Relatório anual de 2013

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Relatório anual de 2013
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
RELATÓRIO ANUAL DO MECANISMO ESTADUAL DE
PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO
2013
Rio de Janeiro
2013
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA
Membros: Antônio Pedro Soares, Fábio Simas, Patrícia Oliveira, Renata Lira, Taiguara Souza,
Vera Lúcia Alves.
1° Relatório Anual – 2013: I – Introdução; II – Panorama Nacional e Internacional; III Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura; IV – Casos Emblemáticos de Tortura e
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; V – Conclusão; VI –
Recomendações.
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Endereço: Palácio Tiradentes, Rua Primeiro de Março, s/n, Rio de Janeiro.
Contato: [email protected]
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO
I.1 – O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ...............................4
I.2 - O Relatório Anual do MEPCT/RJ.......................................................................................7
I.3 – Realizações Institucionais do MEPCT/RJ .......................................................................10
II – PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL
II.1 – Panorama Internacional do OPCAT ..............................................................................16
II.2 – Os Desafios para a Implementação do OPCAT no Brasil.............................................20
III – SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA
III.1 – Sistema Prisional e Carcerário......................................................................................25
III.1.1 – Carceragens da Polícia Civil.........................................................................25
III.1.2 – A Progressão de Regime de Cumprimento de Pena...................................27
III.1.3 – A Privatização do Sistema Penitenciário.....................................................70
III.1.4 – Saúde no Sistema Prisional...........................................................................77
III.2 – Sistema Socioeducativo...................................................................................................84
III.2.1 – Adolescentes Privados de Liberdade............................................................84
III.2.2 – Das Unidades de Internação.........................................................................91
III.2.3 – Do Plano de Segurança Socioeducativa do DEGASE................................95
III.2.4 – Da Audiência Pública sobre o DEGASE.....................................................98
III.3 – Saúde Mental, Drogas e Institucionalização...............................................................100
III.3.1 - Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, álcool e outras drogas...................100
III.3.2 - “Abrigos Especializados” e Institucionalização de
Crianças e Adolescentes.............................................................................................104
III.3.3 - Istitucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção
Social Rio Acolhedor...................................................................................................107
III.3.4 - Comunidades Terapêuticas..........................................................................112
III.4 - Política Criminal de Segurança Pública: A Repressão Policial às
Manifestações Populares..........................................................................................................126
IV – CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU
PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES...................................................................137
V – CONCLUSÃO...................................................................................................................................151
VI – RECOMENDAÇÕES.....................................................................................................................155
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
I. INTRODUÇÃO
I.1 - O Mecanismo Estadual para Prevenção e o Combate à Tortura/RJ
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
(MEPCT/RJ) é um órgão criado pela Lei Estadual nº 5.778 de 30 de junho de 2010,
vinculado à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro que tem como objetivo
planejar, realizar e conduzir visitas periódicas e regulares a espaços de privação de
liberdade, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção, aprisionamento,
contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de controle, vigilância,
internação, abrigo ou tratamento, para verificar as condições em que se encontram
submetidas as pessoas privadas de liberdade, com intuito de prevenir a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes.
Segundo o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura, os Mecanismos
também têm como atribuição recomendar medidas para a adequação dos espaços de
privação de liberdade aos parâmetros internacionais e nacionais e acompanhar as
medidas implementadas para atender às recomendações.
Como prevenção à tortura e de outros tratamentos ou penais cruéis, desumanos e
degradantes entende-se “desde a análise de instrumentos internacionais de proteção até
o exame das condições materiais de detenção, considerando políticas públicas,
orçamentos, regulações, orientações escritas e conceitos teóricos que explicam os atos
e omissões que impedem a aplicação de princípios universais em condições locais”.1
Para tanto, o propósito fundamental do mandato preventivo é o de “identificação
do risco de tortura”2 e, a partir da ação proativa de monitoramento de centros de
1
Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura: manual de implementação. (p.73). San
José, Costa Rica: Associação para Prevenção à Tortura e Instituto Interamericano de Direitos Humanos,
2010.
2
Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do
SPT
ao
Comitê
contra
a
Tortura.
Vide
“Committeeagainst
Torture
meetswithSubcommitteeonPreventionof Torture”, Comunicado de imprensa de 2 de maio de 2009,
disponível
em:
www.unog.ch.http://www.unog.ch/80256EDD006B9C2E/(httpNewsByYear_en)/02A16C255B95E900C
12575B40051FA5A?OpenDocument
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privação de liberdade, prevenir que as violações aconteçam. O enfoque preventivo do
MEPCT/RJ se baseia na premissa de um diálogo cooperativo com as autoridades
competentes para coibição da tortura e outros tratamentos desumanos, degradantes e
cruéis à pessoa privada de sua liberdade. Desta forma, como expressa o inciso II, do art.
2º da Lei Nº 5.778/10 que o institui, busca-se a “articulação, em regime de
colaboração, entre as esferas de governo e de poder, principalmente, entre os órgãos
responsáveis pela segurança pública, pela custódia de pessoas privadas de liberdade,
por locais de longa permanência e pela proteção de direitos humanos”.
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
(MEPCT/RJ) resulta do processo de estabelecimento, pelo Estado Brasileiro, das
diretrizes contidas no Protocolo Facultativo à Convenção contra Tortura e Outros
Tratamentos ou Penais Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações
Unidas, ratificado pelo país no ano de 2007. O referido Protocolo decorre do acúmulo
estabelecido na Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU realizada em 1993
na qual se declarou firmemente que os esforços para erradicar a tortura deveriam
primeira e principalmente concentrar-se na prevenção, designando para tanto, o
estabelecimento de um sistema preventivo de visitas regulares a centros de detenção.
Além disso, a construção de Mecanismos Preventivos de monitoramento dos
locais de privação de liberdade integra as prerrogativas do “Plano de Ações de
Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil”, de 2006, bem como o
Plano Nacional de Direitos Humanos 3 da Secretaria de Direitos Humanos. Neste
sentido, o Estado do Rio de Janeiro coloca-se em posição de pioneirismo na Federação,
salientando o compromisso com a implementação do Plano de Ações Integradas para a
Prevenção e Combate à Tortura no Brasil, com a defesa dos direitos humanos e a
consolidação dos princípios democráticos.
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro
(MEPCT/RJ) deu início às suas atividades em julho de 2011 após a nomeação de seus
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membros pelo presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
conforme atribuição do inciso II do 5º parágrafo da Lei 5778/10.
O MEPCT/RJ é o primeiro mecanismo preventivo em funcionamento no país.
Recentemente, entrou em vigor a Lei Nº 12.847/13 que cria formalmente o Comitê e o
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (ainda não constituídos), bem
como institui o Sistema Nacional de Prevenção à Tortura, do qual os mecanismos
estaduais são parte integrante.
Em planejamento institucional o Mecanismo definiu a Visão, Missão e
Definição de seu trabalho, abaixo descritos.
Visão
Prevenir e erradicar a prática da tortura e maus tratos buscando a efetivação
integral dos direitos humanos das pessoas privadas e restritas de sua liberdade, a
partir da promoção de uma cultura de respeito à dignidade humana.
Missão
Prevenir e combater a tortura e maus tratos a partir de ações estratégicas e de um
sistema de visitas periódicas a espaços de privação e restrição de liberdade no
Estado Rio de Janeiro, fundamentado na garantia dos direitos humanos
expressos no marco legal nacional e internacional.
Definição
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro é
um órgão estatal independente composto por seis membros, criado pela Lei No.
5.778/10 e vinculado administrativamente ao Poder Legislativo. Tem como
atribuição o monitoramento preventivo aos espaços de privação e restrição de
liberdade, em respeito ao previsto no Protocolo Facultativo à Convenção Contra
a Tortura da ONU.
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I.2 - Do Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e o Combate à
Tortura/RJ
Uma das tarefas primordiais de um mecanismo preventivo constitui a elaboração
do relatório anual. Conforme destacado pela Associação para a Prevenção à Tortura
(APT), na publicação “Monitoramento de locais de detenção: um guia prático”,
compete aos mecanismos nacionais e locais, no âmbito de seu monitoramento
preventivo, elaborar o relatório anual, relatórios de visitas regulares, relatórios de visitas
de seguimentos e, por fim, relatórios de visitas temáticas.
O presente relatório tem o objetivo de apresentar o trabalho desempenhado pelo
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ)
ao longo do ano de 2013. Uma vez que constitui o segundo relatório anual, pretende não
repetir abordagens já anteriormente aprofundadas no Relatório Anual 2012, porém
permanece o intituito de analisar as condições observadas para o tratamento de pessoas
privadas de liberdade deste estado e a identificação dos riscos de tortura.
O Relatório pretende, portanto, apresentar uma síntese das questões analisadas
nas visitas e relatórios, bem como em reuniões, seminários, audiências públicas e
demais atividades desempenhadas pelo MEPCT/RJ, CEPCT/RJ e outras instituições
parceiras. Sua finalidade é prevenir e combater as condições de tortura através de
recomendações que estabeleçam harmonia com os padrões nacionais e internacionais3.
O ano de 2013 representa um ano de consolidação de certas conquistas
importantes para o MECT/RJ, como a realização da primeira eleição de membros após a
composição da equipe inicial, realização de um número significativo de visitas em
Declaração do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU ao apresentar o segundo relatório anual do
SPT ao Comitê contra a Tortura. Nela, o SPT afirmou “que seu principal objetivo é “identificar situações
de risco de tortura”. Ao invés da abordagem mais tradicional de reagir à violações uma vez que já
tenham ocorrido, o SPT adota uma abordagem preventiva holística, baseada numa atuação contínua e próativa regida pela premissa de um diálogo de cooperação entre o SPT e os Estados-Partes e os MPNs (...)”.
Em: Visita ao Brasil do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura e a
implementação do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura. Documento Informativo
para Atores Nacionais da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).
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unidades ainda não monitoradas pelo Mecanismo, e reconhecimento de representativos
órgãos e instituições de monitoramento dos espaços de privação de liberdade.
Entretanto, o MEPCT/RJ ainda carece de questões essenciais, especialmente no que se
refere à estrutura de trabalho.
O Relatório Anual 2013 compreende os seguintes itens: encerrando a introdução
serão apresentadas as realizações institucionais do MEPCT/RJ. No item II será
abordado o panorama nacional e internacional de implementação do OPCAT. O item III
dedica-se à abordagem do Sistema Estadual de Prevenção à Tortura, elaborado a partir
do monitoramento realizado pelo MEPCT/RJ. O tópico apresenta análise acerca do
Sistema Prisional e Carcerário, especialmente sobre as carceragens da Polícia Civil, as
mazelas da progressão de regime penitenciário, o processo de privatização em curso e o
tema da saúde no sistema penitenciário. Quanto ao Sistema Socioeducativo, será
enfatizada a implementação do SINASE no Rio de Janeiro e o plano de segurança do
DEGASE. Será ainda analisada a temática da Saúde Mental,
Drogas e
Institucionalização, debruçando-se sobre a reforma psiquiátrica e a inobservância de
seus princípios na atualidade, os “abrigos especializados” para adolescentes, a
institucionalização compulsória de adultos e as comunidades terapêuticas. Por fim,
aspectos da política criminal de segurança pública, especialmente no que tange à
repressão policial às manifestações populares. No item IV serão elencados casos
emblemáticos de tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes monitorados pelo MEPCT/RJ no ano de 2013. Por fim, serão apresentadas
as considerações finais no item V e no item VI as recomendações a autoridades públicas
para a adoção de medidas preventivas e eficazes com vistas à erradicação da tortura.
O Relatório Anual 2013 foi elaborado pela equipe atual de membros do
MEPCT/RJ - Antônio Pedro Soares, Fábio Simas, Patrícia Oliveira, Renata Lira,
Taiguara Souza e Vera Alves. Vale destacar o agradecimento especial a Isabel Mansur,
integrante da primeira equipe do Mecanismo que teve mandato até o primeiro semestre
deste ano.
Cabe ainda também o agradecimento ao Comitê Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura, especialmente aos integrantes Camila Freitas (OAB-RJ), Marcelo
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Freixo (Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALERJ), Roberto Gevaerd
(Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da ALERJ), Elizabeth Souza de Oliveira
(CRESS-RJ), Débora Rodrigues (CRESS-RJ), Isabel Lima (Justiça Global), Newvone
Costa (Conselho da Comunidade), Márcia Badaró (CRP-RJ) e Marcelo Anátocles (TJRJ).
Agradecemos ainda às contribuições essenciais de Henrique Guelber (exCoordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública),
Felipe Almeida (Coordenador do Núcleo de Sistema Penitenciário da Defensoria
Pública), Maíra Fernandes (Presidente do Conselho Penitenciário), Cláudia Camuri
(CRP-RJ), Sylvia Dias (APT), Rubens Casara (EMERJ), Andrea Sepúlveda (exSubsecretária de Estado de Direitos Humanos), Caroline Faria (Secretaria de Estado de
Assistência Social e Direitos Humanos), ISER (Instituto de Estudos da Religião) e
Instituto de Defensores de Direitos Humanos.
Cumpre destacar a contribuição da Subsecretaria de Direitos Humanos do
Estado do Rio de Janeiro para o desenvolvimento dos trabalhos ora relatados, ao ceder
transporte para os membros do MEPCT/RJ até as unidades de privação de liberdade.
Por fim, registramos o agradecimento aos órgãos públicos que contribuíram com
informações imprescindíveis ao relatório, como a Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Vara de Execuções Penais, DEGASE e Secretaria
Municipal de Assistência Social.
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I.3 – REALIZAÇÕES INSTITUCIONAIS
I.3.1 - Da Eleição de Membros
O ano de 2013 foi de grande importância para a consolidação do Mecanismo
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Se em 2012 foi realizada
a primeira eleição para entidades da sociedade civil após a instalação do CEPCT/RJ,
havendo mudanças na composição do Comitê, em 2013 foi realizada a primeira eleição
para o MEPCT/RJ após o início dos seus trabalhos. Respeitando ao princípio da
alternância na renovação de seus quadros, a cada dois anos serão realizadas eleições
para metade dos membros do mecanismo, ou seja, para três membros, conforme orienta
a Lei Estadual Nº 5.778/10. Excepcionalmente, em 2013, foram realizadas eleições para
quatro membros, sendo um dos eleitos indicado para preencher dois anos do mandato de
Isabel Mansur, membro do MEPCT/RJ, que pediu exoneração do cargo.
Em abril de 2013, o CEPCT/RJ aprovou edital de eleições para as quatro vagas,
sendo três para exercício de mandato de quatro anos, e uma para dois anos. O processo
era composto por três etapas: a inscrição; a votação no âmbito do CEPCT/RJ; e a
sabatina junto à Comissão de Normas Internas e Proposições Externas da ALERJ.
A primeira e segunda etapas ocorreram sem grandes obstáculos e, no dia 2 de
junho de 2013 foram eleitos pelo comitê os seguintes membros: Antônio Pedro Soares,
Fábio do Nascimento Simas e Vera Lúcia Alves para o exercício de mandato de quatro
anos; e Taiguara Líbano Soares e Souza para exercício de mandato de dois anos.
Após esta etapa, passou-se à fase das sabatinas, que só puderam ser realizadas
em setembro. Este procedimento da casa legislativa foi presidido pelo deputado Édino
Fonseca. No que se refere às nomeações, estas só se efetivaram em novembro.
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I.3.2 - Dos Espaços de Privação de Liberdade visitados
Entendendo espaços de privação de liberdade por “estabelecimentos que
detenham pessoas, qualquer que seja a forma ou fundamento de detenção,
aprisionamento, contenção ou colocação em estabelecimento público ou privado de
controle, vigilância, internação, abrigo ou tratamento”4, no âmbito do cumprimento de
suas atribuições legais, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro visitou unidades do Sistema Penitenciário, do Sistema Socioeducativo,
equipamentos de atenção à saúde mental e instituições de abrigamento de crianças,
adolescentes e adultos ao longo de 2013.
Das 54 (cinqüenta e quatro) unidades que compõem o Sistema Penitenciário do
Estado do Rio de Janeiro, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro visitou: Penitenciária Lemos de Brito; Penitenciária Alfredo Tranjan;
Instituto Penal Vicente Piragibe; Penitenciária Talavera Bruce; Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho; Presídio Evaristo de Moraes; Cadeia Pública
Romeiro Neto (Bangu III); Instituto Penal Ismael Pereira Sirieiro; Instituto Penal
Edgard Costa; Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, Presídio Nelson Hungria; Casa
do Albergado Crispim Ventino; Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho; Penitenciária
Esmeraldino Bandeira, Cadeia Pública Patricia Acioli; Cadeia Pública Bandeira
Stampa; Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo.
No que tange ao Sistema Socioeducativo do Estado do Rio de Janeiro, foram
visitadas apenas unidades de cumprimento de medidas socioeducativas de internação e
internação provisória, quais sejam: Escola João Luiz Alves; CENSE Dom Bosco;
Educandário Santo Expedito; CENSE Gelso de Carvalho Amaral; CENSE Professor
Antônio Carlos Gomes da Costa; e CAI Baixada. Importante destacarmos que, embora a
medida socioeducativa de semiliberdade seja, assim como a internação, medida
privativa de liberdade, no ano de 2013 não houve nenhuma visita a unidades próprias
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Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Regimento Interno do Mecanismo Estadual de
Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.
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para o seu cumprimento, por razões de priorização por parte da equipe do Mecanismo
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, devido à maior
gravidade de violações perpetradas nas unidades de internação.
Em relação à rede de atenção à saúde mental, realizou-se visitas de
monitoramento em unidades conhecidas como comunidades terapêuticas, destinadas ao
atendimento de dependência químicas a partir de métodos polêmicos, como veremos no
decorrer deste relatório. As unidades visitadas foram Instituto Aldeia Gideão e Centro
de Recuperaçãp para Dependentes Químicos Associação Amor & Vida (CREDEQ),
Centro Regional de Atendimento de usuários de Álcool e outras Drogas (CARE AD
Campo Grande, Obra Social Nossa Senhora da Glória- Sítio Liberdade Teresópolis.
Em relação às unidades de abrigamento, foram visitadas as Centrais de
Recepção para crianças e adolescentes no município do Rio de Janeiro, Central de
Recepção Taiguara e Central de Recepção Adhemar Ferreira de Oliveira. Da mesa
forma, em visitas conjuntas com outras instituições parceiras, o MEPCT/RJ participou
de visita à Casa Viva Bonsucesso abrigo especializado para atendimento a crianças e
adolescentes que, supostamente, sejam dependentes de alguma droga. Por fim, o
MEPCT/RJ realizou visita ao abrigo Rio Acolhedor, da Prefeitura do Rio de Janeiro,
abrigo destinado a pessoas em situação de rua e que são alvo das operações de
recolhimento da prefeitura da capital.
I.3.3 - Dos Relatórios
Todas as visitas identificadas no item acima geraram relatórios. Algumas das
unidades mencionadas foram visitadas pela primeira vez, gerando, para tanto, relatório
de visita regular, em outras foram realizadas visitas de seguimento e também foram
realizadas visitas temáticas e de apuração de denúncias recebidas.
No ano de 2013, o MEPCT/RJ realizou inúmeras visitas temáticas a unidades do
sistema prisional para a elaboração do Relatório Temático sobre a Progressão de
Regime do Sistema Prisional do Rio de Janeiro, lançado em 27 de setembro. Seu
objetivo foi a realização de diagnóstico sobre a cumprimento do disposto na Lei de
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Execuções Penais por parte do estado do Rio de Janeiro, bem como indicar propostas de
melhoria no sistema de progressão do regime de cumprimento de pena. As principais
constatações serão apresentadas mais adiante.
Ainda em 2013, houve a elaboração de relatório temático sobre as comunidades
terapêuticas. Diante de inúmeras denúncias recebidas acerca de tortura, maus tratos e
outras irregularidades que ocorriam em instituições de cunho religioso que se dedicam
ao tratamento de dependentes químicos, o MEPCT/RJ, junto com instituições parceiras
que compõe o CEPCT, realizou visitas e, conjuntamente com estas instituições,
elaborou o referido relatório temático.
I.3.4 - Da Participação em Cursos de Capacitação e Formação
Como já vinha acontecendo em 2012, o MEPCT/RJ foi novamente convidado a
participar dos cursos de formação para servidores do Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (DEGASE), ministrando o módulo “Prevenção e Combate à Tortura”.
Importante registrar que em 2013, para além dos cursos de formação continuada dos
servidores, houve a realização de um grande concurso público de seleção para agentes
socioeducativos e equipes técnicas, e que este concurso público contava com a
realização de um curso de formação como uma das etapas do processo seletivo. Estas
aulas se deram ao longo do ano, tendo sido ministradas nos municípios do Rio de
Janeiro, Teresópolis, Nova Iguaçu, Niterói, Volta Redonda e Macaé.
I.3.5 - Das Audiências Públicas
O MEPCT durante o ano participou diretamente de quatro audiências públicas
convocadas pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ.
Em maio foi realizada audiência pública com o objetivo de debater a questão
da saúde no sistema penitenciário. Em junho ocorreu audiência pública em que se
discutiu sobre o tema da política estadual de prevenção ao uso de álcool e outras drogas,
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discorrendo-se a respeito das inspeções realizadas nas comunidades terapêuticas
financiadas pelo governo do Estado.
Já no mês de novembro de 2013, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e
Cidadania da ALERJ realizou duas Audiências Públicas em parceria com o MEPCT/RJ,
sobre a atual situação do Sistema Socioeducativo, realizada em 5 de novembro, e sobre
o relatório temático sobre a progressão de regime no sistema prisional, realizada em 29
de novembro.
I.3.6 - Do Regimento Interno do MEPCT/RJ
Após dois anos de funcionamento, o MEPCT/RJ encerra o ano de 2013 com o
seu Regimento Interno aprovado pelos seus membros, restando apenas a publicação do
mesmo no diário oficial pendente. Foram realizados encontros específicos ao longo do
ano para tratar deste documento, com leitura coletiva das propostas de redação do
Regimento, conforme definido no Planejamento Institucional do MEPCT/RJ em agosto
de 2013.
I.3.7 - Do Seminário Anual
Nos dias 31 de outubro e 1° de novembro, o MEPCT/RJ, em parceria com o
CEPCT/RJ, com a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) e a
OAB-RJ, realizou o II Seminário Os Desafios para o Enfrentamento à Tortura.
O Seminário foi estruturado em cinco painéis, com temas definidos previamente
e contou com a participação de renomados profissionais e pesquisadores. Todo o evento
foi gravado em vídeo, que em breve será disponibilizado para consultas na internet.
I.3.8 - Do Fundo Especial do OPCAT
Por fim, vale salientar que em 2013, o Mecanismo foi agraciado por ter sido
selecionado em edital do Escritório de Direitos Humanos do Alto Comissariado das
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Nações Unidas. O referido edital decorre do fundo especial para implementação do
Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura da ONU e destina-se a apoiar
mecanismos e comitês de prevenção pelo mundo. O projeto apresentado pelo
Mecanismo terá execução de 4 meses e prevê a realizações de eventos, cartilhas,
campanhas e criação de sitio na internet.
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II – PANORAMA NACIONAL E INTERNACIONAL
II.1 - Panorama Internacional do OPCAT
Importantes documentos adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
como a Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos
ou Degradantes5 e Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes6, aprovados em 1984 e 2002
respectivamente estão em constante processo de consolidação de seus propósitos.
Atualmente 70 países já ratificaram o Protocolo Facultativo à Convenção e os EstadosParte vem gradativamente criando seus Mecanismos Preventivos Nacionais (MPN).
Atualmente, segundo dados da APT, há 51 MPNs designados.
Estados Partes OPCAT
MPN Designados
Fonte: Associação para Prevenção à Tortura .
No que se refere à ratificação dos Estados-Partes ao OPCAT, podemos
visualizar que a grande maioria destes estão situados no continente europeu e na
5
Aludindo o artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o artigo 7 do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, que estabelecem que ninguém será submetido à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes, e levando em consideração a Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e
outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral em 9 de dezembro
de 1975.
6
A partir da próxima citação, será chamado apenas de Protocolo Facultativo ou OPCAT.
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América Latina. O Brasil aparece no gráfico como órgão designado devido à legislação
recentemente adotada, porém o mecanismo nacional ainda não foi implementado.
No tocante à América Latina, catorze países já haviam ratificado o Protocolo
Facultativo: Argentina. Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala,
Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.
Inúmeras ações vem sendo realizadas pelos representantes do Subcomitê de
Prevenção à Tortura (SPT), pela sociedade civil e parlamentares para a implementação
destes documentos. Muitos eventos são realizados com intuito de discutir a criação de
Mecanismos Nacionais e o fortalecimento dos órgãos já existentes de modo que a luta
contra à tortura tenha ferramentas também institucionalmente fortalecidas e em pleno
funcionamento.
No ano de 2013 o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro participou de importantes eventos internacionais que discutiram os
diversos aspectos da prevenção à tortura em caráter mundial e regional.
Em 21 de fevereiro de 2013 o MEPCT/RJ foi convidado a estar presente em uma
reunião do Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) da Organização das Nações Unidas
(ONU) em Genebra, Suíça. Nesta oportunidade, o Mecanismo apresentou aos
comissionados informações sobre sua atuação nos espaços de privação de liberdade do
estado do Rio de Janeiro, mais especificamente sobre as ações realizadas junto as presas
e presos provisórios.
Durante a reunião o Mecanismo ressaltou que após uma série de ações da
sociedade civil e de Parlamentares denunciando as más condições das carceragens das
Delegacias de Polícia, o Governo do Estado do Rio de Janeiro assumiu um
compromisso público de gradativamente fechar todas as carceragens e transferir a
custódia temporária de todos os presos para a Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP), mas apesar de ser considerado um avanço em
direção à extinção das prisões tradicionais certamente este ato resultou no agravamento
da superlotação nas unidades prisionais. Aliado ao fechamento das carceragens seria
fundamental a construção de novas unidades de custódia, as chamadas cadeias públicas
e a urgente ampliação da concessão de medidas alternativas à privação da liberdade.
17
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Os comissionados que haviam visitado o Brasil em setembro de 2012
perguntaram especificamente sobre a condição do Presídio Ary Franco, uma das
unidades visitadas pelo grupo durante sua passagem pelo Rio de Janeiro. Na época da
visita os membros do SPT recomendaram expressamente pelo fechamento desta
unidade devido a condição desumana em que se encontram os homens ali
“provisoriamente” encarcerados, esta era a unidade que recebia todos os presos, era a
chamada “porta de entrada”. Infelizmente o Mecanismo comunicou aos comissionados
que a referida unidade continua em funcionamento abrigando um número entorno de
1600 homens, quando sua capacidade é para 950. Contudo o Mecanismo informou que
após a visita do SPT, em setembro de 2012, e também de uma Audiência Pública
realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro em 17 de abril de
20127, a SEAP deslocou a entrada dos presos para Penitenciária Alfredo Tranjan
(Bangu II), dando a estes uma condição menos gravosa.8
O Mecanismo considerou muito importante a oportunidade de estar presente em
uma reunião ordinária do Subcomitê e poder relatar pessoalmente dados colhidos a
partir de sua experiência cotidiana. Considerando que os comissionados não tem
condições de realizar visitas mais regulares aos países é fundamental que se aproveitem
estes convites para informa-los sobre as violações cometidas contra as pessoas privadas
de liberdade no estado do Rio de Janeiro.
Ainda em 2013 o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro participou das “Primeras Jornadas Sobre La Prevención de La Tortura
Em Cono Sur” realizada entre 14 e 16 de agosto em Buenos Aires, Argentina. O
encontro ocorreu durante a celebração do vigésimo aniversário da Procuración
Penitenciaria de la Nación e a entrada em vigor da lei que estabelece o Sistema
Nacional de Prevenção à Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e
Degradantes (Lei n. 26.827) da Argentina.
7
Audiência Pública sobre “Superlotação e Saúde no Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro” realizada na
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro no dia 17 de abril de 2012.
8
Neste momento os presos do sexo masculino tem entrado no Sistema Prisional carioca pela Cadeia Pública Patrícia
Acioli, no recém inaugurado Complexo Penitenciário de Guaxindiba, localizado no município de São Gonçalo.
18
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Esta atividade foi realizada com o objetivo de promover uma análise da situação
sobre os principais desafios para prevenção da tortura no cone sul, reconhecendo
semelhanças e diferenças e, ao mesmo tempo, proporcionar um fórum para o
intercâmbio de conhecimentos, experiência e cooperação regional entre os participantes.
Estiveram presente além de representantes do Brasil, representantes da Argentina,
Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile e Peru.
Durante as oficinas de discussão foi possível trocar experiências sobre desafios
considerados estruturantes na luta contra tortura tais como a impunidade seletiva, a
cultura punitiva e a ausência de políticas públicas de direitos humanos, sobretudo para
as pessoas privadas de liberdade. No âmbito social foi debatido que apesar das
regionalidades, em todos os países presentes, a maior parte da sociedade legitima a
tortura como uma prática justificável. E neste sentido é bom que ressaltemos que as
pessoas em situação de pobreza são aquelas identificadas como torturáveis em qualquer
país da América Latina. Sendo o encarceramento ainda maior de populações indígena,
negra, LGBTT e mulheres.
O caráter militarizado e a cultura da violência também foram tema da discussão
que nos possibilitou reconhecer que a corrupção nas unidades prisionais, suas péssimas
condições estruturais, o escasso acesso a assistência judiciária e ausência de
qualificação profissional e condições de trabalho não são problemas exclusivos das
prisões brasileiras. É possível afirmar que o modelo de prisão legitimado por maioria
absoluta da sociedade latino americana e mundial está totalmente falido.
A troca de experiências possibilitou também a elaboração de algumas estratégias
tais como garantir um processo de investigação eficaz sobre as denúncias de tortura
ocorridas no cárcere; criação de mecanismos efetivos de proteção as vítimas;
sensibilização da opinião pública e atores políticos; fomentar o debate sobre a percepção
de que a segurança pública e garantia de direitos humanos de pessoas privadas de
liberdade devem dialogar através da formação de quadro de profissionais capacitados,
estabelecimento de protocolos e uma gestão administrativa participativa, entre outras
estratégias.
19
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Além dos representantes do estado do Rio de Janeiro estiveram presentes na
Jornada os estados de Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Paraíba, São Paulo e da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como o Rio de Janeiro é
o único estado que possui um Mecanismo Preventivo em funcionamento foi solicitado
que o MEPCT/RJ fizesse uma fala expondo sua experiência ao longo dos dois anos de
trabalho, tendo sido bastante enriquecedor para o Mecanismo poder expor suas
dificuldades, pequenas vitórias e, sobretudo ouvir as impressões e questionamentos dos
demais participantes.
Na mesma linha, nos dias 1, 2 e 3 de outubro, o MEPCT/RJ esteve presente no
Seminário “Políticas y Estrategias para Prevenir a Tortura”, realizado pelo Mecanismo
Nacional de Prenção à Tortura do Paraguai, em Assunção, Paraguai.
A referida participação foi de grande contribuição para a troca de experiências
entre os dois mecanismos preventivos e algumas agências do sistema ONU. O
Seminário contou com ampla participação da sociedade civil local e de alguns órgãos
governamentais.
Ainda dentro da programação do seminário, o representante do MEPCT/RJ pôde
participar do Planejamento Institucional do Mecanismo paraguaio, espaço em que
ocorreu rica troca de experiâncias e formulação de estratégias metodológicas de grande
relevância, uma vez que juitos são os problemas semelhantes entre os dois países no que
tange ao tratamento de suas pessoas privadas de liberdade.
II.2 - Os desafios para implementação do OPCAT no Brasil
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro que
completa neste mês de dezembro dois anos e meio ainda é o único em funcionamento
no país. Entende-se que para a eficaz prevenção à tortura nos locais de privação de
liberdade é necessária a implementação e o funcionamento dos mecanismos tanto no
âmbito dos estados quanto o mecanismo nacional. O MEPCT destaca como prioridade
para o próximo ano o início das atividades do Mecanismo Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura, bem como os das unidades federativas.
20
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
O MEPCT-RJ ainda como experiência única no país tem priorizado em suas
ações fomentar o debate acerca da ampliação dos comitês e mecanismos pelo país. O
MEPCT tem atuado em eventos temáticos, seminários, audiências públicas, seja para
divulgar sua experiência como para debater a importância da adoção do Plano de Ações
Integradas para Prevenção e Combate à Tortura no Brasil.
O Brasil conta hoje com comitês estaduais de prevenção e combate à tortura em
dezesseis estados: Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Santa
Catarina, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Espírito
Santos, Rio de Janeiro, sendo que estes últimos cinco possuem legislação específica
sobre a criação destes órgãos9.
IMPLEMENTAÇÃO DO OPCAT NAS UFs DO BRASIL
Legenda: Azul- Possui comitê; Verde- Possui legislação; Vermelho- Possui mecanismo.)
9
“Apenas 16 estados tem comitês de combate e prevenção à tortura” Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-05-10/apenas-16-estados-tem-comites-de-combate-e-prevencao-tortura
21
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
O grande marco político no ano de 2013 no que se refere ao tema foi a
aprovação em agosto deste ano da Lei 12847 de 02 de agosto de 201310 que institui o
Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Esta legislação, fruto de intenso
debate há anos no campo de direitos humanos, representa uma possibilidade histórica do
Brasil ao enfrentamento a estas práticas violentas, cinco anos depois após a ratificação
do Protocolo Facultativo da ONU contra a Tortura.
De acordo com o texto da referida lei, o SNPCT é formado pelo Comitê
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária e órgão do Ministério da Justiça responsável pelo sistema penitenciário
nacional, podendo ser integrada ainda por mecanismos e comitês estaduais, órgãos do
sistema de justiça e conselhos de direitos.
O mecanismo nacional contará com 11 membros escolhidos a partir de processo
seletivo do CNPCT, este por sua vez contará com 23 representações institucionais,
sendo 11 de órgãos do executivo federal e 12 representantes de organizações da
sociedade civil e conselhos profissionais. Espera-se que a composição destes órgãos
leve em conta a heterogeneidade das áreas temáticas referentes aos locais de privação de
liberdade e assegure a pluralidade regional do país. Quanto à composição do MNPCT
não há a menção, ao contrário da Lei fluminense Nº5778/10 e OPCAT, acerca do
equilíbrio de gênero, étnico e de caráter interdisciplinar, o que entendemos que deva se
levar em conta no processo seletivo pois visa garantir a diversidade na sua
representação.
O passo fundamental a ser dado para efetivação do sistema é o estabelecimento
de um processo amplo e participativo na seleção dos membros do mecanismo nacional e
dos órgãos que vão compor o CNPCT nos moldes deste marco legal. Além disso, é
fundamental que se assegure ao MNPCT a dotação e execução orçamentária própria,
fatores imprescindíveis para garantir a independência dos mandatos.
10
Lei 128347 de 02 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2013/Lei/L12847.htm
22
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Durante o ano em apreço, podemos destacar algumas importantes iniciativas no
que se refere à adoção do OPCAT no Brasil no qual o MEPCT participou. Em
dezembro do ano passado, no auditório da OAB foi realizado no Rio de Janeiro foi
realizado o encontro “Prevenindo a tortura no Brasil: o papel dos mecanismos
estaduais de monitoramento”. Organizado pela Associação para Prevenção à Tortura
(APT) e OAB/RJ o evento contou com representação de onze UFs com ênfase na
discussão sobre como implementar comitês e mecanismos nos estados brasileiros.
Em março de 2013, o MEPCT participou de audiência pública sobre a criação do
marco legal de criação do sistema estadual de prevenção e combate à tortura na
Assembleia Legislativa de Minas Gerais11. Em maio, o MEPCT foi convidado para falar
de sua experiência no âmbito do debate sobre o marco legal nacional através da
Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
Neste contexto, a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal organizou
em maio o I Encontro Nacional de Comitês e Mecanismos entre os dias 11,12 e 13 de
maio. O evento contou com notável contribuição dos estados que possuem comitês de
combate à tortura e aqueles em fase de estabelecimento destes órgãos, além do comitê
nacional. O MEPCT-RJ esteve na coordenação da oficina “Elaborando relatórios e a
importância dos dados”, abordando a importância da uniformidade dos documentos e
monitoramento das unidades e acompanhamento das recomendações.
No estado da Paraíba onde se tem marco legal, o MEPCT esteve presente no “I
Seminário de Prevenção e Combate à Tortura” daquele estado no sentido de fomentar a
criação do Mecanismo.12
O MEPCT entende como positiva a movimentação dos estados e governo federal
no sentido de implementar órgãos de monitoramento dos locais de privação de liberdade
nos moldes do OPCAT. A aprovação do marco regulatório nacional representa um
enorme avanço na coibição das práticas de tortura e maus tratos. Todavia, conforme
11
O estado de Minas Gerais embora não dispõe de um comitê de combate à tortura é um dos estados que vem
participando ativamente dos encontros para implementação do OPCAT. Contudo, entendemos que o sistema estadual
mineiro possa contemplar ampla participação da sociedade civil e possa garantir independência dos mandatos do
mecanismo.
12
“Comitê estadual realiza 1º seminário de prevenção e combate à tortura na Paraíba.” Disponível em:
http://www.prpb.mpf.mp.br/news/comite-estadual-realiza-1o-seminario-de-prevencao-e-combate-a-tortura-na-paraiba
23
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
destacamos, é imprescindível que em 2014 o mecanismo nacional e bem como os
mecanismo nas unidades de federação entrem em funcionamento, ressaltando a
necessidade de um processo de escolha amplo que possa contemplar a diversidade das
representações que atuam na defesa dos direitos humanos das pessoas privadas de
liberdade.
O MEPCT, então, aguarda ansiosamente pela instalação do segundo mecanismo
de combate à tortura no país já para o primeiro semestre do próximo ano que possa se
somar às ações já realizadas no enfrentamento a esta prática.
24
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
III - SISTEMA ESTADUAL DE PREVENÇÃO À TORTURA
III.1 - SISTEMA PRISIONAL E CARCERÁRIO
O sistema penitenciário do Rio de Janeiro padece de problemas estruturais.
Atualmente o estado possui cerca de 35.000 presos, segundo números atualizados pelo
Subsecretário de Tratamento Penitenciário, Márcio de Souza, em Audiência Pública
realizada na ALERJ no dia 29/11/13.
Não obstante a inauguração de duas novas unidades prisionais em Guaxindiba,
São Gonçalo, no presente ano, o Rio de Janeiro ainda possui um déficit de cerca de
10.000 vagas em seu sistema prisional.
Este tópico será subdividido na análise dos seguintes temas: 1 – Carceragens da
Polícia Civil; 2 - A Progressão de Regime de Cumprimento de Pena; 3 – Privatização
do Sistema Penitenciário; 4 – Saúde no Sistema Penitenciário.
III.1.1 – CARCERAGENS DA POLÍCIA CIVIL
O Rio de Janeiro, assim como outros estados, realizava a custódia da maioria de
seus presos provisórios em delegacias ou carceragens da Polícia Civil. A partir de 2010,
decorrente de um longo debate acerca dos direitos humanos das pessoas privadas de
liberdade, o Governo do Estado realizou gradativamente a transferência da população
custodiada nas dependências das carceragens da Polícia Civil para unidades prisionais
da SEAP. Em 2012, foi noticiada a desativação definitiva destas carceragens policiais.
A manutenção de presos provisórios era feita em delegacias pertencentes à
Polícia Interestadual (POLINTER) do Departamento Geral de Polícia Especializada
(DGPE), pertencente à Polícia Civil, vinculada à Secretaria de Estado de Segurança
Pública.
Vale destacar que nas carceragens, a realidade corriqueira era de superlotação e
descumprimento de direitos e garantias fundamentais do preso, como visita íntima,
25
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
assistência médica adequada, condições mínimas de higiene e salubridade, bem como
atividades laborativas e educacionais, fato que não se coaduna com as garantias
dispostas na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984). Ademais, comumente a
estrutura física das unidades era incompatível com as condições necessárias para a
custódia de presos. Em linhas gerais, constatava-se que os presos custodiados em
carceragens conviviam em condições mais aviltantes do que os internos situados em
unidades prisionais.
Além disso, a ocorrência de inúmeros relatos de tortura nestes locais, que sequer
contam com equipe de profissionais para a esfera de complexidade exigida. Sem contar
a atribuição da Polícia Civil de investigar crimes cuja competência no tratamento de
adultos privados de liberdade é da administração penitenciária.
A desativação das carceragens, apesar de ser considerado um avanço para os
espaços de privação de liberdade do Rio de Janeiro, sem dúvida agravou o déficit de
vagas nas unidades prisionais. Assim, com o esvaziamento das carceragens da polícia a
Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) passa a ter agravado o problema da
superlotação. Para se ter uma ideia, à época com a desativação das carceragens, cerca
de cinco mil presos custodiados nestes espaços foram transferidos para unidades da
SEAP.
Vale dizer, que há recomendação expressa de que a custódia realizada em
instalações da Polícia Civil não pode extrapolar o prazo de 24h, conforme se pode
observar nas disposições do Plano de Ações Integradas para Prevenção e o Combate à
Tortura no Brasil da Secretaria de Direitos Humanos13.
Esta inadequação se deve ao fato de que a investigação que embasa qualquer
inquérito policial é feita pela Polícia Civil, o que compromete a observância do
princípio do devido processo legal, consagrado no art. 5º, LIV da Constituição Federal
de 1988. Esse quadro dá margem a investigações pautadas num perfil confessional e
13
Recomendação Nº 7 do Plano de Ações Integradas para Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil da Secretaria
de Direitos Humanos : “Evitar que as pessoas legitimamente presas em flagrante delito sejam mantidas em delegacias
de polícia além de 24 horas necessárias para obtenção de um mandado judicial de prisão provisória, evitando também
que qualquer prisão seja cumprida em delegacia, mesmo que seja ela uma prisão provisória”.
26
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
inquisitório, fato que agrava os riscos de tortura e tratamentos degradantes como meio
de obtenção de informações.
No intuito de verificar o quadro da desativação, o MEPCT realizou visitas a duas
unidades policiais, a 73º Delegacia Policial situada em Neves no município de São
Gonçalo e a DC POLINTER situada no Grajaú. Nas referidas inspeções, pôde-se
observar que os locais onde se situavam as carceragens não havia nenhum vestígio
acerca daqueles espaços ainda receberem presos. No Grajaú, por exemplo, no espaço
das antigas celas havia acúmulo de entulhos e objetos inutilizados como mesas e
cadeiras em um cenário empoeirado.
Ainda no âmbito da Polícia Civil, foi visitada a especializada Delegacia
Antissequestro (DAS) situada no Leblon. Foi observado que esta unidade policial
mantém um efetivo, embora pequeno, de pessoas privadas de liberdade. As carceragens
são relativamente pequenas, recebendo também presas do sexo feminino embora haja
uma divisão entre estas espécies de galerias. Segundo informações, as pessoas presas na
DAS, algumas há meses e anos, estão no local devido à investigação de crimes de
sequestro ou por decisão judicial em que há determinada o cumprimento da pena
naquele espaço. Houve na ocasião, muitas reclamações dos apenados quanto a
informações sobre sua situação processual.
O MEPCT reforça, conforme apontado em documentos anteriores, que a Polícia
Civil não faça a administração de presos e recomenda que a DAS deixe de manter em
suas dependências pessoas em cumprimento de pena.
III.1.2 - ANÁLISE DA PROGRESSÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO
DE PENA
No campo dos direitos do condenado, a Lei de Execução Penal, traz em seu art.
41, um importante rol que reconhece juridicamente o apenado como sujeito de direitos,
reafirmando a progressão de regime insculpida no Código Penal, e trazendo importantes
disposições no que se refere ao trabalho, à educação e às saídas temporárias.
27
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Entretanto, significativa parte dos direitos e garantias inerentes à pessoa privada
de liberdade são açambarcados por uma realidade de exponencial aumento do
encarceramento, decorrente do acirramento das contradições sociais a partir dos anos 90
com a adoção de políticas de ajuste neoliberais.
O Brasil tem apresentado um expressivo aumento de sua população prisional.
Entre 1995 (148.760) e 2011 (514.582) a população de encarcerados no Brasil cresceu
345,91%. De 95 presos para cada 100mil habitantes (1995) a proporção demográfica
subiu para 269,79 para cada 100mil habitantes (2011). Tal crescimento é ainda mais
assustador se comparado com a taxa de crescimento da população brasileira. Entre 2001
e 2011 a população brasileira cresceu 9,32% enquanto, no mesmo período, a população
carcerária do Brasil cresceu 120,03%.
Esta hipertrofia gerou como consequência um quadro de superlotação. Segundo
dados de dezembro de 2011, o Brasil tem 306.497 vagas no sistema prisional e abriga
uma população carcerária de 514.582, fato que corresponde a uma superlotação de 68%
além da capacidade do sistema, afrontando flagrantemente os princípios da legalidade,
da humanidade e da dignidade da pessoa humana consagradas na Carta Magna de 1988.
O tema da progressão de regime foi objeto de relatório temático do MEPCT/RJ que
teve o fulcro de analisar as mazelas da denominada “porta de saída” do sistema
penitenciário. Neste item será abordado o panorama das unidades prisionais do Rio de
Janeiro, bem como determinados entraves à progressão de regime, como o exame
criminológico, as sanções disciplinares, as autorizações de saída, o trabalho e a
educação, livramento
condicional,
monitoramento eletrônico, prisão albergue
domiciliar, e por fim, as conclusões deste tópico.
a) Panorama atual das Unidades Prisionais do Estado Rio de Janeiro
O Estado do Rio de Janeiro possui 54 unidades prisionais, para atender à
população prisional de mais de 34.000 internos. Entretanto, a ampla maioria dos
estabelecimentos destina-se ao regime fechado. Ademais, contrariando claramente
disposições do art. 33 do Código Penal e Título IV da Lei de Execução Penal, a maioria
28
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dos presos em regime semiaberto cumpre a sanção penal em unidades típicas de
cumprimento de pena em regime fechado, ou seja, unidades de segurança média ou
máxima. Em todo o Estado há 10 unidades destinadas ao regime semiaberto, porém
apenas 1 colônia agrícola ou industrial, como exige o ordenamento jurídico-penal. A
mesma debilidade observa-se no cumprimento de pena no regime aberto, visto que há
apenas 6 unidades de regime aberto, entretanto, apenas 1 casa de albergado masculina e
1 casa de albergado feminina.
Abaixo segue quadro dispondo as unidades prisionais, por nome, endereço,
capacidade máxima, efetivo atual e regime de cumprimento de pena a que se destina14.
UNIDADES ISOLADAS
Nome
Endereço
Capacidade
Efetivo
Regime de
Cumprimento de
pena/medida de
segurança
Hospital de
Frei Caneca, Nº. 401/
Custódia e
Fundos- Bairro Estácio
Não está
Tratamento
De Sá
recebendo
Psiquiátrico Heitor
78
Medida de
Segurança
pacientes
Masculino e
Carrilho
Feminino
Presídio Evaristo
Rua Bartolomeu De
de Moraes
Gusmão, 1100 –
1.437
1.346
Regime Fechado
e Provisório
Fundos – São
Cristóvão
Instituto Penal
Rua Camerino, Nº. 41
Cândido Mendes
– Centro
Masculino
279
173
Semiaberto
Masculino
14
Dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária em 18/06/2013.
29
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Patronato
Rua Célio Nascimento,
15
Magarinos Torres
-
-
S/Nº- Bairro Benfica
Liberdade
Condicional (LC),
Sursi, Prisão
Albergue
Domiciliar
(PAD), Prisão
Albergue
Domiciliar
Monitorada
(PADM),
Limitação de
Final de Semana
(LFS) e Prestação
de Serviços a
Comunidade
(PSC).
Casa do
Rua Célio Nascimento,
Albergado
S/Nº- Bairro Benfica
362
215
Crispim Ventino
Aberto
Masculino
Instituto penal
Rua Célio Nascimento,
Oscar Stevenson
S/Nº- Bairro Benfica
284
270
Aberto e
Semiaberto
Feminino
Presídio Ary
Rua Monteiro Da Luz-
Franco
S/N – Agua Santa
16
1437
1346
Fechado e
Provisório
Masculino
15
Unidade destinada apenas ao controle do livramento condicional, prisão albergue domiciliar e penas
restritivas de direitos.
16
Em documentação fornecida pela SEAP em 18 de junho de 2013 fora informada a capacidade de 1437
vagas no Presídio Ary Franco, entretanto, em visita realizada pelo MEPCT/RJ em 24 de julho de 2012 o
então Diretor Fábio Luiz Sobrinho, informou a capacidade de 958 vagas, conforme consta do relatório do
MEPCT/RJ na forma do Ofício 075/12.
30
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Cadeia Pública
Rua Florença, S/Nº - Jd-
Cotrim Neto
Belo Horizonte Eng-
750
1141
Pedreira Bairro:
Provisório
Masculino
Marajoara – Japeri
Penitenciária
Rua Florença, S/Nº - Jd-
Milton Dias
Belo Horizonte Eng.
Moreira
Pedreira – Japeri
Presídio João
Rua Florença, S/Nº - Jd-
Carlos da Silva
Belo Horizonte Eng-
792
945
Masculino
884
1184
Pedreira – Japeri
Cadeia Pública
Rodovia Dos
Franz de Castro
Metalúrgicos, S/Nº-
Holzwarth
Bairro Roma - Volta
Provisório
Provisório
Masculino
302
285
Provisório
Masculino
Redonda
UNIDADES DE NITERÓI E INTERIOR
Nome
Endereço
Casa do Albergado Cel. PM Rua Desidério De Oliveira
Francisco Spargoli Rocha
Capacidade
Efetivo
Regime
250
106
Aberto
S/Nª -Centro - Niterói
Masculino
Instituto Penal Edgard
Rua São João, Nº. 372 -
Costa
Centro- Niterói
423
411
Semiaberto
Masculino
Penitenciária Vieira
Alameda São Boaventura,
Ferreira Neto
Nº. 773 Fonseca –Niterói
Instituto Penal Ismael
Alameda São Boaventura,
Pereira Sirieiro
Nº. 773 Fonseca –Niterói
Masculino
Hospital Penal de Niterói17
Avenida Alameda São
Hospital
Boaventura, Nº. 773 –
218
Fechado
Masculino
380
-
Fonseca
17
207
518
-
Semiaberto
Masculino
e Feminino
Número de leitos e total de internos não informado pela SEAP.
31
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Hospital de Custódia e
Rua Professor Heitor
140
Tratamento Psiquiátrico
Carrilho, S/Nº- Centro-
Segurança
Henrique Roxo
Niterói
Masculino
Colônia Agrícola Marco
Rua Francelina Ullmann,
Aurélio Vergas Tavares de
S/Nº- Bairro Do Saco –
Mattos
Magé
Cadeia Pública Hélio
Rua Francelina Ullmann,
Gomes
S/Nº- Bairro Do Saco –
146
97
111
Medida de
Semiaberto
Masculino
504
728
Provisório
Masculino
Magé
Cadeia Pública Romeiro
Estr. Rio Bonito, S/Nº-
606
1328
Provisório
Neto
Bairro – Saco / Magé
Presídio Diomedes Vinhosa
Avenida Zoello Sola,
Muniz
Nº100 - Bairro Frigorífico,
Fechado,
Itaperuna
Semiaberto e
Masculino
455
642
Provisório,
Aberto
Masculino
Cadeia Pública Dalton
Estr. De Santa Rosa, S/Nº-
Crespo de Castro
Bairro Codin- Campos
Presídio Carlos Tinoco da
Estr. De Santa Rosa, S/Nº--
Fonseca
Bairro Codin – Campos
500
778
Provisório
Masculino
842
1319
Provisório,
Fechado,
Semiaberto e
Aberto
Masculino
Presídio Nilza da Silva
Av. Quinze De Novembro
Santos
Nº 501 Centro – Campos
205
228
Provisório
Fechado
Semiaberto
Aberto
Feminino
Cadeia
Pública
Juíza Guaxindiba – São Gonçalo
Patrícia Lourival Acioli
616
450
Provisório
Masculino
32
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Cadeia Pública Isap Tiago
Guaxindiba – São Gonçalo
616
-
Teles de Castro
Domingues
Provisório
Masculino
18
UNIDADES DO COMPLEXO DE GERICINÓ
Nome
Endereço
Capacidade Efetivo
Regime
Hospital Dr. Hamilton
Complexo de Gericinó
80 / 13
Hospital
74
Agostinho Vieira de
Masculino e
Castro / UPA
Feminino
Hospital Penal Psiquiátrico Complexo de Gericinó
121
84
Roberto Medeiros
Hospital
Psiquiátrico
Masculino e
Feminino
Sanatório Penal
Complexo de Gericinó
110
38
Hospital
Masculino
Instituto Penal Plácido de
Complexo de Gericinó
1.468
1.407
Sá Carvalho
Penitenciária Alfredo
Semiaberto
Masculino
Complexo de Gericinó
960
1.445
Tranjan
Provisório
Fechado
Masculino
Penitenciária Industrial
Complexo de Gericinó
991
1.032
Esmeraldino Bandeira
Penitenciária Laércio da
Costa Pelegrino
Fechado
Masculino
Complexo de Gericinó
48
38
Provisório
Fechado
Masculino
18
Unidade ainda não inaugurada. Segundo informado pela SEAP em reunião realizada em 16 de
setembro de 2013, a previsão de inauguração é para o mês de outubro.
33
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Penitenciária Moniz Sodré
Complexo de Gericinó
1.320
2.133
Fechado
Masculino
Penitenciária Talavera
Complexo de Gericinó
410
411
Bruce
Fechado
Feminino
Creche – Unidade Materno Complexo de Gericinó
20
22
Infantil
Fechado
Feminino
Instituto Penal Vicente
Complexo de Gericinó
1.444
2.373
Piragibe
Semiaberto
Masculino
Penitenciária Dr. Serrano
Complexo de Gericinó
668
562
Neves
Penitenciária Jonas Lopes
Masculino
Fechado
Complexo de Gericinó
1.340
1.595
de Carvalho
Masculino
Provisório
Fechado
Cadeia Pública Jorge
Complexo de Gericinó
750
768
Santana
Cadeia Pública Pedro
Masculino
Provisório
Complexo de Gericinó
750
998
Melo da Silva
Masculino
Provisório
Presídio Elizabeth Sá Rego Complexo de Gericinó
750
1.144
Masculino
Fechado
Presídio Nelson Hungria
Complexo de Gericinó
492
468
Feminino
Provisório
Fechado
Cadeia Pública Paulo
Complexo de Gericinó
750
1.072
Roberto Rocha
Penitenciária Gabriel
Ferreira Castilho
Masculino
Fechado
Complexo de Gericinó
448
532
Masculino 34
Provisório
Fechado
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Instituto Penal Benjamin
Complexo de Gericinó
912
1.429
de Moraes Filho
Penitenciária Joaquim
Masculino
Semiaberto
Complexo de Gericinó
306
319
Ferreira de Souza
Feminino
Provisório
(comum e
federal)
Outros
Penitenciária Lemos Brito
Complexo de Gericinó
512
587
Masculino
Fechado
Cadeia Pública Pedrolino
Complexo de Gericinó
154
117
Werling de Oliveira
Cadeia Pública Bandeira
Provisório
Complexo de Gericinó
540
406
Stampa
Cadeia Pública José
Frederico Marques
Masculino
Masculino
Fechado
Complexo de Gericinó
532
627
Masculino
Provisório
35
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em conjunto com
organizações integrantes do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura Justiça Global, Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/RJ) e Pastoral Carcerária
- visitou unidades de regime semiaberto e aberto nos meses de abril e maio de 2013 e o
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico que acolhe as pessoas com transtorno
psíquico que já cumpriram medida de segurança em outubro de 2012. Foram as
seguintes unidades: Casa do Albergado Crispim Ventino, Instituto Penal Vicente
Piragibe, Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, Instituto Penal Edgard Costa, Instituto
Penal Ismael Pereira Sirieiro e o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor
Carrilho.
b) Do Exame Criminológico19
O exame criminológico20 foi instituído pela Lei de Execução Penal (LEP)21 em
1984, sua realização deveria fornecer elementos para determinação da individualização
da pena e para a progressão de regime a ser cumprido pelo preso. Por determinação da
LEP cada estado deve criar sua própria regulamentação, desta forma o estado do Rio de
Janeiro criou o Regulamento Penitenciário do Estado de Rio de Janeiro (RPERJ) através
do Decreto Nº 8.897 de 31 de março de 1986. Em 2003 a Lei Nº 10.792 retirou dos
artigos 6° e 112 da LEP a obrigatoriedade de realização do referido exame para a
concessão da progressão de regime. A intenção era que o exame criminológico pudesse
ser somente utilizado para estabelecer a individualização da pena através de um plano
19 O tópico a seguir foi elaborado com base em pesquisa realizada no livro “Cartografia do
Desassossego: o encontro entre os psicólogos e o campo jurídico”, da psicóloga Ana Claudia Camuri e
em MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem
sobre o Exame Criminológico.” in Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal:
Homenagem aos Mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Coord. PEDRINHA, Roberta Duboc (obra no
prelo).
20
Michel Foucault em livros como Vigiar e Punir, A verdade e as formas jurídicas e Resumo dos Cursos
do Collège de France, localiza a emergência do procedimento do exame, entre os séc. XVIII e o séc.XIX,
nas sociedades disciplinares, e o entende como uma nova forma de controle social e de produção de
poder-saber e da “verdade”. Este procedimento servirá como meio de fixar ou restaurar a norma e como
matriz das “ciências do homem”, dentre elas: a psicologia, a psiquiatria e a psicanálise.
21
Lei
No.7.210de
11
de
julho
de
1984,
disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm
36
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
de tratamento apropriado, contudo não foi o que o Mecanismo Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura (MEPCT/RJ) pôde constatar nas visitas realizadas.
O que se observou nas pesquisas, entrevistas e, sobretudo nas visitas às unidades
prisionais é que, apesar da Lei Nº 10.792/03, não tem sido a possibilidade de realizar o
exame criminológico, mas sim a sua solicitação como regra, que tem ocorrido para a
concessão de progressão de regime.
O Mecanismo irá tecer alguns comentários a respeito da sua experiência com o
instituto do exame criminológico durante as visitas realizadas.
Da sua (i)legalidade
O artigo 112 da Lei de Execuções Penais estabelece que quando o preso tiver
cumprido um sexto da pena no regime inicial e ostentar bom comportamento
comprovado pela direção da unidade, terá o benefício de passar para um regime menos
gravoso. Não há qualquer menção sobre a faculdade do exame criminológico. Na
tentativa de sanar as dúvidas quanto a possibilidade de sua realização, a Súmula
Vinculante Nº 26, de 16/12/2009, do Supremo Tribunal Federal (STF) determina que:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena
por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução
observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de
25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado
preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do
benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico (grifo
nosso).
O texto da súmula é claro quando determina que em se tratando de crime
hediondo, ou equiparado, será facultado ao magistrado para seu maior convencimento
solicitar exame criminológico do preso, ou seja, em casos específicos e com farta
fundamentação. A utilização do exame criminológico como regra para concessão de
progressão de regime viola a Lei de Execuções Penais.
37
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
E, no caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ), temos o exemplo da súmula n°
439, de 3/05/2010, em que: “admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do
caso, desde que em decisão motivada.”
Para Camuri (2012) se, por um lado, essas duas súmulas, incluem um requisito
que o legislador, acertadamente eliminou com as modificações trazidas pela Lei
10.792/2003 (o exame para a progressão de regime), por outro também possibilita que a
decisão da progressão não esteja vinculada ao exame, ou seja, que o juízo da execução
não depende do parecer psicológico ou do exame criminológico.
Muito embora o STF já tenha determinado pela possibilidade da solicitação do
exame, este somente deveria acontecer em casos específicos. Na verdade o que se pôde
observar é que a exigência da realização do exame é mais uma das estratégias de manter
o interno ad eternum em regime fechado como uma forma de responder à parte da
sociedade que acredita que desta forma está segura.22
No regime democrático em que vivemos a prisão deve ser uma restrição
excepcional e não uma regra, a privação da liberdade não pode ser banalizada com fito
de atender ao clamor punitivo de parte da sociedade23. O respeito ao texto da Lei de
Execuções Penais e mesmo à Súmula Vinculante Nº 26 é fundamental como um dos
limites deste poder punitivo.
A forma como se observou a utilização do exame criminológico durante as visitas
do MEPCT/RJ não condiz com o princípio da legalidade, pois a legislação que o
possibilita não faz qualquer previsão sobre favorecimento à privação da liberdade de
modo que a execução penal torne-se ainda mais penosa ao preso. Os direitos adquiridos
não podem ser suspensos com base em uma previsão de reincidência, os requisitos
necessários a progressão do regime estão previstos em lei, qual sejam, o cumprimento
de parte da pena e o bom comportamento, da forma que se observa hoje haveria ainda
um terceiro requisito, a antecipação de futuras ações criminosas do interno.
22
MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem
sobre o Exame Criminológico.” in Escritos Transdisciplinares de Criminologia, Direito e Processo Penal:
Homenagem aos Mestres Vera Malaguti e Nilo Batista. Coord. PEDRINHA, Roberta Duboc (obra no
prelo).
23
BATISTA, Vera Malaguti. Criminologia e Política Criminal. Passagens. Revista Internacional de
História Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: v. 1 n. 2, p. 20-39, jul./dez. 2009.
38
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
A continuidade da privação da liberdade do preso, ou ainda a não concessão dos
seus benefícios com base nas informações constantes no exame criminológico fere
ainda os princípios da culpabilidade e da lesividade. O Direito Penal prevê que a
responsabilização deve ser entendida a partir do ato que foi realizado e em que medida
ele atingiu o outro, portanto o que se deve observar é o que se fez e não quem o fez, as
normas jurídicas devem se referir a condutas e não a pessoas. Na medida em que o
exame criminológico é considerado, erroneamente, como um documento que pode
indicar características da personalidade do preso que podem futuramente levá-lo a
reincidência os referidos princípios são desrespeitados.24
Ao ignorar princípios basilares que norteiam o Código Penal Brasileiro, o Estado
legitima a concepção de que estas pessoas seriam “anormais” e “perigosas” e que por
isso não podem obter benefícios legalmente garantidos. A massa carcerária permanece
em sua maioria em “estado de periculosidade permanente”25. Caracterizado como
“perigoso” é possível punir o preso sem que haja condutas delituosas, apenas a sua
previsibilidade é suficiente para a suspensão de seus direitos.
No livro “Cartografia do Desassossego: o encontro entre os psicólogos e o
campo jurídico”, Ana Claudia Camuri, discute a tensão presente neste campo, por meio
dos jogos de poder-saber existentes entre os operadores do direito e os profissionais da
psiquiatra e da psicologia. O exame é visto como o instrumento pelo qual se consegue a
articulação das estratégias de poder com a formação dos domínios de saber. A autora
conta que durante as entrevistas para sua pesquisa ouvia dos promotores: “o exame
criminológico te dá uma luz sobre aquela pessoa que eu não tenho”. E esta afirmação a
remetia a pergunta de Foucault (1987, p.186)26: “quem será o Grande Vigia que fará [...]
[o] exame, para as ciências humanas?” Ao longo de todo livro ela problematiza se esse
vigia tem que continuar existindo e se ele tem que ser o psicólogo.
24
MANSUR, Isabel e TRISTÃO, Rafael Barcelos. “Entre o Direito e a Sociologia: Uma abordagem
sobre o Exame Criminológico.”
25
Idem.
26
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 32° edição. Petrópolis: Vozes, 1987.
39
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Da avaliação técnica
A LEP determina a criação da Comissão Técnica de Classificação (CTC), esta
comissão deve ser formada por uma equipe multidisciplinar composta por um
psiquiatra, um assistente social, um psicólogo e dois “chefes de serviço”. O que se pôde
observar nas unidades prisionais visitadas foi que o exame é realizado por assistentes
sociais ou por psicólogos, ou por ambos, e esporadicamente também por psiquiatras que
compõe a equipe técnica da unidade prisional e que estes profissionais acumulam outras
funções a responsabilidade de realização do referido exame.
No exame o interno será avaliado pelos profissionais que deverão expressar em
um documento a possibilidade de o preso voltar ou não a cometer novos crimes. Na
prática, devido a superlotação e as condições precárias de trabalho, a equipe técnica
conversa com o preso por mais ou menos 15 minutos e redige o documento que irá
determinar que ações o preso, ou a presa, realizará futuramente. Caso seja entendido,
durante estes poucos minutos, que a pessoa não vai fugir ou cometer novos crimes ela
poderá vir a receber o benefício da progressão de regime.
Para além da óbvia impossibilidade da equipe técnica prever o futuro dos
internos, as unidades prisionais hoje superlotadas, não fornecem condições para que os
presos demonstrem capacidade e autonomia, são parcos os projetos de escolas, oficinas
profissionais e trabalho extramuros, não há como avaliar o mérito exigido como
condição ao seu progresso. É possível afirmar, portanto que não há condições subjetivas
e nem mesmo objetivas para avaliação dos internos.
A questão da previsão da reincidência criminal é um dos principais motivos que
gera a solicitação do exame, a este respeito Camuri (2012) afirma que não se justifica
essa demanda em função da reincidência não ser um problema psicológico e sim
político e social. A ausência de políticas públicas efetivas dirigidas ao egresso 27 para
auxiliá-lo na busca de condições mínimas de sobrevivência, como moradia e trabalho, é
27
Cf.: Art. 26 da LEP.
40
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
algo que não pode ser ignorado e que produz como efeito, em muitos casos, o retorno a
pratica de crimes, sendo este um caminho produzido pelo próprio sistema.
Considerando Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil (Resolução
nº 14 de 11/11/1994), resultante da recomendação do Comitê Permanente de Prevenção
do Crime e Justiça Penal da ONU, que estabelece em seu Art. 15 a assistência
psicológica como direito da pessoa presa, o Conselho Federal de Psicologia (CFP)
deliberou uma normativa que regulamenta a atuação dos psicólogos no âmbito do
sistema prisional; trata-se da Resolução CFP 012/201128. Contudo, em função do estado
do Rio de Janeiro, ter ajuizado ação ordinária contra o Conselho Regional de
Psicologia/RJ e o CFP, por meio de sua Procuradoria Geral, tendo obtido a concessão
de liminar judicial pela 8° vara federal, os parágrafos dos artigos 2 e 4 deste documento
foram suspensos provisoriamente29.
Citamos na integra o conteúdo do material suspenso para que se possa avaliar
melhor a questão:
Artigo 2, Parágrafo Único: É vedado à (ao) psicóloga(o)
participar de procedimentos que envolvam as práticas de
caráter punitivo e disciplinar, notadamente os de apuração de
faltas disciplinares.
Artigo 4, § 1º. Na perícia psicológica realizada no contexto da
execução penal ficam vedadas a elaboração de prognóstico
criminológico de reincidência, a aferição de periculosidade e o
estabelecimento de nexo causal a partir do binômio delitodelinqüente.
Artigo 4, § 2º. Cabe à(ao) psicóloga(o) que atuará como
perita(o) respeitar o direito ao contraditório da pessoa em
cumprimento de pena ou medida de segurança.
É possível inferir que esta suspensão fere o Código de Ética da Psicologia
(Resolução CFP Nº 010/05), pois retira o veto em relação à atuação do psicólogo em
28
Documento disponível no link: http://www.crprj.org.br/legislacao/documentos/resolucao_012-11.pdf.
Para
ler
reportagem
sobre
este
fato:
http://www.crprj.org.br/noticias/2012/1004Comunicado%20aos%20psic%C3%B3logos%20da%20SEAP%20altera%C3%A7%C3%A3o%20da%20
Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CFP%2012_2011%20pela%20Justi%C3%A7a.html).
29
41
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
práticas punitivas e disciplinares, de realização de prognósticos de reincidência e de
aferição de periculosidade e, em última análise, golpeia até a carta magna, ao desobrigar
o psicólogo de respeitar o direito ao contraditório.
Em vista desta suspensão o CRP/RJ recomendou, em nota oficial30, que
enquanto durar essa decisão, os psicólogos da Secretaria de Administração Penitenciária
do estado do Rio de Janeiro, participem das Comissões Técnicas de Classificação
“disciplinares”, sem perder de vista os fundamentos éticos de sua profissão e os direitos
humanos. Assim como acionou sua assessoria jurídica para tentar reverter à situação.
Posteriormente, em outubro de 2012 o Conselho Federal de Psicologia emitiu a
Resolução N° 1731 que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito. Considerando
as funções do psicólogo de realizar perícias e emitir pareceres e a necessidade de
estabelecer parâmetros e diretrizes sobre o papel do profissional no contexto da perícia,
entre outras considerações, resolve que:
Art. 8º – Em seu parecer, o psicólogo perito apresentará
indicativos pertinentes à sua investigação que possam
diretamente subsidiar a decisão da Administração Pública, de
entidade de natureza privada ou de pessoa natural na
solicitação realizada, reconhecendo os limites legais de sua
atuação profissional. (grifo nosso)
Apesar do Conselho Federal de Psicologia entender que o psicólogo poderá
emitir pareceres para subsidiar decisão da Administração Pública, e no tema em
discussão, realizar exames criminológicos, não é unanimidade dentre os profissionais da
psicologia. O Conselho Regional de Psicologia em parceria com o Conselho Regional
de Serviço Social, ambos do Rio de Janeiro, tem debatido sobre os desafios da prática
profissional no campo jurídico, sobretudo no que se refere ao exame criminológico. Os
30
Conteúdo
disponível
em:
http://www.crprj.org.br/noticias/2012/1004Comunicado%20aos%20psic%C3%B3logos%20da%20SEAP%20altera%C3%A7%C3%A3o%20da%20
Resolu%C3%A7%C3%A3o%20CFP%2012_2011%20pela%20Justi%C3%A7a.html
31
Conteúdo
disponível
em:
http://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2013/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n%C2%BA-017-122.pdf
42
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
conselhos entendem que “os exames devem ter caráter analítico, reflexivo e nãoconclusivo”.32
Diante do exposto o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro afirma que o exame criminológico não pode ser utilizado como uma
forma de restringir direitos durante o cumprimento da pena, pois este, ou qualquer outro
diagnóstico, não possui elementos que possam determinar condutas futuras.
c) Das Atividades Laborativas e Educacionais
Do Trabalho
A questão do trabalho das pessoas privadas de liberdade historicamente foi um
dos assuntos mais discutidos e polemizados, desde o surgimento das prisões na
sociedade moderna em que o trabalho compulsório foi largamente usado nos primórdios
da fase da industrialização. No Brasil, merecem destaques as Casas de Correção como a
do Rio de Janeiro construída em 1833, onde sediava o antigo complexo Frei Caneca 33 e
a de São Paulo em 1852. Porém, diferentemente do modelo implantado na Europa, as do
Brasil não contemplava os objetivos daquela, apresentando caráter hibrido: “A de São
Paulo, por exemplo, não se destinava somente a receber os condenados à prisão com
trabalho, mas também negros africanos, menores, além de escravos fugitivos que
ficavam em outra dependência”34.
Segundo a Constituição Federal de 88, o trabalho se encontra no rol dos direitos
sociais estabelecidos no seu art. 6º, sendo livre o exercício de qualquer trabalho, ofício
ou profissão, atendida as qualificações profissionais que a lei vem estabelecer.
32
Psicólogos e assistentes sociais debatem os desafios éticos e políticos de sua atuação no campo
sociojurídico-http://www.crprj.org.br/noticias/2012/050201Psic%C3%B3logos%20e%20assistentes%20sociais%20debatem%20os%20desafios%20%C3%A9ticos%
20e%20pol%C3%ADticos%20de%20sua%20atua%C3%A7%C3%A3o%20no%20campo%20sociojur%
C3%ADdico.html
33
PEDRINHA, Roberta Duboc. Uma Abordagem Tridimensional do Espaço do Cárcere: Da Casa de
Correção da Corte ao Regime Disciplinar Diferenciado.
34
Idem 8.
43
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
No que se refere ao exercício ao direito ao trabalho dos apenados, as Regras
Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros35 dizem que este
trabalho não deve ser penoso e será de “natureza que mantenha ou aumente as
capacidades dos presos para ganharem honestamente a vida depois de libertados”, em
conformidade com suas aptidões físicas e mentais.
O mesmo documento prevê ainda que as horas diárias e semanais máximas de
trabalho dos presos serão fixadas por lei ou por regulamento administrativo, tendo em
consideração regras ou costumes locais concernentes ao trabalho das pessoas livres, e
complementa que as horas serão fixadas de modo a deixar um dia de descanso semanal
e tempo suficiente para a educação e para outras atividades necessárias ao tratamento e
reabilitação dos presos.
Já a Lei de Execuções Penais (Lei 7210/1984) entende o trabalho do detento
como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa e
produtiva, aplicando-se aos métodos de trabalho e organização cuidados à segurança e
higiene. A exposição de Motivos da LEP dispõe que “o projeto adota a ideia de que o
trabalho penitenciário deve ser organizado de forma tão aproximada quanto possível
do trabalho na sociedade”. Ressalta-se que a Consolidação das Leis Trabalhista (CLT)
não é aplicada nos casos de trabalho de apenados.
O trabalho externo, disposto no art. 36 da Lei de Execuções Penais, é
“admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras públicas
realizadas por órgãos da administração direta ou indireta, ou entidades privadas,
desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina36”, ou seja, é
possível que o apenado, cumprindo pena em regime fechado, trabalhe fora da Unidade
Prisional, desde que observadas as condições previstas no art. 36 da LEP. Já o apenado
que cumpre pena em regime semiaberto pode trabalhar também em empresas privadas.
A LEP, por sua vez, no art. 33 preceitua que a jornada normal de trabalho não
será inferior a seis, nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados,
complementando em seu parágrafo único que poderá ser atribuído horário especial de
35
36
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/fpena/lex52.htm
Exposição de Motivos nº 213, de 9 de maio de 1983, item 54.
44
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do
estabelecimento penal.
A Lei Nº 6.416, de 24 de maio de 1977, que alterou dispositivos do Código
Penal, do Código de Processo Penal e da Lei das Contravenções Penais, introduziu a
remuneração obrigatória do trabalho prisional. Além do salário, é garantida a segurança
do apenado enquanto trabalhador. Há o entendimento que o cumprimento da pena não
significa que o interno terá suas condições de trabalho reduzidas.
Cabe ressaltar que a remuneração do trabalho do preso, que não pode ser
inferior a ¾ do salário mínimo, deve atender a “indenização dos danos causados pelo
crime cometido desde que determinado judicialmente e não reparados por outros
meios; assistência à família; pequenas despesas pessoais” - como, por exemplo,
compra de material de higiene quando o apenado não recebe visita - e ressarcimento do
Estado das despesas realizadas pela manutenção do condenado (art.29) não ficando
explícita ainda quais seriam estas despesas.
Na prática, todavia, a situação é diferente. Muitos presos que trabalham no
interior das unidades não recebem salário ou não recebem o valor adequado pelo
trabalho realizado, havendo desrespeito ao disposto no art. 29, da LEP, que determinado
o valor mínimo a ser recebido.
Outra questão no tocante a remuneração, observada durante as visitas, é que só é
permitido ingressar na unidade prisional com o valor correspondente a 10% (dez por
cento) do salário mínimo. A coordenação de segurança da SEAP arredondou esse valor
para R$100,00 (cem reais). Entretanto, ainda assim, problemas continuam existindo,
uma vez que muitos apenados não conseguem depositar o dinheiro no banco ou só
podem entregar o valor para a família nos dias de visita. Então, o dinheiro fica retido na
unidade e o interno ainda pode receber uma falta grave por ser flagrado portando
quantia em dinheiro acima do permitido.
No sistema penitenciário fluminense, o trabalho remunerado dos apenados é
gerenciado pela Fundação Santa Cabrini, que de acordo com o seu sítio na internet tem
como objetivo “organizar atividades culturais, educacionais e artísticas, incentivando a
ocupação criativa dos detentos, seus familiares, dos presos em regime de livramento
45
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
condicional e de egressos do sistema penitenciário.”37 Cabe destacar que em
praticamente todas as visitas realizadas pelo MEPCT, há uma constante reclamação
quanto ao atraso no pagamento realizado pelo referido órgão, alguns relatando a espera
de meses.
Em 2011 foi aprovada a Lei Nº 12.433 garantindo ao condenado que cumpre
pena em regime fechado ou semiaberto remir um dia de pena a cada dia de trabalho. É
mister saber que para ser concedido o instituto ora estudado é necessário atingir os
requisitos objetivo e subjetivo previstos em lei. O requisito objetivo é o lapso temporal
necessário para que seja possível a concessão do benefício. O mesmo é alcançado com o
cumprimento de um sexto da pena. Todavia, conforme explicam Massimo Pavarini e
André Giamberardino, “apesar de existiram posições contrárias na jurisprudência, o
entendimento predominante já pacificado no STJ é pela não exigibilidade do requisito
objetivo para o preso que inicia o cumprimento de pena no regime semiaberto.”38Cabe
ressaltar que a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça discorre que para obtenção
dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de
cumprimento da pena no regime fechado.
O requisito subjetivo é o bom comportamento do apenado na Unidade Prisional,
que, conforme art. 37 da LEP, é a aptidão, disciplina e responsabilidade. A disciplina e a
responsabilidade são averiguadas verificando-se o índice de comportamento que consta
na Transcrição da Ficha Disciplinar do preso e a ausência de punição por faltas
disciplinares.
A jurisprudência mostra-se nesse sentido, “verbis”:
“Processo: HC14288 PB 2000/0091431-2. Relator(a): Ministro
EDSON VIDIGAL. Julgamento: 13/11/2000. Órgão Julgador:
T5 - Quinta Turma. EMENTA: PROCESSUAL PENAL.
REGIME SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO. LEI DE
EXECUÇÕES PENAIS, ART. 37. 1. Para a concessão de
trabalho externo pelo Juízo das Execuções, é necessária a
observância de requisitos de ordem objetiva o cumprimento
37
http://www.santacabrini.rj.gov.br
PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da Pena e Execução Penal: Uma Introdução
Crítica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, página 255.
38
46
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
mínimo de 1/6 da pena, bem como de ordem subjetiva aptidão, disciplina e responsabilidade (LEP, art. 37). 2. Habeas
Corpus conhecido; pedido indeferido.”
Embora o trabalho externo tenha previsão legal, sabe-se que na prática é difícil
conseguir uma oportunidade quando se está cumprindo pena. Visando melhorar esse
quadro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em 2009, o Programa Começar de
Novo, que busca promover a cidadania e reduzir a reincidência criminal por meio de
oferta de cursos de capacitação e de empregos para presos e egressos do sistema
carcerário39. Através desse programa, os trabalhadores exercem atividades como as de
auxiliar administrativo, pedreiro, vidraceiro, telefonista, eletricista, auxiliar de serviços
gerais, ajudante de obras, soldador e mecânico, entre outros, em órgãos públicos e em
empresas privadas de todas as regiões do país. Visando estimular uma maior oferta de
vagas para detentos, são oferecidos atrativos para o contratante, como, por exemplo, a
isenção de tributos.
Apesar dessa iniciativa ter sido criada em 2009, ainda é baixo o número de
apenados exercendo atividades laborativas. Segundo os dados disponibilizados pelo
Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) em 2012, a média nacional dos presos
que trabalham é de 20% (vinte por cento). O Estado do Rio de Janeiro é o que ocupa
a última posição no ranking de presos trabalhando por estado, pois tem apenas 2%
(dois por cento) dos seus 33.561 (trinta e três mil e quinhentos e sessenta e seis)
detentos tem alguma ocupação.40 Tal realidade não é muito diferente dos outros anos,
visto que, de acordo com dados do Infopen esta estatística era de 2,7% e 3,6% em
meados de 2011 e 2010 respectivamente.
39
Os dados relativos a cursos de capacitação e a empregos ficam disponíveis no Portal de Oportunidades
do CNJ online(http://www.cnj.jus.br/comecardenovo/index.wsp) e é de acesso livre.
40
DEPEN. Relatórios Estatísticos: Analíticos do Sistema Prisional 2012. Disponível em:
<http://portal.mj.gov.br/depen/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B622166AD2E896%7D
&Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B1624D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B 2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. Acesso
em:15/05/2013
47
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Rio de Janeiro (UF) Junho 2012
Além do Rio de Janeiro, outros cinco estados tem menos de 10% (dez por cento)
da sua população carcerária trabalhando. São eles, o Pará com 8% (oito por cento), a
Paraíba também com 8% (oito por cento), o Acre com 6% (seis por cento), o Rio
Grande do Norte com 5% (cinco por cento) e o Ceará com apenas 3% (três por cento).41
Já a média nacional é de 20% de detentos trabalhando, dez vezes maior que o percentual
do sistema fluminense.
Tendo em vista que a quantidade de apenados trabalhando é mínima, sendo
muito inferior ao esperado, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, também
enquanto presidente do Conselho Nacional de Justiça, assinou um acordo de cooperação
técnica com o Comitê Organizador da Copa do Mundo. Esse acordo estabelece que
presos e egressos do sistema carcerário podem trabalhar nas obras da Copa do Mundo
de 2014. Além da permissão, eles teriam oportunidades asseguradas, pois os editais de
licitação devem incluir a obrigatoriedade de as empresas, nas obras e serviços com mais
de vinte funcionários, destinarem 5% (cinco por cento) das vagas de trabalho a essas
pessoas aqui referidas.
Cabe destacar que a demanda por atividade laborativa é bastante reivindicada
pelos apenados no sistema, sobretudo aqueles que se encontram no regime semiaberto.
41
PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Teoria da Pena e Execução Penal: Uma Introdução
Crítica. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011, pág. 256.
48
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Da Educação42
As pessoas privadas de liberdade gozam, nos dispositivos jurídicos
internacionais e nacionais, do reconhecimento de seu direito humano à educação. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos43 reconhece a educação como direito em
seu artigo 26, onde seu objetivo é de: “pleno desenvolvimento da pessoa humana e o
fortalecimento do respeito aos direitos humanos”. Este artigo ganhou status jurídico –
de caráter obrigatório para Estados Parte – por meio dos artigos 13 e 14 do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, aprovado pelo Brasil em
1991.
Com base nos dispositivos internacionais, o Conselho Nacional de Políticas
Criminal e Penitenciária (CNPCP), adaptou e aplicou regras para o Brasil – mais
atualizadas e condizentes com a realidade do país – através da Resolução 14, de 11 de
novembro de 1994. Neste último:
Art. 38. A assistência educacional compreenderá a instrução
escolar e a formação profissional do preso.
Art. 39. O ensino profissional será ministrado em nível de
iniciação e de aperfeiçoamento técnico.
Art. 40. A instrução primária será obrigatoriamente ofertada a
todos os presos que não a possuam.
Parágrafo Único – Cursos de alfabetização serão obrigatórios
para os analfabetos.
42
Partes do texto que se encontra neste subitem apresentam a mesma redação do conteúdo sobre o tema
no Relatório Anual do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura 2012 finalizado em
janeiro último.
43
O direito à educação está previsto nos seguintes documentos internacionais: Declaração Mundial sobre
Educação para Todos; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança; Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Convenção contra a Discriminação no
Ensino; Declaração e Plano de Ação de Viena; Agenda 21; Declaração de Copenhague; Plataforma de
Ação de Beijing; Agenda de Habitat; Afirmação de Aman e Plano de Ação para o Decênio das Nações
Unidas para a Educação na Esfera dos Direitos Humanos e a Declaração e o Programa de Ação de
Durban – contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.
49
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Art. 41. Os estabelecimentos prisionais contarão com biblioteca
organizada com livros de conteúdo informativo, educativo e
recreativo, adequados à formação cultural, profissional e
espiritual do preso.
Art. 42. Deverá ser permitido ao preso participar de curso por
correspondência, rádio ou televisão, sem prejuízo da disciplina
e da segurança do estabelecimento.
(...) o direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem:
a) proporcionando a todos os presos informação sobre os
diferentes níveis de ensino e formação, e permitindo-lhes
acesso aos mesmos; b) elaborando e implementando nas
prisões programas de educação geral com a participação dos
presos, a fim de responder a suas necessidades e aspirações em
matéria de aprendizagem; c) facilitando que organizações nãogovernamentais, professores e outros responsáveis por
atividades educativas trabalhem nas prisões, possibilitando
assim o acesso das pessoas encarceradas aos estabelecimentos
docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos
oferecidos na prisão aos realizados fora dela.44
Em 2010, a proposta de Diretrizes Nacionais para Educação no Sistema
Prisional foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)45. Tais diretrizes
foram elaboradas por participantes do Seminário Nacional pela Educação nas Prisões,
realizado em Brasília em 2006, e apresenta parâmetros nacionais com relação a três
grandes eixos: (1) gestão, articulação e mobilização; (2) formação e valorização dos
profissionais envolvidos na oferta; (3) aspectos pedagógicos. Em 2009, o Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP – aprovou a Resolução nº03,
que dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos
estabelecimentos penais. Entre as principais propostas, vale destacar a que sugeriria a
extensão da remição da pena pela educação – que viria a ser efetivada em 2011. Neste
esteio, é decretado, no final de 2011, o Plano Estratégico de Educação no âmbito do
Sistema Prisional, baseado nas diretrizes do CNE e do CNPCP, que define atribuições
44
45
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129773porb.pdf
Resolução nº 2, de 19 de Maio de 2010.
50
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
do Ministério da Educação e da Justiça no financiamento para os estados que
apresentarem seus planos estaduais46.
Conforme mencionado no item que versa sobre trabalho, em 2011 importante
avanço para os apenados se deu com a aprovação da modificação da LEP, estendendo
também a garantia de remição da pena para o estudo – Lei Nº 12.43347. A LEP, em seu
artigo 126, previa somente a redução da pena pelo trabalho. O texto legal fala em: “1
(um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino
fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de
requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias” (art.126, I).
No Rio de Janeiro, apesar do sistema prisional oferecer educação através de
convênio com a Secretaria de Educação desde 196748, só seria criada, em 2008, no
âmbito da SEEDUC – Secretaria de Estado de Educação – uma Coordenadoria Especial
de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Coesp), atualmente Diretoria
Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (Diesp) para atuar em
educação nos espaços de privação de liberdade.
Enquanto em 2007 havia 11 escolas prisionais, em 2011 eram 17 escolas em
unidades da Seap, com o total de 4.607 alunos matriculados. Já em 2012, eram 18
unidades, 15 com espaço físico e três como anexos, totalizando aproximadamente 5 mil
alunos49.
Com a inauguração das escolas em três unidades prisionais do Complexo de
Japeri, o Rio de Janeiro totaliza 20 escolas estaduais em prisões. No entanto, são
aproximadamente 50 as unidades prisionais da SEAP e o número de pessoas presas
cresce exponencialmente.
46
No âmbito do MEC as demandas deverão ser veiculadas pelo PAR – Plano de Ações Articuladas –
instituído através do Decreto 6094 da Casa Civil da presidência da república, em 2007. Promulga-se,
neste documento, o “Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em
regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da
comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização
social pela melhoria da qualidade da educação básica.”
47
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12433.htm
48
Dados
do
Plano
Estadual
de
Educação
Disponível
em:
http://www.conexaoprofessor.rj.gov.br/downloads/PEE1.pdf
49
Dados apresentados no Fórum de Educação em Prisões e no Plano Estadual de Educação do Rio de
Janeiro.
51
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
No ano de 2009, a Secretaria de Estado de Educação apresentou à Comissão de
Educação da ALERJ a versão preliminar do Plano Estadual de Educação do Estado do
Rio de Janeiro, dentre as comissões temáticas, uma se destinou ao tema da educação no
sistema penitenciário. Entre 14 e 17 de maio de 2012 foi realizado o 3° Seminário
Nacional pela Educação nas Prisões com objetivo subsidiar as unidades federativas na
elaboração dos Planos Estaduais de Educação nas Prisões, que contou com a
participação de representantes do Rio de Janeiro. A construção e implantação de um
Plano Estadual é medida fundamental para consolidação de uma educação prisional que
leve em conta as características específicas deste trabalho – como sua orientação
pedagógica, por exemplo.
Em conversa com profissionais da área, foi relatada uma grande dificuldade no
trabalho dos mesmos por estarem na interseção entre a lógica da educação e a lógica da
segurança, tão claramente adotada pela SEAP.
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária também faz uso do
Programa Brasil Alfabetizado50, idealizado através das ações do Ministério da
Educação, voltado à alfabetização de jovens, adultos e idosos. Segundo dados da SEAP
do ano de 2013, há 780 presos alfabetizados no estado.
De acordo com o último levantamento do Infopen do Ministério da Justiça, em
junho de 2012, 2.665 apenados no Rio de Janeiro estavam inseridos em atividades
educacionais regulares, o que corresponde a 8% da população carcerária, estimativa
menor que a nacional, cuja percentual é de 10%. A grande maioria da população
carcerária fluminense que goza deste direito cursa o Ensino Fundamental, como
demonstra o gráfico abaixo.
50
http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12280&option=com_content
52
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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Atividades Educacionais
Ressalta-se que não foi registrado nenhum preso cursando ensino superior e a
questão da baixa escolaridade e não acesso ou precário ao ensino público de qualidade é
um dado marcante das pessoas privadas de liberdade no estado, quiçá no Brasil. Além
disso, como método de levantamento de dados, entende-se a classificação “ensino
fundamental” muito ampla considerando a quantidade de anos letivos do mesmo, o que
pode empobrecer uma análise mais aprofundada do fenômeno.
Assim como esboçado na questão do trabalho, há uma grande demanda dos
apenados para exercer o direito à educação nas prisões, com vários questionamentos
acerca de ofertas de cursos profissionalizantes.
Deste modo, há que se destacar que a educação é um direito universal para todas
as pessoas privadas de liberdade, e, portanto, estendido a todos os presos sentenciados e
provisórios. Apesar de certo esforço para ampliação da educação prisional que vem
sendo realizada, preocupa-se que o ritmo dessa ampliação seja muito lento tendo em
vista às necessidades atuais do sistema prisional. É claro que se faz necessária uma luta
pela redução do encarceramento e por todas as demais causas de um sistema penal
hipertrofiado. No entanto, na medida em que pessoas estejam privadas de liberdade é
53
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
fundamental que o conjunto de direitos a que dispõem seja ofertado de maneira plena
pelo Estado.
d) Das Sanções Disciplinares
A Lei de Execuções Penais (LEP) determina em seu artigo 39, inciso VI, como um
dos deveres do preso, a submissão à sanção disciplinar. O artigo 45 garante que a
aplicação da sanção não violará a integridade física ou psíquica do preso e presa,
cabendo ressaltar o parágrafo terceiro que determina que estão terminantemente
proibidas as sanções coletivas:
“Art. 45. Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa
e anterior previsão legal ou regulamentar.
§ 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade
física e moral do condenado.
§ 2º É vedado o emprego de cela escura.
§ 3º São vedadas as sanções coletivas” (grifo nosso)
O artigo 50 da referida legislação enumera de forma taxativa as faltas consideradas
graves pelo legislador, tais como: incitar ou participar de movimento para subverter a
ordem ou a disciplina; fugir; descumprir, no regime aberto, as condições impostas; entre
outras.
O artigo 53 da LEP trata das sanções aplicadas as faltas disciplinares:
“Art. 53. Constituem sanções disciplinares:
I - advertência verbal;
II - repreensão;
III - suspensão ou restrição de direitos (artigo 41, parágrafo
único);
54
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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IV - isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos
estabelecimentos que possuam alojamento coletivo, observado
o disposto no artigo 88 desta Lei.
V - inclusão no regime disciplinar diferenciado.”
O artigo 54 completa determinando que as sanções elencadas no artigo acima em
seus incisos I ao IV, serão aplicadas “por ato motivado do diretor do estabelecimento
(...)”.
Portanto, de acordo com a Lei de Execuções Penais as sanções disciplinares
devem ter previsão legal prévia; não violar a integridade física ou psíquica do preso ou
presa; a pessoa para quem será aplicada a sanção não poderá ser levada a cela escura e,
principalmente, a sanção disciplinar não poderá ser coletiva.
Durante as visitas realizadas pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à
Tortura foi possível constatar que muitos desses dispositivos são desrespeitados pela
administração penitenciária.
A superlotação é identificada como um dos graves problema no sistema prisional
carioca favorecendo a prática de tortura e maus tratos. Uma das consequências
negativas do elevado número de presos é a utilização de castigos coletivos como forma
de conter e disciplinar o coletivo. Em várias oportunidades, os membros do Mecanismo
ouviram dos presos relatos de que toda uma galeria havia ficado semanas sem visita dos
familiares ou sem banho de sol por determinação da Direção em represália a ato
indisciplinar cometido por um interno ou por um grupo de presos.
A legislação prevê sanções a serem aplicadas à pessoa ou pessoas identificadas
como autoras do ato indisciplinar, sanções estas que variam inclusive com o grau de
gravidade da conduta, desta forma é inadmissível que todo um coletivo seja castigado
por um ato isolado.
Durante as visitas realizadas especificamente em unidades que abrigam presos que
estão cumprindo o regime semiaberto ouvimos relatos dos internos e das direções que as
punições coletivas estão sempre relacionadas a impossibilidade de saída das celas, ou
seja, o preso deixa de ter o seu benefício, concedido pela SEAP, de circular livremente
pela unidade.
55
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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A determinação de uma punição coletiva em unidades de semiaberto é ainda mais
grave, pois viola o direito de livre circulação garantido ao preso. A direção da unidade
prisional não pode naturalizar a violação à Lei de Execuções Penais.
e) Das Autorizações de Saída
A Lei de Execuções Penais (Lei Nº 7.210/84) estabelece duas possibilidades de
saída durante a execução penal: a permissão de saída, prevista no art. 120, para casos de
falecimento de entes queridos e para tratamento médico externo, e a saída temporária.
Abordaremos aqui o instituto da saída temporária, regulamentado nos arts. 122 a 125 da
LEP. Respondendo solicitação em ofício do MEPCT/RJ, a Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária informa que em todo o estado do Rio de Janeiro há apenas
700 presos gozando do direito de autorização de saída.
Das Saídas Temporárias
O art. 122, da Lei 7.210/84, dispõe que:
Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto
poderão obter autorização para saída temporária do
estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos:
I - visita à família;
II - freqência a curso supletivo profissionalizante, bem como de
instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da
Execução;
III - participação em atividades que concorram para o retorno
ao convívio social.
Assim como o trabalho, tais saídas tem cunho de “ressocialização”, objetivando
um retorno melhor e mais produtivo do apenado ao convívio social após o cumprimento
da sentença.
56
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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É necessário que o apenado cumpra pena em regime semiaberto para ter direito
ao benefício da saída temporária, não sendo admitido para o interno que cumpre pena
em regime fechado ou que está preso provisoriamente. O requisito subjetivo, assim
como ocorre no caso do trabalho, é ter comportamento adequado, como previsto no art.
123, I da LEP, o que pode ser comprovado através da transcrição da ficha disciplinar do
apenado.
O requisito objetivo, indispensável para a concessão desse benefício, é o
cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e ¼ (um quarto),
se reincidente, conforme disciplina o inciso II, do ar. 123, da LEP. Faz-se necessário
salientar que a Súmula 40 do Superior Tribunal de Justiça discorre que “para obtenção
dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de
cumprimento da pena no regime fechado”.
Também é necessário que haja compatibilidade da saída temporária com os
objetivos da pena, para que esse benefício seja concedido, segundo o inciso III, do art.
123, da LEP.
Cabe ressaltar que a Lei não exige a realização de exame criminológico para
obtenção desses benefícios, todavia, o Ministério Público do Rio de Janeiro na maioria
dos casos exige tal exame para opinar quanto à concessão das saídas temporárias. Tal
exigência, que deve ser dispensada, atrasa o processo e faz com que o apenado não
usufrua do benefício no prazo que tem direito.
Da Visita Periódica ao Lar
A Visita Periódica à Família (VPF), conhecida também como Visita Periódica ao
Lar (VPL), é um benefício que permite que o apenado saia da Unidade Prisional para
visitar a família, tendo que retornar para dormir no presídio, estando previsto no art.
122, inciso I da Lei de Execução Penal. Vale dizer que a LEP, no seu art. 41, inciso X,
assegura a assistência familiar como integrante do rol de direitos do preso. Para a
concessão da VPL, faz-se necessária a obtenção de requisitos objetivo e subjetivo. O
lapso temporal necessário para obtenção do requisito objetivo, é o cumprimento de 1/6
57
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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(um sexto) da pena se o apenado for primário e ¼ (um quarto) no caso de apenado
reincidente, também sendo observada neste instituto a Súmula 40 do STJ anteriormente
abordada.
O parágrafo primeiro, do art. 124 da LEP, traz as condições que serão impostas
pelo juiz ao conceder a saída temporária:
I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou
onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; (Incluído
pela Lei nº 12.258, de 2010)
II - recolhimento à residência visitada, no período noturno; (Incluído
pela Lei nº 12.258, de 2010)
III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos
congêneres.
A jurisprudência entende que o rol apresentado nesse artigo é meramente
exemplificativo. Vale destacar que se o comprovante de residência não estiver no nome
do apenado, é necessário instruir o pedido do benefício com documentos que
comprovem a relação de parentesco do apenado com a pessoa do comprovante, fato que
gera grande dificuldade para a realização da visita.
Não obstante o fato de o art. 124 da LEP discorrer que a autorização será
concedida por prazo não superior a sete dias, podendo ser renovada por mais quatro
vezes durante ano, e do parágrafo 3º do referido artigo estabelecer um período mínimo
de 45 (quarenta e cinco) dias como intervalo entre as renovações das saídas, na prática,
a concessão do benefício se dá de maneira diversa.
Os juízes da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro concedem a visita
periódica ao lar de modo que seja permitido ao apenado sair duas vezes por mês para
visitar a família, além da possibilidade de sair nas datas comemorativas, podendo
realizar no total até trinta e cinco saídas por ano.
Para demonstrar tal posicionamento da VEP/RJ, cabe transcorrer a decisão da
juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza, proferida nos autos do Processo número
0360503-91.2009.8.19.0001:
58
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“3 - Trata-se de requerimento de saída temporária na
modalidade de visitação periódica ao lar, formulado em favor
do apenado em epígrafe, que cumpre pena em regime
semiaberto, com manifestação favorável do ministério público.
Pois bem, estando devidamente instruído o requerimento,
presentes os requisitos legais, com arrimo nos arts. 122, i, e
123, da LEP, concedo ao apenado em epígrafe autorização para
saídas extramuros para visitação periódica à família, sem
pernoite, que deverá ser realizada duas vezes por mês, de modo
a não embaraçar eventual atividade laborativa, bem assim por
ocasião de seu aniversário, na páscoa, nos dias nomeados das
mães e dos pais, no natal e nas festividades do ano novo, até o
limite ânuo de 35 (trinta e cinco) saídas, cujas saídas se darão a
partir das 06 horas, com retorno até às 22 horas do mesmo dia,
exceção feita ao natal, quando a saída se dará a partir das 06
horas do dia 24, e o retorno até às 22 horas do dia 25, e aos
festejos do ano novo, quando a saída se dará no dia 31 de
dezembro, e o retorno no dia 01 de janeiro, com o mesmo
horário de saída e retorno. Não sendo obedecidos o horário e
data de retorno da saída temporária, ficam automaticamente
canceladas as autorizações para as saídas subsequentes. Oficiese para cumprimento.”51
Assim, conforme demonstrado pela decisão supra, na prática o benefício é
concedido no Rio de Janeiro de forma diferente do disposto em Lei.
f) Do Livramento Condicional
Outro ponto que merece destaque é o benefício concedido aos condenados
chamado livramento condicional. Considerado a última etapa do sistema penitenciário
progressivo por Roberto Lyra52, o livramento condicional “é a liberdade provisória
concedida, sob certas condições, ao condenado que não revele periculosidade, depois
de cumprida uma parte da pena que lhe foi imposta”.
51
VEP RJ. Juíza Roberta Barrouin Carvalho de Souza. Decisão proferida nos autos do processo 036050391.2009.8.19.0001.
52
LYRA, Roberto apud. MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 185.
59
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Guilherme de Souza Nucci53 entende que o livramento “é a antecipação da
liberdade para quem cumpre pena privativa de liberdade, desde que cumpridos
determinados requisitos, alguns objetivos, outros subjetivos, conforme dispõe o art. 83
do Código Penal”.
Por este artigo, o juiz poderá conceder este benefício a quem for condenado
a uma pena privativa de liberdade igual ou superior a 02 (dois) anos se:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for
reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente
em crime doloso;
III - comprovado comportamento satisfatório durante a
execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi
atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante
trabalho honesto;
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o
dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços
da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática
da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e
terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em
crimes dessa natureza. Parágrafo único - Para o condenado por
crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada
à constatação de condições pessoais que façam presumir que o
liberado não voltará a delinqüir.
Como condição obrigatória, são previstas no art. 132, § 1º da LEP a
obtenção de uma ocupação lícita, dentro de prazo razoável, se for apto ao trabalho;
comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; não mudar do território da comarca do
Juízo da Execução, sem prévia autorização deste. A Lei de Execução Penal estabelece
ainda condições facultativas, em seu art. 132, § 2º, quais sejam: não mudar de residência
sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de
proteção; recolher-se à habitação em hora fixada e não frequentar determinados lugares.
O Projeto de Lei do Senado 236/2012, em tramitação, apresenta o Projeto
de Reforma do Código Penal, estabelecendo dentre as proposições, a extinção do
53
NUCCI, Guilherme de Souza Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
60
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instituto do livramento condicional no Brasil. Tal medida, além de desvirtuar a essência
do sistema de progressão de regime que inspira o ordenamento jurídico pátrio, poderá
trazer sérias consequências para o sistema penitenciário, gerando ainda maior
superpopulação nas unidades já debilitadas. A proposta foi acompanhada de grande
resistência na comunidade jurídica54.
g) Da Monitoração Eletrônica
Como bem assevera Poza Cisneros55, a vigilância eletrônica consiste no método
que permite “controlar donde se encuentra o el no alejamiento o aproximación respecto
de un lugar determinado, de una persona o una cosa (...)”.
De fato, é possível perceber que tal preocupação tem provocado modificações
significativas no instante da elaboração legislativa. No Brasil, por exemplo,
recentemente, as leis Nº 12.403/11 e Nº 12.258/10 introduziram os sistemas telemáticos
de vigilância, como uma autêntica solução alternativa ao cárcere.
De fato há inúmeras razões para que o legislador introduza inovações no
ordenamento jurídico brasileiro, na perspectiva de evitar o encarceramento. Entre os
diversos motivos existentes, podem ser destacados: a) a consequência jurídica do delito
a ser imposta pelo Estado deve ofender, o mínimo possível, a liberdade humana; b) a
regra estabelecida pela Constituição da República de 1988 é a liberdade e não a prisão;
c) o cárcere é um ambiente criminógeno, estigmatizante e deletério à dignidade humana
do indivíduo e, em consequência, também para a sociedade; d) e, por fim, a prisão é um
instrumento inapropriado para alcançar a finalidade ressocializadora da pena.
Portanto, a constatação de tais motivos leva a conclusão de que a prisão deve
consistir em resposta manejável exclusivamente em desfavor das condutas antissociais
consideradas de maior afronta para a sociedade. Ou seja, o emprego da prisão deve ser
54
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1308074&tit=Novo-CodigoPenal-provocara-boom-carcerario-dizem-analistas.
55
CISNEROS, María Poza. Las nuevas tecnologías en el ámbito penal. Revista del Poder Judicial, n°
65, p. 59 – 134, 2002.
61
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limitado àquelas hipóteses em que não há alternativa eficiente para proteger os bens
jurídicos considerados de extrema relevância social.
O monitoramento eletrônico foi inserido, no ordenamento jurídico brasileiro,
pela Lei Nº 12.258/2010, que alterou a redação da Lei de Execução Penal. A
mencionada norma introduziu, expressamente, no Título V (Da Execução das Penas em
Espécie), Capítulo I (Das Penas Privativas de Liberdade), Seção VI, da aludida Lei de
Execução Penal (artigos 146-A ao 146-D), a possibilidade de utilização da monitoração
eletrônica.
A Lei Nº 12.258/2010 estabeleceu a monitoração eletrônica nas hipóteses de
saída temporária no regime semiaberto e de prisão domiciliar. É de verificar-se que,
neste caso, que o monitoramento se aplica na fase de execução da pena, salvo a
eventualidade de o cumprimento da prisão processual, excepcionalmente, vier a ser
levada a cabo no domicilio do sujeito.
No entanto, a implementação do sistema eletrônico de monitoração penal
objetivou proporcionar maior segurança e controle quando da saída do apenado do
sistema penitenciário. Portanto, não se pode visualizar, na aludida reforma de 2010, a
utilização deste dispositivo tecnológico como uma autêntica alternativa à prisão, senão
como um suporte eficiente de controle e vigilância do preso, beneficiado pela
autorização de saída temporária ou pela concessão da prisão domiciliar.
O legislador fixou, no art.146-C da LEP, a necessidade de o condenado adotar
cuidados com o aparelho de monitoração eletrônica, estabelecendo deveres como:
“receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos
seus contatos e cumprir suas orientações”; e, ainda, “abster-se de remover, de violar,
de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica
ou de permitir que outrem o faça”.
O descumprimento das medidas destacadas no parágrafo anterior pode acarretar
para o acusado: a regressão do regime; a revogação da saída temporária; a advertência,
por escrito; ou a revogação da prisão domiciliar. Sobre este último aspecto (revogação
da monitoração eletrônica) convém destacar que o artigo 146-D determina que tal
vigilância “poderá ser revogada se a medida se tornar desnecessária ou inadequada,
62
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ou se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua
vigência ou cometer falta grave”.
Convém reconhecer que tais medidas (destacadas no parágrafo anterior) são
meramente repressoras, pouco (ou nada) colaborando com a finalidade ressocializadora
da pena.
Ademais, vale destacar que inúmeros problemas técnicos nos dispositivos de
monitoramento geram condições adversas ao apenado, podendo inclusive repercutir em
seu desfavor na execução penal.
Quando o monitoramento eletrônico começou a ser utilizado no Rio de Janeiro,
foi direcionado apenas para autorizações de saída do regime semiaberto. Não iniciou
como medida cautelar penal. Segundo informado pela Vara de Execução Penal/RJ, o
índice de evasão de monitorados eletronicamente é baixíssimo. No ano de 2012, em
todo o estado do Rio de Janeiro, havia 1300 monitorados, apresentando uma evasão da
ordem de cerca de 1%.
h) Da Prisão Albergue Domiciliar
Notadamente, a Lei de Execuções Penais Nº 7.210/84, em seu art. 117, enumera
um rol de situações nas quais se permite a prisão domiciliar, vale dizer: a) homem e
mulher maiores de setenta anos ou acometidos de doença grave e; b) mulheres
gestantes, com filho menor ou deficiente. Contudo, a respeito de tais hipóteses, paira a
controvérsia de serem exemplificativas ou taxativas.
Assim versa o art. 117 do referido diploma legal:
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário
de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
63
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IV - condenada gestante.
O problema em tela é polêmico, angustia os estudiosos da execução penal e,
precipuamente, o apenado do regime aberto que não tem à sua disposição o
estabelecimento penal apropriado, sendo que, por isso, cumpre pena mais gravosa do
que a infligida na decisão judicial condenatória. Tal medida constitui o denominado
desvio de execução. Segundo Almeida:
“É certo que a ausência de vagas no regime adequado para: i) o
preso cautelar (custodiado numa Cadeia Pública ou Centro de
Detenção Provisória) que venha a ser condenado no regime
inicial aberto ou semiaberto; ii) o réu que aguardou solto o
trânsito em julgado de igual condenação ou; iii) o condenado
no regime fechado, como na maioria das vezes, que obteve a
progressão de regime; são situações que caracterizam o
nefando desvio de execução. Ocorre que a questão do desvio é
um problema crônico no sistema penitenciário nacional”56.
Portanto, inexistindo vaga na casa de albergado57, urge verificar o que seria mais
equitativo, isto é, acomodar o condenado em dependência prisional imprópria ou
conceder-lhe a prisão albergue domiciliar.
A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já vem admitindo o
entendimento de que não se pode aplicar regime mais agravoso do que o que se deve de
direito ao apenado. Neste sentido caminha o HC 109244/SP, tendo como relator na
Suprema Corte o Ministro Ricardo Levandowski.
No mesmo sentido, também há grande repercussão nos tribunais inferiores. Vale
observar a que segue:
DTZ1252628 - AGRAVO EM EXECUÇÃO - PRISÃO
DOMICILIAR - NÃO-SATISFAÇÃO DAS CONDIÇÕES DO
ART. 117 DA LEP - REGIME SEMI-ABERTO IMPOSSIBILIDADE - VOTO VENCIDO.
56
ALMEIDA, Felipe Lima de. A execução da pena no anteprojeto do Código Penal: uma análise crítica.
Revista Liberdades - nº 13. São Paulo: IBCCRIM, maio/agosto de 2013.
57
Casa de albergado é o estabelecimento penitenciário destinado ao cumprimento da pena privativa de
liberdade no regime aberto, que deve se situar em centro urbano afastado dos demais estabelecimentos de
custódia, bem como sem obstáculos para a fuga.
64
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Somente é possível o deferimento da prisão domiciliar ao
sentenciado em cumprimento da pena em regime aberto, que
satisfaça uma das condições do art. 117 da LEP.V.V.: Se o
Estado, que condena o acusado (através do Poder Judiciário),
não possui local adequado para que a pena seja cumprida nos
termos da sua determinação em razão de sua própria desídia
(manifestada pelo Poder Executivo) em construir unidades
prisionais próprias aos regimes semi-aberto (Colônia Agrícola,
Industrial ou similar) e ao aberto (Casa de Albergado), não tem
o recuperando que se submeter a condições prisionais que
extrapolem aquelas estritamente descritas na decisão judicial.
Não se pode exceder aos limites impostos ao cumprimento da
condenação, sob pena de desvio da finalidade da pretensão
executória, podendo ser concedida, em caráter excepcional, a
prisão domiciliar no caso de inexistir Casa de Albergado na
Comarca, enquanto se espera vaga em estabelecimento
prisional adequado ao regime aberto
(Desembargador William Silvestrini). (TJMG - Rec-Ag
1.0000.06.436713-9/001 - 4ª C. Crim. - Rel. Conv. p/ Ac. Des.
Ediwal José de Morais - DJ 25.07.2006)
Este tema hoje enseja grande debate no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
tendo suscitado a realização de recente audiência pública58. Para subsidiar o julgamento
de um recurso, o Ministro Gilmar Mendes coordenou audiência pública sobre o tema da
prisão albergue. Defensores públicos, promotores e secretários de segurança de todo o país
discutiram o assunto. Caso o STF decida que o preso tem o direito da prisão domiciliar,
todos os presos do semiaberto ou do aberto que não tenham vagas específicas poderão
cumprir pena em casa. Segundo informações veiculadas pelo STF no semiaberto faltam mais
de 23 mil vagas em todo o país, número de detentos que pode ter a garantia da prisão
domiciliar.
O ministro citou que a Constituição de 1988 obriga que a União seja responsável
pela defesa nacional. "Isso envolve não só a Administração Pública federal, mas também
outros órgãos, inclusive aqueles que integram o Poder Judiciário, como o CNJ", afirmou. O
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faz acompanhamento do sistema penitenciário e realiza
periodicamente mutirões para verificar mudanças em regime de cumprimento de pena.
58
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/05/stf-decide-no-2-semestre-se-manda-preso-para-casa-quandonao-tiver-vaga.html
65
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A Subprocuradora-geral da República Raquel Dodge destacou que a falta de vagas é
"problema crônico". Para ela, porém, é preciso utilizar devidamente os recursos públicos
voltados para a melhoria do sistema prisional e não simplesmente conceder o direito de
prisão domiciliar, "A falta de vagas no sistema prisional é um problema crônico e crescente
no Brasil, o que tem dado causa a prisões superlotadas, à substituição forçada de penas e
ao cumprimento das mesmas em situações precárias. São condições prisionais que violam a
Constituição. As verbas federais destinadas à construção de presídios no Brasil têm sido
subutilizadas", afirmou a subprocuradora.
O advogado da Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil,
Massimiliano Antônio Russo, defendeu a garantia da prisão domiciliar sempre que não
houver vaga. Segundo ele, uma decisão do Supremo daria mais força a juízes que querem
dar decisões do tipo, mas enfrentam resistências. Afirma:
"A experiência que a Pastoral Carcerária tem das visitas semanais
demonstram que o problema persiste para todo o lado, todas as
regiões do Brasil. A decisão [do STF] vai contribuir para a
melhoria porque os estados vão ter de deixar de ser omissos. [...]
Soltar presos, para a mídia e para o governo, tem peso muito
grande em nível de votos. [...] Uma decisão desse tribunal pode dar
força para que juízes tomem decisões a favor da legalidade, da
dignidade da pessoa humana e da Constituição Federal. 59"
i) Considerações Finais
O panorama da progressão de regime no Rio de Janeiro, tal qual nos demais
estados da Federação, é calamitoso. O cenário que se ergue demonstra que o projeto
moderno de prisão que teria como finalidade a correção do preso, como nos ensinava
Foucault, naufragou completamente, sobretudo em países como o Brasil, nos quais o
populismo punitivo60 é o leitmotiv das políticas criminais.
59
Idem.
SOZZO, Máximo. Populismo punitivo, proyecto normalizador y “prisión-depósito” en Argentina. In
Sistema Penal & Violência. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito– PUCRS – Vol. 1, Nº 1 Porto Alegre: 2009.
60
66
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A estrutural realidade de superlotação e violações de direitos das pessoas
privadas de liberdade configuram penas draconianas, claramente vedadas pela
Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes da ONU.
O sistema penitenciário brasileiro atual, nada mais é do que uma herança dos
antigos instrumentos e das formas utilizadas para conter a criminalidade e para punir
indivíduos que cometiam algum crime. Nilo Batista já retratava que:
“vestígios desse sistema, signo de uma formação social
autoritária e estamental, encontram-se ainda hoje nas práticas
penais (dis?)funcionais das torturas, espancamentos e mortes
com as quais grupos marginalizados, pobres e negros
costumam ser tratados por agências executivas do sistema
penal ou por determinação de novos “senhores”61.
As constadas mazelas que pairam sobre a execução penal instituem uma espécie
de progressão de regime às avessas, na qual muitas vezes o apenado vivencia realidade
mais gravosa ao progredir do regime fechado para o semiaberto. De tal modo,
assistimos à cotidiana afronta à Constituição Federal de 1988, posto que violados
diuturnamente os princípios da legalidade, da humanidade e da dignidade da pessoa
humana.
Põe-se em prática o desvirtuamento da matriz do sistema progressista irlandês62
que inspira o Ordenamento Jurídico-penal em vigor, instituindo um sistema de
progressão de regime de matriz filadélfico, priorizando a pena privativa de liberdade em
regime fechado em detrimento de políticas penitenciárias que poderiam orientar-se ao
“ideal ressocializador”.
61
BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no
Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
62
O preso nesse sistema iniciava o cumprimento da pena com o isolamento celular de nove meses de
duração (período de prova – estágio inicial), em seguida, diante das marcas obtidas, o preso passava para
a etapa seguinte: o trabalho em obras públicas. Após, diante do mérito do condenado, passava-se à
terceira etapa, a semiliberdade, inclusão de Crofton, consistente no trabalho externo com pernoite no
estabelecimento prisional. Por fim, a quarta e última etapa consistia na liberdade sob vigilância até o
término de pena, que poderia ser revogada ou convertida em definitiva pelo bom comportamento.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e Alternativas. São Paulo: RT,
1993, p. 84-86.
67
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Isto posto, temos que o sistema de progressão de regime no Brasil assemelha-se
a um barril de pólvora, pois ao não apresentar qualquer estímulo ao bom
comportamento, impele o apenado a buscar alternativas na transgressão, seja através da
fuga ou da rebelião. Não obstante isso, dados do DEPEN informam que, no ano de
2012, menos de 0,05% dos presos envolveram-se em incidentes como motim ou
rebelião.
A falência das funções declaradas da pena privativa de liberdade e a inversão
dos pressupostos da progressão de regime dão ensejo a uma política criminal de cunho
atuarial63. Nesta perspectiva, não importam as funções positivas da pena, apenas o poder
disciplinar voltado à produção da obediência. Segurança e disciplina passam a ser os
postulados-chave do sistema penitenciário, de modo que os direitos fundamentais
inerentes à pessoa privada de liberdade, como a saúde, o trabalho, a educação, a
assistência jurídica e familiar, são aviltados cotidianamente.
Em especial educação e trabalho, ao invés de direito subjetivo do preso, são
tidos como privilégios, de poucos, de uma pequena casta de apenados selecionada pela
administração prisional.
Deste modo, não é possível lograr qualquer ideal de ressocialização, ademais, o
índice de reincidência no Brasil é da ordem de cerca de 70% o que apenas reafirma o
potencial criminógeno do cárcere. Única função que lhe resta é, pois, a função
retributiva. Assim, o sistema penitenciário fica adstrito a uma perspectiva vindicativa,
como locus expiatório da culpa dos desviantes afastados do convívio social.
Em nome da punição daqueles que violam a ordem jurídica o Estado promove a
aviltação de inúmeros dispositivos normativos, no plano nacional e internacional, a
exemplo das Regras Mínimas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade de
1984, Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Convenção Contra a tortura
da ONU de 1984, Convenção Interamericana para Punir e Prevenir a Tortura de 1985,
63
A política criminal atuarial “rejeita o discurso jurídico e científico como condição de legitimidade e
adere ao falso paradigma ideológico do fim da história da Criminologia”. DIETER, Maurício Stegemann.
Política Criminal Atuarial - A Criminologia do fim da história, de Dieter. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
68
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Lei de Execução Penal de 1984, Código Penal de 1940 e Constituição Federal da
República de 1988.
Como afirma Baratta, sob pena de promover-se o arbítrio não é cabível em uma
democracia prescindir do princípio da superioridade ética do Estado64. O Estado que se
iguala aos criminosos não é capaz de legitimar socialmente suas ações, de modo a tornar
inócuas as políticas criminais, como a “empurrar a sujeira para debaixo do tapete”, não
atingindo as raízes das problemáticas em torno do crime e suas estratégias de controle.
Urge a realização de uma profunda reforma no sistema de justiça criminal de
modo a compatibilizar a execução penal aos preceitos legais e constitucionais. Para
tanto, faz-se necessária uma eficiente articulação entre os três Poderes da República, em
âmbito Federal e Estadual, de modo a adequar as agências do sistema penal em
conformidade com a Constituição Federal de 1988.
Tanto o Poder Executivo, através da reforma das polícias e da administração
penitenciária; o Poder Legislativo, em sua função fiscalizatória do Executivo e em sua
necessidade de repensar o populismo punitivo que coloniza a produção legiferante;
como o Poder Judiciário, na necessidade de repensar a banalização da pena de prisão e
zelar pela observância dos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade
quando da execução penal.
No âmbito do Rio de Janeiro, é necessário que a SEAP elabore um programa que
preconize a construção de unidades prisionais de regime semiaberto e aberto; assegurar
efetivamente direitos básicos como trabalho, educação e saúde aos presos, bem como
aprovar o plano de cargos e salários e realizar concursos públicos para técnicos
penitenciários.
É preciso repensar a centralização da VEP, de modo a assegurar maior
celeridade à concessão de benefícios inerentes às pessoas privadas de liberdade.
Ademais é preciso rever a obrigatoriedade da realização do exame criminológico para a
concessão de tais prerrogativas, como meio de assegurar uma realidade menos gravosa
64
BARATTA, Alessandro. Principios del Derecho Penal Mínimo (Para uma Teoría de los Derechos
Humanos como objeto y limite de la Ley Penal). In Revista “Doutrina Penal” n. 10-40, Buenos Aires,
Argentina: Depalma, 1987. pp. 623-650.
69
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ao sistema penitenciário que padece diante do caos de ilegalidade estatal, bem como é
preciso encampar uma campanha efetiva de apoio à utilização de penas alternativas.
Mudanças estruturais são urgentes para a defesa do Estado Democrático de
Direito nos espaços de privação de liberdade. O MEPCT/RJ apresenta no próximo item
um conjunto de recomendações selecionadas por eixo temático, como forma de apontar
alternativas concretas às problemáticas supramencionadas, colocando-se à disposição
para colaborar com a formulação de estratégias para a erradicação da tortura e outros
maus tratos, de modo a conferir condições mínimas de dignidade na progressão de
regime no sistema penitenciário.
III.1.2 – PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO65
O tema da privatização do sistema penitenciário não é novidade, visto que é uma
discussão que remonta à década de 80 quando surgiram as primeiras empresas penitenciárias
privadas em meio à crise de superpopulação que enfrentava o sistema penitenciário público
dos EUA.
Neste particular, sempre alardeou-se que o setor privado é mais eficiente, inovador e
controlador que o setor público. Que as penitenciarias privadas são mais bem administradas
que as públicas. Que melhores competências facilitam o funcionamento do setor público e que
somente o setor privado pode solucionar a crise de instalações inadequadas e superpopulação,
que afetam os sistemas penitenciários públicos.
Os simpatizantes da privatização também alegam que o setor que controla as prisões
privadas já está sumariamente instalado, e o que cabe agora fazer é debater como ele
funciona.
Na América Latina nos últimos anos, vários governos afirmam não dispor de recursos
suficientes para melhorar prisões ou construir novas instalações. Isso significa que pouco
65
Este item foi elaborado com base na conferência ministrada no II Seminário Desafios para o
Enfrentamento à Tortura por Newvone Costa, assistente social integrante do Comitê Estadual para a
Prevenção e Combate à Tortura, representando o Conselho da Comunidade.
70
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devem fazer pelo assunto, ou que a única forma pela qual um governo pode implantar novos
projetos de infraestrutura para cadeias seria através do financiamento privado.
A experiência internacional nos deixa claro que, em geral, as privatizações feitas neste
setor tiveram efeitos contrários. Todas as privatizações concluídas estenderam a política
neoliberal do FMI e do Banco Mundial e fizeram com que a população carcerária destes
lugares aumentasse.
Para se ter uma ideia as empresas que participaram deste processo não foram criadas
por estudiosos no assunto e sim por pessoas que consideravam as prisões e os presos como
uma lucrativa oportunidade de negócios. Estudos comprovam que as empresas referendavam
os presos como “dias homens compensados” convertendo seres humanos em bens capitais.
Segundo o professor Luis Francisco Carvalho Filho, há basicamente quatro modelos
de intervenção:
i.
A empresa financia a construção e arrenda o estabelecimento para o Estado por
determinado número de anos, geralmente não menos que 25 anos, diluindo os
custos ao longo do tempo.
ii.
A empresa transfere unidades produtivas para o interior de presídios e
administra o trabalho dos presos.
iii.
A empresa apenas fornece serviços terceirizados no âmbito da educação, saúde,
alimentação etc.
iv.
E por fim a forma mais radical, a empresa gerencia totalmente o presídio,
conforme regras ditadas pelo poder público, sendo remunerada com base num
cálculo que leva em consideração o número de presos e o número de dias
administrado.
Importante salientar que as empresas não estão preocupadas com os princípios
fundamentais dos direitos humanos e sim com a lucratividade dos negócios. A lógica de
mercado é simples: quanto mais presos às unidades penitenciárias abrigam, mais verbas
federais são repassadas para as empresas aumentando gradativamente os lucros, o setor
registra recordes consecutivos de lucro no decorrer dos últimos anos e é o segundo mais
71
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rentável aos investidores do país. Recentemente passou a figurar no rol de setores com
ações negociadas na Bolsa Nasdaq.
Por exemplo, o maior complexo penitenciário localizado na Geórgia, que é
privatizado, recebe aproximadamente 200 dólares por cada preso todos os dias,
rendendo um lucro anual de 50 milhões de dólares. Além disso, a empresa potencializa
os vencimentos cobrando cinco dólares pelo minuto das ligações telefônicas provavelmente a taxa por minuto mais cara do planeta. Os presos que trabalham no
local - não importa quantas horas - recebem um dólar pelo dia trabalhado.
Com a implantação da dinâmica de mercado às prisões, a população carcerária
dos EUA teve um crescimento de mais de 500% - valor que representa
aproximadamente 2,3 milhões de pessoas nas prisões norte-americanas.
Os EUA gastaram mais de 300 bilhões de dólares desde 1980 para expandir o
sistema penitenciário. A justificativa oficial de Washington para a utilização de prisões
privadas, reiterada ao longo dos anos.
Assistimos a privatização das prisões em alguns países como a França, Canadá,
Inglaterra, Escócia, Austrália, Japão e na América Latina o Chile, Honduras, Paraguai,
Peru e México.
Nos EUA, o que a princípio seria a solução passou a ser um negócio lucrativo e
não diminuiu em nada a criminalidade. Hoje nos EUA existem mais de 15 empresas
que disputam essa fatia no mercado lucrativo.
Necessário salientar, como aponta o professor José Laurindo Minhoto, que a
rentabilidade do “negócio” em que se transformou a custódia de presos, fez com que
duas empresas norte-americanas que começaram com a essa transação, conhecidas
como CCA e WCA, estão avaliadas aproximadamente por quatro bilhões de dólares.
Outro ponto relevante é a valorização de 100 a 200% na bolsa, muito rentável no
mercado acionário.
No Brasil adveio a ideia das PPPs, parcerias público-privadas, que teve início no
Estado de Minas Gerais onde foi inaugurada no dia 28/01/2013 o primeiro presídio com
PPP, no município de Ribeirão das Neves, com 3040 vagas. O governo estadual previu
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
pagamento à empresa de 2,7 mil por preso por mês, mais do que os R$ 2,1 mil que gasta
atualmente com cada detento do sistema público.
A socióloga Julita Lemgruber no Seminário “A Privatização do Sistema
penitenciário Brasileiro”, organizado pelo Comitê e pelo Mecanismo Estadual de
Prevenção e Combate à Tortura, afirmou:
“O Estado priva alguém da liberdade, então o estado precisa
administrar essa privação da liberdade. Portanto, não é legítimo
que o estado ceda à iniciativa privada a administração da
privação da liberdade de alguém. Essa é uma questão de fundo.
Está impondo um novo modelo sem qualquer discussão com a
sociedade, não houve nenhuma tentativa de amadurecer essas
ideias. É um grande equívoco, pois tem pessoas que estão na
prisão ilegalmente. Então, você tem um problema muito grande
para solucionar, que é manter na prisão, realmente, somente
aquelas pessoas cuja privação da liberdade respeita os limites
da lei. O que não é o caso do Brasil na questão dos presos
provisórios”.
Continua a socióloga Julita Lemgruber em sua análise:
“As nossas prisões estão entupidas de presos que cometeram
delitos sem violência, que poderiam ser punidos com penas
diferentes da pena de prisão. A sensação que eu tenho é que a
gente vai enfrentar um tsunami. Isso vai invadir o país”.
No Brasil os estados que estão pensando ou já iniciaram projetos de parcerias
público-privadas são: São Paulo, Pernambuco, Ceará, Santa Catarina, Tocantins, Bahia,
Paraná e Espírito Santo.
Importante salientar o boom das privatizações começa na década de 90 quando o
governo federal vendeu mais de 100 empresas estatais e concessionárias de serviços
públicos, em um processo de privatizações — ainda em curso, vide aeroportos, a
telefonia, a distribuição de energia elétrica, muitas rodovias extração de minério de ferro
e a siderurgia.
Diferente do modelo privado norte-americano de gestão penitenciária, o modelo
de parceria público-privada é oriundo da França. Baseia-se em um sistema de dupla
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
responsabilidade que tanto a empresa privada como o Estado administram em conjunto,
que está dividido dá seguinte forma:
1- Cabe à empresa privada
A construção da penitenciária
A colocação de todos os móveis necessários ao seu funcionamento
A manutenção de serviços médicos e dentários
A criação de áreas de lazer
O fornecimento de alimentação, roupas, medicamentos etc.
A segurança interna, realizada por pessoal contratado.
O fornecimento de assistência jurídica gratuita para os presos
A possibilidade de assistência religiosa.
2- Cabe ao serviço público
Fiscalização do Ministério Público bem como pelo Poder Judiciário
Direção de unidade prisional
Portanto temos modelos de privatização total e parcial. Cabe discutir alguns
pontos sobre a privatização:
a) Privatizando as prisões e tendo elas fins lucrativos, aumentaríamos
sensivelmente o número de pessoas presas, a exemplo o que ocorreu nos EUA.
Esse é o raciocínio lógico numa sociedade capitalista neoliberal. Do ponto de
vista ético, pesa o fato de que as empresas só se preocupariam em lucrar com o
aprisionamento das pessoas, assim lucrariam com uma atividade que deveria ser
prestada pelo Estado, responsável pela administração da segurança e da justiça,
logo é um negócio que lucra com a dor e a privação da liberdade, assim para se
ter lucro é necessário ter mais hospedes e de penas longas. Dessa forma, vai
promover uma demanda jurídico–penal que se associe aos novos negócios da
prisão. Esse paradigma carcerário está vinculado a um modelo político
econômico de ascendência neoliberal, que transformou o Estado Social em
Estado Penal.
b) Cabe observar ainda que o estado já vem privatizando aos poucos o sistema
prisional, pois muitos serviços já são terceirizados, a exemplo o fornecimento de
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alimentação. Recentemente foi fartamente veiculado nos meios de comunicação
o esquema de corrupção envolvendo a empresa Facility, fornecedora de
alimentação ao sistema prisional do Rio de Janeiro.
c) Vale destacar que o estado quando busca a terceirização de serviços como
alimentação, limpeza e serviços de técnicos como de assistentes sociais,
médicos, psicólogos, técnicos de enfermagens, pessoas para trabalharem
administrativamente, enfim todos os contratos temporários, o faz pensando que
o custo será menor do que aquele possivelmente praticado pelo estado. Como se
sabe nas licitações públicas, o que se busca, além da qualidade do serviço, é o
menor preço. Dessa forma, pelo menos teoricamente, o estado ao terceirizar um
serviço busca evitar gastos desnecessários. Porém não estamos falando de gastos
desnecessários e sim de um serviço que requer pessoas com uma especificidade
particular de trabalho.
No Rio de Janeiro, com a superpopulação carcerária, violência endêmica e
condições absolutamente subumanas de alojamento, o governo vem sucateando alguns
serviços essenciais no sistema prisional, como a função de médico, assistente social,
psicólogas,
nutricionistas, técnicos de enfermagens
enfim
várias
profissões,
principalmente toda área técnica. No organograma da SEAP a área técnica é
subordinada à Subsecretaria de Tratamento Penitenciário. Na prática a pasta não vem
dando a atenção devida à temática. O último concurso que foi feito para esta área foi em
1998. Até então tínhamos um número de presos compatível com os números de
profissionais para atendimento que eram aproximadamente 16 mil presos. Hoje o Rio de
Janeiro possui mais de 34 mil presos, para apenas 600 profissionais da área técnica.
Portanto, é possível afirmar que no Rio de Janeiro, há anos, temos observado o
sucateamento de todos os serviços técnicos, para haver mais justificativas nos contratos
com o setor privado, na prestação de serviço.
Entretanto, a situação é calamitosa. Existem unidades prisionais nas quais há
muito tempo não há assistente social e que vão permanecer sem o profissional por muito
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tempo, pois não são oferecidas condições dignas de trabalho. Os contratos são
extremamente frágeis e perversos.
Em relação aos médicos, o cenário é similar. O governo estadual inaugurou a
UPA do Complexo de Gericinó, que tem a seguinte missão: “A Unidade de Pronto
Atendimento é uma parceria entre as Secretarias de Administração Penitenciária e a de
Saúde e Defesa Civil”. Segundo o subsecretário-adjunto de Tratamento Penitenciário, a
unidade, além de atender os presos, vai evitar que criminosos feridos em ações policiais
sejam medicados em hospitais junto com a população dentro do Complexo de Gericinó
e tentaram contratar médicos a um salário diferenciados de aproximadamente sete mil
reais. Porém, não conseguiram preencher todas as vagas. Existe ainda outro problema
grave, ético, que é constituir equipes com alta disparidade de vencimentos, ferindo o
princípio da isonomia.
No Rio de Janeiro o Fórum Permanente de Saúde do Sistema Prisional vem ao
longo de dois anos denunciando tais problemas. Esta luta contribui para frear a ânsia
privatista no sistema penitenciário.
Outro fator a ser destacado é o sindicato de profissionais da área de segurança,
ainda bastante combativo. O governo do estado, ao longo dos últimos anos tem dado
total apoio, realizando concurso público e implementado o plano de cargos e salários.
Fato que não está acontecendo com a área técnica que, há mais de seis anos, solicita
concurso público e plano de cargos e salários. Há claramente a prioridade do governo ao
longo de mais de 16 anos na área de segurança em detrimento da área técnica.
Outro fator que pode contribuir como freio ao processo de privatização do
sistema penitenciário são alguns dispositivos legais, como a Resolução Nº 8 do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária:
Art. 1º – Recomendar a rejeição de quaisquer propostas
tendentes à privatização do Sistema Penitenciário Brasileiro.
...
Parágrafo único: Os serviços técnicos relacionados ao
acompanhamento e à avaliação da individualização da
execução penal, assim compreendidos os relativos à assistência
jurídica; médica, psicológica e social, por se inserirem em
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
atividades administrativas destinadas a instruir decisões
judiciais, sob nenhuma hipótese ou pretexto deverá ser
realizada por empresas privadas, de forma direta ou delegada,
uma vez que compõem requisitos da avaliação do mérito dos
condenados.
Certamente, a realidade prisional do Rio de Janeiro e do Brasil é calamitosa. Os
problemas estruturais podem tornar-se ainda mais agravados no que se refere à garantia
dos direitos das pessoas privadas de liberdade caso o processo de privatização seja
aprofundado.
É urgente que o Poder Judiciário, especialmente a Vara de Execuções Penais, o
Ministério Público, a Defensoria Pública e demais órgãos e instituições de
monitoramento dos espaços de privação de liberdade estejam vigilantes a este cenário
sombrio que se ergue junto a um contexto de sucateamento de serviços básicos com
saúde, educação, habitação em todo o país. Cenário este que acentua o caráter punitivo
do Estado em detrimento de políticas públicas de cidadania.
III.1.3 – SAÚDE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro em
parceria com a Comissão de Defesa de Direitos Humanos e Cidadania e o Fórum
Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro realizou em 21 de
maio de 2013 mais uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro para tratar do precário acesso à saúde no sistema penitenciário carioca.
Estiveram presentes na Audiência a Secretaria de Estado de Administração
Penitenciário (SEAP), Ministério Público, através da Promotoria de Tutela Coletiva de
Saúde, a Defensoria Pública e parte dos profissionais que integram o corpo técnico das
unidades de saúde e prisionais.
O Mecanismo expos dados colhidos no relatório apresentado ao Comitê Estadual
de Prevenção e Combate à Tortura específico sobre saúde no sistema prisional em
dezembro de 2012.
77
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
O relatório apresentado teve o intuito de diagnosticar as políticas de saúde
existentes no âmbito do sistema prisional no Rio de Janeiro e as condições observadas
para o tratamento de pessoas privadas de liberdade deste estado. Sua finalidade é a de
prevenir e combater as condições de tortura através de recomendações que estabeleçam
harmonia com os padrões nacionais e internacionais de cuidados em saúde.
O MEPCT realizou visitas a todas as unidades de saúde do sistema prisional do
rio de janeiro, incentivado pelas constantes denúncias por parte dos presos em relação
ao atendimento de saúde e dos questionamentos oriundos dos próprios técnicos da saúde
prisional. Além de considerações sobre essas unidades, o MEPTC fará também
observações sobre questões ligadas à saúde das visitas realizadas em unidades que
dispõem de ambulatórios de saúde.
Entre os principais descontentamentos dos presos, a assistência médica se
destaca. São frequentes as queixas de péssimo atendimento, indisponibilidade de
medicamentos e demora para atendimento de emergência.
Como constatado em quase todos os relatórios do Mecanismo, a arquitetura das
unidades prisionais em muito contribuem para violação do direito à saúde e dos direitos
humanos. A condição dos ambientes são insalubres: precária iluminação e ventilação,
má conservação da rede de esgoto, acúmulo de lixo, condição degradada das celas e
ausência de ambiente sanitário adequado. É nítida a existência de maus tratos em
virtude do difícil acesso das pessoas doentes aos serviços de saúde, a não
disponibilização de água filtrada para o consumo dos detidos, a falta de camas,
colchões, roupa de cama, uniformes, materiais de higiene e remédios agravam e
vulnerabilizam ainda mais a saúde dos presos.
Médicos entrevistados pelo Mecanismo em ambulatórios apontaram graves
problemas no que diz respeito à resolutividade dos casos e afirmaram que doenças
graves não são tratadas e que não há saúde preventiva no sistema prisional do rio de
janeiro. Há muitos presos com doenças respiratórias, alergias e doenças de pele em
diferentes unidades. Aponta-se que seria necessária a presença de dermatologistas,
oftalmologistas, alergistas, ortopedistas e outros especialistas que pudessem tratar das
doenças mais recorrentes para que fosse prestado um bom tratamento de saúde. Há,
78
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
ainda, uma gama de presos com hipertensão, asma e outras tantas doenças que não tem
tido atendimento adequado no sistema.
Há falta de remédios, nebulização, materiais em geral. Uma das enfermeiras
entrevistadas em visita do Mecanismo afirmou que eles (técnicos de saúde) trabalham
“fazendo milagres”, pois a estrutura é absolutamente precária e os salários são
insatisfatórios.
Nas unidades femininas faz-se indispensável a presença de ginecologistas.
Importante destacar, no entanto, que não foram observadas, nas visitas realizadas pelo
MEPTC, a presença de médicos ginecologistas em nenhuma das unidades femininas
visitadas. No que diz respeito aos transexuais do sistema, seria fundamental o
fornecimento da hormônio-terapia para manutenção de sua dignidade.
Como muitos presos reclamam de receber medicação com validade vencida, o
Mecanismo sempre solicita acesso aos medicamentos do ambulatório. Por diversas
vezes foi possível observar a presença de medicamentos e seringas fora da validade. A
subsecretaria de tratamento afirmou, em reunião com o MEPTC, que providências estão
sendo tomadas para que não mais sejam fornecidos remédios com prazo perto ou fora
do vencimento. Justificou-se que a maior parte dos medicamentos fora da validade são
oriundos de doações, o que não mais será aceito pela SEAP. O MEPTC vê a iniciativa
com bons olhos, mas alerta que, ainda assim, foi possível encontrar remédios fora da
validade nas visitas que realizou após a reunião com o Subsecretário de Tratamento.
Até o ano de 2007, o serviço de saúde oferecido pela seap era referência no
cenário nacional, contudo diante dos dados colhidos nas visitas realizadas é possível
afirmar que a saúde do sistema prisional carioca passa por uma crise. As possíveis
causas para este grave momento apontadas pelos próprios profissionais são aumento da
população carcerária, escassez de recursos humanos, déficit salarial e a adoção de
contratos temporários.
Segundo Resolução do Conselho Nacional de Políticas Criminais e
Penitenciárias (CNPCP), Nº 07 de 14 de abril de 2003, artigo 1º, inciso IV: “Para o
atendimento ambulatorial são necessários, no mínimo, servidores públicos das
seguintes categorias profissionais: 01 médico clínico, 01 médico psiquiatra, 01
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
odontólogo, 01 assistente social, 01 psicólogo, 02 auxiliares de enfermagem e 01
auxiliar de consultório dentário com carga horária de 20 horas semanais. Nas
unidades femininas deve haver sempre, pelo menos, 01 médico ginecologista.”(grifo
nosso). O CNPCP acrescenta ainda que cada equipe deve ser responsável por até 500
presos. Nesse sentido é possível afirmar que, no tocante às equipes técnicas de saúde
nas unidades comuns da SEAP (que tem tratamento ambulatorial), há um total
descompasso com a política nacional de acesso à saúde do preso e da presa.66
Outro aspecto cotidiano que prejudica aqueles que necessitam ser deslocados da
unidade para atendimento é o transporte realizado pelo Serviço de Operações Externas
(SOE). Um fator recorrente no relato dos detentos é uso contínuo e excessivo da força
por parte dos agentes do SOE em traslados realizados pelo órgão. Um preso relatou ao
MEPTC que o SOE “esculacha muito” e que enquanto batem afirmam que “quebram e
o médico conserta”.
É necessário destacar também a inadequação e insuficiência de tratamentos de
média e alta complexidade pela SEAP. Além do próprio Complexo de Gericinó não ter
um hospital próprio para casos de alta complexidade – apenas uma Unidade de Pronto
Atendimento (UPA) – as demais unidades isoladas e do Complexo de Japerí sofrem
ainda mais com a logística do transporte para atendimento médico. Os presos, por sua
vez, tem ameaçada sua integridade física frente às distâncias que percorrem para
realizar suas consultas e ao procedimento de transporte inadequado. Faz-se premente
que a SEAP se adéqüe a Resolução Nº2/2012 do CNPCP, regulamentando o transporte
com número máximo de detentos por viagem, hierarquização dos casos de saúde e, em
médio prazo, que seja substituído o transporte dos doentes nos carros do SOE por
ambulâncias equipadas para atendimento emergencial de saúde.
Outro fato grave apurado pelo MEPCT diz respeito à informação de que a
comunicação dos presos com qualquer profissional integrante da equipe técnica,
66
Resolução do Conselho Nacional de Políticas Criminais e Penitenciária, Nº 07 de 14 de abril de 2003.
Disponível
em:
https://mailattachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=59b21d0257&view=att&th=136a2ee0f2765
69b&attid=0.1&disp=inline&realattid=f_h0wsdq8f0&safe=1&zw&saduie=AG9B_P_wZS0nk6YD9ot6y
17nvscI&sadet=1334253221612&sads=apv28yyxnLfwqi406GvqTf92Y9E&sadssc=1
80
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
inclusive para atendimento médico, se dá, na maioria das unidades, através dos
chamados “faxinas” ou “ligação”. Em algumas unidades tal solicitação é feita para os
inspetores penitenciários. Assim, estes são os responsáveis por anotar os pedidos de
atendimento e repassar a equipe, ficando, portanto, a critério dos mesmos determinar
quem irá receber atendimento psicológico, social ou médico. Tal fato é grave e enseja a
possibilidade, tanto de corrupção, como de arbitrariedade no acesso ao atendimento de
saúde. É urgente a mudança dessa forma de “seleção” para o atendimento que além de
qualificado deve ser universal.
O programa de tuberculose e AIDS que também já foi bastante elogiado em
outros tempos, neste momento encontra-se bastante debilitado. Há reconhecida
insuficiência de médicos e materiais para diagnóstico, o que nos permite afirmar a
existência de provável a subnotificação dos casos de tuberculose. A unidade Alfredo
Tranjan (Bangu II) que atualmente funciona também como uma “porta de entrada” do
sistema não possui equipamentos para diagnóstico da tuberculose, tal qual não havia no
Ary Franco, um das razões da audiência realizada no ano passado.
Em outubro de 2012 o Ministério Público do Rio de Janeiro propôs ação civil
pública devido a diminuição na oferta de consultas e exames aos internos com
tuberculose e o consequente aumento na taxa de mortalidade no sistema prisional.
Em janeiro de 2013, a 5ª Vara de Fazenda Pública concedeu liminar ao
Ministério Público determinando ao Estado do Rio equipar o Hospital Sanatório Penal,
com no mínimo 12 médicos para o atendimento dos pacientes, um laboratório com os
recursos necessários para os exames de tuberculose, entre outros itens. Contudo, em 15
de março de 2013, a 3ª Câmara Cível do TJRJ suspendeu a liminar com o entendimento
que o atendimento estaria sendo prestado nas unidades prisionais pela Secretaria de
Estado de Saúde, fato que não foi verificado pelo MP e tão pouco pelo Mecanismo.
a) Sobre os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico
Para
possibilitar
a
ressocialização
de
pacientes
com
alto
grau
de
institucionalização e estigma como os loucos infratores são necessárias estratégias
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
estruturantes que passam pela mudança no próprio perfil de internação, permanência e
tratamento. Sob a lógica de gestão penitenciária, os pacientes se deparam com
problemas que lhe são singulares: o quadro de agentes, por exemplo, não possui uma
capacitação específica para lidar com pessoas com transtornos psíquicos, fato que
acarreta sérios problemas na relação com perturbações e sintomas específicos.
O MEPTC considera um exemplo de boas práticas todas as modificações
realizadas pela SEAP nos manicômios judiciários, que, em reconhecimento ao fato de
que a legislação dava margem para internações abusivas, iniciou o “Programa de
Reinserção Social Assistida” nos anos 90. Tal programa foi fundamental para cessar do
critério de avaliação da periculosidade e o condicionamento da desinternação à
“remissão da sintomatologia e ao apoio sócio-familiar”, tendo importante lugar na
reorientação à assistência e atendimento nos manicômios judiciários do estado.
Outras experiências inovadoras demonstram que o infrator fora do manicômio
judiciário e inserido nas redes de atenção à saúde mental tem maiores chances de
sucesso em seu tratamento. A rede extra-hospitalar de saúde com seus dispositivos
como os CAPS, Residências Terapêuticas, ambulatórios e Centros de Convivência,
legitima-se para oferecer tratamento a estes cidadãos.
Os municípios são responsáveis por implementar tais serviços tão fundamentais
ao processo de desinstitucionalização, o que tem se dado com extrema lentidão.
Preocupa ao Mecanismo que os Hospitais venham a se converter em abrigo, como pode
ocorrer com o hospital Heitor Carrilho de forma permanente, oferecendo como única
alternativa a continuidade da institucionalização através do acolhimento ou a
transistitucionalização dos pacientes para outros manicômios. É sabido que não é essa a
intenção da SEAP, o que indica um bom direcionamento. O Mecanismo vê como
positiva a reorganização da porta de entrada e de saída dos manicômios judiciários e se
preocupa com as dificuldades enfrentadas no processo de desinstitucionalização dos
pacientes oriundos de manicômios judiciários pelo duplo estigma que sofrem.
Em visitas realizadas pelo Mecanismo é preocupante a presença de internos com
distúrbios psiquiátricos em unidades que não oferecem tratamento adequado. Os
membros do MEPCT/RJ encontraram por exemplo em visita ao Ary Franco um interno
82
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
com aparente transtorno em uma cela comum, ingerindo fezes. Cabe destacar que
durante muitas inspeções são ouvidos relatos de presos com quadro de sofrimento
psíquico aguardando atendimento adequado.
b) Sobre o relato de tortura
No que diz respeito ao tema da tortura, é fundamental que os profissionais de
saúde do sistema tenham autonomia e segurança para relatar as autoridades as
evidências do crime de tortura sem naturalizar marcas físicas que podem ser oriundas de
agressões.
No caso de unidades prisionais, a dificuldade verificada em materializar provas
dos crimes de tortura é ainda maior na medida em que o preso está sob controle e
custodia do Estado. Assim, ter um corpo técnico atento aos casos de crime de tortura é
fundamental. A comum escusa de que presos caíram da comarca e/ou entraram em
conflito com outros presos não devem ser naturalizadas.
De forma geral as soluções para a evolução no sistema de saúde nas unidades
prisionais passa pela valorização da equipe técnica de saúde e isso deve ser feito através
da implantação imediata do plano de carreiras, da melhoria salarial, da adequação das
condições de trabalho e também pela captação de recursos humanos por um concurso
público para preenchimento dessas vagas ociosas. Apesar das OS já instaladas na UPA
de Bangu é necessário ressaltar a necessidade de rejeitar qualquer privatização da saúde
do sistema prisional e das contratações feitas em caráter temporário na medida em que
os profissionais de carreira demonstram melhor desempenho e maior compromisso com
esse público singular.
83
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
III.2 – SISTEMA SOCIOEDUCATIVO
III.2.1- Adolescentes Privados de Liberdade
No que tange à matéria dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Brasil ocupa
lugar de destaque no âmbito internacional, especialmente pela sua legislação especial,
qual seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Antes mesmo da aprovação da
Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU (CDC), em 1989, o Brasil já adotara a
chamada Doutrina da Proteção Integral, desenvolvida durante os trabalhos das Nações
Unidas que resultaram na Convenção. A proposta de emenda popular apresentada à
Assembléia Nacional Constituinte, que contou com mais de 1,2 milhões de assinaturas,
e que resultou na inclusão do artigo 227 da nossa carta magna, internalizou a referida
doutrina, em detrimento da chamada Situação Irregular, anteriormente vigente no país
através do Código de Menores de 1979, revogado pela nova ordem constitucional
brasileira.
Como princípios básicos da Proteção Integral, e que se contrapõem diretamente
àqueles que norteiam a Situação Irregular, apontamos a condição de sujeito de direitos à
qual são elevadas as crianças e os adolescentes, antes entendidos como objetos de
intervenção estatal, como indicativo da mudança paradigmática que representa esta
formulação e internalização deste entendimento sobre a infância e a Adolescência.
Apesar destes avanços observados no âmbito legislativo, no que tange às
políticas públicas, o Brasil avançou a passos lentos nestes últimos 25 anos,
especialmente na universalização do acesso a estes direitos e na atenção às crianças e
aos adolescentes institucionalizados. Infelizmente, a rotina histórica de violação e
negação de direitos a estes meninos e meninas é a realidade atual, tendo o Brasil
apresentado as maiores taxas de homicídios contra crianças e adolescentes em todo o
mundo.
E podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que o Sistema Socioeducativo é
uma das políticas públicas voltadas para o público infanto-juvenil que permanece com
uma cultura menorista focada ainda na situação irregular.
84
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Segundo levantamento da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH/PR), entre 2006 e 2010 observou-se uma redução do crescimento
percentual de adolescentes no Sistema Socioeducativo em âmbito nacional 67, se
comparado à década anterior. Embora não tenha havido uma redução no número
absoluto de adolescentes e jovens cumprindo medidas privativas de liberdade
(internação provisória, semiliberdade e internação), a tendência observada ao longo
destes quatro anos, os primeiros após a aprovação da Resolução 119 do Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que instituiu o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
Cabe destacar que essa tendência de redução da taxa de crescimento do número
de adolescentes privados de liberdade foi interrompida, evidenciando uma preocupante
nova tendência de inversão, ou seja, se antes havia um redução constante da taxa de
crescimento, aparentando haver uma certa estabilização no número de internos em todo
o país, hoje observa-se uma nova onda encarceradora, o que fez com que de 2010 a
2011 o número de adolescentes internados no país tenha crescido 10,69%68, como
podemos observar na figura abaixo.
67
“Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com dados
referentes a 2011.
68
idem
85
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com
dados referentes a 2011.
Em janeiro de 2012, a Resolução 119 do CONANDA sofreu algumas alterações,
tornando-se lei federal com o número 12.594/12, a chamada Lei do SINASE.
A partir deste novo marco normativo, fruto de ampla mobilização da sociedade
civil organizada no âmbito da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes,
pretende-se ter maior integração entre os atores do sistema de garantia de direitos,
definindo-se atribuições, metas, procedimentos e responsabilidades dos gestores quanto
a eventuais irregularidades constatadas.
O MEPCT em junho de 2013 encaminhou contribuições e sugestões á consulta
pública ao Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo 2013-2022 à Secretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente nos eixos gestão,
qualificação do atendimento, participação cidadã dos adolescentes e sistema de justiça e
segurança. Vale destacar que muitas de tais contribuições são semelhantes àquelas que o
MEPCT realiza em suas recomendações nos relatórios de monitoramento.
O Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, ao
longo de 2013, realizou inúmeras visitas nas unidades de internação e internação
86
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
provisória, com vistas ao acompanhamento da implementação do SINASE no estado.
Nestas visitas, recorrentemente éramos surpreendidos com afirmações de que o número
de apreensões e internações vinha crescendo, informações estas prestadas por diretores
de unidades, servidores e gestores do próprio sistema socioeducativo fluminense.
Para se ter uma ideia, em 05 de novembro de 2013, em audiência pública da
Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do
Rio de janeiro sobre o Sistema DEGASE, o Sub-diretor Geral do departamento afirmou
que observou-se um aumento desproporcional no número de adolescentes que entram
no sistema, apontando como uma das possíveis causas, a realização de mega-eventos na
cidade do Rio de Janeiro, tais como Rio +20, Copa das Confederações e Jornada
Mundial da Juventude Católica, entre outros. Esta constatação merece atenção especial
do MEPCT/RJ uma vez que esta tendência encarceradora durante estes eventos deve
permanecer ao menos até 2016, tendo como ápices a realização da Copa do Mundo de
Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos de 2016.
Esta
hipótese
encontra
respaldo
na
tabela
abaixo,
que
analisa,
comparativamente, a variação do número de adolescentes privados de liberdade entre os
anos de 2010 e 2011 nos estados e no Distrito Federal.
87
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com
dados referentes a 2011.
A tabela abaixo compara o número de adolescentes privados de liberdade em
todos os estados no período entre os anos de 2008 a 2011.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com
dados referentes a 2011.
Importante destacar que, mesmo se tratando de dados referentes ao ano de 2011,
ou seja, anteriores aos primeiros mega-eventos em sequencia que teremos na cidade do
Rio (tivemos em 2012 a Rio +20 e, em 2013, a Copa das Confederações e Jornada
Mundial da Juventude Católica) o Rio de Janeiro já observava um crescimento,
evidenciando que, embora a observação feita pelos gestores e profissionais do DEGASE
da relação entre este eventos e o aumento do número de adolescentes, o encarceramento
em massa constitui elemento de suma importância na política criminal levada a cabo
pelo estado, não apenas no que diz respeito aos mega-eventos.
No que tange à proporcionalidade da população quanto ao gênero, a tabela
abaixo traz a realidade em 2011 em todos os estados brasileiros.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Fonte: Levantamento Nacional sobre o Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” com
dados referentes a 2011.
O número de meninas privadas de liberdade no estado do Rio de Janeiro
representa cerca de 5% do total de adolescentes internados, muito semelhante ao
observado no restante do país.
Ainda sobre a conjuntura do sistema socioeducativo, em 2011, o estado do Rio
de Janeiro apresentava uma taxa de encarceramento de 60 adolescentes para cada
100.000 adolescentes residentes no estado. Esta taxa, se de fato as observações dos
gestores do DEGASE e dos membros do MEPCT/RJ (de que houve um aumento
significativo do número de adolescentes apreendidos nos últimos dois anos) se
confirmarem, deve ser bem mais elevada atualmente.
Como já vinha acontecendo em 2012, o MEPCT/RJ foi novamente convidado a
participar dos cursos de formação para servidores do Departamento Geral de Ações
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Socioeducativas (DEGASE), ministrando o módulo “Prevenção e Combate à Tortura”.
Importante registrar que em 2013, para além dos cursos de formação continuada dos
servidores que atuam na internação provisória, internação e semiliberdade, houve a
realização de um grande concurso público de seleção para agentes socioeducativos e
equipes técnicas, e que este concurso público contava com a realização de um curso de
formação como uma das etapas do processo seletivo. Estas aulas se deram ao longo do
ano, tendo sido ministradas nos municípios do Rio de Janeiro, Teresópolis, Nova
Iguaçu, Niterói, Volta Redonda e Macaé.
III.2.2 - Das Unidades de Internação.
O ECA prevê como órgãos fiscais ou controladores da política de atendimento à
criança e ao adolescente o Ministério Público, o Judiciário, os conselhos tutelares e os
conselhos dos direitos das crianças e dos adolescentes. Por esta razão, o MEPCT/RJ
buscou, ao longo do ano de 2013, aproximação com estes órgão para fins de aperfeiçoar
e articular as ações de monitoramento.
Conforme dito anteriormente, o MEPCT/RJ, em seu planejamento institucional
para o ano de 2013, optou por enfatizar as suas visitas ao Sistema Socioeducativo no
que diz respeito à execução das medidas internação e internação provisória, com vistas
ao acompanhamento da implementação do SINASE no estado do Rio de Janeiro.
Em 2013, as unidades de internação e internação provisória em funcionamento
no estado do Rio foram:
Centro de Socioeducação Dom Bosco – unidade de cumprimento de medida
socioeducativa de internação provisória para adolescentes do sexo masculino.
Centro de Socioeducação Gelso de Carvalho Amaral (GCA) – unidade de
triagem.
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Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves – unidade recém
inaugurada em Campos dos Goytacazes. Atende adolescentes do sexo masculino
em internação provisória ou internação.
Centro de Socioecudação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa – unidade
destinada à internação provisória ou internação de adolescentes do sexo
feminino.
Centro Integrado de Tratamento ao Uso e Abuso de Drogas (CITUAD) –
unidade de atendimento especializado aos adolescentes internados que precisam
de atendimento à dependência química.
Escola João Luiz Alves (EJLA) – unidade de cumprimento de medida de
internação provisória e internação para adolescentes do sexo masculino com até
15 anos.
Educandário Santo Expedito (ESE) – unidade de cumprimento de medida
socioeducativa de internação para adolescentes do sexo masculino com idade
entre 16 e 21 anos.
Centro de Atendimento Intensivo Belford Roxo (CAI-Baixada) – unidade de
internação provisória e internação para adolescentes do sexo masculino.
Cumpre aqui observar que algumas unidades destinadas à internação, nos
últimos anos foram rebatizadas. Foram os casos do antigo Educandário Santos
Dummont, que recebeu o nome de Centro de Socioecudação Professor Antonio Carlos
Gomes da Costa, e do antigo Instituto Padre Severino, renomeado como Centro de
Socioeducação Dom Bosco. Sobre esta segunda unidade, importante destacarmos as
inúmeras recomendações emitidas por órgãos de controle e fiscalização para o
encerramento das atividades do antigo Instituto Padre Severino, por total ineficácia do
trabalho desenvolvido no local e das precárias condições físicas e de salubridade que as
suas instalações ofereciam aos internos. Destacamos aqui, apenas a título de
exemplificação, as recomendações emitidas neste sentido pelo Conselho Nacional de
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Justiça (CNJ)69 e pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU70. Desta forma, ainda
em 2011, o Diretor Geral do DEGASE anunciou o fechamento do Instituto Padre
Severino, que seria substituído pelo Centro de Socioeducação Dom Bosco, a ser
construído no mesmo terreno, localizado na Ilha do Governador.
Em 2012, foi inaugurado o módulo construído para o Dom Bosco, projetado
dentro dos padrões arquitetônicos estabelecidos pelo SINASE. Neste módulo, cabem
89 adolescentes, com instalações, inclusive, apropriadas para cadeirantes, se for
necessário. Ocorre que, apesar desta inauguração, os antigos alojamentos, ainda da
época da FUNABEM, permaneceram de pé, alojando a maioria dos adolescentes que se
encontram na unidade. Importante registrar que, na última visita realizada pelo
MEPCT/RJ à unidade, havia um total de 272 adolescentes, sendo que o módulo novo
encontrava-se com a sua capacidade máxima preenchida, mas não superlotado. Isso
significa dizer que 183 adolescentes (dois terços no número de internos) permaneciam
nas condições insalubres e degradantes condenadas tanto pelo CNJ quanto Pelo
Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU. Neste sentido, em recente Audiência
Pública realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da
ALERJ, Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, declarou que continuará chamando o
Centro de Socioeducação Dom Bosco pelo seu nome antigo, Instituto Padre Severino,
até que o DEGASE desative os alojamentos insalubres que pertencem ao prédio do
antigo instituto.
Ao longo do ano, o DEGASE inaugurou a unidade Centro de Socioeducação
Professora Marlene Henrique Alves, no município de Campos dos Goytacazes, região
norte do Estado. Importante destacar que esta é a primeira unidade de internação do
estado do Rio de Janeiro localizada fora da região metropolitana do Rio. Antes de sua
69
Conselho Nacional de Justiça. Relatório Final do Programa Justiça ao Jovem no Estado do Rio de
Janeiro. Brasília, 2011.
70
Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes.
Relatório sobre a visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Genebra, 2011.
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inauguração, todos os adolescentes do interior do estado que fossem apreendidos, eram
transportados para a região metropolitana da capital, tornando-se um grande obstáculo
para a efetivação do direito à convivência familiar e a participação das famílias na
construção do Plano Individual de Atendimento e na execução da medida.
Com esta nova unidade, os adolescentes apreendidos no interior do estado
permanecerão mais próximos de seus familiares, o que consideramos um avanço no
processo de descentralização do Sistema Socioeducativo do Rio de Janeiro. Existe ainda
a expectativa de inauguração de nova unidade no município de Volta Redonda, região
sul fluminense, que, segundo notícias do DEGASE, está em vias de conclusão das
obras.
Outra unidade que merece atenção especial neste relatório é o Educandário
Santo Expedito (ESE). Localizado na entrada do Complexo Penitenciário de Gericinó
(Bangu), é um presídio adaptado para receber adolescentes. Apesar de as instalações
arquitetônicas estarem em melhores condições que outras unidades, a mera localização
da unidade a torna irregular frente ao disposto no SINASE, uma vez que este proíbe a
existência de unidades de atendimento socioeducativo em espaços contíguos a unidades
do sistema prisional. Desta forma, por mais que se invista na estrutura da unidade, esta
será sempre irregular, ao menos enquanto o complexo penitenciário permanecer ao seu
lado.
Cumpre destacar que esta proximidade do ESE com o complexo de Gericinó
contribui para a maior estigmatização destes adolescentes e interfere, inclusive, na
prática dos agentes socioeducativos. Essas constatações levaram o Conselho Estadual de
Defesa da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (CEDCA/RJ) a votar a aprovar a
sua Resolução 12/2007, que determina o seu imediato fechamento, mas esta resolução
nunca foi publicada no diário oficial, não podendo, portanto, ser efetivada.
Quanto às condições gerais das unidades de internação provisória e internação,
observou-se uma pequena melhora no quesito estrutura, especialmente em razão da
construção de novos módulos e unidades, mas algumas situações de completa
insalubridade e violações permanecem reais. Inúmeros são os relatos dos adolescentes
em relação à utilização da violência institucional na rotina das unidades. Tapas, murros
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e spray de pimenta são os instrumentos utilizados mais relatados pelos adolescentes. E
isso em todas as unidades visitadas. Há também relatos acerca da utilização de técnicas
de tortura e maus tratos mais “sofisticadas”, com a utilização de algemas,
obrigatoriedade de permanecer em posições desconfortáveis por prolongados períodos,
entre outros.
No Centro de Socioeducação Antônio Carlos Gomes da Costa, antigo
Educandário Santos Dummont, registramos, em parceria com a Coordenadoria de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública, a ocorrência de
tortura contra uma menina, com o emprego de uma técnica denominada “bailarina”, que
consiste em algemar as suas mãos apontadas para o céu, obrigando-a a permanecer nas
pontas dos pés para não sentir dores no braço.
III.2.3- Do Plano de Segurança Socioeducativa do DEGASE
Ao longo do ano de 2012, o DEGASE elaborou um plano de segurança que
contemplasse as necessidades sociopedagógicas que devem nortear as ações de
segurança no interior das unidades socioeducativas.
Diante de um quadro institucional em que inúmeras são as violações de direitos
dentro do sistema socioeducativo legitimadas e naturalizadas pelos seus operadores e
gestores em nome da tal segurança institucional, entendemos que a padronização e
publicização dos procedimentos de segurança a serem adotados em cada situação limite
é de suma importância, uma vez que, desta forma, o profissional terá referenciais
institucionais para determinar qual o procedimento de mediação, contenção ou outro
que seja necessário para salvaguardar a segurança e a integridade de todos na unidade,
adolescentes, profissionais, familiares, etc.
Tomando por referência os marcos normativos nacionais e internacionais no que
tange ao atendimento ao adolescente privado de liberdade, o Plano de Segurança
Socioeducativa do DEGASE é um texto simples, de linguagem acessível e muito
didático. Expõe que todo o modelo de segurança que deve ser adotado por uma unidade
socioeducativa deve ser pautado pelo chamado uso progressivo da força, no qual a força
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utilizada para conter ou neutralizar alguma situação que ponha em risco a unidade ou as
pessoas que ali se encontram, devem ser proporcionais ao risco e à força de resistência
apresentada pelo adolescente. Importante destacar que o uso progressivo da força é um
conceito originalmente desenvolvido para nortear e padronizar procedimentos policiais
no momento da prisão/detenção de pessoas, mas posteriormente foi adaptado para
unidades de privação de liberdade em alguns países.
Algumas observações, porém, devem ser feitas.
No que tange às visitas de órgãos de controle legalmente constituídos para a
fiscalização do atendimento socioeducativo, o Plano de Segurança regulamenta o
procedimento a ser adotado pelo diretor da unidade que for objeto de visita de
autoridade legalmente constituída e com atribuição para a fiscalização. Curiosamente, o
artigo 94 do referido plano prevê algumas condições para a realização de visitas sem
prévio agendamento, o que, se mal conduzidas, podem constituir obstáculos para a
realização da visita. Entendemos ser fundamental atribuir ao diretor da unidade a
obrigação de assegurar aos órgãos de controle a realização de visita ou fiscalização
conforme o roteiro elaborado pelo órgão, desde que o mesmo esteja de acordo com a
atribuição legal deste órgão.
Já o disposto no artigo 100 do Plano de Segurança Socioeducativa prevê a
obrigatoriedade de o advogado apresentar procuração assinada pelo responsável do
adolescente devidamente protocolada na respectiva Vara da Infância e da Juventude ou,
se for o caso, devidamente constituído nos autos do processo referente ao seu cliente.
Estas condições são uma flagrante ilegalidade, uma vez que a Lei 8.906/94, dispõe:
“Art. 7º São direitos do advogado:
(...)
III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e
reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se
acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos
civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis;”
Isto posto, se uma Lei Federal assegura ao advogado, figura essencial à Justiça
Brasileira, como nos ensina a própria Constituição da República, o direito e a
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prerrogativa de comunicar-se com seu cliente, ou assistido, nos termos utilizados pelo
Plano de Segurança, restando previsto expressamente que a ausência de procuração não
poderá ser obstáculo, um ato administrativo não pode restringi-lo.
No que tange aos procedimentos para situações de crise, previstos no artigo 20
do capítulo sobre o uso da força, merece destaque, a nosso ver, o procedimento da
alínea “e”, que atribui ao diretor da unidade ou à Comissão de Segurança e Inteligência
do DEGASE a prerrogativa de comunicar à Polícia Militar para “o cercamento do
perímetro externo à unidade”. Ocorre que na alínea “n” deste mesmo artigo, é descrita
uma situação em que a Polícia Militar encontra-se dentro da unidade, sem que haja
qualquer previsão de procedimento e competência para a autorizar a entrada da Polícia
Militar na unidade.
Este é um ponto que é muito caro ao MEPCT/RJ. E também já foi objeto de
análise do Subcomitê para a Prevenção à Tortura da ONU em sua visita ao Brasil em
2011. Na ocasião, ao visitar inúmeras unidades de atendimento socioeducativo de São
Paulo, muitos foram os relatos de reiterados acionamentos da Tropa de Choque da PM
paulista para resolução de pequenos conflitos no interior das unidades. Os relatos
colhidos, davam conta de inúmeras agressões desproporcionais praticadas pelos policias
aos adolescentes internos. Para tanto, o Subcomitê apresentou ao Estado brasileiro a
seguinte recomendação:
150. O uso da “tropa de choque” deve ser limitado a casos
excepcionais e autorizado apenas pela mais alta autoridade
estatal relevante, de acordo com critérios claros e estabelecidos.
Relatar cada operação e empreender o monitoramento externo
das mesmas deve ser obrigatório.
Na mesma linha da recomendação apresentada pelo Subcomitê, entendemos que
a autorização para que forças policiais entrem nas unidades socioeducativas deve partir
da mais alta autoridade estatal possível, no caso, o Diretor Geral do DEGASE, como
forma de evitar o abuso observado em alguns casos no estado de São Paulo, e também
no Rio de Janeiro, como caso relatado mais a frente.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Insta observar também que este Plano de Segurança deve ser aprovado pelo
Governo do Estado do Rio de Janeiro e pelo Conselho Estadual de Defesa da Criança e
do Adolescente (CEDCA/RJ) para ser implementado, conforme previsto no próprio
plano.
III.2.4.- Da Audiência Pública sobre o DEGASE
No dia 05 de novembro de 2013, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e
Cidadania da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (CDDHC) realizou
uma Audiência Pública para tratar das condições do Sistema Socioeducativo no estado
do Rio de Janeiro. Presidida pelo deputado Marcelo Freixo, presidente da CDDHC, a
audiência contou com a presença do Subdiretor Geral do DEGASE, Roberto Bassan, do
Corregedor Geral do DEGASE, Alexandre Lessa, de dois membros do Mecanismo
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de janeiro, da Coordenadoria de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do
Rio de Janeiro (CDEDICA), de representante da Vara da Infância e da Juventude da
Comarca da Capital, de familiares de adolescentes que passaram pelo DEGASE e da
professora Margarida Prado, advogada.
Na audiência, os representantes do DEGASE fizeram uma apresentação
relatando os avanços observados na gestão do departamento e as melhorias nas
condições estruturais das unidades, destacando o esforço dispensado para a realização
de concurso público para reposição e expansão do quadro de servidores permanentes do
órgão, como estratégia de superação de uma cultura institucional que não mais coaduna
com as expectativas da gestão.
O MEPCT/RJ ao fazer uso da palavra relatou as constatações feitas ao longo do
ano de 2013 nas visitas realizadas às unidades de internação e internação provisória de
adolescentes autores de atos infracionais, tendo, inclusive, identificado casos de tortura
e outras violações graves ocorridas. Destacou também a existência de ao menos 47
(quarenta e sete) agentes que respondem processo criminal pela prática de tortura e
morte no interior do sistema socioeducativo, elementos reforçados pela coordenadora do
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CEDEDICA. Como encaminhamento da Audiência Pública, o presidente propôs a
realização de reuniões de trabalho entre os órgãos presentes para tratar do cumprimento
das recomendações apresentadas pelo MEPCT/RJ, bem como uma reunião do
CEPCT/RJ com os profissionais do DEGASE que se fizeram presentes.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
III.3 - SAÚDE MENTAL, DROGAS E INSTITUCIONALIZAÇÃO 71
O presente tópico abordará o debate sobre saúde mental e institucionalização
relacionado à questão do uso de álcool e outras drogas, problematizando a emblemática
amplitude que o tema tem se consolidado no debate atual dos direitos humanos. Deste
modo, priorizaremos a abordagem acerca das ações realizadas pelo MEPCT em
conjunto com outros órgãos durante o ano de 2013.
III.3.1 - Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica, álcool e outras drogas.
A Organização Mundial da Saúde adota uma concepção de saúde que extrapola
a compreensão de ausência de doença, mas entendendo-a como o estado de completo
bem-estar físico, mental e social.
No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988 no rol dos direitos sociais
assegurou a saúde como direito de todos e dever do Estado, tendo sua regulamentação
através das Leis Orgânicas da Saúde Nº8080/90 e 8142/90 tornando obrigatório o
atendimento a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de qualquer pretexto.
No campo da saúde mental, merece destaque o debate mundialmente conhecido
como Reforma Psiquiátrica que delineia outro paradigma no tratamento de pessoas
acometidas por transtornos mentais. Esta reforma parte do princípio que os manicômios,
enquanto instituições totais, são lugares historicamente marcados por maus tratos aos
pacientes, isolamento geográfico e profissional das instituições e seu pessoal, além da
própria dificuldade do controle social visto seu caráter fechado.
Deste modo, assim, parte-se de uma lógica de tratamento humanizado que
priorize ao sistema extra-hospitalar e multidisciplinar como modelo de assistência a
pessoa com transtorno mental, rompendo com a prerrogativa hospitalocêntrica e
psiquiatrocêntrica.
71
No presente tópico, aproveitaremos a redação contida em alguns documentos elaborados como: o relatório anual
MEPCT de 2012, relatório temático de inspeção em comunidades terapêuticas, Relatório de Visitas aos Abrigos
Especializados de Crianças e Adolescentes e relatórios regulares de inspeções do MEPCT.
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No bojo desta discussão, enfrentar-se-ia a mudança de viés do cuidado e atenção
a estes pacientes, indicando que os serviços de base comunitária poderiam favorecer
intervenções precoces e combater o estigma associado aos usuários dos serviços de
saúde mental. Por conseguinte, os grandes hospitais psiquiátricos, de tipo carcerário,
deveriam ser substituídos por serviços que organizassem a atenção com base na
comunidade e, além disso, ser apoiados por leitos psiquiátricos em hospitais gerais e
cuidados domiciliários. Ainda assim, seria necessário, um processo coordenado de
desinstitucionalização fundamentado em três componentes essenciais: “Prevenção das
admissões impróprias em hospitais psiquiátricos, mediante o fornecimento de serviços
comunitários; regresso à comunidade dos doentes institucionais de longo prazo, que
tenham passado por uma preparação adequada; estabelecimento e manutenção de
sistemas de apoio comunitário para doentes não institucionalizados.”72
O marco normativo-político da Reforma Psiquiátrica no nosso país se dá a partir
da aprovação da Lei 10216/2001 que redireciona a assistência em saúde mental e
privilegia o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. A partir de
então, linhas de financiamento são criadas pelo Ministério da Justiça para os serviços
abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico no âmbito do SUS e rede conveniada, e
mecanismos são criados para fiscalização, gestão, redução e fechamento de leitos
psiquiátricos.
A Política Nacional de Saúde Mental tem por objetivo qualificar, expandir e
fortalecer a rede extra-hospitalar formada por uma rede de serviços e equipamentos
variados como: Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais
Terapêuticos (SRT), os Centros de Convivência e Cultura e os leitos de atenção integral
(em hospitais gerais, nos CAPS III).
O MEPCT conforme os tratados nacionais e internacionais entende que a
atenção a pessoa em situação de transtorno mental deve ser dada na rede comunitária
substitutiva aos manicômios. As instituições totais psiquiátricas representam um legado
72
“Saúde mental: nova concepção, nova esperança.” Organização Mundial da Saúde, 2001.
101
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da prática de violência institucional, além de serem locais propícios à invisibilidade do
crime de tortura.
A questão da institucionalização de pessoas com possíveis quadros de transtorno
mental ganhou a centralidade do debate no Rio de Janeiro e país a partir do que se
convencionou chamar de “epidemia de crack”. Dotada de uma concepção
descontextualizada histórica e politicamente na atenção a usuários de álcool e outras
drogas, a reatualização da retórica de “guerra às drogas” no cenário atual tem fomentado
suas ações no recolhimento forçado de pessoas pauperizadas em situações de rua, no
confinamento e institucionalização como forma de “tratamento”, financiamento público
de instituições privadas e tendência à mais criminalização de condutas relacionadas ao
uso e comercialização de substâncias entorpecentes, constituindo-se um paradoxo com
as conquistas advindas da Reforma Psiquiátrica.
A primeira quinzena de junho de 2013 representou um marco importante na
contradição entre o debate e as ações desenvolvidas pelos poderes públicos brasileiros
sobre políticas de prevenção e cuidado ao uso abusivo de álcool e outras drogas e as
múltiplas deliberações sobre o tema no âmbito internacional.
Enquanto trinta e quatro países participantes da 43ª Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiram e assinaram de maneira
unânime a Declaração de Antígua ("Por uma Política Integral Frente ao Problema
Mundial das Drogas nas Américas"), a Câmara dos Deputados aprovou o texto base do
projeto de lei nº 7.663/10, do Deputado Federal Osmar Terra (PMDB-RS), que
representa um dos maiores retrocessos legislativos dos últimos tempos quanto ao
impacto na lei de drogas, no sistema prisional e na Justiça Criminal.
A declaração assinada na OEA prega que “as políticas sobre redução da
demanda de drogas ilícitas devem centrar-se no bem-estar do indivíduo e seu entorno
para que, a partir de uma abordagem multisetorial e multidisciplinar, utilizando
evidência científica e melhores práticas disponíveis, baseiem-se em enfoques para
reduzir os impactos negativos do abuso de drogas, e reforcem o tecido social, bem como
fortaleçam a justiça, os direitos humanos, a saúde, o desenvolvimento, a inclusão social,
a segurança cidadã e o bem-estar coletivo".
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Já o PL nº 7.663/1073 insiste na arcaica concepção de internações como política
prioritária para lidar com sujeitos que fazem uso ou abuso de álcool e outras drogas. A
proposta legislativa inclusive entra em desacordo com a Lei Federal Nº 10216, que
prevê os direitos e a proteção das pessoas acometidas por transtorno mental prevendo
internações somente quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes,
da Organização Mundial de Saúde (OMS).
O texto que tramita no Congresso Nacional prevê incremento na punição a
comercialização de drogas ilícitas, possibilidade de internação involuntária, a ampliação
maciça do atendimento aos usuários/dependentes pela rede privada onde não houver
equipamentos públicos adequados, – estimulando o processo de privatização da saúde
pública - e comunidades terapêuticas religiosas. Previsão esta de difícil digestão para os
que prezam por um Estado laico, garantidor das liberdades individuais e do Sistema
Único de Saúde (SUS). Aprovado com supressão de alguns artigos na votação da
Câmara, o projeto se encontra para apreciação do Senado Federal.
O cenário do município do Rio de Janeiro reforça a atenção ao tema, com o
debate de projetos de leis municipais na Câmara de Vereadores que preveem a
articulação com essas instituições, como é o caso do PL 1354/2012, de autoria do
Vereador João Mendes de Jesus (PRB/RJ). Além disso, vemos a intensificação das
ações de recolhimento compulsório da população em situação de rua, justificada pelo já
referido “problema do crack.”
Vale ressaltar que a problemática contemporânea do deslocamento da questão da
droga como problemática do campo da saúde para o sistema de justiça no Brasil é um
dos fatores geradores do exponencial número de pessoas privadas de liberdade, campo
fértil para as práticas de tortura e maus tratos.
Neste contexto, o MEPCT tem atuado no Grupo de Trabalho “Drogas e
Recolhimento Compulsório” do Comitê Estadual para Prevenção e Combate à Tortura,
realizando inspeções, relatórios e audiências públicas em conjunto. Este GT é formado,
73
Disponível
em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=4E07AAD04527EA43E7B4602D990EC
D3C.node2?codteor=789804&filename=PL+7663/2010
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além do MEPCT, pelo Conselho Regional de Serviço Social, Comissão de Direitos
Humanos e Cidadania da ALERJ, Conselho Regional de Psicologia, Grupo Tortura
Nunca Mais, ONG Justiça Global, Gabinete Vereador Renato Cinco da Comissão de
Direitos Humanos da Câmara Municipal.
As atividades no ano em apreço priorizaram as inspeções nas unidades de
acolhimento institucional da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e as Comunidades
Terapêuticas financiadas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro.
III.3.2 - “Abrigos Especializados” e Institucionalização de Crianças e
Adolescentes
A questão da situação de crianças e adolescentes em situação de rua no Rio de
Janeiro ganhou novos contornos a partir de maio de 2011 onde a então Secretaria
Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro instituíra o Protocolo de Serviço
Especializado em Abordagem Social (Resolução SMAS Nº20). O referido documento
institui
o
recolhimento/abrigamento/internação
compulsória
para
crianças
e
adolescentes em situação de rua que fazem uso de drogas ou não, estas eram
encaminhadas forçosamente aos denominados “Abrigos Especializados”
O referido protocolo foi alvo de diversas críticas de setores da sociedade, desde
movimentos sociais, conselhos de políticas e conselhos profissionais. As denúncias se
pautavam na arbitrariedade da medida, da truculência no recolhimento destes sujeitos
em situação de rua e a violação de variadas normativas como o Estatuto da Criança e do
Adolescente, Política Nacional de Saúde Mental e Política Nacional de Assistência
Social, por exemplo.
No ano de 2012, o MEPCT em conjunto com organizações do CEPCT realizou
visitas aos “Abrigos Especializados”, além de relatório temático e audiência pública.
Dentre as principais violações de direitos encontradas nas inspeções, podemos destacar:
acesso difícil ao local caracterizando isolamento geográfico; restrição de comunicação
com familiares; não há informação consolidada sobre o tipo de tratamento; confusão
deliberada entre internação e abrigamento; medicalização diária e generalizada com uso
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de contenção química e física. Tais aspectos, segundo esta análise, remetem a uma
abordagem baseada no controle social punitivo em detrimento de um problema de saúde
pública.
Para agravar a situação, a ONG Tesloo que administrava os Abrigos
Especializados foi acusada de inúmeras regularidades na prestação de contas do
município74. Devido a tal problemática, a gestão das unidades no fim de 2012 passou
para a ONG Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento SustentávelCIEDS.
Antes exclusivas a crianças e adolescentes, as ações de recolhimentos de pessoas
em situação de rua supostamente por uso de drogas tiveram destaque este ano com a
realização de megaoperações executadas em recolhimento também de adultos..
Voltaremos a falar destas megaoperações no próximo subitem.
A intensa mobilização social de diversos atores coadunada com a exigência do
Ministério Público para que a Prefeitura apresentasse plano operacional nessa ações,
provocaram, entretanto, a certo recuo na direção das políticas que vinham sendo
implementadas com relação às drogas, especialmente o crack na cidade do Rio de
Janeiro. Neste diapasão, foi criada uma nova Superintendência de Saúde Mental
constituída, no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde e apresentando um Plano
Municipal de Atendimento a Usuários de Álcool e Outras Drogas, prevendo a expansão
gradativa da rede CAPS e Unidades de Acolhimento, entre outras medidas nos marcos
da Reforma Psiquiátrica. Todavia, permanecia o paradoxo entre a ampliação da rede
substitutiva de saúde mental e a permanência dos chamados “abrigos especializados”.
Em setembro do corrente ano, a Prefeitura do Rio de Janeiro publica a resolução
conjunta SMS/SMDS (Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social) nº 57 que reformula o modelo de “abrigos especializados”
passando os mesmos a denominação de Casa Viva em convênio com a ONG Viva Rio.
A partir da referida resolução, houve a desativação dos antigos espaços dos “abrigos
74
“ONG que trata usuários de crack é acusada de desviar verba”. Disponível
http://revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/09/ong-que-trata-usuarios-de-crack-e-acusada-de-desviarverba.html
em:
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especializados” e deslocamento dos adolescentes para as Casa Viva. As Casas Viva
estão situadas atualmente nos bairros de Bonsucesso, Del Castilho, Penha Circular,
Jacarepaguá e Bangu.
O fluxo atual informado pela prefeitura diz que o adolescente em situação de rua
e uso de drogas é encaminhado a uma central de recepção. A partir daí, o mesmo é
submetido a uma avaliação interdisciplinar de equipe de unidade de saúde mental
próxima ao equipamento, sendo, por conseguinte, encaminhado a uma das unidades da
Casa Viva. Os adolescentes e técnicos foram uníssonos em afirmar que há
voluntariedade no acolhimento institucional.
O MEPCT em conjunto com outras organizações inspecionaram algumas destas
casas. Elas se caracterizaram por boa estrutura física semelhante a uma residência,
localização de fácil acesso, articulação com a rede local e a não privação de liberdade
com a saída frequente dos adolescentes, bem como escolarização dos mesmos. Trata-se,
portanto de acolhimento institucional conforme o ECA porém muitos possuem vínculos
familiares não rompidos.
Considera-se um avanço no atendimento ao adolescente com uso de drogas,
todavia, entendemos que o modelo CAPsAD com base no território seria o mais
adequado, pois se situaria mais próximo ao local de origem e o adolescente poderia
voltar a residir em sua casa e continuar realizando o acompanhamento na rede.
Ainda assim, no âmbito do acolhimento institucional de crianças e adolescentes,
cabe destacar a situação das chamadas Centrais de Recepção, equipamentos que são
geralmente porta de entrada do acolhimento institucional de crianças e adolescentes no
Rio de Janeiro. As duas Centrais de Recepção se situam na região do Centro da cidade:
Central de Recepção Taiguara, próxima à Lapa atendendo crianças e adolescentes do
sexo feminino e crianças do sexo masculino; Central de Recepção Adhemar Ferreira de
Barros, recebendo adolescentes do sexo masculino.
Deste modo, há um complicador do fluxo no atendimento, visto que em tese os
acolhidos devem necessariamente passar por estas centrais e levando em conta a
dimensão territorial da cidade do Rio de Janeiro há uma logística de deslocamento que
demanda recurso material e humano desnecessário. Além disso, a estrutura física destas
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unidades remetem a características de instituições totais como muros altos e estruturas
rígidas de repartições públicas, o que difere de uma condição arquitetônica semelhante a
uma residência.
Em junho deste ano, o MEPCT acompanhou um caso de crianças e
adolescentes que haviam sofrido agressões físicas de educadores, inclusive com
utilização de choque elétrico na Central Taiguara75. Na ocasião, os educadores que
participaram do episódio foram afastados e respondem processo judicial.
Apesar de alguns avanços pontuais observados no último ano, as ações de
“recolhimento” de crianças e adolescentes em situação de rua ainda permanecem, sendo
a última em novembro protagonizada pela Polícia Militar. Importante destacar também
que este fluxo tem aumentado por ocasiões dos grandes eventos, o que pode se agravar
no próximo ano no contexto da Copa do Mundo.
No tocante à situação destes sujeitos
em condições peculiares de
desenvolvimento, o MEPCT reforça a necessidade de implementação da Política
Municipal de Criança e Adolescente em situação de rua aprovada pelo Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em 2009, assim como a elaboração
e materialização do Plano Municipal de Convivência Familiar e Comunitária de
Crianças e Adolescentes do Rio de Janeiro com foco no reordenamento dos programas
de acolhimento institucional e priorização nos programas de família acolhedora.
III.3.3 - Institucionalização forçada de adultos e Unidade de Reinserção Social
Rio Acolhedor
Em 19 de fevereiro deste ano, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em
companhia com a Polícia Militar realizou uma megaoperação de recolhimento de cerca
de 99 pessoas em situação de rua na Av. Brasil no Parque União, afirmando pelos
grandes veículos de comunicação que (se) iniciaria a política de internação da
população em situação de rua que supostamente apresentaria uso problemático de
75
“Denúncia de choques elétricos em abrigo do Rio são investigadas”. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-dejaneiro/noticia/2013/05/denuncias-de-choques-eletricos-em-abrigo-do-rio-sao-investigadas.html
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drogas. De acordo com imagens veiculadas na TV76, a ação, que ocorrera na
madrugada, foi marcada pela violência, truculência e arbitrariedade na medida.
Exatamente nove meses depois, a Polícia Militar com utilização do veículo
blindado “caveirão”77 recolheu aproximadamente cem pessoas em situação de rua e
as encaminhou para o Batalhão da PM do Complexo da Maré, sem qualquer
fundamentação legal.
Vale destacar nas duas ocasiões, que o MEPCT esteve presente no dia seguinte à
Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor, equipamento da Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro responsável pela recepção de adultos em
situação de rua. Por suas características peculiares, entendemos a URS Rio Acolhedor
como uma síntese da política de atendimento à população adulta em situação de rua do
Rio de Janeiro.
De acordo com o Decreto nº 7053 de 2009, população de rua seria:
O grupo populacional heterogêneo que possui em comum a
pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou
fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e
que utiliza os logradouros públicos e as áreas segregadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou
permanente, bem como as unidades de acolhimento para
pernoite temporário ou como moradia provisória.
A Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor fica localizada no bairro de
Paciência na zona oeste do Rio de Janeiro com quase duas horas de distância do Centro
da capital fluminense. O abrigo está situado em uma estrutura física que antes sediava
uma extensa área de educação profissional industrial. Atualmente no mesmo complexo,
ao lado do RA há uma unidade do CREAS – Centro de Referência Especializado de
Assistência Social78 e o Posto de Saúde da Família (PSF).
76
“Ação contra o crack dá início no RJ à internação involuntária de adultos.” Disponível em:
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/02/acao-contra-o-crack-da-inicio-no-rj-internacao-compulsoria-deadultos.html
77
Vale ressaltar que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio afirmou não ter participado desta ação
em novembro último.
78
Devido à exposição da violência cotidiana, fomos informados que os profissionais lotados no CREAS estão
atendendo em Barra de Guaratiba.
108
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A parte externa está situada entre duas favelas (Antares e Três Pontes) onde
respectivamente uma é conhecida pelo comércio de drogas ilícitas e outra por grupos
milicianos, cujo relato de conflito e incursões policiais são constantes. Para se ter uma
ideia, segundo relato de usuários e profissionais, poucas horas antes da inspeção de
fevereiro, foram ouvidos disparos de armas de fogo em seu entorno. Na visita de 19 de
novembro, por sua vez, a equipe de inspeção formada por membro do MEPCT foi
abordada na entrada do equipamento por um homem portando um fuzil.
No que se refere à capacidade, a informação fornecida dá conta de 422 pessoas.
Não há como precisar com exatidão o número médio de acolhidos, vista a alta
rotatividade de pessoas no equipamento. Para se ter uma ideia, segundo o Ministério
Público Estadual, com informações da Prefeitura, se registrou entre maio de 2010 e
setembro de 2012 um total de 56.507 pessoas “depositadas” no Abrigo de Paciência. O
abrigo Rio Acolhedor conta com escola, espaço de recreação e corredores separando os
alojamentos dos idosos, homens e mulheres.
No acolhimento de adultos da ala masculina, alguns ficam dispostos em quartos
coletivos e um número muito grande deles em um imenso galpão formado por bicamas
e colchonetes dispostos no chão. Apesar da razoável estrutura geral do RA, o galpão
referido remete a um cenário de um amontoado de pessoas, com parcos espaços para
privacidade, além de pouca ventilação se agravando com o excesso de calor que o Rio
de Janeiro costuma fazer em variadas épocas do ano.
No tocante à megaoperação em fevereiro, foi dada a informação que as pessoas
após serem recolhidas na Av.Brasil e levadas ao abrigo de Paciência, foram
encaminhadas a um ginásio poliesportivo situado no complexo do RA e contíguo ao
PSF. Visitando o local, foi possível perceber que ali permaneciam dezenas de mesas e
cadeiras no meio da quadra onde foi feita uma espécie de triagem e avaliação, além de
ter sido fornecido alimentos aos atendidos.
Segundo informações, os indivíduos cuja aquela avaliação constituía quadro
mais grave de uso ou dependência de crack foram encaminhados para internação
involuntária em leitos de hospitais da rede pública de saúde e comunidades terapêuticas,
enquanto aqueles que não apresentavam tal uso foram encaminhados ao Rio Acolhedor.
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Algumas questões permaneceram obscuras, já que muitas das informações sobre a
megaoperação como identificação das pessoas e seus destinos não foram reveladas.
Neste sentido, entendemos que a intervenção da Prefeitura realizada na
Av.Brasil, conforme relatos e as próprias imagens televisionadas demonstram uma
posição truculenta, intimidatória e autoritária cuja abordagem não respeita os princípios
aludidos na Lei 10216/2001 que redireciona o modelo assistencial em saúde mental em
contraposição a lógica manicomial, o decreto presidencial Nº 7053/2009 que institui a
política nacional para a população em situação de rua, dentre outros marcos. Muito
menos aquela realizada em novembro último.
Além disso, em relação à Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor a partir
das inspeções realizadas podemos afirmar que: está situada em área de difícil acesso,
estrutura rígida de complexo industrial que difere de aspectos mais acolhedores
semelhante a residências, incompletude institucional carecendo de uma maior
articulação entre as políticas favorecendo a dicotomia rua-abrigo/abrigo-rua e a
constante instabilidade da área situada entre duas favelas cujo situação de violência e
instabilidade é latente.
Já o Ministério Público Estadual em Ação Civil Pública de 10 abril de 2013
(p.19-20) identificou uma série de problemas no recolhimento de população adulta em
situação de rua como utilização de armas de fogo, cassetetes, pistolas de choque e
algemas. Além disso, em relação ao equipamento Rio Acolhedor um contexto de
violações de direitos, tais como:
Abuso de autoridade e uso recorrente de violência por parte dos
educadores sociais e da direção da unidade; Precárias condições
de higiene e salubridade do abrigo, havendo inclusive uma
infestação de percevejos; Carência de materiais e mobiliários
básicos, como camas, colchões e roupas de camas, havendo
usuários dormindo diretamente no chão; Insuficiência das
refeições ofertadas para atender às necessidades diárias dos
usuários; Ausência de trabalho técnico, inviabilizando o acesso
a direitos fundamentais como documentação civil básica,
serviços de saúde e oportunidades de trabalho; Descaso com
pertences e documentos pessoais dos acolhidos, havendo relatos
de que as documentações civis desaparecem dentro da secretaria
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da unidade; Carência de atendimento médico e de controle de
doenças infecto-contagiosas, havendo diversos usuários com
doenças como tuberculose dividindo alojamento com os
demais.
Neste sentido, entende-se que com a adoção da medida extrema de recolhimento
involuntário de população em situação de rua para tratamento de uso e abuso do crack
além de ferir o direito constitucional de ir e vir, trata o usuário como objeto de
intervenção e não como seres sujeitos de direitos. Cabe reforçar que a anuência do
usuário é um dos passos primordiais no atendimento e tratamento que se preze um
mínimo de acolhimento.
A utilização desse procedimento atesta a preferência da Prefeitura do Rio em
fomentar o viés repressor, excludente, institucionalizante e disciplinar em detrimento da
garantia, efetividade fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema
Único da Assistência Social (SUAS), além de desconsiderar os aspectos sociais,
políticos, econômicos e culturais que compõem a dinâmica de sofrimento desses
sujeitos expostos as mais variadas violações.
Neste contexto, recentemente foi divulgado que o Governo Federal gastou R$13
milhões em armamentos não letais como pistolas de eletrochoque e spray de pimenta
em espuma para equipar as Polícias Militares nos combates à “cracolândia”, o que só
reforça o enfrentamento via truculência em uma problemática tão delicada. 79
Assim sendo, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura reforça
a implementação das recomendações realizadas no último relatório anual da importância
fundamental de ampliação na rede de serviços de saúde mental e assistência social de
modo intersetorial, descentralizado e territorial. Para tal, faz-se a necessidade, por
exemplo, de ampliação da rede substitutiva de saúde mental
que se anuncia, além
de rejeitar quaisquer propostas que visem estabelecer a lógica manicomial de
instituições totais como “abrigos de internação”.
79
“Governo
Federal
investe
em
arsenal
contra
consumo
de
crack”
http://oglobo.globo.com/pais/governo-federal-investe-em-arsenal-contra-consumo-do-crack10741276#ixzz2kL1QPyns
Disponível
em:
111
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Uma das grandes contradições encontradas é que o maior contingente de pessoas
em situação de rua em tese não teriam quadro de uso e abuso de álcool e outras drogas.
De acordo com o censo realizado pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da
Defensoria Pública divulgado em maio último80, 62% dos entrevistados (778 pessoas)
não faziam uso de drogas, enquanto 68% disseram que sequer fazem uso de álcool.
O processo dos indicativos devem levar em conta a dinâmica das pessoas em
situação de rua, devendo elas, portanto, estarem articuladas com a implementação da
Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto 7053/09)81 que
fundamenta o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro de maio de 2011.
Esse dispositivo, dentre outras medidas estabelece: adequação dos equipamentos
dos serviços socioassistenciais à tipificação nacional dos serviços; adequação a NOBRH/SUAS (Resolução CNAS 269/06) para composição de equipe mínima, garantindo a
realização de concurso público para as diversas áreas; interlocução com o Programa de
Saúde da Família; educação e qualificação profissional articulado com programas de
transferência de renda; criação de programa específico de moradia para população em
situação de rua; abordagem e acolhimento que garanta o respeito à manifestação
voluntária da população adulta, além de garantir espaços para participação destes
usuários nessa política.
III.3.4 - Comunidades Terapêuticas
“Comunidade Terapêutica” é um termo genérico que pode designar um
conjunto de instituições privadas ou filantrópicas surgidas por iniciativa da sociedade
civil para tratamento de usuário de drogas, geralmente de cunho religioso, prevendo
abstinência, isolamento, instituição total, trabalho forçado e uma série de privações
individuais. O projeto de “cura” direcionado para os problemas relativos ao uso de
80
“Censo da população de rua no Rio aponta que 62% não se drogam e 68% não bebem”.
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/17/censo-da-populacao-de-rua-no-rio-aponta-que-62nao-se-drogam-e-68-nao-bebem.htm#comentarios
81
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm
112
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drogas conta, via de regra, com abordagem religiosa. O isolamento do meio social e a
abstinência são pressupostos intrínsecos ao modo de operar de tais instituições.
A questão das Comunidades Terapêuticas tem sido uma temática recorrente na
atualidade principalmente pelo alarde que se tem feito sobre o uso de drogas. Nos
últimos anos as Comunidades Terapêuticas têm sido alvo de inúmeras denúncias por
parte de entidades profissionais, de direitos humanos e movimentos sociais organizados.
No ano de 2011, O Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais em
conjunto com diversos órgãos pelo país realizaram visitas em instituições desta natureza
em 25 UFs cujo relatório82 apontou uma série de violações como maus tratos, estrutura
física precária, violação de correspondência, intolerância religiosa, tortura, humilhações,
punições rígidas a descumprimento de alguma regra estabelecida, dentre outros. O
MEPCT-RJ participou desta inspeção em duas unidades no estado naquele ano.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou uma resolução também em
201183 que dispõe sobre os requisitos sanitários para o funcionamento destas
instituições e no ano passado o Ministério da Saúde lançou um edital84 com incentivo
financeiro para atendimento de pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack e
outras drogas, incluindo as Comunidades Terapêuticas.
Além das graves denúncias de violações, profissionais e movimentos alertam
para os riscos envolvidos no retorno das políticas de financiamento público de entidades
privadas no campo da saúde mental. A presença de interesses diretos por parte de seus
defensores no âmbito parlamentar é de conhecimento público e acentua o alerta.
O processo de transformação da assistência em saúde mental que ficou
conhecido como Reforma Psiquiátrica teve como elemento central a denuncia dos
efeitos da chamada “indústria da loucura”, a alta lucratividade envolvida na manutenção
82
“Inspeção nacional de direitos humanos: locais de internação para usuários de drogas” Disponível em:
http://site.cfp.org.br/publicacao/relatorio-da-4a-inspecao-nacional-de-direitos-humanos-locais-de-internacao-parausuarios-de-drogas-2a-edicao/
83
https://mail
attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=0c489401f1&view=att&th=13d670f5bdc53422&attid=
0.1&disp=inline&safe=1&zw&saduie=AG9B_P9r6T5XWLgaeajVOY0K8EyG&sadet=1365051590489&sads=9hqe
0x_c7IvfkFBox8nLC9z9CwE
84
https://mailattachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=0c489401f1&view=att&th=13d670f5bdc5
3422&attid=0.2&disp=inline&safe=1&zw&saduie=AG9B_P9r6T5XWLgaeajVOY0K8EyG&sadet=1365051593865
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113
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de pessoas internadas por instituições privadas através do recebimento de recursos
públicos. A ênfase na internação e no isolamento como estratégia de cuidado somada à
transferência de recurso público para entidades privadas são alguns dos elementos que
têm levado a valorização das Comunidades Terapêuticas a serem apontadas como um
retrocesso no campo da luta antimanicomial e nas políticas públicas de saúde mental. .
No atual contexto do estado do Rio de Janeiro é importante destacar a criação da
Secretaria de Estado de Prevenção à Dependência Química (SEPREDEQ)85, criação
esta que afirma uma proposta desvinculada das Secretarias de Saúde e Assistência
Social e Direitos Humanos para o desenvolvimento de políticas públicas de cuidado no
que tange ao uso prejudicial de álcool e outras drogas.
De acordo com seu endereço eletrônico, esta secretaria tem como visão:
“Promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos
comportamentos aditivos e a diminuição das dependências químicas¸ por meio da
elaboração, gerenciamento, articulação e fomento de suas estratégias.”.
A nova secretaria será a responsável pela gestão, por exemplo, dos Centros
Regionais de Atendimento a Usuários de Álcool e outras Drogas (CARE-AD),
atualmente exercida pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos
(SEASH/RJ), política pública que na sua execução tem feito convênios com entidades
filantrópicas caracterizadas por serem Comunidades Terapêuticas. A criação da
Secretaria vem acompanhada de um cenário nacional de fortalecimento destas clínicas a
partir de convênios com os estados, como os financiamentos oriundos do Governo
Federal, como parte do programa “Crack, é possível vencer”86, destinando R$ 130
milhões pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) e R$ 100 milhões
pelo Ministério da Saúde.
Vale destacar que é recorrente o discurso de que as Comunidades Terapêuticas
desenvolveram-se “no vácuo do Estado”, diante da suposta ausência de respostas para
os problemas decorrentes do uso de drogas. Cabe questionar, no entanto, o motivo de tal
ausência, uma vez que as políticas públicas de saúde mental formuladas nos marcos da
85
http://www.rj.gov.br/web/sepredeq/exibeconteudo?article-id=1568823
http://www.brasil.gov.br/crackepossivelvencer/programa/cartilha
86
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Reforma Psiquiátrica há tempos desenvolveram propostas de atenção aos usuários de
álcool e outras drogas87. Tais propostas, contudo, muito pouco foram implementadas ao
longo dos últimos anos e a execução dessas políticas através das referidas instituições
não pode ser considerada como concretização da obrigação do Estado em implementar
uma rede efetiva que substitua as internações como primeira opção.
Diante disso, com o escopo de acompanhar de perto a realidade de tais
instituições em nosso estado, o MEPCT em conjunto com diversas instituições
realizaram visitas a estes equipamentos. Trata-se de Comunidades Terapêuticas que
hoje se encontram em processo de adaptação ao “novo” modelo proposto pelo Governo
do Estado. “Antigas” Comunidades Terapêuticas são chamadas agora de Centros
Regionais de atendimento a usuários de álcool e outras drogas (CARE-AD) e passaram
a fazer parte da rede de atenção psicossocial voltada para os usuários de álcool e outras
drogas do estado do Rio de Janeiro.
No entanto, como foi observado nas visitas, apesar dos esforços de adaptação
realizados, a situação verificada nas visitas não parece apresentar diferenças
substanciais em relação ao que existia anteriormente.
Apesar das denúncias relatadas em 2011, o incentivo às Comunidades
Terapêuticas ganham força novamente em 2012, quanto o então Secretário de
Assistência Social e Direitos Humanos do Estado (SEASDH), Rodrigo Neves, lança um
edital88 para seleção de entidades e organizações da assistência social, com objetivo de
formalizar parcerias por meio de convênios para implantação de serviços regionalizados
de atendimento de álcool e outras drogas.
Na ocasião foi destinado um total de R$ 10.368.000,00 (dez milhões, trezentos e
sessenta e oito mil reais) originários da programação orçamentária e financeira da
SEASDH para o ano de 2012. Contudo, a Lei 6011/2011 que em seu artigo 1º instituiu
o PROGRAMA DE APOIO À RECUPERAÇÃO DO DEPENDENTE QUÍMICO no
âmbito da Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos – SEASDH, com
87
Referimo-nos aqui aos Centros de Atenção Psicossocial em todas as suas modalidades (CAPS II e III, CAPSi,
CAPS AD), Centros de Convivência, Consultórios na Rua, Equipes de Saúde da Família, entre outros.
88 88
Edital SEASDH nº 001/2012 – Processo Administrativo E-23/3229/2011;
115
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o objetivo de desenvolver ações, programas e atividades de prevenção, tratamento,
recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas e autorizou a
utilização de recursos do Fundo Estadual de Saúde.
Já o art. 2º diz que para a execução do Programa, as instituições religiosas e da
sociedade civil, sem fins lucrativos, devem atender usuários ou dependentes de drogas,
que poderão receber recursos da Secretaria de Saúde e do FES, Fundo Estadual de
Saúde, condicionados à sua disponibilidade orçamentária e financeira e a observância da
legislação vigente.
Numa tentativa aproximada ao que estabelece a Portaria 131 do Ministério da
Saúde89, que regulamenta as comunidades terapêuticas que recebem verba da Saúde
Mental do Governo Federal, o Edital lançado pela SEASDH em 03 de janeiro de 2012,
estabelece os objetivos e os requisitos de funcionamento dos Centros de Recuperação
para Dependentes Químicos, bem como equipe técnica necessária e as características
dos espaços físicos.
De acordo com o Edital, os serviços terão um caráter complementar à rede de
serviços que integram o Sistema Único de Assistência Social – SUAS e o Sistema
Único - SUS, e que atendam a usuários de álcool e outras drogas no Estado do Rio de
Janeiro. Assim, não poderão, em nenhuma hipótese, substituir a rede pública de serviços
do SUS e SUAS, uma vez que cabe à municipalidade suprir e/ou ampliar, no âmbito de
suas competências, a cobertura da rede de serviços conforme diretrizes das respectivas
políticas de saúde e de assistência social, de acordo com as demandas locais.
Poderiam participar do processo Entidades não governamentais, de natureza
privada, sem fins lucrativos, que atendam a todas as exigências contidas no Edital e seus
anexos, que tenham como finalidade estatutária o atendimento a usuários de álcool e
outras drogas e que estejam qualificadas e regularmente registradas no Conselho
Municipal de Assistência Social e/ou em Conselhos Municipais de Políticas sobre
Drogas - COMADs.
89
O pedido de financiamento deverá ser direcionado à Área Técnica de Saúde Mental do Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (Área Técnica de Saúde Mental
do DAPES/SAS/MS),
116
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Dentre os pontos exigidos no Edital é destaque:
1. integração e reintegração dos usuários à rede de serviços saúde, assistência
social, educação e inclusão produtiva, por meio de encaminhamentos monitorados;
2. atendimento e orientação às famílias visando o fortalecimento de vínculos e
pertencimento social;
3. prestação de orientações fundamentadas nas estratégias de Redução de Danos
àqueles usuários que, por motivos pessoais, não possam ou não consigam ficar em
abstinência e, também àqueles que não se adaptem à metodologia proposta na entidade,
ou que, por outros motivos, não se adaptem ao ambiente institucional e/ou que sejam
desligados do serviço por questões administrativas.
4. A porta de entrada para os serviços deverão ser, prioritária e regularmente,
acessadas por meio Central Estadual Reguladora dos Fluxos e Vagas, que atenderá aos
encaminhamentos feitos pela rede de saúde ou equipes de referência em saúde mental
dos municípios de origem do usuário, ainda que, excepcionalmente, objetivem atender a
demandas judicializadas.
5. Em todos os casos onde o usuário necessite se afastar do convívio familiar e
comunitário, o CREAS e/ou o Centro-pop, ou equipe referenciada da Assistência Social
no município deverá participar da avaliação junto à rede municipal de saúde mental,
indicando, no encaminhamento, qual o serviço do SUAS deverá acolher o usuário
quando do seu desligamento da unidade de atendimento. O mesmo se aplica a usuários
de álcool e outras drogas que já se encontrem em situação de rua.
6.
Caberá a Superintendência de Proteção Social Especial, monitorar
estatisticamente os índices de reinserção dos usuários na rede de serviços SUS/SUAS
quando de seu desligamento do serviço, no retorno do usuário ao município de origem.
7. O tempo de permanência do usuário na unidade de atendimento deve estar
definido no Plano Socioassistencial, este construído com a participação do usuário e em
acordo com o Projeto Terapêutico elaborado pelos serviços de saúde mental
encaminhador.
117
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
III.3.4.1 - Audiência Pública Política de Drogas e Comunidades
Terapêuticas
No dia 11 de junho, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da
ALERJ90, em decorrência das visitas realizadas nas Comunidades Terapêuticas ,
promoveu audiência pública sobre o tema da política estadual de prevenção ao uso
abusivo de álcool e outras drogas. Participaram da audiência, além do MEPCT
representantes do Conselho Regional de Psicologia e do Conselho Regional de Serviço
Social, Ministério Público Estadual, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos, Secretaria de Saúde, através da Área Técnica de Saúde Mental e
Subsecretaria de Estado de Prevenção à Dependência Química.
Com a realização da audiência foi possível questionar à SEASDH se os recursos
oriundos do edital são do Fundo Estadual de Saúde ou da própria Secretaria, além
indagar o motivo pelo qual algumas dessas comunidades terapêuticas funcionarem
dentro de espaços do poder público. Outro pergunta importante diante da falta de
padronização dos métodos e práticas encontradas nas fiscalizações foi sobre quais eram
de fato os critérios objetivos na escolha das respectivas entidades.
De acordo com as informações prestadas pelos representantes da SEASDH no
Edital poderiam se candidatar qualquer entidade da sociedade civil, seja ela filantrópica,
OSCIP ou beneficente, não havendo uma orientação de que fossem entidades religiosas,
mas também não havia proibição. Segundo os representantes de fato há instituições que
têm viés religioso na sua proposta, mas o CARE-AD não tem. Se ocorre, não deveria.
O tratamento, embora existam atividades padronizadas, tentam acompanhar o plano
terapêutico que o serviço de Saúde encaminha. Nenhuma CARE-AD é estruturada para
receber internações involuntárias e/ou compulsórias. O usuário pode sair no momento
que quiser e os recursos são do Fundo Estadual de Saúde. Existem locais que são
alugados pelo Estado, mas o espaço é privado. O Edital abriu a possibilidade de as
90
Cobertura jornalística sobre a audiência: http://www.alerj.rj.gov.br/common/noticia_corpo.asp?num=44837
http://r5vereador.wordpress.com/2013/06/13/poltica-de-drogas-e-comunidades-teraputicas-em-debate-na-alerj/
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instituições apresentarem propostas diferentes, mas há requisitos básicos como as
estruturas físicas e equipe mínima para o seu funcionamento.
Outros questionamentos foram feito à secretaria de Saúde: Qual o valor do
investimento da Rede Saúde? As Comunidades terapêuticas estão previstas na Rede?
Como fiscalizam essas comunidades?
A equipe da Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde informou que as
CARES e os hospitais psiquiátricos não estão previstos na Rede de Saúde Mental da
Secretaria Estadual de Saúde. Quem constitui o projeto terapêutico é o município, e a
SES apoia esse trabalho e que a desinstitucionalização ocupa mais de 50% do serviço. A
intenção da SES é que as CARES não existam. Além disso, a Secretaria Estadual de
Saúde não possui qualquer tipo de rotina de fiscalização das CARES, até porque até o
momento da realização da audiência todas as Comunidades estavam sob competência da
Secretaria de Assistência Social.
Assim a realização da audiência constatou uma contradição na atuação do
Executivo Fluminense. Apesar da equipe técnica de saúde mental não incluir as
Comunidades Terapêuticas na rede de saúde do Estado, indicando a não necessidade da
manutenção desses equipamentos, a criação da Secretaria de Prevenção a Dependência
Química parece não se justificar.
Cabe destacar que fenômeno parecido, o não reconhecido da secretaria de saúde
acerca de instituições totais para tratamento de pessoas com quadro de uso de drogas
como equipamento da saúde mental, foi identificado na ocasião da audiência pública
realizada em 2011 com a Prefeitura do Rio de Janeiro.
III.3.4.2 - Das Inspeções realizadas nas Comunidades Terapêuticas.
As instituições visitadas foram91: o Instituto Aldeia Gideão e a Clínica
Michelle Silveira de Moraes, CREDEQ adultos Care AD Campo Grande com
91
Cabe mencionar que em fevereiro do corrente ano, o MEPCT também inspecionou a Obra Social Nossa Senhora
da Glória – Sítio Liberdade, vinculado à Fazenda Esperança da Igreja Católica no município de Teresópolis. A
referida visita foi motivada por informação veiculada na mídia que pessoas recolhidas na megaoperação na Av.Brasil
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
convênios firmados com a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos (SEASDH/RJ) e o Centro de Recuperação para Dependentes Químicos
Associação Amor & Vida (CREDEQ), conveniado com Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (DEGASE)92.
As fiscalizações das instituições conveniadas com o Governo do Estado do Rio
de Janeiro para a internação de usuários de drogas ajudam a iluminar a realidade das
chamadas Comunidades Terapêuticas e qualificar o debate a respeito das políticas sobre
drogas em nosso estado. Muito pouco se conhece, ainda, a respeito destas instituições
que são chamadas a compor, de modo cada vez mais substancial, o cenário assistencial
no campo do uso problemático de drogas. Desta forma, conhecer de perto essa realidade
é uma necessidade urgente, bem como aprofundar o debate em torno de suas práticas.
Apesar das comunidades terapêuticas conveniadas com o estado do Rio de
Janeiro pela Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos
(SEASDH/RJ) hoje serem renomeadas por parte dos gestores como “CARE AD”, as
visitas realizadas evidenciam que se esta alteração na nomeação denota alguma intenção
de mudança, não representa uma transformação efetiva nas práticas das instituições. A
realidade encontrada nas visitas remete direta e inequivocamente ao universo das
comunidades terapêuticas.
A Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, conhecida como Lei da Reforma
Psiquiátrica, reorienta o modelo assistencial e institui novo marco de cuidado em saúde
mental. É uma conquista fruto de lutas históricas e do acúmulo dos movimentos sociais
no campo da saúde e da assistência social.
Seu artigo 1 o determina que “os direitos e a proteção das pessoas acometidas de
transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de
discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política,
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de
evolução de seu transtorno, ou qualquer outra”.
foram encaminhadas à unidade, fato não confirmado na visita. A referida Fazenda se encontra na zona rural em local
ermo onde a equipe enfrentou dificuldades de localizar o equipamento.
92
.Departamento Geral de Ações Socioeducativas, vinculado à Secretaria de Estado de Educação. O DEGASE
executa as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade de acordo com a Lei 8069/90.
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A internação, segundo a diretriz estabelecida, deve sempre ser considerada como
alternativa última, utilizada apenas no esgotamento dos recursos extra-hospitalares. Nos
casos excepcionais em que ocorrer, a internação também deverá sempre se nortear pelo
fortalecimento e aprofundamento dos vínculos da pessoa com seu meio social, sendo
fundamentais, nesse sentido, portanto, a proximidade com a localidade onde reside e
com os vínculos familiares e comunitários. É vedado, portanto, o afastamento
geográfico, o rompimento dos laços afetivos e a impossibilidade de comunicação livre e
rotineira com familiares e amigos.
A assistência garantida na internação deve ser sempre integral, devendo ser
oferecido atendimento psicossocial (médico, psicológico, de assistência social,
ocupacionais e de lazer - art 4 o, parágrafo 2 o). Não é permitido, dessa forma, que a
internação seja sinônimo de um isolamento das atividades que produzem vida e que
fornecem sentido para um estar bem no mundo. A ausência de um acompanhamento
psicossocial e o desrespeito aos direitos garantidos caracterizam o tratamento como
manicomial e perpetuam perversamente uma lógica asilar no desenvolvimento do
cuidado em saúde mental. O artigo 4
o
da lei é expresso ao vedar essa forma de
tratamento:
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de
transtornos mentais em instituições com características asilares,
ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no §
2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados
no parágrafo único do art. 2o.
No que tange aos aspectos pontuados referentes à Lei 10.216, é importante
destacar que durante as visitas realizadas foram observadas – apesar das
particularidades de cada espaço – de forma comum nas instituições claras e graves
violações aos direitos preconizados. A centralização do tratamento em instituições que
acumulam o atendimento de diversos municípios, a distância do local de origem dos
usuários, o difícil acesso às instituições, a desvinculação dos usuários de sua base
territorial, de seus vínculos afetivos, do convívio familiar e da relação com a rede de
apoio comunitária.
121
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Esta questão foi destacada em todas as equipes de visitas, e reafirmada na fala
dos usuários. A distância e a dificuldade de acesso, somadas as regras rígidas
estipuladas pelas entidades para a entrada dos familiares (quantidade de pessoas
permitidas, dias e horários restritos para visitação, realização de revistas vexatórias)
devem ser consideradas como uma forma de violação do direito à convivência familiar,
além do isolamento e de manutenção de uma abordagem manicomial no tratamento em
saúde mental.
Um segundo aspecto similar em tais comunidades terapêuticas e que se relaciona
intimamente com os anteriores na construção de um tratamento asilar é a restrição aos
meios de comunicação e a não garantia da privacidade no contato dos pacientes com
seus familiares, seja no contato telefônico, seja nas visitas presenciais. Os contatos
telefônicos, como exposto ao longo do relatório, são sempre supervisionados por
funcionários das instituições, sendo restritos a dias e horários específicos (que muitas
vezes coincidem com horários de trabalho e impedem concretamente a comunicação),
com tempo máximo de duração extremamente reduzido, com casos em que as ligações
são permitidas apenas à cobrar. Cabe destacar, que na Clínica Michelle existe regra
estabelecida onde o primeiro contato pode apenas ser realizado após dois dias de
internação. Os contatos através de correspondência escrita, conforme narrado no relato
de visita ao CREDEQ tem sempre sua privacidade violada, sendo monitorado por
funcionários antes da leitura pelo paciente ou do envio aos familiares.
Outros aspectos que remetem para características asilares são a massificação das
atividades e ausência de planos terapêuticos singularizados. A participação compulsória
dos internos em atividades laborativas da rotina das instituições remete a práticas
tradicionais dos velhos manicômios, em que o trabalho era parte substancial do
chamado tratamento moral. O viés moral está presente ainda em outros aspectos das
instituições, como na presença de normas disciplinares, regras e rotinas rígidas, que são
acentuadamente valorizadas e cujo descumprimento pode ocasionar em alguns casos,
inclusive, punições como a alta administrativa. A grave afirmação feita por um
funcionário da Aldeia Gideão de que “banho frio é terapêutico”, remonta a práticas
coercitivas e extremamente moralizantes dos grandes manicômios.
122
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No que diz respeito especificamente ao CREDEQ, por se tratar de instituição
dedicada a crianças e adolescentes, especialmente grave se revela a restrição ao acesso
à educação regular por parte dos estudantes internados , o que pode ocasionar graves
prejuízos ao cumprimento do ano letivo por parte dos internos. Particularmente
preocupante é o fato de, na mesma instituição, muitas internações virem se prolongando
por tempo excessivamente longo, além de ter sido informado a equipe que realizou a
visita que não constam laudo de equipes de saúde que justifiquem a medida de
internação para o tratamento de uso abusivo de álcool e outras drogas.
Cumpre destacar a lógica moral de punição e de recompensa presente na
instituição e afirmada no relato do professor de educação física: no caso de adolescentes
com “posturas rebeldes” há aplicação de punição, assim como para os “bons
comportamentos” são utilizadas formas de recompensa e premiação. Ainda em
situações consideradas graves no comportamento dos internos, há prática de
encaminhamento para unidades policiais.
Um caso que cabe ser destacado se refere a um adolescente de 16 anos que
segundo ele usuário eventual de maconha que havia sido apreendido em casa e
conduzido algemado ao CREDEQ, com ordem judicial para internação. Como nesse
caso, foi possível constatar durante a visita o uso abusivo, violador e desnecessário da
internação como medida de tratamento.
Apesar da mencionada articulação com os serviços de atenção psicossocial,
todas as comunidades visitadas apresentaram características de instituição total. O viés
moral é facilmente percebido, ainda, em todas as instituições visitadas, quando se trata
de temas relativos à sexualidade dos internos. As restrições de contato entre internos de
sexo diferente e a vedação às visitas intimas denotam este viés. Gravidade particular
tem o tratamento diferenciado (“acompanhamento especial”) destinado aos “suspeitos
de homossexualidade”, como ocorre na clínica Michelle, que constituem formas graves
de discriminação.
Da mesma forma, em todas as instituições visitadas foi contatado um viés moral
no tratamento das questões relacionadas à sexualidade dos internos.
123
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Apesar de formalmente negado como parte da abordagem adotada pelas
instituições, o viés religioso se mantém presente nas mesmas, como fica claro nos
relatos. A presença de Bíblias e a impossibilidade de porte de outros livros religiosos
que não este, a rotina de orações anteriormente às refeições, a presença de cultos
(mesmo que não-obrigatórios), contrariam a afirmação de que a presença da religião
não estaria mais instituída como prática, e a diferença religiosa ocasiona no mínimo
constrangimento aos internos.
Além disso, todas as instituições visitadas, sem exceção, têm como base a
metodologia dos 12 passos ou Minesotta, conjunto de técnicas de caráter moral e
religioso, tradicionalmente utilizado pelos Alcoólicos Anônimos, que tem como parte
de suas etapas, por exemplo, o perdão e a realização de um “inventário moral”. Cabe
ressaltar que a metodologia Minesotta é contrária e incompatível com a metodologia
priorizada pela Redução de Danos, estratégia apontada pelo Ministério da Saúde como a
mais adequada para a abordagem ao uso problemático de álcool e outras drogas. A
Redução de Danos tem como pressuposto uma relação não moralizante com o uso de
drogas, partindo do princípio que qualquer usuário tem direito à (e pode se beneficiar
da) abordagem de saúde, mesmo que não deseje interromper o uso. A adicção não é
tomada, portanto, como uma exigência para o cuidado se estabelecer. Fica claro, assim,
que uma clínica que toma como metodologia principal os 12 passos, apenas
retoricamente pode fazer menção à Estratégia de Redução de Danos.
As visitas realizadas nas comunidades terapêuticas conveniadas com o Governo
do Estado do Rio de Janeiro reafirmam, assim, que a “humanização” não é medida
suficiente quando se trata de espaços asilares. Mesmo quando as condições físicas são
relativa e aparentemente adequadas, a violência invisível e mortificante das instituições
totais está presente. Esta é possivelmente a forma de violência mais danosa, e sua
presença é necessariamente contrária à lógica proposta pelas políticas públicas
antimanicomiais de saúde mental que têm como pressupostos a liberdade, a autonomia,
o convívio, o fortalecimento dos laços afetivos e sociais.
124
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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O MEPCT reforça, portanto, a preocupação com a adoção de Comunidades
Terapêuticas como política pública a atender as pessoas em situação de abuso de álcool
e outras drogas.
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III.4 – POLÍTICA CRIMINAL DE SEGURANÇA PÚBLICA: A REPRESSÃO
POLICIAL ÀS MANIFESTAÇÕES POPULARES
III.4.1 – DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES DE JUNHO DE 2013
As manifestações ocorridas no país no mês de junho deste ano representam um
marco na política brasileira expressos em atos na rua pela reinvindicação por direitos
que congregaram sujeitos de orientação política diversa. Embora de caráter difuso e
possibilitar diferentes interpretações, o estopim dos primeiros atos se deu a partir de
protestos contra o aumento na tarifa dos ônibus e política de mobilidade urbana nas
principais capitais brasileiras, sobretudo São Paulo através do Movimento Passe Livre
(MPL).
Tanto pela resposta truculenta da polícia paulista e das respostas autoritárias das
autoridades governamentais com grande exposição na mídia, quanto pelo acirramento
das contradições sociais no momento da Copa das Confederações com gastos públicos
bilionários, a ação das manifestações de rua se multiplicaram pelo país.
As reinvindicações, inicialmente contra o aumento nas passagens nos demais
estados do país, foram ampliadas para a exigência de direitos sociais de qualidade como
saúde, educação, saneamento, segurança pública, transportes públicos com notório
questionamento ao modelo de democracia representativa vigente no país. Tal
questionamento passou por uma franca tentativa de apropriação pela grande mídia, após
a fracassada tentativa inicial de descredenciamento do movimento social e suas
reivindicações. Atingindo seu ápice entre os dias 17 e 20 de junho, milhões de pessoas,
em cerca de 438 municípios foram às ruas protestar, em uma grande onda de
mobilização popular pelo país, relembrando a campanha das Diretas Já e o Fora Collor.
No Rio de Janeiro, em 20 de junho cerca de dois milhões de pessoas se concentraram na
Av. Presidente Vargas no maior ato do país dos últimos tempos.
Outro fator que ficou evidente nos diversos atos do país tem sido a resposta
violenta das autoridades policiais, especialmente às Polícias Militares, contra a
população, no qual se chega a questionar seus papéis no Estado de Direito da Nova
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República. Inúmeras cenas divulgadas tanto pela mídia tradicional quanto pela mídia
independente apresentaram um farto repertório de práticas repressoras de uso indevido e
excessivo da força, tais como: agressões físicas, espancamentos, ameaças, utilização
indiscriminada de gás de pimenta, detenções e prisões arbitrárias, dentre outros.
Considerando as denúncias de detenções arbitrárias e tratamento desumano e
degradante aos manifestantes, o MEPCT, a partir de sua atribuição legal, realizou visitas
às pessoas privadas de liberdade que possuem relação com tal evento histórico.
III.4.2 - Da Repressão Policial às Manifestações
Os confrontos ocorridos durante as manifestações resultaram em alguns
episódios depredação de patrimônio público, bem como ocupações de prédios públicos.
Em alguns casos mais isolados há registros de saques nas cercanias dos atos. Não
obstante, independente da existência ou não de incidentes protagonizados por
manifestantes, a violenta repressão policial é característica marcante em todo o país.
A
contenção
repressiva
das
manifestações
tem
sido
implementada
prioritariamente pela Polícia Militar, contando com a colaboração da Polícia Civil e da
Força Nacional de Segurança. Vale destacar a participação do Batalhão de Choque e do
Batalhão de Operações Especiais (BOPE), fazendo uso de helicópteros, blindados e
fuzis.
A resposta policial em regra tem sido absolutamente desproporcional e muitas
vezes violenta e gratuita, na maioria das vezes precedendo o que vinha sendo
denominado pela mídia como “excesso” por parte dos manifestantes. Prisões arbitrárias
e desnecessárias, truculência e uso abusivo de armas menos letais dão a tônica da
atividade policial na “contenção dos distúrbios civis”.
A utilização indiscriminada de armas menos letais tem aberto um amplo debate
sobre os limites ao uso da força na atividade policial. Há registros de morte de
manifestante que inalaram grande quantidade de gás lacrimogênio e gás de pimenta,
alguns utilizados fora do prazo de validade e com concentração em percentuais acima
do que a legislação brasileira admite. Há ainda inúmeros registros de pessoas atingidas
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por balas de borracha no rosto e outras regiões sensíveis, quando esse recurso, mesmo
utilizado em outras regiões, não deveria sequer ter sido acionado contra manifestações
de movimentos sociais de forma geral.
Vale destacar que a ação policial nos protestos, em muitos casos, não possuía o
escopo de dispersão dos manifestantes, mas almejava encurralar os mesmos e forçá-los
a serem atingidos pelos efeitos do gás de pimenta e gás lacrimogênio. Deixa-nos crer
que o objetivo maior ensejado pelas forças policias era infligir sofrimento aos
manifestantes, de modo a servir ao objetivo pedagógico de convencê-los a não aderir
aos próximos protestos.
Os resultados poderiam ter sido ainda mais graves, diante do pedido do
Comandante da PMERJ para a utilização de armas letais nas manifestações. Como se
trata de circunstância na qual é frequente a exaltação de ânimos de ambas as partes, um
policial municiado de arma letal poderia fazer uso inadequado, evidentemente,
resultando em uma catástrofe. O uso de armas letais na contenção de “distúrbios civis” é
altamente inadequado e contraria recomendação da ONU.
O uso de armas menos letais não foi estendido às manifestações populares
realizadas nas periferias da cidade do Rio de Janeiro. A Polícia Militar do Rio de
Janeiro é conhecida por sua altíssima letalidade, empreendida, sobretudo nas favelas e
demais periferias urbanas. Este habitus letífero confirmou-se na repressão a um dos
protestos, este realizado nas proximidades da Favela da Maré. Após receber denúncia da
prática de furtos na manifestação, a PMERJ deslocou-se para o local, e como em ação
vindicativa, a operação resultou em 10 mortes de civis. É importante observar que,
quando o argumento de combate a um arrastão foi usado contra manifestantes na Barra
da Tijuca, não houve ação de policiais do Bope, nem vítimas fatais, demostrando que há
um tratamento diferenciado na favela e no “asfalto”.
Houve surpresa de parte dos segmentos que aderiram às manifestações diante da
truculência da polícia, no entanto, como destacamos, essa violência que imperou contra
os manifestantes é cotidiana para a população das favelas e periferias da cidade.
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III.4.3 - Das Questões Examinadas nas Visitas
a) A visita do MEPCT/RJ, no mês de junho, se deu no Centro de Socioeducação
Celso de Carvalho Amaral, local de recepção e triagem de adolescentes, na
Penitenciária Alfredo Tranjan e na Cadeia Pública Bandeira Stampa CENSE
Celso de Carvalho Amaral (GCA)
O Cense GCA é um estabelecimento vinculado ao DEGASE (Departamento
Geral de Ações Socioeducativas) destinado à primeira recepção e triagem de
adolescentes para cumprimento de medida socioeducativa de internação provisória.
Estes costumam ficar aproximadamente três dias na unidade.
Na ocasião da inspeção que se deu em 26/07, não havia nenhum adolescente
internado em função de suposta prática de ato infracional, relacionado às manifestações.
A direção apontou um aumento no número de adolescentes apreendido nos últimos
meses, sobretudo na capital e cidades como Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo.
Na inspeção realizada no CENSE GCA, o MEPCT tomou conhecimento de
diversos relatos de apreensão de adolescentes por policiais militares, sendo os mesmos
conduzidos a 5ª Delegacia de Polícia, por diversos atos infracionais análogos a crimes
como porte de artefatos, danos ao patrimônio, formação de quadrilha, inclusive alguns
que se encontravam em situação de rua. Vale destacar que as apreensões se deram na
maioria das vezes sem justificativa legal, visto que a medida de internação deve ser
aplicada em último caso nas situações envolvendo violência e grave ameaça à pessoa.
Importante ressaltar que o número de inserções no sistema socioeducativo foi
consideravelmente reduzidas devido à atuação de advogados que prestaram serviços
voluntários nas unidades policiais, como , por exemplo,
a Comissão de Direitos
Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio
de Janeiro (OAB/RJ), Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública (NUDEDH),
Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH) e Comissão de Direitos Humanos
da ALERJ.
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b) Cadeia Pública Bandeira Stampa
O MEPCT realizou visita no Complexo de Gericinó em 27/06 do corrente ano
em companhia de um representante do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, Sr.
Eduardo. A equipe foi recebida pelo subdiretor Sr. Glauco Gomes.
Os detidos nas manifestações após passar pela delegacia de polícia eram
transferidos para o sistema penitenciário para a Penitenciária Alfredo Tranjan onde se
fazia o primeiro registro e em seguida, em algumas horas, os mesmos eram deslocados
para a Cadeia Pública Bandeira Stampa. Tal fluxo foi determinado pela SEAP em
função do caráter provisório e muito das vezes sem aparente justificativa legal das
detenções.
Segundo relataram os presos, eles teriam sido detidos sob a acusação de terem
participado supostamente de depredação ao patrimônio de uma agência de automóveis.
Os mesmos afirmar que sequer estavam no local, pedindo como forma de prova o
acesso às filmagens do sistema de câmeras do referido estabelecimento. Vale destacar
que a intenção inicial dos manifestantes seria realizar um protesto em frente à Cidade da
Música, destacando a enorme quantidade de recurso público empregado no local e seu
funcionamento.
Embora no ato houvesse a participação de centenas de pessoas de diferentes
origens, as pessoas detidas no ato da Barra da Tijuca, com exceção de um estudante
universitário, são majoritariamente negros e favelados moradores da Cidade de Deus, o
que comprova da seletividade da persecução criminal.
Os detidos na delegacia de Jacarepaguá relataram o trajeto de violência que
sofreram do estado. Primeiramente, foram colocados em um compartimento fechado da
viatura da Polícia Militar após os mesmos terem lançados gás de pimenta. Na própria
delegacia, após a saída de representantes da OAB, os detentos sofreram violência física
e psicológica como tapas e ameaças.
Ao chegar ao Complexo de Gericinó, os apenados relataram que tiveram o seus
cabelos cortados compulsoriamente, além de ouvirem algumas ameaças e xingamentos
do tipo “bando de mendigos”, “Acabou o crime, não tem bandido como antes”, além de
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disferirem tapas e socos nos mesmos. Segundo eles, um dos momentos de maior tensão
foi quando os mesmos ficaram expostos a cachorros da raça pitbull que estavam seguros
em correntes com os agentes, estes diziam aos detidos para não olharem para os
animais, o que podemos entender como uma situação de tortura física e psicológica.
c) Cadeia Pública Juíza Patrícia Acioli
No dia 16 de setembro, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à
Tortura teve reunião com a Subsecretaria de Unidades Prisionais da SEAP. Dentre os
vários temas pautados, foi novamente abordada a questão da prisão de manifestantes
populares.
Na oportunidade, o MEPCT/RJ indagou sobre como passou a ser preconizado o
roteiro de porta de entrada no sistema penitenciário. A SEAP informou que, após a
ativação da Cadeia Pública Juíza Patricia Acioli, inaugurada em 24 de junho de 2013, os
presos recém-ingressos no sistema penitenciário são encaminhados para a referida
unidade, situada em Guaxindiba, São Gonçalo.
Nesta unidade os manifestantes presos podem permanecer custodiados por entre
3 a 10 dias. Após, serão encaminhados para o Presídio Bandeira Stampa, no Complexo
Penitenciário de Gericinó, de modo que não passam mais pela Penitenciária Alfredo
Tranjan.
d) Das Prisões de 15 de Outubro
No dia 15 de outubro, dia do professor, fora realizada grande manifestação
popular no Centro do Rio de Janeiro. Na ocasião, mais de 200 pessoas foram detidas
pelo aparato policial. Ao todo foram 84 manifestantes que tiveram sua prisão mantida,
em sua maioria após detenção realizada nas escadarias da Câmara de Vereadores do Rio
de Janeiro. A operação foi realizada pela Polícia Civil e Militar, contando com a
participação do Choque, do BOPE e da Força Nacional de Segurança.
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Os manifestantes foram conduzidos para várias Delegacias de Polícia: 5ª DP, 12ª
DP, 17ª DP, 25ª DP e 37ª DP. Alguns permaneceram detidos por mais de 8 horas dentro
de ônibus da Polícia Militar, outros foram mantidos em carceragens ou salas muito
pequenas com grande número de pessoas. Há relatos de agressões físicas e verbais
perpetradas por policiais. Os manifestantes relatam ainda que nas Delegacias a
imputação dos crimes supostamente praticados foi altamente arbitrária, baseada apenas
em versões dos policiais que realizaram a prisão em flagrante, sem demonstração de
outro meio de prova. Há registros de ocorrência que imputam aos acusados
praticamente todos os resultados ocasionados após a manifestação. Há relatos
de notas de culpa que foram modificadas por mais de três vezes, visto que os policiais
apresentavam uma versão fictícia, que era rebatida pelo advogado ou pelo acusado.
Os homens adultos foram todos conduzidos para a Cadeia Pública Patrícia Acioli
(Guaxindiba - São Gonçalo) ao longo do dia 16/10/13. Ao todo, ingressaram 61
manifestantes do sexo masculino.. Os mesmos foram visitados pelo MEPCT/RJ e pelo
CEPCT/RJ no dia 16/10/13. Três foram libertados neste mesmo dia.
Na madrugada do dia 18/10/13, os manifestantes do sexo masculino foram
transferidos pela SEAP para a Cadeia Pública Bandeira Estampa (Bangu 9). Na unidade
também foram mantidos em galeria separada. O Mecanismo e o Comitê realizaram
visita no dia 18/10/13 e constatou que os manifestantes estavam bem fisicamente. Há
relatos de uso excessivo da força no transporte entre as unidades realizado pelo Serviço
de Operações Especiais (SOE). No mesmo dia foi cumprido o alvará de soltura de todos
os manifestantes que tiveram registro de ocorrência lavrado na 37ª DP.
Vale destacar que neste transporte todos os manifestantes relataram ter sofrido
agressões físicas e verbais por parte dos agentes do SOE. Ao chegarem na Cadeia
Pública Bandeira Stampa alguns manifestantes foram agredidos nas mãos com uma
grande palmatória de madeira ao saírem da viatura. Relataram ainda que tiveram que
aguardar demoradamente no pátio da unidade, antes de ingressarem na cela. Neste
momento dois presos manifestantes solicitaram ir ao banheiro, pedido este que foi
negado pelos agentes em comando, mesmo sendo certo que o banheiro mais próximo
distava poucos metros. Um dos presos não suportou o aguardo e veio a fazer
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necessidades fisiológicas diante dos demais. Após, fora humilhado publicamente pelos
agentes e obrigado a limpar o chão.
Três manifestantes do sexo feminino foram mantidas presas e conduzidas à
Penitenciária Joaquim Ferreira de Souza, no Complexo de Gericinó. O Mecanismo e o
Comitê realizaram visita no dia 18/10/13 e constatou que os manifestantes estavam bem
fisicamente, apesar de apresentar relatos de agressões verbais. Do mesmo modo, foram
mantidas em cela separada das demais internas, pelas razões já expostas.
Dos adolescentes apreendidos na manifestação, 18 foram conduzidos à unidade
CENSE GCA, vinculada ao DEGASE. Os adolescentes foram conduzidos algemados.
O Mecanismo e o Comitê realizaram visita em 17/10 e constataram que foram alocados
em alojamento junto com outros adolescentes e depois separados em alojamento
específico. Todas as pessoas recolhidas relataram que foram detidas em situações
arbitrárias e sofreram agressões físicas e verbais, na hora da prisão. O Mecanismo, com
o objetivo de coibir a prática da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
ou degradantes, reafirmam a preocupação com a realização de prisões de natureza
desnecessária, ilegal ou arbitrária, bem como perpetradas por motivações políticas e
ideológicas.
III.4.4 – Considerações sobre as prisões nas manifestações
No Rio de Janeiro, especialmente, os atos públicos receberam grande apoio de
advogados, seja disponibilizados pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ,
integrantes de organizações não governamentais, como o Instituto de Defensores de
Direitos Humanos ou ainda advogados voluntários reunidos em torno do grupo Habeas
Corpus-RJ, criado para oferecer assistência jurídica em solidariedade aos manifestantes
atingidos pelo arbítrio policial.
A atuação de tais advogados centrava-se na contenção do poder punitivo estatal,
em defesa das liberdades democráticas, como a livre manifestação de pensamento,
consagrada pela Constituição da República em seu art. 5º, inciso XVI, da Constituição
da República. É papel das autoridades públicas assegurar o direito de reunião,
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harmonizando-o do melhor modo com outros direitos individuais como o direito de
locomoção e o direito à integridade física. As manifestações populares colocam em
colisão tais garantias constitucionais, de modo que cabe ao Estado e a seus agentes,
nessas situações limítrofes, harmonizar da maneira mais eficaz os direitos fundamentais,
como corolário indispensável ao exercício da democracia.
A repressão policial nos protestos tem apresentado capitulações altamente
arbitrárias no intuito de tentar tipificar condutas dos manifestantes. Inúmeras detenções
arbitrárias foram perpetradas, desconsiderando por completo o art. 301 do Código de
Processo Penal, acerca da prisão em flagrante, visto que impossível configurar o
flagrante delito sem justa causa, diante da ausência de indícios de autoria e prova da
materialidade do crime. Houve inúmeros registros, inclusive divulgados por parte da
mídia, da tentativa de policiais forjarem flagrantes na ocasião da abordagem de
manifestantes.
Dentre o vasto rol, foram observadas prisões por crimes de dano, seja ao
patrimônio privado (art. 163 CP) ou público (art. 163, § único, III CP), - sem qualquer
prova - formação de quadrilha (art. 288 CP) – mesmo entre pessoas que sequer se
conheciam, corrupção de menores (Art. 244 B do ECA), tentativa de lesão corporal (art.
129 CP c/c art. 14, II CP), desacato (art. 331 CP), resistência (art. 329 CP), incitação ao
crime (art. 286 CP), apologia ao crime (art. 287 CP), dentre outros.
O altíssimo grau de arbítrio na atuação da persecução criminal rasga as garantias
penais e processuais penais inarredáveis a qualquer cidadão, dando ensejo à
materialização do sistema inquisitório, em sobreposição ao sistema acusatório
preconizado pela Carta Política de 1988.
A repressão às manifestações populares dá ensejo ainda há dispositivos legais de
exceção, como a tentativa de imputação das condutas dos ativistas nos artigos da Lei de
Organizações Criminosas (Lei Nº 12.850/13), que entrou em vigor em outubro do
presente ano. A Ordem dos Advogados do Brasil recentemente manifestou o
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entendimento de que configura uma “aberração jurídica” a utilização de tal dispositivo
legal com o intuito de reprimir legítimos protestos populares93.
Na esteira da criminalização das manifestações, no dia 22 de julho de 2013, o
Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho baixou o decreto nº
44.302. Dentre outras disposições, o decreto constitui a CEIV, Comissão Especial de
Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, criada após a onda de
protestos nas ruas do Rio. Segundo o art. 2º do decreto:
“Art. 2º - Caberá à CEIV tomar todas as providências
necessárias à realização da investigação da prática de atos de
vandalismo, podendo requisitar informações, realizar
diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de
procedimentos criminais com a finalidade de punição de atos
ilícitos praticados no âmbito de manifestações públicas.”
Ademais, o referido dispositivo legal de exceção exige que as empresas de
telefonia e internet entreguem informações de usuários suspeitos de envolvimento com
os protestos. Diz trecho do decreto publicado: "As empresas operadoras de Telefonia e
Provedores de internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos
de informações da CEIV".
No entendimento da OAB, o conteúdo do decreto carece de constitucionalidade.
"A Constituição Federal assegura a inviolabilidade das comunicações entre pessoas.
Não tenho a menor dúvida em afirmar que o decreto é flagrantemente inconstitucional",
salientou Marcus Vinícius Furtado, Presidente da OAB. "Apenas a Justiça detém o
poder de determinar a quebra do sigilo", ressaltou.
Diante da repercussão negativa, o Governador decidiu baixar novo Decreto, que
vai revogar o anterior, fazendo principalmente duas alterações. Primeiro, ao tratar das
competências da Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em
Manifestações Públicas, ressalta que “observar-se-á a reserva de jurisdição exigida para
os casos que envolvam quebra de sigilo”. A outra alteração é na menção específica a
teles e provedores. O primeiro Decreto dizia que “as empresas Operadoras de Telefonia
93
http://oglobo.globo.com/rio/uso-da-lei-das-organizacoes-criminosas-aberracao-diz-oab-10414045
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
e Provedores de Internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos
de informações da CEIV”. O novo texto não faz mais citação expressa a prazo
determinado.
Convém destacar que invariavelmente, os discursos de manutenção da ordem
que buscam deslegitimar as grandes mobilizações em curso buscam atribuir aos
manifestantes a pecha de” vândalos” e” baderneiros”. Ademais, sempre que há excessos
no uso da força policial, afirma-se que houve confronto com os policiais.
De igual sorte, doutrinas jurídico-penais, como o “Direito Penal do Inimigo”,
“Direito Penal de Emergência”, “Tolerância Zero” e “Movimento de Lei e Ordem”, que
embasam a repressão arbitrária a cidadãos que exercem seu constitucional direito à livre
manifestação de pensamento, não condizem com os preceitos basilares do Estado
Democrático de Direito.
A partir das ações neste tema, O MEPCT observou uso excessivo da força,
truculência e arbítrio das forças policiais durante as manifestações populares conferindo
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. O MEPCT manifesta
extrema preocupação com a manutenção destas práticas pela Segurança Pública visto
que a possibilidade de novas manifestações no próximo ano é relativamente alta,
especialmente nos megaeventos como a Copa do Mundo de Futebol.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
IV – CASOS EMBLEMÁTICOS DE TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS
OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES
IV.1 – Casos emblemáticos
Seguindo o entendimento de que muito embora não seja possível mensurar casos
de maus tratos e tortura e hierarquiza-los como emblemáticos ou não, o Mecanismo traz
alguns graves episódios de violações de Direitos Humanos que ocorreram ao longo de
2013 como uma síntese da dinâmica dos espaços de privação de liberdade ou em
espaços análogos.
a) Punição Coletiva no Instituto Penal Vicente Piragibe/SEAP, 05.02.13
Em 03 de fevereiro de 2013, 31 presos fugiram do Instituto Penal Vicente
Piragibe pelo esgoto da unidade. Eles escaparam através de uma saída
localizada em um prédio anexo reservado para o lazer das crianças que
vinham visitar seus pais. Ainda no domingo, 04 presos foram recapturados
na área do Complexo de Gericinó e levados para a Penitenciária Laércio
Costa Pellegrino, mais conhecida como Bangu I - presídio de segurança
máxima.
Em resposta a fuga a direção da unidade determinou que todos os internos
ficassem isolados em suas celas, não tendo a possibilidade de circular pelas
galerias e pelo pátio. Os internos afirmaram ainda que apesar de terem ficado
expostos a chuva durante o “confere” realizado no dia da fuga, momento no
qual se investigava se haviam sido presos do IPVP que haviam fugido, não
houve agressões físicas aos internos após a confirmação da fuga.
O IPVP abrigava neste momento 2617 presos, ou seja, encontrava-se em
uma situação de superlotação. O benefício concedido pela SEAP de
circulação nas galerias e no pátio, é fundamental para minimizar a situação
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precária em que se encontram os presos, a direção da unidade prisional não
pode naturalizar a violação à Lei de Execuções Penais que determina em seu
artigo 45 que a aplicação da sanção não violará a integridade física ou
psíquica do preso e da presa, cabendo ressaltar o parágrafo terceiro que
expressa terminantemente proibidas as sanções coletivas.
b) Incêndio no Educandário Santo Expedito/DEGASE 07.04.13
No dia 07 de abril alguns adolescentes solicitaram atendimento médico de
emergência com o suposto intuito de evadir da unidade durante o traslado.
Como não lograram êxito na tentativa de fuga os adolescentes atearam fogo
em alguns dos alojamentos. O fogo foi controlado pelos agentes
socioeducadores minutos depois. O MEPCT esteve na unidade e pôde
observar o estado dos alojamentos após o incidente.
Os adolescentes foram encaminhados para delegacia como consta no
Registro de Ocorrência n 34-04349\2013. No dia 08 de abril houve um novo
incêndio na unidade envolvendo número bem maior de adolescentes, todos
foram encaminhados para unidade policial no Registro de Ocorrência n 03404402\2013.
O MEPCT realizou atendimento aos adolescentes que participaram do
incidente e permaneceram na unidade. Foi percebido condições precárias
neste módulo como lâmpadas quebradas e queimadas, inclusive no corredor
que dá acesso. O MEPCT/RJ pôde constar que estes adolescentes se
encontravam num alojamento sem luz sem colchão. Eles reclamaram da
exposição do frio à noite, inclusive um deles que afirmou possuir uma
prótese na perna, sentia dor no local.
Chamou atenção da equipe um adolescente que apresentava um ferimento na
orelha decorrente do incêndio e até aquele momento não havia recebido
atendimento. Além disso, afirmaram que haviam ficado sem almoço. Após
intervenção junto à direção, foram disponibilizados colchões e a fornecida a
138
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listagem para atendimento médico. O MEPCT/RJ entende o fato como uma
forma de extensão da punição para os adolescestes que participaram do
incêndio, aplicada de forma discricionária e arbitrária sem nenhum
fundamento legal.
Este tipo de intervenção tem sido recorrente no DEGASE, sobretudo como
resposta a alguma situação de grave desentendimento envolvendo os
adolescentes e os socioeducadores. A situação se agrava quando não se tem
notícia acerca de responsabilização dos agressores.
Os adolescentes foram uníssonos em afirmar que o que motivou o incêndio
foi as agressão verbais dos agentes utilizados para com eles e o tratamento
cotidiano destinado aos adolescentes no ESE, além de diversos relatos
acerca de agressões verbais com os seus familiares. Segundo eles, tais
fatores geram um elevado clima de intranquilidade na unidade.
Foi relatado também do uso reiterado de agressões físicas como tapas no
rosto e utilização discricionária de spray de pimenta sobretudo pelos
socioeducadores, relatando algumas situações em que o gás lacrimogênio é
jogado em alojamentos com adolescentes trancados.
c) Sessão de Espancamento – Escola José Luís Alves/DEGASE 04.05.13.
Na noite do sábado 04 de maio de 2013 ocorreu uma tentativa fuga na
Escola João Luís Alves e durante esta tentativa alguns adolescentes teria
agredido um dos socioeducadores. Em 07 de maio à noite o Mecanismo de
Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT) realizou uma visita em conjunto
com as Defensoras Públicas da Infância e Juventude. Nesta ocasião, quatro
adolescentes que seriam responsáveis pela agressão ao agente socioeducador
contaram que no sábado, minutos antes da visita, haviam passado por uma
sessão de espancamento, mostrando escoriações à equipe visitante, inclusive.
Os quatro adolescentes foram levados para a 21º Delegacia Policial
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
(Bonsucesso) na madrugada do dia 08 de maio e encaminhados para exame
de corpo de delito.
d) Caso “Bailarina” – Centro de Socioeducação Professor Antônio
Carlos Gomes da Costa/DEGASE, 06. 05. 13.
Em 06 de maio durante uma visita de rotina ao Cense Prof. Antônio Carlos,
unidade de internação destinada as adolescentes mulheres, o Mecanismo foi
surpreendido com a notícia que uma adolescente de 17 anos havia sofrido
agressão, tendo sido algemada a uma grade, ficando somente com roupas
íntimas e na ponta dos pés, a posição de tortura chamada de “bailarina”. O
fato teria ocorrido em 02 de maio e até o momento da visita a jovem não
havia sido encaminhada para realização de exame de corpo de delito. A
adolescente só foi encaminhada para unidade policial após a visita do
MEPCT, caracterizando um quadro grave de omissão por parte da direção da
unidade. O registro de ocorrência foi registrado na 37ª Delegacia de Polícia
na Ilha do Governador.
Foi relatado que há uma prática institucionalizada de utilização
indiscriminada de algemas como forma autoritária de punição com as
adolescentes. Seria comum algemar as adolescentes nos alojamentos junto a
uma grade onde entra iluminação natural consistindo em esticar o corpo e o
braço das mesmas, denominando “bailarina”. Outro fator que chamou
atenção do MEPCT é o elevador número de agentes socioeducadores do
sexo masculino e os relatos de agressões praticados pelos mesmos na
referida unidade.
e) Caso Amarildo/Polícia Militar, 14.07.13
Entre os dias 13 e 14 de julho de 2013, uma operação policial denominada
de Paz Armada mobilizou 300 policiais na Favela da Rocinha. A ação
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ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
prendeu suspeitos sem antecedentes criminais, logo depois de um arrastão
ocorrido nas proximidades da favela. Mais de 30 pessoas foram presas, entre
elas Amarildo Dias de Souza, ajudante de pedreiro. Amarildo (43 anos),
havia acabado de voltar de uma pescaria e fora detido e conduzido por
policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha na
noite do dia 14. Desde sua condução para averiguação, não se conhece o
paradeiro de Amarildo.
Seu desaparecimento ganhou repercussão internacional e tornou-se símbolo
de casos de abuso de autoridade e violência policial, recebendo grande
solidariedade das manifestações populares em ebulição no Rio de Janeiro. O
caso figura como um dos principais destaques da campanha da OAB-RJ pela
elucidação dos crimes cometidos contra os desaparecidos da democracia.
Segundo a versão da polícia, os PMs teriam confundido Amarildo com um
traficante de drogas com mandado de prisão expedido pela Justiça.
Curiosamente, na noite em que foi detido, duas câmeras diante da UPP
tiveram problemas e o GPS dos carros de polícia estavam desligados.
Responsável pelas duas câmeras da UPP, a Emive constatou que elas
estavam queimadas e alegou que falhas são frequentes em redes elétricas
instáveis. No entanto, das 84 câmeras na Rocinha, apenas as da UPP
apresentaram problemas naquela noite.
A polícia civil foi informada de que um corpo tinha sido encontrado na
comunidade da Rocinha e os agentes foram procurá-lo, mas constataram que
não era de Amarildo. As investigações prosseguiram e a partir da atuação do
Ministério Público fora constatado que policiais militares torturaram
Amarildo nas instalações da UPP. Após seu corpo foi desovado. Foi ainda
constatado que policiais ocultaram e forjaram provas. Ao todo 25 policiais
foram denunciados, dos quais 13 tiveram a decretação da prisão preventiva.
Dentre os crimes imputados constam tortura, ocultação de cadáver, formação
de quadrilha e fraude processual.
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
O Delegado Orlando Zaccone, então titular da 15ª Delegacia de Polícia
(Gávea) foi peça chave na condução das investigações que chegaram à
conclusão da participação de policiais militares no crime. Segundo Zaccone,
a investigação inicalmente conduzida pela Polícia Militar intentou atribuir a
Amarildo a imagem de associado ao tráfico de drogas. “Até Amarildo
desaparecer, ele não tinha relação nenhuma com associação ao tráfico.
Quando Amarildo desaparece, começam a surgir algumas coisas
misteriosamente”. Após as conclusões do inquérito policial, Zaccone foi
inexplicavelmente transferido pela Chefia da Polícia Civil para a 31ª
Delegacia de Polícia, situada em Ricardo de Albuquerque.
O caso Amarildo põe em xeque a suposta mudança de paradigma da política
de segurança pública trazida pelas UPPs. Trata-se de um caso exemplar que
revela que violações gravíssimas de direitos fundamentais permanecem
sendo perpetradas por agentes policiais mesmo nas instalações das chamadas
Unidades de Polícia Pacificadora.
f) Central Taiguara / Secretaria Municipal de Assistência Social, 06.13.
No âmbito do acolhimento institucional de crianças e adolescentes as
Centrais de Recepção são, geralmente, considerados como porta de entrada
do acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Rio de Janeiro.
As duas Centrais de Recepção se situam na região do Centro da cidade:
Central de Recepção Taiguara, próxima à Lapa atendendo crianças e
adolescentes do sexo feminino e crianças do sexo masculino; Central de
Recepção Adhemar Ferreira de Barros, recebendo adolescentes do sexo
masculino.
Em junho deste ano, o MEPCT acompanhou um caso de crianças e
adolescentes que haviam sofrido agressões físicas de educadores, inclusive
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
com utilização de choque elétrico na Central Taiguara94. Um deles chegou a
afirmar ter recebido choque elétrico nas nádegas, depois de ter ocorrido um
episódio em que um celular de uma das psicólogas ter sido furtado no
interior da unidade. Segundo os jovens, o aparelho de choque é utilizado
como forma de ameaça, assim como tapas na cara, chutes e chineladas.
Na ocasião, os educadores que participaram do episódio foram afastados e
respondem a processo judicial.
g) Esquartejamento em Campos/SEAP, 31.07.13
Marcos de Souza Silva foi esquartejado no Presídio Carlos Tinoco da
Fonseca, localizado em Campos dos Goytacazes, no dia 31 de julho. O
interno foi barbaramente torturado no interior do pavilhão II na galeria C.
Segundo divulgado pela imprensa os funcionários teriam dito que o local “é
de difícil visualização”. O preso foi espancado, teve as duas orelhas cortadas,
os testículos arrancados e foi empalado com um pedaço de madeira. A
motivação para o esquartejamento do interno pelos outros presos teria sido
seu envolvimento no abuso e morte de uma garota de 2 anos de idade.
A 128ª Delegacia de Polícia responsável pelas investigações da morte da
menina divulgou no dia anterior para a imprensa que exames de D.N.A.
teriam confirmado que a autoria teria sido de Marcos Silva. Neste momento
a vítima já se encontrava presa na unidade prisional devido a outro delito,
por isso, justificou a SEAP, encontrava-se na convivência com o coletivo.
A ocorrência foi registrada na 146ª Delegacia de Polícia, RO n° 1460320/2013. Chama atenção que muito embora os agentes penitenciários
tenham dito que o local onde ocorreu a morte fosse de difícil visibilidade,
muitos configuram como testemunha do homicídio.
94
“Denúncia de choques elétricos em abrigo do Rio são investigadas”. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-dejaneiro/noticia/2013/05/denuncias-de-choques-eletricos-em-abrigo-do-rio-sao-investigadas.html
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
A integridade física, psíquica e a vida do interno é de total responsabilidade
do Estado, sendo portanto, tarefa da Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária além da custódia do preso, zelar por sua vida. É inadmissível
que fatos como esse aconteçam no interior de uma unidade prisional com
suposta vigilância de 24 horas sobre seus internos.
h) Idosa Encarcerada – Penitenciária Talavera Bruce/SEAP, 30.08.13
Durante visita realizada em 30 de agosto na Penitenciária Talavera Bruce,
destinada a custódia de presas mulheres, os membros do Mecanismo
encontraram uma senhora que afirmou ter nascido em 1934, ou seja, uma
idosa de 79 anos. A sra. Anete Machado Braga se disse oriunda do interior
do estado, mas não tinha muita certeza sobre o que falava, demonstrou não
ter consciência de sua atual condição, nem de que delito teria cometido. A
diretora da unidade disse que ela teria cometido um homicídio há muitos
anos atrás.
Segundo andamento processual de n° 0196056-47.2013.8.19.0001, Anete
Braga é oriunda de Miguel Pereira e em 29 de janeiro de 2013 foi
sentenciada a 20 anos em regime fechado por cometer um homicídio
qualificado. Neste momento, aos 79 anos, ela já cumpriu pouco mais de 3
anos da sua pena.
Decisões de Tribunais de Justiça dão conta de que: “(...) O fato de o Paciente
ser pessoa idosa, com mais de 70 (setenta) anos, pode agravar o seu estado
de saúde, o que possibilita o seu recolhimento em residência particular, nos
moldes do art. 117, I, da Lei nº 7.210/84. Ordem concedida em parte, à
unanimidade.” (TJES, HC 100040001073, Rel. Alemer Ferraz Moulin,
Primeira Câmara Criminal – p. 7.6.2004).”95
95
Decisões precedentes: STF, HC 86.320-SP; STF, HC 84.909-MG; STF, HC 71.811-SP; STJ, REsp
951.510-DF; STJ, HC 104.557-RS; STJ, REsp 628.652-RJ; STJ, REsp 624.988-RJ; STJ, REsp 662.958RS.
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De acordo com as informações apuradas no andamento processual da idosa,
esta poderia perfeitamente está cumprindo pena em regime domiciliar, sua
permanência na Penitenciária Talavera Bruce é uma grave violação aos
direitos de Anete Braga.
i) Morte
de
“Dudu
da
Rocinha”
–
Instituto
Penal
Vicente
Piragibe/SEAP 09.07.13
Eduíno Eustáquio de Araújo Filho, o “Dudu da Rocinha” foi encontrado
morto no Instituto Penal Vicente Piragibe na manhã do dia 08 de julho. A
Delegacia de Homicídio foi chamada para averiguar o episódio, a polícia
trabalha com a possibilidade de homicídio, mas também de um suicídio.
O Mecanismo esteve no Instituto Médico Legal para obter informações junto
aos familiares e médicos legistas. A perícia apresentada não fez menção a
sinais de espancamento, a causa morte foi estrangulamento.
Segundo informações da Subsecretaria de Administração Penitenciária uma
sindicância foi instaurada para apurar a morte.
Casos de estrangulamento não são raros no sistema penitenciário carioca,
para além de averiguar se foi homicídio ou suicídio, a SEAP tem
responsabilidade pela vida e integridade física e psíquica de seu preso,
devendo resguardá-lo sobre qualquer hipótese.
j) Caso Andreu Luís Silva Carvalho – Instituto Padre Severino
/DEGASE, 01.01.08.
No dia 01 de janeiro de 2008, deu entrada no Centro de Triagem e Recepção
o adolescente Andreu Luís Silva de Carvalho juntamente com os
adolescentes L.F.S. e F.L.S., em virtude da suposta prática de ato infracional
145
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análogo ao crime de roubo. Neste mesmo dia, o adolescente Andreu veio a
falecer, no Hospital Paulino Werneck, após uma série de agressões sofridas,
por parte de agentes disciplinares do DEGASE. Em virtude de tal fato, foi
instaurado
procedimento
de
sindicância
n°
E-12/650003/08,
pela
Corregedoria do DEGASE, para apurar possíveis irregularidades no Centro
de Triagem e Recepção, bem como aberto o inquérito policial n°
037.00005/2008, na 37ª Delegacia de Polícia Civil, na Ilha do Governador,
para investigar o crime de homicídio.
A sindicância foi concluída em sem que nenhum agente socioeducador fosse
responsabilizado pela morte do adolescente.
A denúncia foi proposta no dia 30 de maio de 2011, três anos após a morte
de Andreu de Carvalho. Até o presente momento, houve apenas uma
audiência em que foram ouvidas as testemunhas Deize de Carvalho, Mãe de
Andreu e o diretor do Centro de Triagem (CTR) na época. Uma segunda
audiência foi marcada para fevereiro de 2013, mas foi adiada para setembro.
Em setembro, a juíza da 4ª Vara Criminal do Tribunal do Júri estava de
licença, devendo um juiz de outra Vara realizar a ouvidas das testemunhas.
Com duas Varas em acumulação, o juiz em exercício optou por adiar
novamente, sendo remarcada para fevereiro de 2014.
Devido a pressão realizada pela assistência de acusação, a juíza titular, já de
volta de sua licença, aceita a argumentação e remarca a audiência para o dia
11 de dezembro de 2013.
Cabe ressaltar que o processo ainda está na primeira fase no que se refere aos
seus procedimentos, os réus não foram se quer pronunciados, podendo haver
portanto uma decisão negativa sobre o julgamento dos agentes.
O Caso em questão é um exemplo de como casos de tortura e maus tratos
são conduzidos de forma a protelar sua resolução e não responsabilizar os
agentes agressores por seus atos. O Mecanismo tem monitorado o
andamento do caso estando presente as audiências marcadas ao longo deste
146
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
ano, aguarda-se que a próxima audiência possa efetivamente trazer
elementos para o julgamento dos responsáveis.
k) Hospital
de
Custódia
e
Tratamento
Psiquiátrico
Heitor
Carrilho/SEAP, 2013.
Em dezembro de 2012 o MEPCT/RJ apresentou um Relatório Temático no
qual apresentava uma análise sobre o acesso à saúde nos sistema prisional do
estado do Rio de Janeiro. Os Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico, também chamados de Manicômios Judiciário, foram visitados.
Em outubro de 2012 a direção já informara que o HCTP não mais receberia
pacientes. Do total de pacientes, 80 já estavam em processo de
desinstitucionalização e 11 ainda cumpriam seus últimos meses de medida
de segurança. Recentemente uma pesquisa da Universidade Federal do Rio
de Janeiro apontou que ainda existem 70 pacientes no Heitor Carrilho que já
podiam estar desligados do Hospital, em liberdade.
Dentre os pacientes há casos de pessoas que já podia estar em liberdade há
pelo menos 20 anos, mas foram esquecidas por suas famílias u não
conseguem ser inseridas nos equipamentos extra hospitalares do seu
município de origem.
Assim como no sistema prisional, a “porta de saída” daqueles que cumprem
medidas de segurança opera em uma proporção muito menos que a entrada.
Há que se implementar a rede substitutiva aos manicômios facilitando e
acelerando o projeto de desinstitucionalização, das pessoas com transtorno
psíquico que já cumpriram sua medida de segurança.
l) Espancamento no CAI Baixada/DEGASE, 25.11.13
O Mecanismo recebeu informações que adolescentes estariam gravemente
machucados no Cai Baixada. Durante a inspeção realizada foi relatado que
147
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
na tarde de 25 de novembro, após uma briga entre dezenas de adolescentes, a
direção do CAI Baixada acionou a Polícia Militar através do 39º Batalhão de
Polícia Militar. Segundo relato, cerca de 07 policiais fardados espancaram
dezenas de adolescentes com emprego de barras de ferro e madeira, além de
utilização de spray de pimenta. Um tiro de fuzil também foi disparado.
A equipe visitante pôde observar dezenas de adolescentes apresentando
hematomas e ferimentos graves decorrentes do uso excessivo da força,
um deles apresentava uma ferida com a marca de um coturno utilizado
pela PM. Cabe destacar que segundo relato, socioeducadores da unidade
também participaram das sessões de espancamento.
Durante a visita em apreço, membros da Coordenadoria de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA) também conversaram
com 19 adolescentes e tomaram termo de declaração dos mesmos,
encaminhando-os em seguida para a delegacia de polícia e, posteriormente,
ao Instituto Médico Legal para realização de perícia técnica.
Os adolescentes que apresentavam feridas visivelmente mais graves se
encontravam em alojamentos de uma galeria denominada “triagem” que
apresentavam as piores condições da unidade.
A situação de violência institucional no CAI Baixada tem sido algo
recorrente já observado pelo MEPCT, conforme as inspeções realizadas em
agosto de 2011 e outubro de 2012 em que nas referidas ocasiões foram
relatadas sessões de espancamento.
m) Morte na Casa de Custódia Milton Dias/SEAP, 13.08.13
O MEPCT/RJ recebeu ofício do Instituto de Cultura e Consciência Negra
Nelson Mandela, relatando que no dia 13 de agosto, Cassiano Rodrigues de
Castro, 18 anos, foi encontrado morto na Casa de Custódia Milton Dias,
localizada no Complexo de Japeri.
148
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Segundo a direção da unidade o interno teria pedido seguro após uma briga
durante um jogo de futebol com outros internos durante o fim de semana. E
teria sido encontrado morto em sua cela no seguro, o que denotaria um
possível suicídio. A causa morte foi asfixia mecânica, por enforcamento.
Informações trazidas pelos familiares acrescentam que na verdade o
desentendimento de Cassiano teria sido com um dos agentes e não com um
outro interno. Questionada sobre essa possibilidade a SEAP disse não haver
o pedido por escrito do preso sobre sua transferência para o seguro devido a
conflito com outros presos.
n) Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA)
A Unidade de Reinserção Social Rio Acolhedor (RA) é um equipamento da
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro situado
no bairro de Paciência (zona oeste)- cerca de 2h do Centro- destinada a
acolher população unissex em situação de rua. Tem sido a porta de entrada
nas ocasiões de recolhimento compulsório de supostos usuários de crack.
Dentre as diversas questões encontradas na referida unidade que abriga
centenas de pessoas, podemos destacar: localização de grande distância das
regiões centrais da cidade, impondo dificuldades na obtenção de emprego e
renda, o que poderia denotar a uma situação de isolamento geográfico, visto
que a grande maioria habita áreas bem distantes; situação de risco e
instabilidade uma vez que fica situado entre duas áreas- uma dominada pelo
tráfico e outra pela milícia- em que os confrontos são constantes, geradora de
uma situação de instabilidade generalizada entre os profissionais e usuários
(numa visita, um membro do MEPCT foi abordado por um indivíduo
portanto arma de fogo); relatos de situações de intimidação, desaparecimento
e violência nas abordagens de rua conforme relatado na ACP do Ministério
Público.
149
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Há, portanto, uma incompatibilidade da permanência do RA, bem como as
ações de recolhimento de pessoas supostamente usuárias de drogas com os
direitos humanos das pessoas em situação de rua expressos especialmente no
Decreto Presidencial Nº 7053/2009.
150
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
V – CONCLUSÃO
Sabemos que a tortura está marcada no processo de formação do Estado
brasileiro, processo este com fortes traços de autoritarismo, repressão e violência
especialmente contra a população pobre e os seus movimentos insurgentes. Não
bastassem o extermínio das populações indígenas e os quatrocentos anos de escravidão
dos negros, no século XX a tortura passa a ser política de Estado praticada contra os
seus opositores, especialmente nas ditaduras.
Podemos afirmar que o Estado brasileiro só avançou no enfretamento da tortura
após a aprovação da Constituição de 88, na qual, inclusive, fez constar expressamente a
proibição de sua prática, e ainda a definiu como crime inafiançável e insuscetível de
graça ou anistia. Apesar destes dispositivos estarem na nossa carta constitucional, a
tortura, somente em 1997, é tipificada como crime, com a aprovação da Lei 9455/97.
Insta observarmos que esta lei amplia o conceito de tortura para além daquela definição
constante da Convenção contra a Tortura da ONU, retirando a exclusividade de sua
prática do poder estatal (na Convenção, a tortura é eminentemente um crime de Estado,
só podendo ser praticada por agentes estatais ou para-militares). Este entendimento faz
com que, no Brasil, hoje em dia, haja uma predominância de réus e condenações por
crimes praticados no âmbito privado, como muito comumente noticiado nos veículos de
comunicações são as condenações de babás e acompanhantes, ou até mesmo casos de
violência intrafamiliar. Esta definição mais ampla de tortura serve ainda para dotar de
maior invisibilidade a prática da tortura por agentes estatais, uma vez que a maioria das
condenações se dão por situações privadas. Assim nos ensina José de Jesus Filho:
O bem jurídico protegido pela tipificação do crime de tortura
não é somente a integridade física e mental da pessoa, mas
também o próprio sistema de justiça, pois é isso que distingue a
conduta da babá daquela do agente policial. (...)o que
caracteriza a tortura é o fato de que ela é levada a cabo poar
aquele que detém o monopólio da coação física, o Estado, por
meio de seus representantes. Ao concentrar o poder do uso da
força e da aplicação do direito, eliminando assim os
151
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
competidores internos, o Estado assume para si a
responsabilidade pela violência ilegalmente praticada por seus
representantes quando empossados na atribuição de imposição
da lei e da força. É essa violência, qualificada pela intenção de
gerar intenso sofrimento físico e com o propósito de obter
confissão, informação, para punição ou por discriminação, que
reputamos tortura. Nesse sentido, advogamos que nem todo
agente público pratica tortura, mas somente aqueles
encarregados do sistema de justiça.96
Para o trabalho do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do
Rio de Janeiro, considera-se tortura a partir do conceito internacionalmente construído,
ou seja, como um crime de Estado. Desta forma, os espaços de privação de liberdade,
em razão de sua característica de custódia permanente constituem-se em locais
privilegiados para a sua prática.
Da mesma forma, a tortura, assim como os outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes, é potencializada diantes do recrudescimento do poder
punitivo estatal. Este recrudescimento, como nos ensina Loic Waqcant, está inserido em
processo de destruição do Estado de Bem estar Social (welfare state), o que abre espaço
para a ascenção de um Estado Penal (warfare state) observado na sociedade ocidental a
partir da década de 197097.
Para o autor, à medida em que o Estado retrocede no que tange à garantia de
direitos sociais, cria novos meios de exercer o controle sobre a população mais pobre,
que eventualmente se insurgem contra a nova conformação do Estado, constituindo
assim uma verdadeira ameaça à “nova ordem”. E esses novos meios de controle são a
repressão a estes insurgentes, resultando no que chamamos de criminalização da
pobreza e da juventude, com evidentes recortes étnico-raciais98.
Apesar de o Brasil não ter consolidado um Estado de Bem Estar Social, por
tratar-se de um país de capitalismo tardio, observamos o mesmo recrudescimento
ocorrido em países como os Estados Unidos, objeto maior de análise do autor supra
96
FILHO, José de Jesus. Contribuição para a compreensão e a prevenção da tortura no Brasil. In: Tortura.
Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2010. Pag. 250-251.
97
WAQCANT, Loic. Punir os Pobres – A Nova Gestão Penal da Miséria nos Estados Unidos. 3ª edição
revista e ampliada (2007). Rio de Janeiro: REVAN, 2003.
98
Idem.
152
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
mencionado. Desta forma, a hipertrofia observada no que tange ao sistema punitivo,
apenas reforça o trágico histórico de controle violento das camadas subalternizadas da
população, que tem origem ainda no período colonial, e evidencia, ainda segundo
Wanqcant, uma realidade ainda mais perigosa quando ocorre em países em
desenvolvimento99.
Quando falamos do recrudescimento do controle punitivo, falamos do aumento
de 180% da população carcerária brasileira entre os anos de 1995 e 2010. O Brasil já
ultrapassou a barreira do meio milhão de pessoas encarceradas, possuindo a 4ª maior
população prisional do mundo, com aproximadamente 570.000 presos. No estado do
Rio de Janeiro, beiramos os 35 mil presos no sistema penitenciário, que hoje possui
vagas para cerca de 26 mil pessoas, denunciando assim a existência de um déficit de
cerca de 9 mil vagas no sistema prisional fluminense. Este cenário de superlotação
endêmica é causador de inúmeras violações de direitos fundamentais das pessoas
privadas de liberdade que ocorrem todos os dias no interior das unidades neste estado.
Como resposta a este déficit, o estado apresenta destinação de recursos para a
construção de novas unidades, com vistas à ampliação da capacidade geral do sistema.
Estas medidas de urgência, podem até amenizar a grave condição à qual estão
submetidas estas pessoas no momento, mas não são capazes de resolver o problema a
longo prazo, uma vez que existem gargalos no que tange à “porta de saída” e no uso
exacerbado da prisão cautelar no estado Rio de Janeiro. A partir desta constatação, o
MEPCT/RJ envidou esforços ao longo do ano de 2013 para a identificação destes
entraves, especialmente no que tange à progressão do regime de cumprimento da pena,
como forma de contribuir para a desobstrução deste que consiste na grande porta de
saída das prisões, elaborando recomendações para a superação ou diminuição destes
obstáculos.
Além da crise do sistema penitenciário, o MEPCT/RJ manifesta profunda
preocupação com o incremento da privação de liberdade em outros âmbitos, como
resposta a conflitos sociais. No que se refere ao sistema socioeducativo constituem
99
Idem.
153
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
inaceitáveis os excessos de utilização das medidas de internação provisória e o uso
excessivo da força, bem como condições similares ao sistema prisional no que tange à
estrutura e tratamento dos adolescentes privados de liberdade. Em relação à política de
drogas, especialmente no Rio de Janeiro, assistimos ao arbítrio estatal através do
recolhimento forçado e internações compulsórias. Nesta matéria, também observamos a
reação conservadora através da expansão das comunidades terapêuticas, preconizando o
repasse de recursos públicos para instituições de cunho religioso e sem proposta
terapêutica adequada. Por fim, este cenário de violações a direitos fundamentais da
pessoa humana acentua-se com a recente ascensão da repressão policial às
manifestações populares ensejando prisões arbitrárias e uso exarcebado da força
pública.
Para realizar o monitoramento preventivo destes locais de privação de liberdade
o MEPCT/RJ também enfrentou inúmeros obstáculos. Insta destacar a estrutura
deficitária fornecida hoje para o desenvolvimento dos trabalhos do Mecanismo Estadual
de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro, que não possui sequer um espaço
físico como sede, reunindo-se momentaneamente em uma sala cedida pelo Núcleo de
Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Da mesma
forma, não há veículo próprio para o transporte dos membros do MEPCT/RJ para as
visitas às unidades, transporte hoje realizado em carros particulares dos seus membros
ou em veículos cedidos pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos
Humanos do Rio de Janeiro. Por fim, os membros do MEPCT/RJ utilizam os seus
telefones e computadores pessoais na realização das atividades, uma vez que também
não lhes são oferecidos nenhuma estrutura neste sentido.
A tortura não pode ser adequadamente prevenida apenas com ações locais. É
necessária a integração dos esforços em âmbito estadual, nacional e internacional no
sentido de promoção de uma nova cultura na sociedade brasileira e, especialmente, nas
instituições que compõem o sistema de justiça criminal. É preciso que o Estado
brasileiro reafirme, diuturnamente, o seu compromisso inadiável de erradicação da
tortura, contribuindo assim para a afirmação da democracia e dos direitos humanos.
154
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
VI – RECOMENDAÇÕES
VI.1 – SISTEMA PENITENCIÁRIO
VI.1.1 – ORÇAMENTO E FINANÇAS
a) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro - ampliar as verbas orçamentárias
destinadas à manutenção e melhoria do Sistema Carcerário, no sentido de
fornecer melhor assistência material aos internos (alimentação, vestuário,
material de higiene e limpeza). Conforme Recomendação Nº I do Relatório de
Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.
b) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro - aprovação do plano de cargos e
salários dos servidores, a fim de garantir remuneração digna aos técnicos que
atuam no sistema penitenciário, visto que o vencimento encontra-se altamente
defasado (cerca de R$ 1500) em comparação com os inspetores penitenciários
(cerca de R$ 4.200), constituindo clara ofensa ao princípio da isonomia.
Conforme Recomendação Nº I.a do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias
Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.
c) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e à Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária do Rio de Janeiro - realização de concurso
público para técnicos do sistema prisional, de modo a possibilitar a formação das
equipes mínimas de saúde previstas no Plano Nacional de Saúde do Sistema
Penitenciário. Conforme Recomendação Nº V.h do Relatório de Visitas a
Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;
155
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
VI.1.2 - ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA
a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
Dotar as unidades prisionais de equipe técnica completa e orientação quanto a
sua atuação de forma interdisciplinar com a implantação de protocolos de
trabalho que envolvam acolhimento, triagem de demandas, atendimento
individual, atendimento em grupo (gestantes, presos com histórico de
dependência química, presos idosos, recém-ingressos, pré-egressos, entre outras
especificidades e suas respectivas família), palestras sobre temas diversos,
atividades
com
as
redes
sociais,
entre
outros
trabalhos.
Conforme
Recomendação Nº V.e do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas
do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;
b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro Construção de plano para readequação da progressão de regime no Estado do
Rio de Janeiro de modo a compatibilizar-se com os preceitos legais previstos na
Lei de Execução Penal e no Código Penal, priorizando a construção de unidades
típicas do cumprimento de regime semi-aberto e aberto, quais sejam, colônias
agrícolas e industriais, bem como de casas de albergado, primando pela
localização próxima da mais central na cidade, de modo a propiciar adequadas
condições de atividades laborais aos presos. Conforme Recomendação Nº V.g
do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do
CNPCP, 2011;
c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – assegurar o
fornecimento de vale transporte aos apenados para casos de indulto, livramento e
soltura.
d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional – Realização de obras de melhorias nas unidades prisionais
156
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
onde são cumpridos os regimes semi-aberto e aberto, provendo-as de adequadas
condições de iluminação, dormitório e instalações sanitárias, como forma de
observar os padrões mínimos de humanidade no cumprimento da pena privativa
de liberdade.
e) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Realização de obra emergencial a
fim de reativar o pavilhão D, em condições adequadas de iluminação, dormitório
e instalações sanitárias, como forma de observar os padrões mínimos de
humanidade no cumprimento da pena privativa de liberdade.
f) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional - Redução do número de privados de liberdade até o limite
máximo de capacidade das unidades, como orienta o Princípio XVII dos
Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade
nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)100.
g) Á Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – recomendar
interpretações que compatibilizem o Decreto Nº 8.897/1986, que instituiu o
Regulamento do Sistema Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro com os
dispositivos da Lei de Execução Penal, de modo a não permitir tratamento mais
100
“Princípio XVII (...) A ocupação do estabelecimento acima do número estabelecido de vagas
direitos humanos, deverá ela ser considerada pena ou tratamento cruel, desumano ou degradante. A
lei deverá estabelecer os mecanismos para remediar de maneira imediata qualquer situação de
alojamento acima do número de vagas estabelecido. Os juízes competentes deverão adotar
medidas corretivas adequadas na ausência de regulamentação legal efetiva.
Constatado o alojamento de pessoas acima do número de vagas estabelecido razões que
motivaram tal situação e determinar as respectivas responsabilidades individuais dos funcionários
que tenham autorizado essas medidas. Deverão, ademais, adotar medidas para que a situação não
se repita. Em ambos os casos, a lei disporá os procedimentos seus advogados ou as
organizações não governamentais poderão participar.”
157
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
gravoso do que a lei autoriza. Recomendação que se depreende do Plano Diretor
do Sistema Penitenciário.
VI.1.3 – TRANSPARÊNCIA
a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
divulgação de dados estatísticos oficiais do sistema penitenciário do Rio de
Janeiro em sítio na internet, semestralmente, em procedimento similar ao
adotado pelo Departamento Penitenciário Nacional. Com fulcro na Lei Nº
12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação);
b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
Informar aos órgãos que possuem atribuição legal de monitoramento dos
espaços de privação de liberdade acerca da relação dos presos que trabalham no
sistema prisional, respectivos salários e datas de pagamentos efetuados e a
efetuar. Bem como, que se contrate uma auditoria externa que averigúe o
funcionamento do Convênio com a Fundação Santa Cabrine, uma vez que houve
reiteradas queixas sobre falta de pagamento da remuneração devida a presos que
trabalham. Conforme Recomendação Nº V.b do Relatório de Visitas a
Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011;
VI.1.4 - ESTRUTURA DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS
a) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – promover estudos
sobre a viabilidade do aumento do número de Varas de Execuções Penais na
Capital e sua interiorização, bem como incremento do número de juízes e
serventuários, de modo a garantir condições de observância dos princípios da
eficiência e da celeridade no sistema de justiça criminal.
Conforme
Recomendação Nº II.a do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas
do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011 e Conforme Recomendação do Relatório
158
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado
pela Portaria Nº 108/2011.
b) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Criação da Vara
especializada de Penas e Medidas Alternativas. Conforme Recomendação Nº
II.b do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro
do CNPCP, 2011 e Conforme Recomendação do Relatório Final do CNJ
referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria
Nº 108/2011.
c) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – garantia de mais
serventuários para atuar na Vara de Execuções Penais.
d) À Vara de Execuções Penais – realização de mutirão para atualizar e realizar
juntas nos processos de modo a superar as pendências acumuladas. Conforme
Recomendação do Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no
Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria Nº 108/2011.
e) À Vara de Execuções Penais, à Defensoria Pública e à Secretaria de Estado
de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro – Promover a unificação
dos Sistemas Virtuais de Informações da SEAP e da VEP. Recomendação do
Relatório Prisão: Para Quê e para Quem? Diagnóstico do Sistema Carcerário e
Perfil do Preso101.
VI.1.5 - PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS À PRISÃO
a) Ao Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública Priorização de aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade,
101
(PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas (Coord.). Lei de execução penal. Série Pensando o Direito, vol.
44. Brasília: Ministério da Justiça, 2012.)
159
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
impedindo situações de superpopulação carcerária e promovendo a redução dos
danos do uso da prisão, conforme apregoa a Lei 12403/11, a Resolução
101/2010 do CNJ, a Resolução Nº 06/2009 do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, bem como o Plano Nacional de Política Criminal e
Carcerária do Ministério da Justiça;
b) Ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e à Vara de Execuções
Penais – recomendar aos juízes da Vara de Execução Penal que concedam
prisão albergue domiciliar para os presos em regime aberto e semi-aberto
quando em razão de não haver vaga no regime de cumprimento pena o qual
tenha direito, estejam mantidos no regime fechado, conforme Recomendação Nº
II.d do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro
do CNPCP, 2011;
c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
incrementar o investimento na monitoração eletrônica de apenados com o fulcro
de possibilitar maior número de apenados em prisão albergue domiciliar.
d) Ao Conselho Nacional de Justiça e à Vara de Execuções Penais – recomendar
a não vedação das autorizações de saída por parte dos juízes com base no
argumento de que o apenado em regime semi-aberto pode ter circulação livre na
unidade durante o dia, fato que dispensaria o beneficio da visita periódica à
família. A autorização de saída é direito do preso expressamente previsto no art.
122 da Lei de Execução Penal.
VI.1.6 - ASSISTÊNCIA JURÍDICA E INFORMAÇÃO PROCESSUAL
a) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro e Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro Garantia do direito à assistência jurídica adequada, como dispõe o art. 15 da Lei
160
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
de Execuções Penais (Lei 7.210/84), bem como a Medida Nº 7 do Plano
Nacional de Política Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça, a partir da
dotação de estrutura adequada, recursos materiais e humanos suficientes para
desempenho competente das funções da Defensoria Pública e da advocacia
privada;
b) À Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro – promover a
ampliação do atendimento dos presos na fase processual e na execução penal.
Sendo que no caso da execução penal seja analisada a possibilidade de lotar os
defensores públicos nas unidades prisionais e de contratar assistentes e
estagiários para melhorar a assistência jurídica e dar retorno aos presos das
providências tomadas. Conforme Recomendação Nº IV do Relatório de Visitas a
Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do CNPCP, 2011.
c) À Vara de Execuções Penais, à Defensoria Pública e à Secretaria de Estado
de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro - Realização de mutirão
em cooperação dos distintos órgãos envolvidos na execução penal com o fulcro
de conferir celeridade à concessão de benefícios de presos com prazo vencido,
como progressão de regime, trabalho extra-muros, educação extra-muros,
autorizações de saída, e livramento condicional.
d) À Vara de Execuções Penais - entrega anual do atestado de pena ao apenado
pelo juízo da VEP, conforme garantia prevista na Lei nº 10.713, de 2003,
possibilitando ao apenado acesso a informação precisa no que tange à remissão
penal, prazo de pena a cumprir e prazo para obtenção de benefícios.
Recomendação do Relatório Prisão: Para Quê e para Quem? Diagnóstico do
Sistema Carcerário e Perfil do Preso102.
102
(PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas (Coord.). Lei de execução penal. Série Pensando o Direito, vol.
44. Brasília: Ministério da Justiça, 2012.)
161
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
e) À Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Aprovação do PL
1768/2012, protocolado em 09/10/2012, que garante acesso à Informação aos
presos através de totens de consulta processual e disponibilização de atestado de
pena a cumprir (com informação objetiva da pena privativa de liberdade restante
e regime de progressão).
f) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Tribunal de Justiça - Instalação de terminais
eletrônicos de informação processual do Tribunal de Justiça para prover acesso
do preso às informações referentes ao seu processo, nos moldes de projeto piloto
implementado pelo Ministério da Justiça na cidade de Brasília;
g) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Vara de
Execuções Penais – ao fim do cumprimento da pena privativa de liberdade,
garantir ao egresso a entrega do alvará de soltura, declaração de extinção de
punibilidade, e informe sobre direitos do egresso.
h) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, ao Conselho
Nacional de Justiça e à Vara de Execuções Penais – prover o acervo das
bibliotecas das unidades prisionais com exemplares da Constituição Federal de
1988, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal.
i) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Secretaria de
Segurança Pública – elaborar política de garantia de acesso à informação para a
família do preso, de modo a utilizar cartazes ou banners informativos nas
delegacias de polícia com informações sobre transferências, requisitos para
carteira de visitante e localização das unidades prisionais.
j) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – prover as unidades
prisionais de adequadas instalações para a assistência jurídica, garantindo o
162
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
efetivo contato do acusado com o defensor ou seu advogado, de modo a garantir
os princípios da ampla defesa e do contraditório. Os parlatórios coletivos e os
interfones são inadequados. Conforme Recomendação da OAB/RJ.
k) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Conselho Nacional
de Justiça - Distribuição e disseminação a todos os reclusos de cartilha com
orientações sobre direitos das pessoas privadas de liberdade nos moldes da
“Cartilha da pessoa presa” do Conselho Nacional de Justiça;
l) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Tribunal de Justiça - Instalação de terminais
eletrônicos de informação processual do Tribunal de Justiça para prover acesso
do preso às informações referentes ao seu processo, nos moldes de projeto piloto
implementado pelo Ministério da Justiça na cidade de Brasília.
VI.1.7 - EXAME CRIMINOLÓGICO
a) À Vara de Execuções Penais e ao Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro – recomendar a não obrigatoriedade de realização do exame
criminológico para progressão de regime, visto que tal instituto não configura
requisito imprescindível desde o advento da Lei Nº 10.792 /2003, bem como
para a concessão das autorizações de saída, prevista no art. 123 da Lei de
Execução Penal.
b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e
à Vara de Execuções Penais – constituição emergencial de equipe permanente
interdisciplinar itinerante para realização dos exames criminológicos nas
unidades, de modo a atenuar a grande morosidade da realização dos exames
criminológicos. Conforme Recomendação do Relatório Final do CNJ referente
ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro, regulamentado pela Portaria Nº
108/2011.
163
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Promover o afastamento das funções
dos presos colaboradores no que se refere aos serviços gerais relativos a
preparação e arquivamento de exames criminológicos, visto que há inúmeras
denúncias de supressão e ocultação de pareceres por parte de presos exservidores lotados em tal atividade.
VI.1.8 – VISITAS
a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
Assegurar o direito à visita na unidade prisional para presos de fora da região
metropolitana do Rio de Janeiro em cumprimento de pena no regime aberto, em
respeito ao direito à assistência familiar previsto no art. 41 da Lei de Execução
Penal.
b) À Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – Aprovação do PL
2159/2013, protocolado em 25/04/2013, que institui o fim da revista vexatória
nos presídios estaduais, seguindo procedimento adotado pelas penitenciárias
federais (Portaria 132/2007).
c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da
Unidade Prisional - Instalação de scanners corporais ou outros procedimentos
necessários, de modo a não mais se realizar a revista vexatória sofrida pelas
famílias na unidade que configura tratamento desumano e degradante, em
respeito ao princípio da dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição
Federal de 1988 e no art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da
164
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
ONU; bem como em respeito ao art. 16.1103 da Convenção Contra a Tortura da
ONU.
d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da
Unidade Prisional – enquanto não é assegurada a aquisição de scanners
corporais, garantir estrutura e orientar que seja realizada a revista pessoal nos
reclusos e não nos visitantes, em respeito a princípio da individualização da
pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988,
considerando a hipótese de revista manual apenas em caráter excepcional, como
dispõe a Resolução Nº 9 do CNPCP;
e) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da
Unidade Prisional – Rever a orientação de proibição de recebimento de
donativos familiares em dias de visita, de modo a não ter que obrigar os
familiares a deslocar-se às unidades prisionais em dias distintos, caso queriam
visitar os custodiados, fato que pode ser alcançado com o aumento do número de
agentes lotados na unidade, de modo a não restringir de modo desproporcional o
direito à assistência familiar insculpido no art. 41, inciso X da Lei de Execuções
Penais.
VI.1.9 - ATIVIDADES LABORATIVAS E EDUCACIONAIS
a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e
à Fundação Santa Cabrine – assegurar a publicização das empresas
conveniadas para realização de atividades laborativas como remissão de pena
para presos. Com fulcro na Lei Nº 12.527/2011 (Lei de Acesso a Informação);
103
“Art. 16.1. Cada estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição
outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam
tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência.”
165
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
b) Ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, ao Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro e ao Conselho Nacional de Justiça – promoção de campanha pública
com o intuito de desmistificar aspectos relativos ao apenado, de modo a
possibilitar maior adesão de empresas e projetos para celebração de convênios
para atividades laborativas e educacionais. Conforme Recomendação do
Relatório Final do CNJ referente ao Mutirão Carcerário no Rio de Janeiro,
regulamentado pela Portaria Nº 108/2011.
c) Ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro – emissão de
declaração do TRE/RJ com o intuito de suprir a necessidade de regularidade do
Título de Eleitor (requisito hoje impossível ao apenado, e que constitui
pressuposto para formalizar da Carteira de Trabalho e Previdência Social) de
modo a viabilizar a contratação formal de trabalhador em regime semiaberto ou
aberto, bem como isenção e simplificação no procedimento de regularização do
título de eleitor.
d) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional - Garantia do direito à realização de atividades laborativas,
recreativas e educacionais aos presos, como dispõem respectivamente a Seção I
do Cap III.e a Seção V do Cap. II do Título II da Lei de Execuções Penais (Lei
Nº 7.210/84) bem como a Medida Nº 2104 do Plano Nacional de Política
Criminal e Carcerária do Ministério da Justiça, bem como Recomendação Nº V.f
do Relatório de Visitas a Carceragens e Cadeias Públicas do Rio de Janeiro do
CNPCP, 2011.
VI.1.10 – SAÚDE
104
“ Criação e implantação de uma política de integração social dos egressos do sistema prisional.”
Ministério da Justiça, 26 de abril de 2011.
166
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
a) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional - Garantia do direito à assistência médica adequada, com a
contratação emergencial médicos e fornecimento regular de remédios e o
conseqüente descarte de medicamento fora do prazo de validade, bem como
transferência ágil para unidades de tratamento ambulatorial externo em casos de
maior gravidade, como dispõe o art. 14 da Lei de Execuções Penais (Lei Nº
7.210/84) e o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário, legitimando a
Portaria Interministerial Nº 1.777.
b) Ministério da Saúde, Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria Municipal
de Saúde – Reorientação da Atenção Básica à Saúde em Unidades Prisionais
através da implantação de programas que tenham como referência os “Agentes
Comunitários de Saúde” e a “Estratégia de Saúde da Família”, com intuito de
reorientar o modelo assistencial em ações de promoção da saúde, prevenção,
recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes;
c) Ministério da Saúde: Criar portaria do Ministério da Saúde obrigando a
notificação compulsória de casos em que se suspeite de prática de Tortura e
maus-tratos em espaços de privação de liberdade;
d) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração
Penitenciária,
Secretaria
de
Estado
de
Saúde:
Criação/Atualização do Plano Operativo Estadual (POE) como parte do processo
de qualificação do Estado ao Plano Estadual de Saúde no Sistema Penitenciário,
estabelecendo as metas gerais e específicas no estado do rio de janeiro com
vistas a promover, proteger e recuperar a saúde da população prisional;
e) Governo do Estado do Rio de Janeiro e Assembléia Legislativa do Estado
do Rio de Janeiro: ampliação das verbas orçamentárias destinadas à
167
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
manutenção e melhoria do Sistema Prisional, no sentido de fornecer melhor
assistência material aos internos – alimentação, vestuário, material de higiene e
limpeza;
f) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração
Penitenciária,
Secretaria
de
Estado
de
Saúde:
Reestruturação do Hospital Penitenciário/Sanatório Penal bem como criação de
outro hospital para o Complexo de Japerí com contratação de profissionais
qualificados via concurso publico;
g) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Planejamento e
Gestão: Aprovação do plano de cargos e salários dos servidores para que se
viabilizem concursos para a formação das equipes de saúde previstas no Plano
Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário. Para que seja garantida a
permanência desses profissionais, o plano deve prever a melhoria salarial e
adequação das condições de trabalho dos servidores da saúde;
h) Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Conselho
Nacional de Justiça, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária:
Recomendar a rejeição de quaisquer propostas tendentes à privatização no
Sistema Penitenciário Brasileiro;
i) Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: negar a ação
de empresas privadas para a prestação de serviços técnicos relacionados ao
acompanhamento e avaliação da individualização da execução penal, assim
compreendidos os relativos à assistência jurídica, médica, psicológica e social,
por se inserirem em atividades administrativas destinadas a instruir decisões
judiciais;
168
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Garantia de
que as transferências médicas não sejam realizadas pelo SOE, mas por
ambulâncias especializadas cedidas pela SES à SEAP, a fim de coibir as
reiteradas práticas violentas que violam o princípio da dignidade humana,
insculpido no art. 1, III da Carta Magna e no artigo 10 do Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos.
VI.1.11 - ÁGUA, HIGIENE E INSTALAÇÕES SANITÁRIAS
a) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade
Prisional - Fornecimento de água potável a todos os presos de forma contínua e
ininterrupta, inclusive durante as refeições, algo que pode ser obtido através da
limpeza periódica das caixas d’água e da instalação de filtros de água na
unidade, bem como fornecer água às celas de modo initerrupto, de modo a evitar
a insalubridade e permitir adequadas condições de banho aos internos,
instalando bombas de água para que o fluxo tenha força mínima e evite que os
presos tenham de tomar banho enchendo garrafas plásticas, a fim de observar o
disposto no item 20.211 das Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos da
ONU; Princípio XI.212, dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das
Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da OEA;
b) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Direção da Casa do
Albergado Crispim Ventino – realização de obras para garantia de
fornecimento regular de água na unidade, através de construção de cisterna
independente possibilitando acesso à água a todos os presos de forma contínua e
ininterrupta, a fim de observar o disposto no item 20.211 das Regras Mínimas
169
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
para Tratamento de Reclusos da ONU; Princípio XI.212, dos Princípios e Boas
Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;
c) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade
Prisional - Garantia do acesso adequado a insumos de higiene pessoal, colchões
e vestimentas na unidade, conforme orienta o item 15 das Regras Mínimas para
o Tratamento de Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2, Princípios e Boas
Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;
d) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade
Prisional - Implementação de adequadas condições nas instalações sanitárias,
primando pela garantia da privacidade e da salubridade no ambiente de privação
de liberdade, conforme orienta o item 15105 das Regras Mínimas para o
Tratamento de Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2106, Princípios e Boas
Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
e) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade
Prisional – regularização urgente do recolhimento de lixo na unidade, de modo
a evitar as condições insalubres de higiene aos presos, visitantes, bem como
técnicos e agentes penitenciários, em respeito ao item 15 das Regras Mínimas
para o Tratamento de Reclusos da ONU; e ao Princípio XII.2, Princípios e Boas
105
“Item 15, Regras da ONU. Deve ser exigido a todos os reclusos que se mantenham limpos e, para este
fim, ser-lhes-ão fornecidos água e os artigos de higiene necessários à saúde e limpeza.”
106
“Princípio XII.2. As pessoas privadas de liberdade terão acesso a instalações sanitárias
higiênicas e em número suficiente, que assegurem sua privacidade e dignidade. Terão acesso
também a produtos básicos de higiene pessoal e a água para o asseio pessoal, conforme
as condições.”
170
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA;
VI.1.12 - TRATAMENTO, TORTURA E SANÇÕES DISCIPLINARES
a) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro –
proibição expressa e suspensão do uso de sanções coletivas nas unidades
prisionais, conforme disposto no art. 45, § 3º da Lei de Execução Penal;
b) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro e
à Vara de Execuções Penais – Reestabelecimento da abertura das celas nas
unidades de cumprimento de pena em regime semi-aberto, em todos os dias da
semana, de modo a atenuar as violações decorrente do não concessão regular dos
benefícios inerentes a tal regime de cumprimento de pena, insculpidas no art.
122 da Lei de Execução Penal.
c) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Suspender as
funções de suspeitos de praticar tortura e outras violações dos direitos humanos
durante as investigações. Quando comprovada a participação do agente público
em crimes desta natureza, o funcionário deve ser imediatamente demitido, sem
nenhuma possibilidade de voltar a exercer a antiga função. Conforme
Recomendação do Relatório da CPI da Tortura de 2005 da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara de Deputados.
d) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Defensoria Pública
Geral do Estado do Rio de Janeiro e Núcleo do Sistema Penitenciário da
Defensoria Pública - Estabelecimento de um livro de registro sobre casos de
tortura e maus-tratos impulsionado pela Defensoria Pública como instrumento
para inibir o uso indiscrimado da força por parte dos agentes estatais, buscando
171
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
garantir o respeito à dignidade humana conforme o artigo 10 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos;
e) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Inclusão de tópico
didático-pedagógico sobre a existência do CEPCT/RJ e do MEPCT/RJ e suas
atribuições legais, nas atividades de capacitação e formação promovidas aos
agentes penitenciários estaduais, em respeito ao art. 10.18 da Convenção Contra
a Tortura da ONU, bem como à Lei estadual Nº 5.778/10;
f) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e Direção da Unidade
Prisional – Intervir junto aos agentes penitenciários e os membros do Serviço de
Operações Especiais (SOE) através de atividades de capacitação e formação de
caráter preventivo, bem como a diligente instauração de processos disciplinares
para apurar eventuais abusos para que o emprego da força seja utilizado como
último recurso possível conforme dispõe os princípios básicos das Nações
Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo de Funcionários
Encarregados de Fazer Cumprir a Lei.
g) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional – Minimizar as hipóteses de aplicação da sanção disciplinar
do isolamento celular, priorizando medidas alternativas a este procedimento,
tendo que constitui tratamento desumano e degradante, em respeito ao princípio
da dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 e
no art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU; bem como em
respeito ao art. 16.1107 da Convenção Contra a Tortura da ONU.
107
“Art. 16.1. Cada estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição
outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam
tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra
pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou
aquiescência.”
172
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
h) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção da
Unidade Prisional - Estabelecimento de critérios claros para a aplicação de
sanções disciplinares, de modo a coibir exceções e imposições arbitrárias de
sanção no sistema penitenciário, através de recomendações claras e periódicas
ao corpo de agentes e técnicos penitenciários, bem como através da fixação de
fixar placa informativa sobre as hipóteses de sanção, em local de uso comum
dentro das unidades, com fulcro no art. 45 da Lei de Execução Penal.
i) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária - Equipar e manter
ambulâncias para translado de presos em situação grave de saúde, substituindo,
assim, o deslocamento dos presos pelo Serviço de Operação Externas
(SOE/GSE).
j) À Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e à Direção do
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – Providenciar a imediata
transferência dos presos ex-servidores alocados no IPPSC para outra unidade
prisional. De modo a garantir a segurança dentro da unidade e evitar situações de
conflito entre internos ou entre seus familiares;
k) Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, Direção da Unidade
Prisional, Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça, Ministério
Público - Redução do número de pessoas privadas de liberdade até o limite
máximo de capacidade da unidade, como orienta o Princípio XVII dos
Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade
nas Américas - Resolução nº 1/08 da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA);
l) Governo do Estado, Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro –
Independência do Instituto Médico Legal, compreendendo autonomia
administrativa, orçamentária e investimentos em melhores condições de
trabalho.
173
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
VI.2 - SISTEMA SOCIOEDUCATIVO
1- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Dever-se-á
estimular e apoiar as medidas socioeducativas em meio aberto, seja pela
liberdade assistida ou pela prestação de serviço à comunidade, bem como
prezando pela excepcionalidade e brevidade da medida, inclusive assegurando
troca de experiências e difusão de melhores práticas, entendendo a privação de
liberdade do adolescente como último recurso, conforme orienta o Princípio 1
das Regras Mínimas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade da ONU,
o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE);
2- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar
junto à autoridade judiciária o retorno do adolescente ao cumprimento de
medida socioeducativa anteriormente aplicada na hipótese de representação
voluntária por descumprimento de medida socioeducativa;
3- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar e
aplicar a Súmula do Superior Tribunal de Justiça de 2012 que dispõe quanto à
limitação de não aplicação de medida privativa de liberdade à adolescente autor
de atos infracionais análogos a tráfico de drogas;
4- Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público: Observar a
aplicação medida Socioeducativa em meio aberto quando inexistir vaga para o
cumprimento de medida de privação de liberdade, exceto nos casos de ato
infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o
adolescente deverá ser internado em unidade mais próxima de seu local de
residência nos moldes do Art. 49 II da Lei 12.594/2012;
174
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
5- Órgãos de fiscalização e monitoramento do Sistema de Garantias de
Direitos da Criança e do Adolescente- Promover maior número de visitas de
inspeção, bem como estabelecer agenda conjunta dos órgãos do sistema de
garantia de direitos responsáveis pela fiscalização das unidades do sistema
socioeducativo;
6- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente:
Elaborar e implementar o Projeto Pedagógico do Sistema Socioeducativo do Rio
de Janeiro nos moldes do SINASE;
7- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação: Garantir plena autonomia e independência da Corregedoria e
Ouvidoria do DEGASE, além de dotação de recursos suficientes para sua
capacitação e desempenho competente das funções;
8- Ministério Público e Defensoria Pública: Criar um livro de registro em poder
do Ministério Público e Defensoria Pública para anotações de relatos de tortura e
maus tratos no sistema socioeducativo;
9- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação: Comunicar ao Judiciário, ao Ministério Público e à defesa para
requerimento de eventuais diligências nas situações de suspeita ou relatos de
tortura e maus tratos em qualquer fase de apuração de ato infracional ou
cumprimento de medida socioeducativa;
10- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos:
Desenvolver Programas específicos de Assistência aos familiares de jovens
privados de sua liberdade, para que o acompanhamento das famílias seja
175
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
realizado e/ou intensifique, respeitando desta forma o direito fundamental à
convivência familiar e comunitária, disposto no art. 111 inciso VI do Estatuto da
Criança e do Adolescente;
11- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos,
Direção das unidades: Desenvolver e estimular projetos que estimulem as
ações afirmativas garantindo a diversidade étnico-racial, de gênero e orientação
sexual;
12- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Direção das unidades: Reduzir o número de adolescentes por
unidade para que seja observado o número máximo de 40 adolescentes
estabelecido como parâmetro pelo SINASE, como orienta o Princípio XVII
dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de
Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos;
13- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Direção da unidade: Instalação de scanners corporais, utilização de
detectores de metais ou outros procedimentos não vexatórios, de modo a não
mais se realizar a revista íntima sofrida pelas famílias na unidade o que
configura tratamento desumano e degradante, e desrespeita o princípio da
dignidade humana tutelado no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 e no
art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU; bem como em
respeito ao art. 16.1 da Convenção Contra a Tortura da ONU;
14- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Direção das unidades: Acesso adequado a insumos de higiene
pessoal, conforme orienta o item 15 das Regras Mínimas para o Tratamento de
176
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Reclusos da ONU; e o Princípio XII.2,Princípios e Boas Práticas para a Proteção
das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas e a Resolução nº 1/08 ambos
da Comissão Inter americana de Direitos Humanos;
15- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação, Direção das unidades: Garantir que o Estado forneça, de acordo
com os padrões nacionais e internacionais, alimentação e acomodação
adequadas assim como itens necessários para que os adolescentes privados de
liberdade tenham condições mínimas de dignidade no que se refere ao exercício
do direito fundamental à saúde;
16- Tribunal
de
Justiça,
Departamento
Geral
de
Ações
Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das Unidades:
Garantir o direito do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de
internação o direito à visita íntima e o direito a receber visitas dos filhos nos
moldes dos art. 67, 68 e 69 da Lei 12.594/2012;
17- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento
Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção
das Unidades: Estimular campanhas para visibilidade do tema de prevenção à
tortura nos espaços de privação de liberdade, bem como publicizar os canais de
denúncia;
18- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação: Promover as desativações completas do Instituto Padre Severino (em
todas as antigas dependências) e Educandário Santo Expedito com elaboração de
cronograma de transferência para outras unidades, vinculando a abertura de
novas unidades à desativação destas como forma de evitar a criação de mais
vagas e que o Estado acelere o processo de descentralização para possibilitar que
adolescentes permaneçam em instituições mais próximas a suas famílias;
177
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Relatório Anual do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura 2013
19- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento
Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção
das Unidades: Observar a ilicitude o uso de algemas, bem como a utilização de
spray de pimenta, armas não letais ou de qualquer uso excessivo da força em
adolescente salvo em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de
perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinazação civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão
ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do
Estado;
20- Tribunal
de
Justiça,
Departamento
Geral
de
Ações
Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção das Unidades:
Promover a interrupção da prática de isolamento como medida disciplinar em
quaisquer circunstâncias.
21- Governo do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Justiça, Departamento
Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação:
Estimular a ampliação do número de Delegacias de Proteção a Crianças e
Adolescentes (DPCA) nas diversas regiões do estado contando com equipe
qualificada para atuar com o tema, além de garantia de funcionamento das
mesmas durante 24h;
22- Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Departamento
Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de Educação, Direção
das Unidades: Estimular a participação dos adolescentes, seus pais e familiares
durante todo o período de cumprimento de medidas socioeducativas, com vistas
a permitir que os mesmos tenham um contato constante, além de garantir
transportes para deslocamento de familiares para visitação e a proibição de
178
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realização de procedimentos vexatórios de revistas íntimas sofridas por
familiares nas unidades o que configura tratamento desumano e degradante;
23- Departamento Geral de Ações Socioeducativas/Secretaria de Estado de
Educação:
Promover a ampliar a educação regular e técnica oferecida aos adolescentes
mantidos no sistema socioeducativo de modo a possibilitar sua reintegração em
sua comunidade.
VI.3 – SAÚDE MENTAL, DROGAS E INSTITUCIONALIZAÇÃO
VI.3.1 - ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE POPULAÇÃO ADULTA
1. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de
Assistência Social do Rio de Janeiro: Cumprir o Termo de Ajuste de Conduta
do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro de 25 de maio de 2012
sobretudo no que se refere às operações de abordagem e acolhimento, inclusão
em programas de transferência de renda e moradia, além de estabelecer
condições físicas adequadas semelhantes a residências em consonância com a
Política Nacional para População em Situação de Rua e a Resolução 109/2009
do Conselho Nacional A25:B26de Assistência Social;
2. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Implementar a
política municipal de atendimento à criança e adolescente em situação de rua
aprovada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente em
2009;
3. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Adequar a
política de acolhimento institucional às “Orientações técnicas: serviços de
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acolhimento institucional de crianças e adolescentes no Brasil” do CONANDA e
CNAS 2009;
4. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro; Conselho
Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro e Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro: Estimular os
programas de família acolhedora como alternativa ao acolhimento institucional,
além do investimento de repúblicas para os jovens;
5. Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Realizar
concurso público para provimento de vagas de psicólogos e educadores sociais
de acordo com o parâmetro nacional exigido;
6. Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho
Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro: Elaborar e aprovar o
Plano Municipal de Defesa, Promoção e Garantia ao Direito à Convivência
Familiar e Comunitária do Rio de Janeiro;
7. Secretaria Municipal de Assistência Social; Secretaria Municipal de Saúde:
Desativar os denominados "abrigos especializados" e promover a atenção a
crianças e adolescentes em uso ou abuso de álcool e outras drogas nos
parâmetros da Política Nacional de Saúde Mental.
VI.3.2 – SAÚDE MENTAL
1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Adequar a rede de saúde mental e de atendimento para usuários de álcool e
outras drogas aos parâmetros da reforma psiquiátrica, da política nacional de
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saúde mental e das deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental
Intersetorial (Ministério da Saúde, 2010);
2. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de
Assistência Social do Rio de Janeiro: Extinguir o recolhimento compulsório
para tratamento de usuários de drogas e os Centros de Tratamento de
Dependência Química (abrigos), substituindo-os por um atendimento baseado
em consultórios de rua, CAPS-Ad e outros tipos de serviços territorializados e
comunitários;
3. Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Não permitir o credenciamento/convênio pelo SUS de entidades e instituições
que não pactuem com as diretrizes da reforma psiquiátrica e da política nacional
de saúde mental, como por exemplo, Comunidades Terapêuticas.
4. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Criar banco público de notificação de internação compulsória alimentado pelo
Ministério da Saúde, Ministério Público, Secretarias Estaduais e Municipais de
Saúde, tornando público o acesso a informações sobre quaisquer internações
involuntárias;
5. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Preparar a Rede Pública de Ambulatórios de Saúde Mental para o acolhimento e
tratamento de crianças e adolescentes que apresentem sofrimento psíquico,
dotando todas as áreas programáticas das cidades com ambulatórios,
equipes/profissionais que possam acolher e tratar deste público específico,
cumprindo assim os princípios da universalidade e eqüidade do Sistema Único
de Saúde;
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6. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Ampliar a cobertura em ações de Saúde Mental e modificar o atual modelo
tradicional de atendimento ambulatorial centralizado na consulta individual e na
distribuição de medicamentos para o modelo de atenção ambulatorial territorial
em saúde mental através de financiamento adequado e uma clara proposta para
fechamento dos manicômios ainda existentes;
7. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Planejamento de médio prazo para desinstitucionalização de todos os pacientes
longamente internados, que tenha como principal ação a Implantação de
Residências Terapêuticas com base na portaria do Ministério da Saúde nº. 3.090,
de 23 de dezembro de 2011;
8. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Saúde,
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Saúde:
Construção de dispositivos variados de cuidado (grupos, visitas domiciliares,
oficinas terapêuticas) segundo o diagnóstico clínico e psicossocial dos pacientes
em toda rede de saúde mental.
VI.3.2 – MANICÔMIOS JUDICIÁRIOS
1. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: A equipe de
saúde constante nessas unidades prisionais ou alas de tratamento deve seguir as
diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, que tem como objetivo reduzir
progressivamente os leitos psiquiátricos, qualificar, expandir e fortalecer a rede
extra-hospitalar – Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços
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Residenciais Terapêuticos (SRT) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais
(UPHG) –, incluir as ações da saúde mental na atenção básica, implementar uma
política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, implantar o
programa “De Volta Para Casa”, manter um programa permanente de formação
de recursos humanos para reforma Psiquiátrica, promover direitos de usuários e
familiares incentivando a participação no cuidado e garantir tratamento digno e
de qualidade a pessoas submetidas à medida de segurança (superando o modelo
de assistência centrado no Manicômio Judiciário), primando pelas diretrizes do
SUS e da Lei Federal 10.216/01;
2. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Extinção das “trancas”,
“seguro” e substituição por enfermarias de acolhimento à crise, adequando
os procedimentos aos protocolos estabelecidos para este fim;
3. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Capacitação específica dos
agentes de segurança no trato com os internos em medida de segurança;
4. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reestruturação da assistência
nos hospitais de custódia, aos parâmetros estabelecidos na Portaria 251, de
31 de janeiro de 2002 (ANEXO 2) de maneira a adequar a assistência às
necessidades clínicas dos pacientes e à construção de projetos terapêuticos
voltados, desde o início da medida de segurança, aos objetivos de reinserção
social;
5. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Modificação no critério de
alocação dos agentes penitenciários nas unidades de HCTP. Para estar em
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uma dessas unidades o critério básico deve ser a capacitação específica
desse agente em cursos de saúde e trato com saúde mental;
6. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar a necessidade da
adequação dos manicômios judiciários às diretrizes traçadas na resolução
do CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária –
número 05 de maio de 2004 (ANEXO 1);
7. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça: Reforçar a
necessidade do encaminhamento de projeto de mudança à Lei de Execução
Penal, tendo como objetivo adequar as medidas de segurança aos princípios
do SUS e às diretrizes previstas na Lei nº 10.216/2001;
8. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Apoiar e reforçar a necessidade
de Interlocução entre as Secretarias de Administração Penitenciária e a
Secretaria de Estado de Saúde, para avançar em um plano com metas,
propostas e prazos de adequação do sistema desse estado (RJ) às diretrizes
supracitadas;
9. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Planejamento e Execução de um
Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, nos moldes do PAI PJ
(MG) ou do PAILI (GO), no Rio de Janeiro;
10. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar e apoiar o Programa de
Desinstitucionalização e Reinserção Social (construído pela SEAP), de
maneira a garantir que os pacientes com longo tempo de internação em
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hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, e sem suporte sócio-familiar
possam beneficiar-se de programa específico de alta planejada e
reabilitação psicossocial assistida, estudando formas de viabilizar sua
estruturação, como, por exemplo, incluindo-o no Plano Orçamentário
anual;
11. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde e Secretaria de Estado de
Habitação: responsabilizar-se pela desinstitucionalização dos internos e para
isto é preciso investir em medidas de redução programada de leitos/vagas
nos manicômios judiciários e na construção, dentro da rede de saúde
mental, de dispositivos que acolham esses “egressos”. Para tanto,
pressupondo:
- Planejamento junto à Secretaria de Habitação para construção de
Residências Terapêuticas;
- Valorização e ampliação do Programa de Bolsas para Egressos dos
Manicômios Judiciários;
- Acompanhamento dos pacientes que sejam desinstitucionalizados através
de um sistema de informação e de dados integrados entre SEAP e
Secretaria de Saúde;
12. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Segurança
Pública, Chefia da Polícia Civil: Reestruturação do Serviço de Perícias. Nesse
caso em específico será fundamental o controle externo sobre os laudos
através de uma comissão independente que possa periodicamente
supervisionar os pareces;
13. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de
Administração Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reestruturação
do Hospital Roberto Medeiros e do atendimento aos dependentes químicos sob
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custódia, de maneira que a internação por dependência química só ocorra
quando houver indicação clínica para tal. Reestruturação baseada na perspectiva
de redução de danos e nas diretrizes da reforma psiquiátrica;
14. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Reforçar a necessidade de
estabelecimento de um plano de metas com as demais secretarias
(habitação, direitos humanos, saúde etc.), pactuando as responsabilidades
de cada uma no processo de reestruturação e desinstitucionalização dos
pacientes em medida de segurança e das práticas terapêuticas;
15. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado
de Saúde: Intensificação do diálogo entre a VEP, o MP, A Defensoria
Pública, as Secretarias e Coordenações técnicas de Saúde Mental, a
Comissão de Direitos Humanos da OAB, ALERJ (e outros) e a sociedade
civil. A discussão conjunta pode possibilitar a construção de uma política de
reinserção social e de reestruturação do atendimento. Além disso,
possibilita o monitoramento externo das práticas e da implementação dos
planos e projetos;
16. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado
de Saúde, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária: Construção de
um processo de sensibilização do Judiciário (VEP) no que diz respeito às
medidas de segurança, de maneira a propor a limitação das medidas de
internações apenas aos casos com indicação clínica para tal, garantindo que
as mesmas sejam substituídas por tratamento em meio aberto, no menor
tempo possível; Propor a realização de um seminário com magistrados só
com esse tema, expondo as experiências de outros estados;
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17. Defensoria Pública, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Secretaria de Estado
de Saúde, Secretaria de Estado de Administração Penitenciária: Buscar
modificações substanciais nas medidas de segurança que em longo prazo
possam permitir a sua extinção. Limites temporais para o cumprimento da
medida e a impossibilidade de reinternação sem novo delito podem ser
importantes limites à internação perpétua.
18. Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária, Secretaria de Estado de Saúde: Criar Comissão Estadual
Interinstitucional de acompanhamento das medidas de segurança, com o
objetivo de estabelecer mecanismos de normatização e acompanhar o
processo de adequação das medidas de segurança às diretrizes do SUS e da
Lei 10.216/01;
19. Governo Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,
Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Justiça: Realizar novo Seminário
Nacional com a participação dos Ministérios da Saúde e Justiça, Conselho
Nacional de Justiça e Secretaria Especial de Direitos Humanos, com o
objetivo de dar visibilidade à situação dos hospitais de custódia e
estabelecer consensos para a adequação do tratamento das pessoas com
transtorno mental que cometem delito às diretrizes gerais da Reforma
Psiquiátrica;
20. Governo Federal, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,
Ministério da Saúde: Criar Grupo de Trabalho, a nível federal, ou reativar a
Comissão Técnica multidisciplinar eleita no Seminário Nacional para a
Reorientação dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico para
propor mudanças na Lei de Execuções Penais, com o objetivo de adequar o
tratamento das pessoas com transtorno mental que cometem delito às
diretrizes gerais da Reforma Psiquiátrica.
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