BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY THE VAMPIRE SLAYER
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BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY THE VAMPIRE SLAYER
REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 BRUXARIA E DISSOCIAÇÃO EM BUFFY THE VAMPIRE SLAYER: O LADO REPRIMIDO DE WILLOW Isabelle Rodrigues de Mattos Costa1 http://lattes.cnpq.br/5968557418662653 75 RESUMO – A personagem Willow, da série televisiva Buffy The Vampire Slayer (1997-2003) aparece nas primeiras temporadas como uma garota tímida e indiscutivelmente heterossexual. Ao longo da série, no entanto, ela começa a praticar bruxaria, o que parece desencadear determinados comportamentos nunca antes mostrados – ela passa a se mostrar mais confiante e assertiva, e se envolve em relacionamentos homossexuais. O objetivo deste trabalho é demonstrar de que maneira o contato com a bruxaria faz com que Willow desenvolva aspectos até então reprimidos, revelando um outro lado dessa mesma personagem. PALAVRAS-CHAVE – bruxaria, dissociação, Willow Rosemberg, Buffy The Vampire Slayer. ABSTRACT – Willow, a character from the television series Buffy The Vampire Slayer (1997-2003) is depicted in the first seasons as a shy and undoubtedly straight girl. However, throughout the series she starts practicing magic, which seems to set in motion certain behavior never shown before – she becomes more confident and assertive, and gets involved in homosexual relationships. The purpose of this work is to expose in what manner the contact with witchcraft makes Willow develop aspects that had been repressed, revealing another side of this character. KEYWORDS – witchcraft, dissociation, Willow Rosemberg, Buffy The Vampire Slayer. A apresentação da personagem As primeiras temporadas de Buffy The Vampire Slayer (1997-2003) apresentam Willow Rosemberg como uma garota extremamente insegura, que gagueja e se expressa de maneira confusa. Além disso, é intelectual e muito “certinha”, temendo desrespeitar 1 Mestre em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 regras no geral. Por exemplo, quando tem a oportunidade de deixar os terrenos da escola para almoçar, ela sente medo, pensando: “What if they changed the rule without telling? What if they're lying in wait to arrest me a-and, and throw me in detention and mar my unblemished record?”2 (WHEDON, temporada 3, episódio 3). Sua insegurança e timidez atrapalhavam inclusive sua vida amorosa: no primeiro episódio da série, ela contara à Buffy que: WILLOW: I-I-I don't actually date a whole lot... lately. BUFFY: Why not? WILLOW: Well, when I'm with a boy I like, it's hard for me to say anything cool, or, or witty, or at all. I-I can usually make a few vowel sounds, and then I have to go away.3 (WHEDON, temporada 1, episódio 1). A personagem se mostra a princípio como indiscutivelmente heterossexual, tendo sido apaixonada por seu amigo Xander há anos e mostrando-se ciumenta quando 76 ele revela interesse amoroso por outras garotas. Apesar de sua aparente dificuldade de relacionar-se com o sexo oposto, Willow se mostrava mais do que disposta em tentar. Uma vez, ela acreditara estar trocando e-mails com um garoto (que na verdade era um demônio), com quem se envolvera emocionalmente. Até onde ela sabia, “His name is Malcolm Black, he's eighteen, he lives in Elmwood, which is about eighty miles from here, and he likes me!”4 (WHEDON, temporada 1, episódio 8). Apreciando a atenção recebida, ela não tenta disfarçar seus sentimentos: WILLOW: You're having an expression. BUFFY: I'm not. But if I was, it'd be saying, 'This just isn't like you.' 2 Todas as traduções deste trabalho são de minha autoria. O trecho correspondente na tradução é: “E se mudaram a regra sem avisar? E se estiverem esperando para me prender e... e me dar uma detenção e manchar meu histórico escolar?”. 3 “WILLOW: Na-na-na verdade eu não tive muitos encontros… ultimamente… BUFFY: Por que não? WILLOW: Bem, quando estou com um garoto de quem gosto, é difícil eu dizer algo legal, ou maneira, ou dizer qualquer coisa. E-eu normalmente consigo fazer alguns sons e então preciso ir embora.”. 4 “O nome dele é Malcolm Black, ele tem dezoito anos, mora em Elmwood, que fica a cerca de 80 milhas daqui, e ele gosta de mim”. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 WILLOW: Not like me to have a boyfriend? BUFFY: He's boyfriendly? WILLOW: I don't understand why you don't want me to have this. I mean, boys don't chase me around all the time. I thought you'd be happy for me. BUFFY: I just want you to be sure. To meet him face to face. In daylight, in a crowded place with some friends. Y'know, before you become all... obsessive. WILLOW: Malcolm and I really care about each other!5 (WHEDON, temporada 1, episódio 8). Ou seja, nas primeiras temporadas, Willow estava mais do que disposta a ter relacionamentos heterossexuais: ela namorou um rapaz da sua escola, Oz, e inclusive o traiu com Xander, com quem ainda se mostrava ciumenta, odiando vê-lo com outras garotas. Durante as três primeiras temporadas, Durante essas temporadas, em momento algum a personagem Willow demostrara interesse em garotas – fosse física ou emocionalmente. No episódio em que um aluno que estava tirando fotos de garotas na escola, ele avistara uma aluna bonita e comentara “Oh, look at those legs!”6 ao que Willow 77 recusara sem interesse (WHEDON, temporada 2, episódio 2). O lado reprimido de Willow Timidez e insegurança são as principais características de Willow nas primeiras temporadas, que também poderia ser considerada indefesa e “bonitinha” de um jeito infantil: uma perfeita vítima. No entanto, no episódio “The Wish” (temporada 3, episódio 9) conhecemos seu duplo: a Willow de uma realidade paralela, que, por acaso, era uma vampira. Confiança, poder, um certo sadismo e sexualidade exacerbada 5 “WILLOW: A expressão no seu rosto está dizendo algo. BUFFY: Não está. Mas se estivesse, estaria dizendo “isso não é do seu feitio”. WILLOW: Não é do meu feitio ter um namorado? BUFFY: Ele é seu namorado? WILLOW: Não entendo porque você não quer que eu namore. Quero dizer, rapazes não vêm atrás de mim o tempo todo. Pensei que você ficaria feliz por mim. BUFFY: Só quero que você tenha certeza. Que o conheça cara a cara. Sob a luz do dia, num lugar movimentado e com alguns amigos. Você sabe, antes de ficar tão... obcecada. WILLOW: Malcolm e eu gostamos um do outro de verdade!”. 6 “Oh, veja só aquelas pernas”. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 (incluindo aí tendências homossexuais) são características mostradas pela Willowvampira, mas que pareciam estar latentes na personagem ortodoxa – características reprimidas por Willow, que, na condição de vampira, teria sido capaz de abraçá-las, libertando-se das amarras da repressão. Por exemplo, quando Xander lança um feitiço de amor no episódio “Bewitched, Bothered and Bewildered”, Willow tenta seduzi-lo e, quando ele tenta resistir aos avanços dela, dizendo que não quer usar força, ela responde sorrindo que “Force is Ok”7 (WHEDON, temporada 2, episódio 16), revelando um prenúncio de sadismo. A personagem insegura e sem envolvimento sexual apresentada nas primeiras temporadas (antes de começar a praticar magia) parecia conscientemente reprimir sua própria sexualidade com roupas largas, infantis ou cafonas. No episódio “Halloween”, Willow não quer vestir-se de maneira sexy para o feriado, optando fantasiar-se de fantasma e esconder seu corpo sob um grande lençol branco: BUFFY: Okay, Will, can I give you a little friendly advice? [...] It's just... you're never gonna get noticed if you keep hiding. You're missing the whole point of Halloween. WILLOW: Free candy? BUFFY: It's come as you aren't night. The perfect chance for a girl to get sexy and wild with no repercussions. WILLOW: Oh, I don't get wild. Wild on me equals spaz. Buffy: Don't underestimate yourself. You've got it in you. [...] WILLOW: But this just isn't me. BUFFY: And that's the point. Halloween is the night that not you is you, but not you. Y'know?8 (WHEDON, temporada 2, episódio 6). 78 7 “Tudo bem usar força”. “BUFFY: Ok, Will, posso dar um conselho? [...] É que... nunca vão reparar em você se continuar se escondendo. Você não está entendo o objetivo do Halloween. WILLOW: Doces de graça? BUFFY: É a noite para fingir que é outra pessoa. A chance perfeita para uma garota ficar sexy e selvagem sem repercussões. WILLOW: Oh, Eu não fico selvagem. Fico com cara de boba. Buffy: Não se subestime. Você tem isso em você. [...] WILLOW: Mas simplesmente não sou assim. BUFFY: E esse é o objetivo. Halloween é a noite em que você não é você, mas é você. Entende?”. 8 Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 Buffy sugere que Willow possui um lado sexy e selvagem, que ela nega prontamente, mostrando-se desconfortável com aquela imagem. Segundo Buffy, esse lado selvagem, que não era o lado dominante de Willow, poderia ser mostrado durante o Halloween como uma fantasia, uma forma de atuação: a representação de um papel que não correspondia à sua realidade. Buffy sugere que Willow é selvagem e ao mesmo tempo não é, o que parece deixar a amiga desconfortável, afinal, ela ainda não estava pronta para assumir e abraçar esse seu lado selvagem – o que só conseguiria posteriormente, após tornar-se bruxa. No entanto, esse seu lado selvagem parece existir em forma latente na personagem. Com um olhar atento, podemos perceber alguns traços da sexualidade de Willow querendo aflorar. Por exemplo, após Oz demostrar interesse romântico nela, e ela retribuir, a demora de contato físico pareceu frustrá-la imensamente: WILLOW: Nowhere. I mean, he said he was gonna wait until I was ready, but I'm ready. Honest. I'm good to go here. BUFFY: Well, I think it's nice that he's not just being an animal. WILLOW: It is nice. He's great. We have a lot of fun. But I want smoochies! BUFFY: Have you dropped any hints? WILLOW: I've dropped anvils. BUFFY: Ah, he'll come around. What guy could resist your wily Willow charms? WILLOW: At last count, all of them. Maybe more. BUFFY: Well, none of them know a thing. They all get an 'F' in Willow. WILLOW: But I want Oz to get an 'A', and, oh, one of those gold stars.9 (WHEDON, temporada 2, episódio 15). 79 9 “WILLOW: Nada ainda. Quero dizer, ele disse que esperaria até eu estar pronta, mas já estou. Honestamente. Estou pronta para ir até o fim. BUFFY: Ora, acho legal que ele não esteja se comportando como um animal. WILLOW: É legal. Ele é ótimo. Nos divertimos muito. Mas eu quero dar uns beijos! BUFFY: Você deu alguma dica? WILLOW: Várias. BUFFY: Ah, ele vai mudar de ideia. Que homem poderia resistir aos seus charmes? WILLOW: Até onde eu saiba, todos eles. BUFFY: Bom, eles não sabem de nada. Todos tiraram nota zero com a Willow WILLOW: Mas quero que Oz tire um dez. Ah, e uma estrelinha dourada.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 Após iniciar seus estudos em bruxaria, o afloramento dos aspectos reprimidos vai se tornando cada vez mais perceptível. Por exemplo, no episódio “Go Fish”, ela se mostra ansiosa por interrogar pessoas, mostrando-se quase sádica: WILLOW: Jonathan! He was bullied by Dodd the other day on the beach, remember? BUFFY: He did say he could take care of things himself. It's a good call. You should question him. WILLOW: Really? Me? I'll crack him like an egg.10 (WHEDON, temporada 2, episódio 20). E posteriormente, no mesmo episódio: BUFFY: I think we'd better find the rest of the swim team and lock them up before they get in touch with their inner halibut. GILES: Yes. Yes, good. Uh, we also need to know exactly what's in this, this steroid gas so that the hospital's toxicology lab can develop an antidote. WILLOW: Well, I'll talk to Nurse Greenleigh. BUFFY: You're really getting into this interrogation thing. WILLOW: The trick is not to leave any marks.11 (WHEDON, temporada 2, episódio 20). 80 Se considerarmos a figura da Willow-vampira, percebemos que da mesma forma que o vampirismo teria sido capaz de “libertar” seu lado reprimido, a bruxaria também teria esse efeito através de um processo contínuo, que o telespectador pôde acompanhar ao longo das temporadas. Dito de outro modo, a Willow-vampira parece exagerada e chocante por mostrar de maneira tão extremista os aspectos reprimidos de Willow que 10 “WILLOW: Jonathan! Dodd tirou sarro dele na praia no outro dia, se lembra? BUFFY: Ele bem disse que ia cuidar das coisas ele mesmo… É uma boa ideia. Você deveria interroga-lo. WILLOW: Sério? Eu? Vou quebrar ele ao meio como um ovo.” 11 “BUFFY: Acho melhor encontramos o restante do time de natação e trancar todos antes que se tornem monstros. GILES: Sim, boa ideia. Também precisamos saber exatamente do que é formado esse gás esteroide para que o hospital posso desenvolver um antidoto. WILLOW: Bom, vou falar com a enfermeira Greenleigh. BUFFY: Você realmente pegou o jeito dessa coisa de interrogatório. WILLOW: O segredo é não deixar marcas visíveis.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 seriam desenvolvidos paulatinamente no seu processo de tornar-se bruxa. Se inicialmente existiam dois lados dessa personagem, um lado essencialmente contido e outro empoderado, sexy, selvagem, representados pelas figuras da intelectual das duas primeiras temporadas e da Willow-vampira (o alter-ego da realidade paralela), o lado reprimido é dissociado através da prática da bruxaria12, “libertando” a natureza selvagem da personagem inicialmente contida.13 É interessante mencionar que quando a Willow-vampira aparece na série, Willow já havia iniciado seus estudos de bruxaria, por isso talvez sua possível conversão em vampira teria ressaltado tão intensamente os aspectos antes reprimidos – caso Willow tivesse sido transformada em vampira num momento anterior, em que ainda não praticasse bruxaria, talvez sua caracterização como vampira teria se dado de modo diferente. Por exemplo, no episódio “Nightmares” (temporada 1, episódio 10), em que os pesadelos das pessoas se mesclam à realidade, Buffy transformou-se em vampira, e, ao contrário da Willow-vampira, não se mostrou nem sádica nem sexualizada – muito 81 menos homossexual – apenas insinuou que estava ficando com fome e talvez tivesse de beber sangue. De fato, se analisarmos com atenção o momento em que Willow confronta o seu duplo, no episódio “Doppelganger”, Willow is horrified to observe that “I'm so evil and . . . skanky! And I think I'm kinda gay" [...] When Buffy assures her that one‖s ―vampire self‖ has nothing to do with one‖s ―real‖ identity, Angel interrupts her containment of this evil with a highly ambiguous: “Well, actually . . .” 12 Segundo a Wikipedia, dissociação é um estado de descompensação mental em que certos pensamentos, emoções, sensações e/ou memórias são ocultados por serem muito chocantes para a mente consciente integrar. Assim, a transformação de Willow em vampira trouxe à tona várias características antes reprimidas de maneira quase violenta, ao invés da evolução paulatina que a prática de magia proporcionava. 13 É importante frisar que não se trata aqui de uma tentativa de comprovar que a Willow-vampira é o duplo da personagem em questão – fato que se mostra demasiado óbvio – mas sim de analisar de que maneira a personagem vai assumindo aspectos que antes figuravam apenas em seu duplo, desse modo tornando-se uma terceira entidade, nem uma nem outra, mas um misto das duas, a Willow-bruxa: empoderada, mais sexualizada e assertiva. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 It is thus made clear that ―bad‖ Willow is shaped and informed by ―good‖ Willow, and vice versa14 (BATTIS, 2003, p. 3). A personalidade da Willow-vampira choca a personagem, que parece acanhada com os aspectos que ela reprimia em si mesma, mas que eram exibidos pelo seu duplo sem qualquer constrangimento. É muito interessante analisar quando a personagem finge ser na verdade seu duplo, posando como a Willow-vampira para enganar os outros vampiros, pois ao assumir o lugar do seu duplo, Willow tem a possibilidade de expressar seu descontentamento com sua maneira de ser: “She bothered me. She’s so weak and accommodating. She’s always letting people walk all over her, and then she gets cranky with her friends for no reason. I just couldn’t let her live.”15 (WHEDON, temporada 3, episódio 16). Ao analisarmos a opinião de Willow sobre ela mesma, percebemos que ela não se orgulhava de seu modo subserviente de ser. Como afirma Caroline Ruddell, ela [...] acknowledges her link with vampire Willow by admitting, in the guise of vampire Willow, that Willow is “weak” and “accommodating”; behaving as vampire Willow allows Willow to confront what she considers the weaker and less confident aspects of her personality.16 (RUDDELL, 2006, p.3). 82 Ao confrontar seu duplo, que lhe mostrava como ela poderia ser diferente, Willow parece ressentir-se, quase como se percebesse que na verdade ela almejava a independência e o poder que experimentara no papel de vampira e que posteriormente conseguiria através da magia. Para Winslade, por exemplo, 14 “Willow fica horrorizada ao descobrir que ―Sou tão má e... promíscua! E acho que sou meio gay‖ [...] Quando Buffy a assegura de que o eu-vampírico de uma pessoa não tem nada a ver com a sua real identidade, Angel a interrompe com um deveras ambíguo ―Na verdade...‖. Desse modo fica claro que a Wilow ―má‖ é construída a partir da Willow “boa” e vice-versa.” 15 “Ela me incomodava. Ela é tão fraca e complacente. Sempre deixa os outros pisarem nela, e então fica mal-humorada com os amigos sem motivo. Simplesmente não podia deixá-la viver.” 16 “[...] reconhece sua ligação com a Willow vampira ao admitir, disfarçada de vampira, que Willow é “fraca” e “acomodada”; comportar-se como vampira permite que Willow confronte o que ela considera serem os aspectos mais fracos e menos confiantes de sua personalidade.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 [...] in the series of dream sequences that ended the fourth season (“Restless”), we see from Willow‖s dream that the great secret that she fears will be revealed is not that she has a same-sex romantic relationship, or even that she‖s a witch, but that deep down she feels that she is a nerd, a geekily dressed social outcast.17 (WINSLADE, 2001, p.3). A Willow de até então era muito reprimida e sabia disso. No início do episódio “The Wish”, em que seria apresentada a Willow-vampira, ela confessara que “I wanna be strong Willow”18 (WHEDON, temporada 3, episódio 9) ao invés de como realmente era. Assim, ao confrontar seu duplo, ela tivera um vislumbre de como poderia ser, caso conseguisse romper as barreiras de sua própria repressão. A dissociação causada pela magia Willow é uma personagem que gosta de estudar e aprender coisas novas – ela é inteligente e tem orgulho disso. Assim, seu primeiro contato com a bruxaria se dá de 83 maneira acadêmica: quando ela substitui a falecida professora de informática que se declarava uma tecnopagã19, Willow lê os materiais e planos de aula deixados por ela, assim como os sites sobre paganismo e magia que a antiga professora consultava: “Well, I've been going through her files and, and researching the black arts, for fun, or educational fun [...]”20 (WHEDON, temporada 2, episódio 21). Para Willow, estudar bruxaria parece tão natural quanto estudar matemática ou outra disciplina escolar, e talvez fosse sua sede de conhecimento, ou uma tímida curiosidade, que a princípio a levara a investigar tal assunto – embora na sexta temporada ela confesse que optou por trilhar o caminho a magia justamente para tornar-se diferente de quem era: 17 “[...] na sequência de sonhos do final da quarta temporada (episódio “Restless”), percebemos através do sonho da Willow que o grande segredo que ela teme ser revelado não é o fato de que ela esteja num relacionamento homossexual, nem o fato de ela ser bruxa, mas a sensação de que no seu íntimo ela é uma nerd, alguém socialmente rejeitada.”. 18 “Quero ser a Willow forte”. 19 Um ramo específico de neopaganismo. 20 “Bem, estive olhando os arquivos dela e estudando magia negra por diversão, ou por diversão educacional [...]”. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 WILLOW: I don't know. The magic, I ... I thought I had it under control, and then ... I didn't. […] But I mean ... if you could be ... you know, plain old Willow or super Willow, who would you be? I guess you don't actually have an option on the whole super thing. BUFFY: Will, there's nothing wrong with you. You don't need magic to be special. WILLOW: Don't I? I mean, Buffy, who was I? Just... some girl. Tara didn't even know that girl. […] I just... it took me away from myself, I was... free.21 (WHEDON, temporada 6, episódio 10). Além disso, se prestarmos atenção nas mudanças da vestimenta desta personagem, percebemos a sua tentativa de abandonar a sua fase infantil e assexuada: Willow, the faithful Wiccan companion, has shown dramatic shift in dress and color to mark her movement from the child-savant technowiccan of high school to the earthy witch of college. The shift has not come easily to her. From the first we have known that Willow has body issues, preferring disguises that hide rather than heighten her femininity […] Gone are the childlike references of episodes as late as "Graduation Day" (3021) in which Willow dresses in nursery colors--a fluffy pink sweater and carries, alternately, a handbag in the shape of a shaggy blue stuffed toy and a round backpack in yellow plush with a smiley face on it--that mark her immaturity […] As Willow uncovers new complexities in her sexuality and magical practices, her clothes take on earthy colors. Loose, feminine lines reminiscent of the sixties “flower children” signal both her spirituality and her sexuality22 (BACON-SMITH, 2003, p.4). 84 21 “WILLOW: Não sei. A magia, eu… eu pensei que consegui-a controla-la, mas então... não consegui. […] Quero dizer… se você pudesse escolher entre ser a velha Willow sem graça ou a super Willow, quem você seria? Se bem que acho que você não tem essa escolha. BUFFY: Will, não tem nada errado com você. Você não precisa de magia para ser especial. WILLOW: Não preciso? Quero dizer, Buffy, quem eu era? Apenas… uma garota. Tara nem ao menos conhecia aquela garota. […] Eu só... a magia me afastou de mim mesma, eu fiquei... livre.” 22 “Willow, a personagem Wiccana, demonstrou uma mudança dramática em seu modo de vestir para marcar a mudança da sua fase infantil para a bruxa da faculdade. Tal mudança não foi fácil. No primeiro momento que conhecemos Willow, percebemos que ela tem problemas com seu corpo, preferindo disfarçar sua feminilidade em vez de realçá-la. […] Já se foram as referências infantis de episódios como "Graduation Day" (3021) em que Willow se vestia com tons pastéis – um suéter rosa e felpudo, carregando às vezes uma bolsa em formato de brinquedo e uma mochila amarela com estampa de smile – o que marca sua imaturidade. [...] Conforme Willow descobre novas complexidades em sua sexualidade e prática mágica, suas roupas adquirem cores terrosas. Cortes femininos e folgados reminiscentes dos hippies dos anos sessenta indicam tanto sua espiritualidade quanto sexualidade.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 Como ela mesma repara no episódio “The Body", a maioria das roupas no armário de Willow parecem bem infantis, o que a deixa indignada pois não consegue decidir o que vestir para o funeral da mãe de Buffy: “Why do so many of my shirts have stupid things on them? Can't I dress like a grown up, can't I be… be a grown up…”23 (WHEDON, temporada 5, episódio 16). É como se Willow, conscientemente, quisesse se afastar daquela figura introspectiva e infantil e transformar-se numa mulher poderosa e sexy, alterando sua identidade: “[...] the development of the Willow character has relied heavily on the use of both kinds of magic as a way to define and take charge of her initially unstable identity”24. (LAWTON, 2001, p.1). Quando Willow se mostra disposta a realizar um ritual para restituir a alma do vampiro Angel, Giles a alerta de que "[...] channeling... such potent magicks through yourself, it could open a door that you may not be able to close”25 (WHEDON, temporada 2, episódio 21), embora não ficasse explícito “qual” porta seria aberta: a porta que prendia o lado reprimido de Willow, libertando-a assim das amarras de suas repressões? 85 Posteriormente, ao relatar suas experiências mágicas à Buffy, podemos perceber que a própria Willow percebe um aspecto dissociativo na prática da magia: WILLOW: I mean, I'm not a full-fledged witch. That takes years. I just did a couple pagan blessings and . . . a teeny glamour to hide a zit. BUFFY: Does it scare you? WILLOW: It has. I tried to communicate with the spirit world, and I so wasn't ready for that. It's like being pulled apart inside. Plus I blew the power for our whole block. Big scare.26 (WHEDON, temporada 3, episódio 2). 23 "Por que a maioria das minhas blusas tem estampas idiotas? Não posso me vestir como uma adulta? Não posso... não posso ser uma adulta?” 24 “[...] o desenvolvimento da personagem Willow se apoiou pesadamente no seu uso dos dois tipos de magia [boa e má] como maneira de definir e controlar sua identidade inicialmente instável.” 25 “[...] canalizar magias tão potentes através de você pode abrir uma porta que você não será capaz de fechar”. 26 “WILLOW: Quero dizer, não sou uma bruxa completamente desenvolvida. Isso demora anos. Só fiz algumas bênçãos pagãs e... um pequeno feitiço para esconder uma espinha. BUFFY: Isso te assusta? WILLOW: Assusta. Tentei me comunicar com o mundo espiritual, e não estava nada preparada para isso. É como ser dividida ao meio por dentro. Além disso, causei um blecaute no quarteirão inteiro. Assustador.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 Outra coisa que podemos perceber no seu discurso é que ela ainda não estava preparada para grandes magias (nem grandes mudanças), pois estava ainda no início de seus estudos mágicos. A libertação se daria a pequenos passos, lenta, porém continuamente. O progresso na magia desencadearia a libertação daquilo que até então era reprimido. Essa libertação, ou dissociação, também transparece no episódio “Bad Girls”, em que Buffy está narrando sensações semelhantes, e Willow demonstra saber exatamente ao que ela está se referindo: BUFFY: It was intense. It was like I just... let go and became this force. I just didn't care anymore. WILLOW: Yeah, I know what that's like.27 (WHEDON, temporada 3, episódio 14). E, no episódio seguinte, Willow assume possuir um lado mais obscuro do que o comum: 86 WILLOW: But, see, it's that exact thing that-that's just ticking me off! It's this whole 'Slayers only' attitude. I mean, since when wouldn't I understand? You, you talk to me about everything. I-it's like all of a sudden I-I'm not cool enough for you because I can't kill things with my bare hands. Oh! Oh, Buffy! Don't cry. I'm sorry. I-I was too hard on you. Sometimes I unleash. I-I don't know my own strength. I-iit's bad. I-I-I'm bad. I'm a bad, bad, bad person.28 (WHEDON, temporada 3, episódio 15). Esse diálogo é revelador porque aqui ela reconhece que nem sempre consegue reprimir seus sentimentos, pois às vezes eles escapam de seu controle. O final da terceira 27 “BUFFY: Foi intenso. Foi como se eu só… me soltasse e me tornasse essa força. Eu não me importava mais. WILLOW: É, sei bem como é.” 28 “WILLOW: Mas, veja, é exatamente isso que… que está me irritando! É essa atitude de caçadora de vampiros. Quero dizer, desde quando eu não consigo entender? Você… você pode falar comigo sobre tudo. É como se de repente eu não fosse mais legal o suficiente para você porque não posso matar com minhas próprias mãos. Oh! Oh, Buffy! Não chore. Sinto muito. E-eu fui muito dura com você. Às vezes eu me descontrolo. Não conheço mi-minha própria força. É-é-é ruim. E-eu sou má. Sou uma pessoa muito má.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 temporada dessa forma vai deixando várias pistas quanto ao iminente futuro dessa personagem. O episódio seguinte, “Doppelgängland”, como que num avançar contínuo, revela um lado mais rebelde de Willow, que se mostra incomodada ao perceber que todos a consideram previsível e confiável, pois sabem que ela se comportará sempre da maneira certa. Revoltada, ela decide comer uma banana fora do horário do almoço apenas para quebrar uma regra e, ressentida, ela explode ao ser chamada de confiável: XANDER: Willow, did you remember to tape Biography last Friday? WILLOW: Uh-huh. BUFFY: See, I told you. Old Reliable. WILLOW: Oh, thanks. BUFFY: What? WILLOW: 'Old Reliable'? Yeah, great. There's a sexy nickname. BUFFY: Well, I-I didn't mean it as... WILLOW: No, it's fine. I'm 'Old Reliable'. [...] BUFFY: Will, I-I didn't mean it as a bad thing. I-I think it's good to be reliable. WILLOW: Well, maybe I don't wanna be reliable all the time. Maybe I'm not just some doormat person. Homework Gal. XANDER: I'm thinking nerve strike. WILLOW: Maybe I'll change my look! Or cut class. You don't know. WILLOW: And I'm eating this banana. Lunchtime be damned!29 (WHEDON, temporada 3, episódio 16). 87 29 “XANDER: Willow, você se lembra de gravar aquele programa de televisão semana passada? WILLOW: Aham. BUFFY: Viu, eu disse. Ela é a responsável. WILLOW: Nossa, obrigada. BUFFY: O quê? WILLOW: 'A responsável'? É, ótimo. Esse é um apelido muito sexy. BUFFY: Bom, eu não quis dizer que... WILLOW: Não, tudo bem. Eu sou a responsável. [...] BUFFY: Will, não era para ser algo ofensivo. Acho que é uma coisa boa ser responsável. WILLOW: Bom, talvez eu não queira ser responsável o tempo todo. Talvez eu não seja uma pessoa de quem se aproveitam. A garota que faz os trabalhos de casa. XANDER: Acho que ela está tendo um colapso nervoso. WILLOW: Talvez eu mude minha aparência! Ou falte a aula. Vocês não sabem. WILLOW: E vou comer esta banana. Dane-se a hora do almoço!”. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 Desejando fazer algo perigoso, ela se une à Anya, um demônio especializado em vingança, para realizar um ritual que acaba trazendo o duplo de Willow para sua própria realidade, de modo que as duas Willows passam a coexistir em Sunnydale, tendo suas personalidades contrastadas de maneira mais enfática. É interessante perceber que Willow a chama de my evil self e the other me (respectivamente “meu eu malvado” e “a outra eu”), reconhecendo que o duplo representa um lado oposto à sua personalidade atual, com características que ela até então não desenvolvera. Para Lisa Vetere, “[...] her mastery of magic and witchcraft becomes one of the main ways in which Willow develops self-confidence […]”30 (VETERE, 2013, p. 80-81). Além da mudança perceptível em sua personalidade, também percebem-se mudanças no seu uso da linguagem quando alguma magia estava envolvida: Willow‖s use of magical speech differs dramatically from her usual hesitancy in speech. While Willow is often hesitant in conversation, by contrast, her use of magical speech is fluid and confident; in fact, many of her spells are performed in arcane languages.31 (RUDDELL, 2006, p.04). 88 Homossexualidade A homossexualidade de Willow afloriu quase naturalmente com o avanço de sua prática mágica. Na quarta temporada, após seu namorado Oz tê-la deixado, Willow participou de um grupo de Wicca na faculdade, onde conheceu Tara, sua futura namorada. O progresso de sua prática mágica e a aproximação com Tara ocorreram simultaneamente, pois elas se encontravam frequentemente para realizar feitiços juntas: In one of their early spell casting scenes, Tara looks at Willow with deep, imploring eyes, asking her what they‖ll be doing, and we know 30 “[...] seu domínio sobre magia e bruxaria se torna uma das maneiras pelas quais Willow desenvolve autoconfiança […]”. 31 “O uso da linguagem por Willow quando ela pratica magia difere dramaticamente do seu habitual discurso hesitante. Enquanto Willow geralmente hesita quando conversa, quando ela dá comandos mágicos seu discurso é o oposto, fluido e confiante; de fato, muitos dos seus feitiços são ditos em línguas antigas.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 the question isn‖t limited to just magic. They speak of experimenting, and at this point, Whedon makes it clear that magical experimentation is a close metaphor for sexual experimentation.32 (WINSLADE, 2001, p.4). Ao acompanhar o desenrolar da série, percebemos que fora a prática da magia o que levara Willow a desenvolver seu lado homossexual, ideia reforçada pelo fato de sua namorada, Tara, também ser bruxa. Várias de suas magias envolvem contato corporal, devendo tara e Willow segurarem as mãos uma da outra como forma de compartilharem a magia. Como afirma Battis, Willow‖s relationship with her power is visceral and emotional. Magic brings her closer to Tara, and closer to what she believes is an authentic identity. It becomes for her [...] a unity of sexual and elemental power [...] so does Willow use magic to experience heightened forms of physical intimacy with Tara. Magic is not merely conflated with sexuality in the show, but contiguous with it, emerging from the same organic drives.33 (BATTIS, 2003, p. 4). 89 Desse modo, a magia e o erotismo estavam intimamente ligados, pois o desenvolvimento da homossexualidade de Willow estava intrinsicamente ligado ao seu desenvolvimento mágico, de modo que não podemos deixar de ligar uma experiência à outra, uma vez que a relação afetiva de Tara e Willow se baseava principalmente na prática de bruxaria: Willow and Tara maintain their identity as witches together through intimate trust in using magic together (magic seemed to hint at sex 32 “Em uma de suas primeiras cenas praticando magia, Tara olha profundamente para Willow como se implorasse com os olhos, perguntando o que farão em seguida, e sabemos que a resposta não se limita à magia. Estão falando sobre experimentações, e, nesse momento, Whedon deixa claro que a experimentação mágica é uma metáfora para a experimentação sexual.” 33 “O relacionamento de Willow com seu poder é visceral e emocional. A magia a aproxima de Tara e do que ela acredita ser uma identidade autêntica. Torna-se para ela [...] uma unidade de poder sexual e elemental [...] então Willow utiliza magia para experimentar formas intensificadas de intimidade física com Tara. No programa, a magia não é meramente equiparada à sexualidade, mas ambos são contíguos, emergindo dos mesmos impulsos orgânicos.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 between Willow and Tara early on in their relationship). For example, in the episode, “Who Are You?” (4016), Willow and Tara perform a spell together to find out if Buffy is in Faith‖s body and vice versa. The spell hints at orgasmic pleasure between the two witches, figured through the performance of magic.34 (RUDDELL, 2006, p.17). O relacionamento com Tara foi essencial para o desenvolvimento de Willow não apenas no campo da magia, mas também em outros aspectos: com Tara, Willow sentia-se mais confiante, e não a intelectual introspectiva que era na primeira temporada: “It would therefore follow that, without Tara, Willow feels that she has no “meaning.” [...] Willow often appears to be unsure of herself, and it is only in the presence of Tara that Willow appears more confident”35 (RUDDELL, 2006, p. 11). Desse modo, quando estava com Tara, Willow sentia-se apreciada, respaldada, e portanto sentia que era mais do que costumava ser – percebemos aí um sinal da dissociação do seu lado reprimido. Tara ofereceu-lhe a oportunidade de desenvolver uma nova identidade, reafirmando-se como bruxa, deixando-a mais confiante. Na sexta temporada, Willow confessara que “[...] the 90 only thing I had going for me ... were the moments—just moments—when Tara would look at me and I was wonderful.”36 (WHEDON, temporada 6, episódio 21). O senso de identidade de Willow, que era tão frágil nas primeiras temporadas, só vai se fortalecer com o uso da magia – que ela praticava junto de Tara. Ao mesmo tempo, ao mostrar admiração por Willow e seu talento mágico, Tara validava a identidade de Willow como bruxa, e desse modo Tara “[...] helps Willow to secure a more stable identity through magic”37 (RUDDELL, 2006, p. 10). A morte de Tara então foi um baque muito grande, como se Willow perdesse sua identidade (pois era Tara quem a 34 “Willow e Tara mantêm sua identidade como bruxas através de sua confiança ao praticarem magia juntas (sendo que praticar magia parece significar o mesmo que praticar sexo entre Willow e Tara no início de seu relacionamento). Por exemplo, no episódio “Who Are You?” (4016), Willow e Tara lançam um feitiço juntas para descobrir se Buffy e Faith trocaram de corpo. O feitiço sugere que as duas bruxas sentem um prazer orgástico juntas através da magia.” 35 “O que parece acontecer é que, sem Tara, Willow sente que sua existência não tem mais sentido [...] Willow frequentemente parece insegura, sendo apenas na presença de Tara que Willow parece se tornar mais confiante.” 36 “[...] a melhor coisa que me acontecia… eram os momentos — apenas momentos — em que Tara olhava para mim e eu era maravilhosa.” 37 “[...] ajuda Willow a conseguir uma identidade mais estável através da magia”. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 validava), e literalmente se transforma em outra pessoa: uma bruxa perversa com sede de vingança. Do ponto de vista da Psicologia, a morte de sua companheira teria sido um evento tão traumático que, como consequência, causou uma profunda dissociação dos aspectos que estavam sendo desenvolvidos pela bruxaria, de certo modo “separando” a Willow introspectiva de seu alter-ego, que chamaremos aqui de “Dark Willow”, pois ela não espelha completamente a Willow-vampira, já que se trata de uma bruxa má. Quando o lado selvagem de Willow vem à tona Na constituição da personalidade de Willow, a unidade apenas aparente do “eu” sofre perturbações com o evento traumático da morte de Tara, o que desencadeia uma transformação em Willow, trazendo à tona uma camada de sua personalidade muito parecida com a de seu duplo, a Willow-vampira. Pierre Janet (1859-1947) foi um psicólogo francês que contribuiu para o estudo moderno das desordens mentais e emocionais. Segundo sua teoria, quando o indivíduo 91 sofre uma dissociação, [...] a personalidade perde sua coesão interna e certos aspectos passariam a funcionar de maneira autônoma e separada do restante do psiquismo. Fenômenos como [...] desdobramentos do eu seriam decorrentes desse fracasso na capacidade de síntese do psiquismo, rompendo-se a arquitetura intrapsíquica habitual e permitindo a emergência de uma atividade mental ordinariamente inconsciente, ou, mais precisamente, tratar-se-ia do aparecimento de certas formas de consciência que normalmente deveriam permanecer subjacentes à consciência normal, como uma espécie de pano de fundo imperceptível. São o traumatismo e a fraqueza herdada da capacidade de síntese psíquica os fatores que permitiram que tais elementos mentais passassem a ocupar um papel tão proeminente nos estados psicopatológicos (PEREIRA, 2009, p. 305). De acordo com essa teoria, em condições normais, as formas inferiores da vida mental encontram-se presentes no indivíduo, embora submetidas ao controle de sua livre vontade, mas em condições mórbidas, a capacidade de submeter esses elementos a um funcionamento unitário do eu é enfraquecida, resultando em uma clivagem da personalidade, com dissociação da consciência e manifestação automática daquelas Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 formas primitivas do funcionamento mental. Assim, o enfraquecimento da capacidade de síntese expõe o eu a ser passivamente invadido por elementos mentais que deveriam manter-se afastados e submetidos ao restante do psiquismo. Quando a Dark Willow toma o controle, percebemos que a relação entre a personalidade assumida por Willow e a linguagem por ela utilizada é muito íntima, pois enquanto introspectiva, Willow gaguejava muito e usava elipses; em contrapartida, a Willow-vampira e a Dark Willow se mostram mais confiantes, assumindo um discurso mais direto e assertivo, sem gaguejar. Da mesma maneira que a Willow-vampira oferecia uma possibilidade para Willow expressar seu descontentamento com sua maneira introspectiva de ser, a Dark Willow também parece rejeitar seu antigo modo de ser: “Let me tell you something about Willow. She’s a loser. And she always has been. People picked on Willow in junior high school, high school, up until college. With her stupid mousy ways.”38 (WHEDON, temporada 6, episódio 21). A série sugere que a Dark Willow não se trata propriamente da Willow, mas 92 sim de uma parte dissociada, quase que outra pessoa, uma espécie de personalidade independente originada da Willow original: GILES: Well, the coven is working on a ... way to extract her powers without ... killing her. And, uh, should she survive, you ought to know, Buffy, that there's no guarantee she'll ... be as she was. Willow has killed a human being. How will she be able to live with herself? WILLOW: I wouldn't worry about that. Willow doesn't live here anymore.39 (WHEDON, temporada 6, episódio 22). Essa fala sugere não apenas que a Dark Willow não é exatamente a Willow, mas ainda que a outra sequer estava presente no seu corpo ou consciência; pelo menos 38 “Deixe-me contar algo sobre Willow. Ela é uma perdedora. E sempre foi. Todos tiravam sarro dela na escola e na faculdade. Com seu estúpido jeito tímido e quieto.” 39 “GILES: Bem, o coven está trabalhando em um… modo de extrair os poderes dela sem… matá-la. E, ah, caso ela sobreviva, Buffy, você deveria saber que não há garantias de que ela... será como era. Willow matou um ser humano. Como ela será capaz de viver com ela mesma? WILLOW: Não me preocuparia com isso. Willow não mora mais aqui.” Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 naquele momento as duas Willows estavam completamente dissociadas, a primeira tendo sido substituída pelo lado selvagem. As mudanças que a magia desencadeia em Willow parecem ser a razão que a levou a praticar magia, pois ela buscava justamente modificar quem ela era, distanciar-se de sua personalidade original, desdobrando seu lado reprimido e tornando-se diferente de quem costumava ser. Em suas próprias palavras, ela desejava deixar de ser “apenas a Willow” e tornar-se uma super-Willow. Assim, o estudo e a prática de magia dissociam o lado reprimido de Willow – processo que se acelera com o relacionamento com Tara, que na condição de bruxa, incentivara a magia de Willow além de validar sua identidade como companheira homoafetiva – processos que, de acordo com o programa, parecem interligados, pois a construção de sua identidade estava intimamente ligada à sua busca de empoderamento através do envolvimento com a magia, pois esta oferecia a oportunidade para Willow adquirir características e poderes que não possuía nas primeiras temporadas. 93 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BACON-SMITH, Camille. “The Color of the Dark”. Slayage: The Online International Journal of Buffy Studies v.8, mar. 2003. Consulta online. Disponível em: <http://offline.buffy.de/outlink_en.php?module=/webserver/offline/www.slayage.tv /essays/slayage8/Bacon-Smith.htm.> Acesso em: maio 2016. BATTIS, Jes. “She‖s Not All Grown Yet”: Willow As Hybrid/Hero in Buffy the Vampire Slayer. Slayage: The Online International Journal of Buffy Studies v.8, mar. 2003. Consulta online. Disponível em: <http://www.whedonstudies.tv/uploads/2/6/2/8/26288593/battis_slayage_2.4.pdf>. Acesso em: maio 2016. BUFFY. The Vampire Slayer. Série televisiva. Direção: Joss Whedon. EUA: 20th Century Fox, 1997-2003. Isabelle Rodrigues de Mattos Costa REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016 DISSOCIAÇÃO (psicologia). In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Dissocia%C3%A7%C3%A3o_(psicologia) > Acesso em: maio 2016. MCAVAN, Emily. “I Think I‖m Kinda Gay”: Willow Rosenberg and the Absent/Present Bisexual in Buffy the Vampire Slayer. Slayage: v. 24, 2007. Consulta online. Disponível em: < http://davidlavery.net/Slayage/PDF/McAvan.pdf>. Acesso em: maio 2016. PEREIRA, Mário Eduardo Costa. “Pierre Janet e os atos psíquicos inconscientes revelados pelo automatismo psíquico das histéricas”. 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