A cidade dos Bondes - Uma nova mobilidade para uma
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A cidade dos Bondes - Uma nova mobilidade para uma
A CIDADE DOS BONDES – UMA NOVA MOBILIDADE PARA UMA NOVA CIDADE NELSON DANTAS FILHO ANALISTA DE TARIFAS E CUSTOS GERÊNCIA DE PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE - BHTRANS 1. Introdução Os transportes sempre foram pensados como um serviço ofertado para atender uma demanda específica. Isso valia tanto para a circulação de automóveis quanto para o transporte coletivo, inicialmente usado para atender o transporte de trabalhadores evoluindo nas grandes cidades para uma rede complexa de transporte público urbano. Hoje, é impensável uma grande cidade sem essa rede sobre responsabilidade de profissionais de diversas formações. Se existe essa transversalidade de conhecimento é porque, hoje existe um reconhecimento que a política pública de transportes é uma ferramenta da mobilidade sustentável e, devido à intersetorialidade, uma ferramenta estratégica para que a cidade possa alcançar suas metas de desenvolvimento urbano e de qualidade de vida. Assim, o alcance das medidas de transporte em desenvolvimento urbano, meio ambiente, saúde... não é mais, apenas, um sub-produto, passando a incorporar o próprio corpo do problema. Sistemas econômicos, de desenvolvimento regional, urbano, tecnológico, de gestão estão em constante oscilação, gerando crises, e a análise compartimentada tradicionalmente utilizada não têm dado conta da velocidade da evolução dos problemas. Entender esses ciclos e incluí-los na modelagem dos problemas faz parte do profissional contemporâneo. Essa alternância de sistemas não é uma novidade, apenas no Sistema de Mercado foram registradas 46 crises desde 1790 (OLIVEIRA, 2009), mas a necessidade de abarcar várias fontes de conhecimento no estudo de desenvolvimento urbano torna o reconhecimento da crise mais difícil. Especificamente na questão das cidades, urbanistas e engenheiros de transporte vivem às turras tentando impor, respectivamente, as ciências humanas e as exatas como preponderante. Entre as correntes determinantes, os EUA pensaram em cidades que deveriam atender aos automóveis e a Europa o inverso. Os caminhos antagônicos percorridos pelos EUA e Europa nos últimos anos na escolha da mobilidade e os diferentes resultados justificam uma investigação específica. A inclusão de metas ambientais faz parte de uma preocupação mundial e já está incorporado na rotina das modelagens. Na América Latina, incluir a redução da violência nas metas dos problemas de transporte deverá fazer parte do tomador de decisão socialmente responsável. A partir da ascensão da Inglaterra como grande império e a primeira revolução industrial, a sociedade ocidental entra naquilo que Galbraith cita como a “Era dos Engenheiros”, onde a disponibilidade das máquinas a vapor e elétricas que disponibilizaram as ferrovias, os bondes e metrôs ajudaram a formatar a cidade industrial, ou a cidade moderna (BETING, 2009). É a partir dela que o urbano se consolida na memória. Paralelamente, Nikolai Kondratieff (1892-1938) afirma que os ciclos de investimento na infra-estrutura de transporte podem ser observados na retrospectiva histórica, na qual longos ciclos do sistema capitalista resultam, na sua expansão, de sólidos investimentos em infra-estrutura e na retração de um processo de depreciação (DAVID e STEPHAN, 2007). No início do século XX as principais cidades do mundo possuíam uma expressiva rede de Veículos Leves sobre Trilhos, ou VLT, também denominado “eléctrico” em Portugal e Bonde no Brasil. Belo Horizonte teve uma rede de 75 km de bonde, São Paulo mais de 300 km. e o Rio de Janeiro além de ter sido uma das primeiras cidades a implantar o bonde teve uma das mais expressiva redes de todo o mundo (MORRISON, 1996). É nesse contexto, que a questão do espaço e da memória é acrescentada ao enfoque tradicional do urbanismo e dos transportes, visando um resgate da identidade e somando esforços no combate a violência. Como proposta, sugerimos o resgate simbólico das regiões impactadas pelo bonde, e que sofreram uma descontinuidade de investimentos provocada pela especulação imobiliária, tanto nos projetos de cidades policêntricas, propostos pelos urbanistas, quanto nos projetos de gestão de demanda, propostos pelos engenheiros de transporte. 2. Cultura Urbana A partir do Código de Hamurabi e com grande contribuição de civilizações como a grega os conceitos de urbanidade e civilidade passaram a fazer parte da tradição do que é viver nas grandes cidades e também do que é viver em sociedade. 2.1. Urbanidade A urbanidade é a virtude presente naquele que habita a urbe. Nos dicionários pode aparece como: delicadeza requintada, observação das boas maneiras no relacionamento com os outros, acompanhadas geralmente de finura e elegância na linguagem, distinção no porte, nas atitudes. Deve-se entender esta acepção de urbanidade à luz de uma ancestral oposição entre a cidade e a ruralidade, entre a cidade e a barbárie. As qualidades inerentes a esta virtude evoluiram para qualidades essencialmente sociais, em que a ética e a política foram eclipsadas por uma espécie de esteticismo social. Em todo o caso, a urbanidade marcaria a diferença entre o homem educado, culto e iniciado no complexo código de praxes sociais e o restante da humanidade, não necessariamente rural, mas seguramente menos sofisticada e culta (AFONSO, 2006). O urbano também se associa ao coletivo. Manifestações políticas e artísticas são essencialmente públicas. Elas só existem se forem absorvidas pela coletividade, pelo público. E o artista é o primeiro indivíduo. A modernidade na arte fez-se justamente no sentido da descoberta do indivíduo, através de um movimento de rebelião persistente, apesar de hoje uma peculiar serenidade ter invadido a arte. Os ismos foram ordeiramente conduzidos aos museus e aos catálogos dos colecionadores. A banca oferece pacotes de investimento em arte, as grandes empresas contratam gestores para as suas coleções de arte e os estados têm programas de apoio à produção e divulgação das artes. Paradoxalmente, nada disto parece comprometer o culto da criatividade individual. Ou, se compromete, parece, pelo menos, não incomodar ninguém. É óbvio que a arte mudou, bem como a sua função e representação social. Mas não foi a única: a sociedade também mudou, seguindo a direção que a arte de uma forma pioneira havia apontado, ou seja, a individualização. E aqui também encontramos o mesmo paradoxo: uma sociedade de consumo massificada aparenta ser compatível com o culto do indivíduo. 2.2. Civilidade Civil vem do latim civile, que designava o habitante da cidade civitate. Quando a humanidade se defrontou com o raciocínio, logo com a inteligência, e realmente teve a consciência do "Eu", houve a necessidade do respeito mútuo, do respeito ao outro. Começou então a codificação de civilidade, isto é, regras de convívio social que no início eram somente de respeito do inferior para com seu superior, hierárquico ou sexual, como nos animais irracionais. Iniciou-se então a codificação de normas e regras de convívio social e de conduta, sendo impostas de modo empírico, pela tentativa e erro; os preceitos de civilidade, que eram passados de forma verbal, passaram a ser codificados e seguidos, pois o convívio em sociedade assim o exigiu. Com o avançar do tempo e o desenvolvimento social, a vida em grupo passa a exigir uma organização formal que discipline a atividade dos indivíduos, proporcione condições de equilíbrio a suas relações e assegure a distribuição e a posse de seus bens. Foi no direito romano que, pela primeira vez, as normas do convívio social se dissociaram das noções religiosas e formaram um complexo de leis codificado, de caráter prático e aplicação sistemática, esta baseada no respeito mútuo, pois o homem, por natureza, é moral, racional e social, e a lei facilita o desenvolvimento dessas qualidades inatas, e esta deve seguir à ética, e principalmente ao respeito a outrem. E assim sucessivamente Sérgio Buarque de Holanda consagrou a expressão homem cordial discorrendo sobre cordialidade e civilidade, atraso e modernidade, tradição e renovação, privado e público. Segundo Buarque de Holanda, a definição de civilidade é proporcional à ética, à modernidade, à renovação, à educação, pois o indivíduo que tem como prerrogativas a civilidade é, e deve ser, cordial, ético e principalmente educado, tanto nas ações quanto no comportamento. Os códigos morais regem a conduta dos membros de uma comunidade, de acordo com princípios de conveniência geral, para garantir a integridade do grupo, a convivência pacífica e o bem-estar dos indivíduos que o constituem. Assim, o conceito de pessoa moral se aplica apenas ao sujeito enquanto parte de uma coletividade. Portanto, moral coaduna com ética e respeito, e estes são a base de qualquer grupo civilizado (ROCHA, 2004). Fernando Gallo (2009) em crônica filosofa que o grau de civilidade de uma cidade pode ser medido pela largura de suas calçadas. “A largura de suas calçadas, quem poderia imaginar?, e no entanto faz tanto sentido, mais espaço para as pessoas, menos para as máquinas, abrir lugares para os calçados, que barulho não fazem, ou fazem menos do que motores, engrenagens, e toda sorte de componentes ruidosos que se põem a invadir os nossos ouvidos, mal não haverá em mais dignidade ao trânsito dos pedestres, tão alijados do processo de ir e vir nessas calçadas estreitas, a desviar uns dos outros, dos postes, a transitar pelo meio-fio, o risco de cair na pista e lhe passarem as rodas por cima a qualquer momento” (GALLO, 2009). E continua: “A largura das calçadas deveria integrar um índice de civilidade, mais ou menos nos moldes desse que chamamos IDH, utilizado pelas Nações Unidas para auferir o desenvolvimento humano nos países, (alvissareiro que pensadores bem intencionados tenham conseguido estabelecer alguma humanidade e ciência nisso que temos chamado economia, e que trata tudo tão vagamente, o mercado, o crescimento e tantas outras palavras que de exatas nada têm), sem fórmulas matemáticas nem metodologias tão acuradas, vamos nos valer apenas de nossa observância, nossa vivência, disso que alguns chamarão empirismo” (GALLO, 2009). Não contente com a largura da calçada ele vaticina outras medidas. “Estando certo que o ponto de partida de nosso índice serão as calçadas, podemos passar sem grande dificuldade para os outros componentes, mais difícil é começar, Pois passaremos logo às nossas outras proposituras: todos os assentos do transporte público serão preferenciais, assim tentaremos corrigir o bem intencionado erro do cidadão que instituiu os bancos exclusivos, e acabou por excluir dos idosos, das grávidas, das pessoas com deficiência e congêneres a preferência que lhes devemos em todo e qualquer assento (...) Gostaríamos de ver dobrado o tempo em que permanecem abertos os faróis de pedestres, mal eles têm permitido que nós cruzemos as ruas, que dirá os mais sedentários, as velhinhas, as pessoas com restrição de mobilidade, essas gentes para quem pouco serve esse sistema de governo a que nos habituamos chamar de democracia, talvez devêssemos chamá-lo oligocracia, pouco tem servido à maioria, que dirá às minorias (...) talvez esteja o leitor a pensar em como pensamos implementar todas as proposições apresentadas, se por força da lei, ao que recordaremos tratar-se de civilidade, civilidade que se faz com bom senso, gentileza, generosidade e outros que andam por aí escanteados, mas que nunca se fizeram por força da lei, senão pela bondade humana” (GALLO, 2009). 2.3. Ruptura A necessidade de se criar um Índice de Civilidade é contemporânea porque existe a nítida impressão de perda de algo inerente á cidade. Realmente, os indicadores de violência identificam as nossas grandes cidades como análogas a regiões em conflito ou guerra. “Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano”. Essa narrativa aparentemente tão bucólica faz parte de um dos mais fortes textos sobre a descontinuidade do tempo histórico (BENJAMIN, 1936) e o fim da narrativa provocada pela grande guerra mundial Continua ele “Uma das causas desse fenômeno é óbvia: as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo. Basta olharmos um jornal para percebermos que seu nível está mais baixo que nunca, e que da noite para o dia não somente a imagem do mundo exterior, mas também a do mundo ético sofreram transformações que antes não julgaríamos possíveis. Com a guerra mundial tornou-se manifesto um processo que continua até hoje. No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não mais ricos, sim mais pobres em experiência comunicável. E o que se difundiu dez anos depois, na enxurrada de livros sobre a guerra, nada tinha em comum com uma experiência transmitida de boca em boca. Não havia nada de anormal nisso. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela guerra de material e a experiência ética pelos governantes”(BENJAMIM, 1936). Da mesma maneira que se constrói a civilidade e a urbanidade paralelamente à construção da cidade, a ruptura da construção histórica quebra a lógica de desenvolvimento urbano. Casos de decadência extrema nas cidades abre espaço para o alojamento da barbárie que tanto pode desaguar na violência doméstica generalizada quanto em, casos limites, pode levar a uma situação de guerra civil. A perda da narrativa é uma das marcas desse estado. A violência assume uma posição central pela proporção assombrosa que ocorre na América Latina. Com apenas 14% da população mundial, responde por 42% dos homicídios por arma de fogo em todo o mundo. No caso do Brasil, os números são alarmantes: com menos de 3% da população mundial, concentra 11% das mortes por armas de fogo ocorridas anualmente em todo o mundo. (PÉREZ, 2008). Esse cenário de guerra não tem paralelo no mundo. É fruto de uma crise profunda nas instituições que não conseguem resolver os problemas contemporâneos, crise entendida como a incapacidade do sistema atual de dar respostas e pela ausência de um novo sistema. Crise de civilidade. Em estudo sobre a violência na Colômbia é nítida a importância da perda de identidade na perpetuação da violência. O trabalho de resgate da dignidade e na promoção da cidadania das famílias camponesas deslocadas (desplazadas) de suas regiões de origem pela violência política, pela imposição do crime organizado, por declínio econômico está começando tardiamente na América Latina. Parte do trabalho com a população inscreve-se numa linha pedagógica de orientação psicanalítica centrada na crença de que a contribuição para a melhoria das condições de vida não é possível, sem antes uma “reparação moral”, por meio da elaboração do “duelo” das múltiplas perdas causadas pela violência e pelo processo de êxodo de suas regiões para o meio urbano (FRAGA, 2006). Se tivéssemos que apontar apenas um elemento – comum e o suficientemente forte – para definir cidades brasileiras histórica e regionalmente distintas, este seria sem dúvida a existência (e permanência no tempo) de contrastes profundos entre condições urbanas radicalmente distintas convivendo, muitas vezes conflitando no interior da mesma cidade (ROLNIK, 1999). Importante lembrar que os jovens são vítimas e algozes e sua entrada nos grupos armados ocorre por diferentes fatores, tais como: restrito acesso aos bens de consumo; a falta de alternativas e a falta de identidade (PÉREZ, 2009). E é falta de identidade, falta de memória uma das características das grandes cidades americanas. Especificamente, nos transportes públicos urbanos, que ajudaram a formatar a cidade, perdemos os bondes, perdemos os trólebus, perdemos os trens de subúrbio. Em cada estação, o que era local de convergência, deixa de ser. O que era local de encontro, passa a ser um local de passagem, ou um não lugar (MAIA, 2009). 3. Conformação Urbana Numa sociedade regulada como a nossa, a cidade tem a conformação de dois vetores principais. O primeiro, de atribuição do Poder Público no uso de instrumentos de regulação da ocupação do solo como o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo, além dos arranjos produtivos visando a implantação da infra-estrutura. Assim, as redes elétricas, de iluminação, de saneamento, de comunicação e de transporte foram implantadas. A princípio, representa o interesse da coletividade, é função da disponibilidade e do custo de implantação da infra-estrutura, representa o conjunto de técnicas e de conhecimento disponível, bem como a mediação política dos diversos interesses manifestos. O segundo vetor representa as forças econômicas e os seus interesses. Deveriam ser apenas parte da força considerada no planejamento público. No entanto, hoje, são essas forças que têm moldado a conformação das cidades. 3.1. Cidade Industrial “Foi apenas na segunda metade dos anos 50 (...) que a elite empresarial se mostrou capaz de elaborar um projeto político de dominação centrado na industrialização. É nesse momento que essa elite se instaura como sujeito político condutor de uma determinada ordenação da sociedade. Tal ordenação, baseada no princípio da racionalidade e pensada inicialmente dentro do espaço fabril para garantir o aumento da produtividade, foi aos poucos extrapolada para toda a sociedade. É assim que, neste momento, no Brasil, não só a fábrica, mas a cidade, a casa, a rua e os meios de transporte passam a sofrer intervenções que pretendem superar uma visão do mundo considerada ultrapassada, na medida em que não condiz com o ritmo do desenvolvimento desejado. A „racionalidade‟ passa a orientar as políticas públicas e também a iniciativa privada, no sentindo da construção do equipamento necessário para que o ritmo do progresso se acelere...” (PIMENTEL, 1993). A cidade racional, industrial, moderna apresenta um jogo de luzes e sombras ao não contemplar o ser humano, o seu usuário no desenho final. As dicotomias apresentadas de Centro/Periferia, Urbano/Rural, a dimensão humana/da máquina mostram como as cidades perderam o lugar da representação humana plena. 3.2. Dicotomia: Centro – Periferia A exclusão nas grandes cidades e a formação de uma periferia urbana pode ser fruto, principalmente, do êxodo rural, ou da exclusão ambiental, ou vítimas da degradação de regiões urbanas inteiras. A população que não encontra trabalho nessa agricultura capitalista como assalariada permanece em terras de inferior qualidade ou assume a tarefa de ir abrindo novas terras que serão oportunamente incorporadas ao setor capitalista.” (FURTADO, 1986). Portanto, a expansão da fronteira agrícola em áreas de floresta tem sido usada historicamente como válvula de escape para acomodar esse excedente populacional. A heterogeneidade estrutural é fruto do atraso da base social na qual se estabeleceu o capitalismo na América Latina e do caráter oligopolista imposto pelo padrão (internacionalizado) de produção adotado. Este, portanto, estava apto a funcionar com elevado grau de exclusão social porque era uma condição de sua formação. A literatura passada deu grande ênfase à exclusão vista pelos seus aspectos estritamente econômicos (renda e emprego), mas pouco se disse sobre condições materiais de vida (SOTO, 2008). A noção de subúrbio contém uma nova concepção de espaço, uma nova sociabilidade, onde ocorre a ruptura e a transição para a modernidade da cidade. O subúrbio representa o ser dividido entre o urbano e o propriamente rural. Um conceito que não teve até hoje relevância no mundo acadêmico e foi substituído pela noção de periferia que é seu contrário. Na periferia se concretiza a subordinação da cidade e da urbanização à renda da terra, a periferia é a negação das promessas transformadoras, emancipadoras, civilizadoras e até revolucionárias do urbano, do modo de vida urbano e da urbanização (SOTO, 2008). A crise social atual obriga, porém, que essas outras manifestações do processo de exclusão e marginalização sejam incluídas na análise: a violência urbana, os conflitos de terra e a exclusão ambiental são as outras faces do desenvolvimento excludente. A revalidação da análise centro-periferia exige a inclusão desses outros elementos, visto que o objetivo fundamental não é meramente o crescimento econômico, mas o desenvolvimento sustentável. Essa reconfiguração não pode ser baseada na dicotomia matérias primas versus produtos manufaturados, mas sim na capacidade endógena de desenvolvimento tecnológico. Isso indica que abordagens multidisciplinares passam a ser essenciais para a concretização do aumento de equidade e outras propostas de desenvolvimento. O passado nos mostrou que a solução dos problemas sociais não vem necessariamente a reboque das soluções econômicas, e a questão ambiental é, sem dúvida, um dos destaques entre os novos temas a serem incluídos no núcleo do debate sobre desenvolvimento (YOUNG e LUSTOSA, 2003). O mais conhecido padrão de segregação da metrópole brasileira continua sendo o do centro x periferia; sendo o centro dotado da maioria dos serviços urbanos, públicos e privados, e ocupado pelas classes de mais alta renda; e a periferia sub-equipada e longínqua, ocupada predominantemente pelos excluídos, o espaço atua como um mecanismo de exclusão e a estruturação espacial básica das metrópoles brasileiras demonstra o papel decisivo que a acessibilidade ao centro e o transporte do ser humano desempenham na estruturação intra-urbana (VILLAÇA, 2001). 3.3. Cidades pós-modernas A cidade do século XXI já está desenhada cabendo ao urbanista a formulação de estratégias de intervenção nessa cidade, adequando-a e conferindo-lhe novas qualidades que correspondem a novos desejos sociais. “A cidade radioconcêntrica industrial faliu. Ela molesta os homens impondo as circulações quotidianas, mecânicas e frenéticas, e determinando uma mistura congestionada dos locais de trabalho e dos locais de habitação; cinturões sucessivos e sufocantes, interpenetrando-se como engrenagens, estabelecimentos industriais e bairros de comércio, oficinas e subúrbios, subúrbios próximos e distantes” (GOMES, 1996). A cidade pós-moderna é fluida como suas definições, por exemplo: “é onde habita o sujeito descentrado, que na maioria das vezes perde a orientação espacial num hiperespaço em que tudo (pessoas, objetos, idéias...) está fora de lugar. Nela, o velho „Ford preto‟ cedeu lugar a inúmeros outros tipos e cores que circulam por suas ruas causando extraordinários congestionamentos e poluição, e o espetáculo fica por conta dos luminosos com propagandas de/para todos os tipos e gostos, que muitas vezes geram a chamada poluição visual, mas sempre forçam o consumismo”. (SIQUEIRA, 2003) Lembra do "abaixamento de faróis”, pois, na rapidez que move as vidas, ninguém quer comprometimento com o outro, por isso desvia-lhe o olhar. Nestas andanças, as inúmeras tribos desfilam um empório de estilos e códigos sem nenhuma relação, abençoados pela liberdade e flexibilidade pós-modernas (AFONSO, 2006). Assim, nos labirintos da cidade pós-moderna encontramos contradições bastante acentuadas entre seus habitantes, entre crescimento e qualidade de vida, e entre o planejamento e seus resultados; temos a "coincidência entre os extremos da ambição e da degradação, das oposições entre as pessoas, dos contrastes entre os edifícios construídos ontem e transformados já hoje, em caixotes do lixo e das erupções urbanas do dia que barram os céus". Portanto, estes labirintos representam o fluxo e a transição constantes, resultado da obsolescência de todas as coisas, do impacto das novas tecnologias e das transformações ecológicas, mas principalmente da afluência de indivíduos que carregam consigo conhecimentos, idéias e crenças as mais variadas. A cidade pós-moderna pode ser o espaço das desigualdades, mas também pode ser da liberdade; esta contradição, além da política, passa pela escolha de ações entre arquitetos, engenheiros, economistas, educadores, geógrafos, antropólogos e sociológos. Suas ações isoladas, continuarão colaborando para aumentar o espaço das desigualdades, e então, poderemos dizer que a cidade é uma paisagem para ser apreciada em preto e branco. Porém o desenvolvimento de ações multidisciplinares, somadas à efetivas decisões do poder público (em torno das políticas sociais), podem definir um espaço da liberdade. Quando esta for a escolha, os habitantes poderão dizer que a cidade pós-moderna é uma paisagem que vale apreciar, e um espaço muito bom de se viver, mas essa já será a cidade pós-pós-moderna (AFONSO, 2006). Segundo os novos paradigmas, de cujo expoente máximo talvez seja o que apresenta Phillipe Nora, no seu livro Os Lugares da Memória, a história de um povo ou de uma comunidade ou de uma nação, já não reside na sua oralidade e nem já está, apenas, centrada nos depositários clássicos que a emitem (museus, monumentos…); a historicidade, como sistema de percepção da história, está presente em construções sociais. Deste modo, as memórias coletivas passam a ser sinônimo de representações simbólicas coletivas que trazem com ela uma dimensão histórica de inestimável valor. Phillipe Nora, descentraliza assim os “instrumentos” de apreensão e percepção histórica. Ao democratizar as perspectivas dos circuitos da historiografia e os determinantes de apreensão histórica, E, desta feita, pulveriza as cidades de vários artefatos tornados legítimos depositários e emissores da história (AFONSO, 2006). Em oposição a cidade moderna surge a cidade liberal, democrata, procedural. O que deveria ser uma cidade mediada, pactuada acabou por gerar uma cidade ineficiente com grande débito ambiental e social, onde a informação assimétrica mantém a uma nova elite sua apropriação. Se o excesso de regulamentação gerou cidades especializadas e caras havia a expectativa da desregulamentação baseada na teoria da destruição criativa (veja capítulo 4) gerar cidades econômicas, o que não ocorreu em função da mão pesada do poder econômico e sua obsessão de atuar sempre em situação de monopólio. 3.4. Falsa dicotomia: Urbano – Rural Nos tempos que correm, a urbanidade entendida nestes termos poderá ser um anacronismo pela simples motivo que, de uma maneira ou de outra, todos nós somos urbanos: uns, a maioria, porque residem nas cidades ou nas suas periferias; outros, a minoria, porque apesar de residirem no espaço rural não possuem qualquer marca de distinção relevante que os demarque do resto. O êxodo rural, a concentração dos centros de decisão política - bem como dos pólos econômicos - nas cidades, a industrialização da agricultura e a turistificação da paisagem, são algumas das causas que levaram à decadência deste espaço, que hoje em dia é mais tido como uma extensão do espaço urbano (reserva agrícola e reserva ecológica) do que uma realidade social e cultural específica. É na cidade que encontramos a nossa humanidade atual, é aí que se jogam as decisões essenciais da nossa história, onde por nós são assumidas e onde de novo são questionadas. Portanto, o conceito urbanidade, já não se refere a uma qualidade social light nem ao oposto da ruralidade. Refiro-me antes a uma virtude essencial que define o homem atual na sua condição urbana. De certo modo, trata-se, em parte, da civitas romana, a qualidade daquele que é de Roma, só que, neste caso, nada há fora de Roma. Esta virtude é em simultâneo uma virtude social, cultural e política. Cultura e política não são duas dimensões que se excluam mutuamente, isto apesar do discurso crítico e apocalíptico anti-poder da arte e apesar do filistinismo do poder político. Tal como o tempo tratou de dissolver as pedras das velhas cidades, também tratou de revogar a ordem tradicional da coisa comum (AFONSO, 2006). O processo de “modernização rural” é extremamente complexo e não pode ser entendido simplesmente como o “fim da agricultura” ou o “fim do rural”. A modernização da sociedade nos espaços locais/rurais tem como fundamento a crescente “paridade social”, isto é, a similitude entre as condições de vida das populações que vivem nas cidades e no meio rural e a também crescente disponibilidade, no meio rural, daquilo que ainda é definido como o padrão de “conforto urbano”. O meio rural espelha hoje o perfil social de cada uma das sociedades modernas avançadas, nele predominando, conforme o caso, a classe média, os operários, ou ainda certas categorias especiais, tais como os aposentados. Se as relações com a vida urbana não permitem que se fale mais em situações de isolamento e oposição, parece evidente que a residência no meio rural expressa cada vez mais uma escolha que não é outra senão, uma escolha por um certo modo de vida (MENDRAS, 2004),. As novas e múltiplas faces do rural não podem ser vistas como obra acabada. Está em curso uma nova visão do rural, que propõe uma nova concepção das atividades produtivas, especialmente daquelas ligadas à agropecuária, e uma igualmente nova percepção do rural como patrimônio a ser usufruído e a ser preservado (BAUDEL, 2000). 3.5. Dimensão Humana É nas cidades que se dá a emancipação dos indivíduos, onde a urbanidade, condição urbana da humanidade, se edifica sobre uma ruptura com o tempo circular e com a cultura da iteração que caracterizavam a vivência da temporalidade pré-urbana. Mais do que uma circunstância econômica, social e arquitetônica, a urbanidade é a temporalidade da comunidade percepcionada do ponto de vista do indivíduo. O tempo das urbes é linear, mas segmentado e retalhado pela atividade econômica e social que, apesar de tudo, possibilita um não-tempo destinado ao lazer e à intimidade, oferecendo as condições necessárias à criatividade e à exploração de si. As sociedades rurais celebram a repetição, ritualizando a vivência coletiva do ciclo, ao passo que as sociedades urbanas aderiram a um tempo indefinido, sem um sentido óbvio e que se caracteriza por um acumular de vestígios, de um lado, e, do outro, por uma necessidade de superação. O tempo é como uma estrada que se nos foge debaixo dos pés. As cidades são comunidades de indivíduos em trânsito no tempo. É então que surge a questão da memória e é então que surgem as narrativas colectivas, em primeiro lugar, logo seguidas dos relatos pessoais à medida que a escrita se vulgariza, à medida que as cidades se expandem. A par da cidade dos edifícios e das ruas, vai-se edificando uma cidade de papel. Numa residem os cidadãos, noutra as memórias e os desejos. São cidades paralelas. A cidade do futuro, a cidade utópica divide suas possibilidades em quatro: estão “antes da História”, “do lado de fora da História”, “dentro da História” ou “após a História”. Na Inglaterra pré-industrial a utopia que antecede a História remete ao Jardim do Éden, a uma Idade de Ouro que antecede a história da humanidade, conforme descrita por Hesíodo em Os trabalhos e os dias. Ou seja, uma época sem vicissitudes nem necessidades, em que o homem não necessitaria do suor de sua fronte para obter seu sustento. A utopia “fora da História” faz referência a todas as narrativas que antecedem o final do século XVIII, quando, como visto, concebe-se no Novo Mundo a localização da cidade utópica. As utopias de “após a História” são similares à empreendida por Le Corbusier e outros seguidores do movimento moderno, em que a idéia de um estilo e de uma prática internacionalizados ultrapassaria as fronteiras geográficas e temporais, em busca de uma realidade total para a raça humana (GEORGES, 1994). 3.6. Especulação Imobiliária Normalmente é compreendida como especulação imobiliária a prática de lotear e ocupar áreas distantes da cidade com o intuito de levar a estas áreas infra-estrutura básica, valorizando, consequentemente as áreas intermediárias, que posteriormente seriam vendidas por um preço superior ao que antes seria pedido por elas numa outra situação hipotética. Ou ainda, quando o especulador age através da retenção de terrenos para vender posteriormente a sua valorização com lucros maiores. A pressão por mais espaço é o que explica os ganhos desses especuladores urbanos e ela existe pelo crescimento da cidade; pela elevação da renda e demanda por imóveis maiores e pela migração de regiões desvalorizadas o que acaba sempre sacrificando as camadas mais pobres da sociedade. A atuação do Estado tem se voltado para a ampliação de sua função normativa e de controle, estabelecendo novos procedimentos, revendo e atualizando sua legislação. Mas essa atuação se realiza sem que se interfira nas condições de reprodução social em termos amplos. Segundo Castells, em uma sociedade de classes o "Estado age de acordo com as relações de força entre as classes e grupos sociais, geralmente em favor da fração hegemônica das classes dominantes" (COSTA, 2008). A atividade imobiliária é considerada, tradicionalmente, um setor do capital de baixa tecnologia, pouco expressivo em termos de participação da vanguarda do processo de acumulação, porém de grande relevância para a canalização de poupanças e investimentos privados dispersos. Apesar de trazer ao debate relações sociais arcaicas associadas ao rentismo e à propriedade fundiária, ambos compreendidos, no quadro conceitual da economia política, como um entrave à fluidez da acumulação capitalista, o capital imobiliário vem há décadas operando em condições vantajosas diante de outros setores da economia, à medida que consegue influir em ganhos decorrentes dos mecanismos formadores da renda da terra (COSTA, 2008). Uma política urbana que permita resgatar áreas degradadas irá impactar positivamente os pequenos proprietários de terra urbano e se, além, tiver o alcance de uma nova centralidade essa política estará se voltando contra as forças hegemônicas e socializando a valorização da terra. 4. Uma nova cultura urbana Se a cidade moderna foi moldada pela revolução industrial e seus engenhos, a cidade pós-industrial é fruto da era do consumidor, do mercado, como será a nova cidade? Galbraith propõe que será uma cidade de artistas (BETING, 2009). Essa cidade promoverá mais tempo para seus moradores, tempo para encontros, para contemplação, produzindo e difundindo cultura. Algumas pistas foram levantadas. Muito do conhecimento que formatará a cidade desse novo século já está consolidado no que se denomina estado-da-arte, ou, a soma de conhecimento produzido e aceito nas várias áreas que afetam a sua formatação, e de grande disseminação nos centros de pesquisa. O que tem diferenciado a sua implantação nas diversas sociedades é o estado-da-prática e a atomização do conhecimento vem dificultando o diálogo entre atores tão díspares e que perderam a continuidade no processo de planejamento, projeto, implantação e operação da mobilidade urbana. Essa descontinuidade do poder público somada a uma democratização tardia, mudança de tecnologia, mudança de concepção urbana, de paradigma econômico... torna a crise contínua e arraigada. Uma provocação sobre essa nova cidade se baseia da dialética de Hegel, também trabalhado por Marx, apresenta a tese como uma afirmação ou situação inicialmente dada. A antítese é uma oposição a essa tese. Do conflito entre tese e antítese surge a síntese, que é uma situação nova que carrega dentro de si elementos resultantes desse embate. A síntese, então, torna-se uma nova tese, que contrasta com uma nova antítese gerando uma nova síntese, em um processo em cadeia infinito. Num enfoque dialético marxista, onde tudo se relaciona, tudo se transforma, ocorre a passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa e uma luta dos contrários temos elementos que, na história recente, mostra a cidade industrial, a cidade moderna como tese e, sua negação, a cidade pós-moderna como antítese e indicadores dessa nova cidade, dessa nova síntese. Aqui, relatamos algumas novas concepções que podem ajudar a consolidar cidades melhores. 4.1 Mudanças em paradigmas contemporâneo A - Econômico Segundo Galbraith, a sociedade industrial era moldada pelos engenheiros, pelos detentores do Know-how, do saber fazer. E seus engenhos foram criando a cidade industrial, moderna, a cidade dos bondes, dos carros, dos elevadores, das escadas rolantes, do concreto armado. Apoderando-se dessas tecnologias surge a cidade modernista. A profusão da tecnologia e, consequentemente, do seu uso impõe novos desafios. A sofisticação dos mercados, a bolsa de valores, mercadorias e seus derivativos financeiros, a exigência de fazer melhor e mais adequado nos leva a uma nova fase, a dos economistas. Lester Thurow, estrategista do MIT fez uma outra leitura dessa mudança, mas com o mesmo resultado prático. Ele justifica uma mudança de era com a mudança de poder: das empresas (nações?) que ditavam o mercado por que só ela sabia fazer, denominada “Era do Produtor” para uma nova era onde várias empresas disputavam o mercado e o consumidor é quem ditava as regras, a “Era do Consumidor” (THUROW, 1993). Essa apologia ao mercado encontra seu ponto máximo com a teoria da Destruição Criativa de Schumpeter, por sua vez inspirada em Nikolai Kondratieff, onde o poder criativo do empreendedor iria destruir as estruturas existentes e colocar no lugar uma mais eficiente. Nessa crença libertária do mercado surge a cidade pós-moderna, livre das amarras da cidade industrial, ela convida todos a participarem da sua formatação, de uma cidade que apresenta desafios e labirintos, mas que abre a possibilidade de uma nova leitura, a leitura individual. São as cidades de papel que trata dos relatos pessoais após as narrativas coletivas à medida que a escrita se vulgariza. Entre os desafios impostos por essa “cidade do consumidor” está a tentativa de romper a dicotomia centro-periferia. Se as cidades pós-moderna nascem com a missão de romper com a cidade opressora, tanto a radio-concêntrica industrial quanto a cidade moderna especializada e compartimentada a resultante foi a criação de cidades confusas, feias, sem qualidade de vida e ineficientes. O livre mercado levado as últimas consequências consumiu espaço e mobilidade de modo irresponsável, promovendo o consumo de casas de subúrbio e automóveis de maneira insustentável. Já a irracionalidade de ocupação das forças de mercado se move pelo gradiente da especulação imobiliária e o marketing fantasioso, em alguns bairros, congelando e, em outros, explodindo demograficamente; relaxando fronteiras e criando outras. Em economia, essa disfunção de mercado se chama assimetria de informação. E a saída se chama North. Douglas North é um economista americano, mas com vivência global que ultimamente tem revolucionando tanto a economia quanto a ciência política com a sua Nova Economia Institucional pela qual foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia de 1993. De influência marxista, mas também do Schumpeter (aquele que se inspirou em Nikolai Kondratieff) com a qual seus estudos tem confrontado, se baseia na comprovação de que o desenvolvimento da sociedade está correlacionado com o desenvolvimento das instituições. Thurow que avaliou as estruturas competitivas de EUA, Europa e Ásia também sugeriu a importância competitiva de um “comando econômico”. Essa cidade que se fortalece institucionalmente, cria uma cultura mais rica, uma identidade maior também, ou por conta disso, evita uma quebra da narrativa, fenômeno que ocorre, por exemplo, em ambientes de guerra. Nos transportes públicos, a inflexão na curva de desenvolvimento na cidade desenhada pelo Bonde provocou uma ruptura no desenvolvimento construído e planejado em parceria entre o poder econômico e o poder público. O sucateamento dos bondes nos Estados Unidos, provocado por interesses econômicos ligados à indústria automobilística, gerou um forte problema de suprimento das peças de reposição do principal fornecedor de tecnologia do Brasil (KLEIN, 1996). Caso contrário poderíamos esperar que diversas cidades brasileiras tivessem sua mobilidade estruturada em sistemas de bonde moderno. Especulativamente, é razoável imaginar que as forças que atuaram no desmonte dos sistemas de bonde americano também atuaram na América Latina com igual impacto. B – Ambiental A deterioração das condições de vida nas periferias dos centros urbanos e outros locais de residência dos mais pobres pode ser vista, portanto, como a face ambiental do processo excludente de desenvolvimento: não apenas a renda e a riqueza se concentraram nas mãos das elites, mas também o direito a um ambiente saudável (como, de modo geral, o acesso a outras formas de bem-estar – segurança, educação, serviços de saúde). Assim, a industrialização não resolveu os problemas de pobreza e degradação ambiental nos espaços urbanos a princípio identificados com a “modernidade”. Os grandes acidentes ambientais passam a se concentrar cada vez mais nas áreas metropolitanas, e a perda de qualidade de vida urbana (entendida em seu conceito mais amplo) torna-se uma das características mais marcantes das cidades brasileiras (e latinoamericanas) no início do novo milênio. Por fim, se a sociedade de consumo de massas fosse efetivamente estabelecida, qual seria a pressão sobre recursos naturais? Qual será o tamanho dos engarrafamentos nas metrópoles brasileiras quando todos tiverem acesso à aquisição de veículo próprio? Isso quer dizer que a saída para uma sociedade mais justa exige, além de redistribuição de renda e riqueza, a modificação nos padrões de consumo, onde o interesse coletivo volte a ser privilegiado sobre o individual, e que a inserção do excluído seja por sua cidadania, e não pelo seu poder aquisitivo. 4.2 Um maior equilíbrio regional A partir da afirmação encontrada em “O Capital” de Karl Marx pode-se registrar a incipiente preocupação com a desigualdade regional. “Marcam época, na história da acumulação primitiva, todas as transformações que servem de alavanca à classe capitalista em formação, sobretudo, aqueles deslocamentos de grandes massas humanas, súbita e violentamente privadas de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como levas de proletários destituídos de direitos”. As mesmas forças que lutaram contra a mão-forte do planejamento do estado, a crença no livre mercado, produziram o estado mínimo sem capacidade de regular as forças gravitacionadas pelo capital, mas capaz de manter um estado assistencialista, por vezes paternalista, orbitado por um sem número de interesses menores. A transferência à sociedade, à iniciativa privada da produção de bens e serviços com grande eficiência e menor custo para o consumidor era a crença dos proponentes do estado mínimo (BRESSER, 1998). No entanto, foi a transferência do ato de planejar e mediar os interesses da sociedade a grande disfunção do liberalismo. Uma boa contribuição para o problema de equilíbrio regional vem do Ministério da Integração trazendo para o estado-da-prática o conceito de “estagnação econômica” que se incorpora ao conceito de “desigualdade regional” nas prioridades de investimento compensatório (INTEGRAÇÃO, 2006). O conceito de estagnação usado no desenvolvimento regional pode e deve ser incorporado ao desenvolvimento urbano e na abordagem de não-lugares. Os não-lugares é um conceito proposto por Marc Augé, antropólogo francês, para designar um espaço de passagem incapaz de dar forma a qualquer tipo de identidade. Para fundamentar este novo conceito, Marc Augé se utiliza de 3 figuras de excesso: a) excesso de tempo por efeito da aceleração da história em que tudo se tornou acontecimento e que, por haver tantos acontecimento, já nada é acontecimento e, por isso, organizar o mundo a partir da categoria tempo deixou de fazer sentido; b) Excesso de espaço por efeito da mobilidade de pessoas, bens, informações, imagens, o planeta se ter encolhido, e sentirmo-nos implicados em tudo, mesmo nos lugares mais remotos e c) Excesso de individualismo por efeito do enfraquecimento das referências coletivas, e porque as singularidades (dos objetos, grupos) organizam cada vez mais a nossa relação com o mundo (AUGÉ, 1994). Augé define o lugar, enquanto espaço antropológico, como um espaço identitário, relacional e histórico. O não-lugar será então um lugar que não é relacional, não é identitário e não histórico. As auto-estradas, os aeroportos, as grande superfícies são exemplos de não-lugares, mas também “campos de refugiados, campos de trânsito, grandes espaços antes concebidos para a promoção do mundo operários e tornados insensivelmente o espaço residual onde se encontram os sem abrigo e sem emprego de origens diversas: por toda aparte espaços inqualificáveis, em termos de lugar, acolhem, em princípio provisoriamente, aqueles que as necessidades do emprego, do desemprego, da miséria, da guerra ou da intolerância constrangem à expatriação à urbanização do pobre ou ao encarceramento” (AUGE, 1994). Os não-lugares são povoados de “viajantes” ou “passantes” em trânsito. Viajam, solitários, nesses espaços de ninguém. São não-lugares livres de identidades. No fundo, os nãolugares revelam uma nova forma de viver o mundo. Mas o retorno ao lugar pode ser o sonho dos que frequentam os não-lugares (AUGE, 1994). Na construção dos espaços, dos desejos de moradia, as cidades esquecidas passaram a ser um não-lugar no arquétipo do lugar dos sonhos. Da mesma maneira, lugares que foram esquecidos pelos especuladores urbanos, os verdadeiros construtores da cidade, se tornaram não-lugares urbanos e bairros esquecidos. Recentemente, o processo de erosão urbana tem transformado até mesmo as áreas centrais em nãolugares. Um modelo interessante é a Criação do Índice de Cultura Urbana e que a ONGtrem calculou um modelo para Transportes. A partir de um peso atribuído para cada modo de transportes soma-se a diferença entre o tempo de implantação do primeiro e o último sistema de cada cidade. No comparativo para a América Latina foi utilizado 5 sistemas: bonde de tração animal; bonde de tração elétrica; chegada do trem regional; metrô e trólebus. Usando esse ranking observa-se uma aplicação de recursos urbanos incompatíveis com o rastro histórico, destacando as perdas de Rio de Janeiro, Salvador e Recife (DANTAS, 2009). 4.3. Orçamento do tempo de deslocamento As cidades são herdeiras das fortificações medievais que atraíram, para o entorno dos castelos dos nobres, populações periféricas ao centro de decisões, gerando a distinção pobreza/riqueza, incluídos/excluídos. Através dos séculos, as cidades vêm perenizando esse modelo de separação econômica e social do binômio centro/periferia, Também é perene o tempo que cada pessoa aloca em deslocamento dentro de um orçamento de tempo diário, no caso de 1:30h e que vem desde o tempo do homem da caverna (VANDERBILT, 2009). 4.4. Cidades Policêntricas Herdeiras diretas das cidades da Idade Média, as cidades americanas cresceram sobre o signo dessa concepção monocêntrica, com um centro urbano ao qual a periferia se dirige para suprir suas demandas. Se havia semelhanças entre a cidade Européia e a Americana até o início do séc. XX, a chegada do automóvel mudou radicalmente os dois modelos. Enquanto na Europa a maioria das cidades tem um peso histórico e seus centros foram preservados, na América a crença que o automóvel seria o meio de transporte acabou alterando significativamente a ocupação e as viagens urbanas. A possibilidade de acessar qualquer ponto da cidade dentro do orçamento de tempo disponível pulverizou as viagens, atomizando as atividades e acabou por roubar a competitividade do transporte público que precisa de grandes volumes para se viabilizar. O contraponto dessa cidade atomizada é a cidade policêntrica, na qual cada bairro tem seu centro, onde os cidadãos encontram o emprego, a escola, o posto de saúde, o comércio, as casas de entretenimento e toda a infra-estrutura. O que anima essa nova estrutura é a descentralização, pressuposto para a democracia, a cidadania e a eficiência. Num primeiro momento o transporte individual seduz pela possibilidade do serviço porta-a-porta e pelo conforto proporcionado, mas no segundo momento a baixa eficiência de transporte provoca congestionamentos que exigem pesados investimentos em sistema viários que resolvem até novos e maiores congestionamentos. A baixa eficiência energética rouba competitividade da cidade e sua poluição rouba expectativa de vida da sua população. Isso explica o porquê do desenvolvimento europeu. Lá, a preservação do seu sítio histórico exigiu pesado investimento em transporte público, principalmente ferroviário, e, mais recentemente, em bicicletas, não por acaso, os dois modos de transporte mais eficientes energeticamente. Como consequência, as cidades européias lideram o ranking das cidades mais eficientes (MERCER, 2009). Indiferente a essas questões, as cidades brasileiras promoveram a implantação de Planos Diretores que promoviam a desconcentração da Área Central sem se preocupar em adensar novas centralidades contribuindo assim para o fenômeno de Erosão Urbana (JACOBS, 2000). 5. Uma nova mobilidade para uma nova cidade Essa nova cidade, integrada e com qualidade de vida precisa de uma rede de transportes que possa atender o novo pacto global de desejos de individualidade, de eficiência, de resgate da memória e da identidade, além do compromisso ambiental. A máxima de pensar global e agir local nunca esteve tão colada ao novo cidadão. A garantia da eficiência e da inserção da urbe exige o estreitamento entre o estado-da-arte e o estado-da-prática. A cidade começa a perder a inércia nefasta provocado pela especulação imobiliária e exige a comunicação de outras funções urbanas. A violência absurda que atinge as áreas deprimidas é o farol para uma atuação conjunta entre os diversos saberes. Felizmente a mobilidade apresenta novas ferramentas. 5.1. Gestão da Demanda A escolha do modo de transporte é a chave para essa ferramenta que promete construir cidades vibrantes e amigáveis e está ligada a uma mudança de paradigma: não mais se calcula a oferta para atender a demanda e sim gerenciar uma demanda que caiba no transporte mais eficiente disponível. A Gestão da Demanda se utiliza, principalmente, da lei de uso e ocupação do solo e dos conhecimentos sobre transporte para induzir uma adequação da oferta à demanda e é base para o que se denomina desenvolvimento orientado ao transporte de alta capacidade (Transit Oriented Development). O conceito de TOD envolve políticas de promoção de uma maior densidade de residências, postos de trabalho, lojas e serviços nas proximidades da rede de transporte que se deseja desenvolver oferecendo facilidades de acesso ao sistema e um serviço de alta qualidade. Tipicamente esse tipo de serviço é compacto, com uso misto do solo e também oferece uma variedade de facilidades para pedestres e ciclistas através da criação de parques e ruas projetadas segundo a ótica os pedestres (LOGIT, 2009). O TOD não é um conceito que se aplica a qualquer situação. Ele varia de acordo com a paisagem urbana, com a rede de transporte coletivo existente, com os tipos de política e mecanismos de financiamento, além de vários outros fatores. Entretanto, os pontos em comum encontrados nos projetos desenvolvidos ou em desenvolvimento são: - priorização dos modos não motorizados em sua concepção; - estabelecimento claro de infra-estrutura de acesso ao transporte coletivo; - determinação de adequado uso compartilhado das áreas; - inclusão de parte significativa para uso residencial e - envolvimento da comunidade, dos agentes públicos envolvidos e dos empreendedores. A gestão da demanda se utiliza da adequação do meio de transporte à densidade do solo, onde o aumento da densidade de solo viabiliza transportes de alta capacidade gerando economia de escala. Por outro lado, baixa densidade está associado a maior qualidade de vida. Substituir o automóvel pela bicicleta nos deslocamentos curtos é uma das estratégias de se fazer cidades compactas e com qualidade de vida. Fig 1: custo do transporte e densidade Custo ($) Custo da Mobilidade Automóvel ônibus A 1 2 3 Metrô B 4 5 6 7 C 8 9 10 11 12 13 Densidade Fonte: o autor A Gestão da Demanda pressupõe uma volta do planejamento centralizado, herança das cidades modernas, na construção de uma mobilidade sustentável. 5.2. Percepção dos Usuários Engenheiros, economistas e arquitetos costumavam projetar uma cidade que não contempla a visão dos seus usuários: o cidadão. Hoje, existem ferramentas onde a percepção do usuário é contemplada nas modelagens elaborados pelos técnicos. A – Isócronas Muito utilizado no cálculo dos projetos de transporte público onde a percepção do tempo de espera é significativamente maior do que o tempo de viagem. B – Sintaxe Espacial A leitura dos caminhos e das dificuldades para percorre-los depende da elaboração de mapas mentais e de uma análise racional que envolve os trechos lineares e as suas barreiras. A Sintaxe Espacial objetiva o estabelecimento de relações entre a estrutura espacial de cidades e de edifícios, a dimensão espacial das estruturas sociais, e variáveis sociais mais amplas, procurando revelar tanto a lógica do espaço arquitetônico em qualquer escala como a lógica espacial das sociedades (MEDEIROS, 2006,) C – Percepção do tempo A percepeção do tempo dos usuários é um reconhecimento que o tempo de espera percebido é maior do que o tempo embarcado percebido influenciando, principalmente, os projetos de transporte público. A incorporação da percepção dos usuários nos projetos é um legado das cidades pós-moderna. D – Cidade das Bicicletas Desde que os reis da Holanda e da Dinamarca convocaram uma coletiva da imprensa para anunciar que tinham encontrado uma saída para a crise do petróleo no início dos anos 70 e apresentaram a bicicleta que os investimentos na infra-estrutura urbana cicloviária não pararam de crescer. Já é reconhecido que a bicicleta é o melhor meio para deslocamentos de até 5 km em áreas adensadas e planas. Atualmente existem investimentos com bicicletas elétricas para assegurar o raio de alcance da eficiência da bicicleta em cidades com topografia acidentada. E – Maglev Entre as novas tecnologias, a de levitação magnética aparece como das mais promissoras reduzindo o atrito e o consumo energético em deslocamentos mais rápidos. A proposta urbana é baseada na “anastomose”, que é a capacidade de um organismo produzir novas ligações quando as veias entopem e a circulação é interrompida (DAVID, 2009). Assim, trens ferromagnéticos poderiam circular em alta velocidade paralelo às vias congestionadas. 5.3. Gestão Empresarial A arrogância técnica gerou serviços e produtos que eram feitos para “os outros” e raramente apropriado pelos seus beneficiados. Por outro lado, a democratização incitou a participação através de diversas figuras como a audiência pública, mas não pensou em capacitar a população ou no espaço do técnico como ator privilegiado. A participação acabou virando o fim e não meio. A inflexão do Planejamento Urbano poderia ser prevista. Um estudo sobre “Métodos de análise e tomada de decisão nas empresas de transporte na França” mostrou como as empresas estão mudando de método, saindo de um modelo tecnocrático, passando por um modelo procedural de participação dos atores e indo para um modelo descrito como mobilizador. A opção por um significa a negação de outro (BRANCA, 1997). Reforçar elementos dos três métodos de análise pode resultar num modelo que some, deixando de ser um jogo de soma zero, reforçando a capacitação técnica, dando voz a quem não tem voz e incorporando as pesquisas de opinião na formulação dos projetos (DANTAS, 1999). 5.4. Cidade dos Bondes – uma proposta para BH Uma data de inflexão dos investimentos no transporte por bonde foi a entrada do Brasil na segunda guerra mundial e os dados de produção falam da primeira metade dos anos 40 como o ápice dos transportes por bonde. A dificuldade de importação de peças e a incipiente concorrência dos ônibus fizeram com que em 20 anos os bondes entrassem em extinção total. Esse modo de transporte foi o último de uma cidade cordial, elegante, onde as regras de sociabilidade eram respeitadas e percebidas até mesmo na ocupação do solo. Coincidentemente, exatamente em 42, fruto de acordo entre o governo brasileiro e o estadounidense, desembarcaram no país Walt Disney, a revista Seleções, a Cocacola, a Kibon...e o olhar norte-americano do consumismo, do individualismo, do automóvel, do pragmatismo, do desperdício que enfeitiçou toda uma geração. Engenheiros de transporte e urbanistas não fugiram a regra. Esse olhar, somado ao vigoroso processo de urbanização, acabou criando uma cidade de excluídos e a especulação urbana passou a ser protagonista no desenho das metrópoles embrionárias. A cidade dos excluídos e que foi relatada por Aluísio Alves em O Cortiço, sempre existiu, mas ganha nova feição com as grandes cidades. A história do Morro da Providência no Rio de Janeiro, considerada a primeira favela brasileira, explica muito desse mundo periférico e violento. Seus valores e culturas deverão ser gradativamente incorporadas a cultura urbana e não aniquilada como se chegou a pensar. A transformação de uma cidade industrial em metrópole pós-industrial – bem como uma sucessão de planos diretores que ajudaram na formação de uma cidade que privilegia o automóvel em detrimento da utilização e ampliação dos transportes públicos – comprometeu a função da rede ferroviária e, conseqüentemente, a composição dos espaços urbanos e do uso de seu entorno. O que antes determinara a qualificação espacial hoje representa seu ocaso: terrenos vazios, prédios abandonados, espaços degradados(LORENZETTI, 2008). Para muitos, “cidade dos bondes” é a designação do território ocupado pelo tráfico. Resgatar a cidade dos bondes significa resgatar a construção histórica das grandes cidades de meados do século XX, interromper a quebra da narrativa histórica, a retomada da identidade onde só resta não-lugares, preservar a cidade da erosão urbana e fortalecer a instituição urbana. A cidade de 42 é um marco na história brasileira das cidades e é uma cidade que, hoje, faria uma transição entre o que é centro que se quer dinâmico e o subúrbio que se quer qualidade de vida e que hoje possui regiões estagnadas em função da especulação imobiliária desenfreada. Essa “cidade síntese” que une a cidade moderna a cidade pós-moderna, que une o planejamento eficiente a possibilidade de construção individual com limites deverá resgatar o valor simbólico das regiões eclipsadas pela especulação imobiliária. Para isso, é sugerida a implantação dos novos centros regionais apregoados no modelo de cidades policêntricas junto às extremidades da “cidade dos bondes”, deixando a montante destinada a transportes de menor capacidade e a juzante, em direção ao centro, os investimentos mais pesados, como as linhas de metrô, VLT, ou VLP. Nesses pontos teríamos a captura do motorista para um meio de transporte mais adensado. Ao contrário das estações-shoppings as novas estações deverão ter uma grande permeabilidade com a região de entorno. Soluções arquitetônicas e urbanísticas individualizadas deverão ser empregadas para assegurar a apropriação do espaço e do modo de transporte. Fig 2: Novos centros regionais dividindo importância com o centro Levantamento para Belo Horizonte, que já teve 75 km de linha de bonde, indica que a “cidade do bonde” teria uma área de 44 km 2, contra uma área de 8 km2 da parte interna da av. do Contorno, considerado centro, e os 330 km 2 de toda a cidade como mostra a figura 3. Em Belo Horizonte, “a pluralidade das soluções de transporte, visíveis nas ruas, escondia um processo de exclusão em curso, pois o modelo de desenvolvimento capitalista levaria a uma vertiginosa metropolização e a uma racionalização dos serviços de transporte, quando restou praticamente sozinha a modalidade dos ônibus” (GOMES, 1996). Fig 3: Rede do bonde e limite da cidade dos Bondes em Belo Horizonte Fonte: Tramz A Cidade dos Bondes pode vir acompanhada de uma cidade mais humana. Resgatar os antigos cursos de água da cidade através da construção de ciclovias no seu leito e a devida identificação, denominando as ciclovias como os antigos córregos resgata a memória a medida que promove um meio de transporte não poluente. Importante evitar a concorrência das ciclovias com o transporte de alta capacidade. Na figura 4 estão mostradas as grandes bacias hidrográficas da cidade e suas alimentadoras. Interessante observar que a principal bacia, a do Ribeirão Arrudas, é por onde transita boa parte do metrô de superfície. Fig 4: Bacia Hidrográfica de Belo Horizonte Fonte: Pedala BH Entre 1988, promulgação da Constituição, e 2001, aprovação do Estatuto da Cidades, houve um grande avanço dos instrumentos jurídicos, das formulações de ferramentas teóricas, tais como: direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir e operações urbanas consorciadas; A opção pelo pragmatismo levou a mediocridade e a rejeição de utópicos. 6. Considerações Finais Ao identificar vários ciclos que agem na formatação das cidades e fazendo um paralelo entre o desenvolvimento recente das cidades Americanas e Européias em função da opção pela mobilidade elegida é possível caracterizar a mudança de sistemas e sua conseqüência, a crise, como uma oportunidade de avançar na implantação de planos de mobilidade sustentável. O diálogo entre as “ciências doces” e as “ciências duras”, ou ciências exatas, procura agregar elementos do espaço e memória na construção de novos parâmetros a serem tratados dentro do escopo tradicional dos transportes. A violência absurda que se abateu sobre as grandes cidades é a justificativa para explorar a perda de identidade dentro da problemática de espaço e memória e a falência do modelo atual das grandes cidades, que em transporte resultou na “cidade dos automóveis”, como justificativa para procurar uma superação das cidades pós-moderna com uma possível “cidade síntese”, resgatando elementos da cidade moderna. Ao propor uma “Cidade dos Bondes” o trabalho visa incorporar estudos de espaço e memória na locação dos pontos de transferência dos modos de transporte, costurando soluções urbanísticas contemporâneas com as novas ferramentas de transporte (cidades policêntricas com gestão da demanda); novos paradigmas econômicos com as atuais metas ambientais e um diálogo das cidades modernas com as cidades pós-modernas. Isso, de uma maneira que apresente uma fácil identificação facilitando a adesão de tomadores de decisão. Obviamente, pelo alcance da proposta e pelas inúmeras possibilidades de agregar novos conhecimentos esse trabalho deverá ter continuidade visando detalhar as principais áreas de interface e, se possível, mensurar as expectativas de resultado. Bibliografia AFONSO, David, Urbanidade, Cultura Urbana e Reabilitação, Lisboa, 2006, disponível em <www.quintacidade.com> AUGÉ, Marc, Não-lugares: introdução a uma antropologia da modernidade, Bertrand, Lisboa, 1994. 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