Tudo começou há cerca de 100 anos. A Câmara Municipal de São

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Tudo começou há cerca de 100 anos. A Câmara Municipal de São
Tudo começou há cerca de 100 anos. A Câmara Municipal de São Paulo precisava renomear algumas ruas nos
bairros de Campos da Escolástica e Villa Pompéia, pois já havia a necessidade de abrir novas vias, e o bairro não
comportava mais números ou letras em seus logradouros. Nos registros históricos do município, uma das
primeiras ruas com nome indígena foi a Turyassu, que aparece pela primeira vez nos mapas em 1897, dando lugar
à então Rua das Perdizes. Começou aí a invasão indígena nas Perdizes.
Tudo muito organizado, por sinal. Primeiro vieram alguns topônimos indígenas: em 1916, surgiram as ruas Traipu,
Itapicuru e Caetés. No mesmo ato, a rua Turyassu foi oficializada. Cinco anos depois, novas homenagens. Desta
vez, às tribos indígenas: vieram as ruas Apiacás, Apinajés, Cayowaá, Caraíbas, Cotoxó, Iperoig, Tucuna e
Cherentes.
Nos anos seguintes, novas ruas foram abertas, e outras palavras tupis foram incorporadas: Ambuás, Cuxiponés,
Paracuê, Icoarana, Poconé e Mutuparana. Cada uma com seu significado, elas transformaram uma região pacata
e pouco habitada em um dos maiores bairros de São Paulo. Há também homenagens a pessoas, no caso de
Aimberê e Bartira, índios importantes na história do Brasil e no relacionamento com os portugueses.
Elas se concentram no quadrado formado entre as ruas Heitor Penteado, Avenida Pompéia, Avenida Francisco
Matarazzo e Avenida Sumaré. Formando quase sempre quarteirões perfeitos, ruas anteriormente chamadas de
Zero, Um, Dois, ou B, C e F, são hoje referência na Zona Oeste da capital.
Em mais de 100 anos muita coisa mudou no bairro. Como não poderia deixar de ser, Perdizes acompanhou o
crescimento da cidade. Porém, resta-nos uma característica fundamental: somente os moradores do bairro
conseguem pronunciar os nomes das ruas corretamente. Ou você nunca ouviu um funcionário da Companhia de
Telefone, de Luz ou de Gás fazer malabarismos com Aimbere (sem acento), Caióvas, Caiúbi?...
O INÍCIO
No início, era a rua Turyassú. As primeiras referências datam de 1897, mas a rua anteriormente era chamada de
rua F, ou rua das Perdizes.
A grafia foi modernizada em 1923, e é desde então uma das principais vias de ligação do bairro.
Em 1916, durante a gestão do prefeito Washington Luis, começou um processo de urbanização do Alto das
Perdizes. Através do ato 972 de 24 de agosto, foram criadas as ruas Cahetés, Traipu e Itapicuru. Com algumas
alterações na grafia e na extensão, as três ruas foram o começo de um projeto mais longo. O curioso é verificar
os processos da época. O artigo de criação da rua Caetés, por exemplo, dizia assim: "Artigo único: Fica
denominada "Cahetés" a rua existente no alto das Perdizes, entre as ruas Caiuby e João Ramalho, e um pouco
além da Rua Franco da Rocha."
Ainda com o tema Topônimos Indígenas, nos anos seguintes vieram as ruas Poconé (antiga rua 14) em 1929,
Coari ( ou Quari, denominação extinta em 2003) em 1932, Mutuparana (antiga ma F), durante a gestão de
Adhemar de Barros em 1959, e Piracuama, sem data registrada.
Em 19 de janeiro de 1921, novas homenagens. Foi a vez dos Cherentes, dos Caraíbas, dos Tucunas e dos Cotoxós.
Em Perdizes, ou melhor, na Villa Pompéia, cada uma destas ruas era chamada por um número. Na seqüência,
Cherentes era a rua Zero, Caraíbas, a rira 01, Tucuna, a rua 02 e Cotoxó, a rua 03. Curiosamente, a rua Zero ficava
no meio do bairro, e não no início, como se espera de um loteamento.
Em quase 80 anos, houve ampliações e mudanças na escrita - Cherentes também é conhecida por Xerentes,
Cotoxó era Cotoxô, e até hoje em dia é possível ouvir Caráibas em vez de Caraíbas, na forma do português
correto.
Mas o ato com maior número de ruas indígenas foi em 26 de dezembro de 1921, com 5 novas mas: Apiacás,
Apinajés, Cayowaá, Iperoig e Aimberê. Somente a última não denomina uma tribo, e sim, o nome de um chefe da
tribo Tamoios. O bairro de Campos da Escolástica estava praticamente formado.
Todas estas ruas ficam paralelas à rua Cherentes, no sentido contrário à numeração. Como não seria possível
numerar negativamente, a rua Franco da Rocha tornou-se o ponto de referência, e as ruas acima eram chamadas
de "Quarta, Quinta, Sexta e Sétima, paralelas à rua Franco da Rocha". Apesar da população referir-se a elas desta
forma, algumas tinham seus nomes próprios. A Apinajés (ou Apinagés) era a rua Padre Cursino. A rua Iperoig (ou
Iperoyg) era a travessa João Ramalho. A rua Cayowaá incorporou um trecho da rua Francisco Sanches (hoje
inexistente) e a Aimberê era Aymberê na sua origem. Em 1960, esta última incorporou a antiga Rua Cidade de
Lisboa, e hoje vai desde a Avenida Sumaré até a Rua Heitor Penteado, atravessando o bairro de ponta a ponta.
Após alterações na extensão das ruas, todas foram oficializadas entre 1959 e 1960.
AS ÚLTIMAS RUAS
Em 1941, quando Prestes Maia era prefeito de São Paulo, surgiu a rua Icoarana. Ela foi criada no terreno que era
de propriedade do Dr. Rodolfo Miranda e do Sr. Joaquim Bento Alves de Lima, doadas entre 1939 e 1941. Em 1959
surgiu a rua Cuxiponés. Anteriormente chamada de rua 7 ou J, não está localizada na concentração de ruas
indígenas do bairro. E em 1960, as duas últimas ruas incorporadas ao bairro foram a Ambuás (ou Embuás) e a
Paracuê.
A rua Ambuás era conhecida como Travessa Pedreira. No decreto de origem das ruas, a rua Paracuê é descrita
como "... a rua que começa na rua Tagassaba e termina na rua Paris, situando-se entre a Estrada do Araçá e divisa
de terreno."
Desde então, a constante modernização do bairro não trouxe outras tribos para a região. A não ser, claro, tribos
de estudantes, famílias, hippies, roqueiros, artistas... mas esta é uma outra história.
A ORIGEM DOS NOMES
Aimberê - é o nome do chefe de uma tribo Tamoios. Teve participação decisiva no Pacto de Iperoig.
Ambuás - tribo indígena da região do Pará, próximo ao rio Japurá.
Apiacás - tribo localizada entre o Mato Grosso do Sul e o Pará, foi estudada pela expedição de Langsdorf em
1825. Conhecidos como um povo guerreiro, são também arredios e muito temidos na região do rio Tapajós.
Foram bastante massacrados e escravizados, e pouco a pouco perderam seu modo de vida tradicional e seu
idioma.
Apinajés - tribo ameríndia localizada principalmente no encontro dos rios Tocantins e Araguaia, eram conhecidos
por sua bravura. Pertence ao grupo Gê ou Tapuia.
Bartira - é o nome da esposa de João Ramalho, náufrago radicado em São Paulo e senhor da povoação de Santo
André da Borda do Campo. Ela era filha do chefe Tibiriçá, e seu casamento simbolizou a ligação entre os
portugueses e os índios da região. O relacionamento entre os dois povos foi a princípio eficaz por causa desta
união.
Caetés - os caetés ficaram famosos na história do Brasil por terem sido responsáveis pela morte do bispo Dom
Pero Sardinha, o primeiro Bispo do Brasil. Dom Sardinha foi vítima de canibalismo junto com outros 90 náufragos
de uma nau vinda de Portugal. Depois disso, tornaram-se inimigos dos portugueses, até que o governador-geral
Mem de Sá declarou guerra à tribo. Cerca de 15 mil foram mortos, outros tantos escravizados. Chegaram a
dominar grande parte da costa nordeste do Brasil, onde hoje está Pernambuco e Alagoas.
Cayowaá - subgrupo indígena Guarani, seus remanescentes moram no litoral sul de São Paulo, no Paraná e em
Santa Catarina.
Caiubi - nome de um chefe Guaianá, foi contemporâneo da fundação da vila de São Paulo. Convertido pelos
jesuítas, chamou-se João. Seu nome significa "folha azul". A rua Caiubi surgiu durante a década de 1910, sendo
uma das primeiras com denominação indígena no bairro.
Caraíba - significa, em tupi, "coisa ou homem sagrado, feiticeiro indígena ou homem branco". Utilizada por vários
grupos indígenas do Caribe, da América Central e do norte da América do Sul (Guianas), a palavra transformou-se
em sinônimo para homem branco com a chegada dos primeiros colonizadores. E também o nome de um rio na
Bahia.
Coari - é o nome de uma cidade no Amazonas, às margens do rio Solimões. Sustenta-se pela produção de
castanha do Pará e da borracha. Há também um rio e uma lagoa com este nome, também no Amazonas.
Cotoxó - também chamados Gotoxós, são ameríndios da Bahia e do Espírito Santo. Pertenciam ao grupo Gê.
Cuxiponés - não há informações sobre esta tribo.
Guiará - espécie de peixe no Pará, a palavra vem do tupi e significa guiar.
Icoarana - povoamento paulista entre Sertãozinho e Catanduva, no norte do estado.
Iperoig - antigo aldeamento Tamoio no litoral norte de São Paulo, entre São Sebastião e Ubatuba. Lutaram
contra a Vila de São Paulo e mantiveram o Padre Anchieta como refém, até conseguirem o Armistício de Iperoig.
Na seqüência, foram derrotados.
Itapicuru - planta da família das leguminosas, com madeira de qualidade e flores brancas. Ocorre principalmente
na Bahia, em Minas Gerais e no Espírito Santo. E o nome de um rio na Bahia e no Maranhão. Em tupi, itapicuru
significa laje formada de cascalhos ou seixos.
Mutuparana - nome de um rio no Estado do Maranhão.
Piracuama - é o nome de um povoamento paulista pertencente ao município de Pindamonhangaba, no leste do
Estado. Também é nome de um rio na serra da Mantiqueira.
Paracuê - não há informações sobre esta tribo.
Poconé - cidade no Mato Grosso, fundada em 1780. Ganhou este nome por causa da tribo dos Ipoconés.
Anteriormente, era chamada São Pedro d'El-Rei, e atraiu a migração por causa do ouro, ainda que escasso.
Tucunas, Ticunas ou Tucunás - são o mesmo grupo ameríndio do oeste amazônico, perto da fronteira do Brasil
com o Peru e a Colômbia. São cerca de 33 mil, espalhados em tribos, onde a piscicultura e a produção artesanal
são as principais fontes de renda.
Turiassu - significa facho grande, tocha, fogueira ou farol, e é também o nome de uma cidade e um rio no
Maranhão.
Traipu - significa "muito peixe" ou "olho d'água do monte", em fontes históricas diferentes. É o nome de uma
cidade de Alagoas, fundada em 1835. Antes de ganhar este nome em 1916, a rua chamava-se C.
Xerentes - são os Xavantes semicivilizados ou mansos. Habitam o médio Tocantins na margem direita, em várias
aldeias, desde o Rio do Sono até Boa Vista. Vivem da caça e do artesanato, e estão em constante tensão com
moradores da região, pois a área é alvo de muitos projetos de desenvolvimento que visam principalmente a
expansão do plantio da soja e a pavimentação das estradas que cortam o território Cherente.