“O estranho passou a ser desejado”
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“O estranho passou a ser desejado”
11 - SÁBADO - 13 / AGOSTO / 2011 - 23:1 11 Pensar por SILVANA HOLZMEISTER MICHAEL BAUMGARTEN PASCHOAL RODRIGUES O início da carreira do estilista Alexandre Herchcovitch foi marcado por polêmicas estéticas, como na roupa feita de látex em tom de pele criada em 2000 A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 13 DE AGOSTO DE 2011 CHRIS MOORE Vestidos estruturados com partes que se movimentavam por controle remoto deram o tom futurista à coleção Before Minus Now, primavera-verão 2000 do estilista cipriota Hussein Chalayan CINCO PERGUNTAS PARA A AUTORA - POR THAIZ SABBAGH “O estranho passou a ser desejado” 1 – No show business, no qual a moda também se inclui, Lady Gaga, Zumbi Boy e o modelo andrógino Andrej Pejic são novas referências de estranheza ou são pontos isolados, ainda muito recentes para se enquadrar numa proposta? São expressões da modernidade. O Andrej Pejic é o rosto da nova androginia: não é crossdressing, mas a aparência que pode ser tanto de um homem quanto o de uma mulher, e a ausência de preconceitos quanto ao gênero e ao sexo. Zumbi Boy se enquadra um tanto aqui, mas ele vai além por causa das tatuagens. Lady Gaga encontrou no ato de chocar a fórmula para o sucesso – a moda é o principal instrumento para a composição dos seus personagens estranhos, já que ela permite criar personagens. > isso respaldado por um pessimismo crescente à medida que se avançava em direção ao final do século e do milênio. A moda, reflexo que é dos humores da sociedade, captou a energia da década transformando-a em imagem e tendo como suporte o corpo para a criação não só da roupa, mas da imagem intoxicada pelo imaginário social. Hoje, ainda olho com curiosidade para a imagem atual de moda. Enxergo nela a herança dos anos 1990. Mas, afinal, a moda é feita de idas e vindas. E cada retorno vem revigorado pelo novo mantendo acesa a vontade de saber, novamente, o que há embaixo do tapete. Bonecas e modelos estão lado a lado no ensaio Dolly Mixture, fotografado por Michael Baumgarten para a revista “The Observer”, em 2000. O resultado leva à reflexão sobre o papel feminino na sociedade 2 – A primeira década do século XXI foi marcada pelas revisitações de outras décadas. Diante do quase tudo dito e feito, hoje é mais difícil chocar ou surpreender na moda? Acho que são novas formas de olhar para o antigo. Os revivals não são caricaturais, porque a maneira de olhar o mundo hoje faz com que eles fiquem diferentes, a um passo à frente do que foram no passado. Como está sendo a nova androginia, por exemplo. 3 – Com a proximidade do mundo digital, o desconhecido da passarela passou a frequentar as telas do computador das nossas casas. O dito conceitual de passarela está mais assimilado pelo público comum? A crise econômica mundial de 2008 e a possibilidade de outra crise bem grande estão fazendo com que as marcas arrisquem menos. Então, as passarelas estão bem mais comerciais. Mas como show é show, a fantasia mora ao lado. O resultado é uma ousadia comedida. 4 – No seu livro, você destaca a estética das drogas, dos ciborgues, das bonecas e até da morte como leituras de moda dos anos 90. Esses, porém, continuam sendo assuntos tabus. Pode-se dizer que a moda hoje está numa zona de conforto, saculejada apenas aqui e acolá por algumas mentes ditas perturbadas? Não diria mentes perturbadas (rs). Prefiro ver como mentes criativas, que buscam maneiras mais extremas de chamar a atenção. A moda aparece quando capta a atenção (vide o case Lady Gaga...). Os tempos são outros, mas continuamos reverberando a imagem de moda que surgiu nos anos 90. As revistas de vanguarda, como “Love”, “Visionaire” e “Purple”, são o nicho que melhor trabalha esses temas. No circuito comercial o momento é da mulher real, que conversa e inspira a leitora, o que também não significa uma imagem sem emoção. Tudo depende do olhar do fotógrafo combinado ao make e ao styling. 5 – No seu livro, você analisa que os padrões do belo e perfeito se relativizaram e passaram a chamar a atenção para a imperfeição como uma forma singular de manifestação da beleza. Hoje, porém, a obsessão pela perfeição está tão intensa que chega a ser assustadora. O belo é uma amálgama? Nos anos 90, o feio ganhou espaço em meio ao boom da cirurgia estética. Já havia o desejo pela perfeição (a humanidade sempre esteve em busca dela, né?). Por outro lado, o estranho passou a ser desejado justamente por ser o contraponto e, se observarmos, não deixou de existir. De lá para cá, já tivemos a ode às magras (que culminou na crise de anorexia em 2005), os dentes com falha de Lara Stone, o rosto masculino de Freja Beha Erichsen e, agora, a transexualidade de Lea T. Tudo isso faz parte da sede interminável da moda por novidade.