P A N Ó P T I C A

Transcrição

P A N Ó P T I C A
PANÓPTICA
PEQUENA INTRODUÇÃO A UMA TEORIA DO TRIBUTO: TRIBUTO
COMO INSTRUMENTO DE PODER
Ives Gandra da Silva Martins
No século XX, o homem começou a explorar os espaços exteriores à atmosfera e a desvendar o
Universo, ainda que de forma superficial e com falhas consideráveis nos diagnósticos e
conclusões. A cada nova descoberta, deslumbra-se com novidades observadas na imensidão
sidérea e modificam-se afirmações apressadas, a maior parte delas formuladas ao tempo das
investigações possíveis apenas por telescópios.
A teoria do “Big-Bang”, ou seja, da grande explosão que originou o Universo ainda permanece.
De certa forma, o “Big-Bang” já era conhecido, metaforicamente, – na palavra revelada do Velho
Testamento – pelo povo judaico, sem maior cultura astronômica, como o “Fiat Lux” do
Gênesis1.
Também o povo judaico não desconhecia a ordem da evolução sofrida pelo planeta Terra, depois
de seu surgimento há 5 bilhões de anos, que correspondem, em números temporais fantásticos,
aos 6 dias da criação, até o aparecimento do homem, ainda na linguagem poética própria do
inspirado autor do Velho Testamento.
Discute-se hoje, se a teoria formulada na década de 70 no século passado seria consistente, ou
seja, que a explosão lançara os diversos corpos sidéreos na imensidão vazia do Universo, o qual
Em hebraico “bara” quer dizer “criar”. L. Monloubou e F. M. du Buit lembram que: “O verbo “bara” é então
utilizado como um termo técnico; quer dizer urna ação de Deus que não se compara com nenhuma ação humana, e
uma ação que só o Deus de Israel pode realizar. O significado é ainda mais fluido em certos textos antigos; Amós
4,13 faz um paralelo entre “bara” e os verbos “modelar” e “fazer”. Mas o sentido começa de imediato a ser
precisado. Mesmo não se tratando ainda da “Creatio ex nihilo”, “criação a partir do nada”, o verbo “bara” sugere
algo equivalente que só com o tempo chegará a expressar-se claramente. Então o indefinível tohu-bohu, a partir do
qual Deus criou (aliás, jamais se diz que o ato designado por bara’ parte de uma matéria préexistente), aparecerá
como um puro nada. Portanto, poderá ser dito de Deus que ele “fez tudo do nada” (2Mc 7,28)” (Dicionário Bíblico
Universal, 2ª. Ed., Ed. Vozes, 2003, p. 161/2).
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ainda se encontraria em expansão, havendo a possibilidade de uma inflexão em milhões ou
bilhões de anos, com a atração destes corpos novamente para o centro da explosão por força da
gravidade inerente aos entes sidéreos2.
Hoje, já se admite que o Universo continuará em expansão, indefinidamente, não havendo força
gravitacional suficiente para reverter o processo. Este, possivelmente, esgotar-se-á nas sucessivas
explosões, formação de novas estrelas, surgimento de quasares, estrelas novas, galáxias, absorções
em buracos negros, até que a energia originada do “big-bang” tenha findado, quando tudo
retornará, novamente, à imensa solidão de um vazio sem limites, que seria o Universo antes do
“big-bang”.
Tal teoria, como a anterior – ou outras que certamente virão a ser formuladas –, carece, ainda, de
prova científica cabal, visto que o homem engatinha, em suas especulações, num modestíssimo
planeta, de um modesto sistema solar, dentro de uma das bilhões de galáxias existentes no
Universo, galáxia esta da qual o homem sequer consegue definir os contornos, corpos internos e
dimensão, todos os dias surgindo novidades sobre os elementos que a compõem.
O pioneiro e já superado Carl Sagan, costumava usar a imagem de que há mais corpos sidéreos
no Universo que grãos de areia nas praias da terra, para mostrar a infinitude do que se pretende
explorar e a insignificância de nossa existência3.
Hoje, ainda se tem por mais seguro – embora não seja o mais certo – que o “big-bang” teria
ocorrido em torno de 15 bilhões de anos atrás, muito embora se especule que alguns dos sistemas
explorados podem ter mais de 17 bilhões de anos. Carl Sagan chegou a colocar uma possível
É interessante que há ainda forte tendência a considerar-se a denominada teoria do universo estacionário, como a
mais provável. Leia-se: “Las observaciones astronômicas tienden a hacer que cada día se considere más probable la
primera, conocida como teoria del universo estacionario, propuesta por Herman Bondi, Fred Hoyle y Thomas
Gold en 1948. Según esta teoria, el universo está en expansión, pero su aspecto no ha variado en el curso de su
historia, es decír, es fijo. Resulta interesante el desarrollo teórico de esta teoría, pues la mayoría de los astrónomos de
su tiempo estaban convencidos de que un universo fijo tenía que ser también estático forzosamente. Bondi, Hoyle y
Gold dedujeron acertadamente que esto no tenía por qué ser así, y la ausencia de evidencia observacional en contra
de su teoría les indujo a exponerla públicamente.
La teoria afirma que las galaxias más lejanas, al alcanzar la velocidad de la luz, debido a la expansión del universo, se
destruirían. Esta destrucción de las galaxias lejanas estaría contrarrestada por la creación continua de materia, que
conduce a la formación de nuevas galaxias. La creación de materia postulada por esta teoría puede parecer-nos
escandalosa. Sin embargo, no lo es tanto cuando se calcula la baja magnitud de creación necesaria para explicar la
velocidad de expansión observada. Además, ha de ternerse en cuenta que nadie consiguió demostrar en su tiempo la
imposibilidad de esta suposición” (Nueva Acta 2000 – Enciclopedia Sistematica – Ciencias de la Naturaleza, Ed.
Rialp, p. 92).
3 Em três livros repete a imagem “Cosmos”, “Um pálido planeta azul” e “Cometa”.
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diferença de 5 bilhões de anos para mais, da ocorrência do “big-bang”. Vale dizer, na década de
70, tinham os idealizadores – entre os quais se encontrava o admirável Carl Sagan – das naves
espaciais “Voyager” – que já deixaram o sistema solar, mas continuam a enviar mensagens para a
Terra, na sua aventura pelo Universo – uma pequena dúvida sobre se o “big-bang” teria ocorrido
há 15 ou 20 bilhões de anos! Uma modesta diferença de 5 bilhões de anos, na determinação do
momento do “big-bang”. Uma insignificante dúvida de cinco bilhões sobre a origem do
Universo!
Hoje, inclusive, admite-se que o “big-bang” tenha ocorrido há 13 bilhões de anos e
não há 15.
O que não suscita dúvida, todavia, é que o Sol em, no máximo, 5 bilhões de anos, deverá explodir
quando consumir os elementos que o compõem, explosão que absorverá os planetas próximos,
certamente Mercúrio e possivelmente Vênus e Terra. Com isso, a imagem de São Pedro – que
também não era especialista em assuntos espaciais – na segunda epístola, é possivelmente correta,
ao dizer que a Terra será consumida pelo fogo, no fim dos tempos4.
O certo é que, em face da imensidão do Universo, da ignorância humana na confirmação de seus
aspectos periféricos e da absoluta falta de dados sobre as causas do “big-bang”, a razão de ser, o
porquê do Universo e o sentido de seu desaparecimento, é de se admitir que a aventura humana é
fantasticamente pequena, insignificante, sem qualquer expressão.
Saindo da casa dos bilhões de anos para a dos milhões e dos milhares, no ano 2004, levantou-se a
tese que o primeiro homem, isto é, a primeira espécie do “homo sapiens” não teria surgido há
160 mil anos, mas há 190 mil, muito embora, espécies de animais semelhantes ao “homo sapiens”
tenham sua origem bem mais remota.
A vida poderia ter surgido na Terra entre 3.5 a 4 bilhões de anos, sendo que apenas a espécie dos
dinossauros dominou o planeta por 150 milhões de anos, tendo desaparecido há 65 milhões de
Os versículos 8 a 13 do Capítulo III da Epístola 2 de São Pedro lê-se: “Pero hay algo, queridísimos, que no debéis
olvidar: que para el Señor un dia es como mil años, y mil años como un dia. No tarda el Señor en cumplir su
promesa, como algunos piensan; más bien usa de paciencia con vosotros, porque no quiere que nadie perezca, sino
que todos se conviertan. Pero como un ladrón llegará el dia del Señor; entonces los ciclos se desharán con estrépito,
los elementos se disolverán abrasados, y lo mismo la tierra con lo que hay en ella.
Si todas estas cosas han de destruirse de ese modo, cómo debéis ser vosotros en vuestra conducta santa y en vuestra
piedad!, mientras aguardáis y apresuráis la venida del dia de Dios, cuando los ciclos se disolverán ardiendo y los
elementos se derretirán abrasados. Pero nosotros, según su promesa, esperamos unos ciclos nuevos y una tierra
nueva, en los que habita la justicia” (grifos meus) (Sagrada Biblia, Epístolas Católicas, tomo XI, Ediciones
Universidad de Navarra, Pamplona, 1988, p. 211/213).
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anos por causas ainda hoje inexplicadas. Várias teorias foram aventadas sobre o desaparecimento
dos dinossauros, inclusive a do choque de um corpo sidéreo, no Golfo Pérsico, que teria gerado
as correntes quentes de água existentes até hoje, e provocado um inverno nuclear, responsável
pela extinção da espécie jurássica, em pouco tempo, por falta de alimentos5.
O certo é que, nesta escala fantástica de anos multiplicados aos milhares, milhões e bilhões, as
primeiras manifestações artísticas e culturais do homem datam de 20.000 anos (cavernas de
Lescault ou Altamira), as ruínas de Jericó datam de 9.000 anos e a história narrada, propriamente
dita, começa há modestíssimos 6.000 anos.
Em outras palavras, tudo o que valorizamos, na aventura humana, é de uma insignificância brutal,
mesmo admitindo o conjunto de todas as manifestações concernentes ao homem. O que vale
dizer: a história do ser humano, em dimensões galáticas, não tem qualquer expressão. E sua única
expressão, a meu ver – mas não é objeto deste estudo – de dimensões específicas, está no
mistério da alma e da metafísica, ou seja, nas relações do homem com Deus, única hipótese não
materialista, a dar significado ao homem, visto que, no aspecto mental, sua superação é infinita, e
como o Universo, o pensamento não tem limites6.
É neste ponto que reduzo à expressão quase nenhuma o significado do ser humano,
individualmente, e em sociedade.
Em outras palavras, a insignificância da história humana, enquanto apenas em sua fantástica e
minúscula aventura no Universo, à luz dos acontecimentos, demonstra que, no momento em que
“Os dinossauros surgiram no começo da era mesozóica, durante o Triássico, e, aparentemente, derivaram de um
grupo de répteis denominados tecodontes. Diversificaram-se rapidamente em seguida, florescendo durante os
períodos Jurássico e Cretáceo, quando incluiram os maiores vertebrados terrestres. 3.1 Apesar da idéia popularmente
aceita de que os dinossauros incluem normalmente animais de grande porte, o seu tamanho variou bastante. Alguns
atingiram, realmente, grandes dimensões, com até cinqüenta toneladas de peso; outros, porém, não ultrapassaram o
tamanho de um gato. Conhecem-se restos de esqueletos, pele mumificada ou substituída, pegadas e mesmo ovos
fossilizados dos dinossauros. 3.2 Um outro aspecto fundamental da história desse interessante grupo de vertebrados
fósseis foi a sua diversificação precoce, desde o inicio de seu aparecimento, quando já se pode reconhecer duas
ordens – saurisquianos e ornitisquianos –, ambas pertencentes à subclasse Archosauria” (Enciclopédia Mirador
Internacional, Britannica, 1975, p. 3355/3356).
6 Lê-se: “El conocimiento y comprensión de la realidad del alma humana, y la expresión de ese conocimiento, han
sufrido sus lógicas vicisitudes a lo largo de la historia; pero, de un modo o de otro, con mayor o menor acierto, no
han faltado en las diversas épocas, pensadores, escuelas, etc, (salvo las excepciones, por lo demás dudosas, del
materialismo, v.). De modo que puede decirse que el conocimiento del alma humana, bien como principio vital
general, bien, al menos, como principio de conocimiento, de conciencia o de voluntad, bien como lo inmortal e
imperecedero de cada ser humano individual, es algo que pertenece al conocimiento natural, espontáneo y más o
menos inmediato, de todo hombre” (Gran Enciclopedia Rialp, tomo I, Ediciones Rialp, Madrid, 1984, p. 706).
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o homem se tornou um ser social, isto é, no momento em que teve consciência de sua
racionalidade, surgiram 4 classes diferentes de pessoas, a saber: os governantes, ou aqueles que
exerciam o poder e que se consideravam superiores ao povo; os produtores de riqueza, num
segundo patamar inferior, antes das democracias modernas e sujeitos ao humores dos detentores
do poder; o povo, em geral, subordinado a governantes e produtores de riquezas, e os escravos7.
A formação dos pequenos núcleos organizados há dezenas de milhares de anos leva,
necessariamente, a esta repartição social, que permanece, de rigor, até hoje, exceção feita aos
escravos, com uma multiplicação de áreas para os produtores de riquezas, inclusive de natureza
imaterial. Em grandes linhas, entretanto, a sociedade é dividida entre os detentores do poder e o
povo, este servindo muito mais de tema para as campanhas políticas da modernidade do que
exercendo o papel de real destinatário das grandes conquistas da civilização moderna.
No mundo moderno, mesmo em relação aos países mais desenvolvidos, a maior parcela do povo
continua sendo a das pessoas que, na realidade, têm direitos reduzidos. Embora seus direitos
sejam decantados, nas leis e Constituições, o povo está fadado a servir e a obedecer e a prestar-se,
como massa de manobra, para os que ambicionam o poder e procuram iludi-lo com suas
promessas, raramente cumpridas8.
7 Escrevi: “Um outro componente, no inicio, menos denso, mas que exigia a formação daqueles núcleos era a
transferência da agressividade defensiva do homem em relação ao meio ambiente quase dominado (animais e
fenômenos c1imáticos) para seus semelhantes,de tal maneira que a cidade, mais facilmente guarnecida, representava
para cada grupo alternativas de maior segurança de vida. Já, entretanto, se fazia notar, com bastante clareza, os dois
ingredientes mais importantes da história da humanidade, isto é, a ambição ao poder e a ambição à riqueza, próprias
da sofisticação dos conhecimentos adquiridos e das duas características mais tristes da natureza humana, quais sejam,
a vaidade e a intolerância. Ambos os componentes, porém circunscritos praticamente aos de seus dirigentes, que se
estavam transformando nas elites primitivas e nos futuros reinos” (“O Estado de Direito e o Direito do Estado”,
José Bushatsky, 1977, p. 12/13).
8 Antonio I. Margariti esclarece: “La creencia de que todo nuevo gasto público será pagado por los demás, es lo que
anima a grandes mayorías electorales a aceptar con facilidad que se sancionen mayores partidas de gastos pensando
que lo recibirán como un maná caído del cielo y que serán otros quienes deban hacer esfuerzos para lograr la
recaudación necesaria. El predominio de las ideas populistas ha hecho que los servicios estatales excedan a las
posibilidades reales de la economía nacional. Se han buscado métodos extorsivos indirectos y ocultos para costear
esos servicios estatales que crecen incesantemente por consenso demagógico sin ningún respeto por los costos que
suponen. Nuestros políticos tratan de mantenerse en el poder halagando las bases electorales y obteniendo recursos
por la coacción impositiva. Así costean los denominados gastos sociales: comedores populares, planes jefas de hogar,
bolsos alimentarios, asistencia médica gratuita, utilización de la escuela para contención de niños y jóvenes
indigentes, pasajes gratuitos en medios de transportes colectivos y viviendas sin cargo para los contestatarios. Por eso
se recaudan impuestos directos e impuestos ocultos entre ciudadanos que son incapaces de formular airados
reclamos colectivos como lo hacen los piqueteros porque tienen intereses difusos” (Impuestos y pobreza, Fundacion
Libertad, Rosário, Argentina, 2004, p. 286).
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Os produtores de riquezas, no Estado moderno, elevaram, consideravelmente, seu “status” em
relação aos detentores do poder, hoje ganhando dimensão relevante para influir no destino dos
que querem ou exercem o governo.
Não estão mais naquela condição de terem que, habilmente, conviver com o absolutismo do
poder, em todos os tempos e todas as civilizações.
O certo, todavia, é que a vida em sociedade, quando o Estado se forma, não esconde a realidade
– mais monotonamente detectada – de que o Poder e os seus detentores continuam sendo, nas
diversas categorias sociais, os mais importantes, estando os outros setores – mais ou menos
subordinados – na condição de permanentes geradores de recursos para a manutenção daqueles.
Ainda hoje, como o era nos tempos primitivos, quem governa é quem determina os destinos de
um povo – ou, no concerto das nações, aqueles que, por governarem os países mais fortes,
determinam não só o destino de seu povo como o das demais nações9.
E, neste contexto – hoje incomensuravelmente mais sofisticado na definição de políticas e de
ambições de poder, do que nos tempos primitivos – os candidatos são menos preparados que,
em face dos desafios da época, era a classe dirigente primitiva. O poder, hoje, obtém-se
independentemente da aptidão do candidato, de sua competência, de seu talento ou de sua
habilidade. Os estadistas continuam raros e vicejam os políticos e os burocratas – ou, no dizer de
Tofler –, os integradores do poder, formatados por mestres da publicidade e “marketing”10.
É nesta perspectiva, portanto, que a manutenção da ordem social – sempre tripartida em
governantes, produtores de riqueza e povo – dá suporte e nutre o poder como nutrira no curso
da história. O tributo torna-se, portanto, o mais relevante instrumento de domínio, desde o
alvorecer da sociedade organizada.
Alvin Toffler, em “Powershift – As mudanças do poder” (Ed. Record, 2ª. Ed., 1990, p. 18) lembra que:
“Powershift argumenta que as tomadas de controle e as reestruturações de grandes conglomerados empresariais
vistas até aqui são apenas as primeiras salvas de tiros em batalhas empresariais vindouras, muito maiores e
inteiramente novas. O que é mais importante, ele afirma que os recentes levantes vistos na Europa Oriental e na
União Soviética são meras escaramuças comparados com as lutas pelo poder global que estão por vir. Tampouco a
rivalidade entre os Estados Unidos, a Europa e o Japão atingiu sua intensidade plena. Em suma, “Powershift”
aborda as lutas, que vão num crescendo, pelo poder que ainda estão à nossa frente à medida que a civilização
industrial perde o domínio do mundo e surgem novas forças para dominar a Terra”.
10 Em “A terceira onda”, Toffler usa a expressão “integradores”, sendo o 2º volume da trilogia, que começa com “O
choque do futuro”.
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Apesar da análise do tributo, pelas diversas ciências sociais, não ter sido realizada de forma a
revelar a sua relevância, o certo é que, para efeitos do domínio e do poder, trata-se do mais
importante elemento, com reflexos em cada uma delas.
Sua análise conjunta está a demonstrar que, para a categoria dos indivíduos da 1ª classe da escala
social, ou seja, os governantes, o poder é que os distingue e lhes dá força. O poder só se mantém
por força do tributo, que, certamente, é relevantíssimo para que os governantes, que dele
usufruem, alimentem seus planos presentes e futuros de governo. Mesmo quando prestam
serviços públicos, o retorno em serviços à comunidade é menor do que deveria ser, pois seu ideal
maior é o poder pelo poder.
Nesta escala social tripartida, as duas outras classes sociais são as principais responsáveis pela
geração de recursos para a primeira. O tributo, pela primeira classe social, usado em seus
desígnios maiores de governo (são os governantes), é também utilizado, em seu efeito colateral,
em serviços públicos no Estado moderno, em nível mínimo possível para que os produtores de
riqueza e o povo não cheguem a explodir como algumas vezes ocorreu na história11.
Voltando a Kant, embora a realidade destes últimos dois séculos de sua teoria não ter trazido
grande evolução na participação das 2ª e 3ª classes sociais na formulação de políticas tributárias e
na geração da paz, convenço-me de que começamos a entrar numa era em que a convivência
comunitária entre as nações e a disputa por mercados poderá gerar a inflexão necessária para que
o nível impositivo destinado, fundamentalmente, à manutenção dos detentores do poder no
poder, principie a exteriorizar elemento de desequilíbrio na competitividade entre as nações. Tal
Não sem razão Becker, ao comparar a convivência difícil entre os interesses dos jovens e dos cidadãos, em
permanente tensão, atribui o surgimento de um direito tributário confuso e acientífico: “No Brasil, como em
qualquer outro país, ocorre o mesmo fenômeno patológico-tributário. E mais testemunhas são desnecessárias,
porque todos os juristas que vivem a época atual — se refletirem sem orgulho e preconceito— dar-se-ão conta que
circulam nos corredores dum manicômio jurídico tributário. “No debe extrañar, por otra parte, la preponderancia de
esa opinión confusa y ridícula sobre el derecho, porque una de las máximas desdichas del tiempo es que, al topar las
gentes de Occidente con los terribles conflictos públicos del presente, se han encontrado pertrechados con un utillaje
arcaico y torpísimo de nociones sobre lo que es sociedad, colectividad, individuo, usos, ley, justicia, revolución, etc.
Buena parte del azoramiento actual proviene de la incongruencia entre la perfección de nuestras ideas sobre los
fenómenos físicos y el retraso escandaloso de las “ciencias morales”. El ministro, el profesor, el físico ilustre y el
novelista, suelen tener de esas cosas conceptos dignos de un barbero suburbano”. E a mais confusa e ridícula das
mentalidades pseudojurídicas é a que predomina no Direito Tributário; neste campo “há burrices que, de tão
humildes, chegam a ser pureza e têm algo de franciscano. Outras há, porém, tão vigorosas e entusiásticas, que
conseguem imobilizar por completo o nosso espírito para a contemplação do espetáculo” (“Teoria Geral do Direito
Tributário”, Ed. Saraiva, 1972, p. 6).
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fato poderá provocar, por uma questão de sobrevivência, pela primeira vez na história, uma
tentativa de se fazer do tributo um instrumento de justiça fiscal e social e de desenvolvimento
econômico, mais destinado às 2ª e 3ª categorias que à primeira.
Enfim, por enquanto, o tributo ainda é uma norma de rejeição social, com destinação maior à
manutenção dos detentores do poder, e grande instrumento de exercício do poder por parte
destes, com alguns efeitos colaterais positivos a favor do povo, quando há algum retorno de
serviços públicos. Por enquanto, serve mais aos detentores e aos seus amigos, do que aos
produtores da riqueza e ao povo. No futuro, todavia, a globalização da economia poderá levar a
ter uma função social maior, não por mudança de perfil dos governantes, mas por força da
necessidade de sobrevivência12.
Como dizia Bobbio, o século XX foi o século do reconhecimento dos direitos; o século XXI
poderá ser aquele da efetividade dos mesmos, quando os contribuintes possivelmente poderão ter
um tratamento mais digno por parte dos controladores e uma carga tributária mais justa e mais
adequada à prestação de serviços públicos, entre os quais o de ações sociais efetivas 13.
Até lá, mantenho a minha teoria de que o tributo é apenas um fantástico instrumento de
domínio, por parte dos governantes.
Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie,
UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O
ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de
Comando e Estado-Maior do Exército-ECEME e
Superior de Guerra-ESG. Presidente do Conselho
Superior de Direito da FECOMERCIO-SP.
[Recebido em 19-04-2010]
[Aprovado em 02-10-2011]
Artigo submetido a double blind peer review.
Malcolm Gillis, sobre o fracasso das reformas tributárias nos países emergentes escreve: “The differences, after all,
between the over one hundred developing countries are at least as striking as any similarities between them. Even so,
three lessons appear to be generally valid. First, tax systems are best suited to the task of raising revenues, and have
not proven well suited as means for achieving other objectives. Second, successful tax policy requires that tax
administration be everywhere treated not as a peripheral, but a central question in tax reform. Finally, the record of
experience in taxation in LDCS over the postwar period, particularly the last two decades, provides little justification
for cynicism about tax reform” (Tax Reform in Developing Countries, Duke University Press, 1989, p. 517).
13 “A era dos direitos”.
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