A rocha da Polinésia
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A rocha da Polinésia
da Polinésia Destino Aventura Chapada dos Veadeiros Páginas Verdes 100 anos depois de Wallace Longe de Casa Voluntariado na Palestina Encontros A temida Foca-Leopardo Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013 Niue A rocha Outubro/Novembro/Dezembro/2013 - Ano 2 - Nº 5 Seções Do Editor 3 O Foco é seu 4 Suas aventuras, suas fotos, o seu espaço Crônicas 7 João Paulo Krajewski Um jeito diferente de pensar os fatos 18 Niue, a rocha da Polinésia Destino Aventura 8 Mais do que limites, o seu próximo roteiro Páginas Verdes 9 Conservação, desafios e ciência: a realidade verde Longe de Casa 12 Uma experiência ao redor do mundo Encontros 30 Na hora certa, em qualquer lugar 100 anos depois de Wallace 12 Niue Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013 Páginas Verdes Voluntariado na Palestina A rocha da Polinésia Destino Aventura Chapada dos Veadeiros Páginas Verdes 100 anos depois de Wallace Longe de Casa Voluntariado na Palestina CAPA Serpente marinha (Laticauda laticauda) Encontros A temida Foca-Leopardo 15 Longe de casa Foto: João Paulo Krajewski Explora Web Magazine é uma produção independente de periodicidade trimestral. Diretor Geral: Edson Faria Júnior. Equipe: Rodrigo Costa Araújo Colaboradores desta edição: Carolina Bezamat de Abreu, João Doria, João Paulo Krajewski, Manuela R., Paulo Faria, Renato Morais Araújo, Roberta Bonaldo. Sede: Florianópolis/SC Explore em www.facebook.com/exploramagazine. C o n t a t e e x p l o r a m a g a z i n e @ g m a i l . c o m Do Editor E xatamente há um ano atrás era publicada a primeira edição da Explora, e brincando com sonhos e paixões temos a felicidade de lançar a quinta edição da revista. Em um ano já contabilizamos 22 matérias, retratos e relatos em mais de 10 países e territórios, tudo isso com a participação de mais de 30 colaboradores diretos. E leitores? Em todos os cantos. É extremamente motivador receber parabéns nos mais diferentes lugares, por pessoas de diferentes círculos, mas com a mesma abordagem: a qualidade de uma revista que surgiu motivada por uma vontade individual e conversas entre amigos. Sim surgimos como geração espontânea, e aqui continuamos, crescendo, criando novos planos e ampliando os horizontes. Uma motivação principal: paixão. É exatamente sobre paixão que quero falar. Uma palavra impossível de pronunciar de boca vazia e livre de sentimentos profundos. É muito mais complexa que vontade de ter ou fazer algo. Somos motivados pelo que amamos, e quando mais motivados mais nos apaixonamos. E assim é a Explora, a prova concreta de que com paixão, motivação e perspicácia, planos se tornam projetos, e projetos se tornam reais. Mas porque quero falar de paixão e realização de projetos? Porque muitas vezes escuto reclamações e angustias sobre infelicidade profissional, projetos que não acontecem e desejos que não são alcançados. E a pergunta que faço é sempre a mesma: o que você faz para concretizá-los? Não tenho dúvida que o começo de tudo é um anseio, um sonho, e que pensamento positivo é fundamental ao longo de todo processo. Mas pensamentos não movem montanhas, algumas milhares de pás podem mover. Quantas pessoas gostariam de trabalhar viajando o mundo para conhecer novas culturas? E passar a vida explorando novos lugares? Não tenho dúvida que muitas, e quase todas já imaginaram o trabalho dos sonhos como utopia. Mas a verdade é que é preciso começar de algum lugar, raramente portas abrem sozinhas na sua frente com um sinal luminoso e um simpático atendente convidando para entrar. Na maioria das vezes é preciso decifrar labirintos para encontrar a chave, ou ainda forjar a própria chave. Já pensou se alguém que quisesse ser piloto de fórmula 1 não soubesse dirigir? Quantas chances teria? E se alguém que quisesse ser político e não se candidatasse a uma eleição? Quantos votos teria? A mensagem é uma, dê o primeiro passo, tente, arrisque, arremesse e saia voando. Com a consolidação de parcerias e novos colaboradores vamos crescendo. Motivados pela paixão dêmos o primeiro passo, e agora com resultados e feedbacks, juntos a uma paixão que só aumenta, buscamos cada vez mais lugares e histórias que também façam você se apaixonar. Seja Explora, viva Explora, explore e viva. Edson Faria Júnior Diretor Geral Explora Web Magazine 3 O foco é seu Parque Nacional das Araucárias, SC, Brasil O vôo do papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea). novamente em liberdade, registrado durante projeto de reintrodução da espécie. Vanessa T. Kanaan Florianópolis, SC Na quinta edição da Explora, comemorativa de um ano de existência, resolvemos diversificar a seção O Foco é Seu. Mais do que publicar as fotos de nossos leitores, oferecemos um prêmio para a melhor foto enviada, uma camiseta exclusiva da revista. Usando critérios como criatividade da composição, estética, impacto visual e técnica, escolhemos a foto da Vanessa T. Kanaan como a melhor foto enviada para essa edição. Como esse mini-concurso, outras promoções podem surgir, fiquem atentos e participem. A seção o foco é seu continua normalmente nas próximas edições, publicando fotos de nossos leitores tirados pelo Brasil a dentro e mundo a fora. Paisagens, animais, elementos históricos, não importa o objeto de sua foto, se tem uma bela foto guardada no seu computador, envie para a gente e ela poderá ser publicada aqui na próxima edição. Envie para [email protected] com seu nome, local onde foi tirada e uma frase de descrição. Explora Web Magazine 4 O foco é seu Parque Municipal do Maciço da Costeira, SC, Brasil Scinax catharinae é uma perereca endêmica do sul doBrasil, só ocorre por lá, e pode ser encontrada nas floresta úmidas da Mata Atl6antica. Vítor de Carvalho Rocha Florianópolis, SC Florianópolis, SC, Brasil Foco no trabalho! Apesar de muitas vezes não nos chamar atenção imediata, os invertebrados estão por todos os cantos, e muitas vezes escondem em seus tamanhos diminutos uma beleza singular e comportamentos curiosos Gustavo Bô Florianópolis, SC Explora Web Magazine 5 O foco é seu Lagoa do Peri, Florianópolis, SC, Brasil Passávamos por uma trilha ao longo da Lagoa do Peri e quase não percebemos, logo ao lado da trilha, um voraz louva-a-deus à espreita, com suas fortes pernas anteriores a postos para capturar sua próxima refeição. Jonathan Lawley Florianópolis, SC São José dos Campos, SP, Brasil Entre os cantos das casas ou em lugarzinhos escondidos, qualquer lugar pode ter uma bela e pequena aranha para pousar para um click. Essa, tinha construído sua teia no telhado da casa. Raissa Borges São José dos Campos, SP Explora Web Magazine 6 Crônicas Amigo peixe, R.I.P. por Renato Morais Araújo certamente. Mas curiosidade mata, e muitos peixes grandes já aprenderam que aproximar-se daquele jeito do homem é sentença de morte. Mas não esse olho-de-boi. Ele demonstrava a curiosidade inocente pelo ser que solta bolhas. Afinal de contas, vivia na Ilha da Trindade, último reduto oceânico brasileiro, isolada por 1200 km de mar roxo no meio do Atlântico Sul. Provavelmente nunca havia visto o homem na vida. Por quê teria medo? Atirei no bicho com minha câmera fotográfica para registrar o momento. Um belo olho-de-boi. E quando nos viu ficou nadando em círculos ao nosso redor. Ficamos atônitos, parados observando seus movimentos enquanto ele nos encarava. Não consegui chegar a uma conclusão sobre o que estaria pensando. Estava curioso Meia hora depois, quando subi do mergulho para o bote, descobri com tristeza que meu amigo peixe havia tomado outro tiro. E esse não era óptico, mas perfurante. Veio para o frigorífico e depois para a brasa, quase um metro de peixe. Confesso que dei umas garfadas, mas não tenho nenhuma dúvida de que senti muito mais satisfação em nosso contato subaquático do que em nosso contato gastronômico. Foi-se um belo olhode-boi... MUDANÇAS Será qu e eles n unca vão per ceber a diferen ça?? Explora Web Magazine 7 Destino aventura Travessia a pé E m meio a séries recentes de notícias que delatavam a falta de estrutura e de cuidados nos Parques Nacionais brasileiros (vide matérias divulgadas na grande mídia em Julho), uma novidade: o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros - PNCV, em Goiás, inaugurou há poucos meses sua primeira travessia com pernoite. A equipe da Explora pôde conferir no mês passado como ficou a Travessia das Sete Quedas, trilha com pouco mais de 23 km de extensão, que percorre diversas paisagens da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. A trilha, cujo acesso depende de agendamento prévio, gratuito, realizado na internet, é uma boa opção de aventura naquela região – a caminhada é árdua, especialmente nos meses de seca mais intensa, mas a aventura compensa, já que atravessamos áreas de grande beleza cênica, de importância histórica – vários daqueles caminhos foram percorridos por antigos garimpeiros de cristais que precederam o Parque Nacional, e, com um pouco de sorte, ainda podemos nos deparar com espécies importantes da fauna brasileira, como araras-canindé, papagaios, lobos-guará, emas, veados-campeiros e muitos outros. O pernoite da trilha é feita em acampamento rústico – um conceito comum mundo afora, mas recente no universo de Parques Nacionais por Edson Faria Júnior brasileiros, onde o aventureiro conta com praticamente nenhuma estrutura, para vivenciar uma noite mais selvagem no ambiente natural. O camping fica próximo ao Rio Preto, com vista para as Sete Quedas – conjunto de pequenas quedas d'água com diversos poços excelentes para banho. Bem sinalizada e de fácil navegação (o Parque fornece um mapa completo na entrada, também gratuito), a travessia das Sete Quedas pode ser a porta de entrada para aventureiros inexperientes, exigindo apenas certo nível de preparo físico. Aos aventureiros “já iniciados” a trilha é, sem dúvida, um ótimo carimbo no passaporte! Para aqueles que gostam de fauna aquática, vale levar no kit travessia uma máscara e um snorkel, já que a claridade da água permite contato com um belo cenário em meio ao cerrado, um verdadeiro balé de piabas e cascudos vencendo as corredeiras. Experiências como essa, além de desafiadoras são gratificantes e nos fazem refletir sobre o nosso pouco cuidado meio ambiente. Torcemos para que a iniciativa do PNCV inspire outros Parques brasileiros a empreender opções aos usuários e a conquistar mais parceiros para a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade brasileira! Explora Web Magazine 8 100 anos depois de Wallace Páginas Verdes por João Paulo Krajewski W allacea, Linha de Wallace, Wallace's standardwing. Poucas pessoas, surpreendentemente, conhecem estes nomes e sabem que eles homenageiam um dos maiores naturalistas do mundo e que é um dos autores da idéia de evolução por seleção natural, ao lado de Darwin (este sim, todo mundo conhece): Alfred Russel Wallace. Este ano é centenário de morte de Wallace, e com as celebrações de sua obra, há uma oportunidade para finalmente coloca-lo em seu devido posto. Escrever sobre Wallace em uma página, especialmente para alguém que, além de conhecer e admirar a obra dele, vive num país onde Wallace fez grande parte do seu trabalho e é apaixonado por outros países onde ele passou 8 anos trabalhando, é muito difícil. Para mim, este texto é quase como uma resenha de orelha de livro, que instiga os leitores a adentrarem a obra e usufruí-la adequadamente. Wallace nasceu no País de Gales, em 8 de janeiro de 1823, e sempre foi muito humilde. Com pouco poder aquisitivo, foi obrigado a trabalhar desde cedo e, diferente de Darwin, não frequentou universidades ou o mundo acadêmico no começo de sua carreira. Apaixonado por história natural e aventureiro ávido e determinado, Wallace conseguiu realizar o sonho de viajar a florestas remotas trabalhando como coletor de animais. Ganhava dinheiro vendendo as amostras que coletava a museus e pessoas curiosas ricas e extravagantes, que gostavam de ter em casa as relíquias de um mundo ainda pouco conhecido pelos europeus. Wallace passou quatro anos no Brasil e esteve no interior da Amazônia, onde pouquíssimos europeus haviam se aventurado. Em sua viagem, Wallace já mostrava algo diferente de todos os naturalistas até então: a minuciosidade ao anotar os detalhes dos locais de suas coletas. Para cada animal coletado, fosse um macaco ou um inseto, havia o registro do lado da margem do rio onde foi pego, entre outros detalhes. Com ele, começou a Biogeografia, parte da ciência que estuda a distribuição dos animais, o que foi fundamental para que ele desenvolvesse a idéia sobre evolução das espécies. Após anos no Brasil, Wallace ficou admirado com a diversidade das florestas, apesar de todas as mazelas de visitar um lugar selvagem onde reinava a malária. Mas o pior ainda estava por vir. Em sua viagem de volta a Londres, seu barco, com todos os animais que havia coletado e todos seus registros, pegou fogo. Perdeu quase tudo que tinha consigo e ficou dias à deriva no Atlântico. Com a pele rachada de sol e sal e com fome, em meio a navegadores desesperados e esperando a morte, Wallace passava as horas anotando e identificando as aves que sobrevoavam o barco. Resgatado por sorte, voltou mais do que exausto à Inglaterra, e jurou que não viajaria mais para lugares selvagens assim. Mas sua determinação fez a promessa durar pouco. Em 1854, Wallace partiu para o arquipélago malaio, nas ilhas que hoje formam a Indonésia, Malásia e Singapura. Foi nesse labirinto de cerca de 17 mil ilhas, e com histórias geológicas e evolutivas diferentes, que Wallace fez sua maior obra. Viajou incansavelmente por essa região durante 8 anos, indo e vindo, morando em florestas repletas de lodo, sanguessugas, malária e tribos canibais. Coletou plantas, besouros, borboletas, aves, macacos... Mais de 15 mil animais, que mandava regularmente para a Europa, assim como cartas e publicações científicas. As anotações sobre as coletas feitas no arquipélago continuavam ricamente detalhadas para cada animal, Explora Web Magazine 9 A ave-do-paraísovermelha (Paradisea rubra). A direita, um Orangotango na floresta de Bornéu principalmente em relação ao local. Ao analisar seus milhares de registros, Wallace notou uma variação na fauna jamais registrada. Nas ilhas da porção oeste da Indonésia, havia primatas, como o orangotangos e macacos de Sulawesi, e aves como pica-paus e calaus. Nas ilhas a leste, porém, a fauna mudava drasticamente: acabavam-se os primatas e o topo das árvores era dominado por marsupiais pequenos e até mesmo cangurus. Nessa região também viviam as aves mais belas do mundo e que faziam rituais magníficos que nenhum europeu tinha visto até então: as aves do paraíso. Wallace, obcecado por novas e magníficas descobertas e precisando vender animais desejados na Europa, partiu para algumas das terras mais selvagens do planeta em busca destas aves. Porém, quase que a história não acaba bem mais uma vez. Em uma embarcação precária em meio às fortes correntezas da região, Wallace perdeu âncoras diversas vezes, teve membros de sua pequena equipe perdidos em ilhas e quase morreu de Malária e outros males que a vida na floresta traz. Em compensação, viu uma natureza magnífica que, até hoje, poucas pessoas viram e muitos sonham ver. Exemplo disso foram as danças de acasalamento de aves que nem parecem reais. Ao vê-las em um lugar tão distante e de difícil acesso, Wallace concluiu que tamanha beleza não poderia ter sido criada para desfrute dos homens. Dessa viagem, Wallace consegui voltar com toda sua coleção à Inglaterra. Ainda bem! A linha imaginária que hoje divide a fauna do arquipélago malaio ganhou o nome de Linha de Wallace, a região central do arquipélago é hoje chamada de Wallacea e uma das mais raras e belas aves do paraíso ganhou o nome de Wallace's standardwing. Mas mais importante foi a ideia que teve durante uma crise de malária em suas viagens. Wallace, E x p l o r a W e b M a g a z i n e 10 pensando na própria luta para sobreviver à doença, teve a idéia de que a mesma dificuldade, seja para sobreviver à fome, doenças ou qualquer obstáculo da natureza, é vivida por todos os seres vivos, e que esta batalha só é ganha pelos mais aptos. Ao longo de muitas gerações, essa luta e a mudança na proporção de indivíduos diferentes na natureza pode gerar a mudança nas espécies, uma pergunta que Wallace queria responder há muito tempo. Essa é a idéia de seleção natural, que hoje aprendemos que Darwin havia tido após sua viagem no navio HMS Beagle. A primeira publicação científica propondo a idéia de evolução por seleção natural é assinada por Darwin e Wallace, algo que poucos sabem. Ambos tiveram a mesma idéia independentemente. Há até estudiosos da biografia de Wallace e Darwin que sugerem que Darwin teria se apropriado de idéias de Wallace ao trocar cartas e manuscritos com o explorador. Uma longa história, que precisaria de um livro para ser contada, e que certamente vai gerar ainda muita discussão. O que não deixa dúvidas, porém, é de que Wallace foi um dos maiores naturalistas que já viveu, pai da Biogeografia, e que sua vida de aventureiro, perseverança, honestidade e sua obra são menos reconhecidos e celebrados do que mereciam ser. Viva o centenário de sua morte, aos 90 anos, e que vivamos mais a obra e o legado de Wallace. Para os biólogos, uma obra a se explorar e, para os aventureiros, os relatos das viagens de Wallace, como no livro “O Arquipélago Malaio”, são um prato cheio! Floresta de Bornéu, um dos lugares por onde Wallace passou E x p l o r a W e b M a g a z i n e 11 Voluntariado na Palestina M e formei em Relações Internacionais. Sou uma internacionalista, e agora? Arrumar as malas e me jogar nesse mundão a fora, a escolha do ano. No meu caso, o “mundão a fora” pode ser resumido em Palestina. Uma terra que não se resume apenas a Faixa de Gaza, mas também ao West Bank, Cisjordânia em português. Uma terra ocupada, onde os cidadãos são refugiados no seu próprio País – se é que posso chamar a Palestina de País. Acredito que “Estado”, se encaixaria melhor, não, melhor ainda, “Estado ocupado da Palestina”. Entre os dias 11 de Agosto de 2013 e 24 de Agosto de 2013 eu fiz um voluntariado chamado Lajee Center Internacional Summer Camp. É um voluntariado de apenas duas semanas – eu diria, um “intensivão”- onde eu, juntamente com outros 25 voluntários de algumas partes do mundo (México, Equador, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Irlanda, Escócia, Itália, Bélgica, Eslováquia, Hungria, e Holanda) participamos de inúmeras atividades no campo de refugiados Aida, em Belém, na Palestina – eu poderia escrever um texto falando apenas dos voluntários internacionais pois cada um deles fez com que essas duas semanas se tornassem inesquecíveis. Cada um com o seu jeito e realidade particular e peculiar, entretanto Longe de casa por Manuela R. todos eles incrivelmente insubstituíveis: eu realmente fiz bons amigos. No primeiro dia nos encontramos em Jerusalém, no portão de Damasco, na parte árabe da cidade antiga, e fomos todos juntos para uma escola perto do campo de refugiados, onde iriamos ficar nas próximas duas semanas. As salas de aula se transformaram em nossos quartos e o corredor da escola em nossa sala de estar. Éramos no total 30 pessoas, entre voluntários internacionais e organizadores. Dividimos três chuveiros e um banheiro (sim, um banheiro para trinta pessoas, imagine a tensão). Após a chegada na escola fomos direto conhecer o campo de refugiados Aida, onde fica a sede do centro Lajee. Antes de chegar na Palestina, quando eu pensava em campo de refugiados, na hora me vinha na cabeça tendas brancas com símbolos das Nações Unidas (ONU), muita sujeira, esgoto a céu aberto ou falta de água. Entretanto, ao chegarmos no campo eu fiquei pasma: o campo é similar a um bairro com poucas condições financeiras no Brasil. Há sim muito lixo nas ruas, mas há casas, mercadinhos, lojinha de verduras, lojinha de coisas (das mais diversas) usadas por precinhos camaradas, ruas (eu diria labirintos), Visão aérea da chegada no Hawaii E x p l o r a W e b M a g a z i n e 12 Voluntários de diversas nacionalidades com um mesmo objetivo: duas semanas intensas na Palestina esgoto e água. Claro, tudo muito simples, mas se eu não soubesse que era um campo de refugiados antes de chegar, eu jamais imaginaria pois não há sinais avisando que ali é um campo, é simplesmente uma continuação de uma rua da cidade de Belém. Só me dei conta que aquela área denominada de "campo de refugiados" era realmente um campo de refugiados pelos detalhes. Vou relatar apenas dois desses detalhes, os quais foram os mais me chamaram atenção em um primeiro momento. Ao olhar para todos (todos!) os telhados das casas era possível observar várias caixas d'água em cada um deles, não apenas uma ou duas como seria o comum, e ao descobrir o porquê comecei a vivenciar a ocupação israelense no estado da Palestina. O Estado –ocupado- da Palestina tem, supostamente, direito a 17% da água de Israel, entretanto eles não têm acesso nem a metade, pois Israel controla tudo na Palestina, inclusive a água. O governo israelense “libera” por dia apenas 6 horas de água, e quando vem a água as famílias se desdobram para encher as caixas dos telhados A quantidade de caixas d’água nos telhados logo chama atenção E x p l o r a W e b M a g a z i n e 13 Muro que separa Israel, o sinal da repressão para que não falte água nas casas. Isso quando Israel libera a água (isso não apenas com os palestinos que são refugiados, mas com a totalidade da população palestina). Há semanas em que os palestinos ficam simplesmente sem água, e o pior de tudo: eles não podem fazer nada a respeito. Continuando as percepções dos detalhes. O segundo “detalhe” é o muro construído por Israel para “segurança e proteção” dos assentamentos ilegais construídos logo ali, ao lado do campo de refugiados. É um muro em forma de serpente que circunda não apenas Belém, mas toda a Cisjordânia. Um muro horroroso, com inúmeros postos militares (israelenses) ao longo dele. Um muro cinza. Um muro no meio das paisagens e da natureza de uma terra maravilhosa. Um muro preconceituoso. Um muro construído com a desculpa de proteger um povo contra o outro, mas que passa por cima das resoluções das Nações Unidas. Um muro simplesmente deplorável. O pior é que acabamos nos acostumando com o muro pois passávamos por ele todos os dias. Durante o Summer Camp nós tivemos uma programação intensa de palestras, conversas, visitas, ajuda humanitária e troca de experiências. Cada voluntario do Summer Camp tinha a sua própria razão, o seu motivo para passar esses dias na Palestina. Mas mesmo com razoes distintas, nós todos tínhamos uma coisa em comum: sede de aprender e de compreender o cenário que estávamos vendo com nossos próprios olhos. Sede de aprender com todas aquelas pessoas o que é ser refugiado na sua própria pátria e como, mesmo sendo humilhados diariamente, eles levantam a cabeça, vão para o trabalho, visitam seus entes queridos nas prisões israelenses, chegam ao fim do dia em casa, preparam o jantar e ficam com a família, como se todo esse cenário de ocupação fosse algo normal. Como é possível viver com naturalidade em um cenário tão cruel? Nós tínhamos sede de aprender como viver; como muitas coisas que antes eram importantes passaram a ser frivolidades perto da realidade daquelas pessoas; como jovens palestinos, da mesma idade que nós, sonham, assim como nós, com um futuro maravilhoso, com uma carreira bem sucedida, com uma família, com boas condições de vida, tudo similar aos nossos sonhos, todavia com a enorme diferença de que nós podemos transformar os nossos sonhos em realidade, e aqui na Palestina, eles –não apenas os jovens, mas toda a populaçãonunca sabem o dia de amanhã, quem dirá o E x p l o r a W e b M a g a z i n e 14 próximo ano, pois aqui nada, nunca, depende apenas deles, nem os próprios sonhos. Antes de vir para o Summer Camp, ainda casa, eu me questionava sobre todas essas perguntas, e queria fazê-las aos palestinos. Contudo, algo estranho aconteceu quando cheguei e me deparei com todos eles ao meu redor: eu não conseguia me aproximar e ter um diálogo, o mais simples que fosse, com nenhum deles. Foi mais ou menos a mesma sensação de quando gostamos de alguém e esse alguém não sabe e estamos preparando o momento para contar, porem chega na hora H e não conseguimos dizer nem uma palavra sequer, mesmo tendo treinado dias e dias para esse momento. Eu demorei mais de uma semana para conseguir me soltar e perceber que eles são "gente como a gente", claro, com todas as inúmeras diferenças de realidade e mundos do avesso, mas que no fundo são todos jovens com seus vinte e poucos anos que querem se divertir, como eu, querem ser jovens, assim como eu. Apenas com a diferença de que eles tem mais experiências de vida que eu e todos os meus amigos juntos, ou pelo menos, tem experiências mais "profundas", se assim posso descrever experiências profundas como passar anos das suas juventudes em uma prisão israelense, mas não por cometer um crime como em qualquer outro lugar do mundo, como matar ou roubar, mas por tacar pedras no muro ou por participar de protestos contra a ocupação ilegal israelense ao invés de estar na universidade, indo a festas e participando de encontros acadêmicos. Eu poderia escrever umas vinte páginas sobre a terrível situação dos palestinos nas prisões israelenses e sobre como as leis internacionais não vigoram por aqui, mas deixamos para uma próxima. Ao longo dos dias no Summer Camp fomos escutando histórias sobre a realidade do povo palestino, e a cada palestra, a cada conversa, abordávamos um tópico diferente. A cada dia que passava, mesmo obtendo cada vez mais informações, nos tínhamos mais e mais dúvidas. Tudo aqui é muito complexo: as leis internacionais, as leis civis e militares, como elas se aplicam aos palestinos, as fronteiras, a forma de governo, a questão da demolição ilegal das casas ou a questão do ir e vir. E nós todos percebemos algo em comum: quando falávamos que íamos fazer um trabalho voluntário, logo pensávamos que íamos ajudar Interação e atividades com a população local “(...) mesmo com razoes distintas, nós todos tínhamos uma coisa em comum: sede de aprender e de compreender o cenário que estávamos vendo com nossos próprios olhos. Sede de aprender (...) o que é ser refugiado na sua própria pátria (...)” E x p l o r a W e b M a g a z i n e 15 Pedras atiradas contra o muro de Israel são atitudes frequentes aquele determinado povo ou que íamos contribuir com a situação. Todavia, aqui, nós constatamos que eles é que nos ajudaram e não o contrário. Nós estávamos aqui simplesmente para ouvir e aprender, nada mais. Aqui a ajuda dos voluntários internacionais em geral é como uma agulha no palheiro: dá para ser encontrada e está lá, porém é tão pequena e tão difícil de se fazer a diferença frente a tantas injustiças e frente a tanto poder alheio que o máximo e o melhor que podíamos fazer era ouvir, absorver ao máximo todas as informações e tentar processa-las, essa, a parte mais difícil. Ainda assim, queríamos ajudar. Então quando questionamos de que maneira poderíamos contribuir com a causa palestina, eles nos explicaram que a nossa ajuda poderia vir ao final do Summer Camp: na nossa casa. Para eles a melhor forma de contribuição é levar tudo aquilo que vimos, ouvimos e presenciamos de volta para casa e simplesmente "spread the word", ou seja, passar tudo adiante. Sem esquecer nenhum detalhe. Sem omitir nenhuma verdade, para que assim mais e mais pessoas possam se inteirar da realidade dos palestinos: um povo que vive sob ocupação de outro estado há mais de 65 anos e sofre sob a não utilização das leis internacionais - posso listar alguns crimes internacionais cometidos por Israel: ocupação militar ilegal, aquisição ilegal de terras por força, proibição aos civis (palestinos) o direito de retornar as suas casas após o conflito armado de 1967, transferência ilegal da população palestina, modificação ilegal das leis locais, violação do direito a autodeterminação ao povo palestino, pratica de racismo e de apartheid, violação dos direitos humanos, violação das resoluções da ONU referentes a Palestina ou até pratica de limpeza étnica. Mesmo que milhares de pessoas saibam como é a situação aqui na Palestina eles sabem que o desfecho dessa história está longe de ter fim. Repreção contra manifestantes palestinos E x p l o r a W e b M a g a z i n e 16 Eu realmente sinto que fiz a escolha certa ao resolver vir para cá. Por mais que a vida aqui seja completamente o oposto de tudo aquilo que já vivi, e que pelas mais diversas vezes eu me pergunte "o que é que eu vim fazer aqui?" Inshallah, se eu conseguir o meu segundo visto, ficarei aqui até Fevereiro. No momento estou trabalhando em uma organização chamada Badil Resource Center for Palestinian Residency and Refugees rights, cursando Árabe na Universidade de Belém e morando no Aida Refugee Camp. Sinto que tenho muita sorte de estar aqui e poder viver com pessoas incrivelmente esperançosas e com um coração tão grande e tão puro, mesmo com tantas infelicidades e desgraças vividas. Aqui pude constatar que para esse povo, muitas vezes a única esperança para a vida é a fé e que essa fé move montanhas. Aqui a fé impulsiona praticamente a totalidade das famílias a se erguerem dia após dia. Aqui eles não desistem; aqui eles resistem. Aqui a vida e os sonhos podem até parar no muro, a poucos metros, e muitas vezes centímetros das casas desses tantos refugiados, mas eles seguem as suas vidas, esperançosos de que um dia as chaves que eles guardam com tanto amor possam reabrir as portas daquilo que nos, tão simplesmente e muitas vezes levianamente, chamamos de vida. No Deserto de Marsaba Esse relato é uma experiência pessoal contendo apenas opinião própria da autora. Esclarecendo que sua posição em relação a Israel é anti sionista e não anti semita. E x p l o r a W e b M a g a z i n e 17 Niue A rocha da Polinésia texto por Roberta Bonaldo fotos por João Paulo Krajewski A “ rrume as malas, que semana que vem estaremos mergulhando com baleias e serpentes em Niue!”. Foi assim, numa intimação animada do meu marido, que ouvi falar pela primeira vez da ilha de Niue. Minha primeira reação foi ir correndo consultar mapas e sites na internet para saber mais sobre o local. O objetivo da viagem me dava uma pista: o Oceano Pacífico. Pesquisando com calma encontrei a diminuta e isolada ilha, a leste de Tonga e ao Sul de Samoa. Diferente dessas e de outras nações insulares do Pacífico, Niue é formada por uma única ilha, o que explica seu apelido: “Rocha da Polinésia”, ou simplesmente “A rocha”. Um verdadeiro pontinho em meio à imensidão azul do Pacífico! Por conta da localização remota de Niue, existem poucas opções de vôo para se chegar à ilha. Em 2009, na época da viagem, morávamos na Austrália e fomos até Auckland, na Nova Zelândia, de onde partimos para Alofi, capital de Niue, num vôo que só opera uma vez por semana. Olhando do avião, foi impossível não se encantar com a pequena rocha oval em meio ao intenso mar azul. A claridade da água nos permitia ver claramente manchas mais claras e coloridas sob o mar, que correspondiam aos recifes de coral ao redor de toda a ilha. No aeroporto, fomos recebidos com colares de flores e sorrisos largos por moradores locais, acompanhados da saudação local – Fakaalofa Lahi Atu! O aeroporto, como já esperávamos, era muito pequeno, assim como a cidade. Notamos várias construções destruídas pela cidade e o motorista que nos levou ao hotel explicou que aquilo era resultado do violento ciclone Heta que havia passado pela ilha em 2004, destruindo grande parte do país e vários prédios em Alofi, muitos dos quais ainda não tinham sido reconstruídos. A costa da remota Niue E x p l o r a W e b M a g a z i n e 19 Encontros com serpentes marinhas são frequentes Mergulho Na manhã seguinte, partimos logo cedo para o nosso primeiro mergulho na ilha. Enquanto checávamos as câmeras e os equipamentos de mergulho no barco, a ansiedade crescia. Os mares de Niue atenderiam às nossas (grandes) expectativas? Caímos na água em Snake Gully, um dos mais famosos pontos de mergulho da ilha e, em menos de um minuto, encontramos o que buscávamos: serpentes marinhas! Diferente de muitos lugares, onde serpentes são apenas encontradas em água doce ou em terra firme, em muitas ilhas e regiões costeiras junto aos oceanos Índico e Pacífico, também é possível encontrar serpentes no mar. Apesar de já termos visto serpentes marinhas em outros lugares, como Austrália e Japão, a visão que tivemos logo que colocamos o rosto no mar de Niue foi surpreendente. Enquanto umas 10 serpentes subiam à superfície para respirar, outras 5 mergulhavam em direção ao fundo do mar, 3 nadavam em busca de alimento e outras 4 repousavam sobre a areia. Em outros lugares, dificilmente víamos mais do que uma serpente marinha durante uma hora de mergulho, mas ali, em poucos minutos já perdíamos as contas do número de serpentes avistadas. Snake Gully é um ponto de mergulho famoso justamente pela grande concertação de serpentes marinhas, que podem chegar às centenas em algumas épocas do ano. Como se não bastasse a quantidade, há duas espécies de serpentes marinhas em Niue, sendo que uma delas (Laticauda schistorhyncha) não ocorre em nenhum outro lugar. A claridade do mar também é uma atração à parte, proporcionando uma visibilidade de mais de 40 metros embaixo d'água, e permitindo apreciar ainda melhor o fundo do mar. O ponto de mergulho ainda trazia outras surpresas, como uma caverna repleta de lagostas em suas paredes. Bela cavernas, aliás, estão espalhadas por todos os lugares e são verdadeiras provas da história geológica de Niue, uma das maiores ilhas de coral do mundo. Niue se formou pela deposição e acumulação de esqueletos de corais sobre o topo de um vulcão inativo que emergiu em meio ao Oceano Pacífico. Diferente da maior parte das ilhas E x p l o r a W e b M a g a z i n e 20 Com diversas cavernas subaquáticas, a ilha lembra um queijo suíço Família de mico-leão-dacara-dourada em zona urbana de Niterói do Pacífico, não há nenhum outro tipo de rocha na ilha, somente o carbonato de cálcio dos esqueletos de corais depositados ao longo de milhares de anos. Por conta disso, a ilha toda é de estrutura sedimentar e porosa, favorecendo a formação do maior e mais espetacular sistema de cavernas de todo o Pacífico Sul. Niue se assemelha a um queijo suíço, com centenas de cavernas e ornamentações espalhadas por toda a ilha. Ao longo da semana que passamos em Niue, perdemos a conta de quantas cavernas submarinas conhecemos. Além da beleza das cavernas em si, frequentemente éramos surpreendidos por animais repousando dentro delas, como tartarugas-marinhas e peixes. Em uma das cavernas, por exemplo, seguimos nossa guia de mergulho até uma segunda câmara, cujo topo se abria para a superfície, num local seco da caverna, mas só acessível por mergulho. Curiosos, subimos para ver o que haveria na superfície, e nos deparamos com serpentes marinhas em meio a belas ornamentações da caverna, principalmente estalagmites que brotavam do chão. Serpentes marinhas em meio as estalagmites das cavernas de Niue E x p l o r a W e b M a g a z i n e 21 Baleia-Jubarte Além de tantas belezas durante os mergulhos com equipamento autônomo pela manhã, à tarde uma aventura ainda maior nos aguardava. Durante esse período, nosso objetivo era fazer imagens de animais muito mais ariscos que as serpentes marinhas, apesar de seu tamanho monumental: as belas baleias-jubarte. Assim como outras ilhas e regiões costeiras tropicais, inclusive no Brasil, durante os meses de inverno Niue recebe a visita desses belos animais, que vêm de regiões polares em busca de águas mais quentes para se acasalarem e darem à luz a seus filhotes. Entramos em um bote inflável e navegamos em direção ao mar aberto. O piloto do bote e a guia de mergulho pareciam concentrados, monitorando continuamente a superfície do mar em busca de algum sinal das baleias. Borrifos de água liberados pela respiração, caudas expostas ao ar, saltos para fora d'água: qualquer movimento vale para comprovar que uma jubarte está por perto. Para a nossa alegria, em poucos minutos o piloto sorri e a guia de mergulho aponta para onde prontamente visualizamos parte de uma nadadeira levantada na superfície do mar: havíamos avistado uma jubarte! Por conta da sensibilidade das baleias à presença Foto: Daniel Luz/Instituto Pri-Matas Um fato, porém, nos chamou a atenção no fundo do mar de Niue do ponto de vista negativo. Apesar de estar no meio do Oceano Pacífico, onde muitas ilhas apresentam uma grande quantidade de corais cobrindo o fundo do mar, em Niue a maior parte das colônias que encontramos eram pequenas, e menos abundantes do que esperávamos. Nossa guia de mergulho nos explicou que o forte ciclone que devastou a ilha em 2004 também fez estragos na vida marinha, destruindo muitas colônias de coral. Como muitas espécies de coral são de crescimento lento, mesmo passados cinco anos da destruição, os efeitos do ciclone eram bastante visíveis no fundo do mar. As águas claras de Niue pemitem o encontro com as gigantes Baleias Jubarte E x p l o r a W e b M a g a z i n e 22 Niue é rodeada por recifes de coral, muitos dos quais foram danificados por um ciclone em 2004 que devastou a ilha humana, não é permitido mergulhar em Niue com equipamento SCUBA, tampouco persegui-las de barco ou mesmo nadando. Assim, o motor do bote foi desligado e ficamos à deriva. Ao sinal da guia de mergulho, deslizamos pelas paredes do bote e entramos na água vagarosamente, com o coração acelerado, procurando fazer o mínimo de barulho possível. Nadamos muito lentamente para nos afastarmos um pouco do bote e ficamos na superfície, boiando à espera do gigante. Logo surgiram dois grandes vultos diante de nós: um muito pálido, quase branco, e outro bastante escuro, quase preto. Aos poucos, as duas baleias se aproximaram de nós, deslizando tão graciosamente que pareciam não fazer o mínimo esforço para se locomoverem na água. Após alguns minutos próximas de nós, continuaram a nadar pelo mar azul de Niue, até desaparecerem do nosso campo de visão. Em todas as saídas de mergulho à tarde tivemos a oportunidade de nadar com esses verdadeiros gigantes de Niue. Cada encontro foi especial e, em uma das tardes, chegamos a ver quatro grandes fêmeas nadando juntas em nossa direção. Certamente uma imagem que nunca iremos esquecer. Muitas vezes ainda encontrávamos golfinhos enquanto estávamos Cavernas e água cristalina, cenários frequentes na ilha E x p l o r a W e b M a g a z i n e 23 Antigos restos de esqueletos de corais que chegam a 8m de altura formam uma verdadeira floresta de pedras aguardando pelas baleias na água, que posavam por alguns segundos para nossas câmeras e rapidamente sumiam no mar aberto. Um dia foi particularmente marcante, localizamos duas baleias que, em vez de nadar, estavam apenas descansando, estacionárias em um ponto do oceano. As duas ficavam alguns minutos paradas no fundo do mar, a aproximadamente 12m de profundidade, e, a cada 10 minutos, uma delas subia à superfície, para respirar. Enquanto os outros encontros com as jubartes duraram apenas alguns minutos, nesse ficamos mais de 2 horas observando as baleias, que pareciam não se incomodar com a nossa presença. Na verdade, cada vez que uma delas subia à superfície, parecia chegar mais perto de nós, como se estivéssemos ganhando sua confiança aos poucos. Em uma dessas subidas, meu marido filmava tão compenetrado uma das baleias descansando no fundo do mar, que não percebeu que a outra subia bem ao lado dele, a menos de 1 metro de distância. Ele só percebeu a proximidade da baleia quando ela estava a seu lado e, passado o susto inicial, ficou encantado pela confiança do gentil e gracioso gigante. Em terra Mais para o final da viagem, tivemos mais uma surpresa. A dona da operadora de mergulho veio nos apresentar uma amiga que morava na ilha e que, para o nosso completo espanto, era brasileira: a simpática Luísa. Ela morava em Niue desde o início da década de 80, quando se casou com um morador local com quem teve três filhos. Após um rápido bate-papo, ela nos convidou para um tour pela ilha no domingo, dia em que não há saídas de barco por lá. Ainda bem! Apesar de todos os momentos maravilhosos no mar de Niue, mal tínhamos tido tempo de conhecer as belezas em terra. Com tênis de caminhada, água e lanche, partimos com Luísa e sua família para o passeio. Como a ilha é muito pequena, em um único dia foi possível dar a volta em toda ela, mesmo parando várias vezes para fazer caminhadas e tirar fotos. Um dos lugares mais magníficos que conhecemos durante o tour foi o Togo Chasm, no sudeste de Niue. Após dirigirmos até essa região da ilha, paramos o carro num estacionamento, e fizemos uma caminhada de cerca de 30 minutos por uma trilha em meio a uma de suas florestas. A E x p l o r a W e b M a g a z i n e 24 floresta terminou num desfiladeiro e mal podíamos acreditar no que víamos. Estávamos diante de uma ampla área totalmente ocupada por estruturas rochosas altas e pontiagudas que se estendiam até o mar azul. Um dia, todas aquelas estruturas foram corais vivos e agora o que víamos eram seus esqueletos erodidos, de formato semelhante ao de milhares de lâminas pontiagudas de 5 a 8 metros de altura. Uma trilha de concreto em meio a essas estruturas, construída pelo governo local, nos permitiu caminhar entre essa verdadeira floresta de pedras, até chegarmos a uma pequena escada, que dá acesso a uma pequena “praia” arenosa. A praia em questão não se abre para o mar, mas tem alguns coqueiros e uma pequena caverna de onde é possível avistá-lo. Mas nossa jornada pela ilha ainda traria outros tesouros, principalmente piscinas naturais e cavernas. Uma das piscinas naturais mais famosas de Niue, no Matapa Chasm, é tão linda e calma que também é conhecida como “Piscina do Rei”. Fora isso, as cavernas em terra não deixam nada a desejar às submarinas. Além de ornamentações e formações de encher os olhos, não raramente possuem câmaras banhadas pelo mar. O contraste de cristais e estalagmites com a água cristalina e colorida do mar de Niue, por vezes repleta de peixes e corais, chega a ser espantoso de tão belo. Em muitas cavernas, também nos deparamos com serpentes marinhas e, ao longo de todo o passeio, costumeiramente avistávamos baleias, que nos acenavam com suas nadadeiras projetadas para fora da água ou saltavam em meio ao oceano. Além dos encantos naturais da ilha, nossos companheiros de tour nos contavam sobre curiosidades da história, cultura e geologia do lugar e até tentaram nos ensinar algumas palavras do idioma tão particular falado em Niue. Com um dia tão cheio de imagens e momentos únicos, acabamos nos empolgando e dedicamos mais uma tarde às aventuras terrestres na ilha, mas desta vez com um objetivo bastante específico... A Piscina do Rei em Matapa Chasm, é uma das piscinas naturais mais famosas de Niue E x p l o r a W e b M a g a z i n e 25 “Caímos na água em Snake Gully, um dos mais famosos pontos de mergulho da ilha e, em menos de um minuto, encontramos o que buscávamos: serpentes marinhas! (...) em poucos minutos já perdíamos as contas do número de serpentes avistadas.” Em Niue ainda é possível encontrar o raro Caranguejodos-coqueiros Caranguejo-dos-coqueiros Em meio às muitas conversas que tivemos com pessoas que vivem em Niue, um assunto em particular nos fez mudar os planos da viagem. Lá, ainda é possível encontrar o Caranguejo-doscoqueiros (Birgus latro), chamado de Uga (pronuncia-se Unga) pelos polinésios. A Uga é a maior espécie de crustáceo terrestre, podendo pesar até 4 quilos. A espécie é um parente dos ermitões, pequenos caranguejos que vivem dentro de conchas vazias de moluscos, escondendo a parte mole e mais suscetível de seu corpo dentro da concha. Apesar de também ter esse comportamento quando jovem, o caranguejo-do-coqueiro é uma exceção. Quando adulto todo o seu corpo é coberto por uma carapaça espessa, tornando dispensável o uso da concha. É justamente nessa fase que o caranguejo-dos-coqueiros faz jus a seu nome popular, já que pode ser visto caminhando sobre o tronco de coqueiros. O caranguejo-dos-coqueiros ocorria em grande parte das ilhas dos Oceanos Índico e Pacífico, mas seu grande tamanho e sabor agradável o fizeram desaparecer da maior parte dos locais onde ocorria originalmente. Em Niue, apesar da espécie ainda ser usada como alimento, o pequeno número de pessoas na ilha (cerca de 1.400) é provavelmente um dos motivos do caranguejodos-coqueiros não ter desaparecido por completo. Além disso, o governo local investe em campanhas educacionais para conscientizar a população sobre a fragilidade da espécie, estabelecendo limites mínimos para a coleta do caranguejo e pedindo que, quando caçados com armadilhas, fêmeas com ovos e filhotes sejam liberados. Como nunca havíamos visto um caranguejo-dos-coqueiros até então, a visita a Niue pareceu ser uma oportunidade e tanto para enfim conhecermos essa espécie tão única. O desafio seria encontrar o caranguejo, já que durante o dia geralmente se esconde em tocas no chão ou em cavernas, como forma de proteção. Acompanhados por um guia local, caminhamos por algum tempo em uma das florestas da ilha, a procura do caranguejo. Em meio às arvores, cavernas e grutas emergiam em vários pontos do terreno, além de pedras e formações pontiagudas semelhantes às que encontramos no Abismo de Togo, só que menores, dificilmente ultrapassando 40 centímetros de altura. Caminhar pela floresta exigia cuidado redobrado com tantas pedras afiadas. Durante todo o percurso, nosso guia inspecionava com cuidado cada grupo maior de pedras ou cavernas que encontrávamos. Após mais de uma hora de procura, quando E x p l o r a W e b M a g a z i n e 27 já havíamos dado a busca como perdida, nosso guia nos chamou animado, apontando para um amontoado de rochas. Finalmente, ali estava o curioso caranguejo-dos-coqueiros, cujas garras logo chamaram a atenção pelo seu grande tamanho em relação ao corpo. Passamos algum tempo observando e fazendo fotos daquela espécie tão particular. Partimos de volta ao hotel felizes ao sabermos que Niue é, de fato, um dos refúgios dessa espécie tão vulnerável. Populações humanas em Niue Como bióloga, a natureza e a vida selvagem é geralmente o que mais me chama atenção em um novo destino. Em Niue, porém, há tantas particularidades geológicas e biológicas que, logo que comecei a pesquisar sobre a ilha, foi impossível não ficar curiosa sobre as pessoas que vivem ali. Como seria viver em um lugar tão isolado em meio ao maior oceano da Terra? Mais do que isso, como teria sido, para os primeiros exploradores, chegarem e colonizarem uma ilha como aquela? Perguntas como essas só se multiplicaram ao longo da semana que passamos na ilha e com as longas conversas que tivemos com os habitantes de Niue. Ser uma nação formada por uma única ilha não é a única diferença de Niue em relação a outros países-ilhas espalhados pelo Oceano Pacífico. Estima-se que a chegada de populações humanas em Samoa e Fiji, por exemplo, tenha ocorrido entre 3.000 e 5.000 anos atrás. Em Niue, isso aconteceu bem mais recentemente, provavelmente há pouco mais de 1.100 anos, com populações vindas de Samoa e, posteriormente, Tonga. O primeiro europeu a chegar na ilha foi o Capitão James Cook, em 1774, também considerado o descobridor da Austrália, Nova Zelândia e de outras ilhas no Oceano Pacífico. Mesmo para um navegador tão habilidoso e acostumado com a cultura Polinésia, a chegada em Niue não foi fácil, visto que ele teve que desistir de suas três tentativas de desembarcar na ilha, pois não foi bem-vindo pelos moradores. Ele chamou Niue de E x p l o r a W e b M a g a z i n e 28 “Ilha Selvagem”, pois os nativos tinham os dentes avermelhados por conta de uma banana vermelha nativa da ilha (hulahula), que ele pensou ser sangue. Somente em 1846, com a chegada de missionários cristãos, é que a ilha passou a ter mais contato com civilizações ocidentais, que influenciariam muito a cultura e, sobretudo, as crenças dos locais. Apesar de toda a beleza natural da ilha, ainda hoje não há como negar que existem dificuldades para se viver em Niue, sobretudo pela falta de emprego e recursos básicos para a vida. Não há, por exemplo, nascentes de água doce e a maior parte do abastecimento de água de Niue depende da captação de água da chuva presa em canais e câmaras subterrâneas, além de coletores instalados nas casas dos moradores locais. Niue é considerada uma nação independente politicamente desde 1974, mas é governada em associação livre com a Nova Zelândia, e todas as pessoas nascidas na ilha têm passaporte neozelandês. A economia da ilha é baseada principalmente na agricultura e no turismo, sem grandes indústrias ou tecnologia. Com isso, o país é altamente dependente de capital exterior, sobretudo da Nova Zelândia e Austrália, já que a nação não tem recursos para manter a infraestrutura necessária para a população local. Mais de 90% dos cidadãos de Niue hoje vive na Nova Zelândia e a maior parte deles procura manter a cultura original, sobretudo o idioma de sua terra natal. A colaboração internacional, porém, parece estar funcionando bem para as pessoas que ainda vivem na ilha, o que pode ser comprovado pela alegria e hospitalidade de todos os moradores que encontramos durante nossa breve, mas encantadora, visita ao país. Niue é certamente uma lição de como a vida pode florescer e ser bela mesmo nas condições mais adversas do planeta. Além de incrível em baixo d’água, Niue abriga lindas florestas E x p l o r a W e b M a g a z i n e 29 Encontros por Carolina Bezamat de Abreu U m dos encontros inesquecíveis durante a expedição pra Península Antártica foi com a temida foca-leopardo (Hydrurga leptonyx). Vêla caçando e devorando pinguins a poucos metros de nós era como estar em um documentário de vida selvagem. Enquanto ela o sacodia de um lado pro outro com uma força absurda, várias aves disputavam pelos pedaços que se desprendiam do corpo do pobre pinguim. Já as focas-caranguejeiras (Lobodon carcinophagus) eram fofíssimas, como essa da foto, descansando em cima de um iceberg. Wilhelmina Bay e Fournier Bay se tornaram meus locais favoritos na Península. O dia estava lindo: céu azul, o sol refletindo nas montanhas cobertas de neve e muitas baleias! A partir do bote inflável, conseguimos foto-identificar várias jubartes (Megaptera novaeangliae) e minkes (Balaenoptera bonaerensis). Ficamos ali até o sol se pôr e as seis camadas de roupa não serem mais o suficiente pra suportar o frio. Faltou ver as orcas... Mas esse é só um dos motivos pelos quais queremos voltar lá. E x p l o r a W e b M a g a z i n e 30 seja um parceiro Explora - escreva para [email protected] e pergunte como Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013 Niue A rocha da Polinésia Destino Aventura Chapada dos Veadeiros Páginas Verdes 100 anos depois de Wallace Longe de Casa Voluntariado na Palestina Encontros A temida Foca-Leopardo www.facebook.com/exploramagazine