calçando um sapato de salto: um estudo da recepção de temas

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calçando um sapato de salto: um estudo da recepção de temas
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Universidade Federal de Campina Grande
Unidade Acadêmica de Letras
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino
CALÇANDO UM SAPATO DE SALTO: UM ESTUDO DA RECEPÇÃO DE
TEMAS POLÊMICOS POR JOVENS LEITORES
Jemima Stetner Almeida Ferreira Bortoluzi
Campina Grande, fevereiro de 2013
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Jemima Stetner Almeida Ferreira Bortoluzi
CALÇANDO UM SAPATO DE SALTO: UM ESTUDO DA RECEPÇÃO DE
TEMAS POLÊMICOS POR JOVENS LEITORES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Linguagem e Ensino (Mestrado), no Centro de
Humanidades, da Universidade Federal de Campina
Grande, como requisito para obtenção do grau de Mestre,
na área de concentração “Literatura e Ensino”.
Orientador: Profª. Drª. Márcia Tavares Silva
Campina Grande, fevereiro de 2013
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Jemima Stetner Almeida Ferreira Bortoluzi
CALÇANDO UM SAPATO DE SALTO: UM ESTUDO DA RECEPÇÃO DE
TEMAS POLÊMICOS POR JOVENS LEITORES
Trabalho dissertativo apresentado como requisito para a
obtenção do título de mestre em Letras da Universidade
Federal de Campina Grande.
Aprovado em 15 de março de 2013
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DEDICATÓRIA
Para crianças das quais a infância foi roubada. Para
adultos que, de alguma maneira, lutam contra a maldade
que há no mundo. Para aquela leitura que, se não cura,
sempre ajuda a purgar aquilo que nos assusta.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, que, apesar de mim, parece ser meu amigo.
Agradeço ao meu marido, Eugênio, por tantos motivos que ele sozinho ganharia toda esta página de
agradecimentos. Sua ternura e bom humor, somados ao seu senso invejável de responsabilidade e
capacidade de sempre me desafiar, sem dúvida me trouxeram lúcida até aqui. E sempre me levarão
adiante.
Agradeço a mainha, com sua voz rouca, gasta por anos de docência, que sempre me anima com suas
orações e carinhos.
Agradeço às minhas irmãs, Priscila e Sara, por me ajudarem a mudar de assunto quando eu só queria
falar de mestrado-pesquisa-sala-de-aula.
Agradeço a minha orientadora, Márcia, pelo tanto que contribuiu com a construção deste trabalho. Ela
que sempre parecia animada com minhas leituras e descobertas e, com sua calma e leveza, me
manteve tranquila em momentos de tensão.
Agradeço a todos os amigos, por ouvirem meus dramas e choramingos, por me ajudarem a ver
possibilidades e caminhos para o meu trabalho que eu sozinha não consegui enxergar, por me
indicarem leituras e por terem compartilhado risadas comigo durante este percurso.
Obrigado, pessoal.
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A leitura é uma provocação, nunca um recado.
Eliana Yunes
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RESUMO
Pensando na importância de se congregar em trabalhos de pesquisa acadêmica a literatura tanto em
seu aspecto estético como também em sua dimensão social, surgiu o desejo de realizarmos este
trabalho. Nele, trabalhamos com a literatura juvenil em contexto escolar, realizando uma pesquisa que
investigou questões concernentes aos livros juvenis que tratam de temas considerados polêmicos pela
escola. Assim, elegemos Sapato de Salto (2006), de Lygia Bojunga, como nosso objeto de estudo, que
teve como objetivo geral descrever e analisar a sua recepção entre alunos do 2º ano do ensino médio
de uma escola da rede particular de ensino da cidade de Campina Grande - PB, observando como os
temas polêmicos nela abordados foram compreendidos e reelaborados por tais leitores. A coleta de
dados se deu por meio de encontros para leitura e discussão da obra analisada, registrados através de
Diários de Leitura produzidos pelos sujeitos envolvidos na pesquisa. Neste percurso, nortearam-nos
concepções teóricas sobre literatura (CANDIDO, 1974; 2000), literatura juvenil (COELHO, 1985;
LAJOLO & ZILBERMAN, 1994; MAGALHÃES & ZILBERMAN, 1987; MEIRELLES, 1979) e leitor
(AGUIAR & BORDINI, 1993; COLOMER, 2007), Estética da Recepção (JAUSS, 1994; ZILBERMAN,
1989) e Teoria do Efeito Estético (ISER, 1996), com auxílio da Sociologia da Leitura (LAFARGE &
SEGRÉ, 2010), da crítica temática (AMORA, 2006), da sociocrítica (COUTINHO, 2008) e de algumas
ideias acerca do romance contemporâneo. Levando em conta, primordialmente, o cuidadoso trabalho
artístico de Bojunga e não negligenciando a importância de uma boa mediação no trabalho com seu
texto em sala de aula, podemos confirmar ao fim de nossa investigação o potencial que a obra
pesquisada possui de provocar no leitor a elaboração de novas ideias ou comportamentos frente a
situações difíceis e dolorosas, levando-nos a compreender ainda o modo específico como cada leitor
relacionou-se com a leitura, a partir de seus horizontes de expectativas.
Palavras-chave: Ensino de Literatura. Lygia Bojunga Nunes. Estética da Recepção. Temas Polêmicos.
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ABSTRACT
Glimpsing the importance of bringing together the literature, both in its aesthetic appeal but also in its
social dimension, into the academic research, came the desire to accomplish this work. In it, we work
with juvenile literature in schools, conducting a research that investigated issues in children's books that
deal with controversial topics considered by the school. Thus, we elected Sapato de Salto (2006),
written by Lygia Bojunga, as our object of study, which aimed to describe and analyze their reception
among students of 2nd year of high school at a private school in the city of Campina Grande - PB,
noting how the controversial issues were understood and reworked by such readers. Data collection
took place through meetings for reading and discussion of the examined book, recorded by daily
reading journals produced by the subjects involved in the research. In this journey, we was guided by
theoretical conceptions about literature (CANDIDO, 1974, 2000), juvenile literature (COELHO, 1985;
LAJOLO & ZILBERMAN, 1994; MAGALHÃES & ZILBERMAN, 1987; MEIRELLES, 1979) and readers
(Aguiar & BORDINI, 1993; COLOMER, 2007), Aesthetics of Reception (Jauss, 1994; ZILBERMAN,
1989) and Theory of the Aesthetic Effect (ISER, 1996), with the aid of Reading Sociology (LAFARGE &
Segre, 2010), the critic topics (AMORA, 2006), the social critic (Coutinho, 2008) and some ideas about
the contemporary novel. Taking into account primarily the careful in the Bojunga’s artwork and not
neglecting the importance of a good mediation work with your text analysis in the classroom, we can
confirm in the end of our investigation the potential in the analised book to provoking the reader to
development new ideas or behaviors in difficult and painful situations, leading us to further understand
the specific way each reader was related to reading from their horizons of expectations.
Keywords: Teaching Literature. Lygia Bojunga Nunes. Aesthetics of Reception. Controversial topics.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................
09
1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS ................................................................................................... 13
1.1 Percorrendo caminhos entre literatura e leitor ....................................................................... 13
1.2 Nas trilhas da literatura juvenil ...................................................................................
19
2 NAS TRAMAS DA EXPERIÊNCIA ........................................................................................... 23
2.1 Características e organização da pesquisa ........................................................................... 23
2.2 Instrumentos de coleta de dados ........................................................................................... 27
2.3 Análise do questionário .........................................................................................................
28
3 NO ENCALÇO DE UM SAPATO DE SALTO ..........................................................................
33
3.1 Calçando um sapato de salto: breve análise da obra ............................................................ 33
3.2 Análise da experiência ........................................................................................................... 46
3.2.1
Primeiras leituras – encontro 1 .......................................................................................
46
3.2.2
Um jogo de revela e esconde – encontro 2 ....................................................................
51
3.2.3
Mais uma vez, o olhar narrador – encontro 3 .................................................................
58
3.2.4
Um mar de informações – encontro 4 ............................................................................. 66
3.2.5
Descobrindo-se – encontro 5 ..........................................................................................
74
3.2.6
Ouvindo opiniões – encontro 6 .......................................................................................
77
3.2.7
O olhar do leitor – encontro 7 .......................................................................................... 81
3.2.8
“Expressões” – encontro 8 ..............................................................................................
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................... 89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 94
APÊNDICES ................................................................................................................................
97
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INTRODUÇÃO
Muitos trabalhos já foram escritos sobre obras de Lygia Bojunga Nunes, autora que se
consagrou na literatura por suas obras infanto-juvenis, caracterizadas pelo extraordinário
trabalho com o fantástico, pelo recorrente cultivo do imaginário, pela riqueza de simbologias,
e, principalmente, por seu alto teor de inventividade e de renovação. Todavia, a grande
maioria destes estudos tem se voltado para a análise e apreciação crítica das obras, sendo
poucos aqueles que, sem deixar de lado esta importante etapa de pesquisa, importaram-se em
olhar para o leitor, personagem principal das teorias contemporâneas sobre leitura.
O fato é que por um longo período os estudos literários estiveram focados nas
preocupações com o autor e com o texto, mas, a partir do século XX, com o advento da
Sociologia da Leitura e da Estética da Recepção, a leitura e o leitor passaram a receber um
lugar de destaque para a compreensão do fenômeno literário, sendo desde então concebidos
como umas das dimensões constitutivas do texto.
E foi pensando especificamente nesta dimensão que surgiu o desejo de realizarmos
este trabalho, da percepção da importância de se congregar em trabalhos de pesquisa
acadêmica a literatura tanto em seu aspecto estético, que a constitui enquanto obra de arte,
como também em sua dimensão social, que a transforma em objeto de ensino/aprendizagem.
É importante ressaltar que quando nos referimos assim à literatura, não pretendemos
enquadrá-la em uma categoria de instrumento, de recurso paradidático, mas concebê-la como
um expediente possível de formação leitora e cidadã.
Partindo destas percepções, escolhemos trabalhar com a literatura juvenil em contexto
escolar. Esta que desde a sua criação vem sendo alimentada por várias fontes, sendo muitos os
olhares que a determinaram e ainda a determinam e muitas as transformações sofridas até
chegarmos a sua forma mais contemporânea, em que as perspectivas maniqueístas usuais
cedem lugar a uma participação mais protagonista do jovem leitor, inserido em uma realidade
submetida à crítica e a intervenção.
Assim, adentrando ainda mais neste universo, nos propusemos a realizar uma pesquisa
que investigasse questões concernentes aos livros juvenis que tratam de temas considerados
polêmicos pela escola, como estupro, pedofilia e homossexualidade. Para esta pesquisa
entendemos temas polêmicos como assuntos ou tópicos considerados melindrosos ou
ofensivos e que suscitam opiniões divergentes ou controversas sendo, em geral, alvos de
altercações.
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A importância da escolha deste tema se explica ainda pela insuficiência de estudos que
trabalhem especificamente com o leitor a quem estas obras se destinam, estudos que estejam
voltados para aspectos sociológicos atrelados à Estética da Recepção.
O que ocorre é que durante muito tempo a literatura para jovens e crianças foi vista
como algo utilitário, servindo ao pedagogismo, em detrimento do estético. Lia-se para
aprender algo, para apresentar “valores e normas do mundo adulto [e] transmiti-los às
crianças” (MAGALHÃES; ZILBERMAN, 1987, p.100). Personagens dóceis, obedientes e
gentis recheavam histórias em que o bem sempre vencia o mal e o transgressor sempre era
punido. Mas transformações sociais e ideológicas promoveram uma ruptura desses valores.
Avanços nos campos da Pedagogia e da Psicologia trouxeram novos olhares sobre as
concepções de infância e juventude, o que contribuiu significativamente para que o
utilitarismo tão arraigado a esta literatura cedesse espaço à emancipação do sujeito infantil,
que passou a integrar grande parte das obras produzidas em nosso século.
Essa emancipação provocou a inserção na literatura voltada para crianças e jovens de
temas que, até então, eram considerados inadequados ou até mesmo proibidos para esse
público. Em 1979, no livro Problemas da Literatura Infantil, Cecília Meireles já afirmava não
haver mais separação entre o mundo dos adultos e o das crianças, dizendo: “Acabou-se o
tempo em que os parentes interrompiam a conversa na presença de uma criança, quando a
julgavam indiscreta aos seus ouvidos. Todos os fatos se comentam em voz alta, com a mais
rude linguagem e as mais arriscadas conclusões” (p. 104). Para a autora, a literatura infantojuvenil não é simplesmente aquela que se destina a crianças e jovens, mas a que os agrada,
pois muitas vezes os escritos a eles dirigidos ignoram o fato de seu público ser muito mais
perspicaz e poético do que se imagina. Por isso, afirma ainda Meireles nesta mesma obra,
em lugar de se classificar e julgar o livro [infanto-juvenil] como habitualmente se
faz, pelo critério comum da opinião dos adultos, [seria] mais acertado submetê-lo ao
uso – não estou dizendo à crítica – da criança [e do jovem], que, afinal, sendo a
pessoa diretamente interessada por essa leitura, manifestará pela sua preferência, se
ela a satisfaz ou não. (p. 27)
Este trabalho justifica-se, então, não apenas pela preocupação em realizar uma
pesquisa voltada para a investigação da recepção de uma interessante obra do universo da
literatura juvenil, mas também por buscar analisar o efeito estético provocado neste leitor
quando se depara com temas tidos como polêmicos, podendo, desta forma refletir sobre a
fluidez que se percebe atualmente entre os limites do universo adulto e do universo juvenil em
nossa sociedade.
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Na esteira deste pensamento ressaltamos ainda que, sendo a literatura infanto-juvenil
construída enquanto gênero por meio do destinatário especial que possui, assumindo um papel
de ampliar o horizonte do leitor e nele suscitar sentimentos críticos por meio de personagens
com os quais o leitor se identifique (MAGALHÃES; ZILBERMAN, 1987), poderemos ainda
investigar se a literatura destinada para jovens tem ultrapassado algum limite que precisa ser
conservado em função do destinatário de suas obras, ou se foram os próprios destinatários que
mudaram, alterando sua maneira de ver o mundo e o modo de se relacionarem com ele, tendo
as obras apenas acompanhado essas transformações, agora refletidas nos assuntos de que
tratam.
Pensamos incialmente que, sendo a literatura uma forma de comunicação, ela deve ser
estendida a todos igualmente. Porém, faz-se necessário o respeito à sensibilidade dos seus
leitores adolescentes, ainda quando se deseje propiciar a eles alguma compreensão da
complexidade da condição humana. Deste modo, obras que tratem da violência, da morte, do
mal e da sexualidade não devem ser condenadas e fadadas ao esquecimento. Havendo nelas
qualidade estética e uma boa dose de bom senso e respeito às especificidades de seus leitores,
que motivos teriam as escolas para não trazê-las para as suas salas de aula?
Em resposta a este questionamento nos deparamos com motivos que vão desde
resquícios de uma censura que ainda circula subterrânea em nossa sociedade, passando por
razões políticas e religiosas e desembocando em fatores éticos e psicológicos. Quem diz que
este ou aquele tema é ou não polêmico? Por que alguns temas permanecem polêmicos ao
longo da história? Estas foram algumas das perguntas que nos guiaram no decorrer desta
pesquisa e que, ainda que não esvaziadas em razão de sua complexidade e abrangência, foram
sendo respondidas neste percurso.
Assim, buscamos investigar como poderia ser realizado o trabalho com a literatura em
sala de aula quando esta trata de temas polêmicos, levantando questões acerca do que impede
ou dificulta este trabalho e ainda de que modo alunos-leitores juvenis recebem este tipo de
leitura. Para alcançarmos as respostas procuradas propusemo-nos a realizar um movimento
investigativo no qual analisamos a recepção de uma obra destinada ao público juvenil que traz
em seu bojo temáticas duras e controversas.
Assim elegemos Sapato de Salto (2006), de Lygia Bojunga, como objeto de estudo
desse trabalho, tendo como objetivo geral descrever e analisar a sua recepção entre leitores do
ensino médio, observando como os temas polêmicos por ela abordados foram compreendidos
e reelaborados por tais leitores.
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Nesta busca realizamos inicialmente uma análise da obra, atentando para de que modo
os temas nela presentes adquiriam sentido mediante a observância das conexões que
estabeleciam entre si e da consciência que expressavam. Observamos ainda como se deu a
recepção da obra pelo leitor em formação, apoiados basicamente na percepção dos
movimentos de estranhamento e identificação destes ante a experiência com a obra.
Estamos bem cientes de que não cabe à literatura preparar crianças e adolescentes para
lidar com a vida. No entanto, sendo a literatura uma experiência essencial de comunicação,
pode-se abordar por meio dela toda espécie de experiência humana, inclusive as negativas.
Desta forma, disponibilizar ao leitor juvenil o acesso a bons textos literários que
problematizem a realidade pode ser mais que uma maneira de desenvolver bons leitores, mas
um meio de auxiliá-los na construção de criticidade, na aquisição de novos conhecimentos e
mediar, em alguma medida, a promoção cidadania e a diminuição de muitos preconceitos.
Isto porque sabemos o quanto é importante que o ensino vá além da descrição e
busque formar nos alunos as capacidades de analisar, explicar, prever e intervir, permitindo,
assim, uma compreensão mais ampla da realidade e facilitando um desenvolvimento
intelectual, social e afetivo mais completo e integrado. (Resolução CEB/CNE nº 3/98).
Neste percurso, nortearam-nos concepções teóricas sobre literatura, literatura juvenil e
leitor, Estética da Recepção e Teoria do Efeito, com auxílio da Sociologia da Leitura, da
crítica temática, da sociocrítica e de algumas ideias acerca do romance contemporâneo.
Levando em conta, primordialmente, o cuidadoso trabalho artístico de Bojunga e não
negligenciando a importância de uma boa mediação no trabalho com seu texto em sala de
aula, podemos confirmar ao fim de nossa investigação o potencial que a obra pesquisada
possui de provocar no leitor a elaboração de novas ideias ou comportamentos frente a
situações difíceis e dolorosas, levando-nos a compreender ainda o modo específico como cada
leitor relacionou-se com a leitura, a partir de seus horizontes de expectativas.
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1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS
1.1 PERCORRENDO CAMINHOS ENTRE LITERATURA E LEITOR
Ao falarmos em “abismos” ou vazios significativos em obras literárias, em construção
de “pontes de sentidos” ou preenchimento de vazios pelo leitor, que o faz a partir de seu
horizonte de expectativas, constituído por seus conhecimentos de mundo, crenças pessoais e
diretamente influenciado por suas instâncias mediadoras, revelamos muitas das concepções
teóricas de que nos valemos na fundamentação desta pesquisa.
Para afirmarmos que estes elementos subjazem nos processos de produção, leitura,
compreensão e apreciação de uma obra literária foi preciso que, para além da curiosidade
ingênua que já nos impulsionava na direção dos estudos recepcionais, fôssemos à busca de
conhecimentos epistemológicos mais amadurecidos, conhecimentos estes que nos auxiliaram
na elaboração de procedimentos metodológicos eficazes e na compreensão de mecanismos
recepcionais envolvidos no ato de ler literatura. Assim, recolhendo aportes dos estudos
recepcionais, da teoria do efeito estético, da formação de leitores e da sociologia da leitura,
criamos uma lente caleidoscópica que nos permitiu escrutinar nosso objeto de pesquisa de um
modo peculiar e proveitoso.
Inicialmente, importa traçar algumas definições mínimas do que venha a ser o texto
literário, discussão ampla e complexa, que não será esgotada nesse estudo. Todavia, não
haveria melhor ponto de partida em uma fundamentação teórica de uma pesquisa que tem por
objeto uma obra literária que o de estabelecer seus traços característicos. Segundo Amora
(2006. p. 53), a literatura se caracteriza pelo seu conteúdo, que é intuitivo e individual, e pela
sua forma, produto da criatividade expressiva do artista.
Cândido (1974), por sua vez, afirma ser a literatura uma simbolização da cultura,
possuindo uma força humanizadora capaz de atuar na formação do homem. Por meio dela
podem ser desvelados sentidos da realidade que nos cerca, podemos ter contato com as
grandes tensões do pensamento humano e satisfazer algumas de nossas necessidades mais
profundas. Dessa forma, o fantástico passa a constituir um meio de acesso ao real que,
mobilizado literariamente no texto, cria a ficção, “instância específica que faz com que o
imaginário seja acessível para além do seu uso pragmático” (ISER, 1996, p. 47).
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Diz ainda Cândido (1974) que a literatura nos organiza ao dar forma a muitos de
nossos sentimentos e ampliar a nossa visão de mundo. Ela nos educa para a liberdade e para a
criatividade e nos humaniza por meio do afinamento das nossas emoções, podendo conduzirnos ao exercício da reflexão e à aquisição de saberes.
A literatura, contribuindo para formar a língua, também cria identidade e comunidade,
mantendo-a em exercício enquanto patrimônio coletivo. Além disso, ela mantém em exercício
a nossa língua individual, uma vez que a leitura das obras literárias nos obriga a um exercício
de liberdade e respeito na construção de suas interpretações possíveis no instante em que nos
propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos coloca diante das ambiguidades da
linguagem e da vida.
Podemos afirmar também que um dos fatores de maior importância para o estudo da
literatura reside no fato de que os sentidos possíveis do texto literário são numerosos e não
unívocos. Esta pluralidade de sentidos, por sua vez, deve ser encarada com naturalidade,
asseverando que o potencial irresistível da literatura reside nos abismos que ela cria, para que
o leitor possa construir as suas pontes de sentido e emancipar-se, sendo exatamente esta
emancipação a “finalidade e efeito alcançado pela arte, que libera seu destinatário das
percepções usuais e lhe confere nova visão da realidade” (ZILBERMAN, 1989, p. 50).
Exposta a nossa concepção de texto literário, passamos a olhar para o leitor, que em
nossa pesquisa recebe o foco das atenções. Mesmo que há muito ele venha recebendo atenção
no processo da análise e crítica literária, foi só no século XX que surgiram as teorias de
recepção propriamente ditas, que possuem como interesse principal a resposta do público às
obras literárias.
A linha de pensamento dos críticos das teorias de recepção caracteriza-se
essencialmente pela proclamação do direito do leitor a um lugar de destaque no processo
literário. Tais teorias, portanto, dão ao leitor o direito de fundir a sua própria integridade com
a obra que lê, fazendo dela um resultado da fusão da sua consciência com a da obra. Assim,
afirma-se que o texto não tem um sentido intrínseco, e sim um que o leitor constrói quando
faz uso das suas capacidades para dar corpo aos sentidos potenciais do texto e para preencher
seus espaços vazios.
Se o leitor é o agente concretizador do processo literário, será lícito acreditar que o
sentido é construído exclusivamente por ele? Alguns críticos, a exemplo de Roland Barthes
(2002), defendem que o sentido residiria no texto, cabendo ao leitor descobri-lo; outros, a
exemplo dos críticos da desconstrução, acreditam que não existiria um único sentido,
competindo ao leitor resignar-se a especular sobre os sentidos possíveis de um texto; outros
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ainda, como Wolfgang Iser (1996), afirmam que o sentido seria em parte fornecido pelo texto
e em parte construído pelo leitor, havendo também aqueles, como Stanley Fish (1982), que
defendem que o sentido seria construído unicamente pelo leitor, que reescreveria o texto
enquanto o lesse.
É importante ressaltarmos o trabalho deste último teórico que, apesar de seu
radicalismo, trouxe muitas contribuições para as teorias recepcionais. Afirma Stanley Fish
(1982, p.28) que “a literatura é o produto de um modo de ler, de um acordo comunitário
acerca daquilo que deverá contar como literatura, que leva os membros da comunidade a
prestar um certo tipo de atenção ao criarem literatura”. Sendo assim, o “modo de ler” não é
fixo, mas varia ao longo dos tempos.
Mas como explicar, então, o caso de vários leitores efetuarem a mesma leitura de um
determinado texto? Essa coincidência, segundo Fish, se deveria ao fato de estes pertencerem à
mesma comunidade interpretativa, compreendendo-se por isto o ponto de interseção a partir
do qual se constrói certa estabilidade significativa, no momento em que os indivíduos ali
agrupados partilham regras e estratégias de leitura que emolduram a aceitabilidade
interpretativa e que permitem a comunicabilidade, o intercâmbio e a coincidência de
interpretações.
A partir de tais reflexões podemos concluir que os sentidos de um texto não são
construídos exclusivamente nem pelos próprios textos, que deixam de ser percebidos como
fixos e estáveis, nem apenas pelos leitores, desmistificados em sua liberdade e independência
ilimitadas, mas em comunidades interpretativas, sobre as quais repousaria a responsabilidade
tanto pela conformação das atividades do leitor, como pelos sentidos que essas atividades
produziriam. Sendo assim, a atividade interpretativa passa a ser compreendida como um jogo
no qual tomam parte indivíduos institucionalizados, compartilhando regras que, apesar de
dinâmicas, definem o que é admissível ou não dentro daquele grupo, em uma determinada
conjuntura histórica e sociocultural.
Na esteira deste pensamento, temos o teórico alemão Hans Robert Jauss (1994) que,
numa perspectiva claramente histórica, defende uma crítica centrada no estabelecimento de
relações entre a recepção que uma obra teve no passado e a que tem no presente. Ele afirma
que “a forma como uma obra literária, no momento histórico da sua apresentação, satisfaz,
ultrapassa, desilude ou refuta as expectativas do público proporciona, obviamente, um critério
para a avaliação do seu valor estético” (JAUSS, 1994, p. 28). Tal perspectiva rechaça a
limitação da soberania do leitor na estética marxista, que ali aparece restringido à posição
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social que se lhe determina, e contraria a premissa formalista que “apenas necessita do leitor
como sujeito da percepção” (JAUSS, 1994, p.55-56).
A proposta de Jauss para uma estética da recepção percebe o leitor menos como um
tradutor-intérprete de um sentido que estaria a priori no texto, e mais como um agente
criativo, que pode atuar sobre esse sentido, modificando-o. Assim, o leitor ganha importância
no tocante às deliberações do sentido de um texto, movendo-se para além do que afirmava a
tradição, para a qual este apenas apreenderia o texto como uma entidade em cuja natureza já
existiria um sentido único e predeterminado, cabendo-lhe apenas a tarefa de identificá-lo.
Somando-se ao que já foi dito, acrescentamos a Teoria do Efeito Estético, de
Wolfgang Iser (1996, p. 59), que se preocupou com o “modo de existência da obra literária,
na medida em que ela não é nem puro sujeito nem puro objeto”. Para Iser, a obra literária é
consolidada pelo leitor enquanto objeto estético, uma vez que é ele quem preenche os seus
espaços em branco. Mas tal concretização de sentido não é totalmente livre e independente ou
completamente subjetiva. Antes, se dá de acordo com os condicionamentos que o próprio
texto impõe. Iser vai então considerar o ato de ler como o processo de tentar imobilizar a
estrutura oscilante do texto, convertendo-a a um sentido particular.
Um dos conceitos mais importantes deste teórico é o de horizonte de expectativas, que
consiste basicamente no modo como nos situamos e apreendemos o mundo a partir de um
ponto de vista subjetivo. Segundo esta concepção, nossas leituras seguirão a esteira da visão
que temos do mundo. Com isto, pretende-se dizer que ao interpretarmos um determinado
texto, possuímos anteriormente um conjunto de crenças, de princípios assimilados e ideias
aprendidas que limitam desde logo a liberdade total do ato interpretativo. Quando lemos um
texto literário, o nosso horizonte de expectativas atua como a nossa memória literária feita de
todas as leituras e aquisições culturais realizadas em nosso percurso leitor.
A compreensão se daria, portanto, a partir da fusão do nosso horizonte individual com
o horizonte do outro, daqueles que pertencem a uma comunidade interpretativa na qual
estejamos inseridos, e ainda da fusão de horizontes do presente (do intérprete, em contexto de
recepção) com o horizonte do passado (inscrito no texto e pertencente ao seu contexto de
produção). Esta síntese de horizontes, diz Iser, seria o impulsor da interpretação:
Uma obra não se apresenta nunca, nem mesmo no momento em que aparece, como
uma absoluta novidade, num vácuo de informação, predispondo antes o seu público
para uma forma bem determinada de recepção, através de informações, sinais mais
ou menos manifestos, indícios familiares ou referências implícitas. Ela evoca obras
já lidas, coloca o leitor numa determinada situação emocional, cria, logo desde o
início, expectativas a respeito do ‘meio e do fim’ da obra que, com o decorrer da
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leitura, podem ser conservadas ou alteradas, reorientadas ou ainda ironicamente
desrespeitadas, segundo determinadas regras de jogo relativamente ao género ou ao
tipo de texto. (ISER, 1996, pp.66-67).
Destarte, concluímos que por efeito entende-se o momento condicionado pelo texto,
enquanto a recepção seria o momento condicionado pelo destinatário, o leitor. O sentido se
realiza, pois, na junção desses dois momentos – o implicado pela obra e o trazido pelo leitor
de uma determinada sociedade – que, para impulsionar os motores do processo de
significação, procura encadear suas expectativas e experiências diante da aventura que é a
leitura literária.
Pensando ainda sobre efeito estético, e acrescentando alguma medida de historicidade
teórica ao tema, podemos traçar uma relação entre o papel do leitor desde a catarse de
Aristóteles (ARISTÓTELES, 2005) até o preenchimento de vazios defendido por Jauss. O
fato é que a ideia aristotélica sobre o efeito que uma obra literária poderia causar no seu
receptor nos mostra apenas uma das faces do alcance e da compreensão desta experiência
estética, uma vez que, ao considerar a catarse como sendo o efeito mais contundente desta
aproximação, sopesa e descreve a literatura tão somente conforme a reação que esta pode
provocar em seu público. Nesta perspectiva, o efeito libertador produzido pela obra decorreria
simplesmente de sua contemplação, pois toda a significação já residiria pronta e acabada nela
mesma. Com isso, Aristóteles negligencia o caráter receptivo e comunicativo da literatura.
Com efeito, ao conceber a catarse como sendo a reação de um sujeito a um drama,
Aristóteles ratifica de algum modo a importância da recepção para a atribuição do valor de
uma obra, já que a quantidade e a qualidade de catarse passam a ser critérios de avaliação da
obra pelo público. Para Jauss, porém, importa ainda alcançar a compreensão do processo de
produção de sentido, perscrutando como se apreciou e se aprecia uma obra de arte em
momentos diversos de realidades históricas diferentes. Jauss concebe, pois, a atividade
artística como sendo produtora, receptiva e comunicativa. Sendo assim, percebe-se que o
legado aristotélico, que sempre primou pela procura da verdade através da arte, acabou
esquecendo-se do próprio estudo da experiência da arte, e é para essa lacuna que Jauss olha.
Entendemos, pois, que o estudo analítico de uma obra literária mobiliza o
conhecimento tanto em seu nível científico, quanto em sua esfera filosófica (AMORA, 2006,
p. 40). Cientificamente investigam-se os aspectos mais objetivamente observáveis da obra
(como sua estrutura) e do leitor (os seus comportamentos visíveis). No âmbito filosófico
devem ser considerados, dos fatos literários, os analisáveis menos objetivamente, como as
repercussões emocionais acarretadas por uma obra, adquirindo aqui as conclusões do
18
pesquisador um caráter mais especulativo, mas não menos científico. Quando lemos,
processamos em nós “um complexo sistema de reações emotivas, imaginativas e reflexivas”
(AMORA, 2006, p. 60), reações essas sempre muito pessoais, pois cada leitor possui uma
natureza psíquica e uma experiência existencial bastante peculiar. Neste sentido a leitura do
texto literário pode colaborar enormemente para uma educação da sensibilidade e
enriquecimento do espírito daqueles que sobre elas se debruçam.
A recriação de uma obra literária pelo leitor é sempre feita em termos muito pessoais.
Cada um de nós compreende, sente e julga uma obra de acordo com as nossas possibilidades
de compreensão, com a nossa sensibilidade e capacidade crítica. (AMORA, 2006, pp. 122). A
partir disso a obra literária, que “sociologicamente, é um sistema simbólico de comunicação
inter-humana” (CANDIDO, 2000, p. 20) produz naquele que a lê efeitos. O efeito compõe-se,
de acordo com Iser (1996), como uma interação que o polo estético - o do leitor - estabelece
com o polo artístico - o da obra literária. Para Iser, a situação comunicativa é uma junção da
estrutura do texto, isto é, do mundo constituído pelas perspectivas do autor, com a estrutura
do ato, ou seja, do efeito experimentado pelo leitor na construção de sentido. Assim, o leitor é
peça chave nessa teoria, pois é ele que “instrumenta” a obra, partitura criada pelo autor.
Uma obra, uma vez criada, isto é, posta em palavras, orais ou escritas, materializase; materializada, deixa naturalmente de existir como realidade espiritual, que o era
quando estava na mente do artista; mas, tão logo lida, volta a ser, na mente do leitor,
realidade espiritual. Tal fato levou os teóricos da literatura a dizerem que o autor
cria a obra e o leitor a recria. (AMORA, 2006, p. 122)
Sabemos que o texto literário é criação imaginária, e que não possui nenhum
compromisso prioritário com a realidade. Entretanto, não se pode desprezar o fato de este ser
um objeto de linguagem ao qual se associam representações de realidades físicas, sociais e
emocionais. Amora (2006, p. 85) ressalta que “entre o conteúdo de uma obra literária e a
realidade não há uma relação de igualdade, mas, indiscutivelmente, de equivalência”. Por
isso, o texto literário é, simultaneamente, um objeto linguístico e um objeto estético,
constituído por uma dimensão semiótica, que é a sua materialidade linguística, e por outra
semântica, relacionada aos elementos temáticos que o perpassam. Segundo Coutinho (2008, p.
24) “a literatura parte de fatos da vida ou os contém, [...] é uma transfiguração do real, é a
realidade recriada [e] através das obras literárias tomamos contato com a vida”. Neste sentido
a leitura é uma atividade que produz significados, uma vez que os textos são abertos e
entremeados de “não dito”, requerendo do leitor um movimento cooperativo e consciente.
19
Partindo do pressuposto que a literatura, como uma das formas de consciência social,
reflete, transfigura e, ao mesmo tempo, propõe reflexões sobre o mundo e a experiência do
homem – tanto de crianças, como de jovens ou adultos – cremos que a arte, como meio de
comunicação, conta com a ação recíproca do criador e do leitor que, como tal, não
desempenha uma ação meramente receptiva. Da mesma forma que o autor, no momento da
produção, evoca suas vivências e seus conhecimentos sobre a arte para produzi-la, o leitor, ao
recebê-la, passa pelo mesmo processo.
O horizonte de expectativa de cada leitor está permeado por convenções de diferentes
espécies que dependem do lugar social que ele ocupa, de sua educação formal, dos valores
que sitiam o meio onde ele se encontra, da variedade linguística que utiliza e de seus
conhecimentos literários, adquiridos por meio das leituras que tenha realizado
(ZILBERMAN, 1989).
Partindo deste pensamento, acreditamos haver na Sociologia da Leitura outra grande
fonte de contribuição para esse estudo, uma vez que ela investiga os fatores que podem levar
o leitor a determinada leitura, perquirindo possíveis fatores que poderiam influenciar a sua
recepção. Lafarge e Segré (2010) afirmam que por trás da construção do sujeito leitor há uma
série de fatores, sendo as mediações familiares, culturais, religiosas, sociais, políticas e
econômicas primordiais na interposição entre leitor e obra.
Logo, elementos como nível socioeconômico, faixa etária, sexo, grau de escolaridade,
família, escola, amigos e igreja interfeririam nos processos de leitura, podendo influenciar a
recepção de um texto literário. Sendo assim, quanto maior for a relação do sujeito com essas
instâncias de interferência, tanto maior será a influência que elas exercerão em sua
identificação ou estranhamento com a obra lida.
1.2 NAS TRILHAS DA LITERATURA JUVENIL
A fim de reivindicar a autenticidade artística da literatura para jovens é necessário
esboçar bem os limites e eliminar as possíveis formalidades da confusão indiscriminada. A
literatura juvenil, apesar de ter o seu público bem delineado em sua designação, tem suas
raízes lançadas na literatura destinada a adultos. O que a singulariza é a natureza do seu leitor.
Segundo afirma Ana Maria Machado (2001),
20
A literatura – infantil, juvenil, adulta ou senil, esses adjetivos não tem a menor
importância – é constituída por textos que rejeitam o estereótipo. Ler literatura,
livros que levem a um esforço de decifração, além de ser um prazer, é um exercício
de pensar, analisar, criticar. Um ato de resistência cultural. Perguntar “para onde
queremos ir?” e “como?” pressupõe uma recusa do estereótipo e uma aposta na
invenção. Pelo menos, uma certa curiosidade diante de uma opinião que não é
exatamente igual à nossa – e o benefício da dúvida, sem a convicção do monopólio
da verdade. Só a cultura criadora, com sua exuberância pode alimentar
permanentemente essa variedade pujante e nova. (MACHADO, 2001,p. 88)
Com isso é possível afirmarmos que literatura é fenômeno de expressão, linguagem
que expressa uma experiência (a do autor) e também a provoca (no leitor). De semelhante
modo é a literatura juvenil, que se um dia já foi considerada uma literatura menor, vem
progressivamente desvencilhando-se desse estigma.
Revalorizar o próprio discurso da literatura juvenil requer um processo de fusão
estética, que a identifique como literatura sem incidências semânticas restritivas. Deste modo
o jovem poderá seguir apoderando-se das obras-primas que repousam nas estantes adultas e
aquelas obras dedicadas explicitamente a elas, quando verdadeiramente artísticas, serão,
mesmo assim, obras para os adultos. Assim, será cada vez mais percebida uma ausência de
limites qualitativos entre literatura juvenil e literatura.
Para que possamos entender mais claramente o contexto em que a obra escolhida para
ser objeto deste trabalho está inserida, falaremos um pouco acerca da literatura juvenil e
também da infantil, que em diversos aspectos se entrecruzam, e de suas particularidades. Para
isto, importa atentarmos primeiro para o que a categoriza: a própria definição de adolescência,
que não é uma construção homogênea e sem ambiguidades. Ela foi historicamente construída
a partir de um processo de longa duração que lhe atribuiu um estatuto social e que elaborou as
bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na sociedade. Esse processo, para
além de tenso e internamente contraditório, não se esgotou. É continuamente atualizado na
prática social, nas interações entre os jovens e nas interações entre jovens e adultos
(SARMENTO, 2005).
Heywood (2004) considera que a adolescência, na pluralidade das suas configurações,
é circunscrita a um discurso histórico, fruto de variados contextos. Por isso, ao mesmo tempo
em que ela se apresenta como única, como um período da vida que não volta mais, também se
mostra múltipla, marcada pelas diferenças de direitos, de deveres, de acesso a privilégios, de
faltas, de restrições impostas por fatores histórico-social-culturais.
Historiadores da infância, como Zilberman e Ariès, observaram que foi na época pósmedieval que se registrou uma série de mudanças que serviram de base à instituição da noção
de adolescência moderna, entendida como um âmbito da vida social, específico e separado do
21
restante. A sociedade medieval não percebia a existência de uma passagem entre o mundo
infantil e o adulto. No momento em que as crianças eram consideradas capazes de dispensar o
auxílio de suas mães, incorporavam-se ao mundo adulto, a uma existência densa e coletiva
que negava a todos “o tempo da solidão e da intimidade” (ARIÈS, 1986, p. 23).
Foi só a partir do século XVIII que a adolescência começou a ser delineada da maneira
como a concebemos hoje. Percebendo-se que os jovens pensavam e sentiam de maneira
ímpar, surgiu a necessidade de analisá-las a partir de suas peculiaridades, distinguindo-as dos
adultos. Assim afirma Ariès (1986) no tocante a esta distinção:
Passou-se a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso
submetê-la a um regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la
unir-se aos adultos. (ARIÈS, 1986, p. 25)
O acontecimento que marcou essa mudança de perspectiva foi a elevação da educação
à categoria de ferramenta mais importante de moralização e perpetuação da ordem social. O
ensino reorganizou-se para atender à adequada formação da criança e do jovem e fez surgir,
assim, uma literatura específica para esse grupo em idade escolar. A literatura infanto-juvenil
surge, então, sobe a égide do utilitarismo, significando prioritariamente fonte de
aprendizagem e assimilação de valores morais (SOUZA, 1996).
O discurso utilitário para a doutrinação do leitor se perpetuou na literatura infantojuvenil durante muito tempo, acentuando seu veio pragmático e funcional. Porém, essa ideia
de uma literatura ligada à necessidade de ensinar começou a se modificar no final do século
XIX, através do impacto do Romantismo, e o discurso utilitário deixou de ser exclusivo,
dando lugar a um discurso mais preocupado com o seu valor estético (COELHO, 1985).
No Brasil, a produção literária infanto-juvenil também nasceu atrelada à necessidade
de escolarizar as crianças. Entretanto, os influxos que a matizaram deveram-se, em grande
parte, a nossa necessidade de estabelecimento de uma identidade cultural própria. Nas
décadas de 1970 e 1980 a literatura brasileira dirigida a crianças e jovens passa a utilizar-se
dos mais variados recursos, inclusive alguns que anteriormente só apareciam na literatura para
adultos. A exemplaridade, a concepção utilitarista e o discurso literário eficaz cedem lugar à
reflexão, ao questionamento ou simplesmente a fruição. Já nos anos 90, evidencia-se uma
tendência à diversidade de estilos e temáticas, apontando claramente para novos caminhos
estéticos na literatura infanto-juvenil (LAJOLO & ZILBERMAN, 1994).
No tocante a presença de temas polêmicos nos textos lidos por crianças e jovens, o que
se percebe é que as obras consideradas como inadequadas para estes leitores são aquelas nas
22
quais se abordam alguns assuntos considerados “adultos”. Evita-se falar de violência, mas a
infância e a juventude são submetidas e expostas a ela em seu dia-a-dia. Teme-se bastante
discutir outras formas de sexualidade e união, que fogem do que se consagrou como
“tradicional”. A sociedade define o que é “adequado”, mas por que alguns temas seriam
considerados polêmicos, por que haveria assuntos não indicados para a infância e a juventude
se grande parte deles também influenciam suas vidas, se fazem parte de seus questionamentos
e de suas aflições? Seria válido se considerar a literatura como uma grande possibilidade de
compreensão de muitos aspectos de nossa existência.
Ao levantar essas questões não estamos perdendo de vista o fato de apesar de não
haver, essencialmente, uma barreira quanto à temática da obra infanto-juvenil, existirem
outros fatores envolvidos na avaliação para a publicação destes livros, mesmo quando estes
apresentam qualidade literária, pertinência no desenvolvimento do tema, na estrutura sintática
e na linguagem adotada. Por exemplo, antes de editar um novo título a editora precisa calcular
o potencial de venda daquela obra, a sua aceitação por seu público-alvo, assim como a
aquiescência pelos professores e a possibilidade de adoção pelas escolas.
Para esta pesquisa, no entanto, nos detivemos tão somente na recepção de uma obra
que contém temas polêmicos por leitores jovens e na possibilidade de sua aceitação por
professores e escolas, assim como os motivos envolvidos nestes processos.
23
2 NAS TRAMAS DA EXPERIÊNCIA
No presente capítulo apresentaremos a metodologia utilizada na condução deste
estudo, explicando sua natureza, características e organização, além dos procedimentos nela
envolvidos. Exporemos o percurso de trabalho trilhado desde a esquematização e seleção dos
procedimentos mais adequados aos objetivos da pesquisa, passando pela escolha dos métodos
e técnicas mais eficazes para a coleta dos dados, a criação dos instrumentos de pesquisa e a
elaboração da sequência didática que orientou o trabalho com o grupo, até a negociação para a
concessão do acesso às instituições de ensino e a escalação dos materiais e pessoas envolvidos
neste estudo.
2.1 CARACTERÍSTICAS E ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA
Sendo esta uma pesquisa que adotou uma perspectiva qualitativa, a nossa maior
preocupação metodológica foi a de optar por procedimentos investigativos que nos
conduzissem no sentido de uma maior compreensão da percepção que os indivíduos nela
envolvidos tinham do mundo. Entendemos por pesquisa qualitativa aquela de caráter
exploratório, interessada na percepção dos aspectos subjetivos de um determinado fenômeno,
na apreensão de valores, opiniões, atitudes. Assim, muito mais do que a procura por
conclusões generalizáveis, buscamos perceber de que maneira, naquela situação de
ensino/aprendizagem na qual nos encontrávamos em contato com uma obra literária pontuada
por temas polêmicos, significados poderiam ser construídos e visões de mundo repensadas
(MOREIRA; CALEFFE, 2008).
Os dados coletados foram analisados por meio da descrição e interpretação das
reações, identificações, estranhamentos, valores e percepções dos sujeitos envolvidos na
pesquisa, sendo, portanto, tal apreciação fundamentada na subjetividade a eles inerente.
Ainda pensando mais amplamente nos aspectos metodológicos desta pesquisa,
destacamos a importância de evidenciar a relação literatura e ensino, haja vista ter sido esta a
linha de pesquisa que norteou todo este trabalho. Tal convicção nos conduziu a optar pelo
estabelecimento de procedimentos e estratégias de ensino que apontassem para a formação do
leitor literário, a observância do modo como este receberia a obra e os efeitos que esta
24
causaria sobre ele, atentando sempre para a importância do contato efetivo do leitor com a
integralidade da obra literária e sempre levando em consideração as instâncias que poderiam
mediar suas leituras.
De acordo com Aguiar e Bordini (1993, p.31) uma obra literária se torna mais valiosa
na medida em que desafia o leitor, ultrapassando as suas expectativas e previsões e, assim,
contribuindo de algum modo para a sua emancipação. Escolhemos, portanto, o nosso objeto
de pesquisa - a obra Sapato de Salto (2006), de Lygia Bojunga -, por percebermos nele este
valor. Propomo-nos, então, em linhas gerais, a observar como tal obra seria recebida por
leitores em idade escolar, estudantes do ensino médio.
Relativamente à abordagem escolhida para o direcionamento da pesquisa, esta assume
características de pesquisa-ação, que em contexto educacional tem como propósito principal
lidar com problemas ou lacunas do ensino/aprendizagem na busca por opções de melhoria
para estas práticas. De acordo com Moreira e Caleffe (2008), o papel da pesquisa-ação na
escola seria o de “introduzir abordagens adicionais e inovadoras no processo ensinoaprendizagem e aprender continuamente em um sistema que normalmente inibe a mudança e
inovação” (MOREIRA; CALEFFE, 2008, p. 94).
O procedimento metodológico utilizado para a realização da pesquisa desenvolveu-se
em duas etapas. Num primeiro momento, compreendendo-se a importância da aquisição de
um conhecimento amplo da obra para a construção de uma sequência didática clara,
interessante e eficaz para a melhor realização do trabalho didático junto aos sujeitos leitores,
foi realizada uma leitura detida e um exame atento do livro (BERGEZ, 1997). A partir dessa
apreciação crítica, foram levantadas possibilidades de leitura da obra Sapato de Salto (2006),
considerando seus elementos narrativos, linguísticos, estilísticos e temáticos (COLOMER,
2007).
Em seguida, a atenção voltou-se para os leitores juvenis e a apreciação que estes
fariam da obra em estudo. Tal percepção se deu por meio da leitura integral do livro, realizada
tanto em círculos de leitura1 como isoladamente, intercalados com intervalos de leitura2 e
realizações de discussões e atividades diversas sobre os temas que atravessavam a obra. Neste
Chamamos círculos de leitura os encontros semanais que tivemos, pesquisadora e alunos envolvidos no estudo,
destinados à leitura, discussão e realização de atividades dirigidas sobre a obra Sapato de Salto.
2 Chamamos intervalos de leitura os momentos em que, pondo em suspenso por um pouco de tempo as discussões
eminentemente literárias, realizamos atividades várias voltadas para o debate de algumas temáticas que se revelaram mais
instigantes para a turma.
1
25
percurso, os alunos mantiveram ainda um diário de leitura3, no qual buscaram registrar as
suas impressões pessoais de leitura. Falaremos pontualmente sobre cada um destes
instrumentos e técnicas de coleta de dados mais à frente.
Em princípio, pretendíamos realizar este trabalho tanto em escolas da rede particular,
quanto da rede pública de ensino, a fim de averiguarmos se haveriam diferenças verificáveis
no trabalho com temas polêmicos em literatura nessas esferas do ensino e como isto poderia
influenciar na compreensão da obra. Todavia, em razão de um atraso ocorrido no calendário
escolar das escolas públicas do Estado, não foi possível operacionalizarmos a realização da
pesquisa na esfera pública de ensino.
Saímos, então, à procura da concessão de um espaço para a realização da pesquisa em
escolas particulares de Campina Grande. Apresentamo-la a três estabelecimentos de ensino
desta natureza, que em sua totalidade permitiram que a implementássemos junto ao seu corpo
discente. Dentro deste universo, optamos por realizar o trabalho em apenas uma escola, que
neste trabalho será chamada de Escola Pesquisa (EP). Tal escolha deveu-se ao fato de as
outras duas escolas já possuírem um grande volume de atividades extraclasse, inclusive
voltadas para a leitura e discussão de obras literárias, o que poderia afetar o interesse ou
disponibilidade dos alunos para se envolverem em mais uma atividade, ou mesmo
sobrecarregá-los.
Escolhido o local, partimos para a definição dos sujeitos da pesquisa. Sendo o objeto
pesquisado um livro voltado para o leitor juvenil e perpassado por temas polêmicos, como
prostituição, estupro e homossexualidade, escolhemos concentrarmo-nos em alunos do 2º ano
do ensino médio, pelo fato acreditarmos serem eles mais maduros para discutir sobre tais
assuntos que seus colegas do 1º ano, e não estarem ainda tão envolvidos com os estudos
preparatórios para o vestibular quanto os alunos do 3º ano.
Passamos em todas as cinco turmas de 2º ano do turno da manhã existentes na EP e
divulgamos a criação de um Clube de Leitura para o qual qualquer um deles poderia se
inscrever. Apresentamos a obra que seria estudada, os objetivos gerais da atividade e
distribuímos entre os interessados um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido4 (TCLE)
para ser lido e assinado por eles e por seus pais, uma vez que a pesquisa se daria com sujeitos
menores de idade. Em seguida, cartazes sobre o Clube da Leitura foram espalhados pela
escola com indicações de dia, horário e local dos encontros.
O diário de leitura foi composto por atividades, comandos e orientações que visavam, por um lado, aferir a leitura e efeito
que a obra ia provocando a medida que avançávamos em sua leitura, e, por outro, desafiar, aprofundar e ampliar a
compreensão e o alcance desta leitura e efeito anteriormente verificados.
4 Ver Apêndice A
3
26
Nesta etapa da escolha dos sujeitos o único critério utilizado para a seleção foi o gosto
pela leitura, já que o trabalho não estaria vinculado a nenhuma disciplina da instituição
escolar, nem faria parte de qualquer uma de suas avaliações. Com isso concentramos o nosso
corpus, tornando-o, ainda que menos extenso, não menos esclarecedor, além de tornarmos
viável o fornecimento da obra a todos os que participaram da atividade.
Foram entregues cerca de 60 TCLE aos interessados em fazer parte do Clube da
Leitura; destes, 17 foram devolvidos devidamente preenchidos e assinados pelos
pais/responsáveis. No entanto, o número real de sujeitos envolvidos na pesquisa foi de 15
alunos, número este que se manteve inalterado até o término da atividade.
Com os alunos o período de coleta de dados foi composto por oito encontros, que
aconteciam uma vez por semana no horário oposto ao da matrícula escolar dos indivíduos
envolvidos na pesquisa e que duravam aproximadamente 2h30min cada. Este calendário foi
pensado tendo em vista viabilizar tempo suficiente para que os alunos pudessem fazer em
casa algumas leituras e atividades, haja vista acharmos valioso o momento da leitura solitária
tanto para a formação de leitores mais independentes, quanto para que pudéssemos perceber
algumas das opiniões e pontos de vista de nossos leitores a despeito das influências e
julgamentos de sua comunidade interpretativa.
Inicialmente, o período de coleta de dados ia de 12 de março a 30 de abril, sempre às
segundas-feiras, das 14h00min às 16h30min, nas instalações da própria escola. Entretanto, em
razão de um cancelamento por questões de saúde, os encontros se estenderam até o dia 07 de
maio. Havendo a escola gentilmente cedido o espaço para a realização dos nossos encontros e
permitido o acesso aos seus alunos, optamos por providenciar todo o material necessário à
realização das aulas, como datashow e notebook, além de fornecer gratuitamente o material de
trabalho para os alunos, como os livros e os diários de leitura, como disposto no TCLE.
Importa ainda ressaltar que, apesar de esta pesquisa ter sido realizada em ambiente
escolar, ela não ocorreu no contexto da sala de aula. Todos os 15 alunos que participaram da
atividade o fizeram por escolha própria e inclinação pessoal. Tal particularidade aponta para
dois fatores relevantes na compreensão do alcance e da relevância desta pesquisa: se, por um
lado, a criação de um contexto diverso do da sala de aula real poderia ser um facilitador do
trabalho, uma vez que os leitores estavam ali porque queriam estar, por outro, a falta de um
vínculo de obrigatoriedade poderia ser um fator de risco para o bom andamento do trabalho,
haja vista que qualquer sujeito, por qualquer motivo, poderia desligar-se da pesquisa sem
nenhum prejuízo para si.
27
2.2 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Como instrumento para coleta de dados inicias utilizamos um questionário5 que tinha
como objetivo principal o delineamento do perfil socioeconômico-cultural dos envolvidos na
pesquisa. Nele os leitores identificaram-se por meio de números, que iam do 01 ao 15, e que
passaram a ser utilizados pelos mesmo em todas as atividades subsequentes a fim de se
manter preservada as suas reais identidades. Tal questionário abordava questões sobre
organização familiar, informações econômicas, pessoais e de práticas da leitura que, uma vez
recolhidas, contribuíram para que pudéssemos traçar um perfil do leitor com o qual estávamos
trabalhando.
Este delineamento foi de grande valia para a compreensão de muitos dos
posicionamentos, opiniões e reações do grupo, auxiliando-nos tanto no momento da
elaboração de nossa sequência didática, orientando os limites que eventualmente poderiam ser
postos e desafios que poderiam ser propostos, quanto na construção de algumas categorias de
análise que serão expostas em capítulo posterior.
Posteriormente, no segundo momento da pesquisa junto aos alunos secundaristas, os
dados coletados originaram-se majoritariamente da leitura compartilhada e discussão coletiva
acerca da obra Sapato de Salto. Nos encontros realizados aconteciam leituras coletivas de
alguns capítulos, jogos dramáticos de determinadas cenas, julgamentos de certas personagens,
construções pictóricas de outras, debates acerca dos temas por eles considerados mais
polêmicos. A estes momentos denominamos Círculos de Leitura e o que neles ocorreu foi
registrado ora por meio de gravações audiovisuais, ora por meio de fotografias, mas
predominantemente pelos Diários de Leitura6 dos alunos e anotações da pesquisadora. Tais
diários foram compostos por atividades, comandos e orientações que visavam, por um lado,
aferir a leitura e efeito que a obra ia provocando à medida que avançávamos em sua leitura, e,
por outro, desafiar, aprofundar e ampliar a compreensão e o alcance desta leitura e efeito
anteriormente verificados.
A escolha dos Diários de Leitura como instrumento central de coleta de dados se deu
por dois motivos: um estético e outro ético. Dizemos estético o interesse que tínhamos de
perceber os efeitos que a leitura da obra causaria nos sujeitos no momento em que estes
estivessem sozinhos com ela, isto é, fora dos Círculos de Leitura, comprometidos tão somente
5
6
Ver Apêndice B
Ver Apêndices do C ao G
28
com as suas convicções pessoais e conhecimentos prévios, sem a interferência das opiniões e
julgamentos dos colegas. Evidentemente, sabemos e cremos na importância do
compartilhamento da leitura como instrumento de ampliação de horizontes e modo de
aquisição de novos conhecimentos, mas não queríamos deixar de lado as idiossincrasias
próprias da leitura individual.
Quanto ao motivo ético, optamos pelos diários atentos a preservação da identidade dos
indivíduos autores. Nossa intenção era criar um espaço em que os alunos se sentissem livres
para expor abertamente suas opiniões e posicionamentos acerca dos assuntos presentes na
obra em estudo, ainda que não o fizessem nos Círculos de Leitura, fosse por inibição, medo
ou qualquer outra razão que os impedisse de se manifestarem francamente sobre algum tema.
O que notamos, porém, é que nenhum sujeito envolvido na pesquisa precisou ou quis
ocultar-se no anonimato do diário no momento de posicionar-se e dar a sua opinião. De todo
modo, criar a possibilidade de um ambiente seguro para a exposição de sentimentos e
conflitos ao lidarmos com leitores juvenis nos pareceu ser uma boa alternativa de
aproximação e estabelecimento de laços de confiança e respeito para com estes, fator que foi
muito importante do decorrer desta experiência.
2.3 ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO
Envolveram-se na pesquisa 15 leitores, estudantes do 2º ano do ensino médio de uma
escola particular da cidade de Campina Grande – PB, dentre os quais, um possuía bolsa de
estudos integral. Quanto à idade, a maioria dos indivíduos pesquisados tinham 15 anos,
oscilando os demais entre os 14 e os 17 anos. Em razão das temáticas controversas existentes
no livro que seria estudado, nos agradou a faixa etária escolhida, uma vez que ela nos
permitiu uma margem adequada de liberdade no trabalho com os assuntos abordados pela
obra.
29
Idades
13%
7%
15 anos
20%
60%
14 anos
16 anos
17 anos
Um aspecto importante a se considerar no tocante à idade, que encontra amparo em
estudos da sociologia da Leitura, demonstra que a faixa etária é um dos fatores influenciantes
na forma que se lê uma obra. De acordo com Charles Sarland (2003), tratando-se de jovens,
os estranhamentos e identificações perante aquilo que se lê estão diretamente ligados ao fato
de estes encontrarem-se num momento de negociação para obtenção do poder e aquisição da
autonomia.
Na esteira deste pensamento, Aguiar e Bordini (1993) dizem que é entre os quatorze e
os dezessete anos que o leitor está amadurecendo, desvendando seu mundo interior e
descobrindo o mundo de valores em que se encontra inserido, percebendo mais claramente
e problematizando conceitos e certezas que tinha como ininterrogáveis. Destarte, “Aventuras
de conteúdo intelectual, viagens, romances históricos e biográficos, histórias de amor,
literatura engajada e temas relacionados com os interesses vocacionais vão ajudá-lo a
orientar-se e estruturar-se como adulto” (p.20).
Quanto ao gênero, as mulheres eram maioria no grupo, perfazendo 60% dele, que era
formado em sua totalidade por adolescentes solteiros, paraibanos, sem filhos e que moravam
com os pais em casas próprias. As famílias de mais de 50% deles eram compostas por três ou
quatro membros e a renda mensal de aproximadamente 70% destas famílias era de dois a
quatro salários mínimos. Nenhum dos participantes da pesquisa trabalhava para ajudar na
complementação da renda familiar, sendo todos financiados por suas famílias.
Muito embora as principais personagens da obra fossem femininas, não foi percebida
nenhuma discrepância significativa na maneira de aproximação com a obra entre meninos e
meninas. Em geral, todos os participantes da pesquisa demonstraram identificação com
30
personagens e seus dramas, relacionando-os consigo, com pessoas de sua convivência ou
mesmo com histórias e fatos que haviam ouvido de terceiros.
As meninas, porém, aproximaram-se de algumas situações da obra – como o estupro
de Sabrina e a briga da Tia Inês e do Assassino – de maneira mais emocional que os meninos.
Uma delas declarou que, apesar de não ter vivido situações tão extremas quanto as da obra,
muitas das discussões suscitadas pelos seus temas a ajudaram a compreender e lidar com
algumas situações e acontecimentos que ela estava experimentando em sua própria vida
(retextualização da fala do sujeito 10). Essa leitora não se constrangeu em revelar-se na
recepção da obra. De acordo com Jauss (1994, p. 50), “[...] a recepção representa um
envolvimento intelectual, sensorial e emotivo com uma obra e o leitor tende a se identificar
com essas normas, transformadas, assim, em modelos de ação”.
Os meninos, por sua vez, receberam a história levando em conta menos suas próprias
experiências de vida e mais a realidade atual ou os aspectos humanitários e legais que a
traspassavam. O estupro de Sabrina, por exemplo, foi recebido no momento da leitura coletiva
com lágrimas e exclamações pelas meninas, enquanto os meninos expressaram-se mais
vividamente sobre o assunto no momento de uma simulação de júri que realizamos em um de
nossos encontros.
Quanto à orientação religiosa, verificou-se a crença unânime em Deus, ainda que por
meio de representações e ritos distintos. Este foi um dado importante a ser sopesado, uma vez
que sobre muitos dos conflitos apresentados no livro pesariam julgamentos religiosos que
tanto poderiam apontar para a tolerância e respeito ao diferente, quanto potencializar
preconceitos e alimentar preterições.
Orientação religiosa
10%
40%
25%
Católico
Protestante
Sem religião
25%
Testemunha de Jeová
31
Não obstante, a despeito da pluralidade de religiões representadas pelos sujeitos
envolvidos na pesquisa, a tolerância e o respeito ao diferente pareceram triunfar sobre os
preconceitos. O tema da homossexualidade foi recebido por todos tranquilamente; nenhum
dos alunos pareceu sentir-se incomodado em discutir o assunto e, apesar de alguns deixarem
claro que consideravam pecaminosa a prática de relações afetivas entre pessoas do mesmo
sexo, todos se declararam tolerantes para com as pessoas que possuem relações homoafetivas.
O que mais incomodou, porém, as convicções e práticas religiosas do grupo foram os
palavrões presentes no texto. Alguns se negaram a pronunciá-los em voz alta durante nossas
leituras orais coletivas e outros declararam achar desnecessário o uso de tais palavras na
construção do texto. Quando alguém enunciava algum dos palavrões contidos na leitura, fosse
durante a leitura propriamente ou em atividades realizadas (como a encenação de algumas das
cenas do livro), havia uma reação quase coletiva de desconforto por parte da turma, revelada
por meio de risadas constrangidas, maneios de cabeça ou mesmo de declarações explícitas.
No tocante a formação escolar dos pais, as mães apresentaram maior grau de
escolaridade. Mais de 50% delas possuíam ensino superior completo e pós-graduação,
enquanto 40% dos pais possuíam o ensino médio completo, sendo de apenas 20% a
porcentagem daqueles com ensino superior completo, sem nenhuma pós-graduação.
Tal índice refletiu-se na situação de trabalho dos mesmos, que, em sua maioria,
trabalhavam para empresas particulares (40%) ou eram autônomos (35%). Por outro lado,
aproximadamente 70% das mães possuíam empregos públicos na esfera estadual ou federal e
13% não estavam inseridas no mercado de trabalho.
Fator importante para reflexão o fato da maioria das mães dos sujeitos envolvidos na
pesquisa terem maior escolaridade e serem mais bem empregadas que seus cônjuges. Nos
pressupostos da Estética da Recepção, o leitor histórico suscita, no ato da leitura, todas as suas
vivências literárias, estéticas e pessoais. Provavelmente, a extensão da obra poderia ter
assustado leitores que não tivessem vivências literárias ou pessoais com indivíduos que
valorizassem a leitura. Ter pais leitores ou que dão importância a atividades acadêmicas pode
ter sido um fator importante para que os alunos não se intimidassem com o fato de o texto ser
longo e não viessem a abandonar a atividade antes de seu término.
Tal suspeita fica ainda mais clara quando atentamos para a formação e prática de
leitura dos sujeitos da pesquisa. Neste tópico, 40% afirmou ter lido no máximo dois livros no
ano de 2011, 25% disse ter lido de três a cinco livros, 20% não havia lido livro algum no ano
anterior e 13% tinha ultrapassado a marca de 8 livros lidos neste mesmo período. Além disso,
32
80% dos alunos afirmaram que os livros de ficção eram suas leituras prediletas, havendo entre
os 20% restantes os que preferiam gibis, livros técnicos ou revistas de entretenimento.
Prática de leitura (livros lidos em 2011)
13%
40%
20%
Dois
Três a cinco
Nenhum
25%
Mais de oito
Assim, formamos um grupo de leitura composto por sujeitos imersos em um ambiente
familiar que valorizava a importância dos estudos, incentivando a prática de atividades
intelectuais, artísticas e culturais, e que possuíam alguma prática leitora anterior. Tal
constatação nos deixou cientes de que estávamos lidando com uma situação bastante
confortável e que não correspondia à realidade enfrentada diariamente pelos professores de
língua portuguesa em uma sala de aula regular. Todavia, isto não interferiu nos resultados que
estávamos buscando, uma vez que nos interessariam quaisquer dados recepcionais colhidos,
fossem eles de leitores mais maduros ou não.
A prosa apresentou-se como gênero literário favorito, com mais de 40% de preferência
por parte dos entrevistados. Em seguida apareceram a poesia (com 30% das escolhas), o
drama (25%) e a canção (5%). O fato de a prosa ser o gênero mais apreciado pelo grupo
pesquisado foi mais um facilitador no processo de apreciação da mesma por tais leitores. A
linguagem de Lygia, claramente marcada por imagens e símbolos e notadamente poética
agradou a outra grande fatia da turma que apreciava poesia.
A internet foi escolhida predominantemente como meio de comunicação mais
utilizado pelos sujeitos para se manterem informados e como fonte de pesquisa para trabalhos
escolares, totalizando 93% das escolhas. Sendo assim, decidimos usar esta ferramenta como
instrumento de coleta de dados, mantendo, no período em que ocorreram os encontros do
Clube da Leitura, uma comunidade em uma rede social para reflexão e discussão sobre a obra,
o que se mostrou uma ideia bastante valiosa.
33
3 NO ENCALÇO DE UM SAPATO DE SALTO
Neste capítulo analisaremos a experiência de leitura realizada com a obra Sapato de
Salto, de Lygia Bojunga, com 15 alunos de segundo ano científico de uma escola particular no
município de Campina Grande – PB. Iniciaremos apresentando uma breve análise da obra.
Em seguida observaremos alguns dados interessantes coletados por meio de um questionário
que aplicamos em nosso primeiro encontro e seguiremos descrevendo e sopesando os dados
recolhidos durante a realização do Clube da Leitura.
3.1 CALÇANDO UM SAPATO DE SALTO: BREVE ANÁLISE DA OBRA
Sapato de Salto (2006) é o vigésimo livro de Lygia Bojunga. Com um enredo bastante
realista, retoma alguns dos temas já tratados pela autora em suas obras, como a morte, o
abandono, as relações familiares e a violência sexual, além de abordar assuntos de maneira
inédita, como a prostituição, a pedofilia e a homossexualidade.
Muito embora todas as temáticas sejam tratadas com a poeticidade e delicadeza já
conhecidas desta autora, ainda que tenhamos como protagonista da história uma personagem
criança e mesmo mantendo-se a linha oral e ágil na construção da linguagem na narrativa, há
em Sapato de Salto uma peculiaridade que o diferencia de outras obras de Lygia mais
voltadas para o público infantil. É o predomínio do real sobre o fantástico que pinta os tons
esmaecidos dessa história, uma vez que não se percebe a projeção ou intromissão do elemento
extraordinário, desenhado pela imaginação, na realidade tangível exterior ao espírito (HELD,
1980, p. 32). Nenhum de seus personagens lida com as situações embargantes em que se
inserem através de recursos animados por uma atividade criadora alimentada pela invenção
(MAGALHÃES, 1980, p. 68), como acontece com a maioria dos protagonistas bojunguianos.
É possível percebermos que nos livros mais recentes da autora a força do pensamento,
a fantasia e a imaginação infantil não são suficientes ou determinantes para que se processe de
fato alguma mudança na realidade. E é dentro deste universo narrativo de fantasia rarefeita se
situa Sapato de Salto. Em A Bolsa Amarela, por exemplo, Raquel, protagonista do livro,
encontra numa bolsa - elemento palpável da realidade - o abrigo perfeito para esconder suas
34
vontades de ser grande, de ser menino e de escrever, vontades essas que já apontam para
outros desejos mais profundos da garota. Sandroni (1987) nos diz que
A Bolsa Amarela é um texto inteiramente construído sobre uma imagem
reconhecível como dado concreto da realidade que é a bolsa. Cada um dos
personagens que mora dentro dela representa de algum modo a própria Raquel, as
diversas facetas de sua iniciante personalidade. (p. 62)
De semelhante modo, A Casa da Madrinha representa para Alexandre, personagem
principal da trama, um espaço de realizações, o lugar no qual “as coisas existem para
satisfazer os desejos de um menino privado de todos os bens materiais, mas livre para sonhar”
(SANDRONI, 1987, p. 71). Essa casa, feita tão somente de quimera, emblematiza uma
guarida capaz de abrigar aquele menino da dura e amedrontante realidade na qual ele
encontra-se circunscrito.
Igualmente, notamos em Corda Bamba o emprego da ilusão como recurso atenuador
do sofrimento quando Maria, filha de equilibristas de circo, estende uma corda que liga seu
apartamento a um outro, vazio. Assim, ela cria um caminho de acesso ao seu próprio interior,
“ao fundo de si mesma, lá onde estão guardados todos os mistérios dos quais ela não
consegue lembrar” (SANDRONI, 1987, p. 78). Imaginando portas, as quais ela vai
paulatinamente abrindo, Maria é capaz de enfrentar seus medos e dores, lançando luzes sobre
aquilo que sua mente obscureceu para protegê-la do sofrimento.
Em Sapato de Salto, porém, Sabrina não possui nenhuma bolsa-esconderijo, nem casade-madrinha-refúgio, e não é em uma corda-bamba que ela precisa se equilibrar, mas em cima
de um sapato alto. É a realidade que se impõe devastadora para essa menina de 11 anos,
impelida de maneira brutalmente precoce a torna-se adulta.
O livro nos apresenta a história de Sabrina, órfã de dez anos que é levada para
trabalhar como babá na casa de uma família de classe média, onde é maltratada por dona
Matilde, sua patroa, e violentada por seu Gonçalves, seu patrão. E essas são apenas as
primeiras desventuras por ela vivenciadas, para quem calçar um sapato alto não significará
nada de encantador, mas sim um passaporte prematuro para uma realidade sórdida a qual
nenhuma criança deveria ser exposta.
Porém, se a fantasia instituída na narrativa não oferece recursos suficientes para
resgatar Sabrina das garras cruéis da realidade, ela também não desaparece por completo.
Antes, funciona como um ponto de partida, e não mais um fim ou meio, para o desenlace de
sua história. É a humanidade que se sobressai em Sapato de Salto, prevalecendo sobre todos
35
os dramas e não permitindo que a fantasia, enquanto capacidade de sonhar e meio de abrir
novas possibilidades de existência, seja de todo apagada.
“Um segredo azul fraquinho”, assim se nomeia o primeiro capítulo deste livro,
abrindo-o em cores desbotadas e assuntos proibidos. É aqui que conhecemos Sabrina, no
momento em que ela chega à casa de seu Gonçalves e dona Matilde. A menina está vindo do
orfanato onde viveu até ali, e vem com a incumbência de ser a babá de Betinho, garoto de 4
anos, e Marilda, um bebê de 2 anos.
Sobre dona Matilde logo se percebem alguns traços de personalidade julgados
negativos. Ela parece ser uma mulher arrogante, preguiçosa, extremamente ansiosa e muito
cheia de preconceitos:
A família estava almoçando quando a Sabrina chegou. Dona Matilde franziu a testa
e falou de boca cheia:
--- [...] Você tem jeito com criança?
--- Tenho, sim; eu gosto de brincar com criança.
Dona Matilde se endireitou na cadeira:
--- Você não veio pra brincar, veio pra trabalhar. (BOJUNGA, 2006, p.7)
Mais adiante, conversando com Seu Gonçalves acerca da menina, ela diz:
--- Será que ela presta?
--- E por que que ela não vai prestar?
--- Uma menina assim sem pai, sem mãe, sem nada, será que presta?
--- Mas você não disse que não sei quem arranjou uma empregada ótima nesse
orfanato? [...]
--- Tá bem, tá bem. [...] Mas ordenado não precisa: a gente já vai dar casa, comida,
roupa e calçado. [...] E você viu como ela é forte? É do tipo que tá sempre com
fome. [...] Essa menina vai dar uma despesa danada. (BOJUNGA, 2006, p.10)
O cotidiano de Sabrina na casa dos Gonçalves é sobrecarregado de trabalho, mas a
menina parece não se dar conta da exploração a que é submetida. É o tema da exploração do
trabalho e da desigualdade social mais uma vez sendo abordado numa obra de Lygia, mas sob
a ótica ainda ingênua de uma criança que, dentro em breve, teria sua inocência roubada:
E de dia, o dia todinho, a Sabrina tinha que distrair a Marilda e o Betinho. E a roupa
dos dois pra lavar e passar. E a mamadeira pra preparar. E a calça pra trocar. E o
mingau pra misturar. E o telefone pra atender (taí à toa menina? quando o telefone
toca, já sabe, atende logo). E a toda hora uma comprinha pra fazer.
[...] Achava tudo legal. [...] A Marilda sempre do lado, o Betinho do outro, os três se
gostando muito, tome risada e brincadeira, festinha e beijo estalado. De noite,
quando deitava, Sabrina ainda queria lembrar o bife desse tamanho, o pão com
geléia e manteiga, tevê tão enorme. Mas dormia logo: o corpo moído. Pulava cedo
da cama; quando a casal acordava, a Sabrina já tinha lavado, passado, brincado,
cuidado. (BOJUNGA, 2006, pp.11-2)
36
Seu Gonçalves, então, vai ficando cada vez mais interessado na menina. Logo que a
conheceu ele “olhou devagar pra Sabrina [e] bebeu um gole d’água” (BOJUNGA, 2006, p.7).
Com o passar do tempo ele começa a elogiá-la, “Que menina inteligente, Matilde! [...] E
como é trabalhadeira!” (BOJUNGA, 2006, p.13). Mas dona Matilde parece gostar dela cada
vez menos. Inicialmente não fica claro para o leitor o motivo de toda essa implicância. Mas
não tarda para que descubramos as suas razões.
Seu Gonçalves [...] ficava esquecido da vida vendo ela e os filhos brincando.
Quando ela virava cambalhota pra divertir as crianças, ele ria ainda mais. E meio
que fechava o olho querendo ver melhor a calcinha que Sabrina usava. Um dia
trouxe bala pra ela. Ela de espantou:
--- Pra mim?
--- Presente. [...]
--- Primeira vez que eu ganho.
--- Ah, é? – E no outro dia trouxe mais.
Sabrina se encantou.
--- O senhor até tá parecendo meu pai. (BOJUNGA, 2006, p.14)
O trecho anterior nos dá pistas acerca do caráter e das intenções duvidosas de seu
Gonçalves, assim como nos revela a maior das carências de Sabrina: a de ter uma família. A
ingenuidade da menina somada a sua carência de afeto, não a deixa perceber os tipos de
relação que realmente estão sendo estabelecidas naquele ambiente. Ela procura intensamente
por uma figura materna em dona Matilde, mas essa só a vê como mais uma de suas
empregadas, rejeitando qualquer manifestação de afeto ou tentativa de aproximação da
menina.
Marilda e o Betinho rolavam no chão de tanto rir, assistindo ao show de careta que a
Sabrina estava dando. Dona Matilde parou e ficou olhando. Sem nem se dar conta,
começou a rir também. Sabrina virou o rosto assustada. Ficou logo deslumbrada. [...]
--- Posso chamar a senhora de tia?
--- Por que, ué?
--- É que se eu chamar de mãe a senhora pode não gostar.
--- Nem tia, nem mãe, nem coisa nenhuma, que que é isso? Tá esquecendo que é
babá das crianças? Ora, já se viu! (BOJUNGA, 2006, pp.12-3)
Mas finalmente a figura paternal parece esboçar-se em seu Gonçalves, e assim Sabrina
passa a confiar totalmente nesse homem, ignorando as intenções escondidas, até mesmo pelo
desconhecimento próprio de sua condição de criança, sob as suas atitudes de aparente
bondade. Ele passa a trazer-lhe presentes com uma enorme frequência, sempre pedindo sigilo
acerca do assunto, e assim se forma entre os dois o “hábito do segredo” (BOJUNGA, 2006,
p.15).
37
Em meio a essa atmosfera de cumplicidade, Sabrina toma coragem de pedir a seu
Gonçalves que a ajude com seus estudos, deixados de lado após sua saída do orfanato. Ele,
porém, alisa os cabelos dela e lhe responde: “Você vai ser uma menina muito bonita, não
precisa estudar” (BOJUNGA, 2006, p.18). É interessante perceber como a trama vai sendo
costurada de maneira sutil pelo narrador da história, que deixa para o leitor a tarefa de
preencher as lacunas, antevendo ou criando hipóteses acerca das personagens e dos rumos que
o enredo poderá tomar. Se não é a fantasia que torna opaco os significados que subjazem à
obra, é na própria elaboração narrativa que esse distanciamento entre sentidos e referências se
materializa.
Apesar de relutante, e contra a vontade da esposa - “E pra que que essa menina quer
aula? Ela é empregada!” (BOJUNGA, 2006, p.17) - seu Gonçalves decide dar aulas a Sabrina,
que acredita finalmente ter encontrado um espaço naquele seio familiar e permanece alheia
aos verdadeiros cuidados que seu tutor pretende lhe dispensar. Enquanto ela estava
escrevendo em seu caderno, “Seu Gonçalves ficava cuidando ela com o olho, examinando
cabelo, braço, pescoço” (BOJUNGA, 2006, p.18). A ironia do narrador ao usar o termo
cuidado para descrever a lascívia nos olhos daquele homem acentua ainda mais a torpeza da
situação.
[...] Sabrina progredia tanto nos estudos que o Seu Gonçalves quis ver se outras
aulas iam ser tão bem assimiladas assim. Entrou uma noite no quarto dela e se
instalou na cama com jeito de quem está inventando uma nova brincadeira. Quando
Sabrina foi gritar de susto, ele tapou o grito com um beijo. E depois cochichou:
--- Esse vai ser o nosso maior segredo, viu? – e foi brincando de roçar o bigode na
cara dela. (BOJUNGA, 2006, p.20)
Aqui a noção infantil de brincadeira é totalmente subvertida, assim como o segredo,
que perde sua conotação positiva, de mistério e aventura, para revestir-se de um sentimento de
culpa, de medo e de repressão. O que acontecia em geral nos livros de Lygia ao chegar nesse
ponto da história onde a ficção ganhava contornos bastante densos, é que a autora costuma
lançar mão de recursos metafóricos ou de analogias simbólicas para representá-los. Mas não
aqui. Não em Sapato de Salto. A perversão e maldade da experiência a qual Sabrina é
submetida são descritas sem suavizações, consternando até o mais insensível dos leitores:
Sabrina sentiu o coração disparando. O bigode desceu pro pescoço. Sabrina não
resistiu: teve um acesso de riso. De puro nervoso.
--- Psiu! Psiu! – ele pedia. [...] O bigode foi varrendo cada vez mais forte os
cantinhos de Sabrina. Ela sufocava: o nervosismo era tão grande que cada vez ria
mais. Ele tirou do caminho lençol, camisola, calcinha. De dentro da risada saiu uma
súplica:
38
--- Que que há, seu Gonçalves? Não faz isso, pelo amor de deus! O senhor é que
nem meu pai. Pai não faz assim com a gente. – Conseguiu se desprender das mãos
dele. Correu pra porta. Ele pulou atrás, arrastou ela de volta pra cama:
--- Vem cá com o teu papaizinho.
--- Não faz isso! Por favor! Não faz isso! – Tremia, suava. – Não faz isso!
Fez. (BOJUNGA, 2006, pp.19-0)
O contraponto entre o pai da fala de Sabrina e o papaizinho usado por seu Gonçalves é
emblemático na percepção da oposição que se estabelece entre o olhar infantil e o adulto. E é
a partir desse fato que a trajetória da menina, já tão marcada de perdas, encaminha-se
velozmente rumo à perda de sua infância, que vai lhe sendo tirada a golpes profundos e de
maneiras extremamente dolorosas.
Depois que seu Gonçalves foi embora a Sabrina ficou parada olhando pra maçaneta
da porta. [...] Já era de madrugada quando reviveu a sensação do bigode andando
pelo corpo. Estremeceu: e agora? Continuava falando baixinho com ele? Sumia dali?
Quando o dia se levantou ela sentiu que ia ficar. Sem planos, sem escolha.
(BOJUNGA, 2006, p.21)
Mas eis que em meio a este cenário de desesperança surge tia Inês. O segundo capítulo
do livro leva o nome dessa personagem, que é peça chave para todas as mudanças que
ocorrerão na vida de Sabrina. Inês é descrita como “uma mulher na casa dos trinta” de “cabelo
ruivo, farto” e grandes argolas douradas na orelha, lábios grossos pintados de vermelho e
cinturinha fina. Ela é irmã de Maristela, mãe de Sabrina, e aparece na porta da casa de dona
Matilde vestindo “decote ousado [e] saia apertada” e no pé um “sapato de salto. Bem alto”.
Quando essa personagem surge reivindicando a guarda de Sabrina, logo se imagina,
pelos indícios que marcam a sua descrição, que ela será mais uma pessoa a se aproveitar da
menina. O narrador, por meio da linguagem empregada, joga cos os estereótipos para
construir expectativas no leitor. Porém as suspeitas iniciais são logo desfeitas pelas
percepções que nos são passadas através dos olhos de Sabrina: “Primeiro o olho de Sabrina de
prendeu no olho da mulher [...] e só aí [ela] reparou que tinha um riso meio terno e brincalhão
do olho da tia Inês” (BOJUNGA, 2006, p.28).
Há alguns anos ela vinha procurando pela menina, deixada por sua irmã na porta de
um orfanato há dez anos. O momento da partida de Sabrina da casa dos Gonçalves é marcado
pela atitude covarde de dona Matilde, que revela sua ciência acerca do envolvimento de seu
marido com a menina, e pela reação protetora de Inês:
Quando Sabrina chegou mais perto pra dar um beijo de despedida, recebeu uma
bofetada na cara:
--- É pra você não se esquecer que eu não vou me esquecer. [...]
39
O susto pregou tia Inês no chão. Mas logo ela se recuperou.
--- O que que deu nessa bruxa?! – Afundou o dedo na campainha; a outra mão
desatou a bater na porta.
--- Deixa, tia Inês, vam’bora.
--- Não deixo porra nenhuma! O que é que tá pensando? Bater numa criança desse
jeito! [...] Quer bater, bate em mim! Abre essa porta e experimenta.[...]
Se esqueceu da raiva e pegou o queixo da Sabrina [...]:
--- Tá doendo, filhinha?
Sabrina fez que não. [...]
--- Mas se não tá doendo por que que ‘cê tá chorando, raio?!
--- É que ninguém nunca me chamou de filhinha. – E fungou com tanta força que a
cara se entortou toda. (BOJUNGA, 2006, pp.36-8)
Sabrina finalmente encontra uma família e o seu lugar no mundo e tem a chance de
recuperar a beleza e a paz que haviam sido roubadas da sua infância. Ela vai morar com sua
tia e sua avó na casa amarela, epítome do período luminoso e alegre que a menina viveu em
companhia das duas:
Tão bom que era morar na casa amarela! Tão gracinha era a avó Gracinha e tão legal
a tia Inês! E que maravilha não ter que ficar pensando, abro ou não abro a geladeira?
Como ou não como isso ou aquilo? Tomo ou não tomo banho? Pela primeira vez na
vida a Sabrina experimentava o gosto que a liberdade tem e, aaah! era bom demais.
Enfim tomava consciência de que a vida também podia ser uma festa, e de que ser
feliz era tão bom! (BOJUNGA, 2006,p p.100-1)
Ali ela conhece sua avó, dona Gracinha, que ficou louca após perder o marido para o
mar e as duas filhas: uma para a morte e outra para a vida. O avô de Sabrina era planador de
flor, mas um dia, tendo ido ao Rio de Janeiro para vender suas flores, viu o mar pela primeira
vez e apaixonou-se completamente por ele, sua imensidão de água contrapondo-se a vastidão
de terra que ele tinha cultivado por toda a sua vida, ficando “impressionado com a sensação
de liberdade que o mar [lhe] transmitiu e [...] enamorado daquela beleza sem limites”
(BOJUNGA, 2006, p.110). Um dia, sumiu. Foi embora em direção ao mar. “Na certa foi ser
marinheiro”, diz Inês.
Já Maristela, a caçula, havia engravidado ainda adolescente, fugindo de casa logo
então. Ela se suicidara após o nascimento de Sabrina, atirando-se num rio “abraçada com uma
pedrona [...] pra afundar mais depressa” (BOJUNGA, 2006, p.40). Quanto a Inês, esta se
apaixonara perdidamente por um homem perigoso, que a introduziu no mundo das drogas e
obrigou-a a se prostituir, levando-a a abandonar dona Gracinha à própria sorte e ir viver no
Rio de Janeiro.
Em busca por mudar de vida e arrependida do que fizera com sua mãe, Inês retorna à
cidade de sua infância, e consegue reorganizar aquilo que sobrara de sua família dilacerada
pela vida. Tudo vai indo bem e parece-nos que, enfim, Sabrina terá o seu merecido final feliz,
40
após toda solidão de sua primeira infância e horror vivido na casa dos Gonçalves. Porém,
mais uma vez a realidade cruel ergue-se imponente, lançando sombras profundas sobre a casa
amarela que novamente roubariam as cores da infância de Sabrina.
No oitavo capítulo do livro somos apresentados ao Assassino. Trata-se do antigo
namorado de Inês, que ela julgava ter sido morto pela polícia, mas que havia na verdade
fugido para o Paraguai, onde estivera escondido até aquele momento. O retorno dessa
personagem que fez parte do passado da tia Inês, vem cercado de uma atmosfera de violência
e corrupção que opõe-se frontalmente ao ambiente de segurança e aconchego da casa amarela
e se reflete de forma emblemática na linguagem utilizada durante os diálogos que se travam
nessa parte da trama:
A tia Inês ficou olhando pra ele; no rosto uma expressão doída.
--- Você nunca sacou nem quis sacar o quanto eu gostei de você, né?
--- Precisa ser muito burro pra não sacar; mais burro ainda pra não ver logo na
primeira trepada que se você era boa de dança ainda melhor era de cama.
[...] O Assassino abraça ela com força.
--- Você tem saudade minha, confessa. [...]
--- Só tenho nojo. Nojo! [...] É um nojo tão grande que, se agora você me ameaçasse
com aquela arma que você escondia no bolso aí dentro...
--- Ainda escondo, minha puta, ainda escondo... [...]
--- Eu dizia, então vai! Mata! Vai!
Sabrina não se conteve mais:
--- Não diz isso, tia Inês, não diz isso! (BOJUNGA, 2006, pp. 133-7)
A cena seguinte a essa discussão é a do assassinato de Inês. O seu teor de violência e
dramaticidade não é amenizado por nenhuma espécie de artifício imaginativo, nem mesmo o
trabalho com a linguagem – marca atenuadora em outros momentos dessa natureza nas obras
de Lygia – emerge para resguardar Sabrina da dureza daquela situação. E não somente a
fantasia se furta de proteger a menina, como desloca-se, indo da criança para o adulto, na
figura de dona Gracinha, e ganha ares de insanidade ao invés de superação.
Dona Gracinha se levantou:
--- Neta! Vai lá no tanque e pega a pedra que eu deixei de molho. [...]
Atarantada, Sabrina sumiu na cozinha e na mesma hora voltou de braço estendido,
carregando a pedra e entregando ela pra dona Gracinha. [A tia Inês e o Assassino]
se engalfinharam pra valer numa luta física. [...]
--- Me ajuda aqui com essa pedra, Neta!
--- Durante sete anos você tirou de mim tudo que uma puta apaixonada pode dar; já
tirou que chega!
--- Vem, Neta! Vamos sentar essa pedra na cabeça dele!
Com um safanão violento ele derrubou a tia Inês no chão. [...] Preparou o pontapé,
mas a Sabrina se interpôs. [...] Novo safanão e a Sabrina foi parar do outro lado da
sala.
Dona Gracinha, de cara entortada pela força que quis imprimir ao golpe, sentou a
pedra na cabeça do Assassino. E por um instante ficou parada, meio perplexa de não
ver nenhuma reação ao tremendo golpe aplicado. Mas logo se refez: pegou a pedra
41
de novo pra novo ataque, ao mesmo tempo que a Sabrina, só pensando em poupar a
tia Inês dos pontapés, se enfiou de novo na briga...
--- Para com isso, para, para!
... e assim, feito um escudo, recebia os golpes destinados à tia Inês. (BOJUNGA,
2006, pp.138-9)
Durante todo o embate entre Inês e seu algoz, é Sabrina quem experimenta todas as
sensações, uma vez que sua avó, aquela que deveria ser naturalmente a que protege, encara o
que se processa ao seu redor sob uma lógica totalmente diversa e ineficaz para aquele
momento específico em decorrência de sua condição mental alterada. O adulto torna-se, pois,
aqui e daqui para frente nessa história, a criança, a pessoa que necessita ser cuidada e
protegida, e a criança é impelida a adultizar-se, assumindo um papel que de modo algum
deveria ser o seu. E é assim, após a morte de Inês e para poder sustentar a si mesma e à sua
avó, que Sabrina calça o sapato de salto outrora calçado por sua tia, indo prostituir-se para
obter o sustento da casa amarela que agora, por brutal imposição da vida, era de sua total
responsabilidade.
Mas antes de entrarmos em mais essa página sombria da história de Sabrina, é
importante que um personagem seja apresentado, Andrea Doria, que cruza o caminho da
menina nas aulas de dança da tia Inês (ela era dançarina antes de conhecer o Assassino).
Andrea é um adolescente de treze anos de idade, dono de uma delicadeza que “não
morava só nos gestos e nos traços fisionômicos perfeitos: morava também nos sentimentos e
nas reações que ele tinha” (BOJUNGA, 2006, p.191). Sua maior paixão é a dança, e é por
meio dela que ele conhece a tia Inês. Ao saber que chegara à vizinhança uma professora de
dança, Andrea vai imediatamente ao seu encontro para pedir orientações, mas Inês nega-lhe as
aulas argumentando que não formava bailarinos. “Eu danço conforme a música – Riu
curtinho. – Mas cobro. E cobro bem” (BOJUNGA, 2006, p.44). Essa afirmação da tia de
Sabrina reforça a suspeita levantada com a sua descrição à porta da casa dos Gonçalves de
que ela era uma prostituta, o que se confirmará ao longo da narrativa. Mas o menino não
desiste e, por fim, consegue convencer Inês a lhe dar as aulas de dança.
Andrea reúne em si a personificação de vários tipos de amores, os que ele desperta em
Sabrina - que primeiro se apaixona por ele e depois passa a tê-lo como amigo e irmão - e os
que nele são despertados por Joel - rapaz seis anos mais velho com quem o menino vive as
suas primeiras experiências amorosas e sexuais. Ao passo que os sentimentos da menina por
Andrea são mais românticos, os do menino por Joel são eminentemente eróticos. Ela descobre
em Andrea o amor, que descobre em Joel a paixão. Vejamos como Sabrina se sente em
relação ao menino:
42
Nunca tinha visto um outro alguém que ela gostasse assim de olhar. Sentiu um
arrepio do braço. [...] Mas a Sabrina ainda é criança; está longe de especular o que
que um ser pode fazer o outro se arrepiar. (BOJUNGA, 2006, p.57)
Observemos agora a diferença entre as sensações descritas no trecho acima e as do que
se segue, agora tendo como atores Andrea e Joel.
Ele vem sempre com essa história de que me ama. Ele só me ama naquela hora! Aí
ele não para de me alisar e de me olhar... Mas é só ele gozar e pronto, volta lá pros
livros dele. [...] Quando ele chega perto de mim ele só tá interessado é naquilo
mesmo. (BOJUNGA, 2006, p.158)
O conflito vivido na busca por uma identidade, as primeiras desilusões amorosas, o
despertar da sexualidade, tudo isso é posto em evidência por meio das experiências vividas
por Andrea Doria. O menino não sabe se é de fato gay e chega até a brigar com alguns garotos
da escola que o chamam assim. Ele sofre com a intolerância do seu pai e com a indiferença de
Joel, - “Ando me sentindo meio escravo do Joel” (BOJUNGA, 2006, p.193). Felizmente,
nessa procura por si mesmo, ele encontra em sua mãe, Paloma, e em seu tio, Leonardo, todo o
apoio que precisa para, ao seu tempo e do seu modo, poder descobrir-se.
No tocante a definição da identidade sexual de Andrea e da solução de seus conflitos,
o livro não traz respostas. Na verdade, ela traz mais perguntas e silêncios. Isso enriquece o
texto sobremaneira, e o dota de uma profunda singeleza, revelando mais uma vez o espírito
sensível que anima as obras dessa autora. Ela continua sabendo que sua missão como escritora
não é a de ensinar como é a vida ou ainda como se deve vivê-la, mas trazer à tona aquilo que
toca a alma, aquilo que nos faz lembrar da nossa humanidade. O diálogo que se processa entre
Andrea e seu tio Leonardo é um ótimo exemplo disso:
--- [...] Eu sei lá se eu sou gay ou sou o quê. Vai ver eu sou: eu nunca gostei de
nenhuma menina... Eu não curto jogar bola... Eu sou gosto de dançar... – E se
virando pro Leonardo: --- Mas a mãe disse que você também nunca curtiu futebol;
você não é gay, não é?
--- Nunca experimente: não tenho a menor ideia se ia gostar ou não.
Andrea Doria ficou um tempo pensativo. Depois:
--- Pois é, essa é a primeira vez que eu experimento ter um caso com alguém. [...]
Calhou que foi com o Joel. Mas, às vezes, eu fico pensando que podia ter calhado
com uma mulher, e aí? Eu quero dizer assim: se uma mulher mais velha [...] tivesse
me pegado, feito o Joel me pegou pra gente... transar... aí como é que ficava? Eu não
era mais gay?
--- Bom, Andrea, acho que tudo ia depender da tua reação, dos teus sentimentos...
--- [...] Quer dizer, tem umas coisas que ele faz comigo que eu gosto sim, mas sei lá!
Se uma mulher fizesse, vai ver eu também ia gostar... (BOJUNGA, 2006, p.192)
43
É em meio a esse turbilhão de dúvidas e descobertas, que Sabrina atravessa o caminho
de Andrea. A relação entre eles vai ganhando feições diferentes ao longo da narrativa. A
princípio, Sabrina apaixona-se pelo menino:
[...] o olho se demorando em cada detalhe da bermuda, do cinto e da camisa que se
ajustava no corpo esguio do Andrea Doria. O olho da Sabrina ia e voltava: do
pescoço pro cabelo; do queixo pro cabelo; do nariz pro cabelo; da testa pro cabelo,
que era claro, comprido e bom demais – ela pensou – de passar a mão. (BOJUNGA,
2006, p.57)
As relações entre eles vão progressivamente se estreitando por causa das aulas de
dança que o menino passa a frequentar na casa amarela, e nas quais Inês descobre que
Sabrina, assim como ela, também possui o dom da dança. Dançando juntos, eles descobrem
afinidades e vão se tornando amigos, amizade essa que se mantém mesmo após a morte de
Inês, pois Andrea continua indo à casa amarela para dançar com dona Gracinha e sua neta. A
partir dessa convivência os sentimentos que Sabrina cultiva em relação ao menino vão
adquirindo feições fraternais, assim como os dele para com ela.
Porém o fato que marca a solidificação dessa amizade e os encaminha para que os dois
se tornem definitivamente irmãos é a descoberta da prostituição de Sabrina por parte de
Andrea. Ele está no capinzal esperando por Joel, quando a vê chegando na companhia do
açougueiro do bairro:
O homem veio avançando. Volta e meia virava a cabeça pra se certificar que a
Sabrina vinha atrás. [...] O olho do Andrea Doria se prendeu na Sabrina: a cara
muito séria; uma sainha muito curta. Mais uma vez o Andrea Doria se surpreendeu:
achou que, de repente, a Sabrina tinha crescido.[...] E, no breve momento em que a
Sabrina atravessou a picada estreita pra seguir o homem matagal adentro, o olho do
Andrea Doria viu o pé dela calçado num sapato abotinado de salto bem alto, tal e
qual o sapato que Inês usava pra dançar. (BOJUNGA, 2006, p.160-1)
A descrição da menina na cena traz de volta à história a Sabrina recém-saída da casa
dos Gonçalves, apontando o estabelecimento de um novo capítulo de perda da infância em sua
trajetória. Naquele dia em que foi resgatada da vida de abusos em que se encontrava, era essa
mesma seriedade adulta que se podia ver nos olhar da garota; olhos de adulto num corpo de
criança:
E dessa vez lançou um olhar duro pra Sabrina --- Ou você acha que a vida é uma
festa? [...]
Sabrina ficou sustentado o olhar da tia. Sustentando só, não: espelhando. A tal ponto
espelhando, que, a tia Inês se surpreendeu de ver tanta dureza no olho de uma
criança.
--- Não - a Sabrina respondeu afinal -, eu não acho que a vida é uma festa.
(BOJUNGA, 2006, p.41)
44
Além disso, estabelece-se o sapato de salto como símbolo dessa nova perda da
infância, dessa entrada prematura e forçada no mundo adulto. Grande parte do capítulo 7 do
livro, Lembranças, é dedicada a este elemento que, se já havia sido altamente simbólico na
vida de Inês (ela calçou o seu primeiro sapato alto quando decidiu ser dançarina e muitos
outros durante sua vida de prostituição), passa agora a significar bastante também na vida de
Sabrina, tanto como uma insígnia do amadurecimento forçado - “quando eu saio eu boto a
sapato da tia Inês pra não parecer que ainda vou fazer 11 anos” (BOJUNGA, 2006, p.214) -,
quanto como uma espécie de monumento erguido em memória ao tempo em que ela
realmente pode ser criança - “Mas a tia Inês tá aqui, ó. [...] O olho continuava no sapato, mas
agora se enchendo de lágrimas” (BOJUNGA, 2006, p.216).
A dureza com que Sabrina revela sua condição também é de um realismo contundente,
mas não consegue camuflar o quanto aquilo a faz sofrer. A primeira pessoa a quem ela conta
que está se prostituindo é Andrea Doria:
--- Sabia que eu sou puta? – ela insistiu. E de ombros. – Se não sabia ficou sabendo.
Andrea Doria tentou se recuperar do choque.
--- Que que isso, Sabrina, você não pode ser puta!... você ainda é muito criança. [...]
Mas [sua tia] foi te buscar... pra isso?
--- Não, não! Ela foi me buscar pra gente ser uma família. [...] Ela dizia que... que...
– Já não havia mais desafio nem revolta no olhar de Sabrina. Na cara toda agora só
tinha tristeza. Tanta! Que o olho começou a despejar lágrima e a voz foi saindo cada
vez mais fraquinha: --- [...] Ah, era tão bom todo dia lá com a tia Inês! Eu gostava
tanto dela, era tão bom! Dançando... brincando com a vó Gracinha... tão bom que
era... Na geladeira sempre tinha comida, era tão bom... – A voz trancou; a boca se
apertou pra não sair soluço nenhum. (BOJUNGA, 2006, p.169-170)
Em seguida vem dona Estefânia, uma senhora da vizinhança que decide fazer um
abaixo-assinado no bairro para que se mande Sabrina para a casa do menor abandonado e sua
avó para um hospício.
E eu sei que aquela coroa ali da esquina já começou a tratar de arrumar orfanato e
casa de maluco pra gente. Aqui, ó! Aqui que eu vou. [...] E ontem mesmo eu fui
falar lá com a coroa e disse pra ela que ela não tem nada que se meter na minha vida,
[...] eu disse que abandonada era a puta que pariu, [...] e disse que criança eu
também não era: conhecia homem melhor que ela, e era bom ela ficar entendendo
que se eu tinha família eu tinha mais é que tomar conta da minha família.
(BOJUNGA, 2006, p.218)
Sabrina faz esse desabafo para Paloma, mãe de Andrea Doria, num dia em que ela vai
visitar a menina e sua avó, visita de cortesia pela morte de Inês, levando-lhes um prato de
panquecas, que elas devoram vorazmente diante do olhar espantado da mulher:
45
[...] Paloma sorriu e perguntou:
--- E o que que você é?
--- Puta, ué!
A resposta deu um susto em Paloma. Ela se endireitou na cadeira.
--- Que que é isso, Sabrina? Que brincadeira é essa?
Sabrina olhou pra ela ressabiada
--- O Andrea Doria não contou pra senhora?
--- E por que que você diz que é puta?
--- Puta não é quem descola uma grana pra fazer coisa que homem quer que a gente
faz quando fica pelada?
Paloma desviou o olhar pro chão [...] e agora era o olho dela que abandonava a
Paloma pra ir se encontrar com o sapato. Paloma percebeu a expressão de tristeza
que, rapidinho se estampou no rosto dela.
--- [...] Eu não sabia que saudade doía tanto assim. (BOJUNGA, 2006, p.213-215)
E então, histórias que inicialmente pareciam não possuir nenhuma conexão
encontram-se e estabelecem sentido, tanto para a vida de Paloma, quanto para a de Sabrina. É
que ao saber da situação que a menina estava vivendo, Paloma resolve adotá-la, o que traz
consequências profundas para o seu casamento, já desgastado. O fato é que seu marido
(Rodolfo, o pai de Andrea Doria) não aceita de modo alguma a decisão da esposa – “além de
estimular meu filho pra ser gay, agora tá querendo trazer uma puta pra morar na minha casa!”
(BOJUNGA, 2006, p.241) – e isso acaba por encerrar o casamento dos dois. Mas o que parece
um fim torna-se o início de uma nova vida para Paloma, que finalmente se reencontra com a
mulher que ela realmente gostaria de ter sido:
--- Você vai viajar?
--- Vou. – Fecha a mala. [...] Pro Hotel da Estação. Você acaba de trazer a sua
“perfilhada” Sabrina e a sua “adotada” Vó Gracinha pra esta casa. (Tanto pro
perfilhada como pro adotada ele faz sinal de aspas no ar). Não estou a fim de
conviver nem com uma nem com a outra. – Se ergue e, afinal, olha pra Paloma: Então, minha cara, não me resta senão dizer: até mais ver. – E acompanha o gesto de
despedida com uma expressão irônica. – No dia que você voltar a ser a Paloma que
eu conheci...
--- Mas a Paloma que você conheceu é exatamente esta que você está vendo agora.
A outra, que veio depois, foi uma Paloma fabricada pra se ajustar a você...
(BOJUNGA, 2006, p.268)
E é assim que as cores voltam à vida de Sabrina. Dessa vez, não por meio do poder
transformador da fantasia ou de algum recurso da imaginação, mas através da solidariedade
humana revelada na atitude prática de uma mulher que, ao decidir mudar os rumos de sua
existência, muda também a história da vida de uma garotinha que precisava de uma segunda
chance para poder, novamente, voltar a ser criança.
46
Sabrina [...] abraçou a Paloma; abraçou o Andrea Doria; abraçou a dona Gracinha;
correu pro som; botou música; pé, braço, cabelo, corpo, tudo desatou a dançar,
celebrando a nova estação de vida que ia começar. (BOJUNGA, 2006, p. 260)
A fantasia parece ganhar corpo em Sapato de Salto, trazendo concretude as coisas que
antes eram alcançadas por vias simbólicas. A madrinha de Alexandre (BOJUNGA, 2002)
recebe um rosto e um nome em Paloma; a bolsa amarela (BOJUNGA, 1993) cresce e se
transforma na casa amarela onde Sabrina experimenta pela primeira vez a sensação de ser
criança; e portas novas (BOJUNGA, 1979) não deixam de aparecer, abrindo um mundo novo
de possibilidades para o futuro da menina.
Essa mudança de abordagem não empobrece de maneira alguma o impacto da história
sobre o leitor, visto que Lygia, assim como de costume, não fecha os caminhos interpretativos
ao fim da narrativa, não lhe confere nenhum tom moralizante, nem pretende diminuir o valor
da imaginação. Ela sabe que na vida, assim como na fantasia, sempre existirão inúmeras
maneiras de se superar a realidade embargante em que possamos nos encontrar.
3.2 ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA
3.2.1
Primeiras leituras – encontro 1
Em nosso primeiro encontro, ocorrido em 12/03/2012, estiveram presentes 14 dos 15
alunos que entregaram o TCLE. A sequência didática foi posta em prática exatamente de
acordo com o planejamento feito. Os alunos demonstraram boa disposição para a participação
nas discussões, fazendo observações pertinentes e inferências inteligentes acerca da leitura
feita em sala de aula. Além disso, demonstraram interesse na história, surgindo inclusive a
sugestão de que nos encontrássemos mais de uma vez por semana para darmos continuidade
aos círculos de leitura de maneira mais célere.
Iniciamos nossas atividades com as apresentações do curso e a entrega dos diários de
leitura, assim como com a realização das explicações e instruções inicias acerca de sua
importância para a pesquisa e de seu manuseio. A este momento seguiu-se outro de
levantamento dos conhecimentos prévios dos leitores em relação ao elemento que intitula a
obra: o sapato de salto. Com o auxílio de uma apresentação em PowerPoint, elencamos
47
alguns dos significados de que este objeto se reveste em nossa sociedade, chegando às
seguintes representações:
Significações estéticas
Significações sociais
Poder feminino
Diversão (o que se usa para ir à festas)
Elegância
Feminilidade (faz parte do universo feminino; se usado por
um homem é por ou para sentir-se mulher)
Vaidade
Maturidade (usado por adulto, apesar de cada vez mais fazer
parte da indumentária infantil)
Sensualidade
Andar ou subir no salto (ser arrogante ou exibido)
Delicadeza
Descer do salto (porta-se de modo deselegante, deixar a boa
educação de lado)
Autoconfiança
Segundo Koch e Elias (2009, p. 32) “o título é um elemento constitutivo do texto cuja
função é, geralmente chamar a atenção do leitor e orientá-lo na produção de sentido”. A partir
do título fazemos antecipações, levantamos hipóteses que serão confirmadas ou rejeitadas no
decorrer da leitura. Por isso, levantar os conhecimentos prévios dos alunos acerca dele nos
pareceu um ponto de partida interessante para a compreensão do texto. De acordo com
Kleiman (2002),
ativação do conhecimento prévio é, então, essencial à compreensão, pois é o
conhecimento que o leitor tem sobre o assunto que lhe permite fazer as inferências
necessárias para relacionar diferentes partes discretas do texto num todo coerente.
(p. 25)
Tomando por base a discussão acerca dos significados do sapato de salto, foi
apresentado à turma quatro possibilidades de capa para a obra que iríamos começar a ler,
sendo uma a real capa e as outras três criadas especialmente para a atividade, para que eles
apontassem a que achavam ser o do livro, explicando o porquê das suas escolhas. Ambas as
atividades forma registradas por escrito por cada um dos alunos em seus diários de leitura. As
capas apresentadas foram as seguintes:
48
1
2
3
4
Todas as capas foram escolhidas. Apenas um aluno optou pela primeira, e o fez
acreditando que ela refletia uma obra que trataria da evolução de fases na vida de uma
menina (sujeito 1), que iria da infância (representada ali pelo uso do tênis) e juventude
(representada pelo sapato alto usado para trabalho, o segundo na imagem) até a fase adulta
(representado pelo sapato de festa). Disse ainda que ela estaria relacionada com a evolução da
vida ou transição de fases.
Oralmente alguns alunos haviam escolhido esta capa por acharem que ela refletia a
ditadura da beleza imposta pela sociedade às adolescentes, que são impelidas a deixar seus
tênis de lado (representado seu conforto e ingenuidade) e subirem em saltos para serem vistas
como mulheres. Todavia, no momento do registro escrito de suas opiniões no diário de
leitura, mudaram de opinião.
Alguns escolheram a capa número dois, justificando tal escolha pelo fato de ali estar
representado de forma clara o objeto que intitula o livro. Disseram ainda que a régua que toma
o lugar do salto na figura representaria o próprio amadurecimento das possíveis personagens
que povoariam o enredo da obra. Ainda em relação à fita métrica que pode ser notada no salto
exposto nesta capa, o sujeito 13 afirmou que exprimiria a relação entre a mulher elegante (no
salto) e a mulher chula (quando desce do salto), fazendo uma retomada do que havia sido
discutido inicialmente em relação aos significados que rodeiam o elemento sapato alto em
nossa sociedade. Perceberam ainda a condição rudimentar do sapato apresentado naquela capa
e explicaram tal fato afirmando que virar gente grande nem sempre é bonito (sujeito 10).
Os que optaram pela terceira capa fizeram uma leitura diferenciada do título do livro,
entendendo esse sapato não mais como sendo alto, mas feito para saltar. Associaram a esta
compreensão uma visão de superação dos obstáculos que a vida impõe a cada um na
passagem da adolescência para a vida adulta. A resposta do sujeito 7 deixa clara tal percepção
49
ao afirmar que trata-se da questão do pulo da mulher, que pode se referir a diversas coisas,
como, por exemplo, à própria evolução ou à ideia de superação relacionada a algum
problema.
Ainda em relação a esta capa, o sujeito 4 justificou sua escolha ao inferir que a capa
sugeriria que ela está se preparando para pular, saltar ou voar e isso pode ser uma pessoa
que quer se libertar.
O sujeito 9, por sua vez, respondeu que o sapato seria a mulher e o salto a evolução,
isto é, as mudanças que ocorreram em relação ao universo feminino de épocas passadas até
o momento atual.
A quarta capa foi a escolha da maioria, fato este que deixou claro a expectativa que
grande parte da turma tinha em relação ao livro. Apenas meninas a elegeram e disseram
acreditar ser aquela a capa do livro, pois mostrava uma menina elegante e vaidosa, rodeada
por elementos do universo feminino e que parecia sentir-se bem consigo mesmo e com sua
condição de mulher (retextualização da fala do sujeito 3). Sendo assim, imaginavam que a
obra iria tratar dos dilemas e alegrias de ser adolescente nos dias atuais. O sujeito 5 justificou
sua escolha afirmando achar o fato de a mulher ser a principal consumidora do sapato de
salto, mostrando a feminilidade da mulher atual, além de sua vaidade e elegância.
Já tendo nos aproximado um pouco da obra, dedicamos um momento para
conhecermos um pouco mais sobre Lygia Bojunga. Foram mostradas à turma algumas fotos
da autora e conversou-se sobre suas origens, vivências, paixão pela literatura, além de terem
sido apresentadas algumas de suas obras, como Angélica, A Bolsa Amarela, A Casa da
Madrinha, Tchau e O Abraço, discorrendo sucintamente sobre cada um destes livros.
Os alunos imediatamente manifestaram interesse pela bravura de Angélica em expor a
mentira mantida há tanto por sua família cegonha, pela inventividade de Raquel, que lança
mão da sua imaginação para conseguir lidar melhor com os aspectos da realidade que lhe
embargam e divergiram opiniões acerca da atitude da mãe de Rebeca ao deixar seu lar para ir
viver seu grande amor. Esse momento da aula levou mais tempo que o planejado, mas foi
bastante frutífero no sentido de ter plantado a semente da curiosidade em muitos alunos da
turma, que pediram que eu levasse posteriormente estes livros de Lygia para que eles também
pudessem lê-los.
Seguido a este momento inicial de familiarização com a autora e a obra, foram
aplicados questionários para levantamento de dados socioeconômicos e culturais dos sujeitos
envolvidos na pesquisa. Tão logo o preenchimento do questionário foi finalizado, partimos
para a leitura do primeiro capítulo. Foram requisitados voluntários para assumir as falas das
50
personagens (Sabrina, dona Matilde, seu Gonçalves e Betinho), e como todos os alunos se
dispuseram a realizar as leituras, decidimos que iríamos revezar os leitores para que todos
pudessem participar da atividade. À medida que íamos avançando na leitura, questões iam
surgindo acerca das personagens e suas atitudes. Algumas discussões foram direcionadas pelo
planejamento prévio do encontro, outras surgiram por iniciativa da turma.
Ao chegarmos ao último bloco do capítulo, em função da hora avançada –
consequência das discussões frutíferas que aconteceram –, assumi a leitura integral da
história. Coincidentemente é nesse momento da narrativa que Sabrina é violentada por seu
patrão. O drama vivenciado pela menina no capítulo inicial do livro enterneceu enormemente
a todos. A turma manteve-se em silêncio durante toda a cena, quebrado apenas por maneios
negativos de cabeças e exclamações sentidas.
Uma questão que dividiu opiniões durante a discussão dos acontecimentos deste
capítulo foi o fato de Sabrina ter permanecido na casa dos Gonçalves após ter sido violentada
por seu patrão e ainda pedir “um dinheirinho” após um dos episódios. O sujeito 6 chegou a
afirmar que ela estaria gostando do que seu Gonçalves está fazendo com ela ou que poderia
estar se tornando interesseira (sujeito 11).
O número 9 defendeu que, apesar do susto e do trauma, ela aceita [a violência] porque
quer os presentes de seu Gonçalves. Muito interessante também foi a compreensão revelada
pelo sujeito 13, que afirmou que ela perdeu a inocência, muito embora viva nesse dilema do
abuso e de um carinho estranho, mas que nunca teve.
Outra parcela da turma, no entanto, acreditava que a passividade da menina devia-se
ao fato de ela não saber o que fazer (sujeito 4). O medo de voltar para o orfanato e o fato de
ser dependente daquela família (para comer e morar) foram as justificativas mais recorrentes
para explicar a atitude de Sabrina. O sujeito 3 afirmou que Sabrina poderia estar juntando o
dinheiro para fugir e se livrar daquela vida.
Outro combustível para discussão foi o questionamento acerca da ciência ou
desconhecimento de dona Matilde em relação ao que estava acontecendo entre seu marido e
Sabrina. Dona Matilde foi descrita pelos alunos como avarenta, preconceituosa, egoísta e
amarga. Todos os alunos acreditavam que a mulher sabia do que estava acontecendo com
Sabrina, mas fingia nada perceber, uma vez que dependia financeiramente do marido (sujeito
8) e precisava da menina para os serviços domésticos (sujeito 12). Desse modo, criou-se uma
grande antipatia em relação a esta personagem, que foi alvo de muitas críticas por parte da
turma.
51
Mais um assunto discutido neste primeiro encontro foi o título do capítulo lido, “O
segredo azul fraquinho”. Lygia sempre gostou de colorir seus livros e personagens. A bolsa de
Raquel é amarela – uma cor vibrante, luminosa, alegre: a cara da infância. A casa da madrinha
de Alexandre é branca, tem a porta pintada de azul escuro e ainda há no meio dessa porta uma
flor amarela, onde fica guardada a chave daquele refúgio de paz. Há flores por todo o arredor
dessa casinha. A maleta da professora é repleta de pacotinhos coloridos... enfim, temos ali
reunidos tons que comunicam sensações de paz, de segurança, de felicidade.
Maria reencontra-se abrindo portas coloridas, das quais a vermelha contém as
lembranças que ela tentava esquecer. O vermelho em Corda Bamba carrega-se de ideias de
morte, de perigo. Mas após ele, surge uma porta multicolorida, repleta de esperança, que se
abre para a menina mostrando-lhe todas as oportunidades que a vida ainda irá lhe oferecer.
Mas na vida de Sabrina o que prevalece é o azul fraquinho, cor que a princípio deveria
remeter para sentidos de segurança e acolhimento, mas que se desbota diante da atitude
imperdoável de seu Gonçalves e lança sombras sobre a vida da menina, parecendo
acompanhar o desbotar da sua fantasia. Esta percepção, porém, não foi elaborada de forma
independente pela turma. As hipóteses inicias levantadas para explicar este tópico ficaram
muito presas à leitura literal da obra. O aluno 7, por exemplo, afirmou que a relação
estabelecida entre o nome do primeiro capítulo e seu enredo devia-se às cores dos lápis de
pintura usados pela menina ao fazer um desenho junto com seu Gonçalves.
Somente após mediação é que os sentidos possíveis estabelecidos entre título-enredo
ficaram mais claras. Então o sujeito 8 respondeu que a cor azul fraquinha teria sentido duplo,
sendo inicialmente interpretado como ponto de paz, lugar calmo e de refúgio, ou seja, o
segredo era bobo, inocente (azul – calmaria; fraquinho – claro, límpido), mas ao decorrer do
texto tornou-se sinônimo de desbotado, manchado.
3.2.2
Um jogo de revela e esconde – encontro 2
Em nosso segundo encontro, ocorrido em 19/03/2012, foi entregue à turma o capítulo
2 do livro, intitulado “A tia Inês”, no qual é introduzida uma nova personagem na trama. Inês,
irmã caçula de Maristela, mãe de Sabrina, surge na casa dos Gonçalves reclamando a tutela da
menina.
52
A dinâmica de leitura coletiva do capítulo foi a mesma utilizada no encontro anterior:
leitura oral expressiva, na qual os alunos se alternavam na assunção das falas dos
personagens. Mais uma vez a turma demonstrou boa disposição para realização da leitura e
mostrou-se envolvida positivamente em tal atividade (ninguém queria ficar de fora deste
momento, de modo que o mesmo personagem precisava ser assumido por dois ou até três
alunos para que todos pudessem participar da leitura).
Terminado o momento de leitura, começamos a discutir mais detidamente acerca da
nova personagem, que nos é apresentada da seguinte maneira:
Uma mulher na casa dos trinta esperava de braços cruzados. Primeiro, o olho de
Sabrina se prendeu no olho da mulher; depois, subiu pro cabelo: ruivo, farto, uma
mecha loura daqui, um encaracolado de lá; desceu pra orelha: argolona dourada na
ponta; atravessou pra boca: o lábio era grosso, o batom bem vermelho; mergulhou
no pescoço: conta de vidro dando três voltas, cada volta de uma cor; o olho ganhou
velocidade, atravessou o decote ousado, meio que tropeçou na alça da bolsa e foi
despencando pro cinto grosso (que cinturinha que ela tem!), e pro branco apertado
da saia, e pra perna morena e forte, que descansava o pé num sapato de salto. Bem
alto. Unha da mão pintada da mesma cor do batom. (BOJUNGA, 2006, p. 26, 27)
Os fatos para os quais a mediação, através das perguntas postas no diário de leitura e
das atividades planejadas para o encontro, pretendia chamar a atenção eram: as primeiras
impressões acerca da tia Inês, as novas informações obtidas no capítulo sobre Sabrina e sua
história e algumas especulações a respeito das possíveis intenções de Inês ao reclamar a
guarda da menina após tantos anos de abandono.
Inicialmente, os alunos elencaram em uma tabela as características físicas e os traços
de personalidade que consideraram predominantes na personagem. Por ordem de reincidência,
tais atributos apareceram do seguinte modo:
Características físicas
Traços de personalidade
Vulgar (91%)
Protetora / Emotiva / Solidária (100%)
Bonita / Vaidosa (64%)
Atrevida / Debochada (82%)
Elegante (27%)
Temperamental / Personalidade forte (64%)
Este levantamento de características foi muito importante para a próxima atividade
que realizamos – um júri –, instaurado para que pudéssemos analisar quais seriam as possíveis
53
intenções da tia ao reclamar a guarda de Sabrina. Para tanto, a turma foi dividida, então, em
dois grupos, um defendendo as boas intenções de Inês para com a menina e outro apontando a
possibilidade de esta estar mal intencionada ao pedir a guarda de Sabrina. A atividade foi
recebida com empolgação pela turma e sua finalidade era estimular os leitores a se
aprofundarem na análise da personagem.
O objetivo desta atividade foi a de por em exercício as habilidades de comunicação
oral dos leitores a partir de uma situação problema. Assim, esperávamos contribuir com o
alargamento das operações constitutivas do modo de organização do discurso argumentativo,
valorizando e aprimorando o uso dinâmico da palavra no exercício da interpretação e na
percepção do preenchimento dos vazios (ISER, 1996) presentes do texto lido.
Através do uso dinâmico da palavra pretendemos cooperar com o desenvolvimento da
capacidade de nossos leitores de criar símbolos, organizar pensamentos e elaborar
representações das experiências de mundo, o que auxiliaria na ampliação de seus horizontes
de expectativas.
Para a realização do júri, os grupos foram definidos de acordo com as convicções dos
sujeitos quanto ao intuito da tia, precisando que se fizessem apenas alguns poucos ajustes para
que as quantidades de pessoas em ambos os grupos fossem iguais. Foi pedido ainda aos
grupos que procurassem embasar seus argumentos em passagens do capítulo lido e, caso isso
não fosse possível, que explicassem que rumo o grupo acreditava que a história poderia tomar
para que o ponto de vista levantado pudesse ser plausível.
Para os que acreditavam serem boas as intenções de Inês, os argumentos arrolados
foram de que a tia havia procurado a menina porque desejava cuidar e protege-la, além de lhe
dar uma família e proporcionar-lhe uma infância normal e uma vida melhor. Por outro lado,
os que desconfiavam da idoneidade da tia, alegavam que esta poderia querer explorar Sabrina
sexualmente ou torna-la sua empregada doméstica. Alguns foram ainda mais longe e disseram
ser possível que a Inês quisesse tomar uma possível herança deixada para a menina.
A partir destes argumentos, iniciou-se o julgamento. À medida que o júri foi se
desenrolando, os ânimos de alguns participantes foram se exaltando e as discussões tomaram
um rumo delicado. O primeiro problema foi o fato de os grupos não respeitarem o momento
de exposição e defesa dos argumentos de seus opositores, querendo sempre interromper quem
estivesse falando antes que pudesse terminar sua linha de pensamento.
A segunda dificuldade se deu pelo fato de o grupo que acusava a tia Inês de estar mal
intencionada ao reclamar a guarda de Sabrina ter embasado toda a sua argumentação na
possibilidade de a menina estar sendo levada para ser explorada sexualmente. Para eles, a
54
personalidade da tia era duvidosa em função do modo como ela se vestia e se portava, o que
os levou a concluir que a profissão da personagem era a de prostituta.
Ao escolherem seguir nessa linha de argumentação alguns sujeitos sentiram
dificuldade em manter a discussão em um nível objetivo, tendo havido momentos em que
aconteceram ataques pessoais a alguns participantes que não achavam o uso de roupas curtas
e decotadas um sinal de indignidade, ou manifestação de pensamentos preconceituosos,
principalmente comentários degradantes dirigidos a algumas meninas.
Apesar de terem sido feitas interferências nos momentos de tensão ou desrespeito, nós
não conseguimos ir até o fim com a atividade, pois alguns alunos recusaram-se a mudar a
postura agressiva que haviam assumido. Deste modo, interrompemos o júri antes de seu
término e nos sentamos em um círculo para discutirmos acerca do que havíamos acabado de
vivenciar durante a atividade proposta.
A maioria a turma, ao deparar-se com o modo de se vestir de Inês (saia justa, decote
ousado, sapato bem alto, argola na orelha e batom vermelho), julgou-a como sendo uma
mulher vulgar, no sentido de pouco respeitável. Esta impressão era reforçada pela percepção
que dona Matilde tivera de Inês ao conhecê-la:
--- Sabia que, além do resto, a senhora é muito folgada?
A tia Inês imitou também o gesto de mãos na cintura:
--- Que resto, hein?
Dessa vez a dona Matilde olhou ostensivamente o decote do vestido, a coxa
forçando a saia justa, o sapato de salto e só disse:
--- Hmm!... (que assim mesmo saiu pelo nariz). (BOJUNGA, 2006, p. 32)
Outros dois fatores apresentados pelos alunos que corroboraram para esta leitura foi o
fato de ela ser fumante – “A tia Inês remexeu de novo na bolsa, tirou isqueiro e cigarro, se
encostou na moldura da porta e começou a fumar.” (BOJUNGA, 2006, p. 33) – e o linguajar
por ela utilizado – “Não deixo porra nenhuma! o que que ela tá pensando? Bater numa criança
desse jeito!” (BOJUNGA, 2006, p. 37).
Indagados sobre suas conclusões, desembarcamos em uma discussão acerca de valores
e estereótipos socialmente construídos em relação ao comportamento feminino. Por que
considerávamos indigna de respeito ou passível de julgamentos negativos uma mulher que
evidenciava sua sensualidade? Que relação poderia haver entre fumar e falar palavrões e a
prostituição? As opiniões se dividiram e assim como as respostas obtidas na tabela que
fizemos com as impressões inicias sobre a personagem mostraram, o que foi considerado
vulgar por alguns, foi tomado como beleza e vaidade para outros ou mesmo elegância. Fatores
55
como senso comum, educação doméstica e orientação religiosa foram os que mais
fundamentaram as justificativas das percepções dos sujeitos.
O sujeito 13 afirmou que o corpo é o templo de Deus e se você fuma e o exibe
vulgarmente você não tem respeito por si mesmo, o que não é um bom comportamento. Por
sua vez, o sujeito 2 disse que uma mulher para ser bonita não precisa exibir seu corpo. Todo
mundo sabe que quem faz isso só quer chamar atenção de homens sem nada na cabeça.
Por outro lado o sujeito 10 alegou que existe tempo para tudo: falar palavrão pode ser
vulgar em determinada ocasião e normal em outra; usar decote pode ser bonito em uma festa,
mas vai ser considerado vulgar em uma missa. Por isso não é certo rotular alguém de
prostituta só pela forma como ela se veste.
Ainda discutindo sobre o modo de se vestir da personagem, quatro alunos ressaltaram
a primeira aparição do sapato de salto na história (sujeitos 6, 7, 10 e 12) – “... e pra perna
morena e forte, que descansava o pé num sapato de salto. Bem alto.” (BOJUNGA, 2006, p.
27) –, mas dividiram-se quanto ao que este elemento poderia significar. Para alguns, o sapato
alto conferia elegância à tia de Sabrina, para outros, a fazia assemelhar-se a uma prostituta.
Por outro lado, quanto a personalidade da tia Inês, o que mais chamou a atenção dos
leitores foi a maneira como ela saiu em defesa de Sabrina no momento em que dona Matilde
tratou a menina com violência.
Quando Sabrina chegou mais perto pra dar um beijo de despedida, recebeu uma
bofetada na cara:
--- É pra você não esquecer que eu não vou me esquecer. – E bateu a porta com a
mesma força da bofetada.
O susto pregou a tia Inês no chão. Mas logo ela se recuperou:
--- O que que deu nessa bruxa?! – Afundou o dedo na campainha; a outra mão
desatou a bater na porta. [...] Gritou pra dentro da casa: – Quer bater, bate em mim!
Abre essa porta e experimenta. Experimenta pra ver se eu não arranco esse teu nariz
de bruxa e faço picadinho dele! (BOJUNGA, 2006, p. 37)
O comportamento da personagem na passagem acima serviu de exemplo também para
os demais traços da sua personalidade ressaltados pelos alunos: seu atrevimento e sua
destemperança. Quanto ao deboche, este foi justificado pela seguinte atitude de Inês, ao ser
questionada por dona Matilde quanto à veracidade de seu parentesco com Sabrina:
Mediu a tia Inês de alto a baixo:
– Tia da Sabrina?
– Hmm-hmm. (E o riso sempre ali no olho.)
Nova medição de alto a baixo:
– A senhora deve estar enganada: a Sabrina não tem parente nenhum.
Parece que a tia Inês achou graça na ênfase dada ao senhora: imitou direitinho:
56
– A senhora é que está enganada: a Sabrina tem uma tia: eu, e tem também uma avó:
a dona Maria da Graça Oliveira, conhecida como dona Gracinha. (BOJUNGA,
2006, p. 29)
Após as discussões, os ânimos se acalmaram. Consideramos este um momento
importante na medida em que evidenciou a controvérsia inerente aos temas polêmicos
trazidos para a sala de aula. Dialogar sobre assuntos que dividem opiniões e que tem raízes
fincadas em convicções sociais e religiosas pode colocar o professor algumas vezes em
situações delicadas. O professor, por sua vez, precisa estar preparado para intervir de maneira
a garantir uma boa condução da situação. O importante é que, a despeito dos fracassos ou
insucessos, os assuntos sejam conversados e as situações sirvam de aprendizado para o
professor, que a partir delas será capaz de aperfeiçoar suas estratégias de ensino/aprendizagem
ou descartar estratégias ineficazes.
Ao final de nossa conversa não chegamos à conclusão se Inês era boa ou má, nem
pudemos definir se suas intenções eram genuínas ou duvidosas. Mas essa realmente não era a
nossa intenção, assim como não é a intenção do livro. O que pretendíamos era primeiramente
verificar o nível de expectativa criado pela personagem, além de abrir um espaço para
conversamos sobre assuntos delicados, espaço esse onde toda e qualquer opinião pudesse ser
ouvida e onde todos estivessem abertos para repensar e afirmar suas convicções. Defender
uma literatura juvenil menos maniqueísta ou pedagogizante e querer impor uma verdade ou
interpretação única em momentos como o que vivenciamos, é andar na contramão da
evolução desta literatura. Muito mais importante do que termos encontrado um rótulo para a
personagem, foi podermos perceber a complexidade de sua construção narrativa.
Aproveitando a conclusão a que chegamos para, deixamos um pouco de lado as
discussões temáticas suscitadas pelo capítulo e os voltamos para uma característica da
construção narrativa do texto: a importância do olhar dos personagens na construção do
enredo.
Em Sapato de Salto, Lygia lança mão de um recurso narrativo interessante: em geral
os personagens são descritos por personagens e não por um narrador, de modo que para
“montarmos” o perfil de um personagem nos valemos das impressões e opiniões dos outros
participantes da história e em momentos diversos do enredo.
Pensando em termos de teoria literária, a questão do narrador diz respeito à voz que
enuncia a história e a de que modo essa voz está relacionada com as outras que compõem o
discurso do texto. Isso significa questionar quem conta a história e por qual perspectiva,
identificando não apenas a entidade que relata os acontecimentos, mas localizando e
57
temporalizando o próprio processo de enunciação. Em Sapato de Salto percebemos a presença
de personagens-narrador que possuem onisciência seletiva múltipla, ou multisseletiva
(CHIAPPINI, 2002), uma vez que a história chega ao leitor diretamente através da mente das
personagens, das impressões que fatos e pessoas deixam nelas. É como montar um quebracabeça. A autora organiza a trama em um elaborado jogo de revelações e ocultamentos, tanto
das histórias e características dos personagens, quanto das peças necessárias para
compreendermos todo o enredo.
No romance lido, o olhar ocupa um lugar de destaque nesse jogo, uma vez que a
autora o usa como a lente pela qual nós enxergamos cada um dos personagens, sob diferentes
ângulos. É o olho de Sabrina, por exemplo, que nos apresenta Inês:
Primeiro o olho de Sabrina de prendeu no olho da mulher; depois, subiu [...], desceu
[...], atravessou [...], ganhou velocidade [...], meio que tropeçou na alça da bolsa e
foi despencando [...] (BOJUNGA, 2006, p. 27, 28).
O olhar da menina funciona como o narrador dos acontecimentos neste momento da
trama, levando o leitor a perceber o que ocorre sob o prisma de seu ponto de vista: “O olho de
Sabrina não parava: da tia Inês pra dona Matilde, da dona Matilde pra tia Inês.” (BOJUNGA,
2006, p. 33).
O olhar de Inês também é citado e descrito em diversos momentos do capítulo, a
exemplo de “E só aí a Sabrina reparou que tinha um riso meio terno e brincalhão no olho da
tia Inês.” (BOJUNGA, 2006, p. 28) e de “O olho da tia Inês de repente ficou sério. (E só nessa
hora a Sabrina concluiu que cor que ele era: verde-amarelado; puxa! que nem o gato aí do
lado.)” (BOJUNGA, 2006, p. 30). Além destes, o olhar de dona Matilde também é posto em
evidência: “Dessa vez a dona Matilde olhou ostensivamente o decote do vestido, a coxa
forçando a saia justa, o sapato de salto [...]” (BOJUNGA, 2006, p.32).
O olhar funciona ainda como uma manifestação do estado de espírito da própria
Sabrina que, em determinados momentos, reage com a inocência e alegria de uma criança –
“A perplexidade no olho de Sabrina pegou jeito de fascínio” (BOJUNGA, 2006, p. 30) –, e
em outros com a dureza de um adulto:
E dessa vez lançou um olhar duro pra Sabrina, - ou você acha que a vida é uma
festa? – parou e botou a mão na cintura.
Sabrina ficou sustentando o olhar da tia Inês. Sustentando só, não: espelhando. A tal
ponto espelhando, que, de repente, a tia Inês se surpreendeu de ver tanta dureza no
olho de uma criança.” (BOJUNGA, 2006, p. 41)
58
Sendo o olhar um elemento importante na construção da história e não tendo a certeza
de que os alunos perceberiam isto sem a ajuda de alguma mediação, elaboramos uma questão
no diário de leitura que pudesse incitá-los a atentar para este ponto. Para tanto, afirmamos que
o olhar era um importante componente na construção do segundo capítulo e os questionamos
acerca de como este elemento se manifestava nas ações de algumas personagens.
De fato, ninguém se manifestou acerca deste elemento da narrativa antes da mediação.
Contudo, após arguidos sobre isto, as respostas e percepções foram interessantes. O sujeito 7
descreveu o olhar de Sabrina como contraditório, pois tem ingenuidade de criança curiosa e
dureza da perda da inocência. O sujeito 10, por sua vez, respondeu que a tia Inês possuía um
olhar ao mesmo tempo forte, ao encarar dona Matilde, e ao mesmo tempo sensível ao se
direcionar à Sabrina.
Ainda foram discutidos alguns outros pontos referentes ao capítulo e, para concluir o
encontro, foram entregues à turma os capítulos 3, 4 e 5 para serem lidos em casa. Por se
tratarem de capítulos curtos, achamos que não seria inviável a leitura dos três em uma
semana. Pedimos ainda que os alunos registrassem no diário de leitura as suas impressões
inicias sobre dois novos personagens que adentrariam na trama: dona Gracinha e Andrea
Doria.
3.2.3
Mais uma vez, o olhar narrador – encontro 3
Iniciamos nosso terceiro encontro retomando os registros feitos em casa nos diários de
leitura acerca dos terceiro, quarto e quinto capítulos. Os objetivos da mediação neste ponto da
leitura eram: discutir um pouco mais acerca de qual seria a provável profissão de Inês,
elucidar o motivo real pelo qual ela teria ido à procura de Sabrina, conversar sobre a loucura
de dona Gracinha e suas possíveis causas, observar a importância dos espaços e cores na
construção da narrativa e analisar o papel do narrador neste ponto da trama.
Em relação ao capítulo 6, pretendíamos nos ocupar em ponderar acerca de um dos
temas mais polêmicos representados na obra na figura do menino Andrea Doria: sua
sexualidade, a maneira como os que o rodeavam lidavam com ela e o modo como ele mesmo
a compreendia. Principiamos ouvindo as impressões inicias da turma acerca de Andrea Doria,
um persistente menino de 13 anos de idade que tem o sonho ser dançarino. Não possuindo
59
dinheiro suficiente para bancar aulas de dança vai à procura de Inês para lhe ensinar, pois esta
parece dar aulas de dança em sua casa.
O nome do personagem logo chamou a atenção da turma, que achou estranho um
menino ter nome de menina. O sujeito 7 disse que Andrea era um menino que possuía
características interessantes, como seu nome e o fato de ele querer dançar, o que nos remete
a ideia de um travesti.
Ainda sobre Andrea o sujeito 10 afirmou que ele parecia ser simpático e gostar de
dançar, apesar de não ter condições de bancar uma aula. O fato de ter chamado a atenção de
Sabrina dá a ideia de que seu físico, sua aparência, deva ser bonita.
Endossando estas impressões, o sujeito 2 falou que tratava-se de um rapaz jovem,
muito bonito e aparentemente gay, apesar de ter causado um pequeno arrepio em Sabrina.
Esta atração demonstrada por Sabrina em relação ao menino nos levou a duas outras
interessantes discussões: uma temática, no que se refere a uma possível sexualização precoce
da menina em função de suas experiências vividas na casa dos Gonçalves, e outra textual,
concernente a uma interferência extraordinária do narrador no momento em que Sabrina
parece sentir-se atraída por Andrea, interrupção esta que vem em forma de uma nota de
rodapé na narrativa.
Na prática, ambas as esferas se misturavam, o que nos levou a discuti-las
concomitantemente. Voltamos nossa atenção para o olhar de Sabrina novamente funcionando
como narrador do texto:
Sem se dar conta dos movimentos que fazia, a Sabrina foi se posicionando pra
encaixar o Andrea Doria na fresta. Acabou conseguindo. Ele agora estava de perfil,
falando e gesticulando. [...] e a Sabrina se apossava dele com gosto, o olho se
demorando em cada detalhe da bermuda, do cinto e da camiseta que se ajustava no
corpo esgui do Andrea Doria. O olho da Sabrina ia e voltava: do pescoço pro cabelo;
do queixo pro cabelo; do nariz pro cabelo; da testa pro cabelo; que era claro,
comprido e bom demais – ela pensou – de passar a mão.
Quanto mais ia se apossando da imagem do Andrea Doaria, mais tomada ia ficando
pela vontade de continuar olhando. [...] Sentiu um arrepio no braço*.
*Mas a Sabrina ainda é criança; está longe de especular o que que um ser pode
fazer o outro se arrepiar. (BOJUNGA, 2006, p. 56,57)
Para os alunos, o olhar de Sabrina se revestiu de dois significados: desejo para alguns,
admiração para outros. Os que acreditavam que a menina desejava Andrea atribuíam essa
sexualização ao estupro por ela sofrido e justificavam sua interpretação no fato de ela ter se
arrepiado enquanto observava o rapaz. O sujeito 12 afirmou que, a despeito do que diz o
narrador da história, o olhar que Sabrina lançou sobre Andrea revelava um sentimento de
60
paixão, desejo, por causa que ela se arrepia toda. Explicou ainda o sujeito 6 que o olhar
manifestava desejo, pois apesar de ela ter uma mentalidade infantil, o seu corpo já não era
mais de uma criança por ela ter sido estuprada.
Os adeptos ao olhar de admiração entenderam o arrepio era sintoma apenas de uma
“paixonite” adolescente, ou da euforia de ver-se pela primeira vez apaixonado, e que não
tinha relação direta com sexo. O sujeito 5 disse ser um olhar de curiosidade e o sujeito 4 um
olhar de admiração por ele ser bonito.
Quanto à interferência do narrador, ela se faz relevante pelo fato de ele até aquele
ponto da história nunca ter se apresentado ou às suas ideias tão abertamente para o leitor. Esta
quebra de silêncio inesperada levou-nos a perceber uma tomada de “partido” por parte do
narrador que, até então, parecia ser muito imparcial no julgamento do caráter ou das atitudes
dos personagens da trama.
Sobre este fato, Chiappini (2002) auxilia nossa compreensão ao teorizar acerca do
Autor Onisciente Intruso. Esse tipo de narrador, que possui a liberdade de narrar à vontade,
pode adotar tanto um ponto de vista divino quanto limitar-se a narrar como se estivesse de
fora. Porém, não deixa de tecer comentários sobre a vida, os costumes, o caráter ou a moral
dos personagens, ainda que estes não estejam engranzados com a história narrada.
É este narrador que emerge na história no momento em que explica a atitude ou a
reação de Sabrina ao observar Andrea. Defendendo sua ingenuidade, ele revela não desconfiar
da idoneidade da menina. Inquiridos no Diário de Leitura acerca do que poderia sugerir esta
quebra de silêncio, os alunos responderam:

O narrador está defendendo Sabrina explicando que talvez o sentimento dela não
esteja totalmente desenvolvido por causa de sua idade, porém seu corpo já está
sentindo desejo por causa do que lhe fez seu Gonçalves. (sujeito 7)

O narrador está defendendo Sabrina, que apesar de tudo o que lhe aconteceu ainda é
criança; ele está afirmando que ela não perdeu sua inocência. (sujeito 6)

Ele defende Sabrina, mostrando que ela ainda é pura, ou pelo menos sua mente, já
que seu corpo não é mais. (sujeito 4)
O importante destas percepções foi que elas dissiparam algumas dúvidas em relação
ao caráter da menina que rondavam as mentes dos alunos, nascidas do momento em que ela,
em uma das noites na qual seu Gonçalves esteve em seu quarto, disse-lhe “E o dinheirinho?”.
Neste momento muitos da turma acharam que Sabrina havia se acomodado com a situação de
violência na qual se encontrava, pois estava vendo nela uma oportunidade obter vantagens
financeiras. Após a interferência do narrador, estes alunos concluíram que na verdade a
61
menina não havia se tornado uma aproveitadora, mas era apenas uma criança vítima de
circunstâncias cruéis das quais não sabia como fugir.
Outra descoberta importante trazida pelo capítulo disse respeito ao real motivo pelo
qual Inês havia ido à procura de Sabrina após 11 anos de ausência. Na verdade, ela queria que
a menina a ajudasse a cuidar de dona Gracinha, uma velhinha gorducha e de cabelos brancos
curtos e encaracolados, que havia ficado louca após ser abandonada pelo marido, perder a
filha Maristela, mãe de Sabrina, que se suicidou logo após o seu nascimento, e ver Inês, sua
filha caçula, fugir com um traficante para se prostituir no Rio de Janeiro.
A simpática senhora, que havia sido lavadeira toda a vida, após enlouquecer passou a
viver uma realidade outra, na qual criou alguns mecanismos que, remetendo à sua antiga vida,
a faziam conseguir lidar com suas perdas. Gracinha passava seus dias
[...] na frente do varal, estendendo roupa. Os movimentos que fazia se ajustavam [...]
direitinho na sequência de apanhar roupa na bacia de zinco que estava no chão,
sacudir a roupa bem sacudida, estender o braço pra uma sacola de plástico
pendurada num galho do limoeiro , pegar um pregador, prender a roupa no arame, se
abaixar de novo, pegar outra peça de roupa e laralalalá...
Só que: não tinha roupa na bacia, nem pregador na sacola, nem arame nenhum.
(BOJUNGA, 2006, p. 47)
Ao presenciar esta cena, Sabrina elabora uma explicação para a situação de sua avó
dizendo que ela tinha ficado “virada criança” (BOJUNGA, 2006, p.53), e de criança ela sabia
cuidar, pois havia sido babá de Betinho e Matilde na casa dos Gonçalves. Então ela
prontamente aceita ajudar nos cuidados de sua avó, fato este que foi percebido pelos alunos
como uma carta branca para Inês, deixando para trás de uma vez por todas quaisquer
desconfianças sobre as intenções desta personagem em relação à menina.
Todavia, outra dúvida emergiu: qual seria realmente a profissão de Inês – dançarina ou
prostituta? No episódio em que Sabrina conhece Andrea Doria, ele está à procura de sua tia
para pedir que ela lhe dê aulas de dança, uma vez que desde que chegou àquela cidadezinha
esta tem sido a profissão que alega ter. Todavia, a resposta que Inês dá ao menino deixa
margens para que o leitor faça outras interpretações.
Ao negar-lhe as aulas, argumentando que não formava bailarinos, ela diz: “Eu danço
conforme a música – Riu curtinho. – Mas cobro. E cobro bem” (BOJUNGA, 2006, p.44).
Essa afirmação reforçou a suspeita, levantada a partir de sua descrição à porta da casa dos
Gonçalves, de que ela era uma prostituta. A descrição de seu quarto também corrobora com
está hipótese:
62
A tia Inês abriu uma porta:
--- Meu quarto é este aqui, olha só. Adoro ele! Não é legal?
--- Super.
--- Sempre gostei de quarto grande, cama grande, espelho grande.
Sabrina foi se olhar no espelho.
--- Puxa! pra que assim tão grande, tia Inês?
--- Pra gente se ver dançando, é bom. (BOJUNGA, 2006, p. 46)
O sujeito 11, ao ler este trecho, afirmou que o quarto de Inês com cama grande e
espelho grande, parece um quarto de motel, enquanto o sujeito 10 disse que a descrição do
quarto deixa uma dúvida em relação a sua profissão, ela pode ser uma professora de dança
mesmo ou então uma prostituta.
Ao utilizar um ambiente da trama para embasar a suposição de que Inês não era
professora de dança, como desde sua adolescência sonhara sua mãe, abriu-se um espaço para
que discutíssemos acerca da relevância da construção dos espaços na obra. O quintal da casa
amarela, por exemplo, foi considerado pelos leitores como um ponto de refúgio para dona
Gracinha, um lugar de lembranças, onde ela podia se lembrar do seu passado e da sua filha
morta (sujeito 7). A “casa amarelo bem forte” também foi levada em consideração.
A casa era de beira de calçada. Porta e duas janelas. Na hora que pintaram a fachada
a tia Inês não estava em casa e a dona Gracinha ordenou pro pintor:
--- Tudo amarelo! amarelo bem forte!
Ele obedeceu: parede, porta, janela, número da casa, beiral do telhado, maçaneta,
fechadura, tudo amarelo. Bem forte. (BOJUNGA, 2006, p. 45)
Este espaço foi compreendido como um ambiente de alegria e liberdade para Sabrina,
opondo-se à casa dos Gonçalves, marcada pelo “segredo azul fraquinho”. Sobre este jogo de
sentidos estabelecido entre o azul claro e o amarelo forte, perguntamos a turma o que ele
representaria no contexto maior em que Sabrina inserira-se em cada um dos momentos da
obra. As respostas obtidas foram expressivas na medida em que revelaram a sensibilidade de
muitos alunos em perceber a tessitura da obra e capacidade de relacionar momentos distintos
da trama, observando-a como uma unidade significativa. Vejamos algumas das respostas:

O azul fraquinho é a tristeza, amargura, a prisão; o amarelo é a alegria, a vida, a
harmonia. Quer dizer que ela saiu de um canto sem graça para ir pra um lugar de
vida e alegria. (sujeito 11)

Sabrina sai de um ambiente desbotado e cheio de segredos para um lugar de alegria e
animação. (sujeito 10)

Sai de um lugar onde ela estava “presa” a segredos e infeliz, para um lugar alegre,
onde ela estava “livre”. (sujeito 4)
63
Findada a discussão sobre os capítulos lidos em casa, partimos para a leitura oral do
capítulo 6, momento sempre muito apreciado pela turma. Neste capítulo fomos apresentados a
alguns novos personagens: Paloma e Rodolfo, pais de Andrea; Leonardo, tio do menino e
irmão de Paloma; Joel, namorado de Andrea.
Já estando com o olhar mais aguçado para perceber as singularidades dos personagens
e suas relações com a trama, os alunos rapidamente traçaram perfis iniciais para estes
personagens. Em uma tabela desenhada do quadro, fomos preenchendo o que acreditávamos
ser relevante para que pudéssemos compreendê-los e depois a turma foi dividida em quatro
grupos. Cada grupo deveria transformar os pontos elencados no quadro acerca de um
personagem em um pequeno resumo, que foi depois reescrito coletivamente. Ao final desta
atividade obtivemos o seguinte:

Grupo 1
Paloma é a mãe de Andrea, amiga e carinhosa, sempre passava segurança para o menino.
Uma mulher compreensiva e tolerante, está grávida de 8 meses de uma menina chamada
Betina, mas antes disso teve muitos problemas para conseguir engravidar. Demonstra medo,
impotência e frustração diante do casamento e do marido, por quem já perdeu a paixão há
algum, tempo. Seu casamento só se mantém pelo fato de ela ter engravidado. Quando era
adolescente se apaixonou platonicamente por sua vizinha, Astrid, uma menina rica,
estrangeira e bonita.

Grupo 2
Leonardo é o irmão gêmeo de Paloma, tio de Andrea. Muito chegado à irmã, parece ser uma
pessoa compreensiva e delicada. Além disto, demonstra ser bastante politizado; detesta
corrupção e luta pela defesa e conservação do patrimônio cultural de sua cidade natal,
arquitetura, florestas, artesanato e riquezas em geral. Está inconformado com a demolição
do Sobradão que fica no Largo da Sé da cidadezinha onde se passa a história, que vai dar
lugar a um grande prédio que ele chama de Espigão.

Grupo 3
Rodolfo é o pai de Andrea. Um homem machista, grosseiro e bravo, que não aceita a
sexualidade do filho. Todo tempo ele acusa Paloma de criar o menino para ser gay, por
coloca-lo para lavar louça, arrumar a cama, falar mal de machismo para o menino,
incentiva-lo a dançar e, principalmente por ter-lhe dado um nome de menina.
64

Grupo 4
Joel é o namorado de Andrea. Cinco ou seis anos mais velho que o menino, é dono de um riso
irônico no olhar. Parece ser intelectual e ciumento, mas gosta de esnobar de Andrea por
achar-se mais inteligente que ele.
Ainda em função do que já havíamos discutido em encontros anteriores, o tema do
olhar também foi ressaltado pela turma, agora já de forma autônoma e sem a necessidade de
um direcionamento específico de atenção para este ponto. A atenção dada pelo Grupo 4, por
exemplo, ao fato de Joel possuir um riso irônico no olhar (BOJUNGA, 2006, p. 62) é prova
desta independência ou maturidade interpretativa adquirida.
Mais interessante ainda a interpretação dada pelo sujeito 3 à relação que poderia ser
estabelecida entre o título do capítulo lido – A lua e... – e o que nele havia sido contado: acho
que a lua representa um olhar que vem de cima, como se quem estivesse narrando o capítulo
fosse ela. É como se a lua testemunhasse os fatos vividos pelos personagens da trama e
contasse pra gente de um ponto de vista neutro, superior. Procurar fazer esta relação foi
também iniciativa dos próprios alunos.
A questão das relações homoafetivas começou a tomar força a partir da leitura deste
capítulo. O preconceito de Rodolfo, pai de Andrea, e o conturbado relacionamento do menino
com Joel chamaram a atenção da turma e renderam uma proveitosa conversa sobre o tema.
Somou-se a estes fatos a revelação de Paloma de que havia sido apaixonada na adolescência
por uma de suas vizinhas. A partir disto surgiram indagações e posicionamentos acerca do que
seria orientação sexual e do que seria apenas curiosidade adolescente.
A discussão foi profícua e, diferentemente da experiência primeira de debate que
tivemos com o júri, realizado no encontro anterior, foi bem mais calma e educada. Os alunos
deram suas opiniões e foram revelados os mais diferentes pontos de vista sobre o assunto.
O sujeito 5, por exemplo, disse que seu pai era o tipo que comungava da opinião de
Rodolfo: ele não permite que meu irmão mais velho faça nenhuma atividade doméstica, pois
disse que não quer que ele vire viado, aí sobra tudo pra mim. Não é justo.
Em contrapartida, o sujeito 13 revelou que em sua casa ele e seus dois irmãos dividem
todas as tarefas da casa porque mainha trabalha fora e a gente tem mais é que ajudar
mesmo, pois ela é quem sustenta a gente. Não sou gay por causa disso e se fosse não seria
por causa disso.
Quanto aos sentimentos de Andrea por Joel, estes foram vistos muito mais pelos
dramas próprios de qualquer relacionamento de paixão adolescente do que pelo fato de serem
dois meninos envolvidos em um namoro.
65
O sujeito 2 disse: eu sinto pena de Andrea porque eu sei como é ruim gostar de
alguém que esnoba o nosso sentimento o tempo inteiro, se sente superior a gente. Se eu fosse
ele, procurava um menino que não achasse que era melhor do que ele e que não fosse tão
ciumento, porque tinha mais chance de dar certo.
Todos se mostraram bastante tolerantes no debate do tema, demonstrando respeito à
todas as opiniões manifestadas. Interessante ressaltar que nenhum dos 15 alunos deixou de dar
sua opinião. Isso pode ter acontecido por naquele ambiente não haver nenhum gay, ou
simplesmente porque esta geração é mais aberta para manifestar suas opiniões.
Qualquer que tenha sido o motivo, acreditamos ser um ponto positivo para que o
professor sinta-se mais livre para levar temas polêmicos para a sala de aula. Ele pode acreditar
que o aluno vai responder, na maioria das vezes e dos casos, positivamente aos estímulos
dados pela leitura e que tais discussões geralmente tendem a alcançar resultados positivos
tanto na formação cidadã, pois com o debate sempre vem o amadurecimento de ideias e o
enriquecimento da mente, como na formação escolar do aluno, instigando-o a permanecer
envolvidos no ato da leitura uma vez que esta trata de assuntos de seu interesse.
O momento foi propício, inclusive, para que se esclarecessem algumas confusões que
se tornaram perceptíveis durante a discussão acerca dos significados e nuances de alguns
termos do universo gay. Para isto fizemos uma lista no quadro com os termos que eles
compreendiam como parte do universo homossexual e fomos tentando explica-los. Ao final
obtivemos os seguintes conceitos:

Gay ou homossexual: pessoa que se sente afetiva e sexualmente atraída por pessoas
do mesmo sexo, mas não necessariamente sente vontade de vestir-se e comportar-se
como o sexo oposto.

Travesti: pessoa que prefere vestir-se e comportar-se como o sexo oposto.

Drag queen: pessoa, gay ou não, que veste-se como o sexo oposto para realizar
performances artísticas de canto e dança e geralmente gosta de usar acessórios e
roupas exagerados e cheios de glamour.

Transexual: pessoa que deseja assumir completamente as características físicas do
sexo oposto, submetendo-se a cirurgias de mudança de sexo e tratamentos hormonais
para alterar seus traços sexuais externos.

Bissexual: pessoa que se sente atraída afetiva e sexualmente por pessoas de ambos os
sexos.
66
O capítulo 6 ainda trouxe consigo um espaço que saltou aos olhos dos leitores pela
ênfase com que apareceu na trama: O Largo da Sé – espaço que nomeia dois capítulos do
livro e onde se desenrolam algumas cenas da história – e o Sobradão, que fica neste mesmo
largo e está sendo demolido para que em seu lugar seja erguido arranha-céu. Esta
contraposição entre o espaço antigo e o novo foi compreendida com o Sobradão
representando a manutenção de uma memória coletiva da cidadezinha onde moram os
personagens e o arranha-céu como o espaço novo e asséptico, que até traria consigo
modernidade, mas à custa da destruição de algo que deveria ser mantido vivo por seu valor
imaterial.
Segundo Coll (1998), podemos afirmar que uma pessoa adquire um conhecimento
quando é capaz e dotar de significado uma informação que lhe é apresentada, ou seja, quando
compreende esse material, podendo então, traduzi-lo para suas próprias palavras. Sendo
assim, a aprendizagem significativa se daria no momento em que o sujeito fosse capaz de
trazer o conhecimento para sua própria realidade.
Pensando nisto, foi pedido que a turma se organizasse em duplas e fizesse em casa
uma pesquisa acerca da degradação do Cine São José, prédio antigo de nossa cidade,
considerado patrimônio cultural de nosso Estado por ter comportado o primeiro cinema de
Campina Grande e que hoje se encontra em estado de abandono. Além dessa pesquisa, foi
entregue à turma o capítulo 7 do livro para que eles lessem em casa e pudéssemos discuti-lo
no encontro seguinte.
3.2.4
Um mar de informações – encontro 4
O nosso quarto encontro aconteceu no dia 09/04/2012, conforme o planejado. Ele
tinha como objetivos a análise e discussão do capítulo 7, que a turma havia lido em casa
durante a semana anterior, e a leitura e discussão em sala do capítulo 8.
Iniciamos o encontro abrindo espaço para que os grupos apresentassem as suas
pesquisas acerca do Cine São José. Das sete duplas formadas, apenas duas realizaram a
atividade. Os alunos que o fizeram trouxeram suas apresentações em PowerPoint, mostrando
fotografias antigas a atuais do cinema, contando um pouco acerca de sua história e
importância para o cenário cultural de nossa cidade. Uma das duplas inclusive caracterizou-se
67
com roupas e penteados da década de 1960 (o cinema abriu suas portas em 1945 e fechou na
década de 1980) para contar a história do Cine São José.
Como o objetivo desta atividade era ajuda-los a compreender a importância da
manutenção de nosso patrimônio histórico e cultural, o objetivo foi atingido, ainda que a
atividade tenha sido realizada por tão poucos. Todavia, acreditamos que este deveria ser um
ponto repensado na sequência didática elaborada, com a realização de ajustes e modificações
na atividade para que ela pudesse atingir ou captar o interesse de um maior número de alunos.
Encerrado este momento, partimos para o estudo do capítulo 7 do livro, intitulado
“Lembranças”. Tratando-se do capítulo mais longo do livro, o objetivo da mediação nesta
etapa era garantir que os leitores tivessem conseguido compreender o enredo, somando as
novas informações recebidas aos conhecimentos adquiridos até aquele ponto da leitura. Para
tanto, foram preparados slides com os pontos principais das histórias dos personagens
constantes no capítulo. Além desta preocupação mais básica de investigar se a história estava
sendo compreendida pela turma, nos voltamos para questões menos evidentes, que exigiriam
uma maior habilidade interpretativa por parte dos sujeitos envolvidos na pesquisa. Estas
questões foram postas nos diários de leitura para que fossem respondidas e discutidas no
decorrer do encontro.
Principiamos, então, conversando acerca de Sabrina, que finalmente estava podendo
viver verdadeiramente a sua infância.
Tão bom que era morar na casa amarela! Tão gracinha era a avó Gracinha e tão legal
a tia Inês! E que maravilha não ter que ficar pensando, abro ou não abro a geladeira?
Como ou não como isso ou aquilo? Tomo ou não tomo banho? Pela primeira vez na
vida a Sabrina experimentava o gosto que a liberdade tem e, aaah! era bom demais.
Enfim tomava consciência de que a vida também podia ser uma festa, e de que ser
feliz era tão bom! (BOJUNGA, 2006, p.100-1)
Além disso, estava descobrindo o prazer que a dança podia lhe proporcionar:
Andrea Doria olhou tão surpreso pra Sabrina quando ela começou a dançar na frente
dele, e a tia Inês olhou tão contente pro par, que, se a Sabrina já vinha achando que a
vida podia ser uma festa, naquele momento ainda achou muito mais. [...]
Não precisou mais de uma minuto para a tia Inês compreender que, aquilo sim, era
um “bem de família”: a Sabrina também tinha nascido com o dom da dança.
(BOJUNGA, 2006, pp. 101, 2)
Inserida nesta atmosfera de carinho e cuidado, a menina finalmente sentiu-se segura
para contar sobre tudo o que havia passado na casa dos Gonçalves e terminou descobrindo
acerca do passado da sua mãe e dos motivos que a levaram a se suicidar. Um ponto mostrou-
68
se relevante para os leitores ao se aprofundarem mais na história da menina: a culpa que ela
carregava por ter sido violentada. O sujeito 1 retomou a leitura do trecho que se segue,
afirmando que não compreendia porque Sabrina sentia-se culpada se ela não havia feito nada
de errado.
--- Tia Inês eu preciso te contar um segredo! Um segredo que eu nunca ia contar,
mas eu preciso, tia Inês, eu preciso te contar. Mesmo que você se zangue, eu preciso.
Mas não zanga não porque eu não tive culpa. Quando ele entrou no meu quarto a
primeira vez, eu nem tava pensado o que que ele ia fazer comigo. Mas ele fez.
Depois voltou na outra noite e...
[...] e só depois que contou tudo [...] é que ela se assustou com o desabafo e parou de
falar. Ficou de olho grande olhando pra tia Inês. Depois perguntou:
--- Você fica aborrecida comigo por causa disso? [...]
A tia Inês fez que não [...]
--- E você acha, tia Inês, que a minha mãe... ela ia ficar aborrecida comigo?
--- [...] eu acho que ela não ia ficar aborrecida com você, não. Ia ficar triste feito eu
fiquei agora que você me contou essa história. E ia também ficar puta da vida com o
tal do seu Gonçalves. Feito eu tô. Mas ia entender fácil. Feito eu entendo.(
BOJUNGA, 2006, pp. 103, 4, 6)
Após ouvirem o trecho acima, as opiniões de dividiram; alguns acreditavam que a
culpa da menina advinha do fato de ela não ter ido embora logo após a primeira investida de
seu Gonçalves e outros achavam que ela não tinha culpa nenhuma e que o medo dela era
apenas de perder o amor de sua tia.
A verdade, explicamos, é que, a exemplo de Sabrina, a vulnerabilidade e falta de
entendimento da criança que sofre violência sexual faz com que ela não saiba como se
defender de seu agressor. Sendo menor, mais fraca e dependente dos adultos, que ela julga
estarem ao seu redor para protegê-la, a única maneira que encontram para elaborar a situação
é que a culpa do ocorrido deva ser delas de modo que dificilmente a violência é descoberta
por uma declaração da vítima, mas por meio de sinais que ela passa a apresentar como
depressão, isolamento ou agressividade. O Código Penal Brasileiro em seu artigo 226, II,
prevê agravante da pena para casos de violência sexual contra menores se o agente da
agressão for um familiar, responsável legal, empregador da vítima ou exercer qualquer
autoridade sobre ela (CPB - Art. 226, II).
Assim, a culpa que Sabrina sentia era explicável, muito embora ela não tivesse
responsabilidade nenhuma quanto ao ocorrido. O fato é que os maiores responsáveis por tirar
de situação de risco ou de abuso crianças que passam pelas mesmas experiências que Sabrina
são os adultos que a rodeiam, que devem estar sempre atentos a qualquer mudança repentina
ou abrupta em seu comportamento e humor e dispostos a defendê-las, denunciando e
protegendo-as de seus agressores.
69
Após os esclarecimentos, muitos manifestaram suas opiniões sobre o assunto,
contando casos sobre violência contra crianças ouvidos na mídia ou testemunhados por
conhecidos. Descobrimos, então, que a mãe de um dos alunos fazia parte de um projeto social
voltado para a defesa de crianças e adolescentes em situação de risco. Ele nos contou histórias
tristes, como a de uma criança de apenas nove anos de idade que desde os cinco anos se
prostituía praticando sexo oral em troca de R$2,00. A história nos chocou muito, mas foi
importante para percebermos que a realidade da violência e exploração sexual de menores não
está só na televisão, mas acontece em nossa cidade, nos sinais de trânsito que passamos
diariamente, em nossos bairros, e que devemos nos tornar conscientes acerca deste assunto
para podermos apreender o mundo de uma maneira mais crítica e realista e até mesmo
tomarmos atitudes práticas caso seja necessário.
Finda esta discussão, voltamo-nos para a análise de três outros importantes elementos
do capítulo: o fato de dona Gracinha sentir-se responsável pela morte de Maristela, os
significados de que se reveste o sapato de salto na trajetória de vida de Inês e a forte relação
estabelecida entre o elemento água e muitas das histórias que se entrelaçam na narrativa.
Sobre o primeiro ponto, vimos que ao descobrir sobre a gravidez da filha de apenas 15
anos, dona Gracinha desesperou-se e ao perceber a mágoa e decepção de sua mãe, Maristela
fugiu de casa. Depois disso Gracinha só soube notícias suas quando a polícia comunicou-lhe
sobre o seu suicídio. Por isso a senhora havia cultivado um profundo sentimento de
autocomiseração, o que contribuiu enormemente para que ela gradativamente fosse perdendo
o contato com a realidade e se inserindo em um universo próprio, onde era capaz de lidar com
suas dores e perdas.
Algumas cenas marcantes deste contexto foram lidas pelos alunos a fim de que
pudéssemos garantir uma boa visualização da história. A primeira foi a da descoberta da
gravidez:
--- É impressão minha ou tu tá de barriga?
A Maristela desviou o olhar [...]
--- Já vai pra seis meses. [...] Não é pra senhora ficar chateada.
--- Ah, não?! ah, não? Tu ficou maluca, é? Um menina que ainda nem fez quinze
anos! Recém-começando a se preparar pra ser professora! Prenha de seis meses!
Dum salafrário que não quer nem conhecer a família dela! Depois de todo sacrifício
que eu venho fazendo desde que tu nasceu! Trabalhando dia e noite pra te dar uma
vida arrumada! pra te dar educação! pra te fazer uma professora! e essa é a paga que
tu me dá!? (BOJUNGA, 2006, p. 114)
70
Em seguida nos detivemos no momento em que Inês está explicando a Sabrina as
razões que levaram sua avó a entrar num estado de loucura. Ela diz:
E aí, a tia Inês contou pra Sabrina a mudança que se operou na dona Gracinha
quando levaram pra ela o bilhete rasgado e a pedra do rio:
--- Nunca mais ela foi a mesma: não se perdoava; tava sempre se condenando. Daí
pra frente a cabeça dela piorou.
--- Ela não perdoava a minha mãe?
--- Não, não! ela não perdoava ela mesma! Vivia batendo no peito, dizendo que a
pedra era culpa dela, que ela devia ter dito logo: paciência! se quem fez isso contigo
não quer saber da criança eu te ajudo a cuidar dela: onde comem três comem quatro
e pronto! e se alguém achar que é vergonha, que fique com vergonha, mas eu fico
contigo e com a criança. (BOJUNGA, 2006, p. 116)
Finalmente, perguntamos aos alunos se eles achavam que dona Gracinha tinha, de
fato, alguma parcela de responsabilidade na decisão de Maristela de tirar a sua vida. As
respostas foram muito boas. Nelas é possível percebermos um olhar crítico dos alunos em
relação a esta situação, pois eles conseguem apresentar argumentos favoráveis e contra a
postura de dona Gracinha em relação a gravidez de sua filha. Vejamos algumas:

Por um lado eu acho que dona Gracinha tem culpa, pois apesar dela ter reclamado
com ela, dona Gracinha era para ter apoiado a filha. Por outro lado não, porque
dona Gracinha estava certa em reclamar, pois ela fez de tudo para dar o melhor para
suas filhas, para terem um futuro melhor que o seu, e Maristela fez uma coisa dessas.
(sujeito 6)

Não acho que ela tenha culpa, pois dona Gracinha fez de tudo para cria-las, deu tudo
o que não teve, mudou-se até mesmo de cidade para melhorar de vida. Mas de certa
forma teve, porque ela estava mais preocupada com o que os outros iam pensar do
que com a filha e a neta que estava por vir. (sujeito 10)

Não vejo dona Gracinha como a causadora da morte de Maristela, porque ela não
teve culpa da irresponsabilidade da filha, já que toda a sua vida ela lutou para dar a
elas dignidade. Na verdade Maristela estava muito sensível e com remorso pelo que
fez, por isso se matou. (sujeito 4)

Dona Gracinha teve culpa pela reclamação, mas não pela morte da filha. Mas a
questão é que essa reclamação era necessária, visto que Maristela fez muitas coisas
erradas. O fato é que ela sentiu-se tão envergonhada que preferiu se suicidar, até
porque dona Gracinha não a expulsou de casa. (sujeito 7)
71
Seguindo na discussão, passamos para o estabelecimento da relação entre a
transformação de Inês e o sapato de salto. Para tanto, foi pedido que os alunos selecionassem
alguns trechos do texto e os classificassem por meio de títulos significativos de acordo com o
momento da vida da personagem a que eles se referissem. Nosso objetivo era o de, ao
estimular os leitores a representar em poucas palavras algo que havia sido amplamente
expresso no texto, perceber como eles compreenderam este elemento central da narrativa,
como o receberam e que efeito ele causou na compreensão global do texto.
Um título não surge por si só, mas como forma de referência a algo que lhe é exterior,
de forma que de intitular torna-se um ato de exegese e pode mesmo ser visto como um tipo de
discurso crítico. Para produzir os títulos, os alunos tiveram que lançar mão de suas
capacidades de análise (compreensão dos aspectos relevantes concernentes ao item analisado)
e síntese (percepção da ideia geral presente em cada tópico levantado, pondo em evidência
seus conteúdos fundamentais), aproveitando apenas as ideias principais acerca do sapato de
salto e reelaborando-as de forma organizada e resumida. Ao simplificar estas informações,
possibilitar-se-ia um melhor entendimento e representação de todo um conteúdo simbólico de
que se revestia este elemento (ARREDONDO; GONZÁLES, 2010).
Para a realização desta atividade, dividimos a turma em quatro grupos de três alunos e
em seguida socializamos os resultados obtidos para que pudéssemos comparar as
interpretações. Finalmente, elegemos as melhores leituras de cada grupo, repensamos alguns
aspectos dos títulos dados aos excertos e obtivemos o seguinte:

Fase 1 – O sapato como instrumento de dança ou O sapato como símbolo do fim da
infância
[...] o primeiro sapato de salto que ela comprou pra usar era preto. De verniz. Salto
bem alto. [...] Entrou em casa feliz da vida, já de verniz no pé. Exibiu o sapato em
passo de dança. A dona Gracinha se espantou:
- Que tanto salto é esse, menina?!
- Menina não, senhora! menina não usa sapato assim. – Foi dançar na frente
do espelho, pra se admirar em cima do salto. – Agora sim sou mulher! (BOJUNGA,
2006, p. 119)

Fase 2 – O sapato como vaidade ou O fascínio pelo sapato
- Pra que outro sapato, Inesinha?!
- O salto deste é diferente, dona Gracinha. – Sentou, cruzou uma perna na
outra, balançou o pé:
- Não é lindo? Acho sapato de salto a coisa mais linda que existe.
(BOJUNGA, 2006, p. 119)
72

Fase 3 – O sapato como desculpa ou O sapato encobrindo a verdade
- Isso é hora de você chegar em casa, Inesinha? Onde é que tu andou até
agora? eu já tava na maior aflição!
- Uma colega me chamou pra gente ir passear em Copacabana.
- Mas o que que tu fez por lá?
- A gente não tinha dinheiro pra fazer nada, ué... Então ficou vendo vitrine
na Avenida Copacabana... Puxa, dona Gracinha! tanto sapato bacana pra comprar.
[...] Era metade da verdade. (BOJUNGA, 2006, p. 121)

Fase 4 – O sapato como símbolo da prostituição
- Não tô te reconhecendo, Inesinha! Cada vez o salto é mais alto, e a cara é
mais pintada, e a blusa é mais , mais decotada! [...] Com quem que tu tá se metendo?
Por onde tu anda se enfiando? E tu só faz rir quando eu falo...
Mas dizer o quê? se ela já estava enredada numa vida que tinha que ser
mantida em segredo? (BOJUNGA, 2006, p. 122)

Fase 5 – Do sapato alto ao chinelo de dedo e de volta ao salto: a queda e a superação
de tia Inês ou O sapato e a tentativa de reparar os erros do passado
A lembrança da tia Inês deu marcha-à-ré: se fixou de novo no primeiro sapato
de salto; depois foi percorrendo outros sapatos... sandálias... chinelos... até se deter
numa sandália vermelha de salto estilete, que tinha uma flor aplicada na altura do
peito do pé. Ah!... ela estava usando a sandália naquele dia... quando foi visitar a
dona Gracinha [...], e foi só então que a tia Inês resgatou a dona Gracinha do asilo e
voltou pra cidadezinha da infância, decidida a começar vida nova. Se estabeleceu na
casa amarela (justo na rua que fazia esquina com o grupo escolar onde estudou na
infância). Uma vez instaladas, ela e a mãe, a tia Inês foi reivindicar a Sabrina junto à
família Gonçalves, conseguindo, afinal! reorganizar a família. (BOJUNGA, 2006, p.
123, 127)
Por fim, nos preocupamos em analisar a forte relação estabelecida entre o elemento
água e muitas das histórias que se entrelaçam na narrativa. No diário de leitura chamamos a
atenção dos leitores para o nome de algumas personagens: Marias das Graças (a dona
Gracinha), Maristela (a mãe de Sabrina), Marlene (a amiga de Maristela que conta a dona
Gracinha sobre o seu suicídio), Marilda e Matilde (filha e esposa de seu Gonçalves). Não
seria mera coincidência que o mar estivesse no nome de tantas personagens do livro. Na
verdade, era possível notarmos diversas conexões entre a água e as histórias dessa e de outras
personagens. Pedimos, pois, que os alunos tentassem apontar algumas dessas conexões.
O sujeito 12 escreveu: o marido de dona Gracinha a trocou pelo mar. Ele cultivava
flores e por isso vivia com a cara enfiada na terra. Para ele, fugir para o mar significava
experimentar uma vida totalmente diferente da sua.
73
O sujeito 1, por sua vez, afirmou que era da água que vinha o sustento de dona
Gracinha, pois ela era lavadeira. O sujeito 10 percebeu que para Maristela a água significou
a morte, pois ela decidiu se suicidar pulando em um rio amarrada em uma pedra para se
afogar.
Já o sujeito 7 encontrou na história de Paloma e Andrea Doria uma relação com a
água, dizendo: um grande sonho frustrado de Paloma era viajar de navio, e foi em um navio,
no porto de Portugal quando estava visitando sua avó que ela viu o nome Andrea Doria
pintado e decidiu que um dia daria este nome a seu filho.
Outras correspondências significativas ainda puderam ser percebidas, a exemplo da
afirmação feita pelo sujeito 5: a loucura de Gracinha tem tudo a ver com a água: ela perdeu
o marido para o mar, Maristela para o rio e Inês para o Rio de Janeiro, pois foi pra lá que
ela fugiu pra viver sua paixão e ela fazia ponto no calçadão de Copacabana, na beira do
mar.
Concluída a análise do capítulo 7, iniciamos a leitura oral coletiva do capítulo 8,
denominado “O Assassino”. Direcionamos nosso olhar neste capítulo para a violência contida
nas cenas e para a linguagem utilizada em sua construção. A crueza com que é descrita a briga
de Inês com seu algoz e o seu assassinato são contundentes, e tudo isto é testemunhado e
vivenciado intensamente por Sabrina.
A particularidade que destacamos aqui foi a inversão de papéis que se sucede entre
Sabrina e sua avó no momento do embate entre Inês e o Assassino. Acerca deste assunto, foi
dito: Sabrina vira a adulta da situação, defendendo Inês, agindo. Já dona Gracinha fica se
comportando como de fosse uma criança que não entende o que está acontecendo, jogando a
sua pedra imaginária na cabeça do Assassino e perguntando se Inês está doente quando na
verdade ela já está morta. Sabrina mesmo já tinha dito que ela era como se fosse Betinho
(sujeito 10).
Reforçando esta percepção, o sujeito 4 afirmou que a dona Gracinha não tem
nenhuma atitude de uma pessoa lúcida e fica apenas imaginando coisas enquanto Sabrina
age na realidade, toma a atitude de defender a tia tomando inclusive murros e pontapés em
seu lugar e depois ainda tem que buscar um médico.
No tocante à linguagem, mais uma vez alguns alunos se mostraram muito
incomodados pelo uso de determinadas expressões no texto, a exemplo de trepar, puta e
porra. Isso dificultou um pouco a leitura, porque alguns se negavam a ler estas palavras, ou
começava a rir quando a encontravam no texto. Como já dissemos anteriormente, achamos
este fato interessante pelo fato de nenhum dos alunos ter demonstrado reserva ou desconforto
74
no momento de discutir temas como homossexualidade, estupro ou gravidez na adolescência,
mas sentirem-se tão incomodados ao se depararem com palavrões no texto.
Inquiridos sobre isto eles responderam que uma coisa é você conversar sobre assuntos
polêmicos de uma forma séria, respeitosa, e outra é falar de baixaria (sujeito 3), revelando
que consideravam este tipo de linguagem torpe ou desrespeitosa, de modo que não se
permitiam utiliza-la em um ambiente que consideravam formal, como a sala de aula.
Para encerrarmos este encontro, foi entregue a turma o nono capítulo da obra para que
todos lessem em casa. Além disso, propusemos uma atividade de jogo dramático para ser
apresentada no encontro seguinte. Esta, certamente, foi a atividade que mais os empolgou.
Partindo de sugestões da turma, selecionamos três cenas dos capítulos que já havíamos
lido até aquele momento e as dividimos entre os três grupos que se formaram. A primeira
equipe escolheu dramatizar a cena em que Inês decide sair de casa e abandona dona Gracinha,
lida no capítulo 7; o segundo grupo, por sua vez, optou por representar o assassinato de Inês,
que se encontrava no capítulo 8; e a terceira equipe optou por encenar o capítulo 9, que eles
leriam durante a semana seguinte e que trataria sobre o momento em que Paloma perde Betina
após um parto conturbado.
3.2.5
Descobrindo-se – encontro 5
A semana que antecedeu a apresentação das dramatizações propostas foi um período
de atividade intensa em nossa comunidade virtual. Os alunos compartilhavam diariamente o
progresso de suas montagens, organizavam cenários, marcavam ensaios e procuravam
figurinos com seus colegas de outros grupos ou entre os membros de suas próprias equipes.
Além disso, alguns manifestaram ali algumas repercussões que determinados trechos
da leitura haviam provocado em suas ideias e concepções. Uma aluna, que aqui chamaremos
de Sujeito X a fim de proteger a sua identidade, sentiu-se particularmente identificada com
alguns dos sentimentos de Inês em relação ao Assassino, que um dia havia sido alguém por
quem ela tinha sido muito apaixonada mas que não tinha dado valor aos seus sentimentos. Isto
reverberou em sua mente pelo fato de ela estar passando por um término de namoro e, em
certa medida, também estar se sentindo desapreciada.
Assim, Sujeito X escreveu no mural de nossa comunidade a compilação de um trecho
do capítulo 8, que se segue, acompanhado do seguinte comentário: “[...] eu rezei demais pra
75
São Jorge me dar garra pra me livrar de você. Expliquei pra ele que esse xodó maluco que eu
sentia por você me deixava sem forças e ele me ajudou. Não quero mais você! Dei a volta por
cima, sim!” Do livro que eu to lendo no clube de leitura lá da escola. Achei a minha cara!
Em termos recepcionais estes eventos são extremamente significativos uma vez que é
também por meio deles que podemos perceber como a compreensão e internalização dos
sentidos do texto tem se dado ou como o leitor tem usado o seu horizonte de expectativas para
preencher os vazios significativos do texto.
Chegado o dia das apresentações, a turma esta excitadíssima para assistir ao trabalho
dos colegas e para encenar o que haviam passado a semana elaborando. O nosso quinto
encontro se deu no dia 16/04/2012 e iniciou-se com encenações do grupo 1. Os seus
integrantes optaram por ler integralmente a cena. Para tanto foram distribuídas as falas entre
os seus integrantes. A apresentação foi boa e a leitura bastante expressiva, mas a interpretação
em si deixou a desejar. É que estando cada um com uma folha em mãos que continha as falas
de seus personagens, eles não conseguiram movimentar-se com liberdade por toda a cena, que
continha uma carga elevada de dramaticidade e momentos de intenso contato físico entre Inês
e dona Gracinha. De todo modo, a encenação foi bastante interessante e trouxe a sua
contribuição para o grupo.
Em seguida foi a vez do grupo 2 apresentar a sua cena, que era a do assassinato de
Inês. Eles mostraram-se bastante empenhados na realização desta atividade. Reproduziram a
sala da casa amarela, com uma televisão de papelão, sofá improvisado com as cadeiras da sala
de aula cobertas por uma manta, jarro de flores e uma mesa de jantar feita com carteiras da
sala, além de um grande fundo amarelo de tecido, representando a fachada da casa de tia Inês.
Todos se vestiram como os seus personagens e trouxeram as falas decoradas além de terem
preparado uma trilha sonora para acompanhar alguns momentos da encenação. Na verdade
eles reescreveram a cena, adaptando-a para que se parecesse mais com uma peça teatral.
No momento da encenação o grupo não se furtou em utilizar os palavrões constantes
no texto original e ainda encenou de forma bem realista a briga, com direito a tapas,
empurrões e pontapés cenográficos, uma arma de brinquedo e sangue feito de catchup. Todos
aplaudiram bastante o trabalho do grupo, que, de fato, foi muito bem elaborado.
O terceiro grupo, responsável pela representação do parto de Betina, também preparou
um cenário que imitava um hospital, usou sonoplastia e caracterizou-se de seus personagens.
Como haviam escolhido dramatizar um capítulo inteiro, fizeram as devidas edições a fim de
trazer para sua encenação apenas os pontos mais significativos. O que mais surpreendeu neste
grupo foi a desenvoltura de um de seus integrantes, que aqui chamaremos de Sujeito Y.
76
Ele era um menino tímido, que falava e lia baixinho. Apesar de sempre expressar sua
opinião nos momento de discussão, ele nunca foi de gostar de chamar atenção para si. Mas no
momento em que entrou no jogo dramático, ele revelou um lado seu que todos
desconhecíamos. Desenvolto e eloquente, usando seu corpo e toda a potência de sua voz,
Sujeito Y foi uma grata surpresa e uma indicação do quanto este tipo de atividade pode ajudar
nossos alunos a se expressarem melhor e para lembrar-nos que eles sempre podem nos
maravilhar com seus talentos escondidos.
Seguimos, então, para a leitura capítulo 10, que tem a sexualidade de Andrea e Sabrina
como ponto principal. Após a realização da leitura oral coletiva, resolvemos fazer uma
atividade de síntese ao invés das atividades de análise que vínhamos realizando. Esta decisão
se deu pelo fato de acreditarmos que ambas as habilidades, a de analisar e a de resumir, são
complementares e podem revelar o modo como o leitor está compreendendo aquilo que lê.
Deste modo, elaboramos uma lista contendo os pontos considerados pela turma como os mais
relevantes do capítulo e assim obtivemos:

O encontro de Andrea Doria com Joel no capinzal, que na verdade não aconteceu,
mas que o levou a descobrir algo importante sobre Sabrina;

Sabrina contar que havia se tornado uma prostituta desde que a sua tia morrera para
poder sustentar a si e á sua avó;

O início da amizade entre Sabrina e Andrea;

A confusão de Andrea em relação à sua sexualidade.
A partir dos pontos escolhidos pela turma, realizamos as discussões acerca do capítulo.
Neste ponto, dois aspectos da narrativa atraíram o nosso olhar. A confusão de Andrea acerca
de sua sexualidade e o estabelecimento de um contraponto significativo entre um momento do
capítulo 7 e a realidade enfrentada por Sabrina neste momento da trama. Como nós já
havíamos discutido anteriormente questões sobre relações homoafetivas e as descobertas da
adolescência, a conversa sobre este tema foi breve.
O segundo ponto foi o que nos tomou mais tempo. Tratamos acerca da oposição entre
a Sabrina de pé no chão – “Saiu que nem uma flecha, jogando fora a sandália de dedo, que o
bom era dançar de pé no chão.” (BOJUNGA, 2006, p. 101) – e a Sabrina de salto alto:
E, no breve momento em que a Sabrina atravessou o a picada estreita para seguir o
homem matagal adentro, o olho do Andrea Doria viu o pé dela calçado num sapato
abotinado de salto bem alto, tal e qual o sapato que a tia Inês usava pra dançar.
(BOJUNGA, 2006, p.161).
77
Enquanto sua tia estava viva e a menina estava podendo vivenciar plenamente o ser
criança, ela dançava de pés descalços. Andar descalço é, de fato, algo bastante característico
da infância. Deste ponto de vista, conforme afirmou o sujeito 7, o sapato de salto
representaria para a menina o fim do sonho de finalmente poder voltar a ser criança, o sonho
de ser feliz, funcionando como símbolo de sua iniciação na vida de prostituição.
Ao final deste encontro, entregamos e pedimos que a turma lesse em casa o capítulo
11 da obra. Solicitamos ainda que, divididos em trios, eles produzissem uma apresentação em
PowerPoint expondo as suas opiniões acerca de algum dos temas que havíamos discutido em
nosso percurso de leitura e que de alguma maneira tivessem atraído sua atenção. A atividade
propunha que os grupos deveriam, em no máximo 20 minutos, explicar porque haviam
escolhido aquele determinado tema, em seguida falar um pouco sobre o que teriam
pesquisado acerca dele e finalmente expor a suas opiniões sobre o assunto.
Propusemos esta atividade por acreditarmos que uma aprendizagem é tanto mais
significativa quanto mais relações o aluno for capaz de estabelecer entre o que já conhece,
seus conhecimentos prévios, e o novo conteúdo que lhe é apresentado como objeto de
aprendizagem.
Segundo a concepção construtivista de aprendizagem, os conhecimentos
prévios são compreendidos como esquemas de conhecimento. Coll (1983 apud COLL et al.,
1999), define esses esquemas como “a representação que uma pessoa possui em um
determinado momento de sua história sobre uma parcela da realidade”. Para Coll (1998),
antes de mais nada é preciso destacar que estes conhecimentos fazem parte de uma construção
extremamente pessoal de cada aluno, ou seja, são conhecimentos que foram elaborados em
sua mente a partir de vivências pessoais, do dia-a-dia.
3.2.6
Ouvindo opiniões – encontro 6
O nosso sexto encontro aconteceu no dia 23/04/2012 Iniciamos o Clube da Leitura
daquele dia com a discussão do capítulo 11, intitulado “Novos Caminhos?”. A partir deste
momento da narrativa, já começavam a se delinear o seu desfecho e, por isso, houve muita
especulação da turma em relação as possibilidades de fim para a história. Os pontos principias
levantados disseram respeito ao rumo do relacionamento dos pais de Andrea, ao futuro de
Sabrina e ao que aconteceria com o Sobradão.
78
Em relação ao casamento de Paloma e Rodolfo o sujeito 8 acreditava que muito
provavelmente eles vão se separar, até porque a única coisa que ainda estava segurando o
casamento era a gravidez, mas Paloma perdeu o bebê e pra piorar Rodolfo ainda estava
acusando ela de ter tido culpa na morte de Betina.
Quanto ao futuro de Sabrina o sujeito 6 disse que achava que Paloma aceitaria a
proposta de Leonardo de adotar Sabrina, já que ela provavelmente ia se separar de Rodolfo e
sempre tinha tido vontade de ter uma filha, mas tinha perdido Betina. Só seria difícil adotar
Sabrina e cuidar ainda de dona Gracinha.
Finalmente, no tocante ao Sobradão, o sujeito 4 explicou que achava muito difícil que
Leonardo conseguisse embargar a obra da construção de um prédio para colocar um
orquidário no lugar, pois no Brasil todo mundo só pensa em lucrar e nunca quer saber do
que é melhor pra o meio ambiente.
Discutidas as nuances do capítulo e perspectivas para o que estaria por vir, passamos a
palavra aos trios ali representados para que pudessem expor seus pontos de vista acerca de
algum dos assuntos da obra que haviam lhes chamado a atenção, de acordo com as diretrizes
fornecidas nos diários de leitura e explicadas ao final de nosso encontro anterior. Como no
momento das apresentações nós não tínhamos como identificar os sujeitos pelos números
utilizados nos diários de leitura, para que não ocorresse uma quebra do anonimato garantido
nos termos desta pesquisa, resolvemos utilizar nomes fictícios no momento em que
transcrevemos suas falas.
O primeiro grupo a se apresentar decidiu falar sobre gravidez na adolescência. Como
justificativa para a escolha deste tópico, disseram que mesmo com toda a informação que a
gente tem hoje em dia, mesmo com os pais conversando muito mais com os filhos sobre sexo,
a gente ainda teve uma colega na escola que engravidou esse ano. E a gente acompanhou um
pouco do que ela passou e não é fácil (Sônia).
Trazer o tema para perto de si e encontrar vínculos com a sua realidade é sempre algo
muito salutar no processo de compreensão de um texto, uma vez que fazemos isto para dar
sentido ao que lemos ou para retextualizar um determinado assunto à luz de nossos horizontes
de expectativas e conhecimentos de mundo.
Assim, estabelecido o motivo da escolha, o grupo trouxe algumas imagens,
propagandas e campanhas sobre a prevenção, os riscos e as consequências de uma gravidez na
adolescência. Fez ainda uma ponte com o livro, retomando o drama vivenciado por Maristela
ao engravidar de Sabrina sendo ainda tão nova e salientou como para ela as consequências
foram devastadoras: Maristela sofreu primeiro pela decepção que causou à sua mãe, que
79
trabalhou a vida toda pra lhe dar uma vida melhor; depois teve seu coração partido por um
homem que só queria se aproveitar de sua inocência e no fim fez Sabrina sofrer, porque todas
as coisas ruins que elas passou talvez não tivessem acontecido se ela tivesse uma mãe
presente, fez dona Gracinha enlouquecer e pagou com sua própria vida (Murilo).
Para finalizar, o grupo expressou sua opinião acerca do tema, afirmando: a gente sabe
que ninguém está isento de cometer erros, mas a gente tem que lembrar que um filho fora de
hora é um erro que a gente vai carregar para o resto da vida e nem sequer vai poder ficar
considerando um erro, pois a criança não vai ter culpa de nada e a gente tem mais é que
amar e tomar conta dela mesmo. Mas os nossos pais vão sofrer, a gente vai sofrer,
principalmente se for menina, porque o pai nunca assume metade da responsabilidade que a
mão assume, isso quando assume alguma coisa. Por isso é tão importante usar camisinha,
porque gravidez é coisa muito séria (Marcela).
Ao final, foi aberto espaço para quem quisesse dar a sua opinião ou contribuição.
Alguns alunos contaram testemunhos de amigos e conhecidos que haviam passado por este
tipo de situação e mostraram-se em concordância com as opiniões apresentadas pelo grupo.
Em seguida o segundo grupo tomou a palavra para falar sobre o tema estupro. Para
justificar a escolha do tema, disseram: na história, esse foi o tema que mais nos chocou, o
estupro de Sabrina. E a gente acha essa uma das piores formas de violência, porque é uma
verdadeira covardia e deixa traumas físicos e psicológicos na vítima para o resto de sua vida.
Ela pode até mesmo engravidar e ter que passar pelo trauma de um aborto ou ter um filho
que vai fazer ela lembrar pra sempre o terror que ela viveu ou ainda pegar uma doença.
Trouxeram então dados sobre violência sexual no Brasil e em algumas partes do
mundo, como na África, onde o estupro é considerado quase uma epidemia. Falaram um
pouco sobre o que diz a lei acerca de estupro de menores, informaram o número do diskdenúncia, relembraram alguns casos mostrados pela mídia e mostraram ainda imagens de uma
camisinha feminina desenvolvida por uma médica sul africana, a doutora Sonnet Ehlers, que
possui farpas em seu interior que impedem o estuprador de retira-la de seu pênis sem dilaceralo, a não ser que procure um hospital para realizar o procedimento, o que ocasionará a sua
prisão.
Essa alternativa á violência sexual mostrou-se controversa no momento da discussão.
Um dos alunos argumentou que uma camisinha dentada pode até impedir que o estuprador
continue o ato sexual, mas não previne o estupro, pois até que ele introduza o pênis na vítima
ele já pode ter machucado, aterrorizado e se aproveitado dela de muitas outras maneiras
(Miguel). O grupo explicou que estava mostrando apenas uma dado que havia achado
80
interessante no combate à violência sexual contra a mulher, mas sabia que aquela não era a
melhor solução para o problema. De todo modo, consideramos a discussão positiva,
principalmente pela maturidade da argumentação de alguns alunos e pela seriedade que
demonstraram ao tratar de um assunto tão delicado.
Encerrando esta atividade, tivemos o grupo 3 falando acerca de homossexualidade.
Eles justificaram a escolha do tema dizendo que aquele era um tema muito atual e importante.
Toda hora estava passando na televisão casos de homofobia, a luta da comunidade gay para
poder casar a adotar filhos em várias partes do mundo, e muita gente ainda tinha muito
preconceito. Na escola, por exemplo, se tem alguém que é gay ou parece gay na sala, ainda
existem pessoas que humilham, ridicularizam e amedrontam só por causa disso. Isso não é
certo. Um problema grande também é a falta de tolerância de algumas religiões com a
pessoa que é gay (Carol).
O grupo falou acerca da Argentina, que havia legalizado o casamento e a adoção por
pessoas do mesmo sexo, apontando este fato como positivo e digno de ser imitado. Falou
ainda acerca de um caso ocorrido naquele ano em nossa cidade em que um professor
homossexual foi assassinado, havendo indícios de que poderia ter sido aquele um crime
homofóbico. O grupo explorou bastante a ideia do respeito e tolerância e não se ateve a
nenhum aspecto religioso concernente à questão, apesar de ter tocado no assunto no momento
em que justificaram a escolha do tema.
A opinião do grupo foi a de que a vida sexual, a orientação ou escolhas que cada um
faz não tem nada a ver com o caráter de ninguém. Não é certo tratar alguém com desrespeito
por causa de sua sexualidade. Também é muito importante que os pais saibam conversar
sobre isso com os filhos, porque às vezes eles estão apenas experimentando coisas novas e às
vezes essa é a orientação sexual deles e tem que ser respeitada, ainda que não se concorde
com ela (Jorge). Como o tema já havia sido bastante discutido em outras oportunidades,
ninguém manifestou dúvidas ou questionamentos no momento em que o grupo abriu para o
debate e, assim, encerramos o momento destinado para esta atividade.
Levando em consideração que a atualização e a disponibilidade dos conhecimentos
prévios dos alunos são uma condição necessária para que realizem uma aprendizagem o mais
significativa possível, a realização desta atividade nos mostrou um pouco mais acerca do
efeito estético causado pelos temas polêmicos em nossos leitores, revelando alguns de seus
estranhamentos e identificações na experiência com a obra.
81
Passamos então para a leitura e discussão capítulo 12, denominado “Conversa de
mulher para mulher”. Lemos oralmente o capítulo e o que dele nos pareceu mais importante
foi a proposta feita por Paloma à Sabrina. É que, tendo descoberto que a menina estava de
prostituindo para sustentar a sua avó, Paloma sentiu-se muito enternecida pela situação em
que a menina se encontrava. Decidiu, pois, ir até a casa amarela para levar-lhes alguma
comida e pediu a Sabrina que quando ela precisasse de dinheiro pedisse a ela e não mais
aceitasse o assédio de nenhum homem à procura de pagar para fazer sexo. Sabrina aceitou a
proposta de bom grado e, assim, os laços de ternura e cumplicidade foram de tornando mais
estreito entre essas personagens. Tal fato só reforçou a hipótese levantada anteriormente de
que Paloma terminaria adotando a menina. Ao final da discussão, entregamos a turma o
penúltimo capítulo da obra para que fosse lido em casa.
3.2.7
O olhar do leitor – encontro 7
Nosso penúltimo encontro se deu em 30 de abril de 2012, dessa vez com a presença de
todos os 15 sujeitos participantes da pesquisa. Mesmo grande parte da turma tendo faltado o
encontro anterior, todos leram o capítulo enviado para casa. Os que não haviam recebido o
capítulo xerocaram o exemplar dos colegas e, assim, garantiram a leitura.
Como não havíamos enviado nenhuma atividade para casa, já iniciamos o encontro
com a discussão do capítulo 13, chamado “Sim: novos caminhos”, que tinha trazido consigo
muitas revelações e a resolução de alguns dos conflitos da trama. Como nos acostumamos a
fazer, elencamos no quadro os pontos considerados mais relevantes no capítulo e combinamos
que escolheríamos um aluno para falar sobre cada ponto.
De todas as exposições feitas pelos alunos, o tópico que se mostrou mais saliente foi
chamado de A liberação de Paloma. Sobre ele uma aluna comentou:

Neste capítulo Paloma finalmente toma coragem de enfrentar Rodolfo. Ela passa na
cara dele todo o machismo dele e defende Andrea, mostrando que realmente entende
tudo o que está se passado com o seu filho e que vai estar ao lado dele haja o que
houver. Ela também decide adotar Sabrina e diz que gosta muito da menina, o que
deixa a gente tão feliz porque já tava bom de acontecer alguma coisa boa na vida
dessa menina! Sim! Também achei muito boa a lição que ela deu em dona Estefânia,
que era uma mulher muito preconceituosa. Paloma virou “macho”! (risos)
82
Relembrando, dona Estefânia é uma personagem que surge no capítulo 11 e seu papel
na trama é o de tentar, através de um abaixo-assinado com assinaturas recolhidas com a
vizinhança, internar dona Gracinha em um asilo e mandar Sabrina de volta para um orfanato.
Ela personifica uma mulher muito preconceituosa, e em nenhum momento parece estar
preocupada com o bem estar da menina ou da sua avó, mas apenas em acabar com “uma
situação moralmente inaceitável.” (BOJUNGA, 2006, p.228).
Dando prosseguimento às nossas atividades, fizemos a leitura de um capítulo peculiar
da livro, o Pra você que me lê. Ele não é numerado e não faz parte da trama. Trata-se de uma
espécie de intervalo de leitura em que a autora passa a falar diretamente com o leitor acerca de
seu ofício, do que a levou a escrever o livro e de como e porque ela construiu os personagens
que o compõem.
Ao elaborar a sequência didática e analisar a obra, achamos que este capítulo não seria
bem recebido pelos leitores, uma vez que ele parece quebrar a continuidade da narrativa. Mas
nos enganamos. Os alunos receberam esta “conversa” com a autora de maneira extremamente
positiva.
O sujeito 3 afirmou que aquele capítulo faz a gente se sentir mais próximos dos
personagens que a gente simpatizou no livro por saber de onde foi que eles vieram e que até
a própria autora também sente carinho por eles, como de fossem de verdade. Ainda sobre
este assunto, o sujeito 9 disse: essa ideia é muito boa, pois faz a gente perceber que a autora
é uma pessoa como a gente e que tira sua inspiração de coisas da vida mesmo.
Também chamou nossa atenção a fala do sujeito 13: o jeito que a autora escreve faz
parecer que a gente nem tá lendo, mas vendo pessoas normais conversarem e aí quando ela
mesma vem e conversa diretamente com a gente essa sensação de que o livro não é uma coisa
de outro mundo aumenta.
Para encerrarmos as atividades do encontro, fizemos uma oficina de construção de
personagens com recortes de revistas. O resultado foi bem interessante, uma vez que tornou
visual as construções mentais que os alunos haviam feito dos personagens com os quais
estavam convivendo há quase dois meses. Sabrina foi representada por todos os grupos como
sendo alguém com rosto de menina e corpo de mulher, uma analogia à sua história. Vejamos
algumas das representações:
83
Andrea Doria, por sua vez, foi representado por apenas um grupo e de maneira muito
caricatural: corpo de mulher e rosto de menino, ainda carregando uma bandeira do orgulho
gay. Seu Gonçalves foi representado por dois grupos, que disseram ter procurado um homem
com a cara de safado para compor o personagem.
84
Outros personagens representados por alguns grupos foram Leonardo, Rodolfo e dona
Gracinha, mostrada como uma velhinha sorridente e, de acordo com os alunos que criaram a
colagem, feliz da vida por não conseguir entender nada de ruim que se passava ao seu redor.
Tia Inês foi outra personagem escolhida por todos os grupos, que para caracteriza-la
procuraram mulheres que julgaram ser sensuais e que tivessem algumas das características
apontadas no capítulo 2 do livro, como os cabelos ruivos e cacheados e o sapato de salto no
pé.
85
Por fim, o último capítulo do livro foi entregue e junto com ele solicitamos que os
alunos redigissem um pequeno relato acerca da experiência vivenciada com a leitura de
Sapato de Salto para ser entregue em nosso último encontro.
3.2.8
Expressões – encontro 8
No dia 07 de maio de 2012 chegamos ao nosso último encontro. Todos os 15 alunos
estiveram presentes naquela oportunidade, na qual discutimos a conclusão da narrativa,
fizemos uma avaliação geral de nossa experiência e uma pequena confraternização para
marcar o término de nossos trabalhos.
As avaliações foram bastante positivas tendo os alunos, inclusive, manifestado o
desejo de que o Clube da Leitura continuasse, passando a fazer parte das atividades
extraclasse da escola. Eles sugeriram que lêssemos outros livros de Bojunga, a exemplo de A
Bolsa Amarela e Tchau, que haviam sido comentados em nossos primeiros encontros, o que
demonstrou que a autora conseguiu conquistar os leitores. Outros sugeriram a leitura de
alguns clássicos de nossa literatura, a exemplo de Dom Casmurro, de Machado de Assis, pois
as discussões sobre essas obras poderiam auxilia-los em suas atividades escolares, haja vista
serem estes livros cobrados como leitura obrigatória por seus professores.
Todavia, explicamos, contristados, de nossa impossibilidade em abraçar esse projeto
em função das muitas atividades com as quais nos encontrávamos envolvidos. De todo modo,
o desejo manifestado pela turma nos alegrou enormemente na medida em que pareceu validar
o trabalho realizado e foi levado à coordenação da escola como sugestão de trabalho a ser
adotado pela escola. De grande valia, também, se mostraram os comentários escritos
produzidos pelos alunos avaliando o livro e o Clube. Abaixo seguem alguns dos mais
interessantes e significativos:

Sujeito 10
Com a leitura e análise do livro “Sapato de Salto”, foi-me proporcionado pensar mais
sobre alguns problemas e questões sociais comentados no livro, como homossexualidade,
loucura, prostituição e trabalho infantil. As discussões fizeram com que eu desse mais
atenção e importância a tais questões e percebesse que muitas vezes elas acontecem ao nosso
lado.
86
Além de me proporcionar estes momentos de reflexão, o livro me fez gostar ainda
mais de leitura e apreciar os livros e a escrita de uma autora que eu não conhecia: Lygia
Bojunga.

Sujeito 6
Os nossos encontros semanais para a leitura de “Sapato de Salto”, de Lygia Bojunga,
foram muito interessantes. A partir da leitura dos mesmos nós tivemos a oportunidade de
debater e aprimorar as ideias que tínhamos sobre vários assuntos delicados, que raramente
são conversados em nossa escola, mas que deviam ser para que nós pudéssemos pensar mais
sobre eles.
Achei o livro uma obra muito interessante para os jovens que não gostam muito de
ler, pois ele é bem interativo e tem uma linguagem fácil de entender. Além disso, ele não
retrata aquele desfecho previsível, com o final feliz e perfeito para todos. Ele mostra a
realidade, o que eu achei um diferencial das obras de Lygia.
Importante ressaltar as diferentes percepções que a turma teve em relação ao desfecho
da obra. Alguns disseram não gostar do fim porque algumas coisas pareciam ter ficado em
aberto, o que na verdade é característica própria do romance contemporâneo. Ficamos nos
perguntando por que o leitor que diz não apreciar um texto moralista ou irreal fica insatisfeito
com a ausência de um final “feliz”? Pareceu-nos que a obra com o fim em aberto perturbou as
expectativas destes leitores pelo fato de eles não terem contato com obras que apresentassem
este tipo de característica. De todo modo, foi importante vê-los se posicionando e emitindo
opiniões positivas e negativas acerca do livro, baseados no conhecimento que possuíam, pois
isso mostra maturidade interpretativa. Vejamos outras avaliações que questionam o desfecho
da obra:

Sujeito 5
Gostei muito do livro “Sapato de Salto”. Achei muito interessante e aprendi um pouco
mais sobre a realidade de como as coisas são hoje em dia.
A personagem que eu mais gostei foi Sabrina, uma criança corajosa e determinada.
Já o Rodolfo eu não gostei nem um pouco, muito preconceituoso e ignorante. A tia Inês
também me chamou atenção, assim como Paloma, por serem mulheres guerreiras.
O final da história não foi como eu imaginava. Imaginei que a autora ia dizer como
ficou tudo depois da adoção de Sabrina e de sua avó e se o Andrea Doria realmente era gay.
Fiquei me roendo pra saber disso e terminei sem saber! Mas mesmo assim gostei bastante
dos livro e das aulas, aprendi muito com a professora e espero ter outras oportunidades de
ler outros livros com ela.
87

Sujeito 4
Gostei muito do livro “Sapato de Salto”, principalmente da personagem da tia Inês.
Nem acreditei quando ela morreu! Não queria que isso tivesse acontecido. Também me
comoveu muito a história de Sabrina. É triste pensar que tudo o que aconteceu com ela,
apesar de o livro ser ficção, pode acontecer com muitas crianças. Saber que as histórias dos
personagens poderiam ser reais é o que torna para mim a história mais comovente.
Gostei muito do início e do início e do meio da história, mas esperava mais do final.
Esperava que fosse mais emocionante, que tivesse mais drama e que mostrasse o que
aconteceu com todos os personagens que passaram pelo livro, que mostrasse o futuro de
Sabrina. O final não ficou bem claro para mim. Mas enfim o livro é bom e eu recomendarei
para outras pessoas. Foi um prazer fazer parte do clube da leitura esses 2 meses, espero que
tenhamos oportunidade de analisar outros livros juntos.
Um abraço.

Sujeito 7
A obra “Sapato de Salto” de Lygia Bojunga torna-se interessante por tratar de temas
polêmicos e, consequentemente, bastante discutíveis. Esses temas, que percorrem a obra do
início ao fim, são a exploração do trabalho infantil, o abuso sexual, prostituição,
homossexualidade, gravidez na adolescência, preservação do patrimônio histórico, morte,
loucura, separação, entre outros. Acho que uma das explicações da história ter a capacidade
de fixar o leitor é através desses temas, pois eles permitem discussões e divulgação da
opinião dos leitores.
O enredo é capaz de emocionar o leitor por meio da situação em que Sabrina se
encontra e dos personagens ao seu redor, sejam eles bons ou não em relação à Sabrina.
Então, dependendo do personagem, essa emoção pode ser de raiva, tristeza, felicidade, etc.
Na minha concepção o fato ou tema mais interessante na obra foi a loucura, tanto a
loucura apresentada por dona Gracinha como a percebida na ação de outros personagens.
Essa comparação me fez pensar que loucura não é só ter problemas psiquiátricos, como no
caso de dona Gracinha, mas ter atitudes como as de seu Gonçalves, Rodolfo, o açougueiro e
dona Estefânia também são loucura, e do pior tipo pois as pessoas sabem o que estão fazendo
e fazem mesmo assim.
A obra também apresenta seus pontos negativos tal como a não finalização adequada,
na minha opinião, de algumas situações. Exemplo disso é o desfecho. Apesar de o leitor já
não estar esperando aquele final perfeito, ou final clichê como todos sendo felizes para
sempre, era importante que algumas coisas fossem pelo menos citadas.
88
Por fim, tivemos um agradável momento de confraternização, no qual foi entregue a
cada um dos alunos um exemplar original do livro, haja vista que, por questões
metodológicas, havíamos entregado encontro a encontro cópias dos capítulos. Realizadas as
despedidas, encerramos oficialmente o nosso Clube da Leitura.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antonio Candido, ao ponderar acerca da função humanizadora da literatura, postula
que a realização dos estudos literários deve apreciar tanto a estrutura quanto a função na
composição da obra literária.
A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial, que costuma vê-la
ideologicamente como um veículo da tríade famosa, - o Verdadeiro, o Bom, o Belo,
definidos conforme os interesses dos grupos dominantes, para reforço de sua
concepção de vida. Longe de ser um apêndice da instrução moral e cívica (esta
apoteose matreira do óbvio, novamente em grave voga), ela age com um impacto
indiscriminado da própria vida e educa como ela, - com altos e baixos, luzes e
sombras. (CANDIDO 1972, p. 805)
Dessa forma, a literatura pode funcionar muitas vezes como um meio de oferecer ao
leitor uma nova visão acerca da realidade, promovendo um questionamento sobre ela e
cumprindo, consequentemente, seu papel formador. Esse formar da literatura acontece pelo
fato de esta ser capaz de permitir ao homem reconhecer nela aspectos de sua própria
humanidade.
Com a leitura de Sapato de Salto notamos essa função humanizadora agindo sobre o
leitor na medida em que o universo simbólico explorado na obra dinamiza a narrativa de um
modo semelhante à realidade, principalmente ao trabalhar temas polêmicos. A linguagem
plurissignificativa leva o leitor a ampliar o seu campo imaginativo e, guiado pelos olharesnarradores, ele participa da construção dos sentidos da obra. Tudo isso é possível porque a
este leitor são apresentadas situações diversas que encontram identificações em seus
conhecimentos prévios e que constituem seus horizontes de expectativas.
Sobre o fazer literário de Lygia Bojunga, podemos destacar em Sapato de Salto
primeiramente o seu cuidado com a linguagem, aproximado do universo juvenil por meio da
utilização de uma linguagem coloquial, lançando mão de gírias e marcas da oralidade. Em
segundo lugar, a inovação bojunguiana destaca-se por não se furtar a contemplar temas
polêmicos como a morte, o sexo, o divórcio e a homoafetividade, abordando-os por meio de
um cuidadoso trabalho estético.
Com a análise da recepção de Sapato de Salto a partir dos questionários
socioeconômico-culturais e do Clube da Leitura, abordamos uma situação concreta para
destacar características gerais do processo de leitura. Leitores entre quatorze e dezessete anos,
de uma escola privada de Campina Grande (PB) leram a obra. Com os questionários
90
socioeconômico-culturais tivemos como objetivo especificar um parâmetro para a abordagem
do leitor, já que os aspectos sociais são de suma importância no bojo da Estética da Recepção,
levando em conta os inúmeros elementos do contexto social a que o leitor pertence. A
reflexão se estendeu aos elementos externos do texto como, por exemplo, o meio em que os
leitores vivem e suas experiências pessoais, para poder observar o modo como contribuem
para dar vida à obra e dialogar com ela, estabelecendo uma comunicação entre os dois lados
da relação entre texto e leitor, o lado do efeito e o da recepção.
Tomemos como exemplo os dados levantados acerca da orientação religiosa dos
leitores envolvidos na pesquisa. Verificou-se a crença unânime em Deus, ainda que por meio
de representações e ritos distintos. Este foi um dado importante a ser sopesado, uma vez que
sobre muitos dos conflitos apresentados no livro pesariam julgamentos religiosos que tanto
poderiam apontar para a tolerância e respeito ao diferente, quanto potencializar preconceitos e
alimentar preterições.
Não obstante, a despeito da pluralidade de religiões representadas pelos sujeitos
envolvidos na pesquisa, a tolerância e o respeito ao diferente pareceram triunfar sobre os
preconceitos. O tema da homossexualidade foi recebido por todos tranquilamente; nenhum
dos alunos pareceu sentir-se incomodado em discutir o assunto e, apesar de alguns deixarem
claro que consideravam pecaminosa a prática de relações afetivas entre pessoas do mesmo
sexo, todos se declararam tolerantes para com as pessoas que possuem relações homoafetivas.
O que mais incomodou, porém, as convicções e práticas religiosas do grupo foram os
palavrões presentes no texto. Alguns se negaram a pronunciá-los em voz alta durante nossas
leituras orais coletivas e outros declararam achar desnecessário o uso de tais palavras na
construção do texto.
O instrumento utilizado para verificar a leitura da obra Sapato de Salto foi um Diário
de leitura, aplicado nos meses de março e abril de 2012. Através destes diários verificamos
como ocorreu a recepção, mostrando os modos como o texto selecionado conduziu o receptor
a preencher os espaços vazios da narrativa, mediante o processo de leitura.
Ao término do percurso investigativo que nos propomos a fazer, chegamos a algumas
conclusões; algumas translúcidas, outras opacas. Conseguimos responder, a nosso ver,
algumas de nossas questões de pesquisa de maneira satisfatória. Outras, no entanto, ainda
permaneceram em aberto, talvez em função da complexidade que possuíam, talvez por não
terem sido aprofundadas com competência suficiente.
Nosso objetivo maior era o de analisar o efeito estético provocado em um grupo de
jovens leitores ao se depararem com a leitura de uma obra literária recheada de temas
91
polêmicos. Perguntávamo-nos, então, se seria correto haver limites ou se determinados
assuntos deveriam ser evitados em livros destinados a adolescentes e se importaria à escola
trabalhar com este tipo de obra em suas salas de aula.
Percebemos, enfim, que não são exatamente os temas em si que determinam a
polemicidade de um livro, mas sim o modo como eles são apresentados ou expostos. O
trabalho dos autores com a linguagem, que vão desde as escolhas lexicais até a construção das
alegorias e símbolos, são muito mais impactantes para o leitor que se depara com assuntos
polêmicos em um livro do que as temáticas em si.
Isto porque vivemos hoje em um tempo e estamos inseridos em uma cultura onde os
adolescentes já têm acesso e contato constante com assuntos controversos e, em geral, não
tem medo de expor suas posições e ideias acerca deles. Se os temas que povoam as obras
destinadas ao público infanto-juvenil tem se modificado, é porque os próprios leitores têm
mudado e alterado a sua visão de mundo e modo de se relacionar com tudo o que os cerca.
Quanto ao papel da escola neste cenário, acreditamos que ela precisa acompanhar estas
mudanças e tornar-se competente para tratar dos mais diversos assuntos, uma vez que seu
papel não é apenas o de fornecer uma educação profissionalizante, mas formar cidadania e
consciência crítica em seus alunos.
Deste modo, obras que tratem da violência, da morte, do mal e da sexualidade não
podem ser esquecidas nas estantes das bibliotecas escolares. Havendo nelas qualidade estética
e uma boa dose de bom senso e respeito às especificidades de seus leitores, que motivos
teriam as escolas para não trazê-las para as suas salas de aula?
Em conversa com diversos professores pudemos perceber que a grande maioria deles
compreende que a escola, sendo corresponsável pela formação cidadã de seus educandos,
dever abrir espaço para a discussão de todo e qualquer assunto.
Todavia, ao restringirmos o espaço escolar às salas de aula, algumas opiniões se
modificaram. Muitos dizem que teriam dificuldade para discutir temas polêmicos em sala de
aula por não se sentirem preparados, não terem opinião formada ou conhecimento prévio
sobre os assuntos. Outros alegam não se sentirem confortáveis para expressar suas opiniões
sobre assuntos controversos por temerem reações negativas por parte de pais de alunos ou da
direção das escolas onde trabalhavam.
Somando estas informações às impressões inicias que possuíamos, concluímos que, de
fato, a escola tem evitado o trabalho com temas polêmicos em sala de aula, ainda que a obra
lida aborde esse tipo de assunto. Ao se depararem com assuntos controversos, muito
professores preferem encurtar as discussões, seja por sentirem-se despreparados, seja por falta
92
de interesse, seja por pressões externas. Enquanto os que podem realizar eficazmente o papel
de mediadores destas leituras não se propuserem a assumir seus papéis, estudando ,
atualizando-se, pesquisando e repensando alguns de seus conceitos, a discussão destes temas
continuará abafada, suprimida muitas vezes por um falso moralismo.
O fato é que não são apenas romances contemporâneos que trazem em seu bojo
assuntos delicados. Obras clássicas da literatura brasileira, exigidas como leitura obrigatória
em nossas escolas, há muito abordam temas polêmicos. “O Bom Crioulo”, de Adolfo
Caminha, por exemplo, trata sobre o racismo e a homossexualidade, e por muitas vezes foi
leitura indicada para exames vestibulares em nossa cidade, assim como “O Cortiço” (Aluísio
Azevedo), que fala sobre sexo, traição e morte, ou ainda “Marias” (Janaína Azevedo), um
livro de contos com forte carga de eroticidade que havia, inclusive, sido indicado como leitura
obrigatória para o vestibular da UEPB no ano de 2012.
É necessário que assumamos nosso papel de educadores, de formadores de cidadãos, e
esta formação precisa começar em nós mesmos. Precisamos perceber os preconceitos e medos
que carregamos, para que possamos lidar ou nos livrar deles, pois são eles que muitas vezes
nos impedem de aceitar o desafio que a leitura de determinadas obras apresenta. Devemos
entender, ainda, que nosso papel e objetivo não é de mudar opiniões, destruir crenças ou
exterminar todo o mal que há no mundo. A leitura, mesmo sendo um poderoso instrumento de
mudança de mentes, não é a solução para os problemas do mundo. Mas ela pode ser uma via
eficaz de contribuição para que haja algumas mudanças, na medida em que é capaz de criar
um ambiente propício para que se converse sobre os mais diversos assuntos.
A verdade é que a maioria de nossos alunos já está aberta a conversar e debater sobre
todos os assuntos que possam surgir durante a análise de um texto, como demonstraram os
resultados deste trabalho. Tínhamos em nossa turma alunos das mais diversas crenças e
religiões, que comungavam de determinadas opiniões e divergiam em outras, mas todos
conseguiram se envolver eficazmente nas discussões suscitadas pela obra em estudo e
atribuíram, inclusive, à sua polemicidade um dos fatores que a fazia ser interessante.
Deste modo, a recepção da obra não ficou obscurecida em razão de seus temas, pois
tanto as identificações quanto os estranhamentos vivenciados pelos leitores os fizeram
compreende-la e não afastar-se dela. Parece-nos, portanto, que, como experiência humana e
estética que possibilita o conhecimento de nossa humanidade, os temas vistos como
polêmicos são exatamente os que mais se ocupam de nossa essência e podem ofertar aos
leitores infanto-juvenis vias efetivas para discussão de suas angústias e dilemas.
93
Pessoalmente, acreditamos que ter acesso a uma literatura que dialogue com os
chamados temas polêmicos pode possibilitar ao jovem leitor interrogar o mal que existe no
mundo. Trazer esta literatura para a escola pode ser um poderoso instrumento para a
promoção de uma boa e respeitosa convivência com pessoas que fogem, por esse ou aquele
aspecto, ao que se tem como normalidade, podendo ainda suscitar o surgimento de indagações
que permitam esvaziar os conteúdos que alimentam vários preconceitos.
Levando em conta, primordialmente, o cuidadoso trabalho artístico de Bojunga e não
negligenciando a importância de uma boa mediação no trabalho com seu texto em sala de
aula, podemos confirmar ao fim de nossa investigação o potencial que a obra pesquisada
possui de provocar no leitor a elaboração de novas ideias ou comportamentos frente a
situações difíceis e dolorosas, levando-nos a compreender ainda o modo específico como cada
leitor relacionou-se com a leitura, a partir de seus horizontes de expectativas.
94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Vera Teixeira. BORDINI, Maria da Glória. Literatura, a formação do leitor:
alternativas metodológicas. 2ª ed. Porto Alegre: Clube dos Editores, 1993.
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97
APÊNDICES
98
APÊNDICE A
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
ESTUDO: Calçando um Sapato de Salto: um estudo da recepção de temas polêmicos por jovens leitores
Seu(sua) filho(a) está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa acima citado de forma
totalmente voluntária. O documento abaixo contém todas as informações necessárias sobre a pesquisa
que estamos fazendo, então leia atentamente e caso tenha dúvidas, vou esclarecê-las (se não souber
ler, fique tranquilo(a) que leio para você). Se concordar, o documento será assinado e só então
daremos início à pesquisa. Sua colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se
desistir a qualquer momento, isso não causará nenhum prejuízo a você, nem ao seu(sua) filho(a).
As informações contidas nesta folha têm por objetivo firmar acordo escrito com o(a) voluntária(o) para
participação da pesquisa acima referida, autorizando sua participação com pleno conhecimento da natureza
dos procedimentos com os quais ela(e) estará envolvida(o).
OBJETIVOS: descrever e analisar a recepção da obra Sapato de Salto, de Lygia Bojunga, entre alunos e
professores do ensino médio, investigando os estranhamentos e identificações que permeiam este processo de
leitura e observando como os temas polêmicos nela abordados (como morte, violência, abandono e
homossexualidade) serão compreendidos e reelaborados por tais leitores.
JUSTIFICATIVA: este trabalho justifica-se não apenas pela preocupação em realizar uma pesquisa voltada para
a investigação da recepção de uma excelente obra do universo da literatura juvenil, mas também por buscar
analisar o efeito estético provocado no leitor quando se depara com temas considerados polêmicos.
CONTRIBUIÇÕES: acreditamos que a coragem de uma literatura em diálogo com os chamados temas
polêmicos pode ser capaz de ajudar o seu jovem leitor a questionar o mal que existe no mundo e posicionar-se
contra ele. Trazer esta literatura para a escola pode ser um poderoso instrumento para a promoção de uma boa
e respeitosa convivência entre pessoas diferentes, podendo ainda suscitar o surgimento de indagações que
permitam esvaziar os conteúdos que alimentam vários preconceitos.
PROCEDIMENTOS: serão realizadas leituras da obra, tanto coletiva quanto individualmente, intercaladas com
discussões orais coletivas sobre a mesma, as quais poderão ser gravadas em vídeo para uso exclusivo do
pesquisador. Os alunos manterão ainda um diário de leitura, no qual buscarão registrar as suas impressões
pessoais de leitura. Ocorrerá um encontro por semana durante o período de oito semanas, totalizando oito
encontros. Estes acontecerão no horário oposto ao da matrícula escolar dos alunos envolvidos na pesquisa e
terão aproximadamente 2h00min de duração.
99
RISCOS: a participação nesta pesquisa não trará aos sujeitos nela envolvidos complicações legais, nem
qualquer dano de ordem física ou psicológica. Os procedimentos nela adotados obedecem aos Critérios da Ética
em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do CNS e nenhum deles oferece riscos a
dignidade dos sujeitos que abarca.
CONFIDENCIALIDADE: as informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e estará
assegurado o sigilo sobre a participação nela. Os dados serão divulgados de forma a não possibilitar a
identificação dos sujeitos envolvidos na pesquisa.
PAGAMENTO: A participação nesta pesquisa não acarretará nenhum tipo de despesa para os seus
participantes, bem como nada será pago por esta participação, em obediência aos Critérios da Ética em
Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do CNS. Todo o material envolvido na pesquisa,
como os livros e os diários de leitura, serão fornecidos gratuitamente pela pesquisadora. Caso haja gastos com
transporte que o participante não possa arcar, fica previsto um ressarcimento financeiro que deverá ser
calculado de acordo com os gastos reais do participante.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador
principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. Após
estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para a participação de seu(sua) filho(a)
ou responsável legal nesta pesquisa. Para tanto preencha, por favor, os itens que se seguem.
Eu, (nome do pai ou responsável legal) ________________________________, (grau de parentesco)
__________, residente e domiciliado na _________________________________________________________,
portador da cédula de identidade______________, nascido em ___/___/_____, após a leitura e compreensão
destas informações, entendo que a participação de (nome do menor) __________________________________,
sob minha responsabilidade, no estudo Calçando um Sapato de Salto: um estudo da recepção de temas
polêmicos por jovens leitores, é voluntária e que ele(a) pode sair a qualquer momento do estudo, sem prejuízo
algum. Confiro que recebi cópia deste termo de consentimento e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e
a divulgação dos dados obtidos neste estudo.
_________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa (menor)
_________________________________________
Jemima S. Almeida F. Bortoluzi (Pesquisadora)
_______________________________________
Assinatura do pai ou responsável legal pelo
participante da pesquisa
_________________________________________
Márcia Tavares Silva (Orientadora)
Nome completo do pesquisador: Jemima Stetner Almeida Ferreira Bortoluzi
Endereço institucional do pesquisador: Rua Aprígio Veloso, 882, Bairro Universitário, 58.429-140
Telefone institucional do pesquisador: (83) 2101-1225 (coordenação do Mestrado em Linguagem e Ensino – UFCG)
Campina Grande, ______ de março de 2012
100
APÊNDICE B
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
Número de identificação:
QUESTIONÁRIO SOCIOECONÔMICO E CULTURAL
Pesquisadora: Jemima Almeida Bortoluzi
Orientadora: Márcia Tavares Silva
Pesquisa: Calçando um Sapato de Salto: um estudo da recepção de temas polêmicos por jovens leitores
Orientações: Este questionário compõe parte do material de pesquisa do estudo que você está
participando e tem como objetivo coletar dados socioeconômicos e culturais dos seus participantes. As
informações aqui levantadas serão confidenciais, só tendo acesso a elas a pesquisadora e sua
orientadora. Nenhuma identidade será revelada no momento da divulgação dos resultados desta
pesquisa e nenhum dano ou constrangimento será gerado para os seus participantes.
Analise cada item com atenção. Não deixe nenhuma resposta em branco. Procure ser exato e
verdadeiro em suas respostas.
1. Qual a sua idade? ________________
2. Qual o seu estado civil?
[ ] Solteiro(a)
[ ] Casado(a)
[ ] Separado(a)/Divorciado(a)
[ ] Viúvo(a)
[ ] União estável
3. Qual o seu sexo?
[ ] Feminino
[ ] Masculino
4. Como você define a sua cor?
[ ] Branca
[ ] Negra
[ ] Parda/Mulata
[ ] Amarela (de origem oriental)
[ ] Indígena ou de origem indígena
5. Qual a sua orientação religiosa?
[ ] Não tenho religião, mas acredito em Deus
[ ] Não acredito em Deus
[ ] Sou Católico
[ ] Sou Espírita
[ ] Sou Protestante
[ ] Tenho outra orientação religiosa
(________________________________________)
6. Com quem você mora atualmente?
[ ] Com pais
[ ] Com parentes
[ ] Com pais e parentes
[ ] Com esposo(a)/companheiro(a)
[ ] Com esposo(a)/companheiro(a) e filhos
[ ] Com amigos
[ ] Sozinho(a)
7. O imóvel que reside
[ ] Próprio
[ ] Alugado
[ ] Emprestado ou cedido
8. Quantos membros de sua família moram com
você?
[ ] Nenhum
[ ] Um ou dois
[ ] Três ou quatro
[ ] Cinco ou seis
[ ] Mais de seis
9. Você tem filho(s)? Em caso afirmativo,
quantos? ______________________________
10. Qual a faixa de renda mensal de sua família?
[ ] Até dois salários mínimos (até R$1.245,00)
[ ] De dois a quatro salários mínimos (de
R$1.245,00 até R$2.490,00)
[ ] De quatro a seis salários mínimos (de
R$2.490,00 até R$3.735,00)
[ ] De seis a dez salários mínimos (de R$3.735,00
até R$6.220,00)
[ ] Mais de dez salários mínimos (mais de
R$6.220,00)
101
11. Qual é a sua participação na vida econômica
de sua família?
[ ] Não trabalho e meus gastos são financiados
pela família.
[ ] Trabalho e recebo ajuda da família.
[ ] Trabalho e me sustento.
[ ] Trabalho e contribuo com o sustento da família.
[ ] Trabalho e sou o principal responsável pelo
sustento da família.
12. Onde você cursou o ensino fundamental ou a
maior parte dele?
[ ] Escola pública
[ ] Escola particular com bolsa integral
[ ] Escola particular com bolsa parcial
[ ] Escola particular sem bolsa
13. Qual o grau de escolaridade de seus pais?
Escolaridade
Pai Mãe
Não estudou
[ ]
[ ]
Ensino fundamental: de 1ª a 4ª série [ ]
[ ]
Ensino fundamental: de 5ª a 8ª série [ ]
[ ]
Ensino médio incompleto
[ ]
[ ]
Ensino médio completo
[ ]
[ ]
Ensino superior incompleto
[ ]
[ ]
Ensino superior completo
[ ]
[ ]
Pós-graduação
[ ]
[ ]
14. Qual a situação de trabalho dos seus pais?
Situação
Pai Mãe
Não trabalha
[ ]
[ ]
Trabalha no lar
[ ]
[ ]
Trabalha em empresa pública
[ ]
[ ]
Trabalha em empresa particular
[ ]
[ ]
Trabalha para si mesmo
[ ]
[ ]
Está desempregado
[ ]
[ ]
É aposentado
[ ]
[ ]
Vive de rendas
[ ]
[ ]
É falecido(a)
[ ]
[ ]
15. Excetuando-se os livros escolares, quantos
livros você leu no ano passado (2011)?
[ ] Nenhum
[ ] No máximo dois.
[ ] Entre três e cinco.
[ ] Entre seis e oito.
[ ] Mais de oito.
16. Que tipo de livros você prefere ler?
[ ] Obras literárias de ficção (poemas, romances,
aventuras, histórias policiais, fantásticas, etc.)
[ ] Obras literárias de não-ficção (biografias, relatos
de viagem, documentários, etc.)
[ ] Livros técnicos (manuais de estudo, códigos de
leis, livros teóricos, etc.)
[ ] Livros de autoajuda
[ ] Gibis ou Comic Novels
[ ] Revistas de entretenimento (fofoca,
comportamento, moda, decoração, etc.)
17. Que gênero literário você prefere ler?
[ ] Prosa
[ ] Cordel
[ ] Poesia
[ ] Drama (obras teatrais)
18. Que meio você utiliza mais frequentemente
para se manter atualizado(a) acerca dos
acontecimentos do mundo contemporâneo?
[ ] Revistas
[ ] Rádio
[ ] Jornais
[ ] TV
[ ] Internet
19. Com que frequência você utiliza a biblioteca de
sua escola?
[ ] A escola não possui biblioteca
[ ] Possui, mas os alunos não tem acesso a ela
[ ] Nunca a utilizo
[ ] Utilizo raramente
[ ] Utilizo com razoável frequência
[ ] Utilizo muito frequentemente
20. Que atividade extraclasse você mais
desenvolveu até hoje na escola?
[ ] Nenhuma
[ ] Estudo de línguas estrangeiras
[ ] Atividades desportivas
[ ] Atividades artísticas (teatro, dança, pintura, etc.)
[ ] Atividades de leitura (sarais, clubes de leitura)
21. Qual o tipo de material mais utilizado por você,
por indicação de seus professores de língua
portuguesa, para o estudo de literatura?
[ ] Apostilas e resumos
[ ] Livro-texto ou manuais didáticos
[ ] Cópias de trechos de livros
[ ] Antologias poéticas
[ ] Anotações manuais no quadro negro
[ ] Obras literária completa
102
APÊNDICE C
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
CLUBE DA LEITURA
1º encontro - 12 de março de 2012
DIÁRIO DE LEITURA em sala
Levantando hipóteses gerais sobre a obra
1. Que história você espera ler em um livro chamado Sapato de Salto?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
2. Dentre as opções abaixo, qual será, em sua opinião, a capa do livro Sapato de Salto? Explique a sua
escolha.
1
2
3
4
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
DIÁRIO DE LEITURA em sala
Discutindo a obra: Capítulo 1
1. Quais as primeiras impressões que temos acerca das personagens
Sabrina
Dona Matilde
Seu Gonçalves
103
DIÁRIO DE LEITURA em casa
Refletindo sobre a leitura coletiva do capítulo 1
1. Iniciada a leitura do livro Sapato de Salto, que relação podemos estabelecer entre o nome do primeiro
capítulo (Um segredo azul fraquinho) e o seu enredo?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
Refletindo sobre a leitura individual do capítulo 2
1. Após 11 anos vivendo como órfã, Sabrina descobre que tem família. A sua tia Inês aparece na casa dos
Gonçalves e reclama a guarda da menina. Quais poderiam ser a intenções da tia Inês para procurar a
menina após tantos anos? Elenque no quadro abaixo algumas das possíveis boas e más intenções da
tia:
Boas intenções
Más intenções
104
APÊNDICE D
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
CLUBE DA LEITURA
2º encontro - 19 de março de 2012
DIÁRIO DE LEITURA em sala
Discutindo a obra: Capítulo 2
1. Que atributos pessoais podemos conferir à tia Inês após a leitura deste capítulo?
Características físicas
Traços de personalidade
2. O olhar é um elemento muito importante na construção do segundo capítulo da obra que estamos
lendo. Como este elemento se manifesta nas ações de cada uma das seguintes personagens?
Sabrina:
_____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
Tia
Inês:
_____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
Dona
Matilde:
_________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
3. Por quais motivos dona Matilde aceitou entregar Sabrina a Tia Inês sem realmente checar a veracidade
das informações por ela fornecidas?
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
105
DIÁRIO DE LEITURA em casa
Refletindo sobre a leitura individual dos capítulos 3, 4 e 5
2. Ao longo da leitura de Sapato de Salto já conhecemos alguns dos personagens da trama, como Sabrina, tia
Inês e a família Gonçalves. Nos últimos capítulos lidos nos encontramos com mais dois participantes desta
história: dona Gracinha e Andrea Dória. Fale um pouco sobre estes personagens, descrevendo-os e
revelando a imagem inicial que você tem acerca de cada um deles. Para tanto, atente para suas
características físicas e traços de personalidade, para em seguida formular sua opinião sobre eles:
a. Andrea
Dória:
______________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
b. Dona
Gracinha:
____________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________
106
APÊNDICE E
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
CLUBE DA LEITURA
3º encontro - 02 de abril de 2012
DIÁRIO DE LEITURA em sala
Aprofundando a leitura: Capítulos 3, 4 e 5
1. No 3º capítulo de Sapato de Salto, somos informados acerca da profissão da tia Inês. Porém, alguns dados
trazidos pelo texto nos fazem questionar a veracidade desta informação. Que elementos são esses?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
2. Na leitura do capítulo anterior, discutimos sobre quais seriam as possíveis intenções da tia ao reclamar a
guarda de Sabrina após 10 anos sem contato algum com a menina. No 4º capítulo descobrimos, afinal, a
razão por trás da atitude de Inês. Qual foi, pois, o real motivo pelo qual a tia foi à procura de Sabrina? Você
julga este motivo como sendo bom ou mal? Por quê?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
3. Um dos elementos que constroem um universo narrativo é o espaço onde se passa a trama. O início do
capítulo 5 - Dona Gracinha - ocupa-se bastante em descrever a casa onde Sabrina foi morar, apresentando
ao leitor muitos de seus cômodos, além do quintal da casa amarela. Pensando acerca dos espaços do texto
e de seus sentidos dentro da narrativa, responda:
a. Que jogo de sentidos é estabelecido entre o segredo azul fraquinho e a casa amarelo bem forte?
Em que medida esse jogo de cores revela uma representação maior do contexto no qual a menina
está inserida em cada um desses momentos?
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
b. O que o quarto da tia Inês nos revela acerca da sua profissão? Justifique a sua resposta com
elementos do texto.
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
107
c. O que o quintal da casa amarela representa para dona Gracinha?
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
4. Como vimos anteriormente, o olhar é um elemento muito importante na construção da narrativa que
estamos analisando. No 5º capítulo da obra o olhar de Sabrina ganha novamente status de narrador numa
cena em que a menina vê Andrea Doria por uma fresta da porta enquanto o menino conversa com a tia
Inês. Neste momento da história o narrador, que até então tem se mantido ausente, deixando que os
personagens falem por si mesmos, interrompe a narrativa para explicar o que Sabrina sentiu ao olhar para
Andrea. Responda:
a. O que esta quebra de silêncio nos diz acerca deste narrador?
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
b. A despeito do que nos diz o narrador da história, o que poderíamos pensar acerca do olhar que
Sabrina lançou sobre Andrea Doria?
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________
Refletindo sobre a leitura coletiva do capítulo 6
1. Caracterize os seguintes personagens:
Rodolfo
Joel
Paloma
Leonardo
DIÁRIO DE LEITURA em casa
Pesquisando, lendo e comparando
1. Em nossa cidade há um prédio tombado como patrimônio da arte e cultura paraibana, mas que se encontra
abandonado. Trata-se do Cine São José. Pesquise acerca da história e importância desse prédio para
nossa história cultural, atentando para o que se tem feito visando garantir a conservação deste nosso bem
histórico. Para o nosso próximo encontro, traga notícias retiradas de jornais, revistas ou encontradas na
internet sobre este prédio, sua construção, inauguração, motivo do seu fechamento e abandono, além de
fotos ou imagens que possam enriquecer a sua pesquisa.
2. Leitura do capítulo 7 - Lembranças
108
APÊNDICE F
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
CLUBE DA LEITURA
4º encontro – 09 de abril de 2012
DIÁRIO DE LEITURA em sala
Aprofundando a leitura: Capítulo 7
1. No 7º capítulo de Sapato de Salto desvendamos mais acerca das histórias de dona Gracinha e suas filhas.
Uma das descobertas diz respeito ao avô de Sabrina e sua paixão pelo mar. Responda:
a. O que o marido de dona Gracinha quer dizer ao afirmar “Só gosta da flor quem não tem que viver
da flor” (p. 109)?
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
b. O que o mar significava para aquele homem a ponto de tê-lo feito abandonar seu lar?
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
2. Dona Gracinha sente-se culpada pelo suicídio de Maristela. Você acha que ela teve culpa na morte da filha?
Por quê?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
3. Descreva os motivos que levaram dona Gracinha à loucura:
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
4. Qual a relação entre o sapato de salto e a trajetória de vida da tia Inês?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
5. Maria das Graças, Maristela, Marlene, Matilde e Marilda. Não é coincidência que o mar esteja presente no
nome de várias personagens de Sapato de Salto. Há uma conexão muito forte a água e muitas das histórias
que se entrelaçam na narrativa. Aponte a presença e a importância deste elemento na trajetória das
seguintes personagens:
109
a. Dona Gracinha:
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
b. Inês:
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
c. Maristela:
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
d. Paloma:
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
Refletindo sobre a leitura coletiva do capítulo 8
2. Quem era o Assassino? Por que este nome aparece grifado em letra maiúscula?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
3. No momento em que se desenrola a briga que antecede o assassinato da tia Inês, percebe-se uma inversão
de papéis no comportamento das personagens de Sabrina e de dona Gracinha. Que inversão é esta?
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________________________
DIÁRIO DE LEITURA em casa
Lendo e dramatizando
1. Dividam-se em três grupos de cinco pessoas e escolham um trecho do capítulo 7, 8 ou 9 que chamou a
tenção de vocês para ser dramatizado em nosso próximo encontro. Cada grupo deve escolher um
fragmento diferente. Caso seja possível, preparem figurino e cenário. Procurem também adaptar o que for
necessário do texto narrativo para que este se aproxime o máximo possível de uma cena teatral. Semana
que vem, essa cena será apresentada para os demais participantes do nosso clube da leitura.
2. Leitura do capítulo 9 - Betina
110
APÊNDICE G
Universidade Federal de Campina Grande
Mestrado em Linguagem e Ensino
CLUBE DA LEITURA
5º encontro - 16 de abril de 2012
DIÁRIO DE LEITURA em classe
Capítulo 9 - Betina
01. Quais os dois fatores que concorreram para a morte de Betina?
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02. Você concorda com Rodolfo quando este afirma que Paloma cometeu um crime? Por quê?
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03. Após o ocorrido, o que você acha que irá acontecer com o relacionamento dos pais de Andrea? Por quê?
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DIÁRIO DE LEITURA em casa
Capítulo 10 - Outra vez no banco do Largo da Sé
01. Após a leitura do capítulo 10, faça uma lista dos pontos que você compreendeu como sendo os principais do
capítulo. Aponte no mínimo quatro pontos; caso você compreenda que existam outros aspectos relevantes a
serem listados, sinta-se à vontade para acrescentá-los à sua lista.
a.
b.
c.
d.
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e. ______________________________
f. ______________________________
g. _____________________________
h. _____________________________
Opinando
Durante o nosso percurso de leitura da obra Sapato de Salto, temos nos deparado com muitos assuntos
considerados polêmicos. Conhecemos uma menina de 10 anos que foi violentada por seu patrão e uma garota
que engravidou aos 14 anos, prostituiu-se para não morrer de fome e terminou tirando a sua vida por não
encontrar saída para os seus problemas; fomos apresentados a um garoto de 13 anos que descobrindo a sua
identidade sexual e a uma senhora batalhadora que enlouqueceu por ter sido repetidamente maltratada pela
vida; deparamo-nos ainda com a morte, o abandono, o preconceito.
Tendo em mente a leitura da obra, as discussões feitas em nossos encontros, além do seu conhecimento de
mundo e opiniões, produza uma apresentação em powerpoint expondo o seu ponto de vista acerca dos temas
mais polêmicos lidos na história. Para essa atividade, a turma deverá dividir-se em cinco grupos de três pessoas
que disporão do tempo de até 20 minutos para exibir seus slides aos colegas no encontro seguinte.