbra que novos avanços advirão
de pesquisas de perfil bibliométrico que, certamente, comprovarão a crescente
institucionalização dos campos por meio da identificação de autores e de escolas
de pensamento mais influentes.
Os dois textos revelam uma das principais características da autora em publicações recentes de sua produção, sobretudo a sua contribuição para a epistemologia da comunicação, mais especificamente nos campos da comunicação
organizacional e das relações públicas. Margarida Kunsch, além de ser reconhecida pela sua capacidade agregadora, motivadora e institucionalizadora, tem
cada vez mais se dedicado aos mapeamentos históricos, conceituais, teóricos e
metodológicos, o que evidencia sua renovada preocupação na sistematização
e na caracterização dos campos como científicos. A criação e constituição de
cursos de pós-graduação, a organização da Abrapcorp, sua presença à frente de
organizações como INTERCOM, Alaic, Confibercom e Socicom, reforçam,
ainda, a importância que a autora dá à dimensão institucional das pesquisas e
ao papel social dos pesquisadores para a inovação e para a melhoria das práticas
profissionais nas organizações sociais.
Margarida Maria Krohling Kunsch
59
A comunicação na gestão da sustentabilidade
das organizações (2009)
A comunicação para a sustentabilidade
das organizações na sociedade global
por Ivone de Lourdes Oliveira
(PUC-Minas)
1.1
KUNSCH
60
O artigo A comunicação para a sustentabilidade das organizações na sociedade global, de Margarida M. K. Kunsch, está
no livro organizado por ela, A Comunicação na gestão da
sustentabilidade das organizações, publicado em 2009, pela
Difusão Editora. Este livro faz parte da coleção ‘Série Pensamento e Prática’, produzida pela Associação Brasileira de
Pesquisadores de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP, que tem como finalidade
documentar e divulgar as conferências e palestras apresentadas nos congressos anuais. Essa obra se refere ao II Congresso realizado em Belo Horizonte, no ano 2008, e retrata
as reflexões desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e
internacionais, e por profissionais, sobre a sustentabilidade
e as organizações.
A obra traz uma abordagem ampla e eclética, oportunizando pensar as questões teóricas sobre a sustentabilidade
em sociedades complexas e a sua articulação com a ética,
ao mesmo tempo em que se discute a gestão de processos
comunicativos e práticas de comunicação para a sustentabilidade em empresas brasileiras. Participaram com artigos
os professores e profissionais: Alípio Márcio Dias Casali,
Ana Thereza Nogueira Soares, Clóvis de Barros Filho, Fabián
Echegaray, Gislaine Rossetti, Marcello Vernet de Beltrand e
Victor Márcio Laus Reis Gomes, Nemércio Nogueira, Pablo
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Barros Santos, Priscila Borin de Oliveira Claro, Danny Pimentel Claro e Robson Amâncio, Robson de Almeida Melo e Silva, Olinta Cardoso Costa, Rubens
Naves, Rudimar Baldissera e dois pesquisadores internacionais convidados,
Stanley Deetz, da Universidade do Colorado em Boulder (EUA) e Arlette Bouzon, da Universidade de Toulose III (França).
Margarida foi palestrante no Congresso e publicou este artigo no livro, que
aborda e analisa todo o processo de instauração da sustentabilidade na sociedade, de forma cronológica. Mostra como ela vai se consolidando conceitualmente e concretamente no Brasil e no mundo, a partir de ações nos domínios
público, privado e do terceiro setor. Analisando o livro, posso afirmar que o artigo
da professora é o balizador da obra, porque situa teoricamente o processo que
resultou em políticas de sustentabilidade e envolvimento com a temática no
mundo.
Primeiramente, situa o Relatório Brundtland e a Rio-92 como constituintes
de todo o pensamento sobre sustentabilidade. Descreve os empreendimentos
desenvolvidos, explicando que o trabalho da Comissão Brundtland é o alicerce da
Rio-92, a qual incentivou a Agenda 21. Esta, por sua vez, busca abarcar e conseguir
comprometimentos de países e empresas com as questões da sustentabilidade nos
âmbitos global e local.
A partir da fundamentação conceitual desenvolvida, baseada nos autores Al Gore,
Almeida, Brown, Boff, Dias, a autora passa a discutir a importância das organizações neste contexto e mostra que frente à globalização e aos cenários em constante
mudança elas são compelidas a pensar em sustentabilidade. Assim busca estabelecer
articulação entre a sustentabilidade, as organizações e a comunicação, afirmando que
“as organizações, pela força da globalização econômica, passaram a assumir mais
poderes e ao mesmo tempo são chamadas a exercer novos papéis, sobretudo em
relação à responsabilidade social e à sustentabilidade”.
Ao desenvolver esta articulação, a autora trabalha com três pilares conceituais, de forma didática, para melhor elucidar a ideia de sustentabilidade organizacional elaborada por ela. São eles: paradigma de uma sustentabilidade integrada;
políticas, certificações e ações integradas de diferentes atores; e comunicação
para sustentabilidade da comunicação organizacional integrada.
No primeiro pilar ela se fundamenta em Elkington (2001) e descreve a articulação entre os três eixos que compõem o conceito de sustentabilidade: o econômico,
o ambiental, o social e como as empresas têm se comportado para sobreviverem às
crises econômicas da sociedade globalizada, sem se esquecerem da sustentabilidade.
No pilar políticas, certificações e ações integradas de diferentes atores, a professora toma como referência Almeida (2007) para declarar que a sustentabilidade tornou-se um tema de repercussão internacional, envolvendo empresas,
Margarida Maria Krohling Kunsch
61
governo e sociedade civil na formulação de políticas de atuação. Por outro lado,
afirma que há um movimento também mundial de criação de normas e certificações vinculadas à questão ambiental e à qualidade que as empresas precisam seguir,
já que essas certificações estão relacionadas com o seu reconhecimento no mercado internacional. Menciona ainda a existência de uma política brasileira e dá como
exemplo o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa) no Brasil, e a elaboração dos relatórios anuais de sustentabilidade.
No último pilar, a professora trabalha a ideia de que a sustentabilidade só
se efetiva com a comunicação e a convergência midiática por acreditar que a
comunicação pode contribuir para revelar à sociedade que não é possível viver
sem pensar no futuro do planeta. Diante desta perspectiva, direciona a discussão
para conceitos já desenvolvidos por ela em obras anteriores com o: comunicação
organizacional integrada, comunicação institucional, administrativa, interna e
mercadológica, relacionando-os com a filosofia e a política de comunicação para
a sustentabilidade.
Margarida declara, no artigo, que não é fácil para as organizações considerarem os três pilares da sustentabilidade, porque precisam atender a vários aspectos
diferentes da ordem contábil, econômica, ética, de certificações, da relação com
a sociedade e com o ambiente interno. Chama a atenção para a necessidade das
organizações se conscientizarem da importância da sustentabilidade, não
a tratando como um modismo ou como apenas um dos itens de uma boa
reputação.
Conclui o artigo demonstrando preocupação com dois pontos. Primeiro, o
compromisso das empresas em desenvolver uma comunicação que conjugue
os pilares econômico, social e ambiental da sustentabilidade, ao declarar
que “as organizações começam a ver a sustentabilidade como uma forma
de se buscar um desenvolvimento mais integral e equilibrado entre o progresso econômico e o social e procuram implantar novas diretrizes nas suas
formas de gestão, de produção e de administração de recursos”.
O segundo ponto se relaciona com a forma como as organizações vão enfrentar as tensões que surgem no processo interativo, reconhecendo que o público tem interesses e demandas antagônicos e/ou diferentes dos da empresa. Para
a professora, diante da complexidade das relações é preciso ouvir e abrir canais
de diálogo com os públicos. Segundo ela, esta postura só será possível com uma
comunicação planejada e articulada, promovendo ações integradas de comunicação administrativa, interna, institucional e mercadológica.
Desta forma, vários desafios aparecem para a comunicação organizacional
integrada que busca trabalhar os princípios da sustentabilidade, fundamentais
para o desenvolvimento da empresa e da sobrevivência do planeta.
62
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
A comunicação como fator de humanização
das organizações (2010)
Capítulo: A dimensão humana da comunicação organizacional
por Rudimar Baldissera (UFRGS)
1.1
KUNSCH
O livro A comunicação como fator de humanização das organizações é resultado das discussões realizadas no III Congresso
da Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação
Organizacional e de Relações Públicas – ABRAPCORP,
realizado de 28 a 30 de abril de 2009, em São Paulo, que
teve como tema “Comunicação, Humanização e Organizações”. A Abrapcorp, presidida por Margarida Maria Krohling
Kunsch, assumiu esse tema em um contexto de emergência
de um paradigma sistêmico e complexo, em que as pesquisas da área e as práticas profissionais precisam dar conta dos
desafios que afloram da diversidade de ideias e posições, em
que a incerteza é potencializada e a comunicação apresenta-se
como lugar e meio para o encontro das diferenças.
Como um dos resultados do Congresso da Abrapcorp 2009,
tem-se essa importante obra organizada por Margarida M. K.
Kunsch. Além da introdução, o livro compreende quatorze
capítulos, divididos em duas partes, cada qual com sete capítulos. A primeira parte, sob a denominação de A organização
como espaço de diálogo e construção de significação abarca textos
de diferentes autores que refletem sobre a comunicação organizacional sob a perspectiva crítica, questionando, não apenas as práticas cotidianas das organizações, mas também os
fundamentos epistêmicos que tornam aquelas práticas possíveis à medida que as conformam, fundamentam e orientam.
Margarida Maria Krohling Kunsch
63
Contando com dois capítulos de importantes pesquisadores internacionais –
Dennis K. Mumby e Elizabeth L. Toth – além dos autores nacionais (incluindo
o capítulo de autoria da própria Margarida Kunsch), as discussões articuladas
nessa parte do livro evidenciam algumas das ideias que embasaram práticas organizacionais (em particular, de comunicação organizacional) caracterizadas
por sua apologia à extrema racionalização dos processos e à simplificação do
pensamento e da compreensão de mundo, e sua tendência a desconsiderar a
interdependência ecossistêmica e a aleijar a presença do humano e as relações de
trabalho nas organizações.
A segunda parte, denominada A comunicação como lugar e processo de humanização da organização nas relações de trabalho, dá relevo à comunicação no
cotidiano organizacional, evidenciando que a comunicação constitui-se em lugar para que o humano se realize e, também, em processo para sua expressão e
potencialização. Nessa direção, a comunicação é pensada como processo fértil
para regenerar os sistemas organizacionais e qualificá-los para o atual contexto
de incertezas. Em direção semelhante, a comunicação é pensada como processo
que permite a qualificação dos diferentes sujeitos ampliando a qualidade de vida
no contexto organizacional.
O texto A dimensão humana da comunicação organizacional, de autoria de
Margarida M. K. Kunsch, apresenta-se como importante norte para compreender a própria obra e o caráter de fundamento que a noção de “humanidade”
exige assumir para as organizações no atual contexto. Nesse texto, a autora, ao
discorrer sobre percepções conceituais de comunicação organizacional, afirma
a complexidade da comunicação organizacional e a necessidade de se superar as
perspectivas reducionistas, fundamentalmente instrumentais, de transmissão de
informações e de práticas profissionais. Reafirma a importância de a comunicação organizacional ser compreendida em perspectiva integrada (concepção que
fundamenta parte importante de sua pesquisa), considerando as organizações
holística e complexamente.
Na sequência, inspirada nas reflexões de Dominique Wolton (livro Pensar a
comunicação, 2004), Kunsch dá relevo ao poder da comunicação na sociedade
contemporânea que possibilita a aproximação das pessoas, das culturas, dos valores, mas também critica o excesso de racionalização e aquilo que define como
as “discrepâncias do triunfo técnico e econômico dessa mesma comunicação”. A
luz dessa compressão, a autora reflete sobre o que denomina de “dimensões da
comunicação organizacional”: a instrumental, a estratégica e a humana.
De forma sucinta, a dimensão instrumental configura-se como aquela que
simplesmente faz com que as informações sejam transmitidas - a comunicação como ‘ferramenta’ para que os processos sejam viabilizados e a organização
64
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
funcione. A dimensão estratégica, semelhante a anterior, relaciona-se à visão
pragmática, pois se realiza objetivando a eficácia e os resultados. Essa dimensão,
no entanto, exige que a comunicação e o departamento de comunicação sejam
percebidos como estratégicos pela organização e suas lideranças.
A dimensão humana, sobre a qual a autora debruça-se com mais profundidade, é reconhecida como a mais esquecida. Nessa direção, atenta para a comunicação como fundamento da sociedade e que as organizações somente existem em comunicação e pela comunicação. As organizações se auto-organizam
em processos comunicacionais. Kunsch destaca que a qualidade de vida dos
trabalhadores é melhorada mediante comunicação qualificada e que diante do
atual cenário mais relevo e urgência assume a necessidade de se atentar para
a humanização das organizações. Porém, denuncia os discursos humanísticos
vazios, não comprometidos e distantes da realidade dos trabalhadores. Evidencia a necessidade que os indivíduos têm de serem ouvidos, de se realizarem nas
organizações.
Constituinte do ser social, a comunicação está em todas as relações, em todas as esferas, sejam públicas ou privadas. E, no contexto atual, a subjetividade
assume relevância e exige que seu lugar nas organizações seja redimensionado
– já não pode ser apenas periférico, ou permanecer nas zonas de escuridão. A
subjetividade macula todo o pensar e os fazeres humanos. Portanto, também
se exerce sobre as percepções que os sujeitos têm da organização, de seus fazeres, de seu lugar, de suas possibilidades de realização, criação e inovação. Essas
subjetividades são construídas em contexto. A autora ainda atenta para o fato
de que as tecnologias da comunicação e informação estão incidindo sobre essas
subjetividades e, em algum nível, transformando-as.
Diante disso, afirma a necessidade de ultrapassar os aportes mecanicistas da
comunicação organizacional para dar relevo às interações, aos aportes relacionais, de valorização da dimensão humana e social. Essa é a possibilidade de os
indivíduos de fato cooperarem, envolverem-se e sentirem-se satisfeitos. Kunsch
assevera: organizações saudáveis – humanas – são as mais “criativas, produtivas
e admiradas pelos públicos”.
Por fim, importa destacar que esta obra e, particularmente, o texto de Margarida Kunsch marcam um importante momento das pesquisas em comunicação organizacional no Brasil, revelando maturidade à medida que se afastam
dos pequenos casos, para analisar criticamente os fundamentos da área. Além
disso, o texto de Kunsch configura-se como texto propositivo, consistente e com
potência para alavancar importantes estudos na direção de qualificar a área em
termos científicos e, também, de traduzir-se em qualificadas práticas cotidianas.
Margarida Maria Krohling Kunsch
65
Comunicação pública, sociedade
e cidadania (2011)
Capítulo: Comunicação pública e Comunicação Organizacional: em direção
à integração
por Heloiza Matos (ECA-USP)
1.1
KUNSCH
66
A trajetória acadêmica de Margarida Kunsch tem se pautado
por uma produção contínua e pela tentativa de enriquecer sua
linha de pesquisa original – relações públicas e comunicação
organizacional. É surpreendente observar nesse caminhar a
sua marca: além de contribuir para ampliar seu próprio campo de pesquisa, tem criado oportunidades para que outros
pesquisadores (cuja formação acadêmica original se encontra
nas ciências sociais, na política, e mesmo em outras áreas da
própria ciência da comunicação) se integrem num grande espaço de interlocução e troca de conhecimento.
Este artigo vem analisar exatamente um caso exemplar dessa
agregação de conhecimentos: os trabalhos apresentados no IV
Congresso Brasileiro de Comunicação Organizacional e de
Relações Públicas - ABRAPCORP, em 2010, publicados um
ano depois no livro Comunicação pública, sociedade e cidadania – obra organizada por Margarida Kunsch. O desafio que
se configura é analisar a articulação entre a proposta do livro,
que é “contribuir para a produção de conhecimento sobre as
disputas e convergências em torno de interesses públicos e
privados”, e os conceitos e processos da comunicação pública
– justamente desenvolvidos nos artigos da referida coletânea.
Kunsch inicia por reconhecer que a comunicação pública
abrange diversos campos de conhecimento e práticas profissionais, salientando o papel das relações públicas e da comu-
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nicação organizacional neste processo, ao considerar que “as instituições públicas e privadas desenvolvem ações estratégicas dirigidas a públicos específicos,
com instrumentos específicos, (mas) em defesa do interesse público”. Esta tensão entre público e privado é um desafio fundamental da comunicação pública,
uma área cujo domínio sempre foi considerado muito mais de natureza governamental. Mas que poderia incluir igualmente, por que não dizer, as organizações privadas. Eis o ponto de inflexão que acaba provocando uma reafirmação
(ou reconsideração pelos teóricos) do campo da comunicação pública – inflexão
que pode ser observada nos artigos da coletânea.
Na abertura do referido congresso (Abrapcorp 2010) demonstrei apoio à
proposta de Margarida Kunsch, quando propus a seguinte questão: se a comunicação pública é um campo que considera o interesse público, por que excluir
desta tarefa as organizações privadas? Se esperamos delas ações de responsabilidade social, por que impedi-las de agirem como comunicadores públicos?
As respostas a estas ponderações animam os trabalhos apresentados no congresso, refletindo o nível dos debates e as posições de vários autores sobre as
aproximações (e divergências) entre os campos das organizações públicas-e-privadas e o estágio atual dos conceitos e processos da comunicação pública,
não somente no Brasil, mas também na Itália (Rolando), na França (Almeida),
e na Colômbia (Jaramillo). Há uma riqueza de pesquisadores brasileiros, que
vêm ampliando e aprofundando o campo da comunicação pública no país. Por
exemplo: Duarte, Haswani, Weber, Maia, Novelli, entre outros.
É importante notar que a comunicação pública vem sendo reconhecida
como área de estudo desde a metade dos anos 80 (apenas), mas só floresceu,
de fato, no período da redemocratização, e, durante alguns anos, seguiu restrita
ao entendimento de comunicação governamental. O enfoque era, sobretudo,
na importância da comunicação do governo com a sociedade, por meio do
planejamento e do acompanhamento das ações comunicativas pelas assessorias
de comunicação do Estado.
Na virada do século até os dias atuais, houve um expressivo desenvolvimento
graças a uma nova geração de pesquisadores, especialmente pela aproximação dos
estudos de comunicação pública com teorias e autores fundamentais da comunicação, tais como Habermas, Arendt, entre outros. É preciso mencionar os autores
deliberacionistas e as contribuições de grupos de trabalho em instituições científicas renomadas, como INTERCOM, Compós, e Anpocs – para citar algumas.
Portanto, é neste último decênio que se forma uma massa crítica, tanto no
Brasil como em outros países, capaz de sustentar a produção de pesquisas científicas e a publicação de obras que se tornam referência nos novos estudos sobre
comunicação pública e comunicação política. Neste período, a comunicação
Margarida Maria Krohling Kunsch
67
organizacional e as relações públicas se consolidam igualmente como campo
de estudos e pesquisas, e o grande mérito de Kunsch foi justamente perceber as
potenciais sinergias entre sua área de domínio e a comunicação pública, o que
resultou, primeiro, no Congresso de 2010, e, depois, na publicação da coletânea
em 2011, objeto deste artigo.
Diante do exposto, poder-se-ia perguntar: quais as contribuições que os artigos dessa coletânea vêm aportar a ambos os campos de pesquisa? Quais as
principais releituras das teorias da comunicação (e de outros campos da ciência)
que vêm agregar novidades e lançar outros olhares sobre a comunicação pública?
Quais perspectivas a privilegiar nessa aproximação entre comunicação organizacional e comunicação pública? Enfim, o que há de novo nesse horizonte?
Sabemos não haver espaço aqui para responder a todas essas questões, mas
enunciá-las há de servir certamente como sugestão para outros pesquisadores
(graduandos, pós-graduandos, mestres, doutores, etc.) e profissionais envolvidos com as expectativas do público, tratado não apenas como “consumidores”,
mas também como “cidadãos”. Um olhar sobre os fundamentos teóricos e as
práticas de comunicação pública indicados nos artigos da coletânea pode ajudar
a esclarecer parte das questões enunciadas. Para uma abordagem dos autores,
proponho uma descrição sucinta conforme se aproximam (ou se distanciam)
na caracterização, por exemplo, do papel do Estado, do governo, da sociedade e
dos cidadãos, incluindo, em alguns casos, as organizações privadas.
Matos, Duarte e Weber, embora se orientem por diferentes perspectivas teóricas, observam a comunicação pública de dentro para fora, ou seja, partindo do
Estado (ou governo) em direção à sociedade, e buscam na visibilidade da mídia
(e em outras formas de comunicação) a perspectiva de evolução da democracia.
Weber faz distinção, por exemplo, entre comunicação de Estado, comunicação política, comunicação pública e comunicação institucional. Afirma que
as estratégias de visibilidade se apoiam na busca de credibilidade, e propõe a
democracia deliberativa online como um nível mais avançado de comunicação
pública.
Já Duarte mostra que o conceito de comunicação pública se baseia nos seguintes objetivos: mais poder para a sociedade; mais comunicação e informação; menos divulgação; mais diálogo, participação; e menos dirigismo. E, ao
apontar o desinteresse do cidadão em relação à política (em parte devido à desinformação e ao descrédito com a gestão pública), propõe quatro eixos para a
comunicação pública: transparência, acesso, interação e ouvidoria social.
Por sua vez, Matos indica algumas tendências nos estudos de comunicação
pública, e ressalta a ausência de interação entre as teorias e os dados empíricos
que sustentam os conceitos de comunicação governamental e comunicação pú68
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
blica. E vai além para verificar as relações entre a teoria do reconhecimento e
os movimentos sociais, pontuando algumas conquistas para a implementação
de políticas públicas, como, por exemplo, as cotas para deficientes, negros, etc.
Haswani avança a presença de atores públicos e privados como ativadores
das relações entre o Estado e a sociedade, analisando a derrocada do Estado-previdência, o welfare-state, o welfare-society (em que a sociedade assume a
responsabilidade de discutir e deliberar as causas coletivas), e, finalmente, o
welfare-comunity (cuja missão é a de ativar formas de inclusão social).
Um dos convidados internacionais, Rolando, afirma que a comunicação
pública visa “diminuir a distância entre instituições e cidadãos, em torno da
aplicação das leis e o acesso aos serviços e estruturas (estatais), promovendo
desta forma os interesses coletivos”. Considera como uma comunicação pública
inovadora, além do diálogo entre o público e o privado, o estabelecimento de
um pacto para o desenvolvimento: com base na economia do conhecimento, no
envolvimento das empresas com a responsabilidade social, na gestão de novos
direitos da cidadania, na inclusão de todos os cidadãos.
A proposta de Jaramillo destaca a advocacy como um conceito de mobilização social. O autor colombiano conceitua a comunicação pública como “a
construção de propósitos comuns com o objetivo de produzir significados se
sentido compartilhado em assuntos de interesse comum.” E explica que, mesmo
quando os indivíduos se expressam de forma individual, geram sentidos quando
compartilham imaginários, interações e se organizam em movimentos sociais.
Quanto às condições para uma comunicação pública, diz tratar-se de “sujeitos
coletivos”, cujas ações se referem à construção do que é público, ou seja, uma
modalidade de comunicação inclusiva, participativa e democrática.
Finalmente, a contribuição de Maia discute as controvérsias para processar e
reconhecer o interesse público. Para a autora, “é o debate, conduzido democraticamente entre os concernidos que é o meio apropriado para estabelecer o que
pode ser reconhecido como interesse público ou bem comum”.
Deste breve survol dos posicionamentos e processos de comunicação pública
contidos na obra coordenada por Margarida Kunsch, é possível concluir que a
articulação entre os conceitos de público e privado em torno do interesse público pressupõe uma continuidade, além de um aprofundamento, dos debates em
torno da comunicação pública, para atingir uma comunicação verdadeiramente
inclusiva, participativa e democrática.
Margarida Maria Krohling Kunsch
69
MARGARIDA MARIA
KROHLING KUNSCH
Artigos Publicados em Edições
Especiais dos Periódicos
Científicos Criados
Revista Alaic, ano V, nº8-9 (2008)
Edição comemorativa aos 30 anos de existência da ALAIC
Artigo: Comunicação Organizacional
e Relações Públicas: perspectivas dos
estudos latino-americanos
por Doris Fagundes Haussen (PUCRS)
1.1
KUNSCH
A produção científica de Margarida Kunsch tem trazido expressiva e diferenciada colaboração aos estudos de comunicação. No artigo Comunicação Organizacional e Relações Públicas: perspectivas dos estudos latino-americano, a autora aborda
um recorte especial ao apresentar uma visão panorâmica deste campo na América Latina. Através de um estudo bibliométrico são analisados os papers apresentados nos congressos
bianuais da Asociación Latinoamericana de Investigadores de
la Comunicación - ALAIC, no período de 1998-2008.
Construído em três partes, o artigo apresenta aspectos conceituais sobre os fundamentos que diferenciam e delimitam
as duas áreas de conhecimento, traz a percepção que a autora
tem sobre estas áreas na América Latina e apresenta o referido estudo bibliométrico sobre os textos participantes do GT
Comunicación Organizacional y Relaciones Públicas.
Ao longo do texto é destacada a constituição das relações públicas e da comunicação organizacional como áreas de conhecimento inseridas no âmbito das Ciências da Comunicação e das Ciências Sociais Aplicadas. Neste sentido, possuem,
segundo a autora, “um corpus de conhecimento com literatura específica, teorias reconhecidas mundialmente, cursos
de pós-graduação, pesquisas científicas, constituindo-se, porMargarida Maria Krohling Kunsch
71
tanto em campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas” (p.229).
Uma questão central identificada por Margarida Kunsch é a necessidade
de se aprofundar os conceitos que diferenciam os campos de comunicação organizacional e de relações públicas. Após uma série de considerações, a autora
conclui que a “Comunicação Organizacional deve ser entendida, sobretudo,
como um fenômeno que ocorre nas organizações com toda uma complexidade
de processos. Relações Públicas lidam com a gestão desses processos”. E mais:
para compreender e aplicar os fundamentos das Relações Públicas é
necessário, também, conhecer o aspecto abrangente da Comunicação
Organizacional e das áreas afins. [...] E, neste contexto, a Comunicação Organizacional, como campo acadêmico de estudos, dará subsídios
teóricos para fundamentar a prática da atividade na administração dos
relacionamentos entre organizações e públicos, além, é claro, do suporte
de outras ciências (p.230).
A autora, no entanto, faz a ressalva de que considera equivocada a visão dos
que acham, devido à expansão do campo da comunicação organizacional, que
este veio tomar o lugar das relações públicas. E conclui: “Somos de opinião de
que o crescimento da Comunicação Organizacional, com toda a sua abrangência,
provoca um repensar dos paradigmas tradicionais de Relações Públicas e desafia a
busca de fundamentos teóricos mais consistentes” (p.231). Encerrando esta parte,
salienta as inúmeras entidades de relações públicas nacionais existentes na região.
Após fazer as considerações mais amplas sobre os conceitos, a autora se debruça sobre a questão na América Latina, os trabalhos pioneiros e os centros de
estudo mais destacados. Neste contexto, o papel da Escola de Comunicações
e Artes, da USP, é salientado, com a criação, em 1966, do curso superior de
Relações Públicas e, em 1972, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, que contemplava essas duas linhas de pesquisa. Embora reconhecendo a falta de uma relação sistematizada sobre os demais cursos de pós-graduação da região, Margarida Kunsch destaca a contribuição da Escuela de
Ciencias de la Comunicación, da Universidad de San Martín de Porres, em
Lima (Peru), com a criação do Mestrado (1996) e do Doutorado (2005) em
Relações Públicas.
Na última parte do texto, a autora apresenta o estudo bibliométrico realizado, destacando a importância desta técnica para conhecer e analisar a produção
intelectual de determinado grupo de pesquisadores e que possibilita “não só
conhecer fontes bibliográficas utilizadas, bem como estabelecer comparações
entre estudos semelhantes realizados num mesmo contexto” (p.232). A seguir,
72
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
a autora apresenta os procedimentos metodológicos usados e os oito itens analisados, entre eles o idioma, a nacionalidade dos autores, a temática, o tipo de
pesquisa, o total de artigos com apresentação de referências bibliográficas, e a
autoria do material consultado nas referências bibliográficas. Através de tabelas,
os resultados são apresentados, ficando muito claro o levantamento realizado.
Em suas considerações finais, a autora destaca a necessidade das universidades latino-americanas abrirem mais espaço nos cursos de Pós-Graduação em
Comunicação para que as áreas de comunicação organizacional e de relações
públicas possam avançar na pesquisa, contribuindo, assim, “por meio de uma
produção inovadora, com as transformações de paradigmas de suas práticas nas
instituições públicas, organizações privadas e do terceiro setor” (p.239).
O artigo de Margarida Kunsch traz, desta forma, uma contribuição importante não só para esta área de interesse, mas para a sociedade em geral que tem
a oportunidade de entrar em contato com a geração de conhecimento que está
sendo desenvolvido nas universidades e centros de Comunicação da América
Latina, no que se refere à comunicação organizacional e às relações públicas.
A larga trajetória intelectual da pesquisadora, bem como a qualidade da sua
produção, contribuem, mais uma vez, para aprofundar e ampliar os estudos
nesta área.
Margarida Maria Krohling Kunsch
73
Revista Organicom, v. 6, n. 10/11 (2009)
Dossiê sobre as bases conceituais de comunicação organizacional e de relações públicas –
I e II Congresso Abrapcorp
Artigo: Relações Públicas e Comunicação organizacional: das práticas à institucionalização acadêmica
por Eugênia Mariano da Rocha
Barichello (UFSM)
1.1
KUNSCH
74
Margarida Maria Khroling Kunsch, com sua sabedoria e experiência, investiga incansavelmente os campos da Comunicação Organizacional e das Relações Públicas. Mais do que
isso, é uma organizadora desses campos acadêmicos, um baluarte que guia passos e ilumina caminhos.
No texto Relações Públicas e Comunicação organizacional: das
práticas à institucionalização acadêmica dedica-se ao entendimento das relações, interações, intersecções e sobreposições
entre essas práticas profissionais e ao processo de institucionalização desses campos nas universidades, os quais incluem,
cada vez mais, as investigações realizadas nos Programas de
Pós-Graduação.
Ao questionar “Quais seriam as diferenças e semelhanças?
Como se processam as interfaces? Quais seriam as interconexões entre os estudos e as práticas?” (p.50), a pesquisadora
reflete sobre a evolução dos dois campos, tanto em relação às
práticas profissionais como à institucionalização acadêmica.
Na classificação dos conhecimentos (CAPES, CNPq), ambos
se inserem na grande área das Ciências Sociais Aplicadas e,
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
segundo a pesquisadora, grandes avanços epistemológicos têm sido alcançados
até agora: “[...] dos estudos dos canais, mensagens, fluxos, redes audiências, entre anos 1950 e 1970, passando pelos estudos interpretativos a partir de 1980,
até a multiplicidade de enfoques na primeira década de 2000”.
Em relação às limitações conceituais, argumenta que precisam ser mais bem
fundamentados os conceitos que diferenciam e organizam os campos de comunicação organizacional e de relações públicas. Conceitua comunicação organizacional:
como fenômeno inerente à natureza das organizações e aos agrupamentos de pessoas que as integram, a Comunicação Organizacional envolve
os processos comunicativos de todos os elementos constitutivos das organizações. Nesse contexto faz-se necessário ver a comunicação inserida
nos processos simbólicos e com foco nos significados dos agentes envolvidos, dos relacionamentos interpessoais e grupais, valorizando as práticas comunicativas cotidianas. (p.54).
E entende as relações públicas:
como parte integrante do subsistema institucional das organizações
cabendo-lhe o papel fundamental de cuidar dos relacionamentos públicos dos agrupamentos sociais que podem ser configurados a partir de
diferentes tipologias e características estruturais. Envolvendo das organizações públicas às empresas privadas e aos segmentos organizados da
sociedade civil. (p.54)
A interface entre os dois campos, diferentemente do que ocorre em outros
países, é uma característica brasileira, pois aqui seus objetos teórico-empíricos
se conectam, tanto nas práticas profissionais quanto na institucionalização acadêmica. Nos Programas de Pós-Graduação e nos cursos de graduação existem e
coexistem aproximações, diferenciações, interconexões e, sobretudo, é fomentado o diálogo entre as duas áreas em um contexto cada vez mais complexo.
Este texto de Kusnch capitaneia os números 10 e 11 de 2009, edição especial da revista Organicom, composta por artigos sintéticos, porém teoricamente
densos, sobre as relações entre comunicação organizacional e relações públicas,
que traz autores como Maria Helena Weber e Rudimar Baldissera (UFRGS),
Claudia Peixoto de Moura e Cleusa Maria Andrade Scroferneker (PUCRS),
Marcio Simeone Henriques (UFMG), Ivone Lourdes Oliveira (PUC-Minas),
Elizabeth Saad Corrêa, Maria Aparecida Ferrari, Paulo Nassar e Sidnéia Gomes
Margarida Maria Krohling Kunsch
75
Freitas (USP), Wilson da Costa Bueno (UMESP), Luiz Carlos Iasbeck e João
José Azevedo Curvello (UCB), Adriana Machado Casali, Celsi Brönstrup Silvestrin e Waldyr Gutierrez Fortes (UFPR), Marcio Simeone Henriques e Maria
do Carmo Reis (UFMG), Fabianna Pereira Bluhm Alves e Sebastião Amoêdo
(UFRJ), Valéria de Siqueira Lopes e Guilherme Grandi (Cásper Líbero e USP),
Eugenia Mariano da Rocha Barichello (UFSM) e Daiana Stasiak (UFG).
Representam 13 instituições que possuem Programas de Pós-Graduação
(Mestrado e Doutorado) reconhecidos pela CAPES e, em suas linhas e grupos
de pesquisa, contemplam o estudo das práticas dos campos de comunicação
organizacional e de relações públicas, contribuindo para o seu desenvolvimento
teórico-metodológico, numa pujante demonstração da institucionalização acadêmica da área.
Ao finalizar ressalto a capacidade analítica e a liderança de Margarida Kunsch, organizadora dos campos de comunicação organizacional e de relações públicas, áreas que se interconectam e se complementam. Ela conhece o trabalho
dos pesquisadores e os põe a dialogar, em uma incansável labuta que acompanho, com muita admiração, há mais de duas décadas.
76
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Produção bibliográfica1
1.1
KUNSCH
Livros publicados/organizados ou edições
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). La comunicación en
Iberoamérica: políticas científicas y tecnológicas, posgrado y
difusión de conocimiento. 1. ed. Quito - Equador: Editorial
Quipus, 2013. v. 1. 428p.
KUNSCH, Margarida M. K.; MARQUES DE MELO, J.
(Orgs.). Comunicação ibero-americana: sistemas midiáticos, diversidade cultural, pesquisa e pós-graduação. 1. ed.
São Paulo, SP: ECA-USP, 2012. v. 1. 494p.
QUEIROZ, A.; KUNSCH, Margarida M. K. (Orgs.). Gaudêncio Torquato. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2012. v.
1. 275p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação pública, sociedade e cidadania. 1. ed. São Caetano do Sul, SC:
Difusão Editora, 2011. v. 1. 293p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). A comunicação como
fator de humanização das organizações. 1. ed. São Caetano
do Sul, SP: Difusão Editora, 2010. v. 1. 253p.
1. Fonte: currículo Lattes de Margarida Maria Krohling Kunsch,
consultado em jun.2014.
Margarida Maria Krohling Kunsch
77
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Relações públicas: história, teorias e
estratégias nas organizações contemporâneas. 1. ed. São Paulo, SP: Editora
Saraiva, 2009. v. 1. 512p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional - Vol. 1
- Histórico, fundamentos e processos. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva,
2009. v. 1. 408p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional - Vol. 2 - Linguagem, gestão e perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2009. v. 1. 376p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). A comunicação na gestão da sustentabilidade das organizações. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora,
2009. v. 1. 263p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação organizacional e relações
públicas: campos acadêmicos e aplicados de perspectivas múltiplas. 1. ed. São
Caetano do Sul, SP: Difusão Editora, 2009. v. 1. 352p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Gestão estratégica em comunicação organizacional e relações públicas. 2. ed. São Caetano do Sul: Difusão Editora,
2009. v. 1. 310p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Gestão estratégica em comunicação
organizacional e relações públicas. 1. ed. São Caetano do Sul, SP: Difusão
Editora, 2008. v. 1. 308p.
KUNSCH, Margarida M. K.; KUNSCH, W. L. (Orgs.). Relações públicas
comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialógica e transformadora.
1. ed. São Paulo, SP: Summus Editorial, 2007. v. 1. 372p.
KUNSCH, Margarida M. K; ALFONSO, A.; SAINTOUT, F. (Orgs.). 70 años
de periodismo y comunicación en América Latina: memoria y perspectivas.
1. ed. La Plata - Argentina: Universidad Nacional de la Plata, 2007. v. 1. 345p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Ensino de comunicação: qualidade na
formação acadêmico-profissional. 1. ed. São Paulo, SP: ECA-USP / INTERCOM, 2007. v. 1. 213p.
KUNSCH, Margarida M. K. Relações públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. 4. ed. São Paulo, SP: Summus Editorial, 2006. v. 1. 158p.
78
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Obtendo resultados com relações
públicas. 2. ed. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning, 2006. v. 1.
275p.
KUNSCH, Margarida M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. 4. ed. São Paulo: Summus Editorial, 2003. v. 1. 424p.
KUNSCH, Margarida M. K.; LOZA, I. S.; TORRICO VILLANUEVA, E.
(Orgs.). Ciencias de la comunicación y sociedad: un diálogo para la era digital. 1. ed. Santa Cruz de la Sierra: UPSA / Alaic, 2003. v. 01. 184p.
KUNSCH, Margarida M. K.; FISCHMANN, R. (Orgs.). Mídia e tolerância:
construindo caminhos de liberdade. São Paulo, SP: Editora da Universidade de
São Paulo (Edusp), 2002. 184p.
KUNSCH, Margarida M. K.; LEDO ANDIÓN, M. (Orgs.). Comunicación
audiovisual: investigación e formación universitarias. 1. ed. Santiago de Compostela: Universidad de Santiago de Compostela, 1999. v. 1. 487p.
KUNSCH, Margarida M. K.; TORQUATO, G.; SALLES, M.; PERISCINOTTO, A. Estudos Aberje - 1. São Paulo, SP: Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), 1998. v. 1. 80p.
KUNSCH, Margarida M. K.; DENCKER, A. F. M. (Orgs.). Produção científica brasileira em comunicação na década de 1980: análises, tendências,
perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Edicon / INTERCOM, 1997. v. 1. 382p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Obtendo resultados com relações públicas. 1. ed. São Paulo, SP: Pioneira, 1997. v. 1. 247p.
KUNSCH, Margarida M. K. Relações públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. 1. ed. São Paulo, SP: Summus Editorial, 1997. v. 1. 156p.
KUNSCH, Margarida M. K.; DENCKER, A. F. M. (Orgs.). Comunicação e
meio ambiente. 1. ed. São Bernardo do Campo, SP: INTERCOM / Editora
Metodista, 1996. v. 1. 218p.
KUNSCH, Margarida M. K.; MIGNOT-LEFEBVRE, Y.; BOLAÑO, C.
(Orgs.). Os processos de globalização e mundialização: tecnologias, estratégias e conteúdo. 1. ed. Aracaju, SE: INTERCOM / Sfsic / UFS, 1995. v. 1.
316p.
Margarida Maria Krohling Kunsch
79
KUNSCH, Margarida M. K.; PERUZZO, C. M. K. (Orgs.). Transformações
da comunicação: ética e técnicas. 1. ed. Vitória, ES: Fundação Ceciliano Abel
de Almeida, 1995. v. 1. 161p.
KUNSCH, Margarida M. K.; MIGNOT-LEFEBVRE, Y. (Orgs.). France-Brésil: recherches récentes en sciences de la communication / França-Brasil:
pesquisas recentes em ciências de comunicação. 1. ed. Créteil - França: Sfsic /
INTERCOM / Université Paris XII, 1994. v. 1. 160p.
KUNSCH, Margarida M. K.; BRAGA, G. M. (Orgs.). Comunicação rural:
discurso e prática. 1. ed. Viçosa, MG: Editora da Universidade Federal de Viçosa, 1993. v. 1. 173p
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Indústrias culturais e os desafios da
integração latino-americana. 1. ed. São Paulo, SP: INTERCOM, 1993. v. 1.
163p.
KUNSCH, Margarida M. K. Universidade e comunicação na edificação da
sociedade. 1. ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1992. v. 1. 196p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). O ensino da comunicação: análises, tendências e perspectivas. 1. ed. São Paulo, SP: Abecom / ECA-USP / Felafacs,
1992. v. 1. 228p.
KUNSCH, Margarida M. K.; MORALES, O. T. (Orgs.). Alaic-92: o congresso de Embu-Guaçu. 1. ed. São Paulo, SP: ECA-USP, 1992. v. 1. 48p.
KUNSCH, Margarida M. K.; MARQUES DE MELO, J. (Orgs.). Sumários
do I Congresso da Alaic. São Paulo, SP: Alaic / ECA-USP, 1992. v. 1. 110p.
KUNSCH, Margarida M. K.; FERNANDES, F. A. (Orgs.). Comunicação,
democracia e cultura. 1. ed. São Paulo, SP: Ediçoes Loyola, 1989. v. 1. 140p.
KUNSCH, Margarida M. K. (Org.). Comunicação e educação: caminhos
cruzados. 1. ed. São Paulo, SP: Edições Loyola, 1986. v. 1. 504p.
80
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
CICILIA MARIA KROHLING
­PERUZZO
Contribuições teóricas e empíricas para
um novo pensamento comunicacional
alternativo, comunitário e popular
Orlando Maurício de Carvalho Berti1
2.1
PERUZZO
Breve Perfil de Cicilia Peruzzo
Cicilia Maria Krohling Peruzzo, ou Cicilia Peruzzo como é
reconhecida internacionalmente, nasceu no dia 6 de junho
de 1950 na cidade de Domingos Martins, interior do estado
do Espírito Santo, bem próximo da capital capixaba, Vitória.
Ela é uma das filhas mais novas de João Pedro Krohling e
Maria Margarida Thomaz Krohling. Cicilia Peruzzo passou
a infância na localidade rural de Rio da Prata, em Guarapari
(ES), também nas proximidades da capital Vitória, numa família de muitos irmãos. No início da adolescência retornou
a Domingos Martins para realizar estudos primários. Depois
passou temporadas de estudo nas cidades do Rio de Janeiro
(RJ) e Vila Velha (ES). Fez o Ensino Médio em São Paulo
1. Doutor e mestre em Comunicação Social pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo (em São Bernardo do Campo – SP).
Foi bolsista da FAPEPI – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
do Piauí. Em ambos os trabalhos de Pós-graduação Stricto Sensu foi
orientado pela professora Cicilia Peruzzo. Fez estágio doutoral na
Universidad de Málaga (em Málaga, Espanha). Professor, pesquisador e extensionista da UESPI – Universidade Estadual do Piauí
(campus de Teresina – PI). E-mail: [email protected]
82
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
(SP) onde fixou residência para também trabalhar. A ida para a maior cidade
do Brasil ocorreu por conta das perspectivas profissionais e educacionais que no
Espírito Santo estavam escassas.
Foi na capital paulista que a jovem Cicilia Peruzzo começou a enveredar pela
área dos estudos superiores comunicacionais, graduando-se em 1977 no curso
de Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas – na Universidade
Anhembi-Morumbi.
A entrada de Cicilia Peruzzo no mundo da Comunicação Social foi meio por
uma coincidência do destino.
Ela relata2 que ao decidir fazer um curso superior não tinha muita certeza
de qual área seguir. Cicilia Peruzzo contou que gostaria de fazer um curso que
não precisasse muito de Matemática (área geralmente não muito simpática aos
que trilham o caminho das Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas).
Comunicação Social – habilitação em Relações Públicas –, nesse primeiro momento de buscas acadêmicas, foi o curso que mais coincidiu com o que a então
estudante secundarista Cicilia Peruzzo queria naquela fase da vida.
A professora diz ainda que a escolha pelo curso de Relações Públicas não
foi por influência de sua irmã, a professora Margarida Maria Krohling Kunsch
(atualmente um dos maiores nomes acadêmicos da área na América Latina,
professora e pesquisadora da USP – Universidade de São Paulo), mas sim por
uma coincidência do destino.
Cicilia Peruzzo e Margarida Kunsh foram contemporâneas de curso de Relações Públicas na Universidade Anhembi Morumbi (na capital paulista) e trilharam caminhos parecidos no sentido de estudos da área (principalmente na primeira década de carreira acadêmica da professora Peruzzo). As irmãs Krohling
tiveram e têm vivências de graduação e pós-graduação Stricto Sensu em Comunicação Social e na militância acadêmica na área comunicacional na América Latina. As duas destacadas irmãs-docentes-pesquisadoras-relações públicas
ainda são conhecidas internacionalmente pela liderança, criação e protagonismo de grupos de pesquisa da INTERCOM3 – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação – e da Alaic4 – Asociación Latinoamericana
2. Entrevista concedida originalmente ao autor deste texto em 29 de setembro de 2010,
com atualizações sistemáticas entre os anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 entre várias
conversas em congressos, orientações de Doutorado e discussões acadêmicas.
3. www.intercom.org.br
4. www.alaic.net
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
83
de Investigadores de la Comunicación (Associação Latino Americana de Pesquisadores da Comunicação) e na Compós5 – Associação Nacional dos Programas
de Pós-Graduação em Comunicação. As duas também foram presidentes da INTERCOM (que é uma das maiores sociedades científicas de Comunicação do
Mundo). Cicilia Peruzzo comandou a entidade entre 1999 e 2002 e Margarida
Kunsh comandou em dois períodos: entre 1987 e 1989 e 1991 e 1993.
A formação superior de relações públicas, iniciada meio por acaso, começou
a apaixonar a professora Cicilia nos seus primeiros meses de vida acadêmica
quando a mesma começou a observar os processos de comunicação na empresa
Eli Lilly do Brasil, onde trabalhava. Naquela empresa viu que poderia contribuir com novas perspectivas críticas relacionando pressupostos teóricos das relações públicas com sua prática numa grande empresa multinacional. Somente
após essa aproximação é que a atuação na Academia interessou a professora, que
antes tinha ambições profissionais de trilhar uma carreira de mercado, apesar
das vocações sociais.
O início da carreira acadêmica (docência e pesquisa) se deu por influência
do esposo da professora, o sociólogo Dilvo Peruzzo (com quem casou no meio
da década de 1970). O professor Dilvo Peruzzo obteve aprovação em concurso
para docência na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), forçando o
casal a se mudar e ter uma nova vida na capital capixaba.
O casamento com um docente e a volta ao Espírito Santo instigaram a professora Cicilia Peruzzo a fazer concurso para ministrar aulas na UFES, logrando
aprovação. Em março de 1978 a professora iniciava sua carreira como docente
de ensino superior.
Das primeiras aulas no curso de Comunicação Social da UFES nascia uma
das figuras acadêmicas mais respeitadas atualmente na área de Comunicação do
Brasil e uma das responsáveis por mudar a área de Comunicação Comunitária
na América Latina. As mudanças são dadas não só por uma professora que tem
bons e importantes escritos, mas por uma educadora com ampla noção do papel
social do pesquisador. Essa última qualidade é o grande diferencial da professora
Cicilia Peruzzo frente a todas e todos os outros docentes que atuam na área da
pesquisa em Comunicação Social.
Cicilia Peruzzo é mãe de três filhos: Janaína, Ernani e Maíra, e desde julho
de 2010 é avó de Luca, nascido no Canadá. A maternidade teve início praticamente ao mesmo tempo que as primeiras aulas de ensino superior na UFES e
no início do seu mestrado. A nova fase do ciclo de avó coincide com a finaliza-
5. www.compos.org.br
84
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
ção de sua última grande conquista acadêmica: o pós-doutorado – terminado
no ano de 2009 na UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México,
na Cidade do México (capital mexicana) em que foi aluna do professor Jorge
González Sanches.
A Entrada na Vida Acadêmica
Início dos estudos sistematizados na área da Comunicação Social até
o protagonismo como orientadora de dissertações e teses e escritora
de trabalhos emblemáticos na área
Em março de 1978 Cicilia Peruzzo iniciou sua carreira na docência de ensino superior como professora da UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
– em Vitória, capital capixaba. Iniciava também sua carreira como pesquisadora
acadêmica.
Até hoje a professora Peruzzo é lembrada como uma docente comprometida, dedicada e socialmente ativa. Vários de seus projetos em comunidades da
Grande Vitória ainda rendem bons frutos e trazem discussões sociais e ações
acadêmicas, principalmente no campo da extensão universitária.
A docente começou a atuar em cursos de Comunicação Social ministrando as disciplinas “Pesquisa de Opinião e Pesquisa Mercadológica” e “Relações
Públicas” para alunos do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo. Com o passar do tempo assumiu disciplinas como “Comunicação Comunitária”, “Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação”, “Mídia Local e
Regional” e “Comunicação e Comunidade”, depois voltando estudos para áreas
afins dessas disciplinas. Essas subáreas dos estudos comunicacionais terminaram
acompanhando a professora até a sua fase de docente em programa de Mestrado
e Doutorado em Comunicação Social.
A necessidade de uma qualificação maior e, principalmente, vislumbrar novas perspectivas acadêmicas e sociais, via pós-graduação Stricto Sensu (mestrado), levou a professora Cicilia Peruzzo a ingressar no ano de 1979 na primeira
turma de mestrado em Comunicação do então IMS – Instituto Metodista de
Ensino Superior (hoje UMESP – Universidade Metodista de São Paulo).
No final da década de 1970 do Século passado o inovador programa de
mestrado em Comunicação do IMS era apenas um dos quatro programas de
pós-graduação em Comunicação do País. Funcionava na região metropolitana
de São Paulo conhecida por ABCD, em São Bernardo do Campo – SP, berço
das lutas operárias e sindicais do Brasil. Um dos nomes do Mestrado em CoCicilia Maria Krohling Peruzzo
85
municação do então IMS era o professor José Marques de Melo, já à época
conhecido por ser uma sumidade no campo científico comunicacional e que
se firmava como um dos maiores articuladores latino-americanos na área de
Comunicação Social.
A possibilidade de ingressar em uma pós-graduação Stricto Sensu foi dada
pelo interesse pessoal de qualificação, já que havia ingressado na carreira docente, e também pela coincidência do esposo da professora fazer o doutorado na
mesma época em São Paulo (SP). Os dois mudaram de Vitória para a capital
paulista no intuito de viabilizar o prosseguimento dos estudos.
Cicilia Peruzzo foi a primeira aluna do curso do Mestrado de Comunicação
do Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS) a apresentar dissertação, gerando sua primeira contribuição à Comunicação em sentido nacional e iniciais
reflexões ao Pensamento Comunicacional Latino Americano.
Vindo de Vitória (ES), onde atuava como professora do Curso de Comunicação Social da UFES – Universidade Federal do Espírito Santo, a
entrada no mestrado significou um desafio especial: deixar para trás uma
vida arrumadinha, para cursar uma pós-graduação, numa época em que
a titulação não significava promoção nem aumento de salário nas universidades federais do País e trocar uma cidade pacata e praiana por São
Paulo, que dispensa adjetivos (PERUZZO, 2003, p. 23).
A revista científica Comunicação & Sociedade, edição número 07, destaca
que a primeira defesa de mestrado em Comunicação Social do Instituto Metodista de Ensino Superior ocorreu no dia 15 de dezembro de 1981. Cicilia Peruzzo trazia o trabalho Relações Públicas no Modo de Produção Capitalista, da área
de concentração em Metodologia da Comunicação. O trabalho foi aprovado
com conceito máximo. A banca examinadora foi constituída pelos professores
doutores José Marques de Melo (orientador), Onésimo de Oliveira Cardoso,
ambos do Centro de Pós-Graduação do IMS/UMESP, e José J. Queiroz, da
PUC/SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A professora destaca a importância da pós-graduação em Comunicação Social e ainda o fato de ser incentivadora da qualificação acadêmica:
Cursar uma pós-graduação naquela época representou o contato com o
novo, ou seja, com as teorias e metodologias explicativas das estruturas
e da dinâmica da sociedade, além dos processos de pesquisa. Significou,
ainda, a possibilidade de tentar entender a realidade e o movimento da
sociedade, relacionando prática e teoria. Se saliento essa passagem é por86
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
que quero chamar a atenção para sua importância também no contexto
atual do ensino pós-graduado (PERUZZO, 2003, p. 31).
O trabalho de mestrado teve tão boa qualidade e foi considerado tão ousado
que meses depois foi publicado em forma de livro. Até hoje, passados mais de
30 anos, o livro ainda é reeditado pela editora Summus (conhecida publicadora
de livros da área de Comunicação Social – sediada em São Paulo) e é considerado mais do que básico na área dos estudos de Relações Públicas.
Segundo também foi publicado na revista Comunicação & Sociedade, número 07, o trabalho da professora Cicilia Perruzo foi considerado
um estudo pioneiro, que introduz o método dialético na compreensão
das Relações Públicas e procura avançar na análise das práticas comunicativas que lhe são peculiares, como produtos simbólicos onde transparece o conflito entre as classes sociais na sociedade burguesa. [...] Por
ser um trabalho original, a tese foi aceita para publicação sob a forma
de livro pela Cortez Editora, que fez o lançamento em março de 1982
(COMUNICAÇÃO & SOCIEDADE, 1982, p. 175).
Esse trabalho foi bem crítico para a época, principalmente porque o Brasil
ainda passava por um período de redemocratização após os traumas da ditadura
civil-militar, saindo de quase duas décadas de domínio ditatorial, com censura
e repressão a ideias mais socializantes.
Anos depois a professora Cicilia Peruzzo tomou conhecimento que chegou
a ser cogitado de ser denunciada ao Conselho de Ética do Conselho Regional
de Relações Públicas (CONRERP)6, pelos questionamentos feitos por ela na
dissertação. As reações contra o trabalho teriam ocorrido porque a professora
questionava e desvendava o papel das relações públicas no sistema capitalista.
Atualmente discussões do tipo são plenamente aceitas e até tidas como
maioria, por reconhecer o status do capitalismo e suas perspectivas do lucro e
suas tentativas de manipulação e influência dos meios de Comunicação Social.
A professora relatou que após a defesa da dissertação prontamente recebeu
convite para publicar o trabalho. Um representante da editora tinha sido convidado pelo orientador José Marques de Melo para analisar o trabalho. Até hoje o
livro oriundo da dissertação da professora Cicilia Peruzzo é estudado na maioria
6. Entrevista concedida ao autor deste trabalho em 29 de setembro de 2010 e dados recompilados em entrevistas e conversas posteriores entre 2011, 2012, 2013 e 2014.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
87
dos cursos de Relações Públicas do Brasil e é basilar em boa parte das ementas
de disciplinas.
Após o mestrado, a professora retornou para o Espírito Santo para continuar suas atividades docentes na UFES, ampliando seus horizontes acadêmicos,
principalmente para uma visão mais socializante, necessária e reflexiva do papel
da Comunicação Social.
Procurando ainda mais ampliar seus conhecimentos, em março de 1987
ingressou no programa de doutorado da Escola de Comunicação e Artes (ECA)
da USP – Universidade de São Paulo. Durante quase todo o tempo de doutorado alternou viagens rodoviárias entre São Paulo (SP) e Vitória (ES), além do
ofício de ser esposa e mãe de três filhos pequenos.
Em dezembro de 1991 defendeu sua tese de doutorado na Universidade de
São Paulo (USP) com o título A Participação na Comunicação Popular, orientada pela professora Anamaria Fadul.
Este trabalho acadêmico, pelo caráter inovador e discursivo (assim como
ocorreu na dissertação da professora Cicilia Peruzzo), rendeu o livro: Comunicação nos Movimentos Populares – a Participação na Construção da Cidadania,
publicado pela editora Vozes em 1998. O livro já teve várias tiragens e também
é um clássico na área de Comunicação Social no Brasil. Essa é uma das obras
base para estudos de comunicação popular, alternativa e comunitária no Brasil e
adotada em praticamente todos os cursos de Comunicação Social brasileiros em
que se estuda comunicação popular, alternativa e comunitária.
A professora Cicilia Peruzzo se aposentou da Universidade Federal do Espírito Santo em 1997. Entre aquele ano e 1998 foi convidada a lecionar disciplinas
ligadas à Comunicação Comunitária e à Comunicação e Educação na FAESA
– Faculdades Integradas São Pedro, mantida pela Associação Educacional de
Vitória – AEV, também na capital do Espírito Santo. Assim como na UFES,
realizou vários trabalhos de extensão e pesquisa envolvendo comunidades da
grande Vitória e deixando uma herança de bons trabalhos e muita ação social
comunicacional.
Meses depois retornou a São Paulo para fixar residência e encarar até então seu maior desafio acadêmico: trabalhar em um programa de pós-graduação
Stricto Sensu, nível de Mestrado. E não era qualquer mestrado, era justamente
o lugar em que havia sido a primeira aluna do Programa de Pós-graduação. Iniciou essa nova fase coordenando o mestrado interinstitucional que a Metodista
desenvolveu com Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, no Rio
Grande do Sul.
No segundo semestre de 2009 a professora Cicilia Peruzzo concluiu seu pós-doutorado na UNAM – Universidad Nacional Autónoma de México – (na
88
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
cidade do México, México) com trabalho de atividade livre de pesquisa em
parceria com o Labcomplex – Laboratorio de Investigación y Comunicación Compleja – da própria UNAM.
O trabalho de pós-doutoramento teve colaboração do catedrático mexicano
Jorge A. González Sanches, um dos maiores nomes de Comunicação Social da
América Latina. Cicilia Peruzzo fez pesquisas de campo no interior e na capital
do México, lincando essa pesquisa com a Cibercultur@ e suas relações com a
comunicação popular e comunitária no Brasil.
Vivências na pós-graduação Stricto Sensu em Comunicação Social
Em 17 de abril de 1998, Cicilia Peruzzo começou a integrar o quadro docente da UMESP – Universidade Metodista de São Paulo (em São Bernardo do
Campo – SP) uma das instituições que deu berço à formação acadêmica dos
líderes populares e sindicais da região do ABCD Paulista (área fabril e principal
lugar das lutas do então sindicalista Luís Inácio Lula da Silva).
Foi a partir de seu ingresso como docente na UMESP, ou Metodista, que a
professora Cicilia Peruzzo aumentou seu reconhecimento nacional e internacional, principalmente por dar os primeiros passos para sublinha de pesquisa
Comunicação Comunitária e Local, no Mestrado e Doutorado em Comunicação Social. A mesma universidade já tinha uma sublinha de pesquisa na área
de Comunicação Alternativa, fortalecida pelos estudos e vivências trazidas pela
sublinha inaugurada pela professora Cicilia Peruzzo e seus respectivos discípulos, muitos deles vindos de outras regiões do País e até de outros continentes.
A entrada da professora Cicilia Peruzzo no Póscom da UMESP ocorreu,
principalmente, para coordenar um mestrado interinstitucional em Comunicação daquela IES com a UPF (Universidade de Passo Fundo – no Rio Grande do
Sul), como mencionado anteriormente. Durante dois anos a professora Peruzzo
percorreu, ao menos uma vez por mês, o trajeto São Bernardo do Campo – Passo Fundo.
Em 17 de dezembro de 19967 Cicilia participou de sua primeira banca de
mestrado, como convidada externa, no curso de Pós-graduação da UMESP avaliando o trabalho: A Importância da Assessoria de Comunicação Social no Hospital
Universitário Público – Proposta para uma comunicação integrativa, de Luiz Alberto Malta de Barros.
7. Informações do sítio do Programa de Pós-Graduação da UMESP: http://www.metodista.br/poscom.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
89
Já sua primeira banca como membro da UMESP ocorreu em 05 de abril de
1999. Sua banca de estreia como orientadora de mestrado ocorreu em 04 de agosto
de 1999 com a dissertação: Vídeo Pastoral e Gêneros Comunicacionais: Estudo Comparativo Entre as Produtoras Verbo Filmes e Paulinas Vídeo, de August Alfons Duka.
A primeira banca de doutorado8 a participar na UMESP foi em 19 de março
de 2002, onde avaliou a tese: Comunicação e Mobilização Social: a Agenda 21 de
Vitória – ES, de Desirée Cipriano Rabelo.
Sua primeira tese orientada foi defendida em 13 de dezembro de 2002,
quando Adriana Azevedo Paes de Barros, se tornou doutora com o trabalho: O
Projeto Rádio-Escola: a Rádio Comunitária Irradiando Cidadania.
Em 1999 a professora passou a coordenar a sublinha de pesquisa no Programa de Pós-Graduação na UMESP, denominada Mídia Local e Comunitária,
já tendo orientado até o meio do primeiro semestre de 20149: 40 dissertações
(trabalhos de Mestrado) e 15 teses (trabalhos de Doutorado).
Como professora do Póscom (Programa de Pós-Graduação em Comunicação) da Metodista ministra as disciplinas10 “Metodologia da Pesquisa em Comunicação” para o Mestrado (sendo responsável pela formação metodológica
dos mestrandos do Programa); “Comunicação e Comunidade”; “Mídia Local,
Regional e Comunitária”.
A professora também colabora academicamente ministrando aulas e coordenando trabalhos de conclusão de cursos e pesquisas no curso de graduação de
Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo (um dos melhores
do País), bem como nos cursos de Publicidade e de Rádio e Televisão.
É constantemente vista nos corredores e outros espaços sociais, sempre sorridente, sempre aberta a ouvir e nunca de cara fechada.
A presidência da mais importante instituição acadêmica de Comunicação do País – outro divisor de águas
A professora Cicilia Peruzzo foi a oitava pessoa a ocupar a presidência da
INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comu-
8. Informações do sitio do Programa de Pós-Graduação da UMESP: http://www.metodista.br/poscom.
9. Dados constantes até 20 de maio de 2014 através do Currículo na Plataforma Lattes da
professora Cicilia Peruzzo. Endereço: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787837E2
10. Segundo Currículo Lattes da professora. Disponível em: www.cnpq.br
90
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nicação11 –, uma das mais atuantes e maiores instituições científicas do Mundo
em termos de congregação de pesquisadores em Comunicação e também de
incentivo à produção científica reflexiva.
A INTERCOM está sediada na capital paulista e desde 2007 funciona em
sede própria. Ela é
uma instituição sem fins lucrativos, destinada ao fomento e à troca de conhecimento entre pesquisadores e profissionais atuantes no mercado. A
entidade estimula o desenvolvimento de produção científica não apenas
entre mestres e doutores, como também entre alunos e recém-graduados
em Comunicação, oferecendo prêmios como forma de reconhecimento
aos que se destacam nos eventos promovidos pela entidade. Fundada no
dia 12 de dezembro de 1977 em São Paulo, a Intercom preocupa-se com
o compartilhamento de pesquisas e informações de forma interdisciplinar. Além de encontros periódicos e simpósios, a instituição promove
um Congresso Nacional – evento de maior prestígio na área de pesquisa
em Comunicação [...] entre pesquisadores e estudantes do Brasil e do
exterior. [...] A instituição ainda é responsável pelo lançamento de livros
e revistas especializados em Comunicação, além da busca por parcerias
com entidades de mesmo objetivo, institutos e órgãos de incentivo à
pesquisa brasileiros e estrangeiros (INTERCOM, 2010, p.01).
O cargo de presidenta da INTERCOM foi ocupado pela professora Cicilia
Peruzzo entre setembro de 1999 e setembro de 2002. Entre 1993 e 1995 ela foi
vice-presidenta da instituição, na gestão do professor Adolpho Queiroz.
A gestão da professora Cicilia Peruzzo na presidência da INTERCOM destacou-se pela interdisciplinaridade, pluralidade e democracia.
Em termos de gestão o trabalho da professora é autoavaliado, de acordo
com Moreira e Peruzzo (2002, p. 117-119), como atuante: no fortalecimento
da pesquisa, no campo do ensino, no campo das políticas públicas comunicacionais, das relações internacionais com associações congêneres ou afins, do
11. Antes da professora Cicilia Peruzzo também foram presidentes da Intercom os pesquisadores: José Marques de Melo (1977-1983), durante três mandatos; Anamaria Fadul
(1983-1985); Gaudêncio Torquato (1985-1987); Margarida Maria Krohling Kunsh
(1987-1989 e 1991-1993); Manuel Carlos da Conceição Chaparro (1989-1991);
Adolpho Carlos Françoso Queiroz (1993-1995); Maria Immacolata Vassallo Lopes
(1995-1997); José Salvador Faro (1997-1999) (MOREIRA; PERUZZO, 2002, p. 21).
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
91
Portcom – Portal de Livre Acesso à Produção em Ciências da Comunicação, da
digitalização e disponibilização em rede de produção científica acumulada da
INTERCOM, publicações impressas e em CD-ROM, realização de congressos
anuais e simpósios regionais de pesquisa, relacionamento com organizações públicas, serviços aos sócios e gerenciamento.
A professora Cicilia Peruzzo destaca, no Relatório da Gestão da INTERCOM (2002), que durante seu mandato ocorreram ações em três grandes eixos:
o fortalecimento das atividades na esfera nacional, o fortalecimento das atividades na esfera internacional e o fortalecimento da própria INTERCOM.
Segundo Vanessa Portes (2005, p.01), a professora Cicilia Peruzzo destacou
que os aspectos negativos de sua gestão na INTERCOM possam ser identificados no que se refere à falta de interesse dos associados em participar mais
ativamente da vida da entidade.
Na entrevista, a professora fez uma avaliação da gestão dizendo notar-se
participação sempre aquém do esperado, por exemplo, na escolha dos temas
dos congressos, nas votações quando das eleições da diretoria, na aquisição das
publicações da INTERCOM e no pagamento da anuidade. Já nos eventos da
INTERCOM, a participação dos sócios foi imensa.
Cicilia Peruzzo ainda hoje tem forte e destacada ligação com a INTERCOM,
sendo membro do Conselho da entidade e editora responsável pelo principal periódico científico da instituição, a Revista da INTERCOM, uma das publicações
científicas na área de Comunicação no Brasil mais acessadas e respeitadas.
Outro ponto forte na participação da presidência e diretorias da INTERCOM foi o incentivo à publicações, fato que fortalece o tom de socialização da
fortuna comunicacional deixada pela professora Cicilia Peruzzo entre escritos
publicados em jornais, revistas científicas e artigos em anais dos eventos promovidos pela entidade.
A Fortuna Crítica de Cicilia Peruzzo
Contribuições ao pensamento comunicacional brasileiro e mundial –
obras e atuações políticas e sociais
A professora Cicilia Peruzzo academicamente caracteriza-se e destaca-se no
campo da comunicação social brasileira em três grandes aspectos: como educadora, como militante e como exemplo de pesquisadora a ser seguido.
Quem não a conhece poder achá-la fechada, mas é pura timidez. Justamente por ser tão tímida e exemplo de simplicidade, prefere não chamar atenção,
92
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
mesmo quando é a estrela principal de um evento ou de alguma fala. É uma potência em conhecimento e sempre está disposta a ajudar. Essa é Cicilia Peruzzo
que, antes de ser um grande nome, é um grande ser humano, super-exemplo
acadêmico. São esses pontos que constroem o que há de mais precioso na Fortuna Acadêmica dela.
Como educadora ela não se preocupa apenas em lecionar, em passar assuntos. Mesmo tendo um conhecimento privilegiado e uma visão de mundo extremamente aguçada. Não usa esses conhecimentos especiais em prol da e com
arrogância, mas sim, em prol de mais simplicidade acadêmica, o que a torna tão
aprendiz quanto seus milhares de aprendizes.
O papel de educadora também é válido na forma de acompanhar seus orientandos. Não os têm como escravos, não os obriga a nada e muito menos os
trata com arrogância. Os orientandos são quase filhos, mas não filhos de uma
mãe-acadêmica permissiva, mas de uma mãe que sabe acolher nos momentos
certos e que, até nas horas de broncas e de irresponsabilidades dos orientandos
e aprendizes, sabe ser simples, educada e motivadora.
Como militante destaca-se por não querer só ficar em salas teorizando ou
apenas ligada a uma teoria muitas vezes sem nexo. Vai a campo, faz questão de
estar junto com o que chama de sujeitos-objeto. Não dispensa convites para ir
aos lugares mais complicados.
Assim como já relatado em textos anteriores, nos chamou muito atenção os
dois convites que fizemos à professora Cicilia para conhecer o Sertão do Piauí
(ambos foram aceitos).
Mesmo enfrentando temperaturas de quase 50 graus e viajando desconfortavelmente, aceitou viagens de milhares de quilômetros, justamente para estar
a par de uma sociedade tão pouco estudada ou tida sempre como coitados pela
maioria dos que fazem a Academia. Como militante procura também acompanhar de perto os movimentos sociais e entender, em sua essência, através do
estar no campo, as faces e interfaces desses seres sociais.
E como exemplo de pesquisadora, procura enveredar pelo lado teórico da
Comunicação, compartilhando novas teorias, novas leituras. Na parte do entendimento do campo e das interfaces é líder de um dos mais socializantes
grupos de pesquisa em Comunicação do País, o Comuni – Núcleo de Estudos
em Comunicação Comunitária e Local – veiculado à Universidade Metodista
de São Paulo, que tende a montar uma verdadeira comunidade emergente de
investigação, com compartilhamento e vivência coletiva de projetos em prol de
uma comunicação socializante.
Em 2014 o Encontro Nacional de Comunicação Comunitária, organizado
pelos membros do Comuni, completou dez anos de existência.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
93
A professora relata que vê a comunicação comunitária com uma série de dilemas
muito interessantes, principalmente na perspectiva dos processos participativos com
dinâmicas comunitárias e as redes. O avanço tecnológico e as possibilidades de intensificação nas redes podem trazer consequências positivas para a comunicação comunitária. Mas, a professora alerta: não estar somente na rede, mas participar do local!
No desafio da dimensão teórica da participação nos movimentos populares,
pois a participação pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.
A professora Cicilia Peruzzo tem suas ideias transpassadas do ambiente brasileiro e latino-americano, sendo estudado também em universidades dos Estados
Unidos, Canadá e Europa.
Duas grandes importantes obras internacionais que refletem comunicação e
participação citam Cicilia Peruzzo com destaque e instigam a autora como um
nome que pensa adequadamente as interfaces entre comunicação e participação. Ela é destaque no livro Communication and Human Values – Participatory
Communication for Social Change (editado na Índia) em 2006, de Jan Servaes, e
no Globalization, Development and the Mass Media, de Colin Sparks (de 2007 e
editado em vários países do Mundo).
Recentemente a professora tomou conhecimento que seus textos eram estudados em uma universidade na Finlândia. Também foi bem aceito um texto
seu (Organizational communication in the third sector: an alternative perspective)
publicado no periódico Management Communication Quartely, da Sage12. É uma
obra de circulação mundial, distribuída para mais de mil universidades.
Por outro lado, em 2010 a professora Cicilia Peruzzo foi convidada a falar na
Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal sobre o Canal da Cidadania, um sinal de reconhecimento aos seus trabalhos de reflexão sobre televisões
comunitárias no Brasil. Foi uma das poucas pessoas ligadas à Academia a ser
ouvida para esse tipo de conquista social.
Ela tem outros importantes assentos em entidades ligadas aos movimentos
sociais e à comunicação e geralmente é escutada ou é solicitada no sentido de
dar opiniões sobre rumos de movimentos sociais e populares na América Latina.
A obra de Cicilia Peruzzo em si. Uma fortuna além de escritos.
Uma preciosidade de exemplo de entender o campo
Até o meio do primeiro semestre de 2014 a professora Cicilia Peruzzo tinha
publicado 59 artigos completos em periódicos, e escrito e/ou organizado 19
12. Ver: <http://mcq.sagepub.com/cgi/reprint/22/4/663>
94
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
livros, alguns deles adotados em boa parte das escolas de Comunicação do País.
Além disso, tinha outros quase 70 artigos publicados em livros, muitos deles
publicados em outras línguas como o inglês e o espanhol.
TABELA I – LIVROS DE AUTORIA E/OU ORGANIZAÇÃO DA
PROFESSORA CICILIA PERUZZO
NOME DO LIVRO
AUTORIA OU
ORGANIZAÇÃO
EDITORA
CIDADE DA ANO DE
EDIÇÃO
EDIÇÃO
Community radio
stations(Brasil) (seção
da Encyclopedia of social moviment media)
Organizadora
Sage
Publications
Califórnia
Estados
Unidos
Londres
Inglaterra
Nova Déli
Índia
Trazos de una otra
comunicación en América Latina
Organizadora
Editorial
Universidad
del Norte
BarranquilaColômbia
2011
Televisão comunitária:
dimensão pública e
participação cidadã
na mídia local
Autoria individual
Mauad
Rio de
Janeiro
2007
Vozes cidadãs: aspectos
teóricos e análises
de experiências de
comunicação popular
sindical na América
Latina
Organizadora
Angellara
São Paulo
2004
Comunicação nos movimentos populares: a
participação na construção da cidadania
Autoria individual
Vozes
Petrópolis
2004
(a 3ª
edição)
Relações Públicas no
modo de produção
capitalista
Autoria individual
Summus
São Paulo
2004
(a 4ª
edição)
Retrato do Ensino
em Comunicação no
Brasil
Organizadora
INTERCOM/
São Paulo/
Taubaté
2003
Unitau
2011
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
95
São Paulo/
Salvador
2003
UMESP /
UPF
São Bernardo
do Campo /
Passo Fundo
2003
Organizadora
INTERCOM
São Paulo
2002
A Mídia impressa, o
livro e as novas tecnologias
Organizadora
UNIDERP /
INTERCOM
Campo
Grande /
São Paulo
2002
Comunicación y movimientos populares:
cuales redes?
Organizadora
Editora
Unisinos
São Leopoldo
2002
Comunicação e Multiculturalismo
Organizadora
INTERCOM
/ Universidade do
Amazonas
São Paulo /
Manaus
2001
Comunicação e culturas populares
Organizadora
INTERCOM
/ CNPq /
FINEP
São Paulo /
Brasília
1995
Transformaçõs da
comunicação:ética e
técnicas
Organizadora
INTERCOM
/ FCAA /
PMV
Vitória
1995
Comunicação para a
cidadania
Organizadora
Mídia, regionalismo e
cultura
Organizadora
Sociedade da Informação e novas mídias:
participação ou
exclusão?
INTERCOM/
UNEB
FONTE: Currículo Lattes da Professora Cicilia M. K. Peruzzo: http://buscatextual.
cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4787837E2#Livroscapitulos
A professora Cicilia Peruzzo tem forte participação em bancas de mestrado e
doutorado nos programas em Comunicação pelo Brasil.
Academicamente transita pelas correntes e ciclos mais paradoxais e “bélicos”,
principalmente por seu jeito conciliador e pelo respeito às suas ideias relacionadas a Relações Públicas, Comunicação Comunitária, Alternativa e Popular.
É mais que raro algum acadêmico tê-la visto brava ou desconcertada.
96
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Esmiuçamento das Principais Obras de Cicilia Peruzzo
A obra Comunicação nos Movimentos Populares – a Participação na Construção da Cidadania é fruto de uma adaptação da tese: A Participação da Comunicação Popular, de autoria da professora Cicilia Peruzzo e apresentada na Escola
da Comunicação e Artes da USP – Universidade de São Paulo, em 1991, sob
orientação da professora Anamaria Fadul.
O livro13, editado pela editora Vozes (primeiramente em 1998), está em sua
quarta edição e até hoje é referência nacional nos quesitos discursivos e inspiradores comunicacionais sobre: participação popular nos meios de comunicação,
comunicação popular, comunicação e cidadania e ainda são reflexivos para as
áreas de comunicação comunitária, comunicação e cidadania, instigando também a área de comunicação alternativa.
O professor Luiz Eduardo Wanderley14, no prefácio da obra, faz as seguintes
considerações:
O prisma analítico selecionado – de estudar a participação popular nos
processos de produção, planejamento e gestão da comunicação – contribui para um conhecimento ampliado da problemática e para um avanço
nas questões que a afetam. Ademais, ao centrar seu foco na comunicação
no âmbito dos movimentos populares, de atuação reconhecidamente fecunda na dinâmica democratizadora latino-americana das últimas décadas – ainda que se reconheçam os limites de seu raio de ação e uma perda
da visibilidade política anterior nos últimos anos –, ela colabora para a
compreensão da natureza dos mesmos e para aspectos expressivos de sua
constituição e de seu sentido na conjuntura dos anos setenta e oitenta,
bem como na década em curso (WANDERLEY, 1998, p. 17).
A professora, comentando sua própria obra, destaca:
Este trabalho versa sobre uma temática que não é muito visível para a
sociedade, ao menos para o conjunto da população. É exatamente por
13. Este é uma das 12 obras publicadas e lideradas pela autora. Sendo que dessas obras duas
são de autoria individual e outras 10 são organizações, enfatizando as áreas de estudo
da professora ou referentes à política de Comunicação na Intercom.
14. Luiz Eduardo Waldemarim Wanderley é livre-docente na área de Sociologia, professor
titular e ex-reitor da PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
97
isso que achamos importante divulgá-la, pois não se pode negar que a
participação popular na comunicação é uma questão da maior relevância, relacionada que está à cidadania ou, melhor dizendo, à ampliação
dos direitos dos cidadãos (PERUZZO, 1998, p. 23).
Além dessa obra de maior magnitude no trabalho de Cicilia Peruzzo, ela
ainda é reconhecida nacionalmente também pela obra Relações Públicas no Modo
de Produção Capitalista (editado pela Summus), que está em sua quarta edição.
Segundo Vanessa Portes (2005, p.01), a professora Cicilia Peruzzo afirma
que é sempre um desafio se trabalhar nas áreas de Comunicação Comunitária e
Relações Públicas, visto que ambas requerem muito estudo e acompanhamento
das suas manifestações na realidade concreta.
A professora da Universidade Metodista de São Paulo ainda afirmou para
Vanessa Portes (2005, p.01) que o papel do pesquisador no âmbito da democratização da comunicação massiva é o de desenvolver pesquisas críticas com o
objetivo de desvendar os processos de produção de conteúdos que visam, acima
de tudo, não o aumento de pontos nas pesquisas de audiência, mas a melhoria
da qualidade das mensagens com vistas ao desenvolvimento social.
Cicilia Peruzzo destaca que é também ter a capacidade de apreender e trazer
à tona os canais de comunicação alternativos, comprometidos com a informação de interesse público, que não são majoritários e nem têm o alcance da mídia comercial no Brasil. Trata-se de um tipo de pesquisa que possibilita captar
as inovações e os avanços gerados pelas práticas comunicativas, em que novos
emissores passam a ser os protagonistas principais.
A obra da professora Cicilia Peruzzo também abre a possibilidade de registrar as insatisfações da sociedade diante das distorções da grande mídia, tanto
pela concentração da propriedade, como pelos conteúdos condicionados por
interesses mercadológicos e político-ideológicos.
O livro da professora capixaba Comunicação nos Movimentos Populares confirma como obra importante para os estudos hoje de comunicação comunitária
e local na América Latina e é apontado pelo professor José Marques de Melo
(2003, p.106) como uma das obras de maior representação no Pensamento Comunicacional Latino-Americano, principalmente porque é uma obra dentre as
categorias15 do PCLA de Comunicação Utilitária, com potencialidade política
15. MARQUES DE MELO (2003, p. 95-106) aponta quatro tendências entre as obras do
Pensamento Comunicacional Latino-Americano. São elas: Memória Histórica, “com
eixo caracterizado pela memória do campo, as fontes existentes são pouco sistemáti98
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
da mídia no fortalecimento da cidadania e ainda, incentivando a ocorrência de
opções coletivistas, valorizando os movimentos sociais.
O professor José Marques de Melo (2003) caracteriza a professora Cicilia Peruzzo, entremeio a pesquisadores como: Erick Torrico, Carmen Gómez Mont,
Margarida Kusch, Bárbara Delano e Rossana Reguillo como partícipes do grupo
da nova geração (ou quarta-geração), segundo classificação do próprio professor.
É nesse importante depoimento que provamos a inserção das pesquisas de
Cicilia Peruzzo nessa região. Mas, como o próprio professor Marques de Melo
cobra a socialização das pesquisas e os diálogos, prova-se o intercâmbio do trabalho da professora com esses autores, sempre buscando em suas pesquisas e
obras, principalmente em sua obra mais importante: Comunicação nos Movimentos Populares, interação com os membros dessa escola.
Cicilia Peruzzo16 destaca que os autores que mais se identifica são: Karl
Marx, Antonio Gramsci, Norberto Bobbio, Bertold Brecht, Martin Buber, Manuel Castells, Cornelius Castroriadis e André Gorz.
Já entre os latino-americanos o pensamento da autora em suas obras está
mais consonante com o paraguaio Juan Diaz Bordenave, o uruguaio Mário Kaplún, o boliviano Luis Ramiro Beltrán, o brasileiro Paulo Freire (de quem foi
aluna no doutorado), o brasileiro Pedro Demo, o equatoriano Jorge Merino
Utreras, o colombiano Gilberto Gimenez e a brasileira Regina Festa (pesquisadora egressa da Pós-Graduação da UMESP).
cas, caracterizando-se muito mais pela natureza exploratória ou documental” (p. 95);
Comunicação Bélica, onde o eixo é “amalgamado por estudos que projetam no cenário continental o espectro da guerra fria, denotando múltiplas facetas, nem sempre
convergentes. O filão mais significativo reproduz na ecologia midiática o paradigma
da ‘luta de classes’” (p. 97); Comunicação Utópica, onde tal utopia comunicacional
“estriba-se no projeto republicano que, desde os movimentos pela independência (século XIX), vem catalisando os corações e mentes das suas vanguardas políticas” (p. 100);
Comunicação Utilitária, onde: “a centralidade adquirida pela mídia nas democracias
latino-americanas (em construção ou consolidação) vem provocando uma enxurrada
de estudos sobre esses novos fenômenos e seus protagonistas. Sua marca registrada é,
contudo, a da perplexidade diante dos fenômenos” (p.104), sendo que ainda podem
ser agrupadas nos seguintes grupos conteudísticos: o uso da mídia nas campanhas eleitorais, a presença da política na agenda midiática, a globalização da política através das
redes telemáticas, a potencialidade política da mídia nos processos de integração regional, a potencialidade da mídia no fortalecimento da cidadania (aí sendo categorizado o
trabalho de Cicilia Peruzzo).
16. Entrevista por e-mail a este pesquisador em 18 de junho de 2007.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
99
Entre esses autores citados, todos os latino-americanos aparecem no trabalho
de Cicilia Peruzzo, com especial destaque para Mário Kaplún e Jorge Merino
Utreras, que ganham subcapítulos no livro especialmente para dialogar sobre
suas obras e contribuições latino-americanas, principalmente na área de participação popular através da mídia, notadamente a radiofônica.
Um dos pontos-fortes de influência da carreira e produção da professora foram as influências de seus orientadores no mestrado (José Marques de Melo) e
doutorado (Anamaria Fadul), dois ícones da Escola Latino-Americana de Comunicação. A influência de Marques de Melo foi ponto forte, desde o início de sua
carreira acadêmica e de pesquisa, a instigá-la no conhecimento, na prática, no
uso, na reflexão e nas melhorias do pensamento dos autores latino-americanos.
Os debates de Cicilia Peruzzo com a ELACOM são fortes em seu livro,
sendo que, nas páginas 123 e 129 do seu mais importante livro, reconhece categoricamente esses pensadores.
Como maiores desafios de vida a professora Cicilia Peruzzo ela aponta como
manter-se atualizada em uma área como a da Comunicação, que vive em constante mudança e ainda saber compreender e lidar com alunos muito jovens,
principalmente na graduação; tentar provocar o aluno para uma abordagem
de temas tidos como periféricos, mas de interesse público, e não apenas aqueles predominantes nos estudos da Comunicação; saber respeitar a diversidade
de pensamento e as ironias dos pares em relação às suas opções teóricas, entre
outros.
Em termos gerais, o trabalho da professora Cicilia Peruzzo tem espaço garantido hoje na discussão das áreas de Comunicação Comunitária, Comunicação Alternativa, Comunicação Popular, Comunicação Cidadã e Comunicação e
Democracia. Pensamentos hoje difundidos no País, e que refletem uma latino-americanidade e identificação forte com os preceitos dos balizadores do Pensamento Comunicacional Latino-Americano.
Referências
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100
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Currículo do Sistema Lattes da professora Cicilia Maria Krohling Peruzzo.
Brasília. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.
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Cicilia Maria Krohling Peruzzo
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SPARKS, Colin. Globalization, development and the mass media. London,
New Delhi, Singapore, Thousand Oaks: Sage, 2007.
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102
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PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação e Multiculturalismo. São
Paulo/Manaus: INTERCOM/Unv.do Amazonas, 2001. 408p.
PERUZZO, Cicilia M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação da construção da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. v. 01. 342p.
PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Comunicação e Culturas Populares. São
Paulo: INTERCOM/CNPq/FINEP, 1995. v. 1. 206p.
PERUZZO, Cicilia M. K. (Org.). Transformações da comunicação: ética e
técnicas. Vitória: INTERCOM. FCAA/PMV, 1995. v. 1. 161p.
PERUZZO, Cicilia M. K. Relações públicas no modo de produção capitalista. 2. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1986. v. 1. 141p.
Cicilia Maria Krohling Peruzzo
103
ADOLPHO CARLOS FRANÇOSO
QUEIROZ
Pesquisador e animador intelectual de
tempo integral1
Antonio Hohlfeldt2
3.1
QUEIROZ
Uma homenagem pressupõe a gente saber para quem e por
quê.
Para quem, nós sabemos: trata-se do professor Doutor Adolpho Carlos Françoso Queiroz, como se encontra em sua carteira de identidade, graduado em 1980, pela Universidade
Metodista de Piracicaba; com Mestrado em 1992, pela Universidade de Brasília, e Doutorado em 1998, pela Universidade Metodista de São Paulo.
Quanto ao por quê, eu poderia, simplificadamente, dizer:
porque ele é amigo de todos nós, e nós, que temos um grande
carinho por ele, queremo-lo homenagear. Academicamente,
contudo, isso não basta. Recordemos, pois, sua trajetória,
1. Comunicação apresentada na mesa redonda Grupo de São Bernardo: 10 anos de doutorado de Adolpho Queiroz, coordenada pelo
Prof. Dr.Paulo Bessa, no âmbito do simpósio comemorativo aos
30 anos de fundação da ALAIC, promovido pela Cátedra UNESCO/Universidade Metodista de São Paulo, no dia 19 de novembro de 2008, em São Bernardo do Campo (SP).
2. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
da FAMECOS/PUCRS, Pós-Doutor pela Universidade Fernando Pessoa, Porto; presidente da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
105
que ele mesmo indica como tendo sido os campos da docência, da investigação
e da mídia3, a que eu acrescentaria o do assessoramento político. Ele produziu
uma quantidade significativa de reflexões, de conhecimento e de aquisições nos
campos por ele escolhidos para a sua atividade, como é raro se encontrar em
nosso país.
Poder-se-ia, por exemplo, consultar seu Currículo Lattes. Foi, aliás, um caminho que percorri. Ali vai se verificar toda a sua produção acadêmica. Mais
que isso, o conjunto de alunos que, da graduação ao doutorado, fizeram seu
aprendizado junto às suas palavras, representado através de monografias, dissertações de mestrado, teses de doutorado. Mas o que me chamou mais a atenção
foi o exame de sua bibliografia. De 1995 para cá, encontrei dois livros propriamente de autoria de Adolpho Queiroz: A TV de papel4 e, mais recentemente,
Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia5. Isso não significa, contudo, que ele tenha produzido pouco. No caso deste último livro, ele mesmo
diz que aquela obra “sintetiza o esforço de anos de trabalho, em conjunto com
colegas, alunos e ex-alunos” (2005, p. 9). É nesta pequena informação que se
encontra, contudo, o principal motivo de uma homenagem mais do que merecida a ele. Quando combinamos essa afirmação: “em conjunto com colegas,
alunos e ex-alunos” com os dados contidos no seu Currículo Lattes encontramos dezenas de obras de que ele participa com algum artigo ou estudo, mas das
quais ele é o animador e o coordenador, provavelmente o idealizador. E então se
revela, como uma iluminação, o que tem sido, ao longo dos anos, a sua grande
atividade: a formação de jovens estudantes, a disseminação de conhecimento e
a animação da atividade intelectual.
Por certo, o pesquisador Adolpho Queiroz tem, ele mesmo, importantes
contribuições já dadas à academia, das quais a menor será certamente, o sempre
ter defendido o nível profissional do marketing político e a importância de seu
ensino e discussão nos bancos acadêmicos.
Mas o professor fez mais que isso: ele se preocupou em atuar em atividades
diferentes, desde a assessoria a administrações públicas e a eventuais campanhas
políticas, trazendo sempre sua reflexão teórica e ética para a experiência prática,
3. QUEIROZ, Adolpho – Apresentação. In QUEIROZ, Adolpho (coord.) – Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, São Paulo, INTERCOM/Cátedra UNESCO/
UMESP de Comunicação. 2005, p. 9.
4. QUEIROZ, Adolpho – A TV de papel, Piracicaba, UNIMEP. 1990.
5. QUEIROZ, Adolpho – Marketing politico brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, op. cit.
106
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
devolvendo-a, contudo, mais tarde, para a sala de aula onde ele de fato exerce
toda a sua bem-querença.
Nesta grata tarefa de escrever sobre Adolpho Queiroz, fiz, a partir do seu
currículo, um recorte em relação a alguns de seus trabalhos mais recentes. Quero, seguindo provavelmente sua própria perspectiva, sintetizá-los em algumas
linhas fundamentais. A primeira delas é a experiência mais antiga, no âmbito
da Universidade Metodista, desde 1995, de discussões e assessoria num projeto
chamado Imprensa e eleições em Piracicaba, em que seus alunos foram incentivados a participar de campanhas eleitorais, organizando e criando todas as
fases dos diferentes momentos de campanhas eleitorais, num procedimento recomendável em que se alia a teoria à prática, e de cuja experiência ele guarda,
ainda, precioso acervo: “além destes trabalhos de pesquisa aplicada, o acervo do
projeto também inclui fitas de vídeo e áudio de campanhas municipais realizadas”, revela ele6. Alia-se, assim, teoria e prática, numa experiência por vezes raras
em nossa universidade, levando os alunos a aprenderem na prática e a refletirem
teoricamente sobre a experiência vivida.
Outro momento importantíssimo, e esse com maiores desdobramentos é o
projeto que, desde 1997, ele realiza no Programa de Pós-Graduação, intitulado
Memória das campanhas presidenciais7.
Retomando referenciais teóricos como os livros de Serge Tchakoutine e Jean-Maria Domenach, a que acrescenta o pequenino mas obrigatório livro de
Nelson Jahr Garcia, Adolpho Queiroz delimita com clareza o espaço de suas
preocupações. Destacando que, no Brasil, o marketing político ganhou enorme
desenvolvimento ao longo e após o processo chamado de abertura política posterior à Ditadura de 1964, ou seja, a partir de 19808, ele vem desenvolvendo, ao
longo dos anos - sempre promovendo a seu lado alunos e pesquisadores - belos
e exemplares estudos sobre o uso dos slogans, a eventual presença de resquícios
6. QUEIROZ, Adolpho – A dimensão científica do marketing político. In QUEIROZ,
Adolpho – Marketing político brasileiro: Ensino, pesquisa e mídia, op. cit., p. 39.
7. QUEIROZ, Adolpho – Um campo multidisciplinar e O marketing político nas eleições presidenciais do Brasil. In: QUEIROZ, Adolpho. Marketing político brasileiro:
Ensino, pesquisa e mídia, op. cit., ps. 11 e 43 e ss.
8. QUEIROZ, Adolpho – A evolução do conceito de marketing político no continente
latino-americano. In: MELO, José Marques de et GOBBI, Maria Cristina (Org.). Pensamento comunicacional latino-americano: Da pesquisa-denúncia ao pragmatismo
utópico. São Paulo, Universidade Metodista de São Paulo/Cátedra UNESCO de Comunicação, 2004, p. 179 e ss.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
107
fascistas em nossa publicidade, a cobertura do chamado Pittagate, assim como
a da morte do ex-governador paulista Mário Covas ou o desdobramento de
denúncias em torno de Roseana Sarney; a introdução de novos procedimentos
a partir da campanha eleitoral presidencial de 2002; a invasão do Iraque, a cobertura pela mídia mas, mais que isso, o uso da mídia pelas forças em litígio; o
programa social Fome Zero do Governo Lula; a importância da televisão para
as campanhas políticas; a introdução da rede mundial de computadores; o papel
da imprensa e da radiofonia do interior do país em campanhas eleitorais, etc.9
O mais importante disso tudo, porém, para mim, é o projeto em si a respeito das campanhas presidenciais. Lendo-se os relatos que ele tem produzido,
verifica-se que se vai constituindo, pouco a pouco, um acervo admirável e eu
diria fundamental sobre a memória das campanhas presidenciais, e isso desde a
primeira eleição democrática, a de Prudente de Morais, até as campanhas mais
recentes que envolveram o antigo líder metalúrgico e sindicalista Luís Inácio
Lula da Silva. Ora, para um país como o nosso, em que a memória é quase
sempre a primeira vítima do fascínio que sentimos pela novidade, trata-se de
um projeto fundamental, tanto do ponto de vista profissional, pois pode servir
de exercício de aprendizagem e reflexão para os responsáveis pelas atuais campanhas; quanto nos ajuda a entender a própria identidade brasileira, traduzida
através de um de seus momentos-chave da política, que é o período eleitoral.
Com mais de 600 cursos sobre Propaganda e Publicidade em funcionamento no Brasil10, não deve escapar a nossa atenção que, hoje, atividades como
o marketing político, a publicidade em geral e a assessoria política ganharam
repercussões imensas na sociedade brasileira. Deve-se acrescentar, como reflete Adolpho Queiroz que, para isso, vêm contribuindo as diferentes iniciativas
acadêmicas, com a constituição de entidades como a Associação Brasileira de
Consultores Políticos (ABCOP), desde 1991, a formação da COMPOLÍTICA
– Associação Nacional dos Pesquisadores em Comunicação e Política (2006),
além de espaços existentes para discussões no âmbito da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e a COMPÓS
– Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação. O
9. Todos estes estudos encontram-se no volume já mencionado Marketing político brasileiro, sendo que Pittagate, uma leitura da propaganda ideológica na Folha de São Paulo
também pode ser lido em RAMOS, Roberto (Org.) – Mídia, textos & contextos, Porto
Alegre, EDIPUCRS. 2001, p.57 e ss.
10. QUEIROZ, Adolpho – Marketing político In: MELO, José Marques de (Org.) O campo da comunicação no Brasil, Petrópolis, Vozes. 2008, p. 198 e ss.
108
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
próprio Adolpho Queiroz colabora diretamente nesta legitimação, na medida
em que, desde o início da década de 2000, promove o POLITICOM – Conferência Brasileira sobre Marketing Político, hoje já com seis diferentes edições.
Se vale a observação de Gaudêncio Torquato segundo a qual o primeiro
documento ocidental que se teria a respeito de alguma orientação sobre o que
hoje constitui, lato sensu, o marketing eleitoral, seria uma carta de Quinto Túlio Cícero (64 a.C.) enviada a seu irmão, o tribuno romano imperial Cícero,
devemos reconhecer que esta é uma das preocupações mais constantes de toda
e qualquer sociedade: ela é importante porque entre política e comunicação temos uma matéria-prima comum, que é o imaginário. A comunicação – diálogo
entre partes antagônicas para que venham a atingir consensos – é o meio através
do qual o marketing político se desenvolve na disputa que faz, socialmente falando, junto a diferentes comunidades, em torno das imagens circulantes sobre
determinada realidade, através de diferentes procedimentos, um dos quais os
símbolos. Ora, esta disputa é essencialmente democrática, porque, fora dela,
caímos nas sociedades hierarquizadas e policialescas, em que o poder da força,
pura e simplesmente, define o que pode ou não, o que deve ou não, ser pensado
ou circular na sociedade. Lembremos inclusive que, mesmo em sociedades ditatoriais, como foram as experiências do nazi-fascismo ou da União Soviética, ou,
perto de nós, o Estado Novo getulesco ou a Ditadura pós-1964, nem mesmo
estes regimes hierarquizados deixaram de buscar certa legitimação através de
campanhas de marketing que buscaram desenvolver e incutir junto à sociedade
imagens favoráveis ao regime.
Para Adolpho, assim, o estudo sobre o marketing político não é mera curiosidade ou voluntarismo, mas significa, em última instância, sua própria contribuição à democratização brasileira, na medida em que não apenas dissemina
princípios e conceitos, mas estuda-os e mesmo desenvolve-os, praticamente,
nos diferentes momentos que vão do exercício da cátedra ao assessoramento de
campanhas eleitorais.
Isso não significa, necessariamente, um fechamento a outras questões vinculadas à comunicação social. É o caso de uma área próxima ao marketing, a
Publicidade. São importantes pesquisas de Adolpho Queiroz aquelas realizadas
sobre o pioneiro da publicidade em São Paulo (e no Brasil), João Castaldi e sua
primeira agência de publicidade, a Eclética11; assim como uma aparentemente
11. QUEIROZ, Adolpho. Primórdios da publicidade e o pioneirismo de João Castaldi. In
GOMES, Neusa Demartini (Org.). Fronteiras da publicidade – Faces e disfarces da
linguagem persuasiva, Porto Alegre, Sulina. 2006, p. 15 e ss.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
109
destituída de importante observação sobre a presença e a influência da maçonaria na história da imprensa brasileira12; as reflexões sobre as atuais campanhas
eleitorais – sobretudo presidenciais – em face de campanhas anteriores brasileiras ou da prática histórica de reis como Luiz XIV, a respeito da promoção de sua
própria imagem, com isso buscando não só a historicização quanto a legitimidade de sua presença no poder13; ou o levantamento da propaganda na China,
país que cada vez mais se apresenta diante de nossa atenção14.
Muito mais se poderia referir. Eu paro por aqui, mas quero reenfatizar o
que procurei trazer a este despretensioso documento: Adolpho Queiroz é um
pesquisador meticuloso, curioso e disciplinado; é um profissional vencedor; é
um professor que já dispõe, hoje, de uma espécie de árvore genealógica através
de alunos e ex-alunos. Mas o que mais valoriza a figura de Adolpho de Queiroz,
ao longo de todos esses anos, é que ele entendeu, como poucos, que o trabalho
intelectual não é apenas ou sobretudo uma atividade isolada e individualista.
Pelo contrário: se é verdade que, talvez aquele momento de idealizar um projeto
nasça de um recolhimento necessário, em que o sujeito mergulha dentro de
si mesmo, não menos verdade é que as grandes ideias nascem justamente do
convívio com os pares, do pensamento expresso e repartido em voz alta com os
colegas, e que, sobretudo a animação cultural, o estímulo a projetos dos alunos
e a disposição de participação em trabalhos de outros colegas é o que, de fato,
anima a vida cultural. E isso, Adolpho Queiroz tem sabido realizar como poucos em sua vida.ria, que ele mesmo indica como tendo sido os campos da cigear.
ba; com Mestrado em 1992, pela Universidade
12. QUEIROZ, Adolpho. Utopias e desencantos. In: MELO, José Marques de; GOBBI,
Maria Cristina et SATHLER, Luciano (Org). Mídia cidadã. São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo/ Cátedra UNESCO de Comunicação/ World
Association for Christian Communication.2006, p. 173 e ss.
13. QUEIROZ, Adolpho. De Debret a Nizan: A construção da imagem pública dos governantes. In: BARBOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comunicacional
brasileiro: As contribuições da INTERCOM (1977 – 2007) – O sonho intenso. São
Paulo, INTERCOM. 2007, p. 145 e ss.
14. QUEIROZ, Adolpho et allii. Propaganda política na China: História e questões contemporâneas. In: PINHO, J. B. (Org.). Comunicação brasileira no século XXI – INTERCOM: Ação, reflexão – A clava forte, São Paulo, INTERCOM. 2007, p. 33 e ss.
110
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Para entender e aprender
marketing político
Mirna Tonus1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Marketing Político
Brasileiro: ensino, pesquisa e mídia. INTERCOM: São Paulo, 2004. 178p.
O marketing político pode nos remeter quase que automática
e meramente a um processo eleitoral, mas, se olharmos com
atenção, é muito mais que isso. É o que nos revela o livro Marketing político brasileiro: ensino, pesquisa e mídia, coordenado
por Adolpho Queiroz, que vai da construção do campo, a
partir de sua bibliografia, suas polêmicas e perspectivas, sua
dimensão científica e sua aplicabilidade a campanhas políticas, até sua relação com a mídia, seja ela televisiva, impressa
ou digital, passando pela questão da propaganda ideológica,
evidenciada em casos que se tornaram emblemáticos no país.
Na obra, que conta com produções individuais e coletivas,
compartilhadas com seus alunos e orientandos, o autor constrói uma base dividida entre as três partes delineadas acima,
para quem pretende enveredar por esse caminho ou se inte-
1. Doutora em Multimeios, docente no curso de Comunicação Social: habilitação em Jornalismo e no Programa de Pós-Graduação
em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected].
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
111
ressa no assunto. Algo mais que necessário em um tempo em que não há mais
espaço para amadores no espaço de acirradas disputas eleitorais e de construção
político-ideológica.
Uma entrevista de Adolpho Queiroz a Selma Rocha, enquanto repórter da
revista Vogal, de Taubaté, SP, compõe o primeiro capítulo da primeira parte −
Marketing político −, intitulado Um campo multidisciplinar. Nas respostas do
autor, é possível notar a complexidade do campo, como ele diz, “um guarda-chuva aberto”, que o configura como uma atividade de planejamento estratégico que envolve a propaganda ideológica, a publicidade eleitoral e a imagem
pública. Abordando questões relativas a campanhas eleitorais no Brasil, à ética
e à evolução do marketing político no país, o texto da repórter apresenta uma
interessante síntese do pensamento de Queiroz nesse campo.
Um inventário da literatura da área constitui o segundo capítulo − O marketing político na bibliografia latino-americana − no qual o autor apresenta os
estudos pioneiros no Brasil e na América Latina, publicados no final da década
de 1960, bem como as demais obras que se desenvolveram ao longo das décadas
seguintes − manuais e obras de compreensão histórica nos anos 1980 e práticas
e profissionalização em 1990 − até chegar às produções deste século, entre as
quais o autor destaca as de Venício Lima, Neusa Demartini Gomes e Albino
Canelas Rubim.
Nesse capítulo, Queiroz já delineia o que chama de “a dimensão científica do
marketing político”, compondo um capítulo em separado, mas que se constitui
a partir da bibliografia abordada por ele, e destaca a importante contribuição da
internet, nos anos 1990, para a difusão do conhecimento sobre a área, mediante
sites especializados, e das sociedades científicas, as quais abriram espaço para
temas relacionados ao marketing político.
Já no terceiro capítulo da primeira parte − Polêmicas e perspectivas do marketing político brasileiro − o autor reporta e analisa falas e debates impactantes que aconteceram durante o Maxivoto, primeiro Encontro Internacional de
Marketing Político, realizado em 2002, em São Paulo. O destaque ficou para
as polêmicas levantadas por Dick Morris, ex-assessor de Bill Clinton, a relação
entre política e construção de marcas exposta pela socióloga Silvia Cervellini,
do Ibope, e a articulação entre Nizan Guanaes e Duda Mendonça, na mesa de
encerramento do referido evento, que Queiroz, ao presenciar as discussões, considerou como um “debate necessário para profissionais e pesquisadores”.
O capítulo seguinte − A dimensão científica do marketing político − é dedicado ao conteúdo e aos resultados da disciplina Propaganda Política no curso
de Comunicação Social da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep),
onde Adolpho Queiroz atuou durante muitos anos. Constituída por alunos
112
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
que se organizavam em agências ou atuavam isoladamente, a experiência consistia no atendimento a candidatos reais e na pesquisa aplicada, o que resultou
em um acervo não só dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos, mas também
de produções áudio e videográficas das campanhas municipais realizadas e de
materiais de campanha utilizados. Tal aproximação acadêmica com a realidade
profissional sinaliza a importância e a necessidade da intersecção entre reflexão
teórica e aplicação prática para a construção de um campo de pesquisa como o
do marketing político.
Já no capítulo O marketing político nas eleições presidenciais do Brasil, o penúltimo da primeira parte da obra, Adolpho Queiroz apresenta outro projeto
seu, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP): “pesquisa sobre a trajetória
dos presidentes da República do Brasil na ótica da propaganda política”. Ao
listar as dissertações de marketing político desenvolvidas na referida linha de
pesquisa, o autor expõe os resultados da pesquisa, que, segundo ele, conseguira
“responder adequadamente ao desafio de intensificar as ações para o aperfeiçoamento de conceitos como o de marketing político, propaganda ideológica,
publicidade eleitoral e imagem pública”.
Essa última, aliás, é objeto do sexto e último capítulo da primeira parte:
Imagem pública: o slogan em campanhas políticas, elaborado por Queiroz junto
a Patrícia Ozores Polacow e Fernanda Porreca Trielli e originalmente publicado
na revista Publicidade, do Centro Universitário de Valinhos. O texto apresenta parte dos resultados obtidos no projeto de pesquisa mencionado no quinto
capítulo, abordando cronologicamente os slogans nacionais e, ainda, aqueles
utilizados em campanhas na região de Piracicaba. Como concluem os autores,
“nos níveis locais e regionais, os estudos da área ainda são modestos, sinal de
que existe muito espaço para pensar e refletir sobre tais questões”, indicando o
grande potencial de investigação, não somente sobre slogans, mas das campanhas político-eleitorais desenvolvidas no país.
A segunda parte do livro − Propaganda ideológica − apresentada conceitualmente a partir da definição de Nelson J. Garcia em O que é propaganda ideológica, reúne artigos relacionados às pesquisas coordenadas pelo coordenador
da obra. No primeiro texto − Reflexos fascistas na propaganda política do Brasil
−, Queiroz faz um paralelo entre a propaganda política brasileira em diversos
períodos com as ações propagandísticas realizadas por Benito Mussolini. Ao
observar que “os exemplos das várias formas de autoritarismo sobrevivem com
maior realce perante a história do que propriamente as ações democráticas mais
contagiantes e generosas”, o autor nos faz refletir sobre a relação da propaganda
com os regimes estabelecidos mundialmente ao longo da história.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
113
Já em Pittagate num jornal de causa (Queiroz em coautoria com Roberto
Gondo Macedo, Victor Kraide Corte Real), Estratégias de propaganda política:
reflexões sobre as eleições brasileiras (Queiroz com Antonio Peres, Gilson Alberto
Novaes, João Carlos Picolin, Letícia Maria Pinto da Costa e Ricardo Costa),
Morte de Covas: o imaginário de um povo na mídia (Queiroz com Ezequiel Ribeiro dos Santos, Maria Auxiliadora Mendes do Nascimento, Maria Clécia Bento
de Oliveira, Maurício Guindani Romanini, Paulo César D’Elboux e Rosângela
Marçolla), Roseana Sarney, que era de vidro e se quebrou (Queiroz com Alfredo
Dias D’Almeida, Celso Antonio Meneghetti e Patrícia Sheila Monteiro Paixão),
As eleições presidenciais de 2002 nas entrelinhas das revistas (Queiroz com Herbert
Rodrigues de Souza, Kleber Carrilho, Lívio Sakai, Milton Pimentel Martins,
Nahara Cristine Mackovics, Valdir Abdallah e Victor Kraide Corte Real) e A
invasão do Iraque num jornal de guerras e Fome Zero: uma peça de marketing
governamental” (Queiroz com André Gustavo Brandão, Bruno Ricardo Garrido
Marola e Greice Kelly Pereira), o pesquisador e seus orientandos apresentam um
extenso e profundo trabalho de pesquisa com base em coberturas da imprensa,
configurando verdadeiros “cases” que ajudam a compreender a relação entre esta
e a propaganda ideológica.
A produção jornalística da Folha de S. Paulo no caso Pitta; a cobertura da
morte de Covas pelas revistas Veja, IstoÉ, o jornal Folha de S. Paulo, bem como
suas versões on-line, e os sites do Portal UOL e do PSBD; a abordagem de O
Estado de São Paulo e da Folha de S. Paulo sobre o caso Sudam, envolvendo
Roseana Sarney; os textos publicados pelas revistas Veja e IstoÉ no período pré-eleitoral de 2002; a cobertura da Guerra do Iraque pelo jornal O Estado de
São Paulo; e, finalmente, a abordagem de diversos veículos sobre o programa
Fome Zero compõem a lista de objetos de pesquisa que receberam um olhar
aprofundado e crítico dos autores. Além de tabelas, que sistematizam o aspecto quantitativo do trabalho, essa segunda parte da obra apresenta importantes
reflexões sob o ponto de vista da propaganda ideológica. Uma verdadeira aula.
A terceira parte do livro − Marketing político e mídia − versa sobre essa relação tantas vezes criticada, mas que se configura em uma das maiores forças de
uma campanha, independentemente do meio. Positiva ou negativa, essa força
é o ponto central do capítulo A televisão nas eleições: vilã ou heroína? no qual
Adolpho discute o posicionamento da Rede Globo, seja no famigerado debate,
cuja edição favorecera a eleição de Fernando Collor de Mello, seja no movimento Diretas Já, bem como em outros momentos importantes da história política
do Brasil.
Já no capítulo seguinte − Os jornais interioranos nos processos eleitorais −, escrito por Waldemar Luiz Kunsch a partir do registro de uma palestra e de duas
114
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
obras sobre a imprensa em Santa Bárbara D’Oeste e Piracicaba2, o autor discute,
sob o ponto de vista do discurso, a “presença política influenciadora” da mídia
nessa região do interior paulista, o que nos leva a pensar no que pode acontecer
em cada rincão deste país em termos políticos.
Por último, nos dois capítulos finais − Propaganda eleitoral online, de Queiroz e Comunicação partidária no universo virtual (Queiroz em coautoria com
Débora Tavares, João Carlos Picolin e Ricardo Costa) aborda-se a apropriação
da internet nas situações descritas no título.
No que tange à propaganda eleitoral, o autor discute o avanço tecnológico,
a democratização e a desterritorialização, a comunicação partidária na internet
e a possibilidade do plebiscito eletrônico, como bem destaca ao afirmar que “o
que se vislumbra com o espaço virtual e seu tangenciamento com a política é o
nascimento de um princípio pelo qual se reforçaria o conceito da democracia
e, especialmente, se promoveria o surgimento de plebiscitos eletrônicos capazes
de nortear a ação dos partidos, dos governos e de seus representantes, no que
poderíamos chamar de uma sintonia fina com a sociedade”.
Já no último capítulo, os autores apresentam como seis partidos, três brasileiros e três canadenses3, utilizavam a internet em 2002, analisando “as características desta comunicação digital e de seus reflexos na comunicação partidária
nos dois países”.
Do somatório das três partes, podemos dizer, sinteticamente, que se trata de
uma obra referencial, seja para o ensino, seja para a pesquisa sobre marketing
político.
2. Gilson Alberto Novaes organizou o livro Eleições e imprensa em Santa Bárbara D’Oeste
– 1950-1996. O livro Imprensa e eleições em Piracicaba, organizado por Paulo Roberto
Botão, Adolpho Queiroz e Maria Beatriz Bianchini Bilac também foi utilizado como
base para o capítulo mencionado, segundo o autor.
3. Foram analisados os sites dos seguintes partidos: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Partido da Frente Liberal (PFL); o extinto Partido Verde (PV); Green Party
of Ontario (GPO); Liberal Party (LP); New Democratic Party (NDP).
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
115
O papel da POLITICOM nos caminhos do marketing político no Brasil
Mirella Arruda1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, A. C. F.; MACEDO, R. G.; REAL, V. K. C.
(Orgs.). Estratégias de Propaganda Política: reflexões sobre
eleições brasileiras. São Bernardo do Campo: Editora Metodista / Cátedra UNESCO de Comunicação, 2010.
Organizada por Adolpho Queiroz, Roberto Gondo Macedo
e Victor Kraide Corte Real, Estratégias de propaganda política:
reflexões sobre as eleições brasileiras conta com 194 páginas que
discutem, através de relatos de pesquisadores dos quatro cantos do país, aspectos importantes sobre as eleições brasileiras
e a intervenção do marketing político neste processo.
A publicação apresenta-se na forma de e-book e está disponível na internet através do site: <http://issuu.com/encipecom2/docs/eleicoesbrasileiras>. Realizada pela Sociedade
Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação
e Marketing Político (POLITICOM) com base nos trabalhos
apresentados na VII Conferência Brasileira de Marketing Político (ocorrida, em Itu - SP, no ano de 2008), a obra conta
com o prefácio de José Marques de Melo, um dos maiores
especialistas em comunicação, que ressalta: “eis mais uma
1. Mestranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de
São Paulo. Bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]
116
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
produção importante para refletirmos sobre os caminhos da comunicação e do
marketing político no país” (2010, p.8).
Além de ter dado base a esta obra, a VII Conferência teve importante papel
na formação e surgimento da POLITICOM, que assumiu, desde então, ares de
sociedade científica. Assim lembra Marques de Melo, reconhecendo o trabalho
pioneiro de Adolpho Queiroz: a POLITICOM “a partir do projeto de pesquisa
idealizado pelo Prof. Dr. Adolpho Queiroz, na Universidade Metodista de São
Paulo, ganhou novos alentos com o apoio decisivo da Cátedra UNESCO de
Comunicação para o Desenvolvimento Regional” (2010, p.8).
Definindo os pesquisadores deste trabalho como idealistas e competentes,
José Marques frisa que a publicação é uma forma de “recontar parcelas da história da evolução do conceito do marketing político no nosso país com seus
levantamentos, pesquisas e constantes debates” (2010, p.8). Os organizadores
da obra também enfatizam o caráter incentivador que está presente neste estudo
que deve “servir de estímulo ao debate e alento à pesquisa que se pretende para
o campo do marketing político no nosso país” (2010, p.11).
Dividida em cinco partes: Estratégias de propaganda política: reflexões sobre
as eleições brasileiras levanta, em primeiro lugar, a propaganda política em jornais, revistas e internet. Já num segundo momento, abre-se a discussão sobre a
propaganda no âmbito da televisão e do rádio. Na terceira e quarta partes, as
contribuições são sobre a propaganda política e as ações regionais e nacionais.
Finalizando, na última parte, a obra debate a propaganda política e suas ferramentas estratégicas.
Inicia-se a primeira parte da obra, com o artigo de Maria Cleidejane e Denis
Porto intitulado Política e tecnologia: duas realidades na campanha de Barack
Obama. Nele, os autores discutem a consolidação e utilização da internet na
campanha política americana. Já Jimenez et al trazem como mote a Revista Veja:
a ascensão e queda de uma pré-candidata, debatendo a pré-candidatura de Roseana Sarney à sucessão presidencial de 2002.
Ainda nesta parte da obra, Roberto Gondo e Wanderon Fábio debatem as
posições defendidas por Fernando Henrique Cardoso em sua coluna no jornal
Folha de São Paulo no ano de 1984 com o artigo Um lugar de construção do ‘mudancismo’: Fernando Henrique Cardoso na Folha de S. Paulo. Por último, tem-se
Maurício Romanini com o título Imprensa e internet: a miopia do TSE, em que
se amplia o debate sobre o marketing político e a internet e, ainda, sobre a imprensa e a legislação eleitoral.
Na segunda parte, tem-se O espaço público mediatizado no portal institucional
da RADIOBRÁS durante a cobertura das eleições 2006, artigo em que Débora
Burini e Jeferson J. Ribeiro estudam o conteúdo do portal da RADIOBRÁS,
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
117
mais especificamente da Agência Brasil, analisando as eleições de outubro de
2006. Os políticos de Deus: a programação televisiva neopentecostal como ferramenta de marketing político, de autoria de José Guibson, analisou os programas
televisivos neopentecostais que vêm sendo usados como ferramentas de marketing político para agregação de eleitores. Por último, Comunicação pública,
interesse público e cidadania política: um estudo da TV ALESP no Estado de São
Paulo, assinado por Paulo Cezar e Roberto Gondo, trata do papel das emissoras
públicas de comunicação no Brasil, mais especificamente do caso da Televisão
da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
A terceira parte da obra é a que concentra a maior quantidade de contribuições. Nela, estão presentes: Uma mulher de força na política limeirense. Um estudo sobre a trajetória política e as estratégias de comunicação popular de Elza Tank,
de Carlos Fernando, Samia Cruanes e Victor Kraide. Apresentam a história de
Elza Sophia Tank Moya, uma influente política da história limeirense que, trabalhando com o marketing político e fazendo uso de elementos da comunicação
popular, acabou se destacando no cenário político local.
Também na terceira parte desta obra está o artigo Projeto Cimento Social no
morro da Providência e a pré-eleição na capital fluminense. Nele, Plínio Marcos
discute o projeto do senador Marcelo Crivella em que se propõe a revitalização
de casas no Morro da Providência no Rio de Janeiro. Há ainda o texto Itu a
cidade onde tudo é grande. A construção de um mito a partir da comunicação popular, de Anne Karoline e Victor Kraide. Os autores analisam a história de Itu
e do personagem humorístico Simplício, idealizado por Francisco Flaviano de
Almeida.
Para finalizar a terceira parte desta publicação, tem-se: Coligações: reflexão
da aliança ‘informal’ entre PSDB e PT em Belo Horizonte, assinado por Sander
Neves, em que se analisam as coligações partidárias, que têm ganhado cada vez
mais força no cenário político nacional. Por fim, o artigo Democracia e transmissão de ideias e ações políticas: uma experiência em Piracicaba, de Fábio Rogério,
Francisco Negrini e Pedro Paulo, no qual os autores abordam o programa de
melhoria do relacionamento entre o Poder Legislativo de Piracicaba e a sociedade civil.
A quarta parte da publicação contou com a colaboração de Rita de Cássia
com o texto Lula, o presidente que tem a cara do povo no qual a autora elabora
uma análise das estratégias comunicativas usadas pelo candidato em sua propaganda eleitoral de 2006. Panke et também na quarta parte apresentam o tema
O discurso sobre o programa Bolsa Família como estratégia pós-eleitoral do governo
Lula, enfatizando as estratégias comunicativas presentes nos discursos de Lula
durante seu primeiro mandato. Finalmente, o último artigo desta quarta parte
118
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
é de autoria de Kátia Regiane e Roberto Gondo. Eles discutem As conotações
político comunicacionais no discurso de Monteiro Lobato em sua obra e em suas traduções. O trabalho discorre sobre as traduções de Monteiro Lobato e Carlos Lacerda no período de 1920 a 1970 e os impactos políticos que causaram à época.
Na última parte da obra, Fabio Ciaccia, André Gustavo e Pedro Paulo escrevem, respectivamente, os artigos: Propaganda ideológica e cultura, que busca
apontar a existência da propaganda ideológica em diferentes momentos da política brasileira; O universo das marcas. Em busca de uma marca forte. Como se
destacar no meio de tantos signos, no qual se faz uma análise da imagem de marca
da campanha política de Vitor Lippi, candidato à Prefeitura de Sorocaba-SP no
ano de 2008; e, finalizando este e-book, apresenta-se Uma proposta metodológica
de uso da pesquisa amostral para a elaboração de marketing político pré e pós-eleitoral, pesquisa que proporciona uma proposta de construção do marketing
político através do uso de pesquisa amostral.
Para finalizar esta resenha, se pode afirmar que a obra oferece com maestria
um apanhado de pesquisas que ampliam a discussão do marketing político tanto em termos teóricos (levando-se em conta as correntes e teorias nela apresentadas), quanto em termos práticos (vistos a partir dos inúmeros estudos de caso
oferecidos). Adolpho Queiroz, Roberto Gondo Macedo e Victor Kraide Corte
Real mostraram-se propulsores importantes de um movimento inevitável de
valorização do tema.
Se na época de Abraham Lincoln, citado no início deste texto, já se tinha
a noção de que uma cédula eleitoral tem mais força que um ‘tiro de espingarda’, é possível concluir que, em pleno século XXI, esta força vem aumentando
continuamente. Enquanto comunicadores, devemos estar preparados para este
novo momento da comunicação política e, mais do que isso, preparados para os
‘tiros de espingarda’ que estão por vir. Analisada esta obra, só nos resta pedir que
venham rapidamente as próximas contribuições
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
119
O global e o local no marketing p
­ olítico:
conhecendo as estratégias
Adriana C. Omena Santos1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CARNIELLO, M.
F.; MACEDO, Roberto Gondo; COSTA, Letícia Maria Pinto da; OLIVEIRA, Edson de Araujo Querido. Marketing
político: estratégias globais e regionais. Rio de Janeiro: Oficina de Livros, 2010. 288p.
Já em sua apresentação, o livro Marketing político: estratégias
globais e regionais deixa claro a diversidade de temáticas e
abordagens necessárias para discutir as estratégias de marketing na contemporaneidade. Tal reflexão é feita a partir dos
textos apresentados no VIII Congresso Nacional da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing Político (POLITICOM) que aconteceu na
Universidade de Taubaté, em 2009 e que teve como tema o
papel do rádio na propaganda política.
Os autores afirmam, na introdução, que a proposta era “conhecer um pouco mais de perto a produção dos acadêmicos
e dos profissionais sobre essa temática tão pouco estudada em
1. Doutora em Ciências da Comunicação, docente no curso de Comunicação Social e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected].
120
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nosso país e, do ponto de vista da comunicação política, talvez inédita: o rádio
político”. O livro divide-se em três partes: I. Estratégias de propaganda política no rádio; II. Estratégias de comunicação persuasiva em eleições municipais;
III. Estratégias de comunicação política diante da história e da modernidade.
Segundo os autores, o livro cumpre um papel de produção e difusão do conhecimento novo e tal divisão buscava dar conta do tema do congresso e tratar das
particularidades e demais temas que chamam atenção dos pesquisadores que
trabalham com comunicação e política.
A primeira parte contém cinco artigos. O primeiro - Jingles eleitorais no rádio
brasileiro - de Carlos Manhanelli, traz como contribuição a conceituação de jingles
como peças publicitárias musicadas compostas sob encomenda e feitas para atingir eleitores. O mesmo artigo esclarece que “não há como conceituar as músicas
de caráter político como jingle, já que só existem jingles eleitorais ou comerciais,
que elevam as qualidades que apresentam em suas letras”. O segundo - No ar, o
programa da ‘Rádio Lula presidente’ - de Cristiane Soraya Sales Moura, apresenta
uma análise de conteúdo e dos elementos de linguagem radiofônica utilizados no
Horário Política de Propaganda Eleitoral (HGPE) da campanha presidencial de
2006 e esclarece a relação entre os temas abordados no rádio e os recursos sonoros,
além das produções simbólicas que puderam ser observadas nas expressões, nos
gêneros musicais e demais elementos dos programas radiofônicos.
Também na primeira parte o artigo Propaganda política no rádio: inventário
de fontes bibliográficas, de Adolpho Queiroz, Thybor Malusá Brogio e Juliana
Victorino Leone, faz uma revisão bibliográfica nacional da produção sobre rádio e política na tentativa de inventariar os temas relativos ao uso de rádio
nas campanhas eleitorais. Já o artigo Persuasão musical: os jingles eleitorais na
campanha para a prefeitura de Curitiba, em 2008, de Luciana Panke, Antonella
Iacovone e Thaíse Mendonça - traz resultados de um estudo que transcreve e
analisa linguagem e conteúdo da produção para abordar o potencial persuasivo
dos jingles durante o HGPE em rádio e TV nas eleições municipais. O último
artigo desta parte, Circo eleitoral nas eleições de 2008: o esvaziamento do horário
eleitoral gratuito no rádio de Márcia Vidal Nunes e Isabelle Azevedo, afirma que
as campanhas de rádio se tornaram simulacro das campanhas políticas, com
base nas análises de como as técnicas de marketing político foram aplicadas na
campanha municipal de Fortaleza em 2008, buscando descobrir se o discurso
publicitário se sobrepõe ao debate político com a população.
A segunda parte do livro é a mais longa, composta de sete artigos. Na contramão do marketing político, de Letícia Maria P. da Costa, discorre sobre o padrão
de propaganda política de TV nas eleições municipais na cidade de Taubaté em
2004 e afirma que os mitos políticos não são construídos ou derrotados pelos
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
121
modelos de marketing político já que estão intrinsecamente ligados às crenças
dos indivíduos. No artigo Publicidade eleitoral municipal: incomunicação, desinformação e saturação, Neusa Demartini Gomes aborda o “enfoque das eleições
municipais como contribuição para o desenvolvimento da cidadania”. A autora
analisa elementos do modelo básico da comunicação e esclarece que o eleitor
tem recebido uma comunicação saturada e marcada pela incomunicação.
No artigo Opinião pública no jornal da cidade de Taubaté: o colunismo nas
eleições de 2008, Jaime P. Lemes, Ivan Martínez V. Souza e Monica Franchi Carniello apresentam uma análise qualitativa do conteúdo das colunas opinativas
sobre política publicadas pelo Jornal da Cidade de Taubaté, durante o período
eleitoral de 2008 e afirmam que a sessão de opinião não tem enfoque definido,
promovendo a imagem de diferentes candidatos. No artigo TV e personalização
da política: uma análise do HPEG na disputa pela Prefeitura de Juiz de Fora, em
2008 - de Paulo Roberto Figueira leal e Rafael do Nascimento Grohmann - são
apresentados dados da observação de como as candidaturas à prefeitura de Juiz
de Fora (MG), em 2008, “tentaram construir personagens políticos, montando
campanhas cujo centro estaria bem mais na imagem pessoal do candidato do
que em propostas partidárias com conteúdos ideológicos densos”. O artigo Jornalismo e política: leitura crítica do discurso dos jornais Agora e Diário de S. Paulo
- de José Augusto Nascimento Reis e Renata Boutin Becate - apresenta dados de
uma pesquisa que por meio da análise sobre a neutralidade em dois veículos de
mídia impressa na cidade de São Paulo em 2004, buscou observar na mídia “de
que forma a leitura pode ser orientada e, sobretudo, desvelar marcas de intencionalidade inerentes a qualquer discurso”.
O artigo seguinte, A mídia e as representações políticas no cenário da disputa
pela Prefeitura de Belo Horizonte, em 2008 − de Luiz Ademir de Oliveira, Paulo
Henrique Caetano, Douglas Caputo de Castro e Wanderson Antônio do Nascimento, faz uma análise dos aspectos discursivos e políticos das manchetes
publicadas no jornal Estado de Minas em 2008. Para os autores os dados “revelaram que a imprensa é um ator importante na construção e na definição dos
cenários políticos eleitorais” e o jornal evidenciou em suas práticas discursivas
favorecimento a uma das candidaturas. Apresenta as primeiras iniciativas nesse
sentido e aborda como o poder então estabelecido ecoara na configuração dos
cursos. De acordo com o autor, aos jornais não interessava, naquele período,
empregar jornalistas graduados, oriundos de classes menos favorecidas. Bastavam os intelectuais da elite para preencher as páginas, obviamente, reforçando
as relações de poder existentes.
O último artigo da segunda parte, Marketing político em campanhas eleitorais
proporcionais: um estudo de estratégias na eleição de 2008, em Mauá, de Kelly
122
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Cristine Chasci, Débora Alves Pereira e Roberto Gondo Macedo, apresenta dados de uma pesquisa com ênfase nas ações de marketing político e eleitoral
realizada com base em entrevistas realizadas com quatro candidatos a vereador
no município de Mauá, em 2008. Segundo os autores a amostra “aponta o
planejamento de marketing político - pré-eleitoral, eleitoral e pós eleitoral como parte de um processo evolutivo contínuo, fundamental para o sucesso na
carreira de um político”.
A terceira parte do livro também traz cinco capítulos. O primeiro deles,
Mito, simbolismo e outros ingredientes do marketing político, de Daniel Galindo e
Rose Mara Vidal de Souza, afirma que as campanhas eleitorais “estão conectadas
diretamente com mitos, arquétipos e estereótipos, presentes na construção e na
manutenção da imagem dos atores sociais envolvidos em uma competição, cujo
objetivo é ser aceito pela maioria”. Para os autores “a compreensão e a preensão
dessas contribuições teóricas ampliam o poder da persuasão, envolvimento e
sedução marcado nas mensagens emitidas sobre os eleitores, confirmando suas
identificações com os candidatos”. O artigo C.T.I. Jornal e a política do estado
Novo, de Fábio Ricci e Moacir José dos Santos, aborda o posicionamento da
Companhia Taubaté Industrial (CTI). Os resultados da pesquisa indicam que
a CTI não contestava a estrutura política do Estado Novo, mas percebia que
alguns pontos implicavam na perda de vantagens adquiridas com sua instalação
em Taubaté. O artigo A internet na política brasileira: sites de deputados federais
paulistas - de André de M. Quitério - apresenta os dados de uma pesquisa sobre os sites de deputados federais paulistas, sob os paradigmas de McLuhan e
da hipótese do agendamento, já que os sites promovem influência na agenda
parlamentar dos candidatos e materializam o fenômeno da personalização da
política.
Ainda na terceira parte o artigo Marketing eleitoral 2.0: o uso das novas mídias e da internet no processo de persuasão - de Carlos Fernando Bosco, Cristiane
Peixoto Nabarretti e Marcelo Prada Branco de Miranda - apresenta reflexões
sobre o conceito de web 2.0 e a utilização das novas mídias, das redes sociais e
da internet como características do marketing 2.0. Os autores analisam o caso
Obama nas eleições de 2008 e afirmam que a rede social foi a chave para a campanha, mas os principais personagens foram os indivíduos ligados a internet
como voluntários aparados pelo ferramental e a metodologia da rede. E no último artigo Eleições de 2010: a internet engessada, Maurício Guindani Romanini
discorre sobre um tema bastante contemporâneo, o uso da internet nas eleições,
e após reflexões afirma que “o TSE precisa acompanhar o avanço dos meios de
comunicação e fazer uma legislação que contemple os anseios da população,
sem atrapalhar o jogo político.”
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
123
A melhor maneira de definir a obra analisada está registrada em sua apresentação, na qual os autores afirmam estarem certos de que com o livro cumpriram
o papel de produção e difusão do conhecimento novo para os que se interessam
pelo marketing político no Brasil. Trata-se, portanto, de uma obra que atende
ao que se propôs, popularizar a ciência, oferecendo a divulgação do resultado de
diferentes pesquisas na área.
O livro, apesar de em sua maior parte estar relacionado com um momento e
tema específicos, as eleições municipais, mostra-se bastante plural e atual diante
dos enfrentamentos contemporâneos da área. Ressaltamos que em um momento em que os meios de comunicação ocupam cada vez mais papel destacado nas
eleições o livro oferece uma vasta possibilidade de exemplos, reflexões e propostas acerca do assunto.
124
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Em cena a história das campanhas
­eleitorais do período republicano
Igor Aparecido Dallaqua Pedrini1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, Adolpho (org.). No espaço cênico da propaganda política: Mídia, comunicação e marketing político
nas campanhas presidenciais brasileiras. Taubaté: Papel Brasil, 2011. 332p.
O livro No espaço cênico da propaganda política: Mídia, comunicação e marketing político nas campanhas presidenciais brasileiras tem duas faces históricas. Por um lado, aborda e reconstrói o período republicano do país pelas vias das campanhas
eleitorais dos presidenciáveis. Pelo outro, reúne dez anos de
pesquisa no Programa de Pós-graduação em Comunicação
Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).
Inseparáveis, as facetas revelam o percurso metodológico do
organizador e seus orientandos na recuperação, análise e reflexão de campanhas eleitorais, esmiuçando os arsenais midiáticos e estratégicos da propaganda política nacional. São
dezenove capítulos divididos cronologicamente em quatro
1. Publicitário. Doutorando em Educação pela UFU – Universidade
Federal de Uberlândia e Mestre em Ciência da Informação, UNESP-Marília. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda da FAI –
Faculdades Adamantinenses Integradas e UEMG – Universidade do
Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected].
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
125
partes. A introdução, seguindo a metáfora do universo cênico, intitula-se Abrindo as cortinas. É apresentada, sumamente por meio de dois textos. No primeiro
evidencia-se o papel pioneiro da cidade de São Paulo e o desenrolar histórico em
âmbito nacional da propaganda, chegando até o início do século XXI, contextualizando no emaranhado histórico a propaganda política. O segundo é conceitual e busca evidenciar a propaganda e o marketing político, relacionando-os
com o âmbito acadêmico, traçando os principais polos e linhas de pesquisa.
Na Ribalta: o republicanismo como bandeira política, é o título da primeira
parte e faz uma análise das campanhas eleitorais de Deodoro da Fonseca, Prudente de Moraes e Campos Salles. Embora seja um período em que a oralidade
era uma característica marcante das campanhas da época, os autores usaram
como metodologia a pesquisa histórica e de campo, o que possibilitou articular
a bibliografia existente, além da pesquisa de documentos, cartas e cartões dos
presidenciáveis, bem como matérias jornalísticas da época. Outra característica
do período é a de fortalecimento da imprensa como ferramenta propagandista.
A parte dois, Na boca de cena: sob os holofotes da imprensa são analisadas as campanhas de Rodrigues Alves, Afonso Penna, Arthur Bernardes e Washington Luís.
Os jornais da época Correio da Manhã (RJ), Estado de S. Paulo (SP) e Diário de
Minas (MG) são as fontes mais utilizadas para entender a dinâmica das campanhas. Embora o presidente Epitácio Pessoa tenha participado da inauguração do
rádio no Brasil em dezembro de 1922, é Washington Luís, três anos depois, quem
vai se beneficiar do meio radiofônico como apoio ideológico para a campanha.
A parte três, No palco: em cena os primeiros atos de profissionalismo, discorre
sobre as campanhas de Eurico Dutra, Getúlio Vargas e Jânio Quadros. Os textos
abordam a profissionalização da propaganda e marketing político, seja no caso
de Vargas, que se utilizaria do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)
para fortalecer a sua imagem; seja no uso da comunicação popular por Jânio
Quadros, tida como uma das campanhas eleitorais mais fascinantes do país; ou
ainda Dutra que inaugura a pesquisa de opinião pública nas campanhas, por
meio do IBOPE.
A última parte, No pano de fundo: a propaganda ideológica, como sugere o
título, analisa − ainda que não houvesse campanhas eleitorais durante o período
militar − a ideologia imbuída na imprensa e na mídia nos governos dos generais-presidentes: Castello Branco, Emílio Médici e Ernesto Geisel.
Por conta do tema, há um salto histórico que analisa a propaganda e a contrapropaganda nas campanhas eleitorais de Fernando Collor de Mello e a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva de 2002, que o levaria à presidência.
O epílogo, Fechando as cortinas: uma revisita do roteiro, traz uma ferramenta
fundamental para leitura contextualizada de cada parte. Dessa maneira, deveria
126
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
ser o primeiro capítulo a ser lido, não desmerecendo a sua função de resumir
toda a coletânea, mas por seu caráter norteador.
É fundamental fazer menção ao quadro de Ações estratégicas das campanhas
nas últimas páginas da obra. Construído a partir de artigos, dissertações e teses
do programa de Pós-graduação da UMESP, trata-se de um arsenal histórico de
ferramentas utilizadas na propaganda e marketing político brasileiro.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
127
Arte e reflexão nos 40 anos do Salão
­Internacional de Humor de Piracicaba
Jéssica Amorim1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CIASI, L. H. (Orgs.).
Balas não matam ideias: 40 anos do Salão Internacional de
Humor de Piracicaba (1974/203). Rio Claro: Gráfica Nova
Editora RC, 2013. 134p.
A publicação Balas não matam ideias – 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba 1974/201, organizada pelo
professor pós-doutor em Comunicação Adolpho Queiroz e
pela estudante do curso de Publicidade e Propaganda do Mackenzie, Letícia Ciasi, traz, junto com as obras artísticas, uma
série de análises inteligentes e interpretativas de jornalistas,
mestres e pesquisadores que ajudam o leitor a entender os
fatores políticos, econômicos e sociais nos trabalhos gráficos
apresentados.
A história dos 40 anos do Salão Internacional de Humor de
Piracicaba contada através das charges, cartuns e quadrinhos
reunidos mostra também um pedaço da história brasileira.
Ditadura, milagre econômico, educação, comunicação, segurança, entre outros temas tomaram forma através dos traços
de 76 artistas, entre eles Laerte Coutinho, Angeli, Luiz Ge-
1. Estudante de Graduação do Curso de Jornalismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
128
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
raldo Ferrari, Chico Caruso, Marcos Coelho Benjamin e muitos outros que
expressam fatos por meio do humor, provocando reflexões sobre a história do
nosso país.
Foram quase 400 vencedores, nos 40 anos do Salão de Humor, que também
é internacional, difundido em países como China, Cuba e Argentina. Queiroz,
junto com Ciasi, oferecem uma amostra do que foi esse evento e sua contribuição para o fim da ditadura, no passado, eleições diretas e, agora, sobre problemas contemporâneos como a corrupção, um mal que envergonha o Brasil.
Não se esquecendo do Salãozinho de Humor, que neste ano chega a sua
11ª edição, com trabalhos de crianças e adolescentes de sete a 14 anos, destacado nos primeiros textos por Rosangela Camolese, secretária municipal de Ação
Cultura e por Adolpho Queiroz. Homenagem ainda nos textos do jornalista e
um dos fundadores do Salão, Zélio Alvez Pinto e pelo prefeito de Piracicaba,
Gabriel Ferrato. Nas páginas seguintes, os cartuns e as charges tomam a cena.
A primeira é de Laerte Coutinho, de 1974, analisada por Queiroz. O cartum
foi vencedor do I Salão de Humor de Piracicaba. O período trata dos dez anos
de vigência do Golpe de Estado, um marco na história política nacional. O
prêmio foi dado pela arte ter sido inspirada na famosa fábula de Hans Christian
Andersen. No cartum, um menino feito de prisioneiro grita: “O rei estava vestido”, enquanto em sua volta, torturadores esperam. Os torturadores, no caso,
representam os integrantes do regime militar.
Em 1976, dois trabalhos são apresentados: uma charge de Chico Caruso,
comentada por Antonio Hohlfeldt e uma obra de Marcos Coelho Benjamin,
com as impressões de Nelia Del Bianco. As artes exprimem traços de um período onde a liberdade do cidadão era cerceada pelas grandes instituições (polícia,
governo, igreja).
No decorrer da história do Salão Internacional de Humor e, consequentemente, da história do país, muitos temas são abordados. A fome aparece nos
traços de Fausto Prates. Educação e desigualdade de oportunidades são expostas
na arte de Rubens Kiomura, em 1980. Assim, o livro avança pelos anos 80, 90 e
2000 trazendo aos olhos do público assuntos como doenças sexualmente transmissíveis, segurança, tecnologia, futebol, política internacional, saúde, religião,
consumo, meio ambiente e muitos outros.
Além dos cartuns e das charges, há as caricaturas e histórias em quadrinhos
que marcaram presença no Salão de Humor, ganhando também a atenção e o
riso das pessoas em exposições fora de Piracicaba. Jânio derretendo na arte de
Márcia Pereira Braga, em 1985, é analisado por Adriana Omena dos Santos.
Com a conotação de que estava bêbado a ponto de derreter, os traços também
evidenciam a personalidade do político autor da famosa frase: “bebo porque
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
129
é liquido. Se sólido fosse, comê-lo-ia.” As folhas seguintes abrem espaço para
os traços exaltados de Dunga e Tim Maia. Chico Buarque, Raul Cortez, Frida
Khalo também não escapam dos artistas. Técnicas de Arte e narrativas do homem e do mundo surgem nas histórias em quadrinhos.
No último texto do livro, a arte gráfica e a vida do cartunista ucraniano
Yuri Kussobokin são homenageadas por Adolpho Queiroz. Com uma carreira
admirável e um trabalho de sucesso, Yuri foi o maior vencedor do Salão Internacional de Piracicaba, entre o final dos anos 80 e início dos anos 2000. Na obra
apresentada, vencedora em 1995, um de seus personagens carrega uma arma
com notícias, tratando assim do excesso de violência estampados nos jornais.
Outros trabalhos do artista são mencionados. São obras premiadas e que muito
contribuíram para os 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.
130
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Comunicação pública e política: um livro
sobre personagens e histórias da mídia
Milena Buarque1
3.1
QUEIROZ
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BEDIN, M. A. Propaganda política: estratégias, personagens e história das mídias. Capivari: Editora EME, 2013.
Em 2013, pelas editoras EME e Manhanelli Editorial, Adolpho Queiroz – juntamente com a estudante de jornalismo
Mariana de Andrade Bedin – organizou Propaganda Política, estratégias, personagens e história das mídias. Dividido em
três partes (Estratégias, Personagens e História das Mídias),
com prefácio de Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP), o livro traz
uma série de artigos e estudos sobre a comunicação pública e
política no Brasil.
Além da organização e apresentação, Adolpho Queiroz, ex-presidente da INTERCOM e presidente de honra da POLITICOM, assina seis dos nove textos reunidos no livro, como
autor, em coautoria ou orientação. A obra procura recompor
sua atividade como pesquisador, suas “andanças por vários
espaços institucionais – programas de pós-graduação, cursos
de graduação em jornalismo, associações científicas, através
1. Estudante de Graduação do Curso de Jornalismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
131
de comunicações científicas proferidas ao longo dos anos de 2011 e 2012”. Nas
palavras de Manhanelli, “a comunicação pública procura sair da mesmice que a
propaganda apresenta, mas com o mesmo objetivo da persuasão”.
Em Estratégias apresenta-se o artigo Dos Cravos à Rede – Um Estudo sobre o
Marketing Político em Portugal realizado pelo autor, em parceria com o presidente da POLITICOM Roberto Gondo Macedo. Fazem uma análise comparativa
dos estudos sobre comunicação política em Portugal. O segundo bloco, Personagens, traz o texto Linguagens e Esfera Pública na Sociedade em Rede: Sociedade
Civil, Tecnologia, Linguagem e Política, de autoria dos professores pesquisadores
Fred Izumi Utsunomiya e Mariza de Fátima Reis, ambos da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O artigo busca analisar as redes sociais e suas relações com
a esfera pública.
No terceiro bloco, História das Mídias, o artigo Manifestações no Século XXI
– O Facebook aborda o principal meio de comunicação na mobilização de reincidentes e manifestantes, de autoria do professor Celso Figueiredo Neto em
parceria com o estudante de jornalismo Lincoln dos Prazeres; pega o gancho
de manifestações ocorridas em 2010 e 2011 em todo o mundo para fazer uma
profunda relação com a rede social Facebook. Já os professores Rodrigo Augusto Prando, Maria de Lourdes Bacha e Angela Schaun, em A Construção da
Identidade e Imagem da Marca do Intelectual que se Tornou Político: Um Estudo
sobre a Trajetória de FHC, se propõem a analisar a construção da imagem do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como intelectual político. Os artigos
Humor Engajado: Charges do Jornal O Pasquim no Período da Ditadura Militar
no Brasil, das estudantes de jornalismo Manuela Parisi Malachias e Mariana de
Andrade Bedin, e Revista VEJA e a Política Nacional: Uma análise de 15 capas ao
Longo de seus 40 anos, dos também estudantes de jornalismo Diego Felix, Jéssica
Amorim e Milena Buarque, contaram com a orientação do professor Adolpho
Queiroz durante o curso de Jornalismo Político da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Práticas da Comunicação Política em Contextos de Democracias Consolidadas: Aspectos Evolutivos Pós-Redemocratização Chilena e Brasileira, realizado
pelo autor, juntamente com o professor Roberto Gondo Macedo, traz para o
debate uma abordagem inteligente de dois países latinos, relevantes por suas
referências econômicas, semelhanças em alguns aspectos políticos, eleitorais e
nos perfis de seus habitantes. Os autores analisam o contexto latino-americano,
os processos de redemocratizações e suas práticas de comunicação política.
Com o título bem-humorado de Dilma, com que Roupa? o mestrando em
Comunicação Fernando Ramirez Martins Junior e Adolpho Queiroz tentam
identificar “pontos colocados em pauta na mídia durante a corrida eleitoral”
sobre a roupa da atual presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher no comando
132
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
do país. O artigo, com uma temática original, apresenta observações sobre mudanças de estilo e a importância da imagem no marketing político.
Por fim, Adolpho Queiroz, um dos fundadores do Salão Internacional de
Humor de Piracicaba, assina sozinho a autoria de Rir faz bem, rir faz pensar: A
Contribuição Histórica do Salão de Humor de Piracicaba, que traz uma análise
sobre o compromisso do Salão de Humor, desde agosto de 1974, com a arte
e a democracia, com a pluralidade e com as lutas políticas por um país mais
igualitário e justo.
Assim, Propaganda Política, estratégias, personagens e história das mídias apresenta um panorama diversificado e inteligente de vários casos que podem ser
enquadrados dentro do que se classifica como marketing político. São personagens, aspectos, escolhas, períodos históricos que evidenciam a importância de se
pensar em estratégias para e na comunicação política. O livro amplia o debate
ao trazer os papéis do humor, da moda, de escolhas editoriais, de redes sociais e
da relevância de se construir uma marca e imagem quando o assunto se dá no
campo da comunicação política.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
133
Um novo elo na cadeia de ensino e
­pesquisa sobre marketing político
Priscila Nespolo Vanti
3.1
QUEIROZ
134
No Brasil, a utilização do marketing profissional como instrumento para a catação de votos é um fenômeno recente.
A temática da propaganda política ganhou notoriedade especialmente após a redemocratização do Brasil nos anos 80,
após duas décadas em que os brasileiros viveram sob a tutela
do Regime Militar.
De modo sistemático, segundo Barel (1997, p. 205), somente a partir das eleições de 1982 é que o marketing passou a
ser utilizado nas campanhas eleitorais, embora as ditaduras
de Getúlio Vargas e dos militares tenham se amparado na
comunicação, via propagandas políticas e exaltação à imagem
dos líderes, para angariarem o popular. O Brasil, ainda conforme o mesmo autor, só despertou para o marketing eleitoral / político profissional em 1899, na eleição presidencial
daquele ano.
Desde então, a profissionalização da comunicação política
tem crescido muito. Nas últimas eleições, de modo especial
nas presidenciais, tem se observado que o trabalho dos consultores políticos foi indispensável para o êxito dos eleitos.
Com isso, abriu-se um novo campo para a atuação da academia e diversas universidades passaram a realizar estudos que
abordam o tema.
Na vanguarda entre os pensadores do marketing político e
defensor do estudo e documentação do tema se encontra
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
o professor doutor Adolpho Queiroz, que no Programa de Pós-Graduação da
Universidade Metodista de São Paulo desenvolveu por anos um projeto de pesquisa ligado à recuperação da história das eleições presidenciais da óptica da
propaganda política.
Envolvido com a criação ou acompanhando de perto a atuação de outros
profissionais, na busca de aproximar o mercado profissional ao setor acadêmico,
Adolpho tem seu nome sempre lembrado no campo da comunicação política.
Exemplo disso é sua participação na Associação Brasileira de Consultores Políticos (ABCOP) e na Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de
Comunicação e Marketing Político (POLITICOM), da qual foi presidente.
Também fruto desta inquietação, o curso de Pós-Graduação lato sensu em
Comunicação e Marketing Político da Universidade de Taubaté (Unitau) já
pode ser considerado segundo elo desta cadeia. O programa foi pensado, desenvolvido e é coordenado pela professora doutora Leticia Maria Pinto da Costa,
em parceria com Adolpho Queiroz, seu orientador no Mestrado e Doutorado
em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo.
Profissionalização do Marketing Político
O pressuposto geral da discussão sobre a profissionalização das campanhas
e da comunicação política é a passagem de modelos. De acordo com Gomes
(2004, p. 72), por um lado um modelo de campanha conduzido por políticos
e pessoas com filiação partidária, baseada em sua maior parte em trabalho voluntário, idealista e amador; de outro lado, o modelo contemporâneo em que
se verifica uma forte especialização de tarefas, sobretudo as associadas com o
trabalho de comunicação de massa, um crescente uso de especialistas e uma
grande tendência ao gerenciamento ou centralização das iniciativas e atividades.
Os campos profissional e acadêmico no entorno da comunicação e do marketing político foram ensejados de um desenvolvimento muito grande advindo
da redemocratização do Brasil nos anos 80. De acordo com Queiroz (2008,
p.198), se nos dias mais difíceis da Ditadura Militar era impossível conjugar
possibilidades de pesquisa e atividade profissional no campo, depois dela cresceu em interesse, proporção e competência o espaço brasileiro de observação,
análise e inovação no campo da propaganda política.
Além de exportador de mão-de-obra qualificada para a realização de campanhas eleitorais na América Latina, Europa e África, o Brasil possui hoje um
repertório acadêmico de excelente nível, por conta de suas ações no ensino da
graduação e pesquisas de pós-graduação.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
135
Queiroz (1998, p. 138), em um relato sobre o desenvolvimento das ações no
campo acadêmico com defesas de teses e dissertações aponta a ampliação de uma
imensa rede de revistas para a publicação de temas políticos, o desenvolvimento
acentuado de ações com relação ao ensino da temática nos cursos de graduação
de publicidade e propaganda, além das contribuições oriundas do próprio meio.
A realização constante de eleições em todos os níveis – presidentes da República, senadores, governadores, deputados federais e estaduais, prefeitos
e vereadores especialmente, mas também a profusão de processos eleitorais internos em sindicatos, associações de classe e/ou comunitárias, clubes sociais e recreativos, entre outras atividades, tem possibilitado um intenso engajamento profissional neste campo. (QUEIROZ, 1998, p.139)
Desde então, a cada novo momento, profissionais de comunicação e pesquisadores são estimulados a colaborar, quer seja na produção do material para
campanhas eleitorais, quer seja no resgate da história, na pesquisa e na interpretação destes fenômenos eleitorais à luz das Ciências da Comunicação. Temos
assistido ao avanço das contribuições oferecidas pelos programas de pós-graduação em Comunicação – especialmente – para o desenvolvimento de teses,
dissertações e artigos científicos sobre esta temática.
O Segundo Elo da Cadeia
No universo da criação e interpretação dos fenômenos eleitorais, o professor
Adolpho Queiroz se destaca. Como ele mesmo relembra, desde 1998, quando
obteve o título de doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São
Paulo, passou a conduzir o já citado projeto de pesquisa que procura recuperar
a memória das eleições presidenciais brasileiras sob a ótica da propaganda política. Desde então passaram por suas mãos diversos estudos que mostraram de que
forma estratégias comunicacionais foram utilizadas em campanhas eleitorais,
reunindo contribuições de pesquisadores de diversas universidades brasileiras
(QUEIROZ, 1998, p. 201).
Dentre estes pesquisadores que passaram por sua orientação no programa
de pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo se
encontra a professora doutora Leticia Maria Pinto da Costa. Após a conclusão
de seu doutorado em Comunicação, contagiada e incentivada por seu orientador, levou ao cabo a proposta de levar à universidade em que se graduou e lecionava um novo elo para a cadeia de ensino e pesquisa sobre marketing político
136
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
iniciada por Queiroz. Com seu auxílio, planejou e desenvolveu a proposta do
curso de pós-graduação lato sensu em Comunicação e Marketing Político da
Universidade de Taubaté, que teve sua primeira turma em 2009.
Além de Letícia Maria, também passaram pela pós-graduação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo outros professores que hoje
integram o corpo docente do curso de Comunicação e Marketing Político da
Universidade de Taubaté (Unitau).
O Legado do Politicom
A Unitau, por meio da pós-graduação em Comunicação e Marketing Político, obteve em 2009, ano de sua primeira turma, um importante feito no campo
do ensino e pesquisa na área: foi sede do VIII Congresso Brasileiro de Marketing Político (POLITICOM), com o tema O rádio na propaganda política.
Fundada em outubro de 2008, durante a VII Conferência Brasileira de Marketing Político, realizada na Faculdade Prudente de Moraes, em Itu/SP, a Sociedade Brasileira dos Pesquisadores e Profissionais de Comunicação e Marketing
Político (POLITICOM) tem procurado incentivar as discussões sobre propaganda política nos seus encontros anuais. Desde 2002, quando foi criado como Seminário Brasileiro de Marketing
Político, sob os auspícios da Cátedra UNESCO/UMESP de Comunicação para
o Desenvolvimento Regional e pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, a Sociedade tem conseguido anualmente ou por meio de outras ações,
produzir conhecimento novo sobre marketing e propaganda política.
Por meio de seus Grupos de Trabalho sobre propaganda política no rádio, na
televisão, nos jornais/revistas, na internet, nos trabalhos de conclusão de curso
ou através de temas gerais, a POLITICOM reúne hoje um grande acervo de
contribuições sobre o campo. Sua diretoria tem procurado também estreitar ligações com pesquisadores do Brasil, por meio das diretorias regionais que, a médio prazo devem produzir congressos e seminários similares ao evento nacional.
O VIII POLITICOM, que reuniu 150 pesquisadores de todo o país, teve
como coordenador acadêmico o professor Adolpho Queiroz e como coordenadores executivos os professores da Unitau Marcelo Tadeu dos Reis Pimentel,
Edson A. de Oliveira Querido, Monica Franchi Carniello e Letícia Maria Pinto
da Costa.
Além de conferências como as da professora doutora Sonia Virgínia Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, considerada uma das principais
pesquisadoras da radiocomunicação no Brasil, e do professor mestre Carlos MaAdolpho Carlos Françoso Queiroz
137
nhanelli, presidente da ABCOP, foram realizadas a apresentação de pesquisas e
de projetos relacionados ao marketing político nos vários meios de comunicação.
O evento contou ainda om o lançamento de livros sobre o tema e, pela
primeira vez, premiou o melhor trabalho apresentado no grupo temático de
Projetos Experimentais por meio do “Prêmio Sérgio Arapuã Andrade”.
Ter sediado a VIII edição do POLITICOM não apenas trouxe à Unitau os
principais pesquisadores da comunicação e do marketing político, como incentivou seus alunos da pós-graduação em Comunicação e Marketing Político
a mergulharem no mundo da pesquisa e apresentar trabalhos nos Grupos de
Trabalho do congresso.
Com a interiorização da formação de profissionais especialistas na comunicação política, a Universidade de Taubaté contribui para o aprimoramento do
trabalho realizado pelo setor, além de insuflar novos profissionais a adentrar o
campo da pesquisa. Desta forma, observa-se que, mais uma vez, o trabalho do
professor Adolpho Queiroz não fica restrito e, cada vez mais, se propaga entre
os estudiosos e profissionais da área da comunicação e do marketing político.
Referências
BAREL, Moisés Stefano. O marketing eleitoral/político e a ABCOP: história e
profissionalização da comunicação política no Brasil. In: QUEIROZ, A.; MANHANELLI, C.; BAREL, M.S. (orgs.). Marketing Político: do comício à
internet. São Paulo: Associação Brasileira de Consultores Políticos, 2007.
GOMES, Wilson. Transformações da política na era da comunicação de
massa. São Paulo: Paulus, 2004.
QUEIROZ, Adolpho (1998). Voto, mídia e pesquisa, propaganda política no
Brasil. Comunicação e Sociedade, n. 30, 2º sem., p. 105-140. São Bernardo do
Campo: UMESP.
QUEIROZ, Adolpho. Marketing Político. In: MELO, José Marques. O campo
da Comunicação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2008.
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ. Site: www.unitau.br. Informações disponíveis em 22 de fevereiro de 2013.
VIII CONGRESSO BRASILEIRO DE MARKETING POLÍTICO (POLITICOM). Site: www.unitau.br/politicom. Informações disponíveis em 22 de
fevereiro de 2013.
138
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Produção bibliográfica1
3.1
QUEIROZ
Livros publicados/organizados ou edições
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). Comunicação Política. Londrina: Syntagma Editores, 2014. 272p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; AMORIM, J; BUARQUE, M. Opinião pública e eleições. BAURU: UNESP,
2013. v. 1. 190p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MOLINA, V.
(Org.); FAVARO, J. E. (Org.); CIASI, L. H. (Org.); VBEDIN, M. A. (Org.); MIGLIARI, P. B. (Org.); QUEIROZ,
A. C. S. (Org.). Panorama da comunicação e das telecomunicações no Brasil. 1. ed. BRASÍLIA: IPEA, 2013. v. 4.
376p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BEDIN, M. A. Propaganda politica: Estratégias, personagens e história das mídias. 1. ed. CAPIVARI: EDITORA EME, 2013.
1. Fonte: currículo Lattes de Adolpho Queiroz, consultado em
jun.2014.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
139
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); CIASI, L. H. (Org.). Balas não matam ideias: 40 anos do Salão Internacional de Humor de Piracicaba (1974/203). 1.
ed. RIO CLARO: GRÁFICA NOVA EDITORA RC, 2013. v. 1. 134p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; VIEIRA, R. C. A mobilização social
no contexto politico e eleitoral. 1. ed. CURITIBA: UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ, 2013. v. 1. 198p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Crisálida: o libertar da imaginação criadora. 1. ed. Taubaté: Cabral, Editora e Livraria Universitária, 2013. v. 1. 272p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MACEDO, Roberto Gondo (Org.). Caminhos do campo comunicacional no Brasil e Argentina - III
Colóquio Brasil/Argentina - INTERCOM. 1. ed. SÃO PAULO: INTERCOM,
2012. v. 1. 440p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). No espaço cênico de propaganda política: mídia, comunicação e marketing político nas campanhas presidenciais brasileiras. 1. ed. Taubaté: Papel Brasil, 2011. v. 1. 600p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); SCHAUN, Angela. (Org.). Memória, Espaço e Mídia. São Bernardo do Campo: Cátedra Unesco, 2010. v.
1. 255p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; CARNIELLO, M. F; MACEDO, Roberto Gondo; COSTA, Letícia Maria Pinto da; OLIVEIRA, Edson de Araujo
Querido. Marketing político estratégias globais e regionais. 1. ed. Rio de
Janeiro: Oficina de Livros, 2010. v. 1. 288p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); ARAUJO, Denise Castilhos de
(Org.); MACHADO, Maria Berenice (Org.). História, Memória e Reflexões sobre
a Propaganda no Brasil. 1. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2008. v. 1. 304p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MELO, José Marques de (Org.).
Unidade e Diversidade na Comunicação. São Paulo: Intercom, 2008. 66p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; MACEDO, Roberto Gondo. A Propaganda Política no Brasil Contemporâneo. 1. ed. , 2008. v. 1. 502p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); MANHANELLI, C. (Org.); BAREL, Moisés Stéfano (Org.). Marketing Político: do Comício à Internet. 1. ed.
São Paulo: ABCOP, 2007. v. 1. 215p.
140
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). Na Arena do Marketing Político. 1. ed. São Paulo: Summus, 2006. v. 1. 338p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); GONZALES, L. (Org.). Sotaques
Regionais da Propaganda. 1. ed. São Paulo: Arte e Ciência, 2006. v. 1. 340p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.). Propaganda, História e Modernidade. 1. ed. Piracicaba: Editora Degaspari, 2005. v. 1. 303p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. Marketing Político Brasileiro: ensino,
pesquisa e mídia. 1. ed. INTERCOM: São Paulo, 2004. v. 1. 178p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); OLIVEIRA, Dennis de (Org.).
Jornais Centenários de São Paulo. 1. ed. Piracicaba: Editora Degaspari, 2002.
v. 1. 192p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); NEGRI, A. C. F. (Org.). A História da Imprensa em Santa Bárbara d›Oeste. 1. ed. Santa Bárbara d’Oeste:
Editora Socep, 1998. v. 1. 160p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso; BOTAO, P. R; BILAC, M. B. B. (Orgs.).
Imprensa e Eleições em Piracicaba. 1. ed. Piracicaba: UNIMEP-FAP, 1996.
v. 1. 99p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso (Org.); ALMEIDA, Fernando Ferreira
de (Org.). Comunicação e Mudanças Sociais. 1. ed. Piracicaba: Ponto Final/
INTERCOM, 1994. v. 1. 141p.
QUEIROZ, Adolpho Carlos Françoso. A TV de papel. Piracicaba: Editora da
Unimep, 1990. 130p.
Adolpho Carlos Françoso Queiroz
141
MANUEL CARLOS CHAPARRO
Marli dos Santos (UMESP)
(Organizadora especial)
Na linha do tempo, dias de jornalista
e pesquisador
Marli dos Santos1
4.1
CHAPARRO
Manuel Carlos Chaparro é considerado um dos renovadores no
contexto do pensamento comunicacional brasileiro2, suas contribuições têm sido compartilhadas e discutidas em muitas escolas
de jornalismo, bem como em empresas públicas e privadas no
Brasil e em outros países. Seus relatos, comentários e reflexões
foram compartilhados nos livros que escreveu, nos artigos publicados em periódicos científicos, nas reportagens que fez para jornais portugueses e brasileiros, nas colunas para a grande imprensa
no Brasil e em Portugal, bem como na internet, por meio do seu
blog O xis da questão, em média com 300 acessos diários.
1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2004) e mestre em
Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo
(1998). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP.
2. José Marques de Melo criou uma nomenclatura para classificar
pesquisadores, conforme suas contribuições no campo da Comunicação. São os precursores, desbravadores, inovadores, renovadores. Em evento realizado na FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, “50 anos de Pesquisa em
Comunicação”, alguns precursores, desbravadores, inovadores e
renovadores foram homenageados. (FAPESP, 2013).
Manuel Carlos Chaparro
143
Na linha do tempo que vem a seguir foram reunidos alguns períodos marcantes na trajetória do jornalista, professor e pesquisador Chaparro, que passaram necessariamente pela prática e a teoria do jornalismo. O dossiê produzido
por ocasião de seu 70º aniversário e publicado no segundo semestre de 2004 na
Revista PJ:Br – Jornalismo Brasileiro3, foi atualizado pela mesma autora. As fotos
são do arquivo pessoal do professor.
Dias de Menino
Chaparro nasceu em 04 de março de 1934, em Tramatal, Portugal. Aos 8
anos, já dava sinais de que o texto seria essencial para se expressar no mundo. Tornou-se escriba de seus colegas de escola na segunda série do curso primário (atual
segundo ano do ensino fundamental), a escrever “bilhetinhos de iniciação amorosa”, como ele mesmo revela no documentário autobiográfico, produzido em 2013.
Adolescente, teve de ficar internado no Sanatório do Outão, dos 12 aos
16 anos, por causa de uma doença que lhe impedia de andar. A biblioteca do
lugar, rica na oferta de livros clássicos, era a sua fonte de saber e inspiração: leu
tudo o que podia da literatura universal. Foi também nesse período que revelou
a sua aptidão para o jornalismo. Com mais dois colegas criou um jornal, O Escarumba, que fazia críticas e incomodava as freiras, responsáveis pelo atendimento
aos pacientes daquele hospital. Logo a publicação foi censurada.
E aos 14 anos (esq.), no
Sanatório de Outão, perto da cidade de Setúbal,
em Portugal
Chaparro aos 9 anos
3.A Revista PJ:Br é coordenada pelo Grupo de Estudos “Pensamento Jornalístico Brasileiro”, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, criado pelo
professor emérito José Marques de Melo. Atualmente, conforme consta no expediente
da publicação, tornou-se uma produção aberta, de caráter coletivo, porém ainda coordenada pelo mesmo núcleo (PJ: BR, 2013). O dossiê de Manuel Carlos Chaparro
foi publicado originalmente na revista PJ:Br no 2º semestre de 2004 e atualizado em
setembro de 2013 pela mesma autora.
144
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Dias De Repórter E Militância Em Portugal (1953-1961)
Chaparro iniciou sua vida de repórter muito jovem. A primeira entrevista
ocorreu em 1953, ainda como colaborador do jornal Juventude Operária, da
Juventude Operária Católica. O entrevistado era nada menos que o recordista
mundial na travessia do Canal da Mancha, Batista Pereira. Como o encontro
ocorreu em um café famoso, cerca de 50 pessoas estavam presentes.
Atrás da notícia e no meio do povo. No Diário Ilustrado integrou a equipe
de repórteres, de 1958 a 1961.
Em reportagem investigativa, uma mulher assassinada. O corpo foi encontrado amarrado a uma pedra em um poço, mas não se sabia a sua identidade.
O fato mobilizou a população da aldeia Vale de Nogueira, nos arredores de Lisboa, e depois o país inteiro. As testemunhas mostraram ao repórter Chaparro o
local e o tamanho da pedra, quase 15 quilos. O colega de redação, Antonio Feio,
também participou das investigações.
Manuel Carlos Chaparro
145
Chaparro entrevista Oto Glória (sequência abaixo), técnico que levou a
seleção de futebol de Portugal a um de seus maiores feitos: o 3º lugar na Copa
da Inglaterra, em 1966. No Brasil, Glória tornou a Portuguesa campeã paulista
em 1973.
Despedida de Lisboa. O abraço dos colegas do Diário Ilustrado, do amigo
Antonio Feio (em pé, de óculos). Chaparro deixou Portugal (1961) em busca
do sonho da liberdade de expressão, cerceada nos tempos da ditadura salazarista.
A militância no Juventude Operária, jornal ligado ao movimento da JOC Juventude Operária Católica (1953-57).
Com Barata...
146
...a caminho de Roma.
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Lisboa
Durante a militância na JOC, participava de reuniões em diversos países
europeus, como França e Itália.
Fontana de Trevi, Itália
O repórter é o entrevistado
A JOC foi uma das experiências mais decisivas na formação do cidadão e
do jornalista Manuel Carlos Chaparro. Abaixo, grupo de militantes no Conselho Mundial da JOC.
Manuel Carlos Chaparro
147
Dias de Repórter no Brasil (1961-1967)
A convite de Dom Eugênio Salles, então bispo da Arquidiocese de Natal, ,
para assumir o cargo de editor do jornal A Ordem, deu início à sua trajetória no
jornalismo brasileiro. Abaixo, os colegas e a velha máquina de escrever.
Arquivo Pessoal
Como correspondente, atuou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “Jornal do
Brasil” e na revista “Visão”.
Momentos de reconhecimento público. Foram quatro Prêmios ESSO, todos na década de 60, resultado de grandes reportagens que abordavam aspectos
sociais, culturais e econômicos do Nordeste brasileiro. Atuando no jornal “A Ordem”, da Arquidiocese de Natal, ganhou três premiações. Em 1962, foi menção
honrosa com a reportagem “Simbaúba, terra lendária”; 1963, Prêmio Regional
pela autoria de “Terra rica em gente pobre”; outro Prêmio Regional por “Guerra
à jangada”, em 1964. Já no Jornal “Diário de Pernambuco”, ganha o Prêmio Esso
de Informação Econômica, pela reportagem “As dez mãos do Artesão”, 1966.
Arquivo Pessoal
148
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Arquivo Pessoal
Na Sudene, a experiência da Assessoria de Imprensa. Convidado pelo engenheiro agrônomo João Gonçalves de Souza, alto funcionário da OEA - Organização dos Estados Americanos, montou e coordenou a Assessoria de Imprensa da Sudene - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, em 1964,
após a experiência como editor do jornal da Arquidiocese de Natal, A Ordem,
e como correspondente da revista Visão e do Jornal do Brasil. Quando deixou a
estatal, voltou à imprensa diária, atuando como repórter do Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio.
Dias de Empresário
Em 1967 Chaparro chegou a São Paulo, como secretário de redação e
editor de planejamento do projeto Suplementos Especiais da Folha de S. Paulo.
Grandes temáticas da realidade brasileira foram abordadas, entretanto questões
internas o fizeram pedir demissão do jornal. Em 1968, num lance de criatividade, cria a Proal - Programação e Assessoria Editorial, para fazer história no
jornalismo empresarial brasileiro.
Dia de reunião na Proal
Torquato Gaudêncio (ao centro) era parceiro de
Chaparro (o primeiro à direita), criador da Proal
Manuel Carlos Chaparro
149
Na Proal, ao lado de Francisco Gaudêncio Torquato do Rego, então professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ao
centro, nas duas primeiras fotos), criou jornais e revistas para grandes empresas,
como a General Motors do Brasil, Pirelli, Sabesp, Philips, Cetesb, Firestone
e outras. Os Cadernos Proal surgem como reflexão teórica sobre a prática do
jornalismo empresarial. As reuniões de avaliação com clientes e jornalistas da
grande imprensa também foram uma experiência diferenciada.
Como criador e diretor de redação da Proal, Chaparro trouxe a experiência do jornal diário impresso, abordando assuntos até então considerados tabus
pelas empresas, como os acidentes de trabalho. Em contato constante com os
clientes, conhecia o universo e as necessidades de cada um.
Dias de Professor e Pesquisador
Em 1979, tornou-se aluno do curso de Jornalismo da ECA/USP - Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, para refletir sobre a
prática jornalística. Formou-se em 1982. Enveredou pelo campo da pesquisa,
ingressando no mestrado, em 1983. Em 1984 participou de concurso público,
150
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
para integrar o quadro de docentes da mesma instituição. De 1989 a 1991
presidiu a INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação. Tornou-se doutor em 1994. No ano seguinte, lançou o livro
Pragmática do Jornalismo, resultado da tese de doutorado. Depois do pós-doutorado na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, desenvolveu projeto de
livre-docência, publicando a seguir Sotaques d´Aquém e d´Além Mar – percursos
e gêneros do jornalismo português e brasileiro, em 1998.
Em 2001, Chaparro lança Linguagem dos Conflitos, coletânea de artigos e
crônicas sobre a atualidade, porém “em jeito” de reflexão (somente em edição
portuguesa). Três anos depois, em 2004, Imprensa na Berlinda (2004), em coautoria com Wilson Martins e Norma Alcântara, sobre as assessorias de imprensa/
comunicação e seu papel como fonte organizada. Em 2006 lança o livro-reportagem biográfico Padre Romano – Profeta da Libertação Operária.
No início dos anos 2000, Chaparro também tornou-se colunista do portal
Comunique-se. Acumulou na sua experiência de uma vida inteira, desde os 8
anos quando era escriba da turma do segundo ano primário em Portugal, a
relatar e comentar a realidade em páginas e páginas da imprensa portuguesa e
brasileira, inclusive no Diário Popular, como crítico de Televisão, e no semanário português O Ribatejo, além de criar diversas publicações laboratoriais como
docente na ECA/USP, como Jornal do Campus, São Remo, Reproposta (voltado à
terceira idade), entre outros.
Dias Futuros
No blog O xis da questão o professor continua a ensinar, mas para uma plateia bem maior. No espaço virtual pratica e ensina jornalismo. Uma sala de aula
Manuel Carlos Chaparro
151
bastante frequentada, com cerca de 300 acessos diários. No conteúdo do blog
é possível assistir às aulas em vídeo, baixar arquivos de textos teóricos, artigos e
outros materiais que ele disponibiliza generosamente para os internautas.
Em 2012 resolveu aprender música, e agora também toca seu teclado. Sua
trilha sonora é Coimbra do choupal (música de Raul Ferrão e letra de José Galhardo). Ele diz que a música vai inspirá-lo a ser mais criativo no texto. Como
não cansa de repetir, a palavra é a sua grande aliada. E dela se nutre, para partilhá-la com sotaques e sabedorias por onde passa.
152
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Ética: valor central do jornalismo,
­segundo Manuel Carlos Chaparro1
Antonio Hohlfeldt2
4.1
CHAPARRO
O que me levou a ser jornalista foi esta descoberta terrível de uma classe operária em Portugal, que por falta
de informação não tinha consciência da sua dignidade
e não entendia o mínimo dos problemas que a afetavam, portanto não tinha capacidade de luta.
E eu imaginei certa vez que se eu fosse jornalista eu
poderia ajudar a reduzir este problema, para manter
informada a classe operária3.
1. Comunicação apresentada à mesa “A Intercom e a Memória das
Ciências da Comunicação-Homenagem a Manuel Chaparro” do
XXXVI Congresso da Intercom, na UFAM, em 05/09/2013.
2. Presidente da Intercom, pesquisador do CNPq; professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Faculdade
de Comunicação Social da PUCRS.
3. CHAPARRO, Manuel Carlos, no “Discurso de jornalista e Dr.
Prof. Manuel Carlos Chaparro, em agradecimento ao Prêmio
Averroes”, em São Paulo, em 14/04/2012. Disponível em: <https://luanacopini.files.wordpress.com/2012/04/discurso-chaparro.pdf>. Acessado em 16/08/2013.
Manuel Carlos Chaparro
153
No dia 14 de abril de 2012, o professor e jornalista Manuel Carlos Chaparro recebeu o Prêmio Averroes4 e, em sua fala de agradecimento, expressou
o pensamento que se tornou a epígrafe desta minha intervenção. Acho que ela
explica o conjunto de ações que marcaram a vida do jornalista, do professor e
do pesquisador acadêmico que hoje está sendo aqui relembrado, inclusive por
ter sido Presidente da INTERCOM. O quanto ele fez pela entidade foi muito
bem analisado, recentemente, pelo seu fundador e hoje Presidente de Honra,
José Marques de Melo, em intervenção realizada em 20045.
Esta mesa, contudo, tem tarefa diversa: ela pretende discutir a contribuição
acadêmica do homenageado. Por isso, decidi partir daquela passagem que tomei
como epígrafe, para discutir duas obras de Manuel Carlos Chaparro, Pragmática
do jornalismo6 e Sotaques d`aquém e d´além mar7.
Recupero rapidamente alguns dados biográficos, mas apenas aqueles que
me interessam para a leitura que quero propor. Valho-me, para tanto, de excelente artigo de Daiane Rufino8. Chaparro foi membro da JOC – Juventude
Operária Católica Portuguesa. Tornou-se jornalista em 19559, muito jovem,
portanto, e em 1961 aceitou convite para viajar ao Brasil, buscando escapar
4. A pedido do Hospital Premier/ Grupo MAIS, o Prêmio Averroes foi concebido em
2008 pelo escritor ítalo-brasileiro José Luiz Del Roio, Senador da República Italiana,
membro do Parlamento do Conselho da Europa em Strassburgo e do Parlamento da
União Europeia Ocidental em Paris. Dirigido a intelectuais que se distinguem por sua
permanente disponibilidade humanística.
5. MELO, José Marques – Depoimento no seminário acadêmico “Sotaques do Jornalismo. Contribuições de Manuel Carlos Chaparro aos fazeres e dizeres jornalísticos”,
coordenado pela Profa. Dra. Marli dos Santos, durante o XXVIII Congresso da Intercom, na PUCRS de Porto Alegre, no dia 31/08/2004. Disponível em: <http://www.
eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_d.htm>. Acessado em 16/08/2013. Trata-se da edição
eletrônica da Revista PJ:Br, edição 4, 2º semestre de 2004.
6. CHAPARRO, Manuel Carlos – Pragmática do jornalismo. Buscas práticas para uma
teoria da ação jornalística, São Paulo, Summus. 1994.
7. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, São Paulo, Summus.
2008. A edição original portuguesa é de 1998.
8. RUFINO, Daiane – “Manuel Carlos Chaparro e a busca de um jornalimo social” in
Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, Ano 14 n.14, p. 131-141 jan/dez. 2010.
9. Manuel Carlos Chaparro nasceu em 1934.
154
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
à ditadura salazarista do Estado Novo. Atendia, assim, a um convite do Bispo Dom Eugenio Sales, de Natal, e vinha integrar-se à equipe do jornal da
diocese, A Ordem, que ajudou a transformar num dos melhores do Nordeste
brasileiro. Chaparro conheceu, de perto, a miséria e a injustiça dos coronéis
da caatinga, e por isso, mais adiante, passa a integrar a assessoria de comunicação da SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, que
então volta a ser administrada por civis, após o golpe de 1964. Ali permaneceu
durante dois anos.
Manuel Carlos Chaparro sempre desenvolveu um jornalismo de investigação e de debate, o que o levou a ganhar, por quatro vezes, em diferentes categorias, o Prêmio Esso de Jornalismo. Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco
e, já em São Paulo, Folha de São Paulo, são algumas das redações pelas quais ele
passa. Em 1979, aos 45 anos de idade, experimentado e calejado no jornalismo,
decide-se pela universidade. Faz vestibular, entra para a Escola de Comunicação
e Artes da USP, forma-se e ei-lo a dar aulas, a partir de 1984. Mas não para:
faz Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado e defende tese de Livre Docência.
Aposenta-se em 2001, mas para quem pensou que ele iria se aquietar, enganou-se. Hoje em dia, edita o blog O Xis da Questão (www.oxisdaquestao.com.br),
onde continua refletindo, jornalística e filosoficamente, sobre a realidade brasileira e o jornalismo. Uma de suas séries de artigos mais interessante foi gerada,
recentemente, a partir das manifestações de rua iniciadas em junho do corrente
ano e os modos de sua cobertura jornalística pelas mídias brasileiras, dos jornais
à televisão.
Na leitura que pretendo propor, aqui, esta perspectiva biográfica vincula-se diretamente à gênese e às preocupações que encontramos em Pragmática
do jornalismo e em Sotaques d´aquém e d´além mar, tal como tentarei demonstrar.
Pragmática do jornalismo
Logo na introdução da obra, Chaparro enuncia três preocupações que o
levaram a tais estudos: a) como se manifestam, se escondem ou se simulam
os propósitos que motivam e as intenções que controlam as mensagens jornalísticas, na imprensa diária brasileira? b) que interesses estão conectados a tais
propósitos e que princípios éticos inspiram as intenções ordenadoras da ação
jornalística? c) que influência a explicitação ou a não explicitação das intenções
exerce na vontade do leitor, no que se refere à decisão de ler ou não ler, aceitar
ou rejeitar a mensagem? (p. 13).
Manuel Carlos Chaparro
155
Para desenvolver seus estudos, Chaparro apoia-se na perspectiva da pragmática, assim como a entende Teun van Dijk. Chaparro tem clareza no fato de que
a linguagem jornalística é uma prática marcada por intenções e interesses (tal
como o reconhecera Max Weber a propósito das instituições em geral). Ora,
a imprensa capitalista é uma instituição: ela precisa ter lucro, através de uma
atividade que é a publicação jornalística. Mas esses interesses geram contradições que nem sempre a empresa consegue resolver. Fugindo, contudo, ao maniqueísmo, nosso professor também se dá conta que, em muitos outros casos,
o problema não é financeiro, ainda que continue sendo político (no sentido de
que se relaciona com o poder). Por exemplo, o editor do jornal, naquele dia,
sentiu-se prejudicado com alguma decisão de uma empresa pública e decide
pautar o assunto, desde que o enfoque do tema seja contrário a essa empresa.
Por fim, o problema pode não ser nem financeiro nem político, mas apenas de
(falta de) responsabilidade: o jornalista não apurou devidamente o acontecimento, não fez as perguntas que precisaria fazer, não prestou atenção a alguns
detalhes, tinha pressa, não estava suficientemente preocupado com o que fazia,
sua responsabilidade não lhe aparecia assim tão evidente.
Lembrando, em parte, algo da teoria da ação comunicativa de Jurgen Habermas que, aliás, ele cita em várias passagens, Chaparro mostra que a função do
jornalista necessita de uma plena consciência para bem realizar-se: consciência
de que a informação por ele redigida e divulgada na página do jornal produz
- ou não produz – efeitos e reações entre leitores. Se mal apurada e redigida,
talvez não consiga mobilizar o leitor como deveria, indignando-o, por exemplo.
Ou, de outro lado, traçará um quadro pessimista de algo que foi apenas casual
e momentâneo, com evidentes prejuízos para alguma das partes envolvidas no
acontecimento.
Por isso, na segunda parte do livro, “Pragmática viva”, Chaparro parte para
uma análise prática de uma série de situações que ele selecionou cuidadosamente. Na terceira parte, e a partir de uma experiência concreta, que foi sua participação na reforma experimentada pelo jornal Folha de São Paulo, ele procura
mostrar como uma excelente ideia foi parcialmente desqualificada, resultando
num manual de redação que, para além do tom autoritário e impositivo que
acabou adotando, de pouco ou nada serve, pois o jornal e os jornalistas assumiram uma espécie de autossuficiência que os leva a resistir ferozmente às
eventuais correções de suas informações, constituindo o que ele denomina de
“patologia complexa” (p. 105).
Fechando seu trabalho, Manuel Chaparro retoma van Dijk, destacando o
conceito de jornalismo daquele pesquisador: “o ato de fala próprio do jornalismo é o de asseverar (do latim asseverare – afirmar com certeza, segurança)”. (p.
156
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
113). Distinguindo entre intenção e propósito ele destaca a importância hierárquica do propósito, para resumir sua perspectiva teórica e prática:
1) Sendo o jornalismo um processo social de ações conscientes, controladas ou controláveis, esse processo só se concretiza se os fazeres jornalísticos (envolvendo o uso de técnicas para a produção de uma expressão
estética) forem cognitivamente controlados por intenções inspiradas nas
razões éticas que dão sentido social a esse processo.
2) Porque as ações são conscientes e têm consequências sociais relevantes,
o jornalista é responsável moral pelos seus fazeres.
3) Se a intenção controla conscientemente o fazer, então determina os
procedimentos técnicos e inspira as buscas e as soluções estéticas.
4) A intenção é, portanto, liga abstrata que funde ética e técnica, na
busca de uma estética significativa para o processo.
5) Dado que a razão ética primordial do jornalismo é a de viabilizar,
asseverando, o acesso ao direito de informação, a estética significativa a
ser alcançada pelo jornalismo é o do relato veraz – isto é: o relato do que
em verdade foi visto, ouvido e sentido pelo mediador.
6) A ação jornalística se esgota no seu ato de asseverar, quando a mensagem é lida. Os efeitos derivados, em forma de comportamentos ou novas
ações sociais, fazem parte da esfera criativa e livre do receptor, inserido
em suas próprias circunstâncias sociais e seus interesses. Os comportamentos e as ações sociais derivadas dos atos comunicativos do jornalismo
realimentam o processo social, provocando transformações nos cenários
da atualidade e da ordenação ética e moral da sociedade10.
Essa simples passagem serviria para animar um curso de ética do jornalismo,
por certo, como é sua intenção, inclusive no que tem a ver com uma tendência
contemporânea, iniciada aparentemente após o episódio das Diretas Já, em que
a mídia pretende denunciar, processar, julgar e condenar a pretensos sujeitos de
acontecimentos sociais de relevância. Chaparro deixa bem claro que a responsabilidade do jornalista é asseverar, isto é, informar com segurança e fidelidade, o
acontecimento, sem emitir juízo de valor e, sobretudo, sem ultrapassar sua própria função jornalística. Esta é a sua responsabilidade ética e moral, nada mais.
Qualquer outra cabe ao cidadão que o jornalista também é, mas não enquanto jornalista. Dito de outro modo: “denunciar à sociedade o comportamento
10. CHAPARRO, Manuel Carlos – Pragmática do jornalismo, op. cit., p. 116.
Manuel Carlos Chaparro
157
corrupto e imoral de um presidente da República é dever do jornalismo e do
jornalista; derrubá-lo é prerrogativa do povo organizado” (p. 121).
O livro seguinte de nosso autor, Sotaques d´aquém e d´além mar, tem uma
carreira significativa. Foi primeiro editado em Portugal, em 1998, com um belo
prefácio de Mário Mesquita. Dez anos depois, foi publicado no Brasil. O que
propõe o autor, desta vez? A quebra dos velhos paradigmas que separam jornalismo informativo e jornalismo opinativo. Mais que isso, apresenta uma constatação, em 1998, que eu viria a repetir em 2008: o jornalismo português e o
brasileiro desconhecem-se reciprocamente. (p. 25). Quando a eles acrescentamos
o jornalismo que passei a denominar de jornalismo de colônias de expressão
portuguesa11, transformadas, todas elas, após os acontecimentos de 1974 e 1975,
em nações independentes, a situação piora muito, e só não é pior, porque muitos
dos pesquisadores e profissionais daquelas nações têm viajado para Portugal ou
para o Brasil a fim de se aprimorarem em seus estudos. O projeto de Manuel
Carlos Chaparro, neste livro, de uma história comparada do jornalismo lusitano
e brasileiro, que eu saiba, é pioneiro. Como estou procurando seguir o mesmo
caminho, tomo-o como modelo e referência. Efetivamente, Chaparro desdobra,
pelas páginas de seu trabalho, uma história cronológica e paralelística da imprensa de ambos os países, evidenciando as tendências que ambas experimentavam ou
sofriam. Desta sua perspectiva avulta, com evidente clareza, o quão semelhante
são tais histórias: de um lado, porque os personagens centrais – quer dizer, os reis,
são os mesmos: Dom João VI, Dom Miguel, Dom Pedro I, etc. Por outro lado,
porque as ideologias em choque igualmente são as mesmas, aliás, não apenas
em Portugal e no Brasil, quanto no restante da Europa e também no restante da
América Latina. Portanto, deve-se dizer que não só é possível, quanto é absolutamente necessário que uma história abrangente da imprensa em Portugal inclua
o Brasil e vice-versa: mais, que uma história da imprensa de Portugal e do Brasil
incluam as histórias da imprensa da Europa continental e da América hispânica.
Neste caso, não se pode nem deve deixar de lado quer as colônias de Portugal,
quer as colônias de Espanha. Eis um projeto fantástico a ser ainda perseguido
pelos historiadores. Dele, temos apenas alguns ensaios. Ao final desta primeira
11. HOHLFELDT, Antonio – “Imprensa das colônias de expressão portuguesa: Primeira
aproximação”, in Comunicação & Sociedade, São Bernardo do Campo, Universidade
Metodista de São Paulo, Ano 30, n. 51, p. 135-154, jan./jun. 2009. Valhi-me, como
indico no artigo, de expressão cunhada por Salvato Trigo, aplicada à literatura angolana
e que estendi à imprensa das mesmas regiões em que ocorreu a colonizaçao portuguesa
desde o século XV.
158
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
parte do trabalho, Chaparro registra duas diferenças significativas (lembremo-nos da data da obra, 2008, a partir de um texto original de 1998): “no Brasil,
ao contrário do que ocorre em Portugal, os grandes jornais pertencem a conglomerados familiares” e acrescenta, logo em seguida: “outra diferença [...] está na
relação de forças entre redações e empresas”. O autor reconhece que, “no Brasil,
não existem Conselhos de Redação, nem Estatutos Editorais, nem negociações
sobre quem vai ser o próximo diretor. A lógica e as razões de mercado impõem-se
ao jornalismo diário brasileiro, para lhe garantir sucesso”.(p. 105).
Evidentemente que o passar do tempo obriga a rever estas duas observações:
no primeiro caso, lembrar que, atualmente, os conglomerados familiares brasileiros correspondem, de certo modo, aos conglomerados multinacionais, sobretudo franceses e espanhóis, que adquiriram boa parte da mídia portuguesa. Por
outro lado, quanto aos Conselhos de Redação, parte desta experiência portuguesa, que também ocorre na França, perdeu-se, devido à reviravolta sofrida nas
últimas décadas, em que os títulos mais tradicionais e referenciais da imprensa
de Portugal, ou desapareceram, ou foram vendidos para outros controladores,
nos moldes do já observado acima12.
Não obstante estas atualizações, e porque é a partir destas observações que
se inicia a segunda parte do livro, deve-se destacar que elas continuam absolutamente corretas e vigentes. O autor pretende comparar os textos jornalísticos de
Portugal com os do Brasil. Parte de uma classificação anteriormente apresentada
por José Marques de Melo13, distinguindo entre jornalismo informativo (nota,
notícia, reportagem e entrevista) e jornalismo opinativo (editorial, comentário,
artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta). Em seguida, propõe uma
periodização que, sem ser apenas histórica ou vinculada exclusivamente à evolução da imprensa brasileira, acaba se refletindo sobre as práticas da imprensa,
notadamente quanto aos objetivos que ele tem em vista, e que ele denomina
de político-cultural14. A partir daí, faz uma seleção dos jornais a serem tomados
como corpus do estudo. O mesmo processo ele realizará com os jornais portugueses, mas com uma variante. Depois de estudar detidamente a prática dos jornais brasileiros, Chaparro limita-se a compará-la com a dos jornais portugueses.
Assim, ele faz os seguintes registros sobre a imprensa brasileira:
12. Ver, a respeito, LIMA, Helena – A imprensa portuense e os desafios da modernização,
Lisboa, Horizonte/Centro de Investigação Media e Jornalismo. 2011.
13. MELO, José Marques – A opinião no jornalismo brasileiro, Petrópolis, Vozes. 1994.
14. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., p. 112.
Manuel Carlos Chaparro
159
1. A alteração mais significativa nas formas discursivas do jornalismo
brasileiro ocorreu entre 1985 e 1994, com o crescimento dos chamados espaços de “serviço” dos jornais. Isso significa que, neste período, o jornal ficou mais atento aos (pseudo)interesses do leitor;
2. Cresceram significativamente o que ele denomina de resumos didáticos sobre os acontecimentos, o que, na perspectiva da agenda
setting, chamamos de efeito enciclopédia das matérias, de que os
editores estão bastante cientes. Aqui, mais uma vez, destaca-se a
perspectiva de levar em conta os interesses (ou a pretensa ignorância?) dos leitores;
3. Há certa relação entre a liberdade política e as formas discursivas dos
jornais: maior liberdade, maior área opinativa;
4. O artigo e a reportagem são as espécies discursivas mais presentes no
jornalismo brasileiro;
5. A importância da notícia decresceu durante o período ditatorial e
tornou a crescer após o final da ditadura;
6. A coluna marca fortemente a identidade do jornalismo brasileiro;
7. A entrevista teria um caráter híbrido quanto à intencionalidade e
aos efeitos de seus conteúdos;
8. A crônica é outra forte identidade do jornalismo brasileiro;
9. A história em quadrinhos firmou-se nas páginas dos jornais brasileiros, crescendo gradativamente;
10. Acontecimentos de grande impacto alteram significativamente as
rotinas dos jornais brasileiros;
11. Os textos de reportagens, notícias, entrevistas, artigos e colunas
mostram que cresce a hibridação entre jornalismo informativo e
jornalismo opinativo15.
A partir deste levantamento exaustivo, Chaparro propõe, então, que se considerem dois tipos de gêneros, o comentário e o relato, cada um deles subdividido em outros conjuntos:
Relato: espécies narrativas (notícia, reportagem, entrevista, coluna) e espécies práticas (roteiros, indicadores econômicos, agendamentos, previsão do tempo, consultas e orientações úteis);
15. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., entre as páginas 119 e 136.
160
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Comentário: espécies argumentativas (artigo, coluna, carta) e espécies
gráfico-artísticas (caricatura e charge)16.
Ele parte, então, para a comparação entre a imprensa brasileira e a portuguesa, chegando aos seguintes resultados:
1. As formas discursivas da imprensa diária brasileira são mais diversificadas em relação à imprensa diária portuguesa. Tal conclusão indicaria uma adesão mais decidida da imprensa brasileira aos padrões
da imprensa capitalista;
2. Pelos mesmos motivos, o espaço de serviço também é maior na imprensa brasileira que na de Portugal;
3. Ainda em decorrência da primeira observação, o propósito de conquista
do leitor está mais explícita na imprensa brasileira do que na lusitana;
4. O gênero relato é maior na amostra brasileira, mas não chega a ser
significativo;
5. Os jornais portugueses são mais editorializados do que os brasileiros;
6. A Coluna, marca forte da imprensa brasileira, praticamente inexiste
na imprensa portuguesa;
7. Também os editorais são mais importantes na imprensa brasileira do
que na portuguesa;
8. O artigo, em relação ao Comentário, e a Reportagem, em relação ao
Relato, são os gêneros mais presentes em ambas as imprensas;
9. A chamada action story, segundo a classificação de Carl Warren,
praticamente desapareceu na imprensa de ambos os países, o que
poderia indicar que, cada vez mais, os repórteres já não saem mais às
ruas em busca dos acontecimentos17;
10. O espaço ocupado pela publicidade tem crescido significativamente, sobretudo em termos brasileiros.
16. Idem, op. cit., p.178.
17. WARREN, Carl – Gêneros periodísticos informativos, Barcelona, ATE, 1975. A afirmação deve ser observada sob dois aspectos: de fato, e ao menos no Brasil, tem-se acusado
os jornalistas de se tornarem demasiadamente burocráticos, cumprindo suas pautas a
partir da redação, através do telefone ou da internet. Por outro lado, verifica-se que,
nos jornais europeus, e em alguns brasileiros, a grande reportagem, ou o chamado
jornalismo investigativo tem sido valorizado, pois seria ele que faria a diferença com o
jornalismo da internet, do rádio e da televisão.
Manuel Carlos Chaparro
161
O autor conclui seu trabalho destacando, mais uma vez, o princípio que é
central em toda a sua obra e sua vida, e que por isso mesmo levou-me a referir alguns dados biográficos, porque entendo que eles marcam esta perspectiva
crítica por ele adotada, e assim quero concluir, enfatizando o que ele próprio
enfatiza:
Lá atrás escrevi: ‘A boa reportagem é sempre resultado da existência e da
relação solidária, bem articulada, de três precondições: um bom repórter,
um bom assunto, um bom motivo’. Do bom repórter e do bom assunto, o
que importa dizer está dito. Quanto ao bom motivo, basta uma frase: sem
razões éticas, não haverá bom repórter, nem bom assunto, nem boa reportagem, porque todas as razões do bom jornalismo têm de ser razões éticas18.
A atualidade de ambos os livros aqui mencionados, por isso mesmo, continua absoluta, justamente porque ambas as obras reconhecem a importância da
ética como a principal norteadora da ação jornalística. Este é um princípio que
não se aprende nos cursinhos de atualização que as próprias empresas gostam
de ministrar aos candidatos a futuros postos de jornalista nas redações contemporâneas. É por isso que precisamos dos cursos universitários de jornalismo,
como, aliás, já o reconhecia o próprio Joseph Pulitzer, no distante ano de 1913.
Aquelas razões persistem, muito mais ampliadas, pela presença compulsiva das
chamadas novas tecnologias da informação e da comunicação, perspectiva, aliás,
que continua sendo valorizada, dentre outros, por Nelson Traquina, em Portugal, e José Marques de Melo, no Brasil.
18. CHAPARRO, Manuel Carlos – Sotaques d´aquém e d´além mar, op. cit., p.231.
162
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
A contribuição de Chaparro à
­Comunicação Organizacional
Wilson da Costa Bueno1
4.1
CHAPARRO
A carreira acadêmica e profissional do professor e jornalista
Manuel Carlos Chaparro representa contribuição relevante à
Comunicação Organizacional brasileira. Seus estudos e pesquisas, suas reflexões e sua atuação nas redações e nas organizações, evidenciam uma ousadia intelectual, marcada pelo
tom provocativo, pela desconstrução de verdades tidas como
definitivas e pelo compromisso com a postura ética que, segundo ele, deve pautar as relações entre as empresas, os meios
de comunicação e a sociedade. Este artigo revisita sua trajetória, resgata seu empenho em reorganizar conceitos e propor
teorias, e sua incansável disposição para olhar a comunicação
e o jornalismo além de suas competências técnicas.
O Perfil de um Provocador
Assumir a incumbência de analisar a contribuição acadêmica
e profissional de Manuel Carlos Chaparro, ainda que a partir
de um foco particular – a Comunicação Organizacional ou
1. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP, jornalista, tem mestrado e doutorado em Comunicação (USP).
Manuel Carlos Chaparro
163
mais especificamente o Jornalismo Empresarial e a Assessoria de Imprensa – é,
ao mesmo tempo, uma tarefa complexa, agradável e desafiadora. A trajetória do
professor Chaparro é longa (ele atua como jornalista há mais de 55 anos, dos
quais mais de 50 no Brasil), sua produção é ampla e diversificada e sua personalidade forte o encaminha quase sempre para o enfrentamento de temas complexos
com uma perspectiva inovadora, resultado de uma ousadia intelectual, de uma
experiência consolidada, de uma reflexão profícua e de uma indiscutível lucidez.
Chaparro não apenas tem se obrigado a estabelecer rupturas com visões estabelecidas, muitas vezes repetidas sem o devido questionamento ou a necessária
atualização, mas se propõe a incomodar os teóricos e práticos “de plantão”, buscando insistentemente deslocá-los de sua zona de conforto. Por princípio, tende
a não ser complacente com aqueles que constroem ou reproduzem análises superficiais no universo da comunicação e do jornalismo brasileiros e os inquieta
com sua fala e pena afiadas. Como norma, privilegia fatos em detrimento de
versões, revisita conceitos e estratégias tradicionais, não se satisfaz com avaliações e cenários superficiais e descarta conclusões que se pretendem definitivas.
Parodiando Euclides da Cunha, é possível dizer que o professor Chaparro é,
antes de tudo, um provocador. Mas um provocador que se empenha em justificar as suas críticas, muitas vezes ácidas, que não teme expressar ideias ou opiniões que conflitam com o consenso porque as respalda em estudos e pesquisas.
Trata-se de um acadêmico que jamais deu as costas ao mercado profissional, e
que tem buscado alinhar teoria e prática com invejável competência.
Sua carreira de jornalista teve início em 1957, em Lisboa, mas tem vínculo indissociável com o jornalismo e a comunicação de nosso país, para onde
migrou em 1961. De lá para cá, trabalhou, como repórter, editor e articulista,
em periódicos (jornais e revistas) de prestígio, sendo contemplado, em quatro
oportunidades, com o prêmio Esso, a nossa mais cobiçada láurea jornalística.
Diferentemente de boa parte dos velhos jornalistas, Chaparro não ignorou a
importância da formação acadêmica e, em 1982, com quase 50 anos, obteve o
seu diploma de bacharel em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo (ECA/USP). Mas não parou por aí: 15 anos depois
já era livre-docente da USP, depois de ter concluído o seu mestrado e doutorado. Ainda mais: dois anos após a sua graduação, ele já integrava o corpo docente
da ECA/USP, da qual se aposentou em 2001.
O jornalista e professor Chaparro tem 5 livros publicados, um deles em
coautoria com Wilson Martins e Norma Alcântara, intitulado Imprensa na Berlinda (2004), outro deles um livro-reportagem (Padre Romano - Profeta da Libertação Operária, 2006) e três especificamente sobre Jornalismo: Pragmática do
Jornalismo (1994), Sotaques d’aquém e d’além-mar - Percursos e gêneros do jorna164
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
lismo português e brasileiro, em 1998 (título da edição portuguesa que, na edição
nacional, de 2008, teve como título Sotaques d’aquém e d’além-mar – travessias
para uma nova teoria de gêneros jornalísticos) e Linguagem dos Conflitos, 2001,
este também publicado em Portugal.
Atualmente, Chaparro se dedica ao seu espaço virtual - O Xis da Questão,
originalmente um blog, criado em 2007, e que sofreu ampla remodelação em
2012, com a incorporação de uma estrutura de site, onde analisa e comenta
temas atuais e relevantes da comunicação e do jornalismo, mas também da realidade brasileira de maneira geral. A sua contribuição à área não está limitada, no
entanto, à sua participação bem sucedida na grande imprensa ou na academia.
Chaparro destacou-se ainda pela sua militância na Juventude Católica Operária, tendo sido repórter e redator do jornal Juventude Operária que combatia a
ditadura de Salazar, em Portugal, e, já no Brasil, pela edição do semanário A
Ordem, também vinculado à Igreja Católica, voltado para os temas e problemas
da região nordestina.
O jornalismo empresarial e a comunicação organizacional foram – e continuam sendo, ainda que de maneira não prioritária – objeto da atenção de
Chaparro, que a eles se dedicou de maneira intensa por mais de duas décadas de
sua vida profissional, entre os anos de 1964 e 1989. O seu relacionamento com
essas áreas e sua contribuição, teórica e prática, constituem o foco desse nosso
artigo e serão detalhados mais adiante.
O Jornalismo Fora das Redações
A aproximação entre o jornalismo e a gestão das organizações ocorreu, para
o professor Chaparro, a partir de 1964, quando convidado a coordenar a assessoria de imprensa da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em Recife, onde permaneceu até 1996. Depois de uma breve passagem
pelo Diário de Pernambuco e pela Folha de S. Paulo, ele retomou seu contato em
1968 com a comunicação empresarial, cuidando de projetos de comunicação
com os públicos internos e externos da Ultragaz.
Chaparro iniciou, então, a partir desta data, uma ampla e intensa convivência com o jornalismo empresarial ou institucional e com o trabalho de relacionamento com a mídia, que culminou com a fundação, no final da década de
60, da Proal – Programação e Assessoria Editorial S/C Ltda., agência de que
era sócio e que ganhou enorme destaque nos anos seguintes pela realização de
trabalhos para grandes empresas (Philips, GM, Siemens, Pirelli, outras). Merece
menção ainda o lançamento dos Cadernos Proal, uma publicação que fez escola
Manuel Carlos Chaparro
165
por cerca de uma década, com foco no jornalismo empresarial, ainda hoje revisitada para o resgate da história da Comunicação Empresarial em nosso país.
Este período de intensa participação na área empresarial revelou a postura do
jornalista português e o seu compromisso com a ética, que o iriam acompanhar
ao longo de sua trajetória acadêmica e profissional. Na SUDENE, por exemplo,
rompeu de vez com uma prática nefasta que ainda pode ser encontrada em inúmeros ambientes do mercado: o jornalismo “chapa branca”, que se apoiava na
figura do “jeton”, remunerações e privilégios adicionais concedidos por órgãos
públicos, que serviam ao mesmo tempo para favorecer determinados jornalistas e para degradar a profissão. Logo que assumiu a assessoria de imprensa da
entidade, Chaparro proibiu o “jeton” e as matérias pagas, rompendo com uma
lamentável tradição jornalística. Em extenso depoimento a Camilo Antônio de
Assis Barbosa (2008), ele recorda desse momento e dessa postura não ética dos
jornalistas brasileiros que mereceram imediatamente o seu repúdio:
Na fachada o jornalismo brasileiro era de diários, sem censura. Mas, na
prática, era vendido. Quase não existia um trabalho de denúncia, de investigação. Tive um colega com 13 empregos públicos e o pessoal achava
isso sinônimo de esperteza. Na SUDENE, minha primeira atitude foi
cortar e proibir o jeton. (p.91)
Ainda na SUDENE, implantou uma iniciativa pioneira para a época: consolidou a organização como fonte jornalística, promovendo a construção de acervos e banco de informações. Com isso, ela capacitou-se para oferecer subsídios
para a construção de reportagens jornalísticas, projetando-se como parceira dos
veículos e dos jornalistas em particular. Essa preocupação com a capacitação das
organizações como fonte, que inclui a formação de competentes “porta-vozes”,
marcará inclusive a produção acadêmica do professor Chaparro e está sobretudo
consubstanciada em sua dissertação de mestrado, que tem como título A notícia
(bem) tratada na fonte – Novo conceito para uma nova prática de Assessoria de
Imprensa (1987), sob a orientação de Francisco Gaudêncio Torquato do Rego,
seu professor e que tinha também sido seu sócio na Proal.
A concepção de assessoria de imprensa advogada pelo professor Chaparro era
particularmente avançada para a época e se respaldava em três pressupostos básicos, que norteiam o seu primeiro trabalho na pós-graduação. São eles (1987, p.3):
A assessoria de imprensa deve assumir, como único público, os jornalistas profissionalmente atuantes nos meios de comunicação social, respeitando-lhes o direito de decidirem sobre o quê e como deve ser divulgado.
166
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
A assessoria de imprensa, enquanto atividade jornalística, só deve divulgar informações de interesse público, fazendo-as chegar, plena e oportunamente, aos jornalistas que têm a responsabilidade de definir os conteúdos e as intenções dos meios de comunicação social.
A assessoria de imprensa deve atuar nas instituições ou organizações
como extensões das redações, facilitando – jamais obstruindo – o acesso
às informações de interesse público.
Em sintonia com a maneira pela qual contempla o fazer jornalístico de maneira geral, ele insistia na tese de que a assessoria de imprensa não poderia reduzir-se a uma instância meramente tática ou operacional: “[...] é uma atividade
jornalística, tanto nas exigências técnicas quantas nas implicações éticas. Mais:
tem que ser um trabalho reservado a jornalistas decentes...” (1987, p.7). Neste
sentido, ainda que não condenasse a prática do release, Chaparro tinha restrições importantes para os procedimentos usuais da atividade de relacionamento
com a mídia que, muitas vezes, confundia equivocadamente jornalismo com
propaganda e, como jornalista tradicional, incomodava-se com o que chamava
de “promiscuidade entre Relações Públicas, Publicidade, Propaganda, Marketing
e Jornalismo” (1987, p.18). Ele julgava, inclusive, que a assessoria de imprensa
não deveria ser uma prática extensiva a todas as organizações, mas postulava de
maneira contundente: “a assessoria de imprensa deve restringir-se a organizações
ou entidades que, por suas finalidades e ação, tenham a aptidão e o dever de gerar
fatos – portanto, informações – de relevância social, política e/ou científica.”
Com uma perspectiva que reproduzia o embate, ainda vigoroso a essa época
e que não se extinguiu por completo em nossos dias, entre os jornalistas e os
relações públicas, Chaparro ia mais além em suas considerações:
Enquanto atividade de divulgação de informações de interesse público, a
atividade jornalística de assessoria de imprensa deve libertar-se das raízes
que a ligam, originariamente, às áreas de Relações Públicas. E romper,
também, as amarras que, em tempos mais recentes, a atrelaram às funções e aos propósitos do marketing e do “lobby”. (1987, p.21-2)
No capítulo I da sua dissertação, com o sugestivo subtítulo de Um produto
do capitalismo selvagem, ele aprofunda essa reflexão, buscando resgatar a história das Relações Públicas a partir de alguns autores que tiveram a iniciativa de
relatá-la, como os brasileiros Cândido Teobaldo de Souza Andrade e Hebe Wey,
e os franceses Jean Chaumely e Denis Huisman, para concluir que a própria
Manuel Carlos Chaparro
167
prática e filosofia das Relações Públicas assumiram novos contornos ao longo
do tempo. Já nessa época, antecipando-se a uma visão moderna que, pouco a
pouco, ganharia força mesmo entre os jornalistas, reconhecia que as Relações
Públicas não estavam necessariamente associadas a deslizes éticos ou ausência de
profissionalismo, de alguma forma contemplando uma nova realidade para essa
emergente competência em comunicação.
Também, em sua dissertação, Chaparro resgata a origem e a consolidação do
trabalho de assessoria de imprensa no Brasil pelo fortalecimento das estruturas
de comunicação nas organizações e chama a atenção para o vínculo obrigatório
entre o Jornalismo (que inclui, a seu ver, a assessoria de imprensa) e o interesse
público, que pode, simplificadamente, ser traduzido pelo “dever de informar”.
O direito à informação, na perspectiva de Desantes, entre outras razões,
se baseia no fato de que “a liberdade da inteligência tem necessidade
da notícia para ampliar seu horizonte”. Mais: “a notícia está na base do
processo decisório”.
Portanto, em relação às instituições que produzem decisões, saber e atos
que interferem com o interesse público, existe um dever de informar. Eis,
pois, o objeto e o sentido de atuação da Assessoria de Imprensa: lidar,
nessas instituições, com a informação de interesse público, assegurando-lhe fluxos e qualidade para que chegue plena, atual e verdadeira aos
meios de comunicação. (CHAPARRO, 1987, p. 86-87).
Chaparro, porém, não abre mão da exclusividade da assessoria de imprensa
para os jornalistas, mantendo um tom que marcou boa parte deste primeiro
período de crescimento da comunicação empresarial em nosso país. Nas conclusões de sua dissertação, ele é contundente: “assessoria de imprensa é uma atividade jornalística. Como tal: 1) deve ser profissionalmente confiada a jornalistas
devidamente habilitados.” (1987, p.144).
No que diz respeito ao press-release, ele não apenas postula mas pratica uma
nova forma de relacionamento com a mídia, tanto explicitada em sua dissertação de mestrado como em sua atuação profissional junto à Coordenadoria
de Atividades Culturais (CODAC), órgão ligado à administração central da
Universidade de São Paulo (USP). Chaparro institui o chamado “Pré-pauta”,
ou seja, um boletim destinado aos jornalistas que trazia informações atuais e
relevantes sobre a produção científica, cultural e de extensão da universidade. A
proposta do “Pré-pauta” era privilegiar a informação de qualidade e estimular o
relacionamento com as redações e teve, de imediato, ampla aceitação pela imprensa, não apenas porque favorecia a produção de notícias e reportagens tendo
168
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
a USP como fonte, mas porque estabelecia uma nova forma de interação, pautada por critérios jornalísticos e não propagandísticos, como foi (e em muitos
casos ainda tem sido) a proposta dos releases encaminhados aos veículos e aos
profissionais de imprensa.
O “Pré-pauta”, além de sua instância técnica – disseminação de informações
qualificadas e de interesse público – incluía o que Chaparro denominava de alguns “procedimentos padrão”, todos eles comprometidos com uma perspectiva
ética, que não admitia qualquer forma de pressão sobre os jornalistas, respeitava
a sua autonomia sobre a publicação ou não de informações e pregava o pronto
atendimento às redações. Nas palavras de Chaparro (1987, p.98), esses procedimentos poderiam ser assim explicitados:
1) Jamais solicitar dos jornalistas usuários a divulgação ou aproveitamento de qualquer matéria proposta pelo “Pré-Pauta”.
2) Fazer a intermediação entre as redações e as fontes somente a pedido
dos jornalistas, quando tal procedimento for do seu interesse.
3) Atender prontamente, e sem cobranças de aproveitamento, as solicitações da imprensa.
A contribuição de Chaparro para uma nova proposta ou mesmo para uma
teoria da assessoria de imprensa pode ser avaliada pelo fenômeno que ele caracteriza como o da “revolução das fontes”.
No cenário novo da informação, a instantaneidade e a abrangência ilimitada da difusão eliminaram os intervalos de tempo entre o momento da
materialização dos fatos e sua divulgação em forma de notícia. E esse é
um detalhe de extraordinária importância, se levarmos em conta a combinação de duas variáveis: (1) com a eliminação do intervalo entre o fato
e seu relato, a notícia passou a fazer parte do acontecimento; (2) formatado como notícia, o acontecimento ganha eficácia de ação discursiva, para
confrontos e efeito imediatos.
A notícia tornou-se produto abundante nas relações humanas globalizadas. Inundou as redações. Porque hoje noticiar é a forma mais eficaz de
interferir no mundo. (2002, p. 49)
Esse novo cenário, explica ele, faz emergir uma nova realidade, em que as
pessoas, enquanto fontes, são substituídas pelas organizações, que, em função
disso, buscam capacitar-se (e capacitar os seus porta-vozes) para desempenhar a
contento esse papel estratégico.
Manuel Carlos Chaparro
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As fontes deixaram de ser pessoas que detinham ou retinham informações. Passaram a ser instituições produtoras
ostensivas dos conteúdos de atualidade – fatos, falas, saberes, produtos e serviços com atributos de notícia. Pensam,
agem e dizem pelo que noticiam, exercitando aptidões
que lhes garantem espaço próprio nos processos jornalísticos, nos quais agem como agentes geradores de notícias,
reportagens, entrevistas e até artigos. (2002 p. 49).
Vale ressaltar, no entanto, que, ao que parece, ao longo do tempo, Chaparro
acaba flexibilizando a sua rígida percepção sobre o primado do interesse público
para o trabalho de relacionamento com a mídia, reconhecendo que esta atividade jornalística particular – a assessoria de imprensa – tem algumas singularidades, porque, inevitavelmente, em função das intenções das fontes institucionais,
ela tangencia a propaganda.
Da época de sua dissertação, quando se mantinha absolutamente comprometido com o interesse público visto de maneira estrita, a ponto, como vimos,
de expressar que as organizações não afinadas com o interesse público não deveriam praticar a assessoria de imprensa, a escritos mais recentes, sua posição
tornou-se menos rígida ou ficou mais clara. Ele começa a aceitar a negociação
saudável, ética, entre os interesses públicos e privados, talvez incorporando discursos e práticas recentes que promovem a aproximação de muitas organizações
com a chamada autêntica responsabilidade social.
Admitindo a importância das fontes empresariais para o jornalismo moderno e a necessidade que as organizações têm de incrementar a sua participação
no debate de temas atuais pelos meios de comunicação, ele propõe agora um
diálogo entre o interesse público e o interesse particular, já não vistos como
antagônicos. Ele se indaga sobre a existência a esse respeito de um conflito autêntico entre as duas partes (imprensa e instituições) e conclui (2002, p.50):
Penso que não. Trata-se de um falso conflito. Porque não se deve cair na simplificação de ver no interesse público o valor que se opõe ao interesse particular. Essa seria a lógica moralista, como se de um lado estivesse o bem, do outro, o mal. O que se opõe a um interesse particular é outro interesse particular.
E o jornalismo não tem como, nem por que, temer ou desprezar os interesses
particulares; além de legítimos, está neles a engrenagem dos conflitos de atualidade, dos quais o jornalismo ocupa-se, com as ferramentas do relato veraz
e do comentário independente. Sem os discursos e as ações dos interesses
particulares em conflito, o jornalismo não teria o que noticiar...
170
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Em algumas entrevistas, como a concedida a Paulo Nassar e a Vítor Baltasar
e publicada em uma das revistas da ABERJE – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, reconhece que tanto o jornalismo empresarial como o das
redações tem suas limitações e chega a admitir que as condições de trabalho, em
algumas organizações, são melhores do que as existentes nas redações, levando-se em conta, por exemplo, atributos com a da eficácia e da humanização (NASSAR; BALTASAR, 2000, p.8).:
Na verdade, o jornalismo empresarial está mais perto das pessoas, é mais
eficaz na realização de uma comunicação humanizada e está sujeito a
rigores críticos bem mais severos do que na grande imprensa porque fala
de realidades que os públicos conhecem muito bem. É muito mais difícil
e arriscado mentir num jornal de empresa do que num jornal ou revista
da grande imprensa.
Essa perspectiva crítica em relação à imprensa era menos acentuada por ocasião de sua dissertação de mestrado, talvez porque o seu foco eram os jornalistas
das assessorias e suas práticas nem sempre saudáveis (matérias pagas, “jeton”,
prevalência do jornalismo “chapa branca” etc.). De qualquer forma, sua perspectiva em relação a estas duas atividades não se modificou e tem se mantido
alinhada à obrigatoriedade de uma postura ética irrepreensível.
É verdade que o foco da produção e do interesse do professor Chaparro se
desviou, nos últimos anos, para outros territórios, em direção, como indica José
Marques de Melo (2004), a uma teoria da ação jornalística, explicitada em seu
doutorado, e ao esforço, academicamente reconhecido, de contribuir para a temática dos gêneros jornalísticos, presente em sua livre docência e em obras publicadas no Brasil e em Portugal. Mesmo assim, ele, ainda que com menos frequência do que em décadas anteriores, não abriu mão de pensar e escrever sobre a
Comunicação Organizacional. Particularmente, não tem ignorado as mudanças
profundas que vêm impactando a comunicação das organizações, em particular
com a emergência das redes e mídias sociais, nem tem se descuidado de revisitar
conceitos que, como denuncia, são assumidos como “modismos de rótulos”.
Merece, neste sentido, particular destaque um de seus textos, que sintetiza
palestra proferida no Seminário Banco do Brasil e que trata da chamada “comunicação integrada”. Nele, Chaparro (2010, p.1-2) explicita um novo conceito
para caracterizar essa expressão: “ comunicação integrada é saber estratégico e
um poder criador para o dizer pragmático das organizações, no uso competente
das linguagens de comunicação em cenários competitivos do mundo globalizado”. Ainda que possamos admitir que o conceito, explicitado dessa forma,
Manuel Carlos Chaparro
171
e o texto que lhe dá suporte não permitem que cheguemos a uma proposta
operacionalmente clara, que indique como tornar a comunicação integrada nas
organizações, é importante perceber que ele se refere a atributos básicos da comunicação corporativa em nossos dias: o saber estratégico, o dizer pragmático,
a questão das linguagens ou discursos, a competição acirrada e a globalização
como processo inevitável.
A comunicação, como acentua Chaparro, não pode permanecer refém de
uma perspectiva meramente tática, mas deve afirmar-se como estratégica e isso
significa estar colada aos negócios, à cultura e à gestão das organizações, dispor
de metodologias competentes de avaliação, incorporar o planejamento e o espírito investigativo. Ele, apoiado em Castells, refere-se às mudanças paradigmáticas das noções de tempo e espaço no mundo moderno e entende a comunicação
contemporânea como um processo que deve dar conta de uma realidade: “os
embates no espaço dos fluxos passaram a ter natureza estratégico-discursiva”.
Propõe, ainda recorrendo a Castell, a atenção e a obediência a três verdades que
irão fundamentar a chamada comunicação integrada.
A primeira delas ensina que “as ações concretas de comunicação [...] exigem
o controle de um novo saber estratégico, capaz de potencializar resultados em
função de objetivos” (2010, p.5). A segunda fixa duas competências essenciais
e complementares: “a competência de gerar conteúdos e a de socializá-los nos
espaços dos fluxos e na intemporalidade do tempo”. (2010, p.5).
Finalmente, Chaparro (2010, p.6) postula uma terceira verdade que resume a
sua proposta para uma comunicação integrada comprometida com a cidadania:
no exercício do poder de gerar e socializar conteúdos relevantes, jamais se
deve perder a perspectiva de que somos responsáveis, moral e eticamente,
pelo nosso agir comunicacional. A responsabilidade pode ser resumida
em uma frase simples (talvez até simplista), que me atrevo a dizer aqui:
o nosso poder, a nossa competência, as nossas artes jamais devem servir
para enganar os outros, seja pelo jornalista, pelo relações públicas ou pelo
publicitário, em qualquer dos ramos da comunicação social por meio dos
quais agimos e interagimos nos processos sociais. A mentira é, inevitavelmente, a fraude da comunicação social.
Numa época, em que muitas organizações (e os comunicadores que a ela servem)
optam por maquiar o discurso institucional, descolando-o da realidade, preferindo
lançar mão de posturas não éticas para o processo (felizmente cada vez menos exitoso)
de limpeza de sua imagem, as lições do professor Chaparro merecem ser lembradas.
Parodiando o seu blog, é importante dizer que a ética, a transparência e o profissionalismo, características de sua íntegra trajetória, são, efetivamente, “o xis da questão”.
172
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Referências
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Vista/SP: UNIFAE, 2008. Vol 2, n2, p. 90-92. Disponível em: <http://www.
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Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/admin/arquivos/artigos/2012_7_31_14_33_11_43153.pdf. Acesso em 30/06/2013>.
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São Paulo:Hucitec, 2006.
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CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d’aquém e d’além-mar - Percursos e gêneros do jornalismo português e brasileiro. Santarém/Portugal: Jortejo, 1998.
Manuel Carlos Chaparro
173
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NASSAR, Paulo; BALTAZAR, Vítor. A revolução das fontes. 2000. Disponível em: <http://www.aberje.com.br/revista/antigas/rev_36_entrevistarev.htm>.
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RUFINO, Daiane. Manuel Carlos Chaparro e a busca de um jornalismo social.
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174
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
O padre, os operários e o jornalista
Dimas A. Künsch1
4.1
CHAPARRO
Mas há alguém que quando a criança [o livro] era
apenas um embrião assumiu com garra de pai, de
parteiro, de autor, enfim, a responsabilidade de
fazê-la vir à luz, o jornalista Manuel Carlos Chaparro, português de origem, com passagem marcante pelo Recife, nos anos 60, quando conheceu pessoalmente o Pe. Romano e com ele colaborou, por
sinal, na produção de escritos que marcaram época
no cenário da vida e da luta operária nesta cidade.
Agradecer é preciso...
Em Padre Romano: profeta da libertação
operária, p. 9
1. Professor de graduação e de pós-graduação e coordenador do Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Doutor em Comunicação pela Universidade
de São Paulo (USP). E-mail: [email protected].
Manuel Carlos Chaparro
175
CHAPARRO, Manuel Carlos. Padre Romano: profeta da libertação operária.
São Paulo: Hucitec, 2006.
“A infiltração comunista e a miséria do meio operário exigem um sacerdote
que se consagre de maneira especial à evangelização deste meio.” Assim se expressava o arcebispo D. Carlos Coelho, em carta de 13 de abril de 1962, por
meio da qual era formalizado o convite ao sacerdote suíço Romain Zufferey – o
padre Romano – a trabalhar na Arquidiocese de Olinda e Recife, no acompanhamento dos operários cristãos.
Atento aos fatos do Nordeste de então, que conheceu tão de perto quanto
possível, vivendo e militando por lá, o autor de Padre Romano: profeta da libertação operária, o jornalista e professor Manuel Carlos Chaparro, observa, em nota
de rodapé: “neste trecho da carta de D. Carlos Coelho se manifesta o medo do
comunismo, síndrome da época que prejudicava a percepção da fome e da sede
de justiça que marcavam o sofrimento do povo” (CHAPARRO, 2006, p. 50).2
Em plena Semana da Pátria do ano de 1962, no dia 4 de setembro, Romano
desembarca no aeroporto dos Guararapes, vindo de Belém do Pará. “Chega
de calça e paletó, vestido de homem”, observa Chaparro. “Parece pouco, mas,
naqueles tempos, era algo revolucionário. O bispo lhe concedera licença prévia
para tais liberdades. Bastava vestir batina quando celebrasse a missa.”
Os anos passam. No dia 7 de junho de 1977, bem no meio dos preparativos para aquela que teria sido a segunda viagem à sua pátria em mais de duas
décadas de trabalho pastoral no Brasil, Romano recebe uma intimação. Na data
e hora marcadas (11 de julho, às 9h), deveria comparecer à Superintendência
Regional da Polícia Federal em Pernambuco “para ser notificado de instauração
de inquérito”. O suíço, que há tempo fizera do Brasil sua nova pátria, tinha
se tornado “nocivo e perigoso à conveniência dos interesses nacionais”, como
expressou o delegado João de Deus Cardoso, chefe da Dops/SR/DPF/PE, num
informe do dia 9 de novembro de 1976. “Fosse apenas uma publicação do Partido Comunista, e não haveria razões para maiores preocupações”, podia-se ler
em outro informe, do mês anterior (12 de outubro de 1976):
Mas é a Igreja, através de movimentos dirigidos por seus sacerdotes, que
está difundindo o comunismo. A Ação Católica Operária – ACO, organizada e dirigida pelo Pe. Romain Zufferey, com sede na rua Gervásio
2. Passo a citar daqui em diante de forma livre trechos da obra. Simplificando os procedimentos,
faço também justiça ao gênero livro-reportagem, que merece ser lido em seu todo.
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Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Pires, 404 – Recife, estabelecida com a Livraria Diálogo, juntamente
com os órgãos de propaganda política da Arquidiocese de Olinda e Recife [...], é hoje a organização mais ativa na difusão de livros, publicações,
panfletos e ideias amotinadoras defendidas pelos “progressistas católicos”.
Os órgãos de repressão, no caso específico do último informe citado, sentiam-se horrorizados com o livro 100 anos de suor e sangue, a história de vida do
operário Manuel do Ó, considerado por eles “mais uma cartilha da subversão,
que ensina e difunde as técnicas comunistas para os movimentos paredistas;
um panfleto que empana as conquistas do sindicalismo democrático no Brasil,
apenas porque não foram obtidas com o derramamento de sangue”.
Em suma, o padre estrangeiro, cuja vinda para o Brasil o arcebispo de Olinda e Recife de então saudara vivamente no contexto de suas preocupações com
a infiltração comunista e a miséria dos operários, tinha virado comunista. Dos
piores. É o que pensavam os órgãos repressivos, que o vinham vigiando há bastante tempo. E pensar assim, todo mundo sabe, nos tempos da Ditadura, não
significava pouco. Nem nada de bom. Iriam expulsá-lo do país. Rapidamente,
com o respaldo da lei. A Lei de Segurança Nacional.
Opção pelos operários vinha de longe
Romano não era alguém de quem se pudesse dizer que “se converteu” ao
povo, aos pobres, aos operários, depois de ter visto como andavam as coisas
nesse pedaço de mundo em que decidiu viver e trabalhar como sacerdote e militante cristão. E as coisas andavam de fato mal no Nordeste brasileiro nos anos
em que lá trabalhou – foram 23 ao todo, até a sua morte, em fevereiro de 1985.
A “conversão” se deu antes, na Suíça. Ao desembarcar no aeroporto de Recife, em 1962, aos 51 anos de idade (nasceu no dia 23 de dezembro de 1910),
Romano tinha a exata noção do que queria. A fé em Jesus Cristo e o seguimento
de seu Evangelho já o tinham levado, bem antes, a se apaixonar pelas causas dos
operários. Ao chegar, a língua portuguesa era um bicho quase completamente
desconhecido para ele. Entendia pouco, e os interlocutores entendiam menos
ainda o que ele falava. Mas Romano tinha urgência. Nem bem dois meses haviam passado desde a sua chegada, e lá estava ele, em São Paulo, participando
do II Encontro Nacional da Ação Católica Operária, de 1º a 4 de novembro de
1962. O evento, como lembra Chaparro, foi “importante, decisivo para a consolidação da ACO, como movimento de âmbito nacional. A fundação da Ação
Católica Operária deu-se, de fato, em 1962”.
Manuel Carlos Chaparro
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O filho de Alexandre Zufferey e Marie Favre, o quinto de nove irmãos, sabia
o que significava ser operário, na época, em seu próprio país. O pai era um dos
três mil operários da usina de Chippis, de fundição de alumínio, no cantão suíço de Valais. Chaparro escreve, sobre a família de Romano:
[O pai] também trabalhava de sapateiro, além de cuidar do pedaço de
terra onde plantava trigo, centeio, legumes e hortaliças, além de criar gado
de pequeno porte. Havia também uma vinha. Além de cuidar das coisas
da casa, a mãe, Maria Favre, trabalhava na terra como agricultora. Na
família operária, três dos irmãos trabalhariam na construção civil, como
pedreiros; o caçula, Alexandre, seria operário da fábrica; duas das irmãs,
Catherine e Marie, se casariam com operários. Lucie, doente desde criança, colocaria as minguadas forças a serviço de uma comunidade de idosos.
A mãe sonhava para o filho Romain um futuro como mecânico, enquanto o
pai gostaria de vê-lo trabalhando no campo. Alheio a esses sonhos, aos 18 anos,
o jovem Romain entrou para o seminário. Ordenado padre em 1937, elegeu
como epígrafe do santinho da ordenação a seguinte frase do Evangelho de Lucas
(12,19): “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse
aceso”. Outra frase, não menos densa em seu conteúdo para a prática cristã,
acompanhava a primeira: “Deus é amor” (I Jo 4,16).
Não quis assumir paróquia. Preferiu a vida menos cômoda do serviço aos
trabalhadores e operários de sua terra. Foi designado capelão do canteiro de
obras da barragem de Moiry e da usina de Chippis:
Aí morou e conviveu com 2.500 trabalhadores. Assistente espiritual da Juventude Operária Católica (JOC), depois da Ação Católica Operária (ACO)
e do Movimento Popular das Famílias (MPF), foi o primeiro padre da sua
época, no Valais, a consagrar o seu ministério ao serviço da Classe Operária,
numa região onde a Igreja sempre esteve a serviço das famílias ricas.
“Ele nasceu e cresceu vendo as famílias sobreviverem da agricultura e do
trabalho na fábrica”, conta Roland, contemporâneo e amigo de Romano, em
um dos muitos depoimentos recolhidos na Suíça e no Brasil para a produção do
livro. Andava de fusquinha pela cidade, como nunca antes ninguém tinha visto
acontecer. Alugou um quarto e não parava nunca, “a ponto de o episcopado
suíço tremer de medo com o envolvimento dele nas lutas dos trabalhadores”,
afirma Laurent Sottas, um dos militantes da ACO suíça de então. “Quem se
juntava a Romain era malvisto pela Igreja oficial.”
178
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
“Entre 1935 e 1940, a JOC foi censurada pela Cúria, que queria levar o
movimento para dentro das paróquias, no atrelamento à Igreja”, acrescenta André Devanthéry, outro militante operário cristão. Romano discordava. Teve que
intervir junto ao bispo, recebendo dele a “garantia de que poderia continuar o
seu trabalho em paz”. Uma paz, aliás, que Romano, num certo sentido, nem
buscava. No melhor espírito evangélico, pensava em “lançar fogo sobre a terra”,
como Jesus. André continua:
[...] eles tinham medo da independência daquele padre que não fazia
distinção entre pessoas. Só ele era assim, inconformado com a injustiça,
com as agressões à dignidade do trabalhador. A Igreja, ao contrário, ensinava e recomendava a resignação. O bispo, em particular, era contra o
envolvimento de padres com os trabalhadores.
“Nós éramos muito malvistos pela Cúria”, completa Paul Adam, que encontrou Romano na JOC, em 1948:
O bispo nos chamou para uma reunião, com a presença de Romain, e eu
acabei radicalizando, dizendo que só falaria com quem me entendesse.
Então o padre Romain entrou no meio da conversa, numa tentativa de
conciliação, mas sem renunciar à nossa defesa. [...] O bispo acabou nos
expulsando, e eu, num daqueles arroubos comuns aos jovens, o ameacei:
“Não se atreva a mexer com o nosso padre!”.
“Romain sempre foi o mesmo padre, no Brasil e na Suíça. Nunca se afastou
dos mais oprimidos, aos quais se doava, e pelos quais lutava, com intensa sinceridade”, garantem os Adams, Agnes e Paul, um casal de amigos do Movimento
Popular das Famílias, que tem Romano como um de seus fundadores. “Romain
nos marcou com sua fidelidade ao compromisso com os mais pobres, na barragem de Moiry e na usina de Chippis. Já era, e sempre foi, um homem de esquerda. Depois, passamos a admirá-lo ainda mais, por se ter tornado o primeiro
padre suíço a ser enviado pela ACO ao Brasil”, testemunha Jean Queloz, um
antigo secretário-geral da ACO suíça.
Chaparro, o jornalista, lê à luz de sua fé cristã a decisão de Romano de deixar
a Suíça para entregar a vida aos operários no Brasil:
Diz a sabedoria dos mais velhos que, quando o homem chega aos cinquenta anos, idade da síntese, estágio privilegiado da visão, pode acontecer de Deus o chamar para alguma nova missão. E quando novos camiManuel Carlos Chaparro
179
nhos se assumem, novo homem surge. Assim aconteceu com Abraão, em
Ur, na Caldéia. Convocado para ser o pai de um povo, povo numeroso,
tão numeroso quanto as estrelas do céu ou a areia do mar, Abrão deixou
de ser, para se chamar Abraão. Assim aconteceu, também, com o padre
Romain Zufferey – que viria para o Brasil em 1962 e aqui se tornaria
padre Romano. Ou simplesmente Romano.
“Com apenas um mês de andanças, conversas, observações e estudos, já era
capaz de discernir o que de mais importante estava em jogo, naquelas semanas
de agitada campanha eleitoral”, aponta Chaparro. Romano escreve a amigos na
Suíça:
Pernambuco, sobretudo o Recife, está dividido entre duas orientações:
Cleofas, representando o capitalismo e todos aqueles que têm medo de
mudanças, e Arraes, homem do povo, representando o progresso e a esperança. Onde estão os cristãos? O PDC – Partido Democrata Cristão,
escolheu votar em Cleofas, por medo do comunismo. Realmente, os cristãos têm dificuldade em se colocar na “Linha da Esperança” do povo. Os
cristãos têm fé, mas raramente têm a coragem da esperança.
Tempos de Vaticano II, de Teologia da Libertação, de Ditaduras...
Padre Romano chega ao Recife numa época de muita ebulição na sociedade,
nos ambientes cristãos, no mundo. Trazia da Suíça o espírito de solidariedade
aos trabalhadores, na esteira do pensamento de um jovem padre belga, Joseph Cardijn. Na década de 20, Cardijn fundou a Juventude Operária Católica
(JOC), que acabou com o tempo se desdobrando em vários movimentos da
Ação Católica Especializada, espalhando-se por todos os continentes. Ganha
força e faz sucesso no movimento o método Ver, Julgar e Agir.
De 1962, o ano da chegada de Romano ao Brasil, a 1965, reuniam-se os
bispos em Roma para o Concílio Vaticano II, convocado pelo papa João XXIII
para ser um “novo sopro do Espírito Santo”, numa Igreja carente de mudanças.
Em 1964, no ano do golpe militar que lançaria o Brasil em vinte longos anos
de ditadura, chega a Pernambuco, como novo arcebispo de Olinda e Recife, D.
Hélder Câmara, mais que uma pedra, um prego de todo tamanho na bota dos
militares, uma voz das mais incômodas, Brasil e mundo afora. Vinha do Rio de
Janeiro, com a fama de nove anos antes ter contribuído decisivamente para a
fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB.
180
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Na América Latina acossada por ditaduras horríveis, ganham espaço os movimentos populares, as Comunidades Eclesiais de Base, a Teologia da Libertação
– e é impossível não perceber em tudo isso, numa parte difícil de dimensionar,
o protagonismo do Nordeste, das arquidioceses de Natal e de Olinda e Recife,
de Romano e... de Manuel Carlos Chaparro.
Jornalista desde meados dos anos 50, Chaparro começou exatamente como repórter e editor do jornal da Juventude Operária, em Lisboa. Militante cristão, filho
de operários, não resistiu ao convite do então bispo de Natal, D. Eugenio Sales, para
editar o jornal da diocese, A Ordem. Escapa às amarguras da ditadura salazarista em
sua pátria. Num Brasil em movimento, chega a Natal, em 1961, com a alma repleta
de bons propósitos e consciente de sua missão como jornalista e como cristão.
Um dos marcos desse momento de fervor cristão e social se dá em 1968, na
cidade colombiana de Medellín, onde se reúnem em conferência os bispos latino-americanos com a intenção prioritária de atualizar os conteúdos do Concílio
Vaticano II para o subcontinente. Não conseguem ficar surdos ao “clamor dos
pobres”. A opção preferencial pelos pobres se transforma numa espécie de leitmotiv da ação social da Igreja católica – e de outras Igrejas cristãs que se abrem
aos imperativos dos “sinais dos tempos”. Sem espaços políticos de atuação, os
movimentos sociais, muitas vezes com os cristãos à frente, empurram-se porta
das igrejas adentro, arrastando consigo dirigentes eclesiásticos tantas vezes mais
que acostumados ao bem-bom das sombras da caverna.
No início dos anos 70 é lançado o livro Teologia da Libertação, do sacerdote
peruano Gustavo Gutiérrez, o pai de um modo novo de fazer teologia, com o
olhar no céu e com mãos e pés bem firmes no chão da realidade. Gutiérrez, um
militante da ACO, passou pouco antes pelo Brasil para encontros com operários
e dirigentes cristãos, no final dos anos 60. Integrantes desse movimento, sobretudo da Juventude Operária Católica (JOC), tinham fundado, no início dos
anos 60, a Ação Popular (AP). O Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968,
só fez aumentar os horrores da repressão.
A vitalidade da ACO e dos movimentos cristãos de base nesse período se
faz notar, particularmente, em três obras que marcaram época “em momentos
de vigorosa intervenção da ACO na discussão pública brasileira e nordestina”,
como escreve Chaparro. Todas com a participação direta do padre Romano.
Em 1967, é lançado o manifesto Nordeste: desenvolvimento sem justiça – de que
Chaparro foi o redator principal. Três anos depois (1970) é a vez de Nordeste: o
homem proibido. E, no ano seguinte, sai pela editora Vozes, de Petrópolis-RJ, o
livro Manuel do Ó: 100 anos de suor e sangue, sobre a história sindical nordestina
a partir da biografia do líder anarquista Manuel do Ó, um sindicalista pernambucano do início do século.
Manuel Carlos Chaparro
181
Em 1973, os bispos do Nordeste rompem o silêncio:
Assinado por D. Hélder Câmara e pelos demais bispos da região, foi
lançado o documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, um texto
contundente e ousado, com vigor de grito de alerta e protesto, contra a
situação a que estavam submetidos os trabalhadores. O documento exacerbou ainda mais as iras do sistema contra a única entidade que ainda
ousava manifestar-se contra os abusos da repressão. A sede da ACO foi
invadida e vasculhada pelos agentes dos órgãos de segurança.
Padre Romano acompanha presos e torturados. Oferece conforto às famílias.
Resiste e chama à resistência. Há muito tempo previa que os militares poderiam
expulsá-lo do Brasil. Em carta de 30 de abril de 1972 ao núncio apostólico D.
Umberto Mozzani, o representante diplomático do Vaticano no Brasil, escreve:
“enquanto os militantes que acompanhei até hoje estão dando o testemunho
maior, eu, o assistente, me sinto ameaçado de expulsão. E é isso que não posso
aceitar”. Pedia ao núncio “o favor” de usar a sua influência para impedir que essa
expulsão se realizasse. Não pedia clemência, misericórdia, uma ajudinha para escapar aos riscos. Queria continuar no Brasil: “creio que a minha condição deve
continuar sendo a mesma que a dos militantes, quer dizer, ser preso, julgado e
punido no Brasil mesmo, conforme as leis do País”. Insistia, por diversas vezes,
na carta: queria ter “a possibilidade de uma solidariedade com o povo até o fim”.
O processo de sua expulsão, em 1977, levantou uma onda de protestos,
no Brasil e fora do Brasil. “Tudo o que decidimos pode ser resumido numa
palavra: lutar”, lembra Roberto Arraes, na época repórter fotográfico do Jornal
do Commercio, um militante que acompanhou Romano naqueles momentos
angustiantes de visitas à sede da Polícia Federal. Rádio, jornal, televisão, a missa,
a vigília, o movimento. Em 2 de outubro de 1977 se soube da suspensão oficial
do inquérito.
“Venho agradecer aos amigos a solidariedade manifestada no momento em
que sofri a ameaça de expulsão do Brasil, por ter assumido, em nome da Justiça
e do Evangelho, um compromisso de fidelidade com a Classe Operária”, escreveu Padre Romano numa carta aos amigos: “não quero ofender nem acusar
ninguém, quero apenas proclamar a minha alegria de poder continuar no Brasil,
no meio do povo de quem gosto de verdade e que, pelas suas reações amigas,
provou que não me considera tão estrangeiro quanto foi dito.”
“Não se trata de me defender, mas, sim, de defender o que tenho no meu
coração, o amor pelos trabalhadores do Nordeste e a vontade de continuar com
eles a luta para se libertarem”, deixou registrado em outro texto. “O processo
182
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
da minha expulsão do Brasil vem do Ministério da Justiça, mas não da justiça,
nem do povo.” Romano morreu em 13 de fevereiro de 1985, de “insuficiência
respiratória”, como diz o atestado de óbito. Já não vinha bem de saúde há alguns
anos, tendo passado por maus momentos por causa de uma embolia. Reclamava
de cansaço. Descansava? Nem morto. No ano de sua morte, ele imaginava de
novo poder rever sua gente na Suíça e matar as saudades das montanhas que
tanto amava. Não deu certo, de novo. Até parece que o Brasil não queria largar
mão dele. Foi enterrado no cemitério de Santo Amaro, em Recife.
Ser sepultado no Brasil era um de seus desejos, expresso numa carta à amiga
Lorena de Araújo, companheira de lutas na ACO desde 1962: “amo muito a
minha terra, mas desejo ser enterrado na terra brasileira, esperando que minha
presença aqui sirva de estímulo aos militantes, na luta pela libertação da Classe
Operária brasileira”.
O Livro e o Jornalista
“Deixou como herança ao movimento operário os muitos militantes que
ajudou a formar e os ensinamentos da palavra e do testemunho”, lê-se num
texto de 1987, intitulado “História da ACO”. “Alguém um dia certamente os
reunirá em livro, para que continuem a gerar frutos.” Esse alguém não poderia
ser outro que o jornalista, professor e doutor Manuel Carlos Chaparro, a quem
o Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC), “a ACO de ontem”, agradece
em uma das primeiras páginas de Padre Romano: profeta da libertação dos operários:
Mas há alguém que quando a criança [o livro] era apenas um embrião
assumiu com garra de pai, de parteiro, de autor, enfim, a responsabilidade de fazê-la vir à luz, o jornalista Manuel Carlos Chaparro, português
de origem, com passagem marcante pelo Recife, nos anos 60, quando
conheceu pessoalmente o Pe. Romano e com ele colaborou, por sinal, na
produção de escritos que marcaram época no cenário da vida e da luta
operária nesta cidade.
Padre Romano: profeta da libertação operária é diferente das outras obras que
compõem a bibliografia assinada por Manuel Carlos Chaparro. Trata-se de um
livro-reportagem. Feito no capricho. Nele se aliam a paixão pelo jornalismo,
o relato humano e a responsabilidade ética e cidadã. O texto bem escrito, o
trabalho sério com as fontes, os depoimentos recolhidos no Brasil e na Suíça,
Manuel Carlos Chaparro
183
as cartas. Histórias tão simples e saborosas, absolutamente humanas, como a
do “pé-de-boi”. É o próprio Padre Romano quem narra, no espaço aberto pela
mediação jornalística:
Um outro acontecimento importante foi a minha separação do jipe azul.
Ele foi um companheiro de grande valor, fiel, através dos buracos de nossas estradas e da lama de nossas ruas. Mas tornou-se extremamente caro
devido ao alto consumo de gasolina, cujo preço aumenta sem parar. O
jipe azul começava, também, a exigir revisões e consertos, sem resultados
satisfatórios. Minhas reservas financeiras foram absorvidas pela compra
e reparação da casa da ACO. Por isso decidi-me a encarar o aspecto econômico. Embora sentimentalmente tenha sentido alguma coisa, troquei
o jipe por um “pé de boi”. É o nome dado aqui ao VW popular. Ele é de
extrema simplicidade. Consultei dirigentes e militantes, para saber qual
seria a reação dos trabalhadores. Disseram-me que, a esta altura, eles já
me conheciam o suficiente para compreender a compra do automóvel.
Decidi-me, pois, pelo “pé de boi”.
O “pé de boi” já encontrou o seu lugar de confiança no meio da equipe.
Com ele, será possível andar num bom passo e perseverar, tão longe vá
o nosso caminho. Teremos alguns problemas no inverno, na água e na
lama. Mas quando o “pé de boi” se recusar, nós nos lembraremos dos
“nossos”. Eles são mais teimosos...
O texto traz também, em suas linhas e entrelinhas, a fé do jornalista. A fé
cristã moldada na militância em Portugal e nas cidades brasileiras de Natal e
Recife, no Movimento de Educação de Base (MEB), nas aproximações distintas
com o método Paulo Freire, nos movimentos sociais, na pastoral operária. E
também a fé no jornalismo e em seus significados sociais e políticos.
O homem quatro vezes agraciado com o Prêmio Esso de Jornalismo, por
exemplo, quando colhe o depoimento do jornalista Roberto Arraes, tão amigo
e próximo de Padre Romano nos dias em que tentavam expulsá-lo do Brasil,
levanta com leveza e naturalidade a questão que mexe com ele, lá no fundo de
sua alma:
– Quer dizer que os jornalistas se tornaram aliados...
– E como – responde o interlocutor. – Em grande parte graças aos jornalistas, o processo de expulsão de Romano manteve-se na mídia nacional,
como assunto relevante, durante o tempo necessário. Diria, até, que a
solidariedade dos jornalistas foi surpreendente. Eles se tornaram amigos
184
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
e admiradores do padre Romano. Ficaram cativados pelo jeito de ser
daquele missionário suíço tão fortemente identificado com a causa operária nordestina e brasileira. Na crise, sob ameaça, Romano cresceu como
apóstolo e como ser humano. Os jornalistas descobriram, na plenitude, o
Romano humilde e forte, lúcido nas convicções humanistas, fiel à missão
que o trouxera ao Brasil.
“Manuel Carlos Chaparro é um Jornalista com J grande, um Pesquisador
com P grande, um Docente com D grande, um Brasileiro com B grande, um
Português com P grande e, afinal, um Homem com H grande”, escreve Jorge
Pedro Sousa, professor associado e pesquisador da Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal.3
Chaparro, doutor em Ciências da Comunicação, professor de Jornalismo
da Escola de Comunicações e Artes da USP desde 1984 e aposentado em 2001
como Professor Associado (Livre Docente) da mesma USP, lembra com saudades e reconhecimento de sua entrada brasileira pelo Nordeste, nos tempos de
Pe. Romano, do jornal A Ordem de Natal, do Jornal do Commercio e do Diário
de Pernambuco de Recife, da militância, dos quatro Prêmios Esso que recebeu,
de tanta coisa:
Guardo dessa época como lembrança mais acalentada a certeza de que
é possível fazer jornalismo comprometido com valores, quaisquer que
sejam as condições materiais. Guardo, também, um amor e uma fidelidade radical ao Nordeste, ao seu povo e à sua cultura. Foi um enorme
privilégio ter entrado no Brasil pelo Nordeste e ter conhecido a realidade
brasileira pela perspectiva nordestina.4
Foi um privilégio para ele, como foi e continua sendo um privilégio para o
Jornalismo e para o Brasil. Quem duvidar, vá atrás de conhecer tudo quanto
disse, ensinou e fez Chaparro. Aqui, o espaço é pouco para tanta coisa.
3. Em “Contributos de Manuel Carlos Chaparro ao jornalismo português... e não só”. Revista Pj:Br Jornalismo Brasileiro. Edição 04 – 2º semestre 2004. Disponível em: <http://
www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_e.htm>. Acesso em 3/10/2013.
4. Depoimento a Antonio Fausto Neto, em “Percursos de reconhecimentos”. Revista
PJ:BR Jornalismo Brasileiro. Edição 04 – 2º semestre 2004. Disponível em: <http://
www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/dossie4_e.htm>. Acesso em 3/10/2013.
Manuel Carlos Chaparro
185
Os fundamentos do jornalismo no blog
“O Xis da Questão”
Nelia R. Del Bianco1
4.1
CHAPARRO
Novas formas de produção da notícia decorrentes dos usos
e apropriações das tecnologias digitais. Processos de convergência digital que resultam em conteúdos multimídia exigindo perfil profissional multitarefa. Inserção de novos atores
sociais na produção de conteúdos em plataformas digitais
capazes de criticar e participar. Redes sociais sendo utilizadas
como ferramentas de apuração de notícias e meio de participação e de colaboração entre usuários e jornalistas. Estas são
apenas algumas das inúmeras transformações que têm marcado o jornalismo na contemporaneidade e que impactam
nas formas tradicionais de produção da notícia, no relacionamento com o público, na organização dos veículos e na
identidade profissional.
Diante dessas mudanças estruturais, impulsionadas pelos fenômenos de convergência tecnológica, o jornalismo parece
vivenciar momentos de incertezas: como produzir jornalismo de qualidade diante do encurtamento dos prazos para
1. Professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de
Brasília (UnB), doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, pesquisadora sênior e cofundadora do
Observatório de Radiodifusão Pública na América Latina. Email:
[email protected]
186
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
se fazer uma boa apuração? Como conciliar as demandas por velocidade com a
produção de qualidade? Como manter o compromisso com a independência e
o interesse público quando, por vezes, tornam-se fluidas no digital as fronteiras
entre jornalismo, entretenimento e publicidade? Como selecionar informações
confiáveis, críveis, originais e esclarecedoras em meio à profusão de dados produzidos por uma variedade enorme de fontes disponíveis na Internet?
Com base em dados obtidos numa ampla pesquisa sobre a profissão e seus
valores, os americanos Kovach e Rosenstiel (2004:31), chegaram à conclusão
que a tecnologia está enfraquecendo o jornalismo de verificação e investigação
independente a partir do momento em que a Internet passou a oferecer acesso
fácil a matérias, relatórios, dados e informações de segunda ou terceira mão.
Segundo eles, os jornalistas passaram a gastar mais tempo tentando sintetizar
uma massa de informação recolhida da web, correndo o risco de se tornarem
mais passivos, recebendo mais do que procuram saber. O espaço virtual estaria
se convertendo em um novo modo de conhecimento do mundo exterior e das
pessoas. São mudanças que, no limite, ameaçam os fundamentos do jornalismo
como a disciplina da verificação, a independência engajada com a missão de
informar com veracidade e correção, e o compromisso com o interesse público.
No Brasil, o blog do professor Manuel Carlos Chaparro, O Xis da Questão
(www.oxisdaquestao.com.br) tem cumprido o papel de fortalecer os valores e
princípios que guiam a produção do jornalismo de qualidade em tempos de
mudanças. Criado em 2007, o blog é um espaço público de debate acadêmico e
profissional no qual o professor da ECA-USP analisa diariamente a narrativa da
mídia sobre os acontecimentos, questiona práticas e métodos de construção das
notícias, destaca “o saber de quem faz” e, ainda, oferece aulas em vídeo e textos
sobre os conceitos básicos do jornalismo.
Para Chaparro é no tempo e no espaço da atualidade que o jornalismo atua
e se realiza:
Atualidade é um ambiente de conflitos entre sujeitos interessados, legitimamente organizados, que agem de forma mais ou menos competente
na sociedade. São partidos e líderes políticos, empresas e empresários, governos e governantes, organizações não governamentais, universidades,
sindicatos, clubes, associações de todos os tipos, artistas, intelectuais, especialistas – todos com capacidade de produzir fatos e falas noticiáveis.2
2. Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.
br/sinteses.asp>
Manuel Carlos Chaparro
187
O ponto central das análises do professor é a ação dos jornalistas nos processos da atualidade e vice-versa. Segundo ele, seria impossível compreender, analisar e discutir o jornalismo de hoje sem considerar a velocidade dos conteúdos
gerados pelas fontes. A crise do jornalismo está na revolução das fontes:
Os sujeitos institucionais do mundo globalizado (ainda chamados de
“fontes” nos envelhecidos glossários da cultura jornalística), são entes
sociais pragmaticamente falantes: em ações planejadas e coordenadas, sabem dizer; sabem o que dizer; sabem quando, onde, como dizer. E agem
no espaço público da Notícia como usuários competentes da linguagem
jornalística, assumindo-se produtores de conteúdos relevantes, materializados em acontecimentos, fatos e falas noticiáveis. Assim, pelas formas
discursivas e pelas redes difusoras do jornalismo, dizem pelo que fazem.
E fazem pelo dizem. É a revolução das “fontes”.3
E o que fazer diante da revolução das fontes? A resposta do professor é simples e
pragmática: “não perder a vocação e o dever do desvendamento”. Significa que hoje
não basta relatar, dizer o que aconteceu. É preciso “penetrar a superfície organizada
da atualidade” e sair dessa esfera da aparência que se encontra controlada pelas
fontes interessadas e revelar contextos e conflitos, ensina Chaparro. A respeito da
revolução das fontes na atualidade, Manuel Chaparro estabeleceu um diálogo imaginário muito interessante com o jornalista americano Brent Cunningham, editor
executivo da Columbia Journalism Review, vinculada à Escola de Jornalismo da
Columbia University. Em 2010, Brent publicou um artigo em O Estado de S. Paulo intitulado “O jornalismo muda, o leitor precisa segui-lo”4 defendendo que não
pode mais existir mais consumo passivo de notícias. “Os cidadãos precisam pensar
como jornalistas porque desempenham cada vez mais o papel de zeladores da informação, tanto ao criar e publicar conteúdo original na rede quanto ao retransmitir
notícias e informações criadas por outros”, analisou Brent. Ao comentar o artigo,
como jornalista que atuou durante anos na imprensa, Chaparro discorda democraticamente em uma série de três posts publicados na seção com sugestivo nome de
“Postigo do Diálogo” ao dizer que não se melhora o jornalismo apenas educando os
leitores, é necessário também contar com a contribuição de boas fontes:
3. Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.
br/sinteses.asp?pag=2
4. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-jornalismo-muda-o-leitor-precisa-segui-lo,550502,0.htm
188
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Embora pouco se fale delas, as fontes fizeram uma revolução. E a crise
é esta, Brent, e boa, recheada de contradições: o discurso jornalístico
perdeu autonomia, porque em vez de agendar, é agendado. E seduzido por acontecimentos que já nascem com recheios elaborados para o
relato jornalístico. [...] O jornalismo não ficou à margem do processo,
nem perdeu importância. Ao contrário: jamais foi tão importante para
o sucesso dos processos sociais. Acontece que as fontes sabem mais da
atualidade do que as redações, porque a produzem, em ritmo alucinante,
de forma intencional, interessada. E lhe impõem uma lógica de conflito
que atribui novos papéis ao jornalismo, exigindo dele, como linguagem
e ambiente do relato e da análise, uma vocação de compromisso com
valores. Porque os conflitos da atualidade devem ter boas razões de ser. As
razões dos valores éticos. [...] E sem investigação jornalística independente não há como atribuir, ao que acontece, significados intelectualmente
honestos e perspectivas de interesse público”.5
Em seu blog, o professor Chaparro promove uma profícua discussão sobre
o papel e o impacto das fontes na produção jornalística contemporânea. Cada
vez mais profissionais e competentes, as fontes geram e distribuem relatos e discursos, agem para que acontecimentos gerados por elas conquistem o status de
notícia. Ação que desafia jornalistas a construírem relatos independentes frente
à profusão de discursos intencionais e interessados. De fato, o trabalho dos
jornalistas, na visão do pesquisador, não se dá mais no restrito espaço físico das
redações tradicionais:
As fronteiras que separam fontes e redações não existem mais. O jornalismo tem hoje a amplitude da própria atualidade, numa imbricação de
circuitos e fluxos pelos quais as informações correm soltas, já elaboradas
ou em processo de elaboração partilhada, e as interações se realizam com
grande eficácia, principalmente pelas redes imateriais da Internet.6
Pesquisadores concordam que a construção da notícia se dá num campo de
produção de sentido caracterizado pela luta concorrencial entre diferentes ato-
5. Conversa com Brent
Cunningham sobre as novas complexidades do Jornalismo (1, 2 e
3). Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9
6. O berço da Notícia
já não está
nas redações tradicionais. Seção Cortes & Recortes. Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas-integra.asp?col=12&post=589
Manuel Carlos Chaparro
189
res e campos da sociedade. Para Bourdieu (1997, p. 106-7), o jornalismo é um
campo que possui uma lógica específica, propriamente cultural, que se impõe
aos jornalistas por meio de restrições e controles cruzados, cujo respeito funda
as reputações de honorabilidade profissional. Por essa ótica complexa, a ação
dos jornalistas é frequentemente moldada não somente pelas ideias e valores da
cultura profissional, mas também pela interação com a organização do trabalho,
as rotinas produtivas e os constrangimentos historicamente institucionalizados.
A contribuição de Chaparro é acrescentar a essa visão clássica da produção da
notícia a nova condição existencial das fontes, como sujeitos sociais institucionalizados que conquistaram certa autonomia no campo ao difundirem seus
discursos, relatos e versões pela Internet, utilizando-se da linguagem jornalística. O desafio dos jornalistas é manter a incansável missão de investigar com
independência:
A cultura jornalística deve, pois, acolher e tirar proveito da qualidade
informativa das fontes. Mas há também que resistir às seduções dessa
competência, cujo efeito danoso é a preguiça das redações para o trabalho indispensável de investigar, comparar, aferir, aprofundar, elucidar,
debater com independência – em favor do sucesso dos conflitos que interessam à sociedade e ao seu aperfeiçoamento. 7
Embora faça alertas significativos sobre a necessidade de compreensão do
impacto dessa revolução das fontes na produção da notícia, Chaparro vê os
jornalistas como agentes possuidores de certo grau de autonomia em relação aos
poderes constituídos. Embora sejam sujeitos no domínio de operações lógicas
produtivas, eles fazem a mediação da estrutura organizacional jornalística com
as ações objetivas, a realidade social e a própria subjetividade. A constatação da
subjetividade, inseparável a toda e qualquer atividade de conhecimento, tende
a produzir outras soluções teóricas que ajudam a compreender a construção
social da realidade. Os fatos não são a realidade exclusivamente objetiva, são
construções humanas, e como tal, possuem um componente subjetivo intrínseco (MEDISTCH, 1999, p. 221-229).
Admitindo a subjetividade como uma faceta do processo de construção da
notícia, Chaparro questiona os limites da autonomia dos jornalistas. Um bom
7. Conversa com Brent
Cunningham sobre as novas complexidades do Jornalismo (1,
2 e 3). Seção Postigo do Diálogo. Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/
colunas.asp?col=9
190
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
exemplo está em seu artigo “Jornalismo sobre o fio da navalha”, no qual dialoga
com seu ex-aluno, Cláudio Augusto, editor de política de O Estado de S. Paulo.
O professor propõe uma reflexão ao experiente profissional sobre os limites entre fazer denúncia e defender causas, por mais nobres que sejam:
Porém, a razão principal da nossa conversa, Cláudio Augusto, é a de
propor-te uma rápida reflexão sobre os riscos de, no nosso ofício, atravessarmos os limites do bom jornalismo, quando lidamos com desafios
como esse a que te entregaste nas últimas semanas: o de, em favor da
ética e em razão dos valores da sociedade, denunciar malandros e malandragens da nossa política.
O risco de que falo, Cláudio Augusto, é o de se pular do campo do jornalismo independente, fiel ao dever de informar com veracidade, para o campo sempre tentador de defender ou propor causas mais ou menos nobres.
Tenho até neste blog um texto sobre o chamado “jornalismo de causas”, e
nele escrevo que essa é uma “prática discursiva em que se usam as artes e
as técnicas do jornalismo para fazer algo que está mais próximo da propaganda que do jornalismo” – entendendo-se propaganda como linguagem
cujo fim específico é o de realizar ações de convencimento, para a adesão
a ideias, doutrinas ou campanhas.8
Ainda que o jornalista entenda que deva defender valores democráticos, cobrar lisura e correção na atuação de políticos e gestores públicos, não pode cair
na tentação de tornar-se mensageiro de causas. E isso, pela simples razão de que
o jornalismo exige “virtudes essenciais da veracidade e da independência que
possam as ações, as falas e os embates dos protagonistas da atualidade, que não
são os jornalistas”, como explica Chaparro.9
Jornalismo como Linguagem Narradora Confiável
Uma das discussões frequentes no blog O Xis da Questão é sobre o jornalismo como construção narrativa, prática discursiva que se caracteriza por um
8. Jornalismo sob o fio da navalha. Seção Postigo do Diálogo. Disponível em: <http://
www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9&pag=2>
9. Jornalismo de Causas? Seção Postigo do Diálogo. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas-integra.asp?col=9&post=361>
Manuel Carlos Chaparro
191
discurso reportado para uma terceira pessoa. Entende Chaparro que a prática
do jornalismo é o exercício do uso da linguagem como forma de agir e interagir
socialmente. Nesse ofício que se realiza pela linguagem, o professor defende que
o jornalista vá além do relato e procure explicar o significado dos fatos:
Esse é, a meu ver, o papel do Jornalismo, nas suas aptidões de linguagem
narradora e argumentadora: relatar, valorar e difundir os fatos da atualidade, não pelo que são, mas pelo que significam. E ao atribuir valor e
significado aos fatos e às falas dos respectivos protagonistas, o Jornalismo dá expressão pública ao agir discursivo dos sujeitos sociais, em seus
movimentos, convergentes ou divergentes, de afirmação e/ou defesa de
ideais, interesses e projetos. Nesses movimentos dos sujeitos sociais, e
em suas ações, luta-se por poder, dinheiro, espaço, prestígio, mercados,
ideias, bens e mentes. Há os que lutam para que as coisas mudem, e os
que lutam para que as coisas não mudem – e tudo converge para o espaço
e a eficácia socializadora da Notícia.10
Ao ter como eixo em suas análises a questão da linguagem, Chaparro discute
sobre a necessidade de preservar o jornalismo em suas razões de ser “como linguagem socialmente confiável”:
No exercício do seu poder, e enquanto linguagem e espaço público dos
conflitos que interessam à sociedade, o jornalismo está vinculado à verdade cultural dos valores humanistas universais e a compromissos essenciais com o bem comum11.
A essência do processo de construção da notícia está na confirmação dos fatos,
na busca da veracidade e exatidão, contextualização da informação apresentada de
forma clara e objetiva. Embora haja uma convenção clássica que orienta estruturar
o texto da notícia de forma a destacar o que é mais importante, no uso da linguagem o jornalista não pode perder a criatividade. O conselho está numa resposta
bem humorada a uma estudante de jornalismo de Mato Grosso que o questiona
sobre a pertinência do uso da pirâmide invertida como estratégia narrativa:
10. Giovanna pergunta: vale a pena ser jornalista? <Disponível em http://www.oxisdaquestao.com.br/colunas.asp?col=9>
11.Ver O Xis da Questão, seção Sínteses. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.
br/sinteses.asp?pag=3>
192
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
[…] no jornalismo online a pirâmide invertida é uma forma eficaz de
noticiar. Usa-a sem medos. Mas sem jamais sacrificar a criatividade. E
em favor da criatividade, não te esqueças: quando “o mais importante”
está lucidamente definido, e adquire força de ápice narrativo, em torno
do “mais importante” se ordenará o texto, esteja ele no começo, no meio
ou no final do relato.
Rigor e criatividade andam juntas na construção da confiabilidade, na visão
de Chaparro:
Confiabilidade, virtude de essência no Jornalismo, só será conquistada e
preservada pela combinação de escolhas e práticas assentadas sobre três
grandes marcos discursivos de coerência, o primeiro dos quais o vínculo com a Ética. Os outros dois marcos geradores de Confiabilidade no
discurso jornalístico, são: a) Rigor e Criatividade no uso dos recursos
técnicos e estilísticos da linguagem jornalística, tendo em vista a sua vocação interlocutória; e b) Constância e Valorização Estética nas variáveis
da Veracidade e do Conflito.12
Em Tempo...
Dizem que um professor nunca se cansa de dar aulas. O blog O Xis da Questão é uma prova disso. Nele o professor Chaparro expõe suas ideias, comenta
sobre os acontecimentos da atualidade, dá aulas em vídeos gravados em casa
sobre os fundamentos do jornalismo. Como diz a sua ex-orientanda, a professora da Universidade Metodista de São Paulo, Marli dos Santos, o blog é uma
forma que ele encontrou para continuar ativo como docente, como jornalista e
como pesquisador. Como uma extensão da sala de aula, o professor dialoga com
profissionais, estudantes, leitores e fontes sem incorrer no risco de falar apenas
para a academia. Seu auditório é ampliado e para alcançar os diferentes públicos
tem o cuidado de fazer adequações discursivas necessárias.
A leitura do blog revela várias possibilidades de recorte temático que possibilitariam análises interessantes, notadamente sobre o escopo teórico conceitual
das aulas de jornalismo. Para este artigo, o recorte escolhido foram as mudanças
12.Sínteses número 11. Disponível em: <http://www.oxisdaquestao.com.br/sinteses.
asp?pag=2>
Manuel Carlos Chaparro
193
estruturais na produção da notícia e necessidade de fortalecer os fundamentos
e princípios que guiam o jornalismo de qualidade. Uma discussão que é a essência da crise do jornalismo contemporâneo. Em chinês, crise pode ser uma
oportunidade. É num momento desfavorável que emerge a chance de renascer.
Manuel Chaparro já apontou o caminho: ser fiel aos princípios que fizeram do
jornalismo essencial nas sociedades democráticas ao fornecer sentido e significado para o que acontece no mundo.
Referências
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
KOVACH, Bill e ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo – o que os
jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração Editorial, 2003.
MEDITSCH, Eduardo. A rádio na era da informação. Coimbra: Minerva,
1999.
194
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Produção bibliográfica1
4.1
CHAPARRO
Artigos completos publicados em periódicos
CHAPARRO, M. C. C. A comunicação organizacional e a
imprensa: como melhorar o seu relacionamento. Revista Comunicação Empresarial, v. 11, n.41, p. 42-45, 2001.
CHAPARRO, M. C. C. O jornalismo na estratégia dos conflitos. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. São
Paulo, v. 21, p. 19-31, 1999.
CHAPARRO, M. C. C. O jornal, o jornalismo e os jornalistas. Revista de Estudos de Jornalismo – PUCCAMP. Campinas, v. 2, n.2, p. 19-31, 1999.
CHAPARRO, M. C. C. O Nó da Cegueira Branca. O Ribatejo. Santarém, Portugal, 1995.
CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo Científico No Brasil.
Chasqui - revista latinoamericana de Comunicación.
Quito, v. 1, n.45, 1993.
1. Fonte: currículo Lattes de Manuel Carlos Chaparro, consultado
em jun.2014.
Manuel Carlos Chaparro
195
CHAPARRO, M. C. C. La Evolución de Los Géneros Periodísticos En El Discurso de La Prensa Brasileña. Brazilian Communication - Research Yearbook
2. São Paulo, v. 1, p. 87-94, 1993.
CHAPARRO, M. C. C. La evolución de los generos periodísticos en el discurso
de la prensa brasilena. Brazilian Communication - Research Yearbook 2. São
Paulo, v. 2, p. 87-94, 1993.
CHAPARRO, M. C. C. Um modelo jornalístico de divulgação da ciência. Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, v. 62/63, p. 129-134, 1990.
CHAPARRO, M. C. C. De la ciencia al pueblo por la via periodística. Revista
Arbor - Consejo Superior de Investigaciones Cientificas. Madri, v. 534-35,
p. 43-58, 1990.
CHAPARRO, M. C. C. Mil dias mal explicados. Revista Brasileira de Comunicação – Intercom. São Paulo, v. 60, p. 153-155, 1989.
CHAPARRO, M. C. C. O uso das técnicas jornalísticas sem os limites da ética.
Cadernos de Jornalismo e Editoração - CJE/ECA/USP. São Paulo, v. 10,
n.24, p. 39-46, 1989.
Livros publicados/organizados ou edições
CHAPARRO, M. C. C. ALCÂNTARA, Norma S; GARCIA, Wilson. Imprensa na Berlinda - A Fonte Pergunta. São Paulo-SP: Celebris, 2005. 416p.
CHAPARRO, M. C. C. Linguagem dos conflitos. 1. ed. Coimbra - Portugal:
Minerva Coimbra, 2001. 211p.
CHAPARRO, M. C. C. Sotaques d’áquem e d’além mar - percursos e gêneros
do jornalismo português e brasileiro. 1. ed. Santarém - Portugal: Jortejo Edições, 1998. 165p.
CHAPARRO, M. C. C. Pragmática do Jornalismo. 1. ed. São Paulo: Summus, 1994. 132p.
196
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Capítulos de livros publicados
CHAPARRO, M. C. C. Conflito equivocado. In: Boanerges Lopes; Roberto
Fonseca Vieira. (Org.). Jornalismo e Relações Públicas - Ação e Reação Uma perspectiva conciliatória possível. Rio de Janeiro-RJ: Mauad, 2004, p. 7-9.
CHAPARRO, M. C. C. Um livro para marcar época (Apresentação). In: Norma Souza de Alcântara. (Org.). A Fonte Pergunta - Uma entrevista com a
Imprensa. São Paulo: Voice Agência, 2003, p. 27-33.
CHAPARRO, M. C. C. Cem Anos de Assessoria de Imprensa. In: Jorge Duarte. (Org.). Assessoria de Imprensa e Relacionamento com a Mídia. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 33-51.
CHAPARRO, M. C. C. Fronteiras alargadas. In: Boanerges Lopes. (Org.).
Abaixo o nada a declarar. Rio de Janeiro: Zabelê, 1998.
CHAPARRO, M. C. C. Veracidade, dever maior. In: Dirceu Lopes Fernandes;
José Coelho Sobrinho; José Luiz Proença. (Orgs.). Edição em jornalismo impresso. São Paulo: ECA-USP/Edicom, 1998.
CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo Na Fonte. In: Alberto Dines. (Org.). Jornalismo brasileiro: no caminho das transformações. 1ed. São Paulo: Banco do
Brasil, 1996.
CHAPARRO, M. C. C. Jornalismo na fonte. In: Alberto Dines; Mauro Malin.
(Orgs.). Jornalismo Brasileiro: no caminho das transformações. Brasília: Banco do Brasil, 1996.
CHAPARRO, M. C. C. Cartas de leitores. In: José Marques de Melo. (Org.).
Gêneros jornalísticos na Folha de S. Paulo. São Paulo: FTD/ECA, 1992, p.
63-74.
Manuel Carlos Chaparro
197
SONIA VIRGÍNIA MOREIRA
Doris Fagundes Haussen (PUCRS)
Roseméri Laurindo (FURB)
(Organizadoras especiais)
Sintonia jornalística e científica
Doris Fagundes Haussen1
5.1
MOREIRA
A trajetória intelectual e profissional de VirgíniaSonia Virgínia Moreira revela com clareza duas características do seu
perfil: a jornalista e a pesquisadora. Desde que se mudou para
o Rio de Janeiro, aos 17 anos, vinda de Campo Grande onde
nasceu e viveu a sua infância e adolescência, VirgíniaSonia
Virgínia optou pelo Jornalismo2. Durante a realização do
curso na Universidade Gama Filho começou a estagiar na
Rádio Jornal do Brasil onde posteriormente seria contratada
como repórter. Nesse mesmo período (anos 70/80), foi comentarista da Rádio Roquette Pinto, repórter free-lancer na
sucursal do Rio de Janeiro da Revista Isto É e, também, no
jornal A República, editado por Mino Carta, por um período
breve. Participou, também, da equipe de redação da Revista
da Comunicação, distribuída gratuitamente nas Escolas de
Comunicação do país e patrocinada pela Coca-Cola. Nela,
1. Doutora e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Professora titular da PUCRS.
2. Os dados relativos ao perfil da autora foram retirados do texto de
VOLPATO, Marcelo de Oliveira (2010). O pensamento jornalístico de Sonia Virgínia Moreira. Trabalho apresentado no “GT Pensamento comunicacional latino-americano”, do XIII Colóquio
Internacional sobre a CELACOM.
Sonia Virgínia Moreira
199
VirgíniaSonia Virgínia foi Chefe de Redação e, ainda, correspondente nos Estados Unidos, onde trabalhou no Serviço Brasileiro da Voz da América, em
Washington. Posteriormente, entre 2001 e 2008 foi assessora chefe de Comunicação Social da Controladoria Geral da prefeitura do Rio de Janeiro.
Sua atividade como pesquisadora iniciou com a realização do Mestrado na
Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, em 1981, como bolsista da
Rotary Foundation, tendo, em sua dissertação, abordado a atuação dos correspondentes sul-americanos baseados em Washington e Nova York. Em 1986
prestou concurso para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro onde leciona
até hoje. O doutorado viria a ser realizado na Escola de Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo, em 1999, sob a orientação da professora Doutora
Anamaria Fadul.
Na INTERCOM, VirgíniaSonia Virgínia participou da criação do GT Rádio e Mídia Sonora, em 1991, impulsionou a atuação dos colóquios Binacionais e veio a ser a presidente da entidade na gestão 2002-2005. Além disso, foi
Diretora de Relações Internacionais e criou o GT Geografias da Comunicação,
tendo incentivado a criação do INTERCOM Júnior em 2004. Na Revista Brasileira de Ciências da Comunicação foi editora e, atualmente, integra o Conselho
Curador da instituição.
A produção científica de VirgíniaSonia Virgínia, desde o seu início, teve o
rádio como foco, a partir da sua própria experiência profissional no meio. Com
a publicação de Rádio Nacional. O Brasil em sintonia, juntamente com Luiz
Carlos Saroldi, em 1987, inaugura uma produção que tem sido contínua, até o
momento. Pode-se dizer que até o ano de 2000, quando publicou O rádio chega
ao século XXI: tecnologia e leis nos Estados Unidos e no Brasil fruto de sua tese de
doutorado, sua produção voltou-se especificamente para esta mídia. A partir
dessa data, VirgíniaSonia Virgínia ampliou o interesse da sua produção em direção às “geografias da comunicação”, após ter criado um Grupo de Trabalho na
INTERCOM com este nome. Esta opção pode ser constatada observando-se
os títulos de suas obras analisadas na presente publicação. Até o início dos anos
2000 VirgíniaSonia Virgínia publicou oito obras relativas especificamente ao
veículo de comunicação. A partir dessa data, mais oito foram publicadas, organizadas em conjunto com outros autores, abordando temas mais abrangentes da
área da Comunicação.
O perfil de VirgíniaSonia Virgínia revela, portanto, uma coerência entre a
jornalista e a pesquisadora, o que fica aparente na sua atuação tanto como profissional da Comunicação como de professora, pesquisadora, autora e editora de
obras que têm contribuído para o desenvolvimento da área.
200
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Viagem através do Brasil
João Batista de Abreu1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Palanque – fazendo política no ar. Rio de Janeiro, Mil Palavras, 1998, 172p.
A pesquisa para elaboração do livro, realizada entre 1992 e
1997 retrata a história política através do rádio no Brasil, desde
os anos 1920 até o período de Fernando Henrique Cardoso –
auge do neoliberalismo – incluindo as políticas de comunicação nos vários períodos da República e as mudanças tecnológicas
ocorridas ao longo de 80 anos. Em seis capítulos, a autora traça
um painel dos principais momentos do veículo de massa que revolucionou a comunicação ao promover a inclusão social de uma
gama infinita de brasileiros que, até então, não tinham acesso a
jornais e revistas, seja por problemas financeiros, seja pela barreira do analfabetismo.
Se alguém tivesse que escolher um meio de comunicação para
contar a história do Brasil no século XX, o veículo mais recomendado seria certamente o rádio. Antes que me acusem
1. João Batista de Abreu é professor associado do Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense. Vice-coordenador do Programa de Mestrado em Mídia e Cotidiano
da UFF.
Sonia Virgínia Moreira
201
de parte interessada na escolha, por ser professor e pesquisador de rádio, devo
argumentar que nenhum outro meio de comunicação esteve tão perto dos protagonistas de episódios marcantes nos últimos 100 anos quanto esta caixa de
sonhos que começou de madeira, migrou para o plástico e hoje se reveste de
materiais sintéticos utilizados na fabricação do celular. Primeiro na sala de jantar
e depois na cabeceira do quarto, esse companheiro testemunhou e ajudou a divulgar – num país de dimensões continentais – as revoltas e revoluções que, até
então, só chegavam ao conhecimento do povo depois de vitoriosas ou sufocadas
pelos grupos no poder.
Natural de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, filha de Virgínia Hvala
Moreira, de origem sérvia, a pesquisadora Sonia Virgínia Moreira conhece bem
o que significam as distâncias entre o centro e a periferia. Distância de espaço e
de tempo histórico, diante da dificuldade de colher depoimentos, confirmar relatos e garimpar documentos. Ela nos convida a uma viagem pelo mundo desde
o final da década de 1910, na Alemanha, quando o rádio registra a queda do
Kaiser em 1919 e a instauração da república alemã. Em 1920 surge na Alemanha a primeira sociedade radiofônica: o Serviço de Urgência e de Informações
Comerciais, Oficiais e Privadas (SRL). Na década seguinte, o ministro da Propaganda do 3º Reich, Joseph Goebbels, descobriu naquele novo veículo o meio
ideal para propagar uma ideologia que prometia pujança, fartura e poder aos
alemães recém-saídos de uma crise que deixara o país em situação calamitosa.
Diz Sonia Virgínia
A importância do rádio era tamanha naquele período que Hitler patrocinou a fabricação de um receptor – o Volksempfanger VE 301. O “rádio
do povo” ostentava um símbolo do 3º Reich (uma águia) sob o dial e
o número do modelo (301) era uma referência à data em que Hitler
tornou-se o Chanceler: 30 de janeiro de 1933. (p.12)
A distância entre o continente e a Grã-Bretanha era facilmente transposta
pelas mensagens nazistas que angariavam simpatia de lordes e plebeus em solo
britânico. Esta simpatia só começaria a ser neutralizada pelas transmissões internacionais da BBC.
Do lado de cá do Atlântico, na mesma época, o presidente Franklin Roosevelt utilizou o rádio para se aproximar dos cidadãos norte-americanos anunciando a política antirrecessiva do New Deal e depois para defender os esforços
de guerra no programa Fireside Chats (ou Conversa ao pé da lareira). O Brasil,
de Getúlio Vargas, e a Argentina, de Juan Domingo Perón, também navegavam
nas ondas hertzianas nos anos 1940, lembra a autora de Rádio Palanque. Em
202
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
1938, entra no ar o programa A Hora do Brasil – de transmissão obrigatória –
que se torna porta-voz oficial do Estado Novo. Estatizada em 1940, a Rádio
Nacional recebe investimentos públicos que alavancam a audiência e viabilizam
um projeto de identidade nacional, que aproxima os brasis urbano e rural. Mas
o primeiro exemplo marcante de mobilização política através do rádio ocorreu
durante a Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Com textos
inflamados, escritos por Alcântara Machado e lidos por Cesar Ladeira, a Rádio
Record fez com que milhares de jovens se alistassem como voluntários para lutar
contra as tropas federais.
A próxima parada da viagem proposta por Sonia Virgínia é a Guerra Fria,
em que o rádio desempenhou papel fundamental na batalha por corações e
mentes tanto do lado soviético quanto do lado norte-americano. Com farta documentação bibliográfica, o livro começa por lembrar a importância da Rádio
Rebelde na vitória da Revolução Cubana comandada por Fidel Castro em 1959.
Esta guerra surda através das ondas sonoras leva à criação pelos EUA da Rádio
Marti para enfrentar o poder da Rádio Havana, sucessora da Rebelde. Afinal,
apenas 90 milhas separam Miami e Havana, ou seja, apenas algumas braçadas
em matéria de transmissão radiofônica.
Os anos 1960 desembarcam na Europa Ocidental uma campanha persistente contra a política de comunicação que garantia ao Estado o monopólio das
transmissões de radiodifusão. Surgem as primeiras rádios livres na Inglaterra,
na França e na Itália, com o pretexto de dar voz aos jovens. No Brasil a autora
descreve o momento importante proporcionado pelo Movimento de Educação
de Base, ligado a setores progressistas da Igreja Católica, que chegou a administrar uma rede de Escolas Radiofônicas formada por 25 emissoras e 54 sistemas
de transmissão, a maioria delas no interior e na periferia de cidades do Norte e
do Nordeste.
A Rede da Legalidade, desencadeada por Leonel Brizola em 1961, é parada
obrigatória neste giro pela história política do rádio brasileiro. Diante das pressões de grupos conservadores após a renúncia de Jânio Quadros, o então governador gaúcho requisita a Rádio Guaíba e inicia uma bem-sucedida campanha
para garantir a posse do vice-presidente João Goulart
O livro-viagem da pesquisadora oferece um relato detalhado sobre as 36
demissões de funcionários da Rádio Nacional acusados de subversão após o
golpe militar. Desvenda o processo de cassação e a não renovação de outorgas de
emissoras imposto pela ditadura contra proprietários que se identificam com o
governo João Goulart (caso da Mayrink Veiga do Rio, do deputado Miguel Leuzzi) ou que denunciam as torturas perpetradas pelo aparato repressivo (Rádio
Nove de Julho, da Arquidiocese de São Paulo, do cardeal Paulo Evaristo Arns).
Sonia Virgínia Moreira
203
Nos anos 1970, observa Sonia Virgínia, o Governo militar intensifica a autorização de concessões de frequência modulada (FM), começando pelos grandes
centros, depois pelas de médio porte até alcançar os pequenos municípios. De
custo menor, melhor qualidade sonora e alcance mais reduzido, as FM logo
conquistam o gosto dos ouvintes.
O incentivo às emissoras FM no Brasil foi taticamente planejado pelos
militares porque esse tipo de rádio – de baixa potência e alcance geográfico reduzido – se encaixava na política de ‘segurança nacional’ explicitada
pelo General Golbery. As FMs eram mais fáceis de controlar e, portanto,
menos ‘perniciosas’ no entender do governo. (p. 79)
Durante a ditadura civil-militar (1964-1985), controle e censura faziam parte do mesmo campo semântico. Emissoras como a Rádio Jornal do Brasil no
Rio de Janeiro, a Jovem Pan em São Paulo e a Continental em Porto Alegre,
entre outras, esboçavam alguma reação ao silêncio imposto pelo autoritarismo.
Sonia Virgínia testemunhou os momentos finais deste período como repórter
da Rádio JB, onde Sonia e eu trabalhamos juntos. Somos ao mesmo tempo
pesquisadores e fontes da narrativa.
O livro da professora da UERJ evidencia o papel de palanque eletrônico
do rádio na cena política brasileira através dos tempos, desfilando personagens
como Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, Leonel Brizola, Aluísio Alves e, mais recentemente, os pastores evangélicos que pregam suas mensagens pelas ondas
hertzianas. Muitos deles, bem sucedidos, trocaram o púlpito do templo pelo
palanque da política.
Essa viagem de 172 páginas confirma a ideia de que um passeio pelos livros
nos ensina tanto quanto um giro por terras distantes. Afinal, rádio e livro caminham de mãos dadas quando se trata de estimular a imaginação. Sonia Virgínia
sabe como pilotar o veículo.
204
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Rádio no Brasil: tendências
e perspectivas
Izani Mustafá1
5.1
MOREIRA
BIANCO, Nélia R. Del; MOREIRA, Sonia Virgínia (Orgs).
Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas. Rio de Janeiro:
Eduerj e Editora UnB, 1999. 231 p.
Em 1999, há 15 anos, as autoras Nélia Rodrigues Del Bianco, doutora em Comunicação pela ECA-USP (2004), e Sonia Virgínia Moreira, doutora em Ciências da Comunicação
pela Universidade de São Paulo (1999), organizaram a obra
Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas, uma importante
referência para professores, estudantes e investigadores das
áreas de Comunicação e Ciências Humanas, e profissionais
da comunicação. Ambas, com uma trajetória destacada na
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, com a colaboração do professor Carlos Eduardo Esch, da Faculdade de Comunicação da
UnB, produziram esta coletânea com 12 artigos, que releio
com muita satisfação. Verifico que todos estão plenamente
atuais e podem ser debatidos em qualquer fórum. O objetivo da obra, destaca a presidente da INTERCOM naquele
1. Jornalista (UFSM), mestre em História do Tempo Presente
(UDESC) e doutoranda em Comunicação Social (PUC/RS). E-mail: [email protected].
Sonia Virgínia Moreira
205
ano, Maria Immacolata Vassallo de Lopes, é cobrir o déficit de pesquisas do
veículo de “comunicação popular por excelência, onipresente no cotidiano de
todos”.
O livro dá espaço aos pesquisadores “fiéis e dedicados” que se reuniam desde 1991 no GT de Rádio e Mídia Sonora da INTERCOM. Para este relato,
e para não me exceder nas palavras, vou destacar alguns artigos escritos por
pesquisadores que ainda hoje integram o Grupo de Rádio e Mídia Sonora da
INTERCOM, e é “reconhecido como um GP produtivo, com grande número
de publicações coletivas, ações inovadoras e perfil colaborativo2”.
Sim, é ótimo reler na introdução que é
incontestável a importância do rádio hoje na sociedade brasileira. Ele
desempenha inúmeros papéis e funções entre os quais se destacam a capacidade de influenciar o comportamento das pessoas, de criar novos
hábitos de consumo e de atender a demandas simbólicas por lazer, entretenimento, informação e companhia. É o veículo que está mais perto
do ouvinte. A audição acontece em qualquer lugar, sem precisar de fios
e tomadas, e serve como trilha sonora no dia-a-dia da grande maioria da
população brasileira. (BIANCO; MOREIRA, 1999, p.11)
Apesar das previsões, felizmente o rádio não morreu e nunca morrerá. De acordo com a pesquisa da Nop World Culture Score Index3, que examina os hábitos
de mídia, os brasileiros gastam 17,2 horas semanais ouvindo rádio, ocupando o
segundo lugar no mundo. Na frente estão os argentinos, com 20,8 horas semanais.
A chegada da internet, um espaço que conjuga a informática, as telecomunicações e os computadores para troca de conteúdos em tempo real, e a “convergência tecnológica caracterizada por um sistema em rede” (BIANCO, 2012,
p. 16), estabeleceram um ambiente onde o rádio “expandiu o dial, seu alcance
passou a ser mundial” (idem, pp.16-17). As novas tecnologias criaram outras
plataformas para se ouvir o rádio que continua sendo o veículo de comunicação mais ágil e com o maior alcance em todos os lugares do mundo. Não
apenas regional ou nacional. Agora, conectado, o usuário de um computador,
2. Portal do Rádio – Intercom: https://blog.ufba.br/portaldoradio/, visitado em 1º de
abril de 2014, às 9h08.
3. PR Newswire: http://www.prnewswire.com/news-releases/nop-world-culture-scoretm-index-examines-global-media-habits-uncovers-whos-tuning-in-logging-on-and-hitting-the-books-54693752.html, visitado em 31 de março de 2014, às 16h40.
206
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
celular, Ipod ou tablet pode ouvir uma emissora de qualquer lugar continente
e no idioma que mais lhe agradar. Nestes últimos 15 anos, desde que este livro
foi escrito, o rádio expandiu-se e, das Ondas Curtas, Ondas Médias, Ondas
Tropicais conquistou o espaço do world wide web, cuja tradução literal é “teia
em todo o mundo4”.
Estas modernizações do século 21 favoráveis ao rádio reforçam mais o conteúdo dos artigos escritos por professores e investigadores. Os temas são atuais e
podem ser consultados, estudados e aplicados na vida profissional e nos estudos
acadêmicos. A constatação está nos artigos redigidos pelas organizadoras, que
destaco já no início desta resenha.
A pesquisadora Sonia Virgínia Moreira escreve sobre “Rádio@Internet” e faz
uma revisão bibliográfica sobre a importância da expansão da comunicação favorecida pelas novas tecnologias, como a internet que aparece como um “espaço
privilegiado de trocas (simbólicas ou virtuais) e apresenta-se entre as principais
tendências de um mundo centrado em redes, com o microcomputador funcionando como uma espécie de janela para esse mesmo mundo.” (BIANCO; MOREIRA, 1999, pp.208-209). E é a internet que “está conseguindo unir meios de
comunicações distintos, com conteúdos variados e destinados a audiências em
qualquer ponto do globo [...]”. (idem, p. 210).
No meio das novidades tecnológicas, a imprensa, o rádio e a televisão absorveram logo os diferentes processos de diversificação. Moreira salienta que o
rádio teve a vantagem de manter a característica que o distinguiu dos demais
meios de comunicação: portabilidade, por causa da invenção do transistor. Em
1996 existiam mais de mil estações com sites, enquanto que no Brasil eram
apenas 20. Até 1997, três rádios estavam na rede: Musical FM (SP), Trianon
740 AM e CBN. Outras tinham apenas uma homepage, sem áudio, com informações gerais da emissora, como a Bandeirantes e Rádio Imprensa FM. Hoje,
praticamente todas as emissoras têm um site e podem ser ouvidas em qualquer
lugar, plugado à internet.
Para Moreira, o rádio viveu e sobreviveu a diversas transformações em termos de conteúdo e apresentação. No entanto, o rádio digital
colocará à disposição do ouvinte programação variada – como música
popular, óperas e atrações esportivas – gerada em qualquer parte do
mundo e com uma recepção livre de ruídos e de perda de sinal. No futuro, um ouvinte, um ouvinte brasileiro poderá viajar para outro país e
4. http://www.significados.com.br/www/, visitado em 31 de março de 2014, às 11h53.
Sonia Virgínia Moreira
207
continuar sintonizando suas estações preferidas no Brasil com a mesma
qualidade de uma transmissão local. (BIANCO; MOREIRA, 1999, p.
221).
O vaticínio da pesquisadora se concretizou. Em 2014 podemos ouvir qualquer emissora, de qualquer cidade deste planeta, desde que estejamos conectados à internet.
A outra organizadora da obra, Nélia R. Del Bianco, no artigo “Tendências
da programação Radiofônica nos anos 90 sob o impacto das inovações tecnológicas” analisa como as emissoras tradicionais estavam se adaptando às novas
tecnologias, a exemplo do uso do satélite e equipamentos digitais. Depois de
fazer uma narrativa histórica e destacar as fases mais significativas do rádio,
como a profissionalização da programação e a política de concessões para as
FMs, Bianco faz uma explanação sobre o uso de satélite, cujo pioneirismo é da
Rádio Bandeirantes, em 1990. O ineditismo é seguido por outras emissoras em
São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Para o mercado, a iniciativa contribuiria, por exemplo, para suprir a carência de mão-de-obra. A autora afirma que a
“rede trouxe mais que a possibilidade de aumentar o faturamento”. (BIANCO;
MOREIRA, 199, p. 197) e marca uma nova fase deste veículo. Os empresários
percebem ainda que a competitividade aumentou e é necessário, portanto, diversificar o negócio. “O modelo tradicional de programação – dirigida a todo
tipo de público – perde espaço para a segmentação”, conclui.
No texto “O rádio digital avança no interior de São Paulo”, os autores Antônio Magnoni, Ana Silvia Médola, Geraldo Santiago e Willians Balan, fazem
uma análise da chegada da era digital nas rádios do interior de São Paulo e como
elas deverão se organizar para esta mudança que vai garantir uma melhor qualidade do som. Carlos Moraes Dias escreve sobre a Central Brasileira de Notícias
(CBN), antiga Excelsior, do Sistema Globo de Rádio, que entrou no ar em 1991
e adotou o sistema all news, se diferenciando das demais emissoras jornalísticas.
Uma experiência que o autor aponta como bem-sucedida e que sempre suscita
novos questionamentos e pesquisas.
Cabe a Eduardo Meditsch apresentar o artigo “A nova Era do Rádio: o discurso do radiojornalismo como Produto Intelectual Eletrônico”. O pesquisador
defende que o rádio é a primeira manifestação da ‘era eletrônica na comunicação de massa’ e explica como se deu o caminho percorrido pelos profissionais
para chegarem à linguagem adotada para o radiojornalismo. A voz, o ritmo
da fala e a entonação também são favoráveis para identificar e diferenciar os
programas e as emissoras. Além disso, o rádio tem um importante aliado: “a
transmissão ao vivo que a tecnologia eletrônica possibilita incluiu o momento
208
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
presente no campo da noticiabilidade” (BIANCO; MOREIRA, 199, p. 125).
E assim, acrescenta, o rádio é sim o “primeiro meio de comunicação de massa a
operar em tempo real”, (idem, p. 126) e a partir desta característica eletrônica,
combina a transmissão direta com a diferida, distinguindo a sua linguagem da
fonografia. Por todas estas combinações, as imagens que o rádio provoca no
ouvinte são muito mais ricas do que aquelas visualizadas numa tela porque
“podem comportar três dimensões, e também incluir sensações táteis, olfativas,
auditivas”.
O artigo “Modelo Matricial para retomada do radioteatro”, de Luiz Maranhão Filho, apresenta o radioteatro como um gênero de expressão artística, que
possui uma linguagem característica e utiliza elementos de outros meios como
cinema e televisão. O autor descreve ainda a trajetória do radioteatro na história
da radiodifusão no Brasil e defende a construção de um modelo matricial que
envolva quatro tempos: o texto, a identificação das vertentes, vozes e técnicos, e
a realização de produtos, que é a finalização da produção.
No texto “O receptor idealizado pelo discurso radiofônico: uma análise do
emissor em ‘Gaúcha Hoje’ e ‘Flávio Alcaraz Gomes Repórter’”, Mágda Cunha
analisa, a partir dos conceitos de oralidade, retórica e argumentação, e segmentação, de importantes teóricos, cinco edições dos programas citados no título e,
respectivamente, transmitidos pelas rádios Gaúcha e Guaíba, de Porto Alegre.
No segmento radiojornalismo, ambas tinham e ocupam a mesma posição em
termos de audiência. É importante salientar que em 2013 o ‘Gaúcha Hoje’ se
mantém no ar, de segunda a sábado, às 5 horas. Segundo a autora, os âncoras
têm discursos semelhantes porque, em seus programas, divulgam o mesmo tipo
de informação. Os profissionais também assumem a “face da empresa, transitando pela informação, interpretação e opinião”, um estilo utilizado na televisão
e adotado em qualquer outro país ainda nos tempos de hoje.
O texto que encerra a publicação é de Valci Zuculoto. “Universidade aberta: a experiência de um programa de rádio diário no curso de jornalismo
da UFSC”. Narra sobre o projeto de extensão, que era também transmitido
pela Barriga Verde FM, uma rádio comercial que mantinha convênio com a
UFSC, e foi extinto para abrir espaço a outras iniciativas. Em quatro blocos,
o programa diário fazia a cobertura jornalística dos acontecimentos de todos
os departamentos da UFSC, de fatos externos e outros assuntos que tivessem
repercussão na universidade. O “Universidade Aberta”, explica Zuculoto, foi
a primeira experiência colocada em prática dentro do curso de jornalismo
e o principal objetivo foi proporcionar aos alunos o “contato diário e aprofundado com o cotidiano da produção radiojornalística. É como se, todos os
dias, os estudantes entrassem na emissora e trabalhassem profissionalmente na
Sonia Virgínia Moreira
209
execução de um programa noticioso”, de acordo com as etapas exigidas por
esse trabalho.
O projeto contribuiu para preencher uma lacuna na universidade. Um problema que foi resolvido em 1999, quando a Rádio Ponto UFSC5, uma webrádio, é fundada no curso de jornalismo dando assim visibilidade às produções dos
estudantes, desde programas especiais, documentários, radioteatro, radiojornalismo a esportes. Portanto, o impacto das novas tecnologias de comunicação,
como a internet, e a convergência digital, provocou o desenvolvimento e ampliação deste exercício do ensino prático e teórico, aliado à pesquisa e extensão.
Sem dúvida nenhuma, a obra Rádio no Brasil: Tendências e Perspectivas é uma
importante fonte de pesquisas e debates para todos que estudam e trabalham
no rádio.
Referências
Livros
BIANCO, Nélia R. Del; MOREIRA, Sonia Virgínia (Orgs). Rádio no Brasil:
Tendências e Perspectivas. Rio de Janeiro: Eduerj e Editora UnB, 1999.
BIANCO, Nélia R. Del (Org). O Rádio Brasileiro na Era da Convergência.
São Paulo: Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora - INTERCOM, 2012.
(Coleção GP’S: grupos de pesquisa; vol. 5)
ZUCULOTO, Valci Regina Mousquer; LONGO, Guilherme; DALLABRIDA, Poliana;
SILVA, Janine; e VARGAS, Roberto Dutra. A história do radiojornalismo na
UFSC: proposta de Linha do Tempo para conduzir a pesquisa. Artigo apresentado no 9º Encontro Nacional de História da Mídia, na UFOP, Ouro Preto,
Minas Gerais, em 2013.
5. A Rádio Ponto UFSC pode ser acessada pelo site http://www.radioponto.ufsc.br/. A
webrádio reúne diversos gêneros de programas produzidos no laboratório pelos estudantes do curso de jornalismo da UFSC e transmite 24 horas por dia. Alguns são gravados e outros são ao vivo.
210
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Sites
Significados: http://www.significados.com.br/www/, visitado em 31 de março
de 2014, às 11h53.
Portal do Rádio – Intercom: https://blog.ufba.br/portaldoradio/, visitado em
1º de abril de 2014, às 9h08.
PR Newswire: http://www.prnewswire.com/news-releases/nop-world-culture-scoretm-index-examines-global-media-habits-uncovers-whos-tuning-in-logging-on-and-hitting-the-books-54693752.html, visitado em 31 de março de
2014, às 16h40.
Rádio Gaúcha: http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/programacao/, visitado em 1º
de abril de 2014, às 11h16.
Rádio Guaíba: http://www.radioguaiba.com.br/, visitado em 1º de abril de
2014, às 14h39.
Rádio Ponto UFSC: http://www.radioponto.ufsc.br/, visitado em 2 de abril de
2014, às 15h31.
Sonia Virgínia Moreira
211
O Rádio no Brasil: o fortalecimento dos
conteúdos e da história na Era
da Tecnologia
Luciano Klöckner1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, Sonia Virgínia. O Rádio no Brasil. 2.ed. Rio
de Janeiro: Mil Palavras, 2000. 82p.
O início e o final dos anos 1990 apresentam fatos expressivos
que separam em definitivo o mundo analógico do digital, e
estão presentes nessa linha do tempo do Rádio apresentada
pela autora na obra em epígrafe. O ar de mudança impregna
a sociedade do planeta e o tradicional mapa mundi começa
a ser redesenhado: em 1989 o muro de Berlim é derrubado
e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas retira-se do
Afeganistão, esfacelando-se como nação, a partir da independência das várias (ex) repúblicas. Um ano depois o Iraque
invade o Kuait, a Alemanha é reunificada e seguindo a trajetória de mudanças importantes no cenário global, um clima
de paz surge no horizonte, coroado com a eleição de Nelson
Mandela para presidente da África do Sul.
No Brasil, o quadro recebe alguns retoques. Em termos econômicos, o Plano Cruzado busca devolver a estabilidade ao
País e ao bolso dos brasileiros assalariados, o que somente
começa a ocorrer, de fato, com a nova moeda brasileira: o
real, lançada em 1993. Em 1989, Fernando Collor de Mello
1. Jornalista, Prof. Dr. da FAMECOS/PUCRS.
212
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
é eleito no primeiro escrutínio direto desde 1961 para a Presidência da República, mas em 1992 renuncia ao mandato, mas não escapa do impeachment. O
retorno ao estado democrático que começa a se consolidar em meados dos anos
1980 repercutiu em debates e na promulgação de uma nova Constituição Brasileira (1987-1988), completando 25 anos em 2013, com inúmeras conquistas
individuais e coletivas, destacando-se na área de mídia a possibilidade de criar
rádios comunitárias.
Os denominados veículos de comunicação de massa até então rigidamente ligados às suas origens históricas (jornal, o papel; rádio, o som; televisão, a
imagem), com a abrangência da internet, passam a rediscutir os territórios de
atuação, despontando pela primeira vez termos como convergência, multimeios
e digital.
Nesse contexto, VirgíniaSonia Virgínia Moreira lança o livro O Rádio no
Brasil (não confundir com Rádio no Brasil: tendências e perspectivas, organizado
também pela autora e por Nélia R. Del Bianco, editado em conjunto pela UERJ
e UnB, de 1999, da Coleção GTs Intercom, número 8, com artigos de vários pesquisadores da área). É o primeiro livro solo da autora. O pioneiro, Rádio Nacional, o Brasil em sintonia (São Paulo: Martins Fontes/Funarte, 1988, 2ª edição),
fora elaborado em parceria com Luiz Carlos Saroldi. Quando do lançamento
da 1ª edição da obra em 1991, atuava como coordenador de Jornalismo da Rádio Gaúcha e coordenador da área de Rádio do Curso de Jornalismo Aplicado
da RBS, de Porto Alegre/RS. Ao conversar com a colega e orientadora Doris
Fagundes Haussen sobre quem trazer para uma palestra, imediatamente ela sugeriu o nome de Sonia. Ela veio, encantou os estudantes, diga-se de passagem,
muitos profissionais já consagrados na radiofonia gaúcha, e para surpresa geral
lançou o livro em Porto Alegre. “Pessoal”, disse com sotaque carioca, “esse é o
primeiro livro da fornada e estou realizando o lançamento oficial aqui no sul”.
A partir dali, meus encontros com Sonia foram cada vez mais frequentes,
seja pela leitura antes prazerosa do que obrigatória dos sucessivos lançamentos
de livros em seminários e congressos, bem como pelas orientações recebidas
para a pesquisa que realizei no Rio de Janeiro sobre O Repórter Esso. Com todas
essas coincidências, a releitura da 2ª edição da obra foi também um reencontro
com a história radiofônica, história que mostra o rádio como um guerreiro que
faz de cada dia uma batalha para permanecer como mídia de massa, rediscutindo permanentemente os conteúdos e procurando um mimetismo constante
com as tecnologias.
Talvez, a melhor definição para a obra da autora seja a de Gisela Swetlana
Ortriwano, que caracteriza o livro como um “mapa da mina”, onde é percorrido um tortuoso e extenso caminho, desde as heroicas primeiras transmissões
Sonia Virgínia Moreira
213
até as tendências segmentadas e mais requintadas das programações presentes
e futuras. Para isso, o sumário contempla o início do rádio no Rio de Janeiro,
com a pioneira transmissão oficial em 1922; o rádio educativo, comercial e informativo; a legislação; a luta do rádio contra a televisão; o rádio brasileiro até
os anos 1980 e as tendências para os anos pós 1990. A professora Sonia Virgínia
Moreira destaca logo na apresentação a importância da pesquisa, enfatizando
que o livro O Rádio no Brasil somente existe, devido ao ‘Estudo Comparativo
dos Sistemas de Comunicação Social no Brasil e no México’, levantamento precursor na área, que envolveu a participação de 10 pesquisadores brasileiros e 10
mexicanos.
Ainda na apresentação, a autora postula para que outros estudos sejam realizados no Brasil, visando a completar os vazios que ela não conseguiu preencher.
Ainda faltam muitos dados e informações que ajudariam a montar a
história completa do rádio no Brasil. [...] As lacunas são várias: o rádio
digital e as experiências peculiares de estilos e programação que contribuíram para o desenvolvimento radiofônico, por exemplo, ainda não foram
devidamente registrados. (MOREIRA, 2000, p. 11)
De lá para cá, as pesquisas radiofônicas disseminaram-se pelas faculdades
brasileiras. E mais uma vez o instinto visionário de VirgíniaSonia Virgínia Moreira se manifesta, ao vislumbrar que esse procedimento ocorreria, a partir da
criação do Grupo de Trabalho (GT) de Rádio da INTERCOM (hoje Rádio
e Mídia Sonora) em 1991, em Porto Alegre/RS. O Rádio no Brasil faz ainda
a contabilidade das obras radiofônicas elaboradas até a data de publicação do
livro. Nos anos 1940 e 1960, tomou vulto o assunto Rádio e Educação, sobressaindo-se o autor João Ribas da Costa. Já nos anos 1970, Saint-Clair Lopes
tratou da legislação e da organização empresarial. Nos anos 1980, preponderam
os livros-depoimento com autores como Mário Lago, Renato Murce, Mauro
Felice, além de uma perspectiva crítica do rádio e da televisão apresentada por
Sérgio Caparelli.
Por essas e por tantas outras razões que Gisela Ortriwano caracterizou O
Rádio no Brasil como o “mapa da mina”. Mapa que por vezes se confunde com
a própria mina, pois devido ao manancial de dados ali contidos, transforma-se
em jazida radiofônica repleta de preciosidades que necessita ser constantemente
lida e explorada.
214
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Os desafios de estudar o rádio
Mágda Rodrigues da Cunha1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, VirgíniaSonia Virgínia & DEL BIANCO, Nélia. (Org.) Desafios do rádio no século XXI. São Paulo: INTERCOM; Rio de Janeiro: UERJ, 2001. 256p.
As investigações em torno do rádio, sua história, tecnologias,
o ouvinte, e, especialmente, as tendências e o futuro, tiveram
grande impulso a partir do trabalho do Grupo de Rádio da
INTERCOM. Foi com o incentivo de algumas lideranças históricas que o grupo começou a se desenvolver, a pensar sobre o
rádio e a publicar suas reflexões. O livro intitulado Os Desafios
do rádio no século XXI é uma dessas obras que reúne parte da
reflexão deste grupo que vem se organizando em Grupo de Trabalho - exatamente neste momento passando a Núcleo de Pesquisa - mas nunca deixando de contemplar as transformações
pelas quais passa não somente o rádio, mas as mídias sonoras.
A publicação aqui analisada integra a Coleção GT’s da INTERCOM, número 12. Por ter sido publicada em 2001,
reúne o conjunto das reflexões na pauta do grupo naquele
começo de milênio. Na apresentação, a então presidente da
1. Professora e pesquisadora do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Faculdade de Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Sonia Virgínia Moreira
215
INTERCOM, Cicília M. Krohling Peruzzo, afirma que o rádio, ligado a uma
das características primárias da raça humana, a oralidade, representa um dos
mais importantes veículos de comunicação. E tal afirmação, podemos relembrar, evidencia um dos muitos debates sobre as ameaças de desaparecimento do
rádio, diante do surgimento de cada nova tecnologia de comunicação. O rádio
enfrentou a televisão e, no começo do milênio, se preparava para o confronto
com a internet. Sem dúvida, um duelo permanente na história deste que já era
um quase centenário.
Peruzzo (p.05) vai adiante ao afirmar que pelas ondas radiofônicas, o homem realmente passou a ter voz e suas mensagens adquiriram maior abrangência. Afirma que “mesmo com o surgimento da televisão ele continua tendo sentido e grande expressão, tendo provado que pode sobreviver autonomamente,
atuando apenas no imaginário do ouvinte”. A reflexão de Peruzzo traz uma ideia
de permanência do rádio que tem ecoado em estudos de outros pesquisadores e
também a ainda carente produção sobre este meio de comunicação.
Na mesma apresentação, Peruzzo ressalta que na voz do povo quem uma vez
se apaixona pelo rádio, não o esquece jamais. E complementa que “ao contrário
do arbítrio de muitos, de que estaria caminhando para o seu ocaso, o rádio rejuvenesce cada vez mais, perfeitamente sintonizado e sincronizado com as ondas
de transformação da sociedade.” A obra é uma coletânea de estudos realizados
pelos pesquisadores do Grupo de Trabalho, discutidos durante as reuniões anuais da INTERCOM. E os debates, naquele momento, estavam voltados também para profecias, como afirmam as autoras na apresentação do livro.
É importante lembrar aqui que o futuro dos meios de comunicação de massa
era objeto de intensas discussões, pela informatização de muitos processos e digitalização de dados, incluindo voz, dados, som, texto e imagens. Era o momento
de falar em convergência de linguagens e tecnologias. O rádio começava a ser
discutido na fronteira entre o som e a imagem. Muitos já perguntavam: o que é
rádio afinal? Ou ainda: o rádio vai terminar? As autoras afirmam na introdução
que o conjunto de textos reunidos na obra aponta para a renovação do rádio tanto
nos processos de produção de conteúdo, quanto nos sistemas de transmissão e recepção. Salientam que as mudanças tecnológicas influenciariam a implantação do
sistema de transmissão digital e a interface com a internet e outras mídias sem fio.
As principais conclusões no início do milênio apontavam que o rádio não
ocuparia mais a centralidade em relação a outras mídias, na mesma medida em
que ocupou espaços importantes na vida das pessoas na primeira metade do
século XX. Mas os estudos do grupo apontavam que o meio de comunicação
ainda seria capaz de atender as demandas por lazer, informação e entretenimento do público ao oferecer programação ainda mais especializada e segmentada.
216
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
As autoras definem quatro eixos temáticos para a organização do livro: a
confluência do rádio com as novas tecnologias da informação e da comunicação, o futuro da programação radiofônica nas frequências AM e FM, frente às
novas tecnologias, o radiojornalismo e o futuro das rádios comunitárias diante
da perspectiva de legalização. São quatro frentes que somadas evidenciam o
estado da arte da pesquisa em rádio naquele momento da história.
Na introdução, Moreira e Del Bianco falam, também, sobre o momento de
transição do rádio impulsionado pelas sucessivas inovações tecnológicas. Citam
Boaventura Souza Santos, para quem a transição é sempre semicega, não se sabe
exatamente que rumo vai tomar. Destacam neste pensamento que a consciência
da transição significa aceitar o desafio de transitar entre diversas simultaneidades – o novo e o velho, o moderno e o pós-moderno.
O texto de abertura da obra, de autoria de VirgíniaSonia Virgínia Moreira,
uma das organizadoras, intitulado “Tecnologia e legislação para o rádio no século XXI”, aponta que a circulação do áudio em formato MP3, a evolução do
sistema de rádio digital americano IBOC – DAB e a expansão dos usuários de
internet são recursos que marcam o momento de evolução particular do rádio.
A autora traz à tona as discussões em torno das propostas de um texto legal que
passasse a dar conta das transformações.
No texto intitulado “Cautela, riscos e incertezas na implantação do rádio
digital no Brasil”, Nélia Del Bianco, uma das organizadoras deste volume, se
debruça sobre o tema central de suas investigações e afirma que, já realidade em
vários países da Europa e, em breve, nos Estados Unidos, o rádio digital viria a
mudar a atual configuração do meio. A inovação melhora consideravelmente a
transmissão, dotando-a de som com qualidade equivalente a de um CD, além
de permitir flexibilidade de emissão, dando ao ouvinte maior liberdade para
escolher a estação que deseja ouvir. No texto, a autora busca compreender os
diversos fatores técnicos e os interesses políticos e econômicos que condicionariam a decisão brasileira em torno do modelo de transmissão digital: o europeu,
o americano ou o japonês.
Em “Tendências da programação radiofônica: as emissoras em amplitude
modulada”, Luiz Artur Ferraretto parte da constatação de que as emissoras em
AM tendem a perder espaço para as estações em FM no mercado radiofônico.
O artigo discute a situação da programação naquele momento em termos de
conteúdo e retorno de audiência e recorre a uma recapitulação histórica para
amparar sua análise. Ferraretto projeta o quadro da época em que o rádio começa a sofrer os efeitos da TV por assinatura e da internet.
“As transformações do AM: perspectiva da programação frente à concorrência do FM” é a reflexão de Nicolau Maranini que, considerando o pensamento
Sonia Virgínia Moreira
217
dos profissionais envolvidos, apresenta dados sobre o possível encaminhamento
do rádio AM. O texto reúne a reflexão de comunicadores, jornalistas, publicitários, engenheiros, diretores e programadores de emissoras do Rio de Janeiro e de
São Paulo. A percepção de todos é da necessidade de melhoria da programação
do Rádio AM, mas ainda de incerteza sobre os caminhos que as emissoras deverão tomar frente aos novos tempos. Em meio a tudo isso, uma certeza: o rádio
segue o veículo mais privilegiado em termos de potencialidade.
Carlos Eduardo Esch estabelece seu foco em “O futuro dos comunicadores e
a reinvenção do rádio”. Os profissionais do rádio, no seu entendimento, são inseridos em um novo contexto de transformação, no qual se apresentam dúvidas
e incertezas quanto às novas formas que os meios devem adquirir. Naquele cenário, o texto concluía que a trajetória do comunicador de rádio seguiria fortalecida, uma vez que a tecnologia oferece novas possibilidades a serem exploradas.
O entendimento de que “Os efeitos junto ao público garantem a permanência do rádio”, pautou nossa reflexão. Buscamos, naquele momento, observar a
história de transformações do rádio, nos diferentes horizontes históricos, em
resposta às questões propostas pela audiência. Consideramos ainda que ao longo de sua história, o rádio se apropria do código vigente e mantém seu poder de
mobilização das audiências.
“O radiojornalismo e o sentido do novo milênio”, na reflexão de Ana Baumworcel, apresenta a evolução histórica da linguagem do rádio relacionado ao
jornalismo no Brasil a partir de momentos de rupturas representativas de um
fazer diferente. Entre as conclusões da autora está a ideia de que o rádio produz
e reproduz, simultaneamente, o excesso de informação e a escassez de sentido
da sociedade. O rádio precisa resignificar a si próprio, reutilizando seu potencial
expressivo para transferência de sentidos e viver uma nova ruptura.
Mauricio Nogueira Tavares aborda “O humor na rede: AM/FM/internet”,
onde analisa programas de humor no rádio em duas diferentes épocas. O autor
faz um comparativo entre o PRK-30, como representação de um momento em
que o AM era muito importante no país, e programas de humor em FM, transmitidos no começo do milênio, os quais estão, segundo conclusão do autor,
próximos da saturação criativa. A internet é vista como uma possibilidade de
revisitar o humor no rádio aos moldes do PRK-30.
“Faca de dois gumes” foi o título escolhido por João Batista de Abreu, para
quem as inovações tecnológicas no sistema capitalista estão inseridas em uma lógica econômica de sobrevivência, em uma sociedade cada vez mais competitiva,
no qual o rádio não é exceção. No texto, o autor traz os paradoxos das novidades
tecnológicas que encurtam o tempo despendido entre a apuração e a veiculação da
notícia e a função básica do radiojornalismo, que é informar bem e com segurança.
218
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Para Alda de Almeida, “Notícia não é salsicha – as novas tecnologias e o
jornalismo nas rádios AM cariocas”. O título sugestivo aponta que a velocidade
na apuração, proporcionada pelas tecnologias em expansão naquele momento
nem sempre significa qualidade, principalmente quando “atropela” as normas
do bom jornalismo.
Luciano Klöckner e Maria Alice Bragança escrevem “Radiojornalismo de
serviço: AM e FM em tempos de internet”. Na reflexão sobre os rumos das
emissoras de rádio AM e FM, fazem uma retrospectiva das mudanças na programação das emissoras para competir com a televisão. Definem o radiojornalismo
de serviço, feito para orientar e ajudar concretamente o ouvinte, a ligação mais
direta com a audiência.
A estrutura da notícia radiofônica nas emissoras internacionais é a abordagem de Venerando Ribeiro de Campos, que faz um estudo comparativo da
estrutura da notícia no rádio, entre Brasil e Espanha. Entre suas principais conclusões está a tese de que Brasil e Espanha utilizam a radiodifusão internacional
como suporte propagandístico de suas potencialidades como nação.
Doris Fagundes Haussen e Adriana Ruschel Duval investigam “Redes radiofônicas e produção local: um estudo de caso”. As autoras analisam o panorama
da produção local nas redes radiofônicas AM em Porto Alegre, através de programas noticiosos, e entre os principais resultados apontam que os temas de
interesse próximo à comunidade não são levados em consideração. No texto,
relativizam esta reflexão, ressaltando a importância da discussão sobre o público
dos canais tradicionais e a sua exposição a apenas determinados tipos de programação e os que têm condições de usufruir de todos os conteúdos colocados a
sua disposição pelas novas tecnologias.
Em uma análise de um rádio local, Luciana Miranda Costa aborda “Terceirização, promoções e jornalismo: o rádio em Belém busca nova identidade”. A autora questiona como está sendo trabalhado o clássico tripé música, informação e
serviço naquela cidade. Naquele momento, num fenômeno iniciado na década
de 90, a programação esportiva e policial das emissoras locais, caminhava rumo
à terceirização.
Eduardo Meditsch traz o texto “O ensino de radiojornalismo em tempos de
internet”. Segundo ele, há uma ambiguidade conceitual a respeito das definições de internet e de rádio como meios de comunicação. Em seu texto, defende
uma sólida formação em rádio para um profissional multimídia. E é nesta reflexão, que Meditsch traça um importante conceito, que veio apaziguar durante
alguns anos, as indagações sobre o conceito de rádio. Tomando a obra de Arnheim como base, define a especificidade do meio de comunicação a partir de
três características indissociáveis: é um meio de comunicação sonoro, invisível e
Sonia Virgínia Moreira
219
que emite em tempo real. Se não for feito de som, não é rádio, se tiver imagem
junto não é mais rádio, se não emitir em tempo real, é fonografia, também não
é rádio.
Dessa definição norteadora para muitos que questionavam o que viria a ser
o rádio em tempos de internet, a obra faz seu fechamento com o texto de Márcia Vidal Nunes sobre “Rádios comunitárias no século XXI: exercício da cidadania ou instrumentalização da participação popular?”. Naquele momento, a
história mostrava um fenômeno crescente: a instrumentalização comercial e ou
político-partidária das emissoras que devem ter gestão coletiva. No pensamento
da autora, tal fato representa uma ameaça ao exercício alternativo da cidadania
pelo rádio.
Olhar para o livro Desafios do rádio no século XXI é reviver uma época em que
o exercício de futurologia era uma constante em muitas pesquisas. Futurologia,
especialmente, pelo encantamento que as tecnologias e a internet em expansão
eram capazes de sugerir. Nesta coletânea, podemos ter um panorama claro sobre
o momento vivido pelo rádio, a ansiedade dos profissionais diante das possíveis
transformações, e, na mesma medida, a ausência de respostas claras.
Um ponto é claro: mesmo diante de tantas incertezas, havia um otimismo
generalizado diante das potencialidades que o rádio seria capaz de manter em
um cenário cujo enfrentamento agora seria a internet. A pergunta central ficava
em torno do desaparecimento do rádio ou a transformação de seus formatos em
uma linguagem em situação de convergência. Tantos buscavam por uma resposta que o balizamento estabelecido por Meditsch foi referenciado em muitos
textos nos anos seguintes.
Mais de uma década depois, cabe refletir se chegamos a resultados conclusivos sobre as perguntas feitas naquele momento. O rádio compete com cada vez
mais possibilidades apresentadas pelas tecnologias ou encontrou o seu lugar na
diversidade de alternativas de informação?
220
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Predição sobre o futuro do rádio no
século XXI
Nelia R. Del Bianco1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, SONIA V. E DEL BIANCO, Nelia R. (Orgs.).
Desafios do rádio no século XXI. São Paulo: INTERCOM
e Rio de Janeiro: UERJ|, 2001, 256 p.
O que será do rádio na virada do milênio diante da emergência da Internet? A mídia eletrônica mais antiga do século XX
está condenada ao desaparecimento? O livro acima apontado
surgiu da necessidade de responder a essas questões em meio
ao impacto de entrar no século XXI. A comunicação, em
particular, estava frente a uma revolução em relação ao modo
como a informação era gerada, processada, armazenada e manipulada. A digitalização dos mais diversos tipos de informação - voz, dados, som, texto e imagens - abria caminho para a
convergência entre as telecomunicações, os meios de comunicação de massa e a informática. Uma nova configuração da
comunicação estava em pleno desenvolvimento caracterizada
1. Jornalista, produtora radiofônica, professora da Faculdade de Comunicação da UnB e do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB. Doutora em Comunicação pela Universidade de
São Paulo. Membro da diretoria da Intercom (2008-2014). Pesquisadora sênior e cofundadora do Observatório de Radiodifusão
Pública na América Latina. Email: [email protected]
Sonia Virgínia Moreira
221
pelo alcance global, pela interatividade e pela integração entre diferentes meios.
O ambiente apontava para a inevitável perda de prestígio das mídias eletrônicas massivas. Os mais pessimistas acreditavam que seria o fim do rádio. Face à
polêmica havia uma necessidade urgente de esclarecer, discutir, predizer sobre o
futuro com base em análises densas e fundamentadas.
O livro foi resultado de um projeto coletivo do Grupo de Trabalho Rádio da
INTERCOM. Em 2000, sob a liderança de Nelia R. Del Bianco, o grupo aprovou o projeto de produção do livro durante o XXIII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação realizado na Universidade Federal de Manaus - AM.
No ano seguinte, agora com Sonia V. Moreira à frente da direção do GT, foi realizada uma sessão especial durante o XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação sediado em Campo Grande - MS para apresentar a coletânea de
estudos. Esse foi o segundo projeto de investigação do grupo que ajudou a consolidar uma prática de pesquisa coletiva que se repetiria ao longo dos anos 2000.
A publicação teve o mérito de arrefecer as predições negativas ao defender
que, numa transição tecnológica, os meios de comunicação tradicionais se renovam e não, necessariamente, desaparecem. A história comprova o quanto o
rádio tem sido resiliente frente às inovações. Na verdade, o seu desenvolvimento
foi, em grande parte, moldado pela chegada ao mercado de sucessivas gerações
de receptores e pelas inovações tecnológicas no sistema de transmissão.
Basta lembrar que o receptor a válvulas na década de 30, substituindo o
pioneiro de cristal de galena, contribuiu para baratear os custos de produção do
aparelho e permitiu sua popularização. Enquanto que o transistor, na década de
60, favoreceu o aparecimento de aparelhos portáteis, sem fios ou tomadas, que
transformaram a audiência antes coletiva em individual. A expansão da FM na
década de 70 deu vida nova ao meio que estava estagnado com o predomínio
do AM. Na Europa, a FM favoreceu a criação de emissoras piratas e comunitárias; nos Estados Unidos consolidou a segmentação da programação. No Brasil
trouxe incentivo comercial ao meio que perdia espaço para a TV na disputa das
verbas publicitárias ao conquistar ouvintes com uma programação diversificada,
quanto aos estilos de música e à locução, com qualidade sonora que se transformou em padrão de referência para a radiodifusão. Na década de 90, a transmissão digital via satélite dominou o cenário, favorecendo a formação de grandes
redes de emissoras. Sua maior vantagem foi oferecer cobertura nacional a um
custo mais baixo, proporcionando redução de custos operacionais, qualidade
técnica de som e, em alguns casos, oferecer programação musical diferenciada e
altamente profissional.
Com a expansão da Internet nos anos 90, repetiu-se o mesmo cenário negativo em relação à época em que surgiu a televisão. Naquele tempo, as in222
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
certezas eram muitas. A novidade da imagem com som atraiu patrocinadores,
o rádio perdeu publicidade, reduziu equipes de profissionais. Não havia mais
como sustentar uma programação de entretenimento com novelas, programas
de auditório e humorísticos. A dificuldade levou à reinvenção: investir no tripé
música, notícia e esporte. Foi da novidade ameaçadora que o meio conseguiu
se reposicionar e encontrar um novo lugar no cenário de mídia. Ao explorar a
capacidade de transmitir informação do local do acontecimento, transformou-se no que McLuhan (2000, p. 335) chamou de sistema nervoso da informação:
“notícias, hora certa, informação sobre o tempo agora servem para enfatizar o
poder nativo do rádio de envolver as pessoas umas com as outras. [...] O rádio
provoca uma aceleração da informação que também se estende a outros meios”.
Reinvenção com a Internet
O argumento central do conjunto de 16 textos do livro Desafios do Rádio
no século XXI é que as novas tecnologias digitais não ameaçam o rádio. Com a
Internet, o meio pode ampliar seu alcance para além do espectro eletromagnético. Emissoras em todo mundo podem colocar seu sinal da rede, possibilitando
alcançar audiência global. Em sites na rede, as estações podem se promover,
anunciar concursos e listas de músicas mais tocadas, receber pedidos de músicas
e comentários dos ouvintes, arquivar shows e, ainda, oferecer notícias em tempo real. A transformação diante das tecnologias da informação é mútua. Para
o rádio, abre espaço para conquistar novas possibilidades de interação com o
público. Para o jornalismo online, as emissoras de rádio levaram a experiência
de agregar ao texto da notícia trechos de entrevistas, reportagens, comentários
e todo tipo de arquivo sonoro fartamente produzido no cotidiano da redação
tradicional.
A discussão sobre o futuro do rádio foi articulada no livro em quatro eixos
temáticos. O primeiro tratou da confluência do rádio com as novas tecnologias
da informação e comunicação. Nele Sonia V. Moreira traz uma síntese de sua
tese de doutorado defendida na ECA-USP (MOREIRA, 1999) ao abordar os
processos de digitalização do áudio sob o ponto de vista da produção e da distribuição. Ao destacar aspectos da evolução tecnológica, Sonia defendia que as dificuldades de popularização da Internet que se apresentavam no início do século
seriam, em breve, superadas de modo que a transmissão de rádio pela rede seria
uma realidade em alguns anos. Dentro desse eixo Nelia R. Del Bianco discutiu
pela primeira vez no país, numa publicação acadêmica na área de comunicação,
a questão do rádio digital. Até aquele momento, o debate estava circunscrito
Sonia Virgínia Moreira
223
ao âmbito das associações de engenheiros elétricos e de radiodifusores. O rádio
digital já era uma realidade na Europa desde a década de 90 e representava uma
possibilidade de revolução técnica tão significativa a ponto de alterar o modo de
produção da programação, de distribuição de sinais e a recepção da mensagem
radiofônica. Pesquisadores da área de várias partes do mundo já apontavam para
a necessidade de uma “reinvenção” do rádio ao adotar nova tecnologia. Restava aos pesquisadores entenderem mais sobre o potencial da nova tecnologia
como as possibilidades de diversificação de conteúdo, criação de novas formas
de interação e modos de escuta. A partir do texto “Cautela, riscos e incerteza
na implantação do rádio digital no Brasil” foi possível inaugurar uma discussão
política na área que pudesse apontar mais do que as vantagens e desvantagens
para a mudança de sistema de transmissão. O texto mostra a raiz de um impasse
que perdura até o presente: os radiodifusores vão resistir a qualquer mudança
que ameace seu status quo. A discussão rendeu frutos. Cinco anos depois da publicação desse texto, o GT de Rádio criou uma pesquisa coletiva com o objetivo
de acompanhar os testes com a tecnologia digital realizado em várias cidades
brasileiras. Em 2007, o grupo entregou uma carta aberta ao Ministro das Comunicações em defesa da construção de uma política pública para implantação
do rádio digital que assegure a manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, a
transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção, a adaptabilidade do padrão a ser escolhido ao parque técnico instalado, a coevolução
e a coexistência do digital com o analógico, a oferta do aparelho receptor com
potencial de popularização e a escolha de uma tecnologia não proprietária e
com potencial de integração do meio a outras mídias digitais.
No segundo eixo temático foram examinados os processos de renovação
da programação radiofônica. Luiz Artur Ferraretto e Nicolau Maranini foram
prescientes ao detectarem o desfecho de uma mudança que estava em curso: o
AM caminhava para consolidar a programa estilo talk show, voltada para informação, prestação de serviço e problemas sociais, enquanto o FM aprofundaria
a segmentação com foco em música e em entretenimento. Ainda nesse eixo,
Carlos Eduardo Esch mostra que as transformações não alteram a essência da
comunicação pelas ondas eletromagnéticas: as relações de afeto e amizade que
se estabelecem entre ouvintes e comunicadores populares. Em outro texto fundamental nesse eixo, Mágda Cunha mostrou que são os efeitos junto ao público
que garantem a permanência do rádio. A sua subsistência está no poder de mobilização derivado do sentido primordial nunca alterado: a capacidade do rádio
de retransmitir a voz humana. Encerrando o eixo temático, Mauricio Tavares
contribuiu com uma análise dos programas de humor no rádio comparando o
maior clássico do humor da década de 30, o PKR-30, com a renovação desse gê224
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nero nas rádios FM no final da década de 90. Seu texto mostrava que o humor
seria um caminho natural que poderia garantir a permanência do meio junto
ao segmento jovem.
O terceiro eixo de discussão do livro foi sobre o futuro do radiojornalismo
frente a emergência do jornalismo online, do tempo real na Internet. Ana Baumworcel, João Batista de Abreu e Alda de Almeida analisaram a transformação
da linguagem do jornalismo e as vantagens e desvantagens das alternativas tecnológicas idealizadas para facilitar a captação e a transmissão da informação.
Registraram que nem sempre a velocidade na divulgação da notícia está associada à qualidade de conteúdo. Sofisticadas tecnologias podem transformar-se
numa faca de dois gumes quando os profissionais não conseguem distinguir
entre a vantagem dos recursos técnicos que encurtam o tempo entre a apuração
e a veiculação da notícia e a função básica do radiojornalismo – informar bem
e com segurança. Os pesquisadores alertavam para o risco de o rádio perder o
seu maior patrimônio: a credibilidade. Cautela mais do que necessária diante
do que estava por vir. Conectados à Internet, os jornalistas de rádio passaram a
ter acesso gratuito às principais agências de notícias e aos jornais online nacionais e internacionais. À primeira vista essa facilidade ampliou o olhar sobre os
acontecimentos diante da multiplicidade de assuntos disponíveis para seleção.
Situação bem diferente das condições de produção da era analógica. O acesso
às agências de notícias somente era possível mediante assinatura do serviço.
Emissoras especializadas em jornalismo assinavam no início da década de 90,
no máximo, uma agência internacional e duas nacionais. Na verdade, a vantagem proporcionada pela Internet, deve ser melhor avaliada porque os jornalistas
têm acesso ao conteúdo parcial de jornais online, portais e agências de notícias,
portanto, nem sempre é o material jornalístico integral disponível apenas para
os assinantes. Trata-se de um material de segunda ou terceira mão, submetido
a critérios prévios de seleção, portanto, filtrado pelos valores inerentes àquela
publicação. Mesmo quando os jornalistas vão diretamente ao site das agências
internacionais ainda acessam parte do conteúdo, resumos de notícias e não as
matérias integrais disponíveis para assinantes. No livro, os pesquisadores anteciparam o desafio que se avizinhava. Os jornalistas teriam de aprender a navegar
no emaranhado de informações proveniente de diferentes fontes acessíveis pela
Internet para interpretar os acontecimentos e obter informações confiáveis e de
qualidade num curto espaço de tempo.
No mesmo segmento, Luciano Klockner e Maria Alice Bragança abordaram
um tipo de jornalismo que conquistaria maior importância nos anos 2000: a
prestação de serviço. Criado para orientar e ajudar o ouvinte, o radiojornalismo
de serviço estreita a relação entre emissora e audiência e tem sido apontado
Sonia Virgínia Moreira
225
com um caminho a ser explorado pelas emissoras em qualquer frequência. No
mesmo eixo os artigos de Venerando Ribeiro, Dóris Fagundes Haussen, Adriana
Ruschel Duval e Luciana Miranda Costa oferecem três percepções do radiojornalismo a partir da noção localidade. Em “A estrutura da notícia radiofônica nas
emissoras internacionais”, Venerando Ribeiro fez um estudo comparativo entre
os canais em ondas curtas da Espanha - Radio Exterior da Espanha – e do Brasil – Rádio Nacional do Brasil com o objetivo de determinar as especificidades
das notícias, características estruturais e semânticas, com também as intenções
significativas dos emissores. Dóris Fagundes Haussen e Adriana Ruschel discutiram o jornalismo local pelas redes radiofônicas via satélite que transmitem
para Porto Alegre. No estudo apontavam que temas de interesse próximo da
comunidade não eram levados em consideração pelas redes em seus noticiários,
o que evidenciava uma contradição a considerar a importância da notícia local
no cotidiano do público. Na sequência Luciana Miranda apresentou estudo que
apontava a terceirização da programação esportiva e policial em algumas emissoras locais de Belém como alternativa para revitalizar o faturamento e evitar
que alguns programas saíssem do ar.
Eduardo Meditsch encerrou o eixo temático com uma contribuição importante para os professores da área ao discutir a confusão instalada no ensino do
radiojornalismo a partir do advento da internet. Além de tratar da ambiguidade
conceitual em relação às definições de Internet e de rádio como meio de comunicação, o autor sustentou a necessidade de uma sólida formação em rádio para
o profissional multimídia. A tecnologia, nesse caso, facilita a tarefa, por permitir
o acesso a emissoras, programas, informações e textos disponíveis em qualquer
parte do mundo. Para ele, o importante é não resistir às novas tecnologias, mas
tirar proveito delas.
O último eixo temático do livro tratou do futuro das rádios comunitárias
diante da perspectiva de legalização. Havia três anos desde a aprovação da lei
que regularizou as emissões do gênero. O texto de Márcia Vidal Nunes revelou que em Fortaleza emissoras autenticamente comunitárias convivam com
aquelas que eram instrumentalizadas pela política partidária. O exercício da
cidadania a partir do acesso a um canal de comunicação de forma livre, baseada
em princípios que garantem o caráter comunitário como gestão coletiva, participação plural e programação produzida pela população, estava ameaçada pelos
políticos locais que instrumentalizavam o segmento para defender interesses
privados ou fazer política. O texto foi um marco da discussão do tema e inspirou outras pesquisas a respeito.
Fruto do trabalho coletivo de pesquisadores, o livro “Desafios do rádio no
século XXI” foi uma contribuição significativa num momento em que as pre226
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
dições sobre o fim do rádio cresciam no noticiário. Fazia-se necessário pontuar,
ponderar e equilibrar o debate para que o essencial pudesse ganhar evidência.
Digamos que o livro é fruto de muita cautela diante dos riscos e incertezas
típicas da transição entre o novo e o velho. E quando as incertezas espreitam a
todos, experimenta-se o desconforto da perda. Uma sensação ruim de estar caminhando às cegas. No horizonte há uma certeza: o rádio sobreviverá ao vendaval de mudanças. Não será o mesmo, provavelmente, depois que a digitalização
abranger não apenas o processo de produção como também da transmissão. A
sua permanência estará garantida se souber manter o que faz de melhor: ser o
velho e bom companheiro e amigo de todas as horas de milhares de ouvintes ao
oferecer música, informação e entretenimento de qualidade.
Referências
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2000.
MOREIRA, Sonia V. O rádio chega ao século XXI – tecnologias e leis nos
EUA e no Brasil. Tese de doutorado. ECA-USP, 1999 (204 p.).
Sonia Virgínia Moreira
227
25 anos de INTERCOM
Everton Darolt1
5.1
MOREIRA
INTERCOM 25 anos. 1977 – 2002 Duas décadas e meia
de história; Olhar interno: depoimentos dos ex-presidentes.
Olhar externo: depoimentos de representantes de instituições estrangeiras.
Nesta obra, Sonia Virgínia Moreira se destaca na coordenação da seção temática Mídia Sonora: Rádio, CD/Indústria do
som, e também integra o expediente da impressão na organização ao lado de Cecília M.K. Peruzzo. A obra INTERCOM
25 anos apresenta em 132 páginas o olhar interno da Sociedade Brasileira e Estudos Interdisciplinares da Comunicação
através de depoimentos dos ex-presidentes da INTERCOM.
Posteriormente apresenta os olhares externos através de depoimentos de representantes de instituições estrangeiras no
período de 1977 a 2002. A publicação comemora os 25 anos
da INTERCOM, apresentando um panorama das pesquisas
realizadas neste período. Neste sentido esta publicação procura observar os olhares dos pesquisadores que dirigiram a
associação nestas duas décadas e meia de INTERCOM.
1. Mestre em Comunicação e Linguagens (UTP-PR), Graduado em
Comunicação Social – Publicidade e Propaganda (FURB). Docente
no curso de Comunicação Institucional e Jornalismo (UNIDAVI).
228
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
No depoimento do professor Marques de Melo é destacado que “Historicamente, a Intercom tem sido uma sociedade civil presente e atuante no cenário nacional. Seus primeiros tempos foram de resistência e autoritarismo. No processo de
democratização da vida pública brasileira ela se engajou na luta pela melhoria dos
padrões de qualidade do ensino e da pesquisa em Comunicação.” De fato, a Sociedade mantém o alto nível de contribuição científica, reunindo diversos intelectuais
que discutem a comunicação com um amplo saber. Deste amplo saber, a organização amadureceu e se reorganizou. No texto é apresentada a evolução da instituição
na sua organização e sistematização. Além do evento anual a nível nacional, com
o passar do tempo, surgiu a necessidade de mais encontros. Logo, do Ciclo de Estudos Interdisciplinares surgiram outros eventos. Os grupos de trabalho no mesmo
processo de evolução passaram a concretizar os Núcleos de Pesquisa, permitindo
uma maior interação entre os pesquisadores das diferentes universidades do Brasil.
Em 1990, no XIII Congresso, realizado no Rio de Janeiro, foram constituídos os Grupos de Trabalho (GTs), que passaram a ser estruturados de forma
mais efetiva no ano seguinte, no XIV Congresso realizado em Porto Alegre.
Neste período, os Núcleos de Pesquisa se somavam a 18 grupos distintos com
suas sessões temáticas específicas. Os GTs chegavam a contemplar cerca de 30
diferentes grupos temáticos. Esta divisão ocorreu para organizar as grandes áreas
temáticas da comunicação em grupos multidisciplinares para viabilizar o diálogo da comunicação e de outras disciplinas.
Sonia Virgínia Moreira coordenou ao lado de Dóris Fagundes Haussen e
Nelia R. Del Bianco o grupo temático Rádio: História, Gêneros, Linguagem. Este
grupo fora implantado para realizar um levantamento histórico reconstituindo
a trajetória do rádio no país. De 1991 até 2002 o grupo registrou 116 trabalhos
e a publicação de dois livros: A Guerra dos Mundos 60 anos depois (1998) e Rádio
no Brasil – tendências e perspectivas (1999).
Nessa constante evolução, a Sociedade buscou criar outros espaços para
atender também a demanda dos jovens cientistas e estudantes de graduação
e pós-graduação. Assim, os Ciclos de Estudos, GTs e os Núcleos de Pesquisa
passaram a ter espaço no Congresso. Foram criados o Inovcom, o Iniciacom,
a Expocom e o Prêmio Luiz Beltrão para fortalecer a área da Comunicação e
aproximar o meio acadêmico das áreas profissionais e de mercado. No texto são
apresentados em forma de tabelas os trabalhos apresentados em cada evento
bem como as etapas regionais que iniciaram a partir de 1988 em Recife. Os
eventos internacionais realizados com o apoio da INTERCOM iniciaram em
1986 no Encontro Ibero-americano de pesquisadores de Comunicação.
Dentre as diversas publicações da Coleção GTs da INTERCOM, são destacadas as seguintes publicações de Sonia Virgínia Moreira: Rádio no Brasil:
Sonia Virgínia Moreira
229
tendências e perspectivas (1999) e Desafios do rádio no Século XXI (2000), ambos
em conjunto com Nelia R. Del Bianco.
O olhar interno conta com os depoimentos dos ex-presidentes: José Marques
de Melo, presidente durante três gestões, com o texto Pensamento comunicacional brasileiro: Gênese, autonomia, reinvenção; Anamaria Fadul, presidente em
uma gestão, com o texto A Intercom e a transição democrática; Gaudêncio Torquatro com o texto Uma entidade à frente de seu tempo; Margarida M. Krohling
Kunsch, presidente por duas gestões, apresenta o texto Intercom, uma SBPC da
Comunicação; Manuel Carlos Chaparro apresenta o texto Anos de consolidação
da identidade científica; Adolpho Queiroz apresentou A família Intercom; Maria
Immacolata Vassalloo de Lopes com o texto A Intercom na maioridade, J.S.Faro
com o texto Intercom – 25 anos; e por fim Cicilia Peruzzo com o texto O papel e
as frentes de atuação da Intercom no início do novo milênio. Estes últimos pesquisadores foram presidentes por uma gestão.
O olhar externo apresenta os depoimentos de representantes de instituições
estrangeiras: Raúl Fuentes Navarro professor da Universidade de Guadalajara,
México, fala sobre a INTERCOM no texto Interdiciplinariedad en Comunicación: 25 años de Intercom; Gabriel Kaplún, professor da Universidad de la
República, Uruguay, apresentou o texto Intercom: Estímulos y modelos, envividas
y riesgos; Joseph Straubhaar, diretor do Center for Brazilian Studies, Universidade
do Texas, em Austin, apresenta o sucesso da sociedade com o texto Intercom, a
success story e, por fim, Luís Humberto Marcos, presidente da CFJ, diretor do
Museu Nacional da Imprensa, ambos em Portugal, apresentou brevemente os
25 anos de Intercom.
230
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Rádio em transição: estudo comparado
no início do novo milênio
Ana Baumworcel1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil. Rio de Janeiro:
Mil Palavras, 2002. 352 p.
Talvez o menos conhecido e divulgado livro da jornalista,
ex-presidente da INTERCOM, professora e pesquisadora da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Sonia Virgínia
Moreira, seja Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados
Unidos e no Brasil. Publicado em 2002, o livro é sua tese
de Doutorado defendida em 1999, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP). O foco na
tecnologia e na legislação de radiodifusão representou uma
inovação na trajetória acadêmica da pesquisadora, até então,
vinculada aos estudos sobre a história do meio no Brasil.
Antes do livro sobre sua tese, Sonia publicou Rádio Nacional, o Brasil em sintonia, em parceria com Luiz Carlos Saroldi
(1988); O rádio no Brasil (1991) e Rádio Palanque, fazendo
política no ar (1998). Depois de ter trabalhado na Rádio Jornal do Brasil-AM e, logo a seguir, na Voz da América, nos
Estados Unidos, Sonia se tornou uma apaixonada por esta
1. Professora Doutora e pesquisadora da área de Rádio da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Sonia Virgínia Moreira
231
mídia, como fica implícito na apresentação que faz de Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil:
Imagine um mundo desprovido de som ou ruído. O maior apelo do
rádio reside exatamente na magia inerente à comunicação sonora à distância: música, voz, barulho, ou mesmo intervalos de silêncio, criam
ambientes próprios, particulares e únicos que contribuem para a imaginação, atributo peculiar em grande parte relacionado às experiências
acumuladas por cada indivíduo (MOREIRA, 2002, p. 13).
Foi também, sem dúvida, essa experiência profissional radiofônica nos dois
diferentes países que a colocou numa posição privilegiada para analisar o veículo
de forma comparativa, a partir da motivação de sua vivência prática e da necessidade de conhecer e refletir mais sobre o rádio no Brasil e nos Estados Unidos.
O livro-tese contribui para a pesquisa sobre esse importante meio de comunicação, defendido pela autora como “o veículo de massa mais democrático, capaz
de atingir o maior número de pessoas em qualquer lugar do mundo. Por essa e
inúmeras outras razões, vale sempre a pena estudá-lo”. (p.219).
Sua contribuição para os pesquisadores do campo se deve ao fato deste livro
representar um documento histórico sobre a evolução tecnológica do rádio no
final do século XX e início do XXI. A autora enfrentou o desafio de estudar a
tecnologia e sua influência na produção radiofônica, no momento de sua transformação, nos anos de 1990, quando ainda havia escassez de informações e análises precárias sobre o assunto. Registra o início do debate sobre a versão web do
meio, sobre o rádio digital e prevê a importância que o telefone celular terá anos
mais tarde: “o rádio via celular representa uma tendência natural na evolução
das telecomunicações, na qual a captação de ondas sonoras é um recurso adicional à disposição do usuário de veículo multimídia” (MOREIRA, 2002, p.18).
Além disso, as últimas cem páginas do livro apresentam anexos com a íntegra de projetos de Lei de Regulamentação da Radiodifusão em diferentes épocas, nos dois países, significando um rico material de consulta para interessados
em estudar e pesquisar sobre a legislação. Moreira (2002, p.40) lembra que “o
avanço tecnológico que altera perspectivas de uso, função e atuação dos meios,
prossegue sem a existência de um órgão regulador específico e sem normas definidas tanto para a mídia de massa tradicional como para as novas formas de
comunicação”. A pesquisadora sugere:
Diante do quadro tecnológico e comercial que se apresenta, a renovação
(e a decorrente atualização) das leis de radiodifusão adquiriu extrema
232
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
importância para o futuro da mídia rádio no país. Independente das
alterações e inserções ocasionais e pontuais em textos legais existentes
permanecem urgentes e necessárias a apresentação, discussão, aprovação
e aplicação de uma legislação moderna, que contemple os avanços tecnológicos e industriais e, ao mesmo tempo, impeça que o rádio continue a
ser utilizado de acordo com a conveniência dos proprietários ou arrendatários de emissoras, na maioria das vezes sem um respeito mínimo às
obrigações definidas nas leis existentes (MOREIRA,2002, p. 19).
O livro apresenta ainda o debate inicial sobre a criação do Conselho de Comunicação Social, nos anos 2000, e a autora ressalta:
A definição das regras em texto renovado de lei específica e o incentivo
à participação da sociedade na construção dessa nova legislação são elementos imprescindíveis para a garantia do acesso democrático ao rádio e
aos outros meios de comunicação (MOREIRA, 2002, p. 22).
A professora e pesquisadora Anamaria Fadul, orientadora de Sonia na USP,
destaca, no prefácio, a contribuição que o livro trouxe para a ampliação da bibliografia brasileira sobre rádio num momento de poucos livros publicados no
país. Outro mérito identificado é a metodologia comparativa entre dois países,
pouco utilizada na época no campo da comunicação, e que permite entender
a influência norte-americana no modelo de rádio brasileiro. Metodologia que
provocou, também, mudança na trajetória acadêmica de Sonia ao despertar sua
curiosidade para compreender as semelhanças e diferenças entre o sistema brasileiro de comunicação e seus congêneres estrangeiros. Essa curiosidade se transformou num estímulo para que, ao deixar a presidência da INTERCOM anos
depois, assumisse a diretoria de relações internacionais da entidade e promovesse encontros paralelos entre diferentes países. Estes colóquios internacionais
contribuíram para que o estudo comparativo da mídia avançasse no Brasil na
última década.
O livro Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil
é dividido em três partes. A primeira faz um histórico da invenção do rádio,
a segunda apresenta como esta mídia sobrevive e se transforma, no Brasil e
nos Estados Unidos, depois da chegada da TV e a terceira aborda o rádio em
transição, a partir das novas tecnologias, e faz uma análise da legislação vigente
nos dois países. Na conclusão, Moreira (2002, p. 211) defende que “o estudo
comparado da evolução do rádio demonstra que, apesar da semelhança quanto
à concepção do meio, os sistemas de radiodifusão operam de formas distintas
Sonia Virgínia Moreira
233
em cada país”. A autora enfatiza a participação dos fabricantes de equipamentos
radiofônicos nos Estados Unidos e a de políticos e religiosos, no Brasil, por
exemplo. Lembra que os EUA são o maior mercado de rádio do mundo e o
Brasil é o segundo maior.
E confirma suas hipóteses de que a convergência dos meios em sistema multimídia é um processo em curso; que o papel do Estado como agente regulador
vem se modificando nos dois países e que o perfil dos ouvintes tende a continuar
local, ainda que com uma inserção global. Sonia Virgínia Moreira apresenta
muitos dados sobre o rádio no Brasil e nos Estados Unidos na virada para o
século XXI e os contextualiza no momento histórico de transição tecnológica.
Para aqueles que acompanham a trajetória desta mídia, vale a pena ler o livro-tese da pesquisadora.
Referências
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio em transição: tecnologias e leis nos Estados Unidos e no Brasil. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. 352 p.
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Palanque, fazendo política no ar. Rio de
Janeiro: Mil Palavras, 1998. 172 p.
MOREIRA, Sonia Virgínia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo
Editora, 1991. 80 p.
MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia, em parceria com Luiz Carlos Saroldi Rio de Janeiro: Funarte/ Martins Fontes, 1988.
135 p.
234
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
O Pensamento da Comunicação
brasileira
Carlos Alberto Silva1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, S. V. (Org.); LOPES, Maria Immacolata
­Vassallo de (Org.); MELO, José Marques de (Org.); BRAGANÇA, Anibal (Org.). Pensamento comunicacional brasileiro. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. 280p.
O pensamento em torno da comunicação brasileira se materializa a partir do trabalho dos pesquisadores espalhados pelas universidades país afora sobre temas como cultura, novas
tecnologias, comunicação, sociedade, política, entre outros,
e é o caminho para entender este lado intempestivo da contemporaneidade, além de se fazer um diagnóstico da mídia e
seu aparato tecnológico.
Um dos exemplos sobre o estudo e a pesquisa apresentados
por pesquisadores de áreas distintas do conhecimento da comunicação está no livro O pensamento comunicacional brasileiro (2005), que é resultado dos trabalhos apresentados
durante a pré-conferência organizada pela INTERCOM em
1. Doutorando em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul
de Santa Catarina (Unisul) e professor no curso de Publicidade
e Propaganda da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e
coordenador da Pós-Graduação em Comunicação, Empreendedorismo e Mídias Digitais.
Sonia Virgínia Moreira
235
julho de 2004, em Porto Alegre, junto à XXIV Conferência Internacional da Internacional Association for Media and Communication Research – IAMCR. A
organização, revisão e atualização dos textos são de José Marques de Melo, Maria Immacolata Vassallo de Lopes, Aníbal Bragança e Sonia Virgínia Moreira.
Os organizadores deste livro, que saiu pela INTERCOM, providenciaram
uma publicação com textos em português e em inglês. E entre os dez artigos,
são apresentados debates que vão desde a participação brasileira na comunidade
mundial das ciências da comunicação até as pesquisas em jornalismo, com seus
paradigmas em confronto, e os estudos de recepção e as interfaces dos campos
acadêmicos das relações públicas. Vale ressaltar a perspicácia dos organizadores
para colocar as temáticas além das fronteiras dos congressos e encontros, possibilitando que os estudantes de graduação e pós-graduação ampliem as discussões em sala de aula.
O primeiro tema em debate é a possível autonomia do jornalismo como um
ator social ativo no jogo democrático e o seu tal poder de configurar a cultura
política da sociedade e o reconhecimento de que a dinâmica social se altera com
a presença da mídia e das novas formas (a partir de recursos e linguagem) de se
fazer jornalismo.
Academicamente, debate-se nos últimos anos, e ainda hoje, a objetividade e a
subjetividade das práticas jornalísticas. É um conflito inconcluso entre realismo
e o construtivismo nas ciências sociais, além de se levantar o pressuposto que a
mídia em geral, e o jornalismo em particular, exerce um efeito demolidor sobre
a sociedade, porque por trás da notícia estaria a manipulação das informações
frente à lógica comercial e ideológica das empresas de comunicação. Também
se debate que os conteúdos apresentados nos grandes veículos, e principalmente
na televisão, são medíocres, levando à despolitização dos leitores, dos ouvintes
ou dos telespectadores. Por outro lado, há de se considerar as ações da sociedade
sobre o jornalismo e analisar assim o processo de recepção.
Aliás, a recepção é um dos pontos forte do livro quando diz que este não é
um processo redutível ao psicológico e ao cotidiano, apesar de ancorar-se nessas
esferas, mas sim um jogo de análise profundo no campo cultural e político.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da Universidade de São Paulo, destaca
que os processos de recepção devem ser vistos como parte das práticas culturais
que articula processos tanto subjetivos como objetivos e tanto micro (ambiente
imediato controlado pelo sujeito) como macro (estrutura social que escapa a
esse controle).
É pelos estudos culturais que a análise crítica de pesquisa vai tratar da recepção em que as características socioculturais dos usuários são integradas na
análise não mais de uma difusão, mas de uma circulação de mensagens em
236
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
uma dinâmica cultural. Lembrando que a produção e a reprodução social nos
processos culturais não são somente uma questão de significação são, sobretudo, uma questão de poder. Por isso, os estudos buscam reconstruir o lugar dos
sujeitos ocultos nas perspectivas anteriormente hegemônicas, porque afinal nem
a análise da mensagem nem a análise da estrutura de propriedade respondem
suficientemente a pergunta sobre os impactos dos meios sobre a sociedade. Esta
discussão vem, inclusive, desde a segunda metade dos anos de 1970.
O olhar atento a estes temas do pensamento comunicacional brasileiro permite à professora Sonia Virgínia não só fazer uma organização e revisão textual
do que se debate na publicação, como ela também está na função de pesquisadora apresentando números do que se falou sobre o rádio nos congressos da
INTERCOM. São analisados 42 dos 59 textos apresentados entre os anos de
1997 e 2004 com foco em uma questão bem específica para aquele período em
que busca responder qual teria sido a contribuição do grupo de pesquisadores
da INTERCOM para a bibliografia sobre o rádio nacional?
A resposta apontou que, apesar de persistirem inúmeras lacunas nos estudos
sobre rádio, era inegável que a pesquisa do campo havia se desenvolvido, naquele momento, em patamares completamente distintos das décadas anteriores.
Mostrou ainda que a intervenção de um grupo, com estrutura central de pesquisadores, conseguiu contribuir para materializar o prestígio de uma área de
estudos preterida durante décadas pela academia.
Sonia conclui que a bibliografia sobre o rádio no Brasil estaria mais pobre
se não fosse o investimento permanente de um grupo de professores e investigadores empenhados numa causa comum, que era conhecer um meio de comunicação em suas múltiplas manifestações. As pesquisas evoluíram ainda em
quatro pontos importantes como a tecnologia, os estudos históricos e regionais
articulados, a consolidação dos estudos de conteúdo e de gênero e, por fim, a
ampliação das análises de experimentação com o áudio.
Diante disso, é possível observar que os estudos da comunicação midiática
transitam em outros campos sociais, mesmo que os procedimentos de reflexão
ocorram especificamente nas instituições universitárias e científicas. Afinal, nas últimas décadas ampliou-se a rede de cursos de graduação e pós-graduação no Brasil, portanto, é evidente que as discussões se ampliem dentro das universidades. E
são os pesquisadores que aprofundam os debates sobre novas tecnologias, como
fez o professor da Universidade Federal da Bahia, Marcos Palácios, ao apresentar
trabalho na INTERCOM de 2004, com o tema Comunicação e novas tecnologias
no pensamento comunicacional brasileiro. O artigo consta também na publicação.
Palácios observa que há uma crença de que as tecnologias têm um poder
irresistível e inevitável na condução das ações humanas e na mudança social. Ele
Sonia Virgínia Moreira
237
chama a atenção para questão de posicionamento governamental e das instituições na abertura de diálogos para politizar a discussão. Porque em fins da década
de 1990, o interesse pelas redes digitais e telemáticas, como novo ambiente de
comunicação generaliza-se na área de comunicação produzindo um número
sempre crescente de teses e dissertações em quase todos os programas de pós-graduação implantados no país.
É inevitável ressaltar que somos cada vez mais tecnologia, conforme destaca
Marcos Palácios, e cada vez menos corpo. Ou pelo menos foi para onde sempre
apontaram os inúmeros estudos que analisavam o corpo desde a perspectiva de
suas múltiplas relações com as tecnologias de um modo geral.
Enfim, estas discussões estão lá, provocativas, no livro Pensamento comunicacional brasileiro e serve para saber e entender os trabalhos de pesquisa acadêmica
e os debates travados nos núcleos temáticos da INTERCOM. E com certeza
é um caminho seguro para se refletir sobre a comunicação que se faz no Brasil
hoje, com a predominância do tempo presente sobre o tempo futuro, e tentar
entender esta intempestividade característica da contemporaneidade.
238
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Um marco na história do rádio em um
marco na pesquisa acadêmica
Luiz Artur Ferraretto1
5.1
MOREIRA
SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio
Nacional, o Brasil em sintonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2005.
Obra fundamental na recuperação da trajetória da principal
emissora brasileira dos tempos do espetáculo das novelas, humorísticos e programas de auditório, Rádio Nacional, o Brasil
em sintonia demonstra características presentes em todo o
trabalho acadêmico de Sonia Virgínia Moreira: a aproximação com a realidade, essencial a quem atua em uma Ciência
Social Aplicada; e a abertura a parcerias e, consequentemente, ao intercâmbio de experiências. Ao secundar Luiz Carlos
Saroldi nesta tarefa, a pesquisadora não apenas auxilia no
registro da história da PRE-8 – Rádio Nacional, do Rio de
Janeiro, mas também faz o mesmo em relação às vivências do
próprio Saroldi, um dos grandes radialistas do país. Os autores, portanto, não se fecham no mundo acadêmico. Tratam,
em realidade, de pensar o rádio a partir da universidade. Aliás, constitui-se em prática que Sonia Virgínia Moreira, junto
1. Professor da Fabico/UFRGS e Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS.
Sonia Virgínia Moreira
239
com Doris Fagundes Haussen, irá colocar como marca, anos depois, na gesta
do atual Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
Monografia vencedora do concurso sobre a Rádio Nacional promovido pela
Divisão de Música Popular do Instituto Nacional de Música da Fundação Nacional de Arte (Funarte), a pesquisa de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia
Moreira possui três edições – 1984, 1988 e 2005 – fartamente ilustradas, a última delas consideravelmente ampliada e atualizada. O livro detalha o papel da
emissora na construção de uma identidade cultural brasileira, mesmo que centralizada no Rio de Janeiro. Talvez, o adequado fosse colocar mesmo no plural:
identidades culturais. No que diz respeito à música, por exemplo, como consta
nas duas primeiras edições (1988, p. 93), a Nacional recuperou um repertório,
a seu tempo, em vias de desaparecimento; recolheu e identificou autores e temas; devolveu aos centros periféricos sua produção originária referendada pelo
principal centro irradiador do país; e buscou formas musicais renovadoras e
enriquecedoras.
Feitas estas observações iniciais, cabe destacar do conteúdo apresentado em
Rádio Nacional, o Brasil em sintonia:
1. O rádio, como meio de comunicação ponto-multiponto, chega ao Rio de
Janeiro, em 1922, quando o surto modernizador de anos anteriores na então
capital federal ao Brasil ganha a simbologia outorgada pela Exposição Internacional do Centenário da Independência. Nela, o médico e antropólogo Edgard
Roquette-Pinto toma contato com o novo meio ao assistir às demonstrações
realizadas pelas companhias estadunidenses Westinghouse Electric e Western
Electric. Com a mobilização de outros intelectuais a partir da adesão à ideia do
astrônomo Henrique Morize, presidente da Academia Brasileira de Ciências, é
fundada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
2. Da década de 1920 até a primeira metade dos anos 1930, mais do que
como emissoras, as estações surgem atuando como clubes e sociedades marcados
por uma noção idealista de disseminação da cultura por um viés elitista. Despertam, no entanto, curiosidade e encantamento entre aqueles que, gradativamente,
vão se constituindo em ouvintes. Tal interesse chama a atenção dos jornais, que
passam a abrir espaço para a cobertura e a divulgação da programação das rádios.
Surge também uma imprensa especializada. O idealizador e editor de duas publicações deste tipo – Sintonia e Voz do Rádio –, o alagoano Gilberto Goulart de
Andrade, terá, no futuro, papel fundamental na transformação da Nacional no
primeiro fenômeno comunicacional massivo da história do Brasil.
3. Com a frase “Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional, do Rio de
Janeiro”, o locutor Celso Guimarães anuncia, às 21h do dia 12 de setembro de
240
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
1936, o início das transmissões da PRE-8, a estação ligada à Empresa A Noite,
absorvida anos antes pela Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande:
[...] mais conhecida como Brazil Railway Company [...], um dos tentáculos da onipresença no Brasil do capitalista norte-americano Percival
Farquhar, responsável por empreendimentos tão diversos quanto a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré (mais conhecida como Ferrovia do Diabo), as concessões de gás, luz e telefones do Rio de Janeiro,
ou a exploração de minério de ferro de Itabira (SAROLDI; MOREIRA,
2005, p. 32).
A Rádio Nacional surge quando os clubes e sociedades já foram superados
pelo rádio como negócio, que tem, entre seus pioneiros, Ademar Casé, apresentador do Programa Casé, inicialmente na Rádio Philips, o primeiro idealizado
com certo grau de profissionalismo; e César Ladeira, o organizador do elenco
fixo e remunerado, iniciativa que este radialista vai trazer para a Rádio Mayrink
Veiga, do Rio de Janeiro, depois de tê-la introduzido na Record, em São Paulo.
4. No dia 10 de novembro de 1937, o Brasil ingressa em uma nova fase histórica com a instauração do Estado Novo, um regime autoritário semelhante ao
adotado em outros países na mesma época – em especial, a Itália fascista –, mas
se diferenciando destes por emular o ideário positivista, base de formação política
de Getúlio Vargas, um adepto das ideias de Auguste Comte na versão dada a estas
por Julio de Castilhos, um dos fundadores – e, na sequência, o principal líder –
do Partido Republicano Rio-grandense:
Formados em sua maioria à sombra dos princípios positivistas, Getúlio
Vargas, Roquette-Pinto e vários de seus contemporâneos acreditavam na
missão humanista de preparar as massas para a ascensão social por via pacífica. O rádio tinha condições de ser o instrumento adequado para chegar
a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, ainda
levando-se em conta a alta taxa de analfabetismo do país. A tarefa requeria
uma estrutura jurídica que desse à emissora oficial a liberdade de competir
no mercado publicitário, a fim de reinvestir os lucros na manutenção, reequipamento e permanente expansão do veículo.
Para funcionar, este modelo teórico exigia um administrador confiável.
Alguém em dia com os meios de comunicação e a política em curso, ao
mesmo tempo capaz de proteger a iniciativa dos vícios do empreguismo,
da burocracia e do desperdício material e humano, eternas pragas tupiniquins. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 49-50).
Sonia Virgínia Moreira
241
A viabilização deste processo começa com o Decreto-lei n. 2.073, de 8 de
março de 1940, que constitui as Empresas Incorporadas ao Patrimônio da
União, baseando-se na dívida de £ 3 milhões (três milhões de libras esterlinas)
da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande com o governo federal.
“O mesmo decreto nomeava para a direção da Rádio Nacional o jornalista e
promotor do Tribunal de Segurança Nacional Gilberto Goulart de Andrade.”
(SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 55). Era o administrador confiável escolhido
para a tarefa de gerir uma empresa que, em uma vantagem a ser muito bem
explorada no futuro, pertencia ao patrimônio da União, tendo o apoio, portanto,
do governo, mas atuando como uma emissora comercial, carreando para si recursos
provenientes da publicidade.
5. Fugiria ao escopo desta resenha elencar todos os profissionais e programas que se destacaram ao longo da história da emissora, os quais são citados
e têm suas trajetórias aprofundadas em Rádio Nacional, o Brasil em sintonia.
Evidentemente, dada a grandeza do objeto de estudo, a própria obra de Luiz
Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira, mesmo sendo a mais completa existente a respeito, não esgota o assunto. Transita, no entanto, pelos destaques de
uma programação que, em 1945, por exemplo, oferecia semanalmente e em
média, como informava à época o próprio Gilberto de Andrade (apud SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 106): cultura física (9,9%), informativos e crônicas
(11%), música clássica e semiclássica (4,4%), música popular brasileira (11%),
música variada (26,9%), programas de auditório (4%), programas educativos
(4,4%), radioteatro (14,3%) e variedades (14,1%).
6. O poderio da Rádio Nacional não seria abalado nem pela derrubada da
ditadura do Estado Novo, em 1945, nem pelo suicídio de Getúlio Vargas, em
1954. Um ano depois do político que encampara a emissora ter posto fim à própria vida com um tiro no coração, os números da emissora seguiam invejáveis e
difíceis de serem alcançados pela concorrência:
A receita das irradiações da Rádio Nacional em 1955 alcançava 87 milhões e 600 mil cruzeiros. O faturamento previsto para o exercício seguinte era de 100 milhões de cruzeiros. O prestígio da emissora também se refletia na correspondência recebida em 1955, que totalizava
1.240.036 cartas. (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 146).
Ao completar duas décadas no ano de 1956, a Nacional anunciava a intenção de inaugurar um canal de televisão no Rio de Janeiro, o que jamais iria se
concretizar. Desde 1950, quando Francisco de Assis Chateaubriand lançara
a TV Tupi-Difusora, de São Paulo, o novo meio vinha se firmando com di242
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
versas estações começando a ser instaladas nas principais cidades. Até meados
da década seguinte, a migração de verbas publicitárias para as emissoras de
televisão, a exemplo do que ocorria com as demais rádios, também vai afetar
a Nacional.
7. Com a ditadura militar, funcionários da emissora serão perseguidos por
sua proximidade política com o governo deposto em um episódio que culmina
com a demissão de 36 pessoas incluída no Ato Institucional n. 1, de 24 de julho
de 1964, assinado por Humberto de Alencar Castelo Branco, o general que
ocupa então a presidência da do Brasil.
Quinze anos depois, os demitidos foram beneficiados pela Lei da Anistia
assinada pelo presidente João Figueiredo. Mas seis deles tiveram de ser representados por suas viúvas ou herdeiros [...]. Dos 30 restantes, 12 foram
reintegrados à emissora e 18 preferiram o caminho da aposentadoria.
(SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 182).
A decadência vai marcar os anos seguintes. Em 1976, a emissora passa para o
controle da Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobras), estatal criada pela
Lei n. 66.301, de 15 de dezembro de 1975. Após o período militar, no governo
de José Sarney, a Nacional AM, do Rio de Janeiro, escaparia da privatização,
o mesmo não ocorrendo com sua coirmã em FM e com outras 14 estações de
rádio e uma de TV até então pertencentes à Radiobras.
8. Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira fazem ainda um inventário
do acervo remanescente da Nacional, que se encontra, em sua grande parte, no
Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro, e na própria emissora. Dão,
assim, uma ideia aos futuros pesquisadores de onde continuar no caminho trilhado por Rádio Nacional, o Brasil em sintonia.
A respeito da obra de Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira cabe
ainda lembrar um trecho da edição de 2005, produzida com base nas intenções
e nas ações do governo de então voltadas à recuperação da Nacional:
No alto do edifício de A Noite no centro do Rio, continua a se desenrolar
a novela que a Nacional jamais transmitiu, tendo por tema sua própria
história. Ao que tudo indica, o enredo se aproxima do clímax, sob a torcida de ouvintes e coadjuvantes, unidos na expectativa de um final feliz.
(SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 14).
Sonia Virgínia Moreira
243
Confrontada, desde então, com a realidade da segunda década do século 21,
uma leitura dos prefácios e das versões do capítulo Dilapidação e recuperação
da memória que aparecem nas edições de Rádio Nacional, o Brasil em sintonia,
bem como da Conclusão – 1984 e 1988 – e das Observações finais – 2005 –
transforma-se em um relato das agruras e das esperanças em torno do imenso
patrimônio simbólico representado pela emissora. Talvez seja a constatação de
um enorme “poderia”. Desde a constituição da Empresa Brasil de Comunicação, o governo ainda não deu uma resposta adequada às estações de rádio abrigadas sob a estatal criada a partir da medida provisória 398, de 25 de outubro
de 2007, depois convertida pelo Congresso Nacional na Lei n. 11.652, de 7 de
abril de 2008. Em um país onde o conceito de comunicação pública não está
totalmente claro pela não regulamentação de artigos constitucionais, a Nacional, que definiu o espetáculo massivo do rádio, poderia, agora, dar outro passo
de significação histórica. A sua transformação na principal emissora pública
do país, no entanto, fica mesmo no “poderia”, esbarrando nas dificuldades da
indigência de uma cultura política que não sabe ainda separar o estatal do governamental, dos partidos a exercer, neste ou naquele momento, o poder.
Referências
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio – O veículo, a história e a técnica. 3.ed. Porto
Alegre: Doravante, 2007.
____. Uma proposta de periodização para a história do rádio no Brasil. Eptic
– Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação,
Aracaju: Observatório de Economia e Comunicação da Universidade Federal
de Sergipe, v. XIV, n. 2, maio-ago. 2012.
HAUSSEN, Dóris Fagundes. Rádio e política: tempos de Vargas e Perón. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1997.
SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional, o Brasil
em sintonia. 2.ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes/ Funarte, 1988. (Coleção
MPB, 13).
____. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. 3.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.
244
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Comunicação: ensino e pesquisa
Ben-Hur Demeneck1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, Sonia Virgínia; VIEIRA, João Pedro Dias
(Orgs.). Comunicação: ensino e pesquisa. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2008. 152 p.
O livro Comunicação: ensino e pesquisa compõe-se de oito artigos com múltiplas abordagens para a pedagogia e a ciência
da Comunicação: reflexão acadêmica, currículos universitários, integração entre graduação e pós-graduação, divulgação
de produção científica, relação professor-aluno, legislação referente à educação superior e ao direito à informação e, por
fim, experiências de avaliação institucional e de ensino em
outros países (Estados Unidos e Peru, especificamente).
Sob a organização de Sonia Virgínia Moreira e João Pedro
Dias Vieira, a coletânea revela marcas do perfil acadêmico
da autora – capacidade de articulação e liderança. O título
reúne pesquisadores do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Lima, Austin e New Orleans diante dos
desafios das graduações e pós-graduações em Comunicação.
No caso, os autores convidados são: Muniz Sodré, Margarida
1. Doutorando do PPGCOM-ECA/USP, sob orientação do Prof. Dr.
Eugênio Bucci, com financiamento da CAPES. [email protected]
Sonia Virgínia Moreira
245
Krohling Kunsch, Ivone de Lourdes Oliveira, Cláudia Peixoto de Moura, Juan
Gargurevich, Rosental Calmon Alves e Vicki Mayer.
O caráter de integração acadêmica perpassa a obra e se evidencia tanto no
perfil dos colaboradores quanto pelo fato de português, espanhol e inglês dividirem a sequência das páginas. Quando o assunto é internacionalização, Sonia
Virgínia Moreira manifesta desde o começo da carreira uma tendência de ampliar a interlocução além das bordas nacionais. Ainda no mestrado, feito na
Universidade do Colorado (EUA), ela investigou correspondentes sul-americanos então baseados em Washington e Nova York.
Quando presidente da INTERCOM, Sonia Virgínia Moreira promoveu Colóquios Binacionais entre pesquisadores do Brasil e México, Chile e Argentina (leia
mais a respeito em O pensamento jornalístico de Sonia Virgínia Moreira, artigo de
Marcelo de Oliveira Volpato apresentado no Celacom 2009). No entanto, o principal tema de sua bibliografia é o rádio. Além de dezenas de publicações acerca da
mídia radiofônica, entre elas livros (ex.: Rádio Nacional: Brasil em sintonia, 1988),
a pesquisadora foi uma das criadoras do GT de Rádio da INTERCOM, em 1991.
No prefácio do livro, José Marques de Melo aponta para alguns obstáculos que continuam prejudicando o desenvolvimento pedagógico e científico da
Comunicação: a concentração espacial dos cursos, as assimetrias entre graduação e pós-graduação e a divergência entre currículos e o mercado de trabalho.
Ao procurar estabelecer uma cronologia e um panorama da graduação e da
pós-graduação em Comunicação, a coletânea confronta problemas e dilemas
contemporâneos. Alguns dos artigos coligidos concentram-se na reflexão teórica. Outros conteúdos abordam tópicos recorrentes em ensino e em pesquisa,
como o ensino-aprendizagem, a divulgação científica e o currículo. Por fim,
descrevem-se experiências estrangeiras em Comunicação.
Muniz Sodré assina o primeiro texto. Detentor de uma trajetória acadêmica
consagrada, o professor emérito de Comunicação da UFRJ é um “intelectual-pensador” que sequer dispensa debates públicos para conciliar sala de aula e
produção de conhecimento, a exemplo de sua participação no Observatório da
Imprensa sobre os “protestos de junho” (TV Brasil, 11/03, o primeiro programa
da temporada 2014). Para Sodré, pesquisar é “a busca de algo de que se suspeita,
se pressente, mas que efetivamente ainda não se sabe” (p. 15), portanto, para ele,
é preciso evitar que as exigências institucionais se tornem uma amarra burocrática contra o ato de pensar. Com a erudição que é a sua marca, o pesquisador
sistematiza reflexões que indissociam a investigação acadêmica da docência, independentemente se a área de estudos estiver associada à vinculação, à veiculação
ou à cognição e às metodologias da Comunicação, desde que se cultive uma atitude que “assegure que medir não é o mesmo que pensar” (p. 26).
246
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
No texto de Ivone Lourdes Oliveira (PUC-MG), procura-se responder à
questão de qual formação acadêmico-profissional é capaz de encarar “tempos
de mudança”. Para tanto, a autora reflete temas como ensino-aprendizagem,
identidade profissional, interdisciplinaridade, interfaces da comunicação com
outros saberes e flexibilização de conteúdos em grades disciplinares. “A percepção que tenho é que as universidades, aos poucos, têm se distanciado dessa
perspectiva de fortalecer a condição humana, que é a sua missão maior”, avalia
Oliveira (p. 52). No entanto, a capacidade de enfrentar riscos e de encontrar
soluções criativas está limitada na formação dos discentes devido a fenômenos
como a fragmentação das disciplinas e a vigência de uma cultura ávida por “rapidez, eficiência e felicidade perenes”.
Em inglês, Vicki Mayer (Tulane University, EUA) desenvolve o tema da
televisão digital no Brasil e argumenta que o discurso político da digitalização
marginalizou trabalhadores da Zona Franca de Manaus (ZFM), personagens
centrais no processo produtivo que decorreria à decisão estatal. Esse artigo é o
que melhor evidencia a tensão entre tecnologia e sociedade, justamente numa
área que exemplifica a passagem de um modelo fordista (baseado na substituição das importações) para um modelo pós-fordista (ligado a transações globais
e à flexibilização das especializações).
Entre os textos mais detidos à questão pedagógica, o de Cláudia Peixoto de
Moura (PUC-RS) detalha o percurso dos currículos em comunicação, a começar pelo “currículo mínimo” estabelecido a partir do Conselho Federal de
Educação (CFE), em 1962, passando por diretrizes dispostas em 1999 e referendadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), em 2002. O estudo
expõe dados de legislação (ex.: pareceres números 323/62, 984/65 e 631/69) e
recupera contextos acadêmicos (ex.: como o dos anos 1990, em que o debate
pedagógico teve o protagonismo do Movimento Nacional pela Qualidade do
Ensino em Comunicação). Cláudia Peixoto de Moura dedica um tópico à integração da graduação com a pós-graduação e compara PPGCOMs (Programas
de Pós-Graduação em Comunicação) do Brasil.
Margarida Krohling Kunsch (ECA-USP) apresenta uma discussão central
para toda a universidade brasileira: fazer circular o conhecimento que produz.
Margarida Kunsch defende um sistema integrado de comunicação (administrativa, interna, institucional e mercadológica) que viabilize “estratégias e instrumentos eficazes nos processos de difusão, disseminação e divulgação da ciência
e da tecnologia” (p. 42). A autora escreve capítulo por uma perspectiva de democratização do saber científico, a qual contextualiza com tópicos legislativos
(como a LDB) e institucionais (como o papel da SBPC e da INTERCOM em
promover a ciência).
Sonia Virgínia Moreira
247
A comparação da experiência brasileira com a de outros países tem espaço
no livro e permite redimensionar o status da Comunicação nacional frente a
histórias originárias em outros pontos do continente. Rosental Calmon Alves
(Universidade do Texas, em Austin) apresenta a instituição norte-americana
chamada Conselho de Acreditação no Ensino do Jornalismo e Comunicação de
Massa (Accrediting Council on Education in Journalism an Mass Communication,
o ACEJMC). O conselho da “Acreditação” remete ao Conselho Americano de
Ensino de Jornalismo, que foi criado em 1945, e que teve o nome alterado em
1980 para o atual.
A “Acreditação” é um sistema de avaliação das universidades de Comunicação aplicado nos EUA, o qual Rosental descreve a partir da perspectiva de quem
era docente em universidade sob inspeção e, futuramente, integrou o grupo de
inspeção. Rosental vivenciou ambas as experiências, e a criação, em 2002, do
Knight Center for Journalism in the Americas. Ele considera a prática da “Acreditação” interessante pelo que promove de diagnóstico e de autodiagnóstico – “o
conselho [ACEJMC] continua sendo uma operação conjunta de representantes
de empresas, associações e universidades”, explica (p. 75).
Sonia Virgínia Moreira (UERJ) assina “Informação pública e democracia:
análise comparada Brasil-Estados Unidos”, onde contrasta as legislações desses
países. No caso norte-americano, ela comenta a Primeira Emenda à Constituição (1787) e a Lei de Liberdade de Informação (1966), que recebeu emendas em 1974 e 1984. Para tratar da informação pública, a autora considera o
Código de Ética do Jornalista Brasileiro, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração de
Princípios sobre Liberdade de Expressão. De alguma maneira, a pesquisadora
antecipa o conjunto legislativo que daria base, anos depois, à Lei de Acesso à
Informação Pública (nº 12.527/2011) e às manifestações crescentes dentro da
modalidade “jornalismo cidadão”.
Em espanhol, Juan Gargurevich (Pontifícia Universidad Católica del Peru)
relata sua experiência de ensino em Comunicação no país inca. Ao delimitar o
caso da “Escuela de Periodismo” de instituição em que leciona, o pesquisador
informa que o departamento foi fundado no ano em que terminou a Segunda
Guerra Mundial e que o contexto histórico foi determinante para substituir a
influência europeia no jornalismo (dominante no pós I Guerra; anos 1920) pelo
padrão norte-americano. Ao trazer as observações para os anos 2000, Gargurevich preocupa-se com o espaço da teoria e da responsabilidade social no ensino
em Comunicação e escreve que “os jovens estudantes começam a suspeitar – e,
pior, a crer – que já não os serve muito o velho marco teórico” (tradução livre,
p. 66).
248
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Conforme exposto acima, a obra Comunicação: ensino e pesquisa (2008) serve de leitura para docentes e pesquisadores em busca de qualificação tanto em
fundamentos quanto nos processos que englobam seu trabalho. Ora o livro
aborda a compreensão teórica, ora o âmbito disciplinar, ora a prática de divulgação científica, ora a coordenação das diferentes esferas de ensino, ora as experiências estrangeiras em legislação e avaliação institucional. Isto é, o livro leva
o educador e o cientista de Comunicação a enfrentar desafios de sua época sob
orientação de intelectuais experientes no mundo do ensino superior.
É sabido que pesquisa e ensino são objeto de debate franco em Comunicação, a exemplo da repercussão das Diretrizes Curriculares Nacionais relacionadas à graduação em Jornalismo instituídas em setembro de 2013. Logo que elas
foram dispostas, seguiu-se movimentação de pesquisadores em todo o país para
dar seu aval, ressalva ou objeção – encontro da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom), Congresso FENAJ
(Maceió/AL), Congresso FNPJ (Curitiba/PR) e, a ocorrer, o Pré-Congresso INTERCOM / encontro SBPJOR (Foz do Iguaçu/PR).
Os oito anos passados desde a publicação de Comunicação: ensino e pesquisa
apenas validam as descrições, as análises e as tendências que foram apontadas.
A obra valoriza a internacionalização (assunto caro e estratégico para a pós-graduação) e o “saber pensar” em vez do produtivismo científico. A cultura
bibliográfica dos autores somada a sua capacidade de síntese e análise renderia
uma resenha para cada artigo. Eis um dos méritos do livro, a cada capítulo:
manifestar, na síntese, a energia do átomo; e, na análise, a condição da matéria.
Sonia Virgínia Moreira
249
Radiojornalismo e Repórter Esso
Nair Prata1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, Sonia Virgínia (Org.). 70 anos de Radiojornalismo no Brasil – 1941-2011. Rio de Janeiro: EdUERJ,
2011.
A trajetória do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da
INTERCOM se confunde com a própria trajetória acadêmica de Sonia Virgínia Moreira. Em 1990, foi dela a ideia
de criação de um grupo com foco na pesquisa em rádio, no
congresso da INTERCOM, realizado no Rio de Janeiro. A
implantação do grupo foi efetivada no ano seguinte, pelas
mãos de Dóris Fagundes Haussen, no congresso da PUC-RS.
Sonia Virgínia coordenou o grupo em duas oportunidades: a
primeira vez em 1994 e, depois, no período de 2000 a 2002.
O GP produziu, até 2013, dezenove publicações coletivas,
sendo três delas organizadas por Sonia Virgínia: Rádio no
Brasil; tendências e perspectivas (1999) e Desafios do rádio no
século XXI (2001) – ambos em parceria com Nélia Del Bian-
1. Jornalista, doutora em Linguística Aplicada (UFMG), professora
adjunta da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), diretora administrativa da Associação Brasileira de Pesquisadores de
História da Mídia (Alcar) e coordenadora do Grupo de Pesquisa
Rádio e Mídia Sonora da Intercom. [email protected]
250
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
co – e 70 anos de Radiojornalismo no Brasil – 1941- 2011, a única obra do
grupo que se conseguiu a proeza de ser finalista do Prêmio Jabuti, na categoria
Comunicação. O livro, publicado pela Editora da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), com 22 textos e 384 páginas, reflete sobre os 70 anos do
radiojornalismo brasileiro, inaugurado com o Repórter Esso.
O Repórter Esso é um marco no radiojornalismo brasileiro e três de suas
contribuições merecem ser assinaladas: introduzir no Brasil o noticiário com
linguagem própria para o rádio; instituir, nas emissoras de rádio, horários pré-determinados para os jornais falados e organizar um Manual de Produção, o
primeiro destinado à elaboração de noticiário radiofônico no Brasil.
Assim, com o objetivo de registrar os 70 anos do Repórter Esso e, consequentemente, os 70 anos do radiojornalismo no Brasil, é que nasceu a coletânea, que teve como autores os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Rádio e
Mídia Sonora. No texto de apresentação do livro, Sonia Virgínia destaca: “Este
livro simboliza não só um mapa atualizado do radiojornalismo brasileiro, mas
também os caminhos percorridos pelos pesquisadores sobre o status da pesquisa em radiojornalismo”. Na orelha do livro Eduardo Meditsch lembra que os
textos são de “uma amostra altamente representativa de autores, de sucessivas
gerações de especialistas”.
Os artigos do livro são divididos em quatro seções. Na primeira parte, intitulada Jornalismo de Rádio: referencial histórico, cinco autores abordam momentos distintos do jornalismo radiofônico. No texto Radiojornalismo no Brasil: do
noticiário à convergência, alguns fragmentos históricos, Luiz Artur Ferraretto traça
uma evolução do radiojornalismo a partir do Repórter Esso até o momento de
convergência das mídias; em Raízes e transformações no modelo de notícias para
o rádio, Valci Zuculoto analisa o modelo presente na origem das notícias para o
rádio; em Surgimento e desenvolvimento da reportagem da Emissora Continental
do Rio de Janeiro (1948-1964), Flávia Lúcia Bazan Bespalhok relata o surgimento e a evolução do jornalismo na Rádio Continental; em O discurso de resistência
à censura da Rádio Jornal do Brasil, Ana Baumworcel resgata período singular da
cobertura jornalística no rádio ao recuperar as formas de resistência do discurso
sonoro na Rádio Jornal do Brasil AM e, por fim, no texto O Repórter Esso: referências em depoimentos e publicações impressas sobre o noticiário, Pedro Sérico Vaz
Filho reconstrói depoimentos e imagens que marcaram o Repórter Esso.
A segunda seção do livro – A notícia, a reportagem, o repórter de rádio – reúne seis artigos: As transformações técnicas na produção do radiojornalismo e os
valores-notícia, de Nélia Del Bianco, trata sobre as transformações do jornalismo
e da notícia considerando as tecnologias digitais; O Repórter Esso e as sínteses
radiofônicas contemporâneas, de Débora Cristina Lopez, analisa a influência do
Sonia Virgínia Moreira
251
Repórter Esso nos noticiários radiofônicos atuais; Radiojornalismo brasileiro:
sem jornalista e à mercê das fontes, de Francisco Sant’Anna, com contribuições
de Nelson Sato, reflete sobre o principal e mais premente desafio do jornalismo
de rádio hoje no Brasil – o de produzir informação sem jornalistas, com grande
dependência nas fontes; A construção e a circulação da informação em emissoras
radiofônicas do Brasil, Argentina e Uruguai, de Dóris Fagundes Haussen, busca
semelhanças e diferenças entre três emissoras de rádio jornalísticas dos três países; Reportagens especiais, documentários e série de reportagens: profundidade nas
ondas do rádio, de Júlia Lúcia de Oliveira Albano da Silva e Patrícia Rangel,
discute o papel e as possibilidades da série de reportagens e do documentário
no rádio e, no texto Os modelos do Repórter Esso na síntese noticiosa das rádios
Guaíba e Gaúcha, Leandro Olegário aponta a influência do Repórter Esso em
dois exemplos de sínteses noticiosas de emissoras gaúchas.
Na terceira parte, dedicada a Linguagens e Públicos do rádio e do radiojornalismo, o texto O ouvinte e o radiojornalismo brasileiro, de Mágda Rodrigues da
Cunha, analisa o papel do ouvinte no rádio; Jornalismo cultural no rádio: recursos
de linguagem e o tratamento da cultura em reportagens, de Cida Golin, Natália
Pianegonda e Ana Laura Colombo de Freitas exploram formatos do jornalismo
cultural no rádio; Cartografias da credibilidade no radiojornalismo, de Edgard
Patrício, relata experiência de radiojornalismo educativo; O rádio informativo
em São Paulo: entre jornalismo logocêntrico e focos de resistência, de Marcelo Cardoso, apresenta considerações sobre as narrativas no rádio e, em Radiojornalismo
comunitário: limitações e possibilidades, Dioclécio Luz aborda o jornalismo nas
rádios comunitárias.
A quarta e última parte do livro está reservada a Análises Regionais. No texto Aonde só o rádio chega, Luciana Miranda Costa apresenta dados históricos
e contemporâneos do radiojornalismo no Pará; Radiojornalismo nas rádios de
fronteira do Sul e Centro-Oeste do Brasil, de Vera Lúcia Spacil Raddatz, compara
os programas jornalísticos de emissoras situadas nas fronteiras dos estados do
Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul; Entre o gilete press, o press release e a
internet: os jornalistas e a produção da notícia no rádio do sul da Bahia, de Eliana
Albuquerque, analisa as formas de produção e os desafios que se apresentam
para os jornalistas e o jornalismo em emissoras do sul da Bahia; Evolução do
radiojornalismo em João Pessoa, de Moacir Barbosa de Sousa, registra as etapas
de desenvolvimento do radiojornalismo da Paraíba; Radiojornalismo e recepção
radiofônica: a Era de Ouro do rádio na percepção de ouvintes de São Paulo e Porto
Alegre, de Graziela Bianchi e Marta Regina Maia, comparam a recepção de programas jornalísticos em emissoras das cidades de São Paulo e Porto Alegre; e,
por fim, o grupo de autores formado por Nair Prata, Wanir Campelo, Waldiane
252
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Fialho, Ângela de Moura e Sonia Pessoa, no texto Estudos sobre o rádio na academia – o caso de Belo Horizonte, apresenta o resultado de levantamento inédito
realizado nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte para detectar as
formas de abordagem do rádio em Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs).
O conjunto dos 22 textos traça um rico cenário do radiojornalismo brasileiro que, ao completar 70 anos, não somente comemora o aniversário do
Repórter Esso, mas recupera a sua trajetória, fincando os pés num futuro que
tem a longevidade como marca principal.
Sonia Virgínia Moreira
253
Enlace disciplinar para compreender a
Comunicação
Miriam Santini1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, VirgíniaSonia Virgínia (org.). Uma filósofa em
campo na Comunicação: indústria, geografias e crítica de
mídia na produção de Anamaria Fadul. São Paulo: INTERCOM, 2012, 328 p.
Com tradução para o espanhol e inglês no mesmo volume,
o livro Uma filósofa em campo na Comunicação: indústria,
geografias e crítica de mídia na produção de Anamaria Fadul, organizado por VirgíniaSonia Virgínia Moreira, tem
seis textos da pesquisadora citada no subtítulo e cinco
de seus ex-orientandos. Uma das fundadoras da INTERCOM, Anamaria Fadul ocupou a presidência da entidade
entre 1983 e 1985 – Moreira ocupou o cargo entre 2002 e
2005. No livro citado, é ressaltada a contribuição de Fadul
para os estudos sobre a ficção televisiva seriada, concentrados e difundidos a partir do Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade
de São Paulo.
1. Mestre em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina,
especialista em Educação e Meio Ambiente pela Universidade do
Estado de Santa Catarina, professora do Curso de Jornalismo da
Universidade Regional de Blumenau, atua no jornalismo sindical.
254
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
O primeiro dos seis textos de Anamaria Fadul apresentados no livro, “Indústria cultural e comunicação de massa” (1994), discute os dois conceitos e
ressalta o papel da televisão brasileira e da produção de telenovelas, assinalando
o equívoco de se buscar compreender a cultura e a educação brasileiras sem
passar pela Indústria Cultural. A autora também apresenta sua proposta de se
superar a dicotomia Escola-Meios de Comunicação de Massa, Escola-Indústria
Cultural, afirmando que a Escola deve aprender a decifrar esses meios para que
se coloquem a serviço de uma outra educação e de uma outra televisão.
No texto “Matrizes Comunicacionais: taxionomia de teses e dissertações
(1998-2002)”, é examinada a produção científica do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo no período citado, com base nas áreas, subáreas e especialidades em que as dissertações
e teses podem ser classificadas e nos métodos e técnicas utilizadas pelos autores.
Conclui-se que o avanço da pesquisa em comunicação cada vez mais depende
de um estudo sobre a epistemologia e a taxionomia da produção científica existente. Já o texto “A Intercom e a transição democrática (gestão 1983-1985)”
destaca a conjuntura política quando da criação da entidade, o papel dos encontros anuais, a internacionalização e a institucionalização da INTERCOM,
ressaltando seu papel fundamental na organização dos pesquisadores na área,
permitindo a formação de uma comunidade científica.
Os estudos sobre a comunicação internacional são o foco do texto “A internacionalização da mídia brasileira”, que examina as mudanças da mídia nacional
nos anos 1990, com a abertura da economia e as mudanças na área da informática. O artigo ressalta o papel do processo de globalização nas análises do tema,
assim como o desafio de aplicar métodos de pesquisa que deem conta da complexidade das pesquisas em comunicação internacional. Ao tratar da questão do
fluxo internacional da informação e da comunicação, a autora ressalta o papel
de instituições como a UNESCO e o Instituto Latino-Americano de Estudos
Transnacionais (Ilet), através dos quais são realizados estudos que revelam, por
exemplo, que esse fluxo era desequilibrado, priorizando os programas de origem
norte-americana (em um caso citado, os programas de televisão), levando o
debate para dentro da própria ONU e da UNESCO. Os estudos sobre o papel
das agências de notícias também são mencionados no texto, assim como o processo de internacionalização dos principais grupos de mídia no Brasil nos anos
90. Esse tema se desdobra no texto “Mídia regional no Brasil: elementos para
uma análise”, no qual Anamaria Fadul destaca que as pesquisas sobre a mídia
regional de certa forma ainda apresentam uma visão etnocêntrica, privilegiando
a mídia nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, que concentram as maiores e mais importantes empresas do ramo. Esse enfoque, assinala, deixa de lado
Sonia Virgínia Moreira
255
as diferenças existentes na mídia regional, incluindo manifestações específicas,
como as culturais. O texto destaca a importância de as pesquisas sobre o tema
levarem em conta a análise das regiões a partir de indicadores como a população
urbana, o número de domicílios e os educacionais, e não apenas os econômicos,
que foram hegemônicos durante muito tempo. Em suas considerações, Fadul
constata que a mídia regional está mudando muito com o desenvolvimento
econômico dos mercados regionais e a regionalização dos investimentos publicitários, mas não se observa melhoria significativa na qualidade dos conteúdos
veiculados: “ao contrário, o que se observa, principalmente nos programas de
rádio e televisão, é uma cópia do que de há pior na programação nacional. O
investimento na qualidade não pode ser uma questão menor, quando se fala na
ampliação do acesso à mídia” (p.67).
No quinto e último artigo da autora, “Globalização cultural e o fluxo internacional da ficção televisiva seriada: o caso da telenovela brasileira”, a autora
retoma a discussão sobre o conceito de globalização, que passa a ter centralidade
nos debates e na pesquisa na década de 90, como continuação das teorias sobre
o Imperialismo Cultural e da Mídia e, de modo geral, a “americanização” da
cultura e da comunicação. Na discussão sobre as agências de notícias, o texto repete os elementos do artigo “A internacionalização da mídia brasileira”, e
avança ao dissertar sobre os seriados televisivos e o papel e o lugar da telenovela
na cultura e na sociedade brasileira a partir da década de 60, sendo esse, hoje,
um dos nossos gêneros televisivos mais importantes.
Na segunda parte do livro, dedicado à produção de ex-orientandos de professora e pesquisadora, o artigo de abertura, “Uma nova configuração dos fluxos
televisivos”, de Ana Paula Silva Ladeira Costa, fala sobre o papel dos estudos de
Anamaria Fadul para investigar a participação do Brasil e de outros países da
América Latina na venda de telenovelas e, desse modo, a resistência ao fluxo dominante denunciado na década anterior, sob a hegemonia dos Estados Unidos.
Nesse sentido, aponta a autora, o Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Escola
de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, fundado em 1992, deu
a base para a realização de teses e dissertações sobre o gênero, valorizando a
produção latino-americana e suas singularidades.
Ancorado na relação entre o global e o local – esse em um movimento crescente de valorização nos meios de comunicação - o texto de Cicília M. Krohling
Peruzzo, “Mídia local e comunicação comunitária no Brasil”, busca estabelecer,
a partir dessa relação, o espaço do que seria essa comunicação comunitária,
vista, na América Latina, como aquela gerada no contexto de um processo de
mobilização e organização social de segmentos tidos como subalternos, buscando sua conscientização. A autora busca também diferenciar essa mídia da
256
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
chamada mídia local, sem deixar de lado a acentuação de seus pontos comuns,
como temas tratados, busca de participação popular e foco na cidadania. A
diferença entre uma e outra estaria no fato de a mídia local tender a reproduzir
mais a lógica dos grandes meios de comunicação, especialmente quanto aos
sistemas de gestão e aos interesses em jogo. A conclusão é que os temas locais,
na comunicação comunitária, são tratados em uma perspectiva de superação das
desigualdades e por justiça social. Já a mídia convencional faria esse movimento
por contingências situacionais e interesses mercadológicos.
No texto “O global como eixo da produção científica”, Doris Fagundes
Haussen reflete sobre sua própria trajetória acadêmica e a de sua orientadora,
tendo como foco de pesquisa a preocupação com a temática da globalização e de
suas consequências na sociedade. Já Narciso Júlio Ferreira Lobo (in memoriam),
em artigo intitulado “O colonialismo midiático e a Amazônia” segue por outra
vereda, expondo diferentes perspectivas (literárias, cinematográficas, jornalísticas) sobre a região. As contribuições de Werner Werzog, Silvino Santos, Mário
de Andrade, Raul Bopp, e, mais recentemente, o jornalista Lúcio Flávio Pinto,
editor do Jornal Pessoal, são mencionados pelo autor, que enfatiza também o
papel do rádio para vencer a grande extensão territorial da região, assim como
o da ficção televisiva e da internet para consolidar a comunicação da e sobre a
Amazônia. O artigo menciona ainda a fato de, em meio a tantos discursos sobre
essa região, serem muitas vezes silenciadas as vozes locais, como as indígenas,
que “sentem dificuldades até mesmo para se contarem a si mesmas” (p.104).
O último texto do livro, que tem tradução em espanhol e em inglês, é “Internacionalização Midiática – reflexões conceituais”, de Samantha Castelo Branco.
Debate a partir das contribuições teóricas e metodológicas de Anamaria Fadul
para o campo, tendo como estudo de caso o da Gazeta Mercantil, alvo de tese
de doutorado defendida pela autora em 2001 no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. São pontuados marcos históricos do processo de globalização no plano internacional, no
da América Latina, destacando que, no Brasil, a intensificação do processo de
internacionalização dos grupos de mídia e a formação dos conglomerados, nos
anos 90, ligam-se às mudanças na economia e na política, com a abertura do
mercado brasileiro à economia internacional, o surgimento da TV por assinatura e a desregulamentação da área de informática e de telecomunicações.
O livro organizado por VirgíniaSonia Virgínia Moreira, por conter textos
próprios de Anamaria Fadul e também de seus orientandos, possibilita que o
leitor compreenda a contribuição dessa pesquisadora aos estudos comunicacionais, com ênfase na produção e no papel da telenovela brasileira no âmbito
nacional e internacional. Essa dupla dimensão, além da dimensão local, justiSonia Virgínia Moreira
257
fica as pesquisas sob a perspectiva da globalização. O quinto e último artigo da
primeira parte anuncia-se sob o antetítulo “Geografias da Comunicação”, mas,
apesar de utilizarem conceitos caros e amplamente tratados na ótica da Geografia, como região, lugar e espaço local, os artigos não trabalham a perspectiva do
conhecimento geográfico para discutir a mídia na perspectiva da globalização.
258
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Plural, interdisciplinar e cooperativa
Clóvis Reis1
5.1
MOREIRA
MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação: Espaço
de observação de mídias e de culturas. São Paulo: INTERCOM, 2013.
Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias
e de culturas, que Sonia Virgínia Moreira organizou e que a
INTERCOM publicou em 2013, se soma à profícua reflexão
teórica que o grupo de pesquisa Geografias da Comunicação acumula desde a sua formação. Dividida em duas partes,
uma dedicada aos aportes estrangeiros e outra voltada aos
percursos brasileiros, a obra reúne a contribuição de alguns
dos mais assíduos pesquisadores do tema nos últimos anos.
O grupo de pesquisa Geografias da Comunicação ingressou
no diretório do CNPq em 2008, mesmo ano em que promoveu uma mesa temática no congresso da INTERCOM
realizado em Natal (RN), na qual apresentou os objetivos da
sua formação (INTERCOM, 2008). Como se depreende da
leitura dos documentos,
1. Doutor em Comunicação, Professor do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de
Blumenau e do curso de Publicidade e Propaganda. [email protected]
Sonia Virgínia Moreira
259
a produção do grupo inclui estudos relativos à comunicação local, regional
e internacional; indústria de mídia; economia de mídia; fronteiras midiáticas, digitais, geográficas, disciplinares; estudos de mídia. Com característica
interdisciplinar, congrega pesquisadores radicados no Brasil e no exterior interessados em promover o diálogo e a troca entre os campos da Comunicação
e da Geografia Humana. Privilegia análises de mídia pública, privada e independente (locais, regionais, nacionais e internacionais); análises comparadas
de sistemas midiáticos; indústria de mídia; tecnologia e legislação de mídia;
estudos sobre comunicação e espaço, em especial no que se refere às esferas
locais e à convergência, mobilidade e interatividade de mídia. (CNPq, 2014).
No âmbito da INTERCOM, o grupo vincula-se à Divisão Temática 7 – Comunicação, Espaço e Cidadania. (INTERCOM, 2014). Em sua formação original, o grupo congregava investigadores e estudantes das seguintes instituições:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Sergipe,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Universidade Federal
do ABC, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Universidade Federal de
Santa Catarina, Universidade Federal de Juiz de Fora e Universidade de Sorocaba, no Brasil; University of Texas at Austin e California State University – Long
Beach, nos Estados Unidos. Entretanto, ao longo de sua trajetória, agregou a
contribuição de dezenas de novos interessados, como atesta a memória que o
grupo disponibiliza na página que mantém na Internet. (GEOGRAFIAS DA
COMUNICAÇÃO, 2014a). Uma comunidade que o coletivo mantém na rede
social Facebook auxilia a comunicação com todos que têm interesse na área.
(GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO, 2014b).
As novas tecnologias da comunicação e informação e a consequente ubiquidade virtual contribuíram, junto com os estudos sobre cultura urbana e os estudos regionais de mídia, para que a geografia avançasse como um eixo temático
para as pesquisas realizadas na área de comunicação (MOREIRA, 2009). Tal
movimento caracteriza um âmbito de trabalho que no futuro constituirá um
campo semiautônomo dentro do terreno mais amplo dos estudos culturais, a
exemplo do que já ocorre nos países nórdicos, na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos. (MOREIRA, 2008)
Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas é o
primeiro livro do grupo e logo na apresentação da obra a organizadora esclarece
uma dúvida que, talvez, seja recorrente entre os curiosos:
Por que Geografias? Porque a realidade é multifacetada, online, sem
fronteiras e intercultural – plural. Porque o acesso permanente ao canal
260
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
aberto da Internet flui paralelo ao cotidiano da vida de um número crescente de pessoas. Essas pessoas se movimentam em territórios diversos e,
junto com elas a mídia portátil está em todos os lugares constituindo e
intermediando fluxos: de informação, de conhecimento, intercâmbios.
[...] A política, a economia, a sociologia, a antropologia e a história são
disciplinas-âncora dos estudos que se reúnem sob o guarda-chuva das geografias da comunicação – assim, no plural, como manifestação precisas
de suas múltiplas implicações. (MOREIRA, 2013, 11)
Segundo a pesquisadora, o campo das geografias da comunicação se ocupa
dos fluxos que movem os interesses do público, do Estado e das corporações e,
por isso, sua configuração demanda estudos que sejam ‘‘plurais interdisciplinares e cooperativos’’. (MOREIRA, 2013, 21)
O prefácio de José Marques de Melo situa a importância da obra no contexto
da produção contemporânea, evidenciando a maturidade acadêmica da organizadora. Nas suas palavras, o livro reúne um conjunto heterogêneo de pensadores,
cujos ensaios ampliam os horizontes interpretativos das pesquisas na área.
Entre eles, incluem-se Joseph Straubhaar, John Baldwin e Paulo Faustino,
na parte dedicada aos aportes estrangeiros, e José Marques de Melo, Paulo Celso Silva, Margareth Born Steinberger, Maria José Baldessar, Kleber Mendonça,
Rodrigo Gabrioti de Lima, Jalmile Dalpiaz, Roberta Brandalise, Daniela Cristiane Ota, André Pasti e Paulo Victor Barbosa de Souza, nas páginas voltadas ao
percurso brasileiro.
Como escreveu o professor José Marques de Melo, metaforicamente falando, a obra “significa prato cheio. Fumegante, colorido, apetitoso. Suscita gulodice dos comensais, pois fazia falta ao nosso banquete bibliográfico. Deixa o
gosto de quero mais” (MARQUES DE MELO, 2013, p. 10).
Referências
CNPQ. Geografias da Comunicação. Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil. Disponível em: <http://dgp.cnpq.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014.
GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO. Sobre o grupo Geografias da Comunicação. Disponível em: <http://geografias.net.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014a.
GEOGRAFIAS DA COMUNICAÇÃO. Geografias da Comunicação. Disponível em: <http://www.facebook.com/grupogeografias/info>. Acesso em: 16
jun. 2014b.
Sonia Virgínia Moreira
261
INTERCOM. Geografias da Comunicação. Mesa submetida ao III Multicom
– Colóquios Multitemáticos de Comunicação. XXXI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2 a 6 de setembro de 2008,
Natal/RN. Mídia, Ecologia e Sociedade. Natal/RN: Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, 2008.
INTERCOM. DT7 – GP Geografias da Comunicação. Índice DTs e GPs.
Disponível em: <http://www.portalintercom.org.br/>. Acesso em: 16 jun. 2014.
MARQUES DE MELO, J. Prefácio. In: MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas. São Paulo: INTERCOM, 2013, p. 9-10.
MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação. XXXI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2 a 6 de setembro de 2008,
Natal/RN. Mídia, Ecologia e Sociedade. Natal/RN: Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação – INTERCOM, 2008.
MOREIRA, S. V. Sobre a Invisibilidade da Geografia na Comunicação. XXXII
CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 4 a
7 de setembro de 2009, Curitiba/PR. Comunicação, Educação e Cultura na
Era Digital. Curitiba/PR: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação – INTERCOM, 2009.
MOREIRA, S. V. Geografias da Comunicação: Espaço de observação de mídias e de culturas. São Paulo: INTERCOM, 2013.
262
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Chamada à ação: um manual para
­noticiar a Educação no rádio
Valci Regina Mousquer Zuculoto1
5.1
MOREIRA
COSTA, Gilberto; NOLETO, Pedro (coords). Chamada à
ação: manual do radialista que cobre educação. Brasília:
Projeto Nordeste/Unicef, 1997. 49 p. Texto: Sonia Virgínia
Moreira e Maria das Graças Louzada.
Entre as tantas e qualificadas obras que compõem a “fortuna crítica” da pesquisadora, professora, jornalista, radialista
1. Valci Regina Mousquer Zuculoto é professora dos Cursos de
Graduação e Pós Graduação em Jornalismo da UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina, jornalista graduada (UFRGS),
doutora em Comunicação (PUCRS), pós doutoranda na Eco Pós
UFRJ, diretora da FENAJ- Federação Nacional dos Jornalistas,
conselheira do FNPJ-Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas de SC, coordenadora da Rádio Ponto UFSC, do Expocom categoria Jornalismo e
do GP História da Mídia Sonora da Alcar – Associação Brasileira
de Pesquisadores de História da Mídia. É uma das líderes do GIRAFA – Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio
(registrado no CNPq). Autora dos livros No Ar A história da notícia de rádio no Brasil e A programação de rádios públicas brasileiras.
Co-organizadora e co-autora de diversas outras publicações sobre
rádio e jornalismo. Endereço para acessar este CV: http://lattes.
cnpq.br/5412229646355152. E-mail: [email protected]
Sonia Virgínia Moreira
263
e intelectual Sonia Virgínia Moreira, este singelo e pequeno manual pode parecer uma produção de menor importância. Se não fosse abordada no presente
livro, a sua ausência talvez até passasse despercebida. Inclusive porque, junto
com Maria das Graças Louzada, Sonia Virgínia é referenciada apenas na ficha
técnica, como uma das autoras do texto. Não está citada na ficha catalográfica
propriamente dita.
Porém, a própria pesquisadora de tão vasta e densa produção bibliográfica
expressa, no brilho do olhar e na fala orgulhosa, ao se referir ao Manual que se
trata, sim, de uma obra sua que merece ser destacada e lembrada. E justifica que
foi uma das mais difíceis de elaborar, entre outras razões porque necessitou de
uma linguagem justamente adequada ao seu público alvo – os profissionais do
rádio – e convincente quanto ao seu objetivo de fazer com que a Educação seja
pautada e bem noticiada no meio radiofônico.
Sonia Virgínia tem toda a razão. Ao se (re)ler o Manual, mesmo quem não
é profissional ou estudiosa do rádio como eu, em especial da sua função educativa, não só se dá conta como se convence, definitivamente, deste importante
e basilar potencial do meio. A estruturação, o conteúdo, a linguagem do texto
de “Chamada à ação” realmente faz compreender “por que cobrir educação” e
como usar “o rádio como agente mobilizador” em relação à defesa e exercício
dos direitos à educação estabelecidos pela Constituição brasileira. (COSTA;
NOLETO, 1997, p. 29).
Ao destacar a importância de o rádio cobrir a temática da educação, a publicação cita o artigo 205 da Constituição Federal, de 1988 e em vigor: [...] a
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.” Também lembra o Estatuto da Criança e do Adolescente em relação
às suas determinações sobre o acesso à educação. Identifica que, mesmo assim,
naquele período da publicação, o Brasil ainda enfrentava “graves problemas na
área da educação”. Entre outros “esforços” destinados a melhorar a educação no
país, cita o Projeto Nordeste, criado pelo Ministério da Educação, “para reverter
essa situação” e através do qual o próprio Manual foi elaborado e publicado.
Após argumentar que “os resultados desses esforços serão melhores se a comunidade participar”, chama à ação o rádio e seus profissionais.
O papel do radialista, portanto, deve ser o de colaborar para que a comunidade receba informações sobre os investimentos e ações na educação e
exija, junto com a comunidade, a melhoria da qualidade da escola junto
às autoridades locais. A voz no rádio funciona como um estímulo pesso264
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
al, desperta interesse e lança novas informações. Apesar de sua principal
função ser o entretenimento, o rádio pode transmitir notícias, chamar a
atenção do ouvinte, estimular ações e reações, além de conscientizar a audiência. Falar em educação pode aumentar a audiência dos programas de
rádio. Muitos ouvintes têm filhos em idade escolar. Educação dá notícia.
(COSTA; NOLETO, 1997, p. 30).
Na época em que foi publicado, final da década 90, o Manual mostrou “o
rádio como agente mobilizador”. Quase duas décadas se passaram e o cenário
da educação no Brasil mudou, mas apesar de inegáveis avanços, ainda apresenta
graves e determinantes problemas. Um exemplo são os resultados do 11° Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos, da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado no início de
2014. De acordo com o portal noticioso G1, da Globo, este relatório evidencia
o Brasil em “8° lugar entre os países com maior número de analfabetos adultos”.
Ao todo, o estudo avaliou a situação de 150 países. De acordo com a mais
recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012 e divulgada em
setembro de 2013, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais
foi estimada em 8,7%, o que corresponde a 13,2 milhões de analfabetos no
país. Em todo o mundo, segundo o 11° Relatório de Monitoramento Global
de Educação para Todos, da Unesco, há 774 milhões de adultos que não
sabem ler nem escrever, dos quais 64% são mulheres. Além disso, 72% deles
estão em dez países, como o Brasil. A Índia lidera a lista, seguida por China e
Paquistão. O estudo também mapeou os principais desafios da educação no
planeta. A crise na aprendizagem não é só no Brasil, mas global. Para a Unesco, o problema está relacionado com a má qualidade da educação e a falta de
atrativos nas aulas e de treinamento adequado para os professores. No Brasil,
por exemplo, atualmente menos de 10% dos professores estão fazendo cursos
de formação custeados pelo governo federal, segundo dados do Ministério
da Educação (MEC). Entre os países analisados, um terço tem menos de
75% dos educadores do ensino primário treinados. (G1 Globo.com, 2014.
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/brasil-e-o-8-pais-com-mais-analfabetos-adultos-diz-unesco.html)
O rádio também muito se transformou nestas duas últimas décadas, em
especial em decorrência das mais recentes novas tecnologias das telecomunicações. Porém, sem dúvida, continua sendo um dos principais meios de comuSonia Virgínia Moreira
265
nicação para servir de instrumento de mobilização da cidadania para exigência
dos direitos fundamentais da sociedade, entre os quais os relacionados com a
educação.
Inclusive, pelas novas características e recursos que vem incorporando, na
atualidade o rádio também ampliou seu potencial de ação mobilizadora por
meio da informação sobre educação e, ainda, do seu próprio papel educativo/
cultural, pela capacidade de formação de opinião, de transmissão e disseminação de conhecimentos. O rádio hoje potencializou sua característica de ampla
abrangência, chegando à audiência a qualquer momento e em qualquer lugar,
por mais distante e inusitado que seja. O centenário meio continua irradiando
e ouvido por antena, no dial. Mas também está na internet, no celular e outros
mais novos aparatos tecnológicos que permitem a conquista de uma audiência
cada vez maior.
É importante, entretanto, ressaltar que o rádio de antena ainda se constitui
no veículo mais eficaz para atingir grandes camadas da população e deve sobreviver como um dos meios mais utilizados pelos brasileiros para acessar informação. Pesquisa recente justifica essa necessidade ao indicar que “56% dos lares
brasileiros ainda não tem internet no Brasil”, conforme matéria publicada no
portal tele.sintese em junho de 2014. (BUCCO, 2014, http://www.telesintese.
com.br/56-dos-lares-ainda-nao-tem-internet-brasil/)
Além disso, o meio vem ampliando recursos de agilidade, mobilidade e imediatismo para a captação, produção e veiculação das informações. Este quadro
também o mantém como uma das mídias de mais baixos custos de produção e
recepção, mais populares, de fácil acesso por parte do público.
Então, um Manual como o elaborado por Sonia Virgínia e demais autores
permanece contemporâneo, especialmente na sua proposta, e ferramenta capaz
de não apenas de chamar a atenção dos profissionais da comunicação para a importância de pautar as questões da educação na mídia radiofônica como também
de oferecer subsídios sobre como fazer rádio e, assim, o meio concretizar o seu
papel. Mesmo produzido em 1997, além de mostrar a sua capacidade mobilizadora para a cobertura sobre educação, traz um condensado, mas essencial resgate da história do rádio, da evolução do radiojornalismo, os tipos de emissoras e
as características do meio até aquele momento. Por fim, apresenta as técnicas do
fazer radiojornalístico, que permanecem atuais mesmo com as transformações
das últimas duas décadas, pois até algumas poucas defasadas, hoje servem como
base para a readequação e a reinvenção do rádio na era virtual. Mas a quase totalidade é o que todos nós, profissionais, estudiosos, professores ou pesquisadores
do rádio, precisamos ter bem claro para compreendê-lo, discuti-lo, produzi-lo,
atendendo a esta “chamada à ação” que nos faz o Manual. A publicação segue
266
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
a orientação do também sempre atual Kaplún em seu clássico Producción de
Programas de Radio, onde alerta que “é preciso conhecer concretamente o meio
no qual vamos trabalhar, adentrarmos nele, entender sua natureza, sua especificidade e as exigências que dele derivam” (Kaplún, 1978, p. 45).
Por isso, vamos à luta pela educação e pelo bem fazer rádio. Vamos (re)ler
“Chamada à ação: manual do radialista que cobre educação”. Vamos colocar
o manual em prática e continuar a disseminá-lo. É, sim, uma publicação que
merece ser destacada entre tantas da obra de Sonia Virgínia Moreira.
Referências
BUCCO, Rafael. 56% dos lares ainda não têm internet no Brasil. Portal tele.
síntese, 2014. Disponível em: http://www.telesintese.com.br/56-dos-lares-ainda-nao-tem-internet-brasil/ Acesso em 26 de junho de 2014.
COSTA, Gilberto; NOLETO, Pedro (coords). Chamada à ação: manual do
radialista que cobre educação. Brasília: Projeto Nordeste/Unicef, 1997. 49 p.
G1Globo.com. Brasil é o 8° país com maior número de analfabetos adultos, diz Unesco. Portal G1, 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/01/brasil-e-o-8-pais-com-mais-analfabetos-adultos-diz-unesco.
html Acesso em 29 de janeiro de 2014.
KAPLÚN, Mario. Producción de Programas de Radio. El guión - la realización. Quito, Ecuador: Ediciones CIESPAL, 1978.
Sonia Virgínia Moreira
267
Produção bibliográfica1
5.1
MOREIRA
Livros publicados/organizados ou edições
MOREIRA, S. V. (Org.). Uma filósofa em campo na Comunicação. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2012. v. 1.
328p.
MOREIRA, S. V. (Org.). Geografias da comunicação: espaço de observação de mídia e de culturas. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2012. v. 1. 244p.
MOREIRA, S. V. (Org.). 70 anos de radiojornalismo no
Brasil - 1941/2011. 1. ed. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.
384p.
MELO, José Marques de; HOHLFELDT, Antonio C; BARBOSA, Marialva Carlos; MOREIRA, S. V; Morais, Osvando
(Orgs.). Enciclopédia INTERCOM de Comunicação. 01.
ed. São Paulo: INTERCOM, 2010. v. 01. 1242p.
MOREIRA, S. V; VIEIRA, João Pedro Dias (Orgs.). Comunicação: ensino e pesquisa. 1ª. ed. Rio de Janeiro: EdUerj,
2008. v. 01. 148p.
1. Fonte: currículo Lattes de VirgíniaSonia Virgínia Moreira, consultado em jun.2014.
268
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
MOREIRA, S. V; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Comunicação, acontecimento e memória. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. v. 1. 168p.
MOREIRA, S. V; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; MELO, José Marques de; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Pensamento comunicacional brasileiro. 1. ed. São Paulo: INTERCOM, 2005. v. 1. 280p.
MOREIRA, S. V; SAROLDI, Luis Carlos. Rádio Nacional, o Brasil em sintonia. 03. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. v. 1. 224p.
MOREIRA, S. V.; BRAGANÇA, Anibal (Orgs.). Mídia, Ética e Sociedade. 1.
ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2004. v. 1. 136p.
MOREIRA, S. V. Rádio em Transição - tecnologias e leis nos Estados Unidos
e no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2002. v. 1. 352p.
MOREIRA, S. V.; PERUZZO, Cicilia M K (Orgs.). Intercom 25 anos. 1. ed.
São Paulo: INTERCOM, 2002. v. 1. 132p.
MOREIRA, S. V.; BIANCO, N. R. (Orgs.). Desafios do Radio no século
XXI. 1. ed. São Paulo / Rio de Janeiro: INTERCOM / Uerj, 2001. v. 1. 256p.
MOREIRA, S. V. O rádio no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 2000.
v. 1. 82p.
MOREIRA, S. V.; BIANCO, N. R. (Orgs.). Rádio no Brasil: tendências e perspectivas. 1. ed. Rio de Janeiro / Brasília: EdUERJ / Editora da UnB, 1999. v. 1. 232p.
MOREIRA, S. V. Rádio Palanque - fazendo política no ar. 1. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras, 1998. v. 1. 172p.
MOREIRA, S. V; LOUZADA, M. G. Chamada à ação: manual do radialista
que cobre educação. 1. ed. Brasília: MEC / Projeto Nordeste, 1997. v. 1. 49p.
Sonia Virgínia Moreira
269
MARIA IMMACOLATA VASSALLO
DE LOPES
Francisco de Assis (ESPM)
(Organizador especial)
Travessias híbridas no campo da
­Comunicação1
Francisco de Assis2
6.1
LOPES
Duas frentes de atuação conferem delineamento à trajetória
acadêmica de Maria Immacolata Vassallo de Lopes: a preocupação constante com a epistemologia do campo3 da Comunicação – e aí se insere todo um esforço em torno da metodologia da pesquisa, isto é, dos caminhos para a produção
de conhecimento – e o interesse pela telenovela, eleita como
1. Versão revista, atualizada e parcialmente modificada do texto
“Maria Immacolata Vassallo de Lopes: na trilha epistemológica
de Bourdieu” (ASSIS, 2010), publicado originalmente no livro
Valquírias midiáticas.
2. Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista
de São Paulo (UMESP). Vice-coordenador do grupo de trabalho (GT) Estudios sobre Periodismo, mantido pela Asociación
Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic),
e professor do curso de graduação em Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
3. Essa noção, como se verá, permeia as discussões levantadas pela
profa. Immacolata. Campo é entendido, aqui e em sua obra, na
perspectiva de Pierre Bourdieu (1997, p. 55): um espaço de embates, no qual várias forças internas atuam – no sentido de definir
sua identidade –, e que permanece em constante luta com outras
esferas, para seu estabelecimento no mundo social.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
271
tema, objeto e razão de ser de redes de pesquisadores, por ela lideradas, que se
dedicam a investigar os meandros e os efeitos provocados pelo gênero televisivo
mais revelador da nossa identidade latino-americana.
Legítima intelectual uspiana – não só por sua formação (graduação, mestrado, doutorado e livre-docência) galgada no âmbito da Universidade de São
Paulo (USP), mas, principalmente, por se alinhar ao perfil dos pensadores que
ali atuam –, costuma ser reconhecida pela firmeza com que defende suas ideias
e seus ideais, ao mesmo tempo em que se dispõe constantemente a entender as
transformações ocorridas no mundo, especialmente na esfera social e no espaço
de produção/circulação da ciência. E o faz por meio de uma crítica aberta e devidamente afinada com o objeto escolhido para investigar, seja a epistemologia,
seja o que popularmente chamamos de “novela”.
Essa dedicação a duas questões aparentemente tão distantes uma da outra
– mas que revelam proximidade, em razão dos modos como são tratadas – tem
gerado muitos dos principais contributos teóricos com que o campo brasileiro
da Comunicação pode, hoje, contar. Mais: tem lançado seu nome para além
das fronteiras nacionais, ecoando, no exterior, as reflexões profícuas a que os
brasileiros têm acesso.
Isso tudo é evidenciado em seu extenso currículo, que até o início de 2014
registrava 39 artigos em revistas científicas, 50 livros – entre autoria individual,
coautoria e organização, volumes únicos e reedições, versões em português e
traduzidas para outros idiomas –, 88 capítulos de coletâneas e mais 41 trabalhos
disponibilizados em anais de eventos – sejam textos completos ou resumos –,
além de outros tipos de apresentações, produções técnicas e, claro, orientações4.
Destinar espaço à fortuna crítica que resulta de seu esforço é, de fato, merecido. E não apenas por integrar a galeria dos ex-presidentes da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), aos quais este livro se volta com especial atenção. O mérito traduz uma necessidade que se coloca
a um campo que, pouco a pouco, se autonomiza. Essa necessidade é a de fazer um
balanço sobre o que foi legado pelos mestres, pelos desbravadores desse terreno, e
de, a partir deles, refletir sobre os direcionamentos dados a certas questões.
Quanto a nós, agrada-nos sobremaneira a oportunidade de reunir reflexões
a esse propósito e de compartilhar um pouco do muito que se pode com ela
aprender. Sabedor que é da admiração que temos por essa professora, ainda
que nosso contato pouco tenha sido face a face, sendo estabelecido primordial-
4. Conforme dados disponibilizados em seu Currículo Lattes, disponível em: <http://
lattes.cnpq.br/7326620682313478>. Acesso em: 10 jun. 2014.
272
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
mente no molde mais comum ao meio em que atuamos – isto é, mediado pelos
livros, pelos periódicos, portadores das mensagens que seus autores esperam
fazer alcançar-nos –, convidou-nos José Marques de Melo a organizar esta parte
do projeto desenvolvido pela INTERCOM. Não seria a primeira vez que nos
poríamos a fazer articulações sobre seus trabalhos. Assim procedemos também
quando cursávamos o mestrado – e isso já ficou tão lá pra trás –, ocasião em
que produzimos um texto inicial a seu respeito, conforme indicado na primeira
nota de rodapé deste preâmbulo. Agora, anos depois, ao retomar aquele escrito
e ao confrontá-lo com outras leituras – inclusive a dos capítulos apresentados na
sequência –, percebemos o quanto foi produzido por ela no último quinquênio,
o quanto ainda podemos somar ao nosso repertório quando acompanhamos
suas discussões e, enfim, o quanto de novidade se pode extrair daquilo que, de
alguma maneira, já conhecemos.
Esperamos, por isso mesmo, que a apreciação de sua trajetória esteja para lá
da mera especulação sobre uma história de vida e que, de fato, possa instigar
o aprofundamento na fortuna crítica que nos legaram suas investidas teóricas.
Sirva, então, para conhecer as travessias híbridas – entre a Europa e a América
Latina, entre a Sociologia e a Comunicação, entre a epistemologia e a telenovela
– responsáveis por definir quem é, o que faz e o que pensa Maria Immacolata
Vassallo de Lopes.
Formações (na vida e na academia)
Itália. 28 de novembro de 1945. Comuna de Laurito, costa sul da península,
região da Campania, província de Salerno. Nasce a terceira filha de Francesco
Vassallo e Caterina Lucia Pannullo Vassallo, a quem dão o nome de Maria Immacolata. Com outros dois filhos (um menino e uma menina), o casal vivencia
um triste momento da história da Europa, rescaldo da Segunda Grande Guerra,
e se prepara para tomar o mesmo rumo que centenas de outras famílias italianas:
o caminho da América.
Os Vassallo deixam seu piccolo paese em 1953. Aportam no Brasil, onde
encontram uma São Paulo “quatrocentona”, que há algum tempo acolhe oriundos do Velho Mundo. E ali fazem morada, junto a uma colônia lauritana que
já havia se estabelecido no bairro do Bexiga (aliás, da Bela Vista, pois nunca se
ouviu um imigrante pronunciar o apelido pelo qual aquelas adjacências ficaram
conhecidas).
No coração da Pauliceia, Immacolata cresceu e viu de perto toda a efervescência cultural da cidade nos anos de 1950. Na escola, destacava-se entre os
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
273
colegas, e quase sempre era agraciada com distinções pelo desempenho. Nesse
ponto, recebeu grande influência do pai, que compreendia a importância dos
estudos para a inserção no mercado de trabalho.
O secundário – hoje, ensino médio – foi cursado com auxílio de bolsa de
estudos, conquistada graças à sua performance estudantil. Assim, sua formação
se deu no curso técnico de secretariado, que não lhe serviu para muita coisa,
como o futuro pôde comprovar.
Terminados os estudos básicos, Immacolata decidiu fazer um curso preparatório e, em 1965, ingressou na USP como terceira colocada do curso de Ciências Sociais, que na ocasião funcionava na conhecida Rua Maria Antônia.
Ali, sim, sua história começou a se guiar pela estrada certa, fato revelado pelos
acontecimentos dos anos seguintes.
A despedida da Bela Vista ocorreu somente em 1969, ocasião em que se
casou com o filósofo João Aloísio Lopes, com quem teve duas filhas, Maira e
Nádia. Após o casamento, os dois se mudaram para Itu, no interior de São Paulo, onde tiveram as primeiras experiências como professores de ensino superior.
Experiência curta, a bem da verdade. Com apenas um semestre de trabalho,
foram despedidos por serem considerados “de esquerda”. Tempo de ditadura.
Um ano antes, havia se formado na graduação. É no terreno da Sociologia,
como se viu, que começa a dar os primeiros passos dentro do universo acadêmico. De 1965 a 1968, ela conviveu com grandes cientistas sociais, tais como Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Luiz Pereira, Gabriel Cohn, Rui Coelho, Egon
Schaden, entre tantos outros que deixaram marcas em sua formação intelectual.
Mas rever esse episódio exige, necessariamente, situá-lo no cenário político do
Brasil, marcado, então, pela recente implantação da ditadura militar. Abjurados
do sentimento democrático, os jovens estudantes se organizavam em movimentos de oposição ao regime. E faziam isso de diferentes formas: alguns se dedicavam, de fato, às articulações políticas; outros participavam de manifestações
culturais, sempre imbuídas de críticas ao sistema; e havia grupos, ainda, que buscavam refletir sobre a conjuntura nacional, tornando-se “teóricos de esquerda”.
Fazer o curso de Ciências Sociais nesse momento foi determinante na
minha vida. Todo o ambiente de convulsão e agitação social, o regime
ditatorial a ser combatido, o movimento estudantil, a atuação na Ação
Popular – da esquerda católica – era o contexto que me dividia entre o
estudo e a práxis política. Mas, a bem da verdade, eu nunca fui um padrão de engajamento político. Preferia me dedicar ao curso e ver muito
cinema, teatro e festivais de música. Acredito que minha opção já era
pela “prática teórica”, como dizia Althusser (LOPES, 2006, p. 5-6).
274
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
O convívio com os mestres uspianos projetou em Immacolata uma ampla
visão dos estudos sobre a sociedade. Isso porque, mesmo seguindo uma linha
marxista, os professores – e a bibliografia por eles adotada – buscavam compor
um diálogo entre outras correntes do pensamento5. A diversidade teórica e metodológica, de certo, despertou-lhe um interesse especial a esse respeito, principalmente no que concerne aos questionamentos acerca da união de autores
marxistas e funcionalistas numa mesma pesquisa.
Também foi no decorrer da faculdade que passou a se interessar pelos fenômenos comunicacionais, enveredando pelo caminho de uma sociologia da
comunicação e da cultura. “Na comunicação de massa já me chamava a atenção
não tanto a massificação, mas a preferência manifestada por públicos diversos
pelos mesmos programas. [...] Queria aliar o interesse pelo estudo da ideologia
dominante à preferência pelo popular” (LOPES, 2006, p. 8).
Após o término do curso universitário, em 1968, e depois da temporada
passada em Itu6, Immacolata começou a se preparar para o ingresso na pós-graduação stricto sensu7. Elaborou um projeto sobre a participação do público
migrante no programa comandado por Silvio Santos e o submeteu à seleção
do curso de mestrado em Ciências da Comunicação, oferecido pela Escola de
Comunicações e Artes, na linha de pesquisa da profa. Nelly de Camargo8, figura
até então desconhecida para ela.
5. Conforme explica Lopes (2006), naquela ocasião, a cadeira de Sociologia 1, liderada por
Florestan Fernandes, era essencialmente marxista. Já as de Sociologia 2, de Rui Coelho, e
a de Antropologia, dirigida por Egon Schaden, seguiam a linha estruturo-funcionalista.
6. Importante lembrar que, nesse período, a profa. Immacolata já estava casada com João
Aloísio Lopes. Quando voltaram de Itu para São Paulo, após terem sido despedidos,
os dois mantiveram, por algum tempo, uma confecção de roupas. Depois, fecharam o
negócio e continuaram a lecionar e a estudar.
7. Em suas memórias biográficas, a autora relata o seguinte: “Eu devia iniciar o mestrado em
Sociologia, com o Prof. Luiz Pereira, que infelizmente faleceu muito cedo. Luiz era, para
mim, a esperança de trabalhar complexificando a matriz teórica do marxismo com autores
de outras linhagens” (LOPES, 2006, p. 10). Portanto, entende-se que a impossibilidade de
estudar com o prof. Luiz Pereira foi um dos motivos que levou-a a buscar outras alternativas.
8. Nelly de Camargo foi uma das fundadoras da ECA-USP, instituição na qual concluiu
o doutorado em Ciências da Comunicação. Realizou estudos pós-doutorais na Stanford University (EUA). Foi conselheira Regional de Comunicação da UNESCO para
a América Latina e atuou como chefe do Departamento de Multimeios do Instituto de
Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
275
O critério para a escolha da orientadora se deu por um pequeno detalhe: a
indicação de que a professora se interessava por projetos que versassem sobre
comunicação para o desenvolvimento. A perspectiva de trabalho, no entanto,
tratava de uma abordagem funcionalista, oposta aos interesses marxistas que a
jovem pesquisadora mantinha.
Aspecto interessante nessa história é que a convivência de duas mulheres
com pensamentos teóricos divergentes não se configurou como problema ou
entrave; ao contrário, gerou um respeito recíproco, que acompanhou uma convivência de aproximadamente sete anos. Nesse período, inclusive, a profa. Nelly
convidou sua orientanda para ser assistente nas disciplinas Fundamentos Teóricos da Comunicação 1 e 2, as quais lecionava aos alunos da graduação9.
Na ocasião do mestrado, Immacolata ainda cumpriu um período de estudos
na Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, no ano de 1980. Lá, estudou
com o prof. Adriano Duarte Rodrigues, já considerado um respeitável pesquisador da área da Comunicação nas terras além-mar. Dele, recebeu convite para
lecionar na instituição, mas preferiu retornar ao Brasil para concluir o curso de
pós-graduação, o que o fez em 1982, com a defesa da dissertação O rádio dos
pobres: estudo sobre comunicação de massa, ideologia e marginalidade social, no dia
4 de abril10, posteriormente publicada em livro (LOPES, 1988).
O objeto da dissertação [...] situava-se no trânsito interdisciplinar pela
sociologia, comunicação e semiologia. Tinha por foco três programas
populares de rádio e seu público de baixa renda. Tentei trabalhar com a
dimensão sociológica do público, a dimensão semiológica do discurso radiofônico e a dimensão comunicacional entre as duas. Apresentava uma
abordagem de base marxista, operando combinações teóricas e metodológicas diversas. Hoje, essa dissertação é tida como uma precursora dos
estudos de recepção, que então não tinham esse nome. [...] A repercussão
dessa pesquisa de mestrado não se deu de imediato, porém é um trabalho
que vem sendo recuperado ou descoberto ainda hoje, mesmo em outros
países, o que me dá muita satisfação (LOPES, 2006, p. 12).
9. Posteriormente, as disciplinas transformaram-se nos quadros de Teoria da Comunicação, vigentes até hoje.
10. É importante destacar que, tanto no mestrado quanto no doutorado, Immacolata contou com bolsa de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
276
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Titulada mestre, ingressou, em 1983, no programa de doutorado da ECA-USP. Seu objetivo inicial era traçar o estado da arte da pesquisa em Comunicação no país, com enfoque nas áreas e nas linhas de investigação; porém, durante
o curso, sob influência da orientadora, Sarah Chucid da Viá11, inclinou-se para
as questões metodológicas que norteiam as pesquisas da área, estabelecendo critérios para a elaboração de um modelo adequado.
Assim como na experiência do mestrado, Immacolata uniu, em sua pesquisa,
as urgências do campo comunicacional à formação universitária. Diz ela: “Volto-me para uma releitura da obra teórica de Florestan Fernandes. O modelo metodológico que proponho na tese de doutorado tem tudo a ver com ela. Persegue o
rigor metodológico sem deixar de lado a criatividade do ‘ofício do pesquisador’”
(LOPES, 2006, p. 13-14). Para tanto, estudou os trabalhos de pós-graduação
desenvolvidos na própria ECA, criticando algumas escolhas e propondo que a
estrutura metodológica de cada trabalho deve ser construída com “liberdade e
determinismo”, atendendo a certas demandas. Tornou-se doutora no dia 20 de
junho de 1988, com a defesa da tese Pesquisa em Comunicação: formulação de
um modelo metodológico. A nota final: 10.0, com distinção.
O trabalho doutoral não tardou a ser transformado em livro. Com o título
original inalterado, foi publicado pela Loyola, dois anos depois, e tem sido utilizado largamente em escolas de Comunicação do Brasil, por apontar, de maneira
clara, os rumos que devem seguir as pesquisas da área.
É um trabalho que deve ser lido a partir de uma dupla matriz. É um estudo de metodologia que visa contribuir para os esforços que estão sendo
desenvolvidos sobre a investigação científica em Comunicação, e é um
estudo de enfoque histórico porque trabalha o objeto Comunicação enquanto realização histórica de fenômenos superestruturais na sociedade
atual. O tratamento que daremos ao objeto Comunicação e à metodologia de sua investigação delimita nosso estudo no domínio dos fenômenos
da cultura e da comunicação de massa no Brasil (LOPES, 2005, p. 13).
Com efeito, seu estudo deu início a um novo momento da pesquisa em Comunicação no Brasil, conforme aponta Marques de Melo (2005, p. 9):
11. Sara Chuid da Viá graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo,
instituição onde concluiu o mestrado em História e o doutorado em Ciências da Comunicação. Durante o período em que atuou no programa de pós-graduação da ECA,
foi responsável pela disciplina Metodologia da Pesquisa.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
277
Como corolário desse fecundo trabalho de leitura crítica das metodologias vigentes naquela escola [USP], que esteve durante vários anos na
vanguarda dos estudos comunicacionais brasileiros, ela concita os jovens cientistas da área a exercitar constante vigilância metodológica. Sua
meta reside na ultrapassagem da fragilidade científica que nos caracteriza
como país marcado pelo “capitalismo dependente”. No seu entender,
“objeto-método-teoria constituem uma unidade indivisível”. Vassallo de
Lopes deu um passo adiante em relação ao universo desbravado pela sua
orientadora acadêmica, Sarah Chucid da Viá, responsável pelos cursos de
metodologia comunicacional na referida instituição.
As idas e vindas após 1988 contabilizaram um espaço de 10 anos entre o
doutorado e a livre-docência. Esta última, portanto, foi conquistada em junho
de 1998, também na ECA-USP, com a defesa da tese Mercado de trabalho dos
egressos dos cursos de Comunicação Social no Brasil. Sua pesquisa apontava para a
situação dos profissionais formados pelas escolas brasileiras da área e, como não
poderia ser diferente, obedecia a um rigor metodológico devidamente adequado
à proposta12.
Carreira profissional
Maria Immacolata Vassallo de Lopes dedica-se ao exercício do magistério
desde a época da graduação, quando dava aulas de História, Sociologia e Estudos Sociais aos alunos do Curso Técnico de Contabilidade do Colégio Frederico
Ozanam, em São Paulo, lugar onde concluíra seus estudos secundários.
Aquele momento era especialmente desafiador: primeiro, porque muitos de
seus alunos eram mais velhos do que ela própria; depois, porque suas aulas eram
consideradas “difíceis”; e, por fim, porque os conteúdos teóricos eram considerados de “esquerda”. De todo modo, foi lecionando em colégios particulares que
a jovem professora conseguiu concluir o curso de Ciências Sociais.
12. Como complemento a esse tópico, vale destacar que após a livre-docência, a profa. Immacolata ainda realizou estágio de pós-doutorado na Università degli Studi di Firenze
(UFIT), na Itália, em 2001, com bolsa de estudos concedida pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Na ocasião, desenvolveu o projeto de pesquisa “A ficção televisiva na Itália e na Europa: estudos e observatório. Um estudo sobre
cultura, identidade e mercado televisivo globalizado”.
278
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Logo que se formou, uma experiência marcou seu percurso pelas salas de
aula e, inclusive, é considerada por ela como responsável pela mudança em seus
conceitos sobre a docência: trata-se da atuação no Colégio Vocacional Osvaldo
Aranha, também em São Paulo.
Tive então a oportunidade de perceber o que poderia ser o ensino de
qualidade, suas metodologias participativas, a disciplina não-autoritária,
o conteúdo libertário. Tentei levar essa experiência para o ensino público quando me efetivei no magistério estadual na disciplina de História.
Até histórias em quadrinhos resolvi introduzir como método de aprendizagem no Colégio Estadual “Presidente Altino”, em Osasco (LOPES,
2006, p. 9).
Em 1969 – como dissemos anteriormente –, a profa. Immacolata foi viver
em Itu, onde teve o primeiro contato com o ensino para alunos do terceiro
grau, na Faculdade Nossa Senhora do Patrocínio, emprego no qual permaneceu
pouco menos de seis meses. Também já mencionado aqui, a experiência seguinte ocorreu em 1975, a convite da profa. Nelly de Camargo, que a levou para
ensinar teorias sociais e metodologia de pesquisa aos graduandos da ECA-USP.
É importante dizer que essa dobradinha abriu espaço para sua contratação
pela Universidade de São Paulo, em 1979, após quatro anos de serviços prestados voluntariamente à instituição, os quais foram cumpridos sem qualquer
queixa. “Sentia um prazer enorme em lecionar para os primeiros anos do então
Ciclo Básico da ECA. Era sempre desafiadora a inquietação dos alunos, a questão permanente de teoria versus prática, as discussões interessadas...” (LOPES,
2006, p. 11).
Na USP, deu continuidade ao seu desempenho como docente. Após concluir
o doutorado, firmou duas linhas de pesquisa que tem guiado o desenvolvimento
de seus trabalhos e as orientações que comanda na pós-graduação: 1) Teorias e
Metodologias da Comunicação; e 2) Comunicação e Ficção Televisiva. Até o
início de 2014, já havia concluído a orientação de 15 projetos de doutorado e
11 de mestrado, além de uma supervisão de pós-doutorado. Estão em andamento mais três trabalhos em nível de doutoramento e um de pós-doutoramento,
segundo informações de seu Currículo Lattes.
Ainda no stricto sensu, sua área de atuação tem se concentrado nas disciplinas
Metodologia da Pesquisa em Comunicação e Métodos e Técnicas de Pesquisa.
Com relação às pesquisas já concluídas, vale a pena mencionar aquelas que a
própria autora destaca em seu Memorial (LOPES, 2006):
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
279
1) “Avaliação dos egressos dos programas de pós-graduação em Comunicação no Brasil (1999-2000)”, financiada pela Fapesp e pelo CNPq;
2) “A produção de teses e dissertações do programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP (1972-2002)”, com apoio do CNPq;
3) “Campo profissional e mercado de trabalho em comunicações no Brasil
(1995-1998)”, apoiada pela Fapesp e pelo CNPq;
4) “Campo profissional e mercado de trabalho em Comunicação no Estado de São Paulo”, com recursos do CNPq;
5) “Recepção de telenovela no Brasil: uma exploração metodológica”, com
fomento da Fapesp, do CNPq e da USP.
6) “O impacto da pesquisa em Comunicação através do estudo bibliométrico de teses e dissertações”, amparada pelo CNPq.
7) “Nações e narrações televisivas: a telenovela brasileira no cenário internacional. Um estudo sobre ficção televisiva brasileira, identidade e
interculturalidade”, com financiamento do CNPq.
Também é importante dizer que, de 2006 para cá, foram concluídos outros
quatro projetos, que versam sobre a produção científica na área e sobre a telenovela, os quais contaram com auxílio financeiro do CNPq. São eles:
1) “A telenovela como narrativa da nação: a recepção em nova chave”;
2) “O campo da Comunicação em suas referências: experimento metodológico para a produção de indicadores bibliométricos”;
3) “Indicadores bibliométricos de teses e dissertações dos Programas de
Pós-Graduação do Brasil”.
4) “Nações e narrações televisivas: por um Observatório Ibero-Americano
da Ficção Televisiva – Obitel”.
Diante dessas constatações, não há erro em afirmar que a diversidade de temas trabalhados pela pesquisadora é fruto de sua formação híbrida, que não se
prendeu apenas a uma área, a um foco ou a um método. Ela reconhece:
Não tenho dúvidas de que minhas atividades pós-Livre-Docência [...] tiveram um ponto de fusão no Pós-Doutorado que realizei na Itália. Ponto
de fusão de elementos afetivos e intelectuais, de elementos nativos e mi280
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
grantes, de minha identidade híbrida, como híbrido era o meu objeto de
pesquisa – a telenovela –, um objeto popular e acadêmico. Uma pesquisadora brasileira na Itália ou uma pesquisadora “ítalo-brasileira”, como
lá me chamaram e gostei de ser chamada. Descobri que esse hífen parece
marcar toda a minha trajetória intelectual, e também de vida. Hífen que
representa ponte, travessia, hibridação, duas coisas ao mesmo tempo, a
não-exclusão, a contigüidade de ambivalências, a complexidade, a conexão, enfim, a comunicação (LOPES, 2006, p. 27).
Em 2014, está em andamento mais um projeto temático, também subsidiado pelo CNPq: “Telenovela brasileira: transmidiação e internacionalização”.
Todos esses estudos apresentam pontos em comum com suas vertentes de
formação intelectual, com seus temas de interesse, com a oportunidade do trabalho coletivo, com a perspectiva da interdisciplinaridade e, por fim, com sua
própria história de vida, sempre marcada por episódios distantes e, ao mesmo
tempo, tão próximos uns dos outros.
Obitel: intercâmbio internacional
Projeto que merece destaque nessa trajetória – sendo uma espécie de “menina dos olhos”, como popularmente se diz – é o Observatório Ibero-Americano
de Ficção Televisiva (Obitel), criado em 25 de fevereiro de 2005, em reunião
realizada na Universidade Javeriana, em Bogotá (Colômbia). Sua proposta é
reunir indicadores e análises anuais sobre audiência e repercussão sociocultural
da ficção televisiva em países da América Latina e da Península Ibérica.
Sob coordenação geral de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de Guillermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara (México)13, o Obitel
reúne, até 2014, investigadores atuantes nos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos (de língua hispânica),
México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela. Cada um desses grupos é responsável pelo “trabalho de monitoramento sistemático dos programas ficcionais
que são transmitidos por canais de televisão aberta em seus respectivos países”
(LOPES & VILCHES, 2008, p. 11).
13. Nos primeiros anos, até 2008, a coordenação era compartilhada com Lorenzo Vilches,
da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
281
As atividades do Observatório já se fizeram sentir junto à comunidade acadêmica e junto a profissionais do mercado. Em parceria com o Programa Globo
Universidade14, têm sido promovidos seminários internacionais, anualmente,
além da publicação de anuários com o resultado do monitoramento coletivo,
o qual combina levantamentos quantitativos com análises contextuais da ficção
televisiva.
Mas o interesse da profa. Immacolata pela teledramaturgia, mais especificamente pela telenovela, não teve início apenas com o Obitel. Nesse terreno,
ela adentrou em 1994, quando passou a integrar o Núcleo de Pesquisa de Telenovela (NTP) – depois transformado em Centro de Estudos de Telenovela
(CETVN)15 –, do qual assumiu a coordenação em 2004. Com relação à pesquisa
nessa área, ela destaca:
Aqui eu reencontro meus temas de interesse permanente: a exploração
metodológica e a vertente do popular, agora atualizados através do paradigma da complexidade (Morin) que, para mim, é um retornar à dimensão estrutural do objeto e à focalização de múltiplas perspectivas
(inter)disciplinares. É a oportunidade também do trabalho coletivo que
implica a superação de um certo modo de produção científica (LOPES,
2006, p. 18).
Nas notas introdutórias das várias edições já publicadas do Anuário Obitel,
ao expor as premissas metodológicas que têm guiado as observações a respeito
dos programas de ficção das televisões na Ibero-América, ela reforça sua percepção a respeito do gênero: a teleficção não é apenas produto de entretenimento,
mas uma ação estratégica capaz de fazer seu público identificar-se culturalmente
com as tramas.
Ativismo comunicacional
Além do desempenho como professora e como pesquisadora, Maria Immacolata Vassallo de Lopes também vem se dedicando a outras atividades vol-
14. Criado em 1999, pela Rede Globo, com o objetivo de incentivar o intercâmbio de conhecimento entre a TV Globo e as universidades do Brasil e do exterior.
15. Grupo cadastrado no CNPq e certificado pela USP, instituição que também hospeda
sua página da internet: <http://www.eca.usp.br/nucleos/cetvn/cetvn.html>.
282
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
tadas ao campo da Comunicação, principalmente em associações organizadas
pela sociedade civil. Na INTERCOM, por exemplo, desenvolveu uma série de
trabalhos significativos, principalmente no período em que foi sua presidente
(1995-1997)16.
A professora Maria Immacolata foi a responsável pela condução da Intercom no período do início da maturidade da Sociedade. Ela se considera
uma eterna participante da Intercom e frisa o caráter pluralista da instituição, caráter este que continua defendendo até a atualidade. Maria
Immacolata destaca que em sua gestão ocorreu a consolidação dos GTs
(Grupos de Trabalho) que destacavam sub-linhas da área de Comunicação nos eventos promovidos pela Intercom, inclusive o trabalho de alguns
obtendo reconhecimento internacional na época (BERTI, 2007, p. 209).
Mas sua participação ativa não se deu somente durante aquele biênio. Já em
1986, ela havia ajudado o prof. José Marques de Melo a coordenar o 1º Encontro Ibero-Americano de Pesquisadores da Comunicação17 – então capitaneado
pela INTERCOM –, em São Paulo, tendo a oportunidade de estabelecer contato com importantes autores latino-americanos. Para ela, aliás, a valorização da
América Latina é ponto forte dessa associação científica, que se tornou responsável por disseminar a obra desses pesquisadores entre os acadêmicos da área.
Quero me identificar como uma dessas pessoas que foi introduzida ao
pensamento latino-americano de Comunicação pela Intercom, fazendo,
acredito, uma combinação original com a formação clássica que tive em
16. Antes disso, já havia assumido os seguintes cargos na instituição: 1ª Secretária (19871989), Diretora Científica (1989-1991), Diretora Científica (1991-1993) e membro
do Conselho Consultivo – Representantes Regionais (USP) (1993-1995). Posteriormente à sua gestão, ocupou os cargos de Diretora Científica (1999-2002) e Diretora de
Relações Internacionais (2002-2005). Atualmente, é membro do Conselho Curador.
17. Encontro realizado na Universidade de São Paulo, que contou com a participação de
ampla delegação latino-americana e de um grupo de pesquisadores vinculados à Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha). Identificado pela sigla Ibercom, foi realizado pela segunda vez em 1989, em Florianópolis (SC), justamente com a coordenação
da profa. Immacolata. É importante destacar que a representatividade do evento no
cenário acadêmico foi marcada em 1998, ocasião em que foi criada a Associação Ibero-Americana de Comunicação (Assibercom).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
283
Sociologia. Hoje, encontro-me nessa linha. Sou vista como sendo uma
“latino-americanista” com um pé na (pós) modernidade que trabalha de
maneira interdisciplinar a Comunicação (LOPES, 2006, p. 16).
Outra de suas contribuições à entidade foi o trabalho junto à Revista Intercom. Tyciane Vaz (2007, p. 245) lembra que a profa. Immacolata chegou a ser
revisora do periódico, em 1992, e desde aquela ocasião integra seu conselho
editorial18.
Com relação ao período em que assumiu a diretoria, é importante dizer que
seu principal feito recaiu sobre a criação dos grupos de trabalho (GTs) – conforme destaca Berti (2007, p. 223) –, que possibilitou uma melhor organização e
sistematização das áreas e das temáticas trabalhadas pelos pesquisadores ligados
à INTERCOM19. Também durante o seu mandato foi instituído o Prêmio Luiz
Beltrão de Ciências da Comunicação, que homenageia, desde aquele ano, pesquisadores e grupos ligados ao sistema universitário ou ao mercado. Seu trabalho junto à instituição também se deu, posteriormente, na coordenação do grupo de Ficção Seriada, acompanhando, inclusive, a transformação do NP em GP.
Nos últimos anos, pelo menos três ações marcaram sua trajetória: a coordenação do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP (2001-2013), a representação da área da Comunicação junto ao CNPq
(2004-2007) e a atuação em plano internacional. “São três faces de um mesmo
dado, todas marcadas pelo alargamento e intensificação de realizações, frutos
de 1) minha prática institucional no campo e 2) reconhecimento da minha
atuação como pesquisadora e docente da pesquisa brasileira” (LOPES, 2006,
p. 19-20).
18. Além de contribuir com a Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, a
profa. Immacolata Lopes atua como membro do corpo editorial dos seguintes periódicos: Aldea Global, Comunicação & Educação, Comunicação, Mídia e Consumo, Comunicación y Sociedad, Conexiones, Derecho a Comunicar, Diálogos de la Comunicación,
E-Compós, Eco-Pós, Galáxia, Global Media Journal México, MATRIZes, Perspectivas de la
Comunicación, Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación e Revista Lusófona de Estudos Culturais.
19. Posteriormente, mais precisamente em 21 de outubro de 2000, os grupos de trabalho
da Intercom transformaram-se em núcleos de pesquisa (NPs), mantendo a organização
definida por ementas, obedecendo a critérios de identificação de seções temáticas e
palavras-chave. Nova reclivagem ocorreu no início de 2009, quando os NPs passaram a
se constituir em grupos de pesquisa (GPs).
284
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Não se pode deixar de dizer que, especialmente em relação à ECA, seu desempenho foi fundamental para a reestruturação do já mencionado programa,
aprovada no final de 2005 e em vigor a partir de 2006, da qual resultaram avaliações progressivas atribuídas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes)20. Teve, ainda, em 2007, importante papel na criação
de MATRIZes, revista científica do PPG 21, da qual é diretora.
Em 2011, durante o 12º Congreso Iberoamericano de Comunicación – ou
12º Ibercom –, celebrado em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), foi eleita presidente da Assibercom, a entidade que se originou do congresso cuja primeira edição – de 1986 – ela auxiliou Marques de Melo a coordenar. No primeiro evento
realizado em sua gestão – ocorrido em Santiago de Compostela (Espanha), em
2013 –, ao convocar os pesquisadores da Ibero-América para participar das atividades, destacou o compromisso que procurava assumir e, uma vez mais, deu
sinais de sua capacidade de organização do campo. Em mensagem publicada na
página oficial do congresso, ela assim se pronunciou:
Como presidente da AssIBERCOM, tenho a felicidade de ter como
primeiro evento da gestão de minha diretoria o XIII Congresso IBERCOM, a ser sediado em Santiago de Compostela e organizado por esta
dedicada amiga Margarita Ledo. [...] Gostaria também de destacar, através da realização desse congresso, o início de uma nova fase para a nossa
entidade. Ela se mostra através das propostas da temática central, dos
conteúdos das plenárias e, principalmente, da criação das Divisões Temáticas do IBERCOM (DTIs). A estas irá caber a função aglutinadora e
consolidadora das pesquisas que se realizam na Ibero-América e para que
os pesquisadores dessa área geocultural possam cada vez mais se conhecer
e criar ou reforçar laços intelectuais e afetivos. Por isso, as DTIs nascem
com coordenações colegiadas, reunindo na coordenação de uma mesma DTI colegas espanhóis, portugueses e latino-americanos/brasileiros.
Comprometemos a aperfeiçoá-las cada vez mais, assim como nos empenharemos para que a AssIBERCOM se torne mais e mais representativa
20. Dede 2010, o Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP mantém a nota 5 (numa escala que, como se sabe no meio acadêmico, vai até 7).
Quando a profa. Immacolata assumiu sua coordenação, em 2001, o PPG passava por
um momento crítico, tendo recebido, na avaliação mais recente, a nota 3.
21. Editada em formato impresso, também conta com versão on-line, disponibilizada no
seguinte endereço: <http://www.matrizes.usp.br>.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
285
da unidade e diversidade que marcam o campo da pesquisa da Comunicação na Ibero-América22.
Os principais “afazeres” da profa. Immacolata, nos últimos anos, correspondem, portanto, à atuação no cenário internacional, fruto daquilo que ela entende como sendo uma combinação do trabalho de pesquisa individual com o
trabalho da pesquisa institucionalizada. Nesse sentido, contam as participações
em congressos fora do Brasil, como expositora, conferencista ou palestrante; a
organização e a coordenação de eventos, dentre os quais os colóquios binacionais da INTERCOM, especialmente o Colóquio Brasil-Itália de Ciências da
Comunicação; e a atuação junto a entidades representativas, como a Asociación
Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (Alaic), a Associação
Lusófona de Pesquisadores da Comunicação (Lusocom), a Federación Latinoamericana de Facultades de Comunicación Social (Felafacs), a Confederação
Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação
(Confibercom), entre outras.
Trilhas percorridas
“Maria Immacolata Vassallo de Lopes poderia ser definida como uma ‘metodóloga’, embora o termo não dê conta de todas as áreas da ciência a que ela
se dedica” (DALLA COSTA, MACHADO & SIQUEIRA, 2006, p. 163). Essa
definição apresenta coerência com o que vimos aqui, quer pela indicação de seu
posto, quer por reconhecer que à professora não agrada o termo “metodóloga”,
o qual considera “pedante” e nem sempre muito próximo de todos os seus focos
de interesse. Mas seria impossível negar que a metodologia da pesquisa é ponto-chave de sua trajetória acadêmica, assim como não é possível desconsiderar que
a telenovela também o seja.
Por sua dedicação à pesquisa da área, conquistou posição de destaque na
comunidade acadêmica da Comunicação, no Brasil e em outros países. E o fez
advogando “que a metodologia deve estar livre do tecnicismo e do dogmatismo,
e que, portanto, não combina com um trabalho automático e ritualizado”, conforme percebem Rosa Dalla Costa, Rafael Machado e Daniele Siqueira (2006,
22. Trecho da mensagem direcionada pela profa. Immacolata aos participantes da 13º
Ibercom. Disponível em: <http://www.estudosaudiovisuais.org/lusofonia/?page_
id=313&lang=pt>. Acesso em: 10 jun. 2014.
286
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
p. 166). Sua trajetória também é assim: percorre não só o rigor científico como
também a liberdade, necessária ao avanço de qualquer campo do saber. Não se
permite engessar. Busca uma constante renovação.
Isso, aliás, combina com o fato de, conforme Marques de Melo (2003, p. 40),
fazer parte da geração dos renovadores das Ciências da Comunicação, marcados
pela realização de “estudos empíricos ou reflexivos referenciados nas matrizes
esboçadas pelos cientistas que os precederam”23. Noutra perspectiva, entende-se
que seu despontar intelectual ocorreu durante o terceiro período da pesquisa
comunicacional na América Latina, o qual é assinalado pela construção de uma
identidade própria, caracterizada “pela reafirmação da busca de teorias e métodos
autóctones capazes de dar conta da especificidade e da diversidade da cultura latino-americana” (DALLA COSTA, MACHADO & SIQUEIRA, 2006, p. 98).
Para concluir, cabe, então, retomar aquilo que já foi dito em várias partes
deste texto: o itinerário intelectual da profa. Immacolata não se constitui como
percurso linear; ao contrário, trata-se da conjunção de múltiplos caminhos, sincronizados pelo fio do conhecimento e trilhados num campo propício a esse
hibridismo.
As próximas páginas
Os textos que compõem esta unidade da antologia Fortuna crítica da INTERCOM: Baluartes intentam esboçar as contribuições dadas por Maria Immacolata Vassallo de Lopes ao campo da Comunicação, de modo a refletir sobre o
significado de suas obras nesse cenário. Consistem, portanto, em leituras contextuais, que não só resenham os trabalhos como também, somadas a este relato
introdutório, discutem o papel por ela desempenhado.
Na impossibilidade de tratar de todas as unidades de sua produção – que,
como se viu de início, são muitas –, focamo-nos nos livros mais importantes e
os distribuímos em agrupamentos temáticos. Assim sendo, os próximos capítulos seguem uma ordem previamente estabelecida, que ilustra, de certo modo, as
travessias híbridas que demarcam sua carreira.
As duas primeiras abordagens, de Maria Aparecida Baccega e Maria Isabel
Orofino e de Richard Romancini, reportam-se aos livros que correspondem,
23. Para Marques de Melo (2003), os autores da Escola Latino-Americana de Comunicação podem ser divididos em grupos: os pioneiros (décadas de 1950 e 1960), os inovadores (década de 1970) e os renovadores (décadas de 1980 e 1990).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
287
respectivamente, à dissertação de mestrado e à tese de doutorado da autora, sem
sombra de dúvidas suas principais obras, tanto pelo pioneirismo quanto pela
larga aceitação no meio acadêmico.
Em seguida, tem lugar, em texto assinado por Roberta Brandalise, uma discussão sobre seu empenho – contínuo às incursões iniciadas no doutoramento
– em torno da epistemologia e da metodologia da Comunicação.
A telenovela, o gênero por que mantém especial apreço, é destacada na sequência. Num primeiro momento, Marcia Perencin Tondato apresenta-nos livros
resultantes de projetos coletivos capitaneados pela profa. Immacolata. Logo depois, Maria Cristina Palma Mungioli e Ligia Maria Prezia Lemos complementam essas observações, discorrendo especificamente sobre os anuários do Obitel,
publicados initerruptamente desde 2007.
Os últimos dois textos referem-se aos frutos dos diálogos estabelecidos com
pesquisadores da Itália – sua terra natal – e de países de língua hispânica. Assinados por Raquel Paiva e por Raúl Fuentes Navarro, são reveladores do prestígio
internacional adquirido pela autora e confirmam o impacto de seu trabalho em
outros espaços que não o Brasil.
Fazemos votos de que a revisão elaborada por nós e pelos colegas convidados
a participar do projeto, embora não se iguale à produção que nos guiou – principalmente pelo curto espaço de que dispomos –, faça jus ao seu mérito e à sua
relevância.
Referências
ASSIS, Francisco de. Maria Immacolata Vassallo de Lopes: na trilha epistemológica de Bourdieu. In: MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de
(Orgs.). Valquírias midiáticas. São Paulo: Arte & Ciência, 2010. p. 155-189.
BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. Quem é quem na vanguarda da Intercom. In: BARBOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comunicacional brasileiro: as contribuições da Intercom (1977-2007). São Paulo:
INTERCOM, 2007. p. 209-230.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
DALLA COSTA, Rosa Maria; MACHADO, Rafael Costa; SIQUEIRA, Daniele. Teoria da comunicação na América Latina: da herança cultural à construção de uma identidade própria. Curitiba: UFPR, 2006.
288
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Memorial. 2006. 181 f. Concurso Público (Cargo de Professor Titular) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 2006.
________. O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginalidade social. São Paulo: 1988.
________. Pesquisa em comunicação. 8. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
________.; VILCHES, Lorenzo (Orgs.). Mercados globais, histórias nacionais: Anuário Obitel 2008. São Paulo: Globo Universidade, 2008.
MARQUES DE MELO, José. Metodologia da Pesquisa em Comunicação: itinerário brasileiro. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio (Orgs.). Métodos e
técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1-14.
________. História do pensamento comunicacional: cenários e personagens.
São Paulo: Paulus, 2003.
VAZ, Tyciane Viana. Revista Intercom: quem edita, quem publica. In: BARBOSA, Marialva (Org.). Vanguarda do pensamento comunicacional brasileiro: as contribuições da Intercom (1977-2007). São Paulo: INTERCOM,
2007. p. 231-247.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
289
Olhar precursor sobre as
audiências populares
Maria Aparecida Baccega1
Maria Isabel Orofino2
6.1
LOPES
Maria Immacolata Vassallo de Lopes realizou a pesquisa de
seu mestrado – defendido em 19823 e que deu origem ao livro O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginalidade social – no tempo da ditadura, quando era imperativo que houvesse preocupação até com os títulos dos livros
citados na bibliografia – que dirá com os livros! Havia um
“setor” de segurança instalado na Universidade de São Paulo
(USP), junto à reitoria. E a simples escolha de um tema já
1. Professora associada da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre e doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Decana do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
2. Pós-doutoranda do Programa de Investigación en Ciencias Sociales, Niñez y Juventud da Red CLACSO de Posgrados. Doutora
em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, com pesquisa complementar na London School of Economics and Political Sciences
(LSE), Inglaterra. Mestre em Educação e bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Práticas de Consumo da ESPM.
3. O trabalho foi orientado pela professora Nelly de Camargo.
290
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
poderia causar um grande transtorno para o futuro acadêmico do docente. E
não só.
É nesse contexto que Immacolata assume o tema “comunicação de massa e
marginalidade” e começa a investir na pesquisa cujo objetivo consiste em “estudar os efeitos ideológicos do discurso radiofônico popular sobre as populações
marginais que vivem em ambiente urbano” (LOPES, 1988, p. 7). E, para tal,
opta pelo estudo de três programas que, naquele momento, eram obrigatoriamente acompanhados por todos das classes chamadas menos favorecidas e – por
que não dizer? – também por outras classes sociais, estas sempre com a desculpa
de que conheciam (ouviam) por causa da empregada doméstica de sua casa ou
do táxi que apanhavam para ir ao trabalho e que tinham sempre o rádio sintonizado nesses programas. Eram eles: Zé Bettio, Gil Gomes e Silvio Santos.
O trabalho foi desenvolvido nas seguintes etapas: Caracterização teórica do
estrato marginal (Capítulo I); Caracterização teórica da ideologia (Capítulo II);
Análise das condições sociais de recepção do discurso radiofônico popular (Capítulo III); Análise das condições de produção do discurso radiofônico popular
(Capítulo IV) e Análise do processo de reconhecimento do discurso radiofônico popular (Capítulo V). Todos os capítulos dialogam entre si e formam uma
totalidade: a totalidade do processo comunicacional, sendo analisadas tanto a
recepção quanto a emissão desses discursos.
Um dos destaques é o primeiro capítulo, visto que vai nos situar no lugar de
onde se fará a análise ou, dizendo de outro modo, sobremodaliza toda a pesquisa.
Resultado, “em sua totalidade, de um exame conjunto da problemática da marginalidade na América Latina e no Brasil” (LOPES, 1988, p. 13), o referencial
teórico que se apresenta é um desfile dos maiores pensadores daquele momento.
Mas não desfile de autores e, sim, diálogo entre autores interrelacionando-os à
problemática comunicacional. Eis a chave do campo da comunicação.
Fica claro que a marginalidade será vista não como parte “separada” da sociedade, como “desajuste temporário das estruturas”, mas como partícipe no
sistema de dominação social, ou seja, só existe dominação sobre a base de um
setor marginalizado. E, como diz Antonio Gramsci, com trocas permanentes e
luta pela hegemonia. Para dar conta dessa discussão, fez-se necessário a “identificação teórica multidimensional de marginalidade”, tendo em vista os objetivos
da pesquisa, os quais a autora resume do seguinte modo: “conhecer um tipo
particular de discurso (o ‘popular’), produzido por um meio específico de comunicação (o rádio), em seus efeitos sobre modos de participação de um setor
social particular (uma população marginal)” (LOPES, 1988, p. 19).
“Urbanização e marginalidade social” – o Capítulo I – constitui-se numa
análise que, embora abranja até a década de 1970, merece ser lida e discutida,
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
291
pois possibilita compreender melhor o processo das mudanças históricas que levam à realidade socioeconômica da contemporaneidade, bem como o papel dos
meios de comunicação. Estamos principiando a era do consumo, e a dimensão
ideológica, segundo este quadro teórico, pode ser apreendida utilizando-se o
conceito de efeito-demonstração ampliado, para o qual a autora cita Gunnar
Myrdal (apud LOPES, 1988, p. 28):
quando as pessoas entram em contato com mercadorias ou formas de
consumo superiores, com novos artigos e novas maneiras de satisfazer
velhas necessidades, estarão, depois de algum tempo, dispostas a sentir
um certo desassossego e insatisfação. O seu conhecimento é ampliado e
é estimulada a imaginação, novos desejos são despertados e a propensão
para consumir se eleva.
Os meios de comunicação (bem como a educação) são os veiculadores do
“efeito-demonstração” dos padrões de vida superiores dos países industrializados. Destaque-se ainda a discussão dos meios de comunicação e seu papel no
sentido da agudização das contradições sociais, quer seja no nível ideológico e
político, quer seja no sentido de estimular a migração. Ocorre que, paralelamente, os meios de comunicação educam. A população rural, que foi obrigada a
deslocar-se para a cidade, começa a aprender comportamentos, modos de acesso
a bens (como o serviço médico, que inexistia no campo), escolas (em ger al com
possibilidades de chegar até elas, pois já não distavam quilômetros), telefone,
etc. É o processo de urbanização para o qual colaboram os meios.
Essas discussões tornam-se aprofundadas no Capítulo II, que tem como título “Caracterização teórica da ideologia”. Aqui, tem lugar a abordagem da comunicação de massa, a qual será tratada a partir tanto de seu “sentido imanente
quanto de elementos que condicionam do exterior sua produção, distribuição,
consumo, deixando suas marcas inscritas no próprio interior do processo de comunicação” (LOPES, 1988, p. 35). E, sobretudo, as relações ideologia-estrutura
e história. Temos aqui uma abordagem de Louis Althusser, da qual a autora
retira reflexões que se adéquam ao campo e, especificamente, à sua pesquisa.
Chamaria a atenção para o fato de ser, ainda, uma das melhores abordagens das
relações Althusser-campo da comunicação.
Além de Claude Lévi-Strauss e Karl Marx, esse capítulo também traz em
destaque as contribuições de Edgar Morin e Eliseo Verón, sem esquecer Algirdas
Greimas, culminando nas figuras que encerram a abordagem:
292
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Figura 1 – Sistema ideológico e modo de produção
Fonte: Lopes (1988, p. 50)
Figura 2 – Sistema ideológico e manifestação ideológica
Fonte: Lopes (1988, p. 52)
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
293
No Capítulo III – “As condições sociais de recepção do discurso radiofônico
popular: a caracterização empírica do estrato marginal” –, fica estabelecido claramente o objeto da pesquisa: “o discurso popular de rádio que circula na realidade social na forma de materialidade significante auditiva ou discurso falado”
(LOPES, 1988, p. 57). Aborda, então, o discurso em seu processo de produção-circulação-consumo, uma vez que busca apresentar as relações discurso-ideologia. Assim sendo, a autora lembra:
o princípio básico acerca do fenômeno ideológico, segundo o qual a
ideologia não consiste em propriedades internas à mensagem, mas num
sistema de relações entre a mensagem, de um lado, e as condições de sua
produção (engendramento), circulação e consumo (recepção ou reconhecimento), de outro. O conteúdo do conjunto destas condições é sempre de ordem social e histórica e é altamente pertinente à investigação da
CM [comunicação de massa] porque deixa suas marcas no interior da
mensagem (LOPES, 1988, p. 56).
A autora defende o critério de classe social como o que autoriza a análise
ideológica das mensagens. “Este critério é extratextual e se funda na diferenciação social: são as condições de recepção, que correspondem a uma situação
empírica de classe, que conferem um caráter diferencial aos discursos” (LOPES,
1988, p. 57). Aborda, então, as estratégias metodológicas da pesquisa empírica,
pelas qual buscou identificar os efeitos de sentido do discurso radiofônico popular problematizando as abordagens diversas que se deparam com o fenômeno
da marginalidade urbana no âmbito das ciências sociais. Marginalidade compreendida aqui como possuidora de características complexas e “que se inserem
no sistema social inclusivo na forma de exclusão integrada” (LOPES, 1988, p.
99). Na sequência, apresenta os dados levantados na identificação das condições
de existência em contextos de marginalidade social, desde aqueles relativos a
trabalho e renda até a definição de categorias como condição de migrante, situação ecológica, consumo material, formas de participação política e a situação
social junto às agências de socialização como a família, a escola e os meios de
comunicação de massa.
No Capítulo IV – “As condições de produção do discurso radiofônico popular: rádio, programação e classe social” –, é apresentado um panorama do
contexto de produção do conjunto de discursos radiofônicos denominados
populares, “cujas condições de produção mantêm relações com a marginalidade enquanto situação de recepção destes discursos” (LOPES, 1988, p. 99). Ao
problematizar o fato de esses discursos serem produzidos e dirigidos preferen294
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
cialmente para as populações marginais, a autora mostra que são reveladores de
uma estrutura popular e que “apontam para alguns processos de ordem social e
ideológica que estão na base das condições de produção deste discurso” (LOPES,
1988, p. 99). A partir de dados quantitativos, identifica os índices de audiência
radiofônica e as preferências populares com relação às emissoras, os programas
e seus gêneros, sobretudo o sertanejo identificado no programa de Zé Bettio; o
policial de Gil Gomes e o de variedades com Silvio Santos.
O capítulo apresenta ainda uma reflexão acerca dos efeitos de sentido produzidos nos três programas (destacados anteriormente) em relação ao contexto institucional da produção do discurso radiofônico popular, a partir de uma perspectiva histórica que toma como objeto o caso da Rádio Record, fundada em
1932, no estado de São Paulo. Na sequência, encontra-se um belo mapeamento
das estratégias discursivas articuladas pela produção (engendramento) nos três
diferentes gêneros radiofônicos (sertanejo, policial, variedades), pontuando as
operações de significação que mobilizam as audiências em setores populares com
o uso de apelos textuais, verbais, musicais e demais efeitos sonoros.
Intitulado “O processo de reconhecimento do discurso radiofônico popular”, o último capítulo oferece uma ampla reflexão sobre os resultados alcançados na observação do objeto específico da investigação: os efeitos de sentido (ou
efeitos ideológicos) do discurso radiofônico popular. E afirma:
ambos os processos de produção e consumo mantêm vínculos com os mecanismos de base do funcionamento social, isto é, entrelaçam-se com as
práticas econômicas e as práticas políticas expressas pelas diferentes classes
sociais. O que se manifesta na forma de investimento de sentido nas matérias significantes, tanto na sua produção como no seu reconhecimento;
é um trabalho semiótico como modalidade do trabalho social [...]. Isto
porque todo reconhecimento engendra uma produção e toda produção
resulta de um sistema de reconhecimento (LOPES, 1988, p. 127).
Nas páginas seguintes, a autora elabora uma reflexão sobre os esquemas significantes dos discursos radiofônicos populares como “materialidade significante” a partir do uso da voz, do ruído, a estrutura da narrativa e de seus conteúdos.
E demonstra como ocorrem os processos de reconhecimento, ou seja, os discursos
agora produzidos pelos ouvintes na condição de receptores de cada um dos
programas analisados.
Nas conclusões, temos uma surpreendente articulação de todas as dimensões
constitutivas do debate. Como diz a autora, trata-se de “uma breve sistematização das principais teses da pesquisa” (LOPES, 1988, p. 188). São apresentados
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
295
os argumentos que oferecem uma compreensão (que não pretendeu ser genérica) dos processos ideológicos da comunicação de massa, desde a identificação
das condições de marginalidade social até chegar “ao esclarecimento das operações de sentido presentes no interior do discurso radiofônico popular” (LOPES,
1988, p. 188). Nesse jogo, “as condições de recepção têm a maior importância,
pois só em relação a elas é que o discurso pode realizar a sua eficácia simbólica
e ser efetivamente incorporado às práticas sociais de determinada população”
(LOPES, 1988, p. 188). Por fim, é destacado que o consumo das mensagens
não é um processo passivo “mas implica um novo investimento de sentido integrado no conjunto das condições concretas de existência marginal” (LOPES,
1988, p. 189).
A leitura desse livro de Maria Immacolata Vassallo de Lopes nos surpreende
pelo seu caráter absolutamente precursor. Afinal, é preciso lembrar que, quando
foi elaborado, não havia em circulação o grande número de pesquisas que hoje
alimentam o debate em torno das audiências e seus modos de recepção, usos e
consumo dos discursos midiáticos. Estamos, portanto, diante de um trabalho
que de modo muito antecipado, em 1983, já indagava sobre a problemática
da comunicação a partir de uma visão integral que não exclui a importância de
se levar em consideração cada uma das dimensões constitutivas do processo, a
saber: produção, circulação e recepção. Um argumento epistemológico que se
consolidou com a difusão das teorias latino-americanas das mediações. E é uma
bela evidência de que a preocupação com a atividade das audiências, seus modos
de reconhecimento e de resistências, já se apresentava na América Latina em
paralelo à emergência dos Estudos Culturais na Inglaterra.
Referências
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. O rádio dos pobres: comunicação de
massa, ideologia e marginalidade social. São Paulo: Loyola, 1988.
296
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Obra pioneira e matricial nos estudos
em Comunicação
Richard Romancini1
6.1
LOPES
O livro Pesquisa em Comunicação, publicado em 1990, deriva
da tese de doutorado de Maria Immacolata Vassallo de Lopes, defendida dois anos antes, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São
Paulo (USP)2. A comparação entre a tese e o livro evidencia
poucas diferenças. A principal alteração, em termos de conteúdo, é que a tese possui uma introdução maior, em que a
autora destaca a inserção do trabalho em sua trajetória, descrevendo os caminhos que a levaram a encontrar seu objeto
de pesquisa. Nota, assim, que o modelo metodológico (MM)
exposto na tese nascera de “uma longa prática de docência na
disciplina de Metodologia da Pesquisa e da experiência em
projetos de pesquisa empírica” (LOPES, 1988, p. 13).
Nessa perspectiva, a autora informa que a formulação do
modelo foi gradativa. Iniciou-se como uma proposta de “ro-
1. Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo (ECA-USP) e pesquisador do Centro de Estudos do
Campo da Comunicação, na mesma instituição.
2. O trabalho foi orientado pela professora Sarah Chucid Da Viá. A
banca de avaliação foi composta, além da orientadora, pelos professores Maria de Lourdes Manzini Covre, Dilma de Melo Silva,
Carlos Eduardo Machado Junior e Mauro Wilton de Sousa. A
defesa ocorreu em junho de 1988.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
297
teiro” para a leitura interna de pesquisas em Comunicação. Havia, então, uma
intencionalidade pedagógica, de modo que os estudantes realizassem leituras
críticas de investigações, ultrapassando a compreensão do discurso manifesto,
para apreender a construção do discurso científico. Depois, o roteiro passou a
ser utilizado como guia para o planejamento e execução de pesquisas empíricas
de caráter didático3.
O interesse em teorizar a experiência, a partir da observação que o instrumento mostrava-se útil no ensino e na prática da pesquisa, culmina na tese e
no MM. Este foi aplicado a um conjunto de dezenove teses de pesquisa em
Comunicação, do programa de pós-graduação da USP, de modo a testar a sua
validade. A análise, entretanto, não é exposta na tese ou no livro, uma vez que a
autora decidiu (palavra-chave de sua concepção metodológica) concentrar seus
esforços na exposição do modelo em si. Como Lopes (1990, p. 140) discute,
em seu modelo metodológico, o critério principal para julgar as opções do pesquisador é a própria prática da pesquisa, que, “em última instância, testa e julga
toda a estratégia de investigação montada pelo pesquisador”. Desse ponto de
vista, observa-se que a elisão das análises das teses não representa prejuízo; ao
contrário, concentra o trabalho científico na discussão da proposta do modelo
com o aprofundamento necessário.
Atualmente, o livro está na décima primeira edição. Ao longo dos anos, a
principal modificação sofrida pelo volume foi o acréscimo de uma apresentação
escrita por Octavio Ianni, na sexta edição, de 2002. O número significativo de
tiragens é um primeiro indicador da importância do trabalho na área acadêmica
da Comunicação brasileira, mas também em outros países, particularmente no
âmbito ibero-americano. Porém, outros fatos e dados demonstram e ajudam a
entender a relevância do trabalho. Vale a pena expô-los, antes de discutir características internas do livro, relacionadas à sua recepção duradoura:
• De início, destaca-se o pioneirismo da discussão metodológica do trabalho. Trata-se de um ponto de vista amplo sobre a pesquisa comunicacional, com a proposta de um modelo metodológico original para a
mesma. A literatura metodológica utilizada pelos pesquisadores brasileiros, quando o trabalho de Lopes surgiu, era composta, de maneira
geral, por traduções (muitas vezes das Ciências Sociais, sem maior en-
3. Outras informações sobre a relação entre aspectos biográficos e a elaboração do modelo
metodológico são dadas por Lopes numa entrevista à Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (MALDONADO & ROMANCINI, 2012).
298
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
foque comunicacional). A produção e as discussões metodológicas em
Comunicação mais importantes, no contexto local e latino-americano,
ao longo da década de 1980, estavam relacionadas à “pesquisa-ação”.
Como nota Marques de Melo (1983, p. 7), o início da década mencionada marca uma transição da “pesquisa denúncia à pesquisa-ação”, no
Brasil. Assim, o pioneirismo do trabalho quanto ao seu objeto fez com
que ele se tornasse um recurso importante para o desenvolvimento da
identidade acadêmica da pesquisa na área. As palavras de Ianni (2002,
p. 12), na apresentação do livro, destacam esse ponto, ao notar que ele
constitui, ao mesmo tempo, uma contribuição à metodologia da pesquisa em Comunicação e à “consolidação da problemática da comunicação
como campo de ensino e pesquisa”.
• Verifica-se que, na vasta obra de Lopes, com mais de 150 trabalhos, entre livros, capítulos de livros e artigos científicos publicados em revistas,
Pesquisa em Comunicação é a publicação mais citada. De acordo com
dados do Google Acadêmico4, o livro atinge 546 citações, enquanto o
segundo trabalho mais citado, o livro Vivendo com a telenovela (LOPES,
BORELLI & RESENDE, 2002), possui 128.
• É possível notar, de acordo com os dados do próprio Google Acadêmico, que os trabalhos que citam o livro são diversificados, em termos de
áreas e temáticas de estudo. Desse modo, se, por um lado, predominam
textos das Ciências da Comunicação, por outro, nota-se que o livro é
também utilizado em trabalhos de áreas mais ou menos conexas, como
Ciências da Informação e Museologia, bem como Educação, Ciências
Sociais, Saúde, entre outras.
• Em 2003, o livro Pesquisa em Comunicação foi traduzido para o espanhol e publicado no México, pela editora Esfinge (LOPES, 2003a).
• A pesquisadora brasileira Lucia Santaella (2001, p. 12) observa, em seu
livro de metodologia, também voltado à pesquisa em Comunicação,
que, ao escrevê-lo, não teve a pretensão de “substituir a excelência da
reflexão realizada por Lopes”. Assim como, para fugir de “certa angústia
da influência”, buscou dar ao seu trabalho uma feição complementar ao
estudo da autora mencionada.
4. Disponível em: <http://scholar.google.com.br/citations?user=-27_xBUAAAAJ&hl=pt-BR>. Consulta realizada em 20 de novembro de 2013.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
299
• Os estudiosos que se aprofundam no trabalho de Lopes não têm dificuldade em notar a posição nuclear e germinadora que Pesquisa em Comunicação possui na obra da autora. É um livro que marca um momento
de autoria reflexiva que é, ao mesmo tempo, um ponto de chegada intelectual e de partida para novas investigações. Desse modo, se a análise
interna da obra, como se discutirá na sequência, pode revelar aspectos
datados, estes foram atualizados em estudos posteriores feitos pela pesquisadora.
Estrutura do trabalho
Pesquisa em Comunicação combina características de difícil compatibilidade
em trabalhos científicos: cobre a matéria de maneira ampla, mas é um livro relativamente sintético5, e apresenta uma discussão complexa com preocupações
didáticas. Nessa perspectiva, é interessante o comentário de um pesquisador
espanhol que, ao defender que a Comunicação Política adote um método que
supere atalhos positivistas e “criticistas” (quando a pesquisa é reduzida a um
receituário de tarefas triviais), nota que
o texto introdutório que de maneira mais didática e acessível – dentro
de sua complexidade – combina esta perspectiva epistemológica com indicações para levá-la à prática na investigação social – a metodologia – é
o de Vassallo de Lopes, 1990 (MARTÍNEZ NICOLÁS, 2007, p. 222,
tradução nossa).
O livro começa com uma introdução (“Comunicação, pesquisa e metodologia”) que contextualiza o trabalho, notando seu teor ao mesmo tempo histórico
– já que o objeto comunicação corresponde à atualização de aspectos superestruturais da sociedade – e metodológico. Também são firmadas três questões
que fornecem diretrizes ao estudo. A primeira esclarece a compreensão da Comunicação como campo disciplinar que estuda os fenômenos da comunicação
na sociedade contemporânea e que se autonomiza dentro da grande área das
Ciências Sociais e Humanas. A segunda ressalta que, devido ao caráter histórico dos fenômenos, estes devem ser estudados dentro dos marcos contextuais
5. A primeira edição possui 148 páginas. As mais recentes, com o acréscimo da apresentação de Ianni e novo projeto gráfico, possuem 171 páginas.
300
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
mais amplos (social, político, econômico e cultural) que os envolvem. A última
questão nota as fragilidades metodológicas da pesquisa em Comunicação. Para a
autora, a preocupação dos investigadores brasileiros com a teoria tendia a relegar
a metodologia ao segundo plano.
Em relação à estrutura dos capítulos propriamente ditos, percebe-se que a
obra possui duas partes em que estes podem ser agrupados. A primeira, constituída pelos três primeiros capítulos, aborda as condições de produção do discurso científico em Comunicação, tendo em vista salientar os fatores extratextuais (sociais e institucionais) e textuais (científicos) que condicionam a sua
produção. Por tal razão, essas dimensões são importantes para a formulação do
modelo metodológico. A segunda parte do trabalho, compreendendo os quatro
últimos capítulos, apresenta e discute o MM.
O primeiro capítulo (“Mercado cultural no Brasil e pesquisa em Comunicação”) analisa como se deu a formação do mercado cultural massivo no país, que
estimulou o estudo da comunicação de massa. Discute também a necessidade
de entender os modos como, nas relações entre o massivo e o popular, exercem-se hegemonias. Depois, é apresentada uma periodização da constituição do
mercado de bens culturais brasileiro. Lopes demarca, na constituição do mercado cultural, duas grandes etapas de desenvolvimento, uma “nacional” e outra
“transnacional”.
O segundo capítulo (“Paradigmas teórico-metodológicos e pesquisa em Comunicação”) discute os determinantes do processo de investigação na dimensão
especificamente científica. Aborda, assim, os paradigmas que presidiram o desenvolvimento das Ciências Sociais, examinando a transposição dos mesmos na
pesquisa em Comunicação. Os paradigmas são vistos, a partir de Thomas Kuhn,
como “tipos de consciência possível, [que] se traduzem em sistemas teóricos distintos sobre a realidade social” (LOPES, 1990, p. 33), relacionando-se aos tempos históricos que procuram explicar e do qual são expressões. Os paradigmas
tradicionais das Ciências Sociais são o funcionalista, o marxista e o weberiano.
Os dois primeiros tiveram mais influência na pesquisa comunicacional e são,
por isso, analisados em suas atualizações históricas. Outra discussão importante
do capítulo é quanto à adesão desses paradigmas ao contexto científico da América Latina, marcado pela dependência científica. Essa preocupação em refletir a
partir de uma localização específica dá ao trabalho, como nota Corral C. (2005,
p. 322-323, tradução nossa), uma “visão latino-americana” sobre o tema:
Preocupações centrais da autora são, com efeito: Como fazer ciência social e, em particular, ciência da comunicação, na América Latina? Com
quais instrumentos? E, afinal de contas: com qual metodologia? É posMaria Immacolata Vassallo de Lopes
301
sível pensar numa autonomia científica nos países de Nossa América?
[...] Preocupação e interesse pelo regional. Sem prejuízo ou descaso pelo
universal.
O terceiro capítulo examina aspectos de ordem institucional que incidem
sobre a produção da pesquisa comunicacional. Relacionam-se, portanto, à realidade mais próxima à pesquisa científica, ligada principalmente à universidade
na América Latina e no Brasil. São analisadas as políticas universitárias para a
investigação, a formação docente (e discente) para a mesma e a avaliação desta
atividade, no país. O exame das condições institucionais é complementado por
um breve estudo da pós-graduação em Comunicação da USP.
Iniciando a discussão do modelo metodológico, o quarto capítulo (“Problemáticas metodológicas na prática da pesquisa em Comunicação”) apresenta a
dupla concepção de metodologia (como teoria e como prática), que organiza
a reflexão da autora. O capítulo também esclarece a concepção epistemológica
que preside a construção do MM, isto é, a epistemologia histórica de Gaston
Bachelard, que
levou a uma mudança profunda no domínio da epistemologia com a
simples proposição de que qualquer ciência particular produz, a cada
passo de sua história, as suas próprias normas de verdade e, portanto,
os princípios de cientificidade operam internamente à prática cientifica
(LOPES, 1990, p. 78).
Por isso, a autora nota que dois princípios regem a construção do modelo:
1) o método é inseparável das investigações em que é utilizado, e 2) a reflexão
metodológica é uma atividade fundamental para o pesquisador, quando realiza
suas investigações.
A compreensão da pesquisa como um campo dinâmico contextualiza a sua
representação como estrutura e como processo, de modo que o espaço metodológico pode ser organizado, conforme a proposta de Lopes, em níveis, de natureza
“vertical”, e fases, de tipo “horizontal”. Os primeiros são descritos em termos
de suas dimensões epistemológica, teórica, metódica (instância do método) e
técnica. Já as fases ou momentos da pesquisa remetem à definição do objeto,
observação, descrição e interpretação.
Aspecto também importante desse capítulo é a compreensão não tecnicista
ou reducionista dado ao método (metodologia na pesquisa), de modo que ele é
definido “como uma série de opções, seleções e eliminações que incidem sobre
todas as operações metodológicas no interior da investigação” (LOPES, 1990,
302
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
p. 87). Desse entendimento decorre a necessidade de estabelecer critérios que
balizem as decisões. A partir da ênfase no caráter reflexivo da prática metodológica, Lopes discute três critérios, por ordem de importância: o epistemológico,
o propriamente metodológico e o operacional.
O quinto capítulo do livro (“Modelo metodológico: leitura e prática da pesquisa”) explicita como a noção de “modelo” é entendida no discurso científico,
discutindo a proposta realizada sob um duplo teor: conceitual (instrumento de
leitura) e analítico (modelo de prática metodológica),
O sexto e o sétimo capítulos fazem a proposição detalhada do modelo metodológico, sendo que o primeiro deles (“Modelo metodológico: as instâncias da
pesquisa”) discute os níveis da investigação, e o segundo (“Modelo metodológico: as fases da pesquisa”), suas fases. Aspecto fundamental da discussão, quanto
aos níveis da pesquisa, é a ênfase na “ruptura epistemológica”, isto é, a crítica
das noções de senso comum e a necessária dissociação entre o objeto real e o
objeto científico. Este, e aqui a autora retoma Bachelard, é uma construção do
pesquisador, contra as ilusões do saber imediato. Ainda que as questões epistemológicas e teóricas incidam, sobretudo, em fases como a definição do objeto,
Lopes salienta a necessidade de que mesmo as dimensões mais “técnicas” da
pesquisa sejam controladas por uma “vigilância epistemológica” que deve favorecer a articulação entre os níveis teóricos e empíricos da investigação. Tanto o
“empirismo” quanto o “teoricismo”, na pesquisa empírica, são criticáveis.
Na conclusão, a autora ressalta as implicações de seu estudo para uma pedagogia crítica da pesquisa, além de sintetizar os pontos básicos do modelo
metodológico. Observa ainda que, ao formalizar a experiência da pesquisa,
construindo o modelo, termina, querendo ou não, dando ao mesmo um teor
normativo. No entanto, observa que sua noção de pesquisa “reside essencialmente num trabalho metodológico aberto e crítico” (LOPES, 1990, p. 137).
Isso, sem dúvida, faz com que sua proposta tenha uma dimensão não dogmática, reflexiva e, portanto, muito diferente dos trabalhos que reduzem a metodologia a um receituário.
Avanços e desenvolvimentos
O modelo metodológico proposto no trabalho foi utilizado, na sua dimensão de instrumento para reconstrução de investigações, em estudos que buscaram analisar pesquisas científicas empíricas – por exemplo, Escosteguy (1993)
–, bem como tem servido à construção de diversas investigações. Mesmo pesquisas que realizam análises de investigações teóricas têm sido feitas a partir do
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
303
modelo proposto por Lopes. A pesquisadora mexicana Cecilia Cervantes Barba
(1992) adaptou-o, nesse sentido, para estudar o tratamento do conceito de mediação pelos teóricos Manuel Martín Serrano, Jesús Martín Barbero, Guillermo
Orozco Gómez e Enrique Sánchez Ruiz. No entanto, trabalhos com discussões
sobre esse tipo de operação (uso do modelo para pesquisa empírica em análises
teóricas) seriam úteis. São, por isso, uma sugestão válida a outros pesquisadores.
Certamente o componente pedagógico que a autora enfatizou em sua proposta enseja reconstruções e usos do trabalho em práticas de pesquisa em cursos
de graduação e pós-graduação do campo da Comunicação, auxiliando a formação geral e em pesquisa de estudantes. Esse aspecto ajuda a explicar o número
elevado de edições alcançado até o momento. Lopes, por sinal, continuou a
enfatizar a importância, no ensino da área, de pedagogias nas quais o componente investigativo esteja presente (LOPES, 2003b) e a perspectiva da autora
influencia reflexões sobre o tema da formação do estudante como pesquisador
em Comunicação (PORÉM & GUARALDO, 2011, BONIN, 2012).
Pesquisa em Comunicação, de certo modo, antecipou pontos de uma agenda
de investigação realizada pela autora e outros pesquisadores. Pode-se ler, assim,
o comentário em que a autora nota o “quão pouco se sabe sobre as reapropriações ou decodificações que as classes populares fazem dos produtos da Indústria
Cultural” (LOPES, 1990, p. 27). Muitos investigadores acabaram se voltando a
essa questão. Outra observação relevante é sobre a “valorização do cultural”, no
primeiro capítulo. Assim, o trabalho nota que a cultura, embora não substitua
a política, tornou-se um espaço revelador de dimensões do conflito social e da
questão nacional, conformando o próprio debate sobre a identidade nacional. A
trajetória de investigação de Lopes, envolvendo temas como a articulação entre
a ficcionalidade televisiva e a identidade nacional, enfocada em vários de seus
estudos recentes, parece quase anunciada em avaliações desse tipo.
Há aspectos do livro datados, principalmente, como é natural, no que concerne a questões históricas. Mas nessa dimensão observa-se que houve continuidade de estudos, que possuem relação direta com as discussões de Pesquisa em
Comunicação, por parte da autora. É o caso, por exemplo, das análises sobre o
mercado cultural brasileiro, em que a pesquisadora adicionou um último estágio
caracterizado pelo processo de “globalização” (LOPES, 2000), em sua periodização. Também os estudos sobre as características institucionais da pesquisa, em
particular no que diz respeito à pós-graduação, foram tema de desdobramentos
analíticos por parte de Lopes (2012b). Vale notar, aliás, que o livro discute um
momento em que o número de programas de pós-graduação brasileiros da área
de Comunicação era de apenas cinco (USP, UFRJ, PUC-SP, UMESP e UnB),
sendo, hoje, mais de quarenta.
304
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Pode-se notar, ainda sobre os desdobramentos reflexivos do trabalho, que a
perspectiva de análise da Comunicação a partir da proposta de uma Sociologia
do Conhecimento, ancorada em Pierre Bourdieu, que dá forma a uma crítica
epistemológica, foi ampliada. Isso se deu, particularmente, com o uso da teoria
dos campos sociais, aplicada ao “campo da Comunicação” e às discussões sobre
seu estatuto disciplinar (LOPES, 2000-2001). Questão estreitamente relacionada a esta diz respeito aos paradigmas científicos, na qual a reflexão da autora
tende a dar continuidade a um aspecto apontado em Pesquisa em Comunicação:
a relação entre tempo lógico e tempo histórico, na produção do conhecimento.
“É preciso ressaltar que o método em ato não somente se move num tempo
lógico, mas mantém relações, implícitas ou explícitas, com o tempo histórico
do objeto, que nas Ciências Sociais e Humanas é fundamentalmente dinâmico,
mutável e descontínuo”, observara Lopes (1990, p. 100). Nesse sentido, as discussões da autora, no contexto da “crise de paradigmas”, sobre o possível exercício do paradigma da complexidade (Morin), do paradigma do sistema-mundial
(Wallerstein) ou da globalização (Ianni), nos estudos de Comunicação (LOPES,
2004), mostram atualizações de seu pensamento, e não ruptura.
Da mesma forma, as discussões feitas pela autora sobre temas como a “reflexividade” no trabalho da pesquisa (LOPES, 2012a) e quanto ao “que há de
novo na metodologia da pesquisa de recepção com os novos meios” (LOPES,
2011, p. 413) têm sentido de prolongamento em relação às posições teórico-metodológicas expressas no livro Pesquisa em Comunicação. Isso porque são
claras as conexões que Lopes continua a fazer entre a epistemologia e a metodologia da pesquisa, por exemplo, quando ressalta a “dimensão comunicacional do trabalho de campo como um assunto epistemológico e uma categoria
de análise a ser explicitada e objetivada, atendendo a seu caráter situacional e
dinâmico, produto da ação dos sujeitos em interação” (LOPES, 2012a, p. 24,
tradução nossa).
Em outros termos, o caráter crítico e aberto da reflexão metodológica da
autora, assim como do modelo metodológico proposto por ela, é capaz de
incorporar, sem incoerências, questões que correspondem a novas zonas de
complexidade do objeto da produção científica em Comunicação. O que ela
comenta recentemente sobre os novos objetos da área é uma observação que
está implícita no seu livro, em favor de uma compreensão não dogmática e
possivelmente criativa do método: “a abordagem de novos objetos de estudo
leva a uma série de mudanças metodológicas, reforçando mais uma vez que é o
método que é colocado a serviço dos objetos e não o seu contrário” (LOPES,
2011, 424-425).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
305
Rumo a leituras futuras
Antes de sintetizar uma avaliação sobre a importância de Pesquisa em Comunicação no campo de estudos, comentando suas possíveis apropriações, é válido notar
que o trabalho possui certa “linha de continuidade” em relação ao plano da reflexão
metodológica efetuada na escola uspiana de Sociologia. Embora a autora amplie
o arco de referências em seu trabalho, valendo-se das considerações de Bachelard,
Bourdieu e outros, a leitura dos textos metodológicos de Florestan Fernandes revela
similaridades reflexivas. É possível associar, claramente, ao livro de Lopes, uma observação como a seguinte: “Os chamados debates metodológicos só são prejudiciais
ou inúteis quando se voltam para questões meramente especulativas ou quando
são desenvolvidos com ânimo dogmático, divorciando-se de temas e problemas de
significação científica” (FERNANDES, 1978, p. x). Ianni (2002, p. 12), ao escrever a apresentação do livro, parece notar esse aspecto, ao referir-se ao sentimento
gratificante de perceber no estudo metodológico da autora “ressonâncias de um
trabalho intelectual passado, que se vivifica e enriquece no presente”.
Em síntese, numa avaliação sobre a obra da autora, podemos concordar com
Maldonado (2002, on-line), que afirma: “Os trabalhos pioneiros de Maria Immacolata Lopes, no campo da comunicação, no Brasil, têm sido um marco
suscitador das pesquisas, debates, reformulações e prospectivas sobre um fazer
metodológico responsável com as fundamentações epistemológicas”. Acrescentamos a esse comentário, porém, que o livro Pesquisa em Comunicação destaca-se quanto ao que é dito.
Projetando um traçado entre passado, presente e futuro, talvez não seja exagerado afirmar que, na “juventude” das Ciências da Comunicação no Brasil,
o livro em questão constitua um clássico da disciplina. Ou seja, é o tipo de
trabalho cuja leitura é incontornável, sendo capaz de sugerir diferentes ideias e
interpretações; ajuda os pesquisadores a entender o campo em que se situam e a
pensar em caminhos para o mesmo. Enfim, convida os estudiosos da Comunicação a “atualizá-lo” na sua prática e em suas reflexões.
Referências
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Ciencias de la Comunicación, São Paulo, v. 9, n. 16, p. 36-45, jan./jun. 2012.
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306
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
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CORRAL C., Manuel de Jesús. Reseña de “Investigación en comunicación.
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ESCOSTEGUY, Ana Carolina Damboriarena. A pesquisa do popular na comunicação: uma análise metodológica. 1993. 240 f. Dissertação (Mestrado em
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FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978.
IANNI, Octavio. Apresentação. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de.
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LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Reflexividad y relacionismo como cuestiones epistemológicas en la investigación empírica en Comunicación. Revista
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Maria Immacolata Vassallo de Lopes
309
Para abrir as Ciências da Comunicação:
engendramento do campo e reflexividade epistemológica e metodológica
Roberta Brandalise1
6.1
LOPES
As reflexões sobre epistemologia e metodologia da Comunicação medeiam de forma marcante o conjunto da obra de
Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Isso se evidencia desde
sua pesquisa de doutorado, defendida em 1988 e publicada
dois anos depois, no clássico livro Pesquisa em Comunicação
(LOPES, 1990).
A importância e a permanência desse estudo, no qual formalizou um modelo metodológico para pesquisa em Comunicação, fez germinar uma série de produções científicas que
contribuíram para o acúmulo de capital epistêmico no reservatório teórico-metodológico do campo da Comunicação.
A própria pesquisadora, em trabalhos de 2003 e de 2010,
sintetiza em boa medida as suas reflexões acerca da problemática epistemológica e metodológica no campo da Comunicação. Por isso, enfatizaremos essas produções para expor
como o seu pensamento participa da tessitura da história de
tal campo com respeito a esses aspectos.
1. Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Professora do curso de Comunicação Social da Faculdade
Cásper Líbero (FCL) e da Universidade de Santo Amaro (Unisa).
310
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Em 2003, organizou o livro Epistemologia da Comunicação (LOPES, 2003a),
que socializa 19 textos sobre essa área de estudos, inclusive o seu “Sobre o estatuto disciplinar do campo da Comunicação” (LOPES, 2003b), que explicita a
abordagem da pesquisadora sobre esse campo científico.
Todas as produções que compuseram o livro foram originalmente apresentadas no III Seminário Interprogramas da Pós-Graduação em Comunicação. O
evento foi realizado no ano anterior ao de publicação, na Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e em ação conjunta com
a Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós). O livro, publicado pelas Edições Loyola, integra a Coleção Comunicação
Contemporânea, dirigida pela própria Maria Immacolata Vassallo de Lopes e desenvolvida com o objetivo de reunir textos de autores que contribuem de forma
inovadora para os debates do campo da Comunicação na contemporaneidade.
Em 2010, junto com José Luiz Braga e Luiz Claudio Martino, organizou
o livro Pesquisa empírica em Comunicação (BRAGA, LOPES & MARTINO,
2010), que socializou 18 textos sobre o tema. Publicado pela editora Paulus, integra a Coleção Comunicação e foi o Livro Compós 2010. Nele, a autora publica o texto “Reflexividade e relacionismo como questões epistemológicas na pesquisa empírica em Comunicação”, no qual sintetiza algumas de suas principais
reflexões acerca de epistemologia e metodologia em Ciências da Comunicação.
É relevante destacar que esse mesmo texto teve sua versão em espanhol publicada na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación (LOPES, 2012).
Ao nos debruçarmos sobre as produções de 2003 e de 2010, acerca da temática abordada, não podemos deixar de nos remeter ao livro Pesquisa em Comunicação, que representou um marco para a história do campo. Isso porque
compreendemos que a recepção de suas obras posteriores, acerca de questões
epistemológicas e metodológicas, está atrelada ao impacto desse primeiro livro,
que desde seu lançamento participou da iniciação de gerações de pesquisadores,
especialmente brasileiros, no campo da Comunicação.
Por essa razão, estabelecemos o diálogo com Para abrir as Ciências Sociais,
obra seminal, coordenada por Immanuel Wallerstein (1996), que aborda a
construção histórica das Ciências Sociais, expondo o relatório da Comissão
Gulbenkian sobre a reestruturação desse campo. Utilizamos o diálogo para afirmar que, para abrir as Ciências da Comunicação, o pensamento de Lopes acerca
do engendramento do campo científico e da necessidade de reflexividade epistemológica e metodológica na produção científica, que desde a formalização do
modelo metodológico é tema de suas reflexões, segue relevante e é especialmente importante para aqueles que adentram o campo.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
311
Um marco na história do campo da Comunicação: a produção científica criativa e a formação de gerações de pesquisadores
Ao estudar a história de nosso próprio campo de pesquisa, nos deparamos
com o trabalho criativo de Lopes na área de epistemologia e metodologia. Reiteramos que é possível afirmar que sua produção é relevante para a reflexão
crítica e o desenvolvimento do próprio campo da Comunicação, e isso se deve
a mais de uma razão: a produção da pesquisadora é mais criativa do que reprodutiva; existe reconhecimento dos pares em relação ao pioneirismo de Pesquisa
em Comunicação; a continuidade e a atualização do conjunto de sua obra se
evidenciam pelo volume e pela frequência de produção acadêmica qualificada,
como é o caso dos textos de 2003 e de 2010; a popularização de Pesquisa em Comunicação como referência no campo científico pode ser constatada por meio
da quantidade de citações no Brasil, e no exterior (via pesquisa bibliométrica
ou, mesmo, via Google Acadêmico); a atuação da pesquisadora como uma liderança em entidades de pesquisa nacionais e internacionais se verifica ao longo de
sua trajetória, desde seu ingresso como docente e pesquisadora do Programa de
Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, da Universidade de São Paulo –
nesse âmbito, destacamos sua atuação como presidente da Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM) e a participação
na fundação e na coordenação do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel); a participação da pesquisadora no engendramento de uma
perspectiva latino-americana em Ciências da Comunicação pode ser percebida
pelo reconhecimento dos pares, pela influência do conjunto de sua obra, pela
sua participação em eventos científicos internacionais e, mais uma vez, pelo
exercício de liderança em entidades de pesquisa de colaboração internacional.
Entre outras razões, precisamos destacar, sobretudo, a coerência de sua trajetória acadêmica em pesquisa e ensino. Isso porque parece-nos que essa coerência
é basilar para o desenvolvimento de todas as razões supracitadas que indicam
Lopes como uma autoridade científica relevante em sua área de atuação. Aspecto esse que pudemos atestar de primeira mão. Aprendemos com ela a explicitar
a relação prévia com o objeto de estudo, a fim de concretizar a vigilância epistemológica sobre a produção do discurso científico. Portanto, é preciso pontuar
que integramos o seu alunado2. E, ao nos debruçarmos sobre seus textos acerca
2. No ano de 2003, cursamos Metodologia da Pesquisa em Comunicação, com a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes, no Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Comunicação, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.
312
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
de epistemologia e metodologia da Comunicação, não pudemos deixar de ouvir
a “professora Immacolata” em nossa memória.
A consistência e a coerência do trabalho de Lopes nos estudos sobre epistemologia e metodologia foram cultivadas ao longo de seu percurso no campo
da Comunicação. Desde 1979, quando ingressou como docente na USP, Lopes
ensina Teoria e Métodos de Pesquisa e Teoria da Comunicação para a graduação em Comunicação Social. A partir de 1989, com sua tese de doutorado já
defendida, tornou-se responsável pelo curso de Metodologia da Pesquisa em
Comunicação, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação.
Desde então, atua nas linhas de pesquisa Epistemologia, Teoria e Metodologia
da Comunicação e Comunicação e Ficção Televisiva.
A experiência no ensino fertilizou sua produção científica, e a prática de
pesquisa enriqueceu suas aulas, que não se limitaram à reprodução do conhecimento – afinal, seu trabalho criativo implicou a apropriação de autores para
exercer a reflexão crítica sobre o engendramento do campo da Comunicação e
para a sedimentação dele, ao atentar para o valor da reflexividade epistemológica e metodológica nas pesquisas de Ciências da Comunicação.
Em suas aulas, Lopes constrói o seu pensamento cultivando, entre seus alunos, as leituras de Morin – acerca dos estudos de complexidade; Wallerstein –
sobre transdisciplinaridade e sistema-mundo; Bachelard – sobre epistemologia
histórica; Bourdieu – sobre a noção de campo, capital simbólico e a sociologia
da ciência; Giddens – sobre a ação reflexiva (reflexividade); Bauman – sobre
a modernidade como ambivalência; Sousa Santos – sobre as perplexidades e
a necessidade de fazer conhecimento prudente para uma vida decente; Hall
– sobre identidades plurais e o jogo identitário situacional; Ianni – para pensar a globalização; Castells – sobre sociedade em rede e comunidades virtuais;
Vattimo – sobre sociedade de comunicação; Canclini – sobre culturas híbridas;
Martín-Barbero – sobre mediações e o respeito aos produtos populares; e Gramsci – para pensar sobre engajamento da produção científica, hegemonias e
contra-hegemonias.
A professora Lopes, em suas aulas, apropria-se também do pensamento de
Florestan Fernandes – que, assim como Octavio Ianni, foi seu professor no curso
de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo –, para pontuar a necessidade de
saber-se para quem, quando e como se está fazendo pesquisa, para reforçar a importância das tradições de um campo, sem deixar que se tornem doutrinas, e para
ajustar a relação entre essas tradições e as contribuições contemporâneas, com
liberdade imaginativa, mas sem perder a coerência provida pelo rigor científico.
Nos textos de 2003 e de 2010, podemos perceber parte dessas leituras que
participaram da formação da pesquisadora e da professora Lopes, e tornaram-se
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
313
leitura obrigatória para seus alunos e orientandos, permeando seus constructos
acerca do engendramento do campo da Comunicação e da necessidade de reflexividade epistemológica e metodológica na prática da pesquisa em Ciências
da Comunicação.
As ilusões que precisam ser perdidas: a transparência do real e a
neutralidade da ciência
Lopes propõe que, ao fazermos Ciências da Comunicação, partamos do fato
de que a ciência não é neutra e de que temos o dever de fazer a crítica à ilusão de
transparência do real. Disso depende a própria validação da produção científica.
A partir de Lopes – especialmente por meio do texto de 2010, “Reflexividade e relacionismo como questões epistemológicas na pesquisa empírica em
Comunicação” –, depreendemos que é preciso pensar o discurso científico da
Comunicação em relação às suas condições de produção, em relação às suas
condições de recepção e em relação às suas condições de circulação nas redes de
comunicação científica. As condições de produção e de recepção são condições
sociais – envolvem um contexto macro, as relações espaço-tempo, as próprias
instituições científicas, as especificidades sociais e culturais e o processo histórico. As condições sociais, aparentemente externas à produção científica, deixam
marcas no discurso científico e este pode transformá-las.
Lopes (2010, p. 28) preocupa-se com a participação da produção de conhecimento científico na vida social e explica que isso é relevante para a validação
externa de uma pesquisa, apontando que a “perspectiva epistemológica deve
necessariamente envolver critérios de validação externa”.
De acordo com a autora, as questões internas de uma produção científica
envolvem a própria epistemologia, a teoria, a metodologia e a técnica. Elas estão
ligadas ao rigor científico validado pelos pares, à fundamentação, à lógica e ao
potencial contributivo do discurso científico construído. Lopes (2010, p. 28)
preocupa-se com a construção de capital epistemológico na própria produção
científica e explica que isso é relevante para a validação interna de uma pesquisa, afirmando que a “crítica epistemológica é que rege os critérios de validação
interna do discurso científico”.
Para concretizar a crítica à ilusão de transparência do real, e mesmo para
validar a pesquisa em relação aos aspectos extra e intracientíficos, propõe-nos
assumir atos de reflexividade epistêmica que implicam a realização de rupturas
epistemológicas e o exercício da vigilância epistemológica ao longo de todo o
processo de produção científica.
314
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Depois de discutir diversas abordagens que o conceito de reflexividade assumiu no percurso das Ciências Sociais e Humanas, a autora considera a relevância do conceito como prática social para se pensar a contemporaneidade – tal
como Giddens (1991), para quem a reflexividade provoca exames e reformulações em práticas sociais. Em seguida, demonstra a importância da reflexividade
como prática epistêmica e delimita a forma como aborda esse conceito.
A reflexividade é entendida por Lopes (2010, p. 29) como uma “atitude
consciente e crítica por parte do pesquisador quanto às operações metodológicas que realiza ao longo da investigação”, devendo se tornar um habitus intelectual presente ao longo da realização de toda a pesquisa.
A vigilância implica a autocrítica e a tomada de consciência de que: a escolha
do problema de estudo não é neutra, nem a escolha dos autores e dos conceitos
que vai se utilizar no desenvolvimento do trabalho científico; as escolhas da
amostra, da metodologia e das técnicas de coleta de dados também não são
neutras; as próprias técnicas de coleta de dados não são neutras nem intercambiáveis; e os dados não são meramente coletados, eles são construídos, em boa
medida, a partir de todas essas escolhas. A vigilância implica a tomada de consciência disso tudo e mais: é preciso perceber a distância do discurso científico
de outros, como o do senso comum, o da arte, o da religião, o da política, etc.;
é preciso identificar a distância do objeto real e do objeto da ciência, afinal, o
objeto não é dado, ele é construído tanto do ponto de vista teórico quanto do
ponto de vista empírico.
As rupturas implicam a objetivação, a explicitação, a comunicação, a manifestação por parte do pesquisador de que ele está consciente disso tudo. A ruptura
implica a desnaturalização de todo o processo científico. Na construção do discurso
científico deve constar todo esse percurso, essa trajetória de escolhas, delimitações e
distanciamentos. Mais do que isso, sobretudo, é necessário assinalar as razões dessas
escolhas, deve-se expor os “como e os porquês” que envolvem os aspectos supracitados, entre outros que venham a ser relevantes no trabalho científico.
Sobre a construção das reflexões de Lopes (2010) acerca desses aspectos, especialmente sobre o relacionismo e a reflexividade no campo da Comunicação,
é válido apontar a apropriação criativa que ela realiza dos constructos teóricos
que vinham sendo tecidos na epistemologia histórica de Bachelard (1975; 1977;
1996) e na sociologia da ciência e do conhecimento de Bourdieu (1980; 1983;
1995; 1997)3. A partir dos pilares lançados especialmente por esses autores, ela
trabalhou as ideias de relação social de investigação, de campos sociais e campo
3. Ver, também, Bourdieu e Wacquant (1992) e Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1999).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
315
científico, de habitus científico, de tempo histórico e tempo lógico na produção
de conhecimento, de separação entre objeto real e objeto científico, de sujeito e
objeto, entre outras.
Reflexividade e relacionismo: sujeito e objeto
A reflexividade epistêmica é importante para o fim das ilusões acerca da
neutralidade da ciência e da transparência do real, bem como para a validação
externa e interna de qualquer pesquisa científica. Por isso, Lopes propõe que os
pesquisadores da área de Comunicação atentem para isso ao longo de todo o
processo de pesquisa. Além disso, esse é o caminho apontado para fortalecer a
produção científica no campo.
Nesse sentido, é preciso destacar a reflexividade acerca da relação sujeito-objeto. A autora adota uma perspectiva racionalista acerca dessa relação, mas
rompe com o racionalismo clássico. Ou seja, rompe com o pensamento filosófico clássico, presente no idealismo alemão e no pragmatismo: o da separação
entre sujeito e objeto (LOPES, 2010).
Sem cair no irracionalismo, ela reserva ao racionalismo o espaço adequado
e vai se debruçar sobre a complexidade da relação sujeito-objeto em Ciências
da Comunicação. Diferentemente das abordagens epistemológicas tradicionais
que discutem a relação epistêmica entre o objeto e o conhecimento, enfatiza a
relação sujeito-objeto. A discussão de Bourdieu sobre o relacionismo prevê a
relação social entre sujeito e conhecimento, a relação epistêmica entre conhecimento e objeto e, ainda, a relação objetivada entre sujeito e objeto. Lopes vai se
deter na discussão acerca dessa última.
De acordo com a autora, precisamos adotar uma postura não dualista na relação
sujeito-objeto, porque ambos são figuras coletivas, são engendrados por sistemas
de relações, e, no campo da Comunicação, o objeto também é sujeito. O sujeito
investigador não é o indivíduo pesquisador, mas a totalidade do campo. O objeto
pesquisado é um sujeito que representa, em alguma medida, um grupo social.
O pesquisador, por meio da vigilância e da ruptura epistemológica, precisa
tomar consciência disso tudo e comunicar que entende a diferença entre sujeito
e objeto, bem como a complexidade da relação entre eles. Por meio da reflexividade epistêmica, portanto, é que vai ser ajustada a relação sujeito-objeto na
prática de pesquisa e na produção do discurso científico.
Nesse processo, de acordo com Lopes (2010), é preciso desnaturalizar o trabalho de campo, que é elemento fundamental para a pesquisa empírica, mesmo
quando a amostra não é formada por pessoas, mas, sim, por corpus de texto.
316
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
É preciso explicitar as relações prévias entre sujeito pesquisador e sujeito
pesquisado (objeto), entre o sujeito pesquisador e a temática e a problemática de pesquisa, entre o sujeito pesquisador e as instituições ou as localidades
que podem vir a integrar seu objeto de pesquisa. Até para que possa haver o
distanciamento ou a aproximação necessários para a construção e a análise dos
dados, é preciso que o pesquisador tome consciência dessas proximidades e do
distanciamentos entre ele e seu objeto de estudo, bem como comunique isso na
construção do discurso científico.
Além disso, de acordo com a autora, é relevante atentar para o fato de que
em campo estamos estabelecendo relações sociais, e essas relações são de comunicação. Portanto, há expectativas, experiências, recursos materiais e simbólicos
que aproximam ou distanciam o pesquisador de seu objeto e, definitivamente,
participam da situação de pesquisa, dos processos de comunicação, e vão deixar
marcas na construção dos dados e na análise deles.
Como em qualquer processo de comunicação, a situação de comunicação
entre pesquisador e pesquisado – como é o caso da entrevista, por exemplo – vai
implicar em apropriações de sentido convergentes, resistência ou negociação de
sentidos.
Lopes (2003b; 2010) chama a atenção para o fato de que ainda há fragilidades metodológicas nas pesquisas de Comunicação, as quais precisam ser superadas. Uma dessas fragilidades é a falta em referenciar os processos de comunicação no trabalho de campo. E o caminho para transpor essas dificuldades e
fortalecer o capital teórico-metodológico do campo da Comunicação parece ser
o da reflexividade epistêmica. Somado a outros: a adoção da interculturalidade
no processo de pesquisa e o cultivo ao respeito acerca do objeto de estudo.
Interculturalidade no processo de pesquisa e respeito ao
objeto de estudo
Lopes (2010) aponta que há desigualdade de poder simbólico entre sujeito
pesquisador e objeto de pesquisa. Chama a atenção para as dessimetrias culturais, linguísticas, entre outras, que podem ser percebidas entre o pesquisador e
o pesquisado. Então, propõe que cabe ao pesquisador perceber quando está em
uma situação de diversidade cultural e mesmo quando está diante de situações
de desigualdade.
Nessas situações, é preciso respeitar o objeto de pesquisa, compreender a
complexidade de pontos de vista diversos, e a riqueza de cada contexto cultural,
de saberes diferentes. De acordo com a autora, a adoção de uma perspectiva
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
317
intercultural no processo de pesquisa pode inclusive amenizar desigualdades no
processo de comunicação, no desenvolvimento da pesquisa.
A própria pesquisadora, em entrevista concedida a Maldonado e Romancini
(2012), publicada na Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación,
conta sobre como desenvolveu recursos intelectuais para pensar a interculturalidade e sobre como isso foi relevante em sua formação como pesquisadora.
Imigrante italiana, criada no Brasil desde a tenra infância, Immacolata compartilhava a cultura de origem por meio da mediação familiar, ao mesmo tempo
em que experimentava um processo de aculturação intenso – falava o português
com proficiência, o que facilitava a aceitação na sociedade brasileira. Essa realidade permitiu que desenvolvesse o que podemos chamar pela tradição antropológica de um olhar de fora e um olhar de dentro.
Lopes explica, na referida entrevista, que passou a perceber que a formação de
seu gosto e o povoamento de seu imaginário contemplava tanto o cinema político e reflexivo acerca de questões sociais – congruente com sua formação marxista, cultivada no curso de Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – quanto o cinema da indústria cultural de Hollywood.
Esses aspectos, entre outros, foram se configurando como recursos intelectuais da
pesquisadora para pensar a interculturalidade no processo de pesquisa.
Com formação marxista, mas aberta a diálogos críticos, tornou-se cientista
social em uma época cujo ethos era de mudança. Com foco no que chama de
“sociologia dura” – a sociologia do desenvolvimento –, Lopes continuava a tradição de seus professores Ianni e Fernandes e procurava trabalhar as questões superestruturais, dialogando também com autores que não eram necessariamente
marxistas.
Atentando para isso, é importante pontuar que Lopes sempre preocupou-se
com o rigor científico de forma equilibrada – convergindo também com as proposições de Sousa Santos (1989). Considera importante não cair na ortodoxia
ou na doutrina, nem no que chama de democratismo teórico-metodológico ou
epistemológico. Afinal, compreende que não é possível colocar para dialogarem
todos e quaisquer autores. Entende que a intersecção de saberes pode ser muito
frutífera e que as heterodoxias podem ser férteis para trazer mudanças relevantes
no campo científico, mas o mesmo não é necessariamente válido para a simples
justaposição de autores ou para a síntese de saberes.
Crítica ao teoricismo, ao empirismo e, mesmo, a qualquer tipo de paternalismo, Lopes compreende que o método de pesquisa deve estar a serviço do objeto
e não o contrário, e que a ciência deve sim exercer um papel crítico de ruptura
com o senso comum pelo trabalho de campo – o objeto da Comunicação, por
exemplo, é muito frágil e facilmente invadido pelo senso comum. Entretanto,
318
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
compreende que é preciso evitar etnocentrismos de qualquer tipo, mesmo o
etnocentrismo científico. De acordo com considerações feitas pela autora, na
entrevista a Maldonado e Romancini (2012), é preciso relativizar tanto o senso
comum do informante quanto o ponto de vista científico do pesquisador.
Desde quando desenvolveu a dissertação de mestrado – que originou o
livro O rádio dos pobres: comunicação de massa, ideologia e marginalidade social
(LOPES, 1988) –, a pesquisadora é interessada na dimensão política da cultura,
e seu potencial revelador de conflitos já cultivava o respeito ao objeto de estudo,
compreendendo a riqueza do produto cultural popular. Percebia, por exemplo,
o preconceito de classe – e também da comunidade científica – em relação aos
produtos populares. Na ocasião, já abordava a temática, a fim de compreender
aspectos superestruturais, utilizando o conceito de ideologia, via Verón – autor
que criticava o marxismo ortodoxo e a sociologia brasileira –, muito atenta às
questões de infraestrutura.
O pensamento de Lopes mostrou-se convergente com a tradição dos estudos
culturais latino-americanos e britânicos (MARTÍN-BARBERO, 1982; 2001;
CANCLINI, 1990; 1997; HALL, 1999; 2006), ambos com raízes marxistas.
A própria pesquisadora tornou-se uma liderança brasileira dos estudos culturais
na América Latina.
Ao longo da mesma entrevista a Maldonado e Romancini (2012, p. 127),
Lopes fala sobre a influência de Jesús Martín-Barbero em sua trajetória, e acaba
por tecer a seguinte reflexão a partir da abordagem barberiana sobre comunicação e cultura:
quando você resiste ou desqualifica determinados produtos não são eles
que você está desqualificando, ou que você está criticando. Você está,
digamos assim, dizendo que eles não valem nada, mas inclui aqueles que
gostam desses produtos. Ou seja, aí está a coisa absolutamente do preconceito de classe contra os produtos populares.
Lopes seguiu seus estudos acerca de produtos populares elegendo como objeto de estudo a telenovela. E, por meio de suas pesquisas, demonstrou a relevância de produtos como a telenovela para a cultura, colaborando, inclusive,
para semear uma possível guinada no pensamento comunicacional brasileiro em
relação a produtos populares.
Orientou diversos trabalhos sobre esse objeto de estudo e têm liderado entidades de pesquisa de colaboração internacional acerca da ficção televisiva, como
é o caso o Obitel. Com isso, mais uma vez, parece ter inaugurado uma tradição
de estudos que se perpetuará por gerações de pesquisadores.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
319
E mesmo aqueles alunos que não prosseguiram suas pesquisas elegendo
como objeto a telenovela, entre outros produtos populares, desenvolveram uma
abordagem intercultural, aprenderam com a pesquisadora a questionar seus preconceitos, a relativizar etnocentrismos e, com isso, a respeitar o objeto de estudo
e a agregar qualidade à pesquisa científica.
Transdisciplinaridade e autonomia do campo da Comunicação
O fortalecimento teórico-metodológico do campo da Comunicação, por
meio da proposta de atenção à reflexividade epistêmica, é importante para reiterar a própria autonomia do campo e seu estatuto transdisciplinar. Afinal, é a
qualidade da produção científica que vai determinar em boa medida o poder
simbólico de qualquer campo.
O campo da Comunicação trava uma luta simbólica para firmar esse estatuto transdisciplinar. A realidade contemporânea da área converge com as mudanças em curso na reestruturação das Ciências Sociais, com o movimento crítico
à compartimentação disciplinar firmada ao longo da história dessas ciências
(WALLERSTEIN, 1996).
Especialmente no texto “Sobre o estatuto disciplinar do campo da Comunicação”, Lopes (2003b) nos leva à compreensão de que as divisões disciplinares
têm poucas justificativas epistemológicas. As divisões parecem ter mais razões
políticas – portanto, extracientíficas.
Para a autora, o que pode parecer um paradoxo – a firmação de um campo
autônomo transdisciplinar – só o é de forma aparente, porque não se pretende
formar generalistas nem promover a dissolução absoluta da estrutura disciplinar.
Compreendemos, com Lopes (2003b), que a Comunicação é um campo
que já surge engendrado como transdisciplinar, e isso, muito longe de ser algo
negativo, faz dessa área de estudos um espaço fértil para a produção científica.
A autora aponta que para estudar temáticas é preciso fazer uso das transdisciplinaridades. Não basta, para tanto, justapor disciplinas. É preciso eleger objetos
de fronteira.
O objeto da Comunicação é de fronteira – por isso, em seu âmbito, o conceito de transdisciplinaridade não é vazio. A produção científica da área não
implica apenas na fusão de conhecimentos; em Comunicação, é possível realmente construir conhecimento acerca de temas transversais. Isso não significa,
de modo algum, que o campo não tenha autonomia. Há um ponto de vista
comunicacional. Ele se desenvolve com o aproveitamento de saberes de diversas
áreas afins, mas guarda sua originalidade.
320
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Assim, na intersecção de saberes – e não síntese de saberes – se dá o acúmulo de capital simbólico no campo da Comunicação como capital epistêmico.
Lopes demonstra que, especialmente no Brasil, o campo da Comunicação se
institucionalizou na academia, ao mesmo passo que foi se firmando como campo transdisciplinar.
A contemporaneidade se delineou sob a égide da sociedade da comunicação
(VATTIMO, 1997); isso quer dizer que, em nenhum outro momento, os estudos de Comunicação foram tão valorizados. No contexto contemporâneo,
marcado por ambivalências (BAUMAN, 1999), a produção de conhecimento científico relevante para a vida social e cultural torna-se cada vez mais útil
quando o objeto de pesquisa é proposto dentro do que Morin (1994) chama de
pensamento complexo.
Essa conjuntura favorece o campo da Comunicação em relação à hegemonia, de longa data, exercida por outras áreas de estudos das Ciências Sociais.
Portanto, o tempo em que vivemos, de lutas simbólicas, também é o tempo de
firmar a posição do campo das Ciências da Comunicação no contexto histórico
das ciências, das sociedades e culturas.
Crítica às ideias fora do lugar e a ascensão da Escola Latino-Americana de Comunicação
A produção científica tem de estar sempre em contexto, porque o contexto
deixa marcas no discurso científico. Portanto, Lopes pontua a necessidade de
os pesquisadores do campo da Comunicação elaborarem questionamentos e
desenvolverem pesquisas pertinentes às discussões e aos dilemas de seu próprio
tempo.
Lopes (2010) critica as ideias fora do lugar, o modo exógeno de pensar,
as questões e os temas deslocados. Deixa claro que precisamos de perguntas-problema que tenham relação vital com nossa existência social, com mais relevância e pertinência teórico-epistemológica para fazer avançar o conhecimento
no campo da Comunicação. Em convergência com o pensamento de Martín-Barbero4, propõe alguns questionamentos: Quais são as nossas utopias fundantes? Quais são os campos estratégicos de estudo? E assinala que devemos estar
4. Desde o texto de 1982, “Retos a la investigación de comunicación en América Latina”,
Martín-Barbero preocupa-se com o engendramento do campo da Comunicação e seu
fortalecimento.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
321
comprometidos com a transformação de nosso contexto contraditório, desigual, ambivalente da América Latina. Compreender e superar as denominações
terceiro mundo, dependente, periférico e emergente.
A própria pesquisadora integra uma geração de cientistas formados – pelas Ciências Sociais da USP, especialmente pelos professores Octavio Ianni e Florestan
Fernandes – para questionar “para quem você está trabalhando?” e para assumir a
responsabilidade de fazer pesquisas para a própria região. Daí a relevância que as
questões latino-americanas assumiram em sua trajetória de produção científica.
Observando os constructos de Lopes, fica claro que o fortalecimento de um
olhar latino-americano sobre a Comunicação e suas correlações com os mais
diversos aspectos da vida social e cultural depende de nós, pesquisadores latino-americanos. Essa vertente de seu trabalho, uma continuação daquilo que cultivou em sua formação, desde a escola uspiana de Sociologia, parece configurar-se
como mais uma das tradições que Lopes inaugurou no campo da Comunicação
brasileiro: a ideia de um Brasil que faz Ciências da Comunicação sem voltar as
costas para a América Latina – pelo contrário, dialoga e produz junto. Mais uma
tradição que há de ser perpetuada pelas próximas gerações de pesquisadores.
Por isso tudo, é possível afirmar que, para abrir as Ciências da Comunicação, é preciso atentar para o pensamento de Lopes acerca da epistemologia, da
metodologia e do próprio engendramento das Ciências da Comunicação, especialmente no Brasil. O pensamento da pesquisadora é parte da história viva do
campo, é transformador dela, e a semeadura que realizou já germina.
Os frutos que já existem estão espalhados pelo país e para além de suas fronteiras. São seus trabalhos científicos que estão a formar novos pesquisadores,
mais o capital humano que a “professora Immacolata” cultivou em aulas e orientações. Estes também tornaram-se professores e pesquisadores perpetuadores
de sua fortuna crítica e, sobretudo, produtores de conhecimento científico no
campo da Comunicação.
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324
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Reflexões sobre ficção televisiva
Marcia Perencin Tondato1
6.1
LOPES
Histórias narradas pela televisão são, antes de tudo,
importantes por seu significado cultural. [...] a ficção televisiva configura e oferece material precioso
para entender a cultura e a sociedade de que é expressão. Ela ocupa um lugar proeminente na esfera
liminal (Turner) das práticas interpretativas, entre
realidade e fantasia, entre vivido e imaginário (LOPES, 2004b, p. 125).
Na citação acima, como em tantas outras, Maria Immacolata Vassallo de Lopes deixa claro e reafirma sua convicção
a respeito do protagonismo da telenovela na vida cultural e
1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Mestre em
Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo
(UMESP). Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de Propaganda
e Marketing (ESPM), atuando na linha de pesquisa Processos de
Recepção e Contextos Socioculturais Articulados ao Consumo.
Pesquisadora do Observatório Ibero-Americano de Ficção Televisiva (Obitel) e coordenadora do grupo Obitel-ESPM. Membro
da Rede CRICC (South African Critical Research in Consumer
Culture Network).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
325
social contemporânea, imbricada pela recepção dos conteúdos dos meios de
comunicação de massa. Convicção motivadora de uma trajetória marcada pela
disposição incansável de busca científica das intersecções entre narrativas teleficcionais e as sociedades por onde circulam.
A professora Immacolata, ou Immacolata para aqueles com mais afinidade e proximidade temporal, pode ser considerada a principal articuladora
de uma rede de pesquisadores e pensadores sobre a teleficção seriada. É
herdeira e ativa propulsora do pioneiro Núcleo de Pesquisa de Telenovela
(NPTN)2, oficialmente constituído em 1992, por José Marques de Melo, no
âmbito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA-USP), tendo sido coordenado, durante o que denomino, aqui, como
primeira fase, por Anamaria Fadul (1992-1997), Maria Aparecida Baccega
(1997-2000) e Solange Martins Couceiro de Lima, ao lado de Maria Lourdes Motter (2000-2005).
Nesse período, o principal projeto do NPTN foi “Ficção e realidade: a telenovela no Brasil, o Brasil na telenovela” (1995-2000), coordenado por Baccega
e beneficiado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e das Pró-Reitorias de Pesquisa e de Cultura e Extensão da
USP. O empenho em torno de sua proposta obteve reconhecimento nacional,
outorgado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), por meio do Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, em 1999, na categoria “Grupo Inovador”.
O “projetão”, como carinhosamente é chamado até hoje pelas equipes
nele envolvidas, quando mencionado/citado, era constituído por vários subprojetos, liderados por pesquisadoras que viam na telenovela um importante
produto no contexto da televisão e da sociedade brasileiras. Renata Pallottini
esteve à frente do estudo “Dramaturgia da telenovela”; Mary Enice Ramalho
de Mendonça coordenou “A linguagem do cinema na telenovela”, versando
sobre linguagens, estruturas e discursos antagônicos e contraditórios, que, num
determinado momento e gênero – a telenovela –, criaram um campo híbrido
2. O NPTN – hoje, Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) – é uma instituição da
USP, criada na ECA, em 8 de abril de 1992, e incorporada ao Departamento de Comunicações e Artes (CCA), em 16 de setembro de 1994. De caráter interdepartamental,
reúne docentes, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação dos vários departamentos daquela escola, desde que envolvidos em projetos e/ou atividades do campo
da ficção televisiva seriada (MALCHER, 2000).
326
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
de significações e possibilidades. Preocupada com a influência das novelas na
representação do imaginário infantil no processo de recepção de textos verbais ficcionais, criando e recriando suas representações de mundo, Alice Vieira
orientou “Representação do imaginário infantil na recepção de textos ficcionais: a influência das telenovelas”. Na parte denominada “O campo da comunicação: os valores dos receptores de telenovelas”, Maria Aparecida Baccega e
sua equipe buscaram desvelar a interação telenovela-sociedade, no campo da
família, verificando e discutindo, a partir da análise do discurso, como se dá a
produção e a emissão (no polo da telenovela) e a recepção (no polo dos telespectadores e da sociedade em geral) de valores sobre o tema família e seus desdobramentos. Anamaria Fadul desenvolveu o estudo “Telenovela e sociedade
no Brasil: a evolução das temáticas sociodemográficas”, buscando compreender como as questões indicadas no título evoluíram nas telenovelas brasileiras,
de 1963 até 1996. Solange Martins Couceiro de Lima, em “A identidade da
personagem negra na telenovela brasileira”, fez um levantamento crítico da
produção acadêmica que focaliza o segmento negro e a comunicação social no
Brasil, bem como analisou a identidade do negro que se pode captar na televisão brasileira por meio da telenovela. Com o tema “A construção do cotidiano
na telenovela”, Maria Lourdes Motter levantou o modo de construção ficcional
do dia a dia das personagens e o modo de interação dialógica que mantém
com o cotidiano real. Maria Cristina Castilho Costa coordenou “O gancho na
telenovela: análise estética e sociológica”, a fim de entender os aspectos formais
do gancho que encerra cada capítulo da telenovela, dada sua importância na
renovação do interesse do espectador numa obra de longa duração e recepção
cotidiana e doméstica.
De especial atenção neste texto, Immacolata esteve à frente, junto com
Sílvia Helena Simões Borelli e Vera da Rocha Resende, do subprojeto “Recepção de telenovela: uma exploração metodológica”. O resultado foi publicado no livro Vivendo com a telenovela: mediações, recepção e teleficcionalidade
(LOPES, BORELLI & RESENDE, 2002), pela Summus, paradigmático no
âmbito da construção teórico-metodológica da pesquisa de recepção de telenovela. Nele, Immacolata coloca a si e à sua equipe o desafio da realização
de um projeto multidisciplinar, exigindo, como caracterizado por Martín-Barbero (2002, p. 17), no prefácio da obra, a ativação da imaginação metodológica.
No referido trabalho, estruturado no âmbito teórico das mediações, a recepção é abordada pela autora a partir de um modelo pragmático de coleta e análise
de dados, contemplando as diversas instâncias do fazer científico, resultado de
sua tese de doutoramento Pesquisa em Comunicação: formulação de um modo
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
327
metodológico (LOPES, 1990), rompendo com dicotomias estabelecidas por práticas administrativas3.
Experimenta-se ali, então, a combinação de métodos e técnicas distintas
para o estudo da recepção da telenovela “A Indomada” (Rede Globo, 1997, de
Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares) por um conjunto de famílias de estratos
sociais diferentes.
Em Vivendo com a telenovela, Lopes, além de se valer do capital conceitual-epistemológico até então construído, para a realização de tão abrangente pesquisa, recorreu a uma de suas características mais marcantes: a grande capacidade de coordenação e organização de pesquisadores seniores e juniores em torno
de um objetivo comum, sempre mantendo o respeito aos interesses acadêmicos
dos membros da equipe, ampliando a abrangência dos objetos em estudo. Nada
melhor do que as palavras das autoras nas considerações finais do livro para
entender o significado e a importância do estudo que se propuseram realizar:
Diante da complexidade e da densidade desta trajetória, valer a pena
ressaltar que as considerações finais tanto podem ser lidas no interior
de cada uma das mediações, como também este conjunto compõe uma
totalidade capaz de dar conta dos vários aspectos envolvidos na proposta teórico-metodológica aqui apresentada. Ou seja, se olhássemos para
dentro de um caleidoscópio, cada mediação – com sua cor e formato –
seria, ao mesmo tempo, fragmento e totalidade; mas não uma totalidade
acabada, já que outros cacos de cores e formas diversos poderiam invadir
este conjunto construindo um cenário mutante em que se alternam narrativas da telenovela e narrativas dos receptores (LOPES, BORELLI &
RESENDE, 2002, p. 367).
Além dos projetos mencionados, teses e dissertações que vêm sendo desenvolvidas a partir daquele centro de pesquisa têm tratado uma diversidade de
assuntos referentes à telenovela, como história e antecedentes do gênero, questões sobre a autoria, relações com o cinema, aspectos de produção, relações de
novelas e minisséries com a política, com o cotidiano, com a religião, questões
raciais e de movimentos sociais, recepção pelo público infantil, entre outros.
Nessa produção, inclui-se, por exemplo, o livro A milésima segunda noite (COS-
3. Nomenclatura utilizada por Wolf (1996, p. 103) em referência a estudos caracterizados
pela departamentalização emissão versus recepção, influências versus efeitos, que reduzem a compreensão sobre a complexidade do processo comunicativo.
328
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
TA, 2000), que resultou da tese de livre-docência de Maria Cristina Castilho
Costa, desenvolvida a partir do projeto “O gancho da telenovela: análise estética
e sociológica”. Tal trajetória tem possibilitado, e demandado, a constituição de
um importante acervo referencial na pesquisa sobre ficção audiovisual seriada
nacional e internacional, além do estreitamento de sua relação com empresas
produtoras dessas ficções, como Rede Globo e Rede Manchete, e revistas especializadas (Contigo, Amiga, Capricho).
Desafios e superações: o amadurecimento dos caminhos
Tal como em muitos dos enredos estudados pelos pesquisadores que se dedicam à teleficção, o herói dessa história (o NPTN) teve seu momento de queda,
constituindo roteiro dramatúrgico. Em outubro de 2001, um incêndio destruiu suas instalações, equipamentos e arquivos. Um momento de amargura e
de indignação muito forte para todos os pesquisadores que para lá se dirigiam
diariamente, aliado a um sentimento de perda de um pedaço da vida de cada
um que por lá havia passado, consultando seus acervos, trocando ideias com
colegas ou “simplesmente” tomando conhecimento do que havia de novo nesse
universo de estudo.
Mas assim como a Fênix que ressurge das cinzas – se me permitem o lugar
comum –, mal passado o sentimento de vazio e o cheiro da fumaça do fogo que
literalmente derreteu prateleiras de aço, guardiãs de registros de valor incalculável, novos caminhos foram se mostrando. Pesquisadores e alunos transformaram-se em “caçadores de tesouro”, dedicando-se não só a dar continuidade
aos estudos em andamento, a recompor o acervo, mas principalmente a extrair
forças e dedicação daquilo que ninguém é capaz de nos tirar: a capacidade de
pensar.
O material destruído havia sido reunido a partir de doações de coleções particulares, de órgãos públicos e de empresas. O acervo tinha materiais de todas
as emissoras, com raridades, como roteiros e capítulos da extinta TV Tupi. Após
a tragédia, teve início uma campanha para montar um novo acervo, a qual foi
batizada como “SOS Telenovela: o que você guardou de lembrança pode ajudar
nossa memória”. Contando com o que muitas pessoas haviam guardado como
recordação, não se recuperou o que foi perdido, mas “outras raridades” foram
descobertas. “Nos anos seguintes, conseguimos promover encontros de dimensão inédita, com os maiores pesquisadores estrangeiros e assim tentamos renovar
o nosso empenho”, explicaria Maria Ataíde Malcher ao repórter Lucas Telles
(2004, on-line), da Agência USP de Notícias.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
329
Em 2002, o NPTN, sob a coordenação da profa. Solange Couceiro, promove um seminário internacional sob o título “A internacionalização da telenovela no cenário globalizado”, reunindo pesquisadores e profissionais “envolvidos
com as questões dos fluxos econômicos e culturais da ficção televisiva em todo
o mundo”. O objetivo do evento, um marco na retomada de uma trajetória de
sucesso, agora por novos trilhos, foi mapear, “mundialmente, a produção cultural e televisual do Brasil e de outros países no campo da produção, da criação, da
recepção e da gestão dos produtos da ficção televisiva” (LOPES, 2004a, p. 20).
Dois anos depois, como resultado do evento, é publicado, pela Loyola, Telenovela: internacionalização e interculturalidade, organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes (2004c), reunindo os textos dos palestrantes, os quais foram organizados em quatro eixos: 1) Telenovela como gênero latino-americano:
instância de mediação cultural e vetor de desterritorialização; 2) Indigenização
do gênero como apropriação local das produções internacionais: telenovela e
identidades culturais; 3) Hibridizações e renovações do gênero; e 4) Fluxos internacionais do gênero, proximidade e compartilhamento culturais.
Nessa obra, Lopes reúne autores de diversos países ibero-americanos, além
de representantes da Itália e dos EUA, que tratam do tema da internacionalização e hibridização da teleficção seriada. No texto de sua autoria, afirma que,
no cenário globalizado, tomado através da ótica da complexidade e do
movimento dialético entre as ambivalentes tendências à integração e à
fragmentação, a narrativa ficcional surge como um valor estratégico na
criação e consolidação de novas identidades culturais compartilhadas,
configurando-se como uma narrativa popular sobre a nação [...] hipótese
básica da identidade étnica do gênero ficcional televisivo [...] de onde
deriva outra hipótese sobre o caráter nacional da teleficção, ou seja, sua
constituição como gênero nacional (LOPES, 2004b, p. 121).
Ao mesmo tempo em que abre perspectivas para avanços das investigações, a
afirmativa consolida as reflexões teóricas e as observações empíricas conduzidas
até então pela autora/organizadora, trazendo para o campo do gênero ficcional
televisivo conceitos e autores consagrados em outras áreas, como complexidade
(Morin), dialética (escola crítica), fragmentação (pós-modernismo) e identidade
cultural (Hall).
Com o empenho que lhe é peculiar, Immacolata se apresenta também como
eficaz articuladora do intercâmbio academia/mercado. Mesmo antes da criação
do Observatório Ibero-americano de Ficção Televisiva (Obitel) – sobre o qual
falo adiante –, já havia em seu horizonte o interesse em aproximar-se das redes
330
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
nacionais de televisão. Resultado desta busca, sinalizada e fundamentanda nas
citações que se seguem, foi o estabelecimento de contato com a Rede Globo, com
profissionais convidados para participar do livro organizado:
[...] a transformação incessante e a incerteza que caracterizam nossas sociedades [...]. Por consequência, a situação das ciências humanas voltadas
para analisar e compreender essas transformações carregaram esses dois
conceitos (identidade e cultura) de inúmeros significados. Torna-se, por
isso, indispensável especificar a acepção com que se pretende interpretá-los neste estudo que propõe decliná-la por meio da perspectiva comunicacional, mais especificamente, da televisão e do gênero ficcional televisivo (LOPES, 2004b, p. 124).
Nas mais recentes pesquisas de recepção, o que há em comum é o
descobrimento da natureza negociada, trasnacional de toda comunicação e da valorização da experiência e da competência produtiva dos
receptores. Esta tem como eixo uma operação de apropriação, ou seja,
a ativação da competência cultural das pessoas, a socialização da experiência criativa e o reconhecimento das diferenças, isto é, do que fazem
os outros – as outras classes, as outras etnias, os outros povos, as outras
gerações. Quer dizer que a afirmação de uma identidade se fortalece e
se recria na comunicação – encontro e conflito – com o outro (LOPES,
2004b, p. 128).
A ficção televisiva não deve ser pensada numa história específica, numa
particular produção de gênero, mas antes no inteiro corpus e fluxo das
narrativas por onde assume a função de preservar, construir e reconstruir
um “senso comum” da vida cotidiana (LOPES, 2004b, p. 131).
Em 2005, Immacolata assume a coordenação do NPTN, agora denominado Centro de Estudos de Telenovela (CETVN). Mantendo o objetivo inicial
de conduzi-lo como centro de documentação e pesquisa sobre a telenovela, e
incansável na motivação da equipe e recomposição do espaço físico para o desenvolvimento dos estudos sobre telenovela, Immacolata trabalhou no redirecionamento do acervo para materiais bibliográficos e audiovisuais (gravações
de ficções) que servissem como fonte para os pesquisadores que procuram o
CETVN. A promoção de novas parcerias trouxe importantes aliados, como o
Globo Universidade, que se tornou um dos elementos-chave na consolidação
do Obitel, a seguir comentado, e o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
331
Estatística (Ibope), doador de gravações da programação televisiva e fonte de
dados sobre a audiência da ficção televisiva seriada.
Para que esse processo resultasse no que é hoje o CETVN, valeu a perseverança e da esperança da profa. Immacolata, que, com muito empenho e
disposição, colocou-se em campo na promoção dos estudos sobre a teleficção,
recorrendo e valendo-se de sua ampla rede de conhecimento, e reconhecimento,
junto a grupos de estudiosos interessados na temática. Na dinâmica, continuou
a promover e realizar eventos, cursos, seminários, consultorias, organizar publicações, no intuito de aprofundar e estimular o desenvolvimento de teorias
e pesquisas sobre a ficção televisiva seriada, acumulando e gerando informação
nos mais variados suportes (BACCEGA, 2000).
Consolidação dos estudos sobre a ficção televisiva
Em 25 de fevereiro de 2005, foi criado, na cidade de Bogotá, capital colombiana, o Obitel4, projeto internacional de pesquisa com o objetivo amplo de
analisar a produção, a audiência e a repercussão sociocultural da ficção televisiva
na América Latina e na Península Ibérica. No âmbito do campo, da área de
estudos de teleficção, o Obitel é instituído para estimular a cooperação e o intercâmbio de conhecimentos, bem como para fomentar o desenvolvimento da
pesquisa e da formação sobre produção, circulação e recepção da teleficção no
espaço audiovisual ibero-americano.
Anualmente, publica um estudo5 da indústria de teleficção seriada no território
aludido, apresentando o cenário comentado da produção, da recepção e do impacto do gênero em cada um dos países participantes, além de uma comparação
de características e tendências. Até 2013, reúnem-se, sob a coordenação geral de
Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (México), investigadores e equipes de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha, Estados Unidos (de língua hispânica), México, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela.
No plano nacional, regional e internacional, esse estudo sistemático nutre
projetos de investigação acadêmica e não acadêmica, fornecendo informa-
4. A página do Obitel na internet pode ser acessada no seguinte endereço: <http://www.
eca.usp.br/cetvn/obitel.html>.
5. Trata-se do Anuário Obitel, que torna pública a análise gerada pelo monitoramento dos
programas de ficção televisiva nos países integrantes do Observatório.
332
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
ção atualizada, sempre esperada por todos os interessados na temática e até
mesmo por aqueles que não têm nos estudos de telenovela o principal foco
de reflexão. Desde o início, são promovidas, todos os anos, reuniões técnicas, encontros e/ou seminários do Obitel, para discussão dos trabalhos em
andamento e para apresentação dos resultados das pesquisas realizadas pelos
grupos de cada país.
O CETVN é o núcleo de desenvolvimento dos estudos e levantamentos
demandados pelo Obitel. Serve como fonte de origem e alimentação a projetos
de pesquisa nacionais e a eventos organizados na maioria das vezes em parceria
com o Globo Universidade.
Desse trabalho, num processo aberto de diálogo entre pesquisadores participantes dos seminários de apresentação dos Anuários Obitel, nasce o Obitel
Nacional, “uma rede de magnitude nacional dedicada ao estudo da ficção televisiva”, que, além de se constituir “um fato inédito no campo da comunicação
no Brasil, se apresenta como uma oportunidade única de criar as bases para um
efetivo trabalho coletivo e colaborativo que se articula sobre os princípios da
interdisciplinaridade” (LOPES, 2009a, p. 8).
Junto a esse grupo, dando continuidade à consolidação da telenovela/ficção
televisiva seriada como objeto de pesquisa na área da Comunicação, Immacolata assume mais um desafio: coordenar um trabalho de âmbito nacional,
agregando, sob uma mesma problemática, grupos de pesquisadores brasileiros,
membros da rede Obitel, cada ano com um foco específico, conforme o desenvolvimento e a dinâmica das produções.
A Rede Obitel Nacional conta com a participação de equipes das principais universidades públicas e privadas de várias regiões do Brasil, dedicadas ao
estudo da ficção televisiva: ECA-USP, ESPM, Anhembi-Morumbi, UFSCar,
UFBA, UFJF, UFPE, UFRGS e UFSM. Do trabalho desses grupos, surge, também sob organização da profa. Immacolata, a “Coleção Teledramaturgia – Obitel Nacional”, iniciada com o livro Ficção televisiva no Brasil: temas e perspectivas
(LOPES, 2009b), editado e publicado com o apoio do Globo Universidade.
Está em curso, portanto, um novo período da história dos estudos sobre a
teleficção seriada, marcado pelo interesse em relação à internacionalização da
telenovela – ou seja, os processos de exportação, negociações e mudanças pelas
quais o produto passou e recepção pelo público. Mais recentemente, em sintonia
com o que se passa na sociedade, avança em busca das repercussões da telenovela
nas mídias digitais. Investindo na reflexão sobre um fenômeno emergente, a
transmidialidade, o Obitel Nacional vai a campo para estudar a ficção televisiva seriada a partir de instâncias diversas – produção, distribuição, circulação
e recepção. Da primeira investida, resultou Ficção televisiva transmidiática no
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
333
Brasil: plataformas, convergência, comunidades virtuais (LOPES, 2011), o qual,
podemos dizer, inaugura os estudos integrados sobre a transmidiação brasileira.
A obra seguinte, Estratégias de transmidiação na ficção televisiva brasileira (LOPES, 2013b), avança no conceito de “trabalho colaborativo”, consolidado agora
em estudos sobre “um único objeto investigado a partir de diversas perspectivas
teóricas e estratégias metodológicas” (LOPES, 2013a, p. 10).
Palavras finais
Neste breve relato sobre o protagonismo da profa. Immacolata na promoção
da ficção seriada televisiva como objeto de estudo científico – não apenas no
Brasil, mas no mundo –, é importante destacar a dinâmica que a coordenação
de uma pesquisa de abrangência nacional demanda. Desde a definição da temática, delineada a partir do contexto da produção e das evidências da recepção,
e definida por meio do compartilhamento de perspectivas e de debate de ideias
entre todos os membros do Obitel Nacional presentes nos encontros nacionais
bienais, até o lançamento do volume temático e sua divulgação, é evidente a
necessidade de um trabalho de liderança e organização que vai muito além do
estabelecimento de prazos e do recebimento de textos.
Com o empenho de quem conhece, pela vivência cotidiana, cada momento
de desenvolvimento de uma pesquisa, suas demandas epistemológicas, teóricas,
metódicas e técnicas, e pensando a partir do que a própria Immacolata defende
no âmbito da pesquisa científica – bem como com a paixão de quem tem como
desafio diário a defesa, a renovação e a divulgação do estudo científico da ficção
televisiva seriada brasileira –, ela agrega dezenas de pesquisadores ao redor do
tema. Ainda que o interesse pelos estudos de telenovela seja de ordem comum
aos membros do Obitel Nacional, reunir pesquisadores em torno de um projeto
único, que se subdivide conforme interesses específicos e até regionais, exige,
além de planejamento e organização, muita perseverança.
Referências
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PCLA, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 2, jan./mar. 2000. Disponível em:
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e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004a. p. 15-20.
________. Para uma revisão das identidades coletivas em tempo de globalização. In: ________. (Org.). Telenovela: internacionalização e interculturalidade. São Paulo: Loyola, 2004b. p. 121-137.
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Paulo: Loyola, 2004c.
________.; BORELLI, Sílvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo:
Summus, 2002.
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MALCHER, Maria Ataide. A telenovela como objeto científico. In: CONGRESSO
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MARTÍN-BARBERO, Jesús. Prefácio. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de;
BORELLI, Sílvia Helena Simões; RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002. p. 11-18.
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
335
TELLES, Lucas. Teledramaturgia ganha caráter científico com trabalho do Núcleo de Telenovelas. Criado em 1992, o Núcleo de Pesquisa em Telenovelas da
ECA foi pioneiro, no meio acadêmico, na pesquisa e na documentação da produção de telenovelas. Um incêndio em 2001 destruiu parte do acervo. Agência
USP de Notícias, São Paulo, 7 jul. 2004. Disponível em: <http://www.usp.br/
agen/repgs/2004/pags/007.htm>. Acesso em: 20 nov. 2013.
WOLF, Mauro. La investigación de la comunicación de masas: crítica y perspectivas. Buenos Aires: Paidós, 1996.
336
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Vencendo os desafios da construção de
uma rede internacional de pesquisa
Maria Cristina Palma Mungioli1
Ligia Maria Prezia Lemos2
6.1
LOPES
Falar sobre Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel) significa
falar da relação intensa e apaixonada entre uma pesquisadora
e seu objeto de estudo: a ficção televisiva e, em especial, a
telenovela. Relação que se foi construindo de maneira paulatina ao longo da carreira da professora e pesquisadora preocupada, desde os primeiros momentos de sua formação acadêmica e intelectual, com os fundamentos epistemológicos e
com o rigor metodológico das Ciências Sociais e, mais tarde,
da Comunicação3. Preocupação e paixão que são as marcas
1. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (USP). Vice-coordenadora
do Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e pesquisadora
do Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel).
Coordenadora do GP Ficção Seriada da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). e-mail:
[email protected]
2. Doutoranda e mestre em Ciências da Comunicação pela USP.
Pesquisadora do CETVN e do Obitel. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). e-mail: [email protected]
3. Ao longo deste capítulo, utilizamos, como fonte privilegiada, a
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
337
definidoras de Immacolata, como amigos, colegas e alunos costumam chamá-la, em sua brilhante trajetória destacada nos capítulos que compõem este livro
e que têm se revelado em todos os âmbitos de sua atuação: docência, pesquisa
e extensão.
Temos acompanhado essa preocupação e essa paixão na convivência diária
com Immacolata na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA-USP) e, principalmente, no Centro de Estudos de Telenovela (CETVN) e no Obitel, ambos por ela coordenados. Convivência que nos permite
falar, mesmo correndo o risco de deixar passar alguma informação ou detalhe,
dessa paixão que se converte em dedicação e trabalho intensos em prol do desenvolvimento de pesquisas e da formação de quadros de pesquisadores de Comunicação comprometidos com o rigor epistemológico e metodológico.
Embora tenha sido fundado em 20054, pode-se dizer que o Obitel começou
a ser pensado por Immacolata quase uma década antes, como uma espécie de
resposta ao chamamento feito por Jesús Martín-Barbero para que os pesquisadores brasileiros se debruçassem sobre o mais popular produto da televisão
brasileira: a telenovela. À época, a telenovela era um objeto pouco estudado na
academia e que, por isso, sofria pela ausência de estudos sistemáticos que a observassem para além do rótulo de produto alienante da indústria cultural, como
muitos insistiam em vê-la naquele período. Para Martín-Barbero (2001, p. 313314), trata-se de um produto que se caracteriza por sua filiação ao melodrama
compreendido como matriz cultural e, portanto, como uma das expressões da
identidade latino-americana e brasileira.
entrevista com Maria Immacolata Vassallo de Lopes realizada por Efendy Maldonado
e Richard Romancini (2012) – “Uma trajetória acadêmica exemplar, no enlace entre a
pesquisa e o objeto popular da telenovela –, publicada na Revista Latinoamericana de
Ciencias de la Comunicación.
4. Criado em 2005, na cidade Bogotá, o Obitel consiste num projeto que articula uma
rede internacional de pesquisadores cujo objetivo é o estudo sistemático e comparativo
das produções de ficção televisiva. As atenções desses pesquisadores se orientam no
sentido de compreender e analisar os diversos aspectos envolvidos na produção e na
programação de ficção nos países que participam do projeto. Atualmente, os países
participantes do Obitel são: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Espanha,
Estados Unidos (de língua hispânica), México, Portugal, Peru, Venezuela e Uruguai.
O Observatório trabalha com base no monitoramento permanente da programação
de ficção dos canais nacionais de televisão desses países. Realiza seminários nacionais e
internacionais, reunindo pesquisadores e produtores da área da ficção televisiva. Seus
resultados são publicados no Anuário Obitel, tema privilegiado neste capítulo.
338
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Pode-se dizer que esse chamamento começou a ser atendido por Immacolata, principalmente com a realização da pesquisa “Recepção de telenovela: uma
exploração metodológica”, integrante do projeto “Ficção e realidade: a telenovela no Brasil, o Brasil na telenovela”, iniciado em 1995, coordenado pela profa.
Maria Aparecida Baccega e realizado no então Núcleo de Pesquisa de Telenovela
(NPTN), atual CETVN. A investigação, realizada com as professoras Sílvia Borelli e Vera Rezende, culminou com a publicação do livro Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade (LOPES, BORELLI & REZENDE,
2002). Porém, é possível encontrar mais longe a opção de Immacolata em trabalhar com o popular no campo da Comunicação. Sua dissertação de mestrado,
orientada por Nelly Camargo, na ECA-USP, e intitulada O rádio dos pobres:
estudo sobre comunicação de massa, ideologia e marginalidade social, defendida em
1982, prenunciava, sob inspiração de Gramsci, a importância que o trabalho de
pesquisa de produtos populares veiculados nos meios de comunicação adquiriria em sua trajetória acadêmica e de pesquisa.
Nesse sentido, a pesquisa de recepção relatada no livro Vivendo com a telenovela: mediações, recepção, teleficcionalidade veio a confirmar a centralidade da
telenovela na vida dos brasileiros. Brasileiros representados pelas quatro famílias
que compuseram a amostra e que, de uma forma ou de outra, formavam um
rico painel que demonstrava a capacidade de a telenovela brasileira falar com
todas as classes sociais e de sintetizar em seus discursos a identidade brasileira de
uma maneira plural. Essa capacidade é o que torna mais evidente o patamar que
atingiu a telenovela brasileira como recurso comunicativo, conforme destaca a
própria Lopes (2009), em artigo no qual discute o papel da telenovela na sociedade brasileira e o papel dessa sociedade na telenovela.
É nesse contexto que se pode observar, nas pesquisas de Immacolata, a centralidade do papel das telenovelas na constituição da identidade dos brasileiros
e sua inserção no contexto contemporâneo globalizado. Ou seja, a narrativa
televisiva ficcional torna-se o palco – em uma metáfora envolvendo o espaço
dramatúrgico - no qual é possível notar a complexidade e o movimento dialético entre as tendências ambivalentes de integração e fragmentação características
da globalização. Inspirada pelo conceito de comunidade imaginada, de Benedict
Anderson, Immacolata vê nesse cenário a narrativa ficcional televisiva surgir
como um valor estratégico na criação e consolidação de novas identidades culturais compartilhadas, configurando-se como uma narrativa sobre a nação. Para
a pesquisadora, “a novela, enfim, parece ter conseguido permeabilizar o espaço
público brasileiro à atualização e à problematização da identidade nacional em
um período de profundas e aceleradas transformações globais” (LOPES, 2009,
p. 32).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
339
Outro fator importante para o surgimento do Obitel como projeto de monitoramento internacional da ficção televisiva encontra-se na realização, em 2001,
de sua pesquisa de pós-doutorado, A ficção televisiva na Itália e na Europa: estudos e observatórios, na Università degli Studi di Firenze. Nesse projeto, Immacolata dedicou-se a estudar o gênero ficcional e a telenovela brasileira, inserindo-os
na complexa relação entre indústria televisiva, cultura e identidade no cenário
da globalização. Além disso, foi objeto de estudo, no referido projeto, a metodologia da rede de pesquisa sobre a teleficção, a Eurofiction, liderada pela profa.
Milly Buonnanno. O observatório Euroficiton caracterizava-se por acompanhar
e analisar tendências da oferta da ficção televisiva em cinco países (Itália, Alemanha, França, Inglaterra e Espanha). A realização da pesquisa de pós-doutorado
foi fundamental para a criação e a implementação da metodologia de monitoramento e análise que viria a se tornar uma das características do Obitel. Para Immacolata, a ficção de televisão – principalmente a telenovela – deve
ser considerada, na atualidade, como elemento-chave para análise e compreensão da produção audiovisual ibero-americana, tanto em termos de mercado
televisivo, quanto em termos simbólicos, conforme aludimos anteriormente, à
medida que as imagens e os discursos das telenovelas dizem muito sobre a cultura e a sociedade brasileiras.
A ficção televisiva é considerada hoje um enclave estratégico para a produção audiovisual ibero-americana, tanto por seu peso no mercado televisivo como por seu papel na produção e reprodução das imagens que
esses povos fazem de si e através das quais se reconhecem. Nesse contexto, a telenovela foi um fator determinante na criação de uma capacidade televisiva nacional que se projetou não só numa extensiva produção
como também numa particular apropriação do gênero, isto é, sua nacionalização. Por isso, o Observatório volta sua atenção para a análise do
contexto ficcional latino-americano e ibero-americano, mas também da
mobilização do mercado mundial da ficção televisiva, por onde passam
hoje os processos de internacionalização da ficção televisiva (LOPES &
MUNGIOLI, 2013, p. 2907).
Dessa maneira, desde sua concepção, o Obitel articulou-se sobre a centralidade da ficção televisiva no contexto ibero-americano,
devido ao crescente interesse de diferentes países da região de fazerem aí
confluir uma série de políticas de produção, troca e criação midiática,
cultural, artística e comercial diferenciada, o que poderia levar à consti340
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
tuição de uma zona de referência geopolítica e cultural importante. Com
base nesse cenário, o OBITEL realiza não apenas o registro quantitativo da produção de programas de ficção nos países integrantes da rede,
mas também a análise de tendências de programação, de recepção da
TV aberta e, desde 2010, a análise da recepção transmidiática da ficção
televisiva (LOPES & MUNGIOLI, 2013, p. 2908).
Cabe ainda destacar que Immacolata exerce, desde 2007, a coordenação geral conjunta do Obitel com o prof. Guillermo Orozco Gómez, da Universidade
de Guadalajara (México), e que os trabalhos realizados desde então pelo Observatório – seis anuários publicados (estando o sétimo, referente a 2014, no prelo)
e os seminários internacionais5 – evidenciam o sucesso da coordenação compartilhada envolvendo dois grandes pesquisadores do campo da Comunicação.
O projeto Obitel6
A ficção televisiva ibero-americana – em especial a telenovela – é um fator
determinante na criação de uma capacidade televisiva nacional na qual se observa uma verdadeira apropriação do gênero por esses países, evidenciando sua
nacionalização não apenas em termos de produção, mas também em termos de
abordagem de temas nacionais. Essa é a principal razão que levou o Obitel a
enfocar o contexto ficcional latino e ibero-americano a partir de metodologias
de natureza qualitativa e quantitativa, localizando-o no mercado mundial da
ficção televisiva, numa época de internacionalização. Vê-se, atualmente, um am-
5. Com exceção dos dois primeiros seminários, realizados em Bogotá e em São Paulo, em
2005, os demais eventos internacionais apresentaram, a cada ano, os resultados das pesquisas efetuadas em cada um dos países integrantes da rede. Foram eles: III Seminário
Internacional Obitel (Guadalajara, 2007); IV Seminário Internacional Obitel (Rio de
Janeiro, 2008); V Seminário Internacional Obitel (Rio de Janeiro, 2010); VI Seminário Internacional Obitel (Lisboa, 2011); VII Seminário Internacional Obitel (Rio
de Janeiro, 2012); VIII Seminário Internacional Obitel (Quito, 2013); IX Seminário
Internacional Obitel (São Paulo, 2014).
6. Neste trecho, utilizamos informações retiradas dos textos “OBITEL: uma experiência
de estudo da ficção televisiva em rede colaborativa internacional” (LOPES & MUNGIOLI, 2013) e “Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países
ibero-americanos” (MUNGIOLI & KARHAWI, 2013).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
341
biente em que as narrativas televisivas ocupam um papel central nesse processo,
com fluxos de importação, exportação e coprodução, direcionados a diferentes
audiências nacionais.
Por essa razão, o Obitel realiza uma análise aprofundada e não apenas o
registro quantitativo dos dados da ficção televisiva, uma vez que se dedica a um
estudo intercultural, buscando identificar semelhanças e especificidades, adaptações e apropriações entre as diversas produções nacionais. Dessa maneira, procura analisar, no percurso da pesquisa, as representações, as identidades e as visões de conjunto ancoradas nos estudos interdisciplinares da ficção de televisão
no contexto da comunicação ibero-americana. As equipes de pesquisa de cada
país membro do Obitel são ligadas a uma instituição, a uma universidade ou
um organismo público, que institucionaliza o projeto. Além de Brasil e México,
a rede internacional de pesquisa é composta por Argentina, Chile, Colômbia,
Equador, Espanha, Estados Unidos, Peru, Portugal, Uruguai e Venezuela7.
A metodologia de pesquisa do Obitel é comum a todos os países participantes e está em constante processo de aperfeiçoamento, combinando, como
dissemos, abordagens quantitativas e qualitativas. Vale destacar que essa estratégia possibilita estudos comparativos atualizados e críticos sobre a produção
ficcional ibero-americana com base em evidências empíricas de produção, circulação e exibição de conteúdos ficcionais em diferentes plataformas, gêneros,
formatos e programações, desvelando processos de interculturalidade no espaço
ibero-americano.
De modo geral, os objetivos do Obitel são: gerar bancos de dados unificados
de natureza quantitativa e qualitativa; firmar a perspectiva teórica da interculturalidade do gênero ficcional televisivo; estimular projetos de pesquisa sobre
ficção televisiva; produzir efeitos sobre a produção do setor; contribuir para alavancar políticas para a televisão no segmento; e publicar o anuário sobre ficção
televisiva ibero-americana.
Vale destacar a crescente importância que os anuários do Obitel vêm adquirindo no campo da Comunicação, como fonte de pesquisa para investigadores brasileiros e estrangeiros e também para profissionais das diversas áreas
7. Em 2014, os coordenadores nacionais são os professores pesquisadores Gustavo Aprea
e Monica Kirchheimer (Argentina); Pablo Julio Pohmaraner, Francisco Fernández Medina (Chile); Boris Bustamante e Fernando Aranguren (Colômbia); Alexandra Ayala
(Equador); Charo Lacalle (Espanha); Juan Piñon (Estados Unidos); James A. Dettleff,
Giuliana Cassano Iturri (Peru); Catarina Duff Burnay, Pedro Lopes (Portugal); Rosario
Sánchez (Uruguai) e Morella Alvarado Miquilena, Luisa Torrealba Mesa (Venezuela).
342
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
que participam do cenário comunicacional. Idealizado por Immacolata e implementado sob sua coordenação, o Observatório é, hoje, um projeto intercontinental – envolvendo equipes de pesquisadores de diversos níveis (professores
titulares, pós-doutores, doutores, mestres, doutorandos, mestrandos, bolsistas
de iniciação científica) de diferentes universidades e centros de pesquisa dos
países participantes –, que auxilia não apenas a legitimação de um objeto de
estudo (a ficção televisiva e, em especial, a telenovela), mas atua principalmente
na formação de quadros de pesquisadores atentos às transformações profundas
que vêm ocorrendo nas comunicações, sobretudo com o advento das tecnologias digitais de comunicação.
O Anuário Obitel8
A representatividade dos estudos do Observatório transformou o Anuário
Obitel em referência para estudantes e pesquisadores da área. Esse fato pode
ser demonstrado tanto pela longevidade do projeto quanto pela publicação
ininterrupta desde 2007 do referido anuário. O anuário de 2014 é a oitava
publicação consecutiva, sendo a sétima editada em três idiomas: português,
espanhol e inglês9.
Desde 2008, o Anuário Obitel é publicado com o apoio do Globo Universidade e conta com a participação de institutos de medição de audiência sediados
nos doze países participantes10.
Com o objetivo de efetuarmos uma síntese dos diversos anuários Obitel já
publicados e em virtude dos limites deste capítulo, optamos por apresentá-los
com base em sua estrutura - ao mesmo tempo abrangente e dinâmica. Acreditamos que assim será mais perceptível a compreensão dos princípios epistemológicos e metodológicos que regem sua organização e que, com certeza, refletem a
8. Neste trecho, utilizamos informações retiradas do texto “Memória e ficção televisiva
ibero-americana” (LEMOS, 2014).
9. O primeiro anuário, de 2007, foi publicado apenas em espanhol.
10. O Anuário Obitel 2013 contou com os dados e o apoio dos seguintes institutos de pesquisa: Ibope (Brasil), Time-Ibope (Chile), Ibope (Colombia, Uruguay), Nielsen-Ibope-AGB (México), Ibope Media Perú (Peru), Media Monitor-MarktestAudimetria e GfK
(Portugal), Kantar Media e Barlovento Comunicaciones (España), Nielsen (Estados
Unidos), AGB Nielsen Media Research (Venezuela).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
343
preocupação com o rigor científico que vimos destacando como peça-chave na
trajetória de pesquisa e docência da profa. Maria Immacolata Vassallo de Lopes.
Como destacamos anteriormente, o conteúdo de cada Anuário Obitel é um
reflexo da coleta, da interpretação e da análise dos dados, assim como das informações realizadas pelas equipes de cada um dos doze países participantes do Observatório. Trata-se de uma obra que contém a sistematização dos resultados obtidos
em cada um desses países a partir de um protocolo metodológico comum. Essa
característica confere ao livro unicidade que permite tanto a análise comparativa
entre países quanto a específica de cada país, em relação aos diversos tópicos estudados pelas equipes do Obitel ao longo da série histórica dos anuários.
O Anuário Obitel organiza-se em duas partes, igualmente relevantes. A primeira delas contém a síntese comparativa dos países que participam do projeto,
de autoria dos coordenadores gerais do projeto – Maria Immacolata Vassallo
de Lopes e Guillermo Orozco Gómez, já dito –, na qual se realiza um estudo
comparativo de dados e informações contidos nos capítulos nacionais dos doze
países. Assim, o Anuário Obitel oferece, já em sua primeira parte, um admirável
panorama acerca da produção, da circulação e da recepção da ficção televisiva,
com base no monitoramento realizado, no ano, em cada um dos países.
Manancial dos dados utilizados na síntese, a segunda parte contempla capítulos específicos, com as particularidades da ficção televisiva de cada país, no
ano analisado, e com dados e análises reportados de acordo com metodologia
comum e abrangente. Assim, o capítulo de cada país, no tópico denominado
“A ficção nos países Obitel”, traz o relato específico e detalhado dos resultados,
em seções fixas, a saber: 1) contexto audiovisual; 2) análise das ficções de estreia,
nacionais e ibero-americanas do ano, com dados específicos sobre os dez títulos
mais vistos; 3) recepção transmidiática com análises das estratégias de transmidiação de produtores e das audiências na internet; 4) produções mais destacadas do ano, principalmente em termos de inovação e impacto sociocultural;
e, finalmente, 5) tema do ano. Este último tópico é definido anualmente com
base em discussões efetuadas presencialmente pelos coordenadores dos países
participantes, por ocasião do Seminário Internacional Obitel.
Como forma de evidenciar a constante atualização das discussões e dos objetos de análise da rede Obitel, deve-se destacar a incorporação, desde 2010,
do tópico referente à recepção transmidiática. O tema passou a fazer parte dos
estudos da rede de pesquisadores por ter se transformado em elemento-chave
para a análise das múltiplas telas e dos hábitos das audiências e fãs, refletindo
uma importante mudança sociocultural ainda em processo.
Conforme aludimos anteriormente, outro tópico que se reconfigura regularmente desde o Anuário Obitel 2008 é o “tema do ano”. Resultado de observações
344
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
do contexto televisivo nacional e internacional e de subsequentes discussões realizadas pelos coordenadores Obitel, o tópico adquire relevância à medida que se ajusta
ao cenário da ficção televisiva ano a ano. Assim, ganha contornos que se delineiam
a partir da incidência do tema escolhido nos diversos contextos nacionais. Tais
cenários são analisados individual e comparativamente na síntese que compõe a
primeira parte da publicação, conforme explicitamos anteriormente. Dessa forma,
o tópico, devido à sua dinâmica em termos de ajustes ao contexto de cada país e ao
próprio movimento de transformação inerente ao cenário comunicacional como
um todo, mobiliza aproximações teóricas e metodológicas interdisciplinares e inovadoras. Os “temas do ano” dos anuários foram: “Adaptações e formatos” (2008),
“Publicidade na ficção televisiva” (2009), “Narrativas ficcionais televisivas em múltiplas plataformas” (2010), “Qualidade na ficção televisiva” (2011), “Transnacionalização da ficção televisiva” (2012), “Memória social e ficção televisiva” (2013) e
“Estratégias de transmidiação do produtor na ficção televisiva” (2014).
A seguir, apresentamos as referências dos anuários do Obitel publicados até
o momento. Cabe destacar que as edições de 2011 em diante estão disponíveis,
em português, espanhol e inglês, para consulta e download, no seguinte endereço: www.obitel.net.
• Memória social e ficção televisiva em países ibero-americanos (Anuário
Obitel 2013), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e
Guillermo Orozco Gómez (Porto Alegre, Sulina, 2013).
• Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos (Anuário Obitel 2012), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes
e Guillermo Orozco Gómez (Porto Alegre, Sulina, 2012).
• Qualidade na ficção televisiva e participação transmidiática das audiências
(Anuário Obitel 2011), organizado por Maria Immacolata Vassallo de
Lopes e Guillermo Orozco Gómez (São Paulo, Globo, 2011).
• Convergências e transmidiação da ficção televisiva (Anuário Obitel 2010),
organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (São Paulo, Globo, 2010).
• A ficção televisiva em países ibero-americanos: narrativas, formatos e publicidade (Anuário Obitel 2009), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco Gómez (São Paulo, Globo, 2009).
• Mercados globais, histórias nacionais (Anuário Obitel 2008), organizado
por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Lorenzo Vilches (São Paulo,
Globo, 2008).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
345
• Culturas y mercados de la ficción televisiva en Iberoamérica (Anuário Obitel 2007), organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Lorenzo Vilches (Barcelona, Gedisa, 2007).
Esses anuários representam a concretização de um projeto monumental
que apenas uma pesquisadora do porte de Maria Immacolata Vassallo de Lopes poderia realizar. Mais do que análises, dados e informações, essas obras
refletem os passos e a trajetória de uma investigadora cujas pesquisas impactam fortemente os estudos de Comunicação no Brasil e nos espaços ibero e
latino-americanos. Sua insistência e perseverança, seu cuidado com detalhes
e correção metodológica, sua capacidade aglutinadora, sua abertura ao debate
de ideias e a coragem de enfrentar desafios foram e são fundamentais para reunir tantos pesquisadores e conduzir as pesquisas relatadas. E aqui nomeamos
apenas algumas das qualidades dessa guerreira do campo das comunicações
ibero-americanas.
Referências
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Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
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Maria Immacolata Vassallo de Lopes
347
Uma metodóloga da utopia cotidiana
Raquel Paiva1
6.1
LOPES
Há um texto de Gianni Vattimo – como de costume, profundo e claro – ao qual recorro como inspiração para falar sobre
a trajetória de Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Algumas
razões me levam a recorrer a Vattimo para iniciar este texto. A
principal delas é que, em seu artigo, ele lança mão de inúmeras obras ficcionais, em particular as cinematográficas, para
refletir sobre a utopia.
Para começar, um travelling por obras que vão desde Viagens
de Gulliver, passando por Metrópolis, de Fritz Lang, e 1984,
de George Orwell, para nos determos em Blade Runner, filme
de 1983, de Ridley Scott, sobre o qual tanto se discutiu. A
questão de Vattimo é a utopia, a contrautopia e a ironia. A
utopia como o sentimento e a vontade já não mais capazes de
fazer frente ao desencanto, característico do pós-modernismo.
A primeira razão para se lançar mão do texto de Vattimo ao
falar de Immacolata é a sua dedicação, há anos, ao estudo
permanente do gênero ficcional mais expressivo do brasileiro, a telenovela, no qual se mesclam elementos utópicos,
contrautópicos e irônicos do universo nacional. A partir da
1. Professora associada da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ) e pesquisadora 1A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
348
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
telenovela, Immacolata pretende descortinar o perfil desse amontoado de gente,
separado em recantos tão diferentes, com culturas tão distintas que se reconhece
como povo brasileiro. A ficção televisiva que marca a narrativa da vida quotidiana dessa população tem, ao longo dos anos, apresentado questionamentos
sociais, filosóficos, éticos, políticos e, acima de tudo, profundamente humanos
desse contingente populacional.
A academia nem sempre esteve preocupada com o estudo atento desse gênero, talvez por avaliá-lo a partir de um perfil fixo de análise crítica. Convicta
da qualidade da composição identitária que aí podia encontrar, Immacolata
não mediu, cronometrou, propôs temáticas nem se confinou a seus esquemas
metodológicos para analisar esse gênero. E o que é o mais incrível: seu esforço
e sua dedicação não foram apenas reconhecidos pela academia, já que a própria
indústria, produtora do gênero, tem constantemente requerido sua opinião e
análise sobre as produções televisivas.
Na ficção, e especialmente na ficção brasileira que faz as vezes de filosofia nacional – já não é mais mistério para ninguém –, encontramos dissecado o perfil
de um povo. As narrativas irão certamente constituir um material valiosíssimo
para o traçado histórico que o futuro empreenderá sobre o Brasil dos tempos
atuais. Entre a história narrada e a realidade quantificada, é impossível determinar, hoje, o que há de mais revelador do cotidiano e dos costumes de um povo,
de sua produção ficcional ou noticiosa. Para a área da Comunicação no Brasil,
este foi um legado importante deixado por alguns pioneiros, dentre os quais se
destaca o trabalho de Maria Immacolata Vassallo de Lopes.
Qual a segunda razão para escolher Vattimo, o filósofo italiano e deputado
do Parlamento Europeu? Além da sua produção e de sua inequívoca importância para todos os estudiosos da área da Filosofia, mas também da Comunicação,
Gianni Vattimo é italiano. Esta cidadania compartida com Maria Immacolata
Vassallo de Lopes é o segundo motivo. Na verdade, uma forma de homenagear
as raízes dessa “professoresa” que soube o momento certo de refazer a sua vinculação com o país de grandes e importantes narradores.
Depois de ter vindo para o Brasil, no pós-guerra, ainda menina, oriunda de
um pequeno povoado (Laurito) da província de Salerno, retomou o seu contato
direto com a Itália anos depois, quando foi fazer o pós-doutoramento sob acompanhamento da sua amiga Milly Buonanno. É importante lembrar, entretanto,
que a relação com a Itália sempre esteve presente na vida de Immacolata. Basta
lembrar que passou toda sua juventude na região mais italiana no Brasil: o bairro da Bela Vista, em São Paulo.
Da relação intelectual com Milly Buonanno, surgiram dois livros editados
pela INTERCOM. O primeiro, de 2000, Comunicação no plural: estudos de
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
349
comunicação no Brasil e na Itália, trouxe textos de pesquisadores brasileiros e
italianos que participaram do primeiro Colóquio Brasil-Itália de Ciências da
Comunicação, realizado na cidade de Santos (SP), em 1997, e coordenado
também pelas duas professoras. Os dois textos que abrem o livro, de autoria
de Maria Immacolata Vassallo de Lopes e de Giovanni Bechelloni, discutem o
“estado da arte” dos estudos em Comunicação realizados em seus países, Brasil
e Itália, inaugurando assim o diálogo sistematizado sobre os estudos na área e
possibilitando a realização do segundo colóquio, desta vez em terras europeias,
na cidade de Florença, em janeiro de 2001.
O segundo colóquio acentua e estreita a troca entre os pesquisadores dos
dois países. Mais uma vez, Immacolata é a organizadora tanto do evento como
do livro que será editado em 2002, pela Mediascape, agora coorganizado por
Bechelloni: Dal controllo alla condivisione: studi italiani e brasiliani sulla comunicazione. Essa publicação representa uma definição de rota com pesquisas conjuntas. Na edição, já é possível notar uma concentração de textos em torno da
questão da ficção televisiva e também da discussão do gênero em que o Brasil
é referência, inclusive para a Europa e para a Itália: a telenovela. Outro ponto
de destaque que a edição contempla é a fundação, por investimento pessoal de
Immacolata, da Associazione Italo-Latinoamericana di Comunicazione (Ailac).
Não há dúvida de que a concentração de Maria Immacolata Vassallo de
Lopes nos estudos na área da telenovela dá partida, desde então, a estudos e pesquisas no Brasil nesse setor. O Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva (Obitel) consolida essa disposição, que se define principalmente a partir da
retomada de suas origens italianas. Talvez não possamos mesmo afirmar que sua
preocupação com a narrativa televisiva, e em particular da soap opera, se defina
pós-Itália, porque, ao analisar sua obra, constatamos a nascente anterioridade
dessa preocupação. Mas com certeza podemos afirmar que, após a retomada
italiana, essa configuração se torna mais visível e metodologicamente definida.
O terceiro livro que intensifica esse diálogo, Comunicação social e ética, editado em 2005, pela INTERCOM, refere-se ao terceiro Colóquio Brasil-Itália,
realizado no Rio de Janeiro, em 2003. Lopes e Buonanno, suas organizadoras,
apresentam textos que confirmam a área de pesquisa conjunta numa promissora parceria: a produção ficcional televisiva. Dessa maneira, pode-se dizer que
Immacolata, ao recuperar sua origem italiana, também reconfigura a sua localização na área da Comunicação, passando a dedicar-se integralmente à questão
da produção ficcional televisiva. Pode-se afirmar sem erros que, a partir desse
momento, a telenovela brasileira passa a ter uma metodóloga.
É importante destacar que, nesse livro, Immacolata apresenta o texto “Narrativas televisivas e identidade nacional: o caso da telenovela brasileira” (LO350
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
PES, 2005). Começa assim a consolidar o seu papel definitivo na área da Comunicação como pesquisadora de telenovela, não sendo mais possível, a partir
daí, estudar o gênero sem consultar sua produção.
Considerando a idealização da cidade e da vida familiar contida no universo da telenovela, talvez pudéssemos imaginar que a inclinação de Immacolata
sobre a ficção televisiva tivesse como significação uma vertente utópica. Utopia
tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária ou
fantástica. A concepção pode estar popularmente relacionada a uma cidade ou
a um mundo, possível tanto no futuro quanto no presente, porém algo em paralelo. Não podemos nos esquecer de que, bastante comumente, pode também
ser utilizado para definir um sonho ainda não realizado, ou seja, uma fantasia
ou uma esperança muito forte. Mas precisamos também recordar que a palavra
foi criada a partir dos radicais gregos οὐ (não) e τόπος (lugar) – portanto, em
primeiríssima instância, o “não lugar” ou “lugar que não existe”.
Temos de pensar, ainda, que utopia é um termo inventado por Thomas Morus e que serviu de título a uma de suas obras escritas em latim, por volta de
1516, e que, como afirmam vários historiadores, resultou do fascínio de Morus
pelas narrações extraordinárias de Américo Vespucio sobre a recém-avistada Ilha
de Fernando de Noronha, em 1503. A partir daí, teria decidido escrever sobre
um lugar novo e puro, onde existiria uma sociedade perfeita.
Sociedade perfeita! Não seria este o objeto que todos nós, pesquisadores e
investigadores do nosso tempo, sempre pensamos criar? No objeto teórico dito
“telenovela”, registra-se uma recriação da sociedade brasileira a partir de fragmentos idealizados dos vínculos familiais, das relações de bairro e vizinhança e
do universo do trabalho, cujos conflitos são mais subjetivistas do que sindicais.
Apesar dessas distorções, para ali confluem as identificações da grande massa de
telespectadores que se obstinam em não deixar fenecer o interesse pela narrativa
telefolhetinesca.
Encontrar nessa peça do imaginário elementos-chave do imaginário urbano
brasileiro é façanha teórica de visionários e engajados, como Maria Immacolata
Vassallo de Lopes, todos preocupados em produzir análises críticas capazes de
fornecer parâmetros de análise sobre nossa época. Immacolata, como metodóloga do estudo da ficcionalização midiática da sociedade atual, é certamente
uma metodóloga de utopias do cotidiano, desses ainda não lugares, mas de uma
perspectiva que seja cada vez mais inclusiva e que possa refletir um largo espectro de anseios sobre a sociedade em que vivemos. Basta conferir suas análises,
divulgadas por diversos jornais, sobre o primeiro beijo gay da TV brasileira.
Para Vattimo, utopia tem outro significado – ou, pelo menos, um significado mais aplicado –, e não deriva de uma força destinal. Ele o concebe a partir da
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
351
ideia de que “o futuro deve ser definido a partir de um quadro não circular, mas
sim de uma narrativa utópica, no sentido de que possa ser irônica e hermeneuticamente distorsiva com relação à história”. Essa perspectiva, que reúne propostas do próprio Vattimo e também do filósofo pragmatista americano Richard
Rorty, comporta a proposição de algo que está sendo urdido e inventado em
todos os quadrantes da vida social – das vozes periféricas até o entretenimento
televisivo – e que, por essa razão, requer um chamamento à humildade de todos
nós, produtores e pesquisadores.
Por essa perspectiva, pode-se caracterizar Maria Immacolata Vassallo de Lopes como metodóloga das utopias mínimas do cotidiano.
Referências
BECHELLONI, Giovanni; LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Orgs.).
Dal controllo alla condivisione: studi italiani e brasiliani sulla comunicazione.
Firenze: Mediascape, 2002.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Narrativas televisivas e identidade nacional: o caso da telenovela brasileira. In: ________.; BUONANNO, Milly
(Orgs.). Comunicação social e ética. São Paulo: INTERCOM, 2005. p. 250273.
________.; BUONANNO, Milly (Orgs.). Comunicação social e ética. São
Paulo: INTERCOM, 2005.
________.; ________. (Orgs.). Comunicação no plural: estudos de comunicação no Brasil e na Itália. São Paulo: INTERCOM, 2000.
VATTIMO, Gianni. Filosofia al presente. Milano: Garzanti, 1990.
________. Etica dell’interpretazione. Torino: Rosenberg & Sellier, 1975.
352
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Productos y procesos de integración y
organización académica: diálogos en
lengua española
Raúl Fuentes Navarro1
6.1
LOPES
En el ya lejano 1988, José Marques de Melo ideó y propuso
un proyecto que sería crucial para la creación de vínculos
académicos entre investigadores de la comunicación en Brasil y en México, representados por la Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM)
y el Consejo Nacional para la Enseñanza y la Investigación
de las Ciencias de la Comunicación (CONEICC). Se trataba
de comenzar por la construcción e intercambio de “estados
de la cuestión” en diez temas en cada uno de los países, y de
buscar al mismo tiempo identificar las similitudes y diferencias de desarrollo de esos “subsistemas” nacionales y cultivar el entendimiento mutuo de los contextos en los que nos
ubicábamos los académicos en estos dos países, extremos de
América Latina, para de ahí partir al establecimiento de vínculos más estables de colaboración. Tuve la fortuna de coordinar al equipo mexicano en este proyecto y de hacerme cargo del subsistema “Investigación de la Comunicación”, que
en su parte brasileña sería trabajado por Maria Immacolata
1. Doctor en Ciencias Sociales por la Universidad de Guadalajara.
Profesor-investigador del Departamento de Estudios Socioculturales del Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (Iteso).
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
353
­ assallo de Lopes, con quien he mantenido desde entonces una cercana amistad
V
y una estrecha afinidad académica y profesional. En este texto presento algunos
testimonios de lo que a mi juicio ha sido el aporte principal de mi colega brasileña al diálogo con la comunidad académica de habla española en el campo de
la comunicación durante los últimos veinticinco años.
El primer Cóloquio Brasil-México de Pesquisa da Comunicação, que nos
reunió en Embu-Guaçu en diciembre de aquel 1988, fue especialmente productivo y estimulante para la mayor parte de quienes participamos, tanto en relación con el conocimiento de las perspectivas y condiciones de la investigación
de la comunicación en el otro país, como en cuanto a la conjunción de factores
estructurales e individuales que se manifestaban en la voluntad de superación de
condiciones de entendimiento mutuo entre académicos, que comenzaban por
el hecho de ser hablantes de dos lenguas cercanas pero diferentes: el portugués
y el español, y algunas variantes intermedias, reconocibles como “portuñol”.
En casos como el mío, incapaz de acercar el habla propia a la otra lengua pero
con disposición a entenderla tanto en sus expresiones orales como escritas, la
conversación y la comprensión fluyeron con facilidad desde el principio, con
un poco de práctica, hablando cada quien su idioma, aunque tratando de no
hacerlo ni demasiado rápido ni recargado de modismos coloquiales.
Maria Immacolata había terminado su tesis de doctorado ese mismo año y
entre los valiosos materiales bibliográficos con los que regresé a Guadalajara de
ese mi primer viaje a Brasil, estuvo un ejemplar de esa tesis (LOPES, 1988), que
después se convertiría en un libro muy influyente y que utilicé como fuente de
consulta en mi propia tesis doctoral, terminada en 1996. También desde los
primeros años noventa se publicaron en México varios artículos de Immacolata
traducidos al español, entre ellos uno asociado al proyecto Brasil-México, que
traduje para la revista Comunicación y Sociedad (LOPES, 1991). En los siguientes años, haría lo mismo con otros artículos (LOPES, 1995; 1997), aunque
estuvieran referidos a una línea de investigación que personalmente no cultivo,
los estudios de recepción de telenovelas, pero que están más enfocados a discusiones metodológicas que temáticas. Entre otras publicaciones, estos artículos
han sido parte de la difusión en lengua española del trabajo y la contribución
reconocida de Immacolata, desde hace más de dos décadas, al avance de la investigación de la comunicación en América Latina, y no solo en Brasil, donde es
evidentemente una autora muy influyente.
Otro espacio compartido de colaboración internacional comenzó en agosto
de 1992, cuando se celebró, otra vez en Embu Guaçu, en las afueras de São
Paulo, el primer Congreso Latinoamericano de Investigadores de la Comunicación, organizado por la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la
354
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Comunicación (Alaic), que habíamos contribuido a “reconstituir” brasileños y
mexicanos en los años anteriores. En junio de 1994, el segundo congreso de la
Alaic se realizó en Villa Primavera, a las afueras de Guadalajara. Apenas cinco
años después de la reconstitución, las condiciones de la comunidad académica
convocada por la Alaic requerían ya una forma más estable y menos esporádica
de articulación de los debates y los avances de la investigación. Una vez consolidado el esfuerzo para renovar periódicamente los cuerpos directivos y organizar
un congreso cada dos años en una sede diferente, o en sentido más estricto,
como parte central de esa consolidación, la Alaic decidió retomar de otras asociaciones, especialmente de la INTERCOM, la experiencia con la figura de
“grupos de trabajo” (GT). Entre 1995 y 1998, la función principal de la segunda vicepresidencia de la Alaic, que tuve el honor de ocupar en ese periodo, fue
la consolidación de este esquema de grupos de trabajo como forma práctica y
constante de articulación de los intereses, avances y propuestas de investigación
de los miembros de la asociación.
Tres factores se consideraron claves para la consolidación de los GT: por
una parte, la energía dedicada por los coordinadores para proponer el marco
general de la temática, convocar a los interesados y mantenerlos en contacto
para aprovechar las reuniones internacionales (de Alaic o de otros organismos) y
complementar las tareas realizadas a distancia. Un segundo factor fue el empleo
adecuado y constante de medios de comunicación como el correo electrónico,
que permitiera superar los problemas de costo y tiempo que antes exigían prácticamente las reuniones presenciales. Y el tercer factor es por supuesto la disposición personal de los miembros de la asociación para participar e involucrarse
en las discusiones e intercambios que supone la organización de los grupos de
trabajo y que no significa necesariamente una carga adicional al trabajo cotidiano sino al contrario: una fuente potencial de enriquecimiento y desarrollo difícil
de conseguir para cualquiera al margen de una red como la propuesta en los GT
(FUENTES NAVARRO, 1998).
Fueron doce los grupos inicialmente diseñados e impulsados desde el congreso de Guadalajara, y probados en la práctica en los congresos de la Alaic
(tercero y cuarto) de Caracas, en 1996, y Recife, en 1998. Uno de ellos fue el
GT de “Metodologia da Pesquisa”, coordinado por Maria Immacolata Vassallo
de Lopes, que a partir de 1998 presentó un nombre más extenso: “Teorías y
Metodologías de la Investigación en Comunicación”, así como una definición
de su objeto de estudio, que diez años después encontró su mejor formulación,
como fue publicado el sitio www.alaic.net y registrado por Maria Cristina Gobbi (2008, p. 166):
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
355
Pretendemos ser un espacio para la reflexión de las cuestiones relativas a
la producción de conocimiento en el campo de la Comunicación. Discutimos los fundamentos teóricos, metodológicos y las técnicas de investigación en comunicación. Su estudio se centra en la epistemología, en
las corrientes teóricas, en los paradigmas y tendencias del campo de la
comunicación. Estudiamos y analizamos el pensamiento comunicacional contemporáneo y las perspectivas de la interdisciplinariedad con la
comunicación como objeto de estudio.
Durante los congresos quinto al décimo de la Alaic (Santiago de Chile, en
2000, Santa Cruz de la Sierra, Bolivia, en 2002, La Plata, Argentina, en 2004,
São Leopoldo, Brasil, en 2006, Ciudad de México, en 2008, y Bogotá, Colombia, en 2010), la coordinación de Maria Immacolata fue determinante para
la consolidación de este GT como un referente latinoamericano indispensable
para la estructuración científica de los estudios de la comunicación en el cambiante contexto de las ciencias sociales, no solamente por su trabajo de organización, sino también por su liderazgo intelectual, pues, según Gustavo León
Duarte (2006, p. 139), “se puede afirmar que la obra de Vassallo de Lopes es la
principal fuente de conocimiento y reconocimiento del capital científico en el
interior del GT-17 de la ALAIC, al ser su trabajo el más citado dentro del total
de las producciones científicas analizadas”2.
Otro de los muchos productos derivados de este proceso de convergencia
continental en torno a la “metainvestigación” de la comunicación en el GT de
Teorías y Metodologías de la Investigación en Comunicación de Alaic es el libro
Comunicación: campo y objeto de estudio. Perspectivas reflexivas latinoamericanas
(LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001a), editado en México, en 2001, y
reeditado en 2005, organizado a partir de una selección de trabajos presentados
en el congreso de Santiago de Chile en 2000. En la introducción se señala una
condición que, a pesar del esfuerzo y el aporte del propio GT, sigue teniendo
vigencia en América Latina: en el campo de la comunicación se puede constatar
un interés enorme por el contexto macrosocial de la producción de conocimiento científico, un escaso interés por el contexto institucional y un interés
creciente por el contexto discursivo o teórico.
2. Aunque el número de identificación de los GT de Alaic ha cambiado a lo largo del
tiempo, la referencia es clara: se trata del GT Teorías y Metodologías de la Investigación
en Comunicación, que en 2014 tiene el número 9.
356
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
El enorme interés por el tema de la globalización ha generado aportes
renovadores en los estudios de comunicación al realizar encuentros interdisciplinarios, proponer nuevas categorías de análisis y propiciar un
trabajo conceptual más complejo. Pero si se considera la reflexión sobre
el contexto institucional de la producción científica en el campo de la
comunicación, el escenario es pobre. Es fácil constatar el reducido interés
en cómo se institucionalizan los estudios de comunicación en nuestros
países. […] Por otro lado, sin embargo, el interés por el contexto discursivo de la ciencia y, más específicamente, de la historia del campo,
ha crecido y se ha generalizado por toda América Latina. Una de las
cuestiones centrales ha girado en torno a la condición disciplinaria de la
comunicación, la que ha sido objeto especial de preocupación a partir de
los noventa (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001b, p. 10).
Ya desde entonces, el predominio numérico de los participantes brasileños
sobre los de los demás países era notable en este y en la mayoría de los GT,
como reflejo del mayor grado de crecimiento y consolidación institucional del
campo en Brasil. Como parte sustancial de su análisis de las contribuciones de la
Alaic, en su 30 aniversario, Maria Cristina Gobbi (2008, p. 218) recopiló 1576
textos (“ponencias” o “papers”) presentados en alguno de los 22 GT de Alaic
en los cinco congresos realizados entre 1998 (Recife) y 2006 (São Leopoldo).
84 de esos textos (5.3%) corresponden al GT de Teorías y Metodologías de
Investigación de la Comunicación, cuando el promedio por GT se sitúa en 71
(4.5%). Los únicos tres países de donde provinieron más de 100 textos en ese
periodo fueron Brasil (786, 49.9%), Argentina (350, 22.2%) y México (113,
7.2%), es decir, una concentración conjunta del 79.3%. Por ello, la edición de
Comunicación, campo y objeto de estudio partió de la decisión de incorporar en la
selección de textos tantas contribuciones brasileñas como de los otros países. En
consecuencia, se tradujeron al español y se combinaron en la obra trabajos de
Maria Immacolata Vassallo de Lopes, Sérgio Caparelli e Ida Regina C. Stumpf,
Luiz C. Martino, Alberto Efendy Maldonado Gómez de la Torre, Muniz Sodré,
Antonio Albino Canelas Rubim y Francisco Rüdiger, provenientes de Brasil,
con textos escritos originalmente en español por Jesús Martín-Barbero, Gastón Julián Gil, Victor Lenarduzzi, Alicia Entel, María Cristina Mata, Migdalia
Pineda de Alcázar y Raúl Fuentes Navarro, cuatro desde Argentina, dos desde
México y uno desde Venezuela.
Aún hoy, casi una década y media después, siguen siendo escasos los libros
colectivos o individuales publicados en América Latina, en español o en portugués, con la pretensión de reflexionar epistemológica y sociológicamente sobre
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
357
los estudios de la comunicación, sobre todo como ya se señalaba, en su contexto
institucional, y menos frecuentes aún los que contengan aportes al mismo tiempo empíricamente informados y teóricamente orientados. De ahí que la lectura
de Comunicación, campo y objeto de estudio, donde se atienden en los diversos
capítulos los tres contextos o dimensiones de análisis (macrosocial, institucional
y teórico o discursivo) siga teniendo interés y pertinencia para el reconocimiento del estado del campo, visto desde América Latina.
Después de los coloquios Brasil-México de investigación de la comunicación ya mencionados al principio de este texto, la INTERCOM extendió este
modelo de colaboración, con mucho éxito, hacia otros países del mundo. En
abril de 2006, por cuarta ocasión, tocó el turno a España, mediante una reunión
celebrada en la Universidad de Málaga, bajo el tema “Construir la Sociedad de
la Comunicación”, de donde surgió un libro con el mismo título, que contó con
Maria Immacolata entre los coordinadores (GARCÍA GALINDO, LOPES &
BALANZA, 2009). Una reseña publicada en España resume con precisión el
contenido de la obra:
Se estructura en cuatro partes diferenciadas: “La sociedad de la comunicación: fundamentos teóricos y derivas históricas”, que de los cuatro
textos que lo forman, los dos primeros corresponden a una perspectiva
teórica más general sobre los principios del área, mientras que los dos
restantes establecen aproximaciones teóricas de la historia con la comunicación, a partir del análisis específico de los fenómenos periodísticos.
[En] “Las tecnologías de la comunicación y los procesos sociales”, los
enfoques sobre los ámbitos de la investigación, los agentes, las prácticas, las tecnologías comunicativas y sus problemáticas cobran relevancia.
“Comunicación y cultura: migraciones narrativas”, presenta estudios de
prácticas culturales y comunicativas que marcan la sociedad de la comunicación, contando con tres trabajos de autores brasileños. Y por último,
[en] “Construir la sociedad de la comunicación: carencias y propuestas”,
los textos desarrollan reflexiones que apuntan desafíos, enfocan las transformaciones de las prácticas y ámbitos que coinciden particularmente en
el dominio del conocimiento en la sociedad contemporánea. En resumen, la calidad y heterogeneidad de las aportaciones que se incluyen en
este libro son una buena muestra del vigor de la comunidad científica de
nuestros respectivos países, observadora atenta de las transformaciones
que se están produciendo en nuestro contexto social, cultural y comunicativo (RODRÍGUEZ VÁZQUEZ, 2010, p. 206).
358
Fortuna Crítica da Intercom – Baluartes
Y aunque ese libro volvió a demostrar “el enorme interés por el tema de la globalización” como contexto macrosocial de la producción científica en comunicación,
los contextos teórico-discursivo e institucional no han sido descuidados. En 2012,
como parte de una nueva iniciativa brasileña para fortalecer los vínculos internacionales de intercambio y colaboración, los foros de la Confederación Iberoamericana
de Asociaciones Científicas y Académicas de Comunicación (Confibercom) sobre
políticas públicas de comunicación en Iberoamérica, específicamente sobre los sistemas de apoyo a la ciencia y la tecnología, los programas de posgrado y las publicaciones, pude colaborar nuevamente con Maria Immacolata Vassallo de Lopes,
coordinadora del foro de posgrados. En el libro correspondiente (LOPES, 2012),
también coordinado por ella, se presenta un conjunto de informes elaborados por
equipos de académicos en cinco “subregiones” de Iberoamérica (Brasil; América del
Sur, exceptuando a Brasil; México, Centroamérica y Caribe; España; y Portugal)
y que fueron presentados durante el primer congreso de la Confibercom, en São
Paulo, en agosto de 2011. Estos insumos contribuyeron a tres objetivos iniciales:
1) Elaborar un inventario descriptivo de los programas de posgrado en
Comunicación que operan en la región iberoamericana, entendiéndose como tales los programas de estudio dirigidos hacia la obtención de
grados de doctorado y/o de maestría, reconocidos oficialmente por las
normativas nacionales de la educación superior.
2) Identificar las tendencias nacionales de desarrollo de los sistemas de
posgrado en Comunicación durante la última década, dentro del marco
de las legislaciones educativas de cada país, incluyendo especialmente los
sistemas de evaluación y de acreditación vigentes.
3) Explorar los marcos institucionales de cooperación e intercambio académicos y de los mecanismos nacionales vigentes y susceptibles de ser
aprovechados para la internacionalización de los programas (LOPES &
FUENTES NAVARRO, 2012, p. 8).
El inventario levantado por los cinco equipos coordinados por Immacolata
tiene el valor extraordinario de llenar un hueco que nadie había atendido en
más de una década. En el foro celebrado en São Paulo, en 2011, así como en sus
secuelas en Quito, en 2012, y en Porto, en 2013, no se avanzó, sin embargo, en
una interpretación integral o comparativa entre las cinco regiones. No obstante,
la “agregación” de la información generada dejó claras, al menos, tres condiciones: primero, el notable crecimiento de la oferta de posgrado en Comunicación,
pues el inventario sistematizado rebasó los 450 programas (maestrías y doctorados) en total, situados en 21 países, una alta proporción de ellos fundados en la
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
359
última década. Por otra parte, la dificultad de homologar los sistemas nacionales
que regulan la creación, el desarrollo y la evaluación de estos programas, a pesar
de las coincidencias detectadas en el nivel de las políticas. Finalmente, la oportunidad de consolidación de los estudios de comunicación como área académica, que la cooperación internacional ofrece a las instituciones y asociaciones
nacionales y regionales iberoamericanas, mediante la articulación de esfuerzos y
recursos invertidos en la formación universitaria de alto nivel.
En un proceso de fortalecimiento institucional que continúa, y que deberá seguir avanzando durante muchos años en Iberoamérica como en el resto del mundo, los estudios científico-académicos sobre la comunicación en su sentido más riguroso han recibido desde Brasil, por parte de los colectivos de los que forma parte
destacada Maria Immacolata Vassallo de Lopes, y de ella en particular, un impulso
constante y decisivo, que es reconocido y aprovechado como propio en los países
de habla española, para “alentar la discusión reflexiva y el trabajo sistemático de reconocimiento de las condiciones desde las que se practica la investigación científica
de la comunicación” (LOPES & FUENTES NAVARRO, 2001b, p. 11-12).
Referências
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BALANZA, María Teresa Vera (Coord.). Construir la sociedad de la comunicación. Madrid: Tecnos, 2009.
GOBBI, Maria Cristina. A batalha pela hegemonia comunicacional na América Latina: 30 anos de ALAIC. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008.
LEÓN DUARTE, Gustavo A. Características estructurales de la producción
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RODRÍGUEZ VÁZQUEZ, Francisca. Reseña de “Construir la sociedad de la
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Maria Immacolata Vassallo de Lopes
361
Produção bibliográfica1
6.1
LOPES
Livros publicados/organizados
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; OROZCO GÓMEZ, Guillermo (Orgs.). Memória social e ficção televisiva em países ibero-americanos. Porto Alegre: Sulina, 2013.
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