Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza Instituto de Geociências Departamento de Geografia O local e o global no projeto na operação urbanística “Porto Maravilha” – Rio de Janeiro Autora: Vivian Santos da Silva Orientador: Prof. Dr. Frédéric Monié Sumário Introdução.......................................................................................................................... 3 1. A interface entre a cidade e o porto ............................................................................... 4 1.1 As dinâmicas e pressões exercidas sobre a interface portuária ................................... 5 1.2 A degradação e o processo de obsolescência das áreas portuárias degradadas ........ 5 1.3 O waterfront como uma nova fronteira de acumulação ................................................ 6 2. Os projetos pioneiros de reconversão dos waterfronts (anos 1960) ............................... 9 2.1 Estudos de casos (os projetos pioneiros de reconversão dos waterfronts-Decada de 50/60) ......................................................................................................................... 10 3. As novas políticas públicas para as áreas portuárias nas décadas posteriores (anos 70 e 80) ........................................................................................................................... 12 3.1 Estudos de casos (As primeiras difusões dos projetos de reconversão- Década de 70/80) .............................................................................................................................. 14 4. Os novos projetos de reconversão dos waterfronts (Anos 90/2000) ............................ 15 5. As operações de reconversão no Brasil ....................................................................... 17 5.1 Estudos de casos (Belém, Santos e Rio de Janeiro) .................................................. 18 6. O waterfront carioca (uma nova geração de projetos de reconversão dos waterfronts)...................................................................................................................... 24 6.1 O Projeto Porto Maravilha .......................................................................................... 25 6.2 Estudo de caso do Projeto Porto Maravilha ............................................................... 27 7. Conclusões .................................................................................................................. 30 8. Bibliográfia ................................................................................................................... 32 Introdução Entre as experiências pioneiras norte-americanas (Baltimore, Boston, São Francisco) dos anos 1960 e os empreendimentos mais recentes em cidades marítimas de todos os continentes, os projetos de reconversão das áreas portuárias degradadas se difundiram sob o efeito de complexas dinâmicas econômicas, tecnológicas,sociais, culturais e urbanísticas. Esse processo de difusão dos projetos de reconversão dos waterfronts constitui o objeto de nossa monografia. O caso específico de estudo da pesquisa é o porto do Rio de Janeiro (projeto “Porto Maravilha”) que apresenta concomitantemente dinâmicas genéricas e elementos específicos de intervenção na sociedade e na forma urbanas. Nossa pesquisa busca compreender e analisar o processo de difusão dos waterfronts no tempo e no espaço destacando os mecanismos que promoveram uma crescente diferenciação de forma e conteúdo entre as experiências urbanísticas iniciais e empreendimentos mais recentes e as formas de articulação do local e do global na interface espaço portuário/espaço urbano. Os objetivos específicos consistem na análise da evolução histórica das relações entre cidades e portos e das pressões contraditórias que afetam a interface mar/terra; na elaboração de uma periodização que permita relacionar a evolução dos projetos a contextos socioeconômicos, tecnológicos e políticos específicos (escalas de tempo e espaciais); na identificação dos atores e das estratégias territoriais e funcionais que os mesmo definem nos projetos de reconversão das áreas portuárias degradas; na análise dos recursos mobilizados para incluir a identidade elementos da cultura local nas experiências urbanísticas de recuperação dos waterfronts. Para alcançar nossos objetivos elaboramos um arcabouço metodológico conceitual está estruturado em três linhas de abordagem complementares. A primeira relaciona os projetos às mudanças globais na produção e na circulação mobilizando estudos sobre o “espaço de fluxos global” (Castells), à re-significação do sistema produtivo internacional (Sassen; Levy; Marques e Torres) e às novas infra-estruturas e a logística do transporte marítimo (Ragel; Silveira; Monié). A segunda linha de abordagem refere-se a analise conceitual das cidades portuárias (Collin; Baudouin; Seassaro), dos waterfronts (Chaline e Hoyle) e das Friches Sociales (Labasse). Enfim, o último eixo de abordagem privilegia o estudo das políticas urbanas a partir dos conceitos de Empresariamento urbano(Harvey), “Planejamento estratégico” (Vainer), “Cidades-modelos” (Sánchez) e Enobrecimento urbano/Gentrification (Glass). A metodologia operacional consistiu em uma revisão bibliográfica, na escolha e organização de variáveis e indicadores; no levantamento de dados secundários; na sistematização e na interpretação dos dados primários e secundários; na avaliação dos resultados alcançados, dos avanços e limitações metodológicas e empíricas; e por fim na elaboração de um banco de dados com a sistematização da revisão bibliográfica e nesta análise critica. 1. A interface entre a cidade e o porto A interface entre cidade/porto é concomitantemente uma zona de conflitos e cooperações que sofre diversas pressões tanto por parte do ambiente marítimo (foreland) quanto do ambiente terrestre (hinterlândia). A natureza, a intensidade e a gestão local dessas pressões determinam em grande parte a evolução da interface portuária onde as estratégias dos atores locais e globais desenham prioridades que oscilam entre valorização da atividade comercial do porto urbano e a relocalização do mesmo em espaços periféricos abrindo fronteiras de acumulação diferenciadas para projetos de reconversão das áreas degradadas. As lógicas contraditórias que caracterizam a interface mar/terra nas cidades marítimas inserem-se numa trama complexa e evolutiva de dinâmicas produtivas, circulatórias e urbanas. Figura 1 - Fluxograma de dinâmicas que atuam sobre a interface porto/cidade Fonte: Elaboração V, Silva (Geoportos-2011). 1.1 As dinâmicas e pressões exercidas sobre a interface portuária As dinâmicas produtivas resultam de uma nova geografia econômica e do aumento dos fluxos de mercadorias (o espaço dos fluxos); As dinâmicas circulatórias com inovações técnicas (conteneirização, gigantismo dos navios e a intermodalidade) e a reestruturação gerencial da interface entre cidade e porto, que é resultante das novas técnicas do Just in Time (tempo e dinheiro), que visam realizar operações no menor tempo possível. Essas duas dinâmicas (tanto do ambiente marítimo, quanto do ambiente terrestre) criam a necessidade de um aumento da capacidade operacional dos portos, através da melhoria da acessibilidade náutica (calado suficiente para acolher navios gigantes) e terrestre (intermodalidade), e um novo imperativo de fluidez, no qual se exige uma melhor e maior circulação, e a velocidade desta fluidez circulatória passa a ser decisiva para as operações. As dinâmicas urbanas relacionadas a reestruturação do tecido produtivo urbano (atividades terciárias, comerciais e de serviços) e ao novo perfil imobiliário, que começa a ver essa interface e seu entorno, como algo que possa ser usado como atrativo que valorize os imóveis, tornando-se assim uma área de grande interesse para a especulação imobiliária. E as novas demandas socioculturais, que almejam uma melhor qualidade de vida, criação de amenidades, um melhor uso da malha viária e a preservação do meio ambiente. Estas dinâmicas (do ambiente terrestre) aumentam os conflitos de uso desta interface, já que a atividade portuária começa a ser vista como algo hostil a este espaço urbano e as novas funções que a ele são empregadas. De um modo geral estas dinâmicas atuam como pressões que se traduzem em impactos sobre a área portuária, impactos estes que acaba por tornarnecessáriorelocalizar o portoem um sítio extraurbano; o que resulta muitas vezes em uma área portuária ociosa e degradada. 1.2 A degradação e o processo de obsolescência das áreas portuárias degradadas De inicio iremos analisar quais são as perspectivas das áreas portuárias obsoletas e que passam por processo de degradação, com o intuito de compreender como se desenvolveu as iniciativas dos projetos pioneiros de reconversão do waterfront e quais eram seus principais objetivos. A degradação dos espaços urbano-portuários foi apreendida como um fenômeno indesejável imposto pela decadência do modelo econômico. Num primeiro momento, os chamados Friches acolheram infraestruturas de transporte e estacionamentos destinados a resolver problemas de mobilidade, comuns aos grandes centros urbanos (CHALINE, 1994; HARVEY, 2003). As mudanças na economia, principalmente nas últimas décadas do século XX, resultaram em uma profunda reestruturação do tecido político, social e espacial nas cidades mundiais. Os espaços que anteriormente desempenhavam uma função mais ampla no processo produtivo, atualmente assumem novas formas e funções, modificando não só os usos que a eles são destinados, mas, sobretudo, as interações sociais que neles e, a partir deles, se objetivam. Estes processos de reestruturação produtiva, social e política implicaram diretamente no surgimento de vazios e ruínas sobre alguns espaços urbanos, que passaram a serem considerados elementos representativos do “progresso” tecnocrático do século passado. Vasques, (2006) define que: “Estes locais não são necessariamente antigas indústrias, podem, também ser empresas comerciais desativadas, minas abandonadas, lixões ou de depósito de resíduos, todo tipo de infraestrutura de transporte como ferrovias, portos e aeroportos; além de barragens, usinas termelétricas, nucleares, e outras. São todos os empreendimentos que um dia foram desativados, sofreram a ação do tempo, e com a consequente degradação natural transformaram-se em zonas mortas.” (Vasques, 2006) Do ponto de vista da região abandonada, as perspectivas tornam-se preocupantes, com aumento do desemprego, da violência, moradores de rua, perda significativa do dinamismo econômico e desgaste dos tecidos sociais organizados, entre outras perspectivas negativas, que originou o que chamamos de acordo com Labasse por “Fiches sociales”, que são definidas por ele como “áreas sem utilização por razões econômicas e sociais” (Labasse, 1966). Estas áreas urbanas e portuárias decadentes se tornaram gradativamente questão de grande preocupação, desencadeando a elaboração de planos de reconversão local, com o objetivo de redinamizar a área obsoleta e refuncionaliza-lá, tornando-a um instrumento de desenvolvimento e competitividade. Foi então que anos 1960, algumas metrópoles avistaram na “remodelação da frente marítima” (HOYLE, 1989) a possibilidade de pensar novos usos a estes espaços. 1.3 O waterfront como uma nova fronteira de acumulação O processo de globalização favorece processos que transformam os lugares para atender interesses das elites globais, segundo novas modalidades de intervenção sobre o espaço urbano. Por isso, os waterfronts tornaram-se pontos estratégicos de desenvolvimento para as cidades. Para Sales (1999), alguns aspectos condicionam as operações de reconversão de áreas portuárias obsoletas, tais como o dinamismo da própria cidade, os aspectos de gestão e financiamento da operação. Considera-se então ser preciso ancorar projetos de transformação através de uma leitura dos problemas de potencialidades das cidades e territórios, tentando resolver, mesmo que parcialmente, os temas urbanos e territoriais pendentes, visando sempre redinamizar a referência econômicosocial representada pelo porto, como critério e parâmetro daqueles projetos. É nesse contexto que temos o desafio enfrentado pelas áreas portuárias de adaptarem-se as necessidades impostas pela globalização, que implica reestruturar seu espaço físico e seu sistema de funcionamento. A evolução da relação entre cidade e porto está inserida no contexto geral de transformação da economia, dos modos de produção e de consumo e nas transformações das sociedades. Para Storper (1990) “no inicio dos anos 1970 emerge um novo período do sistema capitalista de produção, no qual a intensificação do comércio global, da competição entre mercados e a quebra do domínio econômico americano são características notáveis”. Tal período traz consigo um novo paradigma, cujo sintoma mais relevante é a ascendência de métodos de produção flexível, substituindo a produção em massa, dominante no período 1950-80. Segundo o autor (STORPER, 1999, p.121) a flexibilidade significa a capacidade de ajustar a produção às demandas, ajustar a quantidade de produção para cima ou para baixo num curto período de tempo sem comprometer os níveis de eficiência. Para o mesmo, apesar da intensificação da globalização, as questões e estratégias locais e regionais tornam-se cada vez mais determinantes nos rumos do desenvolvimento, pois “paradoxalmente, essa nova estrutura global reforça, de certa forma, a importância das respostas locais (nacionais ou regionais) aos perigos e oportunidades do desenvolvimento” (STORPER, 1999, p.121). As cidades vêm promovendo políticas públicas que permitem uma melhor adequação às exigências globais de produção e consumo. O que impulsiona os projetos de reconversão da interface porto/cidade e a multiplicação destes projetos pelas cidades marítimas mundiais. Para Baudouin (1999), no cenário da mundialização a cidade ressurge como um “empreendedor sociopolítico”. Para o autor as cidades portuárias “destacam-se no cenário internacional, pois elas conseguem mais facilmente conectar-se aos fluxos globais que são realizados majoritariamente pelo setor marítimo”. “A cidade portuária é um exemplo de aproximação das competências funcionais do porto e produtivas do território metropolitano. Interações densas valorizam os fluxos através de projetos logísticos de agregação de valor aos fluxos da globalização. Por isso, estas cidades possuem grandes vantagens, pois conseguiram, precocemente, ampliar o foco para além das questões técnicas e, portanto, elas entenderam que todos esses “sistemas pós-industriais” são definidos principalmente por externalidades” (BAUDOUIN, 1999, P.32). Nos últimos anos, as cidades portuárias lançam novos olhares sobre as suas potencialidades, produzindo interpretações diferentes do processo de globalização e promovendo, consequentemente, políticas públicas cujas finalidades variam muito. Em alguns casos, a relação entre o porto e a cidade pode promover o desenvolvimento sócio territorial urbano. Deste modo é de grande relevância o estudo sobre como estes projetos de reconversão se difundiram pelo mundo, quais suas principais evoluções, transformações e consequências sócio-espaciais. Figura 2 - Síntese ilustrativa do Processo de difusão dos projetos de reconversão dos waterfronts no mundo Fonte:Silva, V.S (Geoportos, 2011). 2. Os projetos pioneiros de reconversão dos waterfronts (anos 1960) Os projetos de reconversão na watefront são fenômenos relativamente recentes, associados a diversos fatores, destacando-se o extraordinário crescimento da indústria do lazer nas últimas décadas, incentivada pelo aumento da mobilidade, da renda e do tempo livre (Floyd; Sirmans, 1975; Hughes; Andrews, 1996). Este processo teve inicio nas áreas urbanas norteamericanas e se difundiu pelo Europa, Ásia, América Latina e África; processo o qual se dá pela substituição de antigas áreas industriais e comerciais ribeirinhas por novos espaços de serviços, habitação, áreas de lazer e equipamentos (Hoyle, 1989). Boston e Baltimore são exemplos de duas cidades que lançaram e concretizaram os primeiros projetos de reconversão dos seus watefronts no mundo. Em Boston, o projeto de reconversão do setor do Union Wharf foi lançado em 1956 e executado a partir de 1961. Em Baltimore, as datas respectivas de lançamento do projeto e do início de sua execução foram 1959 e 1964. As intervenções urbanas nas áreas portuárias das cidades de Boston e Baltimore marcam o inicio de se pensar a cidade como um empreendimento e a arquitetura como “espetáculo” (Harvey, 1994: 89). Figura 3- As principais pressões sobre a interface entre porto-cidade (década de 60) Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011) 2.1 Estudos de casos (os projetos pioneiros de reconversão dos waterfronts Decada de 50/60) Boston O projeto de reconversão dos anos 50 determinou a demolição de grande parte das edificações da área central da cidade de Boston, incluindo as edificações do antigo mercado Quincy e Faneuil Hall, de 1820. Desenhado por I.M. Pei, o novo centro seria o ponto inicial para todo o processo. Neste mesmo tempo foi contratada pela prefeitura uma equipe de consultores liderada por professores do MIT, para a elaboração de um plano de recuperação do watefront, que pretendia preservar edificações históricas e integrar a cidade e o mar, através de novas perspectivas de usos públicos e de continuidades espaciais, objetivos que depois foram incorporados ao Plano Geral de Boston de 1965, época em que se reorganizou a agência especial de desenvolvimento da área central, a Boston Redevelopment Authority. Como um dos dinamizadores da reconversão do watefront, planejava-se o New England Aquarium sobre um píer da área central, primeira experiência no gênero aberta à visitação pública nos EUA. Sendo inaugurado em 1969, o aquário tornou-se um grande sucesso de público e elemento principal da reconversão, e seus arquitetos, a firma Cambridge Seven, repetiu posteriormente a dose em diversas cidades do mundo, como: Baltimore, Osaka (Japão) e Lisboa (Expo 98). No caso de Boston o prédio original ficou pequeno diante do seu próprio sucesso, e o píer valorizou-se consideravelmente com a revitalização do centro. Baltimore Outro caso pioneiro que também teve sucesso e ficou mundialmente conhecido é o de Baltimore, onde no final da década de 50, um grupo de empresários se uniu para enfrentar o problema da área central, que estava decadente e obsoleta, contratando um plano diretor ao urbanista David Wallace, eventualmente, também apoiado pela Prefeitura. O plano propunha, numa primeira fase, a revitalização de alguns quarteirões da área central, na forma de impulso inicial para o processo de recuperação de todo o centro. Passando a ser administrada por uma agência própria, a Charles Center Management Inc (Hall, 1993; Sales. 1999). A reconversão visou à conservação dos edifícios históricos não tombados e buscou associá-los ao uso de escritórios, lojas, um teatro, um hotel e apartamentos para classe média-baixa, o interior dos quarteirões foi liberado para novas praças ladeadas de lojas e bares, com garagens públicas no subsolo, Iniciou-se um pioneiro sistema de passarelas destinadas a pedestres, interligando os prédios na direção do Inner Harbor a área do porto, destacada para a segunda fase de intervenção (Del Rio, 2001). . Foi então que o projeto Charles Center começou a gerar bons resultados já em 1961 quando, em uma inteligente estratégia de marketing, a Prefeitura promoveu uma concorrência pública de propostas imobiliárias (projeto, construção, viabilidade econômica e financeira) para a construção do primeiro edifício comercial no novo Charles Center. O projeto vencedor foi o da firma de Mies Van der Rohe, o qual tinha grande prestígio internacional e acabou chamando a atenção da mídia para o que estava ocorrendo em Baltimore. Charles Center só foi completado no meio da década de 80, com a construção de um prédio que misturava a utilização comercial e residencial em seu último terreno livre (Sales,1999).Este primeiro sucesso de reconversão abriu caminho para outros programas e projetos voltados para a revitalização geral do centro de Baltimore. O mais importante deles foi o projeto para a área do Inner Harbor (porto interior), o qual a gestão foi incorporada à mesma agência de desenvolvimento do Charles Center, implantado a partir de 1973, com a retirada das edificações velhas e abandonadas e a reconversão de seu watefront; o Inner Harbor tornou-se o principal ponto de atração da cidade; concentrando um conjunto de empreendimentos e múltiplas atividades. Estas primeiras experiências são marcadas por projetos monofuncionais, centrados na revitalização através de shopping centers, com o objetivo econômico de reconversão produtiva das áreas centrais, objetivos sociais ligados a criação de amenidades e objetivo financeiro de aumentar a arrecadação de impostos. As intervenções urbanísticas criaram áreas recreativas, jardins e passeios, os projetos pioneiros eram denominados como projetos demolição construção, no qual havia mais obras de derrubada de antigas áreas e construção de novos espaços, do que a preservação destes. Isso começou a mudar com o tempo e no caso de Baltimore a iniciativa de preservar as antigas construções já se mostra mais presente. Os investimentos econômicos dos projetos eram direcionados a centros comerciais e a equipamento de entretenimento (festival do market) e já há uma participação do setor privado no financiamento destes. 3. As novas políticas públicas para as áreas portuárias nas décadas posteriores (anos 70 e 80) A cidade transformou se num “espaço de fluxos”, alterando assim sua escala e dimensão territorial de gestão urbana, com isso cada vez mais as dinâmicas metropolitanas passam a depender do relacionamento regional ou internacional, comandados a distância, e menos de sua inserção regional e mesmo nacional, dando lugar a uma nova condição geográfica, a globalização (Castells, 1999). É então que os investimentos privados deixam de ser direcionados apenas a territórios geográficos limitados, e as estratégias de localização e logística mudam radicalmente; e está “desregularização” assumida pelos próprios Estados atingi o seu ponto máximo no início da década de 80, com a proliferação dos pólos urbanos transnacionais (financeiros e imobiliários). Com isso alguns dos vazios urbanos, resultantes dessa recomposição econômica, logística e industrial do fim da década de 70, puderam se tornar às áreas privilegiadas para a “capitalização urbana”, cada vez mais dependente de sua inserção na rede de decisões e relações globais e menos dependente de sua pequena localização geográfica e influência local. (Chaline e Vilan, 1997) Processos de progressiva privatização ou concessões desses vazios urbanos, essencialmente os Watefront das grandes cidades fluviais ou costeiras, tiveram inicio a partir da última década, iniciados pelos Estados ditos como “neoliberais”, exemplos desses projetos são: o conjunto de CanaryWharf nas Docklands de Londres; a construção sobre ferrovias da Rive Gauche em paris, os novos aterros sobre a água como suporte de condomínios de luxo no BatteryPark em Nova York, as áreas industriais desativadas de Pu dong em Xanghai, os bairros para imigrantes em Hong Kong, a fixação da Teleportown em Tokio. (Chaline; Hoyle; Busquets, 1997). Figura 4 - As principais pressões sobre a interface entre porto-cidade (década de 70 e 80) Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011) 3.1 Estudos de casos (As primeiras difusões dos projetos de reconversãoDécada de 70/80) Os watefronts das “metrópoles mundiais” passaram a refletir os ditos Skylines ditados por conjuntos urbanísticos de altíssima densidade e sofisticação, os quais passaram a construir um imaginário de “ideal” urbano. As cidades redescobriram então as enormes potencialidades políticas e econômicas de seus watefronts, longe do modelo “turístico massificado” que caracterizou a ocupação desastrosa das áreas costeiras na década de 70 em vários países; há então novas apostas em projetos de oportunidades, possibilitados pelas novas políticas urbanas, que visam a reconversão dos watefronts, e são capazes de construir vantagens competitivas em níveis de escala e investimentos. (Chaline; Busquets,1997) A progressiva diversificação de gostos e dos consumos, a ascensão da classe média e das novas elites, o aumento de mobilidade aeroportuária, são alguns fatores que criam as condições necessárias para a emergência de novas formas de turismos, mais tematizadas e segmentadas como o “turismo cultural”. (Viegas; Branco; Grande,1997) As cidades e seus watefronts transformam-se nos cenários dos espetáculos, frequentemente aprovados como pretextos e motores de grandes projetos urbanos, como o caso de exposições mundiais, congressos, feiras internacionais, olimpíadas e etc. As cidades então adotaram esses acontecimentos combinando-os com atividades fixas e reguladoras dos fluxos do turismo, da informação e do capital; exemplos de projetos que se enquadram nesse novo panorama de competitividade no cenário turístico temático, do conhecimento especializado e da informação “tempo é dinheiro”, os projetos exportados do continente Americano e difundidos pelo mundo são: WorldTradeCenters, Pavilhões multiusos, Festivais do Markets, Parques tecnológicos, Marinas temáticas, Centro de conferências, Terminais Transatlânticos, e etc. Estes projectos passam a ser caracterizados pelo objetivoeconômico de recuperar as áreas portuárias degradadas e com isso atrair novas empresas. As intervenções urbanistas dão suporte as atividadeseconomicas, com as melhorias na mobilidade (transportes) e a recuperação e refuncionalização destas áreas. Os investimentos econômicos são direcionados a construção de parques imobiliários para empresas do setor terciário e para o uso residencial de luxo. O setor privado (mercado), através do financimanto privado, orienta os projetos e se torna um dos grandes produtores do espaço urbano 4. Os novos projetos de reconversão dos waterfronts (Anos 90/2000) Desde o inicio dos anos 50 com os projetos pioneiros norte-americanos até os dias atuais observamos que ocorreram diversas evoluções nos modelos e nas tendências de reconversão. Atualmente os projetos apresentam-se de uma forma cada vez mais diferenciada, se caracterizando entre a reprodução de objetos urbanísticos genéricos e a inserção de dinâmicas diferenciadas, o que nos remete a projetos com singularidades, desde as estratégias até a participação diversificada dos atores de financiamento, de gestão e inclusive das atividades atribuídas às áreas refuncionalizadas. Além disso, as operações atuais incorporam novas variáveis para se adaptar as novas conjunturas econômicas e as evoluções da sociedade. O padrão estético tende também a evoluir. Sieber (1999) “As novas estéticas ambientais e de planejamento estabelecem a água como um elemento central que, muitas vezes, serve de pano de fundo na paisagem urbana. Deste modo à redescoberta do valor paisagístico e ambiental dos watefronts é cada vez mais associada à possibilidade da aproximação da população à “água”, o que fez surgir num novo modelo de produção do espaço urbano contemporâneo, Nos últimos anos, as cidades têm desenvolvido estratégias de ordenamento territorial na base de um novo “olhar” sobre estes espaços, mais atento à paisagem e aos processos de sustentabilidade do território” Sieber (1999). Os atuais projetos urbanos em diversas cidades demonstram que a refuncionalização dos watefront é um “caminho” chave para interpretar a lógica sobre a qual se apoia a “reconstrução” destes espaços. As novas estratégias de competitividade dentro do fenómeno da globalização nas áreas portuárias também são exemplos claros dessas novas tendências, essas áreas se apresentam como os locais perfeitos para mediar espetáculos ou eventos ocasionais, que também lucram devido a sua centralidade e acessibilidade. As cidades, no entendo, incorporam essas possibilidades como uma justificativa para a elaboração dos grandes projetos de reconversões e para alavancar o seu planejamento estratégico, através de exposições mundiais, feiras internacionais, olimpíadas etc. Esta nova tendência para os modelos de reconversão foi iniciada com as feiras mundiais de Paris (1889) e Chicago (1893) e foi utilizado, por exemplo, em Barcelona cujos esforços de recuperação da área central foram incentivados pelos Jogos Olímpicos de 1992 e em Gênova, com a Exposição do Centenário de Colombo de 1992; o qual não gerou os impactos previstos nos esforços para a revitalização do watefront. De modo geral os novos projetos apresentam novas tendências e se diferenciam cada vez mais uns dos outros. Atualmente as intervenções urbanas alem de servir de suporte para as atividadeseconomicas (transporte e etc) passam agora a valorizar o patrimônioarquitetônico e usar novamente projetos ancoras (como museus, aquários e etc). Os investimentos econômicos se diversificam enormemente e há uma retormada da iniciativa pública aos projetos em parceria com o privado, originando em alguns casos, um financiamento misto, as chamadas parcerias público-privado (PPP) As operações de reconversão se tornam multifuncionais e estão mais ligadas ao entretenimento, cultura, eventos, atividades terciárias, turismo, etc. Sendo que vale ressaltar que entre os casos de reconversão dos watefronts, cada um deles possui características únicas, mesmo em projetos inspirados em outros já realizados e bem sucedidos, pois cada projeto é condicionado pela situação da própria cidade, seu dinamismo, sua situação política, a cultura e seu poder econômico, especificidades estas que estão cada vez mais incorporadas aos novos projetos. Figura 5- As principais pressões sobre a interface entre porto-cidade (anos 90 e 2000) Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011). 5. As operações de reconversão no Brasil No Brasil os projetos de intervenção urbana e de reconversão dos waterfronts tiveram inicio nos anos de 1990. O contexto político e econômico da década de 90 é marcado por uma intensificação da globalização e da reestruturação produtiva, com uma busca cada vez maior pela da articulação local/global para captar fluxos, o que acirra a competição entre as metrópoles. Outro marco desta década é a retomada do planejamento urbano pelas autoridades locais (descentralização) e a preocupação com o renascimento das áreas centrais. De acordo com Sanches “A década de 90 deve ser considerada como um marco geral, pois nessa década as cidades passaram a seguir uma tendência de mercantilização, na qual elas começam a se adaptar mais sistematicamente às exigências de um novo mercado (o mercado das cidades) que é extremamente competitivo, e os projetos de intervenção urbana na waterfront são utilizados como uma ferramenta para torná-las atrativas para a “venda”. Os governos locais se encontram focados a iniciativa de “vender” a mais “nova” mercadoria capitalista, a cidade; a esfera privada se mostra mais presente na elaboração destes projetos, principalmente através de empresas com interesses localizados” (Sanches, 2000). No Brasil o projeto pioneiro de intervenção urbana na waterfront ocorreu em Belém do Pará, sendo aprovado em 1992 e executado a partir de 1997, tendo sua inauguração em maio de 2000. Em Santos a iniciativa de intervenção ocorreu em 2006 fazendo parte dos planos de expansão e revitalização dentro do PDZ-2006, com parcerias entre portoprefeitura municipal e empresas-privadas. Sendo que o projeto só começou a ser implementado em 2008, tendo como ancora o projeto “Marina Porto de Santos”, que por sua magnitude de intervenção urbana na área portuária é tida como uma das principais propostas lançadas nacionalmente, capaz de produzir impactos significativos a curto, médio e longo prazo, tanto na economia, quanto na valorização histórico-cultural. No caso do waterfront carioca já tivermos vários projetos elaborados visando à revitalização urbana e reconversão desta área, no entanto muitos deles não tiveram muita visibilidade e nem sucesso e alguns não chegaram nem a serem executados. O atual projeto de revitalização urbana e reconversão do Porto do Rio de Janeiro foi lançado oficialmente em 2009, o projeto “Porto Maravilha”, que estabelece novas regras urbanísticas para a zona portuária, e tem como objetivo transformar um espaço funcional como o porto, em uma área de uso urbano comum, mantendo ainda suas atividades e o espaço local, com a preservação das construções históricas e embelezamento da cidade. 5.1 Estudos de casos (Belém, Santos e Rio de Janeiro) As cidades analisadas e suas interfaces passam por três momentos distintos no processo de evolução das relações entre cidade/porto. Por isso, os projetos de reconversão dos watefronts implantado nestas cidades se diferenciam em vários aspectos. O primeiro momento desse processo de evolução da relação entre cidade/porto é caracterizado pela fase de desenvolvimento do modelo primário exportador, de acordo com Monié e Vidal, esse modelo portuário brasileiro foi caracterizado pelo escoamento da produção referente aos ciclos econômicos (pau Brasil, açúcar, ouro e prata, etc.), os portos nessa fase seguiam a lógica de drenagem, de escoamento da produção da hinterlândia regional. O porto representava então uma extensão final da cadeia da produção, sendo a única porta para a exportação (Monié e Vidal, 2006). Sendo que com o esgotamento deste padrão, as atividades de negócios e comércios da interface dessas cidades (Belém, Santos e Rio de Janeiro) entram em declínio, em função também do próprio declínio dos ciclos econômicos, no caso da cidade de Belém o ciclo da borracha, das cidades do Rio de Janeiro e Santos principalmente o ciclo do café. O segundo momento é marcado pela fase de desenvolvimento industrial do país, neste momento a evolução da relação entre cidade e porto das três cidades analisadas começa a se diferenciar cada vez mais. No caso do Rio de Janeiro e de Belém temos mais similaridades. Os dois portos sofrem de diversas limitações operacionais e com o desenvolvimento industrial há um afastamento de uma grande parte dessas atividades portuárias, que aumentam em demanda, para zonas indústrias portuárias nos sítios extra-urbanos: Vila do Conde de Sepetiba/Itaguaí (Monié). No caso do porto de Santos, isso se diferencia, devido à grande proximidade com o “coração” industrial do Brasil (complexo industrial de Cubatão e o complexo industrial da grande São Paulo) durante o momento de desenvolvimento industrial, nos meados do século XX, observamos um desenvolvimento e uma extensão desta área portuária com a criação da Zona Industrial Portuária da Baixada Santista que, diferentemente das ZIPs de Belém, do Rio de Janeiro ou do Recife, está se localiza próximo ao porto urbano. Já no terceiro momento, as interfaces portuárias das três cidades evoluíram de forma extremamente diferenciada. Em Belém, temos um declínio do porto e uma degradação do centro histórico da cidade, o que provocou uma expansão das “friches sociales” (Labasse, 1966). Em Santos o desenvolvimento e a modernização do principal porto do Brasil e da América latina, grande porto industrial e principal pólo exportador de commodities do país, tendo 27% do trafego do comercio exterior (Agência Indusnet Fiesp), o que confere um peso econômico a atividade portuária que preserva a função do porto de comércio e limita as investidas da especulação imobiliária. No Rio de Janeiro este terceiro momento apresenta características complexas. A interface portuária passa por um momento de declínio e os bairros ao entorno sofrem um processo de degradação. No entanto, este porto continua a ter consideráveis importações, devido à pujança da bacia de consumo fluminense, - a segunda maior do país e ao dinamismo de alguns segmentos de mercado concentrados nos terminais na ponta do Caju (principalmente contêineres e veículos). Paralelamente temos nesta interface também os investimentos na cadeia de óleo e gás, no setor das telecomunicações e a organização de grandes eventos. Esses fatores criam novas pressões sobre a área portuária que deveria aos olhos do poder local funcionar como porta de entrada dos fluxos globais e como fronteira de investimentos imobiliários e públicos. O processo de evolução da relação entre cidade/porto nas cidades de Belém, Santos e Rio de Janeiro. 1) Belém Figura 7 - A evolução cidade/porto de Belém do Pará Crescimento da função industrial “Hinterlândia regional” Declínio da função comercial ZIP: Vila do Conde Exportação de commodities Cidade/ porto Corredores/ terminais Horizonte oceânico Interface cidade/porto Mutações do transporte marítimo Pressões sobre o espaço portuário Re-alocação do porto Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011) 2) Santos Figura 8 - A evolução cidade/porto de Santos Declínio e degradação dos portos urbanos/ extensão das “Friches sociales” Elaboração F.Monié/ Adaptado por V.Silva Horizonte terrestre Evolução das relações cidade/porto em Belém Evolução das relações cidade/porto em Santos ZIP Baixada Santista Horizonte oceânico Interface cidade/porto Declínio da função comercial Bacia de consumo paulista Cidade/ porto Corredores/ terminais contêineres Exportação de commodities Elaboração F.Monié/ Adaptado por V.Silva Horizonte terrestre Crescimento da função Industrial (hinterlandia regional) Corredores/ terminais commodities Mutações do transporte marítimo Pressões sobre o espaço portuário Desenvolvimento da área portuária/ poucas “Friches sociales” Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011) 3) Rio de Janeiro Figura 9 - A evolução cidade/porto do Rio de Janeiro Crescimento da função industrial (hinterlandia metropolitana e regional) ZIP: Itaguaí Horizonte oceânico Interface cidade/porto Declínio da função comercial Bacia de consumo fluminense Corredores/ terminais (Itaguaí, Açu, Angra) Cidade/ porto Caju Exportação de commodities minerais Centro Mutações do transporte marítimo Pressões sobre o espaço portuário Re-alocação de parte da atividade portuária Expansão das “Friches sociales” Elaboração F.Monié/ Adaptado por V. Silva Horizonte terrestre Evolução das relações cidade/porto no Rio de Janeiro Fonte: F.Monié/ adaptado por V.Silva (2011). Síntese dos Projetos (Belém, Santos e Rio de Janeiro) Quadro 1 - Projeto de Belém do Pará: “Estação das docas” Objetivos Características -Restaurar e requalificar a orla fluvial com a criação de um complexo de lazer e turismo -Padrão tecnocrático (com uma participação limitada da população) -Intervenção pontual -Valorização dos elementos naturais e culturais locais -Atração de visitantes locais e turistas para a área central Efeitos limitados sobre o bairro -Transferência da atividade portuária para cais vizinhos Efeitos socioespaciais Fonte: F.Monié e V.Silva (2011) Quadro 2 - Projeto de Santos: “Marina Porto de Santos e Porto Valongo” Objetivos Características Efeitos socioespaciais -Desenvolver os novos usos sem lesar as atividades portuárias: turismo e atividades empresariais Melhorar a mobilidade na cidade -Complexo Náutico e Empresarial -Reabilitação de prédios degradados -Novos espaços de consumo no centro histórico -Atração de investidores Fonte: F.Monié e V.Silva (2011). Quadro 3 - Projeto do Rio de Janeiro: “Porto Maravilha” Objetivos -Revitalizar a região portuária e reintegrá-la à cidade -Desenvolvimento econômico -Atender a demandas da sociedade Características Efeitos socioespaciais -Padrão tecnocrático: “Cidade modelo” Empreendimentos residenciais, comerciais e de lazer. -Articulação local-global -Financiamento misto -Coalisão de atores -Re-funcionalização da região portuária -Especulação imobiliária/Gentrificação -Conflitos de uso Fonte: F.Monié e V.Silva (2011). Analisando de forma sintética os projetos de acordo com seus objetivos e características, obtivemos algumas conclusões. No porto de Belém do Pará, o projeto “Estação das docas” é focado na reconversão urbana e da waterfront, inserindo nesse espaço novas funções, ligadas ao lazer, entretenimento, turismo e cultura. Nesse projeto há um detrimento da atividade portuária em relação às atividades urbanas, já que neste porto a atividade portuária é insignificante e até mesmo inexistente em alguns seguimentos. Já em Santos, o projeto “Marina Porto de Santos e Porto Valongo”, visa refuncionalizar a área central e portuária inserindo novas atividades e funções, sem que estas prejudiquem as atividades portuárias. No caso do porto de santos a atividade portuária é extremamente expressiva, sendo assim sua modernização é a prioridade. No caso do porto do Rio de Janeiro, o projeto “Porto Maravilha” tem como objetivo a reconversão urbana na waterfront, unindo às atividades portuárias as novas atividades turísticas, empresariais, residenciais, de lazer, cultura e comercio. Esse projeto visa reinserir o porto, que possui consideráveis importações e dinamismo em alguns seguimentos de mercado, á cidade que tem grande importância nacional, por entre outras razoes, está ser considerada uma das principais portas de entrada dos fluxos globais. De forma geral, concluímos que os projetos possuem diversas singularidades que são resultantes, em grande parte, do processo de evolução da relação cidadeporto de cada cidade e de suas características particulares. 6. O waterfront carioca (uma nova geração de projetos de reconversão dos waterfronts) O projeto de reconversão do waterfront da cidade do Rio de Janeiro, o porto maravilha, incorpora especificidades locais que se destacam de forma precisa e nos apresenta uma nova geração de projetos de reconversão. O porto do Rio de Janeiro já teve como foi mencionados anteriormente, diversos projetos de reconversão, sendo que a maioria não obteve destaque e nem sucesso, o que nos remete a uma pergunta central: Porque o projeto atual está conseguindo progresso e um destaque midiático tão grande? Antes de tentarmos responder a essa pergunta e mostrar as especificidades deste projeto e de que forma o contexto global e local se misturam e o influenciam, demonstraremos em uma tabela quais foram os objetivos dos projetos que antecederam o projeto Porto Maravilha, quem os elaborou e se eles chegaram ou não a serem executados. Tabela 1 - Os projetos elaborados de reconversão do Porto do Rio de Janeiro Projeto Elaboração Plano de Desenvolvimento Portuário (1987 /1996) Ministério dos Transportes e pela Portobrás – Empresa de Portos do Brasil S.A Plano de Estruturação Urbana da Zona Portuária (1992) Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente Projeto Cidade Oceânica do Rio de Janeiro (1994) Centro Internacional da Água e do Mar “Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária do Rio de Janeiro” (2001) Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro /IPP Objetivos Execução Expansão e revitalização da zona portuária Inicio da preocupação com o desenvolvimento da área central portuária Orientar os projetos de reconversão do Waterfront carioca Criação de um pólo de animação cultural e de intercâmbios no Porto, com a construção de centros comerciais, de serviço e de convenções. Promover a “re-inserção” dessa área no tecido urbano da cidade. Parcial Não foi executado Executado obras da Cidade do Samba e da Vila Olímpica da Gamboa e alguns armazéns que são utilizados como equipamento cultural Projeto Porto Maravilha (2009 – Projeto Atual) Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp) Transformar o porto em uma área de uso urbano comum (multifuncional), mantendo ainda as suas atividades e o espaço local, com a preservação das construções históricas e embelezamento da cidade. Em execução Fonte: Elaborada por V, Silva (Geoportos, 2012) A cidade do Rio de Janeiro se encontra atualmente em um momento propicio, onde vários fatores colaboram para a execução do projeto “Porto Maravilha”, anteriormente varias questões inviabilizaram os ouros projetos. A cidade passa por uma fase de euforia econômica, com grandes investimentos em tecnologia, informação e empreendimentos imobiliários, sendo eles residenciais, empresariais ou ligados à cultura e ao lazer (de diversos portes); alem disso a cidade busca se divulgar e inserir cada vez mais no cenário internacional, aumentando seu desenvolvimento econômico (com a atração de investimentos, turistas e eventos), com isso sua principal porta de entrada, o porto, passa a atrair olhares de todas as partes, o que resultou em uma maior preocupação com a área portuária nos últimos anos. Outra estratégia que também vem ajudando e muito à execução e promoção do projeto Porto Maravilha é o fato da cidade do Rio de Janeiro irá sediar os mega eventos (Copa do Mundo da FIFA em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016) estes eventos atuam como uma alavanca para o projeto. Contudo o fato que merece um grande destaque neste projeto, que não foi possível nos anteriores, é a coalizão das três esferas (o poder federal, estadual e municipal) em prol do Porto Maravilha, o que viabilizou a execução de vários objetivos deste. 6.1 O Projeto Porto Maravilha O projeto “Porto Maravilha” é influenciado por diversas dinâmicas e pela articulação destas, sendo elas homogenizadoras, relacionadas ao contexto global e as experiências internacionais de projetos de reconversão considerados bem sucedidos; e por dinâmicas locais, ligadas ao espaço local e seus atores, políticos, econômicos e sócio-espaciais. Muitas vezes está articulação entre o global e local coexiste de forma entrelaçada. No caso deste projeto isto é bastante característico. A tabela a seguir apresentada de forma sintética, quais dinâmicas são estas e de que forma elas podem tanto homogeneizar, quanto produzir objetos singulares aos projetos. Tabela 2 - As dinâmicas homogenizadoras e de diferenciação do projeto “Porto Maravilha” Fonte: Elaborada por V, Silva (Geoportos, 2012) 6.2 Estudo de caso do Projeto Porto Maravilha O caso do “Porto Maravilha” apresenta varias singularidades, mas a dinâmica de diferenciação do projeto que mais obteve destaque é o uso da cultura como uma estratégia econômica e de forma simultânea, como estratégia para amenizar conflitos, atendendo as demandas sócio-culturais da população. O uso da identidade cultural como uma estratégia de mercado, é algo que já vem sendo estudado, por autores como Chou e Andrade. Para estes autores: “Os projetos buscam fortalecer a identidade local como produto mercadológico, agregando valor ao produto turístico local. E dessa forma as intervenções têm transformado as paisagens urbanas de acordo com as demandas e características locais”. (Chou e Andrade, 2005) Segundo Arantes (2007) “a cultura surge como uma espécie de isca, capaz de atrair o investimento privado, subordinando, mesmo, o interesse público e promovendo a especulação, nomeadamente a imobiliária.” Essa nova dinâmica que dá origem a objetos urbanos singulares está relacionada à competição entre as cidades pelos fluxos, que resulta em uma busca constante para ampliar a capacidade produtiva e competitiva destas. A cultura se mostra um objeto local que dá singularidade aos projetos e isso se transforma em uma vantagem comparativa nessa competição. Para Vaz: “As reconversões urbanas em sítios de importância histórica fazem uso estratégico de recursos culturais para alcançar o desenvolvimento local, podendo estar associadas a políticas culturais, o que determina a manutenção deste plano” (Vaz, 2004). Para Chou: “... A utilização da cultura como instrumento de revitalização, faz parte de um processo bem mais vasto de utilização da cultura como instrumento econômico” (Chou e Andrade, 2005). No caso do Projeto Porto Maravilha identificamos objetivos claros e bem focados na preocupação com a cultura local. O projeto tem como objetivo: A preservação e valorização da memória e do patrimônio cultural, com medidas ligadas a produção e difusão de conhecimento sobre a memória da região; Recuperação e restauro do patrimônio artístico e arquitetônico e Exploração econômica do patrimônio material e imaterial. (http://portomaravilha.com.br). O projeto criou um Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana e deu início a uma serie de obras para restaurar o Centro Cultural José Bonifácio. O circuito é um conjunto de locais marcantes para a memória da cultura afrobrasileira que inclui o Cais do Valongo, os Jardins do Valongo, a Pedra do Sal, o Largo do Depósito e o Instituto Pretos Novos, além do Centro Cultural José Bonifácio. Esse roteiro está sendo elaborado em conjunto com representantes do movimento negro e vai destacar pontos históricos da memória da África na cidade. Estes pontos serão transformados em áreas de visitação com informações para estudantes, moradores, estudiosos e turistas. (portomaravilha.com.br/conteúdo/ccjb.aspx) Figura 10 - Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana. Fonte: (portomaravilha.com.br/conteúdo/ccjb.aspx). O Morro da Conceição, localizado no bairro da Saúde, que se encontra no entorno da área portuária, também está sendo utilizado pelo projeto “Porto Maravilha”, como um objeto de atração, com a criação de um circuito de visitação, através do projeto "O Morro e o MAR", no qual serão promovidos passeios, conduzidos por guias especializados, por diversos pontos considerados de interesse cultural no Morro, exatamente trinta e um pontos foram enumerados como pontos de interesses ligados a historia local. Figura 11 - Pontos de interesses ligados a historia local Fonte: (portomaravilha.com.br/conteúdo/ccjb.aspx). Figura 12 - Pontos de interesses ligados a historia local espacializados. Fonte: (portomaravilha.com.br/conteúdo/ccjb.aspx/CEDURP). O uso do morro como um objeto turístico e de cunho cultural é uma estratégia tanto usada para atrair uma maior demanda de visitantes, como também para amenizar os conflitos locais, ligadas a manifestações sócio-culturais. Sendo que muitas vezes essa estratégia gera novos conflitos, pois há diversos agentes com interesses muito divergentes atuando nesse processo de construção do espaço urbano. 7. Conclusões A análise realizada sobre o processo de difusão espacial das operações de reconversão dos waterfront no mundo mostra inicialmente que este processo caracteriza a difusão de três modelos de reconversão dos waterfronts. Inicialmente através dos projetos pioneiros da década de 60, temos um modelo de operações centradas na revitalização através de centros comerciais; Já as primeiras difusões destes projetos ocorreram na década de 70/80 para Europa, Canadá e Ásia, estas primeiras difusões começam a apresentar algumas diferenciações, sendo caracterizadas por operações neoliberais centradas nos investimentos em atividades terciárias (setor financeiro), no entanto nesta fase inicial de difusão, os projetos de um modo geral, são caracterizados por traços bastante padronizados, devido a influências dos projetos pioneiros. Os novos projetos de reconversão que se difundiram para América Latina e África, na década de 90 e anos 2000; Está nova fase de difusão foi o foco central desta pesquisa. Estes novos projetos são caracterizados por operações multifuncionais ligadas ao entretenimento, cultura, eventos, atividades terciárias e turismo. Na nova fase de difusão este processo de reconversão atinge um âmbito cada vez mais global, o que se traduz através de uma diferenciação crescente dos projetos, tanto local, regional quanto global. Isso foi muito perceptível ao analisar de modo especifico o caso do Brasil, com as experiências de reconversão nas cidades de Belém, Santos e Rio de Janeiro, vimos que estes projetos estão sendo realizados em cidades com portes, contextos econômicos, políticos e sociais diferentes, e que estas diferenças se manifestam nas especificidades por eles apresentadas. No caso especifico do waterfront Carioca a articulação entre as dinâmicas de homogenização e de diferenciação deu origem a um projeto bastante interessante para ser estudado. O projeto Porto Maravilha se insere no contexto da geração dos novos waterfronts, que como já foi dito anteriormente, incorpora cada vez maior das especificidades locais, e uma dessas especificidades que se faz muito evidente neste projeto foi o uso da identidade local (cultura), como um produto mercadológico, que se traduz em uma vantagem comparativa para atrair fluxos (capital, informação e pessoas) estando diretamente relacionada à ideia das “diferenças que atraem” e ao mesmo tempo relacionada à tentativa de amenizar os conflitos de uso (principalmente o caso das manifestações populares), sendo que consequentemente acaba criando-se outros conflitos e consequências sócio-espaciais. Em um projeto como o Porto Maravilha onde tantos agentes atuam de forma incisiva na produção desse espaço, é quase que impossível não ter a geração de diversos conflitos, já que estes atores têm interesses que em algumas vezes convergem e em outras são extremamente divergentes. 8. Bibliografia ANDRES L. 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