Entrevista a Ger Bergkamp, director

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Entrevista a Ger Bergkamp, director
INDÚSTRIA E AMBIENTE 61
O Bem Água e
as Alterações climáticas
Entrevista a Ger Bergkamp,
director-geral do Conselho Mundial da Água
Ger Bergkamp foi nomeado director-geral do Conselho Mundial da Água em 1 de
Junho de 2008. A sua experiência de 20 anos a servir a comunidade da água
traduziu-se, mais recentemente, no cargo de responsável do programa da água
na União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.
Entrevista conduzida por
Carlos Cupeto e Rui Rodrigues
Jornalismo por Ana Maria Oliveira
Fotografia por World Water Council
Indústria e Ambiente (IA)
- Qual é a missão do Conselho
Mundial da Água (CMA)?
Ger Bergkamp (GB) - O CMA
é uma organização internacional
e independente, que promove a
gestão sustentável da água. Tem
mais de 400 organizações membros incluindo Governos, Organizações Não Governamentais,
empresas, redes de profissionais
e instituições de investivagão, de
mais de 60 países.
O CMA traz para a esfera
pública informação sólida e
conhecimento sobre questões
relacionadas com a água. Esforça-se para sensibilizar e criar a
vontade política para melhorar o
acesso à água e ao saneamento
e promover uma gestão prudente dos recursos hídricos.
A missão específica do CMA
é “promover a consciencialização, construir compromisso
político e alavancar assuntos
críticos relacionados com a
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água, incluindo tomadas de
decisão a altos níveis, para facilitar a conservação, protecção,
planeamento e gestão eficiente
do uso da água em todas as suas
dimensões, sobre uma base
ambientalmente sustentável
para o benefício de toda a vida
na Terra“.
A cada três anos, o CMA organiza o Fórum Mundial da Água.
É o principal evento mundial na
área da água e reúne mais de
20 mil participantes de todo o
mundo, para criar soluções concretas para os desafios mundiais
da água.
IA - A geografia da pobreza
na Terra sobrepõe-se à escassez de água. Como encara o
CMA esta realidade? O que faz
para a contrariar?
GB - O Conselho considera
que a degradação ambiental e
pobreza vão muito além da questão da água por si só. No entanto,
muitos dos ínumeros assuntos
podem ser ligados à questão da
água. A falta de acesso à água
e ao saneamento tem uma relação directa com as pessoas que
vivem na pobreza. Em muitos
casos, a poluição afecta directamente o abastecimento de água
a dos utilizadores a juzante, tendo efeitos no desenvolvimento
económico, saúde e bem-estar
ambiental.
O Conselho, portanto, esforça-se para ligar os outros
sectores e desenvolvimentos
para além da água para consciencialização nestas interligações e motivar as pessoas para
enfrentar as situações.
IA - Um contexto de crise
económica mundial pode justificar a afectação da conservação
dos recursos hídricos?
GB - A água é a base da vida
e a saúde, a educação, a preocupação social e actividade social
dependem dela. Quando as cidades ou sociedade neglicenciam
a água, arriscam-se a enfrentar
o colapso. À luz da actual crise
económica, está a ser colocado
grande ênfase na análise do
“...cada dólar
investido em água e
saneamento resulta
em, pelo menos, sete
dólares de actividade
produtiva...”
que correu mal, como parar a
espiral descendente e como
emergir com a lição aprendida.
Apesar de existir negociações
sobre pacotes de estímulos a
curto-prazo e desenvolvimento
de economias com crescimento
sustentável, como um caminho
para sair da recessão, a água
é commumente posta de parte.
Isto é um grande equívoco, uma
vez que, quando se trata de
desenvolvimento sustentável,
a água está na vanguarda. Se
este recurso precioso não pode
ser gerido sustentavelmente,
podemos esquecer qualquer
desenvolvimento.
É inegável que a água é o
ponto de partida para o desenvolvimento sustentável. Isto é
confirmado também através de
números: cada dólar investido
em água e saneamento resulta
em, pelo menos, sete dólares da
actividade produtiva, de acordo
com o relatório de desenvolvimento humanos das Nações
Unidas.
A crise económica, por esses
motivos, cria uma importante
oportunidade para promover o
papel vital da água nas nossas
vidas . Há uma necessidade
urgente de recuperar o atraso
e enfrentar as crescentes pressões sobre o abastecimento
de água - desde crescimento
da população, estilo de vida e
alterações climáticas - com a
seriedade que merecem.
IA – A Directiva Quadro da
Água (DQA) aponta para metas
e objectivos ambiciosos mas indispensáveis. Que importância
dá o CMA à DQA? Como acompanha o CMA a implementação
da DQA e monitoriza os seus
resultados?
GB - A DQA promove a gestão sustentável das águas de
superfície interiores, das águas
subterrâneas, águas de transição e águas costeiras, a fim de
prevenir e reduzir a poluição,
promover o uso sustentável da
água, proteger o meio aquático,
melhorar o estado dos ecossistemas aquáticos e atenuar os
efeitos das inundações e secas.
Ambiciosa e importante, a
aplicação da Directiva foi revista
durante o processo regional europeu no 5 º Fórum Mundial da
Água, realizado em Março do ano
passado. Depois de dois anos de
trabalho dedicados a oito temas
principais da água na Europa,
as cerca de 30 organizações,
responsáveis pelo processo,
emitiram uma visão para 2030,
onde a água desempenha um
papel importante para uma Europa sustentável – visão 2030
«...adoptamos e implementamos
legislação ambiciosas, tal como
a DQA e outra legislação relacionada e fizemos com que outras
áreas políticas, como a agriMARÇO/ABRIL 20 1 0
cultura, regional, industrial, de
comércio, transportes e política
energéticas, fossem sensíveis à
questão da água.»
IA - Qual o tipo de relacionamento operativo entre a União
Europeia e o CMA?
GB – A política de desenvolvimento da UE no que diz respeito
à água e saneamento promove
um enquadramento integrados
da gestão dos recursos da água,
com base na experiência europeia com a gestão dos recursos
hídricos e uma variedade de
abordagens europeias para a
gestão de água e saneamento.
Existem três prioridades neste
enquadramento que estão ligadas intimamente com as do
CMA: 1) acesso universal à água
potável e saneamento adequado
para reduzir a pobreza, melhorar
a saúde pública e aumentar as
oportunidades de subsistência;
2) criação e fortalecimento de
organizações e infra-estruturas
para a gestão sustentável e
equitativa dos recursos hídricos;
3) coordenar a distribuição justa,
sustentável e adequada da água
entre diferentes utilizadores.
Estas prioridades são promovidas através de esforços
para atingir os Objectivos do
Milénio 7.
Para além das semelhanças
nas prioridades, o CMA também
trabalha de perto com um dos
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seus membros – o Banco Europeu de Investimento. Assuntos
como o financiamento de infraestruturas são o centro desta
cooperação.
IA – A gestão da água por
região hidrográfica traz alguns
desafios transfronteiriços, por
exemplo, Portugal e Espanha.
Como acompanha o CMA este
tipo de processos?
GB - Existem mais de 263
bacias hidrográficas comuns e
centenas de aquíferos transfronteiriços compartilhados por mais
de 3 bilhões de pessoas. O desenvolvimento futuro de muitos
países depende da boa gestão
e alocação desses recursos.
Os problemas transfronteiriços
são um dos principais focos do
CMA para os próximos três anos.
Embora tenham sido desenvolvidos muitos mecanismos legais
e institucionais para melhorar
a cooperação, muito poucos
têm provado ser sustentáveis e
replicáveis.
A maioria dos recursos mundiais de água compartilhados
permanecem fora de acordos
transfronteiriços entre todos os
países ribeirinhos e alguns ainda
não têm quaisqur acordos em
vigor. Em conjunto com os seus
membros, o CMA esforça-se para
promover uma cooperação mais
alargada no que diz respeito
à água, em diferentes regiões
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© Nancy Haws
O Bem Água e
as Alterações Climáticas
por todo o mundo. Isto não é
importante apenas para a água,
mas pode promover também um
maior desenvolvimento sócioeconómico de uma região.
IA - Qual é a opinião do
CMA em relação à agricultura
intensiva no Sul de Espanha
(árvores de fruta, arroz, etc.)
com grandes gastos de água?
Como o CMA vê o aumento dos
gastos para produzir alimentos,
mas não biocombustíveis?
GB – Muitos países estão a
consumir água que não possuem.
Ao importar grãos, carne, vegetais e frutas, os países importam
a água que é necessária para
fazer crescer essas culturas.
Países com pouca água podem
assim desfrutar de segurança
alimentar. No entanto, se essas
culturas são já produzidas em
áreas com estrangulamento hídrico, é colocada uma carga adicional nesses locais. A Espanha
está a enfrentar os dois lados
desta questão. Por um lado, ela
produz os vegetais para a Europa
no Inverno, consumindo os seus
próprios recursos. Por outro
lado, ela importa quantidades
«rápidas» de comida e fibras, e
com elas importa a «água virtual» que é necessária para a sua
produção. Para países como a
Espanha, existe uma necessidade urgente em melhor entender o
balanço hídrico total de um país,
“Um relatório recente
das Nações Unidas
mostrou que metade da
população mundial irá
sofrer de escassez de
água em 2025.”
incluíndo a sua água virtual, para
ver como a escassez de água
pode ser resolvida, através do
equilíbrio total da água.
IA - Qual a opinião do CMA
relativamente a Portugal no
que respeita à gestão de recursos hídricos? Que conselho dá
aos governantes e responsáveis
portugueses?
GB – Portugal tem uma grande experiência no fornecimento
de água e abastecimento e na
gestão da base de recursos
hídricos da qual depende. Existem outras oportunidades para
trabalhar com outros países em
todo o mundo para compartilhar experiências e desenvolver
novas tecnologias e abordagens
de gestão.
IA - Qual é a sua opinião
sobre o plano adoptado pelo
Governo português - Programa
Nacional de Barragens com
Elevado Potencial Hidroeléctrico - que tem como principal
objectivo a construção de dez
barragens?
GB – O CMA não tem opinião
específica sobre a iniciativa
dos diferentes países ou organizações.
IA - Neste início de século
qual o principal desafio do
CMA?
GB - Enquanto a população
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mundial triplicou no século 20,
o uso dos recursos hídricos
renováveis cresceu seis vezes.
Dentro dos próximos cinquenta anos, a população mundial
aumentará em cerca de 4 0
a 50%. Este crescimento da
população - juntamente com a
industrialização e urbanização trará consigo uma maior procura
de água e terá consequências
graves para o desenvolvimento
económico e o meio ambiente.
Um relatório recente das Nações
Unidas mostrou que metade da
população mundial irá sofrer de
escassez de água em 2025.
Relatórios de importantes
centros de pesquisa e organizações internacionais dizem-nos
que se os seres humanos não
mudarem o seu comportamento
- a começar em hábitos pessoais,
até a processos industriais e
administração pública - teremos
uma crise de água ainda maior
nas nossas mãos.
Encontramo-nos numa encruzilhada histórica. Temos a
capacidade de inverter a tendência e criar uma nova realidade.
As soluções estão à mão - como
o aproveitamento de águas
pluviais, armazenamento melhorado, sistemas de conservação
e irrigação mais eficientes e
culturas tolerantes à seca. As
soluções devem ser acompanhadas de uma governação
com melhorias “suficientemente
boas” que levarão a uma melhor
gestão dos recursos hídricos e
um melhor acesso aos serviços
por mais pessoas.
É óbvio que o consumo desenfreado dos recursos naturais
- principalmente da água - não
pode continuar. Mas nós temos
o conhecimento e as ferramentas para mudar as coisas.
Precisamos agora é de acção.
Governos, empresas e grupos da
sociedade civil devem aproveitar
o momento. IA