Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de

Transcrição

Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de
caso clínico
Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de
molares utilizando mini-implantes como ancoragem
Treatment of anterior open bite with molars intrusion using mini-implants as anchorage
Fabricio Pinelli Valarelli*
Juliana Shinnae de Justi**
Claudia Cristina da Silva***
Karina Maria Salvatore de Freitas****
Rodrigo Hermont Cançado*****
Abstract
Resumo
Este artigo relata a correção de
uma mordida aberta anterior
severa, com indicação cirúrgica,
em uma jovem com 18 anos de
idade. Como a paciente apresentava resistência a intervenções
mais invasivas, optou-se por um
tratamento conservador. A abordagem utilizada para conseguir
um fechamento satisfatório da
mordida aberta foi o tratamento ortodôntico convencional,
associado à intrusão dos molares
superiores. Considerando-se que
a mecânica de intrusão provoca
efeitos colaterais — dependendo da forma como se realiza a
ancoragem e devido à maneira como as forças agem sobre o
dente que está sendo intruído
e sobre os suportes de ancoragem, que na maioria dos casos
são dentes adjacentes —, foram
utilizados dois mini-implantes
como sistema de ancoragem
absoluta. Tal decisão ocorreu
para obtenção de um melhor
controle da mecânica. Ao final
do tratamento, o fechamento
da mordida aberta foi alcançado satisfatoriamente, atendendo
plenamente às expectativas da
paciente e obtendo uma grande
melhora estética e funcional.
the intruded tooth and on the anchoring supporters, which in most
cases are the adjacent teeth —,
two mini-implants were used as
absolute anchorage system. This
decision was made in order to
obtain a better control of the mechanics. At the end of the treatment the closure of the open bite
was satisfactorily achieved, fully
meeting the expectations of the
patient, providing a great esthetic
and functional improvement.
Palavras-chave:
Mordida aberta. Movimentação dentária. Ortodontia corretiva.
Keywords:
Open bite. Tooth movement. Corrective orthodontics.
Como citar este artigo: Valarelli FP, Justi JS, Silva CC, Freitas KMS, Cançado RH. Tratamento de
mordida aberta anterior com intrusão de molares utilizando mini-implantes como ancoragem. Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 fev-mar;12(1):96-108.
» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros que representem conflito de interesse nos produtos e companhias descritos nesse artigo.
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This article describes the correction of a severe anterior open
bite, with surgical indication,
in an eighteen-years-old young
subject. As the patient showed
resistance to more invasive interventions, a conservative treatment was chosen. The approach
used to achieve a satisfactory
closure of the open bite was the
conventional orthodontic treatment, associated to the intrusion
of the maxillary molars. Considering that the intrusion mechanics
causes side effects — depending
on how anchorage is carried out
and due to the forces acting on
Rev Clín Ortod Dental Press. 2013 fev-mar;12(1):96-108
* Professor do Curso de Mestrado em Odontologia, área de concentração Ortodontia, da Faculdade Ingá, Maringá-PR.
** Especialista em Ortodontia pelo ICOS-CIODONTO, Joinville-SC.
*** Professora do Curso de Especialização em Ortodontia da UNIES, Bauru/SP.
**** Coordenadora do Curso de Mestrado em Odontologia, área de concentração Ortodontia, da Faculdade Ingá, Maringá-PR.
***** Professor do Curso de Mestrado em Odontologia, área de concentração Ortodontia, da Faculdade Ingá, Maringá-PR.
Valarelli FP, Justi JS, Silva CC, Freitas KMS, Cançado RH
Introdução
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
A mordida aberta anterior se caracteriza pelo trespasse
vertical negativo na região anterior das arcadas dentárias, e
pode ser de natureza esquelética ou dentoalveolar. Sua etiologia é multifatorial e os diversos fatores etiológicos agindo conjuntamente determinam a severidade dessa má oclusão1. De
maneira geral, excetuando-se os portadores de displasias genéticas ou congênitas, sua etiologia está associada ao padrão
de crescimento facial e à influência de hábitos deletérios1,2.
Em indivíduos adultos, o tratamento dessa má oclusão representa um grande desafio para o ortodontista, tanto para o
fechamento da mordida aberta anterior quanto para a estabilidade dos resultados ao final do tratamento3,4,5. Nesses pacientes, o tratamento ortopédico apresenta grande limitação
por causa da ausência do potencial de crescimento, sugerindo-se, desse modo, que o tratamento seja realizado principalmente pela cirurgia ortognática ou, em casos menos severos,
pela camuflagem ortodôntica (compensação dentária)6.
Por diversas vezes, o tratamento ortodôntico-cirúrgico
dessa má oclusão não é aceito pelo paciente e a compensação dentária torna-se a única opção para melhorar a função
mastigatória, a estética das arcadas dentárias e a harmonia do
sorriso7,8. Recentemente, diversos autores têm se preocupado
em preconizar protocolos não-cirúrgicos para o tratamento
da mordida aberta anterior na dentadura permanente5,9-13.
As extrações dentárias, principalmente de pré-molares e
molares, demonstram grande efetividade na correção dessa má oclusão, aumentando a estabilidade do tratamento, quando comparado a casos sem extrações. Entretanto,
quando o perfil do paciente se apresenta reto ou côncavo ao
início do tratamento, as extrações dentárias e consequente
retração dos lábios superiores e inferiores, durante o tratamento, podem causar grandes alterações do perfil, proporcionando um aspecto facial desagradável7.
A intrusão real dos molares superiores por meio de ancoragem absoluta realizada em miniplacas ou mini-implantes
posicionados na região posterior da arcada dentária se constitui em uma abordagem contemporânea para o tratamento
da mordida aberta anterior na dentadura permanente11,13-16.
Esse tipo de procedimento pode ser instituído como alternativa para pacientes que não desejam se submeter ao procedimento ortodôntico associado à cirurgia ortognática ou que
possam sofrer alterações significativas do perfil caso realizem
extrações dentárias.
Assim, o objetivo desse trabalho é relatar o tratamento,
sem extração, da mordida aberta anterior de origem esquelética em paciente adulto, por meio de mini-implantes para a
intrusão real dos molares superiores.
Diagnóstico
A paciente jovem, com 18 anos de idade, procurou atendimento na clínica ortodôntica queixando-se da má oclusão
de mordida aberta anterior e dificuldades na fonação e na
apreensão de alimentos. Em exame clínico extrabucal, observou-se uma face bastante alongada e um perfil bem convexo,
denotando o padrão vertical. A jovem não apresentava selamento labial e desenvolvia uma musculatura peribucal e mental hipertônica (Fig. 1). Analisando o perfil, observou-se que
o ângulo nasolabial era aberto e que o mento mostrava-se
retruído em função do giro da mandíbula no sentido horário.
Após exame intrabucal, foi constatada a presença de uma
mordida aberta anterior de 3mm, que se estendia do segundo pré-molar do lado esquerdo ao segundo pré-molar do lado
direito. Além dessa característica, formavam-se dois planos
oclusais divergentes, caracterizando sua origem esquelética1,2.
Observou-se uma boa relação anteroposterior entre as arcadas,
demonstrada pela Classe I bilateral (Fig. 2). Em vista oclusal,
verificou-se um apinhamento suave na região anterior (Fig. 3).
Pela análise da telerradiografia, foi confirmado que a
paciente apresentava, ao início do tratamento, um padrão
facial extremamente vertical, avaliado pelas variáveis FMA,
SN.Go.Gn, SN.PlOcl e AFAI (Tab. 1). Além disso, notava-se
os incisivos superiores bastante inclinados para a palatina
(variável IS.NA), os incisivos inferiores acentuadamente vestibularizados (variáveis II.NB e IMPA) e o ângulo nasolabial
excessivamente aberto (Fig. 4).
Na radiografia panorâmica, observou-se a ausência dos
terceiros molares e o aspecto normal dos dentes e estruturas
adjacentes. Notou-se a presença de dilacerações radiculares
(dentes 14, 15, 24 e 25), as quais não influenciaram no propósito do tratamento. Nenhum outro detalhe que pudesse
dificultar ou interferir no tratamento foi encontrado (Fig. 5).
Alternativas de tratamento
Após o diagnóstico da má oclusão de mordida aberta anterior esquelética, foi exposto para a paciente que a primeira opção de tratamento seria a correção da má oclusão por
meio da Ortodontia associada à cirurgia ortognática. Desse
modo, o tratamento cirúrgico por impacção e avanço da maxila, juntamente com o avanço mandibular e a mentoplastia,
seria o tratamento de eleição. Essa alternativa de tratamento
foi baseada no propósito de melhorar a harmonia da face,
permitindo um maior selamento labial em repouso.
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Caso Clínico
Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de molares utilizando mini-implantes como ancoragem
Entretanto, a paciente rejeitou a opção cirúrgica por motivos financeiros e por considerar o procedimento extremamente invasivo. Segundo a paciente, não havia queixa estética da
face que justificasse a realização do procedimento cirúrgico.
Desse modo, a paciente fez a opção pelo tratamento
ortodôntico compensatório, visando a intrusão dos molares
superiores. Para aumentar a eficiência dos resultados, foi
associada a instalação de um mini-implante entre as raízes
de molares e pré-molares em cada lado da região posterior
da maxila. Esse procedimento objetivava, principalmente, a
correção da mordida aberta anterior, melhorando a função
mastigatória. Consciente dos benefícios e limitações do tratamento, a paciente aceitou a opção de tratamento pela camuflagem ortodôntica.
Tabela 1 Alterações das variáveis cefalométricas durante o tratamento ortodôntico e fase de controle.
Variáveis
Inicial
Final
Controle
Componente Maxilar
SNA (graus)
77,1
76,5
76,0
Co-A (mm)
91,3
91,2
91,7
SNB (graus)
67,9
68,4
67,7
Co-Gn(mm)
118,9
119,7
119,6
8,1
8,4
2,8
3,8
Componente Mandibular
Relação Maxilomandibular
ANB (graus)
9,2
Wits (mm)
7,4
Componente Vertical
FMA (graus)
35,6
34,7
33,7
SN.Go.Gn (graus)
45,1
45,0
45,5
SN.PlOcl (graus)
25,2
29,4
28,5
AFAI (mm)
85,8
82,9
83,1
IS.NA (graus)
17,3
Componente dentoalveolar superior
16,9
18,1
IS-NA (mm)
1,4
1,1
1,0
IS-PP (mm)
34,1
33,9
33,5
MS (centroide)-PP (mm)
23,6
20,6
21,5
MS (centroide).SN (graus)
69,2
67,0
68,9
II.NB (graus)
42,3
31,0
32,4
IMPA (graus)
106,2
94,6
97,3
II-NB (mm)
14,5
12,0
12,5
Componente dentoalveolar inferior
II-GoMe (mm)
37,7
42,7
41,5
MI (centroide)-GoMe (mm)
38,3
41,2
41,0
Relação molar (mm)
- 1,1
- 1,7
- 2,1
Relação dentária
Sobressaliência (mm)
2,0
3,0
2,9
Sobremordida (mm)
- 2,9
3,1
2,7
Ls-plano E (mm)
- 4,1
- 3,5
- 3,5
Perfil tegumentar
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Li-plano E (mm)
0,9
3,7
2,3
ANL (graus)
135,8
124,9
125,3
Ls-Linha S (mm)
- 1,7
- 0,6
- 0,7
Li-Linha S (mm)
2,6
5,3
4,0
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Valarelli FP, Justi JS, Silva CC, Freitas KMS, Cançado RH
Figura 1 Fotografias extrabucais ao início do tratamento.
Figura 2 Fotografias intrabucais frontal e laterais ao início do tratamento.
Figura 3 Fotografias intrabucais oclusais ao
início do tratamento.
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Caso Clínico
Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de molares utilizando mini-implantes como ancoragem
Figura 4 Telerradiografia em norma lateral ao
início do tratamento.
Figura 5 Radiografia panorâmica ao início do tratamento.
Desenvolvimento clínico
Foram colados, nas arcadas superior e inferior, braquetes
prescrição Roth 0,022” x 0,028”, e utilizou-se a mecânica do
arco reto (Fig. 6). Simultaneamente, instalou-se uma barra transpalatina associada a uma grade palatina, visando minimizar a
vestibularização dos molares a serem intruídos, além de impedir
a interposição lingual e otimizar a mecânica ortodôntica (Fig. 7).
Logo ao início do tratamento ortodôntico, foram instalados dois mini-implantes 1,6mm x 8mm com perfil transmucoso de 1mm na região vestibular, entre as raízes dos
segundos pré-molares e primeiros molares superiores. Antes disso, avaliou-se o espaço disponível entre os dentes
posterossuperiores, para uma escolha adequada do sítio de
inserção dos mini-implantes (Fig. 8). A ancoragem absoluta
objetivava, principalmente, a intrusão dos dentes posteroasuperiores (Fig. 6, 7). O alinhamento e o nivelamento foram
efetuados por uma sequência de fios NiTi superelásticos,
do 0,014” ao 0,020”.
A força de intrusão foi realizada por meio de elástico corrente posicionado nos tubos dos primeiros e segundos molares superiores, e ancorada nos mini-implantes previamente
instalados (Fig. 9). A força aplicada dos mini-implantes aos
molares foi de 100g de cada lado. O elástico corrente foi
substituído a cada 30 dias, durante as consultas de manutenção do aparelho ortodôntico.
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Cinco meses após o início da intrusão, a barra transpalatina começou a comprimir o tecido mole do palato.
Por esse motivo, foi realizada a remoção desse acessório (Fig. 10). A grade palatina foi mantida por mais dois
meses, quando foi substituída por esporões na face palatina dos incisivos superiores (Fig. 11).
Após essa fase, ainda durante o período de intrusão,
um torque lingual no fio 0,019” x 0,025” de aço foi realizado na região de molares superiores, bilateralmente
(Fig. 12). A finalidade desse torque foi controlar o efeito indesejado de vestibularização dos molares durante o
período de intrusão.
A mecânica de intrusão dos molares permaneceu ativa
até o fechamento da mordida aberta anterior. Nesse momento, foram adicionados elásticos intermaxilares (3/16” de
força média) na região de caninos para a sobrecorreção do
trespasse positivo na região anterior (Fig. 13).
Doze meses foram necessários para que se conseguisse a intrusão suficiente dos molares para o fechamento da
mordida aberta anterior. Após a finalização do tratamento,
o aparelho foi removido e uma contenção 3x3 foi instalada
nos dentes anteroinferiores. Para os dentes superiores, foi
confeccionada uma placa de Hawley com um orifício na
região da papila incisiva. O orifício tem como função reeducar a postura da língua, evitando sua interposição entre
os dentes anteriores durante a fala e deglutição (Fig. 14).
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Figura 6 Aparelho fixo com grade palatina e intrusão dos molares superiores por meio de mini-implantes.
Figura 7 Barra transpalatina associada à grade
palatina fixa.
Figura 8 Radiografias periapicais para avaliação do sítio de inserção dos mini-implantes.
Figura 9 Elástico corrente passando pelos tubos dos molares e ancorando-se no mini-implante.
Figura 10 Fotografias oclusais durante o tratamento: barra transpalatina comprimindo o palato, remoção do acessório e a lesão provocada por
essa compressão.
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Caso Clínico
Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de molares utilizando mini-implantes como ancoragem
Figura 11 Esporões colados às faces palatinas dos incisivos superiores.
Figura 12 Efeito do torque lingual conferido ao fio na região posterior.
Figura 13 Elásticos intermaxilares para a sobrecorreção do trespasse positivo.
Figura 14 Placa de Hawley com orifício recordatório e contenção 3x3.
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Resultados do tratamento
O aparelho foi removido após um período de dois anos
e dois meses de tratamento. Os componentes esqueléticos,
maxilar e mandibular não sofreram alterações, assim como a
relação entre a maxila e a mandíbula. O componente vertical
sofreu sensível diminuição, verificada pelas variáveis FMA,
SN.PlOcl e AFAI (Tab. 1, Fig. 15A).
Em relação aos componentes dentoalveolares, os incisivos superiores não sofreram grandes alterações. Já os primeiros molares superiores sofreram uma intrusão real de 3mm
durante o período de tratamento, verificada pela variável
MS_(centroide)-PP e mínimo movimento de angulação mesiodistal (MS_(centroide).SN) (Fig. 15B). Os incisivos inferiores
apresentaram verticalização significativa, observada pelas variáveis II.NB e IMPA. Além da verticalização, também apresentaram pequena retração (II-NB) e extrusão (II-GoMe). Os
molares inferiores mostraram extrusão durante o tratamento
(MI_(centroide)-GoMe) (Fig. 15C).
No componente de relação dentária, a variável que sofreu
maior alteração foi a sobremordida, que variou de -2,9mm para
3,1mm. O perfil tegumentar sofreu variação pela suave protrusão dos lábios superiores (Ls-plano E e Ls-linha S) e lábios inferiores (Li-plano E e Li-linha S), além da diminuição do ângulo
nasolabial (ANL) (Fig. 15A). De uma forma geral, o tratamento
ortodôntico promoveu aumento da função mastigatória, com
melhora da estética facial devida ao bom posicionamento dos
dentes na arcada e harmonia do sorriso (Fig. 16, 17, 18, Tab. 1).
B
A
C
Figura 15 Sobreposições dos traçados inicial (preto) e final (verde): A) base do crânio S-N, B) Plano palatino (ENA-ENP), C) sobreposição em plano mandibular (GoMe).
Figura 16 Fotografias extrabucais imediatamente após a remoção do aparelho.
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Figura 17 Fotografias intrabucais imediatamente no final do tratamento.
Figura 18 Fotografias intrabucais oclusais imediatamente no final do tratamento.
Figura 19 Radiografia panorâmica ao final do tratamento.
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Figura 20 Telerradiografia em norma lateral
ao final do tratamento.
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Um ano após o término do tratamento, a paciente retornou ao consultório para o controle dos resultados obtidos
com o tratamento ortodôntico e verificação dos aparatos de
contenção. Foram realizados novos exames radiográficos e
observou-se a grande estabilidade dos resultados conseguidos durante a fase de tratamento (Fig. 21, 22).
Houve uma pequena recidiva, de 0,9mm, da intrusão
dos molares superiores obtida durante a fase de tratamento, verificada pela variável MS_(centroide)-PP, a qual não resultou em alterações significativas no trespasse vertical na
fase de controle. As demais variáveis estudadas permaneceram sem alterações evidentes (Fig. 23).
Figura 21 Fotografias extrabucais 1 ano após
o término do tratamento.
Figura 22 Fotografias extrabucais 1 ano após
o término do tratamento.
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B
A
C
DISCUSSÃO
As más oclusões de mordida aberta anterior esquelética
de pacientes adultos, em grande parte, levam o ortodontista
a estabelecer um plano de tratamento ortodôntico associado à cirurgia ortognática, seja pelo fator estético envolvendo a face, seja pela severidade da discrepância observada
na má oclusão do paciente. No entanto, em grande parte
das vezes, a resistência apresentada por esses pacientes a
tratamentos que dependam de intervenções cirúrgicas, em
ambiente hospitalar, tem levado os ortodontistas a optar
pela camuflagem ortodôntica por meio das compensações
dentárias, com o objetivo de mascarar as discrepâncias esqueléticas presentes17.
É possível, em casos específicos, quando o comprometimento ósseo e a estética facial não representam a maior
queixa do paciente, realizar procedimentos que visam o tratamento compensatório, como é o caso das extrações dentárias para a correção da mordida aberta anterior18. As extrações dentárias facilitam o fechamento da mordida aberta
anterior, principalmente pelos movimentos de retração e
verticalização observados pelos dentes anteriores durante
o fechamento dos espaços12. Entretanto, quando o paciente
se recusa a fazer extrações dentárias, ou mesmo quando
seu perfil é desfavorável para essa conduta terapêutica, outras opções podem ser utilizadas com taxa semelhante de
sucesso, como desgastes oclusais de dentes posteriores19
ou a intrusão de molares superiores por meio de ancoragem absoluta13,14.
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Figura 23 Sobreposições dos traçados inicial (preto), final (verde) e controle (vermelho): A) base do crânio S-N, B) Plano Palatino (ENA-ENP), C) sobreposição em plano
mandibular (GoMe).
Entre as opções de dispositivos de ancoragem absoluta
para a intrusão dos molares superiores, as miniplacas de titânio instaladas no zigomático se apresentam como método
efetivo, produzindo resultados bastante satisfatórios20. Entretanto, para a realização da ancoragem apoiada em miniplacas, o paciente precisa ser submetido a uma intervenção
cirúrgica no momento de sua instalação e outra no momento
de sua remoção, além do custo relativamente alto, quando
comparadas aos mini-implantes. Os mini-implantes ortodônticos autoperfurantes, além de promoverem resultados
bastante satisfatórios, ainda apresentam relativas vantagens
sobre as miniplacas, como: o baixo custo, a simplicidade do
ato de instalação e remoção, a viabilidade de mais sítios de
inserção, a facilidade de higienização, a possibilidade de carga imediata e um ótimo conforto ao paciente14,21. Segundo
Brandão e Mucha22, a porcentagem de pacientes ortodônticos satisfeitos com os mini-implantes é de 90%.
Em relação aos resultados alcançados com a mecânica
de intrusão, verificou-se que os primeiros molares superiores
do presente caso clínico apresentaram intrusão real de 3mm
observada pela variável MS_(centroide)-PP. Xun et al.14 obtiveram média de 1,8mm de intrusão dos primeiros molares
superiores com ancoragem em mini-implantes.
A intrusão dos molares superiores proporcionou a giroversão da mandíbula no sentido anti-horário, promovendo
a diminuição da AFAI em 2,9mm, além mostrar suave alteração do componente vertical, observada pela variável FMA
durante o período de tratamento. Sugawara et al.23 já haviam descrito as mesmas alterações, observando a intrusão
Valarelli FP, Justi JS, Silva CC, Freitas KMS, Cançado RH
de molares ancorada em mini-placas. Também Sherwood et
al.24 e Erverdi et al.25 verificaram a rotação do plano oclusal
no sentido horário, a rotação da mandíbula no sentido anti-horário e a consequente diminuição da AFAI, em estudos
semelhantes, com intrusão de molares superiores por meio
de miniplacas. A variável SN.PlOcl sofreu aumento de 4,4°,
que ocorreu por causa da giroversão do plano oclusal no
sentido horário mediante a intrusão dos molares superiores14. Em relação ao movimento de intrusão dos molares superiores, é importante salientar que esses dentes sofreram
mínima angulação para a distal, verificada pela alteração na
variável MS_(centroide).SN, o que denota que a alteração
na variável MS_(centroide)-PP foi realmente proporcionada
pela intrusão real dos molares, e não apenas por uma rotação para a distal da coroa desses dentes.
Um fator pouco evidenciado na literatura e de grande importância durante o movimento de intrusão dos molares é a
tendência de inclinação vestibular desses dentes. Alguns autores desenvolveram acessórios específicos para auxiliar na
mecânica de intrusão, como Erverdi et al.20, que preconizaram uma placa de acrílico recobrindo os dentes posteriores e
ancorando-a em mini-placas de titânio, ou Hernandez et al.26,
que desenvolveram um parafuso de titânio que atravessa a
cortical óssea de vestibular a palatino na região posterior da
maxila. Ambos visam minimizar o efeito colateral de vestibularização do molar, resultante da mecânica de intrusão. Para
o caso clínico relatado no presente artigo, optou-se pela utilização de uma barra transpalatina nos primeiros momentos
do tratamento, seguida da aplicação de torque palatino no
fio ortodôntico 0,019” x 0,025” de aço, realizado na região
dos molares superiores. Segundo Park et al.21, a barra transpalatina pode ser substituída por mini-implantes inseridos na
região palatina ou, em pacientes que passaram por uma prévia expansão rápida da maxila (ERM), o aparelho expansor
pode ser mantido com a mesma finalidade.
Em relação à recidiva do movimento de intrusão ocorrida com os molares superiores, a quantidade é pequena27.
Contudo, os molares superiores, no caso clínico em questão,
apresentaram recidiva de 0,9mm 1 ano após o final do tratamento, ou seja, aproximadamente 30% da intrusão obtida
durante o tratamento. Sugawara et al.23 também relataram recidiva de aproximadamente 30% do movimento de intrusão
dos molares. Por esse motivo, Park et al.21 sugerem a sobrecorreção do movimento intrusivo dos molares como um dos
principais fatores na estabilidade da correção da mordida
aberta anterior por meio de mini-implantes.
Observa-se, no presente caso clínico, que diferentemente
do comportamento observado pelos incisivos superiores, o
componente dentoalveolar inferior sofreu alterações nítidas.
Os incisivos inferiores apresentaram grande verticalização
(II.NB e IMPA), extrusão (II-GoMe) e suave retração (II-NB).
Os molares inferiores sofreram extrusão (MI_(centroide)-GoMe). Todas essas alterações já eram esperadas mediante a giroversão da mandíbula, e consequentemente dos
dentes inferiores, no sentido anti-horário, além dos desgastes interproximais realizados para diminuição da pequena
discrepância de modelo existente ao início do tratamento.
Ademais, a utilização de elásticos intermaxilares verticais
na região anterior promoveu a extrusão e lingualização dos
incisivos superiores e inferiores, o que foi favorável para a
correção da mordida aberta anterior, em conjunto com a
intrusão dos dentes posterossuperiores14.
A sobremordida foi a variável que sofreu maior alteração
durante o tratamento (início: -2,9mm / final: 3,1mm). Essa alteração de 6mm foi causada, principalmente, pela intrusão
dos molares superiores, que possibilitou a giroversão da
mandíbula no sentido anti-horário, juntamente com a extrusão dos dentes anteriores causada pela utilização dos elásticos intermaxilares nessa região14,15,21,25.
Dessa forma, o principal objetivo do tratamento para
a paciente em questão foi atingido. Ademais, para a obtenção plena do sucesso do tratamento dessa paciente,
espera-se, além da correção do trespasse vertical negativo
na região anterior ao término do tratamento, também uma
boa estabilidade dos resultados. Segundo Baek et al.28, a
grande maioria dos casos de mordida aberta anterior tratados com intrusão de molares por meio de ancoragem
esquelética apresenta recidivas durante o primeiro ano
após sua finalização. No presente caso clínico, o trespasse
vertical apresentou recidiva irrelevante de 0,4mm após 1
ano de controle, demonstrando a grande estabilidade da
correção conseguida durante a fase ativa do tratamento.
Além disso, especula-se que a utilização de contenções
funcionais, como a placa de acrílico utilizada pela paciente
em questão, após o tratamento, possa aumentar a estabilidade dos resultados28.
Conclusão
O tratamento sem extração da mordida aberta anterior
de origem esquelética em paciente adulto, por meio de
mini-implantes, mostrou a ocorrência de uma intrusão real
dos molares superiores. Dessa forma, a correção da mordida
aberta foi facilitada, obtendo-se resultados estéticos e funcionais. Um ano após o tratamento, mesmo com uma pequena recidiva da intrusão dos molares superiores, a oclusão se
manteve estável e a mordida permaneceu fechada.
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Caso Clínico
Tratamento de mordida aberta anterior com intrusão de molares utilizando mini-implantes como ancoragem
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Endereço para correspondência
Karina Maria Salvatore de Freitas
Rua Jamil Gebara,125 apto 111 – 17.017-150 – Bauru/SP
E-mail: [email protected]
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