A rocha da Polinésia

Transcrição

A rocha da Polinésia
da Polinésia
Destino Aventura
Chapada dos Veadeiros
Páginas Verdes
100 anos depois
de Wallace
Longe de Casa
Voluntariado na
Palestina
Encontros
A temida
Foca-Leopardo
Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013
Niue
A rocha
Outubro/Novembro/Dezembro/2013 - Ano 2 - Nº 5
Seções
Do Editor 3
O Foco é seu 4
Suas aventuras, suas fotos,
o seu espaço
Crônicas 7
João Paulo Krajewski
Um jeito diferente de
pensar os fatos
18 Niue, a rocha da Polinésia
Destino Aventura 8
Mais do que limites,
o seu próximo roteiro
Páginas Verdes 9
Conservação, desafios e
ciência: a realidade verde
Longe de Casa 12
Uma experiência ao
redor do mundo
Encontros 30
Na hora certa, em
qualquer lugar
100 anos depois
de Wallace
12
Niue
Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013
Páginas Verdes
Voluntariado na
Palestina
A rocha
da Polinésia
Destino Aventura
Chapada dos Veadeiros
Páginas Verdes
100 anos depois
de Wallace
Longe de Casa
Voluntariado na
Palestina
CAPA Serpente marinha
(Laticauda laticauda)
Encontros
A temida
Foca-Leopardo
15
Longe de casa
Foto: João Paulo Krajewski
Explora Web Magazine é uma produção independente de
periodicidade trimestral. Diretor Geral: Edson Faria Júnior.
Equipe: Rodrigo Costa Araújo Colaboradores desta edição:
Carolina Bezamat de Abreu, João Doria, João Paulo
Krajewski, Manuela R., Paulo Faria, Renato Morais Araújo,
Roberta Bonaldo. Sede: Florianópolis/SC
Explore em www.facebook.com/exploramagazine.
C o n t a t e e x p l o r a m a g a z i n e @ g m a i l . c o m
Do Editor
E
xatamente há um ano atrás era
publicada a primeira edição da
Explora, e brincando com sonhos e
paixões temos a felicidade de lançar a quinta
edição da revista. Em um ano já
contabilizamos 22 matérias, retratos e relatos
em mais de 10 países e territórios, tudo isso
com a participação de mais de 30
colaboradores diretos. E leitores? Em todos os
cantos. É extremamente motivador receber
parabéns nos mais diferentes lugares, por
pessoas de diferentes círculos, mas com a
mesma abordagem: a qualidade de uma
revista que surgiu motivada por uma vontade
individual e conversas entre amigos. Sim
surgimos como geração espontânea, e aqui
continuamos, crescendo, criando novos
planos e ampliando os horizontes. Uma
motivação principal: paixão.
É exatamente sobre paixão que quero
falar. Uma palavra impossível de pronunciar
de boca vazia e livre de sentimentos
profundos. É muito mais complexa que
vontade de ter ou fazer algo. Somos
motivados pelo que amamos, e quando mais
motivados mais nos apaixonamos. E assim é a
Explora, a prova concreta de que com paixão,
motivação e perspicácia, planos se tornam
projetos, e projetos se tornam reais. Mas
porque quero falar de paixão e realização de
projetos? Porque muitas vezes escuto
reclamações e angustias sobre infelicidade
profissional, projetos que não acontecem e
desejos que não são alcançados. E a pergunta
que faço é sempre a mesma: o que você faz
para concretizá-los?
Não tenho dúvida que o começo de
tudo é um anseio, um sonho, e que
pensamento positivo é fundamental ao longo
de todo processo. Mas pensamentos não
movem montanhas, algumas milhares de pás
podem mover. Quantas pessoas gostariam de
trabalhar viajando o mundo para conhecer
novas culturas? E passar a vida explorando
novos lugares? Não tenho dúvida que muitas,
e quase todas já imaginaram o trabalho dos
sonhos como utopia. Mas a verdade é que é
preciso começar de algum lugar, raramente
portas abrem sozinhas na sua frente com um
sinal luminoso e um simpático atendente
convidando para entrar. Na maioria das vezes
é preciso decifrar labirintos para encontrar a
chave, ou ainda forjar a própria chave.
Já pensou se alguém que quisesse ser
piloto de fórmula 1 não soubesse dirigir?
Quantas chances teria? E se alguém que
quisesse ser político e não se candidatasse a
uma eleição? Quantos votos teria?
A mensagem é uma, dê o primeiro
passo, tente, arrisque, arremesse e saia
voando. Com a consolidação de parcerias e
novos colaboradores vamos crescendo.
Motivados pela paixão dêmos o primeiro
passo, e agora com resultados e feedbacks,
juntos a uma paixão que só aumenta,
buscamos cada vez mais lugares e histórias
que também façam você se apaixonar.
Seja Explora, viva Explora,
explore e viva.
Edson Faria Júnior
Diretor Geral
Explora Web Magazine 3
O foco é seu
Parque Nacional das Araucárias, SC, Brasil O vôo do papagaio-de-peito-roxo (Amazona vinacea).
novamente em liberdade, registrado durante projeto de reintrodução da espécie. Vanessa T. Kanaan
Florianópolis, SC
Na quinta edição da Explora, comemorativa de um ano de existência, resolvemos diversificar a
seção O Foco é Seu. Mais do que publicar as fotos de nossos leitores, oferecemos um prêmio para a
melhor foto enviada, uma camiseta exclusiva da revista. Usando critérios como criatividade da
composição, estética, impacto visual e técnica, escolhemos a foto da Vanessa T. Kanaan como a
melhor foto enviada para essa edição.
Como esse mini-concurso, outras promoções podem surgir, fiquem atentos e participem. A
seção o foco é seu continua normalmente nas próximas edições, publicando fotos de nossos leitores
tirados pelo Brasil a dentro e mundo a fora. Paisagens, animais, elementos históricos, não importa o
objeto de sua foto, se tem uma bela foto guardada no seu computador, envie para a gente e ela poderá
ser publicada aqui na próxima edição. Envie para [email protected] com seu nome, local
onde foi tirada e uma frase de descrição.
Explora Web Magazine 4
O foco é seu
Parque Municipal do Maciço da Costeira, SC, Brasil Scinax catharinae é uma perereca endêmica
do sul doBrasil, só ocorre por lá, e pode ser encontrada nas floresta úmidas da Mata Atl6antica. Vítor de
Carvalho Rocha Florianópolis, SC
Florianópolis, SC, Brasil
Foco no trabalho! Apesar de
muitas vezes não nos chamar
atenção imediata, os invertebrados estão por todos os
cantos, e muitas vezes
escondem em seus tamanhos
diminutos uma beleza singular
e comportamentos curiosos
Gustavo Bô Florianópolis, SC
Explora Web Magazine 5
O foco é seu
Lagoa do Peri, Florianópolis, SC, Brasil Passávamos por uma trilha ao longo da Lagoa do Peri e
quase não percebemos, logo ao lado da trilha, um voraz louva-a-deus à espreita, com suas fortes pernas
anteriores a postos para capturar sua próxima refeição. Jonathan Lawley Florianópolis, SC
São José dos Campos, SP,
Brasil Entre os cantos das
casas ou em lugarzinhos
escondidos, qualquer lugar
pode ter uma bela e pequena
aranha para pousar para um
click. Essa, tinha construído sua
teia no telhado da casa. Raissa
Borges São José dos Campos, SP
Explora Web Magazine 6
Crônicas
Amigo peixe, R.I.P.
por Renato Morais Araújo
certamente. Mas curiosidade mata, e muitos peixes
grandes já aprenderam que aproximar-se daquele
jeito do homem é sentença de morte. Mas não esse
olho-de-boi. Ele demonstrava a curiosidade
inocente pelo ser que solta bolhas. Afinal de contas,
vivia na Ilha da Trindade, último reduto oceânico
brasileiro, isolada por 1200 km de mar roxo no meio
do Atlântico Sul. Provavelmente nunca havia visto
o homem na vida. Por quê teria medo? Atirei no
bicho com minha câmera fotográfica para registrar
o momento.
Um belo olho-de-boi.
E
quando nos viu ficou nadando em círculos ao
nosso redor. Ficamos atônitos, parados
observando seus movimentos enquanto ele nos
encarava. Não consegui chegar a uma conclusão
sobre o que estaria pensando. Estava curioso
Meia hora depois, quando subi do
mergulho para o bote, descobri com tristeza que
meu amigo peixe havia tomado outro tiro. E esse
não era óptico, mas perfurante. Veio para o
frigorífico e depois para a brasa, quase um metro de
peixe. Confesso que dei umas garfadas, mas não
tenho nenhuma dúvida de que senti muito mais
satisfação em nosso contato subaquático do que em
nosso contato gastronômico. Foi-se um belo olhode-boi...
MUDANÇAS
Será qu
e eles n
unca
vão per
ceber a
diferen
ça??
Explora Web Magazine 7
Destino
aventura
Travessia a pé
E
m meio a séries recentes de notícias que
delatavam a falta de estrutura e de cuidados
nos Parques Nacionais brasileiros (vide matérias
divulgadas na grande mídia em Julho), uma
novidade: o Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros - PNCV, em Goiás, inaugurou há poucos
meses sua primeira travessia com pernoite.
A equipe da Explora pôde conferir no mês
passado como ficou a Travessia das Sete Quedas,
trilha com pouco mais de 23 km de extensão, que
percorre diversas paisagens da Chapada dos
Veadeiros, em Goiás.
A trilha, cujo acesso depende de
agendamento prévio, gratuito, realizado na
internet, é uma boa opção de aventura naquela
região – a caminhada é árdua, especialmente nos
meses de seca mais intensa, mas a aventura
compensa, já que atravessamos áreas de grande
beleza cênica, de importância histórica – vários
daqueles caminhos foram percorridos por antigos
garimpeiros de cristais que precederam o Parque
Nacional, e, com um pouco de sorte, ainda
podemos nos deparar com espécies importantes da
fauna brasileira, como araras-canindé, papagaios,
lobos-guará, emas, veados-campeiros e muitos
outros.
O pernoite da trilha é feita em acampamento
rústico – um conceito comum mundo afora, mas
recente no universo de Parques Nacionais
por Edson Faria Júnior
brasileiros, onde o aventureiro conta com
praticamente nenhuma estrutura, para vivenciar
uma noite mais selvagem no ambiente natural. O
camping fica próximo ao Rio Preto, com vista para
as Sete Quedas – conjunto de pequenas quedas
d'água com diversos poços excelentes para banho.
Bem sinalizada e de fácil navegação (o
Parque fornece um mapa completo na entrada,
também gratuito), a travessia das Sete Quedas pode
ser a porta de entrada para aventureiros
inexperientes, exigindo apenas certo nível de
preparo físico. Aos aventureiros “já iniciados” a
trilha é, sem dúvida, um ótimo carimbo no
passaporte! Para aqueles que gostam de fauna
aquática, vale levar no kit travessia uma máscara e
um snorkel, já que a claridade da água permite
contato com um belo cenário em meio ao cerrado,
um verdadeiro balé de piabas e cascudos vencendo
as corredeiras.
Experiências como essa, além de
desafiadoras são gratificantes e nos fazem refletir
sobre o nosso pouco cuidado meio ambiente.
Torcemos para que a iniciativa do PNCV inspire
outros Parques brasileiros a empreender opções aos
usuários e a conquistar mais parceiros para a
conservação dos recursos naturais e da
biodiversidade brasileira!
Explora Web Magazine 8
100 anos depois
de Wallace
Páginas Verdes
por João Paulo Krajewski
W
allacea, Linha de Wallace, Wallace's
standardwing. Poucas pessoas,
surpreendentemente, conhecem estes nomes e
sabem que eles homenageiam um dos maiores
naturalistas do mundo e que é um dos autores da
idéia de evolução por seleção natural, ao lado de
Darwin (este sim, todo mundo conhece): Alfred
Russel Wallace. Este ano é centenário de morte de
Wallace, e com as celebrações de sua obra, há uma
oportunidade para finalmente coloca-lo em seu
devido posto.
Escrever sobre Wallace em uma página,
especialmente para alguém que, além de conhecer e
admirar a obra dele, vive num país onde Wallace fez
grande parte do seu trabalho e é apaixonado por
outros países onde ele passou 8 anos trabalhando, é
muito difícil. Para mim, este texto é quase como
uma resenha de orelha de livro, que instiga os
leitores a adentrarem a obra e usufruí-la
adequadamente.
Wallace nasceu no País de Gales, em 8 de
janeiro de 1823, e sempre foi muito humilde. Com
pouco poder aquisitivo, foi obrigado a trabalhar
desde cedo e, diferente de Darwin, não frequentou
universidades ou o mundo acadêmico no começo
de sua carreira. Apaixonado por história natural e
aventureiro ávido e determinado, Wallace
conseguiu realizar o sonho de viajar a florestas
remotas trabalhando como coletor de animais.
Ganhava dinheiro vendendo as amostras que
coletava a museus e pessoas curiosas ricas e
extravagantes, que gostavam de ter em casa as
relíquias de um mundo ainda pouco conhecido
pelos europeus. Wallace passou quatro anos no
Brasil e esteve no interior da Amazônia, onde
pouquíssimos europeus haviam se aventurado. Em
sua viagem, Wallace já mostrava algo diferente de
todos os naturalistas até então: a minuciosidade ao
anotar os detalhes dos locais de suas coletas. Para
cada animal coletado, fosse um macaco ou um
inseto, havia o registro do lado da margem do rio
onde foi pego, entre outros detalhes. Com ele,
começou a Biogeografia, parte da ciência que
estuda a distribuição dos animais, o que foi
fundamental para que ele desenvolvesse a idéia
sobre evolução das espécies. Após anos no Brasil,
Wallace ficou admirado com a diversidade das
florestas, apesar de todas as mazelas de visitar um
lugar selvagem onde reinava a malária. Mas o pior
ainda estava por vir. Em sua viagem de volta a
Londres, seu barco, com todos os animais que havia
coletado e todos seus registros, pegou fogo. Perdeu
quase tudo que tinha consigo e ficou dias à deriva
no Atlântico. Com a pele rachada de sol e sal e com
fome, em meio a navegadores desesperados e
esperando a morte, Wallace passava as horas
anotando e identificando as aves que sobrevoavam
o barco. Resgatado por sorte, voltou mais do que
exausto à Inglaterra, e jurou que não viajaria mais
para lugares selvagens assim. Mas sua determinação fez a promessa durar pouco.
Em 1854, Wallace partiu para o arquipélago
malaio, nas ilhas que hoje formam a Indonésia,
Malásia e Singapura. Foi nesse labirinto de cerca de
17 mil ilhas, e com histórias geológicas e evolutivas
diferentes, que Wallace fez sua maior obra. Viajou
incansavelmente por essa região durante 8 anos,
indo e vindo, morando em florestas repletas de
lodo, sanguessugas, malária e tribos canibais.
Coletou plantas, besouros, borboletas, aves,
macacos... Mais de 15 mil animais, que mandava
regularmente para a Europa, assim como cartas e
publicações científicas. As anotações sobre as
coletas feitas no arquipélago continuavam
ricamente detalhadas para cada animal,
Explora Web Magazine 9
A ave-do-paraísovermelha (Paradisea
rubra). A direita, um
Orangotango na
floresta de Bornéu
principalmente em relação ao local. Ao analisar
seus milhares de registros, Wallace notou uma
variação na fauna jamais registrada. Nas ilhas da
porção oeste da Indonésia, havia primatas, como o
orangotangos e macacos de Sulawesi, e aves como
pica-paus e calaus. Nas ilhas a leste, porém, a fauna
mudava drasticamente: acabavam-se os primatas e
o topo das árvores era dominado por marsupiais
pequenos e até mesmo cangurus. Nessa região
também viviam as aves mais belas do mundo e que
faziam rituais magníficos que nenhum europeu
tinha visto até então: as aves do paraíso. Wallace,
obcecado por novas e magníficas descobertas e
precisando vender animais desejados na Europa,
partiu para algumas das terras mais selvagens do
planeta em busca destas aves. Porém, quase que a
história não acaba bem mais uma vez.
Em uma embarcação precária em meio às
fortes correntezas da região, Wallace perdeu
âncoras diversas vezes, teve membros de sua
pequena equipe perdidos em ilhas e quase morreu
de Malária e outros males que a vida na floresta
traz. Em compensação, viu uma natureza magnífica
que, até hoje, poucas pessoas viram e muitos
sonham ver. Exemplo disso foram as danças de
acasalamento de aves que nem parecem reais. Ao
vê-las em um lugar tão distante e de difícil acesso,
Wallace concluiu que tamanha beleza não poderia
ter sido criada para desfrute dos homens.
Dessa viagem, Wallace consegui voltar com
toda sua coleção à Inglaterra. Ainda bem! A linha
imaginária que hoje divide a fauna do arquipélago
malaio ganhou o nome de Linha de Wallace, a
região central do arquipélago é hoje chamada de
Wallacea e uma das mais raras e belas aves do
paraíso ganhou o nome de Wallace's standardwing.
Mas mais importante foi a ideia que teve durante
uma crise de malária em suas viagens. Wallace,
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 10
pensando na própria luta para sobreviver à doença,
teve a idéia de que a mesma dificuldade, seja para
sobreviver à fome, doenças ou qualquer obstáculo
da natureza, é vivida por todos os seres vivos, e que
esta batalha só é ganha pelos mais aptos. Ao longo
de muitas gerações, essa luta e a mudança na
proporção de indivíduos diferentes na natureza
pode gerar a mudança nas espécies, uma pergunta
que Wallace queria responder há muito tempo. Essa
é a idéia de seleção natural, que hoje aprendemos
que Darwin havia tido após sua viagem no navio
HMS Beagle. A primeira publicação científica
propondo a idéia de evolução por seleção natural é
assinada por Darwin e Wallace, algo que poucos
sabem. Ambos tiveram a mesma idéia
independentemente. Há até estudiosos da biografia
de Wallace e Darwin que sugerem que Darwin teria
se apropriado de idéias de Wallace ao trocar cartas e
manuscritos com o explorador. Uma longa história,
que precisaria de um livro para ser contada, e que
certamente vai gerar ainda muita discussão. O que
não deixa dúvidas, porém, é de que Wallace foi um
dos maiores naturalistas que já viveu, pai da
Biogeografia, e que sua vida de aventureiro,
perseverança, honestidade e sua obra são menos
reconhecidos e celebrados do que mereciam ser.
Viva o centenário de sua morte, aos 90 anos, e que
vivamos mais a obra e o legado de Wallace. Para os
biólogos, uma obra a se explorar e, para os
aventureiros, os relatos das viagens de Wallace,
como no livro “O Arquipélago Malaio”, são um
prato cheio!
Floresta de Bornéu,
um dos lugares por
onde Wallace passou
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 11
Voluntariado na
Palestina
M
e formei em Relações Internacionais. Sou
uma internacionalista, e agora? Arrumar
as malas e me jogar nesse mundão a fora,
a escolha do ano. No meu caso, o “mundão a fora”
pode ser resumido em Palestina. Uma terra que não
se resume apenas a Faixa de Gaza, mas também ao
West Bank, Cisjordânia em português. Uma terra
ocupada, onde os cidadãos são refugiados no seu
próprio País – se é que posso chamar a Palestina de
País. Acredito que “Estado”, se encaixaria melhor,
não, melhor ainda, “Estado ocupado da Palestina”.
Entre os dias 11 de Agosto de 2013 e 24 de
Agosto de 2013 eu fiz um voluntariado chamado
Lajee Center Internacional Summer Camp. É um
voluntariado de apenas duas semanas – eu diria,
um “intensivão”- onde eu, juntamente com outros
25 voluntários de algumas partes do mundo
(México, Equador, Estados Unidos, Canadá,
Inglaterra, Irlanda, Escócia, Itália, Bélgica,
Eslováquia, Hungria, e Holanda) participamos de
inúmeras atividades no campo de refugiados Aida,
em Belém, na Palestina – eu poderia escrever um
texto falando apenas dos voluntários internacionais
pois cada um deles fez com que essas duas semanas
se tornassem inesquecíveis. Cada um com o seu
jeito e realidade particular e peculiar, entretanto
Longe de casa
por Manuela R.
todos eles incrivelmente insubstituíveis: eu
realmente fiz bons amigos.
No primeiro dia nos encontramos em
Jerusalém, no portão de Damasco, na parte árabe da
cidade antiga, e fomos todos juntos para uma escola
perto do campo de refugiados, onde iriamos ficar
nas próximas duas semanas. As salas de aula se
transformaram em nossos quartos e o corredor da
escola em nossa sala de estar. Éramos no total 30
pessoas, entre voluntários internacionais e
organizadores. Dividimos três chuveiros e um
banheiro (sim, um banheiro para trinta pessoas,
imagine a tensão).
Após a chegada na escola fomos direto
conhecer o campo de refugiados Aida, onde fica a
sede do centro Lajee. Antes de chegar na Palestina,
quando eu pensava em campo de refugiados, na
hora me vinha na cabeça tendas brancas com
símbolos das Nações Unidas (ONU), muita sujeira,
esgoto a céu aberto ou falta de água. Entretanto, ao
chegarmos no campo eu fiquei pasma: o campo é
similar a um bairro com poucas condições
financeiras no Brasil. Há sim muito lixo nas ruas,
mas há casas, mercadinhos, lojinha de verduras,
lojinha de coisas (das mais diversas) usadas por
precinhos camaradas, ruas (eu diria labirintos),
Visão aérea da
chegada no Hawaii
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 12
Voluntários de diversas nacionalidades
com um mesmo objetivo: duas semanas
intensas na Palestina
esgoto e água. Claro, tudo muito simples, mas se eu
não soubesse que era um campo de refugiados
antes de chegar, eu jamais imaginaria pois não há
sinais avisando que ali é um campo, é simplesmente
uma continuação de uma rua da cidade de Belém.
Só me dei conta que aquela área denominada de "campo de refugiados" era realmente um
campo de refugiados pelos detalhes. Vou relatar
apenas dois desses detalhes, os quais foram os mais
me chamaram atenção em um primeiro momento.
Ao olhar para todos (todos!) os telhados das
casas era possível observar várias caixas d'água em
cada um deles, não apenas uma ou duas como seria
o comum, e ao descobrir o porquê comecei a
vivenciar a ocupação israelense no estado da
Palestina. O Estado –ocupado- da Palestina tem,
supostamente, direito a 17% da água de Israel,
entretanto eles não têm acesso nem a metade, pois
Israel controla tudo na Palestina, inclusive a água.
O governo israelense “libera” por dia apenas 6
horas de água, e quando vem a água as famílias se
desdobram para encher as caixas dos telhados
A quantidade de
caixas d’água nos
telhados logo chama
atenção
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 13
Muro que separa
Israel, o sinal da
repressão
para que não falte água nas casas. Isso quando Israel
libera a água (isso não apenas com os palestinos que
são refugiados, mas com a totalidade da população
palestina). Há semanas em que os palestinos ficam
simplesmente sem água, e o pior de tudo: eles não
podem fazer nada a respeito.
Continuando as percepções dos detalhes. O
segundo “detalhe” é o muro construído por Israel
para “segurança e proteção” dos assentamentos
ilegais construídos logo ali, ao lado do campo de
refugiados. É um muro em forma de serpente que
circunda não apenas Belém, mas toda a Cisjordânia.
Um muro horroroso, com inúmeros postos
militares (israelenses) ao longo dele. Um muro
cinza. Um muro no meio das paisagens e da
natureza de uma terra maravilhosa. Um muro
preconceituoso. Um muro construído com a
desculpa de proteger um povo contra o outro, mas
que passa por cima das resoluções das Nações
Unidas. Um muro simplesmente deplorável. O pior
é que acabamos nos acostumando com o muro pois
passávamos por ele todos os dias.
Durante o Summer Camp nós tivemos uma
programação intensa de palestras, conversas,
visitas, ajuda humanitária e troca de experiências.
Cada voluntario do Summer Camp tinha a sua
própria razão, o seu motivo para passar esses dias
na Palestina. Mas mesmo com razoes distintas, nós
todos tínhamos uma coisa em comum: sede de
aprender e de compreender o cenário que
estávamos vendo com nossos próprios olhos. Sede
de aprender com todas aquelas pessoas o que é ser
refugiado na sua própria pátria e como, mesmo
sendo humilhados diariamente, eles levantam a
cabeça, vão para o trabalho, visitam seus entes
queridos nas prisões israelenses, chegam ao fim do
dia em casa, preparam o jantar e ficam com a
família, como se todo esse cenário de ocupação
fosse algo normal. Como é possível viver com
naturalidade em um cenário tão cruel? Nós
tínhamos sede de aprender como viver; como
muitas coisas que antes eram importantes
passaram a ser frivolidades perto da realidade
daquelas pessoas; como jovens palestinos, da
mesma idade que nós, sonham, assim como nós,
com um futuro maravilhoso, com uma carreira bem
sucedida, com uma família, com boas condições de
vida, tudo similar aos nossos sonhos, todavia com a
enorme diferença de que nós podemos transformar
os nossos sonhos em realidade, e aqui na Palestina,
eles –não apenas os jovens, mas toda a populaçãonunca sabem o dia de amanhã, quem dirá o
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 14
próximo ano, pois aqui nada, nunca, depende
apenas deles, nem os próprios sonhos.
Antes de vir para o Summer Camp, ainda
casa, eu me questionava sobre todas essas
perguntas, e queria fazê-las aos palestinos.
Contudo, algo estranho aconteceu quando cheguei
e me deparei com todos eles ao meu redor: eu não
conseguia me aproximar e ter um diálogo, o mais
simples que fosse, com nenhum deles. Foi mais ou
menos a mesma sensação de quando gostamos de
alguém e esse alguém não sabe e estamos
preparando o momento para contar, porem chega
na hora H e não conseguimos dizer nem uma
palavra sequer, mesmo tendo treinado dias e dias
para esse momento. Eu demorei mais de uma
semana para conseguir me soltar e perceber que
eles são "gente como a gente", claro, com todas as
inúmeras diferenças de realidade e mundos do
avesso, mas que no fundo são todos jovens com
seus vinte e poucos anos que querem se divertir,
como eu, querem ser jovens, assim como eu.
Apenas com a diferença de que eles tem mais
experiências de vida que eu e todos os meus amigos
juntos, ou pelo menos, tem experiências mais
"profundas", se assim posso descrever experiências
profundas como passar anos das suas juventudes
em uma prisão israelense, mas não por cometer um
crime como em qualquer outro lugar do mundo,
como matar ou roubar, mas por tacar pedras no
muro ou por participar de protestos contra a
ocupação ilegal israelense ao invés de estar na
universidade, indo a festas e participando de
encontros acadêmicos. Eu poderia escrever umas
vinte páginas sobre a terrível situação dos
palestinos nas prisões israelenses e sobre como as
leis internacionais não vigoram por aqui, mas
deixamos para uma próxima.
Ao longo dos dias no Summer Camp fomos
escutando histórias sobre a realidade do povo
palestino, e a cada palestra, a cada conversa,
abordávamos um tópico diferente. A cada dia que
passava, mesmo obtendo cada vez mais
informações, nos tínhamos mais e mais dúvidas.
Tudo aqui é muito complexo: as leis internacionais,
as leis civis e militares, como elas se aplicam aos
palestinos, as fronteiras, a forma de governo, a
questão da demolição ilegal das casas ou a questão
do ir e vir. E nós todos percebemos algo em comum:
quando falávamos que íamos fazer um trabalho
voluntário, logo pensávamos que íamos ajudar
Interação e atividades
com a população local
“(...) mesmo com razoes distintas, nós todos tínhamos uma coisa em comum: sede
de aprender e de compreender o cenário que estávamos vendo com nossos próprios
olhos. Sede de aprender (...) o que é ser refugiado na sua própria pátria (...)”
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 15
Pedras atiradas contra o muro de
Israel são atitudes frequentes
aquele determinado povo ou que íamos contribuir
com a situação. Todavia, aqui, nós constatamos que
eles é que nos ajudaram e não o contrário. Nós
estávamos aqui simplesmente para ouvir e
aprender, nada mais. Aqui a ajuda dos voluntários
internacionais em geral é como uma agulha no
palheiro: dá para ser encontrada e está lá, porém é
tão pequena e tão difícil de se fazer a diferença
frente a tantas injustiças e frente a tanto poder
alheio que o máximo e o melhor que podíamos fazer
era ouvir, absorver ao máximo todas as
informações e tentar processa-las, essa, a parte mais
difícil.
Ainda assim, queríamos ajudar. Então
quando questionamos de que maneira poderíamos
contribuir com a causa palestina, eles nos
explicaram que a nossa ajuda poderia vir ao final do
Summer Camp: na nossa casa. Para eles a melhor
forma de contribuição é levar tudo aquilo que
vimos, ouvimos e presenciamos de volta para casa e
simplesmente "spread the word", ou seja, passar
tudo adiante. Sem esquecer nenhum detalhe. Sem
omitir nenhuma verdade, para que assim mais e
mais pessoas possam se inteirar da realidade dos
palestinos: um povo que vive sob ocupação de
outro estado há mais de 65 anos e sofre sob a não
utilização das leis internacionais - posso listar
alguns crimes internacionais cometidos por Israel:
ocupação militar ilegal, aquisição ilegal de terras
por força, proibição aos civis (palestinos) o direito
de retornar as suas casas após o conflito armado de
1967, transferência ilegal da população palestina,
modificação ilegal das leis locais, violação do
direito a autodeterminação ao povo palestino,
pratica de racismo e de apartheid, violação dos
direitos humanos, violação das resoluções da ONU
referentes a Palestina ou até pratica de limpeza
étnica. Mesmo que milhares de pessoas saibam
como é a situação aqui na Palestina eles sabem que o
desfecho dessa história está longe de ter fim.
Repreção contra
manifestantes palestinos
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 16
Eu realmente sinto que fiz a escolha certa ao
resolver vir para cá. Por mais que a vida aqui seja
completamente o oposto de tudo aquilo que já vivi,
e que pelas mais diversas vezes eu me pergunte "o
que é que eu vim fazer aqui?" Inshallah, se eu
conseguir o meu segundo visto, ficarei aqui até
Fevereiro. No momento estou trabalhando em uma
organização chamada Badil Resource Center for
Palestinian Residency and Refugees rights,
cursando Árabe na Universidade de Belém e
morando no Aida Refugee Camp. Sinto que tenho
muita sorte de estar aqui e poder viver com pessoas
incrivelmente esperançosas e com um coração tão
grande e tão puro, mesmo com tantas infelicidades
e desgraças vividas. Aqui pude constatar que para
esse povo, muitas vezes a única esperança para a
vida é a fé e que essa fé move montanhas. Aqui a fé
impulsiona praticamente a totalidade das famílias a
se erguerem dia após dia. Aqui eles não desistem;
aqui eles resistem. Aqui a vida e os sonhos podem
até parar no muro, a poucos metros, e muitas vezes
centímetros das casas desses tantos refugiados, mas
eles seguem as suas vidas, esperançosos de que um
dia as chaves que eles guardam com tanto amor
possam reabrir as portas daquilo que nos, tão
simplesmente e muitas vezes levianamente,
chamamos de vida.
No Deserto de Marsaba
Esse relato é uma experiência pessoal contendo apenas opinião própria da autora. Esclarecendo que sua
posição em relação a Israel é anti sionista e não anti semita.
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 17
Niue
A rocha da Polinésia
texto por
Roberta Bonaldo
fotos por
João Paulo Krajewski
A
“
rrume as malas, que semana que vem
estaremos mergulhando com baleias e
serpentes em Niue!”. Foi assim, numa
intimação animada do meu marido, que ouvi falar
pela primeira vez da ilha de Niue. Minha primeira
reação foi ir correndo consultar mapas e sites na
internet para saber mais sobre o local. O objetivo da
viagem me dava uma pista: o Oceano Pacífico.
Pesquisando com calma encontrei a diminuta e
isolada ilha, a leste de Tonga e ao Sul de Samoa.
Diferente dessas e de outras nações insulares do
Pacífico, Niue é formada por uma única ilha, o que
explica seu apelido: “Rocha da Polinésia”, ou
simplesmente “A rocha”. Um verdadeiro pontinho
em meio à imensidão azul do Pacífico!
Por conta da localização remota de Niue,
existem poucas opções de vôo para se chegar à ilha.
Em 2009, na época da viagem, morávamos na
Austrália e fomos até Auckland, na Nova Zelândia,
de onde partimos para Alofi, capital de Niue, num
vôo que só opera uma vez por semana. Olhando do
avião, foi impossível não se encantar com a pequena
rocha oval em meio ao intenso mar azul. A
claridade da água nos permitia ver claramente
manchas mais claras e coloridas sob o mar, que
correspondiam aos recifes de coral ao redor de toda
a ilha.
No aeroporto, fomos recebidos com colares
de flores e sorrisos largos por moradores locais,
acompanhados da saudação local – Fakaalofa Lahi
Atu! O aeroporto, como já esperávamos, era muito
pequeno, assim como a cidade. Notamos várias
construções destruídas pela cidade e o motorista
que nos levou ao hotel explicou que aquilo era
resultado do violento ciclone Heta que havia
passado pela ilha em 2004, destruindo grande parte
do país e vários prédios em Alofi, muitos dos quais
ainda não tinham sido reconstruídos.
A costa da remota Niue
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 19
Encontros com
serpentes marinhas
são frequentes
Mergulho
Na manhã seguinte, partimos logo cedo
para o nosso primeiro mergulho na ilha. Enquanto
checávamos as câmeras e os equipamentos de
mergulho no barco, a ansiedade crescia. Os mares
de Niue atenderiam às nossas (grandes)
expectativas? Caímos na água em Snake Gully, um
dos mais famosos pontos de mergulho da ilha e, em
menos de um minuto, encontramos o que
buscávamos: serpentes marinhas! Diferente de
muitos lugares, onde serpentes são apenas
encontradas em água doce ou em terra firme, em
muitas ilhas e regiões costeiras junto aos oceanos
Índico e Pacífico, também é possível encontrar
serpentes no mar. Apesar de já termos visto
serpentes marinhas em outros lugares, como
Austrália e Japão, a visão que tivemos logo que
colocamos o rosto no mar de Niue foi
surpreendente. Enquanto umas 10 serpentes
subiam à superfície para respirar, outras 5
mergulhavam em direção ao fundo do mar, 3
nadavam em busca de alimento e outras 4
repousavam sobre a areia. Em outros lugares,
dificilmente víamos mais do que uma serpente
marinha durante uma hora de mergulho, mas ali,
em poucos minutos já perdíamos as contas do
número de serpentes avistadas.
Snake Gully é um ponto de mergulho
famoso justamente pela grande concertação de
serpentes marinhas, que podem chegar às centenas
em algumas épocas do ano. Como se não bastasse a
quantidade, há duas espécies de serpentes
marinhas em Niue, sendo que uma delas (Laticauda
schistorhyncha) não ocorre em nenhum outro
lugar. A claridade do mar também é uma atração à
parte, proporcionando uma visibilidade de mais de
40 metros embaixo d'água, e permitindo apreciar
ainda melhor o fundo do mar. O ponto de mergulho
ainda trazia outras surpresas, como uma caverna
repleta de lagostas em suas paredes.
Bela cavernas, aliás, estão espalhadas por
todos os lugares e são verdadeiras provas da
história geológica de Niue, uma das maiores ilhas
de coral do mundo. Niue se formou pela deposição
e acumulação de esqueletos de corais sobre o topo
de um vulcão inativo que emergiu em meio ao
Oceano Pacífico. Diferente da maior parte das ilhas
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 20
Com diversas cavernas
subaquáticas, a ilha
lembra um queijo suíço
Família de mico-leão-dacara-dourada em zona
urbana de Niterói
do Pacífico, não há nenhum outro tipo de rocha na
ilha, somente o carbonato de cálcio dos esqueletos de
corais depositados ao longo de milhares de anos. Por
conta disso, a ilha toda é de estrutura sedimentar e
porosa, favorecendo a formação do maior e mais
espetacular sistema de cavernas de todo o Pacífico
Sul. Niue se assemelha a um queijo suíço, com
centenas de cavernas e ornamentações espalhadas
por toda a ilha.
Ao longo da semana que passamos em Niue,
perdemos a conta de quantas cavernas submarinas
conhecemos. Além da beleza das cavernas em si,
frequentemente éramos surpreendidos por animais
repousando dentro delas, como tartarugas-marinhas
e peixes. Em uma das cavernas, por exemplo,
seguimos nossa guia de mergulho até uma segunda
câmara, cujo topo se abria para a superfície, num
local seco da caverna, mas só acessível por mergulho.
Curiosos, subimos para ver o que haveria na
superfície, e nos deparamos com serpentes marinhas
em meio a belas ornamentações da caverna,
principalmente estalagmites que brotavam do chão.
Serpentes marinhas em
meio as estalagmites das
cavernas de Niue
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Baleia-Jubarte
Além de tantas belezas durante os
mergulhos com equipamento autônomo pela
manhã, à tarde uma aventura ainda maior nos
aguardava. Durante esse período, nosso objetivo
era fazer imagens de animais muito mais ariscos
que as serpentes marinhas, apesar de seu tamanho
monumental: as belas baleias-jubarte. Assim como
outras ilhas e regiões costeiras tropicais, inclusive
no Brasil, durante os meses de inverno Niue recebe
a visita desses belos animais, que vêm de regiões
polares em busca de águas mais quentes para se
acasalarem e darem à luz a seus filhotes.
Entramos em um bote inflável e navegamos em
direção ao mar aberto. O piloto do bote e a guia de
mergulho pareciam concentrados, monitorando
continuamente a superfície do mar em busca de
algum sinal das baleias. Borrifos de água liberados
pela respiração, caudas expostas ao ar, saltos para
fora d'água: qualquer movimento vale para
comprovar que uma jubarte está por perto. Para a
nossa alegria, em poucos minutos o piloto sorri e a
guia de mergulho aponta para onde prontamente
visualizamos parte de uma nadadeira levantada na
superfície do mar: havíamos avistado uma jubarte!
Por conta da sensibilidade das baleias à presença
Foto: Daniel Luz/Instituto Pri-Matas
Um fato, porém, nos chamou a atenção no
fundo do mar de Niue do ponto de vista negativo.
Apesar de estar no meio do Oceano Pacífico, onde
muitas ilhas apresentam uma grande quantidade
de corais cobrindo o fundo do mar, em Niue a maior
parte das colônias que encontramos eram
pequenas, e menos abundantes do que
esperávamos. Nossa guia de mergulho nos
explicou que o forte ciclone que devastou a ilha em
2004 também fez estragos na vida marinha,
destruindo muitas colônias de coral. Como muitas
espécies de coral são de crescimento lento, mesmo
passados cinco anos da destruição, os efeitos do
ciclone eram bastante visíveis no fundo do mar.
As águas claras de Niue pemitem o
encontro com as gigantes Baleias Jubarte
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Niue é rodeada por recifes de coral, muitos
dos quais foram danificados por um
ciclone em 2004 que devastou a ilha
humana, não é permitido mergulhar em Niue com
equipamento SCUBA, tampouco persegui-las de
barco ou mesmo nadando. Assim, o motor do bote
foi desligado e ficamos à deriva. Ao sinal da guia de
mergulho, deslizamos pelas paredes do bote e
entramos na água vagarosamente, com o coração
acelerado, procurando fazer o mínimo de barulho
possível. Nadamos muito lentamente para nos
afastarmos um pouco do bote e ficamos na
superfície, boiando à espera do gigante. Logo
surgiram dois grandes vultos diante de nós: um
muito pálido, quase branco, e outro bastante
escuro, quase preto. Aos poucos, as duas baleias se
aproximaram de nós, deslizando tão graciosamente
que pareciam não fazer o mínimo esforço para se
locomoverem na água. Após alguns minutos
próximas de nós, continuaram a nadar pelo mar
azul de Niue, até desaparecerem do nosso campo
de visão.
Em todas as saídas de mergulho à tarde
tivemos a oportunidade de nadar com esses
verdadeiros gigantes de Niue. Cada encontro foi
especial e, em uma das tardes, chegamos a ver
quatro grandes fêmeas nadando juntas em nossa
direção. Certamente uma imagem que nunca
iremos esquecer. Muitas vezes ainda encontrávamos golfinhos enquanto estávamos
Cavernas
e água
cristalina,
cenários
frequentes
na ilha
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 23
Antigos restos de esqueletos de corais que
chegam a 8m de altura formam uma
verdadeira floresta de pedras
aguardando pelas baleias na água, que posavam
por alguns segundos para nossas câmeras e
rapidamente sumiam no mar aberto. Um dia foi
particularmente marcante, localizamos duas
baleias que, em vez de nadar, estavam apenas
descansando, estacionárias em um ponto do
oceano. As duas ficavam alguns minutos paradas
no fundo do mar, a aproximadamente 12m de
profundidade, e, a cada 10 minutos, uma delas
subia à superfície, para respirar. Enquanto os
outros encontros com as jubartes duraram apenas
alguns minutos, nesse ficamos mais de 2 horas
observando as baleias, que pareciam não se
incomodar com a nossa presença. Na verdade, cada
vez que uma delas subia à superfície, parecia chegar
mais perto de nós, como se estivéssemos ganhando
sua confiança aos poucos. Em uma dessas subidas,
meu marido filmava tão compenetrado uma das
baleias descansando no fundo do mar, que não
percebeu que a outra subia bem ao lado dele, a
menos de 1 metro de distância. Ele só percebeu a
proximidade da baleia quando ela estava a seu lado
e, passado o susto inicial, ficou encantado pela
confiança do gentil e gracioso gigante.
Em terra
Mais para o final da viagem, tivemos mais
uma surpresa. A dona da operadora de mergulho
veio nos apresentar uma amiga que morava na ilha
e que, para o nosso completo espanto, era brasileira:
a simpática Luísa. Ela morava em Niue desde o
início da década de 80, quando se casou com um
morador local com quem teve três filhos. Após um
rápido bate-papo, ela nos convidou para um tour
pela ilha no domingo, dia em que não há saídas de
barco por lá. Ainda bem! Apesar de todos os
momentos maravilhosos no mar de Niue, mal
tínhamos tido tempo de conhecer as belezas em
terra. Com tênis de caminhada, água e lanche,
partimos com Luísa e sua família para o passeio.
Como a ilha é muito pequena, em um único dia foi
possível dar a volta em toda ela, mesmo parando
várias vezes para fazer caminhadas e tirar fotos.
Um dos lugares mais magníficos que
conhecemos durante o tour foi o Togo Chasm, no
sudeste de Niue. Após dirigirmos até essa região da
ilha, paramos o carro num estacionamento, e
fizemos uma caminhada de cerca de 30 minutos por
uma trilha em meio a uma de suas florestas. A
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 24
floresta terminou num desfiladeiro e mal podíamos
acreditar no que víamos. Estávamos diante de uma
ampla área totalmente ocupada por estruturas
rochosas altas e pontiagudas que se estendiam até o
mar azul. Um dia, todas aquelas estruturas foram
corais vivos e agora o que víamos eram seus
esqueletos erodidos, de formato semelhante ao de
milhares de lâminas pontiagudas de 5 a 8 metros de
altura. Uma trilha de concreto em meio a essas
estruturas, construída pelo governo local, nos
permitiu caminhar entre essa verdadeira floresta de
pedras, até chegarmos a uma pequena escada, que
dá acesso a uma pequena “praia” arenosa. A praia
em questão não se abre para o mar, mas tem alguns
coqueiros e uma pequena caverna de onde é
possível avistá-lo.
Mas nossa jornada pela ilha ainda traria
outros tesouros, principalmente piscinas naturais e
cavernas. Uma das piscinas naturais mais famosas
de Niue, no Matapa Chasm, é tão linda e calma que
também é conhecida como “Piscina do Rei”. Fora
isso, as cavernas em terra não deixam nada a desejar
às submarinas. Além de ornamentações e
formações de encher os olhos, não raramente
possuem câmaras banhadas pelo mar. O contraste
de cristais e estalagmites com a água cristalina e
colorida do mar de Niue, por vezes repleta de
peixes e corais, chega a ser espantoso de tão belo.
Em muitas cavernas, também nos deparamos com
serpentes marinhas e, ao longo de todo o passeio,
costumeiramente avistávamos baleias, que nos
acenavam com suas nadadeiras projetadas para
fora da água ou saltavam em meio ao oceano.
Além dos encantos naturais da ilha, nossos
companheiros de tour nos contavam sobre
curiosidades da história, cultura e geologia do lugar
e até tentaram nos ensinar algumas palavras do
idioma tão particular falado em Niue. Com um dia
tão cheio de imagens e momentos únicos, acabamos
nos empolgando e dedicamos mais uma tarde às
aventuras terrestres na ilha, mas desta vez com um
objetivo bastante específico...
A Piscina do Rei em Matapa
Chasm, é uma das piscinas
naturais mais famosas de Niue
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“Caímos na água em Snake Gully, um dos mais famosos pontos de mergulho da
ilha e, em menos de um minuto, encontramos o que buscávamos: serpentes marinhas!
(...) em poucos minutos já perdíamos as contas do número de serpentes avistadas.”
Em Niue ainda é possível
encontrar o raro Caranguejodos-coqueiros
Caranguejo-dos-coqueiros
Em meio às muitas conversas que tivemos
com pessoas que vivem em Niue, um assunto em
particular nos fez mudar os planos da viagem. Lá,
ainda é possível encontrar o Caranguejo-doscoqueiros (Birgus latro), chamado de Uga
(pronuncia-se Unga) pelos polinésios. A Uga é a
maior espécie de crustáceo terrestre, podendo pesar
até 4 quilos. A espécie é um parente dos ermitões,
pequenos caranguejos que vivem dentro de
conchas vazias de moluscos, escondendo a parte
mole e mais suscetível de seu corpo dentro da
concha. Apesar de também ter esse comportamento
quando jovem, o caranguejo-do-coqueiro é uma
exceção. Quando adulto todo o seu corpo é coberto
por uma carapaça espessa, tornando dispensável o
uso da concha. É justamente nessa fase que o
caranguejo-dos-coqueiros faz jus a seu nome
popular, já que pode ser visto caminhando sobre o
tronco de coqueiros.
O caranguejo-dos-coqueiros ocorria em
grande parte das ilhas dos Oceanos Índico e
Pacífico, mas seu grande tamanho e sabor
agradável o fizeram desaparecer da maior parte dos
locais onde ocorria originalmente. Em Niue, apesar
da espécie ainda ser usada como alimento, o
pequeno número de pessoas na ilha (cerca de 1.400)
é provavelmente um dos motivos do caranguejodos-coqueiros não ter desaparecido por completo.
Além disso, o governo local investe em campanhas
educacionais para conscientizar a população sobre
a fragilidade da espécie, estabelecendo limites
mínimos para a coleta do caranguejo e pedindo que,
quando caçados com armadilhas, fêmeas com ovos
e filhotes sejam liberados.
Como nunca havíamos visto um
caranguejo-dos-coqueiros até então, a visita a Niue
pareceu ser uma oportunidade e tanto para enfim
conhecermos essa espécie tão única. O desafio seria
encontrar o caranguejo, já que durante o dia
geralmente se esconde em tocas no chão ou em
cavernas, como forma de proteção. Acompanhados
por um guia local, caminhamos por algum tempo
em uma das florestas da ilha, a procura do
caranguejo. Em meio às arvores, cavernas e grutas
emergiam em vários pontos do terreno, além de
pedras e formações pontiagudas semelhantes às
que encontramos no Abismo de Togo, só que
menores, dificilmente ultrapassando 40
centímetros de altura. Caminhar pela floresta exigia
cuidado redobrado com tantas pedras afiadas.
Durante todo o percurso, nosso guia inspecionava
com cuidado cada grupo maior de pedras ou
cavernas que encontrávamos.
Após mais de uma hora de procura, quando
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 27
já havíamos dado a busca como perdida, nosso guia
nos chamou animado, apontando para um
amontoado de rochas. Finalmente, ali estava o
curioso caranguejo-dos-coqueiros, cujas garras
logo chamaram a atenção pelo seu grande tamanho
em relação ao corpo. Passamos algum tempo
observando e fazendo fotos daquela espécie tão
particular. Partimos de volta ao hotel felizes ao
sabermos que Niue é, de fato, um dos refúgios dessa
espécie tão vulnerável.
Populações humanas em Niue
Como bióloga, a natureza e a vida selvagem
é geralmente o que mais me chama atenção em um
novo destino. Em Niue, porém, há tantas
particularidades geológicas e biológicas que, logo
que comecei a pesquisar sobre a ilha, foi impossível
não ficar curiosa sobre as pessoas que vivem ali.
Como seria viver em um lugar tão isolado em meio
ao maior oceano da Terra? Mais do que isso, como
teria sido, para os primeiros exploradores,
chegarem e colonizarem uma ilha como aquela?
Perguntas como essas só se multiplicaram ao longo
da semana que passamos na ilha e com as longas
conversas que tivemos com os habitantes de Niue.
Ser uma nação formada por uma única ilha
não é a única diferença de Niue em relação a outros
países-ilhas espalhados pelo Oceano Pacífico.
Estima-se que a chegada de populações humanas
em Samoa e Fiji, por exemplo, tenha ocorrido entre
3.000 e 5.000 anos atrás. Em Niue, isso aconteceu
bem mais recentemente, provavelmente há pouco
mais de 1.100 anos, com populações vindas de
Samoa e, posteriormente, Tonga.
O primeiro europeu a chegar na ilha foi o
Capitão James Cook, em 1774, também considerado
o descobridor da Austrália, Nova Zelândia e de
outras ilhas no Oceano Pacífico. Mesmo para um
navegador tão habilidoso e acostumado com a
cultura Polinésia, a chegada em Niue não foi fácil,
visto que ele teve que desistir de suas três tentativas
de desembarcar na ilha, pois não foi bem-vindo
pelos moradores. Ele chamou Niue de
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“Ilha Selvagem”, pois os nativos tinham os dentes
avermelhados por conta de uma banana vermelha
nativa da ilha (hulahula), que ele pensou ser
sangue. Somente em 1846, com a chegada de
missionários cristãos, é que a ilha passou a ter mais
contato com civilizações ocidentais, que
influenciariam muito a cultura e, sobretudo, as
crenças dos locais.
Apesar de toda a beleza natural da ilha,
ainda hoje não há como negar que existem
dificuldades para se viver em Niue, sobretudo pela
falta de emprego e recursos básicos para a vida. Não
há, por exemplo, nascentes de água doce e a maior
parte do abastecimento de água de Niue depende
da captação de água da chuva presa em canais e
câmaras subterrâneas, além de coletores instalados
nas casas dos moradores locais.
Niue é considerada uma nação
independente politicamente desde 1974, mas é
governada em associação livre com a Nova
Zelândia, e todas as pessoas nascidas na ilha têm
passaporte neozelandês. A economia da ilha é
baseada principalmente na agricultura e no
turismo, sem grandes indústrias ou tecnologia.
Com isso, o país é altamente dependente de capital
exterior, sobretudo da Nova Zelândia e Austrália, já
que a nação não tem recursos para manter a
infraestrutura necessária para a população local.
Mais de 90% dos cidadãos de Niue hoje vive na
Nova Zelândia e a maior parte deles procura
manter a cultura original, sobretudo o idioma de
sua terra natal. A colaboração internacional, porém,
parece estar funcionando bem para as pessoas que
ainda vivem na ilha, o que pode ser comprovado
pela alegria e hospitalidade de todos os moradores
que encontramos durante nossa breve, mas
encantadora, visita ao país. Niue é certamente uma
lição de como a vida pode florescer e ser bela
mesmo nas condições mais adversas do planeta.
Além de incrível em baixo
d’água, Niue abriga lindas
florestas
E x p l o r a W e b M a g a z i n e 29
Encontros
por Carolina Bezamat de Abreu
U
m dos encontros inesquecíveis durante a
expedição pra Península Antártica foi com a
temida foca-leopardo (Hydrurga leptonyx). Vêla caçando e devorando pinguins a poucos metros de
nós era como estar em um documentário de vida
selvagem. Enquanto ela o sacodia de um lado pro outro
com uma força absurda, várias aves disputavam pelos
pedaços que se desprendiam do corpo do pobre
pinguim. Já as focas-caranguejeiras (Lobodon
carcinophagus) eram fofíssimas, como essa da foto,
descansando em cima de um iceberg.
Wilhelmina Bay e Fournier Bay se tornaram
meus locais favoritos na Península. O dia estava lindo:
céu azul, o sol refletindo nas montanhas cobertas de
neve e muitas baleias! A partir do bote inflável,
conseguimos foto-identificar várias jubartes (Megaptera
novaeangliae) e minkes (Balaenoptera bonaerensis).
Ficamos ali até o sol se pôr e as seis camadas de roupa
não serem mais o suficiente pra suportar o frio. Faltou
ver as orcas... Mas esse é só um dos motivos pelos quais
queremos voltar lá.
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Ano II - Volume V - Out/Nov/Dez - 2013
Niue
A rocha
da Polinésia
Destino Aventura
Chapada dos Veadeiros
Páginas Verdes
100 anos depois
de Wallace
Longe de Casa
Voluntariado na
Palestina
Encontros
A temida
Foca-Leopardo
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