BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY THE VAMPIRE SLAYER

Transcrição

BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY THE VAMPIRE SLAYER
REVISTA LUMEN ET VIRTUS
ISSN 2177-2789
VOL. VII
Nº 16 AGOSTO/2016
BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY
THE VAMPIRE SLAYER: O LADO
REPRIMIDO DE WILLOW
Isabelle Rodrigues de Mattos Costa1
http://lattes.cnpq.br/5968557418662653
75
RESUMO – A personagem Willow, da série televisiva Buffy The Vampire Slayer
(1997-2003) aparece nas primeiras temporadas como uma garota tímida e
indiscutivelmente heterossexual. Ao longo da série, no entanto, ela começa a praticar
bruxaria, o que parece desencadear determinados comportamentos nunca antes
mostrados – ela passa a se mostrar mais confiante e assertiva, e se envolve em
relacionamentos homossexuais. O objetivo deste trabalho é demonstrar de que maneira
o contato com a bruxaria faz com que Willow desenvolva aspectos até então reprimidos,
revelando um outro lado dessa mesma personagem.
PALAVRAS-CHAVE – bruxaria, dissociação, Willow Rosemberg, Buffy The Vampire
Slayer.
ABSTRACT – Willow, a character from the television series Buffy The Vampire Slayer
(1997-2003) is depicted in the first seasons as a shy and undoubtedly straight girl.
However, throughout the series she starts practicing magic, which seems to set in
motion certain behavior never shown before – she becomes more confident and
assertive, and gets involved in homosexual relationships. The purpose of this work is to
expose in what manner the contact with witchcraft makes Willow develop aspects that
had been repressed, revealing another side of this character.
KEYWORDS – witchcraft, dissociation, Willow Rosemberg, Buffy The Vampire
Slayer.
A apresentação da personagem
As primeiras temporadas de Buffy The Vampire Slayer (1997-2003) apresentam
Willow Rosemberg como uma garota extremamente insegura, que gagueja e se expressa
de maneira confusa. Além disso, é intelectual e muito “certinha”, temendo desrespeitar
1
Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Isabelle Rodrigues de Mattos Costa
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regras no geral. Por exemplo, quando tem a oportunidade de deixar os terrenos da escola
para almoçar, ela sente medo, pensando: “What if they changed the rule without telling?
What if they're lying in wait to arrest me a-and, and throw me in detention and mar my
unblemished record?”2 (WHEDON, temporada 3, episódio 3). Sua insegurança e timidez
atrapalhavam inclusive sua vida amorosa: no primeiro episódio da série, ela contara à
Buffy que:
WILLOW: I-I-I don't actually date a whole lot... lately.
BUFFY: Why not?
WILLOW: Well, when I'm with a boy I like, it's hard for me to say
anything cool, or, or witty, or at all. I-I can usually make a few vowel
sounds, and then I have to go away.3 (WHEDON, temporada 1,
episódio 1).
A personagem se mostra a princípio como indiscutivelmente heterossexual,
tendo sido apaixonada por seu amigo Xander há anos e mostrando-se ciumenta quando
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ele revela interesse amoroso por outras garotas. Apesar de sua aparente dificuldade de
relacionar-se com o sexo oposto, Willow se mostrava mais do que disposta em tentar.
Uma vez, ela acreditara estar trocando e-mails com um garoto (que na verdade era um
demônio), com quem se envolvera emocionalmente. Até onde ela sabia, “His name is
Malcolm Black, he's eighteen, he lives in Elmwood, which is about eighty miles from here, and
he likes me!”4 (WHEDON, temporada 1, episódio 8). Apreciando a atenção recebida, ela
não tenta disfarçar seus sentimentos:
WILLOW: You're having an expression.
BUFFY: I'm not. But if I was, it'd be saying, 'This just isn't like you.'
2
Todas as traduções deste trabalho são de minha autoria. O trecho correspondente na tradução é: “E se
mudaram a regra sem avisar? E se estiverem esperando para me prender e... e me dar uma detenção e
manchar meu histórico escolar?”.
3
“WILLOW: Na-na-na verdade eu não tive muitos encontros… ultimamente…
BUFFY: Por que não?
WILLOW: Bem, quando estou com um garoto de quem gosto, é difícil eu dizer algo legal, ou maneira, ou
dizer qualquer coisa. E-eu normalmente consigo fazer alguns sons e então preciso ir embora.”.
4
“O nome dele é Malcolm Black, ele tem dezoito anos, mora em Elmwood, que fica a cerca de 80 milhas
daqui, e ele gosta de mim”.
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WILLOW: Not like me to have a boyfriend?
BUFFY: He's boyfriendly?
WILLOW: I don't understand why you don't want me to have this. I
mean, boys don't chase me around all the time. I thought you'd be
happy for me.
BUFFY: I just want you to be sure. To meet him face to face. In
daylight, in a crowded place with some friends. Y'know, before you
become all... obsessive.
WILLOW: Malcolm and I really care about each other!5 (WHEDON,
temporada 1, episódio 8).
Ou seja, nas primeiras temporadas, Willow estava mais do que disposta a ter
relacionamentos heterossexuais: ela namorou um rapaz da sua escola, Oz, e inclusive o
traiu com Xander, com quem ainda se mostrava ciumenta, odiando vê-lo com outras
garotas. Durante as três primeiras temporadas, Durante essas temporadas, em momento
algum a personagem Willow demostrara interesse em garotas – fosse física ou
emocionalmente. No episódio em que um aluno que estava tirando fotos de garotas na
escola, ele avistara uma aluna bonita e comentara “Oh, look at those legs!”6 ao que Willow
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recusara sem interesse (WHEDON, temporada 2, episódio 2).
O lado reprimido de Willow
Timidez e insegurança são as principais características de Willow nas primeiras
temporadas, que também poderia ser considerada indefesa e “bonitinha” de um jeito
infantil: uma perfeita vítima. No entanto, no episódio “The Wish” (temporada 3,
episódio 9) conhecemos seu duplo: a Willow de uma realidade paralela, que, por acaso,
era uma vampira. Confiança, poder, um certo sadismo e sexualidade exacerbada
5
“WILLOW: A expressão no seu rosto está dizendo algo.
BUFFY: Não está. Mas se estivesse, estaria dizendo “isso não é do seu feitio”.
WILLOW: Não é do meu feitio ter um namorado?
BUFFY: Ele é seu namorado?
WILLOW: Não entendo porque você não quer que eu namore. Quero dizer, rapazes não vêm atrás de
mim o tempo todo. Pensei que você ficaria feliz por mim.
BUFFY: Só quero que você tenha certeza. Que o conheça cara a cara. Sob a luz do dia, num lugar
movimentado e com alguns amigos. Você sabe, antes de ficar tão... obcecada.
WILLOW: Malcolm e eu gostamos um do outro de verdade!”.
6
“Oh, veja só aquelas pernas”.
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(incluindo aí tendências homossexuais) são características mostradas pela Willowvampira, mas que pareciam estar latentes na personagem ortodoxa – características
reprimidas por Willow, que, na condição de vampira, teria sido capaz de abraçá-las,
libertando-se das amarras da repressão.
Por exemplo, quando Xander lança um feitiço de amor no episódio “Bewitched,
Bothered and Bewildered”, Willow tenta seduzi-lo e, quando ele tenta resistir aos
avanços dela, dizendo que não quer usar força, ela responde sorrindo que “Force is Ok”7
(WHEDON, temporada 2, episódio 16), revelando um prenúncio de sadismo.
A personagem insegura e sem envolvimento sexual apresentada nas primeiras
temporadas (antes de começar a praticar magia) parecia conscientemente reprimir sua
própria sexualidade com roupas largas, infantis ou cafonas. No episódio “Halloween”,
Willow não quer vestir-se de maneira sexy para o feriado, optando fantasiar-se de
fantasma e esconder seu corpo sob um grande lençol branco:
BUFFY: Okay, Will, can I give you a little friendly advice? [...] It's
just... you're never gonna get noticed if you keep hiding. You're
missing the whole point of Halloween.
WILLOW: Free candy?
BUFFY: It's come as you aren't night. The perfect chance for a girl to
get sexy and wild with no repercussions.
WILLOW: Oh, I don't get wild. Wild on me equals spaz.
Buffy: Don't underestimate yourself. You've got it in you.
[...]
WILLOW: But this just isn't me.
BUFFY: And that's the point. Halloween is the night that not you is
you, but not you. Y'know?8 (WHEDON, temporada 2, episódio 6).
78
7
“Tudo bem usar força”.
“BUFFY: Ok, Will, posso dar um conselho? [...] É que... nunca vão reparar em você se continuar se
escondendo. Você não está entendo o objetivo do Halloween.
WILLOW: Doces de graça?
BUFFY: É a noite para fingir que é outra pessoa. A chance perfeita para uma garota ficar sexy e selvagem
sem repercussões.
WILLOW: Oh, Eu não fico selvagem. Fico com cara de boba.
Buffy: Não se subestime. Você tem isso em você.
[...]
WILLOW: Mas simplesmente não sou assim.
BUFFY: E esse é o objetivo. Halloween é a noite em que você não é você, mas é você. Entende?”.
8
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Buffy sugere que Willow possui um lado sexy e selvagem, que ela nega
prontamente, mostrando-se desconfortável com aquela imagem. Segundo Buffy, esse
lado selvagem, que não era o lado dominante de Willow, poderia ser mostrado durante o
Halloween como uma fantasia, uma forma de atuação: a representação de um papel que
não correspondia à sua realidade. Buffy sugere que Willow é selvagem e ao mesmo
tempo não é, o que parece deixar a amiga desconfortável, afinal, ela ainda não estava
pronta para assumir e abraçar esse seu lado selvagem – o que só conseguiria
posteriormente, após tornar-se bruxa.
No entanto, esse seu lado selvagem parece existir em forma latente na
personagem. Com um olhar atento, podemos perceber alguns traços da sexualidade de
Willow querendo aflorar. Por exemplo, após Oz demostrar interesse romântico nela, e
ela retribuir, a demora de contato físico pareceu frustrá-la imensamente:
WILLOW: Nowhere. I mean, he said he was gonna wait until I was
ready, but I'm ready. Honest. I'm good to go here.
BUFFY: Well, I think it's nice that he's not just being an animal.
WILLOW: It is nice. He's great. We have a lot of fun. But I want
smoochies!
BUFFY: Have you dropped any hints?
WILLOW: I've dropped anvils.
BUFFY: Ah, he'll come around. What guy could resist your wily
Willow charms?
WILLOW: At last count, all of them. Maybe more.
BUFFY: Well, none of them know a thing. They all get an 'F' in
Willow.
WILLOW: But I want Oz to get an 'A', and, oh, one of those gold
stars.9 (WHEDON, temporada 2, episódio 15).
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9
“WILLOW: Nada ainda. Quero dizer, ele disse que esperaria até eu estar pronta, mas já estou.
Honestamente. Estou pronta para ir até o fim.
BUFFY: Ora, acho legal que ele não esteja se comportando como um animal.
WILLOW: É legal. Ele é ótimo. Nos divertimos muito. Mas eu quero dar uns beijos!
BUFFY: Você deu alguma dica?
WILLOW: Várias.
BUFFY: Ah, ele vai mudar de ideia. Que homem poderia resistir aos seus charmes?
WILLOW: Até onde eu saiba, todos eles.
BUFFY: Bom, eles não sabem de nada. Todos tiraram nota zero com a Willow
WILLOW: Mas quero que Oz tire um dez. Ah, e uma estrelinha dourada.”
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Após iniciar seus estudos em bruxaria, o afloramento dos aspectos reprimidos
vai se tornando cada vez mais perceptível. Por exemplo, no episódio “Go Fish”, ela se
mostra ansiosa por interrogar pessoas, mostrando-se quase sádica:
WILLOW: Jonathan! He was bullied by Dodd the other day on the
beach, remember?
BUFFY: He did say he could take care of things himself. It's a good
call. You should question him.
WILLOW: Really? Me? I'll crack him like an egg.10 (WHEDON,
temporada 2, episódio 20).
E posteriormente, no mesmo episódio:
BUFFY: I think we'd better find the rest of the swim team and lock
them up before they get in touch with their inner halibut.
GILES: Yes. Yes, good. Uh, we also need to know exactly what's in
this, this steroid gas so that the hospital's toxicology lab can develop an
antidote.
WILLOW: Well, I'll talk to Nurse Greenleigh.
BUFFY: You're really getting into this interrogation thing.
WILLOW: The trick is not to leave any marks.11 (WHEDON,
temporada 2, episódio 20).
80
Se considerarmos a figura da Willow-vampira, percebemos que da mesma forma
que o vampirismo teria sido capaz de “libertar” seu lado reprimido, a bruxaria também
teria esse efeito através de um processo contínuo, que o telespectador pôde acompanhar
ao longo das temporadas. Dito de outro modo, a Willow-vampira parece exagerada e
chocante por mostrar de maneira tão extremista os aspectos reprimidos de Willow que
10
“WILLOW: Jonathan! Dodd tirou sarro dele na praia no outro dia, se lembra?
BUFFY: Ele bem disse que ia cuidar das coisas ele mesmo… É uma boa ideia. Você deveria interroga-lo.
WILLOW: Sério? Eu? Vou quebrar ele ao meio como um ovo.”
11
“BUFFY: Acho melhor encontramos o restante do time de natação e trancar todos antes que se tornem
monstros.
GILES: Sim, boa ideia. Também precisamos saber exatamente do que é formado esse gás esteroide para
que o hospital posso desenvolver um antidoto.
WILLOW: Bom, vou falar com a enfermeira Greenleigh.
BUFFY: Você realmente pegou o jeito dessa coisa de interrogatório.
WILLOW: O segredo é não deixar marcas visíveis.”
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seriam desenvolvidos paulatinamente no seu processo de tornar-se bruxa. Se inicialmente
existiam dois lados dessa personagem, um lado essencialmente contido e outro
empoderado, sexy, selvagem, representados pelas figuras da intelectual das duas primeiras
temporadas e da Willow-vampira (o alter-ego da realidade paralela), o lado reprimido é
dissociado através da prática da bruxaria12, “libertando” a natureza selvagem da
personagem inicialmente contida.13
É interessante mencionar que quando a Willow-vampira aparece na série,
Willow já havia iniciado seus estudos de bruxaria, por isso talvez sua possível conversão
em vampira teria ressaltado tão intensamente os aspectos antes reprimidos – caso Willow
tivesse sido transformada em vampira num momento anterior, em que ainda não
praticasse bruxaria, talvez sua caracterização como vampira teria se dado de modo
diferente. Por exemplo, no episódio “Nightmares” (temporada 1, episódio 10), em que os
pesadelos das pessoas se mesclam à realidade, Buffy transformou-se em vampira, e, ao
contrário da Willow-vampira, não se mostrou nem sádica nem sexualizada – muito
81
menos homossexual – apenas insinuou que estava ficando com fome e talvez tivesse de
beber sangue.
De fato, se analisarmos com atenção o momento em que Willow confronta o
seu duplo, no episódio “Doppelganger”,
Willow is horrified to observe that “I'm so evil and . . . skanky! And I
think I'm kinda gay" [...] When Buffy assures her that one‖s ―vampire
self‖ has nothing to do with one‖s ―real‖ identity, Angel interrupts her
containment of this evil with a highly ambiguous: “Well, actually . . .”
12
Segundo a Wikipedia, dissociação é um estado de descompensação mental em que certos pensamentos,
emoções, sensações e/ou memórias são ocultados por serem muito chocantes para a mente consciente
integrar. Assim, a transformação de Willow em vampira trouxe à tona várias características antes
reprimidas de maneira quase violenta, ao invés da evolução paulatina que a prática de magia
proporcionava.
13
É importante frisar que não se trata aqui de uma tentativa de comprovar que a Willow-vampira é o
duplo da personagem em questão – fato que se mostra demasiado óbvio – mas sim de analisar de que
maneira a personagem vai assumindo aspectos que antes figuravam apenas em seu duplo, desse modo
tornando-se uma terceira entidade, nem uma nem outra, mas um misto das duas, a Willow-bruxa:
empoderada, mais sexualizada e assertiva.
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It is thus made clear that ―bad‖ Willow is shaped and informed by
―good‖ Willow, and vice versa14 (BATTIS, 2003, p. 3).
A personalidade da Willow-vampira choca a personagem, que parece acanhada
com os aspectos que ela reprimia em si mesma, mas que eram exibidos pelo seu duplo
sem qualquer constrangimento. É muito interessante analisar quando a personagem finge
ser na verdade seu duplo, posando como a Willow-vampira para enganar os outros
vampiros, pois ao assumir o lugar do seu duplo, Willow tem a possibilidade de expressar
seu descontentamento com sua maneira de ser: “She bothered me. She’s so weak and
accommodating. She’s always letting people walk all over her, and then she gets cranky with
her friends for no reason. I just couldn’t let her live.”15 (WHEDON, temporada 3, episódio
16). Ao analisarmos a opinião de Willow sobre ela mesma, percebemos que ela não se
orgulhava de seu modo subserviente de ser. Como afirma Caroline Ruddell, ela
[...] acknowledges her link with vampire Willow by admitting, in the
guise of vampire Willow, that Willow is “weak” and “accommodating”;
behaving as vampire Willow allows Willow to confront what she
considers the weaker and less confident aspects of her personality.16
(RUDDELL, 2006, p.3).
82
Ao confrontar seu duplo, que lhe mostrava como ela poderia ser diferente,
Willow parece ressentir-se, quase como se percebesse que na verdade ela almejava a
independência e o poder que experimentara no papel de vampira e que posteriormente
conseguiria através da magia. Para Winslade, por exemplo,
14
“Willow fica horrorizada ao descobrir que ―Sou tão má e... promíscua! E acho que sou meio gay‖ [...]
Quando Buffy a assegura de que o eu-vampírico de uma pessoa não tem nada a ver com a sua real
identidade, Angel a interrompe com um deveras ambíguo ―Na verdade...‖. Desse modo fica claro que a
Wilow ―má‖ é construída a partir da Willow “boa” e vice-versa.”
15
“Ela me incomodava. Ela é tão fraca e complacente. Sempre deixa os outros pisarem nela, e então fica
mal-humorada com os amigos sem motivo. Simplesmente não podia deixá-la viver.”
16
“[...] reconhece sua ligação com a Willow vampira ao admitir, disfarçada de vampira, que Willow é
“fraca” e “acomodada”; comportar-se como vampira permite que Willow confronte o que ela considera
serem os aspectos mais fracos e menos confiantes de sua personalidade.”
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[...] in the series of dream sequences that ended the fourth season
(“Restless”), we see from Willow‖s dream that the great secret that she
fears will be revealed is not that she has a same-sex romantic
relationship, or even that she‖s a witch, but that deep down she feels
that she is a nerd, a geekily dressed social outcast.17 (WINSLADE, 2001,
p.3).
A Willow de até então era muito reprimida e sabia disso. No início do episódio
“The Wish”, em que seria apresentada a Willow-vampira, ela confessara que “I wanna be
strong Willow”18 (WHEDON, temporada 3, episódio 9) ao invés de como realmente era.
Assim, ao confrontar seu duplo, ela tivera um vislumbre de como poderia ser, caso
conseguisse romper as barreiras de sua própria repressão.
A dissociação causada pela magia
Willow é uma personagem que gosta de estudar e aprender coisas novas – ela é
inteligente e tem orgulho disso. Assim, seu primeiro contato com a bruxaria se dá de
83
maneira acadêmica: quando ela substitui a falecida professora de informática que se
declarava uma tecnopagã19, Willow lê os materiais e planos de aula deixados por ela,
assim como os sites sobre paganismo e magia que a antiga professora consultava: “Well,
I've been going through her files and, and researching the black arts, for fun, or educational
fun [...]”20 (WHEDON, temporada 2, episódio 21). Para Willow, estudar bruxaria parece
tão natural quanto estudar matemática ou outra disciplina escolar, e talvez fosse sua sede
de conhecimento, ou uma tímida curiosidade, que a princípio a levara a investigar tal
assunto – embora na sexta temporada ela confesse que optou por trilhar o caminho a
magia justamente para tornar-se diferente de quem era:
17
“[...] na sequência de sonhos do final da quarta temporada (episódio “Restless”), percebemos através do
sonho da Willow que o grande segredo que ela teme ser revelado não é o fato de que ela esteja num
relacionamento homossexual, nem o fato de ela ser bruxa, mas a sensação de que no seu íntimo ela é uma
nerd, alguém socialmente rejeitada.”.
18
“Quero ser a Willow forte”.
19
Um ramo específico de neopaganismo.
20
“Bem, estive olhando os arquivos dela e estudando magia negra por diversão, ou por diversão
educacional [...]”.
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WILLOW: I don't know. The magic, I ... I thought I had it under
control, and then ... I didn't. […] But I mean ... if you could be ... you
know, plain old Willow or super Willow, who would you be? I guess
you don't actually have an option on the whole super thing.
BUFFY: Will, there's nothing wrong with you. You don't need magic
to be special.
WILLOW: Don't I? I mean, Buffy, who was I? Just... some girl. Tara
didn't even know that girl. […] I just... it took me away from myself, I
was... free.21 (WHEDON, temporada 6, episódio 10).
Além disso, se prestarmos atenção nas mudanças da vestimenta desta
personagem, percebemos a sua tentativa de abandonar a sua fase infantil e assexuada:
Willow, the faithful Wiccan companion, has shown dramatic shift in
dress and color to mark her movement from the child-savant technowiccan of high school to the earthy witch of college. The shift has not
come easily to her. From the first we have known that Willow has
body issues, preferring disguises that hide rather than heighten her
femininity […] Gone are the childlike references of episodes as late as
"Graduation Day" (3021) in which Willow dresses in nursery colors--a
fluffy pink sweater and carries, alternately, a handbag in the shape of a
shaggy blue stuffed toy and a round backpack in yellow plush with a
smiley face on it--that mark her immaturity […] As Willow uncovers
new complexities in her sexuality and magical practices, her clothes
take on earthy colors. Loose, feminine lines reminiscent of the sixties
“flower children” signal both her spirituality and her sexuality22
(BACON-SMITH, 2003, p.4).
84
21
“WILLOW: Não sei. A magia, eu… eu pensei que consegui-a controla-la, mas então... não consegui. […]
Quero dizer… se você pudesse escolher entre ser a velha Willow sem graça ou a super Willow, quem você
seria? Se bem que acho que você não tem essa escolha.
BUFFY: Will, não tem nada errado com você. Você não precisa de magia para ser especial.
WILLOW: Não preciso? Quero dizer, Buffy, quem eu era? Apenas… uma garota. Tara nem ao menos
conhecia aquela garota. […] Eu só... a magia me afastou de mim mesma, eu fiquei... livre.”
22
“Willow, a personagem Wiccana, demonstrou uma mudança dramática em seu modo de vestir para
marcar a mudança da sua fase infantil para a bruxa da faculdade. Tal mudança não foi fácil. No primeiro
momento que conhecemos Willow, percebemos que ela tem problemas com seu corpo, preferindo
disfarçar sua feminilidade em vez de realçá-la. […] Já se foram as referências infantis de episódios como
"Graduation Day" (3021) em que Willow se vestia com tons pastéis – um suéter rosa e felpudo, carregando
às vezes uma bolsa em formato de brinquedo e uma mochila amarela com estampa de smile – o que marca
sua imaturidade. [...] Conforme Willow descobre novas complexidades em sua sexualidade e prática
mágica, suas roupas adquirem cores terrosas. Cortes femininos e folgados reminiscentes dos hippies dos
anos sessenta indicam tanto sua espiritualidade quanto sexualidade.”
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Como ela mesma repara no episódio “The Body", a maioria das roupas no
armário de Willow parecem bem infantis, o que a deixa indignada pois não consegue
decidir o que vestir para o funeral da mãe de Buffy: “Why do so many of my shirts have
stupid things on them? Can't I dress like a grown up, can't I be… be a grown up…”23
(WHEDON, temporada 5, episódio 16). É como se Willow, conscientemente, quisesse
se afastar daquela figura introspectiva e infantil e transformar-se numa mulher poderosa
e sexy, alterando sua identidade: “[...] the development of the Willow character has relied
heavily on the use of both kinds of magic as a way to define and take charge of her initially
unstable identity”24. (LAWTON, 2001, p.1).
Quando Willow se mostra disposta a realizar um ritual para restituir a alma do
vampiro Angel, Giles a alerta de que "[...] channeling... such potent magicks through
yourself, it could open a door that you may not be able to close”25 (WHEDON, temporada 2,
episódio 21), embora não ficasse explícito “qual” porta seria aberta: a porta que prendia o
lado reprimido de Willow, libertando-a assim das amarras de suas repressões?
85
Posteriormente, ao relatar suas experiências mágicas à Buffy, podemos perceber que a
própria Willow percebe um aspecto dissociativo na prática da magia:
WILLOW: I mean, I'm not a full-fledged witch. That takes years. I
just did a couple pagan blessings and . . . a teeny glamour to hide a zit.
BUFFY: Does it scare you?
WILLOW: It has. I tried to communicate with the spirit world, and I
so wasn't ready for that. It's like being pulled apart inside. Plus I
blew the power for our whole block. Big scare.26 (WHEDON,
temporada 3, episódio 2).
23
"Por que a maioria das minhas blusas tem estampas idiotas? Não posso me vestir como uma adulta? Não
posso... não posso ser uma adulta?”
24
“[...] o desenvolvimento da personagem Willow se apoiou pesadamente no seu uso dos dois tipos de
magia [boa e má] como maneira de definir e controlar sua identidade inicialmente instável.”
25
“[...] canalizar magias tão potentes através de você pode abrir uma porta que você não será capaz de
fechar”.
26
“WILLOW: Quero dizer, não sou uma bruxa completamente desenvolvida. Isso demora anos. Só fiz
algumas bênçãos pagãs e... um pequeno feitiço para esconder uma espinha.
BUFFY: Isso te assusta?
WILLOW: Assusta. Tentei me comunicar com o mundo espiritual, e não estava nada preparada para isso.
É como ser dividida ao meio por dentro. Além disso, causei um blecaute no quarteirão inteiro.
Assustador.”
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Outra coisa que podemos perceber no seu discurso é que ela ainda não estava
preparada para grandes magias (nem grandes mudanças), pois estava ainda no início de
seus estudos mágicos. A libertação se daria a pequenos passos, lenta, porém
continuamente. O progresso na magia desencadearia a libertação daquilo que até então
era reprimido. Essa libertação, ou dissociação, também transparece no episódio “Bad
Girls”, em que Buffy está narrando sensações semelhantes, e Willow demonstra saber
exatamente ao que ela está se referindo:
BUFFY: It was intense. It was like I just... let go and became this force.
I just didn't care anymore.
WILLOW: Yeah, I know what that's like.27 (WHEDON, temporada 3,
episódio 14).
E, no episódio seguinte, Willow assume possuir um lado mais obscuro do que o
comum:
86
WILLOW: But, see, it's that exact thing that-that's just ticking me off!
It's this whole 'Slayers only' attitude. I mean, since when wouldn't I
understand? You, you talk to me about everything. I-it's like all of a
sudden I-I'm not cool enough for you because I can't kill things with
my bare hands. Oh! Oh, Buffy! Don't cry. I'm sorry. I-I was too hard
on you. Sometimes I unleash. I-I don't know my own strength. I-iit's bad. I-I-I'm bad. I'm a bad, bad, bad person.28 (WHEDON,
temporada 3, episódio 15).
Esse diálogo é revelador porque aqui ela reconhece que nem sempre consegue
reprimir seus sentimentos, pois às vezes eles escapam de seu controle. O final da terceira
27
“BUFFY: Foi intenso. Foi como se eu só… me soltasse e me tornasse essa força. Eu não me importava
mais.
WILLOW: É, sei bem como é.”
28
“WILLOW: Mas, veja, é exatamente isso que… que está me irritando! É essa atitude de caçadora de
vampiros. Quero dizer, desde quando eu não consigo entender? Você… você pode falar comigo sobre
tudo. É como se de repente eu não fosse mais legal o suficiente para você porque não posso matar com
minhas próprias mãos. Oh! Oh, Buffy! Não chore. Sinto muito. E-eu fui muito dura com você. Às vezes
eu me descontrolo. Não conheço mi-minha própria força. É-é-é ruim. E-eu sou má. Sou uma pessoa muito
má.”
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temporada dessa forma vai deixando várias pistas quanto ao iminente futuro dessa
personagem. O episódio seguinte, “Doppelgängland”, como que num avançar contínuo,
revela um lado mais rebelde de Willow, que se mostra incomodada ao perceber que
todos a consideram previsível e confiável, pois sabem que ela se comportará sempre da
maneira certa. Revoltada, ela decide comer uma banana fora do horário do almoço
apenas para quebrar uma regra e, ressentida, ela explode ao ser chamada de confiável:
XANDER: Willow, did you remember to tape Biography last Friday?
WILLOW: Uh-huh.
BUFFY: See, I told you. Old Reliable.
WILLOW: Oh, thanks.
BUFFY: What?
WILLOW: 'Old Reliable'? Yeah, great. There's a sexy nickname.
BUFFY: Well, I-I didn't mean it as...
WILLOW: No, it's fine. I'm 'Old Reliable'.
[...]
BUFFY: Will, I-I didn't mean it as a bad thing. I-I think it's good to be
reliable.
WILLOW: Well, maybe I don't wanna be reliable all the time. Maybe
I'm not just some doormat person. Homework Gal.
XANDER: I'm thinking nerve strike.
WILLOW: Maybe I'll change my look! Or cut class. You don't know.
WILLOW: And I'm eating this banana. Lunchtime be damned!29
(WHEDON, temporada 3, episódio 16).
87
29
“XANDER: Willow, você se lembra de gravar aquele programa de televisão semana passada?
WILLOW: Aham.
BUFFY: Viu, eu disse. Ela é a responsável.
WILLOW: Nossa, obrigada.
BUFFY: O quê?
WILLOW: 'A responsável'? É, ótimo. Esse é um apelido muito sexy.
BUFFY: Bom, eu não quis dizer que...
WILLOW: Não, tudo bem. Eu sou a responsável.
[...]
BUFFY: Will, não era para ser algo ofensivo. Acho que é uma coisa boa ser responsável.
WILLOW: Bom, talvez eu não queira ser responsável o tempo todo. Talvez eu não seja uma pessoa de
quem se aproveitam. A garota que faz os trabalhos de casa.
XANDER: Acho que ela está tendo um colapso nervoso.
WILLOW: Talvez eu mude minha aparência! Ou falte a aula. Vocês não sabem.
WILLOW: E vou comer esta banana. Dane-se a hora do almoço!”.
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Desejando fazer algo perigoso, ela se une à Anya, um demônio especializado em
vingança, para realizar um ritual que acaba trazendo o duplo de Willow para sua própria
realidade, de modo que as duas Willows passam a coexistir em Sunnydale, tendo suas
personalidades contrastadas de maneira mais enfática. É interessante perceber que
Willow a chama de my evil self e the other me (respectivamente “meu eu malvado” e “a
outra eu”), reconhecendo que o duplo representa um lado oposto à sua personalidade
atual, com características que ela até então não desenvolvera.
Para Lisa Vetere, “[...] her mastery of magic and witchcraft becomes one of the
main ways in which Willow develops self-confidence […]”30 (VETERE, 2013, p. 80-81).
Além da mudança perceptível em sua personalidade, também percebem-se mudanças no
seu uso da linguagem quando alguma magia estava envolvida:
Willow‖s use of magical speech differs dramatically from her usual
hesitancy in speech. While Willow is often hesitant in conversation, by
contrast, her use of magical speech is fluid and confident; in fact, many
of her spells are performed in arcane languages.31 (RUDDELL, 2006,
p.04).
88
Homossexualidade
A homossexualidade de Willow afloriu quase naturalmente com o avanço de sua
prática mágica. Na quarta temporada, após seu namorado Oz tê-la deixado, Willow
participou de um grupo de Wicca na faculdade, onde conheceu Tara, sua futura
namorada. O progresso de sua prática mágica e a aproximação com Tara ocorreram
simultaneamente, pois elas se encontravam frequentemente para realizar feitiços juntas:
In one of their early spell casting scenes, Tara looks at Willow with
deep, imploring eyes, asking her what they‖ll be doing, and we know
30
“[...] seu domínio sobre magia e bruxaria se torna uma das maneiras pelas quais Willow desenvolve
autoconfiança […]”.
31
“O uso da linguagem por Willow quando ela pratica magia difere dramaticamente do seu habitual
discurso hesitante. Enquanto Willow geralmente hesita quando conversa, quando ela dá comandos
mágicos seu discurso é o oposto, fluido e confiante; de fato, muitos dos seus feitiços são ditos em línguas
antigas.”
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the question isn‖t limited to just magic. They speak of experimenting,
and at this point, Whedon makes it clear that magical experimentation
is a close metaphor for sexual experimentation.32 (WINSLADE, 2001,
p.4).
Ao acompanhar o desenrolar da série, percebemos que fora a prática da magia o
que levara Willow a desenvolver seu lado homossexual, ideia reforçada pelo fato de sua
namorada, Tara, também ser bruxa. Várias de suas magias envolvem contato corporal,
devendo tara e Willow segurarem as mãos uma da outra como forma de compartilharem
a magia. Como afirma Battis,
Willow‖s relationship with her power is visceral and emotional. Magic
brings her closer to Tara, and closer to what she believes is an authentic
identity. It becomes for her [...] a unity of sexual and elemental power
[...] so does Willow use magic to experience heightened forms of
physical intimacy with Tara. Magic is not merely conflated with
sexuality in the show, but contiguous with it, emerging from the same
organic drives.33 (BATTIS, 2003, p. 4).
89
Desse modo, a magia e o erotismo estavam intimamente ligados, pois o
desenvolvimento da homossexualidade de Willow estava intrinsicamente ligado ao seu
desenvolvimento mágico, de modo que não podemos deixar de ligar uma experiência à
outra, uma vez que a relação afetiva de Tara e Willow se baseava principalmente na
prática de bruxaria:
Willow and Tara maintain their identity as witches together through
intimate trust in using magic together (magic seemed to hint at sex
32
“Em uma de suas primeiras cenas praticando magia, Tara olha profundamente para Willow como se
implorasse com os olhos, perguntando o que farão em seguida, e sabemos que a resposta não se limita à
magia. Estão falando sobre experimentações, e, nesse momento, Whedon deixa claro que a experimentação
mágica é uma metáfora para a experimentação sexual.”
33
“O relacionamento de Willow com seu poder é visceral e emocional. A magia a aproxima de Tara e do
que ela acredita ser uma identidade autêntica. Torna-se para ela [...] uma unidade de poder sexual e
elemental
[...] então Willow utiliza magia para experimentar formas intensificadas de intimidade física com Tara.
No programa, a magia não é meramente equiparada à sexualidade, mas ambos são contíguos, emergindo
dos mesmos impulsos orgânicos.”
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between Willow and Tara early on in their relationship). For example,
in the episode, “Who Are You?” (4016), Willow and Tara perform a
spell together to find out if Buffy is in Faith‖s body and vice versa. The
spell hints at orgasmic pleasure between the two witches, figured
through the performance of magic.34 (RUDDELL, 2006, p.17).
O relacionamento com Tara foi essencial para o desenvolvimento de Willow
não apenas no campo da magia, mas também em outros aspectos: com Tara, Willow
sentia-se mais confiante, e não a intelectual introspectiva que era na primeira temporada:
“It would therefore follow that, without Tara, Willow feels that she has no “meaning.” [...]
Willow often appears to be unsure of herself, and it is only in the presence of Tara that
Willow appears more confident”35 (RUDDELL, 2006, p. 11). Desse modo, quando estava
com Tara, Willow sentia-se apreciada, respaldada, e portanto sentia que era mais do que
costumava ser – percebemos aí um sinal da dissociação do seu lado reprimido. Tara
ofereceu-lhe a oportunidade de desenvolver uma nova identidade, reafirmando-se como
bruxa, deixando-a mais confiante. Na sexta temporada, Willow confessara que “[...] the
90
only thing I had going for me ... were the moments—just moments—when Tara would look at
me and I was wonderful.”36 (WHEDON, temporada 6, episódio 21).
O senso de identidade de Willow, que era tão frágil nas primeiras temporadas,
só vai se fortalecer com o uso da magia – que ela praticava junto de Tara. Ao mesmo
tempo, ao mostrar admiração por Willow e seu talento mágico, Tara validava a
identidade de Willow como bruxa, e desse modo Tara “[...] helps Willow to secure a more
stable identity through magic”37 (RUDDELL, 2006, p. 10). A morte de Tara então foi um
baque muito grande, como se Willow perdesse sua identidade (pois era Tara quem a
34
“Willow e Tara mantêm sua identidade como bruxas através de sua confiança ao praticarem magia juntas
(sendo que praticar magia parece significar o mesmo que praticar sexo entre Willow e Tara no início de
seu relacionamento). Por exemplo, no episódio “Who Are You?” (4016), Willow e Tara lançam um feitiço
juntas para descobrir se Buffy e Faith trocaram de corpo. O feitiço sugere que as duas bruxas sentem um
prazer orgástico juntas através da magia.”
35
“O que parece acontecer é que, sem Tara, Willow sente que sua existência não tem mais sentido [...]
Willow frequentemente parece insegura, sendo apenas na presença de Tara que Willow parece se tornar
mais confiante.”
36
“[...] a melhor coisa que me acontecia… eram os momentos — apenas momentos — em que Tara olhava
para mim e eu era maravilhosa.”
37
“[...] ajuda Willow a conseguir uma identidade mais estável através da magia”.
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validava), e literalmente se transforma em outra pessoa: uma bruxa perversa com sede de
vingança. Do ponto de vista da Psicologia, a morte de sua companheira teria sido um
evento tão traumático que, como consequência, causou uma profunda dissociação dos
aspectos que estavam sendo desenvolvidos pela bruxaria, de certo modo “separando” a
Willow introspectiva de seu alter-ego, que chamaremos aqui de “Dark Willow”, pois ela
não espelha completamente a Willow-vampira, já que se trata de uma bruxa má.
Quando o lado selvagem de Willow vem à tona
Na constituição da personalidade de Willow, a unidade apenas aparente do “eu”
sofre perturbações com o evento traumático da morte de Tara, o que desencadeia uma
transformação em Willow, trazendo à tona uma camada de sua personalidade muito
parecida com a de seu duplo, a Willow-vampira.
Pierre Janet (1859-1947) foi um psicólogo francês que contribuiu para o estudo
moderno das desordens mentais e emocionais. Segundo sua teoria, quando o indivíduo
91
sofre uma dissociação,
[...] a personalidade perde sua coesão interna e certos aspectos passariam
a funcionar de maneira autônoma e separada do restante do psiquismo.
Fenômenos como [...] desdobramentos do eu seriam decorrentes desse
fracasso na capacidade de síntese do psiquismo, rompendo-se a
arquitetura intrapsíquica habitual e permitindo a emergência de uma
atividade mental ordinariamente inconsciente, ou, mais precisamente,
tratar-se-ia do aparecimento de certas formas de consciência que
normalmente deveriam permanecer subjacentes à consciência normal,
como uma espécie de pano de fundo imperceptível. São o traumatismo
e a fraqueza herdada da capacidade de síntese psíquica os fatores que
permitiram que tais elementos mentais passassem a ocupar um papel tão
proeminente nos estados psicopatológicos (PEREIRA, 2009, p. 305).
De acordo com essa teoria, em condições normais, as formas inferiores da vida
mental encontram-se presentes no indivíduo, embora submetidas ao controle de sua livre
vontade, mas em condições mórbidas, a capacidade de submeter esses elementos a um
funcionamento unitário do eu é enfraquecida, resultando em uma clivagem da
personalidade, com dissociação da consciência e manifestação automática daquelas
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formas primitivas do funcionamento mental. Assim, o enfraquecimento da capacidade
de síntese expõe o eu a ser passivamente invadido por elementos mentais que deveriam
manter-se afastados e submetidos ao restante do psiquismo.
Quando a Dark Willow toma o controle, percebemos que a relação entre a
personalidade assumida por Willow e a linguagem por ela utilizada é muito íntima, pois
enquanto introspectiva, Willow gaguejava muito e usava elipses; em contrapartida, a
Willow-vampira e a Dark Willow se mostram mais confiantes, assumindo um discurso
mais direto e assertivo, sem gaguejar.
Da mesma maneira que a Willow-vampira oferecia uma possibilidade para
Willow expressar seu descontentamento com sua maneira introspectiva de ser, a Dark
Willow também parece rejeitar seu antigo modo de ser: “Let me tell you something about
Willow. She’s a loser. And she always has been. People picked on Willow in junior high
school, high school, up until college. With her stupid mousy ways.”38 (WHEDON,
temporada 6, episódio 21).
A série sugere que a Dark Willow não se trata propriamente da Willow, mas
92
sim de uma parte dissociada, quase que outra pessoa, uma espécie de personalidade
independente originada da Willow original:
GILES: Well, the coven is working on a ... way to extract her powers
without ... killing her. And, uh, should she survive, you ought to
know, Buffy, that there's no guarantee she'll ... be as she was. Willow
has killed a human being. How will she be able to live with herself?
WILLOW: I wouldn't worry about that. Willow doesn't live here
anymore.39 (WHEDON, temporada 6, episódio 22).
Essa fala sugere não apenas que a Dark Willow não é exatamente a Willow, mas
ainda que a outra sequer estava presente no seu corpo ou consciência; pelo menos
38
“Deixe-me contar algo sobre Willow. Ela é uma perdedora. E sempre foi. Todos tiravam sarro dela na
escola e na faculdade. Com seu estúpido jeito tímido e quieto.”
39
“GILES: Bem, o coven está trabalhando em um… modo de extrair os poderes dela sem… matá-la. E, ah,
caso ela sobreviva, Buffy, você deveria saber que não há garantias de que ela... será como era. Willow
matou um ser humano. Como ela será capaz de viver com ela mesma?
WILLOW: Não me preocuparia com isso. Willow não mora mais aqui.”
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naquele momento as duas Willows estavam completamente dissociadas, a primeira tendo
sido substituída pelo lado selvagem.
As mudanças que a magia desencadeia em Willow parecem ser a razão que a
levou a praticar magia, pois ela buscava justamente modificar quem ela era, distanciar-se
de sua personalidade original, desdobrando seu lado reprimido e tornando-se diferente de
quem costumava ser. Em suas próprias palavras, ela desejava deixar de ser “apenas a
Willow” e tornar-se uma super-Willow. Assim, o estudo e a prática de magia dissociam o
lado reprimido de Willow – processo que se acelera com o relacionamento com Tara,
que na condição de bruxa, incentivara a magia de Willow além de validar sua identidade
como companheira homoafetiva – processos que, de acordo com o programa, parecem
interligados, pois a construção de sua identidade estava intimamente ligada à sua busca de
empoderamento através do envolvimento com a magia, pois esta oferecia a oportunidade
para Willow adquirir características e poderes que não possuía nas primeiras temporadas.
93
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