Comunicações dos Seminários da Presidência da República, 2008

Transcrição

Comunicações dos Seminários da Presidência da República, 2008
2008-2009
REPÚBLICA DE
MOÇAMBIQU E
COMUNICAÇÕES APRESENTADAS NOS SEMINÁRIOS
DO GABINETE DE ESTUDOS DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA
Ficha Técnica
Título: Comunicações dos Seminários da Presidência da República
Coordenação: Arlete Matola
Organização: Arlete Matola, Johane Zonjo, Paulo Covele
Editor: Gabinete de Estudos da Presidência da República
Revisão: Arlete Matola, Johane Zonjo
Fotos e Imagens: Elídio Tembe, Ezidório Armando Ribeiro,
Edição de som e imagem: Jerónimo Nhamunze
Gravação: Gabinete de Imprensa da Presidência da República
Design Gráfico: Luís Jussa
Produção: PACTO Imagem, Lda.
Número de Registo:
Tiragem: 2.500 exemplares
Local e data da publicação: Maputo, Agosto de 2009
O Gabinete de Estudos agradece:
Aos participantes dos debates
Ao Gabinete de Imprensa da Presidência da República
À Direcção de Administração e Finanças da Presidência
da República
ÍNDICE
SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA COLECTÂNEA............................8
NOTA DO EDITOR..............................................................................................................13
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE...........................................................................18
ANTECEDENTES.....................................................................................................18
O DISTRITO COMO UNIDADE TERRITORIAL DE BASE PARA
A PLANIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL...............................................28
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE:.............................................................38
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
SOCIO-ECONÓMICO DE MOÇAMBIQUE: NOTAS PARA DISCUSSÃO.......................52
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA:
RESPOSTA Á CRISE MUNDIAL..................................................................................59
PRODUÇÃO AGRÍCOLA E SEGURANÇA ALIMENTAR:.................................................87
BREVE REFLEXÃO SOBRE MOÇAMBIQUE......................................................................87
IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO
EM TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS.............................................115
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................115
PRESIDÊNCIA ABERTA E INCLUSIVA: O ESPAÇO DO EXERCÍCIO
DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO...........................................................................167
CONTRIBUIÇÃO PARA UMA ANÁLISE SOBRE OS
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E
INOVAÇÃO NO CRESCIMENTO ECONÓMICO...................................................170
A ERA DA CIÊNCIA E TÉCNICA OU A ERA DO CONHECIMENTO?..........................195
EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E
O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES...............202
EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO DE
MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E OPORTUNIDADES................................................225
CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO: REFLEXÃO SOBRE ALGUMAS
QUESTÕES CRÍTICAS..............................................................................................231
NOTA PRÉVIA.........................................................................................................................231
DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO: .....................................................275
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA NAS
EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO
O DISTRITO...............................................................................................................275
DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA BASEADA
NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS DESENVOLVENDO
O DISTRITO..........................................................................................................................304
O DIÁLOGO E O DEBATE: UMA DAS FORMAS DE CONTRIBUIR
NA INCLUSÃO E NA LUTA CONTRA A POBREZA.................................................309
SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA
COLECTÂNEA
José Manuel Guambe: É Secretário Permanente no Ministério
para a Coordenação da Acção Ambiental e docente de Economia
na Universidade Eduardo Mondlane (UEM). Licenciado em
Economia pela UEM, fez a Especialização em Administração
Pública pelo Instituto de Administração Pública de Paris (França); e
a Especialização em Gestão de Políticas Macro-Económicas, Estados
e Governos Municipais, Descentralização Administrativa e Fiscal,
e Finanças Descentralizadas pela Universidade de Harvard dos
Estados Unidos da América.
José Jaime Macuane: É Doutorado em Ciências Humanas – área de
Ciência Política – pelo Instituto Universitário de Pesquisa de Rio de
Janeiro da Universidade Cândido Mendes (Brasil). De 2004 a 2006
foi Coordenador de Programas da Unidade Técnica da Reforma do
Sector Público (UTRESP). É Professor Auxiliar na área de Ciência
Política e Administração na Universidade Eduardo Mondlane
(UEM) e actualmente exerce as funções de Director do Curso de
Mestrado em Governação e Administração Pública da UEM.
Rafael Uaene: É Licenciado em Agronomia pela Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), Mestre em Agronomia e Melhoramento
de Plantas pela Universidade de Queensland (Austrália) e Mestre
e Doutorado em Economia Agrária pela Universidade dos Estados
Unidos. Foi Professor e Director Pedagógico do Instituto Agrário de
Chimoio (1985-1993); Investigador de algodão e Chefe do Centro
de Investigação de Namialo - Nampula (1993-1997); Investigador
e Director do Instituto de Investigação Agronómica de Moçambique
(1997-2005).
Jaime Nicol’s: É Licenciado em Linguística pela Universidade
Eduardo Mondlane, Economista-Técnico pelo Instituto Superior
8
e Politécnico de Marketing e Gestão (ex-República Democrática
Alemã). Desempenha actualmente as funções de Director Nacional do
Comércio no Ministério da Indústria e Comércio.
Hélder Gemo: É agrónomo de profissão. É Licenciado em
Engenharia Rural pela Faculdade de Agronomia e Engenharia
Florestal da Universidade Eduardo Mondlane e Mestrado em
Extensão Agrária pela Universidade de Pretória. É funcionário do
Ministério da Agricultura (MINAG) desde 1990 onde desempenhou
várias tarefas de entre elas a director adjunto (1998-2000) e director
nacional de extensão agrária (2000-2006).
Ana Comoane: É Licenciada em Direito e Mestrada em Ciências
Jurídico-Económicas pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM)
e Doutoranda na menção de Ciências Jurídico-Económicas pela
Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. É advogada,
agente oficial da propriedade intelectual, docente universitária na
Faculdade de Direito da UEM, Membro do Conselho Superior
da Magistratura Judicial, desempenha actualmente as funções de
Directora Nacional do Turismo.
Jorge Ferrão: É Licenciado em Relações Internacionais e Diplomacia
pelo Instituto Superior de Relações Internacionais (Moçambique),
Mestrado em Políticas Públicas e Regionais pela Universidade de
Zimbabwe e Doutorado pela Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (Brasil). É Pesquisador Sócio-Ambiental e actualmente
desempenha as funções de Reitor da Universidade de Lúrio
(Moçambique).
Marcelino Lucas: É Licenciado em Biologia pela Universidade
Eduardo Mondlane (Moçambique), Mestrado em Saúde Ambiental
pela Queensland University da Austrália e Doutorado em Politicas
de Ciência, Tecnologia e Inovação pela Lund University da Suécia.
Já assumiu várias funções de chefia e direcção, sendo de destacar a de
9
Presidente da Sub-Comissão da SADC no sector da saúde, no âmbito
das emergências; a de
Coordenador dos Projectos de Investigação da Vacina de Cólera, HIV
e Malária na Beira; e a do Director do Laboratório Regional de
Alimentos e Água. Actualmente desempenha as funções de Director
Nacional de Plano, Estatística e Cooperação no Ministério da
Ciência e Tecnologia, onde é igualmente Coordenador da Estratégia
de Ciência, Tecnologia e Inovação em Moçambique e Coordenador do
Estudo sobre infecções da Cólera e HIV/SIDA na cidade da Beira, em
coordenação com a International Vaccine Institute.
Américo Muchanga: É Licenciado em Engenharia Electrotécnica,
Ramo de Correntes Fracas, pela Universidade Eduardo Mondlane
(UEM) e Doutorado pelo Instituto de Tecnologia (KTH) da Suécia na
área de Engenharia de Tráfego nas redes de telecomunicações baseados
em Fibras Ópticas. É docente da UEM há vários anos, onde lecciona
as cadeiras de Redes de Dados e de Telecomunicações, de Sistemas
Operativos, Sistemas de Segurança, Arquitectura de Computadores.
Foi Director do Centro de Informática da UEM (CIUEM) e
actualmente desempenha as funções de Director de Planificação da
mesma universidade.
Sérgio Mathe: É Licenciado em Relações iternacionanais e
Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais
(Moçambique); Pós-Graduado Em Política Externa da União
Europeia pela Universidade de Michigan e Universidade Livre
de Bruxelas; Mestrado em Diplomacia pelo Instituto Superior Rio
Branco do Brasil; Mestrado em Política Internacional, na vertente
de Gestão da Cooperação pela Universidade Livre de Bruxelas
(Bélgica) e Doutorado em Estudos de Paz e Desenvolvimento pela
Universidade de Gotemburg (Suécia). É Diplomata de carreira
desde 1998 e actualmente está afecto à Embaixada de Moçambique
junto da Bélgica, Holanda Luxemburgue e Comunidades Europeias
10
em Bruxelas. É Docente/pesquisador visitante na Universidade de
Gotembörg e Växjö (Suécia), Instituto de Relações Internacionais
“Clingendael” (Holanda) e Oxford College University (Reino
Unido).
Belmiro Rodolfo: É Licenciado em Relações Internacionais e
Diplomacia pelo Instituto Superior de Relações Internacionais ISRI (Moçambique) e Mestrado em Estudos de Desenvolvimento, na
vertente económica, pela Universidade de Sussex (Reino Unido). Foi
docente da cadeira de Economia e Desenvolvimento no ISRI; Chefe do
Departamento de Economia, Estudos e Desenvolvimento do Centro
de Estudos Estratégicos Internacionais (CEEI) do Instituto Superior
de Relações Internacionais. e pesquisador visitante do Centro de
Estudos da África Austral da University of Western Cape (África do
Sul). Desempenhou ainda as funções de Chefe do Núcleo Coordenador
da Agenda 2025: Visão e Estratégia da Nação e actualmente é o
Director do CEEI.
Narciso Matos: É Licenciado em Química pela Universidade
Eduardo Mondlane (UEM) (1975) e Doutorado pela Universidade
de Humboldt na Alemanha (1985). Foi Director da Faculdade de
Ciências (na década de 1980) e Reitor da UEM (1990 a 1995). Foi
Secretário Geral da Associação das Universidades Africanas, sediada
no Gana (1995 a 2000). No mesmo período foi membro da Comissão
de Consulta sobre Ensino Superior do Secretário Geral da UNESCO.
De 2000 a 2007, exerceu a função de Director do Programa de
Desenvolvimento Internacional da Fundação Carnegie Corporation
de New York, Estados Unidos da América. É actualmente o Director
Executivo da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade
(FDC).
João Assale: É Licenciado em Ensino de Geografia pela Universidade
Pedagógica (Moçambique) e Mestrado em História das Populações pela
Universidade do Minho (Portugal). Exerceu as funções de Director da
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Faculdade de Agricultura da Universidade Católica de Moçambique e
de Director Provincial de Educação, na província de Niassa. A partir
do ano de 2006 vem trabalhando nos órgãos centrais do Ministério
da Educação e Cultura tendo exercido o cargo de Director Nacional
Adjunto de Educação Geral (para área do ensino primário) e exerce
actualmente o cargo de Secretário Executivo do Plano Estratégico da
Educação e Cultura. Henrique Cau: É Licenciado em História pela
Universidade Eduardo Mondlane e Mestrando em Sociologia Rural
e Gestão de Desenvolvimento pela mesma Universidade.
É Fundador e Coordenador da Associação dos Estudantes Finalistas
Universitários de Moçambique e Coordenador Geral do Projecto Férias
Desenvolvendo o Distrito, uma iniciativa desta Associação. Desde
finais de 2008 é Coordenador da Comissão para a Criação do Centro
de Apoio ao Desenvolvimento Rural (CADER), uma organização da
Sociedade Civil que visa a promoção e apoio aos projectos e programas
de Desenvolvimento Rural. Em 2006 é nomeado Embaixador de
Boa Vontade pelo Sistema das Nações Unidas em Nova York para os
Objectivos de Desenvolvimento de Milénio na área da Juventude em
Moçambique. É Membro do Conselho Nacional do Ensino Superior
(órgão de consulta e aconselhamento do Conselho de Ministros para
área do Ensino Superior em Moçambique) desde 2007. É funcionário
do Ministério da Ciência e Tecnologia afecto à Direcção Nacional de
Investigação, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico, onde coordena
o Programa Expedições Científicas desde 2007.
Augusta Maita Pechisso: É Licenciada em História pela
Universidade Eduardo Mondlane e Mestranda em Sociologia Rural
e Gestão de Desenvolvimento pela mesma Universidade. É docente no
Departamento de História da Faculdade de Letras e Ciências Sociais
da Univeridade Eduardo Mondlane.
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NOTA DO EDITOR
A 22 de Outubro de 2008, na Presidência da República de
Moçambique teve lugar o último seminário do Gabinete de
Estudos da Presidência da República referente ao ciclo do ano
de 2008. Tal como os outros seminários, este foi obsequiado
com a presença de Sua Excelência o Presidente da República
Armando Emílio Guebuza e contou com a participação de cerca
de 150 convidados, entre eles o Ministro na Presidência para
os Assuntos da Casa Civil, Dr. António Sumbana; o Ministro
dos Transportes e Comunicações, Eng.º Paulo Zucula; o ViceMinistro do Turismo, Dr. Rosário Mualeia; Membros do
Conselho Consultivo da Presidência da República, jornalistas,
editores de jornais, académicos, membros de partidos políticos
da oposição, representantes do sector privado, estudantes, entre
outros.
Neste seminário, foi lançada a segunda colectânea Comunicações
dos Seminários da Presidência da República, uma brochura que
congrega as várias apresentações feitas durante o ciclo de
seminários de 2007 na Presidência da República. Intervindo na
ocasião e em nome dos autores das comunicações, o Professor
universitário Lourenço do Rosário, Reitor da Universidade
A Politécnica e Presidente do Fundo Bibliográfico de Língua
Portuguesa, traçou o espírito e as linhas que orientam os
seminários da Presidência da República. Nesta terceira
colectânea, que integra as comunicações feitas nos anos de 2008
e 2009, quisemos recuperar as palavras então proferidas pelo
Professor Lourenço do Rosário, que em nosso entender ainda
se afiguram tão actuais para caracterizar o debate que a presente
edição pretende dar continuidade. Eis a alocução do Professor
Lourenço do Rosário:
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Sua Excelência Presidente da República,
Caros convidados,
Pediram-me para em poucos minutos apresentar o meu testemunho
relativamente, não só a esta colectânea que agora está a ser
apresentada e vai ser difundida, mas essencialmente apresentar
também o sentimento que nós autores de alguns desses artigos temos
em relação a estes momentos que estamos a viver aqui na Presidência
da República. Moçambique é um país multiétnico, multi-linguístico,
com diversidade cultural e, naturalmente, traz consigo linhas que
exigem uma convergência para quem quer dirigir esse mesmo País.
Presidente Guebuza inaugurou na governação deste país, um estilo
que nos merece muita atenção do ponto de vista do futuro deste país.
O conceito de Governação [Aberta e] Inclusiva é um conceito que traz
consigo múltiplas definições. As Presidências Abertas, que têm sido
uma das marcas de Governação do Presidente Guebuza, têm muitas
faces. Aquela que é a mais conhecida são as viagens que o Presidente
faz pelo país fora e contacta directamente com aquele segmento da
população moçambicana que não está tão perto do poder e que traz,
talvez, também maior impacto do ponto de vista da comunicação
social, dos media e da opinião pública em geral. Contudo, parece-me
a mim que o facto de o Presidente da República ter aberto as portas
da Presidência de modo a que aqui neste lugar pudéssemos apresentar
também as nossas ideias sobre o estilo, a forma e os conteúdos de
governação e da nossa vida nacional é uma das faces da Presidência
Aberta se calhar com grande impacto no pensamento e no estilo de
governação do próprio Presidente. Este espaço aqui não é o clube do
Presidente. É o espaço dos cidadãos que o Presidente quer ouvir – e
isto é um aspecto importante dos dirigentes que sabem e querem ouvir!
Porque, efectivamente, muitos dos problemas que foram discutidos
neste espaço poderão ter sido digeridos e introduzidos na governação
sem que nós próprios tenhamos que saber quando é que o Presidente
– e o seu Governo – decidiu adoptar as questões que foram produzidas
aqui. Por outro lado, eu sinto-me honrado por pertencer ao grupo
de cidadãos que vieram aqui apresentar as suas ideias. Um aspecto
importante que me parece que existe, pelo menos na vontade daquilo
que eu sinto quando sou chamado a intervir em alguns espaços, é a
liberdade de expressão. A liberdade de expressão que não permite que
no nosso comportamento privilegiemos apenas aquilo que chamamos
de politicamente correcto. Porque o politicamente correcto traz sempre
o vírus da hipocrisia. E este espaço aqui não é um espaço da hipocrisia,
é um espaço em que os cidadãos, tal como lá no campo, em que quando
o Presidente interage com as populações eles se abrem e dizem dos seus
problemas de uma forma frontal.... Parece-me a mim que o convite
que o Presidente da República nos faz aqui é exactamente esse:
tenhamos o à-vontade de utilizar este instrumento da democracia que
é a liberdade de expressão e de pensamento.
Eu quero agradecer, mais uma vez, o convite que me foi feito
e muito obrigado!
As palavras do Professor Lourenço do Rosário realçam a
importância e a necessidade de cada vez mais continuar-se
a alargar o espaço de debate de ideias, usando a liberdade de
expressão. Esta será sem dúvida uma das formas de contribuir
para a melhoria do processo de formulação e implementação das
políticas públicas no País. Esta colectânea visa exactamente dar
continuidade a este debate que teve o seu início na Presidência
da República, mas que ainda não está esgotado.
A edição que possui em suas mãos começa por apresentar o tema Os
Desafios da Descentralização no Desenvolvimento Socio-Económico
de Moçambique, da autoria de José Manuel Guambe. Este tema
que marca a governação actual de Moçambique, mereceu o
comentário do Professor Universitário José Jaime Macuane,
intitulado Os Desafios da Descentralização no Desenvolvimento
Socio-Económico de Moçambique: Notas para discussão.
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Rafael Uaene e Jaime Nicol’s apresentam uma reflexão interessante
sobre a Produção e Comercialização Agrícola: Resposta à Crise
Mundial. Este conjunto de ideias foi objecto de comentários por
parte do Eng.º Hélder Gemo.
Com o título Impacto da Política de Desenvolvimento em Turismo:
Contingências e Estratégias, a Dra. Ana Comoane convida-nos a
uma reflexão sobre o sector do turismo em Moçambique, uma
viagem que é complementada pelo excelente comentário feito
pelo Professor Universitário Jorge Ferrão, Reitor da Universidade
de Lúrio.
O quarto artigo da colectânea, da autoria de Marcelino Sales
Lucas, trata-se de uma Contribuição para a Análise dos Desafios
e Oportunidades da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento
Económico, no contexto de combate a pobreza como é o caso
de Moçambique. Essa discussão é comentada pelo Professor
Universitário Américo Muchanga através da comunicação A Era
da Ciência e Técnica ou a Era do Conhecimento?
A Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento e o Contexto de
Moçambique: Desafios e Oportunidades, é a proposta de Sérgio
Mathe e que visa, entre outros objectivos, trazer uma contribuição
empírica à discussão sobre eficácia da ajuda em Moçambique
analisando a racionalidade dos vários sistemas, o modus operandi
e dos vários intervenientes na cadeia da ajuda e as dinâmicas
entre os agentes e os intermediários da concessão da ajuda. Essa
análise mereceu os comentários de Belmiro Rodolfo.
O Professor universitário Narciso Matos discute no seu
artigo A Contribuição do Sistema Nacional de Educação para
o Desenvolvimento: Reflexão sobre Algumas Questões Críticas,
aspectos como impacto da educação sobre o desenvolvimento
e o bem estar, sobre a expansão do acesso a educação bem como
sobre os grandes desafios do sistema nacional de educação em
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Moçambique. Essa reflexão mereceu o comentário de João
Assale, trazendo a visão do sector da educação e cultura em
Moçambique sobre os pontos levantados no texto do Professor
Narciso Matos.
A colectânea encerra com o artigo Distrito Pólo de Desenvolvimento:
Constatações e Desafios – Uma Leitura baseada nas experiências do
Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito da autoria de Henrique
Cau e que traz reflexões baseadas na experiência das actividades
desenvolvidas em 117 Distritos do País, no período 20062009, por estudantes finalistas e recém-graduados, no âmbito
do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito. Esta análise é
acompanhada pelos comentários de XXXXXXXXXX.
17
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO DE
MOÇAMBIQUE
José Manuel Guambe
ANTECEDENTES
A Administração Pública entendida como o aparelho
administrativo em que assenta a acção governativa, é um sistema
complexo, que evolui ao longo do tempo, tendo em cada momento
características que reflectem as condições socio-económicas,
culturais, políticas e administrativas, impostas pela dinâmica da
sociedade. Os fins a que se propõe as forças dominantes do Estado,
a postura e os interesses dos gestores e funcionários públicos, as
aspirações, exigências e pressões da sociedade civil, os hábitos e
tradições da própria Administração Pública condicionam o seu
relacionamento com a sociedade.
No caso específico dos Órgãos Locais do Estado, o aparelho
administrativo é também responsável pela prestação de serviços
de utilidade pública à população decorrente do exercício das suas
funções tradicionais, daí a importância da sua análise.
As reformas políticas, económicas e sociais em curso no
País iniciaram em 1987, com o lançamento do Programa de
Reabilitação Económica (PRE), traduzido por uma viragem na
organização política, económica, social e cultural da sociedade
orientada para uma economia de planificação centralizada para
uma economia de mercado.
Este processo de reformas, tem exigido uma redefinição do
papel do Estado, sobretudo porque se optou por um modelo
económico em que a participação do sector privado passa a ser
dominante. Isto implica que um Estado que foi concebido, para
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um modelo de organização em que havia uma forte intervenção
do Estado na economia, terá que se estruturar para se adequar
aos desafios e as exigências impostas pelo ritmo e dinâmica dos
agentes económicos, e a emergência do sector privado intervindo
nos sectores chave da economia.
A administração pública herdada do sistema colonial caracterizavase por uma estrutura administrativa essencialmente baseada no
princípio da centralização, isto é, na centralização da decisão
administrativa aos órgãos superiores da administração central
colonial. Com a Independência, a natureza do regime modificouse substancialmente, do qual resultou a reforma de 1977, que
“escangalhou” o aparelho do Estado Colonial, e criou um aparelho
de Estado que se adequasse com as opções políticas e económicas
para a construção de uma sociedade socialista e de democracia
popular. A necessidade de reforçar a Unidade Nacional e o
imperativo de atingir certas metas sociais, económicas, políticas
e a falta de quadros, continuaram a aconselhar o centralismo da
decisão administrativa, embora a Lei não deixasse de criar fóruns
onde a voz popular poderia fazer sentir as suas aspirações.
No processo de implementação das reformas operadas depois da
independência, verificou-se uma divergência entre a centralização
da decisão administrativa e as vontades e realidades locais
manifestadas pelos fóruns então criados para a participação
da população nos diversos escalões
territoriais, provocando deste modo
frustrações. Esta realidade foi
constatada e discutida em 1982 no
IV Congresso do Partido Frelimo.
“...A atribuição de competências e
meios aos órgãos locais comporta a sua
responsabilização pela solução de um
número considerável de questões locais.
19
Intervenção de José Manuel Guambe
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Os órgãos locais não estão a assumir as suas responsabilidades na
mobilização de forças e meios para a satisfação das necessidades
populares, aguardando muitas vezes ordens e directivas vindas das
estruturas centrais…”1
Por outro lado, a Constituição da República no seu Artigo 263
refere que:
“...A organização e o funcionamento dos Órgãos Locais do Estado
ao nível local obedecem aos princípios de descentralização e
desconcentração, sem prejuízo da unidade de acção e do poder de
direcção do Governo.
No seu funcionamento, os Órgãos Locais do Estado, promovendo a
utilização dos recursos disponíveis, garantem aparticipação activa dos
cidadãos e incentivam a iniciativa local na solução dos problemas das
comunidades.
Na sua actuação, os Órgãos Locais do Estado respeitam as atribuições,
competências e autonomia das autarquias locais.”2
Participantes do Seminário
1
Relatório do Comité Central ao IV Congresso – pp. 118
2
Artigo 263 da Constituição da República de Moçambique.
20
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A retrospectiva da evolução na organização e funcionamento
dos órgãos locais do Estado, ao longo destes 30 anos da sua
criação permite, identificar os problemas que se colocam para
adequar a administração pública moçambicana à realidade actual
e responder os desafios do desenvolvimento.
A administração pública na sua dimensão territorial prossegue
múltiplos objectivos, nomeadamente: manifestar a soberania
nacional, representar o Estado, organizar a participação dos
cidadãos na solução dos problemas das respectivas comunidades,
prover serviços básicos às populações,promover o desenvolvimento
económico local, garantir a tranquilidade e ordem pública, etc..
Será que a forma de organização e a actual estrutura orgânica dos
órgãos locais do Estado nos diversos escalões, responde a estes
múltiplos objectivos?
A organização administrativa de um território caracteriza-se
em primeiro lugar, por uma estrutura formada pelas entidades e
pelos órgãos que dentro dos seus limites prosseguem a acção de
administrar, e em segundo lugar, por uma repartição considerada
como a ponte de passagem do puramente estrutural para o
funcional, isto é, a repartição entre tais entidades e órgãos, das
atribuições e competências correspondentes. Esta repartição de
atribuições e competências é dominada pelas finalidades da acção
administrativa, as quais de igual modo se repercutem na estrutura
e permitem individualizar nela sectores e níveis diferenciados de
Administração. Assim, temos no país, a Administração Central
e a Administração Local, consoante os interesses a realizar se
estendem a todo o território ou se restringem a fracções ou áreas
determinadas.
A Administração Pública erguida após a independência, estava
orientada para um programa político de desenvolvimento
influenciado pelo modelo socialista e tinha como princípios
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
básicos do exercício do poder e portanto da constituição,
organização e funcionamento dos órgãos do Estado e da
Administração Pública: a “unidade do poder”, “o papel dirigente
do partido” e a “dupla subordinação”.
Nos seus aspectos mais gerais, o “papel dirigente do partido”
consistia na subordinação do Estado ao Partido, na prevalência
dos princípios ideológicos do partido sobre os comandos
normativos do Estado, na integração dos quadros e militantes do
partido nos órgãos do Estado e admissão de funcionários com
base em critérios de ordem político-ideológica. As manifestações
deste princípio tanto nos órgãos centrais, como nos provinciais,
era o mesmo. Os governadores provinciais eram (numa primeira
fase) primeiros secretários do partido, os governos e os conselhos
provinciais eram compostos por dirigentes ou quadros do
partido ou da confiança do partido; a nível central o Comité
Central do Partido tomava as decisões governamentais de fundo
e ao governo cabia a função de as executar. Na Província, a
capacidade técnica estava concentrada no governo composto por
representantes dos respectivos órgãos centrais e além de mais não
se punha propriamente o problema de tomada de decisão, mas da
adaptação e harmonização das decisões centralmente tomadas,
com a realidade local.
O outro princípio era o da dupla subordinação. Segundo este
princípio, os órgãos sectoriais das províncias como emanação dos
respectivos órgãos sectoriais ao nível central, subordinavam-se
aos respectivos órgãos sectoriais, mas como órgãos executivos
das províncias, eles subordinavam-se territorialmente aos
governos provinciais. A dupla subordinação era definida como a
subordinação simultânea do mesmo órgão provincial aos níveis
central, sobre matérias de natureza normativa e ao nível local,
sobre matérias de naturezas territorial. Acontece porém que neste
modelo de governo provincial, as competências exclusivas do
22
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
território não eram nítidas, pois como se fez referência o governo
provincial era um órgão composto de representantes dos órgãos
centrais, dirigidos pelo representante do Presidente da República
para deliberarem sobre matéria que lhes foi delegada ou para
adaptar às condições locais, as decisões centralmente tomadas.
Na prática, não havia de facto uma dupla subordinação. Havia,
sim, duas vias pelas quais os órgãos centrais fazem cumprir as suas
normas, seus planos e seus programas adaptados as províncias.
Princípio da unidade do poder. A manifestação principal deste
princípio no funcionamento dos governos provinciais, consistia na
reprodução da organização e funcionamento dos órgãos centrais,
a nível local em todo território nacional, independentemente
da necessidade, pertinência ou do grau da sua utilidade lá onde
eram criados. O outro aspecto desse princípio é o de onde quer
que fossem criados os órgãos do Estado deviam constituir-se e
funcionar da mesma maneira. Não era permitida a existência de
outras formas de organização e de funcionamento dos órgãos do
Estado.
No quadro mais vasto de reformas, políticas, económicas sociais,
administrativas e sociais, em curso no país, decorreram estudos
que permitiram fazer uma análise profunda sobre o papel dos
Órgão Locais do Estado na administração territorial, de forma
que se tornem em instrumentos dinamizadores e promotores do
desenvolvimento do País. Esta análise, mostrou ter chegado o
momento de se fazer opções profundas do ponto de vista político e
jurídico, sobre a organização e funcionamento dos órgãos locais do
Estado, de modo a que os distritos se tornem a base de planificação
do desenvolvimento, bem como um espaço de participação das
comunidades na solução dos seus próprios problemas.
No período que antecedeu a Independência vigorava no País
um sistema estatal colonial centralizador e autoritário. Estas
23
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
características, assentavam em pressupostos típicos de regimes
coloniais, nomeadamente, a dominação política, a exploração
económica de recursos naturais e o controlo administrativo do
território. No período pós Independência implantou-se um sistema
estatal que nada tinha a ver com a natureza, concepção, organização e
funcionamento do sistema colonial, mas que mantinha no essencial
a organização e a divisão territorial e o carácter centralizador do
Estado por razões que se prendiam com:
•
A preocupação de se atingirem metas políticas, económicas,
e sociais que o próprio Estado se tinha proposto com vista a
criar bases ideológicas, económica e social, para a edificação do
socialismo;
• O interesse no reforço da Unidade Nacional;
• A necessidade de gestão nacional dos escassos recursos
existentes;
• O administrar do território.
A partir de 1987, iniciou um processo de reformas políticas,
económicas e sociais. Neste contexto foi lançado o Programa
de Reabilitação Económica (PRE), que marcou a mudança
substancial de orientação até então seguida na Direcção do
Estado. Os contornos precisos das reformas e das mudanças
que se operavam no País, apontavam claramente para o início
do processo de abandono do modelo socialista de organização
do Estado em vigor desde a Constituição de 1975, e cujos
traços característicos eram os seguintes:
•
•
•
A definição do Estado moçambicano como Estado de
Democracia Popular;
A opção por uma forma de Governo assente no sistema
monopartidário;
A adopção de uma economia centralmente planificada,
baseada na propriedade estatal da terra, dos recursos naturais,
24
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
dos meios de produção e de sectores estratégicos;
A introdução de grandes mudanças na organização do sistema
político administrativo através da criação das Assembleias
do Povo a todos os níveis;
Atribuição exclusiva ao Estado das funções sociais de
educação, saúde e assistência jurídica; e etc.
REFORMA DOS ÓRGÃOS LOCAIS DO ESTADO
Este processo de reformas, atingiu o seu auge com a aprovação,
promulgação e entrada em vigor da Constituição de 1990, que
não só acolheu as medidas até aqui então tomadas, como é o caso
da adopção da economia de mercado, como até aprofundouas introduzindo o sistema de Estado de Direito e um sistema
político multipartidário.
No quadro destas grandes transformações, novos actores emergem
como é o caso do sector privado que passou a desempenhar um
papel relevante na economia, da sociedade civil, das organizações
não governamentais, das organizações comunitárias, etc.. Assim,
o Estado teve que redefinir o seu papel, na vida política, sócioeconómica, cultural e administrativa do País. Este novo papel
assumido pelo Estado implicou a sua reestruturação e a adequação
das suas funções e do seu aparelho, de forma a adequá-lo à nova
realidade decorrente das reformas em curso.
No âmbito da administração pública, as premissas de
Descentralização cuja expressão mais significativa era até então
a desconcentração de competências para os Governadores
provinciais, essencialmente no âmbito da gestão de recursos
humanos, se aprofundam e deram corpo ao Sistema Nacional
de Gestão de Recursos Humanos. Neste mesmo período,
outras iniciativas isoladas de desconcentração foram sendo
implementadas nos diversos sectores. Destas iniciativas resultou
um salto qualitativo do processo de Descentralização, na
25
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
perspectiva de materialização do princípio de participação das
comunidades no processo de governação ao nível local.
Em 1996 foi aprovada, através da Lei 6/96, uma revisão pontual
da Constituição, introduzindo na Lei fundamental a existência
de Autarquias Locais e Órgãos Locais do Estado nos territórios
não abrangidos pelas autarquias. Nesta emenda pontual da
Constituição da República ficou explícito o princípio da
Descentralização e Desconcentração, através da consagração de
um Título específico do Poder Local (Título XIV), para tratar
das autarquias locais e um Capítulo sobre os Órgãos Locais do
Estado (Capítulo IV do Título XII), para tratar dos Órgãos
Locais do Estado.
Em 1997, foi aprovada a Lei das Autarquias Locais, a Lei
2/97 e a respectiva legislação complementar, o que viabilizou a
realização das primeiras Eleições Autárquicas no País. Em 1998,
realizaram-se as primeiras eleições autárquicas em 33 Autarquias
constituídas por 23 cidades e 10 vilas, dando um marco na
história da Administração Pública no País, com o início do
funcionamento das autarquias locais.
A partir de 1998, iniciaram-se estudos tendentes à definição
de um novo quadro legal sobre a organização, competências
e funcionamento dos Órgãos Locais do Estado. Em 2003 foi
aprovada pela Assembleia da República a Lei 8/2003, Lei
dos Órgãos Locais do Estado. Em 2004, foi aprovada a nova
Constituição da República. Em Abril de 2005, foi aprovado pelo
Conselho de Ministros o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais
do Estado, que incorpora aspectos decorrentes da Constituição
de 2004.
O processo de descentralização no seu sentido lato, assegura a
participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios
26
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
da sua comunidade e promove o desenvolvimento local, por se
tratar de um poder mais próximo do cidadão. Assim sendo, ela
exige uma modernização da Administração Pública e a adopção
de um sistema de governação mais participativo. Este processo
exige que a administração local (Órgãos Locais do Estado e as
Autarquias Locais) seja dotada de: autoridade, responsabilidade
e recursos para a resolução de um conjunto de problemas que
afectam ou que concorram para a melhoria das condições de
vida e do desenvolvimento das comunidades. No caso específico
do nosso País, a descentralização é um processo que decorre em
duas vertentes e simultaneamente:
•
A descentralização no sentido restrito do termo, que significa
a existência de autarquias locais como entidades públicas com
personalidade jurídica própria distinta da do Estado, dotadas
de autonomia administrativa, financeira e patrimonial;
•
A desconcentração que abrange os Órgãos Locais do Estado
nos níveis Provincial, Distrital, Posto Administrativo e
Localidade, dotando-os de competências próprias na tomada
de decisões de natureza local e abrindo espaço de participação
das comunidades no desenvolvimento local através dos
conselhos consultivos e do envolvimento dos seus líderes na
tomada de decisões.
27
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O DISTRITO COMO UNIDADE TERRITORIAL DE
BASE PARA A PLANIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
LOCAL
O papel da Província
Os Governos Provinciais constituem um escalão territorial de
governação fundamental no arranjo institucional de administração
pública. Eles têm ocupado o espaço que as estruturas centrais não
podem cobrir tendo em vista a dimensão geográfica do País e as
características específicas socio-económicas existentes ao nível
Provincial, Distrital, do Posto Administrativo e da Localidade.
O escalão territorial de Província tem um perfil que o caracteriza
como maior unidade territorial, o nível de execução de planos
e programas nacionais e locais, promoção do desenvolvimento
económico local, coordenação, monitoria e controle da execução
dos planos executados nos escalões inferiores.
Para que os governos provinciais cumpram cabalmente a sua
missão, a Lei conferiu-lhes atribuições e competências e dispõem
de recursos, para a realização das actividades de governação e de
prestação de serviços básicos às populações e ainda a coordenação
e articulação integrada dos planos e programas distritais, tutela
administrativa nas autarquias locais, dentre outras.
O processo de implementação da Lei 8/2003 exige uma
reestruturação dos Órgãos Locais do Estado nos escalões de
Província, Distrito, Posto Administrativo e Localidade, para que
estes possam cumprir cabalmente as suas responsabilidades.
As indicações mais aproximadas da estruturação dos governos
provinciais à luz da Lei nº 8/2003, de 19 de Maio, assentam nos
seguintes critérios: necessidades de cada unidade territorial para
o exercício de funções mínimas; capacidades para executar as
28
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
tarefas de cumprimento mínimo obrigatório; e potencialidades,
que é a visão futura na base dos perfis e planos de desenvolvimento
da província.
Estes três critérios mostram que a realidade de cada Província é
distinta em termos económicos, sociais, culturais, infra-estrutura,
recursos naturais, o que quer dizer que elas têm potencialidades
diferentes. Esta situação mostra que pode haver uma estrutura
orgânica diferente entre as províncias em função da realidade,
vantagens comparativas e outros factores que determinam as
perspectivas de desenvolvimento de cada Província. Assim,
o escalão territorial de Província tem um papel crucial no
processo de implementação da Reforma dos Órgãos Locais,
preconizada na Lei nº 8/2003, na medida em que é a ela que
cabe dar orientações metodológicas e capacitar os distritos para a
implementação da reforma e ainda, fazer a monitoria e avaliação
da acção governativa a nível distrital, para além de outras funções
estratégicas de: implementar os planos e programas definidos
centralmente, assegurar o desenvolvimento harmonioso da
província.
O papel do Distrito como eixo central da Reforma dos Órgãos
Locais
A Reforma dos Órgãos Locais preconizada na Lei nº 8/2003,
assenta no princípio de que o Distrito é a unidade territorial
de base para a planificação e desenvolvimento ao nível local. A
experiência de planificação descentralizada a nível distrital tem
o mérito de ter conseguido buscar a intersecção e conciliação
dos programas de nível central e provincial, com aqueles que
emergiam a partir da base, quer induzidos, quer espontâneos e
conduzi-los de forma harmoniosa num exercício de planificação
participativa, assegurando a sua endogeneidade.
29
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O distrito como base de planificação e desenvolvimento local,
constitui o nível de governo mais adequado para a prestação
dos serviços básicos à população, por este estar mais próximo
do cidadão, sendo necessário adequar a sua estrutura orgânica
para que se torne um verdadeiro instrumento virado para uma
administração participada e virada para o desenvolvimento,
uma vez que estão estabelecidos os mecanismos de participação,
sistema de informação e ser possível encontrar uma massa crítica
que assegure o funcionamento dos mecanismos de prestação de
contas.
Assim, a questão que se coloca é: como deve ser a estrutura
orgânica de cada um dos 128 distritos, sabendo que eles têm
características socio-económicas, culturais, administrativas,
de recursos naturais e humanos diferenciados, de forma a que
cada um deles responda aos desafios de prestação de serviços
essenciais a população do respectivo distrito e assegurar a
participação efectiva da população na solução dos problemas
quotidianos das populações do distrito?
A outra questão é quais as actividades a serem realizadas
pelo governo distrital, para que ele seja uma verdadeira
alavanca dinamizadora do desenvolvimento local? Será que
as competências atribuídas ao distrito permitem realizar
tais actividades? Que recursos estarão disponíveis para que
o distrito possa incorporar tais actividades no seu plano de
desenvolvimento e seus planos anuais?
A estrutura orgânica do governo Distrital deve ter em
conta as especificidades de cada distrito, e ainda responder a
estratégia de combate à pobreza no respectivo território. Isto
equivale dizer que deve ter capacidade necessária em termos
de recursos humanos qualificados, materiais e financeiros,
para responder as exigências decorrentes do exercício das suas
30
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
atribuições e competências no âmbito do combate à pobreza e
do desenvolvimento local.
À luz da Lei dos Órgãos Locais do Estado, a estrutura orgânica
dos governos distritais deve assentar no modelo integrado de
organização institucional e o critério de Necessidades, Capacidades
e Potencialidades, o que significa que deverá ter em conta as
especificidades de cada distrito, e ainda responder a estratégia
de desenvolvimento no respectivo território. Por outro lado, a
organização do aparelho administrativo nos escalões de Posto
Administrativo, Localidade e Povoação deverão ser ajustados
para responder a estes desafios.
Cada governo distrital poderá ter uma composição de serviços
distritais de conformidade com a sua dimensão territorial, tipo
de actividades socio-económicas e culturais, infraestruturais,
população, etc.. Assim, os distritos com menor grau de
complexidade poderiam ser estruturados, por exemplo, em uma
secretaria distrital e três serviços distritais (serviços de actividades
económicas e infra-estruturas; serviços de saúde e acção social;
serviços de educação, cultura e recreação).
A reestruturação dos Órgãos Locais do Estado, deve ser
acompanhado por um processo de capacitação institucional
que passa pelo apetrechamento em infra-estruturas, sistema de
comunicações (via rádio), equipamento, e recursos financeiros
que possibilitem que sejam realizadas acções concretas de
manutenção de vias de acesso, abertura e manutenção de fontes
de água, extensão rural que tenham campos de experimentação
que contribuam para aumentar o rendimento por hectar dos
produtores familiares, etc..
Ainda neste âmbito, um aspecto importante a considerar para
fortalecer as instituições a nível local é a formação e capacitação
31
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de todos os actores que interagem no desenvolvimento local.
Esta capacitação passa por um diagnóstico das necessidades de
formação de cada um dos grupos alvo, sendo necessário dar uma
atenção especial aos funcionários públicos ao nível do distrito,
incluindo professores, agentes de saúde e extensionistas.
A extensão do aparelho administrativo até ao nível de localidade
deve ser explorado como instrumento de enquadramento das
Autoridades Comunitárias e de aproximação dos serviços de
utilidade pública às populações. As potencialidades dos líderes
comunitários para o envolvimento das comunidades em tarefas
de desenvolvimento comunitário são incomensuráveis, sendo
apenas necessário um melhor enquadramento nas actividades de
governação a nível local e a sua valorização.
Participação Comunitária e o Papel da Sociedade Civil
Para que o Distrito seja em termos efectivos a base de planificação
e de desenvolvimento local, requer que os cidadãos assumam
as suas responsabilidades e mudem de atitude perante o meio
ambiente que os rodeia. As comunidades na sua auto-organização
devem desenvolver as suas capacidades em áreas tais como:
• O associativismo, cooperação e solidariedade;
• Na valorização do conhecimento resultante da experiência
da vida dos mais velhos e sua disseminação pelos jovens;
• No aperfeiçoamento das técnicas de produção para o
incremento da produtividade;
• Na troca de experiências com outras comunidades para
buscar, usar e disseminar novas experiências;
• No aperfeiçoamento da gestão de recursos naturais e os
localmente disponíveis para a maximização das necessidades
das respectivas comunidades.
As capacidades dos cidadãos permitem melhorar as formas
de organização das comunidades e suas lideranças. Por isso, a
32
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
institucionalização dos Conselhos Consultivos, à luz da Lei
dos Órgãos Locais do Estado, tem em vista um adequado
enquadramento dos cidadãos para que contribuam com o seu
conhecimento e sabedoria para o aproveitamento de recursos
locais no desenvolvimento do distrito.
A organização comunitária é a base de suporte de iniciativas que
visem buscar alternativas sustentáveis para resolver os problemas
quotidianos das populações, do que deriva uma dinâmica de
desenvolvimento comunitário endógeno com participação
activa de todos os actores. Assim, os diferentes agentes de
desenvolvimento no quadro da promoção da participação
comunitária no processo de planificação distrital, devem
reconhecer que as comunidades é que geram as dinâmicas no
processo de desenvolvimento económico local.
Uma das práticas para melhorar a interacção da sociedade
civil, sobretudo, a nível distrital ou de posto administrativo, é o
estabelecimento e funcionamento dos Conselhos Consultivos
com a regularidade prevista na Lei. Estes, são constituídos na
sua maioria por personalidades influentes residentes no local,
que de uma forma directa podem contribuir através das suas
ideias e acções nos planos e nas actividades que visam melhorar
as condições de vida da população. Parte-se do princípio de que a
promoção do desenvolvimento local e o combate à pobreza é uma
acção que deve envolver todos os cidadãos residentes na aldeia,
bairro ou localidade, para que possam dar a sua contribuição,
e participar na tomada de decisões e na implementação das
actividades que visem melhorar as condições de vida da respectiva
comunidade. Assim, todos devem sentir-se valorizados pelo seu
envolvimento nas actividades de desenvolvimento local da sua
aldeia ou bairro.
33
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Os Conselhos Consultivos devem ser constituídos por
representantes de diferentes segmentos e grupos sociais. Se
constituídos de forma efectivamente plural e representativa
incluirão políticos, empresários, trabalhadores, donas de casa,
jovens, associações religiosas, desportivas, instituições académicas
e outros tipos de lideranças locais. Na sua composição os Conselhos
Consultivos devem observar o princípio estabelecido na alínea c)
do Artigo 118 do Decreto No. 11/2005, que estabelece que pelo
menos 30% dos membros do Conselho Consultivo devem ser
mulheres.
CONCLUSÃO
A Lei dos Órgãos Locais do Estado estabelece que o Distrito é a
unidade territorial de base para a planificação e desenvolvimento
ao nível local. A experiência de planificação e finanças
descentralizadas a nível distrital tem o mérito de ter conseguido
buscar a intersecção e conciliação dos programas de nível central
e provincial, com aqueles que emergiam a partir da base, quer
induzidos quer espontâneos e conduzi-los de forma harmoniosa
num exercício de planificação participativa, assegurando a sua
endogeneidade.
O distrito como base de planificação e desenvolvimento local,
constitui o escalão territorial de governação mais adequado para a
concretização da dimensão territorial do desenvolvimento, sendo
necessário adequar a sua estrutura orgânica para que se torne
um verdadeiro instrumento dinamizador de uma administração
participada e virada para o desenvolvimento local, uma vez que
estão estabelecidos os mecanismos de participação, sistema
de informação e ser possível encontrar uma massa crítica que
assegure o funcionamento dos mecanismos de prestação de
contas.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A lei ao definir as atribuições e competências para os Órgãos
Locais do Estado, dotou o distrito de autoridade, responsabilidade
e recursos, para que este administre o território, dinamize e
promova o desenvolvimento local participativo, envolvem
não só as comunidades como também os vários actores do
desenvolvimento local actividades tais como:
• a reabilitação e manutenção de estradas não classificadas,
pontes e outros equipamentos de travessia;
• a utilização de material local para melhorar as condições de
habitação da população local;
• a construção de pequenos sistemas de irrigação com uso de
materiais locais e tecnologias apropriadas e de baixo custo;
• a construção de fontes de abastecimento de água incluindo
o aproveitamento da água das chuvas, e gerir ou promover
a gestão de pequenos sistemas de abastecimento de água e
energia;
• o planeamento e ordenamento do território e a elaboração e
execução do plano de desenvolvimento distrital;
• a criação de feiras rurais e a comercialização agrária; e etc.
Com a implementação da Lei dos Órgão Locais do Estado, novas
perspectivas se definiram para o processo de planeamento distrital
na componente físico espacial, principalmente, no que concerne
ao processo de planificação descentralizada e à participação
da população no processo de elaboração e implementação dos
planos distritais de ordenamento territorial, cuja competência de
elaboração, aprovação e implementação é do Governo Distrital.
A obrigatoriedade de adopção de métodos participativos no
processo de elaboração de planos vai ao encontro dos interesses
das comunidades locais, o que facilita a responsabilização de
todos os intervenientes no processo de implementação, assim
como estimula o uso de material local e de técnicas simples no
processo de ordenamento territorial.
35
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Há no País valiosas experiências sobre a participação comunitária
no ordenamento territorial, sendo que o exemplo referido
habitualmente é o processo de reassentamento das populações
afectadas pelas cheias nos anos 2000 e 2001, que com técnicas
simples, sem planos de estrutura e com a participação da população
foi feito um ordenamento em que a experiência foi assimilada e,
hoje, o crescimento destes aglomerados populacionais continua
de acordo com o plano elaborado com a comunidade.
Para melhorar os serviços prestados à população, e
consequentemente a sua qualidade de vida, o Distrito deve em
primeiro lugar, garantir a planificação do seu território. Na base
de um diagnóstico podem-se ver as potencialidades, a localização
de infra-estruturas económicas e sociais e, nesta base, fazer um
plano físico-espacial de localização de aglomerados populacionais,
das actividades, dos projectos e infra-estruturas, assim como
perspectivar o seu desenvolvimento do ponto de vista espacial.
O ordenamento dos aglomerados populacionais facilita a gestão
sustentável dos espaços e dos recursos naturais e passa pela
sensibilização das comunidades para o cumprimento de normas
obrigatórias. Estimula ainda os comportamentos que produzam
efeitos positivos na gestão sustentável dos recursos naturais.
As capacidades, potencialidades e oportunidades de
desenvolvimento do Distrito devem ser a base para a
reestruturação dos governos distritais à luz da Lei dos Órgãos
Locais do Estado, isto é, o comando para a nova arquitectura da
estrutura orgânica do governo distrital.
As transformações pretendidas na estrutura, organização e
funcionamento dos Órgãos Locais do Estrado, devem permitir
que o distrito sendo a unidade territorial de base para a
planificação e desenvolvimento local, seja dotado de Autoridade,
36
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Responsabilidade e Recursos, que o permitam induzir e promover
iniciativas locais de produção de bens e serviços para o mercado,
utilizando recursos e tecnologia localmente disponíveis, e ainda o
conhecimento que existe no seio das comunidades para resolver
os problemas quotidianos da população do distrito.
É nesta perspectiva que a Lei define o regime financeiro dos
Órgãos Locais do Estado, dotando-os de um orçamento
constituído por receitas provenientes de certos impostos e taxas,
e de despesas que permitam a realização das actividades que
concorram para o cumprimento da sua missão.
O estabelecimento do distrito como unidade orçamental, faz com
que o distrito tenha um orçamento, e pode consolidar o exercício
de planificação distrital, utilizando a metodologia participativa
em todas as fases de preparação, implementação e monitoria, do
plano de desenvolvimento distrital.
Aliado à existência de um orçamento distrital é importante que
seja desenvolvida uma capacidade técnica que permita ao distrito
induzir e promover iniciativas locais visando o desenvolvimento
local através de acções tais como: a abertura e manutenção
de vias de acesso, a criação e manutenção de fontes de água,
pequenas represas, sistemas de irrigação, conservação sustentável
de recursos naturais; contribuindo para geração de emprego,
formação técnico profissional das populações locais, etc..
Isto quer dizer que o investimento de iniciativa local no orçamento
do distrito (os sete milhões), deveria ser orientado para acções
desta natureza, ou seja, para o investimento público que permita
geração de emprego a nível local, orientado para infra-estruturas
que contribuam para o desenvolvimento de outras actividades de
produção de bens serviços para o mercado.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO NO
DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO DE
MOÇAMBIQUE:
(Apresentação oral feita por José Manuel Guambe)
Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da República,
passo a apresentar o tema “Os Desafios da Descentralização no
Desenvolvimento Socio-Económico de Moçambique”. Para tratar
deste tema de descentralização que frequentes vezes é visto
como apenas um problema administrativo… ele têm influências
sobre todos os processos políticos, económicos, sociais e culturais
no nosso país. O processo de descentralização que toma forma
daquilo que podemos chamar de Reforma dos Órgãos Locais,
significa termos um aparelho ou uma máquina administrativa
que tem responsabilidade de prestar serviços ou de responder às
demandas da sociedade em geral e sobre a qual assenta toda a acção
governativa. Neste sentido, este processo de descentralização – que
é uma expressão no seu sentido lato – implica a descentralização
no seu sentido restrito e a desconcentração.
A descentralização no caso específico do nosso país, significa a
existência de autarquias locais. Significa, no texto constitucional,
o título sobre o poder local como pessoas colectivas públicas
de território e população, com personalidade jurídica própria
distinta da do Estado, com autonomia administrativa, financeira e
patrimonial, enquanto que a desconcentração significa a existência
de Órgãos Locais do Estado nos escalões territoriais de província,
distrito, posto administrativo, localidade e povoação dotados de
atribuições e competências próprias na tomada de decisões para
a solução de inúmeros problemas da própria comunidade, para
além de funções delegadas pelos órgãos centrais.
38
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A Reforma dos Órgãos Locais do Estado assenta sobre o
pacote autárquico que lhes legisla e tornou viável, portanto, o
funcionamento das 33 autarquias no nosso país, enquanto
que o processo de descentralização assenta na Lei dos Órgãos
Locais do Estado, que é a Lei nº 8/2003 que, portanto,
prevê a desconcentração de competências que vai implicar a
reestruturação dos Órgãos Locais do Estado. A Administração
Pública, que é a máquina – pode haver outras definições do ponto
de vista doutrinário ou mesmo do ponto de vista prático – mas
entendida como a máquina burocrática na qual assenta toda a
acção governativa, portanto responde à preocupações centrais
e territoriais. Portanto, a nível central são todos os órgãos:
Presidência da República, Conselho de Ministros, Ministérios,
Institutos Públicos, e etc. – portanto de natureza central.
Enquanto que ao nível territorial, que é pelas características do
país e a operacionalidade de toda a acção governativa, temos
os chamados Órgãos Locais do Estado, Órgãos Autárquicos
e Órgãos Comunitários, embora seja discutível dizer órgãos
comunitários, mas é a expressão que encontrei para caracterizar
as formas de organização próprias das comunidades que têm
influência sobre o processo de administração do território em
última instância.
Participantes do Seminário
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A Lei dos Órgãos Locais do Estado abrange o nível, ou os escalões
territoriais de governação provincial, distrital, posto administrativo,
localidade e povoação. Neste processo de administração pública em
geral que tem a administração central e territorial, há atribuições
exclusivas dos órgãos centrais. Aquelas funções próprias que só
podem exercidas pelos órgãos centrais. São aquelas relativas ao
exercício da soberania e normação em matérias de definição de
políticas nacionais, tais como a representação do Estado, segurança
nacional, organização do território, soberania financeira, entre
outras. Portanto, a Lei dos Órgãos Locais do Estado, assim como
a própria Constituição referem-se a outras várias, e isto é apenas
exemplificativo.
Os Órgãos Locais do Estado: a primeira função/missão que têm
é a representação do Estado. Porquê? Porque os órgãos centrais
do Estado não podem estar simultaneamente em toda a extensão
do território e tem a missão de realizar tarefas e programas
políticos, económicos e sociais de interesse nacional e também
de interesse local, porque há um conjunto de iniciativas ou acções
que são específicas em cada um daqueles escalões territoriais que
caracterizamos lá atrás como Órgãos Locais do Estado.
As Autarquias são pessoas colectivas de população e território
– de forma mais explícita vimos quando vimos o conceito de
descentralização – que têm o princípio de auto-organização,
portanto na autonomia administrativa e financeira que têm – e
fundamentalmente o princípio de participação. Portanto, a questão
de participação é que é o móbil do processo de descentralização.
Comunidades locais é o conjunto de população e pessoas que
numa determinada unidade territorial se organizam nas suas
formas próprias que pode ser ao nível de povoação, localidade,
posto administrativo ou distrito. Os órgãos comunitários podem ser
autoridades comunitárias definidos pelo Decreto 15/2000 e assim
40
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
como os conselhos locais que estão previstos no Decreto 11/2005,
que é o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado. Portanto
estamos a dizer que nos órgãos comunitários temos as chamadas
autoridades comunitárias que são os chefes tradicionais que têm
várias características – como todos nós sabemos: secretário de
bairro ou chefe de aldeia e outros líderes que desempenham uma
determinada influência numa determinada comunidade ou grupo
de pessoas.
O conselho local é uma forma de institucionalização à questão de
participação que veremos mais lá a frente. Quer os Órgãos Locais do
Estado, quer os Órgãos Autárquicos assentam basicamente sobre a
participação das próprias comunidades. Então, foram instituídos os
conselhos consultivos nos vários escalões: nos escalões de distrito,
posto administrativo e localidade. Agora, qual é o perfil de cada um
dos órgãos que integra os Órgãos Locais do Estado?
A província é a maior unidade territorial – portanto, depois do
país no seu todo – e é o nível de execução de planos e programas
nacionais e locais, enquanto o distrito é a unidade territorial
principal. É a base de planificação e de desenvolvimento. É o nível
de prestação de serviços de utilidade pública à população. É a base
de participação comunitária através dos conselhos consultivos
distritais.
O posto administrativo aproxima os serviços às populações.
Amplia a participação dos cidadãos na realização dos interesses
locais, enquanto que a localidade também aproxima os serviços às
populações. É o nível de contacto permanente entre as comunidades
e as respectivas autoridades comunitárias. E o escalão de povoação é
a unidade territorial de base onde se estabelece também o contacto
permanente entre as comunidades e as respectivas autoridades
comunitárias e é o espaço de interacção com as autoridades
comunitárias.
41
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Esta Reforma dos Órgãos Locais do Estado ou esta
descentralização e desconcentração de que falamos, faz com
que, ou exige que a esses Órgãos Locais do Estado a Lei lhes
atribua atribuições e competências – que é o poder que eles têm
para realizar as múltiplas tarefas na solução dos problemas das
suas comunidades. Estas competências podem ser delegadas
– significa que são competências próprias dos órgãos centrais
mas que são delegadas aos Órgãos Locais do Estado. Ou podem
ser próprias – significa aquelas que eles podem tomar a decisão
e executar sem precisar de prévia consulta ou orientações de
nível superior, embora estejam sujeitos a fiscalização, monitoria
e inspecção dos órgãos centrais. Não significa que se elas
são próprias, elas podem ser realizadas fora dos parâmetros
definidos por lei. A título exemplificativo, a nível provincial as
competências delegadas podem ser: representação da autoridade
central; algumas responsabilidades que têm no que diz respeito
à ordem pública e administração do território; implementação e
fiscalização dos programas e decisões do governo; e também no
âmbito de emergência; enquanto que as competências próprias
são no âmbito de gestão de recursos; na elaboração do plano e
orçamento da província e o respectivo balanço; assim como criar
unidades de prestação de serviços de saúde primários bem como
escolas primárias e de ensino geral.
Ao nível distrital também tem competências próprias e delegadas.
As delegadas podem ser a representação da autoridade central, a
ordem pública, a administração do território, o plano económico e
social assim como informações ao governo provincial e aos órgãos
centrais do Estado que têm também competências próprias...
Quais são as relações que se devem estabelecer entre as autoridades
centrais e locais? Significa que esta desconcentração que é feita...
ao estabelecer as competências para os Órgãos Locais do Estado
estamos a dizer que as relações entre as estruturas centrais e locais
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
serão feitas através do governador e do governo provincial, em
que o governador e o governo provincial representam o governo
central e cada um dos ministros e ministérios. Portanto, de forma
esquemática seria este esquema aqui em que temos a administração
central, que tem o processo de desconcentração que é esta seta
que vai nesta figura oval e que diz governo provincial. Então,
todas as actividades que se realizam aqui são desconcentradas. E
temos do lado esquerdo, as actividades centrais directas: portanto,
há um conjunto de funções como registos e notariado, estatística,
migração que são de nível central e que não estão desconcentradas
para o nível provincial. Portanto, estas recebem as orientações de
segurança e ordem pública directamente de nível central mas há
coordenação, cooperação e troca de informação naquilo que é
necessário entre o governo provincial e estas entidades.
E do lado direito temos as autarquias locais, que tem autonomia
administrativa, financeira e patrimonial mas que estão sujeitas
a tutela administrativa do Estado e que na Constituição de
2005 esta responsabilidade passou também para os governos
provinciais. É por isso que esta seta que vai da administração
central para as autarquias toca o oval do governo provincial.
Significa que esta tutela pode ser exercida pela administração
central assim como pelo nível provincial.
Significa que a máquina administrativa para a qual estamos a falar
da sua reforma tem que ter uma articulação e uma inter-relação
coerente do ponto de vista da sua forma de organização. Portanto,
se um determinado sector está mais avançado no processo de
reformas do que os outros ou não está feito de forma harmónica,
então há disfunções no funcionamento desta. Então, este é que
é o grande desafio, porque as reformas estão a ser levadas a cabo
de forma simultânea mas todos os órgãos não estão a andar ao
mesmo passo ou ao mesmo ritmo.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O governo provincial é composto pelos directores provinciais
que já não representam os ministérios. Eles são nomeados
centralmente pelo ministro da respectiva área ou através de um
deles naqueles casos em que a direcção provincial representa
vários ministérios. Há coordenação com os ministros sectoriais
na selecção ou sua designação e o director subordina-se ao
governador provincial e presta contas ao governo provincial.
Agora, como é que se faz a articulação com o nível central?
Os directores provinciais obedecem a orientações técnicas e
metodológicas dos órgãos que superintendem a actividade, que
pode ser um ou vários ministérios. E informam sobre os aspectos
fundamentais da sua actividade aos ministros que superintendem
os respectivos sectores ou ramos de actividade. Significa que do
ponto de vista técnico-metodológico, as normas, as orientações
e os procedimentos metodológicos vem de nível central. E é aí
onde o nível central faz a fiscalização, monitoria, capacitação e
inspecção para verificar se esta desconcentração para os níveis
locais está sendo exercida dentro dos parâmetros estabelecidos e
se segue as normas e orientações metodológicas emanadas pelo
nível central.
Delegados provinciais: qual é a diferença dos delegados
provinciais com os directores provinciais? Naquele quadro que
eu apresentei atrás do lado esquerdo, havia instituições que
dependem directamente como os serviços de notariado, migração,
segurança pública, e etc. A diferença com os directores é que os
delegados provinciais subordinam-se centralmente. Delegados
provinciais não é a designação que eles têm. Provavelmente
têm várias designações: comandante provincial, director de
migração... Aqui o delegado é um termo genérico para significar
que são aquelas entidades ou são aquelas áreas de actividade na
província ou no distrito que dependem centralmente. Portanto,
subordinam-se centralmente. Articulam e cooperam com o
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
governador e o governo provincial. Significa que estes não se
subordinam ao governador. As actividades que eles realizam não
estão desconcentradas. Continuam centralizadas. Portanto, a área
de desconcentração é aquela que nós vimos anteriormente.
Finanças dos Órgãos Locais do Estado: bom, este é o calcanhar
de Aquiles de funcionamento de qualquer instituição, porque o
exercício de qualquer competência para alcançar um determinado
objectivo ou para realizar a missão para a qual a instituição ou
órgão é criado, ele tem que ter autoridade, responsabilidade e
recursos. Se faltar um destes três, esta entidade pode tomar decisão
mas não vai acontecer nada, porque se ele não tem autoridade
e responsabilidade significa que não pode tomar a decisão nem
executá-la. Então se não pode é ilegal e é nulo de nenhum
efeito. Mas, se tem autoridade e responsabilidade, mas não tem
recursos para fazer cumprir essa decisão também não acontece
nada. Decide mas não acontece nada porque não há recursos para
fazer acontecer aquela decisão. Então é um elemento importante.
Portanto, são esses três elementos que fazem com que de facto
esta descentralização e desconcentração para que se torne uma
realidade é necessário que tenha esses três pés.
É nesse sentido que a própria lei define como é que funcionam as
finanças dos Órgãos Locais do Estado. Significa que a província
e o distrito têm orçamentos próprios, composto por despesas
correntes e de capital, e têm as receitas, que são as transferências
do Estado – aquilo que chamamos de orçamento, que são as
transferências de nível central para os Órgãos Locais do Estado;
e receitas próprias que a lei pode definir e que resultam de taxas,
licenças ou impostos como sendo colectados e que façam parte do
orçamento dos Órgãos Locais do Estado. Portanto, estas receitas
próprias têm que ser definidas pelo Conselho de Ministros e a
fixação e revisão podem ser delegáveis aos Órgãos Locais do
Estado, dentro dos parâmetros definidos.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O posto administrativo e localidade: Era desejável que também
tivessem um orçamento próprio, mas pelas características
territoriais destes escalões de governação que carecem quer de
infra-estruturas, quer de pessoal qualificado, então as suas dotações
deverão ser parte integrante dos orçamentos distritais. Devo dizer
que em algumas localidades nem sequer a administração está
estendida até esse nível, então não se pode falar de orçamento
próprio de um nível onde a própria administração ainda não se
estendeu para esse nível. Mas, seria desejável que à medida que
isso vai acontecendo, esta lógica de desconcentração de finanças
para os Órgãos Locais do Estado caminhasse para esse nível.
Devo dizer que a província já era unidade orçamental. A
grande novidade é o distrito como unidade orçamental, que é a
condição legal sine qua non nos termos da Lei da Administração
Financeira do Estado. É a condição sine qua non para podermos
dizer que o distrito tem um orçamento. Para podermos dizer que
o orçamento do distrito para o Investimento de Iniciativa Local
é tanto, era preciso que houvesse um enquadramento legal nesse
sentido. O Investimento de Iniciativa Local para o distrito cuja
decisão à participação do conselho do distrito.
Significa que toda esta engenharia de reforma de desconcentração
de competências para os Órgãos Locais do Estado e de tomar o
distrito como base de planificação e de desenvolvimento pressupõe
que há recursos sobretudo para o Investimento de Iniciativa Local.
Significa que as iniciativas que surgem ao nível do distrito têm
o tal tripé: o distrito tem a autoridade, a responsabilidade e tem
recursos lá para fazer. Não depende de recursos consignados ou
já pela sua natureza do seu funcionamento normal da actividade.
Então este é o investimento de iniciativa local. Mas como o
princípio da descentralização e desconcentração é a participação,
então como é que as comunidades e os cidadãos participam em
iniciativas criadoras, em ideias para promover o desenvolvimento
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
local que resolva os problemas de pobreza em cada um desses
pontos?
É preciso também que eles tenham uma palavra a dizer sobre os
tais recursos que vão fazer acontecer as coisas, porque de outra
poderia ser entendido como um investimento que existe para
resolver os problemas internos do funcionamento da máquina
administrativa – não sei se me faço entender: as instituições têm
necessidades internas do seu funcionamento – portanto, todos
os meios, os consumíveis, os computadores, os edifícios para
poderem funcionar de forma adequada. Mas tendo isso tudo é
preciso que haja uma prestação de serviços que respondam as
preocupações da sociedade, que tem outro tipo de problemas;
que demandam infra-estruturas como água, estrada, lares e
outras necessidades que todos nós sabemos do dia-a-dia. Então,
para que não haja o entendimento de que este investimento é
para o funcionamento burocrático ou investimento da máquina,
então aí é que há o espaço para a participação. Significa que ainda
que o investimento seja público – este investimento de iniciativa
local seja para o investimento público – não sejam apenas aquelas
viradas para o funcionamento da máquina em si própria, mas
sejam também aquelas que vão provocar a solução de algumas
iniciativas.
E por outro lado, os Órgãos Locais do Estado – como me referi
atrás – podem fixar taxas e tarifas conforme as competências
atribuídas por lei. Portanto, esta possibilidade de cobrar taxas ou
tarifas pelos serviços prestados como o imposto de Reconstrução
Nacional, tem que ser nos parâmetros definidos por lei. Não
podem inventar coisas, senão é um excesso de carga para o
cidadão. Portanto, dentro dos parâmetros que são definidos é que
eles podem efectuar essas fixações e essas cobranças.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Quais são as inovações desta Reforma dos Órgãos Locais do Estado
– desta grande desconcentração? A primeira grande inovação é
a definição do distrito como unidade principal de organização e
promoção do desenvolvimento. Devo dizer que isto é novo. Esse
assunto não é novo. Já foi considerado há muitos anos atrás o
distrito como base de desenvolvimento, mas pelas circunstâncias do
processo nunca se tornou efectivo.
O princípio da estrutura integrada; a participação e consulta às
populações e o encorajamento das suas iniciativas e os orçamentos
próprios ao nível provincial e distrital. Portanto, essas são as grandes
inovações que esperamos que – já há alguns sinais visíveis – isto
pode permitir que o distrito se transforme numa verdadeira base de
planificação e de desenvolvimento.
Isto é um processo de mudança. É uma janela de oportunidade.
Significa que o facto de estar definido assim, não implica
necessariamente que as coisas vão acontecer automaticamente. E
aí vamos encontrar problemas de resistência. E estes problemas de
resistência são próprios da natureza deste aparelho administrativo
sob o qual assenta a acção governativa, como me referi no início
– porque a administração pública pela sua natureza ela é muito
resistente a mudança. É por isso que, eventualmente, há alguns
dispositivos legais – alguns são de 1933, outros de 1901, sobretudo
na área financeira – só agora 30 anos depois é que conseguimos
removê-los. Significa que a administração pública pela sua natureza
ela é conservadora pela forma do seu funcionamento. E funciona
como uma espécie de febre, que é contagiante: então, mesmo que
sejamos jovens dinâmicos, quando depois entramos lá para começar
a operar acabamos exactamente a operar na lógica dessa resistência.
E não é por má-fé, não é por maldade. É a natureza desta máquina
chamada administração pública que tem essas características. Então
os problemas de resistência têm que ser compreendidos também
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dessa maneira e não exclusivamente porque é falta de vontade
deste ou daquele. Não estou a dizer que não há outras razões de
resistência. Também há esses assuntos.
E possivelmente a primeira Reforma de 77 que foi apelidado, no
Seminário de Nacala, de escangalhamento do aparelho de Estado,
provavelmente tentou romper com esta característica. Mas é
tradição da administração pública no geral. Agora porque é que se
elegeu o distrito, que é outra grande questão que se coloca, ou pelo
menos nos debates.
Primeiro porque o distrito foi definido como unidade de base de
planificação e de desenvolvimento já em 78 – como eu dizia, esse
assunto não é novo. E alguns de nós dizemos que foi mau a reforma
de 77 que trouxe esta... e tudo o que foi decidido neste seminário
está tudo errado. Mas 30 anos depois estamos a dizer que o distrito
deve ser a base de planificação e de desenvolvimento. Significa
que afinal aquilo não foi mau de todo. Pode ter tido aspectos
negativos mas teve bastantes aspectos positivos. Isto para dizer que
percepções desta natureza é legítimo que haja, porque qualquer
processo de reforma tem aspectos positivos e negativos. Hoje,
voltamos a reconhecer que o distrito de facto é a unidade de base
de planificação e desenvolvimento. A experiência de planificação
e finanças descentralizadas foi testado com êxito sobretudo na
província de Nampula. Portanto, confirma-nos que de facto o
distrito pode ser a base de planificação e desenvolvimento. Não é
um problema de análise teórica ou de direito comparado. Portanto,
há algumas experiências positivas que nos mostram nesta direcção.
Está suficientemente mais próxima das populações. Ainda não está
muito próxima, mas está um pouco mais próximo que o nível central
e provincial. Então, este também é um elemento.
Possui uma dimensão e massa crítica. Nós no distrito podemos
encontrar várias sensibilidades. Porque num determinado distrito
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
os melhores comerciantes do distrito estão ali, são sensibilizados;
os chefes tradicionais das comunidades que estão no distrito, alguns
deles estão ali próximos; os professores ou os directores das escolas
estão ali; os extensionistas estão ali. Portanto, há um conjunto de
diversidade de indivíduos que têm ideias, têm conhecimentos, têm
iniciativas que juntos podem contribuir para este objectivo. Agora
é necessário capacitá-los. Significa que os distritos têm ainda
fragilidades e precisam de pessoas com conhecimentos suficientes
para valorizar aquele outro conhecimento que já existe lá – quer
técnico, quer até de solução dos vários problemas... Eu quero
acreditar que ao nível do distrito podem não saber conservar certas
coisas, mas têm conhecimento que as comunidades têm as plantas
medicinais; sobre como fazer tijolos; sobre como fazer pequenos
diques e pequenas barragens... que foram fazendo ao longo do tempo.
Então, esse conhecimento tem que ser explorado e transformado.
Significa que é preciso de facto esse esforço de mandar os quadros
que existem para os distritos, o que é um aspecto muito importante.
Uma das coisas importantes é explorar de facto aquele conhecimento
– bom, não gosto dessa expressão, mas noutros países dizem que é
conhecimento indígena. Há um conhecimento sobre o saber fazer
e que permite a sobrevivência das comunidades lá no campo. Esse
conhecimento tem que ser explorado e utilizado primeiro naquele
local, que é a forma da sua valorização.
A questão da participação e consulta: é um aspecto extremamente
importante, porque essa participação e consulta tem que ser efectiva
e há vezes que não é. Então, qual é o seu enquadramento legal?
A própria Constituição da República nos seus Artigos 263 e 271
fala dessa questão de participação. A Lei 8/2003, mesmo a Lei
de terras, Florestas e outra legislação que existe das actividades
económicas sempre dizem que é preciso que haja uma consulta
e um envolvimento dos cidadãos – incluindo o próprio Decreto
15/2000 e o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais. Porquê
esta questão de participação e consulta? Porque o espírito desta
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
desconcentração – desta Reforma desses Órgãos Locais do Estado
– pretende uma virada para o desenvolvimento. Significa que a
noção de desenvolvimento local participativo é importante. Pode
haver desenvolvimento local que não seja participativo. O papel
dos conselhos consultivos e a promoção de associativismo e outras
formas de envolvimento e participação das próprias comunidades
e suas lideranças. Esta administração participada, quais são os
mecanismos que foram instituídos?
É através dos conselhos consultivos que estão instituídos mas que
têm que funcionar de forma regular e efectiva; Que haja um sistema
de informação não só do distrito para a província ou central, mas do
próprio distrito para as tais comunidades;
Mecanismos de controle através das próprias comunidades e
prestação de contas;
Os critérios para a reestruturação dos órgãos locais devem assentar
nos critérios de necessidade. Significa que cada unidade territorial
deve estar estruturada para o exercício de funções mínimas:
capacidades para executar as tarefas de cumprimento mínimo
obrigatório e potencialidades. Significa que a forma como tem que
ser organizadas as estruturas em cada um dos Órgãos Locais do
Estado não pode olhar apenas para as preocupações de hoje. Tem
que ter uma visão futurista. E é preciso criar condições como, já me
referi, e muito obrigado, Excelência.
Painelistas
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
OS DESAFIOS DA DESCENTRALIZAÇÃO
DESENVOLVIMENTO SOCIO-ECONÓMICO
MOÇAMBIQUE: NOTAS PARA DISCUSSÃO
NO
DE
(Comentário do texto de José Manuel Guambe)
José Jaime Macuane
Com a licença de Sua Excelência o Presidente da República, queria
agradecer este convite que me foi feito para fazer estes comentários, e
desejar um bom dia aos estimados participantes. Talvez iria começar
por parabenizar o Dr. Guambe, porque notei que a apresentação
tem a qualidade de complementar o texto, porque desenvolve alguns
aspectos que nele não estavam contemplados e que julgo serem, talvez,
pertinentes para nós discutirmos esta relação entre a descentralização
e o desenvolvimento. Então, a minha reflexão é essencialmente para
aprofundar alguns dos pontos que estão no texto e eventualmente
levantar alguns que possam não ter sido abordados. É claro que sendo
um exercício de reflexão não vai necessariamente abarcar todos os
pontos, também tendo em conta o tempo que nós temos. E exactamente
tendo em conta o tempo que nós temos, acho que vou ler para ser muito
mais prático geri-lo.
Eu diria que quando nós olhamos para este tema, há duas palavraschave que o constituem, portanto, descentralização e desenvolvimento.
Ambas encerram em si tensões
internas, que são provocadas por
forças centrípetas e centrífugas,
que são o motor da sua dinâmica,
que, no meu entender, bem
compreendida a sua natureza vai
nos dar os subsídios necessários
para enquadrar a relação que
existe entre a descentralização e o
Intervenção de José Jaime Macuane
52
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
desenvolvimento socio-económico (e talvez, vice-versa) do País.
A ideia de desenvolvimento já em si encerra a ideia de transformação,
mudança e é essencialmente uma ideia de movimento de dinâmica e
de negação do status quo.
Por sua vez, a descentralização, como o seu nome sugere, é uma espécie
de “desfiguração” da centralização, e se assume do início que é esse o
ponto de onde ela parte. Então, essa desfiguração surge de alguma
necessidade, da mudança de algo, seja da forma de pensar e estar da
sociedade, seja do contexto em que a centralização reside e, a partir de
um certo momento, ela em si torna-se inadequada.
Desta forma, ambos os processos – portanto, o desenvolvimento e a
descentralização – são inerentemente tensos e conflituosos e residem aí
os seus desafios.
Isso leva no meu entender a uma questão que me parece crucial para a
discussão do tema aqui proposto:
•
Seria a descentralização que favorece ou promove o desenvolvimento
socio-económico ou ela em si, portanto a descentralização, é fruto
desse mesmo desenvolvimento socio-económico, que cria nos
actores sociais, económicos e até políticos locais novas necessidades
e desafios?
Eu diria que ambos processos se alimentam mutuamente e quando
analisamos os desafios da descentralização no desenvolvimento socioeconómico devemos olhar a questão em duas perspectivas: na perspectiva
do ponto de vista da oferta (ou à montante, como preferirem) ou sob o
ponto de vista da demanda (ou à jusante). Ou por outras palavras, sob
o ponto de vista do Estado e dos actores a nível central e das estruturas
estatais e actores a nível local.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Sob o ponto de vista do Estado e actores a nível central, dentre os
vários que podem ser enumerados, destaco os seguintes desafios:
Primeiro, como Estado unitário que somos, a organização política
sempre teve um pendor à centralização, que evidentemente teve
repercussões numa cultura de Estado, política e administrativa
centralizadora. O centralismo democrático, é uma parte da nossa
História que devemos reconhecer o seu papel na construção do Estado,
como aliás o texto do Dr. Guambe reconhece. No entanto, não devemos
assumir que a História age em saltos. A cultura centralista estará
presente ainda por muito tempo entre nós, velhos, jovens, titulares de
órgãos do Estado a nível central e a nível local. Por essa razão, o actual
processo de descentralização que começa nos anos 90 e culmina com a
municipalização e a desconcentração teve e ainda terá evidentemente
alguns entraves dessa cultura centralista, e isso constitui um
grande desafio, aliás como foi aqui referido. Nesta perspectiva, ouso
especular que os sete milhões, que hoje já são um conceito consagrado
e não a indicação de uma mera quantia monetária, antes de estarem
enraizados no nosso imaginário devem ter, concerteza, enfrentado
muitas resistências para serem canalizados aos distritos, na desculpa
de falta de experiência e capacidade.
Essa cultura centralizadora não se refere apenas à relação entre o
Estado Central e os órgãos locais, mas também refere-se à relação
destes com os órgãos dos níveis subsequentes. Ou seja, à relação entre o
distrito e o posto administrativo; entre este e a localidade e mesmo na
relação entre o distrito e o município, que como sabemos, nem sempre
tem sido pacífica.
Aqui temos claramente um problema da cultura organizacional e
política a se sobrepor às normas, contribuindo mesmo para entravar o
processo. Isto é, apesar do quadro legal definir a descentralização, ela
ainda pode enfrentar entraves para a sua efectivação, ficando a mercê
deste viés centralizador.
54
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O segundo aspecto é que embora o significado e o comando político da
descentralização estejam claros, a compreensão das suas implicações
operacionais ainda precisa ser aprimorada. Aqui o desafio é
descentralizar mas lembrar que a governação local está a serviço de
um projecto nacional comum e isso requer uma ligação clara e forte
entre as estratégias locais e as estratégias nacionais. Até aqui, só a
nível político, através do Chefe do Estado, nas suas presidências
abertas, é que se consegue agregar o sentido de descentralização,
combinando o pensamento do Estado unitário que somos às ideias
da governação local. A nível técnico e operacional esta ligação ainda
constitui um grande desafio. A ideia de Governo integrado, prevista
na Lei 8/2003 de 19 de Maio, tenta colmatar esta lacuna, mas a sua
operacionalização ainda demanda muito esforço e sobretudo a ligação
constante entre as políticas nacionais e as actividades e atitudes a
nível local e estas entre si, ainda precisa de melhorias substanciais.
O terceiro aspecto que eu iria indicar ao nível central é o pensamento
centralista de que o país e as oportunidades se concentram em Maputo.
A alusão à Maputo como a nação, muitas vezes ouvida nas províncias
é muito mais do que uma mera gíria, é sim o reflexo de um pensamento
profundamente enraizado nos moçambicanos sobre a centralidade
da capital do país nas suas vidas. Reverter essa tendência, é um
desafio para a descentralização como um elemento que potencia o
desenvolvimento.
A nível local, eu destacaria os seguintes aspectos:
Primeiro, há que levar em conta que a descentralização e outros
processos normativos de organização do Estado vêm encontrar
processos sociais já em curso a nível das comunidades, estimulados por
processos a nível económico e social, como as problemáticas da posse de
terra, tanto dos indivíduos como das comunidades, da exploração dos
recursos naturais (florestais, faunísticos e minerais), falta de crédito,
etc. Estes problemas inspiraram em grande parte a elaboração de
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
legislação relevante, como a Lei de Terras, a Lei de Florestas e Fauna
Bravia e a legislação que regulamenta a formação de associações agropecuárias, de gestão comunitária de recursos naturais, etc.
Estas dinâmicas estimularam o crescimento do movimento associativo
a nível local, e a necessidade de sua inclusão nos processos de governação,
tendo inspirado a elaboração de legislação relevante como a Lei 8/2003
de 19 de Maio e o respectivo regulamento. Este exemplo é, no meu
entender, um desafio constante na relação entre descentralização e
desenvolvimento, que passa pela identificação e incorporação constante
dessas dinâmicas locais na organização do Estado.
As dinâmicas de desenvolvimento descobrem-se no terreno e não é a
descentralização que leva o desenvolvimento, mas sim que o potencia.
Um exemplo disso é a criação da ideia dos sete milhões, que no início
tinha uma abordagem, mas depois mudou-se, quando nos processos de
presidência aberta novas preocupações surgiram e novos desafios a nível
local foram identificados. Essa função de revisitar constantemente o
processo e descobrir as dinâmicas de desenvolvimento que devem ser
estimuladas e não deve acontecer apenas quando o Chefe de Estado
vai ao terreno, deve sim ser um processo contínuo, tanto político como
técnico, em que os representantes do Estado a nível local (falo dos
governadores e administradores dos distritos), complementados pelos
seus quadros técnicos, nas suas visitas de trabalho devem constantemente
identificá-las e colher preocupações e experiências que possam informar
constantemente o processo de descentralização. Porque afinal, a
descentralização é um processo contínuo.
Em segundo lugar, temos a questão fiscal, nas suas vertentes de receita
e despesa (nesta última incluindo a prestação de contas). Na História
Universal, o fortalecimento do Estado foi em muitas partes estimulado
pela necessidade de extrair receitas para financiar os seus gastos, primeiro
as guerras do interesse do soberano e depois outros interesses que com
o desenvolvimento da própria sociedade e a exigência de prestação de
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
contas desta ao soberano foram incluindo cada vez mais as preocupações
dos cidadãos comuns. Estruturas estatais que não têm a capacidade
extractiva tendem a entrar num ciclo vicioso sem fim, em que o Estado
não tem a capacidade suficiente para cumprir o seu papel, porque não
tem receitas para tal, e não tem receitas porque não tem capacidade para
extrai-las. Mesmo que se resolva o problema de criação de capacidade
num contexto de estado unitário como o nosso coloca-se o problema de
distribuição do bolo fiscal. Promover o desenvolvimento, num contexto
de assimetrias regionais como o do nosso país, passa por abordar a justiça
fiscal de forma lúcida e equilibrada. A distribuição dos sete milhões em
moldes menos igualitaristas (ou seja, a ideia de que nem todos agora
passam a ter os sete milhões; podem ter mais ou menos), já é um passo
nesse sentido, mas este princípio deve abarcar outros elementos para
que as receitas geradas localmente possam também contribuir de forma
efectiva para as dinâmicas de desenvolvimento local.
Sob o ponto de vista da despesa e sobretudo na sua prestação de contas,
há que assinalar avanços significativos, advindos do fortalecimento
do Tribunal Administrativo e da Inspecção Geral das Finanças, que
passaram a realizar auditorias até ao nível do distrito, algo impensável
há alguns anos. Paralelamente a isso, a criação de Conselhos Consultivos
que permitem a participação das comunidades locais na governação,
é um espaço por excelência de prestação de contas. No entanto, estes
actores locais, apesar de participarem na definição de estratégias de
desenvolvimento local, ainda têm fraco acesso e limitada capacidade
de processar parte da informação técnica relevante. Por exemplo,
imaginemos um Conselho Consultivo a analisar um relatório de
auditoria do Tribunal Administrativo sobre como é que os sete milhões
de meticais foram usados. Então, capacitá-los neste sentido é um desafio
a enfrentar para a melhoria efectiva da sua participação na governação
local.
Em terceiro lugar, há também o desafio político. A nossa descentralização
compreende uma componente de desconcentração através dos órgãos
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
locais do Estado e a descentralização política ou devolução, através dos
municípios. Embora as competências de cada tipo de órgão sejam claras,
formalmente há sempre espaço para um potencial conflito na interpretação
das estratégias de desenvolvimento a nível local, principalmente
num contexto de pluralismo político. Como alguns exemplos concretos
mostram, nem sempre onde coabitam no mesmo espaço físico os dois
tipos de governos locais – os órgãos locais do Estado e as autarquias
– as estratégias nacionais de desenvolvimento são interpretadas de
igual modo. Com o aumento do número de municípios este conflito
pode se acirrar; e encontrar formas de evitar que isto prejudique o
desenvolvimento económico local é um desafio político considerável.
Em suma, o grande desafio quando nós olhamos para a descentralização
e a sua relação com o desenvolvimento socio-económico é combinar
processos estratégicos gerados a nível central, que definem as linhas mestre
do desenvolvimento do País, com processos que surgem das dinâmicas
locais, de forma a se potenciar o desenvolvimento de forma endógena e
consequente, tendo em conta as potencialidades e necessidades dos actores
socio-económicos. Nesta perspectiva, a descentralização deve funcionar
como a capacitação que contribui para a criação das condições necessárias
para promover o desenvolvimento socio-económico do País, cujas bases,
muitas vezes, já existem a nível local.
Obrigado!
Presidium do Seminário
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA:
RESPOSTA Á CRISE MUNDIAL
Rafael Uaene e Jaime Nicols
1.ACELERAR A
MOÇAMBIQUE
PRODUÇÃO
AGRÁRIA
EM
1.1. Introdução
O preço de alimentos tem estado a subir em resposta a uma
combinação de factores, incluindo: pobre colheita de cereais nos
principais exportadores em 2005 e 2006; uma rápida subida do
preço de petróleo, resultando em aumentos do custo de transporte
de factores de produção, um aumento da procura e uso de
cereais para a produção de bio-combustíveis (Estados Unidos da
América) e para responder à maior procura de alimentos na China,
Brasil e Índia. Esta maior procura é agravada pela urbanização,
o que resulta em mudanças de hábitos dietéticos, especialmente
a maior procura de produtos animais (carne de frango) que
consomem elevadas quantidades de ração essencialmente
composta de milho, soja entre outros; medidas de políticas que
distorcem o comércio livre tais como subsídios e proibição de
exportação por parte de alguns países produtores. De Fevereiro
de 2007 a Fevereiro de 2008 estima-se que o índice de preços de
mercadorias tenha subido cerca de 42%. Os produtos que tem
registado maiores subidas são os cereais e os vegetais.
A combinação de alta de preços de cereais e vegetais e os altos
preços de petróleo aumentará a incidência e a profundidade da
insegurança alimentar no nosso país, se uma resposta adequada
não for encontrada a curto, médio e longo prazos. Moçambique
59
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importa todas as suas necessidades em trigo, aproximadamente
400,000 toneladas e cerca de 350,000 toneladas de arroz anualmente.
A produção local satisfaz apenas 25% das necessidades internas.
Embora o País produza suficiente milho, os elevados custos de
transporte dos centros de produção para os de consumo fazem
com que o País tenha de importar cerca de 100,000 toneladas de
milho, particularmente para o consumo da região sul.
Dados do Trabalho de Inquérito Agrícola (TIA) indicam que
mesmo no meio rural onde a produção agrária é a actividade
principal da maioria dos agregados familiares, os pequenos
camponeses são compradores líquidos de milho na região centro e
sul. O aumento de preços terá efeito particularmente negativo nos
agregados familiares urbanos mais pobres compradores líquidos
de alimentos e nos agregados rurais que sejam compradores
líquidos. Os agregados familiares mais pobres quer urbanos quer
rurais gastam mais de 70% do seu rendimento em alimentos.
O aumento de preços de alimentos só pode ser tomado como
uma oportunidade se os pequenos produtores deixarem de ser
marginalizados pelo mercado, como tem sido até agora. A sua
marginalização deve-se fundamentalmente aos elevados custos
de transporte e transacção. Apenas uma fracção (menos de 20%de acordo com dados do TIA) dos produtores comercializam os
seus excedentes. Para que os altos preços de mercadorias agrícolas
possam efectivamente ser uma oportunidade para os produtores
moçambicanos, terá de haver uma revolução na comercialização
agrícola e isso só acontecerá quando investimentos em infraestruturas viária diminuirem significativamente os custos de
transporte.
60
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1.2 Disponibilidade e acesso de alimentos
A oferta de alimentos é a quantidade de alimentos produzidos
localmente, incluindo os alimentos armazenados dos anos
anteriores e os importados, e que estejam disponíveis para o
consumo das pessoas a qualquer momento. Ter acesso a alimentos
é uma preocupação de toda a Nação. Em Moçambique a falta
de alimentos é a manifestação mais desumana da pobreza, um
problema sério que merece reflexão e acção de todos nós. As pessoas
sem acesso a alimentos sofrem de malnutrição, uma condição de
deficiência nutricional que causa fraqueza e fadiga geral, afecta
o crescimento e desenvolvimento mental e físico das crianças
(hipotecado o futuro de futuras gerações) e torna as pessoas
susceptíveis a doenças fatais como a disenteria, tuberculose.
A produção local de alimentos tem vindo a aumentar como é
ilustrado pela Figura 1. O aumento da produção é resultado da
expansão da área, uma vez que os rendimentos por unidade de
área continuam extremamente baixos, quiçá os mais baixos da
região da SADC.
Figura 1. Área cultivada das principais culturas alimentares
61
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Os rendimentos das principais culturas alimentares (Figura
2) mantém-se estacionários, representando um desafio e uma
oportunidade para os serviços agrários, particularmente para a
investigação e extensão agrária.
Figura 2. Evolução do rendimento das principais culturas alimentares, 2000-2007
Ter suficiente disponibilidade de alimentos coloca-nos dois
desafios. O primeiro é fornecer suficiente alimento para as
necessidades duma população crescente e cada vez mais exigente,
sem destruir os recursos naturais necessários para continuar a
produzir os alimentos. O segundo desafio é garantir a segurança
alimentar, isto é, garantir que todas as pessoas tenham acesso a
comida de modo a ter uma vida activa e saudável. Produzir comida
suficiente não garante que as pessoas que precisam dela, tenham
acesso a ela. Se as pessoas não tiverem rendimentos suficientes
para adquirir os alimentos, ou para comprar sementes, utensílios
para produzir alimentos, ou se desastres naturais tais como secas
e cheias/inundações de que o nosso país é ciclicamente vítima,
haverá sempre riscos de malnutrição mesmo quando haja comida
62
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suficiente.
Em Moçambique, as causas da insegurança alimentar incluem a
pobreza e o baixo rendimentos das culturas, e constrangimentos
em infra-estruturas e instituições públicas.
1.3 Factores que afectam a produção agrária
Moçambique é um país rural. Cerca de 75% da sua população vive
em zonas rurais e a maior parte vive da agricultura. Mais de 70% da
renda da população rural provém da agricultura, particularmente
da produção agrícola onde os cereais (milho, mapira, mexoeira
e arroz) jogam um papel importante. A produção de trigo é
insignificante. Outras culturas importantes são a mandioca, o
cajú, o algodão, o tabaco, as leguminosas (amendoim, feijões) e as
oleaginosas (gergelim, girassol), o coqueiro, a cana-de-açúcar.
A produção agrícola requer igualmente água, terra arável, energia
(combustível, tracção animal e ou humana) para amanhar a terra.
A produção de alimentos para o consumo doméstico depende
do acesso a um misto de factores que incluem: a terra; o crédito
e os insumos agrícolas; o capital humano (saúde, educação, e
treinamento do produtor); paz social e política, entre outros.
Quando qualquer um deles está bloqueado, então as pessoas são
forçadas a viver de programas de assistência social ou a viver na
pobreza.
•
A procura de alimentos aumentará cerca de 30-50% nos
próximos 15-25 anos. Como resultado do crescimento
populacional e desenvolvimento económico, mais pessoas
quererão e poderão comprar mais alimentos.
•
A disponibilidade de alimentos deverá aumentar em resposta
a esta demanda.
63
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•
A expansão da produção não será automática. A produção
agrícola no futuro, dependerá de políticas adoptadas e
investimentos na agricultura, particularmente na investigação
e extensão agrária e na área de infra-estruturas (estradas,
armazenamento, irrigação - particularmente a de pequena
escala). O baixo preço ao produtor da maior parte dos
produtos comercializados e a deterioração dos termos de
troca com os elevados preços de insumos podem servir de
desestímulo à produção.
Devemos produzir mais comida. Mas não haja ilusão, isso apenas
não eliminará a fome no País. A existência de alimentos no País
quer produzidos localmente quer importados é apenas uma face
da moeda. A outra parte tem a ver com a capacidade das pessoas
de terem acesso a alimentos que os permitam viver uma vida sã
e activa. A segurança alimentar requer o acesso a alimentos bem
como a sua disponibilidade.
A grande maioria das pessoas passam fome porque não podem
ter suficiente acesso a alimentos, mesmo quando ela pode ou
é disponível. Maior produção por si só não ajudará este grupo
de pessoas, mas a produção é parte importante da solução e é
sobre ela que nos debruçamos. Não haverá soluções a longo
termo sem soluções a curto prazo. Atacar o problema da fraca
disponibilidade de alimentos é parte de um futuro melhor para
todos. Enquanto se espera por benefícios económicos a longo
prazo, da investigação, dos investimentos em produtividade, o
ciclo vicioso da fome que passa de geração em geração continua.
A fome marginaliza as pessoas. Deve haver oportunidades
— formação, clínicas, educação, novas tecnologias — mas os
pobres e os que passam fome não tiram delas vantagens. A fome
crónica é parte de um ciclo vicioso de baixa produtividade, saúde
debilitada, entre outros. Para os que passam fome, a luta pela
próxima refeição, os problemas de hoje, tornam impossível o
64
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investimento para uma vida melhor amanhã de tal modo que a
fome de hoje gera um amanhã sem alimentos. Devemos então
reexaminar o pressuposto de que as soluções de longo termo
são sempre melhores que as soluções de curto prazo? Será que
podemos construir soluções de longo prazo sem quebrar o ciclo
vicioso da fome?
Precisamos de investir em pessoas bem como no aumento da
produção.
Uma fonte segura de renda contribui para a segurança alimentar.
Assim, a criação de emprego é um elemento chave da luta contra
a fome. Para muitos moçambicanos esse emprego é e será na
agricultura e pescas. Para outros, a segurança alimentar será
garantida pelo emprego na fábrica, ou pela reparação de bicicletas
e ou ainda através de capital para pequenos negócios.
O investimento em pessoas significará muitas vezes investimentos
em áreas marginais assim como em áreas de alto potencial
agrário. A fome está concentrada onde os retornos para a
agricultura são baixos, onde os custos de transacção são elevados
devido a deficiente infra-estrutura e mercados ineficientes. Este
é particularmente o caso de áreas de pouca pluviosidade e de
baixa fertilidade de solos. Os princípios económicos dizem que
os investimentos devem ser feitos em áreas promissoras, onde
as taxas de retornos são mais elevadas. Os investimentos feitos
seguindo esse princípio podem certamente aumentar a produção
de alimentos, mas não garantirão o acesso automático aos
alimentos para os mais pobres.
Investir em pessoas significa ajudá-las a criar bens, bens que
beneficiem os pobres e as comunidades mais desfavorecidas.
Algumas vezes, isso significa uma estrada que ligue uma aldeia a
um mercado. Ou um dique de defesa para proteger a comunidade
de cheias e inundações periódicas. Bens significam a educação,
65
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a saúde e novas habilidades. Um dos melhores investimentos
é a educação. A educação não só contribui para o aumento da
produtividade, mas também tem um efeito positivo na nutrição,
na saúde da família e nas decisões individuais e da família.
1.4. Estratégias para o Desenvolvimento Agrário
Para aumentar a produção agrária em áreas de boa precipitação,
é importante a difusão de novas tecnologias para a agricultura
familiar. Nestas áreas, as oportunidades técnicas para o aumento
da produção e produtividade são conhecidas e há normalmente
boa resposta ao uso de sementes melhoradas e fertilizantes em
termos de rendimento por unidade de área. A oportunidade para
a melhoria da vida das populações nessas regiões virá do aumento
da rentabilidade do uso das sementes melhoradas e dos insumos
acompanhantes. Isto só será possível com o melhoramento da
comercialização (melhores estradas e preços de produtos ao
produtor mais altos, preços de insumos mais baixos).
Nas áreas de alta pluviosidade, programas de pacotes (sementes,
fertilizantes) subsidiados devem ser promovidos. A outra
alternativa é a aplicação de iniciativas como as que o Malawi
adoptou, começando por “Starter pack”, TIP e mais recentemente
o uso de senhas. Estas medidas devem ser encorajados, desde que
o Estado garanta a compra de excedentes, como comprador de
último recurso. Esta medida deve envolver as estruturas distritais
e os operadores económicos locais sempre que possível em vez de
ser feito a nível central.
As empresas de fomento agrícola têm um papel importante
a jogar. Usando a sua experiência de gestão e as suas redes de
extensão, estas empresas podem ser pivot no relançamento da
produção agrária em Moçambique. A experiência da União
Geral das Cooperativas (UGC) é de aproveitar.
66
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Nas áreas com deficit de humidade, a solução para o aumento da
disponibilidade de alimentos passa por práticas de conservação de
humidade. O uso de cultivares tolerantes a seca, culturas de alto
valor económico e a pecuária, particularmente caprinos, ovinos e
bovinos devem ser dados a devida atenção. Na área de pecuária,
a comercialização pecuária é uma estratégia importante para a
segurança alimentar.
As estratégias devem igualmente ocupar-se de diferentes grupos,
tais como camponeses de diferentes grupos, agricultores comerciais,
agro-processadores através de programas de extensão rural.
1.2.Constrangimentos e lacunas
O fraco desempenho da agricultura Moçambicana é a principal
razão da insegurança alimentar e pobreza. Os factores principais
responsáveis pelo fraco desempenho são:
1.2.1.Constrangimentos ambientais
A degradação de solos é um problema grave em Moçambique.
A erosão de solos é um problema particularmente em áreas que
sofrem de insegurança alimentar. A erosão é exacerbada pela
imprevisibilidade da chuva e pelas queimadas descontroladas que
afectam a produção alimentar.
1.5.2. Constrangimentos tecnológicos
Os constrangimentos tecnológicos estão ligados à utilização de
instrumentos rudimentares, baixo uso de insumos modernos,
sementes melhoradas e fertilizantes, uso de animais de raças
inferiores, etc.. Soluções tecnológicas para as necessidades das
comunidades rurais e das várias zonas agro-ecológicas que
compõem o País não são facilmente disponíveis.
67
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
1.5.3. Constrangimentos institucionais
O rápido crescimento da produção agrária exige um rápido
crescimento da comercialização. Alta produtividade dos recursos
depende da expansão do uso de insumos melhorados. Elevados
rendimentos agrícolas provenientes do aumento da produtividade
só são significativos se bens e serviços estão disponíveis. O
aumento da segurança alimentar requer grandes volumes
comercializados na maior parte dos anos e a demanda nos anos
menos bons compensada pelos stocks ou importações. Tudo isto
depende de custos baixos de transporte. Mas em Moçambique, as
infra-estruturas de transporte são rudimentares e caras, as infraestruturas de comunicação e energia eléctrica inadequadas. O
papel da infra-estrutura é fundamental para melhorar os preços
ao produtor. Sem um bom preço ao produtor, os camponeses
não encontrarão incentivos para adoptar novas tecnologias ou
mesmo novas culturas.
A provisão de serviços de investigação e extensão está, ainda,
aquém do desejado. Os serviços de investigação não têm um
quadro de pessoal (em quantidade e qualidade) que possa
satisfazer a demanda de soluções tecnológicas. Os recursos
materiais e financeiros postos à disposição dos investigadores
são extremamente limitados. Para agravar o quadro, os
recursos financeiros, quando disponibilizados, não são feitos
atempadamente.
A extensão não cobre todo o País e encontra-se mal equipada
e treinada. As dificuldades da investigação estendem-se para a
extensão. A falta de uma ligação efectiva entre a investigação e a
extensão tem sido repetidamente apontada como uma das causas
do subdesenvolvimento do sistema de investigação e extensão
em Moçambique.
1.5.4. Dependência de agricultura de sequeiro
68
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A agricultura em Moçambique depende da precipitação
pluviométrica e dela vai continuar a depender grande parte dos
camponeses. Para a maior parte dos produtores, a chuva é a fonte
primária da água para as suas culturas e animais. A produção
agrária é limitada por vários factores entre os quais a água que é
apenas um desses factores, quiçá o mais importante. A tradição
de recolha de água de chuva e outras fontes é limitada. A prática
do uso de irrigação é igualmente muito limitada.
A agricultura é definida na Lei-mãe Moçambicana como a base
para o desenvolvimento económico. O esforço para melhorar a
investigação e a extensão agrária é enorme. A seguir descrevemos
as possíveis áreas de intervenção que possam trazer mudanças no
desenvolvimento agrário.
1.6. Áreas de Intervenção
1.6.1. Gestão Integrada de Terra
Um programa de gestão do recurso terra com o objectivo de
melhorar a fertilidade do solo é parte integrante do melhoramento
da terra, água, criação de animais domésticos, culturas e a lenha
é crucial para o contexto moçambicano onde os pequenos
produtores dependem para a sua sobrevivência, tanto da produção
vegetal quanto da animal.
1.6.2. Desenvolvimento de Recursos Humanos
Os recursos humanos são determinantes no desenvolvimento
agrário. O avanço na ciência e tecnologia, especialmente a
tecnologia agrária, necessita de pessoal qualificado e com
competências técnicas que possam trazer as necessárias mudanças
69
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
no sistema agrário. Assim, os programas de desenvolvimento
dos recursos humanos devem abranger todos os profissionais da
agricultura a todos os níveis.
1.6.3. Desenvolvimento de Pacotes Tecnológicos e sua Disseminação
Na transformação da agricultura de subsistência para uma
agricultura baseada no mercado, o governo deve fazer tudo ao seu
alcance para desenvolver pacotes tecnológicos baseados nas regiões
agro-ecológicas. No desenvolvimento desses pacotes, consideração
deve ser dada a aptidão técnica, disponibilidade de insumos,
rendabilidade e a capacidade de comercializar.
Áreas de intervenção
Entre as várias intervenções necessárias para aumentar a eficiência
de comercialização, destacam-se as seguintes:
•
Aumentar a disponibilidade de semente melhorada. A intervenção
do governo na produção de semente, especialmente das culturas
e cultivares de pouco valor comercial é essencial. Variedades
de polinização aberta, culturas autógamas e de multiplicação
vegetativa não são atractivas para o sector privado e devem ser
da responsabilidade do Governo.
•
Melhorar o sistema de produção local de sementes. melhorar
a produção de sementes pelos pequenos produtores locais é
indispensável. Assistência técnica deve ser dada para que os
padrões de semente não sejam sacrificados.
•
Desenvolvimento do sector privado. O sector privado,
especialmente na área de sementes, está ainda na sua infância.
O sector vai precisar do apoio do Governo para que tenha uma
contribuição relevante.
70
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
Desenvolvimento institucional. Apoio a retalhistas locais
de semente, cooperativas, e melhorar a eficiência da
comercialização de semente pode ser uma estratégia para
aumentar a procura. Assim, será necessário um programa de
capacitação institucional.
1.7. Conclusão
A actual crise mundial sobre a segurança alimentar é originada pela
necessidade de alimentar uma população mundial cada vez maior
e mais exigente, ao mesmo tempo que se protege o ambiente. Uma
forma consensual de resolver a acrescida demanda e consequente
subida de preços é produzir os alimentos localmente, melhorando
a produtividade agrária. Embora a produtividade varie entre
culturas e regiões, condições agro-ecológicas, o desenvolvimento
a longo prazo da produtividade agrária depende primariamente
da mudança tecnológica, do uso eficiente de insumos agrários e
o uso sustentável dos recursos naturais (água e solos). Tudo isso,
depende por sua vez de investimentos na investigação, extensão e
no capital humano.
Participantes do Seminário
71
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O aumento da produção agrícola não será sustentável se não for
acompanhado de melhorias significativas na comercialização
dos produtos, dos insumos agrícolas, um maior uso de insumos
agrários, instituições, e ligações infraestruturais com o mundo
exterior ao produtor. A longo prazo, um número cada vez maior
de pessoas treinadas facilitará o trabalho de alocação dos recursos
humanos.
Sem minimizar os constrangimentos biológicos (variedades,pragas
e doenças) e físicos (salinidade, fertilidade e água) , o crescimento
da produção agrária é limitado por muitos constrangimentos no
sistema de comercialização de produtos e insumos. A experiência
com o programa de difusão do pacote de milho pela extensão
pública e a SG2000 em Moçambique é disso demonstrativo.
Alguns princípios básicos:
•
•
•
•
•
Aumentos substanciais de produção de alimentos são possíveis
em Moçambique.
O maior aumento poderá ocorrer no sector familiar.
Os recursos necessários para que haja um crescimento na
produção de alimentos são enormes.
Progresso nos sectores não alimentares precisam de menos
recursos públicos que no passado.
O rápido crescimento do sector agrícola vai estimular o
crescimento de outros sectores.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Anexos
Tabela 1. Evolução da Área cultivada com principais culturas alimentares 2000-2007
Produto
1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06
Milho
1084153 1302601 1270714 1185598 1303605 1293957 1437983
Mandioca 925902 1012736 1019667 1032684 1067105 1105443 1122455
Mapira
434413 499673 501622 507673 522940 485765 535190
356096 415149 416554 396127 430520 416887 451201
Feijoes
Amendoim 248402 283504 279787 276734 293641 279736 312705
154226 164002 172640 178236 177643 179081 192394
Arroz
Mexoeira
83325
102756 105907 102079 106928 85085
93188
3286517 3780421 3766891 3679131 3902382 3845954 4145116
TOTAL
Fonte: DECAP
2006-07
1441490
1139319
518988
442536
301846
196806
89904
4130889
Tabela 2. Evolução da produção das principais culturas alimentares 2000-2007
Produto
1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06
Milho
1019033 1158444 1235657 1247897 1434746 1331670 1533520
Mandioca 5361974 6061789 5924551 6149896 6412769 5232554 7551727
Mapira
254461 320705 314136 34590
330917 314979 338693
146437 155921 177355 179552 192797 195641 219096
Feijões
Amendoim 146437 155921 177355 179552 192797 195641 219096
Arroz
9815
6181
167925 200437 187051 114612 182573
48854
62001
49500
48021
51272
34906
42856
Mexoeira
Fonte: DECAP
2006-07
1579434
8160656
347581
224596
224596
195967
44568
Tabela 3. Evolução de rendimentos (ton/ha) das principais culturas alimentares 2000-2007
Produto
1999-00 2000-01 2001-02 2002-03 2003-04 2004-05 2005-06 2006-07
Milho
0,94
0,89
0,97
1,05
1,10
1,03
1,07
1,10
Mandioca 5,79
5,99
5,81
5,96
6,01
4,73
6,73
7,16
Mapira
0,59
0,64
0,63
0,07
0,63
0,65
0,63
0,67
Feijões
0,41
0,38
0,43
0,45
0,45
0,47
0,49
0,51
Amendoim 0,59
0,55
0,63
0,65
0,66
0,70
0,70
0,74
0,06
0,04
0,97
1,12
1,05
0,64
0,95
1,00
Arroz
Mexoeira
0,59
0,60
0,47
0,47
0,48
0,41
0,46
0,50
Fonte: DECAP
2. ARMAZENAGEM E DISTRIBUIÇÃO
1.1. Razões da abordagem
A acentuada diferenciação geográfica dos preços de produtos
alimentares pode ser tomada como um indicador de elevados
custos logísticos que, além de reflectirem o custo crescente
73
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dos combustíveis, estão associados ao mau estado das vias de
comunicação e à fraca oferta de transporte.
A limitada expansão da rede de comercialização faz, sim, que a
distribuição territorial dos produtos não seja conforme a demanda,
contribuindo também para a diferenciação geográfica de preços.
A rede grossista não está estruturada, os agentes económicos
intervêm quase ad-hoc, o que não garante fluxos regulares de
bens. Este problema transmite-se em cadeia, afectando até a rede
retalhista.
Os preços do mercado doméstico têm também uma variação
sazonal e apresentam significativa correlação com os preços
do mercado internacional. Estes fenómenos são sintomas da
inexistência (ou fraqueza) de reservas internas. Portanto, o
abastecimento do mercado nacional é influenciado pelas épocas
de colheita e pelas conjunturas nacionais e internacionais.
A produção nacional dos alimentos é fundamentalmente feita
pelo sector familiar em micro unidades dispersas e com sistemas
de conservação precários. Nas actuais condições de tratamento
pós-colheita dos produtos, o sistema produtivo nacional perde
próximo de 30% das colheitas devido a deficiências nos sistemas
de conservação.
Os camponeses individualmente não possuem recursos suficientes
para suportar os custos de utilização de armazéns. Algumas
ONGs promoveram o uso de celeiros melhorados e técnicas de
conservação pós-colheita que se calcula que o projecto tenha
contemplado 13% dos camponeses, mas estes tiveram dificuldades
de continuar com o uso destes sistemas quando as organizações
se retiraram. Algumas associações criaram com a ajuda de ONGs
e PAMA alguns armazéns comunitários, mas os camponeses são
relutantes a usá-los. Comerciantes de pequena e média dimensão
74
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
não mostram interesse em investir em armazéns, dado que
compram o produto para revenda imediata. As grandes empresas
comerciais servem-se dos armazéns do ICM e do INGC na base
de contratos de arrendamento. Entretanto, algumas empresas
estão a construir seus próprios armazéns movidos pela necessidade
de se adaptarem às novas exigências do mercado em termos de
qualidade do produto, volume e regularidade da oferta.
O Estado retirou-se da função de interveniente na comercialização,
disponibilizando a sua capacidade de armazenagem sob gestão
do ICM e INGC ao sector privado. Contudo, esta capacidade é
insuficiente e está distribuída de forma desajustada às necessidades
do sector produtivo, além de que, em parte, se encontra em
condições inadequadas para o uso.
A capacidade total de armazenagem no país é estimada em
561,000 toneladas e a participação do sector público é de 44%.
Como acima referido, esta capacidade não está totalmente
disponível devido ao estado de degradação de alguns armazéns e
silos. Mesmo que se considere que a capacidade de armazenagem
instalada esteja totalmente disponível, esta não é suficiente para
os volumes actuais de produção, apresentando um défice de
24%. De realçar que, nas províncias de Maputo, Gaza e Sofala a
capacidade existente supera a produção local.
As necessidades de armazenagem não se limitam apenas para a
comercialização agrícola. De referir que nas cidades de Maputo,
Beira e Nacala alguns armazéns são usados para mercadorias
em trânsito de e para outras partes do país e países vizinhos, o
que acresce as necessidades de armazenagem, de modo que nas
três regiões do país regista-se em termos globais um défice de
capacidade que varia de 75 a 93%.
75
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
É também importante considerar que, tratando-se de armazéns
maioritariamente de grandes dimensões, não podem ser
explorados em pleno quando a rede grossista não funciona com
eficácia numa situação em que a produção é dispersa. É este
fenómeno que cria a ilusão de capacidade de armazenagem
excedentária, visto que em algumas zonas há armazéns ociosos.
As tabelas seguintes ilustram a capacidade instalada e as
necessidades de armazenagem actuais e futuras.
C — representa capacidade de armazenagem em
toneladas
S — silos
A — armazéns
76
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
2.3.Construção de novos armazéns e silos
Estão em curso alguns projectos de construção de armazéns e
silos da parte do sector privado que incrementarão a capacidade
de armazenagem em 103,400 toneladas até 2010. Foram também
apresentados planos de construção com uma capacidade total de
91,000 toneladas, cuja implementação ainda não teve início.
Tabela 4: Projectos em curso e planos de construção de
armazéns e silos pelo sector privado
Por sua vez, o sector público tem em vista a reabilitação
dos armazéns e silos sob gestão do ICM, ora em condições
deploráveis, além da construção de novos silos com capacidade
total de 31,000 toneladas.
Tabela 5: projectos públicos de construção de silos
77
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
2.4. Novas necessidades de armazenagem
Foi acima avaliada a capacidade actual de armazenagem no país,
assim como os projectos para o seu incremento. Constatouseque
acapacidade existente é insuficiente para as necessidades correntes.
Os projectos em lista são também incapazes de colmatar o défice
de capacidade de armazenagem mesmo que se considere apenas
as necessidades actuais.
A Revolução Verde (RV) coloca necessidades adicionais de
armazenagem. A tabela 4 mostra as metas programadas para
alguns produtos no Cenário I, isto é, no cenário concebido na RV
sem a crise do mercado mundial de alimentos. A redefinição das
metas na perspectiva de eliminar dentro de três anos os défices
da produção nacional de alimentos levará a um novo cenário
(Cenário II) com necessidades de armazenagem ainda maiores.
Tabela 6: Metas de produção no âmbito da Revolução Verde
nos próximos 5 anos em toneladas
Estas constatações revelam a necessidade de uma nova abordagem
da questão de armazenagem.
2.5.Rede Comercial
A rede comercial do País é de 10.224 estabelecimentos comerciais
grossistas e 19.461 retalhistas. Estes dados incluem os registos
78
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
do primeiro trimestre de 2008. Os estabelecimentos de venda a
grosso estão mais concentrados em relação aos estabelecimentos
retalhistas. A província e cidade de Maputo têm 74% da rede
grossista e 54% da retalhista. Ao nível de regiões, o sul tem 77%
da rede a grosso e 64% a retalho. As províncias com a mais baixa
densidade da rede são Niassa e Tete com 1% da rede grossista e
2% da retalhista, cada uma.
Tabela 7:
Distribuição da rede grossista por província e o
respectivo peso
Tabela 8:
Distribuição da rede retalhista por província e o
respectivo peso
79
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Tabela 9:
Distribuição da rede comercial por
região e o respectivo peso
Note-se que as províncias com grande potencial de produção
agrícola apresentam fraca densidade da rede comercial,
principalmente a rede grossista, que contribuiria para a
comercialização de produtos e insumos agrícolas. Das 19.461
lojas existentes no país 5.368 encontram-se nas zonas rurais e
destas, 1.388 estão paralisadas. O Estado ainda tem a propriedade
de 960 lojas rurais que podiam ser alienadas para estimular a sua
manutenção e exploração, porque assim fazendo seriam usadas
para aumentar a bancabilidade dos operadores.
A promoção da auto suficiência alimentar no país deve ser
feita simultaneamente com o incremento da capacidade
de armazenagem e da rede comercial. É ainda necessário
estabelecer mecanismos de coordenação ao longo da cadeia de
valor para que a rede comercial rural participe de modo eficaz
no circuito de comercialização.
1.CONSUMO
O mercado nacional é actualmente dependente das importações
de produtos alimentares básicos, pelo que não existem riscos
de sobreprodução que possa levar a uma frustração do sector
produtivo por insuficiência da demanda. Existem também
oportunidades de mercado na região.
A tabela seguinte apresenta a situação do mercado nacional em
2008.
80
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Tabela 10: Estimativas da produção e consumo nacionais em
2008 (tons)
A SADC é em geral dependente das importações mesmo nos
períodos em que o mercado internacional é estável em termos
de oferta e procura de bens de consumo. Actualmente as trocas
regionais dos produtos indicados abaixo representam apenas 25%
das trocas totais dos países da SADC com o mundo. Moçambique
fornece à região somente 2% da demanda regional
destes produtos.
Tabela 11: Importações da SADC a partir do mundo
81
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Tabela 12: Comércio intra regional
Moçambique beneficia de acesso preferencial a vários mercados,
dentre eles a União Europeia, EUA e China, além de que hoje
todos os países facilitam a importação de alimentos.
Medidas a tomar pelo Governo
I.Área de Armazenagem
Para colmatar o défice de capacidade de armazenagem que
actualmente se estima em 3,6 milhões de toneladas e providenciar
capacidade adicional para responder aos desafios da Revolução
Verde, afiguram-se oportunas as seguintes medidas:
•
Realizar o plano de construção de silos com a capacidade total
de 83 mil toneladas já identificados nos principais corredores
desenvolvimento, assim como nas zonas de maior produção
agrícola (mapa em anexo).
82
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
Mapear as zonas de maior produção dos bens alvo para a
actualização das necessidades de armazenagem e vias de
acesso na base anual.
•
Mobilizar recursos adicionais para a construção de mais
silos, armazéns, tanques e terminais de frio, além dos já
identificados nas zonas de incidência das medidas de
promoção da produção no âmbito da Revolução Verde,
incluindo pequenos silos rurais com capacidade de 50 a 250
toneladas.
•
Acelerar onde se justifique a mobilização das comunidades
para a construção e uso de celeiros melhorados.
Estabelecer parcerias com empresas especializadas na
armazenagem de cereais para a construção e gestão de silos e
armazéns de grande capacidade onde os volumes de produção
o justifiquem.
•
II. Distribuição
•
Reforçar a participação do FARE na reabilitação de cantinas
e lojas rurais, bem como no financiamento do comércio
rural.
•
Interessar parceiros de cooperação para contribuir na redução
dos custos de instalação de lojas rurais de modo a incentivar
investidores em zonas específicas com elevado potencial de
produção.
•
Concluir a venda das lojas rurais para assegurar a sua
intervenção na comercialização agrícola e venda de insumos
no meio rural.
•
Mobilizar recursos para linhas de crédito especiais de
83
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
campanha (condições de acesso simples e taxas de juro
bonificadas).
•
Acelerar a implementação da política de transporte fluvial e
marítimo.
•
A longo prazo, avaliar as possibilidades de ligação das três
regiões do país por via férrea como forma de minimizar
custos logísticos.
•
Acelerar a reabilitação de estradas vicinais que ligam as zonas
de produção aos mercados.
•
Construir mercados abastecedores nas três regiões do país.
•
Promover feiras de insumos e produtos agro-pecuários.
•
Aperfeiçoar o sistema de informação de mercados.
•
Participação do Estado na gestão/co-gestão de empresas que
possam ser compradoras de último recurso.
III.Consumo
Por forma a garantir o abastecimento do mercado interno
e colocação da produção nacional nos mercados interno,
regional e internacional recomendam-se as seguintes
medidas:
Medidas de curto prazo para o abastecimento do mercado
•
Contrair créditos em espécie (alimentos básicos) com os
países exportadores como forma de garantir a estabilidade da
84
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
oferta e dos preços.
•
Negociar o acesso a fundos internacionais para a segurança
alimentar, à semelhança do donativo do Reino Unido.
•
Restringir a exportação de cereais por via dum compromisso
do Estado perante os intervenientes na comercialização e
assegurar a sua colocação em momentos oportunos.
•
Interagir com o sector privado para facilitar as importações
de alimentos e colocação no mercado interno a preços mais
acessíveis (veja-se o Cenário I).
•
Em coordenação com o sector privado, organizar o
aprovisionamento interno em bens sucedâneos do arroz como
prevenção dos efeitos do agravamento da crise do mercado
mundial deste cereal, que se afigura iminente.
•
Manter a população informada sobre a situação real do
mercado de alimentos, para não ser colhida de surpresa pelas
mudanças que poderão ocorrer na oferta interna.
Medidas de médio e longo prazos para o abastecimento do
mercado
•
Promover o agro processamento através da Industrialização
Rural.
•
Constituir reservas alimentares para pelo menos seis meses
de consumo nacional.
85
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Medidas para a colocação dos produtos nacionais no mercado externo
A promoção das exportações nacionais não deverá ser
interrompida, não obstante os défices de oferta registados no
mercado interno, dado que as medidas tendentes a promover a
produção poderão levar à criação de excedentes que justifiquem
fluxos para os mercados regional e internacional. Neste contexto,
serão prosseguidas todas as acções de promoção das exportações
que o Governo tem levado a cabo.
Participantes do Seminário
86
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
PRODUÇÃO AGRÍCOLA E SEGURANÇA ALIMENTAR:
BREVE REFLEXÃO SOBRE MOÇAMBIQUE
(Comentário do texto de Rafael Uaene e Jaime Nicol’s)
Hélder Gêmo
Palavras chave: disponibilidade, acesso, agricultura, alimentos,
distribuição, fome, insegurança, produção, preços, renda e
utilização.
ntrodução
Devido a razões micro e macro-económicas, nenhum país ousou
sustentar processos de rápido crescimento económico, por
períodos longos, sem que antes tenha resolvido a problemática
da segurança alimentar. A nível micro, o acesso inadequado e
irregular a alimentos limita a produtividade da mão de obra
e reduz investimentos em capital humano (Bliss and Stern,
1978; Strauss, 1986; Fogel, 1994; Williamson, 1993 citados por
Timmer, 1998). A nível macro, crises alimentares periódicas
põem em causa a estabilidade económica e política, afectando
simultâneamente a magnitude e a eficiência dos investimentos
(Timmer, 1989, 1996ª; Dawe, 1996 citados por Timmer,
1998).
Moçambique
não
é
excepção nesta matéria.
Provavelmente
atiçado
pela seca severa ocorrida na
África Austral em 20042005 – com forte impacto
negativo no desempenho
Intervenção de Hélder Gêmo
87
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
agrário e disponibilidade de alimentos – e actualmente
enfrentando a alta de preços internacionais de combustíveis
fósseis e de alimentos, o Governo vem particularmente desde
2005-2006 enfatizando, de forma insistente, a necessidade do
aumento da produção de alimentos como prioridade do sector
agrário, no combate a insegurança alimentar.
Numa agricultura quase apenas de sequeiro, extensiva, de
baixa produtividade e renda, como ainda é a de Moçambique,
é indubitável que o aumento da produção nas famílias
camponesas traria como uma das consequências imediatas, maior
disponibilidade e acesso a alimentos no seio das mesmas. Pelo
menos em relação às principais culturas produzidas e que sejam
a base da dieta das famílias camponesas, nos diversos ambientes
agro-ecológicos e socio-culturais. Mas será a ênfase no aumento
da produção de alimentos, por si só, uma eficaz estratégia de
combate a fome e reforço da segurança alimentar? O presente
trabalho, de forma breve, mas compreensiva, discute este tema.
Tal tema é discutido com base num documento apresentado ao
Gabinete de Estudos da Presidência da República em Junho de
2008 e que versa sobre a produção, comercialização agrícola e
segurança alimentar em Moçambique.
O problema
•
Será a abordagem do combate a fome e reforço da segurança
alimentar, assente no aumento da produção, a mais adequada
nas circunstâncias actuais de Moçambique?
Objectivos
É objectivo geral contribuir para um entendimento mais holístico
das formas e causas da fome e da insegurança alimentar como
88
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
base para uma reflexão mais realista sobre o combate a fome e
reforço da segurança alimentar. Especificamente o trabalho visa:
• Enfatizar os três pilares da segurança alimentar relacionandoos à realidade do País;
• Discutir, de forma breve, as principais formas e causas da
fome e da insegurança alimentar;
• Sugerir opções de investimento público susceptíveis de
contribuir, de forma mais eficaz, no combate a fome e
insegurança alimentar.
Sobre a Fome, Segurança e Insegurança Alimentar: breves
conceitos
Têm sido várias as definições de segurança alimentar, evoluindo
no tempo, e mesmo no contexto em que o conceito é aplicado.
Neste trabalho, assume-se a segurança alimentar como a
tradução material do direito humano à alimentação o que, a nível
dos agregados, consiste no acesso equilibrado a alimentos por
todos os membros, ao longo do tempo, de forma a que possam
responder, de maneira estável, a uma vida activa e sã.
A insegurança alimentar é a situação em que os indivíduos são
incapazes de adquirir alimentos suficientes para a satisfação das
necessidades alimentares diárias, normalmente traduzidas em
calorias. Existe a insegurança alimentar crónica, relacionada à
persistente insuficiência de alimentos – muitas vezes designada
de fome silenciosa – a qual deriva de causas várias, frequentemente
associadas à pobreza. Em crianças, e em casos extremos, é
susceptível de causar Kwashikor e marasmo. Há também a
insegurança alimentar transitória, relacionada à falta temporária
de alimentos para suprir adequadamente as necessidades
alimentares.
89
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Já a fome, diz respeito a ocorrências em que uma expressiva ou
grande parte da população de uma zona, país ou região, enfrenta
uma tal escassez de alimentos que resulta na desnutrição aguda,
podendo, e muitas vezes provocando, o incremento na taxa da
mortalidade da população afectada. Nestes casos, a magnitude
do acréscimo da taxa de mortalidade derivada da fome, reflecte a
gravidade do fenómeno.
Os Três Pilares Básicos da Segurança Alimentar
Os três pilares da segurança alimentar, nomeadamente a
disponibilidade, acesso e utilização, são bastante conhecidos não
obrigando, por isso, a detalhes sobre o seu contributo individual
na segurança alimentar. Interessa porém destacar que, de uma
abordagem a nível macro (nacional) e internacional, baseada nos
níveis e segurança da oferta agregada de alimentos – anos 70 – a
segurança alimentar passou, nos anos 80, a ser enfatizada a nível
dos indivíduos e agregados familiares com ênfase no:
•
•
•
acesso
vulnerabilidade
e reconhecimento do direito à alimentação
A vulnerabilidade à insegurança alimentar expressa os
potenciais riscos que os indíviduos, famílias, comunidades, ou
mesmo países, estão expostos podendo daí resultar restrições na
disponibilidade e acesso a alimentos. Por exemplo, Moçambique
detém vastas zonas semi-áridas, no sul e centro do País. Os
distritos e as províncias que abarcam tais zonas, normalmente
enfrentam maiores ameaças ou ocorrências de redução de
disponibilidade de alimentos, em campanhas agrícolas em que os
factores climáticos se comportam de forma adversa, atrasando e
ou escasseando as chuvas. No extremo oposto, quando as chuvas
abundam, incluindo à montante do País, em países vizinhos como
a África do Sul, Swazilândia e Zimbabwe, os vales de grandes
90
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
rios tornam-se propensos à cheias ou a inundações, expondo
milhares de famílias a colheitas pobres, ou nenhumas.
Como Abordar o Combate a Fome e a Insegurança Alimentar?
Compreender profundamente as causas mais relevantes da fome
e da insegurança alimentar, é crucial no seu combate, através de
abordagens mais pragmáticas e sustentáveis. Ou seja, que visem,
por um lado, aliviar os problemas imediatos de disponibilidade,
acesso e utilização3 e, por outro, que se concentrem em intervenções
para o aumento da oferta e acesso a alimentos, a médio e longo
prazos. Esta segunda abordagem implica investimentos na
investigação e extensão agrária, infra-estruturas e redes de
transporte de apoio à agricultura bem como a promoção do
emprego, em particular em actividades económicas não agrárias,
em particular as relacionadas. Neste contexto, a promoção de
oportunidades geradoras de renda, em especial para a população
de baixa renda e pobre, é importante (Gittinger et al, 1988).
À escala nacional, a segurança alimentar é complexa e interage de
forma dinâmica com todos os outros sectores socio-económicos.
Portanto, há muito que o combate a fome e o reforço da
segurança alimentar deixaram de ser vistos como problemas do
sector agrário. É pois crucial a inclusão de políticas alimentares
na planificação macro, embora as especificidades políticoeconómicas de cada nação, influenciem a sua implementação.
Por exemplo, muitos decisores de alto nível enfatizam o aumento
da produção com vista a auto-suficiência alimentar. Todavia, do
ponto de vista económico – mas não necessariamente político – a
segurança alimentar pode ser mais sólida através da combinação
da produção local e importações (Gittinger et al, 1998). Em países
relativamente extensos, com acentuada variação do potencial e
desempenho agrário, nas infra-estruturas, na rede de transporte
3
Esta exige muitas vezes intervenções direccionadas e continuadas e, de certa forma, especializadas (por
exemplo, programas nutricionais em zonas ou extractos populacionais de maiores carências ou défices nutri-
91
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
e no acesso a mercados – como ocorre em Moçambique – a
variabilidade da produção, da oferta nacional e do nível dos
preços de alimentos são geralmente maiores do que a variação
da oferta internacional e seus preços. Naturalmente, podem, e
muitas vezes constituem excepção, os períodos de crise alimentar
internacional, momentos em que os preços são potencialmente
mais voláteis.
Relacionando, primeiro, a inter-conectividade dos vários sectores
socio-económicos nacionais e, segundo, do mercado internacional
de alimentos – nos sistemas alimentares e de segurança
alimentar de cada país – vale a pena recordar algumas mudanças
de abordagem, ou de circunstâncias, em relação à segurança
alimentar, a nível das nações.
No passado, a ênfase era sobre disponibilidade de alimentos e
auto-suficiência. Actualmente, é na maximização da renda e na
competitividade da produção alimentar, ou da agricultura no
geral. No passado, em muitos países em desenvolvimento (PVDs),
em particular na África Subsahariana, prevaleciam relativamente
baixos índices de urbanização e um campesinato bastante
absorvido na agricultura, mesmo que de baixa renda. Actualmente,
por vários motivos, a migração campo-cidade acelerou, gerando
elevados índices de urbanização, sub-emprego e desemprego,
contribuindo estes fenómenos no crescimento do sector informal
(sub)urbano. Neste contexto, a geração de emprego não agrário
torna-se cada vez crucial para os Governos4.
No passado, perspectivas viradas a soluções nacionais podiam e
eram, em muitos casos, adequadas. Hoje, nas políticas agrárias e
alimentares a nível nacional, é fundamental ter em conta as grandes
mudanças internacionais, em relação a vantagens comparativas
4
Mais de 54% da população moçambicana vive abaixo da linha da pobreza absoluta, de acordo com a
última avaliação em 2003
.
92
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
na oferta e transações dos principais alimentos5. A alimentação é
hoje um dos maiores negócios internacionais, em que quase todos
os países estão envolvidos, como importadores ou exportadores.
No passado, o valor da moeda nacional era muitas vezes pouco
relacionada às questões da alimentação doméstica e política
agrária. Actualmente, este é um factor bastante importante, em
particular quando a interacção com o mercado internacional é
elevada (Schuh, 1988). Aliás, em Moçambique, determinados
produtos alimentares importados em particular da África do Sul
(por exemplo, batata reno) e de outros países (trigo e arroz) têm
tido influência no comportamento da inflação.
Ter em conta os factores acima descritos, e outros, como a
edificação de um capital humano competente, um sistema
actuante de inovação tecnológica e instituições eficazes na
agricultura e garantia da segurança alimentar – torna as
abordagens de combate a fome e reforço da segurança alimentar
potencialmente mais pragmáticas. Em suma, a nível nacional,
e nos países com base económica agrária, a ênfase num maior
desempenho da agricultura afigura-se crucial na disponibilidade e
acesso de alimentos. Aumentos na oferta de alimentos localmente
produzidos, contribuem directamente no acréscimo da média de
ingestão de calorias per capita. Mas não se deve perder de vista as
mudanças de renda per capita, a distribuição da renda e os preços
de alimentos (Timmer, 1998). Tomar em consideração os vários
factores chave que influenciam o sistema de segurança alimentar,
a par do aumento da produção agrária, é fundamental.
5
Por exemplo, por várias razões, de notável produtor de arroz e de hortícolas
quase à níveis de autosuficiência , até pouco antes da independência, em 1975,
o País importa hoje parte significativa das suas necessidades da Ásia e da
África do Sul, respectivamente.
93
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Quando a Ênfase é no Aumento de Produção e a Pobreza é um
Facto
Em países como Moçambique, onde a pobreza absoluta ainda
prevalece (54% em 2003), e a agricultura absorve a maior parte
da população rural, atenção especial deve ser prestada as famílias
camponesas mais pobres. De Ravignan (2004) destaca a tripla
exclusão dos camponeses mais pobres, nomeadamente:
•
a das terras: são conhecidos os problemas prevalecentes em
países como o Brasil, na América Latina, onde 1,6% da
grandes explorações (com mais de 1000 ha cada) ocupam 53,2
% das terras, enquanto 30,4% dos camponeses contentamse com 1,5% da terra”. Na região Austral, a distribuição de
terras é delicada em países como a África do Sul (60.000 a
70.000 agricultores comerciais produzem pelo menos 80%
do output agrário anual), Namíbia e Zimbabwe tendo, este
último, desembocado numa controversa reforma agrária,
praticamente a partir do ano 2000. Em Moçambique, a
distribuição de terra parece não ser ainda problemática em
termos de exclusão de famílias camponesas ou de agricultores
comerciais emergentes. Isto apesar de, nos últimos 10 anos,
o País ter avançado na cedência de coutadas e concessões
florestais a privados e na concessão de outros milhares de
hectares para a indústria açucareira6, por via do investimento
directo estrangeiro (IDE). Num futuro breve, no âmbito da
atracção do IDE, em particular para culturas destinadas a
bio-combustíveis, o Governo poderá conceder milhares de
hectares a investidores estrangeiros. Estimava-se em cerca de
6 milhões de ha solicitados para o efeito, até finais de 2007
(MINAG, Setembro 2007). A magnitude e as modalidades
de concessão de terra para o IDE poderão, ou não, ditar
6
Maioritariamente em zonas tradicionalmente usadas no cultivo de cana sacarina, portanto, desde os
primórdios da indústria açucareira nos anos 1930-1940
94
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
outra realidade na distribuição desta no País, a médio e longo
prazos.
a do trabalho: gera-se com a mecanização da agricultura ou
pela automatização da indústria. São duas opções defendidas
por uns, na perspectiva do progresso tecnológico, e criticadas
por outros, devido a perda de postos de trabalho. Em especial
porque, a exclusão no trabalho agrário e industrial, afecta
muitas vezes a mão-de-obra pouco qualificada e população
pobre.
a do mercado: a fraca rede de infra-estruturas e de transportes
em muitos paises em desenvolvimento, em particular na
África Subsahariana, constrange o acesso a mercados7.
Isto veda ou limita a integração no mercado doméstico e
internacional a milhares de famílias camponesas. Ademais,
os produtos importados são muitas vezes mais competitivos,
frequentemente mercê de subsídios à produção ou à
exportação, na origem. Moçambique não é excepção, sendo
exemplo a importação em crescendo, nos últimos 10 anos,
do arroz Ásiatico, da Tailândia, algum do Paquistão e
futuramente do Vietname (prevista a importação de 400,000
tons num futuro imediato8), na ordem de dezenas de milhões
de dólares, anualmente9. Aliás, o arroz é uma das culturas
eleitas como prioritária, na promoção do aumento da
produção de alimentos.
Metodologia
O trabalho compreendeu uma metodologia simples,
nomeadamente, a revisão bibliográfica de base com a finalidade
7
Na África Austral, os custos de escoamento de produtos agrários, dependendo das circunstâncias e do
percurso, dos locais de produção aos de exportação, são citados como tendo uma proporção de 15 a 40%
no preço unitário de exportação, o qual obedece aos preços internacionais.
8
Publicado no Jornal Savana, Semanário Independente, Maputo, Junho, 13 2008.
9
Embora os dados sejam muitas vezes controversos, num estudo sobre a indústria do arroz efectuado
pelo MINAG (2006), estimou-se em USD 70 milhões as importações actuais em Moçambique.
95
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de buscar os fundamentos teóricos para melhor sustentar a
discussão e a formulação das conclusões; a consulta a documentos
oficiais seleccionados, com vista a obter dados e informações para
comentários mais sustentados do documento acima referido e
que constitui a referência deste trabalho. Também compreendeu
entrevistas informais a técnicos e gestores do Secretariado
Técnico para Segurança Alimentar (SETSAN), investigação e
extensão públicas, a fim de recolher e confirmar dados e buscar
informações adicionais. O trabalho foi realizado em Junho de
2008.
O Caso de Moçambique
As formas e a face da fome em Moçambique
A fome e a insegurança alimentar em Moçambique assumem
as duas formas comuns. A resultante de choques, normalmente
naturais (mas também económicos) e que assume com frequência
proporções de emergência, traduzida em ajuda alimentar imediata,
durante certo período de tempo. E a silenciosa, derivada de défices
nutricionais, menos ruidosa, mas tão danosa como a outra. A
tabela 1 mostra o número de indivíduos que beneficiaram de ajuda
alimentar, em determinado período do ano, principalmente em
consequência do mau desempenho agrícola, entre 2002 a 2006.
96
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Em 2007 e 2008, os números foram de 520,000 e 302,000,
respectivamente. Parte substancial destes indivíduos situam-se
em distritos de baixo potencial, propensos a seca ou escassez de
chuvas, portanto, marginais para a produção agrícola de sequeiro.
Estes são os números da fome visível, directamente observáveis
através de colheitas pobres no campo e celeiros vazios. As
autoridades locais são normalmente expeditas em divulgar estes
Fonte: SAN/ STSAN, 2008
Legenda:* inclui o Município da Matola
fenómenos, os quais facilmente encontram eco nos meios
de comunicação social. O PMA tem sido um dos principais
parceiros do Governo na ajuda alimentar, e várias ONGs, em
anos de substancial insegurança alimentar, como em 2003 e 2005.
Estima-se que em 2005, 38% do total de famílias camponesas
tenham passado por um período de fome, 37% em 2006 e 27%
em 2007, uma campanha agrícola relativamente bem sucedida
(TIA, 2007). Isto sugere que a ajuda alimentar imediata tem sido
bastante selectiva (tabela 1), em relação à dimensão das famílias
camponesas que enfrentam a insegurança alimentar devido ao
fraco desempenho agrícola. Mencione-se que a tendência de
muitas famílias camponesas venderem os seus excedentes logo
após as colheitas, tem resultado em insegurança alimentar nos
agregados, a posterior, ou seja, no intervalo entre duas colheitas
sucessivas. Em parte isto deve-se à grande sazonalidade dos
preços (bastante baixos quando das colheitas) e aos baixos
volumes de produção nas famílias camponesas o que conduz
a que a renda gerada seja modesta e insuficiente para adquirir
alimentos suficientes.
Mas existem também os números da fome menos visível, a
silenciosa. Por exemplo, embora a pobreza absoluta no País tenha
reduzido de forma substancial de 1997 (70%) a 2003 (54%), em
igual período a taxa de prevalência da desnutrição crónica (baixa
altura para a idade), em média nacional, agravou de 36 para para
97
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
41%, situando-se na ordem dos 46.2% em 2006 (IDS, 2003;
SETSAN, 2006). A média nacional da desnutrição aguda (baixo
peso para a altura), também cresceu ligeiramente de 4.0 para
4.5% no período 2003 a 2006 (SETSAN, 2006). Nas crianças,
em geral, a mortalidade com idade inferior a 5 anos baixou de
219/1000 em 1997 para 178/1000 em 2003 (IDS, 2003). Todavia,
cerca de metade dos óbitos nesta faixa etária está associada à
desnutrição. A mortalidade infanto-juvenil tem sido mais grave
nas zonas rurais do que nas urbanas, com cifras respectivas de
46 e 29% (PASAN, 2007). A tabela 2 ilustra alguns dados sobre
óbitos anuais relacionados a problemas de desnutrição.
As intervenções na área nutricional requerem muitas vezes
recursos por períodos relativamente longos, em campanhas de
prevenção e tratamento da desnutrição na população ou extractos
populacionais selecionados.
Fonte: MISAU- Área de Nutrição, 2004, citado no
PASAN, 2007
Os custos sociais e económicos da fome silenciosa são enormes.
Algumas análises disponíveis mostram que a desnutrição crónica
reduz a capacidade produtiva em 2-3% do BIP (Shrimpton,
2002 citado no PASAN, 2007). Estima-se também que a
deficiência no iodo na vida intra-uterina, a desnutrição crónica
nos primeiros anos de vida e a anemia nas mulheres adultas,
afecta a produtividade no trabalho em cerca de UDS 132 milhões
(MISAU, 2004 citado no PASAN).
98
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O rationale da ênfase no aumento da Produção
A distribuição da população pelos diferentes sectores económicos
mostra o predomínio da agricultura na absorção da mesma:
78.5% à escala nacional, cerca de 40% nas zonas (peri-)urbanas
– incluindo actividades relacionadas – e 93% nas zonas rurais
(PASAN, 2007). As despesas com alimentos da população rural
são estimadas em 64% da sua renda, estimando-se 33% nas
zonas urbanas. Significa que, numa agricultura dominada por
famílias camponesas, se garantida a absorção dos acréscimos do
output agrícola anual, o aumento da produção pode ter impacto
positivo, numa base ampla, numa maior disponibilidade e acesso
à alimentos e na geração de renda pelas famílias camponesas.
É necessário porém ter em conta que as 3.6 milhões de famílias
(TIA, 2007) são heterogéneas no acesso e utilização da terra, ao
capital, mão de obra, tecnologias e mercados de excedentes. Num
País com 10 regiões agro-ecológicas, desde ambientes de alto e
moderado potencial aos marginais, as reais possibilidades de
aumentar a produtividade e produção são diferenciadas. Significa
que o nível de participação e de sucesso dos milhões de famílias,
será variado e selectivo nas zonas rurais.
Avaliando o Sector Agrário no Contexto da Ênfase no
Aumento da Produção
99
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
No geral, a figura 1 mostra os principais factores que influenciam
os três pilares base da segurança alimentar. Todavia, a breve
análise que se segue, cinge-se aos factores relacionados a produção
nacional e não à importação. Na razão disto, está o tema em
análise.
Figura 1: Os 3 pilares da segurança alimentar e principais factores que
os influenciam, adaptado a
situação do País
Disponibilidade: é analisada apenas na perspectiva da produção.
Isto porque, apesar do papel das importações ser inquestionável
no complemento à segurança alimentar, a abordagem políticogovernamental do combate a fome e reforço da segurança
alimentar, enfatiza a produção local, incluindo para aliviar ou
mesmo substituir as importações de certos alimentos.
Produção: Numa agricultura de predominância familiar
(99% das explorações agrícolas nos 5,67 milhões de hectares
cultivados no total (TIA, 2007)), o acesso a terra não parece ser
uma limitante na actividade produtiva das famílias camponesas,
pese embora alguns conflitos localizados, ou potencial para
conflitos de interesse – entre famílias camponesas e agricultores
comerciais – em terras de alta densidade ou em perímetros
irrigados. Em particular, após o relançamento da agricultura,
em 1992, o fraco acesso ao capital tem sido mencionado como
um dos grandes constrangimentos na agricultura. Embora sejam
raros os estudos que mostrem em que magnitude a actual oferta
de crédito constrange a agricultura, a falta ou escassez de crédito
é quase sempre referida nas análises sobre o sector agrário. A
banca concentra pelo menos 70% dos seus balcões na cidade e
província do Maputo, a agricultura é marginal na sua actividade
e estima-se em 5% as famílias camponesas e médias explorações
que tiveram acesso a crédito em 2005 (TIA, 2006). A mão de obra
tem sido citada como limitante em muitas famílias camponesas,
em particular no pico das actividades de campo. Num diagnóstico
100
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de campo, realizado pela extensão pública em áreas seleccionadas
de 47 dos 51 distritos em que operava em 2000-2001, concluiuse que o atraso nas sachas, ou realização de sachas parciais, eram
um sério problema para o bom desempenho das explorações das
famílias camponesas, em particular nas regiões centro e norte
(Gemo (ed), 2001). As doenças e pragas são outros factores
negativos, pese embora os seus efeitos económicos – nas várias
culturas e espécies pecuárias de valor económico – careçam de
mais regulares e aprofundados estudos. Longe (mas não isento)
das devastadoras pragas migratórias de gafanhotos dos anos
1980 e 1990; da cochonilha da mandioca e dos grandes focos do
pardal de bico vermelho no arroz no mesmo período; o País regista
focos ocasionais de pestes (por exemplo, suína), doenças de alta
ocorrência em bovinos, o vírus da podridão radicular da mandioca
e o down mildium no milho (nas zonas de baixa altitude), entre
outras ocorrências. As perdas pós-colheita continuam sendo
referidas na ordem de 30%, embora, mais uma vez, mais estudos e
medidas sejam necessários nesta área específica. A fome também
se combate agindo-se de forma mais efectiva contra as perdas de
produção.
Os (des)incentivos à produção ocorrem, conforme se se estimula
ou se se retrai os principais
actores. O comércio transfronteiriço do milho tem
sido um incentivo, apesar das
questões que se possam levantar
na distribuição da renda pelos
vários intervenientes na cadeia
de valor (famílias camponesas,
compradores
de
campo,
intermediários de média escala
e exportadores informais).
101
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Tratando-se de uma agricultura quase exclusivamente de sequeiro,
o comportamento dos factores climáticos determina em grande
medida o desempenho da agricultura. As grandes secas de 19831984, de 2004-2005, e as cheias de 2000-2001, são ocorrências
recentes que mostraram esta realidade, fora o registo de outras
campanhas agrícolas de fraco desempenho, devido sobretudo à
escassez das chuvas. A figura 2 mostra a distribuição do potencial
agrícola no País, no qual a precipitação
Figura 2: Distribuição do potencial agrícola no País.
Fonte: MINAG (Chamberlin e Sousa, 2008)
tem particular destaque. Finalmente, o acesso a tecnologias é baixo:
apenas 13% das famílias camponesas e médias explorações usam
rega, apenas 12% usam tracção animal (predomina a enxada de
cabo curto) e entre 5 a 10 % utilizam sementes melhoradas (TIA,
2007).
No contexto das tecnologias,vale a pena fazer referência à contribuição
da investigação e extensão. O sistema público de investigação
(entenda-se MINAG)10 limita-se a cerca de 150 investigadores,
com aproximadamente 25% de doutorados e pouco menos 50%
de mestrados. A maior parte deste capital humano encontra-se em
início de carreira. O Instituto Nacional de Investigação Agrária de
Moçambique (IIAM) carece ainda de expertise em áreas essenciais
como cereais, fruticultura, horticultura, pós-colheita no geral,
mecanização agrícola, ciência e fertilidade de solos, etc.. Pese o
trabalho que tem sido desenvolvido, falta massa crítica traduzida
em equipes temáticas estáveis e dinâmicas de investigação que
possam responder de forma pragmática aos desafios da produção e
da segurança alimentar. A extensão agrária pública (DNEA) é das
mais recentes (1987) e pequenas da África Subsahariana e Austral
(cerca de 600 técnicos de campo)11. Portanto, ainda em processo
10
É o principal sistema público, dado que, por razões várias, o papel da educação agrária superior
na investigação, de apoio ao sector produtivo, tem sido bastante limitado ao longo dos anos.
11
No âmbito do Programa Nacional de Extensão Agrária (PRONEA) prevê-se a expansão do
efectivos para pouco mais de 1000 extensionistas até 2009-2010.
102
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de edificação, incluindo o seu capital humano, caracterizado por
alto êxodo ao longo do tempo. A contribuição da DNEA no
sistema de extensão agrária tem sido valiosa, mas modesta se
comparada à cobertura e investimentos (logística operacional)
da assistência técnica privada (commodity oriented extension)
e da extensão de ONGs. O total de extensionistas – públicos,
privados e de ONGs não deve alcançar os 2.500 (Gemo, 2005 e
2006; Couglin, 2006)12 contra pouco mais de 3,000 no Malawi,
cerca de 4.000 na Tanzania e mesmo no Zimbabwe, apesar da
actual crise económica.
Distribuição: inicia nas explorações agrárias, as quais, em
contextos altamente integrados no mercado, obedecem a planos
de produção orientados à demandas específicas e standards
estabelecidos, e termina no fornecimento de produtos frescos ou
processados aos consumidores. Ou às agro-indústrias, em caso
de matérias primas (Abbott, 1987).
A rede comercial de apoio ao sector agrário tem evoluído pouco.
É bastante fraca, ou mesmo inexistente a oferta de insumos
agrícolas nas zonas rurais e, quando ocorre, é a preços altos. A
comercialização agrícola continua um dilema em vários distritos,
em particular nos de elevado a moderado potencial produtivo
e baixo acesso ao mercado. A para-estatal de comercialização
agrícola, o Instituto de Cereais de Moçambique (ICM), vibrante
nos anos 1980 e 1990, está praticamente desactivada. Dados
actuais sobre o comércio retalhista rural formal, apontam a
existência de 5,368 lojas, das quais 1388 inoperacionais (MIC,
2008). Na altura da independência, em 1975, foi estimado
que a maior parte dos cerca 6.500 comerciantes rurais tinham
abandonado o País (Caballero, 1990). Uns anos antes, estimavase em 1,6 milhão as machambas familiares, cultivando 2,49
milhões de hectares (MIA, 1972). Isto sugere que o comércio
retalhista rural formal estagnou ao longo do tempo, em parte
12
Dados a serem reconfirmados no campo, ainda em 2008.
103
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
devido ao interregno da actividade, nos anos 1980 a meados dos
anos 1990, em consequência do conflito armado terminado em
1992. Há necessidade de maior presença do comércio retalhista
rural formal nas zonas rurais. Actualmente, o comércio informal
assume um papel preponderante em muitas zonas rurais,
incluindo no comércio trans-fronteiriço.
Em 2006-2007, Moçambique contribuiu com 78% do milho
exportado informalmente na SADC, em especial para o Malawi
(FEWSNET, PMA, 2007). Contudo, o comércio retalhista
rural formal, pelas suas características de implantação local
e desenvolvimento de relações de mútua vantagem com as
comunidades locais, é mais relevante no comércio agrário.
À montante, no fluxo de factores de produção e outros bens
e, à jusante da produção, no escoamento do output agrícola.
O comércio retalhista rural formal pode contribuir mais
eficazmente não apenas na
distribuição de excedentes13,
mas na oferta regular de
insumos, de bens duradoiros
como implementos agrícolas,
motorizadas e bicicletas,rádios14
e na participação no agroprocessamento de pequena
escala. É um facto que a maior
parte dos bens mencionados
são importados. Mas a médiolongo prazos, a dinâmica do
comércio retalhista rural formal
13
Contribuindo para acrescer o acesso, em especial nas zonas urbanas, alimentando a força de trabalho
na indústria e outros serviços.
14
Importantes na mobilidade, comunicação e bem estar das famílias camponesas.
104
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
(e do informal) pode contribuir no estímulo à indústria local15,
podendo desenvolver-se uma maior interacção entre actividades
não agrárias e agrárias, rumo à transformação da agricultura e
cadência entre o crescimento agrário e industrial.
A partir de 2009, o Estado prevê financiar quatro sistemas de
silos de grande capacidade16, em quatro províncias. Isto poderá
dar um impulso à comercialização, desde que factores como as
implicações na produção de tais zonas, à montante e à jusante
da produção bem como a gestão sustentável destas unidades,
estejam devidamente equacionadas. Enquanto isso, operadores
privados, incluindo estrangeiros, vão fazendo a comercialização
de cereais nalgumas zonz rurais. O aparecimento de novas
moageiras, de escala industrial, emprestam alguma dinâmica na
comercialização de milho17.
Figura 3: Distribuição da rede de mercados no País. Fonte: MINAG
(Chamberlin e Sousa, 2008)
Em suma, impõe-se muito mais operadores formais na
comercialização. A figura 3 mostra a distribuição da rede de
mercados no País. As zonas de baixo potencial agrícola da região
sul apresentam, em geral, maior densidade do que as zonas de
maior potencial das regiões centro e norte. Isto ilustra o quão
as directivas políticas e estratégias de aumento de produção de
alimentos, deverão priorizar o escoamento de excedentes, como
parte fundamental do processo. Como sabido, um maior, estável
e menos oneroso fluxo de alimentos das zonas de produção
às de consumo, tem efeito potencial na redução dos preços ao
consumidor.
15
Na expectativa de que a produtividade e renda agrária aumentem no futuro, no quadro da vontade
política actualmente enfatizada pelo Governo para maior investimento no sector.
16
Perspectiva-se construção na Zambézia, Nampula, Manica e Sofala
17
Província de Manica, funcionando desde 2007 e Sofala (Gorongosa)
105
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Utilização: questões sócio-culturais, as quais incluem tabus,
influenciam opções de consumo e devida utilização de uma série
de alimentos. Moçambique é rico em diversidade sócio-cultural
rural, incluindo valores que diferenciam comportamentos a nível
das famílias camponesas.
O nível de escolaridade das mães influencia e tem mostrado uma
forte correlação com o estado nutricional das crianças. Crianças
cujas progenitoras detêm parca ou nenhuma escolaridade são
bastante susceptíveis à nutrição inadequada. Revelam uma
probabilidade 3 vezes maior de serem cronicamente desnutridas,
comparadas às crianças cujas mães possuem o nível secundário
concluido (PASAN, 2008). As causas tanto podem relacionar-se a
problemas de acesso (pobreza ou baixa renda) ou a conhecimentos
fracos sobre práticas salutares de nutrição das crianças. É um dado
importante tendo em conta que os inquéritos anuais nas zonas
rurais, à escala nacional, mostram que as famílias camponesas
chefiadas por mulheres variam entre 23 a 26% (2000-2007),
(tabela 3).
Tabela 3: Escolaridade de chefes de famílias camponesas (FC) e de
Famílias camponesas chefiadas por mulheres
Nas zonas rurais, em geral, a mulher enfrenta maiores
constrangimentos no acesso ou a permanência prolongada na
educação formal18. Isto sugere a importância de programas de
18
Historicamente, a educação nas zonas rurais é mais um investimento masculino, apesar de esta situação estar em reversão, muito em parte mercê de políticas promocionais da educação da rapariga rural.
106
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
educação de adultos nas zonas rurais, com ênfase nas mulheres
em idade reprodutiva, como parte dos esforços susceptíveis de
melhorar os seus
Legenda: constituem 99% das explorações
No País (TIA, 2007)
conhecimentos e práticas nutricionais mais salutares para com
as crianças.
O papel da investigação e extensão públicas na área nutricional
tem sido bastante modesto. A extensão iniciou algumas actividades
apenas em 2000-2001, como parte das acções de campo na
mitigação dos efeitos HIV/SIDA na famílias afectadas nas
zonas rurais. Tais acções têm sido bastante limitadas no espaço
e resumem-se à participação na divulgação da batata doce de
polpa alaranjada, rica em vitamina A – em colaboração com o
IIAM e o Instituto Internacional de Agricultura Tropical (IITA)
–; na distribuição de materiais de propagação de fruteiras, como
parte da diversificação orientada para melhoria da dieta e renda
nas famílias camponesas; nas demonstrações de conservação de
certas frutas; e no processamento mecanizado de mandioca19 e
de batata doce.
O limitado acesso a água potável20 e ao saneamento básico21, a
fraca distribuição da rede de saúde nas zonas rurais e a forte
ocorrência de doenças como a malária, problemas de diarreia em
certas zonas rurais e a incidência do HIV/ SIDA, agravam os
problemas nutricionais.
19
A redução do cianeto a níveis mínimos na mandioca amarga tem sido um dos objectivos do processamento
melhorado, um trabalho iniciado em colaboração com a ONG Sasakawa Global 2000 e IITA.
20
Embora tenha muito provavelmente progredido, em 2003 situava-se em 58% nas zonas urbanas e
26% nas zonas rurais (IAF, 2002-2003).
21
Há 3 anos estimava-se em 73% nas zonas urbanas e apenas 34% nas zonas rurais (DNA, 2005).
107
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Conclusões
A ênfase no aumento da produção com vista ao combate a fome
e melhoria da segurança alimentar não é desprovida de mérito.
Uma razão importante do investimento nos sectores agrários
de cada País reside no potencial da estabilização da economia
alimentar doméstica, reforçando-se deste modo a segurança
alimentar (Timmer, 1998). Moçambique, País de forte base
agrária, não é excepção. Mas o que é vital neste crucial desafio é
garantir uma efectiva e estável ligação entre os outupts acrescidos
– como resultado dos esforços para o aumento da produção – e
o mercado de consumo (produtos frescos ou processados), ou de
exportação.
A promoção arrojada do comércio retalhista rural formal pelo
Estado é de extrema importância. O comércio retalhista rural
formal tem o potencial de agir como comprador e vendedor
estável de primeira linha, junto às comunidades. É um ponto
intermédio fundamental no estímulo à produção e à dinamização
da economia rural, em geral. Dadas as assimetrias regionais
no potencial agrícola e capacidade produtiva (incluindo a
disponibilidade de mão-de-obra), o Estado deve priorizar o
apoio a comércio retalhista rural formal nas zonas rurais do
Participantes do Seminário
108
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
norte e centro, em geral maiores produtoras de excedentes, mas
com fraco a moderado acesso a mercados. Note-se que cerca de
43% das pequenas (famílias camponesas) e médias explorações
estão em apenas 2 (Nampula e da Zambézia) das 10 províncias
do País, no norte e centro (TIA, 2007).
O agro-processamento é bastante relevante na absorção, adição de
qualidade e valor à produção, contribuindo no desenvolvimento
das cadeias de valor. O investimento privado, em particular o
IDE, opta pelas indústrias convencionais de grande escala, com
sistemas de marketing e circuitos comerciais mais complexos. O
Estado deveria apoiar o agro-processamento de pequena e média
escalas nas zonas rurais. Embora às vezes sem a qualidade do
produto em relação às grandes agro-processadores (por exemplo,
controle de humidade e secadores), as de pequena e média
escalas contribuem na geração do emprego rural, desenvolvem
estímulos locais na produção e aliviam o trabalho doméstico das
mulheres, e estima-se contribuirem em 60% na mão de obra da
agricultura familiar. O Uganda tem uma experiência interessante
no uso de maquinetas de descaque de arroz nas zonas rurais
que contribuiram de forma notável na expansão, aumento da
produção e comercialização de variedades Nerica (New Rice for
Africa) de arroz. Em Moçambique, a extensão pública já divulgou
maquinetas de descaque de arroz (Província de Gaza)22 e de
processamento melhorado da mandioca (Províncias de Nampula
e de Inhambane), sobretudo nos anos 2000-2004, em parceria
com o SG 2000, IIAM e o IITA23.
A ruralização da banca é crucial no desafio do aumento da
produção e reforço da segurança alimentar. Falhas ou falta
generalizada de mercados financeiros rurais contribuem para
22
Algumas ONGs, privados e o Gabinete do Plano da Zambézia dispõem de algumas destas maquinetas
nas províncias da Zambézia, Cabo Delgado, Inhambane e Gaza, Maputo; mas não devem ultrapassar 20
operacionais.
23
Sediado em Ibadan, Nigéria, mas actualmente com uma pequena representação no IIAM
109
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
uma sistemática sub-utilização de recursos rurais. Preços
altos e estáveis dos alimentos comercializados pelas famílias
camponesas e médias explorações – se associados a aumentos de
produção a esse níveis – podem contribuir para colmatar (mas
apenas parcialmente e a curto prazo)24, o problema da escassez
de mercados financeiros. Mas nestas condições, o problema do
dilema de preços de alimentos (food price dilemma) pode emergir.
Em particular tendo em conta que, mesmo nas zonas rurais,
existem compradores net de alimentos e só poderão fazê-lo a
preços acamodáveis (Timmer, 1998).
O Governo deve, por um lado, priorizar os programas de mercados
agrícolas25 e de finanças rurais26 sob sua alçada às zonas rurais
de maior demanda. Ou de maior potencial de produção. E, por
outro, encorajar a banca privada a expandir-se pelo menos para os
distritos de maior demanda de mercados financeiros. A expansão
das redes de fontes energéticas27, de comunicações, estradas e
comércio retalhista rural formal, são potenciais incentivos do
Estado à ruralização dos mercados financeiros.
Finalmente, o Governo deve priorizar os recursos públicos
disponíveis para investimentos públicos na:
• investigação e extensão: é fundamental investir no
desenvolvimento de uma massa crítica, competente e
24
A médio e longo prazos, numa perspectiva de rápido crescimento agrário, torna-se imprescindível
bancarizar a economia rural.
25
O primeiro PAMA iniciou em 2001 devendo encerrar em Junho 2008. Dispôs de cerca de USD 26
milhões (IFAD e Governo de Moçambique) em 9 distritos em 3 províncias (Niassa, Cabo-Delgado,
Maputo) e o próximo poderá iniciar em 2009, provavelmente com um orçamento na ordem de USD 32
milhões (IFAD e Governo de Moçambique) para cerca de 14 distritos.
26
Por exemplo, está em curso (2005-2013) um programa financiado pelo IFAD, AfDB e Governo de
Moçambique, orçado em cerca de USD 34.2 milhões e que contempla a agricultura como área prioritária.
27
Distribuição rural de combustíveis, electrificação rural e sistemas efectivos de comunicações.
110
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dinâmica, com o devido apoio logístico e institucional. Apesar
do sistema de extensão ser pluralístico – público, privado
e de ONGs – a cobertura destes serviços, nos últimos três
anos, à escala nacional, variou entre 12 (2006) a 15% (2005).
Mas em 2007 reduziu para 10%. São necessárias formas
mais audazes de aumentar a cobertura e de tornar o papel
da investigação28 e extensão públicas mais efectivo, incluindo
através de investimentos mais adequados29.
•
Infra-estruturas e redes de transporte de apoio à agricultura. Sob
coordenação sistemática das instituições governamentais e
serviços públicos vitais, a nível central e local, é fundamental
priorizar investimentos em estradas rurais, rega e drenagem
e infra-estruturas de conservação. Estas medidas são
determinantes, se se pretende realmente transformar a
economia rural – de uma situação de risco e ameaças elevados
e baixas oportunidades de investimento lucrativo – para outra,
menos instável, atractiva, que estimule a renda e acumulação,
a nível das famílias camponesas, comércio retalhista rural e
outros operadores económicos. São condições necessárias
para o potencial (re)investimento em actividades produtivas.
O Estado tem um papel fundamental neste processo.
Porém, a natureza e a complexidade do processo, impõe
complementaridades e parcerias público-privadas.
•
sistemas de informação e comunicação e de educação de adultos. A
percentagem de famílias camponesas e médias explorações
que beneficiou de informação sobre preços e mercados nas
zonas rurais, por via da rádio, entre 2003 a 2007, variou entre
21 (ano 2007) a 32 (em 2003) (TIA, 2007). A divulgação de
informação sobre previsão agro-climática tem sido escassa e
28
Por exemplo, co-financiamento do sector privado na investigação de culturas de rendimento por ora,
em geral, quase dormente.
29
O financiamento à investigação tem estado muito aquém do 1% do PIB agrário e ambos os serviços
(investigação e extensão) foram sub-financiados nos últimos 10 anos, incluindo durante o PROAGRI I
(1999-2006).
111
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
ocasional. Mesmo com uso de línguas locais na radiodifusão
provincial e nacional, e com um número encorajador de
rádios comunitárias30, a circulação de informação relevante
no sector agrário tem sido limitada. O financiamento à
educação de adultos, funcional ou por objectivos, é importante
para a capacitação de famílias camponesas de forma a lidarem
com planos de negócio e maior integração no mercado, e
mesmo no melhoramento de conhecimentos nutricionais,
em especial para mulheres.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO
EM TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS31
Ana Comoane
INTRODUÇÃO
1.Contextualização
O presente trabalho constitui um resumo actualizado da
dissertação subordinada ao tema “IMPACTO DA POLÍTICA
DE DESENVOLVIMENTO EM TURISMO - O Caso
dos PMAS, em especial Moçambique: Contingências e
Estratégias” – feita no âmbito do primeiro Curso de Mestrado
na menção de Ciências Jurídico-económicas, organizado pela
Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, em
parceria com a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
no período 2003/2005, cuja obra foi publicada em 200732.
No conjunto dos temas ministrados no âmbito do referido curso,
mereceu especial atenção a problemática de Desenvolvimento,
inserida na cadeira de Relações Económicas Internacionais
II, ao permitir um debate em torno das principais causas das
profundas e persistentes desigualdades económicas entre os Países
Desenvolvidos (PDS) e os Países em Desenvolvimento (PEDS).
No âmbito desses debates particular destaque foi dado a alguns
instrumentos versando sobre a temática do desenvolvimento
nomeadamente:
31
Nota Prévia: Aceitei o convite que me foi formulado pelo Gabinete de Estudos da Presidência da
República, para apresentar uma comunicação subordinada ao tema: “Impacto da política de desenvolvimento em Turismo: Contingências e Estratégias, ” ciente das minhas limitações mas, animada
pela certeza de receber críticas construtivas e de grande benefício pessoal. Não será por falta de apoio
sobretudo ao nível do Sector que a presente comunicação possa apresentar insuficiências, lacunas e
imprecisões. À gentileza do convite fica uma dívida de gratidão.
32
COMOANE, Ana, “Impacto da política de desenvolvimento em Turismo – O Caso dos PMAs, emespecial Moçambique: Contingências e Estratégias”, Coimbra, Edições Almedina, SA, 2007
115
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A célebre Agenda de Desenvolvimento de Doha, adoptada na IV
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em
2001, cujo mérito se deve, fundamentalmente, aos compromissos
alcançados, quanto à necessidade de privilegiar programas de ajuda
ao desenvolvimento dos países pobres, entre outras matérias de
capital importância como a defesa do ambiente, o aumento do
fluxo de investimentos e da transferência de tecnologia para os
PEDS;
- O Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2004
retratando, de forma confessadamente preocupante, o panorama
sócio-económico dos chamados Países Menos Avançados
(PMAS), particularmente os da África Sub-sahariana,
vaticinando já grandes dificuldades que estes países irão enfrentar
para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODM).33
Ora, se a Agenda de Doha produziu um efeito positivo ao dar a
ideia de um salto qualitativo na abordagem de temas candentes
como os que acima se mencionam e na busca de compromissos
para a ajuda ao desenvolvimento, o mesmo não se pode dizer
do Relatório sobre o Desenvolvimento de 2004 que, no geral,
apresenta um quadro sombrio para o Continente africano.
Tornou-se então difícil afastar a imagem de uma África
dilacerada pela pobreza extrema, como também tornou-se
inevitável transpor esse cenário para o plano nacional, buscando
reflectir sobre as perspectivas de desenvolvimento preconizadas
nos principais instrumentos de orientação política entre os quais
avultam as políticas públicas (PP) que na visão de Luíz Pedone
definem “o que os governos fazem, por que o fazem e que diferença faz
33
Banco Mundial, “ Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2004”, p 142
116
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
a ação governamental para a sociedade e seus problemas”34 podendo,
desde já, compreender se a importância da acção governativa na
orientação política do processo de desenvolvimento para o bemestar social.
Tal importância é assumida nomeadamente, pela Comunidade
Internacional, no âmbito da Declaração sobre o Progresso e o
Desenvolvimento no Domínio Social, da Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas, de 11 de Dezembro de 1969,
apelando aos Estados no sentido de preocuparem-se e agirem de
modo a assegurar os níveis de vida, o pleno emprego e as condições
de progresso e desenvolvimento nos domínios económico e social
dos seus povos35.
Sem prejuízo do carácter polissémico do termo“desenvolvimento,”36
e da diversidade do contexto real em que num dado momento o
mesmo pode ser aferido, tornando penoso o esforço de encontrar
uma ideia comummente aceite, pois, como assevera François
Perroux “não poderá nunca ser objecto de uma definição satisfatória
para todos, i.e., para todos os países, todas as experiências, todas as
exigências,”37 parece dever aceitar-se que numa perspectiva
jurídica, o desenvolvimento afigura-se um direito – dever, ou
dever-função, do Estado. Aliás, para Amartya Sen, mais do que
um direito-dever, o desenvolvimento constitui uma expressão de
liberdade,38 enquanto para Renato Cardoso o desenvolvimento
é o “principal anseio dos povos africanos e também uma forma de
legitimação das suas independências”39.
34
PEDONE, Luíz, “ Formulação, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas”, FUNCEP, Brasília,
1986, p 7
35
Cfr preâmbulo e artigo 7.
36
Desenvolvimento pode ser entendido em sentido económico, sendo certo que mesmo quando circunscrito a este domínio a sua conceptualização não é linear, ou em sentido ecléctico, de sustentabilidade,
conjugando as dimensões económica, social e ambiental.
37
PERROUX, François, “ Ensaio sobre a Filosofia do novo Direito”, Lisboa, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1981, p 13.
38
SEN, Amartya, “ Development as a Freedom”, New York, 1999
39
Apud, FERREIRA, Eduardo, Paz, “ Desenvolvimento e Direitos Humanos”, Revista da Faculdade de
direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, Editora, 2000, p. 25
117
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Seja qual for o ângulo e a perspectiva de análise, a temática
de desenvolvimento tem uma dimensão internacional e deste
prisma constitui o maior desiderato de todos os Estados que
pugnam pelo bem-estar mundial. Mas, acima de tudo, o substrato
dos PEDS e, em larga medida, dos PMAS face ao espectro da
pobreza cujo combate constitui um desígnio nacional.
Neste combate, o grande desafio que se coloca principalmente
aos PMAS consiste em seleccionar as melhores opções de
desenvolvimento e depois adoptar políticas estratégicas claras,
realistas e participativas, susceptíveis de materialização e de
provocar um rápido crescimento sem, contudo, comprometer o
desenvolvimento económico.
Quer dizer, o primeiro desafio consiste em determinar a forma
como deve ser exercido o direito ao desenvolvimento que assiste
a todo e qualquer Estado e que tem como corolário a liberdade de
escolha dos modelos e dos meios mais adequados para o alcançar,
sem dúvida, privilegiando os domínios de actividade económica
que se revelem mais aptos a desencadear um rápido crescimento
económico e um desenvolvimento acelerado e equilibrado
equacionando, entre outros, as necessidades, as oportunidades e
os recursos disponíveis.
Nos últimos tempos cresce a confiança no turismo quer por
parte dos PDS como dos PMAS que se traduz na sua eleição
como um dos sectores vitais para o desenvolvimento económico.
Convictos da sua aptidão, muitos governos e organizações
já vieram a terreiro reconhecer
o potencial turístico em gerar
receitas e postos de emprego,
contribuindo para o combate à
pobreza. Neste sentido e apenas
para citar alguns exemplos, o
Intervenção da Dra. Ana Comoane
118
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Governo de Moçambique, a União Africana, a União Europeia
e a Organização Mundial do Turismo.40
2.Delimitação do problema e objectivos
A aposta numa política de desenvolvimento em turismo é sempre
rodeada de acesos e, quiçá, de legítimos debates quanto aos efeitos
deste importante segmento de actividade económica. Em geral as
diferentes sensibilidades buscam compreender até que ponto os
resultados deste sector, são susceptíveis de promover não apenas
o crescimento mas também o desenvolvimento económico.
Foi pensando neste debate que se identificou como problema
de investigação, o de saber se “Turismo - vale a pena ou não?
Dito de outro modo, pretende-se saber: Qual o real impacto das
políticas de turismo no desenvolvimento dos países, em geral e
de Moçambique, em especial.
Claramente, a hipótese subjacente é de um país pobre que para
fazer face ao flagelo da pobreza elege como um dos sectores vitais
do desenvolvimento económico, o turismo. Por isso, impõe-se
uma incursão que atente aos seguintes objectivos:
Geral:
- Determinar em que medida o turismo no mundo responde aos
objectivos de desenvolvimento;
Específicos
- Determinar quais os impactos económicos, sócio-culturais
e ambientais positivos que justificam que PMAS como
40
Cfr Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo em Moçambique (2004-2013), Plano de
Acção do Turismo, contido no documento sobre a Nova Iniciativa para o Desenvolvimento de África
(NEPAD), Declaração da Comissão Europeia de 1999 e Declaração da Organização Mundial do Turismo, in SNV and Sustainable Tourism: Background Paper, respectivamente.
119
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Moçambique acreditem na capacidade de o turismo contribuir
para o crescimento económico;
- Avaliar os impactos negativos que devem ser tidos em conta no
âmbito das políticas públicas e, consequentemente, equacionar
os factores estratégicos para o desenvolvimento de um turismo
sustentável;
- Por último avaliar as perspectivas de evolução do turismo e a
sua contribuição na economia mundial, dos PMAS e em especial
de Moçambique.
3.Perspectiva de abordagem e estrutura
A abordagem do tema em apreço desenvolve-se numa perspectiva
comparada, de modo a retirar as lições que se mostrem adequadas
e tendo em conta o carácter eminentemente internacional do
turismo ressalvando, contudo, a perspectiva interna, de modo
a avaliar o contributo deste ramo de actividade na economia
nacional. Em qualquer dos casos, procura-se acautelar uma
abordagem multidisciplinar, privilegiando a conjugação de
aspectos de natureza económica, social e ambiental que constituem
a matriz de um modelo de desenvolvimento sustentável, e ainda
aspectos de natureza jurídica que sustentam, em maior ou menor
medida, esse mesmo modelo.
Tendo, pois, em conta o que acima se expõe, a presente comunicação,
depois de uma breve introdução sobre o contexto, objectivos e
perspectiva da abordagem, distribui-se em três capítulos:
- O primeiro (I), versa sobre a relação entre o turismo e o
desenvolvimento, destacando a sua dimensão sócio-económica,
importância, em especial para os PMAS, os seus impactos e
estratégias a adoptar, chamando a atenção sobre a necessidade de
uma correcta gestão ambiental;
120
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
- O segundo (II), aborda os factores estratégicos para um turismo
sustentável e, neste caso, analisa o regime jurídico moçambicano
em matéria de ordenamento territorial, por se considerar que
o seu impacto no desenvolvimento da actividade turística é
particularmente relevante e ainda porque, tratando-se de matéria
nova, a sua abordagem pode, eventualmente, despertar interesse
em futuros trabalhos de reflexão sobre a problemática da gestão
territorial no País;
- O terceiro e último (III), debruça-se sobre as perspectivas de
evolução do turismo nos PMAs e em Moçambique, destacando
os principais desafios, o impacto do modelo de desenvolvimento
adoptado pelo Governo no sector do turismo e as oportunidades
de combate à pobreza.
Para terminar e em jeito de resposta à pergunta de investigação,
apresentam-se algumas conclusões e recomendações na esperança
de as mesmas servirem, ainda que modestamente, como um
contributo para reflexões mais profundas e conclusivas em torno
do tema ora em apreço.
I.RELAÇÃO ENTRE TURISMO E DESENVOLVIMENTO
1.O turismo internacional
Se tivermos em conta a origem etimológica da expressão turismo
que deriva do hebraico antigo Tur que significa “viagem de
descoberta, de exploração, de reconhecimento,”41 podemos assumir
que o turismo é um fenómeno tão antigo quanto a existência
do próprio Homem, enquanto um ser gregário, cuja condição
implica o estabelecimento de relações inter-pessoais e pressupõe
a movimentação de um lado para outro, com vista à satisfação
41
OLIVEIRA, António Pereira, “ Turismo e Desenvolvimento: planejamento e organização”, 3ª Edição
Revista e Ampliada, São Paulo, Editora Atlas, S.A, 2001, p 17
121
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
das mais variadas necessidades42.
No entanto, a afirmação do turismo como indústria ganha
maior relevância sobretudo com a Revolução Industrial que
determinou grandes movimentações turísticas, transformandose num fenómeno de massas vindo a assumir, por via disso,
uma dimensão social que, por sua vez, deu origem a processos
económicos envolvendo milhares e milhares de pessoas entre
turistas, fornecedores ou simples consumidores de produtos
ou serviços turísticos. Neste sentido, o turismo assume uma
dimensão social e económica.
Na década de sessenta, o turismo consolida-se como um sector
importante na economia mundial e na década de oitenta
assume papel de relevo no processo de desenvolvimento global,
evidenciando um forte entrosamento entre as dimensões social
e económica e registando um crescimento médio de 4% e
contribuindo com 7% do comércio de bens e serviços e 5,5% do
PNB mundial. Desde então, o fluxo turístico não mais parou,
tornando-se, a indústria turística, uma referência inquestionável
na formulação e implementação de políticas e estratégias de
desenvolvimento.
De um fenómeno tradicionalmente individual, em termos
de procura e consumo, ganha uma projecção internacional,
movimentando milhões de pessoas, passando a ter dimensões
sócio -económicas de importância transcendental quer
promovendo sinergias, comércio de serviços e, nesta medida,
fonte de riqueza, quer estimulando intercâmbios sócio-culturais
e relações de hospitalidade entre as nações.
Deste modo, o turismo afigura-se um factor de desenvolvimento
42
Na prática, são várias as motivações das viagens dos turistas: investigação, lazer, aproximação à
natureza, relações pessoais, aventura, saúde, etnologia, cultura, repouso, negócios, alteração da rotina
e diminuição de responsabilidade. Aliás, deste ponto de vista, o turismo mais do que uma necessidade
individual assume-se uma necessidade socialmente induzida, à semelhança do que sucede com as férias
que através duma norma social devem ser gozadas independentemente da vontade do trabalhador. Nesta
perspectiva, o turismo afigura-se um mecanismo de que a sociedade se serve para repor o equilíbrio
físico, social e psicológico.
122
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
económico, de intercâmbio sócio-cultural e de gestão ambiental,
podendo assumir diferentes formas, nomeadamente: Turismo
de lazer, de eventos, de águas termais, desportivo, religioso, de
juventude, social, cultural, gastronómico, ecológico, de aventura,
de cruzeiros marítimos, de negócios, de compras, de terceira
idade, rural, técnico, e de intercâmbio.
Independentemente da forma em concreto, do ponto de vista
económico, o turismo contribui no processo de desenvolvimento,
nomeadamente:
- Estimulando a implantação de novas infra-estruturas, oferta
de novos equipamentos e alimentos, ou seja, induzindo a procura
em outras actividades industriais e comerciais (construções,
transporte, agricultura, entre outros mercados);
- Criando novos postos de emprego directo e indirecto na
indústria de hotelaria, de restauração e bebidas, indústrias
agro-alimentares, de mobiliário, agências de viagem, feiras de
artesanato, serviços de recreação, entre outros;
- Aumentando o saldo e, consequentemente, reduzindo o deficit
da balança comercial, através da captação de divisas.
Do ponto de vista sócio-cultural, o turismo tem repercussões ao
nível da cultura. Geralmente, o turista é portador de uma cultura
diversa da comunidade visitada. Por isso, estabelece-se entre as
partes o intercâmbio e o diálogo, tornando-se o turismo uma
ponte de solidariedade entre diferentes povos e suas culturas e
servindo como um veículo de:
- Transmissão do conhecimento, de experiências e de
informação;
- Desenvolvimento do sentido de auto-estima, de orgulho
nacional e de história de um povo, sempre que a cultura local é
123
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
apreciada.
Do ponto de vista ambiental, não se pode ignorar o facto de que
o turismo desenvolve-se num meio determinado, produzindo
impactos ecológicos e ambientais sobre a paisagem natural. Esta
situação, aliada à tendência massiva que caracteriza o momento
inicial do processo de desenvolvimento e a fase de grande
escala económica, nos países destinatários estimula acções
de sensibilização e apelo à consciência sobre as actividades
relacionadas com a valorização do património cultural,
arqueológico e das actividades ecológicas.
2.A contribuição do Turismo nos PEDS e nos PMAS
Nos PEDS e nos PMAS o reconhecimento, nomeadamente
pelas Nações Unidas da contribuição do turismo como factor de
crescimento económico remonta ao ano de 1963.43 Desde então
e contrariamente àquilo que foi a percepção dominante, ao longo
dos tempos, de acordo com a qual a actividade turística seria
exclusiva dos PDS, passou a compreender-se o seu papel decisivo
como agente indutor do processo de desenvolvimento.44
Hoje é inegável a influência do turismo no domínio
económico, social e ambiental, bem como a sua capacidade de
estimular actividades de outros sectores de economia nacional,
nomeadamente:
- No domínio de urbanização através da instalação, expansão,
ampliação, reabilitação e modernização de empreendimentos
e instalações turísticas, incluindo em zonas mais remotas,
contribuindo para um maior equilíbrio;
- No domínio financeiro, através da captação de divisas, na
43
United Nations, “ Recommendations on International Travel and Tourism”, United Nations Conference, Rome, 1963
44
Os casos de sucesso do turismo tunisino, marroquino e mexicano, entre outros países, nomeadamente
caribenhos, levaram a que, sobretudo, numa perspectiva internacional, o turismo fosse considerado um
factor vital e necessário para a captação de divisas nos PMAS, mesmo circunscrevendo os seus recursos
ao triângulo terra sol e mar.
124
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
medida em que o turismo internacional, sobretudo, implica
viagens programadas, geralmente a partir de poupanças de
turistas provenientes de países ricos, embora em menor escala
também provenham de países em desenvolvimento;
- No domínio socio-económico, através de investimentos
turísticos, o turismo é a indústria que oferece emprego em
grande escala e impostos. Neste sentido, o turismo é uma fonte
de redistribuição de renda.
2.1.A importância do turismo doméstico
Contrariamente ao que poderia pensar-se, o turismo doméstico,
sobretudo nos PMAs não é menos importante que o turismo
internacional. Com efeito, as infra-estruturas turísticas podem
desenvolver-se com muito maior rapidez a partir da procura
interna do que com a procura externa, devido ao carácter sazonal
e irregular do turismo externo que não raras vezes aumenta a
dependência dos PMAS e provoca a inflação que ocorre nos
períodos de pico, em virtude da alta de preços registados em
períodos relativamente curtos que provoca a subida de preços de
outros produtos. Portanto, os dois segmentos não se excluem,
antes complementam-se e traduzem se em benefícios tanto para
os operadores como para os nacionais e para o Estado.
Fomentando o turismo doméstico, os operadores turísticos
contribuem para a cultura do turismo dos nacionais e,
consequentemente, previnem os inconvenientes da sazonalidade
e da dependência externa; os nacionais além de usufruir do
melhor dos recursos que o seu país oferece, ganham consciência
sobre a necessidade da sua valorização e preservação; o Estado
pode assegurar a previsibilidade e regularidade da arrecadação
de receitas e, finalmente, os trabalhadores podem contar com a
segurança laboral.
125
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Deste modo, existe a necessidade de combinar os dois
segmentos (doméstico e internacional) para garantir o equilíbrio
e assegurando vantagens mútuas para todos os intervenientes.
Tanto na perspectiva internacional como na perspectiva
doméstica, o turismo gera um efeito multiplicador, estimulando e
dinamizando o desenvolvimento de outras actividades de âmbito
económico, social, cultural ou ambiental.
2.2.A Experiência cubana: Turismo e Saúde
Cuba é um dos países classificados pelas Nações Unidas como
PMA que enfrenta, há várias décadas, um embargo económico
imposto pelos EUA e consequentemente uma situação de
marginalização.45 Apesar disso, tornou-se um destino de
referência internacional sobretudo pelo sucesso da sua indústria
turística, baseada na combinação entre o turismo e a saúde. Esta
aposta foi decisiva para Cuba mitigar os efeitos da baixa de
preços, no mercado internacional, dos seus principais produtos
de exportação nomeadamente, o açúcar, o tabaco e o níquel e
a consequente queda dos níveis de crescimento económico, por
volta de 1980, agravada pela dependência, relativamente aos
produtos estratégicos como a energia e o petróleo.
A aposta na indústria turística, a partir de 1987, uma alternativa
e fonte de rendimento, foi a reacção cubana depois que a sua
estrutura económica ficou seriamente afectada. Nesta aposta,
Cuba desenvolveu a área de saúde que reconhecida pelos turistas,
muito contribui para a economia e para o sistema nacional de
saúde do povo cubano, levando a que muitos dos turistas que
poderiam recorrer aos EUA, por exemplo, se sintam atraídos a
visitar Cuba.
45
Por exemplo, Cuba não faz parte dos 35 países da América Latina que integram a ALCA – Associação
do Livre Comércio para as Américas, uma iniciativa regional liderada pelos Estados Unidos da América
e considerada como o mais ambicioso projecto de integração regional, não só pelo número de países
como pela tendência de alargamento das matérias previstas no respectivo protocolo, relativamente ao
previsto nos acordos da organização Mundial do Comércio e ainda pela influência dos EUA no seio do
grupo.
126
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
3.Estratégia de desenvolvimento de turismo
O sucesso do turismo requer, entretanto, uma estratégia adequada
entendida de acordo com Mário Murteira como “o enunciado das
orientações prioritárias e dos correspondentes meios ou instrumentos
de política económica que o poder político pretende seguir e utilizar na
condução do desenvolvimento do País”46, susceptível de:
- Favorecer um ambiente de negócios são, capaz de atrair
mais investimentos privados, sobretudo estrangeiros47 e o
desenvolvimento de um turismo sustentável, isto é, que privilegie
abordagens de equilíbrio entre a economia, o ambiente e a
sociedade (que compatibilizem a necessidade de gerar receitas
para as comunidades locais, a preservação do ambiente e o
imperativo ético da equidade e responsabilidade social);
- Fazer do turismo um sector de ponta;
- Estimular a participação de um sector privado forte e
dinâmico;
- Valorizar as zonas de elevado potencial turístico conjugando
três factores estratégicos: o planeamento territorial, o urbanismo
e a gestão ambiental.
Para que essas estratégias tenham a coerência e o sucesso
desejados, é necessário:
46
MURTEIRA, Mário, “Lições de Economia Política do Desenvolvimento”, Edição revista e actualizada, Lisboa, Editorial Presença, 1990, p. 13.
47
Com efeito, investimentos realizados por empresas multinacionais, no âmbito da expansão das suas
próprias cadeias produtivas, são uma fonte de apoio à integração numa economia global, porquanto
buscam e, consequentemente, promovem condições previsíveis, estabilidade política e ambientes mais
favoráveis para os seus próprios negócios e para os investimentos públicos em infra-estruturas funcionais; estimulam o aumento da capacitação e da competitividade do sector empresarial e contribuem para
o aumento do poder de compra dos cidadãos, em suma e como diz DOMINICK, são “ um importante
veículo para o fluxo internacional de capital, mão-de-obra e tecnologia”. Cfr DOMINICK, SALVATO
-RE, “ Economia Internacional”, Rio de Janeiro, LTC Editora, Sexta Edição, 1998, p. 213
127
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
- Promover iniciativas conjuntas entre o sector público e
privado;
- Identificar claramente o papel e as responsabilidades de cada
um dos intervenientes;
- Assegurar uma planificação estratégica que promova uma
gestão integrada (uma perspectiva de longo prazo, um processo
flexível e adequado a mudanças, a formação e desenvolvimento
de recursos humanos), estimule o sentido de propriedade para os
diferentes intervenientes; possibilite a avaliação do desempenho
e produza um conjunto de indicadores;
- Inserir o turismo no plano de desenvolvimento local, baseado
nos vértices da viabilidade económica, equidade social e prudência
ecológica;
- Assegurar a harmonização das políticas sectoriais de modo a
convergirem para a promoção do turismo.
4.Impactos do Turismo
O alinhamento estratégico das acções acima mencionadas e
outras conexas, pode ajudar a potenciar os impactos positivos e a
mitigar os negativos e assim assegurar aos PMAS que o sector
de serviços contribua com mais de 40%, na formação Produto
Interno Bruto.48
Efectivamente, para a maioria dos PMAS comummente
caracterizados por uma economia debilitada, parque industrial
obsoleto, elevado grau de endividamento, fraca capacidade
tecnológica e ausência do know-how e, consequentemente,
sem grandes hipóteses de apostar em outras áreas de actividade
48
COOPER, Chris e tal, “Turismo: princípios e prática”, 2ª Edição, Brasil, São Paulo, Bookman/Artmed
Editora S.A. ISBN 0-582-31273-6, 2002, p. 159
128
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
como indústria, comércio transportes, entre outras, exigindo
capacidade de modernização e implicando elevados custos
de produção para que os seus bens e ou serviços possam
competir num mercado cada vez mais globalizado o turismo,
devido, à relativa abundância dos recursos que constituem o
capital básico e também às suas características que além da
internacionalização, transversalidade, entre outras, incluem a
capacidade de uma rápida reacção em momentos de recessão,
constitui uma alternativa viável, para a geração de receitas e
postos de emprego e para a correcção dos défices da balança
comercial.
A generalidade dos PMAS tem os três principais recursos - terra,
água e atmosfera,49 para a produção de uma variedade gama de
bens e serviços, incluindo o turismo considerado um elemento vital
de desenvolvimento e uma alternativa económica ideal relativamente
a muitos dos sectores primários e secundários.50 Alguns, como
Moçambique, são também detentores de um elevado potencial
turístico constituído por praias extensas e de águas cristalinas,
fauna, florestas, cultura, tradições e histórias diversificadas que
potenciam a atracção aos turistas e ainda um clima tropical com
sol abundante.
A exploração destes recursos gera essencialmente impactos
directos e indirectos positivos na economia nacional, na
sociedade e na esfera ambiental. Porém, sem uma correcta gestão
podem ocorrer impactos negativos destacando-se entre os mais
relevantes os que se relacionam com o ambiente.
49
SAMUELSON, Paul A e Nordhaus, William, D. “ Economia”, Décima Sexta Edição, Lisboa, McGraw-Hill, ISBN: 972-8298-83-8, 1999, p. 325
50
OPPERMANN, Martin & Chon, Kye-Sung, “ Tourism in Developing Countries”, London, International Thomson Business Press, ISBN 0-4151-3939-2,1997, p. 1
129
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
4.1.Prevenção dos impactos sobre o ambiente
A generalidade dos impactos assinalados como negativos pode
ser prevenida com estratégias e medidas de prevenção e de gestão
não só ao nível das PP como das próprias empresas que exploram
determinadas actividades.
No caso do turismo tais impactos estão, muitas vezes, associados ao
chamado turismo de massas, implicando uma utilização excessiva
dos recursos existentes, com particular incidência sobre as zonas
costeiras e sobre as áreas de conservação.
Os impactos negativos podem verificar-se nomeadamente, nas
zonas costeiras, em virtude da pressão tanto dos investidores como
dos turistas, se e na medida em que a exploração de recursos
ocorrer de forma descontrolada e abusiva o que pode resultar
na destruição de corais, dos recifes, dunas que protegem a costa,
provocando graves problemas de erosão.
Ao nível dos parques e reservas onde se pratica o ecoturismo e as
actividades de safari os impactos podem ocorrer, se não for respeitada
a capacidade de carga existente, ou se se verificar a exploração
desenfreada dos recursos florestais e faunísticos, colocando em
perigo a sobrevivência dos ecossistemas e destruindo os habitats.
4.2.Impactos na zona costeira
A exploração de actividades na zona costeira impõe cuidados
especiais de gestão assente no princípio de sustentabilidade. Com
efeito, a apetência por estas zonas não é exclusiva da actividade
turística, concorrendo esta com outras actividades nomeadamente,
a aquacultura, a pesca e a agricultura.
Efectivamente, pela sua localização e natureza, as praias
normalmente levam a que a generalidade das pessoas tenha
130
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
a ideia de que a costa marítima pertence a todos e, deste
pressuposto resulta muitas vezes uma utilização desregrada tanto
da terra como dos recursos que aí se localizam registando-se
por vezes construções ilegais tanto de casas de habitação como
de outros empreendimentos, incluindo em locais impróprios
nomeadamente por cima das dunas que desempenham uma
função protectora contra a erosão.
4.3. Estudos de Caso
4.3.1. O Caso da Índia
O caso refere-se à situação da região indiana de Goa situada
no litoral que depois de ter sido considerada uma das mais lindas
zonas costeiras, com praias de águas cristalinas e com uma
cobertura vegetal bastante densa, tornando-se um grande pólo de
atracção turística, mas também de outras actividades, incluindo
habitação e agricultura, a dada altura ficou afectada em virtude
da utilização intensiva das praias e zonas verdes adjacentes o que
obrigou a tomada de medidas reactivas, incluindo a arborização,
restrições à realização de práticas desportivas, limpeza e, muito
mais que isso, a adopção de um regulamento que estabeleça
regras de gestão da zona costeira. 51
Com estas medidas ficou assegurada a reposição do potencial
paisagístico e todos os intervenientes aprenderam que o local só
tem valor se os recursos que serviram de atractivo no momento
inicial forem geridos de forma racional e sustentável.
4.3.2. O caso das Ilhas Fiji
Fiji integra mais de 300 Ilhas que ocupam uma extensão de
mais de 700.000 Km2, de oceano. Por isso, o turismo representa
51
JAGTAP, T. G. et a, “Coastal tourism environment and Sustainable local development”, Nova Deli,
Edições TERI, ISBN 81 – 7993-017-3, p. 149
131
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para as Ilhas Fiji um factor de desenvolvimento susceptível de
proporcionar ao Governo um aumento das taxas de receita e
às famílias benefícios directos superiores à média de F$65, por
semana.52
Um estudo sobre o desenvolvimento do turismo, elaborado
para o período 1998-2005, indica que Fiji podia tornar-se mais
competitivo no meio de outros destinos concorrentes como Balí,
Bahamas, Maurícias, Tailândia e Malásia apostando, sobretudo,
no ordenamento territorial, urbanismo e ambiente, além de
outros factores como incentivos e rede das infra-estruturas,
considerando que “Planning, done properly works to avoid excesses
of over-building, poor design in the wrong place and inadequate
infraestructure that has be-devilled tourism in só many destinations
including some with which Fiji competes.”53
A problemática da gestão costeira nos casos da Índia e das Ilhas
Fiji ilustra a importância da prevenção e de uma correcta gestão
ambiental, por se tratar de zonas de alta sensibilidade, contudo
de maior pressão. E esta pressão não é exclusiva desta ou daquela
actividade, mas resultante da apetência que todos têm por esses
locais tornando-se necessário o cometimento de todos para que
os benefícios sejam duradoiros.
5. O imperativo de um turismo sustentável
5.1. A consciência e os desafios sobre o carácter inesgotável
dos recursos
52
FIJI, “ Tourism Development Plan 1998 – 2005”, p. 5
FIGUEIRA, Luís Mota, “ Reflexão sobre uma possível proposta de intervenção turístico-cultural ”, in Actas do IV Congresso Internacional sobre
Turismo Cultural, Lusofonia e Desenvolvimento, Maputo, Edições ISPU, pp.
184 e 185
53
132
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
No caso específico do turismo, a consciência mundial sobre a
necessidade de adoptar práticas de desenvolvimento sustentável
funda-se, evidentemente, na percepção dos impactos negativos
que as actividades envolvidas podem produzir sobre o ambiente.
A ideia de que os recursos naturais são inesgotáveis, pelo menos
alguns deles, simplesmente porque são naturais, parece merecer
algum reparo (em muitas partes do mundo, já se fala da carência
de água potável e a atmosfera está ameaçada). Parece, pois,
crescer a percepção de que o carácter inesgotável dos recursos
naturais nomeadamente, os ecossistemas depende muito do
seu uso racional e da forma como os mesmos forem geridos
de modo a que os benefícios deles resultantes sirvam não só as
gerações presentes mas também as gerações futuras. No entanto,
a mesma percepção é extensiva ao património cultural, histórico
e arqueológico onde a conservação e preservação são aspectos de
extrema relevância para o desenvolvimento do turismo cultural,
um segmento importante no desenvolvimento sócio-económico
de qualquer país e da Humanidade, em geral.
O grande desafio coloca-se, sobretudo, ao nível da sensibilização
das populações sobre a importância do turismo sustentável.
Porém, o mesmo conceito terá naturalmente impactos diferentes
consoante o grau de desenvolvimento num determinado país.
Nos países ricos, provavelmente será fácil desenvolver e até pôr
em prática fórmulas de desenvolvimento sustentável. Porém, nos
PMAs onde a grande emergência é, antes de mais, a sobrevivência
dos milhares de pessoas em situação de miséria extrema, a exigência
de práticas sustentáveis terá de ser combinada com alternativas de
sobrevivência.
Não basta dizer às populações que devem abster-se de fazer
queimadas descontroladas, de praticar a caça ilegal, de fazer o abate
133
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de árvores, etc. É preciso, em primeiro lugar, dizer às populações
como é que elas devem conservar e preservar os recursos sem ter
que adiar a satisfação das suas necessidades primárias, pois como
refere José Negrão “ Podemos observar a dificuldade de fazer passar a
mensagem no meio de uma comunidade que não tem resolvidas as suas
necessidades básicas. De acordo com a teoria clássica sobre a satisfação
das necessidades do ser humano, é necessário incutir um esforço acrescido
para que este desiderato de protecção e utilização vantajosa dos recursos
patrimoniais locais não fique apenas pelas boas intenções. Por isso mesmo,
as estratégias a gizar em campo passam, inevitavelmente, pela satisfação
das necessidades básicas, antes de qualquer programação específica”54
O que se pretende é que o conceito de desenvolvimento sustentável
não seja um mero slogan que por estar em voga todos repetem-na
sem que, no campo das realizações, sejam tidos em conta os seus
pressupostos e a realidade em que os seus destinatários vivem e
ainda as prioridades de cada Estado e das respectivas estratégias de
desenvolvimento, donde que o conceito de sustentabilidade deve
ser aplicado não só com relação aos recursos em si, mas também
à própria existência humana. Pois, é justo que a Humanidade se
preocupe com a floresta, com a fauna e outros recursos mas, sem
pôr em causa a própria existência do Homem.
I. PRINCIPAIS FACTORES ESTRATÉGICOS DO
TURISMO SUSTENTÁVEL
1.Generalidades
Como ficou ilustrado nos casos da Índia e das Ilhas Fiji, medidas
de prevenção associadas a uma planificação atempada não só
evitam a degradação do ambiente como contribuem para a
competitividade do destino turístico considerado. Neste sentido,
a adopção de um plano geral de desenvolvimento integrado,
54
Apud SILVA; Guilherme Amorim Campos da, “ Direito ao Desenvolvimento”, são Paulo, Editora:
Método, 2004, ISBN 85-86456-67, p. 93 “
134
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
como parte do modelo de decisão, é de vital importância.
Com esta percepção, Celso Furtado (2000), assevera que “os
modelos de decisão são instrumentos úteis no próprio processo de
definição dos objectivos de uma política económica, porquanto podem
indicar de forma previsora as consequências prováveis de decisões
alternativas. Em outras palavras, eles introduzem um certo grau de
racionalidade formal no arbítrio político.”55
No caso específico do turismo, a respectiva política, segundo
Hall e Jankis, determina o que o governo decide fazer ou não
fazer com respeito ao turismo. E, para Mill e Morrison a política
do turismo fornece um conjunto de directrizes sobre quais os
objectivos específicos e as acções que devem ser prosseguidas
para a satisfação das necessidades particulares das áreas de
desenvolvimento turístico em causa, ou seja que o turismo
estabelece os objectivos específicos que o local destinatário
pretende levar a cabo e os programas e estratégias a usar para
alcançar tais objectivos.56
Presidium do Seminário
55
PEARCE, Philip L., MORRISON, Alaistair M. e Rutledge, Joy L., ob citada, pp. 311 e 312
56
Cfr nº 1, do artigo 8, da Lei de Ordenamento do Território
135
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Dito de outro modo, a política de desenvolvimento do turismo
deve fornecer pistas claras sobre o diagnóstico e o prognóstico
desta actividade, particularmente no que respeita à afectação
do principal recurso – a terra – à projecção arquitectónica e à
gestão ambiental, ou seja, incorporando aspectos relacionados
com o Ordenamento Territorial, Urbanismo e Ambiente, factores
estratégicos para o desenvolvimento de um turismo sustentável.
No entanto, não se deve pensar que a necessidade de uma política
ou plano de desenvolvimento turístico se dirige apenas a prevenir
os impactos negativos ou efeitos indesejáveis. A verdade, porém,
é que em matéria de previsibilidade a planificação é útil também
com relação aos efeitos ou resultados positivos. Por exemplo, a
política empresarial incluindo no ramo hoteleiro deve permitir
a avaliação prévia do espaço de implantação, as suas exigências,
os efeitos prováveis, o mercado em vista e as possibilidades de
acesso a esse mercado, evitando prejuízos económicos que podem
resultar de uma produção excessiva.
2.O regime jurídico moçambicano sobre o Ordenamento
Territorial
A dinâmica do desenvolvimento socio-económico no nosso País,
tornou evidente a necessidade de avançar para um sistema de
gestão territorial mais ambicioso quer em termos de diversidade
de instrumentos de gestão territorial previstos, em termos macro
e micro, quer em termos de desconcentração e descentralização
de competências.
Além dos instrumentos de política, o novo sistema inclui
importantes instrumentos jurídicos que no seu conjunto
estabelecem um regime jurídico claro, coerente e abrangente
sobre o ordenamento territorial.
136
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Trata-se de um grande contributo no sistema de planeamento
territorial, com visível impacto no desenvolvimento integrado
e, no desenvolvimento do turismo, em particular. A Política de
Ordenamento Territorial, aprovada pelo Governo, através da
Resolução nº 18/2007, de 30 de Maio, constitui uma base de
orientação na definição dos objectivos gerais, sobre o ordenamento
territorial, visando assegurar a afectação racional do espaço
físico e sua utilização sustentável. Neste âmbito, deu impulso à
aprovação de outros importantes instrumentos designadamente:
- A Lei de Ordenamento do Território, Lei nº 19/2007, de 18
de Julho que, entre outros, cria nos termos da al a), do artigo
2, um quadro jurídico-legal do ordenamento do território,
materializando, deste modo, não só a Política de Ordenamento
Territorial, conforme referido na alínea b) do mesmo dispositivo
legal mas também o dever do Estado de promover o quadro
normativo sobre a urbanização que emana do nº1, do artigo 91
da Constituição da República. Aliás, para a concretização deste
dever, o nº1, do artigo 6, da Lei em apreço, fixa a competência ao
Estado e às Autarquias Locais para “ promover, orientar, coordenar
e monitorizar de forma articulada o ordenamento do território,
no âmbito das suas atribuições e das competências dos respectivos
órgãos…”
- O Regulamento da Lei de Ordenamento do Território que,
em concreto, estabelece “ o regime jurídico dos instrumentos de
ordenamento territorial”, aplicável em “ todo o território nacional e
regula as relações entre os diversos níveis de Administração Pública
e destas com os demais sujeitos públicos e privados …”, conforme
artigos 2 e 3, respectivamente.
Esta lei fixa as bases do sistema de gestão territorial a que se
refere o artigo 1, um sistema que, entre outros, assenta sobre o
princípio da sustentabilidade e valorização do espaço físico, da
137
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
participação e consciencialização dos cidadãos, da precaução
e prevenção de actos que possam perturbar o ambiente, da
responsabilidade sobre aqueles que praticarem actos lesivos ao
ambiente e da publicidade dos instrumentos de gestão territorial,
conforme as alíneas a), b), d), c) e g), respectivamente.
Efectivamente, estes princípios que são materializados no âmbito
do regulamento respectivo, constituem uma base de intervenção exante e ex-post das entidades competentes na delimitação e afectação
harmonizada sobre o espaço físico e protecção do ambiente,
portanto, de orientações macros para a solução de problemas que
possam ocorrer num determinado espaço físico.
No entanto, o mérito destes instrumentos não se restringe à
orientação genérica e à fixação de procedimentos sobre como
executar o ordenamento territorial, mas também à consagração de
um sistema que além de aspectos gerais relativos ao âmbito, objectivos
e conteúdos, fixa competências para cada nível de intervenção
(nacional, provincial, distrital e autárquico),57 privilegiando a
desconcentração, descentralização, preconiza participação pública
e exprime a coerência entre os princípios orientadores da reforma
pública e o sistema de gestão territorial, contribuindo para a
formação de um modelo de desenvolvimento integrado.
O sistema ora consagrado, em matéria de ordenamento territorial,
põe em relevo a salvaguardada de uma relação vertical e horizontal
interactiva e de colaboração,58 havendo clareza quanto ao tipo
de instrumentos a serem adoptados em cada um dos níveis, os
procedimentos e os órgãos competentes para a sua aprovação,
usando a técnica de zoneamento, uma das técnicas consideradas
mais modernas no processo de planeamento territorial e obedecendo
sempre aos instrumentos de nível superior, ou seja, projectando
57
Cfr nºs 2 e 3, do artigo 8 da Lei de Ordenamento do Território
58
Cfr art 20, da Lei de Ordenamento Territorial
138
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
uma pirâmide apta a garantir a coesão, a harmonia e a prevenção
de conflitos.
De salientar que o sistema inclui a qualificação dos solos, as
vicissitudes dos planos como a revisão, a alteração e a suspensão
bem como as condições em que, excepcionalmente, poderá ocorrer
a expropriação,59 assegurando um sistema de gestão territorial
dinâmico e flexível.
3.Impacto da Legislação de ordenamento do Território sobre
a actividade turística
Como ficou ressalvado, a entrada em vigor de legislação que
estabelece o quadro jurídico sobre o ordenamento do Território
constitui um dos mais ambiciosos projectos na história de
planeamento territorial do nosso País e o seu impacto é
imensurável não só ao nível da actividade turística como em
todas as demais.
Em alguns casos, a lacuna então existente acarretava algumas
dificuldades ao nível da operacionalização da Política do Turismo
e Estratégia da sua Implementação (PTEIM) porquanto
mesmo prevendo esta a existência de um órgão de coordenação
intersectorial colocava-se o problema de saber com que normas
deveria operar, quem devia aprovar o quê e depois de ouvir a
quem, etc.
A existência deste problema seria sempre uma ameaça ao sucesso
da PTEIM e ao desenvolvimento sustentável do turismo. Com
efeito, mesmo que a PTEIM identifique claramente os pólos
de desenvolvimento (Áreas Prioritárias para o Investimento
em Turismo – APTI´s), enquanto faltassem os instrumentos
de regulação das questões de ordenamento territorial, haveria
59
Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia, São Nicolau, Sal e Boavista que constituem o grupo do Barlavento e as de Ilhas de Maio, Santiago, Fogo e Bravia, integram o grupo de Sotavento, com uma zona
económica exclusiva de 700 mil Km2
139
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dificuldade na configuração urbanística, de arquitectura e estética,
das acessibilidades, infra-estruturas e equipamentos, e na definição
da capacidade de carga dos locais de particular apetência para
o desenvolvimento das diferentes actividades económicas. Em
suma, implicaria estudos e soluções eventualmente sectoriais,
contrariando a visão de uma planificação integrada. Contudo, não
se pode ignorar o facto de muitos desses estudos terem exercido
um papel importante, por exemplo, na consciencialização pública
e na avaliação das necessidades gerais.
A título de exemplo, um trabalho realizado pelo Governo e
que envolveu diferentes instituições do Estado, operadores
turísticos e as comunidades locais, sobre o macro-zoneamento das
praias da Barra, Tofo e Tofinho, em Inhambane, que culminou
com o desenvolvimento do conceito de co-gestão proporcionou
algumas lições que certamente contribuíram para uma melhor
compreensão por parte de todos os intervenientes sobre as suas
próprias responsabilidades. Assim:
Em primeiro lugar, o processo permitiu entender que a
preservação do ambiente interessa a todas as partes envolvidas
– Estado, operadores turísticos e comunidades locais. Preservando
o ambiente, assegura-se a protecção dos recursos naturais que
constituem um dos mais preciosos capitais que a costa oferece.
No entanto, dois problemas se levantam: (i) por um lado, a
preservação do ambiente colide com o interesse das comunidades
que dependem desses recursos (ii) por outro, a não observância
das normas sobre o ambiente pode danificar afectar os recursos
naturais de que o turismo se serve.
Em segundo lugar, o trabalho permitiu avaliar as necessidades
ao nível das infra-estruturas como: sistema de esgotos ou de
tratamento das águas residuais e de recolha de resíduos sólidos
de modo a evitar que cada operador turístico tenha para o seu
empreendimento um sistema independente e o depósito de
140
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
resíduos em locais inadequados; capacidade de água subterrânea
que previnam a insuficiência de água potável necessária para o
abastecimento das estâncias turísticas, sobretudo as novas estâncias;
sistema de comunicação (telefone fixo e móvel), transporte público,
serviços bancários (por exemplo ATMs), entre outros.
Neste sentido, o processo de macro-zonamento na cidade de
Inhambane permitiu o desenvolvimento e a assimilação do conceito
de co-gestão das zonas costeiras reunindo várias sensibilidades
bem como a promoção de pequenos projectos de desenvolvimento
e actividades de sensibilização de todos os intervenientes.
4.Estudos de caso
Numa perspectiva comparada, verifica-se que a questão de
ordenamento territorial é sempre um processo dinâmico e
implica a participação de todos, não havendo entre os principais
intervenientes quem deva eximir-se da responsabilidade.
Além disso,fica claro que o processo oferece vantagens na projecção
das ligações, na inventariação dos recursos e das necessidades,
projecção de ligações entre os diferentes sectores de actividade e
na prevenção ou correcção de situações indesejáveis.
4.1. O caso Tróia: Requalificação de uma zona turística urbana
O caso refere-se a um projecto de urbanização com o objectivo
de proceder à requalificação de uma zona turística, considerada
estratégica para o desenvolvimento do turismo de qualidade,
assente num modelo de gestão territorial integrada, denominado
“Projecto de Urbanização do Núcleo Urbano da Península de
Tróia.”
141
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A necessidade de elaboração de um novo Plano de Urbanização
resultou da constatação da perda de atractividade e de
competitividade da zona,associada à presença,no terreno,de (infra)
estruturas inacabadas, degradadas ou mesmo abandonadas.
O novo Plano de Urbanização destina-se a transformar o
projecto inicial ajustando-o à actual realidade e conferindo à
península um novo panorama, adequado à sua principal vocação
– desenvolvimento de turismo – com a perspectiva de um turismo
internacional alta qualidade.
O Plano de Urbanização baseou se num trabalho que envolveu não
só a contratação de um investidor estratégico, mas também uma
equipe técnica responsável pelos cuidados técnicos (urbanísticos
e arquitectónicos) composto por vários especialistas entre
projectistas, arquitectos, geógrafos, topógrafos, biólogos, juristas,
economistas e engenheiros, tendo como objectivo principal a
requalificação e reorientação do plano de desenvolvimento do
turismo, de forma integrada.
4.1.O caso de Cabo Verde: Estratégia de Desenvolvimento do
turismo
Cabo Verde é um arquipélago composto por várias Ilhas, 60 e com
um clima tropical seco, pouca precipitação, escassez de energia,
de recursos minerais, à excepção do basalto, um minério que
usado na construção civil.
Para reduzir a dependência do exterior, o Governo de Cabo
Verde equacionou vários factores como a situação geográfica,
o ambiente, o potencial humano e definiu o turismo como um
dos sectores de eleição para o desenvolvimento económico,
adoptando um plano que preconiza o desenvolvimento de Zonas
de Desenvolvimento Turístico Integrado (ZDTIs) através de
60
Cfr. SERRÃO, José Manuel, “O Papel do Turismo no Desenvolvimento de
Moçambique, in Actas do IV Congresso Internacional sobre Turismo Cultural,
Lusofonia e Desenvolvimento”, Maputo, Edições ISPU, 2004, p. 96
142
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
contratos de concessão que incluem estudos sobre o planeamento
e desenvolvimento de infra-estruturas das referidas zonas e a
promoção de investimento.
Comentário
Os dois casos de estudo demonstram a importância dos
instrumentos de ordenamento territorial não só no momento
inicial de planeamento como em qualquer altura, quando se
mostre necessário e ainda que o seu papel não se limita a aspectos
geofísicos, mas também de estratégia na definição do modelo
de desenvolvimento de turismo e seu alinhamento com outras
actividades, projecção da configuração arquitectónica e estética,
das estruturas dos futuros empreendimentos, de modo a tornar o
local num destino mais moderno, atractivo e competitivo.
III. AS PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTO DO
TURISMO NOS PMAS
1.As projecções de acordo com a OMT
Estudos da Organização Mundial do Turismo (OMT) projectam
para até 2010, um futuro promissor para o Continente africano,
embora a um nível aquém das suas reais potencialidades pelo
que uma aposta neste sector pode trazer os mesmos resultados
alcançados por países como Itália, França, Reino Unido, Espanha,
Suíça e Portugal, para apenas citar alguns exemplos, os quais
devem muito do seu desenvolvimento recente ao peso crescente
que o turismo atingiu nestes países e onde actualmente o número
anual de visitantes excede o número total de habitantes.61 Por isso,
na perspectiva da OMT e não só, o turismo é um dos sectores de
actividade económica que muito contribui para a formação do
PIB mundial.
61
Cfr Organização Mundial do Turismo, “ Projecções 2020”.
143
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
2.Obstáculos, desafios e estratégias
Actualmente o turismo lidera as exportações de serviços em pelo
menos 24 dos 49 PMAS e, em pelo menos 7 daqueles, constitui
a principal fonte de divisas. 62 Isto quer dizer que se as PP de
turismo forem convenientemente concebidas e equacionadas
nas estratégias globais de desenvolvimento pode-se atingir os
objectivos de erradicação da pobreza e de integração desses países
na economia mundial.
No entanto, vários obstáculos se colocam podendo-se nomear os
seguintes:
Em primeiro lugar: São as dificuldades conjunturais, próprias
do grau de subdesenvolvimento destes países e que no âmbito
do turismo se traduzem em (i) fraca capacidade de promover
os produtos turísticos, sem a qual os turistas não poderão ter
conhecimento das potencialidades que esses países possuem.
Aliás, foi oportunamente apontada a importância do emprego
de tecnologias que, entretanto, para os PMAs continua a ser um
bem de luxo; (ii) Falta de capacidade para financiar a instalação
de infra-estruturas básicas e equipamentos, com todas as
implicações que daí resultam.
Relacionado com este último aspecto é, por exemplo, sintomática
a informação estatística sobre a África Austral, região onde se
situa Moçambique, indicando que o número de turistas que
anualmente escalam a região é de 500.000 mas que a maioria
tem como destino a África do Sul, em virtude das facilidades
que a partir de Johannesburg este País oferece nomeadamente
em termos de infra-estruturas, de transportes, comunicações e
de alojamento. 63
62
Cfr.SERRÃO, José Manuel, ob. citada, p. 99
63
Ministério do Turismo, “Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo 2004-2013”, pp.iii e v.
144
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Estudos da OMT denunciam o facto de o transporte aéreo que
desempenha um papel preponderante no desenvolvimento do
turismo, estar concentrado em muito poucos PMAs dos quais só
o Bangladesh representa 25%.
Em segundo lugar: coloca-se o problema da dificuldade em
desenvolver um turismo sustentável. Isto porque, muitos PMAs
ou são pequenas ilhas ou têm como principal produto o turismo
de praia. Em ambos os casos exige-se uma política ambiental e
de ordenamento suficientemente eficaz e capaz de prevenir todos
os males que podem resultar da má gestão das ilhas, além disso,
para os PMAs situados em pequenas ilhas, não existe muitas
alternativas de diversificação do produto e, consequentemente,
torna-se difícil a expansão do turismo.
Em terceiro lugar: Releva a dificuldade que estes países têm de
gerir a matéria dos chamados leankages e leakages implicando,
respectivamente, a capacidade de estabelecer as ligações com
outras indústrias e ou serviços de modo a impulsionar e influenciar
a sua produção e, por via disso, criar capacidade interna de
abastecimento à própria indústria turística e a capacidade de
reduzir as importações e a dependência económica.
Actualmente os dez principais destinos turísticos em África
são liderados pela África do Sul que, aliás, de acordo com a
classificação internacional, não faz parte dos PMAs. Isto deve-se
não só ao produto e serviços turísticos que este país pode oferecer
mas à grande capacidade que tem de fazer leankages e de reduzir
os leakages.
3.As perspectivas de desenvolvimento do turismo em
Moçambique
Na sua condição de PMA Moçambique tem os mesmos
obstáculos e pela frente os mesmos desafios que os restantes países
145
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
do grupo. Contudo, o facto de a perspectiva mundial indicar que
a taxa de crescimento do turismo internacional para a África
Sub-sahariana ronda os 8.5%, portanto, superior a 4.1%, da taxa
mundial é revelador de que o grupo vai registar crescimento,
ainda que relativamente pequeno quando comparado com o de
outros continentes.
No caso de Moçambique e não obstante a concorrência de
vários países, por exemplo, com relação ao mercado português
“como o Egipto, Marrocos, o Nordeste brasileiro, Cabo Verde, as
Maldivas, as Maurícias, a Tanzânia e Cuba ”64, o turismo pode ser
considerado um mercado emergente se tivermos em conta que o
País conheceu, durante a guerra civil dos 16 anos, um acentuado
declínio, vindo a ressurgir após a assinatura do Acordo Geral
de Paz, assinalando uma tendência crescente e um contributo
significativo na economia do País, em termos de investimentos,
receitas, chegada de turistas e postos de emprego.
Evolução do turismo moçambicano65
Fonte: MITUR
64
Que nas projecções da OMT vai situar-se entre os primeiros 10 principais destinos turísticos, no
ranking mundial, com uma taxa de crescimento situada, entre 2010 e 2020, em 9%.
65
LEITÃO, João et all, “Dimensões Competitivas…”, Centro Atlântico Lda, Lisboa, 2008, p 33 e
seguintes
146
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
4. Os desafios da concorrência regional
Não obstante os dados acima, não se pode ignorar o facto de
Moçambique enfrentar vários concorrentes em termos de mercado
de chegadas internacionais, ou seja, dos destinos preferidos pelos
turistas internacionais. Como consequência disso, o País situa-se,
por enquanto, numa posição desvantajosa, não figurando sequer
entre os oito países situados na região austral que liderados pela
África do Sul, seguido do Botswana, Namíbia, Tanzânia, Zâmbia,
Swazilândia, Zimbabwe e Lesotho representam os principais
destinos turísticos da região.
Moçambique sofre a concorrência directa de um grupo de países
vizinhos que além da potência e vizinha África do Sul inclui
Botswana, Zimbabwe e Tanzânia, a maioria dos quais fazem
fronteira com o País e, além destes, Maurícias, Seychelles Thailândia
e Maldivas que tendo mais ou menos produtos similares aos que
Moçambique pode oferecer, encontram-se melhor posicionados.
Com o nível de concorrência que enfrenta não restam dúvidas que
o País deverá continuar com os esforços de promoção, sem descurar
alguns factores determinantes nomeadamente: o planeamento
territorial, a especialização em alguns produtos estratégicos que
possam oferecer vantagens competitivas, a formação profissional,
a gestão dos leankages e dos leakages e o investimento em infraestruturas básicas e equipamentos.
5. A dependência relativamente a África do Sul
Moçambique é economicamente dependente da África do Sul.
Uma parte considerável de importações moçambicanas é originária
daquele país vizinho que, entre outras vantagens, beneficia de uma
moeda relativamente forte. O Rand.
No âmbito do turismo, verifica-se também uma relativa
dependência, pois, a maioria dos turistas que visitam Moçambique
147
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
são provenientes da África do Sul e, por isso, geralmente usam
como meio de transporte viatura própria e, consequentemente,
podem transportar, à vontade, vários produtos que precisam
consumir pelo tempo que durar a sua estadia no País. Por
conseguinte, além de ser um dos principais países destinatários
para os visitantes moçambicanos, é também o principal país
emissor.
Neste âmbito, além do turismo em si que não poderá oferecer o
número de emprego que em outras circunstâncias, eventualmente,
poderia oferecer, nem o volume de receitas que se poderia esperar,
os outros sectores como transportes, indústria ou comércio de
produtos alimentares e mesmo o de hotelaria, dada a possibilidade
de os turistas sul-africanos transportarem as suas próprias tendas e
toda uma gama de mercadorias, não partilham das vantagens que
no âmbito das leankages, normalmente se esperam do turismo.
6. Oportunidades para a redução da dependência
Apesar dos constrangimentos acima apontados, o turismo em
Moçambique afigura-se uma alternativa viável de desenvolvimento
e as perspectivas de crescimento são promissoras, conforme ficou
ilustrado nos pontos anteriores.
A abundância e diversidade de recursos oferecem um conjunto
de oportunidades de investimento em turismo, quer em termos
de modelo de desenvolvimento adoptado quer em termos de
instrumentos de política e de regulação vigentes, todavia, nem
sempre convenientemente aproveitadas.
Isso mostra que a citada dependência não constitui nenhuma
fatalidade e nem uma situação que perdure no tempo, quer
porque as estratégias adoptadas para o sector identificam outros
mercados e acções de marketing susceptíveis de conquistar e ou a
consolidar esses mercados quer porque as estratégias adoptadas
148
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para os outros sectores como a indústria e o comércio, por
exemplo, prevêem medidas que gizam o apoio à competitividade
empresarial, o mesmo podendo dizer-se do sector agrícola cujas
estratégias apontam para o mesmo fim.
Quer dizer, o alinhamento das políticas e estratégias sectoriais,
concorrendo para o mesmo fim vai permitir uma maior ligação
intra e intersectorial e uma maior competitividade das empresas
e dos próprios sectores, incluindo o turismo.
6.1. Oportunidades no âmbito do modelo baseado no Distrito como
Pólo de Desenvolvimento
Como se disse na primeira parte da presente comunicação
ao Estado e, por via disso, ao Governo assiste o Direito ao
desenvolvimento de que decorre o dever ou a responsabilidade
de adoptar o modelo mais expedito para resolver os problemas
da sociedade e suas preocupações.
Evidentemente que a escolha de um determinado modelo não é
aleatório. Toma em consideração os objectivos, os fins e todo um
conjunto de factores oportunamente referidos.
Para o caso de Moçambique o Governo optou pelo modelo
polarizado, tendo como epicentro o Distrito que, contrariamente
ao modelo dos pólos de crescimento oferece a vantagem não só de
“transmitir impulsos de crescimento”, conforme Perroux, citado
por Aydalot (1986), mas também de “reduzir as disparidades
regionais,” conforme Boudeville citado por Santos (1992)66.
Ora, o modelo de desenvolvimento baseado no Distrito como
pólo de desenvolvimento tem, naturalmente, influência sobre
o turismo. Com efeito, ao promover o distrito como centro de
planificação e ponto de partida o Governo cria condições para
que a mobilidade de factores como capital e mão-de-obra seja
66
Cfr artigo 17 do Código Comercial
149
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
atraído para esse nível, dando oportunidade para investimentos
turísticos com a consequente geração de receitas e emprego para
as comunidades locais, assegurando igualmente a dinamização
das áreas envolventes e das actividades conexas.
Além disso, a perspectiva de investimento em infra-estruturas
básicas como água, energia e estradas, entre outros, constitui
um atractivo para novos investimentos, propiciando o desvio
para o Distrito de investimentos que de outro modo ficariam
concentrados nas grandes cidades.
Outrossim, a alocação do Orçamento de Investimento
de Iniciativa Local, assegura formas de participação das
comunidades em projectos turísticos qualquer que seja o domínio.
Aliás, este fundo é reforçado, onde tal for aplicável, pela parte
dos rendimentos obtidos na gestão das áreas de conservação,
destinada às comunidades.
7. Turismo no desenvolvimento local e no combate à pobreza
Em Moçambique o turismo não está mais concentrado nas
grandes cidades e nem apenas na zona litoral, como outrora,
expandindo-se para a zona continental e ao longo do País.
Neste sentido, a expansão do turismo responde ao modelo de
desenvolvimento adoptado, oferecendo largas oportunidades e
benefícios às comunidades locais, podendo citar-se, entre outros,
os seguintes:
- Emprego em empreendimentos turísticos;
- Fornecimento de bens (hortícolas, fruta, mariscos, material
de construção local, etc.) e serviços (serração e carpintaria,
transporte, guias turísticos, entre outros), por via de:
• Sector informal
• Projectos comunitários
150
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
Pequenas empresas
- Exploração de empreendimentos turísticos através de
parcerias com investidores;
- Receitas;
- Venda directa aos turistas (produtos de artesanato, caju,
amendoim, etc.);
- Desenvolvimento de infra-estruturas e serviços locais;
- Conservação e preservação dos recursos naturais;
- Formação;
- Mudança de atitude;
- Participação na tomada de decisões.
7.1. Alinhamento com a reforma legislativa
7.1.1. No âmbito do Código Comercial
O Código Comercial constitui, entre vários, um dos mais
ambiciosos projectos adoptados pelo Governo com impacto
na actividade turística como, aliás, em qualquer outro sector de
actividade económica.
Ao introduzir, entre outros, a figura de pequeno empresário,
em condições relativamente mais favoráveis67 e ao reconhecer o
direito ao menor e a qualquer dos cônjuges de exercer a actividade
empresarial68, coloca à disposição de todo e qualquer cidadão
mecanismos de participação na actividade económica.
Neste contexto, o Governo pode apoiar este grupo nomeadamente,
no fomento do turismo rural e instalação de pequenas unidades
hoteleiras, através de programas, incentivos fiscais e formação
específicos que a par do incentivo financeiro disponibilizado
às comunidades, no quadro do orçamento para a iniciativa
67
Cfr artigos 11 e 12, do Código Comercial
68
Draft do Relatório de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação 2007
151
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de desenvolvimento local, possa impulsionar ainda mais as
actividades dos pequenos empresários, dos menores ou das
mulheres, nas áreas rurais.
Refira-se que mesmo os jovens recém formados têm oportunidade
de participar na formação de empresas, no âmbito das sociedades
de capital e indústria, mesmo sem capital inicial, contando
apenas com o seu conhecimento, pelo que podem no domínio da
actividade turística participar em parceria com as comunidades e
com os investidores.
2.2.2.No âmbito da legislação específica do turismo
- No domínio da hotelaria e restauração, a introdução de figuras
como hotéis resorts, conjuntos turísticos, aldeamentos turísticos,
quintas para fins turísticos, além de um sistema de classificação de
estabelecimentos turísticos compatível com o sistema regional e
internacional representa uma oportunidade para a diversificação
de investimentos não só ao nível das categorias mais altas
como em categorias acessíveis para o pequeno empresário e um
mecanismo para estimular a competitividade empresarial;
- No âmbito de Exercício do Direito de Habitação Periódica que
além dos operadores turísticos proprietários dos empreendimentos,
os quais passam a dispor de mais um produto para oferecer, cria
oportunidades nas actividades de construção civil, intermediação
imobiliária, transportes, entre outros - Decreto nº 39/2007, de
24 de Agosto;
- No tocante à Animação Turística, o Governo introduziu
um regulamento que assegura a profissionalização dos grupos
musicais, de dança ou outros afins que podem resultar em
benefícios reais para os empresários e para as comunidades
locais
– conforme Decreto nº 40/2007, de 24 de Agosto;
- Em relação ao Transporte Turístico: Ao consagrar o acesso
152
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
a um ramo de serviço especificamente virado para o apoio ao
Turismo em todas as áreas de transporte, incluindo o uso de
meios não convencionais, o Governo assegura o acesso a este
ramo de actividade a todos os níveis, i-.e. incluindo o pequeno
empresário, dando largas à sua imaginação pode, por exemplo,
explorar os veículos fora do convencional para locais onde
não seja possível o acesso por transporte comum – Decreto nº
41/2007, de 24 de Agosto.
Deve ressalvar-se que as oportunidades de investimento quer em
razão do elevado potencial que o País detém quer em razão das
políticas, estratégias e instrumentos jurídicos não são exclusivos
do pequeno empresariado mas aproveitam também aos grandes
investidores.
A acrescer a isso, o processo de reforma do sector público
em marcha assente nos princípios de desconcentração e
descentralização de competências, as iniciativas de remoção de
barreiras administrativas, entre outros, são medidas de maior
valência na mobilização de investimentos privados.
CONCLUSÕES
No início do presente estudo identifiquei como problema nuclear
o de saber se vale a pena ou não apostar no Turismo como factor
de desenvolvimento e, paralelamente, o de saber qual o impacto
desta actividade no processo de desenvolvimento, em particular
dos PMAs e, entre estes Moçambique. O estudo feito em torno
destas questões permitiu chegar a várias conclusões, de que se
destacam as seguintes:
1. O desenvolvimento constitui um direito -dever do Estado e o
processo respectivo deve ser conduzido em ordem a alcançar o
bem -estar social.
153
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
2. Para os PMAS que sofrem o flagelo da pobreza ao mesmo
tempo que enfrentam problemas estruturais que inviabilizam
a opção de desenvolver actividades em sectores tradicionais, o
turismo constitui uma alternativa viável face à sua capacidade
de provocar um rápido crescimento económico, desde que
observado o princípio de sustentabilidade sem, contudo, pôr em
causa a sobrevivência das comunidades.
3. Moçambique tem largas oportunidades de desenvolvimento
em turismo quer em virtude do enorme potencial em recursos
naturais, cultura e história rica e diversificada, quer pelas
oportunidades e facilidades de acesso à actividade económica em
geral, associado ao modelo de desenvolvimento adoptado pelo
Governo. Porém, o princípio de sustentabilidade deve nortear
todos os processos para que a exploração dos recursos seja de
forma racional e ambientalmente sã.
4. O actual regime jurídico sobre o ordenamento do território é
de vital importância no processo não só para o sector do turismo
como para as demais actividades e vai reforçar as medidas de
desenvolvimento sustentável e integrado.
5. Na prática quer parecer que o processo de ordenamento
territorial e designadamente a elaboração dos planos pode ser:
- Directo, implicando que a entidade responsável proceda
ao trabalho respectivo sem recurso a outras entidades. Esta
modalidade implicaria que a entidade em causa tivesse ao seu
serviço técnicos especializados em diferentes áreas, além de
outros meios necessários (materiais e financeiros);
- Indirecto, implicando que a entidade responsável:
a) Contrate serviços de terceiros, ficando apenas com a
responsabilidade de pagar o respectivo preço;
154
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
b) Conceda o DUAT concedido a um investidor estratégico e com
capacidade para proceder ao ordenamento, responsabilizando-se
por todos os custos do processo inerentes. Esta modalidade tem
a vantagem de não representar custos para o órgão competente,
responsável pelo processo e de estimular o interesse do investidor
assegurando que ele realize o trabalho com maior diligência.
Porém, e apesar da proibição constitucional parece existir
a possibilidade de o concessionário encontrar mecanismos
de “alienação” do direito de uso e aproveitamento do espaço
concedido.
c) Crie sociedades de desenvolvimento integrado com o capital
integralmente subscrito pelo Estado através de empresas estatais,
públicas ou outras entidades equiparadas mas, figurando como
único sócio (Cfr nº 2, do artigo 332, do Código Comercial);
d) Participe em Sociedades de desenvolvimento integrado
constituídas pelos principais investidores estratégicos
nomeadamente operadores turísticos, empresas imobiliárias,
instituições financeiras, gabinetes especializados de estudos.
RECOMENDAÇÕES
De tudo quanto antecede e salvo melhor opinião, parece
recomendável:
- Que o Governo continue a divulgar os instrumentos intensamente
os instrumentos de política e de regulação do ordenamento
territorial, incluindo através de parcerias nomeadamente, com
as instituições de ensino superior relevantes e as associações
económicas, entre outros:
- Que sejam revisitados as políticas e planos sectoriais, entre
outros instrumentos, de modo a verificar a pertinência ou não
de se proceder à sua revisão para melhor harmonização com os
novos instrumentos;
155
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
- O fomento do turismo rural e de pequenas unidades hoteleiras,
através de programas, incentivos fiscais e formação específicos que
a par do incentivo financeiro disponibilizado às comunidades, no
quadro do Orçamento de Investimento de Iniciativa Local, possa
impulsionar ainda mais as actividades dos pequenos empresários,
dos menores ou das mulheres, nas áreas rurais;
- Para assegurar maior contribuição do sector, na melhoria
das condições de vida das populações, a institucionalização e
regulação dos princípios de equidade e responsabilidade social em
projectos de investimento, como sucede em outras legislações
nomeadamente, ao nível do Código Comercial e, entre nós,
no domínio do Regulamento sobre o Exercício do Direito de
Habitação Periódica que prevêem aquele princípio, em sede dos
projectos de investimento;
- O estreitamento da ligação entre o turismo e a base produtiva;
- A formação específica de quadros que a diferentes níveis
(nacional, provincial, distrital, autárquico) lidam com aspectos
relativos à gestão territorial);
- A (re) qualificação de áreas específicas usando o modelo que
entre os vários possíveis se revele mais expedito, pouco complexo,
menos oneroso e que sirva melhor o interesse público e assegure
o princípio da propriedade do Estado sobre os bens de domínio
público e sobre a terra (cfr nºs 1 e 2 do artigo 98 e nº 1, do artigo
109, ambos da CRM), salvaguardando a reserva de espaços
nas zonas potencialmente turísticas, a projecção arquitectónica
e estética dos empreendimentos a implantar nessas áreas e a
harmonização das diferentes actividades, susceptíveis de tornar
um destino turístico mais atractivo.
- Relativamente ao turismo costeiro, tal como sucede com o
ecoturismo mostra-se recomendável legislação específica, dada a
156
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
sensibilidade dos recursos aí existentes.
Por tudo isto, à pergunta “Turismo”: vale a pena ou não? A
minha resposta é afirmativa desde que observado o princípio
da sustentabilidade, sem contudo, pôr em causa a sobrevivência
humana.
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Participantes do Seminário
159
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
IMPACTO DA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO EM
TURISMO: CONTINGÊNCIAS E ESTRATÉGIAS
(Comentário ao texto de Ana Comoana)
Sua Excelência
oportunidade!
Senhor
Presidente,
Jorge Ferrão
muito
obrigado
pela
Senhores convidados,
Eu começaria por dar os meus parabéns a Doutora Ana Comoane pela
apresentação e pela forma como ela aborda o tema turismo e pela forma
igualmente como ela equaciona alguns elementos para análise que se
ajustam a aquilo que são as realidades das actuais políticas vigentes.
É verdade que o turismo é um elemento transversal, é um elemento
sazonal e que desse modo habilita a qualquer um de nós emita juízos
de valor sobre o desenvolvimento desse turismo. Portanto, nós partimos
muitas vezes de uma análise de senso comum para chegar até a um
campo de cientificidade quando pretendemos fazer as análises sobre o
turismo.
Grosso modo, eu diria que três elementos principais nos são apresentados
pela autora e que merecem alguma reflexão um pouco mais aprofundada.
Em primeiro lugar, a autora defende a consideração de um paradigma
de desenvolvimento que teria o turismo como um dos elementos chave
sobretudo quando trata e aborda a questão dos serviços: que há exemplos
no mundo de vários países que têm um PIB que se baseia em turismo.
Mas ela aprofunda um pouco mais o conceito. Ela tenta transportar
este turismo que nós temos no país também para o distrito. Associar
aquilo que já é uma tendência internacional, sobretudo uma tendência
nos países em desenvolvimento, e dizer: vamos quebrar este ciclo que
temos de que o turismo só pode acontecer na cidade e acho que ele pode
acontecer também nos distritos! Talvez repensar aqui aquele conceito
160
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dos distritos turísticos que em algum momento deslanchou, mas que
depois, e por algumas razões, nós não demos continuidade.
Em segundo lugar, a autora também nos conduz a uma reflexão sobre
o ordenamento territorial. E esta questão de ordenamento territorial é
alguma coisa que por vezes com maior ou menor propriedade nós ouvimos
em encontros, em reuniões pela imprensa etc., mas realmente nunca
fomos a fundo para saber o que é que se pretende com esse reordenamento
territorial. Porque ordenar significa olhar para as condições que
estão criadas e determinar os objectivos que vão acontecer depois do
ordenamento. Mas a forma como nós abordamos o ordenamento me
parece um pouco conflituosa, porque não definimos os objectivos e, pior
ainda, nós fazemos isso de uma forma muito segmentada: o turismo
quer ordenar o território; o meio ambiente também quer; a indústria
também deve querer; a agricultura também deve querer e cada um de
nós quer ordenar este território.
Em terceiro lugar, acho que foi pertinente esta abordagem que fez em
relação as precauções que devem ser tomadas em relação ao turismo,
porque o turismo não é e não vai ser nunca apenas esta indústria de
grandes benefícios. Nós precisamos de ser muito cautelosos com o turismo.
Aliás temos exemplos no nosso país: falava-se nalguns momentos da
Ponta d’Ouro: o caos que se instalou na Ponta d’Ouro em função das
opções turísticas que foram feitas; temos também os exemplos do racismo
nas praias – e agora começa a ter mais controlo; e etc.... os exemplos são
vários.
A mestre Ana coloca aqui em evidência alguns exemplos do turismo
insular e da forma como esse turismo insular por vezes é problemática.
Eu achava até que a Mestre Ana iria abordar um pouco a questão do
impacto do turismo vis a vis a estabilidade de determinados países
como sejam o Quénia e o Zimbabwe mais recentemente, por conduzirnos a pensar no Fidji, que a gente só conhece por nome e nunca terá
oportunidade de ir, ou até Goa... é deveras complicado...
161
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Em último lugar, creio que ela coloca também um outro elemento que se
calhar a gente não tem tanta sensibilidade para pensar nisso, mas é a
questão de um turismo que é o chamado do turismo do spa – o turismo de
saúde. E esse turismo de saúde durante muito tempo não foi um segmento
de saúde como tal, mas hoje começa a ser um segmento significativo. E
um dos exemplos mais peculiar desse exemplo de segmento de turismo de
saúde é Cuba. É Cuba porque a gente chega a Cuba encontra milhares
de americanos que aparentemente vão visitar Cuba e não vão visitar
Cuba. Vão tratar dos dentes. Encontra milhares de canadianos que
aparentemente vão visitar Cuba mas não vão visitar Cuba como tal
e apenas Cuba. Vão tratar da sua vista, porque os planos de saúde
são muito mais baratos em Cuba do que são nos seus próprios países.
Portanto, é um segmento importante que de alguma forma precisa de
ser repensada. E depois fala um pouco também desta contribuição do
turismo doméstico para a divulgação da História e da Cultura do Povo;
a valorização dessa cultura e como nós poderíamos resolver a questão da
empregabilidade no campo usando o turismo.
Ao analisarmos esta questão do turismo, nós imediatamente assumimos
que existe um substrato que é semelhante para todos os países em vias
de desenvolvimento, ou países de baixo e médio rendimento – preferia
usar essa designação. Porque os modelos que nós temos, as condições que
nós temos são muitas vezes semelhantes e as contingências também nos
são muito próprias. E naturalmente que isso exige políticas sociais e
políticas públicas também muito peculiares e muito próprias. Não
teremos como copiar modelos, importar fórmulas acabadas e assumir a
funcionabilidade do turismo sem olhar para essas condições que são as
condições reais.
Convenhamos que existem quatro elementos que são fundamentais – a
Mestre Ana explora isso no seu trabalho e eu tive a oportunidade de ler
com detalhe – e que tipificam o turismo e garantem a sua sustentabilidade
nos nossos países.
162
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Em primeiro lugar os vários tipos de alojamento: os conjuntos turísticos
e os meios complementares de alojamento. O que é que os nossos países
oferecem para que a gente possa ser competitivo em termos de turismo.
Em segundo lugar, um sistema de transportes: os transportes aéreos,
os transportes marítimos, fluviais, rodoviários, etc... Por vezes nem
importa o meio, importa sim é que o transporte tem que ser cómodo, tem
que ser seguro e tem que ser rápido.
Em terceiro lugar, o conjunto de atracções e a linha de produtos que
o destino turístico proporciona: entre paisagens, entre praias, entre
águas termais, montanhas, etc. e muitas vezes até a própria indústria,
a própria fábrica. O Japão é perito nisso: cada uma das fábricas tem
um lugar onde a gente pode caminhar e ver o trabalho que é realizado
sem nunca entrar em contacto os profissionais que estão ali dentro e que
acaba sendo uma forma de gerar receita para o país.
E finalmente, os serviços de apoio: talvez aquilo que é o problema mais
complicado nos dias que correm no nosso turismo nacional. Portanto,
esses serviços de apoio englobam todos os centros de informação, todo o
turismo, convenhamos que a jusante.
E olhando para esses elementos, nós teríamos que olhar para o turismo
como conjunto de responsabilidade partilhada. Não é possível ter o
turismo que é apenas responsabilidade do sector A ou sector B ou sector C.
Nós temos que partilhar responsabilidades quando falamos em turismo.
Portanto, ao sector público cabe sempre essa responsabilidade de definir
as políticas, regulamentar, propiciar atracção de investimentos e criar
incentivos para investimentos, enquanto ao sector privado cabe então
a responsabilidade por operacionalizar todos os outros elementos que
fazem parte do turismo
163
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Mas eu gostaria também – eu acho que a mestre Ana Comoane talvez
não tenha feito referência com profundidade a isso – mas retomar um
pouco a cronologia do turismo em Moçambique. Então, nós antes de 75
iríamos olhar que o turismo nunca foi um sector de importância vital,
de importância estratégica. Sempre foi um pequeno gabinete ligado a
qualquer um outro órgão. No pós-75, uma vez mais o turismo não se
constitui em si como um ponto fulcral, como um ponto estratégico, mas o
turismo está clonado a determinadas instituições. Primeiro, a informação,
e depois ao comércio, a indústria e só a oito, nove anos – mais ou menos –
é que o turismo se torna autónomo. E o Ministério teve – o Governo de
Moçambique teve – a sensatez e a visão de relançar a questão do turismo
em Moçambique criando as facilidades para que esse turismo pudesse
deslanchar e pudesse responder aquilo que são as demandas de todo um
sector internacional. Então, eu queria poder levantar aqui uma questão
básica: será que esta cronologia terá contribuído para influenciar em
maior ou menor proporção, a propensão e a predisposição para se colocar
o turismo como um sector vital na economia do país? Naturalmente
teríamos que pensar nisso. Igualmente, diante desses cenários e de toda a
evolução que se verificou ao nível do turismo no país, gostaria também
de voltar a reequacionar a questão da discussão teórica sobre a validade
e vitalidade do nosso sector do turismo: quais seriam as vertentes para as
quais o sector poderia responder dentro da responsabilidade partilhada,
aquilo que são as lacunas de carácter essencial que o nosso turismo oferece.
E depois gostaria também de questionar e saber – não neste momento
naturalmente, mas são questões para reflexão a posteriori – como é que
as pessoas deste país realmente se beneficiam desse turismo. Uma coisa
é teorizar sobre o turismo e ver as vantagens que o turismo oferece a
nível de todos os outros países, até dos nossos vizinhos e saber aquilo que
acontece connosco.
Recentemente foi lançado um estudo, um inquérito feito sobre o turismo
em Moçambique, sobretudo as sobretudo as visitas internacionais. E se
constatou que cada um dos turistas que vem a Moçambique gasta em
média 52 dólares e passa 5 dias no máximo no país. Nós estaremos a
164
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
falar em 258 dólares e temos em média cerca de 700 mil turistas por ano
– são as estatísticas combinadas do Ministério do Turismo e do Instituto
Nacional de Estatísticas. A Tanzânia e o Quénia por vezes têm um
número relativamente inferior a esse, mas conseguem arrecadar para
cima de um bilião de dólares derivado do turismo. Então, onde é que nós
perdemos a competitividade na nossa oferta do produto turístico?
Eu gostaria de poder terminar e falar em investimentos. E quando se
fala em investimento, fico sempre com sensação de que a forma como
nós tratamos e cuidamos dos investidores – a forma institucional – é
deveras problemática. Em 2006 visitou Moçambique um proeminente
magnata britânico cujo nome é Richard Branson – certamente que
muitos já deverão ter ouvido falar – proprietário da companhia de
aviação Virgin Atlantic. Ele visitou a parte sul, o nosso litoral, a costa e
no final ele teve um pequeno encontro connosco e dizia assim: “eu não vi
produto turístico acabado ainda. Mas eu vi algo que eu posso vender a
partir deste momento. São as vossas estrelas”. E eu dizia: “Não Richard
Branson, não estou a entender: estrelas? O que é que está a dizer?” E
ele disse: “Indo para qualquer uma das praias no sul de Moçambique,
o senhor olha para o céu e vê todo o tipo de constelações, todo aquele
o espaço celestial que tem todo o tipo de estrelas e isso por vezes não
conseguimos em todos os locais. Portanto eu venderia este produto”. Bom
em resposta eu disse: “eu não sei se o senhor teria sucesso nisso. Mas
aquilo que eu gostaria de lhe propor é um modelo diferente daquele que
o senhor conhece. Eu lhe queria propor que as nossas comunidades fossem
os principais ou as principais accionistas do seu empreendimento, porque
elas vão ter oportunidade de explicar qual é o significado de cada uma
das estrelas que está no céu”. Bom, nós rimos e achamos que a conversa
ficava. Mas dois, três meses depois ele mandou a sua equipa principal
de assessores aqui para Moçambique e fizeram as primeiras propostas
para montar um lodge de altíssimo nível – cinco, seis estrelas – na Ponta
Bangalala e que iria fazer uma ligação aérea com os outros pontos
resorts que ele possui no mundo. A verdade porém é que apesar de todos
os esforços nós não conseguimos ainda convencer ao Richard Branson
165
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
a vir para Moçambique. E esta presença teria efeitos multiplicadores
importantes. Primeiro iria dar muita confiança a todos. Segundo iria
trazer grandes cadeias de hotéis e também grandes agências de viagens
porque é em resumo algo que nós ainda carecemos e padecemos e que
faz com o nosso nível de receitas se situa apenas em 160, 135, 120,
115 milhões de dólares por ano e que a gente não consiga ultrapassar a
fasquia dos 500 milhões.
Eu terminaria aqui talvez fazendo só uma última referência a um
estudo que foi desenvolvido aqui no país, e que a mestre Ana participou,
foi cúmplice desse estudo – e tem sido cúmplice de todas as políticas de
turismo no país, ou temos sido, é isso que pretendo dizer doutora. Mas
o FIA e o IFC fizeram um estudo em Moçambique em 2006 também e
colocaram 5 elementos principais como sendo aqueles que impediam que
a cadeia de valor do turismo atingisse a sua plenitude:
Então, a primeira questão que eles colocavam era a questão dos vistos
e do acesso: porque a questão de ter um visto e precisar de... por vezes
mesmo com a facilidade que existe em ter o visto no aeroporto, o
tempo que se demora no aeroporto é deveras longo; E depois também
colocaram a questão da abertura do espaço aéreo – e eu recentemente
tive a oportunidade de ler que essa discussão voltou ao mainstreaming;
Falaram também nas questões das Alfândegas; Um pouco na questão da
terra e na questão dos processos da tramitação no país; O estudo nalgum
lugar dizia olhamos um turista de 100 milhões da mesma forma como
olhamos um turista de 10 mil dólares; E questionava o porquê de o país
ter vizinhos como a África do Sul, como os outros membros da SADC
e ter apenas um rácio de 2 turistas a cada 100 habitantes enquanto
que em média os outros países estavam com um rácio de oito, nove, dez
turistas a cada 100 habitantes...
Bom, eu gostaria de parabenizar uma vez mais a Mestre Ana pelo
trabalho e agradecer também a vossa paciência para escutar esse pequeno
debate e muito obrigado.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
PRESIDÊNCIA ABERTA E INCLUSIVA: O ESPAÇO DO
EXERCÍCIO DO DIREITO DE PARTICIPAÇÃO
Comunicação apresentada por Sua Excelência, Armando
Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique,
por ocasião do encerramento dos Seminários do Gabinete de
Estudos da Presidência da República para o ano de 2008
Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Distintos Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores.
É com muita satisfação e alegria que nos dirigimos a todos os
presentes nesta sala, no culminar de mais um ciclo de seminários
que o nosso Gabinete de Estudos na Presidência da República
tem vindo a organizar. Tem sido estes seminários que permitem
a nossa Governação recolher diferentes sensibilidades de peritos
nacionais em diferentes matérias que as nossas políticas públicas
têm vindo a lidar com elas.
Desde o início desta prática de seminários na Presidência da
República, convergem neste espaço que pertence a todos e a cada
um de nós, peritos nacionais que consubstanciam, a um outro nível,
o acento tónico ao nosso princípio de privilegiar a Governação
Aberta e Inclusiva, onde todos os moçambicanos têm espaço
para exercerem o seu direito de participação sentindo-se, deste
modo, agentes no processo do desenvolvimento deste País.
167
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Tem sido estes nossos peritos que contribuem grandemente sobre
a nossa percepção do percurso que estamos a trilhar na concepção
e implementação das nossas políticas públicas, com um objectivo
fundamental de servir cada vez melhor o nosso Povo.
Neste seminário, assistimos ao lançamento da colectânea das
comunicações apresentadas em 2007.Acreditamos que constituem
instrumentos de análise e consulta disponíveis à comunidade
académica, aos políticos e outros interessados sobre diferentes
temáticas relacionadas com o processo da nossa governação.
Coincide este acto de lançamento,com o seminário sobre o Impacto
das Políticas de Desenvolvimento em Turismo: Contingências e
Estratégias. O turismo tem sido em muitos países, e queremos
que no nosso também o seja, uma indústria de auto-rendimento,
empregando milhares de cidadãos especializados em bem servir e
tratar a pessoa humana. Para que isso seja possível, a formação de
profissionais desta indústria, afigura-se indispensável para o seu
sucesso. É uma indústria que pela sua natureza sobrevive quando
devida e prudentemente ligada a outros sectores como sejam as
esferas de produção, infra-estruturas, transporte, meio ambiente
e segurança pública.
Queremos pois, manifestar o nosso profundo apreço ao Gabinete
de Estudos, que tem sabido persistentemente organizar estes
seminários, aos nossos peritos que tem tido o profissionalismo de,
de forma criteriosa, trazer os pontos de vista da sua compreensão
genuína sobre as matérias a que se lhes requer opinião. São estas
contribuições que têm ajudado grandemente a enformar o nosso
modelo de governação.
A terminar, gostaríamos de agradecer a todos os nossos
concidadãos que com o seu saber trouxeram para o debate as suas
comunicações durante o ano em curso, nomeadamente,
168
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
José Manuel Guambe
José Jaime Macuane
Jamisse Taimo
Rafael Waiene
Jaime Nicols
Hélder Gemo
Emílio Tostão
Ana Comoana
Jorge Ferrão
Mário Jessen
Aos painelistas, participantes e todos que de forma directa e
indirecta têm contribuído para o sucesso destes seminários o
nosso profundo agradecimento.
Muito obrigado pela vossa atenção!
169
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
CONTRIBUIÇÃO PARA UMA ANÁLISE SOBRE OS
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO CRESCIMENTO
ECONÓMICO
Marcelino Sales Lucas
I.INTRODUÇÃO
Relevância da Nota para Discussão
Como é do domínio geral, o conhecimento sempre teve um
papel muito importante no desenvolvimento da sociedade, não
obstante o facto de a sua valorização nos sistemas económicos
ser relativamente recente. Com efeito, uma análise geral do
Desenvolvimento Económico e Social da humanidade dá
indicações de que uma das mais importantes diferenças da época
actual em relação às precedentes assenta na geração organizada
de conhecimento e nas formas de apropriação e utilização do
mesmo, ganhando-se uma característica de “Economia apoiada
no conhecimento”.
Uma análise do interessante tema “Desafios e Oportunidades da
Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico”, não
pode ser feita fora do contexto global que caracteriza a época em
que vivemos, no qual o esforço do Governo de Moçambique se
orienta para o Combate à Pobreza e se reconhece cada vez mais
a necessidade de interligar a
acções das diferentes áreas
e sectores, neste processo.
Qualquer tentativa de acções
isoladas definem por si
resultados isolados e com
reduzido impacto.
Intervenção de Marcelino Sales Lucas
170
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Ora, o presente tema remete-nos a distinguir particularmente
dois momentos, por um lado os “Desafios e Oportunidades no
Crescimento Económico” e por outro lado o “Papel da Ciência,
Tecnologia e Inovação nesse Processo”. Entretanto, os dois
momentos podem ser captados na medida em que uma discussão
sobre o Papel da Ciência, Tecnologia e Inovação no Crescimento
Económico só pode ser feita mediante uma identificação das
barreiras e/ou oportunidades no processo.
No contexto em que se pretende a discussão é preciso notar
que a questão relativamente aos desafios e oportunidades de
Crescimento Económico, não tem como fim e objectivo último
uma discussão teórica ou prática relativamente às formas de
engendrar melhores níveis ou ritmos de Crescimento na sua
generalidade. Pretende-se como fim último, a discussão do
Crescimento Económico como uma base para o almejado
Desenvolvimento Económico e Social, reconhecendo-o como
uma condição necessária mas não suficiente. Assim, vai se dar o
enfoque no Crescimento Económico sem perder de vista que o
mesmo actua como um ponto de partida.
Estrutura das Notas
As notas que se apresentam não pretendem constituir uma
discussão acabada do papel da Ciência, Tecnologia e Inovação
no Crescimento Económico, mas sim estabelecer uma base de
discussão sobre os horizontes, as perspectivas e as abordagens
na política de estímulo ao crescimento e ao desenvolvimento da
economia moçambicana explorando os desafios e oportunidades
do Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação em Moçambique.
Assim, apresenta-se a seguinte estrutura:
•
•
Panorama Geral e Quadro Macro-económico;
Criação de Linhas Orientadoras: Estratégia de Ciência,
Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM);
171
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
•
•
•
Áreas Estratégicas;
Programas e Linhas de Projectos.
Criação de um Sistema Interligado de Coordenação;
Desafios, Perspectivas e Enfoque;
Bases de Operacionalização.
II. Panorama Geral e Quadro Macro-económico
Nos dias que se seguem tem sido frequente o desenvolvimento
de debates relativamente ao papel da Ciência, Tecnologia e
Inovação no Crescimento Económico das Nações. Vários
estudos efectuados mostram a existência de uma correlação
positiva entre os níveis de Crescimento Económico e os
Investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação, não
obstante reconhecer-se o papel de outras variáveis e a
complexidade com que se determinam as suas relações.
Estes estudos na sua maioria argumentam que a criação de
um Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação que suporte
o desenvolvimento de Recursos Humanos orientado para
as competências demandadas pela indústria bem como o
estímulo à Pesquisa e ao Desenvolvimento podem melhorar
o desempenho e a competitividade da indústria, e por
consequência engendrar o Crescimento Económico, factor
chave no combate à pobreza. Suporta-se este raciocínio na
ideia de que o Crescimento Económico em cada fase depende
da capacidade e das dinâmicas associadas a produção.
Entretanto, a capacidade produtiva – de entre vários factores
– pode ser resultante (e basicamente determinado) pela
combinação de competências dos Recursos Humanos (R.H)
em responder às necessidades específicas, à técnica e base
tecnológica utilizada em processos produtivos, à forma de
organização e ligação dos sistemas produtivos, etc. Este
conjunto de factores na sua generalidade (senão todos),
172
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
são resultantes de investimentos e estímulos ao longo do
tempo.
Se por um lado nota-se que o grupo das Nações com uma
relativa estabilidade no que concerne aos níveis e ritmos
de desenvolvimento apresentam como média de dotação
de recursos (Produto interno Bruto – PIB) para Despesa
Nacional Bruta de Investigação Científica (GERD) 2%,
como é o caso da Suécia, do Canada, da Finlândia, dos Estados
Unidos da América (EUA), da Dinamarca, da Alemanha, do
Japão, entre outros, nota-se também que o grupo de países
que regista um assinalável ritmo de crescimento como o
Brasil, a China e a Índia mostram indícios de uma correlação
positiva entre tais crescimentos e a despesa em Pesquisa e
Desenvolvimento.
O movimento das Nações em desenvolvimento, em particular
as localizadas na África Subsahariana, embarcam no mesmo
diapasão mostrando sinais de um maior cometimento
relativamente a alocação de parte da Produção Interna
Bruta (PIB) para investimentos em Ciência, Tecnologia
e Inovação. Em média, os níveis de GERD gravitam em
torno de 0.51%, com uma tendência de crescimento para
1%, destacando-se Moçambique e África de Sul com 0.63%
e 0.87%, respectivamente69.
Duas questões chaves se devem considerar: por um lado,
temos os resultados dos estudos que tem sido divulgados
(que mostram a correlação positiva entre o investimento
em Ciência, Tecnologia e Inovação e ritmos de crescimento
económico) e, por outro, temos a tendência das Nações e
Subsistemas a que Moçambique é parte integrante (caso da
África Subsahariana, NEPAD, etc.).
69
Ver Carlos Nuno Castel Branco: metodologia de análise da agro-indústria;
173
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
No actual cenário económico, aos dois pontos anteriores
se acrescem os grandes desafios que o país enfrenta do
ponto de vista dos estrangulamentos ainda existentes na
base produtiva e a conjuntura macroeconómica internacional
que aponta para um abrandamento do ritmo de crescimento
da economia mundial, com dados previsionais a indicarem para
2008 e 2009, crescimentos em torno de 3.7%, sendo 1.25 pontos
percentuais abaixo dos níveis de crescimento registados em 2007
(Cenário Fiscal de Médio Prazo 2009 – 2011).
Este panorama mantém-se em economias emergentes e em
desenvolvimento, indicando-se uma tendência de desaceleração
no seu ritmo de crescimento em 0.2 pontos percentuais (Ibidem).
Neste contexto, há uma necessidade de se fortificar as ligações
entre a indústria e os resultados da Pesquisa e Desenvolvimento, no
quadro da operacionalização da Estratégia de Ciência, Tecnologia
e Inovação de Moçambique.
A manter-se esta tendência de aspiral de recessão como resultado
das perturbações no mercado imobiliário e financeiro (entretanto,
com elevação dos níveis de exportações pelo efeito da redução da
taxa de câmbio) e ainda as pressões da crise alimentar, a intervenção
a todos os níveis e de forma interligada mostra-se cada vez mais
Participantes do Seminário
174
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
necessária, para aumentar os níveis de eficiência alocativa dos
recursos, chamando-se também à responsabilidade da Ciência,
Tecnologia e Inovação.
Assim, qualquer priorização do vector de acções da área da
Ciência, Tecnologia e Inovação que tenha em vista o estímulo do
Crescimento Económico, (re)definição de horizontes, perspectivas
e abordagens na política do seu estímulo, por um lado, deve ter
em conta este enquadramento macro-económico de médio
prazo e os instrumentos de orientação de médio prazo para o
desenvolvimento do sector, a Estratégia de Ciência, Tecnologia e
Inovação de Moçambique e, por outro lado, deve sempre ter como
foco o estabelecimento de ligações Inter e Intraindustriais.
Portanto, os desafios e oportunidades da Ciência, Tecnologia e
Inovação centram-se basicamente na criação de uma plataforma
de coordenação de acções de forma a criar sinergias e evitar
desperdícios no uso de recursos, potenciando as áreas estratégicas
e prioritárias de desenvolvimento do país.
III.Criação de Linhas Orientadoras: Estratégia de Ciência
Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM).
Um grande desafio que se enfrenta na sistematização de acções
prende-se com o estabelecimento de uma plataforma comum
de processos de Planificação, Monitoria e Avaliação das
tendências do sector. No caso da Ciência, Tecnologia e Inovação,
a priorização das acções do Sector com vista ao estímulo à
produção e produtividade encontram-se alinhadas na Estratégia
da Ciência, Tecnologia e Inovação de Moçambique (ECTIM),
um instrumento de médio prazo, com horizonte de 10 anos,
flexível bienalmente.
A ECTIM tem por objectivo o estabelecimento de um quadro
conducente à realização dos objectivos estratégicos e programas
175
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
que promovam o desenvolvimento de um sistema articulado
de Ciência, Tecnologia e Inovação com ligações e impacto
perceptível ao nível da Indústria Nacional. Assim, com a ECTIM
se estabelece uma visão sobre o desenvolvimento da Ciência,
Tecnologia e Inovação no Crescimento Económico e a melhoria
de vida dos moçambicanos.
É preciso considerar que a escassez dos recursos disponíveis
requer que as actividades de Ciência, Tecnologia e Inovação
sejam orientadas para as áreas e os sectores onde o potencial do
impacto directo e indirecto seja maior e com maior interligação
entre a Pesquisa e Desenvolvimento e a Indústria.
As análises disponíveis sobre os sucessos e fraquezas da economia,
sociedade moçambicana e da sua relação com a Ciência,
Tecnologia e Inovação permitem conhecermos as ameaças, os
desafios e as oportunidades existentes e, assim, identificar as
Áreas Estratégicas para o desenvolvimento do país no seu todo,
destacando-se:
•
Desenvolvimento dos Recursos Humanos; Agricultura,
Educação, Saúde, Energia, Ciências Marinhas e Pescas;
Construção; Água; e Recursos Minerais;
No contexto, de uma visão harmoniosa e sustentável de
desenvolvimento, foram identificados os Assuntos Estratégicos
Transversais que, pela sua natureza, podem ter um impacto directo
ou indirecto na dinâmica das áreas estratégicas, funcionando
como alavancas facilitadoras e promotoras da competitividade, a
ter em conta no âmbito de uma Estratégia de Ciência, Tecnologia
e Inovação. Portanto, o desenvolvimento sustentado das áreas
estratégicas só terá lugar se simultaneamente se der atenção aos
seguintes Assuntos Estratégicos Transversais:
• Ciências Sociais e Humanas, Culturais; Sustentabilidade
176
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Ambiental; Etnobotânica; Equidade de Género e HIV/
SIDA.
Destaca-se ainda a necessidade de se potenciar e impulsionar a
produtividade das áreas estratégicas através do desenvolvimento
de áreas facilitadoras de importância estratégica como o caso
do Desenvolvimento do Uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) e Biotecnologia.
IV.Criação de um Sistema Interligado de Coordenação.
A criação de um Sistema interligado de Coordenação para
o desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação e a sua
contribuição para o desenvolvimento sócio-económico do país,
requerem a existência de um Sistema Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação adequado às necessidades e características
do país compatível, articulado, funcional e orientado para a
harmonização de objectivos, abordagens e procedimentos,
adoptados pelos intervenientes.
Um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
forte e efectivo requer determinação, apoio e cometimento do
Governo no que respeita à formulação e gestão de políticas
apropriadas, promovendo-se sinergias nas acções dos diferentes
actores. Assim, é necessário que se tomem em conta os seguintes
aspectos:
(1) A formulação de objectivos e prioridades coerentes e que
perspectivam soluções que definem o desenvolvimento
socio-económico de curto, médio e longo prazo;
(2) Uma correcta identificação dos principais actores do Sistema
e o estabelecimento de laços baseados no princípio de
ganhos mútuos, com um envolvimento de todas as partes nos
processos de priorização, planificação, monitoria e avaliação
efectiva;
177
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
(3) A criação de competências no capital humano, compatíveis
com os objectivos e as prioridades;
(4) O desenvolvimento de infra-estrutura base e capaz de
suportar as necessidades de desenvolvimento e interligações
do sistema;
(5) A fortificação da plataforma de gestão do sistema de
financiamento a Pesquisa e Desenvolvimento, tendo em vista
a redução dos desperdícios dos recursos; e
(6) Desenvolvimento do espírito de partilha de resultados da
Pesquisa e Desenvolvimento e transferência do conhecimento
às comunidades.
O funcionamento do Sistema Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação deve ser orientado numa expressão
sectorial, territorial e institucional. É necessário que em cada nível
existam todos os actores do processo interligados, trabalhando
numa base comum de dinamização de processos produtivos. O
desenvolvimento da Pesquisa e Desenvolvimento não pode se
centrar nem focalizar apenas em um estágio ou etapa, seja ela da
produção ou da transformação industrial. É necessário captar a
cadeia de processos, produtos, serviços e relações laborais (cadeia
PPSL) de toda a base produtiva. Por exemplo, do ponto de vista
da gestão da estratégia e políticas para a agro-indústria, sejam elas
públicas ou empresariais, é irrelevante classificar as actividades
como agrícolas, industriais, financeiras, transportes, comércio, etc.
e procurar focalizar a Pesquisa e Desenvolvimento em cada uma
das actividades, pois, esta classificação segmentada e tradicional,
fornece uma visão menos absorvedora de sinergias na produção
do conhecimento.70
A questão central seria focalizar-se na Pesquisa e
Desenvolvimento interligada em toda cadeia de produtos (da
matéria-prima ao produto final); de processos (de produção,
70
Coerência paradigmática, congruência teórica e operacionalidade política.
178
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
comércio, transporte, financiamento, controle de qualidade,
standardização; de competição e colaboração entre produtores,
fornecedores e consumidores em cada etapa do processo; etc.);
de serviços (extensão agrícola, extensão industrial, armazenagem
e marketing, etc.); e de relações laborais de modo a absorver e
usar conhecimentos afins produzidos, mediante a partilha de
resultados intermédios de uso comuns.
A simples existência de dispositivos legais, estímulos ou indutores
sem garantia de acompanhamento em outros processos não
garante por si o surgimento de ligações com os restantes produtos,
processos e serviços da cadeia, sendo portanto necessário pensarse e redefinir-se a integração e interligação dos mesmos. Ora, esta
posição não significa necessariamente que as acções se possam
desenvolver de forma imediata e ao mesmo ritmo em toda a cadeia.
É necessário, sim, que haja consciência sobre as interligações
que devem ocorrer a cada passo que é dado. Portanto, na criação
de instrumentos facilitadores do desenvolvimento da Pesquisa
e Desenvolvimento como o Fundo Nacional de Investigação,
Academia de Ciências, etc., o sistema de administração e
priorização de acções deve ser inclusivo e consciente de que os seus
benefícios só são plausíveis mediante a existência de consciência
da necessidade de interligação das cadeias e processos por parte
dos seus gestores, beneficiários, entre outros.
Portanto, o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação
deve ser um conjunto de interligações de organizações,
pesquisadores, investigadores, indutores, gestores e utilizadores
com uma perspectiva sistémica bem estabelecida e ligações de
actividades com vista a criar sinergias geradoras de maior eficiência,
eficácia e efectividade produtiva, e as políticas e instrumentos
legais e metodológicos que o habilitam e regulam. São parte
do sistema as instituições e organizações do Sector Público e
Privado (desde Centros, Institutos, Laboratórios, Estações) que
179
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
desenvolvem actividades de Pesquisa e Desenvolvimento até
Empresas, Indústrias, Organizações Não Governamentais e de
Base Comunitária ligadas a actividades produtivas, de estímulo
à inovação ou transferência de conhecimento. Assim, pode
encontrar-se a seguinte composição:
•
•
•
•
•
Organizações que criam novo conhecimento através de
Pesquisa e Desenvolvimento (Unidades universitárias
de pesquisa, Institutos de pesquisa, centros, estações e
laboratórios, companhias do sector privado que fazem
Pesquisa e Desenvolvimento, frequentemente relacionada a
um produto ou processo),
Instituições que desenvolvem recursos humanos com perícias
em Ciência, Tecnologia e Inovação (Universidades públicas e
privadas);
Instituições de financiamento (fundos de pesquisa e expansão
de produtos e serviços e ainda fundos de capital de risco de
iniciação de actividades);
Instituições que facilitam a criação e o crescimento de
companhias baseadas em inovação (Parques de ciência,
Incubadoras);
Ministérios (MCT, MEC, etc.), Conselhos Científicos
Temáticos, Academia de Ciência, Organizações Não
Governamentais (ONGs), Organizações de Base Comunitária
(OBCs), Sistema Nativo de Conhecimento (SNC), entre
outros.
180
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Figura 9-1: Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia de Moçambique
Pode verificar-se que a figura por um lado apresenta apenas
três blocos em cada conjunto como simplificação da realidade
(na realidade podem estar constituídos por uma infinidade dos
mesmos ) e por outro, somente alguns tipos de instituições do
sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação são representados,
podendo fazer-se a extensão em função das dinâmicas e mutações
do mercado.
As linhas entre os blocos representam as relações entre as diferentes
instituições. A natureza destas relações pode variar, dependendo
do tipo de instituições nelas envolvidas. Assim, o que as linhas
representam inclui informação, coordenação, relações reguladoras
e de cooperação que podem ser expressas através de regulamentos
do governo, memorandos de entendimento formal, participação
em reuniões conjuntas e comités, ou relações informais entre
indivíduos. O sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação deveria
também ser entendido como, incluindo políticas e estruturas
administrativas que o habilitam e regulam.
181
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
V.Desafios, Perspectivas e Enfoque
Os pilares de um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia
e Inovação assentam nas funções de pesquisa que produzem
novo conhecimento, tanto para resolver problemas concretos
que requeiram soluções inerentes à pesquisa local, como para a
aquisição de tecnologias existentes e a sua adaptação para uso
local. No caso de Moçambique, a Pesquisa e Desenvolvimento
na sua generalidade está relacionada com as universidades. No
entanto, na sua maioria as Universidades tendem a realizar
pesquisas básicas, enquanto que as instituições de investigação
concentram o seu esforço na pesquisa aplicada que tenha
potenciais benefícios para um ou mais sectores.
A Ciência, Tecnologia e Inovação na perspectiva da presente
discussão apresentam-se como um vector a partir do qual se pode
engendrar um crescimento económico assinalável, com papel
inter-relacionado entre as instituições, havendo um investimento
real que vise o alinhamento do seu desenvolvimento com uma
clara e directa correlação com as demandas da indústria. Assim, é
necessário o desenvolvimento de um modelo de desenvolvimento
da Pesquisa e Desenvolvimento que envolva três frentes de acção
estratégica, como se pode ver na figura que se segue:
182
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Figura 3.1: A Relação entre a Ciência e a Tecnologia
Há necessidade de se garantir uma relação recíproca entre
a Ciência e a Tecnologia, a partir de uma busca e geração de
conhecimento em parte tendo em vista ou sendo induzida por
problemas práticos do desenvolvimento da sociedade. Neste
processo gera-se conhecimento e formas da sua aplicação real,
portanto, a tecnologia apropriada como se destaca com a seta
marcada com 1.
A relação entre a Ciência e Tecnologia também se
estabelece com a indução da formação do conhecimento a partir
da visualização da aplicabilidade das tecnologias em uso (seja
por tornar-se obsoleta ao longo do tempo ou por outra razão).
Este movimento complementar da tecnologia para a ciência é
destacado pela seta marcada com 2. Em geral, haverá um ciclo
contínuo envolvendo a renovação das intervenções baseadas na
tecnologia através da produção de novos conhecimentos através
da pesquisa.
Uma questão que se mostra relevante é a definição das frentes
de acção estratégica também visualizadas no figura apresentada,
destacando-se a interligação existente entre as três secções de
cada triângulo, como se segue:
•
A base do triângulo representa a geração de pesquisa e
tecnologia aplicada e adaptável, que leva ao melhoramento
da produção e do bem-estar da população. O uso da base
para representar esta frente indica que uma grande proporção
dos recursos e das soluções tecnológicas do governo e dos
seus parceiros dirigir-se-ão aos pobres e aos grupos mais
vulneráveis tais como agricultores de subsistência, mulheres,
velhos e jovens que constituem a maioria da população.
Os agentes a este nível são as instituições de pesquisa, as
instituições de ensino superior e outros agentes envolvidos
183
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
em actividades de desenvolvimento. Espera-se que a pesquisa
nesta frente, seja de natureza multidisciplinar e que faça
a máxima utilização do conhecimento e tecnologias préfabricadas adaptando-as às condições locais. A maioria das
áreas sectoriais estratégicas devêm-se encontrar nesta parte
do triângulo.
•
A secção média do triângulo representa a pesquisa relevante
para a educação incluindo a melhoria da sua qualidade, bem
como para a criação da capacidade de inovação através, por
exemplo, da criação de ligações entre o pessoal académico
de pesquisa, a indústria e as incubadoras de negócios
tecnológicos. O objectivo é criar a capacidade de criação da
prosperidade nacional através da criação de novas e apropriadas
tecnologias pelos empresários e através do encorajamento da
transferência de tecnologia. As instituições de ensino superior
desempenharão um papel importante nesta frente, assim
como as instituições dirigidas para a inovação e criação de
micro, pequenas e médias empresas comercialmente viáveis.
As áreas das questões estratégicas transversais podem ser
encontradas nesta parte do triângulo.
Há duas setas verticais, uma apontando a partir da secção
média até à secção do topo e outra apontando para baixo a
partir da secção média para a secção inferior. Estas duas setas
mostram que a pesquisa e a educação realizadas ao nível da
secção média são essenciais para a secção superior (Frontier
research – pesquisa de ponta) e para a secção inferior (áreas de
actuação de base, grass roots).
•
O topo do triângulo representa a pesquisa de ponta.
Participando activamente nesta área, Moçambique
estabelecerá um lugar por si só na arena da ciência global e
da tecnologia. Esta frente promoverá os interesses nacionais
184
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
numa perspectiva do melhoramento competitivo, uma
soberania nacional e uma segurança nacional.
O sucesso das duas primeiras frentes de acção requer que a
capacidade institucional do MCT seja fortalecida a vários níveis
da gestão e administração da ciência e tecnologia para assegurar
a sustentabilidade dos processos em termos de planificação,
implementação, monitoria e avaliação. Além disso, o MCT vai
promover o estabelecimento de centros de excelência de ciência
e tecnologia em todo o país, em parceria com os ministérios
responsáveis relevantes. Isto servirá para identificar problemas
de desenvolvimento, para disseminar resultados relevantes de
pesquisa e para implementar soluções apropriadas baseadas na
tecnologia para benefício dos utilizadores finais.
A terceira frente de acção diz respeito à promoção da pesquisa de
ponta. Em geral, o retorno financeiro deste tipo de pesquisa pode
não ser visível a curto prazo, pelo que a avaliação dessa pesquisa
deve basear-se numa perspectiva a longo prazo. A frente de
pesquisa, na maior parte dos casos requer um grande investimento
em comparação com a pesquisa aplicada direccionada para a
resolução de problemas imediatos da maioria da população.
O MCT está consciente disso e só promoverá essa actividade
quando for possível. No entanto, é importante avaliar as opções
numa perspectiva estratégica, com base na:
•
Visão de Moçambique no que respeita à sua posição na
ciência e tecnologia na região e no mundo;
•
Capacidade de Moçambique em investir mais no
desenvolvimento dos recursos humanos em áreas
altamente especializadas, que nas outras estratégicas para o
desenvolvimento.
185
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Face ao cenário e organização anteriormente apresentado, ao
MCT cabe a responsabilidade de exercer três papéis primários: (1)
formular políticas para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia,
(2) monitorar o desempenho de toda a investigação científica
realizada pelo sector público, e (3) coordenar as actividades
relacionadas com a Ciência e Tecnologia desenvolvidas pelo sector
público. Portanto, ao nível programático o MCT deve assumir a
sua função de gestão, coordenando os processos de planificação,
acompanhamento, monitoria e avaliação de programas como
forma de garantir a criação de sinergias, entretanto, só se pode
colher bons resultados com o envolvimento e cometimento de
todas as partes constituintes. Assim, deve encorajar-se a parceria
com todos os sectores sejam público ou privado, estabelecendo-se
programas ou projectos de colaboração conjuntamente apoiados
por ambos os sectores.
Nos países desenvolvidos, as instituições públicas incluindo as
Universidades e os Institutos de Pesquisa recebem da Indústria
e de outras fontes privadas uma parte significativa (até mais de
metade) dos seus investimentos para a pesquisa de projectos
conjuntos. De forma complementar, as agências de financiamento
encorajam muitas vezes a colaboração entre a indústria e as
universidades ou os institutos de pesquisa através de mecanismos
de financiamento especialmente concebidos através de doações e
créditos de alto risco.
As parcerias entre as instituições públicas e privadas podem
melhorar muito o benefício social e económico da pesquisa
universitária. Os projectos de pesquisa aplicada precisam de
parceiros internacionais que possam beneficiar dos resultados
da pesquisa. As universidades beneficiam não só do aumento de
financiamento, mas também de mais projectos direccionados,
com objectivos, orçamentos e prazos claramente definidos.
Os estudantes beneficiam ganhando familiaridade com as
necessidades da indústria e o seu envolvimento em tais projectos
oferece-lhes bons canais de recrutamento para o emprego nas
186
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
empresas participantes e desenvolvimento de competências em
função das demandas do mercado.
Neste processo, as pequenas e médias empresas que não podem ter
o pessoal e instalações próprias para pesquisa têm possibilidades
de acesso às instalações de Pesquisa e Desenvolvimento
permitindo-lhes continuar competitivas. Através de iniciativas
publicamente financiadas, as empresas são encorajadas a realizar
Pesquisa e Desenvolvimento que sem esse financiamento seria
considerado muito arriscado. Para o sector privado, a parceria com
as universidades e as instituições públicas de pesquisa dá acesso às
últimas tecnologias, ao pool de conhecimento e ao recrutamento
de pessoal qualificado. Por isso, é necessário introduzir medidas
que estimulem o sector privado a realizar pesquisa em parceria
com as instituições académicas.
A simples disponibilização das infra-estruturas de pesquisa
nas universidades e PMEs não é suficiente para lhe suportar
o desenvolvimento, mostra-se necessário estimular e apoiar a
criação de instalações que interliguem as suas actividades nas
diversas regiões do país, e, para sectores prioritários acessíveis
às PMEs. Essas instalações precisam ser dotadas quer de infraestruturas para a Pesquisa e Desenvolvimento, quer de pessoal
especializado.
VI.Bases de Operacionalização
Num contexto de melhoria dos níveis de eficiência e eficácia
produtiva a Ciência e Tecnologia assumem-se cada vez mais
como o veículo, impulso e catalizador da produção, crescimento e
desenvolvimento sustentável, combatendo a dispersão, duplicação
e multiplicação de acções com menor impacto sócio económico
e orientando-se para a melhoria do desempenho do sector
produtivo através da criação de uma plataforma de maximização
da exploração dos efeitos sinergéticos e multiplicadores.
187
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A contenção dos efeitos estruturais da actual crise económica
pressupõe a criação de uma base produtiva com fortes ligações
económicas, capazes de gerar uma plena utilização dos recursos
ao longo das diferentes cadeias produtivas, maximizando deste
modo a base de alavancagem social. Define-se assim, como
prioridade, o desenvolvimento de um Sistema e Infra-estrutura
de Ciência, Tecnologia e Inovação que facilite as ligações entre
actividades económicas, produtivas e científicas e a penetração
da Ciência, Tecnologia e Inovação nas áreas prioritárias da
economia.
É neste diapasão que o Governo Moçambicano desenvolve um
conjunto de programas que visam essencialmente a integração do
papel da Ciência,Tecnologia e Inovação nas dinâmicas económicas
e sociais, aproximando cada vez a actividade de produção e geração
do conhecimento, transferência de tecnologias. De entre vários
programas que têm em vista o estímulo de processos geradores
de actividades com impacto no sector produtivo, ao longo das
diferentes cadeias de valor, destacam-se:
• Programa de Promoção de Inovações em Moçambique;
• Desenvolvimento do Sistema de Indicadores de Ciência,
Tecnologia e Inovação;
• Programa de Divulgação de Resultados de Pesquisa e
Desenvolvimento;
• Programa para disseminação de Técnicas de Construção
usando Material Local;
• Programa Nacional de Protecção e valorização do
conhecimento indígena;
• Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos no
Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (PDRH);
• Programa de Desenvolvimento de Incubadoras;
• Programa Moçambique Tecnológico;
• Programa de Identificação e Desenvolvimento do Cientista
188
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
•
Moçambicano do Amanhã;
Programa de Desenvolvimento de Centros de Pesquisa e
Desenvolvimento;
Programa Nacional de Biotecnologia;
Promoção do uso das TICs.
A combinação destes programas, no cômputo geral, tem em
vista a formação de uma base inicial capaz de responder aos
desafios que o país enfrenta actualmente e engendrar processos
geradores de efeitos multiplicadores na economia. Actualmente
o desenvolvimento das nações encontra-se muito ligado a
inovações no sector produtivo o que faz com que os esforços do
sector se direccionem no estímulo à inovação.
O estímulo à inovação apresenta a larga vantagem de criar
novas dinâmicas e reorientar as dinâmicas às necessidades e
capacidades reais. Assim, o Governo Moçambicano através do
“Programa Inovador Moçambicano”, assegura a identificação e
acompanhamento das inovações e inovadores de Moçambique,
promovendo ainda a transferência do conhecimento a outros
sistemas produtivos. Este programa é interligado e orientado pelos
resultados da monitoria dos indicadores de Ciência, Tecnologia e
Inovação produzidos a partir do Programa do “Desenvolvimento
do Sistema de Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação”.
De referir ainda que o programa referido anteriormente constitui
também a principal plataforma de monitoria dos avanços no
Sistema Nacional de Ciência,Tecnologia e Inovação, reorientando
assim, os esforços de desenvolvimento técnico científico e por
consequência, o produtivo.
Os resultados das pesquisas realizadas bem como dos processos
inovadores, possuem grandes efeitos nas dinâmicas sociais
a medida que o conhecimento resultante é partilhado e
189
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
transferido para as comunidades. Neste contexto, o “Programa
de Divulgação de Resultados de Pesquisa e Desenvolvimento”
cria a base de partilha do conhecimento gerado, alargando a base
de beneficiários do mesmo e ainda criando maior estímulo a
Investigação e Inovação.
Os processos de divulgação de técnicas e resultados da investigação
pode ser ilustrado também a partir de desenvolvimento
de programas específicos, como o caso do “Programa para
disseminação de Técnicas de Construção usando Material Local”.
A chave para a redução da pobreza é a aplicação do conhecimento,
não só pelos que detém recursos e influência sobre os processos
produtivos, mas também pelas comunidades reféns na aspiral da
pobreza. É do reconhecimento do governo moçambicano, que
o estímulo a geração do conhecimento produtivo pressupõe de
entre várias questões a sua valorização e protecção, tendo para
o efeito se desenvolvido o “Programa Nacional de Protecção e
Valorização do conhecimento indígena”.
A criação de dinâmicas e ligações económicas estimuladas pela
geração do conhecimento, inovação e transferência de tecnologias
pressupõe a existência de capacidade humana tanto para a sua
criação, bem como para a absorção da mesma. Sendo assim, a
criação de um ambiente propício para a criação de capacidade
e absorção de conhecimento pressupõe o desenvolvimento de
um movimento nacional de formação e capacitação dos quadros
ligados ao sector produtivo.
Ora, as prioridades nacionais estão crucialmente dependentes da
formação e retenção da massa científica e engenheiros. Embora
tenha havido um rápido crescimento no número de estudantes
nos últimos anos, de modo geral e dentro das disciplinas da
ciências e engenharias, para uma população do tamanho da de
Moçambique, o número total de estudantes no ensino superior é
ainda muito exíguo.
190
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Os estudantes universitários são atraídos para a área de ciências
sociais e humanas em detrimento das engenharias e ciências
naturais, em parte devido à fraca qualidade da educação nessa área
nos níveis primário e secundário, mas também por causa da falta
de demanda de engenheiros e cientistas. Portanto, a estratégia
para aumentar o número de estudantes na ciências naturais e
engenharias deve encontrar um equilíbrio correcto entre a oferta
e a demanda. Para tal, o Governo desenvolve o “Programa de
Desenvolvimento de Recursos Humanos no Sistema Nacional
de Ciência e Tecnologia (PDRH)” e ainda o “Programa de
Identificação e Desenvolvimento do Cientista Moçambicano do
Amanhã”.
O “Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos
no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia (PDRH)”,
combinado com o mapeamento e monitoria dos Indicadores
de Ciência, Tecnologia e Inovação orienta a formação dos
Recursos Humanos no sistema para as reais necessidades e
prioridades do país. Esta formação é ainda desenvolvida no
sector real a partir de estabelecimento de programas específicos
como o caso do “Programa de Desenvolvimento de Incubadoras
Tecnológicas”, assegurando a aprendizagem no campo real e de
forma interactiva.
A compreensão e utilização das abordagens científicas básicas
e a replicação das soluções comprovadas e funcionais podem
melhorar muito a solução dos problemas e a tomada de decisões.
O desafio do Governo Moçambicano neste domínio centra-se
na identificação de catalizadores de produção de conhecimento
produtivo para e pelas comunidades e a criação dos Centros
de Pesquisa no âmbito do “Programa de Desenvolvimento de
Centros de Pesquisa e Desenvolvimento”.
191
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A retenção de docentes universitários e investigadores pode ser
difícil devido a pacotes de compensação atractivos oferecidos
fora do ramo educacional. Aqueles que são conferidos o grau de
Doutoramento (PhD) tende entrar para postos de governação
e carreiras mais atractivas. Uma carreira na educação pode ser
atractiva através de programas de colaboração a longo termo
com universidades internacionais e instituições de investigação
que oferecem oportunidades para estudos e investigação mais
avançados.
A qualidade da educação em ciências, matemáticas e TICs
nas escolas secundárias requer uma melhoria drástica. Os
laboratórios apresentam ainda uma qualidade longe das
necessidades para que estes possam prosseguir com cursos de
ciências naturais e engenharias no nível superior de educação.
O acesso a computadores e a Internet é inadequado. Existe
défice de professores para as ciências e matemáticas e muitos dos
professores actuais não estão adequadamente qualificados.
Assim, torna-se necessário:
• promover a educação a nível dos jovens em áreas de ciências
, tecnologia e TICs.
• Aumentar (duplicar, triplicar??) o número de graduados com
grau em C&T.
• Estabelecer programas de educação para mulheres em áreas
das ciências, engenharias e tecnologia. [aumentar a proporção
de mulheres graduadas em C&T para um 1/3??]
• Estabelecer programas de colaboração entre Universidades
Moçambicanas e instituições de educação e investigação
internacionais.
Fora das iniciativas anteriormente apresentadas pode referirse ainda a fortificação das seguintes iniciativas chaves:
• A reorganização das actuais instituições da Ciência,Tecnologia
e Inovação num Sistema Nacional da Ciência, Tecnologia e
Inovação que irá racionalizar e sistematizar as instituições de
192
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
•
•
•
•
investigação, fazedoras de políticas e sistemas de incentivos,
preparando-os para que estes avaliem a natureza e a dimensão
que a ECTIM exige para redução da pobreza, avaliar a
actual oferta (recursos humanos, capacidade de investigação,
mecanismos de difusão, diagnóstico de estrangulamentos
institucionais e físicos, estabelecer objectivos e prioridades
claros, planificar e implementar programas e acções, e
monitorar e avaliar os objectivos e programas).
A agenda nacional de investigação providenciará uma
planta de programas sistemático e transparente, legítimo e
consensual, resultante de um debate entre os parceiros da
ECTI, o público, o sector privado e a sociedade civil.
Rede integrada de investigação, incluindo a estrutura
nacional de investigação dos vários ministérios e agencias, as
instituições de ensino superior, e as estruturas de suporte e
coordenação no MCT e suas agências e fundos.
Cooperação regional e outra em ciência e tecnologia com
potencial benefício para o país e a região.
Empresariado e iniciativas incubadoras a todos os níveis e
áreas da sociedade – tecnológico, cultural, social e agrícola
– irão providenciar uma nova mobilização que levará
Moçambique adiante a uma estratégia de redução da pobreza
mais sustentável e a um próximo nível de crescimento
económico;
Estabelecer programas de bolsas em Ciência, Tecnologia e
Inovação - Estes programas irão ter como alvo o aumento
do número de graduados em Ciência, Tecnologia e Inovação,
com particular ênfases para mulheres. Programas de bolsas,
especificamente para os graus avançados, serão também
estabelecidos;
Criar centros de excelência de Ciência, Tecnologia e Inovação
em universidades seleccionadas - Financiamento será
providenciado para a criação de poucos centros de excelência
que irão atrair os melhores investigadores e graduados. Os
193
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
•
centros de excelência irão focalizar suas actividades em
ciências e tecnologias que sejam relevantes para a promoção
das prioridades de desenvolvimento nacional;
Reforçar a capacidade e infra-estruturas da Ciência,
Tecnologia e Inovação no sistema de educação K-12 Programas serão estabelecidos para melhorar os laboratórios
de ciências e providenciar acesso a computadores e Internet
nas escolas secundárias. Mais ainda, serviços de formação
de professores a nível interno serão estabelecidos de modo
a elevar as qualificações de professores de matemática e
ciências;
Estabelecer relações de colaboração com instituições de
educação e investigação internacionais - Estes programas irão
ajudar a reter professores de Ciência, Tecnologia e Inovação
e investigadores através da oferta de oportunidades para que
estes possam avançar com os seus estudos e actividades de
investigação.
194
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A ERA DA CIÊNCIA E TÉCNICA OU A ERA DO
CONHECIMENTO?
(Comentário ao texto de Marcelino Sales Lucas)
Américo Muchanga
Muito obrigado. Com a permissão de Sua Excelência o Presidente da
República passo a ler os meus comentários sobre a apresentação feita
pelo Dr. Marcelino Lucas, com o tema “Papel da Ciência, Tecnologia e
Inovação no Desenvolvimento Socio-económico Local”. Mas antes de
abordar as questões do mérito ou não desta apresentação permitamme que partilhem convosco as minhas cogitações sobre este tema de
ciência e tecnologia. Para isso, começo por colocar algumas perguntas.
Porquê uma aparente corrida para a ciência e tecnologia para o
desenvolvimento?
Porquê é que o mundo está quase que convencido que apenas a ciência e
a tecnologia pode aumentar a competitividade das pessoas e dos países
e daí aumentar os rendimentos?
E porquê é que dizemos que estamos agora numa fase de economia de
conhecimento?
Porquê é que vários países africanos,
apesar de possuírem enormes recursos
naturais não conseguem acelerar os
seus processos de desenvolvimento
económico e social?
Estas são algumas
das perguntas
195
Intervenção de Américo Muchanga
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
que me fui fazendo, quando tentei raciocinar sobre o tema que nos é
apresentado pelo nosso orador.
Ao tentar buscar as respostas as questões que me coloquei comecei por
tentar entender o que era de facto a ciência e para isso socorri me
do livro do Alan Chalmers com o título “What is this thing called
Science?” Onde ele diz que a “ciência é uma estrutura que é construída
na base de factos”. Uma definição muito simples para um assunto
complexo. Mas não vou alongar-me na análise desta definição e das
suas implicações, porque o tema que o orador nos traz refere-se mais a
aplicação da Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento.
Para ilustrar o facto de que estamos numa economia de conhecimento
basta vermos que em 2001 das 50 maiores empresas em termos de
valor de mercado, apenas a Exxon Mobil e Chevron eram empresas
que comercializavam produtos que podemos designar de riquezas
natural o petróleo. As restantes empresas são empresas na área de
tecnologias de informação e comunicação, farmacêutica, biotecnologia,
comunicações, que vendem produtos que estão bastante em cima na
cadeia de valor, i.e, produtos com um teor de conhecimento bastante
alto. Destas 10 empresas eram empresas de informática como a
Microsoft, IBM, Intel, Cisco, Oracle, Dell, Texas Instruments, HP
e Sun Microsystems. Mesmo com a recente crise económica, nenhuma
destas empresas está a mostrar indícios de fragilidade que indiquem a
necessidade de intervenção do estado em termos de apoio financeiro.
Para responder a terceira questão socorri-me do Livro do Harry
Stephan et al com o título “The Scramble for África in the 21st
Century”. Este livro ilustra o facto de que riquezas naturais pertencem
aquilo que ele classifica de primeira dinastia e argumenta que se elas
forem exploradas sem nenhum acréscimo de valor, que só a ciência e
tecnologia permite, eles não produzem valor suficiente para alavancar
o crescimento económico e aumentar a competitividade dos países.
Os produtos naturais, com poucas excepções, na sua forma bruta tem
196
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
muito pouco valor, mas quando são processado podem aumentar o seu
valor.
Que papel pode ter então a ciência e tecnologia?
A ciência e tecnologia pode aumentar a produtividade fazendo com que
um hectare em vez de render 100 Kg de castanha de cajú possa render
3 toneladas.
A ciência e tecnologia pode fazer com que uma país que tem cheias, no
verão e seca no inverno, possa ter água para irrigação e produzir todo
o ano.
A ciência e tecnologia pode fazer com que países com climas rigorosos
como invernos bastante frios possam produzir, por exemplo tomate,
durante todo o ano em estufas.
A ciência e tecnologia pode fazer com que as árvores de fruta em vez de
levarem 4 anos para darem fruta o façam em apenas 1 ano.
A ciência e a técnica pode permitir que cereais não sejam atacados por
pragas.
A ciência pode aumentar o aproveitamento de produtos, por exemplo,
o cajueiro facilmente e sem muita ciência nos dá o sumo, aguardente
e amêndoa. Através da ciência podemos expandir o leque de produtos
derivados do caju extraindo deste óleos, produtos químicos, aumentando
desta maneira o valor da cajú.
Porquê então a corrida para a ciência, tecnologia e inovação?
É porque a ciência transforma e aumenta o valor dos recursos, naturais
197
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
ou artificiais, fazendo com que do pouco se possa criar muito. É como se
do nada pudéssemos criar muito, como se tentássemos desafiar a Lei de
conservação de massa, vulgarmente conhecida por Lei de Lavoisier que
diz “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo transforma-se”.
A ciência pode transformar nações sem muitos recursos naturais em
potências económicas, e por outro lado, o fraco domínio ou exploração da
ciência e tecnologia explica porquê países com enormes recursos naturais
não tenham um ritmo acelerado de desenvolvimento económico.
É daqui que surge a relevância do tema apresentado pelo Orador. Este
tema tem muita relevância, especialmente neste momento em que se
acredita que o conhecimento é o recurso mais importante que o mundo
tem, o conhecimento, não sendo natural, pode ser criado por qualquer
nação. Não há indicações de que ele seja genético ou dependa do clima,
localização geográfica, raça, cor, etnia. Depende apenas do cérebro e do
esforço de transformação e adaptação que este for sujeito.
Sem pretender ser filosófico, cada um de nós quando nasce, é uma
mina potencial de conhecimento, basta sabermos investir nela para
extrairmos vários produtos preciosos. Talvez aumente a nossa autoestima saber que temos nas nossas cabeças ouro, diamante, petróleo.
O tema apresentado reveste-se ainda de maior importância sobretudo
se tivermos em conta o facto de que o Governo reconhecendo o valor
estratégico da ciência e tecnologia desenvolveu uma estratégia nacional
de ciência, tecnologia e inovação e vários instrumentos para fomentar
e valorizar a ciência e a tecnologia.
O orador aborda de forma adequada os avanços alcançados a nível
nacional em termos de criação de bases para o desenvolvimento de
Ciência, Tecnologia e Inovação, as instituições que participam no
processo de desenvolvimento e extensão tais como universidades,
198
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
centros de investigação e a necessidade de fomentar o gosto pela ciência
e tecnologia e finalmente refere-se a áreas prioritárias na estratégia
nacional de ciência e tecnologia que coincidem com as áreas prioritárias
do PARPA, nomeadamente, a saúde, agricultura, energia, águas,
pescas, recursos minerais e os assuntos transversais como tecnologias
de informação e comunicação, biotecnologia, etno-botânica, ambiente
e HIV/SIDA.
Há dois elementos muito importantes do tema apresentado que gostaria
de ressalvar:
1.Que a ciência e tecnologia é algo transversal e que todas as áreas
económicas e sociais podem ter o beneficio da ciência, tecnologia e
inovação.
2.Que a ciência e tecnologia para o seu desenvolvimento requer uma
acção deliberada e o envolvimento do Governo.
Reflexões para o debate
As áreas apresentadas como sendo prioritárias apesar de serem várias
são importantes e todas tem o potencial de poderem beneficiar da ciência,
tecnologia e inovação, eu gostaria contudo de convidar o orador a
aprofundar a sua reflexão no que diz respeito aquilo que devemos fazer
nalgumas destas áreas em termos de utilização da Ciência, Tecnologia
e Inovação para acelerar o desenvolvimento.
Gostaria também de referir que aplicação da Ciência, Tecnologia e
Inovação para o desenvolvimento, sobretudo pelo carácter transversal
da ciência e Tecnologia requer a participação de muitas áreas no
processo, por exemplo eu posso desenvolver com recurso a informática
um portal que permita vender um produto turístico, por exemplo férias
em Vilanculos.
199
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Posso permitir que o potencial turista possa ver a beleza natural do
local e fazer a reserva do hotel, mas para ele poder visitar o local,
precisa ainda de fazer a aplicação para o visto, reserva do transporte
aéreo e de superfície; o que pressupõe que a migração e as empresas do
transporte aéreo devem ser envolvidas.
Se eu não criar facilidades de ele poder completar o processo com muita
facilidade posso reduzir o valor da facilidade de reserva do hotel, que
o portal permite. Portanto, a aplicação da ciência e tecnologia para
trazer uma vantagem competitiva para o país pressupõe que todas
as áreas necessárias estejam envolvidas e avancem em bloco para
alcançar-se os resultados desejados.
Devíamos reflectir, se como país, queremos competir na produção do
conhecimento, ou queremos implementar o conhecimento já existente
para o rápido desenvolvimento dos sectores, inovando sempre que
possível e necessário.
Devemos privilegiar o desenvolvimento da ciência e tecnologia que
ajuda a resolver os nossos problemas, ou queremos desenvolver ciência
e tecnologia para exportar e sermos competitivos a nível global?
Queremos desenvolver a ciência e técnica apenas nas áreas em que
Moçambique pelo seu posicionamento geográfico, ou pelas suas
riquezas naturais tem uma vantagem competitiva? São algumas
áreas de reflexão necessárias pelo facto de que como pais não temos
muitos recursos para nos envolvermos em todas as áreas científicas e
tecnológicas.
Finalmente, gostaria de acrescentar que os países que alcançaram
avanços significativos no desenvolvimento da ciência são aqueles que
investiram fortemente na educação e investigação, que desenvolveram
estratégias para ciência, tecnologia e inovação, mas fundamentalmente
200
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
aplicaram-se de uma maneira rigorosa na implementação da
estratégia.
A ciência e a tecnologia não podem ser entendidas apenas como uma
coisa de investigadores nas Universidades ou centros de investigação,
pelo que termino por congratular a Presidência da República por incluir
um tema destes para o debate e reflexão porque o desenvolvimento é
um caminho longo e complexo e todos somos responsáveis pelo nosso
futuro.
Muito Obrigado!
201
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E
O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E
OPORTUNIDADES
Sérgio Mathe
“O que aconteceria se os governos dos países africanos, um por um,
recebessem cada um uma chamada telefónica informando que em
cinco anos as torneiras da ajuda se fechariam permanentemente?”
Dambisa Moyo em “Dead Aid: Why aid is not working in Africa and
how there is another way for Africa”, 2009
“A riqueza do mundo desenvolvido, o vasto manancial de
conhecimento científico torna o fim da pobreza até 2025 uma
possibilidade real” Jeffrey Sachs em “The end of poverty: how can we
make it happen in our life time”, 2005
Introdução e contextualização
Estes dois autores, um zambiano e outro norte-americano, são
personalidades incontornáveis nas suas áreas de investigação
e com larga experiência teórica e prática em gestão de
desenvolvimento, divergem na sua consideração sobre utilidade
da ajuda ao desenvolvimento. A autora da Zâmbia considera que
a ajuda é perniciosa e que o mal da contínua pobreza reside na
má governação dos Governos africanos e que, portanto a ajuda
deve cessar por ser parte do problema e não da solução. Por seu
turno, Sachs considerado pelo jornal The New York Times como
“provavelmente o mais importante economista do mundo” e o
“pai dos Objectivos do Desenvolvimento do Milénio (ODM/
MDGs)”, vê a solução do fim da pobreza no compromisso
reiterado do mundo rico em multiplicar os fluxos de ajuda ao
mundo em desenvolvimento daí pregando pela expressão da
vontade política dos países desenvolvidos para que a pobreza
acabe até 2025.
202
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Ainda que interessantes do ponto de vista de debate ideológico
militante, as visões expressas não nos conduzem a uma abordagem
pragmática e necessária sobre o que se passa concretamente na
“indústria da ajuda” nos países desenvolvidos e na governação
dos fluxos de ajuda nos países em desenvolvimento. Ou seja,
interessa-nos neste debate, do ponto de vista teleológico, abordar
a questão da eficácia da ajuda presentemente recebida e como
tornar os sistemas mais condutivos à sustentabilidade da ajuda,
em particular em Moçambique.
Ou por outra, consideramos mais útil desenvolver uma abordagem
normativa que preste a necessária atenção à operacionalidade
política da nossa pesquisa (e não mero exercício académico) ou
seja atribuir um carácter sistémico à sua força normativa71.
E consideramos fértil o momento para embarcarmos para
essa discussão no caso de Moçambique por quatro razões nos
contextos nacional e internacional: (i) Inequívoco compromisso
da comunidade internacional expresso na Declaração de Paris
sobre Eficácia da Ajuda (2005) e do subsequente Plano de
Acção de Accra (2008) no sentido de melhorar a qualidade da
ajuda e a torná-la mais relevante para os países parceiros; (ii)
Irreversível aumento da qualidade da interlocução entre os
parceiros de cooperação nos dois lados do espectro revelando
uma maior abertura e franqueza na abordagem dos problemas
e busca de soluções mutuamente vinculativas; (iii) compromisso
de Moçambique pela reforma e reforço das instituições públicas
envolvidas na gestão da ajuda e na boa governação de forma geral;
e (iv) forte cometimento do Governo para liderar a agenda do
desenvolvimento como parte integrante da promoção da autoestima.
71
Coerência paradigmática, congruência teórica e operacionalidade política
203
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Neste contexto, animam-nos três objectivos: o primeiro é trazer
uma contribuição empírica à discussão sobre eficácia da ajuda em
Moçambique analisando a racionalidade dos vários sistemas, o
modus operandi e dos vários intervenientes na cadeia da ajuda e as
dinâmicas entre os agentes e os intermediários da concessão da
ajuda; o segundo é oferecer uma contribuição teórica tentando
integrar questões de motivações da ajuda ao desenvolvimento,
sua gestão por diferentes actores e avaliar como a ajuda pode
atingir o telos de ser um elemento complementar na erradicação
da pobreza; o terceiro tem um manto meta-teórico uma vez que
busca iniciar uma discussão preliminar sobre como compreender
as condições que permitam que os estudos sobre eficácia da
ajuda tenham um papel mais relevante nos processos políticos
e diplomáticos ligados ao debate e praxis sobre a erradicação da
pobreza.
Em termos de considerações metodológicas, pretende-se adoptar
uma análise crítica e interpretativa que assenta numa medida de
normatividade, a força dinâmica que subjaz nesta peça analítica
que nos propomos desenvolver nos próximos capítulos.
I.DEFINIÇÃO, EVOLUÇÃO DA AJUDA PÚBLICA
AO DESENVOLVIMENTO E O CONTEXTO
MOÇAMBICANO
1.Definição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento
De acordo com a definição do Comité de Assistência ao
Desenvolvimento (CAD), organismo da Organização para a
Cooperação Económica e Desenvolvimento (OCDE), formada
em 1960 por governos dos países doadores para coordenar e
promover a sua ajuda, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD
204
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
ou Official Development Assistance – ODA - na terminologia
inglesa) consiste de fluxos providenciadas por agências oficiais
(incluindo o Estado e governos locais) ou pelas suas agências
executivas para os países em desenvolvimento e instituições
multilaterais. As transacções devem respeitar os critérios
seguintes: (i) serem administradas com o objectivo principal
de promoção do desenvolvimento económico e bem-estar dos
países em desenvolvimento, e (ii) terem um carácter concessional
e conter um elemento de donativo de no mínimo 25%.
Entretanto, a definição sofreu várias evoluções interpretativas
de forma a incluir novas realidades que se foram impondo. Por
exemplo, para tomar em conta os custos da gestão da ajuda,
a elegibilidade de mais países como beneficiários de ajuda
(em particular da Europa do Leste) após a queda do muro de
Berlim em 1989, a conversão da China, Brasil e Índia em países
considerados “doadores emergentes”; em alguns casos, não sem
controvérsia, o perdão da dívida passou a ser incluído na Ajuda
Pública ao Desenvolvimento72.
Outra questão que permanece não resolvida é a definição da
ajuda concedida pelas Organizações Não (Neo)-Governamentais
(ONGs) numa altura em que cresce a sua importância e cada vez
mais usam fundos da ajuda para financiar actividades ligadas à
publicitação das suas actividades nos seus próprios países ou por
exemplo em empréstimos em projectos de micro crédito.
Permanecem, assim, várias zonas de penumbra em relação
à definição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. De uma
simples pesquisa na internet constatamos que o termo “ajuda
externa” é usado grandemente como sinónimo de “ajuda ao
desenvolvimento” e “assistência ao desenvolvimento” enquanto
72
De 2004 para 2005, a OCDE registou um aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento de cerca de
27 biliões de Dólares) dos quais 23 biliões de Dólares (85%) constituíam perdão da dívida e não nova
ajuda.
205
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
em outros casos “ajuda externa” é definida simultaneamente como
desenvolvimento e ajuda de emergência. Outras tentativas de
definições mais oportunistas assimilam as receitas dos emigrantes
à categoria de ajuda externa. Ora, desde 1997, as remessas de
emigrantes para os países em desenvolvimento têm excedido os
fluxos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento chegando a atingir
o dobro em 2004/2005.
Para efeitos da nossa peça, adoptaremos uma definição tal como
adoptada pelo OCDE, nomeadamente ajuda ao desenvolvimento
e para emergência providenciada por doadores oficiais/públicos.
2.Evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento
Pode parecer surpreendente que até aos primórdios dos anos 70,
o tema da pobreza (sua erradicação ou alívio) não é mencionado
nos debates sobre ajuda e desenvolvimento. Pearson, uma figura
de proa na matéria, no primeiro grande Relatório sobre ajuda e
desenvolvimento, em que formula a questão “porque a ajuda?”
segue nesse diapasão73.
Porque? Uma das razões tem a ver com o facto de que, embora o
conhecimento sobre pobreza em termos gerais existisse, poucas
análises haviam sido feitas para aferir a incidência, localização,
causas da persistente pobreza ou sua superação.
Entretanto, a partir do primeiro quinquénio da década 70, por
influência de instituições como o Banco Mundial e do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os governos
dos países desenvolvidos operam um salto paradigmático na
forma como concebem a ajuda o desenvolvimento. Por exemplo,
o Governo dos Estados Unidos da América (EUA) muda
a finalidade da sua ajuda de promoção do crescimento para
a satisfação de “necessidades humanas básicas”; e em 1975,
73
Pearson, L. (1969), Partners in Development: Report of the Comission on International Development
(New York: Praeger Publishers)
206
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
o Governo do Reino Unido produz uma Política de Ajuda
denominado “A Mudança de Ênfase das Políticas de Ajuda:
Mais Ajuda para os mais Pobres”74.
É a partir da adopção deste tipo de abordagem que os Governos
passam a focalizar a sua ajuda em sectores específicos em particular
na área social (educação, saúde e água) com a finalidade de obter
um impacto mais efectivo sobre as populações.
À medida que a ajuda passa a concentrar-se sobre sectores
específicos que demandam um manancial de conhecimentos
técnicos para conceber, implementar e monitorar os respectivos
projectos começamos a assistir o despontar da “indústria da
ajuda”, em particular a proeminência da assistência técnica e do
complexo sistema de gestão da ajuda.
A euforia em relação à superioridade moral e política deste
paradigma é coroado pela adopção oficial pela Assembleia Geral
das Nações Unidas da meta de Ajuda Pública ao Desenvolvimento
em 0.7% do Rendimento Nacional Bruto a alcançar até 197575.
Entretanto, os anos 80 trazem a dura realidade do início da
tendência da diminuição da Ajuda Pública ao Desenvolvimento
em termos reais num contexto de crise económica (estagflação
= alta inflação e recessão) nos países industrializados e ascensão
do credo neoliberal (diminuição da presença do Estado na
economia, redução dos impostos directos para promover a rápida
expansão do sector privado). Isto teria como consequências,
inter alia, a entrada no léxico da ajuda e do desenvolvimento
da expressão “ajustamento estrutural” prenunciando a ascensão
do credo das condicionalidades da ajuda. Assim, os países em
desenvolvimento passam a ser “encorajados” a abrirem os seus
mercados, privatizarem os bens estatais, adoptarem um regime
74
Ministry of Overseas Development, 1975
75
APD quadruplicou de 6.8 biliões de Dólares em 1970 para 27 biliões em 1980.
207
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
comercial liberal como um quid pro quo para a recepção da
ajuda.
É neste contexto que se elabora o segundo grande Relatório
sobre ajuda e desenvolvimento publicado em 1980 pela Comissão
Independente sobre Assuntos de Desenvolvimento Internacional
(Norte-Sul: Um Programa para Sobrevivência), mais conhecido
por Relatório Brandt (seu Presidente e ex-Chanceler Alemão).
O Relatório difunde a ideia de que ajudar os pobres nos países
em desenvolvimento responde ao auto-interesse do mundo
desenvolvido. Mantendo coerência do brado de Pearson no
primeiro Relatório, Brandt apela à duplicação da Ajuda Pública
ao Desenvolvimento até 0.7% em 1985 e 1% em 1990. Nada
disto se veio a verificar e, ao contrário, a ajuda contraiu!
Perante este sinal de alarme, ressurge a partir dos anos 9076 o
debate sobre o papel da ajuda no mundo pós-Guerra Fria e o
discurso da pobreza (seu alívio) é ressuscitado. Neste contexto,
os países doadores mobilizam-se para reiterar compromissos de
aumentar os fluxos de ajuda.
O Banco Mundial, por seu turno, e respondendo ao contexto
produz em 2000, um Relatório intitulado “Atacando a Pobreza”
no qual reitera que a ajuda é necessária como contributo a uma
estratégia integrada de desenvolvimento baseada na criação de
capacidades, reforço institucional e melhoria da governação77. E,
helas, 20 anos depois, o Estado é visto como o novo credo como
elemento instrumental para o alcance destes desideratos!
76
O PNUD inicia em 1990 a produção de documento anual denominado Relatório de Desenvolvimento
Humano medindo desempenhos em matéria de desenvolvimento através de um Índice de Desenvolvimento Humano consistindo na esperança de vida, conhecimento e padrões de vida e chamando atenção
para a dimensão e complexidade da pobreza no mundo.
77
World Development Report, Washington DC, World Bank, 2000. Em 2002, avança com um Relatório
mais específico sobre ajuda intitulado A Case for Aid: Building Consensus for Development Assistance.
208
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Sem dúvida que a Cimeira das Nações Unidas realizada em
Setembro de 2000 e que adoptou a Declaração do Milénio
contendo oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
(ODM ou MDGs78 na terminologia inglesa) representa um
marco indelével para o futuro da ajuda. Os países signatários
comprometeram-se a eliminar a espectro da pobreza e em
particular reduzi-la pela metade até 2015 nos países onde as
populações vivem com menos de um dólar por dia. De forma
particular, a Declaração apela aos países desenvolvidos no sentido
de aumentarem os níveis da ajuda em particular nos países da
África Sub-Sahariana79.
A partir deste quadro político global uma série de iniciativas
foram sucessivamente sendo tomadas pelos países desenvolvidos
no sentido de materializar o compromisso de aumentar os fluxos
da ajuda. Destacam-se a realização da Conferência das Nações
Unidas sobre o Financiamento ao Desenvolvimento, realizada em
Março de 2002 em Monterrey, México a qual adoptou o “Consenso
de Monterrey”80. Neste, os países desenvolvidos comprometemse, uma vez mais, a alcançarem 0.7% da Rendimento Nacional
Bruto (RNB) para Ajuda Pública ao Desenvolvimento.
Na verdade, a Declaração foi muito modesta uma vez que apelava
meramente “aos países desenvolvidos que ainda não o tenham
feito a empreender acções concretas para atingir 0.7% do RNB
para os países em desenvolvimento”.
Já em 2005, sob iniciativa do então Primeiro-Ministro da GrãBretanha, Tony Blair, é publicado um Relatório intitulado “Nosso
78
(i) erradicação da extrema pobreza e fome; (ii) universalização da educação primária; (iii) promoção
de igualdade de género e apoderamento da mulher; (iv) redução da mortalidade infantil; (v)melhoria da
saúde materna; (vi) combate ao HIV e SIDA, malária e outras doenças; (vii) sustentabilidade ambiental
e (viii) parceria global para o desenvolvimento.
79
Documento integral no endereço www.un.or/documents/ga/docs/56/a56326.pdf
80
Documento integral no endereço www.un.org/esa/ffd/0302-finalMonterreyConsensus.pdf
209
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Futuro Comum” retomando os compromissos anteriormente
formulados e apelando especificamente para a duplicação da
Ajuda Pública ao Desenvolvimento para África de 25 para 50
biliões de Dólares por ano até 2010, e para 75 biliões por ano
até 2015.
Importante, igualmente, realçar que o Relatório refocaliza a atenção
na necessidade de aumento da qualidade da ajuda, incluindo a
responsabilização dos países recipientes. Este facto deu o mote para
a adopção da Declaração de Paris sobre Eficácia da Ajuda, sobre a
qual dedicaremos uma especial atenção no próximo capítulo.
3.Evolução da Ajuda Pública ao Desenvolvimento no contexto
moçambicano
De acordo com a Comissão para a Ajuda ao Desenvolvimento
(DAC) da OCDE, os fluxos da Ajuda Pública ao Desenvolvimento
para Moçambique em 2004, atingiram 1.2 biliões de Dólares
(23% da riqueza nacional e do 48% do Orçamento de Estado)
perfazendo um total de 10.9 biliões de Dólares entre 1995 a
200481. Deste valor cerca de 80% é constituído por donativos,
quase 50% é sob forma de alívio a dívida, ajuda à emergência e
assistência técnica. A fonte indica, igualmente, que os maiores
doadores têm sido o Banco Mundial, a Comissão Europeia e os
Estados Unidos da América com mais de 100 milhões por ano,
seguidos da Dinamarca, Reino Unido, Suécia, Noruega, Holanda
e Banco Africano de Desenvolvimento, que providenciam entre
50 a 70 milhões de Dólares por ano.
A história da ajuda ao desenvolvimento em Moçambique remonta
ao período da independência podendo-se identificar quatro
períodos, a saber:
81
OCDE database, FMI (2006)
210
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Período de desenvolvimento socialista (1975 a 1982):
Devido à sua orientação ideológica o país recebia maioritariamente
ajuda do bloco do Leste pró soviético (empréstimos de longo
prazo) e de países nórdicos (donativos) e Itália direccionados
particularmente para apoio à importações, desenvolvimento de
projectos intensivos em capital e expansão de infra-estrutura física
e social.
Período de reavaliação das prioridades e início da aproximação
com o Ocidente (1983-1987):
Neste período assiste-se a uma redefinição das prioridades e
abordagem de desenvolvimento de grandes projectos (intensivos
em capital e exigentes em pessoal tecnicamente especializado)
para projectos de pequena e média escala nas áreas rurais e na
reabilitação do parque industrial existente bem como o incentivo
ao investimento directo estrangeiro (aprovação de uma Lei de
Investimento Estrangeiro em 1985). Igualmente, grande porção
da ajuda foi canalizada para mitigação dos efeitos das calamidades
naturais e ajuda alimentar.
Presidium do Seminário
211
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A adesão de Moçambique às instituições de Bretton Woods
(Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) viabiliza a
entrada dos EUA como importante doador em Moçambique.
Período de implementação do Programa de Reabilitação
Económica e Social, PRES (1987-1992):
Neste período o rumo da ajuda ao desenvolvimento sofre uma
decisiva mudança a qual foi marcada por três dinâmicas a saber
o início da implementação do PRES, a realização da primeira
Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Calamidades
em Genebra e a queda do muro de Berlim e o desmembramento
da União Soviética.
A Ajuda Pública ao Desenvolvimento neste período passa a ter
como foco o apoio às importações e à balança de pagamentos
bem como alívio às calamidades. Definitivamente os projectos de
grande escala são “abandonados” ou passados ao capital comercial
internacional (400 mil hectares do projecto agrícola em Cabo
Delgado adjudicado à multinacional inglesa Lonrho).
Dramaticamente o apoio provindo do Leste cessa82,o fornecimento
de petróleo subsidiado da União Soviética é interrompido e os
emigrantes moçambicanos na República Democrática Alemã
(RDA) são forçados pelas circunstâncias a regressarem.
Período de repriorização das agendas dos doadores e de
reapropriação da agenda nacional de desenvolvimento (19952005):
As instituições de Bretton Woods fazem dolorosos ajustamentos
à sua “agenda ideológica fundamentalista neo-liberal”, abrindo
82
Não há dados precisos sobre o valor global da ajuda (empréstimos de longo prazo e donativos)
proveniente do Bloco do Leste mas a confrontação de dados de diferentes fontes estima em cerca de 150
milhões de Dólares por ano.
212
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
oportunidade de proeminência do Estado83 na criação de
condições para o arranque económico e o foco na agenda da luta
contra a pobreza, centrada no instrumento operacional da acção
governativa, o Programa de Acção para a Redução da Pobreza
cognominado PARPA.
Este período assiste como aludido acima a uma estabilização
e diversificação das fontes dos fluxos de Ajuda Pública ao
Desenvolvimento centradas em particular no financiamento de
infra-estrutura física e social (saúde, educação, água e saneamento),
modernização do Estado como agente de desenvolvimento,
capacitação institucional.
Estas prioridades têm sido consolidadas no período subsequente
ainda decorrente no momento em que esta peça está sendo
lavrada que assiste, outrossim, a uma ênfase na descentralização
das iniciativas de desenvolvimento local centrada no distrito,
importante passo para a passagem de um ciclo vicioso de
dependência da ajuda para um ciclo virtuoso de criação de
riqueza. O desafio situa-se, pois, na capacidade sustentada de
mobilização interna de recursos.
II.DEFINIÇÃO DA EFICÁCIA DA AJUDA E O
CONTEXTO MOÇAMBICANO
1.Definição e abordagens da Eficácia da Ajuda
Não há consenso sobre a definição do conceito de eficácia da ajuda
nem entre os teóricos nem entre os envolvidos no quotidiano da
gestão da ajuda.
83
O Governo resiste com sucesso à pressão de privatizar a terra por considerar que a sua pertença ao
Estado é um factor decisivo e instrumento político para viabilizar o combate à pobreza através do seu
uso e aproveitamento pelas populações em particular as mais pobres. In Paolo de Renzio e Joseph
Hanlon, Contested Sovereignty in Mozambique: The Dilemmas of Aid Dependence, Oxford university
College, 2007
213
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Três motivos estão por detrás desta situação: Primo, diferentes
agências e governos têm objectivos díspares e inclusivamente
contraditórios desde o apoio ao crescimento económico,
promoção dos OMDs/MDGs, passando pela reforma de
políticas e instituições, promoção de comércio até à promoção
dos direitos humanos e boa governação.
Secundo: Existem vários factores que influenciam os resultados
e indicadores de desenvolvimento e vão para além da ajuda o
que torna complexo o processo de avaliação da eficácia de cada
agência envolvida na gestão da ajuda.
Tertio: Diferentes pesquisadores propuseram uma tipologia da
eficácia da ajuda em países que apresentam alguns dos seguintes
perfis: sólidas políticas económicas84, boas políticas de transição
pós-guerra civil, em países vulneráveis a choques externos ou
em países que sofrem das consequências de baixa de preços dos
seus produtos de exportação85. Contudo, esta abordagem não
oferece grande fiabilidade uma vez que os factores propostos
podem facilmente variar e, por outro lado, a proposta tende a
sobre-responsabilizar os países receptores da ajuda e não toma
em conta as dinâmicas de gestão da ajuda nos países doadores.
Qual é a saída? Propomos uma definição que combine três
abordagens, a saber: (a) a da Declaração de Paris sobre Eficácia da
Ajuda (DPEA) ou seja avaliação do cometimento dos doadores;
(b) a da Debt Finance International (DFI) ou seja a avaliação das
percepções dos governos sobre o desempenho dos doadores; e (c)
a do modelo do Doing Business Report do Banco Mundial ou seja
a avaliação dos passos requeridos para o acesso à ajuda.
84
Burnside, G e Dollar, D (2000), Aid, Policies and Growth, American Policy Review, Setembro 2000,
90 (4)
85
Roodman, D (2004) The Anarchy of Numbers: Aid, Development, the Cross-country Empirics, Washington DC, Center for Global Development (CGD)
214
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A primeira abordagem que iremos privilegiar é da DPEA,
subscrita por 61 doadores bilaterais e multilaterais e por
representa 56 países receptores de ajuda, representa um salto
paradigmático sem precedentes de gestão da ajuda alicerçada no
conceito de uma parceria e co-responsabilidade dos doadores e
países receptores com o objectivo último de tornar a ajuda mais
eficaz.
Mais especificamente, os signatários assumem o compromisso
de alterar a forma como tem sido alocada a assistência ao
desenvolvimento em três vectores: (i) a apropriação da agenda
de desenvolvimento pelo país receptor86; (ii) o alinhamento dos
doadores com as prioridades e objectivos nacionais e sectoriais
estabelecidos pelos países parceiros e crescente utilização de
sistemas (instituições e procedimentos) nacionais de gestão
e evitando a proliferação de sistemas paralelos de gestão e
implementação87; (iii) maior coordenação e harmonização das
acções entre os doadores evitando os altos custos de transacção
para os países parceiros, que têm de lidar com uma panóplia
de doadores de uma só vez, cada um com as suas prioridades
e exigências88. Finalmente, e actuando de forma horizontal,
a DPEA traz dois elementos: (i) a mútua prestação de contas
na base do qual os doadores e os governos parceiros deverão
86
A expectativa é a de que as estratégias de desenvolvimento nacional sejam a referência e o quadro estratégico baseado na apropriação pelo país e orientado por um elenco de resultados que podem merecer o
apoio dos doadores. Isto assume, igualmente, que as instituições nacionais sejam suficientemente fortes
e eficazes e que estejam em condições de adoptar uma abordagem comum e coordenada.
87
O alinhamento dos doadores com as prioridades e procedimentos também depende da capacidade dos
países parceiros desenvolverem uma sólida e coerente estratégia de desenvolvimento alicerçada por uma
visão de longo prazo e um plano de implementação realista.
88
Um conceito muito recentemente trazido ao debate e não sem polémica é o da divisão de trabalho
entre os doadores consistindo na redução do número de doadores envolvidos no mesmo tipo de actividades no mesmo país e, assim, racionalizar o sistema de ajuda. Neste quesito a Comissão Europeia tem
estado na dianteira ao ter aprovado para os membros da União Europeia um Código de Conduta para
a orientação nesse sentido, ainda que haja alguma resistência por parte dos doadores mais importantes
como Alemanha, França, Itália. A Bélgica, por sua parte, decidiu em 2008 canalizar a sua contribuição
orçamental a Moçambique via Comissão Europeia. Os países parceiros também têm a sua quota-parte
uma vez que cabe-lhes identificar as vantagens comparativas de cada doador.
215
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
prestar contas pelos seus respectivos actos e deverão embarcar
num exercício periódico e sistemático de avaliação e monitoria
dos compromissos mutuamente assumidos, e (ii) a gestão por
resultados consistindo num exercício conjunto de gestão de
recursos para o alcance de resultados de desenvolvimento e
usando a informação disponível para melhorar o processo de
tomada de decisões89.
Em complemento, a Agenda de Acção de Accra de 2008
representa um compromisso político com acções concretas
destinadas a acelerar a implementação da DPEA como foco
no reforço da apropriação incluindo o reforço dos sistemas
nacionais e seu uso como primeira opção; parceria inclusiva
incluindo a cooperação Sul-Sul; alcance de resultados concretos
incluindo o aumento da previsibilidade e transparência da
ajuda a médio prazo permitindo aos parceiros a melhoria do
orçamento, planificação e implementação das suas estratégias
de desenvolvimento e determinar as condições que os doadores
aplicam à ajuda juntamente com os países parceiros com base
nos planos de desenvolvimento destes últimos. Não menos
importante é o compromisso acordado de contratar a assistência
técnica de acordo com a demanda dos países parceiros tendo
como objectivo o aumento da apropriação.
A segunda abordagem que consideraremos foi desenvolvida
pela Debt Finance International (DFI) que, trabalhando com os
países beneficiários da Iniciativa dos Países Pobres Altamente
Endividados (HIPC no acrónimo inglês), elaboraram um quadro
para analisar as políticas e procedimentos dos doadores. Esta
ferramenta destina-se a ser usada por governos para desenvolverem
uma classificação interna de doadores individuais de acordo
89
Aos parceiros é exigida a elaboração de relatórios orientados por resultados e quadros e de avaliação
de desempenho, enquanto os doadores é exigida a utilização destes instrumentos e não outros paralelos.
216
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
com o seu desempenho segundo uma série de indicadores para
políticas90 e para procedimentos91.
A terceira abordagem da qual colheremos subsídios foi iniciada
pelo economista Hernando Soto92 e serviu de inspiração para o
Banco Mundial desenvolver o relatório anual Doing Business
Report, que se debruça sobre o ambiente regulatório favorável à
realização de negócios e os obstáculos existentes e, desta forma,
estabelece uma classificação entre os países. Transposto para a
plataforma doadores-receptores da ajuda, podemos avaliar os
passos, etapas procedimentais que os países parceiros percorrem
até acederem à assistência financeira, ou o que rotularemos de
“custo-ajuda”.
Neste contexto e para efeitos de análise e avaliação da eficácia
da ajuda no contexto de Moçambique no próximo subcapítulo
tomaremos como referências os seguintes indicadores:
Apropriação, Alinhamento, Harmonização, Previsibilidade,
Desvinculação e Qualidade das políticas e instituições.
2.Indicadores de eficácia da ajuda em Moçambique
2.1.Harmonização
Há que constatar que registam-se progressos na área da
harmonização da assistência entre os doadores remontando ao
ano de 2001 quando um grupo de seis doadores (G-6) decide
90
Tipos, canais, previsibilidade e flexibilidade da assistência, grau de condicionalidade política e predisposição para o diálogo sobre políticas.
91
Métodos e procedimentos de desembolsos e de procurement, coordenação entre governos e doadores.
92
De Soto, H., Silva, E. e Ghibellini, M. (1986) The Other Path: The economic answer to terrorism,
New York, Basic Books. World , World Bank.
217
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
enveredar pela via da canalização de fundos da ajuda directamente
ao Orçamento Geral do Estado93.
Seis anos depois o número de doadores que envereda por esta
modalidade de assistência aumenta para 19 naquilo que constitui
o Grupo de Parceiros de Apoio Programático (PAP) ou G-1994.
Por outro lado, o financiamento concedido passa de 127 milhões
de Dólares em 2001, para 435 milhões de Dólares em 2007 e
atinge 600 milhões de Dólares em 2009, alocado substancialmente
para as áreas de educação, saúde95 e agricultura.
Não obstante os significativos progressos, algumas tendências e
dados são motivo de preocupação ou devem constituir razão para
reflexão e tomada de medidas para a sua minimização. A título
de ilustração, constatamos que em 2008, 60% da Ajuda Pública
ao Desenvolvimento foi canalizada através de projectos contra
44% em 2006, o que agrava a fragmentação da ajuda. Em 2006,
somente 36% da assistência técnica realizada pelos doadores foi
coordenada com o Governo; prevalece uma multiplicidade de
doadores actuando sem qualquer tipo de coordenação (a feliz
excepção do G-19 confirma a regra)96; Em 2005 realizaramse em Moçambique 845 novos projectos implementados e
financiados por uma plêiade de modalidades e doadores o que
coloca sérias questões em relação aos altos custos de transacção
93
Apoio Directo ao Orçamento é uma modalidade de ajuda programática na qual os fundos são
providenciados para apoiar um programa do governo que foca aspectos específicos como crescimento,
redução da pobreza, ajustamento fiscal, reforço das instituições. Estes fundos são também canalizados
directamente ao departamento governamental encarregue de gestão orçamental/tesouraria para serem
utilizados de acordo com os seus próprios sistemas de gestão financeira, procurement e prestação de
contas. O Apoio Directo ao Orçamento pode tomar a forma de contribuição geral ao orçamento Geral do
Estado ou pode ser alocado a um sector específico.
94
Alemanha, Áustria, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Mundial, Bélgica, Canadá, Comissão
Europeia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Noruega, Portugal, Reino
Unido, Suécia e Suíça.
95
Nestes sectores, os fundos são utilizados para apoiar a provisão de educação básica e cuidados de
saúde primária ligados à implementação dos ODMs/MDGs.
96
A estimativa indica 295 ONGs internacionais, 12 doadores multilaterais, 19 PAPs, Estados Unidos,
Japão, Índia, Brasil, Líbia, etc..
218
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
incorridos pelo Governo, a pressão sobre a capacidade
institucional instalada nas instituições governamentais97, a
fuga de cérebros para actividades com carácter de projecto, e a
questão de fundo sobre a mais-valia de cada projecto no esforço
de erradicação da pobreza.
São compreensíveis os argumentos de certas correntes que
argúem sobre a necessidade do Governo manter abertas várias
modalidades e canais de assistência para minimizarem os efeitos
negativos de uma eventual disrupção ou interrupção dos fluxos
da ajuda numa certa modalidade98 e, por outro lado, os sectores
preferem ter um controlo autónomo na gestão dos recursos
atribuídos. Outrossim, e em defesa dos doadores, argumentase que diferentes tipos de intervenção exigem igualmente uma
diversidade de modalidade de alocação de ajuda. Obviamente
que isto oculta as legítimas preocupações de cada doador em
manter visível a sua “bandeira” e responder ao seu eleitorado
nacional.
Contudo, consideramos que a manter-se esta tendência estará
longe de ser atingido o compromisso selado em Paris e reiterado
em Accra de reforçar a coordenação e harmonização da ajuda.
O desafio para os doadores e os governos parceiros é pois de,
nas consultas políticas com os PAP e não só, reforçar a ênfase
na discussão das políticas, estratégias de longo prazo e não
somente nos procedimentos. E quiçá, à semelhança do que
dispõe a Tanzania, avançar para um arranjo de programação
conjunta das estratégias de desenvolvimento e formas de seu
financiamento de forma a racionalizar e optimizar os recursos.
97
Dados de 2005 indicam que 10.453 missões de avaliação/monitoria/informação foram realizadas pelos
doadores em 34 países receptores de ajuda, incluindo Moçambique. As instituições relevantes em relação
à gestão dos mecanismos com os doadores são os Ministérios da Planificação e Desenvolvimento, o das
Finanças e o dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.
98
O apoio directo ao orçamento é particularmente vulnerável no caso de registar-se uma deterioração nas
relações políticas entre os parceiros, o que põe em risco o apoio orçamental como um instrumento de
longo prazo. Exemplos mais recentes em outras latitudes aconteceram no Uganda e Etiópia.
219
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
1.2. Previsibilidade
Na consideração da questão da previsibilidade da alocação
de fundos enfatizaremos três dimensões que se reforçam
mutuamente para o alcance do desejado resultado eficaz da
ajuda: necessidade de compromissos multianuais; compromissos
atempados e desembolsos atempados.
Em relação ao anúncio de compromissos multianuais assumidos
pelos doadores nota-se que somente 28% destes dão uma
indicação temporal de três anos. A Comissão Europeia, ao adoptar
a modalidade de apoio directo ao Orçamento via o chamado
“Contrato OMDs/MDGs”99 estabelece um compromisso
indicativo num horizonte temporal de seis anos.
Urge, pois, a necessidade de aumento de doadores dentro e fora
do G-19 que se disponham a trabalhar na base de compromissos
indicativos multianuais se se pretende incrementar a
previsibilidade da ajuda.
No que tange aos compromissos realizados atempadamente, o
grande problema é a discrepância de datas entre o momento em
que o Governo leva o Orçamento à aprovação pela Assembleia
da República e o momento em que os doadores confirmam os
compromissos em relação à tranche variável do apoio directo
ao Orçamento que depende de certos indicadores que só são
aferidos no momento ou após o Governo submeter o Orçamento
à aprovação parlamentar.
Eventualmente o Governo deverá refinar os mecanismos de
“alerta prévio” que permitam avaliar a eventualidade dos doadores
99
O Governo de Moçambique acordou com a Comissão Europeia em 2009 a introdução desta modalidade na base da qual, em contrapartida ao compromisso do governo em estabelecer indicadores de
realizações nas áreas sociais em particular educação e saúde consentâneos com os ODMs/MDGs, bem
como contínua melhoria na gestão das finanças públicas e estabilidade macroeconómica, a Comissão
acorda em indicar a alocação de 313 milhões de Euros para os próximos seis anos.
220
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
não anunciarem os compromissos de forma atempada e, assim,
agir com vista a lidar com esse facto adverso na formulação e
apresentação do Orçamento Geral do Estado.
No que diz respeito aos desembolsos atempados100 regista-se
com preocupação a persistência de morosidade porquanto tal
provoca ruídos no clima de confiança existente entre o Governo
e os doadores, enfraquece o orçamento como instrumento eficaz
de formulação de políticas nacionais e representa um potencial
impacto negativo na implementação dos programas e projectos e, no
momento actual de crise financeira, a viabilidade e sustentabilidade
do Estado obter empréstimos domésticos é questionável.
É instrutivo que aqui os doadores reconhecem que o Governo tem
dado mostras de que ao esforçar-se por cumprir a sua parte da
questão da apropriação, espera que os doadores igualmente ajam em
conformidade. Por outro lado, há que reconhecer que os doadores
confrontam-se com complexos sistemas de gestão da ajuda e
nem sempre a vontade política suplanta a barreira burocráticoadministrativa ou outras considerações de índole política ao nível
das suas respectivas capitais em particular junto aos parlamentos.
Participantes do Seminário
100
Destacam-se como doadores que antecipam os desembolsos a Finlândia, França, Irlanda, Itália,
Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, Reino Unido. Outros mais manifestaram intenção em integrarem este
grupo.
221
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Não se exclui a pressão de forças menos favoráveis ao ajuda ao
desenvolvimento nos países doadores que face à crise financeira
e à considerações de alegada má governação nos países receptores
de ajuda têm ensaiado acções de reavaliação ou questionamento
da mais valia da ajuda.
A Moçambique caberá persistir na melhoria crescente da
fidelidade e transparência da formulação, execução e monitorização
do orçamento e redobrar os esforços no sentido cumprir os
compromissos assumidos.
3.Desvinculação101
O progresso no compromisso da desvinculação é francamente
insatisfatório e registam-se ainda resistências por parte de alguns
doadores. Basta referirmos os seguintes dados: A ajuda vinculada
persiste e tem aumentado o custo operacional em cerca de
30%, segundo a OCDE; em 2006 Moçambique despendeu em
média cerca de 350 milhões de Dólares em assistência técnica102,
o equivalente a cinco vezes mais o salário anual de 100 mil
funcionários públicos, segundo a OXFAM; somente um terço
dos projectos de assistência técnica da União Europeia atingiu
ou têm o potencial de atingir os objectivos pretendidos, segundo
um Relatório do Tribunal de Auditores da União Europeia.
Aqui, o progresso depende da medida em que os doadores
assumirão que somente através de um apoio sustentável na
criação de capacidades, na transferência de tecnologias é que os
países receptores sairão da armadilha da pobreza e assumirão
uma parceria mais inclusiva e mutuamente vantajosa.
101
Vinculação da ajuda ocorre quando os países doadores estabelecem como condição para a ajuda a
compra pelos receptores da ajuda de bens e serviços dos países doadores. A título de exemplo, a percentagem de ajuda vinculada é de 69% para a Itália e 57% para os EUA (Roodman, David, (2007) “An
Index of Donor Performance”, Center for Global Development.
102
A assistência técnica a Moçambique representa em média 15% do total da ajuda e diz respeito ao uso
do dinheiro da ajuda para o pagamento de consultores, acções de formação ou pesquisa no país.
222
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Uma última palavra sobre a questão da transparência, elemento
importante da harmonização e da mútua prestação de contas é o
exemplo positivo da existência de base de dados online sobre os
fluxos de ajuda a Moçambique103. Este instrumento, financiado
pela Comissão Europeia, Holanda e Nações Unidas, permite
determinar o ponto de situação das intervenções dos doadores
em sectores, montantes e localização geográfica.
É, igualmente, positiva a criação em 2006 do Comité de Gestão
da Base de Dados juntando doadores e ministérios e o facto da
Comissão Europeia financiar acções de capacitação técnica para
a gestão da base de dados.
Entretanto, ainda se impõe desafios como seja a questão da
apropriação (depende da informação fidedigna transmitida pelos
doadores), ainda é limitativa em termos de doadores envolvidos
(exclui a China e o Brasil, por exemplo) e há o risco de dupla
contabilização quando os doadores optam pela implementação de
projectos através das Nações Unidas bem como a contabilização
da ajuda fora do orçamento (como a assistência técnica).
À GUISA DE CONCLUSÃO: Consolidando uma Política
de Cooperação para o Desenvolvimento e de apropriação da
ajuda
Embora seja reconhecido que, em termos gerais, a qualidade da
ajuda em Moçambique tem melhorado, uma das questões mais
críticas com que a agenda da eficácia da ajuda se confronta em
Moçambique, e que se encontra no espírito desta peça que chega
à sua derradeira conclusão, é como transformar o conceito de
apropriação numa realidade concreta.
103
Website:www.odamoz.org.mz,
223
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Assim, é imperativo o redobrar de esforços no sentido da
liderança e apropriação do Governo em particular na questão
da harmonização e alinhamento da ajuda evitando que sejam
orientados pelos doadores daí a urgência de uma sólida e
implementável política de cooperação.
Em termos gerais recomendamos os seguintes eixos de acção:
•
Assegurar que a política de cooperação esteja horizontalizada
no Governo evitando-se uma compartimentalização
e buscando-se promover sinergias, maior coordenação
e harmonização nas dimensões política e técnicoinstitucionais;
•
Avaliar o grau alinhamento da Política de Cooperação com o
PARPA e as estratégias sectoriais (Planos Estratégicos);
•
Buscar continuamente Incentivar os doadores relutantes ou
incapazes de assumir a necessidade de adaptação ao novo
paradigma da ajuda ao desenvolvimento através de sinais e
acções exemplares do Governo;
•
Assegurar uma mais forte liderança do Governo na
capacitação institucional para gestão da ajuda.
•
Mais especificamente e no contexto da formulação e
implementação da Política de Cooperação, recomenda-se:
Estabelecer objectivos claros a alcançar no capítulo da
eficácia da ajuda em linha com a Declaração Paris/Plano
de Acção de Accra que incluam, inter alia, (i) abordagem
holística com a inclusão de todas as formas de assistência; (ii)
estabelecimento das preferências do Governo em termos de
modalidades (Apoio Orçamental, Apoio sectorial, Projectos);
(iv) contabilização de todo a ajuda no Orçamento e no Plano;
(v) crescente uso sistemas do Governo no encaminhamento
da ajuda; (vi) encorajamento criação de fundos comuns e
cooperação delegada;
224
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
Clara definição da divisão de responsabilidades e
horizontalidades ao nível do Governo entre os Ministérios da
Planificação e Desenvolvimento; dos Negócios Estrangeiros
e Cooperação; das Finanças, bem como a coordenação a nível
provincial ;
•
Maior reforço dos sistemas de planificação, orçamentação e
de gestão da ajuda;
•
Detalhado o plano de acção, implementação e monitoria de
resultados.
EFICÁCIA DA AJUDA AO DESENVOLVIMENTO E
O CONTEXTO DE MOÇAMBIQUE: DESAFIOS E
OPORTUNIDADES
(Comentário ao texto de Sérgio Mathe)
Belmiro Rodolfo
Muito obrigado senhor moderador. Com a permissão de Sua
Excelência o Presidente da República gostaria de felicitar o Gabinete
de Estudos pela escolha do tema, dada a sua importância e actualidade
no quadro das reflexões que se impõe na abordagem das políticas e
estratégias de desenvolvimento de Moçambique. As minhas felicitações
são extensivas ao Dr. Sérgio Mathe que, de forma didáctica soube
apresentar as questões e os aspectos mais relevantes do debate actual
em torno das questões de ajuda ao desenvolvimento em geral – e
Moçambique em particular – no âmbito da prossecução dos Objectivos
de Desenvolvimento do Milénio, por um lado, e do Plano de Acção da
Redução da Pobreza Absoluta em Moçambique, por outro.
Tenho consciência da pressão da questão do tempo, e vou tentar ser o
mais sucinto possível. É verdade que muito já foi dito e muito ficará
225
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
ainda por dizer durante o debate geral, mas ocorre-me aqui fazer
algumas observações pontuais:
A primeira tem a ver com o facto de na apresentação, o Sérgio falava
da existência de condições favoráveis . E nesse aspecto ele sublinhou
a existência de um legado de interacção aberta e franca. Eu tenho
aqui as minhas dúvidas. Digo isso porquê? É preciso nós fazermos
um enquadramento no tempo. É preciso ver aqui o relacionamento
entre os parceiros de cooperação e Moçambique, antes do ano 2000
– com Monterrey, a Declaração de Roma – e depois em 2003
com a Declaração de Paris, etc. havia algum cepticismo, algumas
dúvidas em relação aquilo que eram os verdadeiros objectivos
da ajuda de parte a parte. Eu explico-me porquê. Vamos tomar
como exemplo a questão da ajuda vinculada. A ajuda vinculada
levantava o questionamento se o objectivo era de facto promover o
desenvolvimento do país receptor ou simultaneamente promover a
manutenção do desenvolvimento dos países desenvolvidos. Porquê?
Porque se nós quisermos analisar isto numa perspectiva de eficácia,
devia ser dado ao país receptor a possibilidade de, por exemplo,
adquirir por exemplo bens de capital no âmbito da implementação
de projectos e programas no mercado onde fosse mais competitivo.
Mas a vinculação da ajuda, ou o gasto de uma determinada
percentagem no país doador não lhe permitia fazer isso. E mais do
que isso, é que esta vinculação estendia-se para uma fase posterior,
mesmo quando não havia disponibilidade de financiamento em
condições concessionais pelo doador. Porquê? Há necessidade de
manutenção, por exemplo, dos equipamentos, dos sobressalentes, etc.
e eles deviam ser adquiridos obviamente no mercado que forneceu
esse equipamento. Este é um exemplo.
O outro aspecto que era importante realçar ainda ligado a esta
questão da vinculação da ajuda é que, por essa via os países
doadores conseguiam criar mercado para alguns produtos seus não
competitivos. Então, a questão que se levanta é: o interesse primário
226
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
era efectivamente o desenvolvimento do receptor ou então aquilo
que era o interesse primário de criação de mercado do país doador?
Falou também, o Dr. Sérgio, da confiança – a existência da confiança e
respeito mútuo. Mais uma vez eu gostaria de questionar esta constatação,
porque a existência dos off budget’s, isto é, o financiamento externo
principalmente a projectos e programas fora do sistema orçamental do
Estado, para mim é indiciador da existência de alguma desconfiança
por parte do doador, pela forma como os fundos eram geridos. Então,
havendo essa desconfiança, nós colocamos o questionamento se
efectivamente podemos dar como um facto a constatação de que existia
confiança e respeito mútuos e isto abre campo para a eficácia da ajuda
externa nos nossos respectivos países.
A eficácia da ajuda é medida no contexto da correlação entre a
ajuda e o crescimento económico. É verdade que conhecendo que o
Dr. Sérgio não é economista e a sua abordagem não se podia esperar
nessa perspectiva, mas é verdade que quando a gente fala de eficácia
podemos falar deste tipo de correlação: ajuda canalizada, o crescimento
económico que podemos ver – porque uma das motivações da ajuda bom se olharmos para aquele argumento do tog up model??, a gente
fala de suprir o défice de poupança interna e por outro lado, resolver o
problema da escassez de divisas e essas divisas são adquiridas pela via
do incremento das nossas exportações. Uma das análises que melhor
podia nos elucidar isso seria esta correlação: até que ponto a ajuda ao
desempenho da economia permitiu níveis de exportação cada vez mais
crescentes? Não havendo isso, alguns elementos, para todos os efeitos,
podem ser trazidos aqui para consideração nessa análise. Por exemplo,
tendo como referência os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
– para se contornar eventuais controvérsias na definição do conceito
desenvolvimento – os progressos ou a falta de progresso alcançados
em direcção ao alcance das metas dos ODM’s revelam-se, de algum
modo, indicadores e elementos de avaliação da eficácia da ajuda a
Moçambique. Neste contexto, a monitoria e avaliação do PARPA
227
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
– porque harmonizados com os Objectivos de Desenvolvimento do
Milénio – constituem a base deste exercício.
Sendo assim, se olharmos para as constatações de alguns estudos
realizados – como por exemplo o Relatório de Desenvolvimento
Humano de 2005 sobre os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
– e os relatórios de progresso em direcção às metas do Milénio, nós
constatamos que uma das grandes deficiências que nós temos é na
componente estatística. E aqui, quando nós pegamos em quatro
elementos como a recolha de dados, acompanhamento estatístico, análise
estatística e acima de tudo, a integração das estatísticas na política de
desenvolvimento constatamos que há um grande défice. Com base nesse
pressuposto, uma das conclusões óbvias é que há alguma dificuldade
por aqui em nós também podermos avaliar efectivamente aquilo que é
a eficácia da ajuda ao desenvolvimento em Moçambique.
Uma outra componente que o Dr. Sérgio falou de leve e que é importante
referir, é a questão da escolha de tecnologias – portanto, transferência
de tecnologias vis a vis escolha de tecnologias – porque é importante, e
eu volto a tocar nesta questão da desvinculação a que já fiz referência,
é que se nós queremos tornar a ajuda eficaz, nós temos que recorrer
a investimentos em tecnologias eventualmente menos dependentes,
ou o que a gente chamaria de autonomia sistémica. O que é que isso
quer dizer? É que quando a ajuda é vinculada, nós não temos essa
opção de escolha. Eu vou dar um exemplo. Bom, não sou técnico de
construção, tenho algumas dificuldades mas vamos imaginar um
investimento numa indústria em Moçambique, que existe também
na Europa, existe nos Estados Unidos e existe também na Ásia. E em
alguns casos, a nossa realidade aproxima-se mais a alguns casos da
realidade asiática, mas nós somos obrigados a adquirir na Europa.
Então, o que é que isto resulta? É que muitas vezes a curto prazo
pode ter os seus efeitos positivos, mas a médio e longo prazo tem os
seus efeitos negativos, precisamente porque é uma tecnologia que se
revela desajustada à nossa realidade. E por conseguinte, os outputs daí
228
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
resultantes a médio e a longo prazo são reduzidos dada a paralisação.
Um outro aspecto importante – vou ser bastante rápido – tem a ver com
esta questão do Consenso de Washington e a eficácia da ajuda. Mas,
talvez antes disso farei referência apenas à capacidade de absorção
da ajuda em Moçambique. O que se constata é que muitas vezes há
dificuldade de absorver toda a ajuda que é canalizada ao país. Bom, há
uma série de argumentos que são usados: uns é falta de capacidade de
gestão; outros, até o moderador fez referência deles aqui quando dizia
excesso de burocracia, e outros ainda tem a ver em alguns casos com o
facto de os técnicos envolvidos na gestão dos fundos disponibilizados
pela via da ajuda, não se terem identificado com a agenda para a qual
a ajuda é canalizada. Então, existe um certo desinteresse por parte dos
técnicos porque eles assumem que realmente a agenda, não é agenda
nacional e é sim imposição do doador. Isso acaba se reflectindo naquilo
que é a capacidade de absorção da ajuda.
Consenso de Washington versus Eficácia da Ajuda. É preciso nesta
discussão – e eu retive nesta discussão a intervenção do Dr. Sérgio
quando ele dizia que mais que discutir procedimentos, é preciso discutir
as políticas e as estratégias. Aqui, eu talvez faça uma provocação aos
economistas aqui presentes que é a questão do quadro macroeconómico.
É que se a gente olha para o Consenso de Washington ressalta-nos
à primeira vista a inflação de um dígito, défice fiscal reduzido – o
ideal na casa dos dois porcento, etc., etc.. Isto tem implicações naquilo
que são os gastos públicos que são feitos e limita de alguma forma
os níveis de investimento necessários para se atingir certas metas
de desenvolvimento, neste caso concreto definidas nos Objectivos de
Desenvolvimento do Milénio, porque requer níveis de investimento
– por exemplo no sector da saúde – bastante elevados mas não tanto
quanto os países doadores estão dispostos a financiar. Mas é esta a
limitação do quadro macroeconómico. A grande questão que se coloca
é: será que a curto prazo não é muito mais salutar pensar numa
inflação, vamos lá dizer, moderada na casa dos 12% por aí, o défice
229
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
fiscal relativamente alto, mas não muito alto a curto prazo, por forma
a que a gente possa fazer os investimentos necessários para atingir
essas metas de desenvolvimento e a médio e longo prazo podermos
beneficiar do retorno do investimento que nós fazemos tanto nos
sectores da educação e da saúde, particularmente, na formação do
capital humano.
E, para finalizar, gostaria de dizer que esta questão da apropriação é
uma questão bonita quando a já é um processo em curso a apropriação
das políticas nacionais, os doadores acima de tudo respondem a aquilo
que é a nossa agenda nacional, mas há vezes que quando a gente avalia
os documentos da revisão conjunta dos encontros entre o governo e
os doadores, constata-se que alguns indicadores provavelmente estão
lá colocados por pressão do doador, e muitas vezes somos forçados a
aceitá-los. Por exemplo, no sector da justiça, fala-se de não sei quantos
casos julgados anualmente e nós somos forçados desde a formação do
número de juízes anualmente, etc. etc. poder responder, mas esquece-se
que não é somente o investimento na formação dos juízes mas também
o investimento infraestrutural. Podemos ter muitos juízes formados e
não termos a nível distrital ou da localidade uma sala decente para
fazer julgamento, ou que permita fazer tantos julgamentos quando
nós tivermos que colocar lá um número bastante significativo. O que
acontece é que somos forçados a aceitar alguns indicadores que quando
é feita a revisão conjunta é nos apontado o facto de – enquanto governo
– não ter alcançado. As interpretações são variáveis, principalmente
quando nós tocamos neste sector bastante sensível e bastante controverso
que é o da justiça que é: é uma questão de corrupção; são questões de
compromisso e falta de vontade política para fazer a justiça andar no
país. Mas, se tivermos o cuidado de, no quadro daquilo que deve ser a
apropriação da nossa agenda nacional, definir metas realistas; fazer
uma projecção a médio e longo prazo, provavelmente estas questões
possam ser evitáveis. Muito obrigado.
230
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO PARA
O DESENVOLVIMENTO:
REFLEXÃO SOBRE ALGUMAS QUESTÕES
CRÍTICAS
Narciso Matos
NOTA PRÉVIA
As notas que resultaram neste artigo foram preparadas para
uma apresentação no Gabinete de Estudos da Presidência da
República, como introdução para um debate envolvendo os
mais altos dirigentes da Nação, do Ministério de Educação e
Cultura e de escolas dos níveis primário ao superior, professores,
estudantes e numerosos estudiosos, envolvidos e interessados na
problemática da educação em Moçambique. Para o autor, foi uma
grande honra e um privilégio singular ser convidado a apresentar
o tema a tão selecta assembleia, pelo que expressa aqui os mais
sinceros agradecimentos à Directora do Gabinete de Estudos, a
Dr.ª Arlete Matola, e seus colaboradores. Ficam também aqui
expressos os mais sinceros agradecimentos a S. Excia o Ministro da
Educação e Cultura, Dr. Aires B. Aly, bem como a outros directores
e dirigentes a outros níveis do MEC que, tal como os directores
de escolas, professores e académicos consultados, responderam
prontamente aos pedidos de informação e partilharam sem
reservas as suas opiniões sobre o sistema de educação. Embora
estejam reflectidas neste
artigo os pontos de vista
de numerosas pessoas
identificadas no anexo,
as ideias formuladas e
apresentadas aqui são da
inteira responsabilidade
do autor. Por isso mesmo,
essas ideias e informações,
Intervenção de Narciso Matos
231
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
embora identificadas no texto em itálico, não são explicitamente
atribuídas a quem as exprimiu. O artigo poderá conter alguns
números e alguns factos incorrectos, cuja responsabilidade é
também exclusivamente do autor. O autor está convicto de
que, tais possíveis imprecisões, de modo nenhum afectam as
conclusões e recomendações que apresenta. Quisera o autor
dispôr de tempo para verificar todos os dados e todos os factos
que usou, mas os prazos para apresentação pública e publicação
em livro, infelizmente, não permitem pesquisa mais rigorosa. A
todos os que ajudaram neste trabalho, muito obrigado.
O IMPACTO DA EDUCAÇÃO SOBRE
DESENVOLVIMENTO E BEM-ESTAR104
O
O impacto da educação sobre a redução da pobreza absoluta
Hoje, poucas pessoas ou instituições questionam abertamente
a importância fundamental da educação como factor de
desenvolvimento das sociedades e do bem-estar das famílias e de
pessoas singulares. E, após períodos em que se negligenciaram
alguns subsistemas constituintes dum sistema completo
e integrado de educação, aceita-se hoje e está firmemente
estabelecido e demonstrado que todos os subsistemas e todas as
formas de educação são imprescindíveis. Num estudo realizado
na Serra Leoa, em 2003, verificou-se por exemplo que, a medida
que aumenta o nível de escolaridade da chefe de família, já que no
caso estudado as famílias eram chefiadas por mulheres, diminuía
a percentagem de famílias vivendo abaixo do nível de pobreza
absoluta, calculado como menos de 1 dólar por dia. Assim,
registou-se um índice de 72% de famílias absolutamente pobres,
quando a chefe de família era analfabeta. O índice baixou para
104
Os dados usados nesta secção provem dum relatório sobre financiamento da educação em vários
países incluindo Moçambique, Gana, Serra Leoa, publicado pela Action Aid, em 2008
232
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
57% para famílias cuja chefe havia concluído o ensino primário,
e para 28% quando ela havia concluído o ensino secundário.
O impacto da educação na produtividade agrícola e noutros
sectores
No Gana, no mesmo ano, estudou-se o impacto do acréscimo
de 1 ano de escolaridade sobre a produtividade do trabalho,
concluindo-se que, na agricultura, se observava um incremento
de produtividade variando entre 1% a 3%, enquanto que, noutros
sectores de actividade, o incremento era maior e variava entre 6%
e 11%.
Impacto do investimento na educação sobre o Produto Interno
Bruto
O Fundo Monetário Internacional revela que, estudos realizados
em vários países, indicam que um aumento de 1% do Produto
Interno Bruto investido na educação resulta, em média, num
aumento do acesso à educação correspondente a 3 anos mais de
escolarização, o que, por sua vez, promove um aumento do PIB
da ordem de 1,4%.
Impacto da educação da mulher sobre o bem-estar da família
Em boa verdade, estes resultados não são surpreendentes, são
até intuitivos. É sabido que a educação, sobretudo da mulher,
promove o acesso à escola e o sucesso escolar dos filhos. Que
quanto maior for o seu nível educacional, melhor se tornam o
planeamento familiar e o recurso aos cuidados pré-natais, reduzse o número de filhos por família, aumentam as taxas de vacinação
dos filhos, diminuem a mortalidade materna e infantil, reduzemse os casos de doenças diarreicas e outras doenças resultantes
da utilização de água imprópria para consumo ou da falta de
233
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
saneamento do meio e, de um modo geral, reduz-se o sofrimento
provocado por doenças endémicas e evitáveis. Com a educação,
sobretudo da mãe, aumenta a produtividade agrícola, melhora a
dieta alimentar, melhora o bem-estar geral da família.
A EXPANSÃO DO ACESSO A EDUCAÇÃO105
A educação avançou em passos muito largos desde 1975,
particularmente na última década, sobretudo o EP1 e o EP2
O acesso à educação, especialmente o acesso ao ensino primário
do primeiro grau (EP1), e em menor grau, ao ensino primário de
segundo grau (EP2), melhorou significativamente. Por exemplo,
nos últimos cinco anos, o EP1 passou de cerca de 3.5 milhões de
crianças em 2005 (46% de raparigas), para uma previsão de cerca
de 4.4 milhões em 2010. O EP2 passou, no mesmo período, de
cerca de 554 mil crianças (41% de raparigas), para 1.1 milhões. O
número de escolas de EP1 e EP2 passou de 6.500 em 1999, para
9.500 em 2005. No ensino primário, atingiu-se quase paridade
no acesso de rapazes e raparigas, embora persistam diferenças na
taxas de conclusão.
A taxa de escolarização, que era de 82% para EP1 e EP2 em
2005, deverá melhorar para 97% em 2010. A taxa de conclusão
de ciclo, que era de 33%, deverá melhorar para 69%. A meta
seguinte é fazer com que todas as escolas de EP1 possam dar o
ciclo completo da 1ª a 5ª classes. Ao mesmo tempo, constroem-se
salas de aulas e formam-se professores em ritmo acelerado para
se eliminarem as multiclasses e o 3º turno, este último era de 7%
em 2005, e reduzir o número de alunos por turma que era de 90:1
105
Os dados usados nesta secção provém do Plano Estratégico de Educação e Cultura 2006 – 2010/11,
aprovado pelo Conselho de Ministros, em 13 de Junho de 2006.
234
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
em 2005, passando para 78:1 em 2010. A norma recomendada
para um ensino primário eficiente é de um máximo de 40:1.
O ensino secundário está em processo de revisão para dar mais
habilidades de saber fazer aos estudantes
No ensino secundário testemunha-se igualmente uma expansão
rápida, acompanhada por uma reforma curricular para tornar
o ensino mais profissionalizante e conferir aos estudantes
habilidades de “saber fazer”. O Ensino Secundário de Primeiro
Grau, ESG1, vai passar de cerca de 358 mil estudantes em 2005
(42% raparigas), para cerca de 987 mil estudantes (44% raparigas)
em 2010. O ESG2 vai passar, no mesmo período, de cerca de 54
mil estudantes (39% raparigas), para 228 mil estudantes (42%
raparigas) em 2010. Como no ensino primário, vão construirse cerca de 5300 novas salas de aula para o ESG1, e 1600 para
o ESG2. Debate-se a construção de escolas mais pequenas e
mais próximas das comunidades, por forma a eliminar-se uma
das barreiras ao acesso e factor de desistências, especialmente de
raparigas.
O ensino técnico profissional e o ensino superior estão em
expansão e reestruturação
O ensino técnico e profissional, com 77 escolas, está desde 2005
a ser reformado para responder às necessidades do mercado de
trabalho. O ensino superior passou de 3 instituições situadas nas
principais cidades e cerca de 10 mil estudantes em 1995, para
abranger todas as províncias, com cerca de 36 instituições, e mais
de 74 mil estudantes (cerca de 30% mulheres). No dizer de um
dirigente escolar “o país é uma escola gigante, com gente a estudar
de dia e de noite”. Outro dirigente dizia, “hoje as províncias exigem
ensino superior, os distritos exigem escolas secundárias, ensino até a
12ª classe e até escolas técnicas e profissionais”.
235
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
OS GRANDES DESAFIOS
Questões Críticas ao Nível do Sistema de Nacional de
Educação
O Nível Macro
Dar à educação uma referência explícita a um modelo de
desenvolvimento do País
A referência implícita, articulada e repetida acerca do
desenvolvimento do país é “combater a pobreza absoluta”. Com
esta formulação, torna-se claro o que há que eliminar, mas não é
tão claro o que se quer edificar, nem mesmo os recursos humanos
e outros que tal projecto vai requerer. Mesmo assim, cada sector
de actividade, como seja a educação, é compelido a traduzir essa
visão geral sobre o desenvolvimento do país no que esse sector
deve fazer. Actualmente, não há uma visão completa e integrada
da educação infantil até ao ensino superior e pós-universitário,
uma visão que defina o que se quer e o que se planeia edificar como
sistema nacional de educação, contando com os meios disponíveis
ou os meios que é realisticamente possível mobilizar.
Repensar a estrutura actual que junta todo o sistema de
educação com a cultura, e separa a gestão do ensino superior
da gestão da ciência e tecnologia
Os ensinos primário e secundário constituem um sistema tão
vasto, complexo e ainda em crescimento, com mais de 12 mil
escolas, 6 milhões de estudantes e 12 mil professores, que talvez
mereçam a atenção completa e não dividida de uma instituição
com a autonomia e os poderes equiparáveis a um ministério.
Mesmo a construção ou renovação de salas de aula e a formação
ou reciclagem de professores, directores de escolas e outros
236
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dirigentes escolares, são por si só tarefas gigantescas. Ao mesmo
tempo, o ensino técnico e profissional, o ensino superior e a
investigação estão igualmente em expansão e reformulação. Na
estrutura actual, é natural que estes subsistemas sejam preteridos
a favor das exigências e da pressão contínua, especialmente do
EP1 e EP2.
Repensar a possibilidade de reunificar a direcção do ensino
superior com a da ciência e tecnologia
Por outro lado, a separação do ensino superior sob a direcção
do Ministério da Educação e Cultura (MEC) por um lado, da
ciência e tecnologia, sob direcção do Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT) por outro, é prejudicial, dado que grande
parte dos investigadores e dos seus meios para investigação
trabalham nas instituições de ensino superior. Quer dizer, o MEC
é responsável pelo funcionamento das instituições de ensino
superior, e o MCT é responsável pela actividade científica que
decorre nestas instituições. Sabidamente, ensino e investigação
devem ser inseparáveis para se assegurar uma educação ajustada
às necessidades e realidade do país.
Cultura é uma área tão diversa e tão presente em todas as
esferas da vida que não cabe no MEC e merece outro espaço
institucional
Finalmente, coloca-se a questão da gestão, pelo Estado, da
Cultura. Filosoficamente, compreende-se e não se pode
argumentar contra a junção de educação e cultura sob um mesmo
ministério. Veja-se por exemplo a questão da língua de ensino,
uma questão eminentemente política e cultural. Ou a questão
do conteúdo local do currículo escolar, cuja dimensão cultural
é também inolvidável. No entanto, a combinação de educação
237
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
e cultura sob um ministério já com uma missão tão vasta, com
responsabilidades sobre todo o sistema de educação, merece
ser repensada. Na actual concepção, alguma coisa está a ficar
prejudicada. No dizer de um dirigente “este foi o quinquénio da
cultura”.
Num possível cenário, embora não o único pensável, os ensinos
primário e secundário e a cultura poderiam ser melhor dirigidos,
atendidos e servidos por um ministério que se dedicasse só a eles.
E os ensinos técnico e profissional, ensino superior e ciência e
tecnologia, poderiam ser dirigidos, atendidos e servidos por um
outro ministério.
Balançar melhor a direcção política com as exigências do dia a
dia da gestão prática
Há enormes benefícios decorrentes da “Presidência aberta” e
do seu corolário de governação inclusiva. Os dirigentes ficam
a conhecer quase em pormenor a situação, o progresso e os
desafios de cada “canto” do seu “ministério”. Não são dirigentes
de gabinete, interagem com as populações e vêem e sentem com
elas as suas aspirações. Para o MEC, isso significa conhecer cada
província, distrito, localidade e até quase cada escola do país. Daí
que o tempo e a energia humana requeridos sejam enormes, não
somente para visitar, conhecer e dirigir no local, mas também
para conceber e visualizar o caminho e as soluções futuras. Não
surpreende pois, que um número não negligenciável de dirigentes
escolares expressem o sentimento de que, “no actual paradigma de
governação, o ministro e os directores provinciais dedicam muito tempo
e energias á governação política, sobrando-lhes pouco tempo para a
governação técnica e prática”. Como em muitas circunstâncias da
vida, a boa solução, ou “a virtude” encontra-se sempre no meio,
no equilíbrio, e raramente se encontra nos extremos.
“O acesso a um sistema de educação sem qualidade é praticamente
equivalente à completa falta de acesso a educação”
238
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O segundo Objectivo de Desenvolvimento do Milénio106, que
é “atingir acesso universal ao ensino primário” e o terceiro que
é “assegurar igual participação de homens e mulheres em todos
os níveis de ensino”, ambos até ao ano 2015, conjugados com
os objectivos da “Educação Para Todos107”, ao serem adoptados
pelos Estados, incluindo Moçambique, representam um desafio
honrável e visionário, mas ao mesmo tempo enorme. Estes
compromissos decorrem do reconhecimento do valor da educação,
e traduzem, afinal, o já preconizado desde 1948 na Declaração
Universal dos Direitos Humanos:
“ Todos os cidadãos tem direito a educação. A educação deve
ser gratuita, pelo menos o ensino primário e básico. O ensino
básico deve ser obrigatório”108.
A expansão do ensino no país, honra assim os compromissos
assumidos, e mais importante ainda, responde à necessidades
reais, diariamente sentidas e totalmente legítimas das populações.
Todos os cidadãos têm iguais direitos, todos têm direito ao
acesso ao ensino e à educação. O acesso universal torna o país
melhor, mais rico, mais humano e mais justo. Mas há enormes
e insofismáveis desafios e constrangimentos ao alargamento do
acesso com equidade do género. Eles resultam da limitação dos
recursos humanos – quer em número, quer em capacidade e
experiência das pessoas habilitadas para fazer o que há a fazer
– acrescida da exiguidade de recursos materiais e financeiros –
quer os gerados pela nação, quer os disponibilizados por outros.
Os constrangimentos resultam ainda do tempo disponível para
se atingirem as metas e se estenderem os serviços às populações.
Na verdade, não há tempo a perder. Poder-se-ia dizer a uma mãe
106
Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, http://devdata.worldbank.org/atlas-mdg/
107
Educação para Todos,....
108
Artigo 26, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
ou a uma comunidade “espera pela tua vez”? Afinal, o acesso,
quando vem, já vem tarde, muitas gerações tarde....
Por isso, por todas estas razões, a expansão está sendo feita, em
Moçambique como em todos os países em desenvolvimento109,
com sacrifício da qualidade, como resposta à pressão da
necessidade, algumas vezes como compromisso seriamente e
honestamente assumido pelos governos, como se crê ser o caso
de Moçambique, outras vezes ainda como expediente populista
e eleitoralista.
No esforço e na corrida pela expansão do acesso, voluntária ou
involuntariamente, muitas vezes não se está a assegurar o mínimo
de qualidade abaixo do qual a educação não forma o estudante. É
opinião comum, pelo menos nos meios urbanos, e uma vez mais
em quase todos os países em desenvolvimento, mas também
em Moçambique, que “na 5ª classe, muitas crianças não sabem ler,
escrever ou comunicar”.
A expansão da rede escolar e do acesso ao ensino deve ser
acompanhada pelo aumento, e não por uma redução, do
orçamento para a educação
A manutenção de um ensino de qualidade e permanentemente
ajustado às necessidades da sociedade exige investimentos
sempre crescentes na formação de professores e outro pessoal
envolvido na educação, em infra-estruturas escolares modernas
e adequadas às novas tecnologias educacionais, em serviços e
benefícios de assistência sociais diferenciados, consoante as
necessidades dos educandos, etc. Parece pois evidente que, num
quadro de expansão do acesso ao ensino, haverá necessidade
de cada vez mais dinheiro para investir no sistema. No caso
de Moçambique, a necessidade de um investimento crescente
decorre quer do crescimento demográfico, quer da necessidade
109
A esta conclusão chegou, por exemplo, a 17ª Conferência dos Ministros de Educação dos Países da
Commonwealth, reunidos na Malásia, em Junho 2007. Para mais informação ver....
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de recuperação e reposição dos recursos humanos perecidos e
das infra-estruturas escolares destruídas nos anos de guerra. A
incidência do Sida, com cerca de 32 mil trabalhadores do Estado
afectados, torna ainda maior a necessidade de investimentos.
Note-se que os professores e enfermeiros são, de muito longe,
os maiores contingentes de trabalhadores do Estado, e os mais
atingidos pelos índices de infecção e de morte pelo HIV e Sida.
Por isso, para a expansão de uma educação de qualidade, a
proporção do orçamento do Estado para educação deve não só ser
mantida, a par do aumento do número de escolas, de estudantes
e de professores, mas ser aumentada. Sucede que o Orçamento
de Estado para o MEC que, segundo o PEEC, deveria ter sido
de 23.8 % do Orçamento de Estado em 2006 (6.5% do PIB), e
crescer para 30.1% em 2010 (7.7 % do PIB), na realidade baixou
de 19.8% em 2006, para 18.9% em 2007, e de 20% em 2008 para
18.2% em 2009110. Tal decréscimo contraria e nega os objectivos
nacionais, os ODMs e o objectivo de EPT, de se assegurar o
acesso a um ensino de qualidade à todas as crianças e jovens.
Questões Críticas ao Nível dos Sub-Sistemas
Educação Pré-Escolar
O que se aprende na Creche, na Escolinha ou na Educação
Infantil (ANTES DA ESCOLA) determina o que se aprende
NA ESCOLA
Demonstrou-se já há várias décadas a importância do
desenvolvimento das habilidades cognitivas da criança entre
os 2 e os 5 anos de idade. Sabe-se, sem margem para dúvidas,
que é nessa idade que se criam as bases e os fundamentos
para um desenvolvimento ulterior das capacidades pessoais
110
Dados obtidos do PEEC e do relatório da reunião do Comité Paritário de Acompanhamento do
Ministério de Educação e Cultura, Janeiro de 2009
241
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de aprendizagem e do coeficiente de inteligência. No caso de
Moçambique, dado o seu nível de desenvolvimento, a educação
infantil assume importância ainda maior por duas razões
adicionais: o acesso a suplementos nutricionais – compensando
as dietas caseiras pobres, nas famílias pobres, e a aprendizagem
da língua portuguesa pelas crianças, já que nos meios rurais, a
maioria delas chega a escolinha a saber falar apenas a sua língua
materna.
Hoje, no entanto, as creches e as escolinhas abrangem apenas
cerca de 40 mil crianças , ou seja, só 1% das crianças com
menos de 6 anos de idade. Assim, a falta de educação infantil
para a grande maioria das crianças é agravada pela barreira da
aprendizagem do Português como língua de ensino. No dizer
de um dirigente “a 1ª classe (sobretudo no campo) está a funcionar
como pré-primária”. Outro dizia a “1ª e 2ª classes são para aprender
a língua, a ler e a escrever”.
Línguas Maternas
Decidir pelo uso das línguas maternas – considerar as
vantagens do ensino bilingue
Na verdade, o último senso populacional de 2006 revelou que
apenas 6.5% da população moçambicana falava português como
língua materna, e a maioria falava uma das mais de 16 línguas
moçambicanas principais. Por outro lado, sabe-se que, usando
línguas maternas, os alunos aprendem mais e melhor. Esta é a
evidência derivada, entre outros estudos, do trabalho que o INDE
realizou em 70 escolas piloto, com 16 línguas nacionais, usando
a língua materna principal da região como língua de ensino da
1ª a 3ª classe.
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O uso de Línguas Maternas não se pode limitar ao seu uso
nas primeiras classes da escola
Contudo, para ter sucesso, o uso de línguas maternas tem que
penetrar em todos os níveis da sociedade moçambicana. Tem
que ser usadas no parlamento, nos órgãos de comunicação
social, no aparelho de governação, de justiça, entre outros. Terá
que se atender a questões como a investigação e padronização
das línguas, a formação de professores, a produção de materiais
escolares, ao desenvolvimento de literatura oral e escrita que
usem e valorizem as línguas originariamente moçambicanas.
Trata-se de um projecto político e cultural que exige um
debate, uma decisão e um compromisso que envolva de
forma consciente toda a sociedade moçambicana. Não é fácil
nem imediato, mas é absolutamente necessário. Não é tarde,
e certamente, não é cedo para se começar. Porque língua é
cultura. E, que se saiba, até hoje nenhum país se desenvolveu
com uma língua estrangeira, negligenciando as suas línguas e
a sua cultura.
Currículo
A relevância do que se ensina determina o interesse e a
participação dos alunos, e o benefício do ensino para a
comunidade
O currículo introduzido no ensino primário em 2004 propôs
uma aprendizagem baseada em competências e o conceito de
ciclos de aprendizagem, isto é, o 1º ciclo compreendido pela
1ª e 2ª classes, o 2º ciclo compreendido pela 3ª a 5ª classes,
e o 3º ciclo pela 6ª e 7ª classes. Propôs ainda a introdução
de educação visual, da aprendizagem de ofícios e do “saber
fazer”, assim como a introdução de educação moral e cívica
e do inglês a partir da 6ª classe. Reservou 20% do currículo
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para ser desenhado e adaptado às condições locais da escola,
para tornar a educação relevante e ajustada às necessidades de
desenvolvimento local.
Alguns dos pressupostos implícitos ou explícitos do currículo
de 2004 são o conhecimento e capacidade dos professores
para executarem a filosofia e prática do novo currículo. Para
conceberem e introduzirem conteúdos locais no currículo. A
existência de turmas suficientemente pequenas para o professor
poder personalizar a atenção e o tempo dedicado a cada
estudante, de modo a estimular todos e cada um dos estudantes,
e poder prestar atenção especial aos estudantes que precisassem
de atenção especial. Finalmente, o professor deveria poder avaliar
se cada estudante havia ou não atingido os conhecimentos e
habilidades prescritos para o ciclo de aprendizagem. Haveria
assim uma transição de ciclo dos estudantes por grupo etário,
correspondendo a cada ciclo e grupo etário um conjunto de
conhecimentos e habilidades bem determinados.
Volvidos 6 anos de aplicação do currículo de 2004, foi reunida
experiência suficiente para se avaliarem os resultados alcançados
ao fim do 1º e do 2º ciclos. Em 2011, será possível avaliarem-se os
resultados alcançados ao fim do 3º ciclo. Perante as inquietações
e crítica social à qualidade da educação primária, seria prudente
e aconselhável planear-se e fazer-se essas avaliações. É necessário
produzir evidência empírica que vá além dos casos conhecidos
por cada um ou de desabafos sociais como “na 5ª classe as crianças
não sabem ler nem escrever”. A partir dessa evidência, poder-se-à
então proceder aos ajustamentos que se mostrarem necessários.
Formação, Motivação e Retenção de Professores
A qualidade do ensino depende também da Formação e
Qualidade dos Professores
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Um dos maiores desafios da expansão escolar com qualidade, é
a formação científica e metodológica de professores para todas
as escolas e todas as disciplinas que constituem o novo currículo.
Esse esforço está a ser feito, pese embora o gigantismo da tarefa
e dos obstáculos a ultrapassar. De acordo com dados disponíveis,
só em 2008 foram recrutados mais 8 mil novos professores para
o EP1 e EP2. A meta de recrutamento era de 10,000 novos
professores, mas não pôde ser alcançada por constrangimentos
de ordem financeira.
Para mitigar a carência de professores qualificados para as escolas
secundárias da 7ª a 9ª classes, o MEC, através da Universidade
Pedagógica, iniciou a formação, em cursos de 1 ano, de professores
com habilitações mínimas de 10ª classe. Para as escolas de 10ª a
12ª classes, a UP iniciou a formação, em 1 ano, de professores com
habilitações mínimas de 12ª classe. Ao mesmo tempo, oferecemse cursos de formação didáctica e pedagógica aos professores em
exercício. Mesmo assim, o ritmo de recrutamento e, sobretudo, o
ritmo de formação e, consequentemente , o nível de conhecimentos
científicos da maioria dos professores em exercício, crescem a
um passo mais lento do que a necessidade actual e a velocidade
de expansão da rede escolar. A abertura de escolas a nível local,
por vezes fora de um plano de provisão de professores, aumenta
ainda mais a falta de professores qualificados.
Avaliar criticamente o SISTEMA
professores
de formação de
Coloca-se pois a questão de como acelerar a formação de
professores de modo a servir um sistema em expansão.
Presentemente, os professores para o EP1, EP2 e ESG1, isto
é, da 1ª a 9ª classes, são formados em 11 Centros de Formação
de Professores Primários (CFPP) e 9 Institutos Médios de
Abilitação de Professores (IMAP), pertencentes ao Estado,
bem como em centros de formação pertencentes e geridos
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
pela Ajuda ao Desenvolvimento Povo para Povo (ADPP). O
Centro Universitário Dom Bosco começou, faz quatro anos, a
formar professores para algumas disciplinas do ensino técnico e
profissional. A Universidade Pedagógica forma professores para
o ESG1 (7ª a 9ª) e ESG2 (10ª a 12ª).
Estudos realizados em outros países, por exemplo pela UNESCO,
revelam que, seguindo os sistemas e métodos tradicionais, não
será possível formar os professores necessários para satisfazer o
número de escolas que devem ser criadas e funcionar para se
atingir com qualidade o acesso universal ao ensino primário até
ao ano 2015111. À semelhança dos agentes para-médicos, que
são formados a ritmo mais acelerado que os médicos, embora
para espectros mais limitados de conhecimentos e habilidades,
discute-se hoje a formação de “para-professores”. Debate-se o
potencial das tecnologias de informação e como elas podem
alicerçar a aprendizagem “centrada” no estudante, transformando
o professor num “tutor” e auxiliar, em vez de mestre. Seja quais
forem as soluções ao alcance de cada país, a Moçambique colocase a questão de estimar as necessidades e a capacidade actual de
formação de novos professores e reciclagem dos professores em
serviço.
A questão de decidir como acelerar a formação. Algumas ideias
merecem ser exploradas, como a autorização e estímulo de
operadores privados para formarem professores, mediante guia
metodológico e controle de qualidade exercido pelo MEC, o
convite aos professores reformados para reentrarem no ensino
como contratados, ou a utilização de explicadores habilitados e
certificados. Poderá ser necessário ainda estabelecer um sistema
mais integrado, autónomo, capacitado e financiado para formar
professores antes e durante o serviço. Além disso, haverá que se
avaliar o impacto da morte e doença de professores, sobretudo
111
De 2000 a 2009, o número de estudantes em escolas primárias aumentou em cerca de 40 milhões,
para o que são necessários cerca de mais 18 milhões de professores.
246
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
por causa do Sida. Em 2000, estimava-se que 17% dos professores
poderiam morrer de Sida, e os custos para a educação seriam da
ordem de 5% do orçamento investido no sector. Para além do
impacto social, esta verdadeira hemorragia de recursos humanos
vai reduzir ainda mais a disponibilidade de professores.
A qualidade do ensino depende também da Motivação e da
Retenção dos Professores
Se formar novos professores é uma tarefa gigantesca, não
é menos difícil motivar os que já são professores, não só para
trabalharem com entusiasmo e dedicação, mas também para não
mudarem para outras profissões melhor remuneradas ou que
ofereçam trabalho em lugares mais atractivos. Por isso, se coloca
o desafio de identificar e agir sobre os factores que afectam a
qualidade do ensino. Entre outros, a qualidade do ensino sofre
quando o número de alunos por turma ultrapassa determinados
limites. Sabe-se que, acima de 40 alunos por turma, o ensino se
torna menos efectivo. Por isso, a nível nacional, há que continuar
a diminuir o número médio actual de 71 crianças por turma.
Em algumas escolas faltam professores habilitados para ensinar
determinadas disciplinas, o que requer a formação acelerada
destes. Em termos médios, os professores faltam com frequência
às aulas, não podendo por isso ensinar os programas completos
para cada classe, havendo por isso que encontrar as causas e
reduzir o absentismo. Não há um sistema de inspecção escolar
sistemática e regular, que permita identificar e quiçá solucionar
alguns dos problemas que as escolas enfrentam.
Quanto aos factores que afectam a motivação, incentivo e
retenção de professores, é necessário continuar-se a melhorar
os salários, as condições de habitação e as condições gerais de
vida dos professores, mormente nas zonas rurais. Providenciar
meios de ensino e de trabalho, como o livro escolar, material
didáctico e outra literatura suplementar para os estudantes,
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
melhorar as condições gerais das escolas, como a qualidade
das salas de aula, o abastecimento de água e a sanidade das
escolas. Um factor importante de incentivo é a possibilidade de
reciclagem e de formação contínua dos professores, abrindo-lhes
assim a possibilidade de aumentarem os seus conhecimentos e
progredirem profissionalmente.
Os Meios Básicos de Ensino como salas de aula, quadros
pretos, livros escolares e material de demonstração são
ferramentas essências do ensino de qualidade
Não é demais reiterar que os recursos financeiros são uma das
condições primeiras para se poder agir sobre o conjunto de
factores que determinam a qualidade do ensino. Por isso se dizia
que o Orçamento do Estado deve crescer gradualmente – à
medida do crescimento da riqueza do pai – para custear o sistema
de ensino. A fase presente do sistema de ensino pode, sem muita
margem para erro, designar-se como uma fase de investimento:
investimento na construção e reabilitação de escolas, investimento
na formação de professores. Isso é necessário e justificado. Ao
mesmo tempo, será necessário cada vez mais prestar-se atenção
e disponibilizar recursos para despesas de funcionamento das
escolas, como é o caso da manutenção das escolas e a aquisição e
manutenção de material didáctico, equipamentos e outros meios
de ensino.
Compreensão do novo currículo
A passagem por ciclos de aprendizagem faz parte da filosofia e
estrutura do novo currículo adoptado em 2004
A avaliação e passagem por ciclos, e a abolição de exames
obrigatórios ao fim de cada classe, a que vulgarmente se chama
passagem automática, é hoje uma das questões mais debatidas e que
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
mais apoquenta os pais e encarregados de educação. À passagem
automática são muitas vezes associadas as causas da baixa qualidade
do ensino. Os dirigentes escolares consideram que a associação
da baixa qualidade do ensino ao sistema de avaliação por ciclos se
deve sobretudo à falta de explicação ao público em geral, e à falta
de explicação e formação dos professores sobre a nova filosofia
do currículo de 2004. Por isso, à par da avaliação do currículo e
das premissas para a sua execução com sucesso, será necessário
pensar-se e lançar-se uma campanha de informação ao público
e de informação e formação dos professores. Evidentemente, a
questão de fundo é a da qualidade do ensino, e ao se agir sobre
as causas fundamentais da sua qualidade, estar-se-à a contribuir
para desmistificar a “passagem automática”. Como alguém dizia,
“o marketing só tem resultado quando o produto é bom”.
As comunidades e dirigentes devem ser envolvidos no debate
sobre a qualidade do ensino
É pois necessário levar às comunidades o debate sobre a
qualidade do ensino, para que sejam entendidos os dilemas e
desafios da expansão, e para que se possa envolver a comunidade
em geral, os encarregados de educação em particular, no esforço
para se assegurarem as condições básicas para o funcionamento
das escolas. Para se conseguir uma cada vez maior participação
dos pais e das comunidades na ampliação, na conservação e na
valorização das escolas. Para que a escola se torne verdadeiramente
na coisa da comunidade.
Gradualmente, a responsabilidade pela gestão da escola deve
ser transferida para a própria escola
Neste contexto, é importante que a Comunidade, o Conselho
de Escola e o Director saibam e sintam que a escola é sua e que
têm a responsabilidade de a gerir. Por parte do MEC, são bem
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
vindas as iniciativas em curso para se transferir efectivamente
para as escolas a responsabilidade pela gestão. É bem vinda a
transferência para as escolas dos poderes para gerir o orçamento
de funcionamento, angariar recursos locais e decidir sobre o uso
desses recursos na escola, seguindo normas estabelecidas, mas
sem “interferência” excessiva de “fora”.
Cooperando, as direcções das escolas e a comunidade podem
combater práticas que limitam o acesso à escola
Além de factores internos, o funcionamento duma escola é
afectado por factores do meio circundante no qual a escola existe,
o que ilustra ainda melhor a necessidade de uma interacção e
cooperação entre os dirigentes escolares e comunitários. Por
exemplo, a falta de segurança nas escolas e nos caminhos de
casa para a escola, quando as distâncias são grandes, constitui
uma das causas de desistência escolar, sobretudo de raparigas
adolescentes. O assédio e abuso sexual, principalmente de
estudantes do sexo feminino, é outro fenómeno que também
contribui para o insucesso ou mesmo desistência escolar.
Nalguns meios, os estudantes ausentam-se da escola durante
determinados períodos da época agrícola ou em períodos
relacionados com ritos de iniciação ou outras práticas culturais.
Nalguns outros casos, havendo que atender à tarefas domésticas,
ou por exiguidade de recursos, ou por causa de casamentos
prematuros, as meninas são sacrificadas e menos passíveis do
que os rapazes de serem mandadas para escola e apoiadas a
completarem os seus estudos. Apesar do acesso à escola e o livro
escolar serem gratuitos, registam-se por vezes cobranças ilícitas,
não autorizadas por conselhos de escola ou outra autoridade
escolar, de dinheiros para admissão à escola, para compra de livros
e fardamentos, para pagar propinas de exame, para explicadores,
etc., que tornam efectivamente não gratuito o ensino que por lei
é obrigatório e gratuito. Estes fenómenos ilustram os factores
sociais e culturais, ou do meio circundante, que podem ser mais
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
efectivamente tratados quando existe cooperação entre a escola
e a comunidade.
Alfabetização e Educação de Adultos
No esforço de expandir o acesso à escola a crianças em idade
escolar, há que não negligenciar a necessidade de se continuarem
as campanhas de alfabetização e educação de adultos. Na grande
maioria dos países em desenvolvimento, e Moçambique não
constitui excepção, há ainda uma grande fracção de jovens
adolescentes e de adultos que não tiveram oportunidades de
escolarização e são efectiva e funcionalmente analfabetos112.
No caso de Moçambique, a taxa de analfabetismo decresceu de
97% em 1975, para 54% em 2005. Por outras palavras, há no
país ainda cerca de 46% de analfabetos, sobretudo mulheres nos
meios rurais. Exceptuando a acção de algumas organizações não
governamentais, bem como certas iniciativas do MEC, o ímpeto
das campanhas de alfabetização decresceu. O analfabetismo é
um desafio que ainda não foi vencido e que continua a exigir a
atenção e investimento do Estado.
A Educação Especial
A escolarização de grupos especiais de estudantes requer
também atenção e por vezes, soluções também especiais113. Em
2005, havia no país mais de 35 mil crianças e jovens recebendo
educação especial de mais de 3 mil professores e técnicos
especializados, num esforço que precisa de ser continuado. Além
de mais professores, precisa-se de adequar as escolas e o material
didáctico às necessidades de grupos especiais como estudantes
112
Em 2015, 700 milhões de adultos vão ser ainda analfabetos, segundo Rasheda Choudhary, numa
comunicação apresentada na 17ª Conferência de Ministros de Educação da Commonwealth, Kuala
Lumpur, Junho 2009.
113
Nalguns países em desenvolvimento da Commonwealth, em média, 1 em 3 crianças chegam a escola
com deficiências de aprendizagem. Rasheda Choudhary, idem
251
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
com deficiências motoras, visuais ou outras dificuldades de
aprendizagem. Esse é o significado de acesso universal e equitativo
ao ensino primário.
Educação Não Formal
O “Aprendizado”
A aprendizagem de artes e ofícios por meio do sistema de
aprendizes é uma forma de educação negligenciada
Na sociedade moçambicana, o “aprendizado” desempenha um
papel essencial na formação de carpinteiros, mecânicos, latoeiros,
artistas, cesteiros, artesãos, curandeiros, etc.. Os graduados do
aprendizado reparam os nossos carros, geleiras e televisores,
constroem e mantém as nossas casas, curam as nossas doenças,
prestam-nos serviços sem os quais não poderíamos viver a vida
que vivemos. O aprendizado treina e emprega e, portanto, garante
o sustento de milhares e milhões de mulheres e homens e suas
famílias. No entanto, com excepção das escolas de artes e ofícios,
principalmente criadas e mantidas por algumas congregações
religiosas, o aprendizado funciona à margem e fora do ensino
oficial: não é certificado, acreditado, apoiado ou valorizado. Na
essência, faz parte do “sector informal”.
Participantes do Seminário
252
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O aprendizado é tratado da mesma forma como a medicina
tradicional, o conhecimento sobre produção e preservação de
culturas, ou a criação de animais indígenas, e os ritos e as práticas
curativas. Sabe-se que estes sistemas e conhecimentos existem,
a eles se recorre, mas é-lhes negado o estatuto que merecem
e não se reconhece o seu contributo social. O aprendizado é
olhado como inferior e não credível.
Devemos inventariar, elevar a qualidade, certificar e apoiar o
sistema do “aprendizado”
Este sistema merece uma reflexão e uma acção séria por pare
do Estado, principalmente no contexto da promoção do autoemprego e no apoio ao surgimento de milhares de pequenas
e médias empresas. Poder-se-à começar por inventariar as
principais profissões e artes formadas por via do aprendizado.
Avaliar a qualidade da formação que é oferecida e experimentar
métodos para melhorar, certificar e acreditar o sistema e seus
graduados. Neste esforço, haverá que nos precavermos de
burocratizar e taxar o sistema, empurrando-o para a extinção
ou para a “clandestinidade”.
Educação Contínua
A educação contínua treina e actualiza graduados do ensino
secundário, técnico e profissional e a força de trabalho
activa
A educação contínua é um imperativo para a adaptação contínua
a novas tecnologias e formas de produção. Ela dá aos graduados
e profissionais as habilidades de vida que as escolas ainda não
sabem ensinar: planear, gerir, orçamentar, empreender, falar em
público, escrever. Por isso, para ser completo e para permanecer
relevante, o sistema de ensino tem que prestar atenção as
253
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
oportunidades e formas de educação contínua, ainda que nele
possam e devam intervir diversos actores para além do Estado.
Os Desafios do Ensino Técnico e Profissional
Numa pirâmide educacional normal, os números de estudantes
e graduados do ensino técnico e profissional devem ser
muito maiores do que os números de estudantes e graduados
universitários
O mercado de trabalho assemelha-se, de certa maneira, a uma
estrutura organizacional e uma cadeia de comando de tipo militar, a
uma pirâmide organizativa. No topo, o mercado deverá ser servido
por um grupo relativamente pequeno, altamente qualificado e
especializado de cientistas, engenheiros e humanistas. O segundo
nível, deve ser mais amplo, com um espectro de conhecimentos
e de especialização menos profundos, apto a pensar, certamente,
mas sobretudo apto a executar criativamente as directrizes e os
planos concebidos pelo primeiro escalão. O terceiro nível e os
níveis seguintes, devem ser progressivamente mais executores,
menos responsáveis por estrategizar ou conceber. É certo que, na
produção moderna, se espera e deseja que todos os níveis sejam
pensantes, criativos e, sobretudo, que todos os níveis da cadeia de
produção sejam envolvidos e ouvidos no processo de planificação.
É necessário que a educação e a competência de todos os escalões
cresçam continuamente. Mas a pirâmide da força de trabalho deve
permanecer, e deve ser reflectida e criada pelo sistema educacional.
Deverá haver uma base larga de escolas e estudantes e, depois, de
graduados do ensino geral obrigatório, com habilidades de “saber
fazer”. Acima deste grupo, deverá haver um grupo relativamente
mais pequeno de escolas e institutos médios, e de estudantes, de
que resultam graduados do ensino médio, técnico e profissional,
dotados de mais conhecimentos e mais habilidades de conceber
e de “saber fazer” do que o grupo anterior. No topo, deverá
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
haver escolas e institutos superiores e universidades, e um grupo
relativamente mais pequeno de estudantes e futuros graduados
altamente qualificados, criativos, responsáveis pela concepção e
direcção geral do processo produtivo. A ênfase é, a este nível, no
“saber”.
No país, a pirâmide está-se ainda a constituir. Não surpreende
pois que ela seja ainda, pode-se dizer, relativamente distorcida.
Está-se a expandir a base do ensino geral e obrigatório. Estáse a expandir aceleradamente o ensino superior, como se verá
mais adiante. O ensino médio, técnico e profissional, no entanto,
não se tem expandido ao ritmo proporcional desejável para se
constituir uma força de trabalho equilibrada, uma pirâmide
bem formatada. Actualmente, há cerca de 74 mil estudantes,
formados em 36 instituições de ensino superior, para cerca de 45
mil estudantes do ensino médio, técnico e profissional, formados
em cerca de 77 instituições.
Dedicam-se ao ensino médio, técnico e profissional cerca de 11
escolas elementares, para os quais se ingressa com habilitações
mínimas de 5ª a 7ª classes, para a frequência de cursos que duram
entre 2 e 3 anos. 28 escolas básicas, com um nível de exigência
mínima de entrada de 7ª classe, para a frequência de cursos com a
duração de 3 anos. E 8 escolas de nível médio, com ingressos com
nível mínimo de 10ª, para cursos com duração 3 anos acrescidos
de estágio professional de alguns meses.
Foi observando esta situação e os desafios internos do subsistema
que, em 2005, o MEC decidiu que o ensino médio, técnico e
profissional (ETP) carecia de uma intervenção profunda.
Verificava-se entre outros, que os professores qualificados
tendiam a retirar-se do ensino técnico e profissional e procurar
outros empregos. Que 30% dos estudantes do ensino técnico e
profissional usavam o subsistema como alternativa à dificuldade
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Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de acederem ao ensino superior, ou como trampolim para
ingressarem mais tarde no ensino superior. Daí que pelo menos
cerca de 40% dos estudantes desistiam ou não completavam
a sua formação no ensino técnico e profissional e as taxas de
repetição eram muito elevadas. Para além de ser percebido
como de menor valor social – e os seus graduados receberem
remunerações mais baixas – o ensino técnico e profissional até
muito recentemente, e praticamente desde a década de 1980,
não beneficiou de investimentos significativos. As instalações
e estruturas físicas das escolas, particularmente os laboratórios
e oficinas eram insuficientes e carentes de manutenção e
reabilitação. O seu financiamento não tinha em conta que, pela
natureza dos seus cursos, pela necessidade de oficinas, ferramentas
e insumos para o ensino, o ensino técnico e profissional é caro
e muito mais dispendioso do que o ensino geral, na verdade até
mais dispendioso do que grande parte dos cursos superiores
exceptuando engenharias, arquitectura, medicina poucos cursos
mais.
Para corrigir a situação e promover o desenvolvimento do ensino
médio e técnico e profissional foi criado o Programa de Reforma do
Ensino Professional (PIREP), que iniciou em 2006 um processo
de Reforma da Educação Profissional, para preencher a lacuna
referida na pirâmide de força de trabalho qualificada. Ao PIREP
compete agora criar um órgão nacional para definir a política do
ensino técnico e profissional. Desenvolver um sistema de ensino
técnico e profissional baseado em competências, que responde
às necessidades do mercado de trabalho, que será certificado e
avaliado segundo um padrão de competências. Formar professores,
reabilitar infra-estruturas, laboratórios e oficinas para elevar para
cerca de 80% o trabalho prático realizado nos cursos. Atrair os
empregadores e o sector privado para se envolverem na formação
da sua força de trabalho, seguindo os padrões, a certificação e a
acreditação conferidas pelo PIREP. E financiar boas experiências
256
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de formação profissional nas comunidades, no sector público e
no sector privado.
O PIREP está a fazer um bom trabalho, mas o seu maior
desafio é o de completar, até 2011, e consolidar, até 2015, a sua
experiência piloto. De acordo com os planos inicias, a experiência
piloto está limitada a um número selecto e pequeno de escolas,
e só deverá ser estendida posteriormente à totalidade do sistema
de formação profissional. Como todo o sistema educacional, o
PIREP é pressionado para se expandir, e expandir-se já, mesmo
sem ter os meios e o tempo para reabilitar e apetrechar as escolas,
treinar os professores, reformular os programas e currículos
nas escolas piloto. Em suma, o PIREP está sob pressão para
abandonar de facto a experiência piloto, para estender a reforma
à todo o sistema, sem ter o tempo e o dinheiro para fazer até ao
fim uma reforma bem feita.
O PIREP é desafiado ainda a integrar a formação profissional
oferecida por vários ministérios e pelo sector privado num sistema
guiado por princípios e normas únicas estabelecidas pelo MEC,
sabendo-se que existem actualmente mais de 22 instituições de
formação profissional fora da tutela do MEC, sendo 8 privadas.
O Ministério do Trabalho, por exemplo, é o principal formador
profissional em cursos de curta duração, mas está “de facto” ou
pelo age como se estivesse à margem da Reforma do Ensino
Professional.
Os Desafios do Ensino Superior, da Investigação Científica e
da Extensão
O ensino superior expandiu-se em todos os sentidos mas a
taxa de acesso é ainda baixa, e a qualidade da educação está a
ser comprometida
257
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Embora partindo de uma base muito baixa, relativamente à
população do país e aos jovens em idade de ingresso, o ensino
superior expandiu-se mais depressa e muito mais rapidamente
do que qualquer dos outros subsistemas de educação. Passou de
3 instituições públicas, com pouco mais de 10 mil estudantes, por
volta de 1990, para mais de 36 instituições de ensino superior
em 2009, metade privadas, com mais de 74 mil estudantes.
Geograficamente, há hoje pelo menos uma instituição de ensino
superior em cada capital provincial, e nalguns casos mais do
que uma instituição, incluindo noutras cidades que não são
capitais. Pese este crescimento exponencial, a taxa de estudantes
matriculados no ensino superior é apenas 1% da população em
idade de ingresso, e as admissões às instituições de ensino superior
estão muito aquém da procura, sendo menos de 1/3 dos estudantes
da 12º classe. É pois notável a expansão, mas há ainda muito
que fazer para se satisfazer a procura. Não se conhecem estudos
de mercado que indiquem quantos e que tipos de graduados
universitários são hoje e num futuro previsível necessários para
suster o crescimento da economia e sociedade moçambicanas,
embora, para certas profissões, se comece a falar de longos
períodos de espera e de procura para se encontrar um emprego
comensurável com o nível e tipo de formação. É também provável
que o processo de descentralização da governação e a definição
dos distritos como pólos de desenvolvimento propicie a criação
de novos postos de trabalho e maior absorção de graduados.
Mesmo perante este quadro, é opinião e preocupação consensual
entre dirigentes académicos, empregadores e ordens e associações
profissionais que a expansão do ensino superior decorre sem
garantias dos requisitos para se assegurar uma educação de
qualidade. Nota-se que as infra-estruturas, bibliotecas e recursos
humanos, entre outros recursos ao serviço do ensino superior
são insuficientes e inadequados para se assegurar qualidade. A
abertura do mercado do ensino superior para operadores privados
258
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
alimentou e contribuiu para a expansão do sistema, mas a tutela
do ensino superior, no quadro da autonomia conferida pela lei,
tem-se revelado inadequada. Por exemplo, quer nas instituições
públicas, quer nas privadas, tem sido autorizada ou tolerada a
abertura e funcionamento de cursos sem se reunirem as condições
indispensáveis como bibliotecas ou salas de leitura devidamente
apetrechadas, laboratórios e campos de experimentação, professores
qualificados e verdadeiramente dedicados à vida académica. Em
muitas instituições de ensino superior não há qualquer agenda ou
actividade de pesquisa científica que sirva para alicerçar o ensino.
A preocupação com a qualidade do ensino e dos graduados é hoje
explicitamente expressa pelas ordens profissionais como a Ordem
dos Engenheiros, que se diz “..muito preocupada com a capacidade
dos graduados actuarem verdadeiramente como engenheiros”, pela
circunstância de que “...alguns / muitos desses cursos (de engenharia)
estejam a ser abertos sem que as respectivas instituições de ensino
superior, públicas ou privadas, disponham dos recursos humanos
qualificados, dos equipamentos e dos recursos financeiros para o seu
normal funcionamento, com reflexos negativos sérios na qualidade dos
graduados e na sua capacidade de actuarem verdadeiramente como
engenheiros...”. Para a Ordem dos Advogados, com o aumento
do número de graduados nota-se que “o crescimento do número
de licenciados em Direito criou maior procura para a realização de
estágios profissionais com vista à sua titularização profissional. No
entanto, contrariamente ao crescimento do número dos licenciados,
nota-se a redução de qualidade na sua formação”. A Associação
dos Economistas diz que “tem debatido questões relacionadas com
as implicações das actuais reformas que reduzem os cursos de 4 anos
para 3 anos; como será resolvido o problema da necessidade de formação
dos docentes; e como responder aos actuais desafios das exigências do
mercado...”114
114
Pronunciamentos apresentados pelos decanos da Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Advogados e
Associação dos Economistas, num encontro dedicado a debater a qualidade do ensino superior, em Junho
2009
259
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
As instituições de ensino superior devem integrar mais
activamente na sua gestão os empregadores, as ordens e
associações profissionais, e representantes doutros sectores
sociais
Dado o nível de procura do ensino superior pelos estudantes
e dada a pressão política para se expandir o ensino superior de
modo a responder à necessidade de servir todas as regiões do país
e corrigir os desequilíbrios regionais vindos do passado, o desafio
que se coloca ao ensino superior não é simples. A realidade é que
a expansão é imparável e vai continuar. Há pois que se pensar
em formas inovadoras de se assegurar que o que é expandido é
uma educação superior de qualidade. Como nos outros níveis
de ensino, a participação da comunidade poderá trazer enormes
benefícios. Para além duma tutela mais efectiva pelo Estado,
as instituições de ensino superior, quer públicas, quer privadas,
ficarão mais enriquecidas e a qualidade do seu trabalho vai
ser melhor e mais credível se envolverem os empregadores e a
sociedade na definição da natureza e conteúdos dos cursos que
oferecem, no acolhimento e tutoria de estagiários nos sectores
de trabalho, na avaliação e autorização dos graduados, como
condição para o exercício da profissão, e na composição dos seus
Conselhos de Gestão.
Por outro lado, chegou a hora dos estudantes e da sociedade
em geral serem informados com regularidade sobre os cursos
existentes e a sua qualidade, comparada com os cursos iguais
oferecidos noutras instituições de ensino superior. Deve-se
pensar em criar um sistema de informação integrado sobre os
cursos oferecidos, tanto no sector público como no privado. E
deve-se estabelecer uma classificação e uma hierarquização
independente e autónoma da qualidade dos cursos superiores
oferecidos. Estas medidas poderão ajudar a garantir qualidade
ao sistema, à par de outras como a introdução de uma fórmula
260
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de financiamento do ensino superior ligada ao seu desempenho,
o funcionamento de um sistema nacional de qualificação e
acreditação, ou o acesso igual de instituições públicas e privadas
aos recursos disponíveis para financiar a pesquisa ou para apoiar
financeiramente estudantes carenciados.
Reflexões Finais
O progresso alcançado na educação, do ensino primário ao ensino
superior é notável e inegável. A consolidação e valorização do
que se alcançou até agora, e para honrar o esforço e dedicação de
milhares de professores, directores de escola e dirigentes escolares,
requer espíritos e mentes críticas e abertas às necessidades de
melhoria. Embora a expansão do acesso com equidade continue
sendo agenda nacional, a qualidade da educação é hoje a grande
prioridade do momento, ela afecta todos os níveis e todas as
formas de educação. Para se elevar a qualidade, a prioridade
número 1 é a formação, motivação e retenção de professores e
gestores escolares, sobretudo, mas não apenas, no ensino primário.
Para se assegurar qualidade, é também necessário assegurar-se
que a fracção do orçamento do Estado dedicada a educação
continue a crescer a par do crescimento da economia nacional e
que não diminua, como aconteceu nos últimos anos. É necessário
ainda que, progressivamente, sejam aumentadas as dotações
para gastos correntes que vão além dos salários, e se continue
a devolver autoridade às escolas e aos seus órgãos de direcção
e gestão para se apropriarem das escolas e do seu desempenho
presente e futuro. É necessário repensar-se o aparelho estatal
de governação do sistema de ensino, de cultura e de pesquisa
científica, adequando-o à natureza e dimensão do desafio e tarefa
a realizar.
No esforço pelo acesso universal, qualidade e equidade, é preciso ter
presente que alguns grupos especiais devem continuar a merecer
atenção especial, sendo estes os jovens e adultos analfabetos, as
261
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
pessoas vivendo com deficiências físicas ou de aprendizagem, os
afectadas e infectadas pelo Sida, os órfãos, as crianças vivendo
em lares dirigidos por outras crianças, as crianças de rua. Acima
de tudo, que se tenha sempre presente que a educação, para além
de direito humano, é um investimento, não é um gasto.
Anexo: Pessoas entrevistadas ou que prestaram a informação
utilizada na palestra e nesta publicação
262
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A CONTRIBUIÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
(Comentário do texto de Narciso Matos)
João Assale
Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza, Presidente da República
de Moçambique;
Ilustres Convidados;
Minhas Senhoras,
Meus Senhores
Permita-nos, Sua Excelência Presidente da República, saudar a forma
franca e aberta, como o Professor Doutor Narciso Matos, aborda os
aspectos relativos a contribuição da Educação para o desenvolvimento
do Nosso País.
Aproveitamos esta nobre ocasião para igualmente saudar a todos os
professores e técnicos da educação, os nossos engenheiros do capital
humano, que dia após dia, e por vezes em condições adversas, asseguram
o crescimento e funcionamento da rede escolar que actualmente conta
com mais de 12 mil estabelecimentos de ensino e 6 milhões de alunos,
contra 9 mil e 3 milhões de alunos em 2004. Procuraremos, de seguida,
comentar os pontos críticos que de forma sábia, didáctica e sobretudo
construtiva, foram aflorados pelo Professor Doutor Narciso Matos:
A. Sobre a falta de uma referência explicita a um modelo de
desenvolvimento do país
263
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Em Moçambique, a Educação é um instrumento fundamental para
o crescimento económico e o desenvolvimento social e, visa promover
o bem estar dos cidadãos. Este postulado está plasmado na Política
Nacional da Educação.
Neste prisma, cabe a Educação formar cidadãos com elevada autoestima e espírito patriótico, capazes de intervir activamente no
combate à pobreza e na promoção do desenvolvimento económico
e social do País. Estamos a falar de um contexto de economia de
mercado, com epicentro no Distrito, onde é necessário moldar o capital
humano e dotá-lo de capacidade de inovação, criatividade e espírito
empreendedor para que seja capaz de transformar em renda os recursos
disponíveis a sua volta, e não só, de forma eficaz e sustentável.
Reconhecemos que é preciso, continuamente, aperfeiçoar a triangulação
entre o ritmo da expansão e relevância da educação, o desenvolvimento
do mercado de trabalho e o desenvolvimento económico.
B.Sobre a estrutura actual que junta todo o sistema da educação
com a cultura e separa a gestão do ensino superior da gestão da
ciência e tecnologia
A passagem do Ensino Superior para o Ministério da Educação e
Cultura, encontra explicação, na necessidade de uma gestão holística
do Sistema Educativo, do ensino primário ao ensino Superior, como
um todo;
A gestão da educação e da cultura num único Ministério, tem
fundamento na necessidade de uma maior inserção dos aspectos
culturais nos conteúdos de ensino, nos currículos e no processo educativo
no geral;
No plano prático registamos avanços na área da cultura, tal como
264
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
o Professor Narciso Matos aponta, há mesmo referências de que
o Quinquénio prestes a terminar, foi igualmente o Quinquénio da
cultura, a avaliar pelo volume de acontecimentos e eventos nessa
área, onde pontifica a Proclamação do Nhau e da Timbila como
Patrimónios Históricos e Imateriais da Humanidade, a realização de
dois Festivas Nacionais de Cultura e muito recentemente a realização
da II Conferência Nacional da Cultura;
Ainda no plano prático, assistimos ao crescimento da rede de Instituições
Públicas de nível superior, bem como a um processo de reformas nesse
nível de ensino:
Entretanto, em nossa opinião, devemos continuar a debater este ponto
identificando vantagens e desvantagens de modelos de estrutura
possíveis, inspirados nas lições do nosso percurso histórico e nos
objectivos do governo em cada uma dessas áreas;
O ponto relativo à ligação entre o ensino superior e a pesquisa e
investigação científica é relevante. É um ponto que, em nossa opinião,
devemos igualmente continuar a debater;
C.Sobre o melhor balanceamento da direcção política com as
exigências do dia a dia da gestão prática
Este tem sido um exercício, no qual a prática tem sido uma verdadeira
escola. A nossa modesta experiência, aponta para a necessidade de um
aperfeiçoamento contínuo da gestão descentralizada, do exercício da
delegação de competências, da capacidade de monitoria e prestação de
contas e emponderamento da capacidade técnica local;
D.Sobre o acesso a um sistema de educação sem qualidade facto que
equivale a falta de acesso a educação
265
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
O Governo entende que a educação, sobretudo o ensino primário
incluindo a Alfabetização e Educação de Adultos, é um Direito
Humano Básico. Esta visão não se compadece com uma educação virada
para um pequeno punhado de pessoas, com o argumento de que só com
poucos alunos na escola, poderemos assegurar níveis de qualidade de
ensino mais elevados. Para assegurar a qualidade e acesso no ensino
primário enveredamos por um ensino gratuito, onde o livro escolar
é distribuído gratuitamente, onde temos um programa de construção
acelerada de salas de aulas, onde todas as escolas primárias públicas
recebem uma verba anual equivalente a cerca de 90 meticais por
aluno - ADE. É ainda no Ensino Primário onde temos um novo
modelo de formação intensiva de professores; onde introduzimos a
língua inglesa e o ensino bilingue, onde introduzimos disciplinas
como Ofícios, Educação Musical e Educação Moral e Cívica, onde
20% da carga horária é dedicada ao currículo local, ou seja, aos saberes
e temas de interesse local;
Estamos convencidos que todo este conjunto de medidas, vão surtir os
seus resultados ao nível do acesso e da qualidade. Estamos igualmente
convencidos de que algumas dessas medidas irão requerer algum tempo
para que o seu impacto positivo seja visível;
Descentralizamos fundos para o nível provincial e para o nível
distrital, para as actividades de supervisão e apoio pedagógico.
Estamos a apetrechar as direcções distritais com viaturas e outros
meios circulantes;
Finalizamos a elaboração de estratégia para o ensino secundário, com
vista a torna-lo relevante e sustentável.
E. Sobre a expansão da rede escolar acompanhada do aumento e
não da redução do orçamento para a educação
266
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Factualmente, os grandes ganhos na expansão da rede escolar, não
têm sido acompanhados por um aumento proporcional do orçamento.
Reconhecemos tratar-se de um exercício complexo, directamente ligado
à estrutura do orçamento e ao volume de recursos disponíveis.
As despesas do sector são principalmente despesas de funcionamento
e neste ponto estamos cientes da necessidade de não perder de vista os
limites ligados à sustentabilidade.
F. Sobre o que se aprende na creche, na escolinha e a ligação com o
que se aprende na escola
Esta é de facto uma área muito importante, onde o desafio consiste em
assegurar intervenções que cobrem o desenvolvimento de uma criança
na sua globalidade, nomeadamente: no aspecto da saúde, da nutrição,
do desenvolvimento físico e cognitivo, da protecção social, entre outros
aspectos;
Neste momento, decorrem concertações técnicas entre o MEC, o
MMAS e o MISAU, para que ainda este ano, seja finalizada uma
proposta de expansão e de melhor articulação dos programas em curso
nesta área, cientes da importância do pré escolar para a qualidade de
ensino;
G. Sobre o uso das línguas maternas – o ensino bilingue
Estamos encorajados com os sucessos no ensino bilingue. As escolas que
usam as línguas moçambicanas no processo de ensino aprendizagem,
têm tido melhores resultados no desempenho dos alunos, quando
comparadas com as demais escolas.
Temos a certeza de que o
ensino bilingue deve ser expandido, em prol da qualidade de ensino.
267
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
H. Sobre a dependência entre a qualidade de ensino e a formação e
qualidade dos professores
A Formação de Professores é uma questão prioritária: Introduzimos,
em 2007, o Novo Modelo de Formação de Professores em regime
intensivo, serviu para harmonizar o Currículo de Formação dos
Professores ao Novo Currículo do Ensino Primário, introduzido
em 2004. Elevamos o nível de entrada dos candidatos a formação
de professores, facto que nos permite concentrarmo-nos nos aspectos
metodológicos e científicos no decurso da formação de professores.
Estamos a graduar e a recrutar acima de 9.000 novos professores por
ano. A este ritmo esperamos baixar o actual rácio professor/aluno dos
actuais 1/71 para 1/66 em 2010, no EP1.
Nada obsta o envolvimento de outros actores na formação de professores.
Entretanto, o investimento efectuado nesta área, nos últimos anos,
coloca o Governo com a capacidade instalada necessária para formar,
todos os anos, o numero necessário de novos professores por recrutar:
Os aspectos de parceria, poderão vincar na gestão dessa capacidade
instalada para formar professores;
I. Sobre os meios básicos de ensino como ferramentas essenciais do
ensino de qualidade
O sector tem investido na disponibilização dos materiais de ensino
para as escolas públicas através de programas específicos, com destaque
para os seguintes:
•
Livro escolar de distribuição gratuita;
• Apetrechamento das Bibliotecas escolares;
• Tecnologias de Informação e comunicação;
268
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
• Apoio Directo às Escolas;
• Mobiliário escolar;
• Construção acelerada das salas de aulas
J. Sobre a passagem por ciclos de aprendizagem
A questão da Progressão Semi-Automática por ciclos de aprendizagem,
tem estado a preocupar muita gente; Assumimos que da parte do sector,
houve algum défice de debate e, consequentemente não conseguimos
explicar, disseminar e aprofundar este novo modelo de avaliação, ao
nível dos professores, dos pais e encarregados de educação e da sociedade
no geral;
Para inverter a situação, temos vindo a promover jornadas
pedagógicas, e outras formas de auto superação pedagógica; Temos
vindo a incrementar a nossa capacidade de divulgação e comunicação
nesta e noutras matérias ligadas ao nosso sector;
K. Sobre o envolvimento das comunidades e dirigentes no debate
sobre a qualidade de ensino
Reconhecemos que temos de continuar a trabalhar para incrementar a
gestão participativa das escolas, encorajando uma maior participação
dos pais e encarregados de educação no acompanhamento diário dos
seus filhos. As medidas que introduzimos no ensino primário, tem um
forte pressuposto de que a educação tem de ser complementada pelos
pais e encarregados de educação em casa, apoiando o trabalho que os
professores fazem ao nível da escola. O pai e encarregado de educação
269
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
não pode ficar só a reclamar. As ONGs não podem ficar apenas a fazer
estudos para saber se a criança sabe ler ou não: Devem intervir... Este
é o passo importante que esperamos da sociedade.
L. Sobre a autonomia para a abertura e expansão da rede escolar
Este é um exercício que deve ser encorajado no contexto da
descentralização. Entretanto, a importância e a capacidade de
planificar e de respeitar os standards mínimos para a abertura de uma
nova escola, é crucial.
M. Sobre a qualidade e competência do director da escola como
factor determinante da qualidade e desempenho da escola
De facto, uma escola com um bom líder pode incrementar os aspectos
de qualidade. Partimos do princípio de que a qualidade também tem a
ver com a presença do professor na escola; com a presença atempada do
livro escolar e de outros materiais de ensino e com a sua conservação,
bem como com a criação de ambientes favoráveis à aprendizagem;
Estamos presentemente com um rácio de 71 alunos por professor: Nestas
circunstancias, em que temos turmas numerosas, em algumas escolas,
o desempenho de um bom gestor, ajuda a identificar meios alternativos
e criativos, no contexto local, para que os professores ensinem... e os
alunos aprendam. A nossa estratégia contempla a formação de todos
os gestores do sistema Nacional de Educação
N. Sobre a existência de milhares de jovens, mulheres e homens que
não sabem ler nem escrever
Propusemo-nos a Alfabetizar um milhão de moçambicanos ao longo
do presente Quinquénio, e até ao ano de 2008, já tínhamos alcançado
270
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
1.300.000. A partir do presente ano, propusemo-nos a Alfabetizar
cerca de um milhão de moçambicanos por ano.
O. Sobre o Ensino Técnico Profissional/PIREP
O Ensino Técnico Profissional e Vocacional é uma das Prioridades do
nosso Governo no contexto da preparação dos cidadãos para a produção,
num mundo de trabalho competitivo, criativo, onde imperam as
vantagens comparativas e o espírito empreendedor.
Reconhecemos que, o ensino técnico passou por um período de estagnação
e não acompanhou a dinámica do sector produtivo. Para inverter este
cenário, estão em curso acções conjugadas entre o Governo e todos os
segmentos dinamizadores da economia;
Dada a importância do ensino técnico profissional no contexto de
desenvolvimento, passo a apresentar, parte das actividade realizadas,
neste subsistema, nos últimos quatro anos:
•Foram construídas e/ou reabilitadas e apetrechadas 27
Estabelecimentos do Ensino Técnico Profissional, públicos, privados,
comunitários;
•Em termos de efectivos de alunos no ensino técnico, passamos para
55.038 alunos, contra 33.700 em 2005, facto que representa um
crescimento na ordem dos 61%. Importa referir que, no período
em referência, a participação da rapariga, neste subsistema, foi
incrementada em 31 %;
•
Em todas as províncias foram transformadas as escolas básicas
agrárias em Institutos de nível médio;
271
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
• Foram implantados quatro Institutos Superiores Politécnicos;
•
Entrou em funcionamento o Instituto Superior para a Formação
de Professores do Ensino Técnico Profissional – Dom Bosco, onde
encontram-se em processo de formação 236 professores;
• 87 professores do ensino médio beneficiam de formação na Alemanha
e em Portugal em diversas especialidades, com maior ênfase em
matérias psico-pedagógicas baseadas em padrões de competências;
• Foram formados em matéria de gestão do ensino técnico, 50 directores
de escola e chefes provinciais de repartição do ensino técnico;
• Foram transformadas as Escolas de Artes e Ofícios em Escolas
Profissionais. Neste momento o País conta com 30 Escolas
Profissionais;
• Foram introduzidos novos cursos de nível médio nas seguintes
áreas: sistemas informáticos, Hotelaria e Turismo, Contabilidade
e Auditoria, Comunicação e Eco-turismo;
• Está em funcionamento o fundo de desenvolvimento de competências,
que já aprovou 60 projectos, avaliados em 2,4 milhões de Dólares
Americanos;
• Foram estabelecidos 15 Centros Comunitários de Desenvolvimento
de competências em distritos das províncias de Niassa, Cabo
Delegado, Nampula, Zambézia, Inhambane e Maputo;
• Foi introduzida a disciplina de Noções de Empreendedorismo no
Ensino Técnico.
P.Sobre o ensino superior/expansão vs qualidade
272
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
1.A implantação de Instituições de Ensino Superior Publicas, no
último Quinquénio, obedeceu ao objectivo estratégico de levar o ensino
superior para mais perto das comunidades;
2.Estamos cientes de que precisamos de acelerar a formação do corpo
docente, para dar resposta à expansão, neste nível de ensino. A nossa
estratégia é formar docentes a este nível, em território nacional, sob
a égide de Especialistas de Universidades com larga experiência e
mérito;
3.A formação em território nacional é, no nosso entender, bastante
vantajosa, porque irá dinamizar a criação de cada vez melhores
condições de ensino nas nossas Universidades, dado que os laboratórios,
o equipamento e a bibliografia usada para a formação de docentes
irá ficar no País e para o País, mas também será vantajoso porque a
formação; as pesquisas e investigações desses altos quadros irão versar
sobre aspectos da realidade nacional;
4.Para assegurar a qualidade no contexto da expansão e não só, foi
estabelecida a autoridade que vai zelar pelo controle e supervisão do
ensino superior. Essa autoridade, que entra em funcionamento ainda
este ano, tem o mandato para orientar, recomendar, corrigir e em casos
extremos propor ao Ministro que superintende a área, a suspensão ou
fecho de alguns cursos ou faculdades.
5.Introduzimos alterações à Lei do Ensino Superior para harmonizála com as reformas em curso noutros níveis de ensino, bem como para
ajustá-la ao contexto regional e internacional;
6.Foi introduzido o Sistema de Acumulação e Transferência de
Créditos Académicos; foram definidos novos qualificadores e está
em curso a preparação de um novo sistema de financiamento para
as universidades, particularmente as públicas, que passarão a receber
273
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
recursos do governo em função daquilo que elas se propuserem a
realizar em prol das prioridades do Governo.
A.Considerações finais
No próximo ano, por sinal, cinco anos após a introdução do Novo
Currículo no Ensino Primário, teremos ao nosso dispor uma avaliação
circunstanciada do Plano Estratégico da Educação e Cultura, na qual,
os aspectos sobre qualidade de ensino, merecerão o devido destaque.
Será mais uma oportunidade para aferir as causas de possíveis
imperfeições, algumas das quais já afloradas neste Magno Evento.
Importa referir que a par do questionamento sobre a eficiência das
passagens semi-automáticas, chegam-nos também questionamentos
sobre a pertinência de algumas disciplinas novas, introduzidas no
ensino primário;
Estamos abertos e pré dispostos a tomar as medidas correctivas, sempre
que se justificar, pois entendemos que a Qualidade é um processo, que
deve ser monitorado e ajustado continuamente.
Muito Obrigado.
Participantes do Seminário
274
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA
BASEADA NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO
FÉRIAS DESENVOLVENDO O DISTRITO
Henrique Cau
I - Introdução
Quando o Gabinete de Estudos da Presidência convidou-me
para fazer uma comunicação que iria ser apresentada no último
seminário de um ciclo destes no mandato do Governo liderado
por Sua Excelência o Presidente Armando Guebuza, tive duas
sensações; por um lado, senti-me tão pequeno para um enorme
desafio como este, pois, estava consciente da maior expectativa
em redor deste último seminário e, por outro lado, tive a sensação
de orgulho por poder constar da lista de académicos, especialistas
de várias áreas que durante os cinco anos apresentaram as suas
ideias, o seu pensamento e criaram um debate construtivo neste
espaço.
A escolha do tema a que me proponho a apresentar prende-se
com o facto de, em 2005 ter participado no Primeiro Seminário
do Gabinete de Estudos cujo tema foi: Jovens, Desenvolvimento
Rural e Combate à Pobreza em Moçambique: Que estratégias
viáveis para o Desenvolvimento dos Distritos? Neste seminário
foi apresentada a iniciativa “Férias Desenvolvendo o Distrito”
que é hoje uma das referências na contribuição para a colocação
dos jovens recém-formados nos Distritos, da qual faço parte.
Este facto encorajou-me bastante e contribuiu de certa forma
para que eu aceitasse o desafio de preparar esta comunicação,
inspirando-me em grande medida nas experiências do Projecto
Férias Desenvolvendo o Distrito.
275
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Esta comunicação tem como tema Distrito Pólo de Desenvolvimento:
Constatações e Desafios – Uma Leitura baseada nas experiências
do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, traz uma reflexão
sobre algumas constatações e desafios dos Distritos, após a sua
definição como pólo de desenvolvimento. A reflexão é baseada
na experiência das actividades desenvolvidas nos Distritos,
no período 2006-2009, pelos estudantes finalistas e recémgraduados, em 117 Distritos do País, no âmbito do Projecto Férias
Desenvolvendo o Distrito. O trabalho está dividido em quatro
partes. Primeiro, começa por trazer um enquadramento histórico,
legal e técnico do Distrito como Pólo de Desenvolvimento, a
partir da legislação que o Governo foi aprovou no âmbito do
processo da descentralização e desconcentração em curso
no nosso País. A seguir faz uma contextualização sobre o
Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito: a sua génese, os seus
objectivos e os resultados alcançados após a sua implementação
2006-2009. A terceira parte examina algumas realidades que
caracterizam os Distritos hoje, baseadas nas constatações feitas
pelos estudantes finalistas e recém graduados, no que tange à
Estrutura Orgânica dos Distritos, Participação do Cidadão no
Processo de Desenvolvimento, Planificação e Gestão Financeira
e a Integração de Técnicos com formação superior nos Distritos.
Por fim, apresentam-se alguns desafios em forma de propostas
para consolidar os vários aspectos positivos que caracterizam os
Distritos e para que sejam cada vez mais activos na liderança dos
processos de desenvolvimento.
II - Distrito pólo de desenvolvimento
O Distrito Pólo de Desenvolvimento faz parte de um processo
de reformas que tem sido levado a cabo em Moçambique, logo
após a Independência Nacional. No período colonial, vigorava
um sistema administrativo caracterizado por um centralismo
político com vista a satisfazer os interesses do regime colonial,
276
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
de explorar de forma efectiva os recursos naturais e humanos
em benefício da metrópole, daí que o aparelho administrativo
tinha em vista a satisfação dos interesses do colonialismo e não
para prestar melhores serviços públicos em benefício do povo
moçambicano. Com a proclamação da Independência Nacional,
foi adoptada uma estrutura administrativa caracterizada por
um modelo de natureza socialista, dadas as circunstâncias e a
conjuntura do momento e as estratégias de desenvolvimento
adoptadas pelo Partido no Poder.
A aprovação, promulgação e entrada em vigor da Constituição
de 1990, abriu caminho para adopção da economia de mercado
e um sistema político multipartidário, à emergência do sector
privado, de uma sociedade civil mais activa na tomada de decisão
e da monitoria das políticas de desenvolvimento, e o Estado teve
que definir claramente o seu papel perante a nova realidade,
o que implicou a sua reestruturação. Nesse processo, o grande
desafio era garantir a existência de uma base legal que permitisse
o funcionamento de forma descentralizada e articulação de todos
os Órgãos do Estado. Com efeito, em 1996, é aprovada através
da Lei 6/96 uma revisão pontual da Constituição, introduzindo
na Lei fundamental, a existência de Autarquias Locais e Órgãos
Locais do Estado, nos territórios não abrangidos pelas autarquias.
Nesta emenda pontual da Constituição da República ficou
explícito o princípio da Descentralização e Desconcentração,
através da consagração de um Título específico do Poder Local
(Título XIV), para tratar das autarquias locais e um capítulo
sobre os Órgãos Locais do Estado (Capítulo IV do Título XII),
para tratar dos Órgãos Locais do Estado.
A partir de 1998, iniciaram-se estudos com vista à definição
de um novo quadro legal sobre a organização, competências
e funcionamento dos Órgãos Locais do Estado. Em 2003,
foi aprovada pela Assembleia da República a Lei 8/2003, Lei
277
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dos Órgãos Locais do Estado. Em 2004, foi aprovada a nova
Constituição da República. Em Abril de 2005 , foi aprovado pelo
Conselho de Ministros o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais
do Estado, que incorpora aspectos decorrentes da Constituição
de 2004. O processo de implementação da Lei 8/2003 exigiu
uma reestruturação dos Órgãos Locais do Estado, nos escalões
de Província, Distrito, Posto Administrativo e Localidade,
para que estes pudessem cumprir cabalmente com as suas
responsabilidades.
A partir de 2003, assiste-se a mudanças significativas marcadas
pela aprovação da Lei dos Órgãos Locais do Estado (Lei
nº 8/2003) e seu regulamento (Decreto nº 11/2005), pela
institucionalização dos Conselhos Consultivos Locais (CCL) e a
alocação de um Orçamento de Investimento de Iniciativa Local
(OIIL), instituições que são introduzidas a partir de 2006.
A reforma dos Órgãos Locais preconizada na Lei nº 8/2003,
assenta no princípio de que o Distrito é a unidade territorial
principal da organização e funcionamento da administração
local do Estado, é a base da planificação do desenvolvimento
económico, social e cultural do país, passando a ser uma unidade
orçamental.
O Distrito Pólo de Desenvolvimento, traduz o preconizado
pela Lei 8/2003 e constitui de facto o nível do Governo mais
adequado para a prestação dos serviços básicos para a população,
é onde as comunidades podem participar do processo de
definição de prioridades nas áreas de intervenção para o seu
desenvolvimento bem como na planificação e monitoria das
políticas de desenvolvimento local.
Deste modo assume-se o Distrito como uma unidade governativa
e administrativa, política orçamental, legalmente a representar
278
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
os interesses e as necessidades da maioria dos moçambicanos, o
alicerce do Estado, o foco da intervenção e das políticas públicas
no âmbito do Programa do Governo e do Plano de Acção para a
Redução da Pobreza Absoluta.
Para além de ser uma decisão legal, administrativa e política,
há várias razões que fundamentam o Distrito como pólo de
desenvolvimento. Por exemplo, Weimer apresenta três das razões,
nomeadamente:
a) É nos distritos ou zonas rurais onde se encontra grande parte
da população activa e da base produtiva da economia do País
(agricultura, recursos minerais, pesca, turismo, …);
b)
Os distritos rurais são tidos como as zonas do país com
a incidência de pobreza absoluta mais alta, com carências
agudizadas quer nos bens de serviços públicos (Saúde,
Educação e água), quer no que diz respeito ao emprego,
acesso aos mercados e ao credito, bem como outros serviços
privados. Por isso qualquer política credível de redução da
pobreza tem que colocar o distrito como nível de intervenção
primordial; e
c) Uma grande parte da população rural não tem voz
institucionalizada nos processos de tomada, controle
de decisões, na formulação e na monitoria das políticas
públicas.
III - Projecto Férias desenvolvendo o Distrito
Reconhecendo as oportunidades que o meio rural oferece em
termos de recursos naturais e de desenvolvimento de iniciativas
que conduzam a criação do bem-estar social, o Governo à luz
da Lei 8/2003, definiu na sua matriz de governação, o Distrito
como pólo de desenvolvimento, o que implica a descentralização
de recursos materiais e financeiros para os Distritos pretendendo
279
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
dotá-los como unidades básicas para a planificação e ornamentação
do Estado.
Um dos desafios para tornar efectiva esta política, é ter recursos
humanos qualificados capazes de traduzir as políticas do
Governo e os anseios das comunidades a todos os níveis em
acções concretas em prol do desenvolvimento do Distrito. Para
que a descentralização seja efectiva é fundamental para além
da descentralização de competências administrativas (recursos
materiais e financeiros) a criação de uma capacidade em recursos
humanos à altura dos desafios do processo da descentralização.
Uma das alternativas para este desafio imposto aos Distritos
nesta nova matriz de governação, passa por um esforço conjugado
de todos os sectores da sociedade, na consciencialização dos
Governos locais, instituições de ensino superior, técnico
profissional e as organizações da sociedade civil, na mobilização
de técnicos qualificados e na capacitação de recursos humanos
que hoje asseguram o funcionamento do Estado ao nível dos
Distritos, para que possam corresponder às exigências do
desenvolvimento.
A existência de uma política clara de atracção de técnicos
qualificados para os Distritos, quer como funcionários públicos
para reforçar as capacidades locais, quer como empreendedores,
afigura-se de extrema importância para fazer face aos desafios do
desenvolvimento do Distrito e do país no geral, e uma alternativa
para fazer face aos elevados índices de desemprego nas grandes
cidades.
Vendo as oportunidades que o meio rural oferece para os recém
graduados e respondendo aos apelos de Sua Excelência o Senhor
Presidente da República, Armando Emílio Guebuza, de tornar
o Distrito como pólo de desenvolvimento, a Associação dos
280
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique (AEFUM)
desenhou em 2005, o Projecto Ferias Desenvolvendo o Distrito,
tendo como um dos objectivos essenciais, interessar os técnicos
com formação superior a voltar a viver115 e trabalhar nos Distritos
através da sua inserção profissional e ou da descoberta individual
das oportunidades e potencialidades que os Distritos oferecem
para os recém-graduados na criação de auto-emprego.
O projecto consiste em levar estudantes finalistas e recémgraduados aos Distritos no período de férias, afim de
desenvolverem actividades em diversos sectores de actividades
que estejam em conformidade com a sua área de formação, e
a necessidade de cada Distrito. Esta forma de interacção com
o Distrito tem permitido reforçar as capacidades dos Distritos
em recursos humanos, criar oportunidades de emprego ou auto
emprego aos jovens, através do conhecimento e reconhecimento
das potencialidades e oportunidades que os Distritos oferecem
e ao mesmo tempo proporcionar a experiência prática dos
estudantes finalistas que lhe é cada vez mais exigida no mercado
de emprego.
De acordo com os Relatórios da AEFUM, de 2006 a 2009, o
projecto abrangeu 117 Distritos em todo o País, contemplados
489 estudantes finalistas e recém-graduados sendo que em 2006,
a participação foi de 80 estudantes, 2007 (91), 2008 (136) e 2009
(182), como pode se ver no gráfico 1. Dos 489 estudantes finalistas
e recém-graduados, 113 estão integrados profissionalmente na
função pública nos Distritos e 81 nos outros sectores (ver Gráfico
2).
115
Voltar a viver dado que grande parte dos técnicos com formaçao superior tem a sua origem nos
distritos.
281
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Gráfico 1: Evolução da participação
Gráfico 2: Integração professional nos Distritos
282
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Gráfico 3: Participação das Instituições do Ensino Superior
Gráfico 4: Áreas de afectação dos finalistas nos Distrito
283
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Gráfico 5: Representação do género no projecto
Os gráficos 3, 4 e 5 representam respectivamente a pparticipação
das Instituições do Ensino Superior, áreas de afectação dos
finalistas nos Distrito e a representação do género no projecto.
Como pode-se verificar no gráfico 4, nos Distritos, os estudantes
que participam do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, são
integrados de forma voluntária em diversos sectores de actividade
junto dos serviços distritais e nas comunidades, de acordo com a
área da sua formação e a necessidade do Distrito. As áreas mais
solicitadas são: Agricultura,Turismo, Educação, Ambiente, Saúde,
Tecnologias de Informação e Comunicação, Pescas, Comercio,
Justiça, Planificação e Descentralização, Administração, Infraestruturas, Acção Social, Contabilidade e Gestão e Projectos
Comunitários. Como resultado da interacção entre os Governos
Distritais, Comunidades e estudantes, é possível constatar nos
Distritos aspectos como:
•Melhorias nos processos de elaboração e tramitação de expediente,
na elaboração dos planos sectoriais e na planificação distrital
como resultado de troca de experiências entre os finalistas e os
técnicos de planificação afectos em diversos serviços;
284
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
• Alguns Distritos passaram a ter planos de Gestão ambiental,
caso de Moma em Nampula e Plano de ordenamento territorial
no Distrito de Funhalouro em Inhambane, mais Distritos com o
domínio no uso de Tecnologias de Comunicação e Informação.
• Algumas associações de produtores com conhecimentos
básicos para a elaboração e gestão de projectos de geração de
rendimentos, emprego e produção de comida.
Estes são alguns exemplos concretos dos vários resultados
das actividades que os finalistas têm estado a desenvolver em
coordenação com os vários organismos e outros intervenientes
nos Distritos. Para além de reforçar a capacidade local tendo
como referência os exemplos acima apresentados, podemos
encontrar dentro da filosofia do projecto, elementos de natureza
subjectiva, pois, permite também:
a) Fortalecer o espírito da unidade nacional na juventude:
Dando oportunidade aos estudantes finalistas de sair da
província onde se encontram a estudar para conhecerem outras
realidades e interagir com as comunidades, tem contribuído para
conhecer a dimensão real do País e construir um pensamento
comum entre os jovens e ter ainda uma visão global do problema
e desenhar estratégias de enfrentá-los a partir do local onde ele
estiver inserido.
b) Desenvolver o espírito de solidariedade, irmandade e
patriotismo: Neste aspecto, é de notar a criação do espírito de
solidariedade e de apoio às comunidades de forma voluntária,
criando, quer do lado do estudante, quer da comunidade, a
noção de que todos somos filhos de uma pátria em que a ajuda
mútua para a resolução dos problemas ultrapassa a origem tribal,
regional e cultural de todos os envolvidos no processo de busca
de soluções para os diversos desafios do país.
285
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
c) Pôr a ciência, tecnologia e a capacidade humana como
factores chave para o desenvolvimento: Isto significa
materializar os conhecimentos teóricos e tecno-científicos
adquiridos pelos finalistas e recém-graduados durante o processo
de aprendizagem na faculdade, com o conhecimento empírico
das comunidades na busca de alternativas sustentáveis para o
desenvolvimento do Distrito.
d) Desenvolver o espírito empreendedor no seio dos finalistas
e recém-graduados: Com a deslocação dos estudantes de
diversas áreas de formação para vários Distritos do país, cria-se
oportunidade não só de ver o Moçambique real, mas também de
verificar as potencialidades e as oportunidades que cada Distrito
apresenta para o finalista para a criação do seu próprio emprego
e para as comunidades locais. Cria-se também relações com as
autoridades locais que podem facilitar a integração dos projectos
dos jovens nos planos de desenvolvimento do Distrito.
e) Promoção e divulgação de potencialidades existentes
nos Distritos: Tendo em conta que nem todos os finalistas e
recém graduados que vão ao Distrito conseguem oportunidades
de emprego ou de desenvolver o seu projecto de geração de
rendimento, após o seu regresso, estes tornam-se embaixadores
dos locais onde estiveram e deste modo, promovem a vários níveis
as potencialidades e oportunidades que os Distritos têm para a
aplicação dos investimentos. Esta acção poderá ter resultados a
médio e longo prazo, numa altura em que poucos se lembrarão
do impacto deste movimento.
f ) Incentivar e estimular o movimento estudantil universitário
activo nos processos de desenvolvimento do país: A participação
de estudantes provenientes de diversas instituições do ensino
superior e de todas as províncias, poderá se repercutir na criação
de movimentos provinciais e regionais com iniciativas concretas
286
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para apoiar o desenvolvimento das suas províncias e regiões, bem
como do país no geral.
IV – Constatações nos Distritos
Neste subtema, pretende-se fazer uma leitura da actual Estrutura
Orgânica dos Distritos,o nível de Planificação e Gestão Financeira,
Participação do Cidadão no processo de Desenvolvimento e
integração de técnicos qualificados nos Distritos.
a) A nível da Estrutura Orgânica dos Distritos
O Distrito como base de planificação e desenvolvimento local,
constitui o nível de Governo mais adequado para a prestação
dos serviços básicos a população, por este estar mais próximo
do cidadão, sendo necessário adequar a sua estrutura orgânica
para que se torne um verdadeiro instrumento virado para uma
administração participada e orientado para o desenvolvimento.
Perante a nova matriz de governação que centra o Distrito como
o epicentro de toda a actividade que visa o desenvolvimento
do país, a questão que se coloca é: como deve ser a estrutura
orgânica de cada um dos 128 Distritos, sabendo que eles têm
características socioeconómicas, culturais, administrativas, de
recursos naturais e humanos diferenciados. Como é que cada um
deles responde aos desafios de prestação de serviços essenciais
à população do respectivo Distrito e assegura a participação
efectiva da população na solução dos problemas quotidianos das
populações do Distrito?
A prestação de serviços pela Administração deve ser regular,
contínua e ir ao encontro das necessidades colectivas. Muitos
sectores devem ter estabelecido medidas para melhorar a prestação
de serviços, assim como programas que assegurem qualidade dos
mesmos. A capacidade do Distrito melhorar significativamente
a prestação de serviços, não depende exclusivamente do Governo
287
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
local, mas de uma conjugação de esforços a nível provincial e
central por um lado, por outro, na consolidação dos programas e
medidas no âmbito da reforma do sector público.
De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 43 da LOLE, a
“criação dos serviços distritais é da competência do Governador
Provincial, dependendo das necessidades, potencialidades e
capacidades de desenvolvimento económico, social e cultural do
Distrito”. O art. 2 do decreto n.o 6/2006 incentiva a criação de
mais dois serviços distritais de acordo com as potencialidades e
necessidades de desenvolvimento do Distrito.
A actual Estrutura Orgânica dos 128 Distritos, apresenta uma
uniformidade em termos de serviços criados (serviço distrital
de planificação e infra-estruturas, serviço distrital de educação,
juventude e tecnologia, serviços distritais da saúde, mulher e
acção social e serviços distritais das actividades económicas). Esta
estrutura foi criada no sentido de responder aos actuais desafios
do Distrito como unidade de planificação e orçamentação e no
âmbito da reforma do sector público.
A figura abaixo ilustra a actual estrutura orgânica dos Distritos.
Estrutura orgânica dos Distritos
Fonte: Decreto 6/2006 de 12 de Abril.
288
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Entretanto, com esta estrutura, pudemos constatar que os
Distritos fizeram uma réplica linear do disposto no Decreto n.º
6/2006116, o que pressupõe que não se criaram os serviços distritais
de acordo com as potencialidades dos mesmos, não observando
deste modo o disposto no n.º 2 do art. 43 da LOLE117. A título de
exemplo, o Distrito de Vilanculos poderia ter os serviços distritais
do Turismo, o de Chókwé os Serviços Distritais de Agricultura
e o de Massingir os Serviços Distritais das Pescas. Deste modo,
poderia optimizar-se a eficácia e eficiência de cada Distrito
em termos de aproveitamento das potencialidades nas áreas de
turismo, agricultura e pescas. Face a esta situação, sugere-se a
criação de serviços distritais que respondam a potencialidades
que mais se destacam a nível do distrito.
A não existência de uma especificação clara da base económica
do Distrito, tem reflexos que se repercutem na definição de
áreas estratégicas no Plano Estratégico de Desenvolvimento
do Distrito, na medida em que não são levadas em conta
as peculiaridades e potencialidades de cada um destes. Esta
situação cria dificuldades na identificação das áreas em que
cada Distrito tem vantagens comparativas, onde grande parte
dos recursos poderia ser aplicados, de modo a especializá-lo na
produção daquilo que o torne mais competitivo a nível nacional
e regional.
A estrutura orgânica do governo Distrital deve ter em conta as
especificidades de cada Distrito, e ainda responder a estratégia
de combate à pobreza no respectivo território. Isto equivale
dizer que deve ter capacidade necessária em termos de recursos
humanos qualificados, afectos de acordo com as potencialidades
116
O Decreto n.o 6/2006 aprova a Estrutura Orgânica dos Governos Distritais.
117
Este artigo refere que a “criação dos serviços distritais é da competência do Governador Provincial,
dependendo das necessidades, potencialidades e capacidades de desenvolvimento económico, social e
cultural do distrito”. Ainda o art. 2 do Decreto n.o 6/2006 incentiva a criação de mais dois no máximo
serviços distritais de acordo com as potencialidades e necessidades de desenvolvimento do distrito.
289
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
específicas, materiais e financeiros, para responder as exigências
decorrentes do exercício das suas atribuições e competências no
âmbito do combate à pobreza e do desenvolvimento local.
b) A nível da Planificação e Gestão Financeira
Neste subtema interessa analisar a inserção dos planos estratégicos
do país nos planos estratégicos distritais, vice-versa, e a situação
da gestão financeira dos fundos designados por Orçamento de
Investimento de Iniciativas Locais (OIIL) destinados para a
produção de comida, emprego e geração de rendimentos.
No tocante aos planos estratégicos, pressupõe-se que para
uma planificação com finalidade de definir os vectores de
desenvolvimento, objectivos claros, indicadores e metas deve-se
adoptar uma política de uma planificação alinhada e harmonizada
de forma hierarquizada obedecendo a dois critérios (1) uma
planificação de base para o topo e (2) do topo para a base. As
opções dependem das orientações politicas do Governo. Uma
planificação obedecendo a um destes critérios e seguido de forma
rigorosa e alinhada, permite a melhor distribuição dos recursos
materiais, financeiros e humanos e que não haja duplicação de
esforços, as acções e as metas são avaliadas e monitoradas a todos
os níveis de governação.
Numa análise feita aos Planos Estratégicos de Desenvolvimento
dos Distritos e aos Planos Estratégicos Provinciais e mesmo ao
Plano Quinquenal do Governo, nota-se uma discrepância em
períodos da sua elaboração e implementação. Na mesma Província
por exemplo, em Manica e Niassa, há Distritos que tiveram o seu
plano estratégico antes da província com um horizonte temporal
superior ao da província e outros depois da província. A questão
que se coloca é: qual dos dois documentos é orientador para a
elaboração do outro. Ou por outro, qual é a ligação entre o Plano
Estratégico do Distrito e o Plano Estratégico da Província e este
com o Plano Quinquenal do Governo?
290
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Perante este cenário, há um desafio que se coloca ao nível da
planificação estratégica, de poder se fazer a harmonização dos
planos de desenvolvimento do país (Nacionais, Provinciais e
Distritais), com indicadores e responsabilidades bem claras de
cada nível de governação o que poderá permitir o cumprimento
dos objectivos e das metas nacionais através de uma visão
desenhada do topo para a base ou vice-versa.
Ao nível da planificação e gestão do Orçamento de Investimento
de Iniciativas Locais (OIIL), observa-se ainda alguns desafios na
elaboração de um plano claro e rigoroso a respeito da alocação e
gestão dos fundos que devem ser utilizados para financiar projectos
que visem a geração de rendimentos, comida e emprego. Nota-se
com maior frequência em alguns Distritos que mais de 50% dos
projectos financiados estejam virados ao ramo comercial (compra
de produtos para a venda em barracas/mercados), contribuindo
assim para um maior consumo em detrimento do aumento da
capacidade de produção a nível local.
Neste âmbito, e atendendo ao que foi dito no parágrafo anterior, é
importante definir ao nível da planificação e junto aos Conselhos
Consultivos Distritais, as áreas estratégicas de desenvolvimento
do Distrito, sobretudo aquelas que visam apoiar o aumento da
produção local, investindo-se na exploração das potencialidades
destes, promovendo a sua auto-sustentabilidade. Os projectos a
serem financiados por OIIL deveriam estar mais direccionados ao
aumento da produtividade local através da exploração sustentável
das potencialidades e recursos naturais disponíveis localmente.
Uma outra realidade referente ao OIIL, é a inexistência de
suporte documental, claro e vinculativo na altura da concessão
dos recursos incluindo a ausência de um plano de reembolsos com
cronograma acordado entre as partes; limitados conhecimentos
de gestão financeira de projectos; fraca viabilidade técnica e
291
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
económica financeira de projectos para enfrentar situações de
riscos como as calamidades naturais.
O outro aspecto tem a ver com um dos critérios aceites para a
concessão do financiamento, e que constitui apelo dos Governos
Distritais, a criação das associações de produtores, entretanto, não
existe um sistema para o fortalecimento institucional destas, e
nota-se maior fragilidade na sua constituição, clareza nos seus
objectivos, natureza dos seus membros. Algumas associações
criadas são motivadas pela existência do OIIL sem objectivos
claros para a sua existência, estas são desfeitas imediatamente
após a recepção de recursos do OIIL comprometendo deste
modo a sua devolução e a consequente rotação por candidatos a
este financiamento.
Para além da constatação feita no terreno por finalistas no referente
a este aspecto da fragilidade das associações dos produtores, o
Relatório balanço da implementação do OIIL de 2006-2008
do Ministério da Planificação e Desenvolvimento, faz menção a
situações idênticas as citadas no parágrafo anterior, nos Distritos
de Cahora Bassa e Tsangano (Tete) e Pebane (Zambézia).
A experiência da gestão do OIIL, sugere uma reflexão profunda
e a um novo desafio sobre a necessidade da definição de uma
estratégia de gestão dos fundos, que passaria pela criação de
uma capacidade para definir os vectores de desenvolvimento em
função das potencialidades e recursos locais característicos de
cada Distrito (agricultura, turismo, pescas, recursos faunísticos,
etc.), respondendo as preocupações das comunidades expressas,
através dos Conselhos Comunitários e Conselhos Consultivos
Distritais.
Essa capacidade a ser criada, teria também como função, a
definição das áreas potencialmente financiáveis e os critérios de
selecção dos projectos a financiar assim como fazer a monitoria
292
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
e avaliação dos projectos financiados. Estaria também ligada a
adopção de estratégias de captação de tecnologias apropriadas
para garantir a maior produtividade de projectos financiados que
respondam à exploração sustentável dos recursos e potencialidades
do Distrito.
Uma estratégia que inclui a criação desta capacidade, garante a
melhor aplicação dos fundos e o alcance dos objectivos esperados
em termos de adopção de técnicas avançadas para aumentar a
produtividade e o retorno dos fundos aos cofres do Estado, que
seriam usados de forma rotativa ao nível dos necessitados dentro
do Distrito.
A vantagem da criação desta capacidade local, prendem-se com
o facto de poder:
a) Reduzir de forma gradual a dependência do Distrito em
relação ao Governo central no fornecimento anual de um
valor para projectos de geração de rendimentos; produção de
comida e criação de postos de emprego;
b) Garantir a sustentabilidade dos projectos a serem aprovados
através do acompanhamento técnico na sua concepção,
implementação e monitoria, avaliação e rentabilização dos
seus resultados;
c) Garantir a transferência e o estabelecimento de tecnologias
apropriadas para um desenvolvimento sustentável do distrito
assim como centros de incubação de negócios para minimizar
os riscos no negócio ou na produção;
d) Garantir o cumprimento de prazos e de retorno dos
rendimentos dos investimentos que serão transferidos para
financiamento de outros projectos da mesma natureza;
e) Evitar as possíveis contradições entre as estruturas governativas
293
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
e as comunidades que pretendem ter financiamento, mantendo
a confiança entre as duas partes, quer dizer, enquanto for o
Governo o último a decidir sobre a atribuição dos valores aos
requerentes do financiamento, passa a desenvolver-se uma
relação de Governo (Credor) e Comunidade (devedor) o que
de certa forma pode condicionar um mau relacionamento
entre as duas partes.
d) A nível da Participação e Compromisso do Cidadão
A democracia requer que o cidadão sinta e tenha o direito de
influenciar na elaboração dos planos do Governo, sobretudo nas
decisões que afectam a sua vida. A atribuição desta faculdade
ao cidadão deve ser acompanhada pela descentralização da
informação necessária, para que a participação deste seja plena
e efectiva. Na verdade, a disponibilização da referida informação
ao cidadão não constitui mais do que a efectivação do Direito à
Informação, constitucionalmente consagrado.
A reforma do sector público em curso, a descentralização e a
desconcentração, trouxeram novos conjuntos de expectativas aos
cidadãos nas suas localidades, as quais as autoridades governativas
e as lideranças locais devem corresponder. O princípio da
participação do cidadão no processo de desenvolvimento, tem
em vista o envolvimento das pessoas não somente como os
beneficiários finais do desenvolvimento, mas também como os
principais agentes. O nível de eficácia de participação pode ser
apreciado através:
•
•
•
Do grau de acesso aos centros de tomada de decisão que
reflicta a escolha democrática dos cidadãos;
Da existência de uma plataforma de diálogo/estrutura de
consulta que representa os actores (governo local, comunidades
locais, empresariado, sociedade civil, etc.);
Da proporção de projectos/programas que adoptam a
294
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
•
abordagem participativa (na planificação, implementação e
monitoria) e
Do nível de consciência cívica (civismo).
O nível de participação e envolvimento do cidadão na governação
local está em processo em alguns Distritos, e noutros, ainda não
atingiu os níveis desejados, devido a uma diversidade de factores
que ainda se manifestam na máquina governativa. Em alguns
Distritos são poucas as ocasiões em que as comunidades são
chamadas a participar, no sentido de dar as suas opiniões em
determinadas matérias no processo da planificação e tomada de
decisão sobre vários aspectos da vida do Distrito. Geralmente,
estas são chamadas através dos seus representantes nos Conselhos
Consultivos, sem estes terem informação dos pontos a serem
debatidos e ouvida a sua opinião para que de facto, fique a idéia
de que a comunidade está presente na tomada de decisão.
Este facto, pode comprovar que os representantes das
comunidades quando são chamados é muito mais para legitimar
os projectos/programas/planos de desenvolvimento e/ou despesas
programadas pelo Governo Distrital. A esta situação, alia-se
também ao facto de alguns representantes das comunidades não
serem capazes de discutir e influenciar na definição de planos e
na tomada de decisão sobre os mesmos.
As comunidades locais deveriam ter um maior grau de participação
na tomada de decisões de forma directa ou por via de instituições
legítimas intermediárias que representam as suas intenções. Tal
participação abrangente, pode ser construída através da liberdade
de associação e expressão constitucionalmente consagrada, como
também através da participação nas instituições de consulta
comunitária.
295
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Alguns Distritos, apesar de não respeitarem a participação
activa do cidadão na tomada de decisão, os Governos Distritais
têm uma visão de desenvolvimento clara e um plano estratégico
operacional para alcançar esta visão. Entretanto, a visão de
desenvolvimento ainda não é transferida para as comunidades.
E como resultado, estas dificilmente poderão colaborar com
as autoridades locais na materialização das metas traçadas nos
referidos planos.
Assumindo-se que os planos estratégicos constituem os caminhos
a serem percorridos para se alcançar os objectivos traçados em cada
Distrito que é o desenvolvimento, o seu domínio/conhecimento
deveria ser de todo o cidadão do Distrito. Em comícios, os
Senhores Administradores deviam fazer a ligação das acções em
curso e programas futuros, ao plano estratégico do Distrito, que
é o instrumento fundamental para o combate à pobreza a partir
da comunidade. A sua divulgação ao cidadão comum, daria
espaço para que cada indivíduo soubesse como contribuir para
que o plano se torne uma realidade e participaria também em
acções de monitoria dos mesmos planos. Numa conversa com
um comerciante sobre o plano estratégico de desenvolvimento
de um distrito da província de Inhambane em 2007 este disse:
“Não temos água, não temos infra-estruturas, não sabemos o que este
senhor administrador quer fazer com tanto dinheiro que anualmente
o distrito recebe”.
Estas declarações que de certa forma não devem ser vinculativas
se tivermos em conta o universo da população do Distrito em
termos quantitativos, tem o seu valor qualitativo tendo em
consideração o grau de influência deste comerciante no Distrito.
A mesma questão colocada a um professor local, também
demonstrou o não conhecimento do plano do Distrito em
relação ao seu próprio sector tendo apresentado dificuldades da
296
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
sua própria escola em que algumas aulas são dadas debaixo da
árvore.
As questões aqui apresentadas traduzem a necessidade não
somente da auscultação do cidadão para o processo da planificação
mas também a necessidade da divulgação do plano que contem
as prioridades do Distrito aprovadas pelo Conselho Consultivo
e isto vai permitir o envolvimento de todos os segmentos da
sociedade na busca de soluções.
e) A nível da Integração dos Técnicos com Formação Superior
nos Distritos
Tendo em conta o papel do capital humano no processo de
desenvolvimento de uma nação, e reconhecendo o esforço do
governo de transformar o distrito como o teatro das operações
que visam a promoção do desenvolvimento do mesmo, a
AEFUM tem-se desdobrado no desenvolvimento do espírito
do gosto pelo distrito aos jovens finalistas e recém-graduados,
transmitindo sempre a necessidade de se apostar no Distrito
para aplicação dos seus conhecimentos científicos e na busca de
soluções técnico cientificas sustentáveis para o desenvolvimento
da comunidade.
Fazendo uma retrospectiva dos resultados obtidos desde o inicio
do projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, em 2006, com um
plano que previa que até 2009, todos os 128 Distritos deveriam ter
pelo menos três técnicos com formação superior, hoje, podemos
constatar que muitos Distritos tem mais do que três técnicos
com formação superior embora alguns ainda necessitem de um
grande reforço.
Um dos resultados do projecto é o facto de ter quebrado com os
receios que à tempos atrás reinavam, quer do lado dos recémgraduados, que achavam o Distrito como um local sem condições
297
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para se viver, quer por parte dos Governos distritais, no sentido de
se acharem não dispôr de condições para oferecer a um técnico
com formação superior, e alguns dirigentes a este nível sentirem as
suas posições de chefia ameaçadas.
A convivência entre o recém-graduado com as comunidades e
as estruturas governativas dos Distritos, cria um ambiente de
exploração de vantagens comparativas. As comunidades acreditam
na solução dos seus problemas do dia-a-dia através da ciência e
da técnica. Os governos distritais também passam a acreditar na
mais-valia em ter um técnico com formação superior, a aceitar as
condições locais e a dar a sua contribuição na melhoria da situação
actual. O finalista ou recém-graduado toma sempre a consciência
da realidade que vive e que só com a sua contribuição o Distrito
poderá sair da situação que se encontra actualmente.
Ao se traçar o projecto Férias Desenvolvendo o Distrito, esperavase como um dos resultados, a integração dos técnicos superiores
em duas vertentes: a primeira no sector público e a segunda como
promotores do seu próprio emprego.
Um dos grandes desafios neste processo, apesar de existir uma
enorme vontade dos Governos distritais em fazer o recrutamento
dos recém-graduados, a luz do Decreto nº 5/2006 que atribuiu as
competências aos Governos Distritais, é a burocracia excessiva que
tem-se verificado no tratamento dos processos desde o lançamento
do concurso, admissão do candidato até ao visto do Tribunal
Administrativo.
O tempo da aprovação do candidato submetido ao concurso e, da
sua admissão no Aparelho de Estado no Distrito, chega a superar
um período de um ano e meio em alguns casos, o que se reflecte de
certa forma na operacionalização e cumprimento do plano anual do
Distrito por um lado, e por outro, uma vez estando-se no mercado
competitivo, os candidatos ora aprovados com as qualificações
298
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
que respondam imediatamente aos desafios do Distrito, acabam
assinando outros contratos com outras empresas, que mesmo com
saída do seu visto do Tribunal Administrativo não o permite sair
para ir trabalhar no Distrito como era do seu sonho e respeitando o
compromisso com a comunidade e o Governo do Distrito aquando
do projecto.
Os processos burocráticos deveriam ser simplificados para garantir
a maior flexibilidade na admissão dos recursos humanos no
Aparelho do Estado e isto passa pela compreensão dos contornos
que os processos percorrem desde o lançamento do concurso até
ao visto do Tribunal Administrativo. Contudo, várias vezes, os
técnicos dos recursos humanos dos vários sectores do Aparelho
Estado questionados sobre o ponto de situação do processo, sempre
dizem estar no Tribunal Administrativo.
Tendo o administrador competências para admitir o seu quadro do
pessoal e a planificação ser feita ao nível do Distrito, este processo
devia ser acompanhado pela descentralização de forma gradual de
todos os serviços que velam pela melhor aplicação dos fundos do
Estado que é o caso do Tribunal Administrativo e da Contabilidade
Pública, instituições também indispensável no recrutamento de
recursos humanos para a função pública. Assim, estariam criadas
as condições para a concretização do processo da desconcentração
e descentralização administrativa e financeira para os Distritos.
A aposta na colocação urgente dos técnicos qualificados nos
Distritos, devia ser uma das estratégias prioritárias do Governo para
a concretização da política “Distrito Pólo de Desenvolvimento”,
devido ao potencial deste grupo na transferência de noções de
desenvolvimento para as comunidades que,para si o desenvolvimento
é somente ter comida para hoje e não na dimensão que o Governo
pretende que seja, apesar de hoje ser um dos primeiros passos.
299
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
A indiferença em algumas comunidades, em aumentar os
níveis de produtividade, de modo a se alcançar os níveis de
desenvolvimento que se pretende, pode estar aliado a falta de
referências de indivíduos que estejam a transformar o discurso
da necessidade do desenvolvimento em acções concretas de
desenvolvimento. Para um indivíduo que passou a sua formação
com a facilidade de acesso a informação e com conhecimento
de algumas tecnologias indispensáveis no processo da produção,
colocado num Distrito sem estas condições, de certeza que
este fará todo o esforço para que estes serviços ou tecnologias
estejam presentes no Distrito para beneficiar-se a si e a outros
que passarão a ter o conhecimento do então desconhecido pela
comunidade local.
Na vertente de descoberta de oportunidades e potencialidades
para o desenvolvimento do espírito empreendedor e criação de
auto-emprego, não existem ainda dados concretos de jovens
que participaram do projecto que estejam já a desenvolver o seu
próprio negócio no Distrito. Existe sim, conhecimento de que
grande parte dos contemplados voltam com ideias que possam ser
transformadas em projectos de geração de auto-emprego, e outros
que estão em busca de financiamento para o seu arranque.
O desafio que se verifica nesta vertente do empreendedorismo
de acordo com alguns finalistas que já estiveram contemplados
pelo projecto, é o acesso ao apoio financeiro no Distrito onde
identificou as oportunidades e as potencialidades adequadas
para a implementação do seu projecto. Esta situação deve-se ao
facto dos critérios para o acesso ao OIIL nos Distritos, excluir
indivíduos que não estejam a viver naquele Distrito.
Para alguns finalistas as dificuldades prendem-se ao facto de não
terem conhecimentos básicos para a elaboração dos projectos
económica e tecnicamente sustentáveis. Para este aspecto,
300
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
sugere-se um esforço conjugado entre as instituições do ensino,
instituições privadas e o Governo.
As instituições do ensino deveriam nos seus curriculas não
só leccionar as cadeiras de metodologia de investigação, mas
também as que permitam ao recém-graduado fazer um projecto
de geração de auto-emprego.
O sector privado deveria assumir o treinamento dos
finalistas através de estágios pré-profissionais, sendo uma das
responsabilidades sociais das empresas, para permitir que o
estudante tenha o contacto com o sector produtivo ainda no
processo de formação e comece a pensar num projecto de geração
de auto-emprego virado a uma actividade que tenha o mínimo
do seu conhecimento.
Neste processo, o Governo poderia criar pacotes de apoio
aos jovens recém-graduados que queiram começar o seu negócio
no Distrito após a sua formação independentemente de ser
natural daquele Distrito, mas que tenha um projecto exequível e
que esteja de acordo com as linhas de financiamento aprovados
pelos Conselhos Consultivos.
V - Desafios
•
Os Distritos devem adequar a sua estrutura orgânica de
acordo com as potencialidades existentes localmente;
•
Criar uma capacidade técnica e analítica aos membros dos
Conselhos Consultivos Distritais de modo a serem capazes
de participar no processo de identificação e priorizarão
dos projectos com impacto a nível local, terem capacidade
de apreciar e aprovar o relatório da execução global do
Orçamento do Distrito entre outras tarefas;
•
Harmonizar os Planos Estratégicos de Desenvolvimento
301
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
a todos os níveis no concernente ao horizonte temporal,
objectivos, indicadores e metas;
•
Criar mecanismos rigorosos e flexíveis que possam reforçar a
capacidade dos conselhos consultivos na definição de projectos
viáveis para o financiamento do OIIL que correspondam as
potencialidades dos distritos, e que garantam o apoio técnico
aos beneficiários do financiamento, desde a elaboração dos
projectos, sua gestão e a monitoria e avaliação;
•
Compreender os contornos dos processos burocráticos para
admissão de técnicos qualificados no Aparelho de Estado de
modo a criar se um processo mais simples e flexível;
VI - Conclusão
A presente comunicação peca por trazer uma série de realidades
e desafios e pouco faz a menção sobre os grandes avanços que
se verificam nos Distritos em prol do seu desenvolvimento. Pese
embora as realidades e desafios apresentados ao longo desta
comunicação que devem ser entendidos como parte de um
processo gradual de desenvolvimento, é preciso reconhecer os
grandes avanços que se notam no meio rural desde que o Distrito
foi largamente considerado como pólo de desenvolvimento.
Fazendo a leitura do depois, é hoje notório nas zonas rurais uma
dinâmica rumo ao desenvolvimento. Há mais moçambicanos a
tomarem decisões sobre as prioridades para o seu desenvolvimento,
há sinais visíveis de aumento de níveis de produtividade, nota-se
melhorias na habitação e na criação de novos postos de emprego.
Hoje, os Distritos são grandes centros de atracão de investimento,
a banca vai cada vez mais se estendendo para as zonas rurais, vão
melhorando as condições de saneamento. Os dados estatísticos
já demonstram que os níveis de pobreza reduziram de 2003 a
2009 de 53% para 44% isto significa que houve grandes avanços
302
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
no desenvolvimento do nosso país.
É de salutar o envolvimento da juventude na liderança dos
processos de desenvolvimento, em vários sectores de produção.
Reparando para o caminho já percorrido, há razões suficientes
para continuar a afirmar e apostar no Distrito como pólo de
desenvolvimento, dando mais oportunidades as populações que
lá vivem, aumentando a sua auto-estima, reforçando a capacidade
local através de enquadramento de técnicos qualificados, e
garantindo a capacitação dos recursos humanos que existem
localmente, o que vai permitir a prestação de melhores serviços ao
cidadão e flexibilizar a entrada de investimentos nos Distritos.
VII - Bibliografia
•
Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de
Moçambique. Relatório do Projecto Férias Desenvolvendo o
Distrito (província de Niassa e Nampula). Maputo, 2006.
•
_____________________________________________
_____. Relatório do Projecto Férias Desenvolvendo o Distrito
(Províncias de Gaza, Inhambane e Manica). Maputo, 2007.
•
Boletim da Republica (2005). Regulamento da Lei dos Órgãos
Locais do Estado. Maputo: I Serie, Numero 23
•
•
Ministério da Planificação e Desenvolvimento. Relatório
Balanço da Implementação do Orçamento de Investimento de
Iniciativa Local 2006-2008. Maputo, 2009.
VALÁ, Salim Cripton. Descentralização e Desenvolvimento
Sustentável no “Moçambique Rural” Como apreender do passado
a caminhar para o futuro? In: 10 anos de Descentralização em
Moçambique os Caminhos Sinuosos de um Processo Emergente.
UEM, Maputo, 2008.
303
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
DISTRITO PÓLO DE DESENVOLVIMENTO:
CONSTATAÇÕES E DESAFIOS – UMA LEITURA
BASEADA NAS EXPERIÊNCIAS DO PROJECTO FÉRIAS
DESENVOLVENDO O DISTRITO
(Comentário ao texto de Henrique Cau)
Augusta de Fátima Maita Pechisso
INTRODUÇÃO
Com a licença de Sua Excelência o Presidente da República, gostaria
de agradecer pela grande oportunidade que o Gabinete de Estudos da
Presidência da República me concede em poder participar desta série
de debates que tem caracterizado o Gabinete desde que se iniciou o
presente mandato. Devo dizer que foi com grande susto que recebi a
notícia de que faria parte do Painel que apresentaria a última sessão
dos seminários do presente mandato, pois creio que a expectativa seja
maior. Sinto-me profundamente honrada com este convite e espero
estar a altura desde enorme desafio que se me apresenta.
Gostaria de começar por parabenizar o dr. Henrique Cau pela excelente
comunicação. Creio que não tenha sido fácil ter-se debruçado sobre um
tema tão importante e que vem suscitando tanto debate no nosso País.
A minha reflexão é basicamente para aprofundar alguns pontos que
estão no texto e, eventualmente, levantar alguns aspectos que possam
não ter sido abordados.
Esta comunicação tem o grande mérito de trazer uma breve explicação
sobre as razões que fundamentam a decisão de tornar o distrito como pólo
do desenvolvimento, bem como a análise da evolução do quadro legal
para a materialização deste objectivo. O autor aborda a necessidade
da existência de recursos humanos qualificados para a materialização
304
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
da matriz do governo e os apelos de Sua Excia o Senhor Presidente
da República Armando Guebuza, de tornar o distrito como pólo de
desenvolvimento. Neste contexto o autor faz uma análise baseada na
experiência do projecto “Férias desenvolvendo o distrito” iniciativa da
Associação dos Estudantes Finalistas Universitários de Moçambique,
a AEFUM.
O autor levanta ainda na sua abordagem um debate interessante
sobre os desafios do processo de desenvolvimento dos distritos no que
se refere à sua estrutura orgânica, à planificação e à gestão do OIIL
e a Participação do Cidadão no processo de desenvolvimento. Esta
comunicação tem o grande mérito de avançar algumas propostas
face as constatações por ele apresentadas. Entretanto, há aspectos da
comunicação que merecem uma maior reflexão:
(1). No que diz respeito as razões que o autor apresenta para
fundamentar o distrito pólo de desenvolvimento, há a acrescentar
o facto de se pretender assegurar que os cerca de 14 milhões de
Moçambicanos que residem nas zonas rurais estejam dotados de
capacidades necessárias para transformar, em riqueza, os abundantes
recursos de que dispõe.
Presidium do Seminário
305
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
(2). Em relação ao projecto Férias Desenvolvendo os Distritos, é de
louvar a iniciativa de interessar aos estudantes e recém graduados
a ir aos distritos exercer actividades em sectores que estejam em
conformidade com a sua área de formação e com as necessidades de
cada distrito. Contudo, a comunicação do autor dá a entender que se
trata de um movimento da Nação para o Pólo, isto é, só os estudantes
das universidades de Maputo é que podem/devem ir desenvolver ou
ajudar a desenvolver o pólo.
Ainda sobre o projecto “Férias desenvolvendo o Distrito” não fica claro
quem potencia a quem? É o distrito que se beneficia com os técnicos
superiores ou são os técnicos que buscam no distrito experiência de
trabalho que lhes é tão exigida no mercado de trabalho? não se tratará
de uma relação bivalente?
O autor traz uma abordagem exaustiva sobre a integração dos
estudantes finalistas e recém graduados nos diversos sectores de
actividade nos distritos. Contudo, é importante neste processo não
nos esquecermos das características específicas das comunidades que se
pretendem desenvolver uma vez que estas não são estanques e nem
homogéneas. As comunidades têm as suas lógicas próprias de produção
e de reprodução e não podemos conceber a ideia do desenvolvimento sem
levar estes aspecto em consideração. Como diria Max Weber, sociólogo
alemão, “a racionalização da actividade comunitária não (...) tem
por consequência a universalização do conhecimento relativamente
as condições e as relações dessa actividade, mas o mais das vezes,
conduz ao efeito oposto. O “selvagem” sabe infinitamente mais sobre
as condições económicas e sociais da sua própria existência do que o
“civilizado”, no sentido corrente do termo, das duas118.”
118
Patrício Langa, Um Pequeno Relatorio, Férias desenvolvendo o Distrito: Jovens recem graduados
regressam a Maputo, in B’ andhla, Tuesday, February 24, 2009, at 12:50 PM.
306
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Portanto, a ideia de se aliar a ciência ao desenvolvimento local é
de extrema importância, e por isso mesmo enaltecemos a iniciativa,
contudo este processo seria mais eficaz se numa primeira fase se
desse sob a forma de uma auscultação. Os nossos recém graduados
poderiam ser de grande utilidade se em primeiro lugar procurassem
ouvir das comunidades locais o que elas próprias pensam sobre o
desenvolvimento, qual é a sua visão do desenvolvimento e como
elas pensam ou pretendem alcançar esse mesmo desenvolvimento.
Isso faria com que estas participassem na tomada de decisão sobre
o seu destino e das suas comunidades. Esse exercício ajudar-nos-ia
a direccionar os esforços dos nossos graduados, e não só, e produziria
efeitos duradoiros pois, ouvidas as comunidades locais e o Governo
local, e seleccionadas as potencialidades conforme as prioridades de
cada distrito, os nossos recém graduados seriam chamados a intervir
na planificação do uso correcto e científico dos recursos existentes em
cada um dos distritos do nosso belo Moçambique.
Uma vez que o autor traz uma abordagem sobre a estrutura
orgânica dos distritos, seria interessante se trouxesse uma reflexão
sobre o relacionamento dos concelhos consultivos com a estrutura
orgânica; o seu grau de influência e autoridade no processo de tomada
de decisão.
A abordagem que o autor faz sobre a gestão do OIIL, é bastante
importante. Com efeito, em alguns distritos, o fundo tem sido
utilizado para a compra de produtos acabados para a revenda,
aumentando desse modo o consumo e não a produção, contrariando
a orientação de Sua Excia o Presidente da República quando
referiu na comunicação apresentada na cerimónia do lançamento do
curso de Mestrado em Planeamento e Desenvolvimento Regional
oferecido pela Universidade Católica de Moçambique em Março de
2008 que “uma das razões que havia determinado a priorização do
distrito como pólo de desenvolvimento era o efeito multiplicador dos
resultados derivados desta atenção sobre o distrito (...) a Revolução
307
Verde tem em vista aumentar a produção e a produtividade agropecuárias e a renda dos nossos compatriotas”.
Em suma, as propostas avançadas pelo dr. Cau no que diz respeito a
planificação e gestão do OIIL são muito valiosas pois, a solução para
o problema da falta de clareza e rigor na atribuição de fundos pode
ser resolvida com a criação de uma capacidade. Mas é importante
realçar que essa capacidade não deve significar a criação de um novo
organismo ou instituição. Ao invés disso poderia se pensar em: (i) ao
nível dos conselhos consultivos locais se constituir uma equipa/conselho
técnico para a aprovação do projecto deixando os líderes comunitários
e os demais componentes do grupo apenas como conselheiros que podem
testemunhar sobre a idoneidade da pessoa que pretende o financiamento;
(ii) cada projecto financiado podia contemplar uma margem para
pagar os supervisores e técnicos que fazem a avaliação da viabilidade
dos projectos e a monitoria, pois é do nosso conhecimento que em
alguns distritos este segmento faz este trabalho sem nenhum subsídio.
Esta atitude poderia, por um lado, garantir que os beneficiários do
financiamento tenham um acompanhamento permanente, e por outro
lado, serviria de incentivo para os supervisores cuja remuneração
dependeria do sucesso do projecto. Caberia igualmente aos supervisores
assegurar os mercados onde estes produtos seriam vendidos e deste modo
garantir-se-ia o retorno dos fundos de modo a beneficiar aos outros.
O DIÁLOGO E O DEBATE: UMA DAS FORMAS DE
CONTRIBUIR NA INCLUSÃO E NA LUTA CONTRA A
POBREZA
Comunicação apresentada por Sua Excelência, Armando
Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique,
por ocasião do encerramento do ciclo de Seminários do
Quinquénio organizados pelo Gabinete de Estudos da
Presidência da República
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Sua Excelência o Ministro da Casa Civil;
Distintos Painelistas,
Caros Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
É com elevada honra e muita satisfação que nos dirigimos aos
nossos estimados convidados, neste evento, que encerra o ciclo
de seminários do Quinquénio que a Presidência da República
tem estado a promover desde 2005. São eventos que têm
juntado políticos, académicos, profissionais de diversas áreas,
jovens, membros de organizações da sociedade civil, entre outros
segmentos da sociedade moçambicana e que permitem a recolha
de sensibilidades, saberes e experiências dos vários actores sociais,
propiciando assim, a nossa interacção, de forma directa, com os
nossos concidadãos.
Queremos por isso, agradecer a todos os distintos convidados,
presentes nesta sala, e de forma especial aos Jovens que nos
obsequiaram com o tema sobre as realidades e os desafios nos
distritos, pela sua pertinência e actualidade e pelas valiosas
contribuições que nos permitiram ver do outro ângulo, a dinâmica
do desenvolvimento naquelas unidades territoriais, desta pátria
nossa amada.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Foi nesta sala que em Outubro de 2005, no primeiro seminário,
os jovens anunciaram a iniciativa de passar as férias no Distrito
e, a partir dessa altura, temos vindo a acompanhar, com muito
interesse, os trabalhos desenvolvidos por esta associação que se
tem revelado uma força mobilizadora para os jovens se dirigirem
310
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
para os distritos.
Honra-nos, pois, notar que esta iniciativa fruto de jovens,
enérgicos e dedicados, levou cerca de 400 estudantes a passarem
férias nos diversos Distritos do nosso belo Moçambique. Estes
jovens tiveram a oportunidade de viver a dinâmica da vida
existente naqueles locais, interagir com outros jovens, funcionários
e comunidades, trocando experiências e buscando oportunidades
de emprego. Com efeito, hoje contamos com cerca de 200 jovens
enquadrados em actividades produtivas ao nível dos Distritos.
Caros Convidados
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Os seminários realizados aqui na Presidência da República,
proporcionaram-nos momentos inesquecíveis de aprendizagem,
muita alegria e muito orgulho, pois neste local tivemos
oportunidade de ver a desfilarem especialistas moçambicanos
nas suas diversas áreas de conhecimento, que trouxeram para
o debate temáticas de elevada qualidade que providenciaram
substantivas contribuições que ampliaram, ainda mais, a nossa
visão sobre os contornos e configurações dos desafios que a
nossa Pérola do Índico ainda enfrenta no quotidiano da nossa
Governação Aberta e Inclusiva.
Na nossa intervenção de abertura do primeiro seminário
destacamos a importância da criação de um espaço na Presidência
da República, onde se possa abordar temas de interesse nacional,
em particular no combate contra a pobreza, com o objectivo de
potenciar as políticas do Governo.
Com efeito, volvidos quatro anos e meio, hei-nos nesta sala que
se tornou num dos lugares mais privilegiados e prestigiados de
311
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
debate de temas de actualidade e de forja de ideias que potenciam
as nossas acções na busca de solução dos desafios que emergem do
processo de Governação e das mudanças que estamos a imprimir.
Isto, demonstra não só o crescimento da nossa intelectualidade,
pela qualidade de debates e intervenções que assistimos, mas
também a forma como gradualmente temos estado a dar os
golpes fatais à pobreza.
Caros Convidados,
Terminamos este ciclo de seminários com um sentimento de
que conseguimos lograr, neste Quinquénio, um ambiente de
debate e de interacção frutuosa, levar as diferentes gerações de
painelistas e de participantes a partilharem visões e sensibilidades
e, sobretudo, a sentirem que ao fazerem cada um a sua parte,
tornaram-se em agentes no processo do desenvolvimento da
nossa Pátria Amada.
Notamos com satisfação, o elevado e contínuo interesse que estes
seminários despertaram aos nossos convidados, facto explicado
pela presença assídua e pela participação activa dos nossos
convidados.
Mais uma vez, queremos dirigir a nossa expressão de elevado
apreço pelas contribuições de todos que deram o melhor de si
para o sucesso deste ciclo de seminários. Saudamos, de forma
especial as contribuições dos painelistas que introduziram os
debates ao longo destes 4 anos e meio. Referimo-nos aos nossos
caros compatriotas: Salimo Valá, Simão Anguilaze, Filimone
Meigos, Eduardo Sitoi, Moisés Mabunda, Francisco Noa, Carlos
Nuno Castel-Branco, Armando Inroga, António Cumbana,
Rui Vasco Sitoe, Rui González, Susana Saranga, Ebenizário
Chonguiça, Patrício José, António Gaspar, Benigna Zimba,
José Forjaz, Júlio Carrilho, Benedito Murambire, Luís Cezerilo,
312
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
Lourenço do Rosário, Cristiano Matsinhe, Gil Lauriciano,
Almiro Lobo, José Óscar Monteiro, Osvaldo Nhanala, Yolanda
Arcelina, Gerónimo Mahoque, José Manuel Guambe, José Jaime
Macuane, Jamisse Taimo, Isaltina Lucas, Tomo Psico, Miguel
Arcanjo, Rafael Uaene, Jaime Nicols, Hélder Gemo, Emílio
Tostão, Ana Comoana, Jorge Ferrão, Mário Jessen, Marcelino
Sales Lucas, Américo Muchanga, Jorge Nhambiu, Sérgio Mathe,
Belmiro Rodolfo, Adriano Maleiane, Narciso Matos, João
Assale, Hildizina Norberto Dias, Henrique Cau, Maria Gustava
e Augusta Maita.
Muito Obrigado!
313
Comunicações apresentadas nos Seminários do Gabinete de Estudos da Presidência da República
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