Boletim 03 - Escola Brasileira de Psicanálise

Transcrição

Boletim 03 - Escola Brasileira de Psicanálise
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X jornada da EBP-SC
Habeas corpus
O corpo que se tem, e o que escapa
Nº 03
Este Habeas Corpus traz na rubrica "Bússola" orientações preciosas do psicanalista José Fernando
Velásquez para os trabalhos da X Jornada da EBP-SC. Em entrevista concedida à Fernando Gómes sobre
o seminário que ministrou em Lima, Velásquez estabelece a diferenciação entre como o fantasma toma
o corpo e como o sinthoma toma o corpo. Estando fantasma e corpo na dimensão do ser; já quando o
corpo é tomado pelo sinthoma o que opera é a substância gozante, que condiciona o corpo a uma
repetição sem sentido. A Analista da Escola (AE) Gabriela Grinbaum, convidada da Jornada, nos ajuda a
refletir sobre o contemporâneo recolhido na clínica, ao sustentar que as patologias da atualidade estão,
de forma geral, ligadas ao que chama de “uma espécie de anorexia do desejo”. Avança sobre o real do
amor, o amor de transferência e o savoir y faire e restos sintomáticos na clínica do sinthoma. No
"Incorpora" somos capturados pelos "bodyscapes" de Antón Belovodchenko que trans-forma as formas de
um corpo através de suas fotografias. Em "SKPÔ", Fernanda Azevedo Turbat nos traz uma operação
clínica em que uma menina, cujo sintoma é a podridão, decide, em análise, "apreciar um queijo podre,
sozinha", surgindo aí um corpo falante. Temos o prazer de lançar, nesta edição, o "Concurso Clicks e
Traços", que tornará viva e interativa a participação dos interessados. Serão acolhidas fotografias e
poesias que retratam "O corpo que se tem, e o que escapa".
Carolina Maia Scofield
17/07/15.
F.
G.:
Boa
Fernando.
desenvolvimento
noite,
José
de
No
teu
diferença
destes
dois
momentos que marcastes no
seminário?
seminário ministrado aqui em
Lima teve uma primeira parte
Entrevista a José Fernando
Velásquez,
em
Lima,
por Fernando Gómez
em
vinculada ao fantasma e ao
corpo e uma segunda parte
intitulada o corpo e o
sinthoma.
Gostaria
de
perguntar: qual seria a
José Fernando: Bem, a
proposta de trabalho foi
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Habeas corpus nº 2
examinar a articulação que há
entre corpo e fantasma, como
o fantasma absorve ou toma o
corpo, diferenciando de como
o sinthoma toma o corpo.
Na primeira parte, na
articulação entre corpo e
fantasma, apoiávamos na
dimensão do ser, desse sujeito
que aparece na mesma fórmula
do fantasma, precisamente
como um sujeito representado
por um significante para um
outro significante, é uma
lógica onde há uma axiomática
que sempre conta com o dois,
o sujeito e o Outro. Aí o que
aparece é o Ideal, o desejo do
Outro, o simbólico tomando o
corpo, lhe dando toda a
dimensão de objeto de desejo
para o Outro. Na lógica
hegeliana,
estamos
trabalhando aí com um
inconsciente que é um
inconsciente intérprete, um
inconsciente que faz toda a
interpretação como, por
exemplo, no lapso, como no
ato falho. Tudo deriva em
poder pensar como as
diferentes estruturas fazem
lugar ao corpo, por exemplo,
na histeria esse corpo que é
tomado pela somatização de
experiências de desejo, que
estão bem documentadas em
toda a história da histeria à
partir de Freud, o mesmo no
obsessivo com a inibição, com
o afastamento da libido. Ou
também pudemos examinar as
diferentes maneiras em como
significante opera sozinho, sem
o sentido, sem o dois. O que
se diferencia então é a
dimensão onde o que funciona
e opera é a existência desse
Um do gozo, que convida ou
condiciona a que o corpo esteja
numa repetição, numa iteração
sem sentido, sem limite, sem
estar submetido à castração e à
o corpo pode chegar a suprir a
inconsistência do fantasma na
psicose. Na outra dimensão,
na dimensão do corpo tomado
pelo sinthoma, o que víamos é
lei do pai.
como o que ali opera é a
substância
gozante,
uma
substância que faz alusão ao
gozo do UM sozinho, um gozo
que é produzido pelo
significante (que) faz eco na
carne, e o que se produz ali é
um corpo numa dimensão
diferente, numa dimensão de
gozo que é diferente da
dimensão do sentido. Ali
estamos operando com o
inconsciente real, um corpo
constituído mais pelo buraco
do imaginário que pela
consistência do imaginário.
Estamos fazendo alusão ao eco
do dizer no corpo, onde o
F. G. : Aprofundando um
pouco no que acabas de expor,
haveria alguma diferença no
estatuto do objeto a no
fantasma e se poderíamos falar
também de um objeto a
vinculado ao sinthoma?
José Fernando: Sim, o objeto
na fórmula do fantasma é
aquilo que ancora a deriva
significante desse sujeito, é
aquilo que serve de bússola e
orienta o sujeito do desejo,
aquilo que aparece como causa
de desejo, como investimento
de desejo; na dimensão do
sinthoma, volto a repetir um
pouco o que disse há um
instante, o objeto que aparece
ali é o que esburaca o
imaginário, aquilo que tem
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Habeas corpus nº2
mais
relação
com
a
consistência do real. Aquilo
que faz extração de toda a
exposto?
F. G.: Muito obrigado, José,
pela entrevista, tem sido muito
bom conversar contigo, assim
como a tua presença em Lima.
Por isso são dois estatutos
diferentes, se no primeiro o
José Fernando: Sim, porque a
lógica do fantasma sempre está
orientada pelo falo, sempre
está orientada pelo lado macho
da lógica da sexuação;
objeto dá consistência ao
fantasma, no segundo o que
opera é mais o que faz buraco
no fantasma ou faz buraco no
enquanto a lógica do sinthoma
inclui o real, inclui a dimensão
daquilo que não tem uma
lógica para todos, não há um
imaginário.
a
universal, também não há um
emitida em 17 de Julho 2015
dimensão ali é precisamente
uma dimensão de objeto que
vem contradizer a lógica
hegeliana, como bem explicita
Miller no Ser e o Um, a lógica
limite, uma contabilidade, não
está a lógica fálica operando;
então é também reconhecer
que Lacan se introduziu em
todo este reconhecimento
na emissão numero 87 de
RadioLacan:http://www.radi
olacan.com/es/topic/624,
hegeliana do desejo do Outro
não opera nesta dimensão
real, do inconsciente real.
através
do
estudo
da
sexualidade
feminina,
sobretudo no Seminário 20 em
diante, é tentar localizar, por
exemplo, no nó Borromeano
algo desse gozo feminino para
reconhecê-lo como o Um do
gozo que é generalizável a
todo ser falante.
dimensão do imaginário.
Acho
que
F. G.: Poderias localizar
dentro desta lógica que acabas
de expor por último o
estatuto do gozo feminino, se
poderia se falar do gozo
feminino em relação ao
José
Fernando:
Meus
comprimentos para todos os
ouvintes de Rádio Lacan.
Referências:
Esta entrevista foi realizada e
Transcrição e tradução para o
português: Mariana Zelis
Resenha: Entrevista Gabriela
Grinbaum
(*)
CONVIDADOS ESPECIAIS:
Sérgio Laia, Analista Membro da Escola (EBP/AMP), proferirá dois seminários cujos títulos são:
1-Corpo, eco e dizer: inovação lacaniana do conceito de pulsão;
2-As dissonâncias corporais, e o Sinthoma.
Gabriela Grinbaum, Analista da Escola (EOL/AMP), nos brindará com o testemunho do seu passe.
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Habeas corpus nº 2
Esta é a transcrição de
uma entrevista realizada por
Ivan D`Antoni e Veronica
Castro
com
Gabriela
Grinbaum, Analista da Escola,
membro da EOL/AMP para
lacandigital.com.
A
entrevista
é
organizada em torno de quatro
eixos. O primeiro deles se
refere aos sintomas da
contemporaneidade
apresentados pelas crianças e
adolescentes que chegam a seu
consultório. Em relação a este
tema, Gabriela considera as
patologias da atualidade, de
forma geral, ligadas a uma
espécie de anorexia do desejo.
Tantos são os gadgets e
aparelhinhos que funcionam
como uma resposta imediata à
falta que não há mais lugar
para o desejo. Assim, o
sintoma
comum
entre
adolescentes e crianças se
traduz na falta de vontade para
tudo, e traz consigo o gozo
autista, a incapacidade de fazer
laço e, nesta série, também as
toxicomanias e a própria
anorexia.
lugar onde não há a falta,
como fica o amor em tempos
em que a quantidade de
objetos a disposição é tanta
que não deixa espaço para o
vazio que propiciaria o laço
amoroso. Para Gabriela a falta
é imprescindível para que se
possa amar.
O terceiro eixo, ainda
sobre o amor, mas (voltado)
agora
ao
amor
de
O segundo eixo da
entrevista transcorre ao redor
do tema sobre o real do amor,
como se pode amar de um
transferência, ao que acontece
com ele no final de análise,
uma vez que Sujeito Suposto
Saber é destituído deste lugar.
Segundo Gabriela, ao final de
uma análise pode-se encontrar
INCORPORA
uma nova forma de amar de
um lugar onde o real apareça
Numa espetacular mistura de contorção,
alto contraste e, ao menor toque de
sensualidade,
Anton
Belovodchenko
transforma um simples nu na mais bela
arte. O site 500px selecionou 31 desses
“bodyscapes” publicados pelo fotógrafo
em seu perfil do site. Para os
apreciadores do corpo, é fato que sob a
luz ou momento certo verdadeiras
paisagens podem se formar. Esta série
em preto e branco traz o corpo de uma
forma diferente, poética.
de forma mais suportável,
apareça de um lugar de vida.
O quarto eixo da
entrevista está relacionado ao
savoir y faire e aos restos
sintomáticos, e a clínica do
Sinthoma. Para Gabriela, esta
é a clínica onde não há a ideia
de cura, trata-se de saber fazer
com isso que resta, trata-se de
identificar o sintoma e o gozo
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X jornada da EBP-SC: O corpo que se tem, e o que escapa
nele localizado, buscando uma
forma singular de fazer com
que esse gozo seja menos
insuportável. Isto mostra uma
ética peculiar da psicanálise
que vê no sinthoma algo da
ordem da singularidade de
cada um, o que nos faz únicos.
Ela sabe que precisa tratar
disso, mas a repetição do
sintoma é justamente o que o
caracteriza como tal. Isso
persiste, insiste...
Nesta sessão, no entanto, ela
me adverte: “Esse queijo vou
em
http://lacandigital.com/proxi
mamente-entrevista-a-
comer sozinha. Franceses comem
queijo podre! E é bom demais!”
Por trás do podre há um
queijo a ser apreciado,
sozinha! Comer o frommage,
gabriela-grinbaum/ - tradução
para o português e resenha
que por ressonância escuta-se
Ge- Je (Eu)- é um ato do
realizadas por Silvia Ghizzo.
inconsciente, abrindo aí uma
fresta.
(*)Entrevista disponível
“SKPÔ”
Um
queijo
podre
a ser
apreciado, sozinha!
Um menina francesa chega
comendo queijo na sessão de
análise. Já anda há algum
tempo às voltas com seu
sintoma: a podridão. Um
Outro que a contamina e a
petrifica.
Ela guarda e carrega consigo a
podridão de sua história,
insuportável de digerir e
impossível de se separar dela.
Lacan inicia seu Seminário 16,
tratando da falta de garantia do
Outro, que ele mesmo
considerou como esmero, e o
embate entre o Je (Eu),
impronunciável. A verdade do
sujeito que não pode ser mais
buscada no Outro, ganha para
Lacan outra vertente, a
própria função do objeto a.
Começa a esboçar aqui uma
versão do falasser, a levar em
conta o gozo, incrustado no
Eu.
Comer
o
queijo
podre,
Habeas corpus nº03
condensa gozo, porém dando
uma outra versão ao objeto,
pode separar-se da podridão.
Não é mais devorada pelo
podre- pode apreciá-lo- e se
apropriar do corpo, vivo!
- Será que neste caso, o que
escapa do corpo advém com o
frommage – Je (Eu)? ... como
consequência da queda do
Outro podre?
Em todo caso, a mudança de
perspectiva opera para este
sujeito e é consoante a
mudança de perspectiva do
ensino de Lacan- do sujeito ao
falasser. De um sujeito,
mortificado pelo significante,
ao falasser vivo, que inclui o
corpo que goza, um “corpo
falante”, cujo estatuto nos
interessa
investigar
no
próximo encontro da EBP-SC.
Fernanda Azevedo Turbat
X jornada da EBP-SC: O corpo que se tem, e o que escapa
Habeas corpus nº03
CONCURSO CLICKS E TRAÇOS DO CORPO
A Escola Brasileira de Psicanálise de Santa Catarina lança um concurso de fotografias e
poesias para sua X Jornada. Convidamos cada um de vocês, seus amigos e possíveis interessados a
compartilharem conosco seus olhares e suas escritas que de alguma forma retratam e inscrevem “O
corpo que se tem, e o que escapa”. Segundo Lacan, em “A relação de objeto”( 1956-57:242), a
poesia “já comporta uma espécie de engajamento corporal”. Contamos com o que Miller chamou
“esforço de poesia” para que possamos ter nossos corpos tocados, atravessados por uma escrita. No
tempo em que se discute o “império das imagens”, não podemos deixar escapar o que os olhares atentos
capturam através das lentes de suas câmeras, telefones e tabletes. Nas imagens que apreciaremos, o
objeto olhar do fotógrafo será tão considerado quanto o objeto capturado por seu Click.
Serão duas categorias: Clicks para fotografias e Traços para poesias.
Os critérios de votação serão o nº de curtidas e nº de comentários suscitados pelas fotos e poesias
que serão publicadas no Facebook da EBP-SC.
A premiação:
Para a categoria “CLICKS”, as três fotografias mais curtidas e comentadas serão impressas e as
leiloaremos durante a Jornada. Os ganhadores receberão o valor arrematado por sua fotografia.
Para a categoria “TRAÇOS”, os três poemas ganhadores serão premiados com a declamação dos
mesmos durante a Jornada, a publicação deles na próxima edição da revista Arteira, bem como um
exemplar desta revista da Escola Brasileira de Psicanálise Seção Santa Catarina no lançamento de sua
nova edição.
Para concorrer com seus clicks e traços, basta enviar um e-mail para
[email protected], [email protected] e [email protected] com o assunto:
CLICKS ou TRAÇOS + NOME DA OBRA + NOME DO AUTOR/FOTÓGRAFO
Habeas corpus nº03
X jornada da EBP-SC: O corpo que se tem, e o que escapa
ANOTE AÍ.
13 e 14 de Novembro de 2015
Hotel Castelmar – Florianópolis
Inscrições: (48) 3222-2962
[email protected] / www.ebpsc.com.br
INSCRIÇÕES
ATÉ 30/08
ATÉ 10/11
ATÉ 13/11
VALORES
R$ 200.00
R$ 250,00
R$270,00
R$ 100,00
R$125,00
R$135,00
ESTUDANTES
graduação c/
comprovantes
Aqueles que desejarem apresentar trabalho na Jornada, deverão encaminhá-lo, para apreciação da
comissão científica, até o dia 17 de outubro. Os trabalhos deverão conter, no máximo, 15.000
caracteres (com espaço), fonte New Times Roman, espaçamento entre linhas de 1,5.
PORVIR...
Comissões da organização da Jornada
No próximo Habeas Corpus
Científica
–
Liège
Goulart
(coordenadora
[email protected]), Eneida Medeiros Santos, Louise
Lhullier, Oscar Reymundo
na
Secretaria e Tesouraria – Louise Lhullier (coordenadora
[email protected]), Cleci Mendonça (secretária)
de nosso convidado Sérgio Laia
Acolhimento
–
Vanina
Fiorentino
(coordenadora
[email protected]), Mariana Zelis, Monique Bez,
Hugo Rosenthal, Silvia Ghizzo, Rafael Cherobin
Teremos também uma lista de
Livraria–
Oscar
Reymundo
(coordenador
[email protected]), Edson Mohr (bibliotecário)
Divulgação
–
Leonardo
Scofield
(coordenador
[email protected]), Mônica Mello e Carolina Maia
Scofield
Diretora da X Jornada
([email protected])
–
Laureci
Nunes
rubrica
“Bússola”
contaremos com uma entrevista
que já nos coloca a trabalho.
“sugestões bibliográficas”
com
apetitosos
textos
de
referência para nos deliciarmos
na preparação para a Jornada.
Além disso, tuas contribuições
para o boletim são muito bemvindas.

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