Agora é mata ou morre

Transcrição

Agora é mata ou morre
Um jornal da FFamecos/PUCRS
amecos/PUCRS – Ensino de Jornalismo desde 1952 – PPorto
orto Alegre, junho de 2006 – ANO 8 – Nº 48
JOCHEN LUEBKE/ AFP
MEU
DEUS!
CAMPANHA
Inclusão social
do deficiente
PÁGINA 5
IMIGRAÇÃO
50 anos de
Japão no Brasil
MANUELA KANAN
Agora é mata ou morre
PÁGINA 9
Colônias mantêm cultura
PÁGINAS 6 e 7
INFÂNCIA
A rrua
ua como
casa e escola
MANUELA KANAN
O endereço é a calçada
PÁGINA 11
DANÇA
Tango: sensual
e dramático
TATIANA FELDENS
Ritmo dá tom em Buenos Aires
PÁGINA 12
2
OPINIÃO
Porto Alegre, junho de 2006
EDITORIAL
F ABIANE B E N T O
O deputado estadual Ruy Pauletti (PSDB), ex-reitor da Universidade de Caxias do Sul, encaminhou ofícios ao reitor da PUC,
ir. Joaquim Clotet, e à diretora da
Famecos, jornalista Mágda Cunha, parabenizando pela “qualidade do jornal Hipertexto, em especial suas matérias, que proporcionam informações atualizadas e relevantes”.
Em 1974, universitário, criou a Associação de Promoção da Cultura (APC), onde
lançou as primeiras bases conceituais da
televisão a cabo. Destacou-se, também,
pelo livro ‘A história secreta da Rede Globo’, em que relata os bastidores do maior
grupo de mídia do país.
Outras atividades do jornalista ficam
por conta de ter sido coordenador da
Frente Nacional de Luta por Políticas Democráticas de Comunicação, do Fórum
pela Democratização da área no país, da
campanha da Federação Nacional dos Jornalistas na Constituinte de 1988. Também articulou a criação do Conselho Nacional de Comunicação, vinculado ao Congresso. A comunicação no Brasil perdeu
um de seus principais teóricos na esfera
pública.
F ÁBIO R AUSCH ,
González
O presidente da Academia
Rio-Grandense de Letras e assessor especial da Reitoria da
PUCRS, ir. Elvo Clemente, enviou e-mail destacando a página da
edição de maio que assinalou os dez
anos da morte do ex-diretor da
Famecos, jornalista Antônio
González. “Comoveu-me a bela
reportagem sobre a vida e o trabalho do sempre caro amigo
Antoninho”, disse.
EDITOR
ESPECIAL ZERO HORA
Hipertexto, o prego e o martelo
P OR G UST
AVO
USTA
SOUZA ,
Z ERO H ORA
Toda vez que tenho em mãos
uma nova edição do Hipertexto consigo experimentar o sentimento de
um arquiteto olhando para o prédio
que projetou. Fico com a sensação
de dever cumprido por ter participado do planejamento e construção de
uma pequena obra, mas que a cada
dia é aprimorado e se consolida
como laboratório para a formação de
promissores jornalistas.
Quando me convidaram para
narrar sobre como o Hipertexto contribuiu na minha formação, a primeira imagem que me veio em mente
foi de uma certa manhã, em junho
de 1999. Naquela dia, o professor
Celso Schroder me convidou para
participar da elaboração do projeto
gráfico de “um futuro periódico universitário”. A manhã em que se fundiram o nascimento do Hipertexto e
do Gustavo efetivamente como jornalista.
Foram dias e noites de conversas, discussões e idéias com profissionais consagrados – entre eles o Luiz
Adolfo e a Ana Maria Benedetti. Para
ver se teria viabilidade, colocamos o
projeto em prática, mas de modo
experimental, durante a realização da
51ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), que ocorreu na PUCRS em
julho daquele ano. E deu certo!
Assim, em outubro de 1999, na
companhia da “editora-aluna”
Lisiane Oliveira e de mais 17 “repórteres-alunos”, vi um sonho sendo
concretizado. Éramos um jornal. E
com algumas peculiaridades.
Primeiro, “Hypertexto” era escrito com “y”. Parece estranho, não é?
Mas não poderia ter saído de outra
mente que não fosse a do professor
Tibério. Esse dinossauro do jornalismo que, ao lado do mestre
Leonam, sempre exige de seus alunos, além da matéria, o molho final
para deixá-la mais gostosa ao leitor.
Apesar de ele ser um ilustre cidadão
do Alegrete, tenho certeza que essa
frescura foi dele.
Segundo detalhe, e o mais intrigante: a capa tinha como manchete
“Um jornal à vista”. Mas não era o
Hipertexto, não! Nossos repórteres
– dois guris do segundo semestre –
haviam desvendado que o prédio em
construção na Rede Pampa seria sede
de um novo jornal diário no Estado. O que dois anos mais tarde veio
a ser O Sul, onde tive meu primeiro
emprego como repórter.
Hoje, acredito que as experiências editorial, gráfica e de reportagem
pelas quais passei no Hipertexto estão sendo fundamentais na minha
trajetória. Apesar de estar no sangue
o ofício de repórter, atualmente atuo
como editor de plantão de Zero
Hora. Sou responsável pelo jornal na
madrugada. Cargo que me exige
muita atenção, agilidade e responsabilidade no momento de avaliar se
devo ou não parar a rotativa e fazer
atualizações na edição que está rodando. Posto que exige muito feeling para
decidir se a notícia merece destaque
na capa ou contracapa.
Obviamente, nas suas devidas
proporções, a realidade do
Hipertexto está muito próxima a do
mercado. São reuniões de pauta, de
capa, reportagens, edição,
diagramação, checagem de informação, preocupação com o conteúdo,
casamento de foto com título e legenda. Ou seja, é o que acontece aqui
fora da faculdade. Foi isso o que eu
aprendi aí dentro. Isso é o que eu
faço hoje: quebro a cabeça todos os
dias para não cair no comum, para
não ser apenas mais um jornalista
que não cumpre sua missão social: a
de informar com qualidade, ética e
paixão.
Gustavo Souza com o primeiro número do Hiper na redação de ZH
Enfim, não estou tentando dizer que todos que passarem pelo
Hipertexto estarão inteiramente
prontos para cair no mercado e serão
os melhores focas já vistos nas redações. Todavia, acredito em um velho
brocardo: Foi dado o prego e o martelo, agora vocês só têm de pregar.
Apoio cultural: Zero Hora. Impressão: Pioneiro, Caxias do Sul. Tiragem: 5.000
Hipertexto
Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Avenida Ipiranga 6681, Jardim Botânico,
Porto Alegre, RS, Brasil.
E-mail: [email protected]
Site: http://www.pucrs.br/famecos/
hipertexto/045/index.php
Reitor: Ir. Joaquim Clotet
Vice-reitor: Ir. Evilázio Teixeira
Diretora da Famecos: Mágda Cunha
CARTAS
O jor
nal
jornal
Adeus a Daniel Herz
O falecimento do jornalista Daniel
Herz, em 30 de maio, representa a perda
não só de um profissional notável no
exercício de suas atividades, mas, sobretudo, de um militante. For mado pela
Unisinos, entendia que um país democrático passa, antes, pela democratização do
sistema de comunicação utilizado. Além
disso, sempre teve o cuidado de realizar
ação política através da análise teórica. No
entanto, seu recato ao não assinar produções intelectuais tornou difícil a identificação completa do que fez.
Herz morreu no Hospital Moinhos de
Vento, em Porto Alegre, após seis anos de
sofrimento devido a um câncer de medula, classificado como “mieloma múltiplo”.
Aos 51 anos, ainda conseguiu acompanhar
o desenvolvimento de sua última bandeira, a introdução da TV Digital no Brasil.
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
Coordenadora/Jornalismo: Cristiane
Finger
Produção dos Laboratórios de Jornalismo Gráfico e de Fotografia.
Professores responsáveis:
Tibério Vargas Ramos e Ivone Cassol (redação e edição), Celso Schröder (arte e editoração
eletrônica) e Elson Sempé Pedroso
(fotojornalismo).
ESTAGIÁRIOS
Gerente de Produção: Thaís Almeida
Editores: Ana Carola Biasuz, Fábio Rausch
e Natália Gonçalves.
Editoras de fotografia: Daiana Bein
Endruweit e e Fernanda Fell
Editora de arte: Manuela Kanan
Repórteres: Alessandra Brites, Carmel
Mostardeiro, Francisco D. Prato, Guilherme
Zauith, Jesus Alberto Bardini, Júlia Pedrozo
Pitthan, Laion Machado Espíndula, Lucca
Rossi, Luisa Kalil, Mariana Gomide, Mauro
Belo Schneider, Natália Gonçalves, Rafael Ter-
ra, Raíssa de Deus Genro, Renan V. Garavello,
Raphael Leite Ferreira, Tatiana Feldens, Tatiana
Lemos, Vinícius Roratto Carvalho, Wagner
Machado da Silva.
Repórteres fotográficos: Daiana Bein
Endruweit, Eduardo Mendez, Elisa Viali,
Fabrícia Albuquerque, Fernanda Fell, Juliana
Freitas, Lucas Uebel, Manuela Kanan, Marina
Volpatto, Nicolas Gambin, Rodrigo Tolio.
Diagramadores: Bruno Bertuzzi, Julia
Pitthan e Manuela Kanan.
H IPER
TEXT
O
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TEXTO
3
N ACIONAL
Porto Alegre, junho de 2006
Base aliada está um ano sem mensalão
O carismático presidente Lula, imune a denúncias políticas, continua liderando as pesquisas
P O R F ÁBIO R AUSCH
Um ano depois de o ex-deputado cassado do PTB Roberto Jefferson declarar, no Conselho de Ética
da Câmara dos Deputados, que parlamentares do Partido Progressista e
do PL recebiam mesada, de R$ 30
mil, para votar projetos do governo
na Casa, o Partido dos Trabalhadores, enfraquecido, eticamente, contrasta com a imagem do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Carismático e
entusiasmado pelos resultados do
mandato que encerra, ele concorre à
reeleição. Para isso, conta com um
índice de aceitação pessoal próximo
a 40%. Nem os 26 pedidos para seu
impeachment, quatro a mais do que
foi movido contra o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, em
dois mandatos sucessivos, abalaram
a imagem de Lula. O PSDB, mediante representação no Tribunal Superior Eleitoral, tenta instaurar
investigação judicial contra o petista,
“por abuso de poder político e de
autoridade, ao utilizar recursos e infra-estrutura públicos para antecipar
a campanha”.
O ex-comentarista da Rede Globo Franklin Martins, durante o 32º
Congresso Estadual de Jornalismo,
realizado nos dias 2 e 3 de junho, em
Porto Alegre, ressaltou que os articuladores da última campanha de
Lula não mais estão com ele. São os
casos do ex-ministro-chefe da Casa
Civil, ex-deputado José Dirceu, que,
depois de ser sair do governo, foi cas-
sado no plenário da Câmara; do exministro da Fazenda Antônio Palocci; e do ex-marqueteiro do PT Duda
Mendonça. Todos foram afastados
por acusação de envolvimento em
práticas consideradas irregulares e
corruptas. Além disso, Martins entende que falta sustentação política
no governo. “O PT saiu muito arranhado da crise, já que a capacidade de
Lula em atrair apoio político diminuiu no processo e o abalo da questão ética proporciona desconforto ao
presidente”.
O sociólogo da Fundação de
Economia e Estatística Carlos Winkler estima que, para o próximo mandato parlamentar, o PT tenha sua
bancada reduzida a 30% no Congresso Nacional. Em contrapartida, ele
atribui o sucesso pessoal do presidente Lula às ações de governo desempenhadas, como os progressivos
amentos do salário mínimo (em
abril, o ganho real foi de 13%, passando a R$ 350) e os pacotes de apoio
à agricultura familiar, além da implementação de políticas sociais (ao final do atual mandato, 10 milhões de
famílias devem receber média mensal de R$ 40 através do Bolsa Família). “Esse conjunto de fatores faz
com que Lula tenha um acentuado
grau de legitimidade”, diz.
Embora considere importante o
trabalho da Polícia Federal e do Ministério Público, cujo procurador geral, Antônio Fernando de Souza,
comprovou a existência do mensalão em relatório recente, Winkler ob-
EVARISTO SÁ/AFP
Roberto Jefferson abriu o bico e foi cassado
serva um comportamento “viciado”
no decorrer das comissões parlamentares de inquérito. Uma investigou o
pagamento de mesada a parlamentares, outra, a supervalorização em
licitações dos Correios. “Basta denunciar qualquer um, reverberar isso na
mídia, para tornar qualquer fato verdadeiro”, assevera.
Martins frisa que a crise recente
mostrou a insuficiência do modelo
político vigente, cuja conseqüência é
“a fragmentação partidária, falta de
controle dos partidos sobre seus parlamentares e do eleitor em relação eleito”. O analista sugere uma revisão
sistêmica para o início do próximo
governo. A cláusula de barreira, der-
rubada no Congresso Nacional para
outros pleitos, mas garantida nesta
eleição por determinação do Supremo Tribunal Federal, obriga os partidos a obterem 5% dos votos para
deputados, nacionalmente, e, pelo
menos, em nove estados, 3%. Caso
contrário, a sigla fica impedida de ter
um funcionamento parlamentar pleno e de acessar aos recursos do fundo partidário. O analista político prevê migrações ou fusões partidárias
entre as legendas que não atenderem
à determinação eleitoral. “Dois anos
depois das eleições, de 19 partidos
restarão oito ou sete em funcionamento”.
O sociólogo da FEE lamenta que
Compós e Alaic selecionam Jornalismo perde um dos
trabalhos da FFamecos
amecos
seus principais militantes
D A R EDA ÇÃO
As associações Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e a Latino-Americana de
Pesquisadores da Comunicação aprovaram, cada uma, quatro trabalhos
desenvolvidos na Famecos/PUCRS.
No 15º Encontro da Compós, ocorrido entre 6 e 9 de junho, na Universidade Estadual de São Paulo, em
Bauru, que teve 297 participantes, o
coordenador do Pós na Famecos,
Juremir Machado da Silva, a doutoranda Juliana Tonin e a mestranda
Bárbara Mickel apresentaram textos
no Grupo de Trabalho de Comunicação e Tecnologia. A professora
Cristiane Freitas esteve no GT de Comunicação e Cultura, enquanto o
professor Antonio Hohlfeldt e o aluno de iniciação científica Fábio
Rausch, no de Jornalismo.
Segundo a coordenadora do Pós
na Unesp, Ana Silvia Lopes Davi
Médola, o evento da Compós
garantiu “um efetivo debate sobre
disciplinas da comunicação e suas re-
lações com outras áreas do conhecimento”. Ela acredita que o intercâmbio entre universidades do país contribui para “a criação de um ambiente de cooperação no desenvolvimento do diálogo acadêmico”.
Para o Congresso da Alaic, a ser
realizado entre 19 e 21 de julho, no
campus da Unisinos, foram selecionados os trabalhos da diretora da
Famecos, Mágda Cunha, e do professor Luciano Klöckner no GT Jornalismo, Linguagem e Conhecimento; de Antonio Hohlfeldt e Fábio
Rausch no de Jornalismo e Poder; e
o da professora Doris Haussen no
de Formatos Jornalísticos.
A pauta de discussão do evento
será “O papel da comunidade científica latino-americana e da mídia em
um contexto de desconfiança nas instituições democráticas”. Os temas estão voltados às relações entre comunicação e cultura, desenvolvimento,
história e política. Inscrições até 20
de julho, via internet (www.unisinos.
br/eventos/alaic) ou direto na
Unisinos.
P O R M AURO B ELO S CHNEIDER
Seu nome não integrava a lista
das celebridades, mas ele tinha muitos amigos e era reconhecido pela
seriedade e o zelo com que abraçava
as causas. A morte de Daniel Herz
deixa uma laD IVULGAÇÃO
cuna na história da comunicação brasileira. Formado pela Universidade do
Vale do Rio
dos Sinos
(Unisinos), o Daniel Herz
jornalista faleceu em 30 de maio, no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Há
seis anos vinha lutando contra um
câncer de medula, classificado como
“mieloma múltiplo”.
Herz era um militante de causas
ligadas às políticas e democratização
da comunicação. Desde cedo demonstrava o seu engajamento por
essas questões. Foi em 1974, duran-
te a faculdade, que criou a Associação
de Promoção da Cultura (APC), em
que lançou as primeiras bases
conceituais da televisão a cabo. Quando cursou mestrado, teve como fonte de inspiração o professor de engenharia elétrica da Ufrgs Homero
Simon. A partir daí nasceu o livro A
história secreta da Rede Globo, que relatou os bastidores do maior grupo
de mídia do país.
A vida de Herz era repleta de responsabilidades. Foi professor e chefe de Jornalismo da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), coordenador da Frente Nacional de
Luta por Políticas Democráticas de
Comunicação, coordenador da campanha da Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) no Congresso
Constituinte, secretário de Comunicação do primeiro governo do PT na
prefeitura de Porto Alegre e primeiro coordenador do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação, surgido na década de 90. Aos 51
anos, sua última bandeira de luta foi
a introdução da TV digital no Brasil.
o sistema político brasileiro configure um “semi-presidencialismo, capaz
de tornar o presidente da República
refém do Congresso”. Há um ano
sem mensalão, as atividades parlamentares ficaram imobilizadas. Para
vigorar no início de abril, o salário
mínimo contou com a edição de
medida provisória pelo governo federal, já que o Orçamento da União
para este ano ainda não havia passado por votação. Algumas das medidas para a solução, diz Winkler, são a
reforma política e o financiamento
público de campanhas.
No momento, três dos 19 indicados para a cassação no plenário da
Câmara perderam o mandato. O
motivo é acusação de participação no
esquema do mensalão. Além de Roberto Jefferson e José Dirceu, o expresidente do PP Pedro Corrêa foi
cassado. Neste mês, 12 integrantes
do Conselho de Ética recomendaram
o mesmo destino ao ex-líder do PP
José Janene, cujo julgamento deve
acontecer em julho.
Sobre as eleições marcadas para
outubro deste ano, Martins considera que Lula larga em vantagem, pelo
fato de concorrer no cargo. Nos Estados Unidos, ao longo do século
20, apenas dois presidentes candidatos à reeleição foram derrotados,
Bush pai e Jimmy Carter. “Um presidente, nessa condição, tem a possibilidade de fazer agenda política,
como neste ano, em que o governo
aumentou o salário mínimo e concedeu um pacote para a agricultura”.
MARCOS COLOMBO/ASCOM
Matte, Mariane e Clotet
Mariane de Lucca
na Espanha
Uma visita de 20 dias à Espanha
e Portugal é o prêmio que a jornalista Mariane De Lucca Teixeira, recémformada em Jornalismo pela
Famecos, vai usufruir em julho.
Indicada pela faculdade, ela foi selecionada para participar do Programa
Becas Líder, promovido pela Fundação Carolina, da Espanha, ao apresentar cinco textos sobre as principais problemáticas do mundo. O prêmio foi entregue em cerimônia com
a presença do reitor Joaquim Clotet
e do gerente do Programa Universidades do Santander, Carlos Guilherme Matte.
4
SOLIDARIEDA D E
Porto Alegre, junho de 2006
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
Receita para envelhecer lúcido e ativo
Eles se mantêm produtivos através de trabalhos manuais, exercícios físicos, canto e jogos de memória
EDUARDO MENDEZ
R AF
AEL F ERREIRA
AFAEL
Um raciocínio simples: por que
ficar parado esperando a morte chegar se eu ainda posso fazer tantas
coisas na vida? É com esse pensamento que um grupo de idosos se
reúne todas as semanas para conversar, trocar experiências e realizar diversas outras atividades.
O Projeto Enrique’Ser na Melhor
Idade (o nome faz referência a Santo
Enrique) foi criado no dia 3 de agosto de 2004 por iniciativa da Companhia Santa Teresa de Jesus, fundada
por Santo Enrique. Na época, foram
distribuídos aproximadamente de
3.000 convites nos prédios e igrejas
dos bairros Centro e Cidade Baixa,
anunciando o início do projeto que
se desenvolve na casa das irmãs na
Avenida João Pessoa.
Cerca de 70 pessoas estiveram
presentes na primeira reunião do
grupo e assinaram um livro de registros, o que concedeu um caráter oficial ao evento. Os participantes foram convidados a fazer parte de um
programa cuja a finalidade seria ajudar a eles mesmos. Ao invés de ficar
em casa “criando teias de aranha” e
sentindo-se inúteis, eles poderiam se
unir para trocar experiências, aprender coisas novas uns com os outros,
ajudar pessoas carentes e, principalmente, manterem-se sempre ativos.
Hoje, quase dois anos depois,
eles continuam se reunindo todas as
terças e quintas-feiras na casa das Irmãs Teresianas, na avenida João Pes-
soa. Embora, muitos dos participantes iniciais não estejam mais com o
grupo, vários novos membros se
uniram a ele, mantendo assim a média de 70 pessoas, entre 50 e 70 anos
de idade, desde o começo. Uma mudança perceptível na formação atual:
diversos homens estão participando
do projeto, diferente do que era visto antes, quando era composto quase exclusivamente de mulheres.
As irmãs teresiana Maria Guarnieri, 64 anos, e Adelaide Giacobo,
coordenam o grupo. Segundo Maria, o objetivo principal do trabalho
é dar um novo ânimo para a vida
desses idosos. “Fazer com que tenham uma velhice feliz, sejam amados, criem novas amizades”, afirma.
Para isso, são propostas diversas
atividades como artesanato, coral, fisioterapia, curso de memorização e
o grupo de convivência. Este último
é considerado, por ela, a mais importante de todas realizações do projeto. Nos encontros todas as terças-feiras, os integrantes discutem os assuntos nos quais têm interesses em
comum, contam seus problemas uns
para os outros, dividem suas diferentes experiências de vida, aprendem
conhecimentos com os outros e apóiam-se mutuamente.
Outra atividade muito importante é o coral organizado pelo professor de música Ângelo Constantino Pires. Objeto de dedicação dos
idosos, que ensaiam uma vez por
semana, as sessões de canto já levaram o grupo a realizar várias apre-
Projeto Enrique’Ser na Melhor Idade vai completar dois anos
sentações públicas das quais sentem
orgulho.
Técnicas vocais
De acordo com Ângelo, são desempenhadas, em média, uma apresentação por mês. Por serem guiados por um professor formado, os
membros adquiriram afinação, fôlego e técnicas vocais que não seria de
se esperar de pessoas da terceira idade. Assim, mesmo aqueles que não
possuem grande talento para o canto, conseguem participar sem enfrentar muitas dificuldades. Nos últimos
tempos, há participação também de
instrumentos musicais, como o violão e a gaita ou sanfona.
O artesanato, ensinado pela voluntária Arminda Rodrigues Pereira,
é uma maneira de mostrar aos ido-
sos que eles ainda podem criar muitas coisas na vida. Além de servir
como passatempo, os produtos feitos são vendidas, complementando
a renda dos participantes, quase sempre dependentes de pequenas aposentadorias e da ajuda dos filhos para
sobreviver.
O tipo de trabalho realizado pelos membros do grupo muda a cada
bimestre, diversificando os itens produzidos. Já foram ensinadas a confecção de bolsas, tricô e crochê, feitas
na maioria das vezes com materiais
recicláveis. No mês de maio, a tarefa
realizada foi a pintura de objetos de
madeira e, em breve, será a vez da
produção de trabalhos manuais.
Como muitos dos integrantes já
estão em idade avançada, alguns sofrem com os efeitos do tempo. Para
NICOLAS GAMBIN
Idosos se reúnem todas as terças e quintas-feiras na casa das Irmãs Teresianas, na avenida João Pessoa, em Porto Alegre
manter a saúde, tanto física quanto
mental, são oferecidas, uma vez por
semana, sessões de fisioterapia e aulas de memorização.
A terapeuta voluntária Gisele
Gabinosky cuida da mobilidade física dos idosos, ensinando a eles exercícios necessários “para não enferrujar”, como diz uma das integrantes.
Isso garante a muitos deles um serviço ao qual jamais teriam acesso devido ao custo financeiro que este tipo
de terapia costuma demandar. Para
manter suas mentes em forma, o
professor Ângelo promove exercícios de memória e raciocínio, ativando
as faculdades mentais desgastadas
pelo passar dos anos.
Em alguns casos, a saúde da pessoa chega a ser surpreendente. Como
é o caso de Dona Egídia, 87 anos,
que canta e dança o tempo todo, superando inclusive a própria filha que
também faz parte do grupo. Outro
exemplo é de Dona Isolete que, aos
78 anos, mantém-se ativa durante o
dia inteiro participando de várias atividades e eventos.
“Sermos novos Enriques no
mundo moderno”, esse é o objetivo da Companhia Santa Teresa de
Jesus que criou o grupo há dois anos.
Para isso receberam o incentivo da
recém criada Pastoral da Terceira Idade que segue os padrões de espiritualidade da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB). Irmã Maria explica que o objetivo das Irmãs
Teresianas é também “fortalecer a espiritualidade na terceira idade”.
Idosos ainda
fazem doações
a carentes
Além do benefício proporcionado pela participação no projeto
Enrique’Ser na Melhor Idade, os idosos também ajudam outra pessoas.
São organizadas campanhas para arrecadar doações para famílias carentes. Na época de Natal, por exemplo,
reuniram brinquedos, calçados e roupas que depois foram doados para
crianças da Ilha das Flores.
A próxima ação beneficente deverá atingir as famílias carentes da Vila
Grande Cruzeiro. Serão formados
pequenos grupos de cinco participante. Cada grupo “adotará” uma família necessitada da região e vai ajudá-la
da maneira que for possível, arrecadando alimentos e roupas.
O professor de música Ângelo
Constantino Pires, de 34 anos, trabalha com idosos há 10 anos e já esteve em projetos cujo enfoque era
atender pessoas de baixa renda. Sua
preocupação com carentes desperta a
admiração e confiança nos membros
do grupo, gerando um sentimento
de responsabilidade social e solidariedade.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
R E S P O N S A B I L I D A D E5
Porto Alegre, junho de 2006
Igreja prega inclusão social do deficiente
A Campanha da Fraternidade de 2006 alerta para o destino de 27 milhões de brasileiros
CARLA KUNZE
CARLA KUNZE
O lema da Campanha da Fraternidade 2006 da Igreja Católica – um
trecho da Bíblia em que Jesus dirige
a palavra a um homem que não pode
caminhar –, diz tudo: “Levanta-te e
vem para o meio.” Traduzindo: não
te deixes excluir, ou ainda, luta pelo
teu direito à cidadania. Cidadania
pressupõe uma série de fatores, e um
dos mais importantes é um dilema
para os portadores de deficiência do
nosso tempo: a inserção no mercado de trabalho. Eles não são mais
aqueles filhos criados fechados em
casa, que os pais, por proteção ou
vergonha – decorrentes talvez de um
sentimento de culpa pela deficiência,
muitas vezes gerada por tabus religiosos -, escondiam da visão pública.
Hoje eles se encontram em um número muitas vezes maior, no Brasil
são aproximadamente 27 milhões, e
precisam ganhar o seu sustento, quando não da família que montaram.
Na Roma antiga, os pais eram
autorizados a matar seus filhos defeituosos. Outros povos execravam
publicamente os indivíduos deficientes. De lá pra cá, a evolução das
relações humanas trouxe a estas pessoas consideradas “diferentes” a esperança de conquista da cidadania
plena. Durante muito tempo, pelo
menos até o final dos anos 40, os
deficientes resumiam-se aos nascidos
com malformações congênitas ou os
acometidos por doenças da velhice.
Os inválidos por acidentes ainda representavam uma porcentagem mínima, a maioria não sobrevivia. A
partir do final da Segunda Guerra
Mundial, este número aumentou e a
deficiência passou a ser considerada
um fenômeno causado pela realidade social. Com a retomada da industrialização, nos anos 50, duas vertentes iniciaram um confronto: uns acreditando na reabilitação dos deficientes para o trabalho e outros se opondo à reserva de vagas nas grandes
indústrias.
Os anos 60 e 70 trouxeram os
movimentos reivindicatórios, e com
eles, o surgimento dos primeiros
documentos que iriam dar cunho
político, econômico e social às questões de trabalho para os deficientes.
A ONU lançou, em 1971, a Declaração dos Direitos do Deficiente Mental e em 1975, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes. Seguindo seus preceitos, a OIT aprovou,
em 1983, a Convenção 159 Sobre
Reabilitação Profissional e Emprego
de Pessoas Deficientes.
Legislação
No Brasil, ainda não havia nenhuma ação concreta do poder público ou da iniciativa privada antes
da Constituição Brasileira de 1988,
quando se consolidaram os direitos
sociais e individuais dos portadores
de deficiência, inclusive os de acesso
ao trabalho no País. Em dezembro
de 1999, o Governo Federal editou o
Decreto 3.298, que regulamenta a Lei
7.853 (1989), garantindo às pessoas
portadoras de deficiência as reais possibilidades de inclusão em todas as
esferas da vida, reconhecendo que,
como todos os cidadãos, estas pessoas têm direito à participação social
plena, princípio embutido na Convenção 159. O Decreto retoma, no
seu Art. 36, o que já estava presente
no Art. 93 da Lei 8.213 (Plano de
Benefícios da Previdência Social,
1991): a obrigatoriedade legal da
empresa com cem ou mais empregados de preencher de 2 a 5% de seus
cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com
portador de deficiência habilitada.
Entre 1991 e 2000, a fiscalização
sempre foi rarefeita. Mas, através de
uma portaria, a partir do início de
2000, o Ministério do Trabalho e
Emprego ficou incumbido de fiscalizar o cumprimento do Decreto. O
Ministério Público do Trabalho tem
convocado as empresas privadas a
submeterem-se à Lei. Deste momento em diante, o debate em torno do
tema emprego para as PPDs tem sido
sobre como, na atual conjuntura econômica do país, as empresas privadas conseguirão contratar
a porcentagem de deficientes estipulada pelo Decreto e se há portadores
de deficiência profissionalmente qualificados para assumir os postos de
trabalho abertos pela imposição das
cotas. Muitos não estão qualificados
para exercer tarefas profissionais específicas, até porque não tiveram escolaridade ou não passaram por nenhum programa de educação profissional, mas o fato é que
precisam trabalhar para ter independência econômica e qualidade de vida.
Mesmo com todas as possibilidades de sucesso nestes empreendimentos educacionais e profissionalizantes, uma parte da população deficiente fica de fora. São os portadores de deficiência mental. Mesmo
quando fazem cursos e têm a oportunidade de estagiar, principalmente
em órgãos públicos, o destino deles
é o retorno ao lar. Eles terminam o
estágio e não conseguem efetivação,
ninguém dá emprego a eles e acabam
retornando à casa dos pais. Para
muitos, esta é uma situação de humilhação. Depois de terem se mostrado capazes de pegar o ônibus sozinhos para ir e voltar do trabalho,
assumir e cumprir as tarefas que lhes
são dadas, de acordo com sua capacidade, quando estão a poucos passos
de se efetivarem no cargo de cidadão,
como todo e qualquer jovem estagiário almeja, alguém os informa que
tudo acaba ali, o esforço foi em vão.
Aí entram, então, o carinho e a dedicação de pais que se unem a educadores e formadores na tarefa de dar a
este jovem a estrutura capaz de impedir a sua total exclusão social e até
a marginalização.
Cooperativa CrêSer foi fundada por um grupo de mães para suprir limitações das escolas especiais
Cooperativa de mães para garantir
o trabalho após a maioridade
Ao completarem 21 anos, os jovens portadores de necessidades especiais têm de deixar as escolas especiais onde estudam, e a continuidade
da sua formação depende, muitas
vezes, de iniciativas que partem dos
próprios pais ou de entidades
assistenciais. Em 1997, um grupo de
mães com filhos em várias escolas
especiais, preocupadas com o destino que teriam ao completarem maioridade, decidiram formar uma cooperativa e buscar ajuda em vários setores do poder público e da iniciativa
privada. Nascia ali a Cooperativa
CrêSer, que alguns anos depois, em
2000, conseguiu a construção da sede
que mantém no número 1001 da rua
Capitão Pedro Werlang, no bairro
Intercap, zona leste da capital.
Em parceria com a Secretaria
Municipal da Educação (Smed), que
disponibiliza os professores, a instituição proporciona a continuidade da
educação destes jovens no período
da manhã, quando funciona ali uma
escola EJA – Educação de Jovens
Adultos. É única unidade do EJA
no estado a atender exclusivamente
portadores de deficiência mental. À
tarde, a CrêSer oferece oficinas de formação profissional. São adultos com
Síndrome de Down, Paralisia Cerebral e Esquizofrenia que aprendem
ofícios e trabalham nas oficinas de
papel reciclado, panificadora e confeitaria, e na horta, produzindo mudas
e cultivando verduras em uma horta
CARLA KUNZE
Projeto tem panificadora e confeitaria para formação profissional
mantida sem agrotóxicos no terreno
da entidade. Marcos, filho de uma
das ex-presidentes, Marizete Marques da Cruz, é um exemplo disso.
Ele trabalha com as mudas, e já está
cultivando e comercializando em casa.
“E o que ele quer, decidiu isso de
três meses pra cá, disse que é isso que
ele quer fazer da vida dele. Fico feliz,
meu filho encontrou seu caminho e
a CrêSer tem parte nesta vitória”, diz.
Os pais dos jovens são responsáveis pelas oficinas e pela administração da cooperativa. Todos doam
algumas horas na semana, o tempo
que podem, ao trabalho com os jovens. Gustavo, 28 anos, morador da
Restinga, é filho de uma mulher que
carrega no nome o significado que
ultrapassa a responsabilidade e o
amor de uma mãe: Santa. Santa
Catarina Serpa Bassetti, uma das fundadoras da CrêSer, conta que Gustavo
tem uma lesão cerebral que limita as
possibilidades de se inserir formalmente no mercado de trabalho, que
já é competitivo para que não tem
necessidades especiais. Participando
há quatro anos das oficinas, mãe e
filho encontraram naquele espaço
mais do que uma alternativa à exclusão social a que estavam destinados,
ali eles unem-se a outras famílias com
quem compartilham dramas pessoais, dificuldades, conquistas e alegrias. Gustavo trabalha na reciclagem de
papel: “Ele adora trabalhar, sabe que
sobra um dinheirinho, às vezes pras
comprar as coisas de que ele gosta”.
6
R E P O R TA G E M
H Porto Alegre, junho de 2006
Costumes da terra do sol nascente
chegaram ao Pampa há 50 anos
A tradição japonesa se integra, mas conserva sua origem em casa e no coração
MANUELA KANAN
MANUELA KANAN
A dois anos do centenário da imigração japonesa no Brasil, a ser celebrada em 21 de junho de 2008, o Rio
Grande do Sul enxerga sua própria
comemoração. Apesar de vários nipônicos terem chegado ao estado para
fugir dos efeitos da guerra, a maioria
veio das próprias colônias de São Paulo. Mesmo assim, a migração não deixa de ser mais recente. Augusto Isamu Aso, dono da loja Midori – Arte e
Decoração, explica que, como chegaram antes, os “japoneses paulistas”
são mais abrasileirados, os gaúchos
ainda puros.
Talvez pelo histórico isolacionismo, os japoneses têm uma característica de manterem sua cultura, ou pelo
menos parte dela, mesmo longe de
seu país. Esse fato pode ser considerado como motivo principal dos agrupamentos em comunidades e colônias. Geralmente adaptam algumas de
suas peculiaridade ao estilo de vida
ocidental. Um exemplo é a maioria dos
nascidos no Brasil ter dois nomes: um
brasileiro, outro japonês.
Reconhecer um japonês não é difícil, não só pelas características físicas,
como olhos puxados ou cabelos escuros e lisos. Eles têm uma maneira
de agir que denuncia sua origem sem
fazer esforço. O jeito sério e introspectivo. Uma risada tímida, mas sincera. Um jeito de falar objetivo e enrolado ao mesmo tempo. Uma vontade
de sempre ajudar os outros. Um impulso por fazer as coisas direito. Esse
comportamento próprio conquista os
brasileiros, fazendo crescer o interesse
por um país e uma cultura tão distante e ao mesmo tempo tão próxima.
Eles podem até não conversar muito
no início, mas depois de conhecê-los e
conquistar sua confiança, a história
muda completamente.
Uma das surpresas na convivência
é a alimentação. Entrando na casa de
um japonês, não será difícil encontrar
os famosos hashi, também conhecidos como palitinhos, junto aos garfos e facas. Instrumento utilizado desde a antigüidade para a alimentação, se
mantém em uso até hoje. A dificuldade ocidental de manuseá-los é comum, o que faz alguns restaurantes
oferecer em uma versão simplificada,
com uma “borrachinha” na ponta,
formando uma pinça.
P O R C ARMEL M OST
ARDEIRO
OSTARDEIRO
E M ANUELA K ANAN
Isao Ishibashi veio pela primeira
vez ao Brasil em 1988 como professor delegado do Ministério da Educação do Japão para fiscalizar cinco
escolas japonesas que existem no
Brasil. Ficou até 1991. Durante essa
época, ele alternava três meses no
Brasil e o mesmo período no Japão.
“Não aprendi nada de português”,
diz ele. De 1994 ao início de 2000,
veio outra vez como professor da
Fundação Japão. Do segundo semestre de 2000 para cá, dá aulas de japonês na PUCRS.
Assim como ele, outros 1,5 mil
japoneses vivem no Rio Grande do
Sul. Há também três mil descendentes. A maioria deles vive em Porto
Alegre: cerca de 600 pessoas. Depois
da II Guerra Mundial, o Japão esta-
va arrasado pelos combates. “É como
a situação atual do Iraque”, enfatiza o
cônsul do Japão em Porto Alegre,
Hajime Kimura. E a recuperação foi
lenta. Por isso, os japoneses queriam
tentar outra vida em outros países. Um
deles foi o Brasil. A imigração japonesa para cá começou em São Paulo. Temse como data de início o dia 18 de junho de 1908, quando desembarcaram
no Porto de Santos 781 japoneses.
Eram, em sua maioria, agricultores de
famílias sem muitas posses que desejavam voltar ao seu país de origem.
No Rio Grande do Sul, a imigração aconteceu, além dos fatores sociais e econômicos do Japão, também
porque o governo do estado precisava de técnicos agrícolas. Firmaram,
então, Japão e governo estadual, uma
parceria. O primeiro grupo de japoneses a desembarcar no estado, em 1956,
era formado por 23 homens. Desses,
MANUELA KANAN
Jogo treino de Softball do time feminino da comunidade Enkyo
Jogo infantil realizado em Gravataí na sede do Enkyo, durante o Undokai, a gincana familiar japonesa
Samurai, já é bastante conhecida. Dependendo da família, o costume ainda é mantido, mas nem sempre com
tanta fidelidade. Em alguns lugares,
um par de chinelos, chamado suripa, é
deixado perto da porta de entrada. Os
jovens, entretanto, preferem ficar de
pés descalços. Boa parte dos orientais
assiste ao canal NHK, uma das principais emissoras do Japão. Os programas exibidos são bastante variados,
desde telejornais e novelas até programas de auditório e música. É claro,
tudo em japonês.
Entretanto, a cultura vai se fundindo cada vez mais à brasileira. Aos
poucos, o que antes era mantido em
homenagem à tradição começa a perder a importância ou a prioridade. Aso
explica que por ter se casado com uma
ocidental, acabou deixando um pouco de lado esses costumes, aderindo
mais aos locais. O mesmo ocorreu
com seus irmãos.
Fidelidade às raízes: comunidade pratica jogos típicos do Japão
Colônia promove cultura, assistência e esportes
No Rio Grande do Sul, imigrantes e descendentes de japoneses se organizam em comunidades ou associações. Todas são interligadas com o
consulado e existem em diversas cidades do interior como Pelotas, Santa
Maria, Itapuã e Viamão, assim como
na capital. As mais representativas são
de Gravataí, chamada de Enkyo, Ivoti,
e a de Porto Alegre, conhecida como
Nikkei, denominação dada aos descendentes nascidos fora do Japão ou
que vivem regularmente no exterior.
A maioria dos nipo-brasileiros de
Porto Alegre é membro do Nikkei.
Sua antiga sede, situada em Guaíba,
foi vendida para a construção da fábrica da Ford no Rio Grande do Sul. Com
a desistência da companhia, a associação pretende recuperar o terreno. Entre os eventos que organiza, um dos
mais importantes e com maior repercussão é o Undokai (literalmente undo:
esportivo, kai: encontro). Uma espécie de gincana familiar em que equipes
competem para ganhar pontos e prêmios. Também promovem almoços,
churrascos, encontros esportivos,
como jogos de futebol e vôlei, e até
festas juninas.
A Enkyo oferece assistência a todas as comunidades japonesas gaúchas. Concede bolsas de estudo e, através de convênio com o Hospital São
Lucas da PUCRS, oferece auxílio médico aos nipo-brasileiros. Atualmente, é uma das maiores e mais forte associação do estado. A colônia de Ivoti
não fica muito atrás, porém teve um
desfalque significativo nos últimos
anos. Por esse motivo, em 2005, alguns jovens criaram o Seinenkai, que
significa literalmente encontro de jovens, para “resgatar a cultura japonesa” da região.
Estudar japonês
Apesar de não ser mais tão comum hoje, os pais costumavam incentivar os filhos a estudar japonês
desde cedo. A escola Moderuko era
freqüentada por crianças em alfabetização para aprenderem a língua, e por
adolescentes e adultos.Para incentiválos a manter os estudos, os professores passavam filmes infantis, equivalentes aos “clássicos da Disney”, como
a Cinderela para as crianças. Uma das
mais difundidas foi a obra Tonari no
Totoro (Meu vizinho Totoro), de Hayao
Miyazaki, o criador de A viagem de
Chihiro, laçado em 2001. O filme conta a história de duas meninas que se
mudam para o campo, para ficar mais
perto da mãe que está doente. Lá elas
encontram um novo amigo, um ser
mágico que divide uma grande aventura com as duas (Totoro).
As colônias do interior, mais tradicionais, têm suas próprias escolas.
Em casa, os pais só conversam com
os filhos em japonês. Porém, a maioria desiste quando entra no colégio,
por desinteresse ou falta de tempo.
Hoje, o ensino infantil da língua é re-
7
COMUNIDADE É MAIOR EM PORTO ALEGRE
Arroz no café
O prato dominante é o arroz branco, chamado de hakumai ou gohan,
quando cozido. Eles utilizam em casa
uma panela elétrica específica para o
cozimento do arroz, que não só facilita a preparação como mantém a comida quente por bastante tempo. É inevitável que algo seja perdido na adaptação cultural. É o que acontece com o
hábito de comer arroz no café da manhã. “Hoje, não só os mais jovens,
como os próprios issei comem pão na
primeira refeição do dia, do mesmo
jeito que os ocidentais”, diz Aso.
A tradição de tirar os sapatos antes de entrar em casa, bem retratada
por Tom Cruise no filme O Último
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
alizado dentro de casa, pois as escolas
estão direcionando seus cursos para
os mais velhos.
Esportes
Um dos esportes mais desenvolvidos no Japão é o baseball. Coube
aos imigrantes nipônicos a tarefa de
difundir os jogos no Brasil. Assim,
foi criada a Confederação Brasileira de
Baseball e Softball, com sede em São
Paulo. Desde então, técnicos, torcedores, jogadores e até dirigentes de clubes têm sido predominantemente de
origem oriental. De acordo com o jornalista Yuji Azuma, em texto publicado no site da CBBS, “o japonês exerce hoje no beisebol o papel que o europeu teve no futebol brasileiro do
início do século passado”. No Sul, os
times existentes pertencem às comunidades e colônias, com destaque para
a equipe de Ivoti, o All Star Team. As
japonesas não ficam para trás, jogam
softball, uma versão mais moderada
ENTENDA
As denominações issei, nisei e
sansei significam primeira (issei), segunda (nisei) e terceira gerações
(sansei) de japoneses. Ou seja,
quem nasceu no Japão e migrou
para o Brasil é a primeira geração;
os filhos, nascidos brasileiros, são
a segunda, e assim por diante. Literalmente, sei significa geração e i (na
verdade é uma contração de ichi), ni
e san representam os números um,
dois e três.
do baseball, com diferenciação de regras para diminuir a dificuldade.
Para o pessoal de mais idade, existe o getoboru, um jogo semelhante ao
críquete, trazido ao Brasil pelos imigrantes. É jogado tanto pelos homens, quanto pelas mulheres. Nas
gincanas são realizadas competições,
com times de cerca de cinco pessoas.
Também é importante ressaltar a dança tradicional, chamada de bon-odori,
apresentada pelas mulheres em diversos eventos.
22 eram os melhores estudantes formados por uma escola agrícola. O 23º
era graduado em jornalismo por uma
das melhores universidades do seu
país. Eles vieram para se fixar aqui e
com o objetivo de formar uma cooperativa com os gaúchos, mas o plano não vingou, por razões políticas
principalmente. Antes disso, alguns
japoneses já viviam no estado, mas a
imigração planejada aconteceu somente a partir de 1956.
Para comemorar os 50 anos, há
uma longa programação que está ocorrendo desde o início deste ano. “O
ponto alto será em agosto”, destaca
Kimura. No dia 18 de agosto, será inaugurado o Monumento à Imigração
Japonesa na cidade de Rio Grande,
com a presença de autoridades. Nos
dias 19 e 20, serão apresentadas, no
Centro Cultural do Gasômetro, na
capital, canções e danças japonesas, ce-
rimônia de preparação de um bolo de
massa de arroz, taikô e exposição de
bonecos e brinquedos japoneses.
Acontecerão também oficinas de
origami, kirigami, bonsai, manga e
anime, entre outras atividades.
Comparando culturas, Ishibashi
diz que o povo brasileiro é aberto aos
estrangeiros, mas reclama que aqui se
pagam muitos impostos e não se vê
o retorno. Além da língua, outro fator que dificulta a vida dos japoneses
recém chegados ao Brasil é a significação dos gestos, que são muito diferentes nas duas culturas.
Flores e verduras
Quando chegaram ao Brasil, a idéia
inicial era de trabalhar na agricultura.
No RS, se destacaram na produção de
flores e verduras. As colônias do interior ainda atuam nessa função. Mas o
domínio nipônico vem diminuindo
nos últimos tempos. “Os filhos de
japoneses estão estudando e são mais
instruídos, não querem ficar no campo”, explica Ivo Hideki Korogi, estudante de Engenharia Mecatrônica na
PUC e membro do Nikkei.
Para muitos, a alternativa é ir trabalhar no Japão, arrecadar dinheiro e
depois voltar. São os chamados
dekasseguis, brasileiros de ascendência
japonesa. São a maior parte dos 270
mil brasileiros que residem na terra do
sol nascente. Isso ocorre graças à Lei
de Controle de Imigração, editada em
1990, que permite aos japoneses e seus
cônjuges ou descendentes até a quarta
geração o exercício de qualquer atividade legalmente por um período relativamente longo. Nessa época, o governo precisa atrair mão de obra devido à rapida expansão econômica do
país, obrigando-os a facilitar a entrada
de trabalhadores.
8
ESPORTE
Porto Alegre, junho de 2006
HIPERTEXT
O
HIPERTEXTO
DAIANA ENDRUWEIT
Campeão mundial enfrenta
desafio fora do tatame
Recuperação de cirurgia no ombro e
Campeonato Mundial são as próximas
batalhas do judoca gaúcho João Derly
P O R V IN IC
IUS C ARVALHO
ICIUS
O primeiro campeão mundial de
judô brasileiro, João Derly, passará
três meses sem competir devido à
artroscopia realizada no ombro esquerdo, no dia 5 de junho último.
Os médicos da seleção brasileira de
judô e da Sogipa, clube de João, decidiram operar o atleta para que ele esteja recuperado antes do Campeonato Mundial por equipes, em setembro. A cirurgia foi realizada por causa
das dores no ombro que o atleta sentia desde o ano passado.
João, 25 anos, começou a praticar
judô quando criança para ajudar a tratar problemas respiratórios. É considerado um atleta que mistura os
estilos europeus e japoneses de judô,
características de alguns atletas do sul
do Brasil. “Talvez isso explique meu
bom desempenho nas competições
internacionais”. Ele se considera um
judoca técnico (estilo japonês), por
conhecer e aplicar todas os tipos de
golpes, mas também bastante forte
(característica européia), que derruba
o adversário utilizando a força e o preparo físico.
Muita coisa mudou na vida de
João Derly após a vitória no mundial
do Cairo, no Egito, em 2005. Antes
do campeonato, o atleta cogitava a
possibilidade de largar os treinamen-
tos por falta de recursos. “A mídia
ajudou muito na divulgação dos méritos que alcancei e isso fez com que
alguns patrocinadores procurassem
a mim e à Sogipa. Depois do Mundial, tenho condições de me dedicar
aos treinos sem outras preocupações,” conta o judoca.
Em maio, João Derly teve grande destaque no desafio Brasil e Japão de Judô, na cidade de Maringá,
no Paraná. “Foi um embate entre
duas das maiores forças do judô no
mundo e foi relevante para conhecer
a luta adversária”, acrescenta João
que, apesar das dores no ombro,
derrotou pela segunda vez o japonês Hiroyuki Akimoto, em sua terceira vitória seguida contra lutadores
nipônicos em menos de um ano.
A recuperação
A cirurgia não deve prejudicar os
treinamentos de Derly. “Não chega
a ser um problema grave”, acredita,
“fico afastado dos treinos específicos de judô por menos de três meses, mas fisicamente continuo treinando. Parado mesmo acho que vou
ficar umas duas semanas.” O atleta
também projeta que estará pronto
em setembro para o Campeonato
Mundial por Equipes.
Os desafios do segundo semestre não são exclusivamente interna-
cionais. Em dezembro, está marcada
a seletiva final para os jogos olímpicos de Pequim, para a qual João já se
classificou e vem estudando os adversários. “Leandro Cunha, do Clube Pinheiros, conhece bem meu estilo de luta e dificulta muito nossos
combates, não raras vezes nossas lutas terminam empatadas.” Hoje, Leandro é o substituto de João na Seleção Brasileira.
O judô brasileiro está passando
por uma fase de conquistas. Além
do Campeonato Mundial passado e
a vitória sobre o Japão, uma das equipes mais fortes e tradicionais, podese esperar boas campanhas nos jogos pan-americanos e nas Olimpíadas. “O judô é um esporte que ainda
está em desenvolvimento no País,
apesar de ter crescido nos últimos
anos através de intercâmbios com
atletas de fora”, conclui Derly.
Judô, uma luta leal
O judô é uma arte marcial criada no Japão em 1882 por Jigoro
Kano, que tinha apenas 23 anos.
Os lutadores encaram-se concentrados por breves instantes. Eles
encontram-se em uma área
quadricular de 16 metros quadrados, separados por dois metros de
distância e por um árbitro de terno
azul marinho, camisa branca e gravata. Enquanto um deles veste um
quimono branco e faixa preta, o
outro está todo de azul, menos a
faixa, também preta. Os corpos arqueados para frente no ângulo de
mais ou menos 45 graus sinalizam
um cumprimento, uma saudação
que permite ao árbitro gritar
“Hagimê”, palavra japonesa que dá
início ao combate.
O judô conta hoje com mais de
dois milhões de praticantes no Brasil. É a luta de origem cultural japonesa mais popular no País e já rendeu aos brasileiros 12 medalhas em
jogos olímpicos.
Uma cena que parece retirada de
algum filme ou desenho de samurais
japoneses acontece diariamente em
clubes e centros esportivos de todo
o país. Os lutadores não trocam socos, nem mesmo chutes, o objetivo
de cada um é projetar o adversário de
costas no chão, ou imobilizá-lo quando derrubado. Ao fim da luta, os
judocas, cumprimentam-se mais
uma vez. Mesmo que não queiram,
são obrigados a fazê-lo, a saudação e
o respeito ao adversário fazem parte
da disciplina do esporte.
A história de uma União que comemora 100 anos
MANUELA KANAN
P O R L UISA K ALIL
Porto Alegre conta com um dos
maiores clubes esportivos da América Latina. No Brasil, está entre os três
maiores. Fundado em 1906, o Grêmio Náutico União oferece três complexos com diversidade esportiva,
além de eventos sociais, como o Baile de Debutantes e a festa de Ano
Novo. Em abril, o clube comemorou 100 anos de história, revelando
talentos esportivos como da ginasta
Daiane dos Santos, ex-atleta da casa.
O clube começou em um barraco
de tábuas, conhecido como sede do
Ruder Verein-Freundschaft (em português: Sociedade das Regatas da Amizade). Os fundadores eram descendentes de famílias alemãs – Carlos Arnt,
Hugo e Arno Depperman, Arnaldo
e Emílio Berscht. Os amigos, que
convocaram as irmãs para elaborar a
primeira bandeira do clube, o mesmo símbolo usado até hoje, tornaram conhecido o local chamado de
“clube dos guris”. No espaço eram
promovidas quermesses, passeios
pelo Guaíba e reuniões dançantes.
Em 1917, o governador Borges
de Medeiros tomou providências
para assegurar o patrimônio e direito dos cidadãos gaúchos. Porto Alegre, em tempo de administrações
republicanas (1889 a 1940), tinha
seus primeiros hospitais e faculdades. Telefonia, indústria e rádio ainda eram novidades. O clube precisava ter identidade nacional para se
manter na sociedade porto-alegrense. Assim surge o nome Grêmio
Náutico União, substituindo Sociedade das Regatas da Amizade.
Hoje o clube divide suas atividades em três áreas, cada uma com seu
destaque. A primeira que deu origem ao GNU, localiza-se na Ilha do
Pavão, próximo ao rio Guaíba. Foi
atingida por um incêndio em 1978,
quando se perderam documentos
preciosos sobre as regatas do passado. No bairro Moinhos de Vento,
localiza-se a única unidade de um clube no Brasil com funcionamento 24
“Freqüento-o há muitos anos. Gosto de vir aqui nos finais de semana,
para jogar tênis ou simplesmente encontrar os amigos”, declarou.
Tradição: o mesmo símbolo desde a fundação do clube por alemães
horas. Lá se encontra o “Palácio dos
Esportes”, com quadras poliesportivas, arquitetadas com materiais especiais. Quem freqüenta a sede Moinhos não raro se depara com a figura
do empresário Anton Carl Biederman, atual patrono do clube. Aos 70
anos, Biederman costuma nadar di-
ariamente nas piscinas da chamada
“sede 24 horas”. Além destas unidades, ainda há o múseu no bairro Alto
Petrópolis, inaugurado em 2004.
O União tem 450 funcionários e
60 mil associados. Rui de Almeida,
56 anos, é sócio desde 1970. Seus filhos também fazem parte do clube.
Berço de estrelas
O incentivo a modalidades esportivas faz o União ser associado a
atletas consagrados, como Daiane
dos Santos que deu seus primeiros
passos nas quadras do GNU. O clube tem se destacado tradicionalmente em esportes como esgrima, vôlei e
ginástica olímpica.
O clube oferece a modalidade
Ginástica Olímpica desde 1957, ano
de inauguração da sede Moinhos de
Vento. Daiane era apenas uma criança que gostava de pular e virar cambalhotas quando começou a treinar
no clube. Em 2003, a pequena gaúcha de apenas 1,45 cm conquistou,
aos 19 anos, o primeiro lugar no solo
no Campeonato Mundial de Ginástica Artística, em Anaheim, nos Estados Unidos. Outras medalhas vieram após a vitória no Mundial.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
9
MUNDO
Porto Alegre, junho de 2006
Copa entra na fase do faroeste
Classificado como líder de seu grupo, Brasil começa a enfrentar os duelos mortais. Só um sobrevive
TORSTEN BLACKWOOD/AFP
POR JESUS B ARDINI
Depois de duas magras vitórias
nas primeiras partidas e uma goleada na terceira, com dois gols de
Ronaldo Fenômeno, a Seleção brasileira garantiu sua vaga nas oitavas
de final da Copa da Alemanha. De
agora em diante, é mata ou morre.
A primeira eliminatória é contra
Gana, dia 27, ao meio-dia.
O início da corrida pelo hexa
não empolgou. No apático jogo
contra a Croácia, o Brasil mal se mexeu. A promessa do quadrado mágico formado por Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Nazário, Kaká e
Adriano, pouco fez em campo. O
único gol que garantiu a vitória brasileira veio aos 43 minutos do segundo tempo pelos pés de Kaká,
que chutou fora da grande área,
marcando um belo gol sem chances
de defesa para o goleiro croata. O
Fenômeno simplesmente não compareceu em campo e foi substituído por Robinho, que deu mais agilidade ao grupo, mas sem resultados.
Depois das críticas no primeiro
jogo, o técnico da Seleção, Carlos
Alberto Parreira, garantiu o quadrado mágico e a presença de Ronaldo,
alegando que o jogador precisava
entrar no pique da competição.
Ao enfrentar a Austrália, mostrou pouca evolução. No primeiro
tempo, a equipe sofreu com a forte
marcação dos australianos. Ronaldo
recebeu um chute na canela que passou em branco pela arbritagem.
Mesmo assim, chutou diversas vezes a gol, todos para fora. Os brasileiros revelaram falta de entrosamento e todas tentativas de gol
vieram de jogadas individuais.
Nazário continuou sem brilho e lento, embora com atuação melhor que
no jogo anterior. Ronaldinho, em
posição equivocada, fez sua parte:
toques precisos e boa articulação no
meio-campo, mas seu talento desperdiçado, já que sua posição deveria ser atacante.
A zaga brasileira também falhou.
Os australianos chutaram ao gol de
Dida três vezes, exatamente iguais.
Por esta falha na defesa, Dida se
esforçou e acabou fazendo defesas
importantíssimas, mas que poderiam ser evitadas. O primeiro gol veio
no começo do segundo tempo.
Ronaldo passou a bola para Adriano
que chutou com força no gol adversário. Os australianos pressionaram dando sustos na Seleção. O atacante Bresciano, da Austrália, contribuiu bastante para isso. A torcida, conformada com a vitória de um
gol apenas, assistiu a entrada do atacante Fred aos 42 minutos do segundo tempo. Na ofensiva, Kaká cabeceou no travessão e, Fred, aos
dois minutos em campo, aproveitou
a sobra e assinou o segundo gol selando a classificação à próxima fase.
Na quinta-feira, dia 22, às 16 h,
a Seleção enfrentou o Japão, em
Dortmund, e venceu de 4 a 1, de
virada. Além de Ronaldo duas vezes, marcaram Juninho Paulista e
Gilberto. No grupo do Brasil, a
Austrália empatou com a Croácia
em 2 a 2 e também se classificou.
MARINA VOLPATTO
Televisor de plasma rouba a cena
Nos jogos do Brasil na Copa não
faltaram torcedores apinhados em
mesas de bares numa das principais
ruas da boemia porto-alegrense. A
Lima e Silva foi tomada pelo verdeamarelo. Os bares capricharam na decoração. Bandeiras do Brasil, faixas e
serpentinas enfeitam também os estabelecimentos menos movimentados. Porém, o que mais tem servido
de atração aos clientes são os televisor de plasma. Os estabelecimentos
que ofereceram a tecnologia foram
os mais procurados.
Os donos dos locais garantiram
a validade do investimento. Segundo eles, a expectativa é de que o
consumo de bebidas e refeições dobre na hora dos jogos, mesmo que
durem apenas 90 minutos. Os televisores custam em média R$ 6 mil.
O investimento é pesado, mas os
proprietários esperam recuperar o
dinheiro não apenas na Copa. Contam também com o faturamento no
retorno do Brasileirão em julho.
LUCIANO LANES
Saudades
dos chineses
Os 19 alunos chineses que por
um ano estudaram nas faculdades
de Comunicação Social (Famecos)
e Letras (Fale) da PUCRS estão se
despedindo de Porto Alegre, para
iniciar viagem de regresso à terra
natal. Eles receberam dia 21 de
junho diplomas de conclusão do
intercâmbio de 11 meses no país.
Na solenidade, esteve presente a
assessora para Assuntos Internacionais e Interinstitucionais da
Universidade, Silvana Souza
Silveira, que parabenizou os alunos pela coragem e determinação
em encarar uma realidade diferente e os costumes ocidentais.
A diretora da Famecos, Mágda
Cunha, lembrou as dificuldades
iniciais e o desafio de fazer jorna-
Zé Roberto e Juan na defesa do Brasil, no jogo contra a Austrália, a segunda partida da Copa
Torcida para o Brasil e a Alemanha; com caipirinha ou chope
Aprendendo a gritar gol no Goethe
POR RAÍSSA GENRO
lismo em outra língua. Ressaltou que
mais do que ensinar, se aprendeu
muito com o projeto, constatando
ser possível conviver com a diversidade. Leonel, o orador da turma
oriunda da Universidade de Comunicação da China, agradeceu a acolhida da Universidade e dos profes-
sores e disse ter vivido “uma experiência muito legal no Brasil, um
crescimento pessoal. Gostaríamos
de voltar mais vezes”. No final do
evento, os intercambistas interpretaram, por meio de peças teatrais,
situações vividas no Brasil, como a
ida a uma cartomante.
Um grupo de executivos procurou o Instituo Goethe de Porto Alegre para ter aulas de alemão, com
objetivo específico de ir para a Copa
deste ano. As aulas foram realizadas duas vezes por semana, com um
total de uma hora e meia cada. O
curso terminou em 13 de junho,
data do primeiro jogo do Brasil. Eles
tiveram noções de apresentação,
como preencher um formulário, números, como pedir um telefone, assuntos adequados para quem está
chegando na Alemanha.
O Instituo Goethe é o Instituto
Cultural da República Federal da
Alemanha e possui unidades no
mundo todo. Ele proprociona o co-
nhecimento da língua alemã, além
de fomentar a colaboração cultural
em nível nacional. Busca transmitir
uma visão geral do país através de
informações políticas, sociais e culturais.
Além do curso dirigido realizado para os executivos, os módulos
intensivos que começaram em março e abril também trataram do tema.
Durante a Copa, como já tradição
no Instituto, serão transmitidos todos os jogos do Brasil e da Alemanha. O detalhe é o acompanhamento: caipirinha nos jogos verde e
amarelos e chope, nos do país sede.
Uma boa pedida para quem vai torcer e gritar muito neste mundial.
Instituto Cultural Brasileiro-Alemão
Rua 24 de Outubro, 112
1 0
MEMÓRIA
Porto Alegre, junho de 2006
A cidade do prefeito Loureiro da Silva
HIPERTEXT
HIPERTEXTO
O
FERNANDA FELL
“Eu faço versos na pedra, construindo
o poema de uma cidade nova”.
L A ION M A C H A D O E S P Í N D U L A
Avenida Farrapos. Retificação e canalização do Arroio Dilúvio. Avenida
Salgado Filho. Criação do DMAE. Avenida Três de Novembro, atual André
da Rocha. Saneamento dos bairros
Navegantes e São João. Estas são algumas marcantes obras dos períodos
administrativos de José Loureiro da
Silva em Porto Alegre.
De descendência direta de
Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, primeiro povoador das terras onde se acha assentada a cidade
de Porto Alegre, Loureiro da Silva
orgulhava-se de suas origens lusitanas e de suas profundas ligações com
a cidade que tanto amou e por duas
oportunidades governou.
“Bravo, galhardo, honrado, generoso, assomado e incontido” eram
suas características, de acordo com
João Pereira Coelho de Souza, seu
colega e amigo. Mais do que isso. O
charrua, assim era chamado por ter
fortes traços de índio, era um homem
de obras, um “engenheiro”, cujos
olhos brilhavam ao ver mais uma
avenida ser inaugurada.
Porto Alegre. Rua General Neto,
número sete. 19 de março de 1902.
Nasce Loureiro. Filho de Mariano
Barbosa da Silva e Cecília Loureiro
da Silva. Ingressa no Ginásio Júlio
de Castilhos, em 1910, onde cursa o
ensino elementar, médio e secundário. Em 1918, ingressa à faculdade de
Livre Direito, mais tarde integrada à
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
10 de novembro de 1937. Getúlio Vargas implanta o Estado Novo.
Um pouco antes, no dia 21 de outubro, Flores da Cunha, governador do
Rio Grande do Sul e opositor de
Vargas, renuncia ao cargo, para surpresa dos que esperavam por um
confronto armado entre os partidários de Flores e as forças federais.
Daltro Filho é nomeado interventor
do estado por Vargas. Este, sem perda de tempo, constrói, com homens
que tinham se posicionado contra
Flores, a nova estrutura de poder do
Rio Grande. Entre estes homens está
o deputado Loureiro da Silva, que
deixa a Assembléia Legislativa para
tornar-se prefeito de Porto Alegre.
Em sua primeira gestão (19371943), Loureiro assume uma cidade
que se encontra num momento crítico. Além dos problemas originados pelo crescimento, havia dívidas,
algumas do século anterior. Tratavase de “arrumar” a casa. Comprimir
despesas. Para isso, um dos seus atos
foi dispensar 180 funcionários que
recebiam salários sem trabalhar, conhecidos como “deputados” da limpeza pública. “Era destemido. Sempre imbuído de sinceridade de propósitos. Lutava com todas as forças
a fim de que triunfasse a sua vontade, mesmo que a vitória lhe causasse
o desgaste político”, lembra o vereador João Antônio Dib (PP), que foi
Secretário dos Transportes na segunda administração de Loureiro.
Precisava ser destemido. Precisava de sua impetuosidade para enfrentar vários problemas: o sistema
viário não comportava mais o tráfego crescente de veículos. As vias do
centro urbano, pela falta de espaço
para estacionamento, estavam congestionadas; enchentes periódicas,
extensão limitada das redes de esgotos. Eram problemas que requeriam
soluções imediatas; os órgãos administrativos, concebidos 30 anos atrás,
necessitavam de reformas. Era preciso aperfeiçoar o quadro de funcionários, mecanizar os serviços e racionalizar a forma de taxação dos imóveis.
Para realizar o tão sonhado Plano Diretor (um estudo aprofundado
com a finalidade de projetar e “desenhar” uma cidade ideal) era preciso
ter tempo. O que Loureiro não tinha. Havia problemas que deveriam
ser solucionados urgentemente. Enquanto os primeiros passos preparatórios ao surgimento do plano de
urbanização eram dados, o novo prefeito determinou a realização de levantamento topográfico e avaliações
para dar início a algumas obras, como
a abertura da Avenida Farrapos. De
acordo com Dib, “o Plano Diretor
de desenvolvimento da cidade até
hoje serve de modelo para os administradores de Porto Alegre”. Comenta também que em menos de
um ano, Loureiro procedeu a reforma tributária e saneou as finanças.
Monumento e avenida Loureiro da Silva são homenagens da cidade ao ex-prefeito
Administra Porto Alegre
pela segunda vez
Leonel Brizola é candidato a governador pelo PTB em 58. Loureiro,
apesar de não ter sido escolhido candidato novamente, faz campanha
para Brizola. Porém, um acontecimento irá determinar sua saída do
partido. O comício de encerramento
da campanha para o estado será transmitido ao vivo pela Rádio
Farroupilha. O jornalista Jaime
Keunecke, o Jotaká, anuncia o discurso de Loureiro como se a rádio
estivesse no ar. Algum tempo depois, o Charrua descobre a artimanha de Brizola. Este ordenou que
transmitissem apenas o discurso do
Jango e o seu.
Um ano mais tarde, a ala moça
do Partido Democrata Cristão convida Loureiro a concorrer à Prefeitura
de Porto Alegre. No início, Charrua
resistiu. Mas, a mobilização de populares e o apelo dos moços o
sensibilizaram. A cidade que tanto
amava precisava dele. “As finanças (de
Porto Alegre) estavam em péssimas
condições. Um quadro caótico. Três
meses de salário do funcionalismo
em atraso. Os fornecedores se negavam a fornecer e empreiteiros não
aceitavam executar obras”, conta Dib.
Loureiro sai às ruas a fazer campanha. Não é tarefa fácil derrotar a
máquina do Partido Trabalhista, implantada na Prefeitura Municipal e no
Palácio Piratini. Sem recursos financeiros, sem apoio das estruturas do
poder, a campanha é tímida, consiste no contato pessoal, no aperto de
mãos dos eleitores, na visita a empresas e fábricas. Resultado final: o
Charrua é eleito com 53% dos votos
válidos para nova gestão de 19601964).
De acordo com Dib, então secretário dos Transportes, em um ano
de administração as finanças do município já estavam mais ou menos em ordem e a prefeitura deixava
de ser a “caloteira oficial”. No segundo mandato os principais atos de
Loureiro foram: organização do Conselho Municipal de Transportes coletivos, da Guarda Municipal, do
DMAE e do Conselho Deliberativo
da Casa Popular. Construção de 85
prédios escolares, calçamento de 150
ruas e pavimentação da Estrada Antonio de Carvalho, ligando a Bento
Gonçalves à Protásio Alves.
O sonho de ser gover
nador nunca se realiza
governador
Fim do Estado Novo. Getúlio
Vargas começa a se articular politicamente. Monta o Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB). Loureiro é convidado a participar da organização deste partido. O Charrua via no
incipiente PTB uma oportunidade
para chegar ao Palácio Piratini.
A partir daí, Loureiro dedicou-se
inteiramente à construção deste. Fundando diretórios ou deixando co-
missões provisórias no interior do
estado. Loureiro teve papel essencial
nas negociações para o ingresso de
Alberto Pasqualini no PTB. Um passo fundamental para o partido. Tornou-se, mais tarde, no maior
ideólogo do trabalhismo.
Eleições para o governo do estado. Loureiro e Pasqualini são os nomes que disputam a vaga de candidato pelo PTB. O Charrua fica à es-
pera de uma nova oportunidade enquanto Pasqualini perde o Palácio
Piratini para Walter Jobim. Em 1954
tudo indicava ser a sua vez. O nome
do Charrua era anunciado como conciliação das várias correntes partidárias. Porém, Pasqualini novamente é
escolhido pelos trabalhistas e sofre
nova derroda, agora para Meneghetti.
Eleições para presidente. 1960.
Um acordo entre Fernando Ferrari e
Loureiro da Silva parece ser o caminho que o conduzirá até o governo
do Estado. O pacto: Loureiro deve
apoiar Ferrari para vice-presidente e
Ferrari o retribuirá nas eleições de 62
para governador. O Charrua cumpriu
sua parte. Porém, Ferrari não vence e
decide concorrer a governador do Rio
Grande do Sul em 62, rompendo
com o acordo firmado. Também é
derrotado.
A emoção que
o der
derrr ubou
“Ao deixar a prefeitura (em
1964), Loureiro disse que queria ir a
Tapes comer carne gorda e tomar cerveja gelada embaixo das árvores”,
revela Dib. O Charrua pretende dedicar-se a si e a sua família, na sua
fazenda de Tapes.
O governador do estado do Rio
Grande do Sul, Ildo Meneghetti,
enfrenta renovados problemas internos, fruto de confronto de idéias,
posições e expectativas dos políticos
mais íntimos do poder instalado. O
governador planeja uma ampla reforma no secretariado e pretende
realimentar-se com a presença de
nomes destacados da política estadual. Um deles é Loureiro da Silva, a
quem é oferecida a Secretaria da Fazenda.
Em uma conversa reservada com
o governador argumenta a recusa do
convite. Meneghetti lembra que a Secretaria da Fazenda o faria candidato
natural à sua sucessão. O Charrua se
“rende”.
Dia 3 de junho. Encontraria, às
16 horas, os seus ex-acessores Edgar
Irio Simm e Manoel Braga Gastal na
sede da Exprinter. Depois, iria ao
Palácio Piratini e por último, seria recebido por Alberto Hoffmann, na
Secretaria da Fazenda. Aplausos.
Abraços. A manifestação popular
surge espontânea. Loureiro leva quase
uma hora para ir da Rua Uruguai à
Praça da Alfândega. Uma pequena
multidão o conduz até a sede da
Exprinter. Está emocionado, feliz.
Conversa, “brinca”. De repente, Loureiro cai. Um enfarto o separa de sua
esposa Lisette e dos filhos Achiles e
Irene. A emoção o leva. “Pra mim, a
causa de sua morte foi a emoção.
Loureiro foi aplaudido enquanto
andava pela Rua da Praia e a emoção
o derrubou”, lamenta Dib.
H IPER
TEXT
O
IPERTEXT
TEXTO
SOCIEDADE
Porto Alegre, junho de 2006
11
MANUELA KANAN
Ninguém quer
ver as mazelas
da cidade
Exclusão social e drogas levam
adolescentes a morar nas ruas
P O R T HAÍS A LMEIDA
“S.O.S. Porto Alegre, a cidade está
morrendo. Nós, moradores,
estamos perdendo a sensibilidade,
banalizando o que vemos no cotidiano, embrutecendo o olhar”, alerta a
professora e historiadora Sandra
Jatahy Pesavento, em carta publicada
pelo jornal Zero Hora em março último. Ela se declarava triste e apreensiva sobre a situação da cidade, em
especial, do bairro Cidade Baixa e
imediações. Cidadã Emérita, Sandra
faz um apelo para que as pessoas e
autoridades reflitam sobre a paisagem do cotidiano.
Para ela, a população está perdendo a capacidade da emoção ou de enxergar aquilo que se oferece à vista
todos os dias, talvez, de tanto ver a
mesma cena se repetir dia após dia.
Sandra mora na avenida Venâncio
Aires, Cidade Baixa, bairro boêmio,
que também acumula muitos moradores de rua. “Uma cena é freqüente:
meninos de rua a dormir ao sol alto,
na calçada, atravessados no passeio,
entupidos de loló ou sei lá o quê.
Não encolhidos em um cantinho,
mas estirados no meio da calçada,
boca aberta, braços em cruz, no meio
do dia, perdidos na vida. A cena já se
tornou banal. As pessoas passam e
precisam se desviar”, desabafa.
O começo do fim
Uma hora da tarde. O sol está
forte. Numa das mais famosas ruas
da Capital, José Bonifácio, onde,
todo o domingo, acontece o Brique
da Redenção, duas pessoas estão largadas no chão, acomodadas sob a
sombra de uma árvore. Ao redor
deles, dois carrinhos de compras,
cheios de bugigangas e recicláveis. Ao
aproximar-se deles, é possível sentir
o forte odor que exala dos seus corpos. Desconfiados, eles ficam inquietos. A mais agitada, Margarete, é a
primeira a falar. Não deixa os outros
falarem, quer só ela responder as perguntas, inclusive, sobre a vida dos
outros integrantes do grupo.
Margarete Alexandre da Rosa
tem 22 anos, mora na rua desde os
oito anos de idade. Ela conta que
quando se separou do marido, a mãe
não a aceitou em sua casa pelo fato
dela usar drogas e, por isso, foi morar na rua. Deixou para trás uma filha, família, amigos, em busca de saciar um desejo maior causado pela
dependência. Além de cheirar loló,
Margarete é viciada também em crack,
droga que começou a usar aos 13.
Sem cabelo, com aparência
desgastada pelas substâncias que ingere, chama atenção devido às marcas no corpo. Nos braços, várias cicatrizes apontam para um triste passado. São sinais dos vários cortes que
ela mesma fez em uma tentativa de
suicídio, provavelmente, ocorrida
num momento de depressão, conseqüência do uso de drogas. No pé,
Margarete mostra onde a bala entrou, de um tiro que levou do exmarido. Ela se diz casada com outro
transeunte, Luis Fernando Gomes
da Silva, 29 anos, o mais velho da
turma. Questionada sobre o lado
Margarete e seus pupilos: loló à luz do dia. Não estão nem aí para quem anda pelas ruas
ruim de viver na rua, Margarete cita
as brigas com Luis Fernando, com
quem está há dois anos e de quem
apanha muito. Segundo ela, o principal motivo é ciúmes.
Como sustentam o vício
Para sobreviver, pedem dinheiro
nas sinaleiras, cuidam veículos estacionados, ou ganham moedas de
pessoas que passam por eles.
Margarete descrever como faz o pedido: “Oi senhora, boa tarde, com
licença. A senhora não tem um
trocadinho, cinco ou dez centavos já
ajudam, a gente compra um pão. Tá
certo que a gente usa pra comprar
droga, mas primeiro a gente compra
alguma coisa pra comer”. A frase é
bem conhecida das pessoas. Quem
já não foi abordado na janela do seu
veículo, ou mesmo andando pela rua?
Desnecessário lembrar o desconforto do momento em que a diferença
social e o desequilíbrio causado por
essa provocam conflitos, mascaramentos e exclusões. O sem-teto é a
expressão máxima deste processo,
um número cada vez mais expressivo diante dos olhos da sociedade. O
que mais choca no diálogo com essas pessoas é a questão das drogas,
tornando-se o principal impedimento para sua re-inclusão. Momentos
após Margarete ter encenado o pedido de auxílio, ela olha para o colega
ao lado e numa risada diz que, às
vezes, eles compram droga primeiro, para depois adquirir comida. Admite que as pessoas são muito boas
e que sempre ganham dinheiro suficiente para viver, seja das esmolas
recebidas, seja das pessoas que se comovem ao vê-los na rua. Isso quer dizer que muitas pessoas, mesmo sem a
intenção, os ajudam a sustentar o vício.
Um dos companheiros da jovem
tem 17 anos. Ele saiu de casa há pouco mais de um ano. Motivo, drogas.
Um dia pegou dinheiro de um conhecido para comprar crack e não
voltou nem com o dinheiro, nem
com a droga. Foi jurado de morte e,
por isso, nunca mais colocou os pés
no bairro Bom Jesus. Encontrou nas
ruas, a segurança que não teve ao permanecer em sua casa.
Enquanto a falante Margarete
narrava suas aventuras, uma menina
franzida, com corpo de criança e cabelos despenteados se aproxima.
Chega calada, segurando duas garrafas de 600 ml com um líquido no
fundo de cada uma. Entrega uma
para Margarete e outra para o jovem.
Começa uma discussão sobre qual
garrafa contém mais substância. Enquanto não é feita a comparação,
Margarete não sossega. É loló. Ambos não se incomodam com a presença de outras pessoas, muito menos com a luz do dia. Continuam a
cheirar a droga sem parar. Uma delas
tem 16 anos e está grávida de dois
meses. Encontra-se na rua há três
semanas. Ela não confirma, mas segundo o rapaz de 17, a razão para
estar na rua, é ele. Como não pode
voltar para casa, ela foi viver com ele
na via pública. É melhor morar na
rua do que em casa”, alega a jovem.
A difícil convivência com os vizinhos da calçada
Cerca de 20 pessoas formam o
grupo de excluídos sociais que costuma ficar na rua Venâncio Aires e
imediações. À noite, eles se juntam
e dormem em frente à loja de uma
grande rede de celulares ou diante
do prédio de uma farmácia. “O
problema é que a farmácia funciona 24 horas e eles querem dormir
aqui na frente. As pessoas que chegam para comprar algum produto
ficam com medo, apesar de não serem agressivos, de não serem ladrões, são apenas pessoas pobres.
Mas as pessoas têm medo e acabam não entrando na loja”, queixa-se Cláudio Silveira, gerente do
estabelecimento.
O comerciante da Cidade Baixa
também reclama da sujeira deixada
após a passagem das organizações
que levam comida. “O pessoal que
traz comida, apesar de querer ajudar,
atrapalha porque eles não querem comida. Simplesmente depois que eles
vão embora, atiram tudo o que ganham pela calçada. Dispensam tudo,
porque sabem que outra ONG vai
passar no dia seguinte e dar mais”,
revela. Um funcionário que trabalha
na farmácia ofereceu, certa vez, moradia a um sem-teto. Deu um quarto
dentro de, deu comida e emprego.
Nem dois meses depois e sem-teto
voltou para a rua, segundo ele, para
cheirar loló.
Durante o dia, o grupo se separa. Procuram trocar de lugar por cau-
sa da Brigada Militar, que os obriga a
tirar as bugigangas de frente dos estabelecimentos e do Pronto Socorro.
“A polícia bate na gente, querem tirar
a gente a força. Alguns pedem licença, outros chegam batendo. Todo o
dia eles correm a gente. Eles não têm
pena”, afirma uma das adolescentes.
Carregam com eles dois carrinhos
de compras e três cachorros: Negão,
Doninha e Mimosa. Nos carrinhos estão panelas, cobertores e latinhas que
juntam dos lixos e do chão para vender. Eles contam que duas ONGs,
Pandeco e Deus e Amor, se revezam
na distribuição de sopão, roupas e
cobertores. O dinheiro que entra vem
de esmolas e da venda de latinhas.
Segundo um dos meninos, é possí-
vel ganhar em um único dia R$ 20,00
pedindo nas sinaleiras. Dos
recicláveis recebem muito pouco, apenas R$3,00 por quilo.
Um restaurante próximo oferece
todos os dias um pote grande com
comida que sobrou do bufê de almoço. “Eles não incomodam. Só algumas vezes passa um deles bêbado
e começa a pedir esmola aqui na frente, mas pedimos para sair e somos
sempre atendidos”, diz José Adair
de Abreu, recepcionista do Prato Verde, o restaurante que doa comida para
os sem-teto.
Eudes Pioner, taxista há 15 anos,
explica que há várias turmas e o maior problema é a sujeira, porque carregam muito lixo de um lado para
outro. “Por onde passam, deixam
um rastro, parece um lixão”, reclama
o taxista.
Em estudo realizado na década
de 90 pela Fundação de Educação
Social e Comunitária (FESC), da Prefeitura, em parceria com a Faculdade
de Serviço Social da PUCRS, foi constatada a existência de um número de
222 moradores de rua, maiores de
14 anos, em Porto Alegre. O estudo
aponta as principais causas: problemas de relacionamento familiar
(28,8%) e a dependência de álcool e
drogas (22,5%). “A vida deles é uma
vida de sobrevivência, enquanto houver droga, um prazer mínimo, continuam na rua”, observa o psicanalista Walton Pontes Carpes.
12
PONT
O
TO
FINAL
ELISA VIALI
Porto Alegre, junho de 2006
HIPERTEXTO
TATIANA FELDENS
Tango: melancolia
e sensualidade
da alma portenha
tas. Porém, são mais tradicionais, com apresentações modestas.
P O R T ATIANA F ELDENS
Um bandoneon soluçante, o toque nostálgico nas cordas apuradas dos violinos e
violoncelos. Ao ritmo da melancolia portenha,
os passos entusiasmados do jovem par anunciam aos presentes um acontecimento: bailarão um tango! O dançarino tira o chapéu inclinado à cabeça e enlaça a parceira na pista de
dança. O show das luzes e da fumaça ajuda a
criar a atmosfera moderna e glamourosa do
espetáculo, direcionando para o palco os olhares atentos dos visitantes. A dançarina, de cabelos presos, rodopia numa saia justa, onde se
abre uma generosa fenda. Ao ritmo que conduz o casal – guiando passos e entusiasmando os demais – soma-se um piano e o
contrabaixo.
Esta cena pode ser presenciada todos os
dias na casa de show para turistas mais famosa
de Buenos Aires, o Señor Tango, com capacidade para 1.800 pessoas. Nas mesas, é possível
ver visitantes dos EUA, da África do Sul, Alemanha e, é claro, do Brasil. Os funcionários do
local aproveitam essa diversidade, a começar
pelo próprio proprietário, Fernando Solera, um
dos mais conhecidos intérpretes de tango
portenho. Acompanhado por músicos e dançarinos, ele cumprimenta os visitantes em todas as línguas, com direito até a piadinhas, principalmente com brasileiros. O gênero popularizado por Carlos Gardel no início do século
20 rendeu clássicos como Mi Buenos Aires Querido, El Dia que me Quieras, Caminito e Adeus
Pampa Mio, todas incluídas no repertório de
Solera durante o show.
Além desta casa, onde o show é mais
acrobático, glorioso e encenado à moda
hollywoodiana, outras “tanguerías”, como são
conhecidos os estabelecimentos desta dança,
podem ser apreciadas em muitos pontos de
Buenos Aires: como na La Ventana, El Viajo
Almacén e Esquina de Gardel, entre outros. Esses lugares também são destinados aos turis-
Fenômeno Cultural
O tango, a mais importante forma de expressão cultural da Argentina, é um fenômeno
completo, com baile, música, canção e poesia,
além de outros ingredientes, como sensualidade, profissionalismo e tradição. É quase impossível passar por Buenos Aires sem ter contato com essa dança. Andando pelo bairro portuário de La Boca, por exemplo, o turista pode
esbarrar com apresentações em via pública. Na
rua Caminito – uma das mais famosas do bairro e que conser va suas construções
multicoloridas, feitas de chapas de zinco ou
restos de madeiras, que lembram os prédios
do Pelourinho, na Bahia – é possível ver casais
dançando esse ritmo, surgido no século XIX.
Para Ricardo García Blaya, argentino que
estuda a história da dança, “o tango é, em primeiro lugar, um gênero musical essencialmente bailável, com um ritmo e uma estrutura que
o distingue de todos os outros gêneros musicais”. Como toda canção nova, recebeu as influências do contexto sócio-cultural do final
do século XIX, que acompanhou parte da evolução da dança. O marco social, onde nasceu o
tango, é Buenos Aires de 1880, uma cidade
com enorme crescimento demográfico sustentado pela imigração, fato importante para compreender o surgimento desta dança.
“A cidade tinha em 1880 uma população
de 210 mil habitantes e uma importante imigração européia. Em 1910, cresce a 1,2 milhão
de habitantes”, com presença maciça de europeus, vindos principalmente da Alemanha,
Espanha, Itália e França. A música e a dança
foram, assim, “contaminadas” por outros gêneros musicais trazidos por esses estrangeiros,
tais como a habanera, ritmo de origem afrocubana, e a milonga, um canto e dança de
Andaluzia (Espanha), que no fim do século
XIX fez sucesso na capital argentina.
Ele nasceu nos bordéis do submundo
TATIANA FELDENS
Corpo e alma: bailado em via pública
O tango esteve associado no princípio aos
bordéis e cabarés do subúrbio de Buenos Aires
– âmbito de contenção da população imigrante masculina. Segundo Julian Beszkin, estudante de artes na Universidad de Buenos Aires,
o tango não era bem visto em casas de família
e se destinava apenas às mulheres prostitutas e
aos homens. Com o passar do tempo, a dança
deixou as zonas baixas e se estendeu aos bairros proletários, passando a ser aceita pelas famílias. A melodia provinha da flauta, violino
e violão. As letras abordavam temas da vida e
eram obscenas e melancólicas. “Falam sobre
cocaína e a vida de traições”, conta Beszkin.
Para Voltaire Schilling, historiador gaúcho,
“é a lírica de vidas destroçadas por traições e
falsidades, desilusões e crimes. Mulheres pérfidas e amigos tramposos são o sal da
dramaturgia tanguista: ‘Mi china fue malvada,
mi amigo era un sotreta’. É a estética de um
mundo canalha e ressentido”, avalia.
Señor Tango: a casa de shows mais famosa de Buenos Aires
UM FRANCÊS COM CARA DE ARGENTINO
Além de ter sido o inventor do tangocanção, Charles Romuald Gardès, mais conhecido como Carlos Gardel, foi o grande
divulgador do ritmo no exterior na década
de 20. O sucesso da dança no Velho Mundo
refletiu dentro do país, principalmente na
classe alta, que antes refutava o ritmo, mas
que agora passava a incorporar a dança. Falecido em 1935, aos 45 anos, vítima de um
acidente aéreo em Medellín, na Colômbia,
Gardel foi intérprete, compositor e ator de
inúmeras canções e musicais. Com ele, o rit-
mo portenho ganhou uma faceta mais romântica e deu a volta ao mundo.
Nascido na França, em 1890, chegou a
Buenos Aires com sua mãe quando tinha
apenas dois anos. Começou a cantar por volta
dos 17 anos e aos 25 já era popular em toda
a América espanhola. 1927 foi o ano de sua
consagração na Europa, alcançando grande
sucesso em Paris. Logo vieram os EUA e o
sucesso no cinema. Lá, nos estúdios da
Paramount, em Nova York, atuou em vários filmes que fizeram grande sucesso.

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