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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
CADERNO DE EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS
DE MULHERES E JOVENS DO SERTÃO
DO SÃO FRANCISCO
3
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
CADERNO DE EXPERIÊNCIAS AGROECOLÓGICAS
DE MULHERES E JOVENS DO SERTÃO
DO SÃO FRANCISCO
APRESENTAÇÃO
FICHA TÉCNICA
SASOP - Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais
Conselho Diretor:
Élcio Rizério Carmo
Luis de Lima Barbosa
Lorena Araújo Melo
Coordenação Executiva:
Carlos Eduardo O. de Souza Leite
Cinara Del Arco Sanches
Luana Carvalho Silva
O
SASOP é uma organização da sociedade civil que desde
1989 vem contribuindo para assegurar a agricultores e
agricultoras uma melhor qualidade de vida no campo.
Algumas das principais estratégias de intervenção são o
desenvolvimento de sistemas de produção agroecológicos, o
fortalecimento dos processos organizativos comunitários e a
disseminação de experiências com potencial de se traduzirem em
políticas públicas para o meio rural.
Márcia Maria Pereira Muniz
SASOP - Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais
Rua Aristides Novis, 101 - Federação
Salvador - BA, CEP: 40.210-630
Tel: 71 3335-6048 / 6049
E-mail: [email protected]
www.sasop.org.br
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens
do Sertão do São Francisco
Redação e Revisão:
Lise Maria Braga Guimarães e Luciana Mendonça Rios
Projeto Gráfico:
Taiane Oliveira/Quartoamarelo
Este Caderno é resultado do projeto Inclusão Social e
Desenvolvimento Sustentável no território Sertão do São Francisco,
que está sendo executado nos municípios baianos de Campo Alegre
de Lourdes, Casa Nova, Pilão Arcado e Remanso. A ação é fruto de
uma parceria entre o SASOP e a União Europeia e 12 organizações
locais – Redes de Mulheres, Colônias de Pescadores, Cooperativas,
Sindicatos dos Trabalhadores Rurais e Poderes Públicos. Com
duração de 4 anos (2010-2013), o projeto envolve 5.500 pessoas
diretamente, sendo 529 mulheres, 160 jovens, 912 famílias e 40
conselheiros municipais e estaduais, abrangendo consumidores
dos programas de alimentação escolar, dos programas sociais
e das feiras agroecológicas para que tenham melhorias em sua
segurança alimentar e nutricional e mais informação sobre o
direito à alimentação, à saúde e ao meio ambiente.
Fotos:
Arquivo, Técnicos e Parceiros do SASOP
Colaboração Técnica:
Agricultores(as), Parceiros(as) e Pescadores(as)
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão do São Francisco
Luciana Mendonça Rios [organizadora] - Remanso/Salvador-BA, SASOP - Serviço de Assessoria
A publicação traz algumas das muitas experimentações agroecológicas
desenvolvidas por mulheres agricultoras, pescadoras e jovens com
apoio do projeto na região. O objetivo é dar visibilidade à ação das
famílias para que sirvam de referência, mostrando a viabilidade da
vida em convivência harmônica com o semiárido e a possibilidade
de desenvolver as pessoas e suas comunidades de forma justa e
economicamente e ambientalmente sustentável.
a Organizações Populares Rurais, 2012.
Boa leitura!
72 p.
4
I.Agroecologia. II.Agricultura Familiar. III.Mulheres e Jovens IV.Sertão V.Sasop
VI.União Europeia
* “Nos textos, optou-se por utilizar os números em formato de algarismos, ao
invés de escrevê-los por extenso, para facilitar a leitura do público prioritário que
são as famílias de agricultores/as e pescadores/as”.
5
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
SUMÁRIO
6
6
CARAMELOS DE LEITE DE CABRA SÃO NUTRITIVOS E MELHORAM A RENDA FAMILIAR
10
SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA DA REDE DE MULHERES
14
BENEFICIAMENTO DE FRUTAS GERA RENDA E APRENDIZADO PARA ASSOCIAÇÃO DOS
MORADORES DO MARCO
18
UNIÃO DAS PESCADORAS FORTALECE ASSOCIAÇÃO
22
CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE SEGURANÇA ALIMENTAR
26
DONA GRACINHA E SUA DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS
30
AGROECOLOGIA MUDA A VIDA DE DONA IVONETE E FAMÍLIA
34
CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO
E ELIZABETH
38
JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS
42
JOVEM APICULTORA ACREDITA NO TRABALHO COLETIVO
46
MULHER CONQUISTA LIDERANÇA E AUTONOMIA
50
QUINTAL PRODUTIVO SUSTENTA E GERA RENDA PARA A FAMÍLIA DE ORNELINA
54
JOVEM POETA E AGRICULTOR MOBILIZA JUVENTUDE DE SUA COMUNIDADE
58
QUINTAL AGROECOLÓGICO PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL PARA A FAMÍLIA
DE SALETE
62
BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA FORTALECE REDE DE MULHERES DE CASA NOVA
66
REDE DE MULHERES SURGE DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA
70
SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO DE LUTA E ORGANIZAÇÃO
CARAMELOS DE LEITE DE CABRA
SÃO NUTRITIVOS E MELHORAM
A RENDA FAMILIAR
7
N
a comunidade Desterro, localizada a 30 quilômetros da sede
de Remanso-BA, o casal Zefirino Joaquim de Souza, 55 anos,
e Cristina Rodrigues de Souza, 51 anos, faz caramelos do leite
de cabra. Eles têm três filhos, Leomar, Luzinete e Lucicleiton, e três
netos, Marlon, Darlan e Laudimar. A iniciativa de fazer os caramelos
foi de Dona Cristina há mais de 10 anos. Ela aprendeu a receita com sua
prima Catarina, no povoado Cacimbinha, e diz que é um aprendizado
que acompanha a família desde seus antepassados. No início, os
caramelos eram apenas para consumo da família e da vizinhança que
experimentava quando lá passava. Os filhos e netos moram em São
Paulo, mas sempre que tem um portador enviam para eles. É uma
forma de continuar expandindo o sabor e a cultura dos caramelos
entre a família.
Dona Cristina conta que, assim que começou a fazer, não acertava o
ponto dos caramelos. Aos poucos foi pegando a base do açúcar e do
mel, pois, na composição da receita, devem ser usados, para cada litro
do leite de cabra, uma colher de sopa de mel, um copo americano de
açúcar e uma colher de sopa de manteiga de gado, conhecida também
como manteiga da terra. O óleo de cozinha pode substituir a manteiga,
caso não a tenha no momento. Mistura tudo ao leite e leva ao fogo.
Seu Zefirino é quem faz o manejo das cerca de 150 cabras que o
casal possui. Logo cedo, por volta das 4 horas da manhã, já começa
a labuta. No inverno tem tirado até 12 litros de leite por dia. Quando
as cabras estão prenhas ou paridas, consegue juntar em torno de 3
litros. Ao chegar do chiqueiro, côa o leite e deixa descansar na panela
de borra, como chamam a panela de alumínio batido. Somente depois
do almoço é que Dona Cristina vai colocar o preparo do leite ao fogo.
Vai mexendo até dar o ponto, revezando com Seu Zeferino.
8
O segredo da receita está na hora de fazer a tira rodada na tábua para
cortar os caramelos, pois o doce deve estar bem quente. Depois vai
cortando os pedaços pequenos com uma faca. Para embalagem, usam
saco plástico amarrados com fio de aço para dar o nó e deixar bem
fechado. Cada saco contém 10 caramelos e é vendido pelo valor de 50
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
centavos. Os compradores, desde o início,
são os alunos e professores da Escola
Municipal Nossa Senhora do Desterro.
A professora Cláudia diz que seria muito
bom se fossem inseridos na merenda
escolar, pois, além de ser um alimento
nutritivo, a garotada gosta muito. Todos
os dias Dona Cristina e Seu Zefirino fazem
caramelos por conta da procura da escola.
As vendas cresceram em 2010, quando
começaram levar os caramelos para
Remanso, semanalmente. Além de vender
diretamente às pessoas por onde passam,
deixam em alguns pontos comerciais. Na
época de baixa produção, fazem em torno
de 30 reais por semana e, no período de
inverno, a produção é ainda maior.
Diversidade no quintal
Além das cabras, Dona Cristina e
Seu Zefirino criam cocás e galinhas.
Para as cabras, a ração é reforçada
pela manhã e à tarde. Usam farelo de
trigo, milho moído e palma cortada
para preparar a ração na propriedade.
Na roça, plantam mandioca, milho,
abóbora, melancia e feijão.
A maior dificuldade que encontram é
quando a seca aperta e precisam de
molhar todos os dias os canteiros e
fruteiras. “A bomba demora muito
para puxar a água da cisterna, por
isso prefiro puxar de balde, mas já
estou buscando uma solução com a
compra de uma caixa d’água e de uma
mangueira com bicos para molhar
todos os canteiros e fruteiras ao
mesmo tempo”, completa Seu Zefirino.
Foto Lise Guimarães
CARAMELOS DE LEITE DE CABRA
SÃO NUTRITIVOS E MELHORAM
A RENDA FAMILIAR
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Lise Guimarães
O casal foi contemplado com a
cisterna-calçadão entre 2009 e 2010.
A vizinhança experimentou o calçadão
na produção da raspa de mandioca.
Com as últimas chuvas, a cisterna
sangrou várias vezes. Seu Zefirino
mostra com orgulho a plantação de
fruteiras no seu quintal. Tem acerola,
manga, goiaba, graviola, laranja,
coco, mamão, limão, abacate, banana,
pinha, também conhecida por ata.
cultivam também várias plantas
medicinais para consumo da família
e da comunidade, além de cebolinha,
maxixe, coentro, tomate, beterraba,
pimentão e cenoura. Quando dá,
vendem também na cidade. Com a
chegada da cisterna, a vida da família
e da vizinhança tem mais qualidade.
10
SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA
DA REDE DE MULHERES
11
SILVA TÂNIA E A EXPERIÊNCIA
DA REDE DE MULHERES
A hidroelétrica de Sobradinho foi construída na década de 70, no
Submédio do Rio São Francisco, pela Companhia Hidroelétrica do São
Francisco (CHESF). Os moradores contam que foi um dos maiores
impactos ambientais desumanos já registrados na região. As famílias,
somando mais de 70 mil pessoas, foram realocadas a 7 quilômetros
da antiga cidade. Em nome do desenvolvimento, a CHESF afogou 4
cidades nas águas de Sobradinho: Remanso, Casa Nova, Sento Sé e
Pilão Arcado, além de distritos, sítios e povoados.
A agricultora vive com seu esposo Gilvan e as suas filhas Jéssica,
de 8 anos, Bianca, de 4 anos, e Dominique, com 1 ano e 4 meses. O
trabalho principal da família é a agricultura. Ela e o esposo cultivam
feijão, mandioca, milho, abóbora e melancia para o consumo. A
renda vem com a venda de animais, como cabra, ovelha e galinha, e
do benefício Bolsa Família. As maiores dificuldades encontradas se
dão no período da seca por falta de alimento e água para os animais.
Nesta época, os animais se alimentam de mandacaru e xique-xique
e, muitas vezes, acabam se machucando com os espinhos. Outra
dificuldade é manter os pintos vivos quando nascem, porque são
frágeis, e, quando crescem, ainda tem que enfrentar a falta de um
mercado com preço adequado.
12
Tânia relata que aprendeu a criar galinhas e cabras com seus
pais. Com a Rede de Mulheres e o SASOP, aprendeu a melhorar
os cuidados com os canteiros, a alimentação das crianças e o uso
de remédios naturais para a criação. Aprendeu também a criar
as galinhas presas e melhorar a alimentação, fazendo a ração
balanceada. Do projeto de fundo rotativo recebeu 30 pintos e, hoje,
aguarda o melhor momento para fazer o repasse para outra família
Foto Lise Guimarães
A
experiência de Silva Tânia Rosa é um reflexo da atuação da
Rede de Mulheres nas comunidades, junto aos seus parceiros,
no município de Remanso. Tânia, como é conhecida, tem 27
anos e mora na comunidade Lagoa do Garrote, a 52 quilômetros da
sede de Remanso, cidade situada ao norte da Bahia e que faz parte da
Borda do Lago de Sobradinho.
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
com a mesma quantidade que recebeu.
A agricultora já participou de diversas
capacitações, onde recebeu todas as
orientações para a criação e manejo.
que são consumidos pela família na
ração balanceada”, conta.
Depois que casou continuou a criar
animais. É um trabalho que gosta
muito de fazer, além de gerar renda
para a família. As cabras que cria não
são do projeto de fundo rotativo, mas,
conta com satisfação, que recebeu do
projeto material para a construção do
galinheiro e diz que nunca tinha ouvido
falar que galinha tem que ter local
coberto para dormir. Sempre criava ao
relento, pelas árvores do quintal. Hoje
compreende que os animais precisam
de proteção para não pegar doenças
pulmonares com a friagem e se livrar
dos predadores. Lembra que quando as
galinhas bicavam os ovos para comer,
os mais velhos queimavam ou cortavam
a ponta do bico. Foi quando aprendeu
nas formações do SASOP que isso
acontece porque estão sentindo falta
de cálcio. “Hoje, uso as cascas dos ovos
Para Tânia, o Projeto fez diferença
na alimentação da família. “Antes eu
comprava frango congelado na cidade
porque era mais barato. Com o dinheiro
de uma galinha, comprava três frangos e
ainda achava que as galinhas do terreiro
eram sujas, porque viviam soltas no
quintal, e as da cidade, congeladas, é
que eram limpas”, relembra. Com as
orientações da Rede e do SASOP, a família
passou a se alimentar com as galinhas do
próprio quintal, as frutas e as verduras
que produz e, dessa forma, melhorou a
saúde de todos. “As crianças não ficam
mais gripadas com a freqüência de antes
e foi possível combater a verminose que
era grande.”, aponta a agricultora.
Alimentação mais rica e saudável
A renda aumentou. Antes vendia uma
dúzia de ovos entre 50 centavos e 1 real.
Hoje já dá pra vender por 2 ou 3 reais.
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Emocionada, diz que, com esse projeto,
tem uma alimentação mais saudável e
garante complementação da renda para
a família. Com esse dinheiro dá para
comprar ração, remédio para os animais
e alimentos que não produz na roça.
Foto Lise Guimarães
A Rede de Mulheres, em parceria com o
SASOP e o Sindicato dos Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais, tem um papel
muito importante na implantação
do projeto e de tudo que é feito na
comunidade, seja com a criação de
galinhas, abelhas, cabras, e construção
de cisternas que possibilitam a
plantação de frutas e verduras, como
também o acompanhamento das
famílias da comunidade. Do canteiro já
colheu coentro, cebolinha, beterraba,
cenoura, berinjela, tomate, pimentão
e couve. “Não tem coisa mais linda do
que a cisterna. Muitas doenças como
infecção urinária, verminose, diarreia,
que se tinha antes, não existem mais”,
revela Tânia, que sempre trata a água
com cloro que a agente comunitária de
saúde distribui.
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BENEFICIAMENTO DE FRUTAS
GERA RENDA E APRENDIZADO PARA
ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MARCO
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BENEFICIAMENTO DE FRUTAS
GERA RENDA E APRENDIZADO PARA
ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MARCO
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Mateusz Radek
T
O passo a passo da produção
udo começou no ano de 2004, quando Zidália,
uma professora aposentada vinda do Rio de
Janeiro, chegou em Remanso-BA e comprou
alguns terrenos na Comunidade Marco, com o
objetivo de fundar uma escola. Como o lugar já
possuía duas, surgiu a idéia de trabalhar com o
beneficiamento de uma fruta nativa da região, o
umbu. A comunidade, que já tinha um histórico de
luta por meio da Associação dos Moradores, iniciou
de forma coletiva a busca pelos equipamentos.
Saíram pelo comércio da cidade pedindo panelas,
baldes, fogão. Foi feito também pedágio na pista
com uma corda para parar os carros e pedir doação.
O Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) cedeu
uma pequena sala e o grupo começou a trabalhar.
Com o passar do tempo, o grupo ampliou
o número de frutas a serem beneficiadas
e, hoje, utilizam também a goiaba, o
maracujá, o jenipapo, entre outros. O
trabalho tem inicio do lado de fora, onde
as frutas são selecionadas. Sergina
Marques da Silva conta que as frutas
ruins são excluídas, ficando somente as
de qualidade. Passam por duas lavagens
em caixas d’ água diferentes. Depois, são
transferidas para uma terceira caixa, já
dentro da sala de produção.
Com a união das associações de Salinas Grande,
Major, Marco, Xique-Xique, Assentamento Canaã
e Salina do Brejo, do STR e SASOP, conseguiram
uma suqueira. Eram dez mulheres produzindo
polpa, doce e compota de umbu. O grupo não parou
por aí. Em 2005, conseguiu um projeto financiado
pela Fundação Banco do Brasil e, com o dinheiro,
construíram a unidade de beneficiamento na
comunidade Marco, num terreno doado por Zidália.
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A atual presidente é Veraldina Batista da Silva,
conhecida por Vera, sempre esteve à frente do
trabalho com as frutas e conta que desde o princípio a Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB) é parceira na compra da
produção para a alimentação escolar. Nesses anos, ela aprendeu
muito com as reuniões, cursos e com a própria convivência com o
grupo. Diz ainda que um dos maiores desafios têm sido administrar
a unidade, atividade antes feita por Zidália, que foi morar em outra
cidade, mas reconhece que é um aprendizado diário.
Foto André Telles (Actionaid)
As frutas utilizadas para fazer compota
são colocadas no vidro junto com a calda
de açúcar e depois são levadas ao banhomaria. As utilizadas para a produção
da polpa são cozidas, separando a fruta
da água que vai ser usada na produção
da geleia. Como só existem dois tachos
na unidade, quando um fica livre é o
momento de começar a produzir a geleia.
Mônica Menezes da Silva, 29 anos, explica
que a fruta, depois de despolpada, vai uma
parte para o tacho do doce e outra para o
da geleia.
O segredo da produção da geleia de
umbu é que, além de ingredientes como a
polpa, açúcar e água, também é colocado
o concentrado do limão, que possui uma
substância chamada pequitina e serve para
conservar o produto por mais tempo. Outra
técnica aprendida é a de armazenamento
do suco. Depois da fruta cozinhar, por
uma hora e meia, ela é separada do
suco no equipamento chamado suqueira
e, a partir daí, é engarrafado e posto de
cabeça para baixo, para a que a pressão
do líquido quente não estoure a tampa.
A fase final é a etapa de rotulação, feita
por elas mesmas. Alguns dos rótulos
são produzidos em gráfica e a maioria
na própria unidade. Antes de iniciar
o processo de produção é necessário
tomar banho, usar uniforme, colocar
touca, máscara, botas, luvas e não portar
nenhum tipo de objeto, como bijuterias,
celulares, entre outros.
Geração de Renda
Até 2010, quando os grupos de Salinas
Grande e Xique-Xique produziam
semanalmente,
trabalhavam
em
torno de 50 pessoas na unidade
de beneficiamento, sendo 95 % de
mulheres. Agora, outros grupos estão
produzindo em suas comunidades e o
grupo do Marco atua com 11 pessoas.
Cada produtora e produtor ganha
entre 350 reais a 1 salário mínimo.
No espaço, convivem duas gerações,
mãe e filha, como Dona Maria das
Dores Menezes da Silva, 54 anos, mãe
de Mônica. Para Mônica, essa foi a
oportunidade do primeiro emprego. “A
timidez sempre dificultou minha vida
e nesse trabalho me sinto acolhida.
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
O aprendizado não aconteceu da noite
para o dia
Dona Dasdores Menezes conta que, através
de conversas no sindicato, conheceu
Dona Janete do Assentamento Canaã, que
passou a técnica da geleia de goiaba. Outro
aprendizado foi o trabalho com a caldeira e
o manuseio dos tachos, técnica ensinada
durante o curso de caldeireiro realizado
pela Cooperativa Agropecuária Familiar
de Canudos, Uauá e Curaçá (COPERCUC),
realizado em Uauá, onde visitaram
minifábricas de beneficiamento de frutas e
aprimoraram a produção dos doces.
Exemplo de mobilização social, a
comunidade Marco junto à Associação,
sempre lutou por melhorias, como a
instalação de postos de saúde, eletricidade
e água. “O grupo aguarda a vinda de
mais um projeto para a construção de
refeitório, vestiário e novos equipamentos
para acelerar a produção, além de manter
a esperança de continuar acessando o
Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA), e de se preparar para participar da
próxima Chamada Pública do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),
revela a sócia e produtora Edneide Sousa
Santos, 37 anos.
18
Foto André Telles (Actionaid)
É o futuro da família”, reforça. Mônica
faz parte da diretoria, responsável pelo
setor financeiro-administrativo. Ela diz
que a renda média da unidade é de pouco
mais de 11 mil reais. Outra iniciativa
para a geração de renda é o fundo de
reserva, uma alternativa coletiva onde
as mulheres contribuem com 5% de seu
lucro para as despesas emergenciais.
Obdúlia Neves da Silva, 43 anos,
fala dos espaços da comercialização
nas feiras, “Acho muito importante
porque a gente não só vende como
divulga os nossos produtos”. Mônica
complementa: “Quando a gente faz
degustação incentiva a compra dos
produtos”. “Durante o ano de 2011
produzimos pouco, mas ampliamos
nossos conhecimentos com a formação
que tivemos junto ao Centro de
Assessoria a Microempreendimentos
(CAM), em parceria com o SASOP, que
tem nos ajudado na parte de gestão,
planejamento estratégico, plano de
negócio, recurso humano e composição
do preço de venda”, conclui Vera.
UNIÃO DAS PESCADORAS
FORTALECE ASSOCIAÇÃO
19
UNIÃO DAS PESCADORAS
FORTALECE ASSOCIAÇÃO
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Tovinho Régis
parte da associação. Eliete afirma ainda que
a relação de respeito e confiança é a base do
grupo. Irany da Silva Santos, conhecida por
Danduca, presidenta da associação, fala que
as conquistas foram acontecendo aos poucos,
como a carteira profissional do Ministério da
Pesca, o Terminal Pesqueiro, que se tornou
local do beneficiamento, e isso se concretizou
devido à parceria estabelecida com o Movimento
de Pescadores da Bahia (MOPEBA), que fez
a articulação junto ao governo do Estado. Na
época, em 2009, o governo liberou o Terminal
e mais 20 mil reais para a reforma.
Para Maria Lúcia Freitas Nascimento, sócia-fundadora da entidade, a
coragem e a ousadia motivaram as mulheres a seguirem em frente, pois
sempre acreditaram em sua própria capacidade e união. Ela lembra que,
no início, o grupo contou com o apoio do Conselho Pastoral da Pesca (CPP)
e da Rede de Mulheres de Remanso, além de pessoas como o pescador
Edivaldo Rodrigues e do funcionário público Francisco Braga, o Chiquinho,
que ajudaram a criar a associação.
20
Eliete Cunha Damião, secretária da APPR, complementa dizendo que a
construção do estatuto teve a participação de todo grupo e que sempre
tiveram o apoio dos maridos e companheiros, os quais também fazem
O Projeto Sardinha Caseira atende, por meio
do PAA, 26 famílias somando um valor de 112
mil reais. O grupo trabalha com tucunaré
e pescadinha. No início de 2011, a APPR
participou, pela primeira vez, do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
pela Chamada Pública do município de Pilão
Arcado, com filé de peixe e lingüiça, com
apoio da Cooperativa Agropecuária do Pólo
de Remanso (COAPRE). A nutricionista do
município, Márcia Ribeiro Ferreira, revela
que os produtos fizeram o maior sucesso
com os alunos, embora no início houvesse
algumas resistências.
A partir de julho de 2011 a associação começou
a participar das chamadas no município de
Remanso e já entregaram 3 mil e 200 quilos
de filé e a mesma quantidade de lingüiça,
sendo dividido com o grupo da Colônia Z-41. A
associação também tem atendido as escolas
do Estado com tortinhas de peixe através do
PNAE. Em torno de três meses entregaram
9 mil tortas.
Foto Tovinho Régis
A
Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso A-129
(APPR) é o exemplo da luta de um grupo de pescadoras
que acessam o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A história da APPR
começou quando, em 2008, o coordenador da CONAB, Silvio Porto,
anunciou a necessidade de se criar uma associação para dar continuidade
ao Projeto Sardinha Caseira. Foi assim que um grupo de 11 mulheres deu o
pontapé inicial à criação da associação. Com o registro em mãos e o apoio
do SASOP, elaboraram o projeto e enviaram à CONAB para que mais
mulheres pudessem acessar os programas.
com freezer emprestado. Agora, têm onde
armazenar a produção de filés e linguiças. Nas
geladeiras, colocarão as verduras e os produtos
que precisam de conservação e ainda terão
água gelada para beber.
Como não era o suficiente, cada sócia fez um
empréstimo de 50 reais para complementar. Ao final,
areformaestavaprontaeogrupocomeçouaproduzir
e ampliar a sua infraestrutura. Outra conquista
recente, desta vez junto ao SASOP, foi um projeto da
Consul, chamado Consulado da Mulher, que doou
3 freezeres, 3 geladeiras e 2 fogões. Para Lucília
Freitas Santos, vice-presidenta, a doação foi um
presente enviado por Deus, pois trabalhavam
Nas falas das mulheres, a valorização e o
reconhecimento que sentem pelo trabalho
que desenvolvem se destaca. “Antes, a
maioria apenas tecia linha, fazia seus
afazeres domésticos e, para melhorar a
renda, trabalhava em casas de família e
tinha que agüentar humilhações.”, conta
Francinete Silva Feitosa, a Netinha, como é
conhecida. Carmem Lúcia Moreira é outro
exemplo. “Antes achava que mulher era para
ficar varrendo e limpando e não tinha direito
algum”, afirma. Hoje a pescadora tem sua
21
Eva Ribeiro Santos conta que depois que
chegou ao beneficiamento tem mais amizades
e coragem de falar. Inácia de Oliveira lamenta
pelas pessoas que tentaram desanimá-la,
dizendo para não acreditar no projeto da APPR.
Ela veio do Ceará com sua família e desde que
chegou em Remanso trabalha com pesca.
Hoje se sente independente com o trabalho
que realiza junto ao grupo. “Amo os peixinhos,
pois são eles têm melhorado minha renda e me
trouxe uma nova vida”, conta. Já Alcineide da
Silva, paraibana, chegou a Remanso em 1994,
mas logo em seguida foi com sua família para
Passagem, vila de pescadores em Pilão Arcado.
O projeto fez renascer as suas raízes, pois
estava envolvida com outras atividades.
Cássia Santos Silva, conhecida por Cassinha, é
filha de Irisdalva Silva, ex-sócia, falecida no ano
passado. Depois que perdeu a sua mãe, Cassinha
teve a oportunidade de se colocar em seu lugar
e entender o que ela falava. “A Associação tem
sido uma bênção em minha vida”, argumenta.
Mariluce Santos Rocha se sentia discriminada
por onde passava. O que mais lhe emocionou
quando chegou ao grupo foi ter sido bem recebida
e acolhida. Entre tantas histórias, a de Lucília não
é diferente. Conta que a sua ligação com a pesca
vem desde o ventre de sua mãe. A vida era viajar
pelo rio com sua família. Mãe de 4 filhos, diz que
na APPR tem aprendido a convivência coletiva
e experimentado o exercício da partilha, e que o
exemplo de seus pais a tornaram a pessoa
que é hoje.
22
Outro passo que orgulha a APPR é que
Remanso foi contemplado entre todo território
do São Francisco com o curso de Mecânica de
Motores Marítimos, que foi realizado no período
de 26 de setembro a 8 de outubro, no Terminal
Pesqueiro com a organização da APPR e
Foto Tovinho Régis
autonomia, pois é com o projeto que garante o
seu sustento e da família.
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
participação de 16 pescadores/as de todo o
Território. “A importância dessa capacitação
foi qualificar os pescadores e estimular a sua
autonomia na hora da manutenção em seus
barcos, além da possibilidade de ampliar a
renda”, ressalta Lucília.
Existe um projeto do governo federal, em
parceria com a APPR, de construir 100 casas
para beneficiar famílias pescadoras de
Remanso. Atualmente, o sonho do grupo é
ter uma sede própria e conseguir um capital
de giro para aumentar a produção, já que
comercializam para a CONAB, PNAE e feiras
de economia solidária em várias regiões do
Estado. O grupo atende ainda diariamente
encomendas para festas, estabelecimentos
comerciais e consumo familiar com tortas,
patês, linguiças e filés.
“Um dos desafios hoje é trabalhar com
um grupo grande, pois, ao criar a APPR, o
número de associados cresce a cada dia,
principalmente de mulheres. Atualmente
estamos com 120 sócios e sócias, mas
acreditamos que é na busca da superação
das dificuldades que vamos fortalecer a
categoria”, conclui a vice-presidente Lucília
Freitas Santos.
CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE
SEGURANÇA ALIMENTAR
23
CANTEIRO ECONÔMICO PROMOVE
SEGURANÇA ALIMENTAR
Desde 2001, Dona Andrelina trabalha com horta e, como participa
da Rede de Mulheres, participa das formações do SASOP sobre
construção de canteiro econômico e de cisternas de produção.
O canteiro econômico é feito com bloco, lona, cano e telha. Dona
Andrelina explica que primeiro a família cavou o buraco de 25
centímetros de profundidade, 5 metros de comprimento e 1
metro e 20 centímetros de largura. Depois, levantou as laterais
com bloco e cimento, colocou a lona, o cano do gotejamento com
a cobertura de telha, o barro e, por último, o esterco curtido.
O cano de gotejamento tem duas extremidades abertas para
cima que recebem água. Através destas aberturas, o canteiro
é aguado. O cano é todo furado nas laterais e vai de uma ponta
a outra do canteiro para manter a umidade. Outro diferencial é
a lona que impede a água de infiltrar no solo. Técnicas simples
como estas ajudam a diminuir a quantidade de água para manter
o canteiro.
24
Ela conta que é costume na comunidade utilizar o esterco de
bode na adubação. “Dizem que é mais eficiente do que ao gado
e que tem todo um preparo para ser usado. Coloca o material
num pneu com água e deixa curtir durante 8 dias, sempre
renovando”, explica. Com o adubo preparado desta forma, a
família consegue produzir um pouco de tudo: beterraba, alface,
Foto Arquivo SASOP
D
ona Andrelina Souza é agricultora e vive com o esposo
Francisco de Jesus e os filhos Gilmar, Giomar, Lídio,
Carlos Henrique e Francineide na comunidade de
Caldeirão do Café, a 55 quilômetros da sede de Remanso. A
família desenvolve uma experiência de produção de alimentos
em canteiro econômico, que garante segurança alimentar
e geração de renda. A casa da Dona Andrelina sempre foi
um ponto de encontro da comunidade, onde acontece o culto
dominical e as reuniões da Rede de Mulheres, do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, da Associação Comunitária, além das
capacitações de projetos de desenvolvimento social.
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
coentro, cebolinha, pimentão, tomate
e couve.
Ao redor do canteiro, planta berinjela,
pimenta, girassol, sorgo, ervas medicinais
e mudas de plantas nativas. Outra forma
de cultivar as hortaliças são os canteiros
suspensos com madeiras para evitar
contato com os animais. Boa parte do
plantio é feito com sementes crioulas,
guardadas por Dona Andrelina em
saquinhos plásticos.
Diversidade de cultivos e criações
Além dos canteiros, a família mantém um
cultivo diversificado de plantas frutíferas
bem adaptadas ao clima, a exemplo da
pinha, graviola, mamão, goiaba, acerola
e laranja. Apesar dos longos períodos
de estiagem, a família consegue manter
a produção do quintal buscando água de
carroça num poço que fica a meia légua
da propriedade.
O roçado da família é também
bastante diversificado, com o feijão
de corda, milho, melancia, melão,
abóbora e mandioca. Neste terreno,
meia tarefa é destinada para o cultivo
da palma junto com outras culturas.
O objetivo é aproveitar melhor a área
e manter o equilíbrio do ambiente,
diminuindo as pragas.
Dona Andrelina conta que a produção
dos canteiros vem contribuindo para
melhoria da qualidade alimentar. Além
disso, gera renda com a venda dos
produtos nas reuniões da comunidade,
nos cultos dominicais e às vezes na feira
de Remanso. No canteiro econômico,
o que mais produz é a beterraba, que
é vendida a 2 reais o quilo. No quintal
produtivo, o que gera mais renda é o
mamão, que custa entre 50 centavos e 1
real a unidade.
A criação de animais também é
diversificada. Criam carneiro, bode,
25
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Arquivo SASOP
ovelha, porco e galinha. Além de serem
mais baratos, são mais resistentes ao
clima. A família cria ainda cavalos e
jumentos, que ajudam como meio de
transporte, na captação de água, aragem
da terra e para pegar lenha. Durante a
estiagem, a ração dos animais é feita a
base de palma e milho. A experiência
de Dona Andrelina mostra que com
organização é possível viver bem no
semiárido, sem precisar sair em busca
da sobrevivência em outras regiões.
26
DONA GRACINHA E SUA
DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS
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DONA GRACINHA E SUA
DEDICAÇÃO AOS CAPRINOS
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Dona Gracinha gosta de testar tudo o
que as pessoas lhe dizem, ouve no rádio
ou lê em folhetos. Diz que não adianta
ir para as reuniões e não colocar em
prática. A máquina forrageira tem sido
o braço direito da família. Para reforçar
a alimentação dos animais, passa palma
verde na forrageira e mistura ao silo
ou feno. O mesmo processo faz com o
mandacaru ao substituir a palma. Em 2011
conseguiu fazer, além do que já produzia,
6 tambores de silo e mais 8 metros de silo
subterrâneo. Ou seja, já tem ração para o
próximo ano.
D
esde menina, Maria das Graças Gomes de Almeida,
conhecida como Dona Gracinha, gostava de cuidar de bodes
e cabras. Assim que casou aos 17 anos com seu Ranulfo
Lopes de Almeida começou a se dedicar a criação. No início, além
dos seus, cuidava também dos animais de outras pessoas. Um dia
resolveu entregar a responsabilidade aos donos para poder cuidar
apenas dos seus animais. Dona Gracinha mora com sua família
no Sítio do Girau, Fazenda São Bento, a 22 quilômetros da sede do
município de Remanso. É mãe de 3 filhos: Reginaldo, Ronaldo e
Renilde e, atualmente, tem 2 netos e 3 netas.
Para ajudar a aumentar o leite das cabras
que dão cria, Dona Gracinha dá maniva
seca triturada e misturada na torta de
algodão ou no farelo de trigo. Deixa
de molho e depois distribui. A raiz da
mandioca também é bem aproveitada.
Ao longo de mais de 30 anos, Dona Gracinha foi adquirindo
habilidades e construindo aprendizados. Quando vai ao chiqueiro
sempre leva sua maleta de medicamentos veterinários e remédios
caseiros, além de instrumentos para lhe auxiliar nos partos, corte
de umbigos, castração, aplicação de vacinas e remédios. Para
castrar os cabritos e bodes com segurança, usa a técnica do
“burdizzo”. Diz que é bem menos sofrido para o animal, pois não
fere a pele e não oferece perigo de hemorragia. Faz um preparo
com as ervas aroeira, umburana de boi, jurema preta, jacurutu e
ameixa misturadas ao álcool, que chama de ungüento para usar
durante os dias de cuidados quando faz parto, corte umbilical e
nos mesmo nos ferimentos. O pó da casca de ameixa completa a
lista dos antiinflamatórios e bactericidas utilizados.
Primeiro lava para limpar a terra e depois
passa na forrageira. Espreme para tirar a
tapioca e mistura a massa com farelo para
os animais. A tapioca é usada pela família
para fazer mingau, bolo e beiju.
Assim que começou a cuidar do seu próprio
criatório realizou o sonho de fazer queijos
para comercializar. Vender somente o leite
não valia à pena. E deixá-lo sem nenhuma
função seria desperdício, principalmente,
no inverno quando a quantidade de leite
aumenta. Com a venda dos queijos, Dona
Gracinha garante recursos para suas
despesas com a criação, que vão desde a
ração de farelo de trigo, medicamentos,
luvas, produtos para fazer o queijo,
pagamento do trabalhador que ajuda na
roça, ao carreto que leva o queijo para a
feira, restando ainda um pequeno lucro.
28
A agricultora e criadora conta que, certo dia, um técnico falou
sobre a importância de fazer sua própria ração e, para isso, teria
que aumentar sua plantação de palma e consorciar com leucena.
Assim experimentou e hoje tem uma grande área. A partir daí
começou a usar esterco dos chiqueiros na plantação que é um
adubo natural e afirma que o resultado é animador.
Foto Arquivo SASOP
Dona Gracinha acorda antes das 5 horas da manhã e, na época da
seca, fica até às 9 da noite dando comida aos animais. No inverno,
faz estocagem de alimento para passar a estiagem com mais
tranqüilidade. A leucena e a maniva é a maior parte do feno. Para
diversificar a forragem tem plantado gliricídia, capim faixa branca,
sorgo, andu, melancia de cavala, além da palma.
29
Foto Arquivo SASOP
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
A cisterna de produção-calçadão chegou em 2011 e já pegou água
nas primeiras chuvas de outubro. Dona Gracinha diz que os seus
planos é plantar apenas fruteira, pois já planta horta no caldeirão
e se preocupa com o controle da água para não faltar. Armazena
água da chuva em garrafas pet formando uma parede d’água que
conseguiu a 1.500 litros. Diz que muito lhe serve no período da
seca para a criação de galinhas, molhar as plantas, tomar banho
e até lavar roupa.
De domingo a domingo, além de outros afazeres com a criação
animal, a labuta é fazer queijo. Na época do inverno, produz uma
média de 10 queijos por dia. Para cada queijo usa 4 litros e meio
de leite. Vende na feira e para compradores diretos. Na época
da estiagem faz cerca de 6 queijos por dia. Para sustentar a
freguesia, chega a comprar leite da vizinhança. Para garantir um
queijo com mais qualidade trocou a forma de madeira pela de PVC,
artesanalmente produzida pelo seu esposo Ranulfo.
30
O soro do queijo é misturado com forragem e vira alimento para os
animais, principalmente para os porcos. O lema de Dona Gracinha
é que nada se joga fora, tudo se aproveita. A expectativa de Dona
Gracinha atualmente é a construção de uma sala de ordenha, em
parceria com o SASOP, e tem a esperança de conseguir um aprisco.
AGROECOLOGIA MUDA A VIDA
DE DONA IVONETE E FAMÍLIA
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AGROECOLOGIA MUDA A VIDA
DE DONA IVONETE E FAMÍLIA
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Lise Guimarães
Ivonete fala com pesar da pouca chuva
do ano de 2010. Embora tenha enchido
todas as fontes familiares e comunitárias,
se remete à seca como conseqüência
do desmatamento que tem ocorrido
com freqüência nos últimos anos para
alimentar as carvoarias. O que mais
lhe preocupa é que não vê nenhum
reflorestamento, sobretudo, de plantas
nativas, como angico, aroeira, umburana,
pau d’arco, entre outras que servem de
forragens para os animais.
I
vonete Borges da Silva, 40 anos, nasceu e se criou na
comunidade Lagoa do Pedro, município de Campo Alegre
de Lourdes, que fica a 6 quilômetros da sede da cidade.
Ivonete mora com seu esposo, Edvaldo Lopes da Silva, e duas
filhas, Merivalda e Tatiana. A mais velha, Márcia, é casada e tem
um filho, Renan, que é o primeiro neto da família. A principal
atividade é a agricultura. Cultivam milho, feijão, abóbora,
melancia e mandioca para o consumo. A renda vem da venda de
alguns produtos da roça, de animais, ovos, prestações de serviço
e do benefício do Programa Bolsa Família, do Governo Federal,
gerando um valor líquido mensal de até um salário mínimo.
32
Na comunidade há várias aguadas que seguram no período da
seca. São um barreiro, uma barragem que segura mais a água
da lagoa e 3cisternas subterrâneas comunitárias, sendo uma
de 50 mil litros e as outras de 20 mil litros cada. No quintal da
casa de Dona Ivonete tem uma cisterna de 16 mil litros para
consumo da família. Serve para beber e cozinhar e é regrada
pelos cuidados de Dona Ivonete, que se lembra da dificuldade
que passou quando deixou a cisterna secar há 8 anos atrás por
falta de experiência.
Dona Ivonete conta que começou a cuidar
de cabras quando tinha entre 5 e 6 anos
de idade, ajudando os pais a dar comida
aos animais e arrebanhá-los para o
chiqueiro. Depois que casou, levou os que
tinham conseguido e continua criando
até hoje. “Tem muita diferença na forma
de criar. Antes era mais fácil. Tinha
mais planta forrageira, só se dava sal
e palma cortada. Agora, temos que dar
ração para complementar a alimentação
até no inverno”, conta Ivonete, que faz
ração com espiga de milho e palha na
forrageira, raiz da mandioca cortada e a
maniva misturada com o caroço do milho.
A agricultora relaciona as dificuldades
ao desmatamento e diz que essa questão
preocupa as lideranças e boa parte da
comunidade que percebe muita gente se
vendendo à troco de ilusão.
Projetos das cisternas, mais qualidade
A agricultora conta também que, com as
aguadas, a qualidade de vida melhorou.
“Antes era mais difícil, porque, além
de andar muito para conseguir a água
para beber, ela não era saudável. As
cisternas acabaram com esse problema,
proporcionando saúde e qualidade de
vida para as famílias. Os animais bebem
água na lagoa, de onde pegamos água
também para lavar a roupa e molhar
as plantas. Em casa, só tenho água
da cisterna para consumo humano”,
declara.
Do Fundo Rotativo para criação de
animais, Ivonete recebeu uma cabra que
já deu cria e está aguardando o momento
de fazer o repasse. No seu chiqueiro já
tem 25 cabras. O bode reprodutor está
com outra família. A família de Ivonete
recebeu também 28 pintos pelo mesmo
projeto e já repassou os 28. “O fundo
rotativo é muito importante, porque
através dele outras famílias vão sendo
beneficiadas. No inverno juntando todas
as cabras, tiro cerca de 6 litros de leite por
dia. Na seca, não chega a 3 litros”, diz. O
leite é usado apenas para o consumo da
família, misturado ao cuscuz, à farinha
de borra e ao café. “Criamos os animais
para garantir primeiro o alimento da
família”, explica Ivonete.
A família de Ivonete gasta em torno de
70 reais por mês com medicamentos
veterinários, como vacinas e remédios
para infecção. “Quem cria cabras não
passa aperto. Se precisar fazer uma
feira ou resolver alguma situação de
emergência vende o que for necessário e
logo se resolve’, complementa. Quando
necessário, Ivonete e seu esposo vendem
a carne em pedaços, que custa 7 reais
por quilo. Segundo eles, o animal vivo
vale menos.
33
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Horta Comunitária melhora a renda
Foto Lise Guimarães
Através da Associação de Fundo de Pasto
foi feito um projeto para a Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB)
para a venda de verduras, galinhas, ovos,
frutas, raiz da mandioca e abóboras. As
verduras são da horta comunitária, que
tem 8 canteiros econômicos. Junto a 10
famílias cultivam para consumo da família
e melhoram a renda familiar. Entre 2009 e
2010, venderam em torno de 60 quilos de
carne de bode e cerca de 100 unidades de
coco verde.
34
Ivonete vê o SASOP com um papel
importante na implantação desses
projetos, junto aos outros parceiros. “Foi
nas atividades de formação que aprendi
o manejo correto de como cuidar dos
animais, a produzir ração balanceada e
outras experiências, que nem sabia que
existiam, e só fiquei conhecendo nos
intercâmbios, onde vi novas tecnologias
e maneiras de se trabalhar a terra”,
finaliza Ivonete, afirmando que o trabalho
do SASOP não ajuda apenas a ela, mas a
toda comunidade.
CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO
DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO
E ELIZABETH
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CISTERNA AUMENTA PRODUÇÃO
DE ALIMENTOS NO QUINTAL DE EDÉSIO
E ELIZABETH
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Quando Edésio soube da notícia que iria ter reunião sobre cisterna
de produção pegou seu jegue e andou 12 quilômetros para chegar ao
local. Ele conta que foi para a reunião sem acreditar muito, porque
se sentia enganado como todo povo daquela região com as falsas
promessas dos políticos. A cisterna foi marcada no mesmo dia, após
a reunião. Edésio lembra que levou 50 dias para cavar o buraco com
ajuda de algumas pessoas que fizeram sistema de mutirão na região.
Elizabeth diz que só acreditou depois que viu a cisterna pronta, pois foi
muito trabalho para chegar ao resultado final.
Após a construção da cisterna, em 2009, a família passou a
se servir da produção de verduras e frutas. Eles já têm colhido
alface, cebolinha, coentro, pimentão, pimenta de cheiro,
hortelã, manjericão, andu, acerola, limão, banana, maracujá do
mato, maracujina, mamão, entre outros, para autoconsumo e
comercialização na comunidade e arredores. São 10 canteiros no
chão, tipo sistema econômico, e um suspenso, que o casal construiu
a partir de uma das visitas de intercâmbio que participou. Na parte
de baixo do canteiro também fez plantio, para aproveitar a água
que cai quando molha as plantas de cima. Nas fruteiras usam o
sistema de gotejo com uso de garrafas pet e nos canteiros regador
e micro aspersor. O casal conta com a ajuda do filho e dizem que,
por eles, passariam o dia todo no quintal cuidando das frutas e dos
canteiros. Para facilitar o seu trabalho na comercialização, Seu
Edésio fez um empréstimo e comprou uma moto que tem servido
muito para locomoção para as atividades.
36
Com a plantação do maracujá do mato, Edésio tem comercializado
nas redondezas a 3 reais o quilo. “Antes da comercialização, o
Foto Lise Guimarães
A
60 quilômetros da cidade de Casa Nova, município do estado
da Bahia, fica a comunidade Lagoa Redonda, onde 5 famílias
receberam a cisterna de produção, também chamada de
cisterna-calçadão. Entre elas, a família de Edésio Santos Antunes
e Elizabeth Gomes Antunes. O casal tem apenas um filho, o
adolescente Ailton Gomes Antunes.
principal é que a produção garanta a
segurança alimentar e nutricional da
família”, assegura o agricultor. Elizabeth
diz que, com a chegada da cisterna de
produção, tudo mudou na vida da família.
Antes só se alimentavam de feijão,
mandioca, abóbora, farinha, ovos e outras
coisas trazidas da cidade. Frutas, só
melancia. Hoje, a família come verduras do
quintal, o que antes nem imaginavam que
poderia acontecer. A comida é temperada
com verduras fresquinhas.
Elizabeth ressalta que no período da seca
o cuidado tem que ser dobrado. “O sol
castiga muito a plantação. O tomate, por
exemplo, é o mais prejudicado e ainda não
tem conseguido colher nem mesmo no
período da chuva”, completa. Na estiagem
de 2010, compraram 8 carradas de água
do carro-pipa, entre os meses de julho a
outubro, para suprir a necessidade do quintal.
Teve um gasto de mais de 500 reais.
Ailton fala que o que mais chama a sua
atenção é que o pai antes preparava
a terra para plantar, limpando todo
o roçado e queimando. Hoje, valoriza
tudo que está lá e reconhece que tudo é
nutriente para o solo e para as plantas.
De toda fruteira no quintal, ele faz um
ninho de resto de vegetais para segurar
mais a água e dar maior proteção. “Da
mesma forma que o nosso corpo precisa
de roupas para se proteger do sol, a
terra também precisa de cobertura para
ter mais vida”, afirma.
O esterco, que há pouco tempo vendia,
hoje é usado como adubo em toda a
plantação. “Já mudamos o chiqueiro das
cabras e plantamos leucena consorciada
37
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
afazeres domésticos do quintal, da roça
e dos animais, principalmente, quando
Edésio viaja para as formações. Depois
que começou a participar dos cursos e
intercâmbios pelo SASOP, Edésio fala que
a sua visão é outra em relação à vida e ao
seu sistema familiar produtivo.
Para a renda mensal contam com o Bolsa
Família e, quando necessário, a venda de
algum animal e a comercialização dos
produtos do quintal e da roça. O total
chega, em torno, de 350 reais. O alimento
básico da família é produzido na roça,
como o feijão, a abóbora, a melancia e a
mandioca. Ovos sempre têm no quintal,
assim como carne de criação ou de
galinha. Elizabeth e Ailton cuidam dos
Atualmente, a família aguarda ansiosa
o projeto fundo rotativo solidário para
criação de cabras. O desejo de Edésio é
plantar mais forragem para fazer adubo
e alimento para os animais. Em suas
andanças pelos intercâmbios, o agricultor
tem percebido que é importante fazer
plantio consorciado com andu, milho,
feijão, palma e leucena para proteger o
solo e garantir sombra, água e nutrientes.
Foto Arquivo SASOP
com palma”, conta. Isso é o que tem lhe
valido para a alimentação animal na
estiagem. Edésio e Elisabeth não usam
mais veneno na plantação. Aprenderam
a fazer o defensivo natural e fazem uma
mistura de ervas e plantas, que tem como
base o sumo do Nim e da Arruda.
JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR
DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS
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39
JOVENS SE ORGANIZAM A PARTIR
DE PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
os Rótulos. A ação envolveu os estudantes
e a comunidade para uma sensibilização
sobre meio ambiente e reciclagem das
embalagens, diminuindo o lixo de sacos
plásticos na área externa da comunidade.
O
rganizar e despertar nos jovens o interesse de experimentar
novas alternativas de convivência no Semiárido. Esse foi o
principal objetivo para criação dos grupos Força Jovem, na
comunidade Lagoinha, e Juventude em Ação, na Ladeira Grande,
a 37 quilômetros e 58 quilômetros da sede do município de Casa
Nova, Bahia, respectivamente. As animadoras dos grupos, Ana
Rita Mariano, Madalena da Rocha Braga e Valdeci Santos Rocha,
contam que a ideia surgiu depois da participação de alguns jovens
dessas comunidades no primeiro encontro regional de jovens,
realizado em Remanso, pelo SASOP, em setembro de 2010.
Com o tema Juventude e Agroecologia, o encontro incentivou os
jovens a desenvolverem práticas agroecológicas, ampliando sua
visão sobre agroecologia e empreendedorismo para diminuir as
migrações para os grandes centros.
Valdeci, animadora do grupo da Lagoinha,
diz que, a partir da abordagem do meio
ambiente, debateram a preservação,
os cuidados com as cisternas e o
reaproveitamento da água. Madalena
relata que depois desse trabalho muitas
famílias começaram a canalizar para as
plantas a água do banheiro, da pia e da
lavagem das roupas.
Outro tema que atraiu os jovens foi a
mineração. Para Ana Rita, ter a garantia
da terra e preservar a caatinga é
fundamental para o desenvolvimento
das vidas e dos projetos comunitários.
A discussão foi estimulada a partir de
uns folhetos da Comissão Pastoral da
Terra (CPT) que abordam o assunto e
exemplificam casos ocorridos na região.
O jovem Edivaldo ressalta o fato de
fazerem parte de um território chamado
Fundo de Pasto, área de uso comum
onde as famílias criam os animais
soltos e pastam coletivamente, que está
ameaçada pela mineração.
Foto Lise Guimarães
Ana, Madalena e Valdeci contam que o nome Juventude em Ação
surgiu num momento de reflexão e construção coletiva. Segundo
Edivaldo, um integrantes, os jovens apresentaram alguns nomes
e foi a partir dessas sugestões que conseguiram chegar ao nome
final. De acordo com Madalena, a ideia era criar um nome que
expressasse algo, que fosse marcante. Após a definição dos
nomes, os grupos confeccionaram camisetas. Cristiana Rocha
diz que vestir a camiseta significa compromisso com o grupo e
com a comunidade. “Para mim, vestir a camiseta é representar o
coletivo em qualquer lugar e faz com a gente se sinta mais forte”,
completa. Ana Rita acrescenta que a camiseta eleva a autoestima
e afirma a identidade do grupo. Não se sente sozinha onde estiver.
Vanúsia relembra o slogan colocado na camiseta -“Não precisa
ser filho de doutor, jovem da roça também tem valor” - e conta
que, por causa da frase, já foi parada por muita gente querendo
saber mais sobre o grupo.
40
Diversos temas relacionados à agroecologia vêm sendo
trabalhados pelos grupos. Em parceria com a escola, as
animadoras do grupo Juventude em Ação, de Ladeira Grande, Ana
Rita e Madalena desenvolveram o projeto Lendo e Aprendendo com
41
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
O grupo de Lagoinha decidiu investir
na produção de canteiros. Familiares
cederam espaço na área das cisternas
de produção e iniciaram o plantio, em
fevereiro de 2011. Os 18 jovens montaram
uma escala semanal para garantir a
participação de todos e dividiram as
despesas para compra de sementes.
Conseguiram cultivar e comercializar na
própria comunidade hortaliças e plantas
medicinais. Com o dinheiro das vendas
investiram num torneio e arrecadaram
600 reais. O recurso é usado para
despesas do grupo, como atividades
internas comunitárias, além de garantir
a participação de representantes em
eventos fora da comunidade.
Alimentação Escolar (PNAE). A comunidade
tem uma minifábrica e produz derivados
da mandioca e de frutas, como sequilhos,
broas, polpas e compotas de umbu, doces,
geléias e a paçoca de gergelim. Para o PNAE,
comercializam a tapioca, abóbora, batata
doce, melancia e mandioca.
O grupo de Ladeira Grande também optou
por canteiros como desenvolvimento
de uma das práticas agroecológicas.
Iniciaram no mesmo mês, mas só
conseguiram plantar até maio, pois se
sentiram desestimulados devido à falta
de um acompanhamento técnico e a
sobrecarga para alguns participantes.
No período de três meses, conseguiram
arrecadar 70 reais e, junto a outro recurso
de torneios, investiram numa caixa de som
para o grupo e uso da comunidade.
Como desafio, os jovens apontam a falta
de recursos para compra de material
didático, de material para pesquisa,
deslocamento e alimentação para
facilitar a participação em eventos. Outra
questão tem sido a desmotivação do
grupo no período da seca e o aumento de
afazeres e cuidados com a roça, quintal e
animais, ficando com pouco tempo para
cuidar dos canteiros e participar das
reuniões. Ana Rita, Madalena e Valdeci
afirmam que as maiores conquistas
são a formação que estão fazendo em
agroecologia, com o apoio do SASOP, e a
organização dos jovens.
A principal renda dos jovens que participam do
grupo de Ladeira Grande é a comercialização de
produtos locais para o Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de
42
A proposta dos jovens agora é investir
em apicultura, pois, além de gerar
renda, é uma forma de garantir e
preservar o Fundo de Pasto e a Caatinga.
O grupo pretende conseguir um cilindro
para produção de cera alveolada, que
só vende fora da comunidade e o custo
é alto. A proposta é produzir para uso
próprio e comercialização.
JOVEM APICULTORA ACREDITA
NO TRABALHO COLETIVO
43
JOVEM APICULTORA ACREDITA
NO TRABALHO COLETIVO
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
V
anessa Ferreira de Carvalho tem 24 anos e mora com seus
avós, Simplício Honório de Carvalho e Joana Borges de
Carvalho, na Comunidade Vereda da Onça, a 40 quilômetros
de Pilão Arcado, na Bahia. Desde os 12 anos já ajudava a animar a
comunidade através da Paróquia e, há um ano, atua como sócia do
Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Pilão Arcado que, tem
uma Secretaria da Juventude.
O trabalho com os jovens é uma atividade que veio acontecendo ao
longo dos anos. Vanessa coordena o grupo de Vereda da Onça, que
tem cerca de 15 jovens, e faz parte da Pastoral da Juventude do Meio
Popular (PJMP). Atualmente, ela e outra jovem da comunidade, a
Vanderléia, cursam Pedagogia pelo Centro Ecumênico Superior
Piauiense (CESPI), em Pilão Arcado. As aulas acontecem num
final de semana por mês.
Pela primeira vez, Vanessa está discutindo agroecologia
e convivência com o semiárido, por meio das formações
coordenadas pelo SASOP. “O que mais me chamou a atenção foi
saber que é possível conviver com o semiárido sem depender
de favores. Antes, a imagem que tinha do sertão era só pobreza.
Tudo mudou”, revela. Vanessa afirma que tudo o que tem
aprendido nas capacitações, a partir das práticas agroecológicas,
vai experimentar com os jovens da comunidade. Planeja realizar
um Dia de Campo com o grupo e desenvolver uma silagem com
aproveitamento de plantas forrageiras.
44
Sua história com a apicultura começou há cerca de um ano,
quando fez um curso pela Federação Nacional dos Trabalhadores
e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF) e precisou
optar por um núcleo produtivo. As opções eram caprinocultura,
apicultura e fruticultura. Vanessa conta que acreditou que poderia
desenvolver melhor o trabalho de apicultura porque era algo
mais viável para sua realidade e já conhecia outras pessoas que
criavam. “No início tinha medo de abelhas. Achei que não ia dar
conta, mas, com a experiência do meu tio Josivaldo e da minha vó
Foto Lise Guimarães
Joana, consegui desenvolver a produção”,
lembra. No dia-a-dia, Vanessa conta com
a parceria da avó para fazer o manejo e
garante que juntas têm aprendido um
novo jeito de lidar com as abelhas. Dona
Joana relata que antes derrubava e botava
fogo nas árvores para extrair o mel das
colmeias, espremia com as mãos e, na
maioria das vezes, ainda matava a abelha
rainha. Hoje, se orgulha da neta e diz que
criar abelhas em caixas é primar pela
qualidade e preservar a natureza. Para
fazer o processamento do mel, Vanessa
usa os equipamentos do tio.
Com as abelhas, Vanessa diz ter aprendido
ver a vida de forma diferente. O modo
organizado e em cooperação como vivem,
por exemplo, a faz refletir e aprender
mais. “Aprendi também que as abelhas
não produzem só o mel e o própolis,
mas que elas têm uma importância
grande para a natureza poque fazem a
polinização”, explica. A jovem apicultora
já fez cursos sobre criação de abelhas
no Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI), na Universidade
Federal do Vale do São Francisco
(UNIVASF), em Juazeiro. Em Remanso,
participou de um curso sobre própolis
organizado pela Rede de Mulheres.
“Não sabia que a oficina estava sendo
organizada pela Rede e pensei que seria
uma oficina com monte de homens e que
ficaria deslocada, mas fiquei surpresa e
estimulada quando vi que a maioria era
mulher. Foi muito proveitosa”, declara.
Vanessa conta que só em 2011 já colheu
350 litros de mel com as 20 colmeias e
40 melgueiras adquiridas. Cada caixa,
segundo a jovem, dá em torno de 10
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
litros de mel e vendem cada litro por 5 reais para uma empresa no
Paraná. O que mais a encanta é a parte de coar o mel e colocá-lo
na centrífuga. “A primeira vez que fui ver esse processo de perto,
estava toda perfumada e, por isso, solicitaram que me afastasse.
Na hora fiquei triste, mas depois dos cursos entendi que as abelhas
não gostam de outro cheiro que não seja o da rainha da colmeia.
Agora já sei como agir”, relata.
Vanessa diz que hoje é uma pessoa totalmente diferente. Antes
não tinha trabalho remunerado e hoje ganha o próprio dinheiro.
Recebeu uma proposta do seu ex-noivo, que está morando em São
Paulo, para deixar tudo, seguir para lá e se casarem. Escolheu
ficar porque acredita que o seu futuro está em Vereda da Onça,
onde já vê uma possibilidade de renda e de desenvolvimento junto
às pessoas da comunidade. O seu sonho é ver a comunidade
crescer cada vez mais. Sua meta agora é ampliar e multiplicar a
experiência com outros jovens para que percebam o potencial e se
estimulem para desenvolver um trabalho na própria comunidade,
seja de forma individual ou coletiva. Em breve, pretende dividir
com alguém o núcleo produtivo que recebeu da FETRAF e prefere
que seja um jovem da comunidade.
MULHER CONQUISTA
LIDERANÇA E AUTONOMIA
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MULHER CONQUISTA
LIDERANÇA E AUTONOMIA
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
M
aria Domingas Francisca Santos, ou simplesmente
Domingas, é mãe de 2 filhos, Andreane e Adriano. É casada
com Valdemir Pereira dos Santos, um companheiro
que sempre a apoia em tudo o que faz. Quando precisa viajar, o
Valdemir assume as tarefas. “A primeira vez que viajei de avião
foi para participar de um intercâmbio internacional na África, em
Moçambique. Passei 15 dias fora de casa e Valdemir assumiu todas
as tarefas junto aos filhos e cuidou das atividades domésticas, dos
canteiros, da roça e da criação”, conta Domingas. O casal afirma
que a confiança é o segredo da relação que se construiu há cerca
de 20 anos. Isso é o que facilita Domingas a ser dirigente sindical
e integrante da Coordenação da Rede de Mulheres de Remanso,
além de animadora da comunidade pela Paróquia.
Os encontros e reuniões da Paróquia acontecem no terreiro de sua
casa, aos domingos à tarde. Além da oração, são feitos os avisos
e discutidas questões ligadas à Rede, ao Sindicato, à Paróquia, à
comunidade, entre outros assuntos. Pelo sindicato, acompanha
as construções das cisternas calçadão em sua região. Maria
Domingas faz parte também de um grupo de beneficiamento de
frutas e de mandioca, que utiliza a Unidade de Beneficiamento
da Associação de Moradores do Marco uma vez por semana.
Para o deslocamento o grupo conta com o apoio do Sindicato dos
Trabalhadores/as Rurais de Remanso e do SASOP.
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O trabalho de beneficiamento teve início em 2006 com mais 6
mulheres. Logo depois, entraram outras 6 das comunidades
Salinas Grande e Salina do Brejo. Com mais mulheres no
grupo, começaram a produzir compotas, doces, geleias e sucos,
utilizando frutas nativas como umbu, maracujá do mato, manga,
caju, acerola, goiaba e banana. Produzem ainda sequilhos, beijus
e cambraias. Por meio da parceria com a Companhia Nacional do
Abastecimento (CONAB), o grupo entrega os produtos para escolas
municipais, creches, delegacias e outros órgãos governamentais.
Domingas argumenta, no entanto, que apesar da experiência ser
muito valiosa, dedicar apenas um dia para o beneficiamento é
Foto Lise Guimarães
pouco para realizar a produção necessária
a todo o grupo.
No quintal, a agricultora tem o cuidado de
preservar a água da cisterna de produção
de enxurrada para não correr o risco de
acabar. A construção foi feita em parceria
com Sindicato, com Associação Brasileira
de Captação e Manejo de água de Chuva
(ABCMAC), Banco do Brasil e Petrobras.
Molha somente os canteiros e fruteiras
que estão próximas à cisterna. As outras,
que ficam em outra área, são aguadas com
água do barreiro e com água reaproveitada
do banheiro e da pia. Em seu quintal tem
coco, laranja, acerola, mamão, tangerina,
maracujá, limão, caju, abacate, banana,
tamarindo, pinha, goiaba, coentro,
cebolinha, pimenta, couve, pimentão e
tomate. O mamão, o limão e a acerola já
são comercializados. Além da produção
de alimentos no quintal e na roça,
Domingas tem a criação de animais, os
quais se alimentam de ração preparada
por ela mesma na máquina forrageira da
comunidade, usando mandioca e milho.
A agricultora faz ainda bolos, sucos de
frutas e salgadinhos que vende na hora
do lanche para os alunos da escola da
comunidade. Assa tudo no forno caseiro
de barro que fica no quintal, enquanto
escuta o Programa de Rádio “Desperta
Mulher”, produzido e apresentado pela
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Lise Guimarães
Rede de Mulheres de Remanso, com
apoio do SASOP. Atualmente, o desafio do
grupo de beneficiamento do Xique-Xique
é conseguir uma estrutura na própria
comunidade para poder beneficiar os
alimentos mais de uma vez por semana e
não ter o desgaste do deslocamento até a
Unidade de Beneficiamento do Marco.
QUINTAL PRODUTIVO SUSTENTA
E GERA RENDA PARA
A FAMÍLIA DE ORNELINA
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QUINTAL PRODUTIVO SUSTENTA
E GERA RENDA PARA
A FAMÍLIA DE ORNELINA A RENDA FAMILIAR
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
práticas agroecológicas. O sabor das
hortaliças, segundo a agricultora, é bem
mais agradável, além de ser saudável.
As capacitações a ensinaram a preparar
o adubo e os defensivos naturais. “Ter
essa horta fez uma diferença enorme
na alimentação da família, porque antes
só comíamos feijão, arroz, macarrão,
abóbora, tomate e, às vezes, alface,
porque o dinheiro não era suficiente para
comprar as verduras necessárias”, conta.
O
rnelina Marina Alves Neta tem 30 anos, mora na comunidade
Vereda das Minas, município de Remanso, com seu esposo,
Josué Ferreira de Oliveira, e duas filhas, Keila Alves de
Oliveira, de 7 anos, e Débora Alves de Oliveira, de 4 anos. O trabalho
principal da família é com o quintal produtivo e apicultura, de onde
tiram a alimentação e maior parte da renda.
Hoje, a família de Ornelina pode comer
tudo o que planta, como beterraba,
cenoura, couve, alface, tomate, coentro,
cebolinha, pimentão e salsinha. Sua
renda melhorou muito depois da horta.
Antes gastava cerca de 50 reais por mês
na compra de verduras e, agora, a horta
fornece tudo o que precisam e ainda gera
um montante de 250 reais mensais com a
venda dos produtos. O valor aumenta para
500 reais quando junta com produtos da
roça na época do inverno.
Ornelina conta que a família consome de tudo o que produz, seja
da criação animal, da roça ou do quintal. A maioria dos produtos
é vendida na feira livre do município vizinho, Pilão Arcado, que é
mais perto e tem um preço melhor. Vende tudo o que leva. Apenas
o mel é comercializado em Remanso. No primeiro semestre de
2011 conseguiu colher 4 baldes de mel, com 25 quilos cada. Um
foi repassado para a Rede de Mulheres como devolução para o
Fundo Rotativo, outro ficou para consumo da família e os outros
2 foram comercializados.
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Para fortalecer a plantação, Ornelina aduba com os estercos do
chiqueiro das cabras e do galinheiro e faz cobertura do solo com
palhas para manter a terra mais úmida. Quando precisa fazer algum
controle de praga na horta só usa o defensivo natural. “Fazendo
dessa forma, não agredimos a natureza”, esclarece. Ornelina
diz ainda que tudo o que faz no quintal é buscando introduzir
A prioridade da família é plantar para
garantir uma alimentação saudável
e uma boa saúde. Com a renda,
compraram eletrodomésticos, roupas
e calçados. Outra mudança foi em
relação ao preparo do solo e ao cultivo
das plantas. Ornelina conta que antes
fazia queimadas e hoje tem clareza de
que não há necessidade de queimar
para preparar a terra. Aproveitam
tudo. Do bagaço das plantas, faz a
ração para os animais, misturando
com outras plantas forrageiras. Com
a água do banho, rega as fruteiras,
principalmente, no período seco.
“Depois que passamos a comer
verduras, as crianças não adoecem
mais com a freqüência de antes,
gripam menos, estão mais saudáveis
e não precisamos comprar vitaminas
na farmácia. O SASOP é uma entidade
muito importante, pois tem nos apoiado
no melhoramento dos quintais, ensina
como se deve preparar melhor a terra,
Foto Maria de Lurdes Antunes
A agricultora conta que, antes do SASOP, plantavam apenas
na roça, que fica distante da casa. No quintal, a produção de
alimentos só começou em 2007, depois que passou a contar com a
assessoria técnica do SASOP. Desde então, além do feijão, milho,
mandioca, abóbora e melancia, a família cultiva melão, mamão,
laranja, limão, manga, goiaba, acerola, coco, banana e gergelim.
Para produzir ração para os animais, planta capim, melancia de
cavalo, palma e leucena. “O SASOP nos incentivou a aproveitar
melhor o espaço do quintal. Participamos de intercâmbios,
capacitações locais, encontros regionais e de feiras da agricultura
familiar, que nos tem trazido muitos aprendizados e incentivos”,
afirma a agricultora.
Mudanças que fazem a diferença
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Maria de Lurdes Antunes
fazer o plantio, explica sobre as culturas
que melhor se desenvolvem no tipo de
solo da região, como fazer os adubos e
defensivos naturais para combater as
pragas sem agredir a natureza e a nossa
saúde. Através do projeto do SASOP,
conseguimos também construir um
galinheiro para proteger as aves da chuva
e do sol forte”, acrescenta a agricultora.
JOVEM POETA E AGRICULTOR
MOBILIZA JUVENTUDE
DE SUA COMUNIDADE
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JOVEM POETA E AGRICULTOR
MOBILIZA JUVENTUDE
DE SUA COMUNIDADE
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Lise Guimarães
casa, tenho um pomar que serve de
morada para as aves”, conta.
O
jovem Wilson da Silva Sousa mora na comunidade Sítio
Novo do Pedrão, no município de Campo Alegre de Lourdes,
no estado da Bahia, a 900 quilômetros da capital. É filho
de Olímpio da Silva Ramos e de Vanda Sousa Silva. Nasceu em
1984 numa família que, tudo o que vêem transformam em arte. A
cachaça brejeira, por exemplo, temperada em cascas e vagens de
plantas nativas é degustada num copo produzido da madeira da
umburana pelo seu pai.
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Wilson, não poderia ser diferente, nasceu com o dom da escrita
e poesia. É cordelista desde que aprendeu as primeiras letras.
Confessa que no início imitava os versos do livro, O Vaqueiro
Damião, que seu pai tinha. Foi a estória que mais lhe marcou
quando tinha entre 5 e 6 anos de idade. Sua mãe, Vanda, diz que
ele aprendeu a ler cedo com incentivo da irmã mais velha Sueli.
Wilson tentou a vida em São Paulo, mas ficou apenas um ano.
Logo percebeu que não conseguiria ficar longe da família e da
algazarra dos pássaros. Além do mais, a poluição e os prédios
os impediam de ver o pôr-do-sol. “A natureza é um alimento
para a minha vida e de minha família. Por isso, ao redor da
A organização do Sítio foi uma iniciativa
de seu tio Pedrão, Pedro da Silva Ramos,
quando retornou de São Paulo, em 1973. É
uma área composta por casas somente de
membros da família. Parte da plantação
da roça é coletiva e, cada família, tem seu
quintal com cisterna de bica. Como ainda
não tem energia, as famílias, após o jantar,
costumam fazer uma roda de conversa
entre jovens, adultos e crianças para
contar causos, piadas e discutir assuntos
ligados a comunidade e em geral.
Hoje, Wilson tem 26 anos, é agricultor,
faz parte da coordenação da catequese,
anima os encontros da comunidade e
está como agente de campo de projeto do
SASOP. Antes de tudo, é poeta cordelista
e tocador de violão. De segunda à sexta,
Wilson se desloca para o Colégio Estadual
João Paulo II, que fica na comunidade
Barreiro do Espinheiro, para concluir
o ensino fundamental. O jovem poeta e
agricultor ainda não finalizou o ensino
médio porque teve dificuldade de aceitar
o que os professores ensinavam, sempre
questionando. “Por não ser compreendido,
deixava a escola antes concluir o ano.
Aprendi muito com a própria natureza.
Esta é a minha principal escola. Já escrevi
vários cordéis. Um deles fala sobre uma
das primeiras conquista da comunidade,
as cisternas de bica, para consumo
humano”, conta Wilson.
Foto Lise Guimarães
A comunidade queria
A comunidade queria
Ver as cisternas chegar
Porque todos os dias
Água tinha que buscar
E se tivesse cisterna
Dava pra facilitar
Foi Deus que ajudou
As famílias ganhar
As cisternas que ajudam
Suas vidas melhorar
Tem cisterna e alegria
Deus que veio abençoar
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Em 2007, quando soube que o governador
Jacques Wagner iria à Campo Alegre de
Lourdes, Wilson fez uma carta e entregou
em mãos. O governador colocou a carta
no bolso e abraçou o jovem, garantindo
que iria ler. A carta falava sobre a luta
da comunidade por água e fazia críticas
a governos passados que perseguia sua
comunidade por se opor à situação de
miséria e abandono. Após a instalação do
poço, Wilson escreveu o cordel:
Sítio Novo do Pedrão
A gente não tinha nada
Porque pela prefeitura
Era de fato marcada
E eu sempre sonhando
Com escola, água e estrada.
O governador recebeu a carta
E no bolso colocou
Com três anos depois
As máquinas o poço furou
Foi uma das obras mais belas
Que o Sítio Novo ganhou.
Enquanto catequista, Wilson faz um trabalho
com as crianças em sua comunidade todos
os domingos e coordena o município junto
a uma equipe paroquial. Além de seguir
orientações para estudos bíblicos, prepara
as crianças para a primeira comunhão,
toca violão e faz brincadeiras. Seu maior
desafio é manter os encontros com os
jovens que acontecem também uma vez
por semana. Muitos já desistiram porque
foram tentar a vida em lugares maiores
ou porque não se sentiam estimulados
apenas participando de reuniões. Wilson
conta que, após iniciar a formação que
está fazendo com o SASOP, sente-se mais
motivado para retomar as atividades com
os jovens e, desta vez, com ações práticas.
Tem a intenção de trabalhar a agroecologia
e a convivência com o semiárido, a partir
de ações práticas. Acredita que essa será
uma maneira da juventude permanecer no
campo, se reanimar e desenvolver a sua
potencialidade e criatividade com novos
experimentos tecnológicos.
Instalaram a caixa d’água
Fizeram dois chafarizes
A carta voltou pra mim
Como as plantas e raízes
Hoje temos água e alegria
Somos um povo mais feliz.
QUINTAL AGROECOLÓGICO
PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL
PARA A FAMÍLIA DE SALETE
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QUINTAL AGROECOLÓGICO
PROMOVE VIDA MAIS SAUDÁVEL
PARA A FAMÍLIA DE SALETE
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
M
O trabalho com quintais agroecológicos começou com seu
irmão Júlio Feitosa, quando foi convidado pelo Sindicato dos
Trabalhadores Rurais para fazer um curso de caprinocultura
no Instituto Regional da Pequena Agricultura Apropriada
(IRPAA), em Juazeiro-BA. Ao retornar, fez um plano de água
para avaliar o consumo da família e dos animais. Logo depois,
o SASOP desenvolveu o Diagnóstico Rápido e Participativo
(DRPA) na região, mostrando as fragilidades e potencialidades
da comunidade. Nesse mesmo período, foi feito também o
diagnóstico nutricional. A partir destas análises, a agricultora
passou a trabalhar o seu quintal com o plantio de novas
sementes, como girassol, sorgo, milheto, amendoim, melancia
de cavalo, entre outras.
Em 2004, o SASOP apoiou a comunidade com a estruturação
de 24 quintais. A chegada das cisternas de 16 mil litros de água
para produção incentivou as famílias a cuidarem mais dos
quintais, hortas e canteiros.
Beneficiamento de frutas e renda
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No quintal de Salete tem laranja, manga, caju, banana, umbu,
tangerina, goiaba, pinha, acerola e mamão. No período da safra
do umbu, da goiaba e da acerola, ela guarda a polpa das frutas e
Foto Maria de Lourdes Antunes
aria Feitosa Barbosa, conhecida como Salete, mora na
comunidade Barreiro do Espinheiro, município baiano
de Campo Alegre de Lourdes. Salete tem 43 anos e é
casada com Oscar Alves Barbosa. O casal tem 5 filhos - Cláudio,
Donizete, Cláudia, Danúbio e Priscila - e 5 netos - Raissa,
Adriele, João Miguel, Davi e Pedro Henrique. Salete, que foi
diretora sindical por dois mandatos e, em 2009, ocupou o cargo
de Secretária de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do
município, desenvolve ainda o trabalho Primeiros Socorros
pela Paróquia na comunidade, além de fazer preparação para
batizados e casamentos.
garante durante todo ano para o preparo
de sucos, doces e geleias.
A principal renda da família vem do
trabalho desenvolvido pelo seu esposo
Oscar, como pedreiro na construção de
cisternas. A segunda atividade geradora
de renda é a apicultura, que também
garante um alimento nutritivo para a
família. A roça e a criação de galinhas
servem para o consumo da família,
atendendo a demanda de proteína animal
e também vai para a comercialização.
No quintal, a família cultiva plantas
utilizadas para fazer remédios caseiros,
a exemplo do alecrim, hortelã, malvão,
erva cidreira e mastruz. Com isso, deixam
de comprar remédios de farmácia.
“Acredito mais nos remédios caseiros,
pois são bem melhores para a saúde.
Preparo chás, tinturas, que servem para
cicatrização e garrafadas, que tem a
função da dipirona”, conta Salete.
O fato de ter participado de cursos e
oficinas promovidos pelo o SASOP e pela
Paróquia de Campo Alegre de Lourdes
fez Salete perceber que as atividades
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
contribuíram para aumentar seu conhecimento no preparo dos
alimentos e para melhorar a saúde da sua família. “Eu tinha
anemia e fiquei boa comendo folha seca da mandioca cozida no
arroz ou no feijão. Fiz o tratamento durante um mês, mas como
até hoje porque acho gostoso”, ensina.
Foto Maria de Lourdes Antunes
BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA
FORTALECE REDE DE MULHERES
DE CASA NOVA
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BENEFICIAMENTO DA MANDIOCA
FORTALECE REDE DE MULHERES
DE CASA NOVA
E
m Casa Nova, município onde a agricultura irrigada é foco da
economia, existe a Rede de Mulheres que trabalha gênero
e geração de renda a partir da economia solidária. Casa
Nova fica a 70 quilômetros de Juazeiro, cidade pólo do Território
do Sertão do São Francisco. A Rede de Mulheres de Casa Nova
e região, segundo Marileide Alves da Silva, conhecida por Leda,
surgiu em 2001, a partir do trabalho desenvolvido pela Pastoral da
Mulher da Diocese de Juazeiro.
Desde o início, a Rede Municipal e Regional têm como objetivo
integrar as mulheres para refletir sobre o cotidiano e seus
problemas. “A Rede busca melhorar a autoestima e faz
esclarecimentos sobre vários assuntos, além de despertar as
mulheres para a produção e geração de renda”, complementam
Diva Carvalho e Beatriz Araújo, que fazem parte da coordenação
da Rede Regional junto com Marileide. Beatriz, que participa de
intercâmbios de experiências em outras cidades, anima e orienta
o grupo de produção de alimentos. É ela quem traz a memória
de seus antepassados nas receitas, sempre dosando com a
criatividade do grupo.
A Rede Municipal hoje tem mais de 20 participantes e atua em
5 localidades do município de Casa Nova: na sede, em São
Luiz, Santana do Sobrado, Melancia e Mucambo. As mulheres
vivenciam experiências com funções diversificadas. Há as artesãs,
as doceiras, as pescadoras, as agricultoras, as professoras e as
garis.
Em 2006, a Rede sentiu necessidade de trabalhar geração de
renda, já que algumas mulheres estavam desempregadas e
outras precisando complementar a renda familiar. Assim, iniciou
um trabalho com mulheres interessadas em beneficiamento de
frutas nativas e produção de alimentos no quintal, por meio de
cursos realizados pelo Instituto Regional de Pequena Agricultura
Apropriada (IRPAA) e pelo SASOP.
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Beatriz, que já tinha experiência com beneficiamento de derivados
da mandioca, começou, nesse mesmo período, a realizar
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
capacitações com algumas mulheres da
Rede dispostas a desenvolver um núcleo
produtivo a fim de gerar renda, que ganhou
o nome da avó de Beatriz “Tumásia: Arte
e Sabor”, pois “ela tinha toda habilidade
para a arte culinária, principalmente ao
que se refere às delícias de nossa terra.
Mesmo não tendo a oportunidade de
aprender com ela, sinto a sua inspiração
em tudo que faço”, emocionada revela
Beatriz.
Atualmente, o grupo de beneficiamento
é formado por seis mulheres que
produzem biscoitos doces e salgados,
petas, conhecida em outras regiões por
avoadores, e sequilhos também conhecido
por ginetes. Tudo feito da tapioca. Com o
bom resultado, iniciaram outra linha de
produção de bolos e salgados para festas,
que fazem sob encomenda. “Ao longo
desses anos, mesmo sendo pequena, é a
renda mensal que tem mantido o grupo
estimulado a dar continuidade”, conta.
A produção é desenvolvida no quintal
da casa de Beatriz e, por não ter uma
infraestrutura, o grupo avalia que falta
produto e, não, mercado. Nas sextas e
sábados, elas vendem na feira do centro
da cidade de Casa Nova, e, aos domingos,
em Santana do Sobrado. Semanalmente,
abastecem supermercados e mercearias.
O grupo recebe por produção e, cada
participante, atinge uma média de 300
reais por mês.
Para Leda, a atividade que o grupo realiza
com a tapioca como matéria prima, forma
uma cadeia produtiva que, aos poucos,
garante a renda para sobrevivência.
Mais de 80% da tapioca é comprada no
município, fortalecendo a atuação em
rede, resgatando a tradição e a cultura
dos produtos da tapioca. De acordo com
Foto Arquivo SASOP
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Arquivo SASOP
o grupo, uma das maiores conquistas é fazer parte da
Rede Sabor Natural do Sertão, que promove intercâmbios,
integração, fortalece os grupos da região, facilita
capacitações e reflexões sobre economia solidária, além de
viabilizar as vendas em outros espaços regional e nacional,
como as feiras, e a divulgação no exterior, em países como
Itália e Alemanha. Beatriz, Diva e Leda afirmam que os
desafios são muitos, como produzir de forma mais saudável,
usando o ovo de galinha caipira, conhecida também como
ovo de quintal. A perspectiva é participar da próxima
Chamada Pública do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) e fornecer para as escolas do município.
REDE DE MULHERES SURGE
DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA
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REDE DE MULHERES SURGE
DE MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
criação de galinhas, produtos de limpeza,
artesanato e beneficiamento de frutas e
derivados da mandioca.
Em 2002, a Rede inicia sua participação
em intercâmbios de experiências, cursos
e articulações regionais e nacionais, como
a Articulação Nacional de Agroecologia
(ANA), a Rede Abelha Nordeste, o
Fórum Baiano de Economia Solidária,
a Articulação do São Francisco Vivo, o
Fórum Regional de Entidades, o Território
da Cidadania do Sertão do São Francisco,
além de promover atividades para
fortalecer as experiências locais.
A
O grupo realizava caminhadas nas principais ruas da cidade e
promovia atividades no dia 8 de Março para chamar atenção
das autoridades, que não davam importância aos assassinatos
e a violência, principalmente, a doméstica, que ocorria
constantemente. Para sua sustentabilidade o Movimento de
Mulheres começou a desenvolver trabalhos manuais com
artesanato e remédios caseiros. O apoio da Coordenadoria
Ecumênica de Serviços (CESE) possibilitou a compra de uma
máquina apropriada para bordados, melhorando a geração de
renda do grupo.
Foto Arquivo SASOP
história da Rede de Mulheres de Remanso teve início em
1983, com a organização do Movimento de Mulheres para a
realização de um Ato Público em repúdio à violência contra
mulheres assassinadas por seus companheiros. O problema
vinha crescendo na região desde a década de 70, quando houve a
mudança da cidade. O Movimento surge então para dar apoio às
vítimas e fazer denúncias publicamente. O grupo contou com apoio
da Paróquia, do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
Rurais e do Centro de Educação Popular Luiz Nunes.
Como desafios, o grupo coloca a
continuidade da formação educativa e
política, além da organização do trabalho
de geração de renda em todos os grupos
das comunidades que atua. As mulheres
apontam ainda a necessidade de
garantir mais autonomia e qualificação
para realizarem suas atividades com
segurança. Hoje a Rede faz a atividade de
geração de renda em quatro grupos dos
nove que trabalha. As comunidades sócias
da Rede são Salinas Grande, Xique-xique,
Nova Esperança, Vereda das Minas, Ponta
da Serra II, Pedrinhas, Caldeirão do Café,
Lagoa do Garrote, Maravilha e Martinha.
Na década de 90, criaram o Programa de Rádio Desperta Mulher,
veiculada na Rádio Comunitária Zabelê FM, para dar visibilidade aos
trabalhos, estimular a participação de outras mulheres, dar dicas
domésticas e de saúde, contribuir no processo de sensibilização
e interagir com o público feminino. Atualmente, uma técnica do
SASOP apoia na produção e apresentação do programa, mas o
desafio é que seja assumido pelas mulheres da Rede.
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Em 1998, surge a Rede de Mulheres Regional, abrangendo os
municípios ligados a Diocese de Juazeiro e, em 2004, a Rede de
Mulheres de Remanso torna-se pessoa jurídica. Nesse período,
intensifica a elaboração de projetos com apoio da equipe do
SASOP, buscando apoio financeiro para dar continuidade às ações
de formação em gênero e geração de renda, a partir da criação
de abelhas. Recentemente, as mulheres começaram a atuar com
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Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Foto Mateusz Radek
Atualmente, a Rede participa com o SASOP da Campanha de Apoio
a Agricultura Familiar, apoiada pela Actionaid, em comunidades
de Campo Alegre de Lourdes e Remanso. Esta Campanha
tem contribuído para a aquisição de equipamentos para as
unidades de beneficiamento de frutas, estruturação de quintais
agroecológicos, construção de cisternas de produção de 16 mil
litros e plantio de fruteiras. A Rede faz parte ainda do projeto
de Fundo Rotativo Solidário com criação de galinhas, cabras e
abelhas. As beneficiárias fazem a devolução como forma de
dar continuidade ao projeto para que outras mulheres também
tenham a mesma oportunidade.
SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO
DE LUTA E ORGANIZAÇÃO
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SALINAS GRANDE, UM EXEMPLO
DE LUTA E ORGANIZAÇÃO
R
osilene dos Santos Silva é nascida e criada na comunidade
Salinas Grande, localizada a 36 quilômetros da sede do
município de Remanso, Bahia. Rosa, como é conhecida,
participa da luta comunitária há cerca de 20 anos, quando
começou como animadora da Paróquia. É sócia do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, diretora da Associação
Comunitária, membro e animadora da Rede de Mulheres e,
atualmente, coordena a Minifábrica de Beneficiamento que
está sendo construída na comunidade. É casada com Antônio
Carlos Dias da Silva, que tem muito conhecimento sobre plantas
medicinais e remédios caseiros. O casal não possui filhos.
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Logo no início dos encontros dominicais, na década de 90, as
mulheres eram maioria. Rezavam e conversavam com Rosilene
e seus familiares, à sombra do juazeiro, sobre problemas ligados
a comunidade. A primeira luta foi para a criação da Associação
Comunitária Agropastoril dos Pequenos Produtores de Salinas
Grande e Arredores, que teve o objetivo inicial de conseguir
melhorias e ampliação da escola. A partir daí, a luta comunitária não
parou e os homens começaram a participar mais, principalmente
depois que se instalou um conflito de terra com um grileiro e as
famílias. Esse processo está na justiça desde 2008.
Foto Lise Guimarães
Caderno de Experiências Agroecológicas de Mulheres e Jovens do Sertão São Francisco
Rosilene já participou de diversos
intercâmbios. Em Uauá, Bahia, ela visitou
a experiência de uma cooperativa de
beneficiamento de frutas. Em Campo
Alegre de Lourdes, conheceu uma Casa
de Mel e quintais produtivos. Em São
Raimundo Nonato, no Piauí, visitou o
trabalho de mulheres com produção
de sabonete, o local da fábrica de
beneficiamento de frutas e a experiência
com pintura em tecido. Para ela,
participar dessas atividades é muito
importante porque é uma forma de
trocar experiências e aprender a superar
obstáculos. Um dos desafios que Rosilene
ainda continua enfrentando é a falta da
compreensão de alguns homens que não
permitem que suas esposas participem de
atividades fora da comunidade. No início se
sentia muito sozinha porque as mulheres
queriam participar, mas eram impedidas
por seus companheiros. Hoje, a maioria
das mulheres participa das atividades
e conta com o apoio dos esposos. Isso
faz com que Rosilene se sinta menos
sobrecarregada. Ela acrescenta que
seu esposo não compreendia no início,
mas hoje ele incentiva a organização das
mulheres, apoia o trabalho e participa da
luta comunitária.
Em 2004, 18 mulheres iniciaram um
grupo para beneficiar frutas nativas,
como maracujá do mato e umbu, fazendo
doces, geleias e compotas. Da tapioca,
produzem cambraias e ginetes, também
conhecido por sequilhos. O trabalho é
realizado na Associação de Moradores
do Marcos (AMOMA), após convite da
professora Zidália, através do Sindicato
dos Trabalhadores (as) Rurais. Rosilene
se emociona ao falar da importância
do incentivo e do apoio de Zidália para
darem esse passo. O grupo vai uma
vez por semana trabalhar na unidade
de beneficiamento, que fica a 31
quilômetros de Salinas. Essa é uma
maneira das mulheres se capacitarem,
gerar renda, elevarem sua autoestima e
conquistarem autonomia financeira com
a entrada de recursos do Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). O grupo
também faz vendas individuais e nas
feiras municipais com outros produtos,
como o doce de leite da cabra, verduras
e artesanato.
Com a inauguração da minifábrica de
beneficiamento em Salinas Grande,
construída em parceira com o SASOP,
a expectativa das mulheres é aumentar
a produção e participar da Chamada
Pública Municipal do Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE). “Espero
que o grupo se fortaleça, principalmente,
junto àquelas mulheres que desistiram. É
importante a mulherada não esmorecer e
aprender a superar os obstáculos, pois isso
faz parte da caminhada”, declara Rosilene.
Outra conquista importante para a
comunidade foi a construção das
cisternas de bica que a maioria das
casas já possui. As cisternas de
produção começaram a chegar em 2009,
beneficiando cerca de 20 famílias, assim
como as Bombas D’Água Popular (BAPs),
que atendem muitas pessoas com seus
animais e afazeres domésticos. Segundo
Rosilene, a ampliação das fontes de água
melhorou a qualidade de vida. Rosália
Dias da Silva diz que seus filhos hoje
comem bem e ainda tem economizado
e garantido verduras o ano todo. Antes
as mulheres só plantavam coentro e
cebolinha em canteiros de forquilhas,
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Foto Lise Guimarães
tipo suspenso. Hoje cultivam alface, cenoura, pimentão, couve,
tomate e pimenta. No início desse ano, cada família beneficiada
recebeu 50 mudas de frutas e não vêem a hora de colher do quintal
laranja, goiaba, limão, acerola, manga e caju. Rosilene acrescenta
que o sonho da comunidade é a construção de uma casa de farinha
equipada para garantir melhor preço e um produto de qualidade.
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