corpo_vidente_corpo_visivel

Transcrição

corpo_vidente_corpo_visivel
Fundação Armando Alvares Penteado
PÓS-GRADUAÇÃO EM FOTOGRAFIA
Corpo Vidente, Corpo Visível:
os olhares nos espaços expositivos.
Isis Ferreira Gasparini
São Paulo
2013
Corpo Vidente, Corpo Visível:
os olhares nos espaços expositivos.
Isis Gasparini
Monografia apresentada à FAAP Pós-Graduação,
como parte dos requisitos para a aprovação
no Curso de Pós-Graduação Lato-Sensu em Fotografia
Área de concentração: Artes Visuais (Fotografia)
São Paulo
2013
Autorizo a reprodução e divulgação
total ou parcial deste trabalho,
por qualquer meio convencional
ou eletrônico, para fins de estudo e
pesquisa, desde que citada a fonte.
Gasparini, Isis
Itinerário. Caminho Percorrido. Em torno do olhar: o
espaço do museu. Reciprocidade em Merleau-Ponty. A
dupla distância em Didi-Huberman. Corpo vidente, corpo
visível: pensar com as imagens. Chegar ao próximo
começo.
Corpo vidente, corpo visível: os olhares nos espaços
expositivos / Isis Gasparini. São Paulo, 2013. 108 p.
Monografia (Pós-Graduação) – Lato-Sensu em Fotografia,
Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP, 2013.
1. Olhar, 2. Espaço Expositivo, 3. Merleau-Ponty,
4. Didi-Huberman
Aos que se tornaram alicerces
diante de tanta reconstrução
Agradecimento
__Tania Ferreira e Eneida de Oliveira, pelo companheirismo e
incentivo constantes.
__Igor Gasparini e Frank Tavanti, por tanta cumplicidade.
__Rogério Gasparini, pelo suporte e confiança.
__Jéssica Alonso, amiga para todas as horas e de tantas boas
histórias.
__Chris Azevedo, amigo com quem compartilhei outros tantos bons
momentos neste retorno à FAAP.
__Ateliê APipa, pelo espaço e oportunidade para desenvolver meu
trabalho.
__Lívia Aquino, Rubens Fernandes Junior, Geórgia Quintas e demais
professores do curso, por terem sido atenciosos e oferecido
contribuições precisas.
__Pio Figueiroa e Carol Lopes, pelas trocas generosas e pelo
direcionamento precioso a esta pesquisa. Cia de Foto, pelo
acolhimento.
__A querida Angélica Del Neri, pela gentileza e carinho em
momentos tão importantes.
__Marcelo Costa, Marcelo Paciornik e Sabrina Meira, parceiros de
tantos trabalhos, mas sobretudo amigos.
__Os amigos da Turma II, um presente que tornou mais prazeroso
este percurso, e que quero guardar comigo.
__Ronaldo Entler, por cada gesto singular na sutileza em descobrir
comigo um olharoutro.
“No olhar se acha implícita a espera
de ser recompensado por aquilo
em direção ao qual se dirige”
Walter Benjamin
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Resumo
Este trabalho reflete sobre a complexidade que o olhar assume
nos espaços expositivos, sobretudo nos museus de arte. Mais
pontualmente, busca destacar dessa relação uma experiência
de reciprocidade, em que o espectador é também observado
pela obra de arte. Para tanto, apoio-me nas teorias de Maurice
Merleau-Ponty sobre a dissolução dos limites que separam
sujeito e objeto e, portanto, a consciência que percebe e o
objeto percebido. Também recorro a Georges Didi-Huberman,
que demonstra haver na imagem uma dimensão que, sendo
inapreensível pelo olhar, faz com o espectador se sinta visado
por aquilo que ele vê. Paralelamente a essas reflexões, retorno
a um acervo pessoal de imagens produzidas em espaços expositivos, buscando situações em que espectadores e retratos
assumem posições intercambiáveis ou parecem se mimetizar
uns aos outros. Por meio da manipulação da luz, busco alterar
a leitura da perspectiva desses espaços, tornando ainda mais
ambíguo o papel e o lugar ocupado por esses personagens.
Tanto as reflexões teóricas quanto as imagens que compõem
a série Corpo vidente, corpo visível são aqui tomadas como
etapas que se contaminam dentro de um mesmo processo de
pesquisa em artes.
Palavras-chave: olhar; espaço expositivo;
Maurice Merleau-Ponty; Georges Didi-Huberman.
Itinerário
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Caminho Percorrido
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Em torno do Olhar: O espaço do Museu
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Reciprocidade em Merleau-Ponty
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Dupla Distância em Didi-Huberman
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Corpo Vidente, Corpo Visível:
Pensar com as Imagens
82
Chegar ao Próximo Começo
96
Bibliografia
102
Itinerário
Esta
monografia é o resultado dos estudos
realizados na Pós-Graduação em Fotografia,
como parte de uma pesquisa mais ampla que
iniciei em 2010, na graduação em Artes Visuais,
visando entender as diferentes dinâmicas que o
olhar assume em espaços expositivos diversos.
Pontualmente, a questão que move esta etapa
do trabalho diz respeito à possível reciprocidade do olhar entre aquele que vê e a obra
que é vista. Do ponto de vista teórico, essa
inversão do olhar pode ser pensada a partir
de reflexões que discutem, de um lado, a
complexidade do fenômeno da percepção e,
de outro, o modo intenso como a história se
manifesta na obra de arte. Como uma espécie
de metáfora desses processos, busquei
mostrar na produção fotográfica situações em
que espectador e obra – sobretudo retratos –
mimetizam-se e intercambiam seus papéis.
A série Corpo Vidente, Corpo Visível: os
olhares nos espaços expositivos consiste de
um conjunto de imagens revisitadas de um
acervo acumulado ao longo de quatro anos
de pesquisa, editadas e tratadas de modo a
transformar a leitura desses espaços, produzindo certa confusão entre o lugar da obra
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e o lugar do espectador. A reflexão teórica
e a elaboração das imagens foram processos
simultâneos, que se contaminaram reciprocamente.
No primeiro capítulo, reconstruo minha trajetória como artista e apresento alguns de meus
trabalhos para situar a presente série dentro
da pesquisa que desenvolvo desde 2010,
bem como para destacar as questões que
se acrescentaram agora, no contexto desta
pós-graduação. Neste capítulo mapeio as
questões que motivam cada etapa do trabalho
e que, somadas, dão forma à complexidade do
olhar diante da obra. Pontualmente, trata-se
de considerar o olhar como uma performance
que envolve todo o corpo; questionar o papel
e o lugar do espectador no espaço expositivo; pensar a diversidade de relações entre o
público e a obra, incluindo aquelas que são
mediadas pela fotografia.
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Considerando que a presente série fotográfica
concentra-se em um tipo de espaço expositivo, o museu, recorri no segundo capítulo
a textos que ajudam a entender a construção
histórica que caracteriza o museu como lugar
ideal para a fruição da arte. Tal busca permite
compreender melhor o comportamento que os
espaços dedicados à arte impõem ao público
e quais são os mecanismos que contribuem
para aproximar ou distanciar o espectador das
obras. Para isso, tentei articular passagens
muito específicas do pensamento de autores
importantes como Paul Valéry e Marcel Proust
- lidos por Theodor Adorno – e ainda Brian
O’Doherty, Philippe Dubois e Merleau-Ponty.
Pontualmente, Merleau-Ponty é um autor que
já havia atravessado etapas anteriores desta
pesquisa, por meio de autores – sobretudo
Alfredo Bosi – que recorrem a ele para pensar
o olhar de forma ativa, como algo que atua
sobre a obra ao mesmo tempo em que se
deixa afetar por ela. O terceiro capítulo
constitui um esforço de aproximação às bases
do pensamento de Merleau-Ponty que, em meu
trabalho, ajudam a nomear mais claramente
esse corpo que se relaciona com outro corpo
que é a obra, numa troca recíproca de olhares.
O quarto capítulo traz para a perspectiva de
meu trabalho outro texto de grande complexidade, O que vemos, o que nos olha, de
Georges Didi-Huberman. Numa perspectiva
diferente de Merleau-Ponty, Didi-Huberman
desdobra a relação do espectador com a
obra em dois movimentos bastante distintos,
mas que também fazem do sujeito que vê
um objeto que é visto pela imagem. Outros
trabalhos de Didi-Huberman levaram-me ainda
a conhecer a experiência e o modo muito
peculiar como Aby Warburg articula as noções
de tempo, história e memória, no método de
estudo da arte que denominou Mnemosyne.
Acumular em um arquivo registros fotográficos
feitos em espaços expositivos, revisitá-los e,
a partir deles, buscar manifestações sutis do
olhar que se revela na edição das imagens é
um procedimento que, aos poucos, passou a
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definir meu processo de trabalho. No capítulo
5, apresento efetivamente o percurso de realização do trabalho Corpo Vidente, Corpo Visível
que propõe formas de materializar na imagem
a reciprocidade do olhar entre espectador e
obra, tal como foi discutido de modo mais
abstrato nos capítulos anteriores. Este capítulo
tenta mostrar ainda o modo como tais teorias
não apenas explicam, mas definem concretamente os procedimentos adotados na edição
das imagens.
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Caminho percorrido
De que serve a execução de projetos,
posto que o projeto, em si,
é já um gozo suficiente?
Charles Baudelaire
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Vale começar contando algumas passagens
que me trouxeram até aqui, um pouco dos
interesses que me guiaram para entrar no
universo das artes de um modo relativamente
impensado e as escolhas conscientes posteriores com a elaboração de projetos que configuraram a pesquisa até o ponto em que está.
Meu primeiro contato com as artes visuais foi
por meio de pinturas, observando livros de
coleções dos “grandes mestres” e visitando
ainda na infância as exposições mais cobiçadas
pelo grande público, o que acabou por constituir um repertório muito pautado pelo desejo
de decifrar as diferentes técnicas e modos
de produção e pela contextualização histórica
das obras de arte. Depois, passei a buscar o
domínio técnico do retrato, realizando pinturas
a partir da observação de obras. Não valeria
voltar tanto assim, se não fosse pelo interesse
que a pintura me provoca até hoje e que
percebo ter se diluído em outras possibilidades
de investigação.
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Isis Gasparini,
Le Gioconde.
Fotografia, 2010.
88 x 133cm (cada) (3)
Posteriormente e ao
o hábito de visitar
para estudar. Como
se aprendia a pintar
longo da graduação, criei
museus com frequência
Cézanne, acreditava que
também pelo olhar:
“Em Paris, Cézanne ia diariamente ao
Louvre. Pensava que se aprende a
pintar, que o estudo geométrico dos
planos e das formas é necessário.”
(MERLEAU-PONTY, 2004 : p. 119)
Passei a observar muito espontaneamente as
obras e, logo em seguida, as relações do
público com elas. Questionava porque cada
um, incluindo eu mesma, estava ali. Certa vez,
fui além da observação: de um modo impulsivo
registrei alguns visitantes exaltados diante de
uma obra em particular, no Museu do Louvre,
em Paris. As imagens produzidas viriam a constituir posteriormente uma série intitulada Le
Gioconde, a primeira de uma pesquisa iniciada
em 2010 com o questionamento sobre o papel
e o lugar do espectador no espaço expositivo, marcando o início de um universo de
perguntas que ainda motivam minha produção.
A partir dessa experiência, passei a questionar
o quanto o desejo de registrar um ícone tão
visto e procurado, colocado num espaço expositivo, demonstra que seu fácil reconhecimento
faz dele o emblema funcional da conquista de
uma suposta erudição.
Ao registrar as pessoas fotografando a obra
e recolhendo seu próprio souvenir, algumas
questões se somaram à minha pesquisa como,
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Isis Gasparini,
Souvenir.
Fotografia, 2012
30x40 cm (cada) (9) 120x80 cm (1) 120 x 245 cm (Políptico)
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por exemplo, o que leva um visitante a um
espaço expositivo; quem são as pessoas que
procuram arte e qual é o papel da instituição
na relação público-obra; o que determina
uma relação efetiva com uma obra de arte e
quais as possibilidades de interação existentes
nesses espaços?
Partindo da ideia já observada no trabalho
anterior de que a fotografia constitui um
atestado de presença diante da obra, produzi
uma série que recebeu o nome de Souvenir,
na qual as imagens das obras são apresentadas apenas ou principalmente pelo visor
da câmera dos visitantes. Souvenir aborda o
impulso manifestado de modo recorrente pelo
público de fotografar, dentro de museus, obras
de arte consagradas e trata dos riscos de
esvaziamento do olhar pelo dispositivo fotográfico, na medida em que o desejo de preservar
o instante, documentando-o, mostra-se mais
importante do que a experiência diante da
obra.
O trabalho reflete sobre a substituição do olhar
pelo registro que, por si mesmo, perde-se no
bombardeio de imagens repetitivas. Considerando que a obra se torna consagrada exatamente ao ser reproduzida em catálogos, livros,
internet e outras tantas imagens turísticas, a
fotografia, que deveria servir como o testemunho de uma experiência singular, dissolve-se
num gesto mecânico que apenas confirma a
imposição dessa consagração.
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Isis Gasparini,
Olhar outro
(fotografia / videoinstalação), 2011.
01:30:00 min. em looping / área de projeção: 130 x 500cm
Isis Gasparini,
Olhar outro, porém.
Fotografia, 2011.
81,5 x 21,5 x 2cm (cada) (9) - 81,5 x 313,5 cm (Políptico)
Como contraponto às experiências que
demarcam a perspectiva pessimista dessas
relações com a arte, resolvi buscar a diversidade e a complexidade que os olhares também
podem assumir nesses mesmos espaços.
Assumi a hipótese de que a relação obra-espectador não se dá apenas de forma visual,
mas passa por todo o corpo que, por sua vez,
projeta seus sentidos e se relaciona com este
outro corpo, a obra de arte.
Olhar outro é o trabalho em que tentei
materializar tal hipótese distinta, buscando a
possibilidade da existência de traços de uma
experiência efetiva de fruição, mesmo que
sutil, isto é, mesmo quando o olhar não se
detém sobre a obra. Essa série parte de um
extenso conjunto de fotografias produzido em
diferentes espaços expositivos para pensar o
exercício do olhar como algo essencialmente
dinâmico. Isso me levou a atravessar os
limites tradicionais da fotografia, conduzindo o
trabalho em direção a uma linguagem híbrida,
localizada na fronteira entre a fotografia, o
vídeo e a instalação.
Estas possibilidades de expansão da linguagem
fotográfica já haviam se manifestado em experiências realizadas anteriormente com flip
books, livretos e outros trabalhos com vídeos.
Da instalação Olhar Outro derivou uma nova
série fotográfica, Olhar outro, porém, que
evidencia a fragmentação dos olhares que,
na montagem anterior, apareciam sobrepostos.
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Isis Gasparini,
(Frame) Olhar outro
fotografia / videoinstalação, 2011.
https://vimeo.com/29297210
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Estas imagens, assim como a palavra “porém”
do título, sugerem uma ponderação que interrompe um raciocínio para dar a ele uma direção
diferente, demandando uma continuidade.
As fotografias foram postas em sequência,
como frames que carregam a característica
de narrativa fílmica de um storyboard, o qual
fragmenta um fluxo para formar o todo.
Na edição em vídeo de Olhar Outro, as fotografias se sobrepõem umas às outras e criam
interações imprevisíveis entre os gestos dos
espectadores. Com isso, comecei aos poucos
a me conscientizar da importância que eu
conferia aos cruzamentos entre os olhares.
De um lado, há o cruzamento de olhares dos
espectadores fotografados que se fundem
brevemente na projeção em vídeo de sequências de retratos que se sobrepõem e se movimentam em direções opostas.
De outro, acrescenta-se o olhar daquele que
se coloca diante do meu trabalho em um
espaço de imersão criado pela instalação, que
é composta de uma tela de projeção semicircular que envolvia o corpo do espectador.
Desse modo, a pesquisa pautou-se no entendimento da dinâmica do olhar como uma
performance que se manifesta na gestualidade corporal do espectador, bem como na
pesquisa teórica de autores e na observação
de trabalhos de artistas que me possibilitaram
pensar a respeito da somatória de olhares que
pode estar implicada em uma imagem. Olhar
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outro construiu experiências de metalinguagem
que proporcionaram a reflexão sobre as diferentes dinâmicas da percepção visual: o meu
olhar diante dos espectadores que registrei
e, depois, diante do arquivo que constituí; o
olhar desses espectadores para as obras; o
olhar do espectador da minha projeção e, por
fim, o olhar da obra que, composta por tantos
olhares, era capaz de observar simbolicamente
aquele que se coloca diante dela.
Algumas referências encontradas no desenvolvimento da presente pesquisa foram marcantes
e transformaram-se em motivação para o
trabalho atual. Três autores, em especial, já
convidavam a pensar sobre a complexidade e a
ambiguidade das dinâmicas contidas na experiência do olhar: Michel Foucault, Alfredo Bosi
e Georges Didi-Huberman. Naquele momento,
eles contribuíram para formulações um tanto
embrionárias, mas que se desdobrariam nesta
nova pesquisa, Corpo Vidente, Corpo Visível.
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Com Las Meninas (1656), Velázquez (15991660) desloca o ponto de vista tradicional da
pintura e revela seus bastidores, inserindo o
espectador dentro do espaço sugerido pela
obra, colocando-o na posição do próprio
retratado. Assim, tanto o olhar do pintor
quanto o do sujeito diante da obra tornam-se
objetos de representação.
Partindo de Las Meninas, o texto homônimo de
Michel Foucault (1999) ressalta as diferentes
dinâmicas que fazem do olhar o principal
objeto da imagem. Ele nota que, destacando o
reverso da cena e mostrando um quadro que
dá as costas ao espectador, sujeito e objeto,
obra e espectador, invertem suas posições,de
modo que nós mesmos somos “olhados pelo
pintor e tornados visíveis aos seus olhos”,
constituindo assim uma reciprocidade de
olhares. E complementa:
“No momento em que colocam o
espectador no campo de seu olhar,
os olhos do pintor captam-no, constrangem-no a entrar no quadro,
designam-lhe um lugar ao mesmo
tempo privilegiado e obrigatório, apropriam-se de sua luminosa e visível
espécie e a projetam sobre a superfície inacessível da tela virada. Ele vê
sua invisibilidade tornada visível ao
pintor e transposta em uma imagem
definitivamente invisível a ele próprio.”
(FOUCAULT, 1999 : p. 7)
Naquele momento, uma primeira tentativa
de leitura de O que vemos, o que nos olha
(1998), de Georges Didi-Huberman, instigou-me
a pensar no que o próprio título sugere como
uma formulação que soava bastante enigmática: a imagem que vejo também me olha. Devo
admitir que a leitura permanece um desafio,
mas traz apontamentos mais claros para esta
etapa da pesquisa. Por fim, o texto Fenomenologia do Olhar, de Alfredo Bosi, já enfatizava o
duplo estatuto do olhar como capacidade ao
mesmo tempo passiva e ativa, que tanto capta
algo do objeto quanto age sobre ele. Bosi,
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apoiado em Merleau-Ponty, reivindica que o
olhar é simultaneamente um atributo do corpo
e do espírito.
Essas leituras foram significativas para que eu
pensasse em meu próprio olhar dentro do fluxo
de olhares que se constrói no espaço expositivo, assumindo uma posição que me integra
a essas relações, ao mesmo tempo em que
tento observá-las. Essa consciência convidou–
me a revisitar as imagens já realizadas para
buscar
nos
espectadores
os
olhares
que
haviam percebido a minha presença. A série
produzida a partir dessa edição, denominada
provisoriamente de Glimpser, não se resolve
ainda como obra, mas constitui uma etapa
intermediária da pesquisa entre Olhar Outro e
o trabalho atual, Corpo Vidente, Corpo Visível.
Questionar “quem” ou “o que” vê esse corpo
do espectador revelou outras formas de reciprocidade. A que agora mais me interessa é
o modo como a obra (sua forma, seu tempo
Séie Glimpser,
em desenvolvimento.
histórico) devolve o olhar para aquele que a
observa no presente, de forma que ela possa
ser colocada na posição de observadora de
seu próprio público. Como questões distintas
se acrescentam a esta pesquisa, construí uma
dinâmica de trabalho mais ou menos contínua
que consiste em frequentar espaços expositivos, observar quem transita por eles, acompanhar alguns espectadores, registrar algumas
cenas, produzindo um acervo de imagens que
será posteriormente revisitado para buscar
as relações que podem estar contidas nesta
noção ampla de olhar e que nem sempre
podem ser percebidas no momento em que
tomo as fotografias.
As leituras já mencionadas do trabalho de
graduação deixaram algumas intuições que
movem a presente etapa da pesquisa: a possibilidade de superar a distinção entre as noções
de sujeito e objeto, corpo e espírito, visível e
invisível. A oportunidade recente de ler alguns
ensaios de Merleau-Ponty, já citado por outros
autores, permitiu nomear estas inquietações
do modo como elas aparecem neste texto,
bem como situar a tradição do pensamento
que deve ser superada por tais distinções.
Em torno do olhar:
o espaço do museu
Você sabe como, nas exposições,
sempre reparo muito mais nas pessoas
que nas pinturas
Reiner Maria Rilke
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Desde
Le Gioconde (2010), primeira série
desta pesquisa, percebi que a compreensão
das relações entre o olhar e a obra esbarram
em questões mais amplas sobre o sistema das
artes, mais precisamente sobre o espaço em
que essa interação ocorre. Por isso, busquei
entender a construção histórica que faz do
museu o ideal de espaço expositivo. Tal busca
permitiu entender melhor o comportamento
que os espaços dedicados à arte impõem ao
público e quais são os mecanismos que contribuem para aproximar ou distanciar o espectador das obras.
Nesta pesquisa, todos os elementos constituintes do espaço expositivo são pensados
como partes integrantes de um dispositivo que
articula os modos de olhar para a obra e
que compõem uma teia complexa de determinações que atuam sobre a percepção.
Não apenas a arquitetura desse espaço, mas
também sua curadoria, os materiais complementares como folders, catálogos e textos, a
atuação do educativo, as visitas guiadas, os
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áudio-guias, entre outros, tornam-se parte da
estrutura que dá à arte seu sentido público.
A consciência da diversidade dos modos como
o público transita nesse espaço, assim como
o papel do espectador e dos elementos que
influenciam essa dinâmica do olhar foram,
de algum modo, demandas colocadas pelas
próprias fotografias que realizei. Vale dizer
que o momento da conclusão desta monografia coincide com um breve período em que
trabalhei no setor educativo do Museu de
Arte Brasileira da FAAP, podendo pensar essa
estrutura também do ponto de vista institucional.
Deve-se considerar que o sistema de exibição
da arte é composto por uma estrutura complexa
que envolve diferentes tipos de espaço físico.
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Em primeiro lugar, o museu propriamente
dito, é uma instituição específica que abriga
e conserva obras e que, em sua compreensão
moderna, define-se como espaço voltado para
o público, implicando uma política de visibilidade de acervos e coleções. Nesse sentido, o
museu é herdeiro de experiências mais antigas
de difusão de objetos de interesse cultural,
como os gabinetes de curiosidades, bibliotecas, igrejas, teatro da memória, gabinetes
de estudo ou ainda pelos salons de arte que
se afirmam na França a partir do século XVIII.
Em segundo lugar, há também as galerias de
arte, espaços específicos cujas políticas de
formação de acervo e de exibição ao público
estão submetidas às necessidades do mercado
de arte. Em princípio, as galerias transpõem
para um espaço de menor escala as condições
de visibilidade definidas pela tradição dos
museus. Mas, ocupando edificações muito
distintas e às vezes improvisadas, assumem
também formas alternativas de exibição das
obras e de acolhimento do público.
Em terceiro lugar, deve-se considerar a vasta
diversidade de eventos que ocorrem em
edições periódicas ou únicas, como as bienais,
feiras e outras mostras de arte, que podem
estar associadas a políticas institucionais bem
definidas, mas que se apropriam de espaços
que podem ou não ser específicos ao sistema
das artes, como centros culturais ou mesmo
museus, mas também galpões, centros de
convenções ou shoppings centers.
Por fim, esse sistema envolve também espaços
públicos abertos que ultrapassam as paredes
das instituições, permitem experimentações e
inscrevem a obra na paisagem cotidiana. São
intervenções no espaço coletivo que pensam
a arte como desdobramento da vida social
por meio de manifestações espontâneas de
determinadas comunidades ou de oficinas e
projetos de ação cultural. Tais experiências
ora questionam, ora complementam e ora
reafirmam as políticas definidas pelas instituições específicas de arte.
Dentre esses espaços, aquele que interessa
mais pontualmente para este projeto é o do
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museu graças à carga de significação histórica
que ele absorve e ao modo mais claro com
que suas políticas institucionais pesam sobre
a forma de sua ocupação pelas obras e pelos
espectadores.
Pode-se encontrar no texto O Museu de Arte
Hoje (2007), de Martin Grossmann, uma definição
ampla de museu que sugere a complexidade
sobre o que este espaço articula:
“O museu de arte hoje é, simultaneamente, uma tradição, um espetáculo, um lugar político, uma proporção
social, uma arena para processos de
ação sócio-cultural, uma especulação,
uma corporação, uma experiência,
bem como alegoria ou metáfora para
a explanação, criação e manutenção
de outras dimensões de conhecimento.
O museu se configura assim como
complexidade, grandeza modelada por
múltiplas dimensões.” (GROSSMANN,
2007)
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A título de exemplo, podemos pensar no patrimônio abrigado pelo Palácio do Louvre que,
em 1793, transforma-se em um dos primeiros
museus modernos constituído por obras, principalmente pinturas e esculturas, confiscadas
da família real e dos aristocratas que haviam
fugido da Revolução Francesa. O Louvre
tornou-se um museu público devido a um
projeto iluminista que, ao abrir as portas de
sua coleção privada, pretendia racionalizar a
ocupação de um lugar considerado até então
obscuro. Hoje o Louvre cumpre funções culturais
diversas, servindo às pesquisas acadêmicas de
historiadores da arte, mas também às políticas
da indústria do turismo, acolhendo, portanto,
públicos com interesses muito diversos.
Logo no início do texto Museu Valéry Proust
(1998), Adorno atribui ao museu o lugar
simbólico de um “sepulcro de obras de arte”,
comportando objetos sem vida que definham
por si mesmos, mas que ainda assim exercem
seu papel efetivo na sociedade por serem
capazes de proporcionar acesso a um grande
conjunto de pinturas e esculturas por aqueles
que não têm proximidade com a produção
artística. Contudo, segundo o mesmo autor, as
tentativas de expor as obras distantes de seu
contexto original – por exemplo, em castelos
barrocos e rococós – são ainda mais problemáticas.
Adorno aproxima dois escritos de autores da
mesma geração, mas que produziram suas
leituras de maneira independente, sem que
houvesse entre eles um diálogo sobre o tema.
O primeiro deles é O problema dos museus,
de Paul Valéry, que data de 1923, um dos
primeiros artigos a pensar sobre o impacto
que o deslocamento da obra produz em seu
sentido. Segundo Valéry, reunir obras dentro
de um mesmo espaço confunde o espectador
que deve, então, dividir sua atenção entre tudo
o que é mostrado, tornando seu olhar sempre
disperso. Essa “estranha desordem organizada” ou, ainda, essa “casa da incoerência”
impõe ao visitante um comportamento próprio:
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“minha voz muda e se faz um pouco mais alta
que na Igreja, mas soa um pouco menos forte
que na vida comum.” (VALÉRY, 2008 : p. 32)
Para Valéry, o espaço do museu traz um
excesso de obras primas, as quais chama de
“maravilhas independentes, mas adversas”. Elas
disputam o olhar do espectador, esvaziando
suas possibilidades de interação ao oferecer
um acúmulo de estímulos, situação que o
autor exemplifica com a seguinte analogia:
“o ouvido não suportaria dez orquestras ao
mesmo tempo”. (VALÉRY, 2008 : p. 32)
O segundo texto comentado por Adorno é À
sombra das raparigas em flor (À l’ombre des
jeunes filles en fleurs), terceiro volume da obra
Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust,
escrita entre 1913 e 1927. Para Proust, o
museu é tido como um lugar ideal de encantamento. Dentro da perspectiva saudosista que
demarca sua escrita, Proust compara o museu
à estação de trem graças a seu simbolismo de
local de partida de uma viagem.
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De alguma forma, ele prossegue do ponto
em que Valéry para, discutindo essa vida
póstuma das obras: “a morte das obras no
museu, segundo Proust, desperta-as para a
vida. Somente através da perda da ordem do
vivente, na qual estavam inseridas, pode-se
libertar a sua verdadeira espontaneidade”.
(ADORNO, 1998 : p. 181)
Apesar das diferenças, ambos os autores relacionam a presença das obras no espaço do
museu com a experiência da morte, ainda que,
para eles, essa experiência possa ser prazerosa
e socialmente necessária. Adorno completa:
“somente onde reina aquela distância
sólida entre obras de arte e observador, distância que permite o prazer,
pode surgir a pergunta sobre o que
está vivo e morto nas obras de arte”.
(ADORNO, 1998 : p. 178)
No livro Dentro do Cubo Branco: a ideologia
do espaço expositivo (2002), Brian O’Doherty
discute o peso que a tradição dos museus
ainda
tem
na
concepção
de
um
espaço
expositivo ideal. Segundo ele, essa herança
instaura no observador, assim como no objeto
de arte, a condição de algo controlado que
devora a si mesmo enquanto objeto de arte.
O cubo branco, como ele denomina este lugar,
define-se por “não deixar o ambiente externo
entrar, razão pela qual as janelas são geralmente seladas. As paredes pintadas de branco.
O teto torna-se fonte de luz (...). A arte está
livre, como se diz, para ‘viver sua própria vida’”.
(O’DOHERTY, 2002 : p. 2)
A origem do espaço de exposição como lugar
que
almeja
eternizar
um
objeto,
segundo
O’Doherty, remete às tumbas egípcias, projetadas para isolar aquilo que abrigam – incluindo
pinturas e esculturas – do mundo exterior. A
origem pode ser ainda anterior: as cavernas
paleolíticas que abrigavam pinturas em lugares
de difícil acesso, quase imaculados, com o
intuito de protegê-las do ambiente externo.
49
Tais
espaços
estabelecem
uma
relação
simbólica ritual com o que chamamos também
hoje de obra de arte. Naquele momento, o
propósito da imagem, assim como da escolha
do lugar que a abrigaria, estava vinculada
em grande medida à espiritualidade cotidiana
ou às crenças da vida após a morte. Era,
portanto, uma forma de agenciar o acesso a
uma dimensão eterna da realidade, distante
do caráter efêmero da vida cotidiana:
“A arte existe em uma espécie de visibilidade eterna que, apesar de conter
grandes trechos de ‘períodos’ (contemporâneos), não abriga o tempo. Esta
eternidade dá à galeria um caráter de
limbo, de um lugar onde para se estar
é preciso já estar morto.” (O’DOHERTY,
2002 : p. 2)
O’Doherty diz que “a presença ante uma obra
de arte (...) significa ausentar-se para dar lugar
ao Olho e ao Espectador”, segundo ele, tudo
o que sobra de alguém que “morre ao entrar
no cubo branco”. Para o autor, ao se entrar
no espaço expositivo há uma supressão dos
interesses individuais em favor dos interesses
comuns. Trata-se de um lugar onde “não se
fala em tom normal; não se ri, não se come,
não se bebe, não se deita nem se dorme;
50
não se fica indisposto, não se perde a razão,
não se dança, não se faz amor” (O’DOHERTY,
2002 : p.4).
Os autores mencionados parecem colocar um
problema comum: o museu se constitui no
deslocamento da imagem de um uso ritual
cotidiano para um espaço específico. No
entanto, apesar desse deslocamento, o museu
quer impor ao visitante um universo de regras
próprias que reproduzam algo do caráter
solene dos antigos templos. Vale pensar quais
são os artifícios que impõem esse comportamento dentro dos museus.
Numa palestra feita por Philippe Dubois em
2013 na Escola de Comunicações e Artes
da USP, o pesquisador traçou um panorama
das formas como certos espaços permitem
intenções com as imagens, partindo de experiências que antecedem a existência dos
museus até chegar ao objeto específico de sua
pesquisa: as formas de interação entre arte
contemporânea e o que ele chama de cinema
de exposição. Para a minha pesquisa, cabe
pontuar apenas algumas colocações feitas pelo
autor e que ajudam a entender o museu como
um dispositivo formado por diversos artifícios,
e não só como lugar ocupado pelas obras.
O museu, em sua constituição, é responsável por pesquisar, conservar ou restaurar
uma coleção e mostrá-la em seguida, a fim
de tornar acessível um patrimônio. Porém,
cabe perguntar de que modo e para quem
um museu torna seu acervo acessível. Historicamente, percebemos que o museu carrega
objetos que foram deslocados de seus lugares
originais para serem inseridos num espaço de
exposição, como um objeto de arte que visa
um tipo específico de interação com o olhar.
51
A partir de Walter Benjamin, Philippe Dubois fala
do modo como um objeto passa de um status
cotidiano para outro mais erudito, definido pelo
lugar onde a obra será vista. Como os autores
já citados, ele lembra também que, muito
antes de integrar um museu, o objeto primário
era visto por uma sociedade como elemento
sagrado e, portanto, definia-se por certo valor
de uso. Quando transportado para o museu,
converte-se em documento daquilo que significou em seu contexto original. Retomando os
termos de Benjamin, lembra que o valor de
culto daquele objeto sagrado dá lugar a um
valor de exposição, definido no contexto de
outra sociedade.
52
Como a relação com a imagem já não é regida
por rituais bem demarcados, o museu arma-se
de um universo de artifícios que orientam as
dinâmicas do público: a sala de exposição
como lugar que enquadra um conjunto de
obras e limita o alcance da visão; a cenografia
que pode incorporar, além das paredes, outros
recursos como as vitrines que, ao mesmo
tempo em que protegem o objeto, convidam à
circulação ao redor dele; os cartões de identificação das obras com suas maneiras mais
discretas ou mais extravagantes de se impor
ao olhar e, ainda, os textos que acompanham
as obras e as exposições.
Tudo isso compõe o dispositivo de exibição
das obras e orienta o visitante conforme uma
política de ocupação do espaço, definindo seu
percurso, demarcando locais privilegiados de
observação, sugerindo a duração do olhar
diante de cada obra.
Para Merleau-Ponty, autor que abordarei no
próximo capítulo, o museu tem claros limites
naquilo que pode oferecer da experiência
artística. Mais do que o acesso às obras como
patrimônio histórico, interessa a ele pensar
a arte como processo, como vivência de um
artista no embate com seu lugar e seu tempo.
Esse caráter “existencial” da experiência
artística é algo que se perde quando o museu
se resume a acolher objetos acabados que
o próprio espaço legitima como algo que se
enquadra numa noção abstrata de arte.
Conforme explica Carmo (2002), Merleau-Ponty
“quer dirigir nossa atenção muito mais para
o momento do fazer da obra que para sua
contemplação após terminada” (CARMO, 2002
: p.140). Com isso, quer garantir que a vivência
do
artista
não
seja
alienada
do
sentido
atribuído a esses objetos. No museu, assim
como nos métodos de história da arte em
que normalmente se apoia, a vida do artista
aparece apenas como um conjunto de determinações do resultado, isto é, como informações utilitárias que servem para explicar a
imagem que foi consagrada pelas instituições.
“Merleau-Ponty desconfia do museu,
justamente porque nele a obra é colocada numa posição de eternidade,
sem o compromisso com a vida, acasos, dúvidas e fatalidades que guiaram o pintor.” (CARMO, 2002 : p.139)
53
As condições impostas pelo museu determinam
o apagamento do processo que caracteriza
a origem da obra, reduzindo-a a um objeto
cujo sentido se resolve em si mesmo e que é
oferecido à contemplação.
“No museu, aquilo que era interrogação não respondida pelo artista é
transportado para o recinto sombrio
das salas de exposição e visto como
perfeição que devemos referenciar
(...) O museu nos apresenta uma
sequência que, no final, faz supor uma
Razão, da qual o pintor nunca tomou
conhecimento.” (CARMO, 2002 : p.141)
Assim, a relação com a arte imposta pelo
museu parece tocar numa hierarquia mais
profunda que Merleau-Ponty irá questionar:
uma noção de olhar que se constrói pela
distinção entre um sujeito que opera essa
“razão” e um objeto estático que apenas
ganha sentido quando apreendido por sua
consciência. Tentarei avançar nessa discussão
no capítulo que se segue.
54
A reciprocidade em Merleau-Ponty
Para começar preciso insistir nisto no campo escópico, o olhar
está do lado de fora, sou olhado,
quer dizer, sou quadro
Jacques Lacan
56
58
Com
a leitura de Merleau-Ponty, autor
discutido em algumas disciplinas deste curso
de pós-graduação, pude compreender melhor
a complexidade do olhar dentro de uma
abordagem mais profunda, que questiona a
separação entre sujeito e objeto da percepção.
Pude também situar minhas questões dentro
de uma tradição do pensamento que impõe
limites à observação dessa complexidade.
Merleau-Ponty pensa a relação do ser com
o mundo de modo amplo, distanciando sua
abordagem das polarizações feitas pela
tradição filosófica. Com sua fenomenologia, ele
investe na construção de um pensamento que
não separa o sujeito que conhece do objeto
conhecido, de modo que, mesmo que um não
se reduza ao outro, tampouco um existe sem
o outro: “a consciência é sempre consciência
de alguma coisa e o objeto é sempre objeto
para uma consciência” (CARMO, 2000 : p. 21).
Para começar, cabe entender a complexidade
que o filósofo dá à noção de corpo, tema
trabalhado mais pontualmente por Leandro
Neves Cardim em seu livro Corpo (2009).
59
Em sua obra, Cardim faz um panorama da
compreensão do corpo na história da filosofia,
passando
pelos
principais
autores
que
já
abordaram este tema. Conforme ele sugere,
corpo e alma nem sempre foram pensados em
uma relação de oposição, tal como a tradição
da filosofia ocidental posteriormente afirmaria.
Os pré-socráticos, por exemplo, estavam muito
ligados a uma noção de cosmologia e de
física que permitia ora delimitar suas especificidades, ora pensar sua integração, sem que
isso soasse contraditório. Para eles
“Era
importantíssimo
enterrar
o
cadáver para que a alma pudesse se
separar do corpo e juntar-se ao reino
das sombras, para, enfim, regenerar-se
para um novo nascimento em um novo
corpo. (...) Corpo e alma compunham
um único todo indivisível, vivo, visível!”
(CARMIM, 2009 : p. 21-22).
60
Cardim mostrará como coube ao platonismo
“o gesto teórico de fundação da oposição
entre corpo e alma”, atribuindo à última todo
o privilégio do conhecimento. Analisando
autores que abalaram a tradição configurada
por Platão, como Nietzsche, Hursell e Bergson,
Cardim aborda também Merleau-Ponty, caracterizando-o como um “marco fundamental” no
pensamento sobre o corpo, pensando-o inicialmente como mediador da relação entre sujeito
e objeto, dissolvendo o caráter de oposição
desses elementos (CARDIM, 2009: 87-8).
Os desdobramentos de tal pensamento em
Merleau-Ponty tornariam o corpo o lugar que
melhor demonstra a reciprocidade implicada
na percepção:
“O corpo apresenta aquilo que sempre
foi o apanágio da consciência: a reflexividade. Mas apresenta também aquilo
que sempre foi o apanágio do objeto:
a visibilidade. O corpo é o visível que
se vê, um tocado que se toca, um
sentido que se sente. Quando a mão
direita toca a mão esquerda, há um
acontecimento observável cuja peculiaridade é a ambiguidade: como determinar quem toca e quem é tocado?
Como colocar uma das mãos como
sujeito e outra como objeto? A descoberta do corpo reflexivo e observável
leva Merleau-Ponty a mostrar que a
experiência inicial do corpo consigo
mesmo é uma experiência em propagação e que se repete na relação
com as coisas e na relação com os
outros.” (MERLEAU-PONTY, 1975 : p. X)
Tomando como princípio a noção de reciprocidade em toda a teoria de Merleau-Ponty,
podem-se destacar alguns aspectos relevantes e caros à presente pesquisa acerca
do corpo e da percepção, cujas propriedades
ao mesmo tempo ativa e passiva são enfatizadas, uma vez que a existência para Merleau–
Ponty é essencialmente corporal: sua filosofia
considera matéria, vida e espírito como objetos
da percepção, e não do pensamento.
O autor avança sempre para uma direção que
visa demarcar a existência de ambiguidades
que, mais do que por oposição, operam por
61
reciprocidade. Dentre estas ambiguidades ele
situa a experiência do corpo no mundo, de
onde emergem as relações da vida perceptiva
e do mundo sensível. Para o filósofo, não há
um distanciamento entre aquele que olha e o
mundo visto, o que resulta no entrelaçamento
do sujeito e do objeto, e que faz do corpo
um meio de comunicação entre a consciência
e o mundo.
O corpo é o sujeito da percepção, é ele quem
percebe e não há outra maneira de conhecê-lo senão vivê-lo. Cardim afirma que
“Movimentar o corpo e visar as coisas
através dele são dois momentos de
uma única totalidade. Merleau-Ponty
se interessa, assim, pela capacidade
humana de ‘inverter’ a relação natural
entre o corpo e a ’circunvizinhança’
como o lugar de apropriação de um
espaço e dos instrumentos culturais.”
(CARDIM, 2009 : p. 112)
O corpo é uma estrutura, uma relação, uma
unidade que se organiza. Não há percepção
pontual, pois ela ocorre sempre dentro de uma
relação, sendo que todas as partes do corpo
se organizam espontaneamente para cumprir
essa tarefa.
62
Quanto
à
arte,
importante
perceber
que,
para Merleau-Ponty, o sentido não está no
sujeito ou na obra, mas na percepção da
relação entre as partes. Cézanne, cuja obra é
analisada profundamente pelo filósofo, traz em
suas pinturas camadas dinâmicas mostradas
com o mesmo nível de visibilidade1. É assim
que o tratamento de um fundo, por exemplo,
colabora para a percepção de um objeto,
desenhando-se menos pelo traço do que pela
relação entre as cores. É assim também que a
desproporção de seus objetos se equilibra na
relação com o todo de sua composição (cf.
MERLEAU-PONTY, 2004 : p.118). Trata-se de
uma relação viva, em movimento, que revela
a obra pela profundidade com a qual reconhecemos a paisagem. Na pintura de Cézanne,
tal interação entre figura e fundo é análoga à
capacidade do corpo apontada por Merleau–
Ponty:
“Nosso corpo não está aberto somente
às situações reais; ele está preparado
para o virtual, para situações imaginárias. A parte interrogada do corpo
– quando tocada – sai do anonimato
e se mostra, anuncia-se. O que era
fundo transforma-se em figura. Dessa
forma ele não se constitui como
barreira que nos isola do mundo, mas,
pelo contrário, atua como ponte que
nos coloca em permanente contato
com o mundo.” (CARMO, 2002 : p. 89)
Cézanne pretende recuperar a gênese como
organização do mundo, que ocorre de forma
espontânea, buscando o modo como aquilo
que é percebido – neste caso, a paisagem –
mostra-se em nós. Nesse sentido, a paisagem
é também o agente do que se constitui em
1-Merleau-Ponty dedica o texto A Dúvida de Cézanne, publicado
originalmente em 1945, à obra do artista. (in: MERLEAU-PONTY,
2004).
63
mim e, portanto, a obra se constitui em mim:
“a imagem saturava-se, ligava-se, desenhava–
se, equilibrava-se, tudo ao mesmo tempo se
maturava. A paisagem, dizia [Cézanne], se pensa
em mim e sou sua consciência”. (MERLEAU–
PONTY, 2004 : p. 119) Em sua fenomenologia,
não há como separar o objeto percebido da
consciência que formamos dele: “no ato de
pintar e até mesmo no de contemplar o objeto
pintado, há uma profusão de sentidos em que
estão imbricados a coisa, o corpo e a consciência.” (CARMO, 2002 : p. 59)
Se não existe um ser separado de um mundo,
logo, não existe obra separada do olhar que
lhe reconhece dentro desta condição. Foi,
portanto, com Merleau-Ponty que pude situar
aquilo que buscava em minha produção: olhar
e obra como processos dependentes que só
existem dentro desta relação, não há obra
sem um olhar que a contemple, assim como
não há espectador sem uma obra que a ele
se dirija.
É a partir da contribuição desse pensador que
defino o título deste projeto, referenciando
diretamente uma de suas formulações
fundamentais que afirma ser o nosso corpo
“ao mesmo tempo vidente e visível” (MERLEAU–
PONTY, 2004 : p. 17).
64
“Eis o enigma: meu corpo é simultaneamente vidente e visível. Ele, que
olha todas as coisas, também pode
olhar-se e reconhecer naquilo que
então vê no ‹outro lado› de sua
potência vidente. Ele se vê vendo, ele
se toca tocando, é visível e sensível
para si mesmo. É um ‹si› não por
transparência, como o pensamento,
que pensa tudo assimilando-o, constituindo-o, transformando-o em pensamento mas um ‹si› por confusão,
narcisismo, inerência daquele que
vê naquilo que vê, daquele que toca
naquilo que toca, daquele que sente
naquilo que é sentido.” (MERLEAU–
PONTY, 1975 : p. X)
Conforme Cardim, Merleau-Ponty reconhece na
obra de arte o exercício de uma unidade semelhante àquela que se estabelece, por meio da
percepção, na relação do homem que percebe
com o mundo percebido:
“A unidade do corpo próprio é comparável à da obra de arte. Pois na arte
é bastante claro o fato de que forma
e conteúdo não podem se separar,
ou melhor, a expressão e aquilo
que foi expresso são indissociáveis,
pois formam um ‘nó de significações
vivas’.” (CARDIM, 2009 : p. 112)
Cardim prossegue citando diretamente Merleau–
Ponty:
“Um romance, um poema, um quadro,
uma peça musical são indivíduos,
quer dizer, seres em que não se pode
distinguir a expressão do expresso,
cujo sentido só é acessível por um
contato direto, e que irradiam sua
significação sem abandonar seu lugar
temporal e espacial. É nesse sentido
65
que nosso corpo é comparável à
obra de arte.” (MERLEAU-PONTY apud
CARDIM, 2009 : p. 113)
O exercício que proponho é o de sobrepor os
elementos que o filósofo compara na seguinte
analogia: o que ocorre nessa relação quando
aquilo que se oferece à percepção do corpo é
a própria obra de arte. Sendo a obra o modelo
a que Merleau-Ponty recorre para explicar essa
unidade do corpo, é bastante óbvio que a
relação corpo-obra não escaparia à mesma
dinâmica de reciprocidade.
Uma vez que a fenomenologia permitiu
compreender de modo amplo as bases dessa
reciprocidade, coube recolocar a pergunta:
“quem” ou “o que” vê esse corpo vidente
do espectador ao colocar-se em relação
com a obra de arte, de modo mais pontual.
Sem dúvida a obra, em sua própria unidade,
devolve o olhar ao espectador. Mas, resgatada
essa totalidade, busquei especificar um dos
elementos que dá à imagem uma capacidade
ainda mais intensa de movimento: sua existência no tempo denso e extenso da história.
É a contribuição de outros autores a respeito
de tal tema que discutirei em seguida.
66
A dupla distância em Didi-Huberman
Bater fotos é uma ação do tempo
na qual alguma coisa é arrancada
de seu próprio tempo e transferida
para um tipo diferente de duração
Win Wenders
68
69
Em “A inelutável cisão do ver” e “O evitamento do vazio: crença ou tautologia”, os dois
primeiros capítulos do livro O que vemos, o
que nos olha (1998), Georges Didi-Huberman
sugere que alguns elementos da imagem
podem resistir ao olhar do espectador, já que,
às vezes, não são de todo apreensíveis por
nossa vontade de interpretação.
Didi-Huberman
enxerga
nas
imagens
uma
condição de certo modo “fantasmagórica”,
que ele explica descrevendo a experiência de
estar diante de um túmulo. Ao olhar para
este objeto, pesa o fato de a morte ser uma
espécie de destino que projeta o ser para um
lugar distante e inapreensível, mas que se faz
próximo pela presença do corpo que sabemos
estar contido naquele volume.
Olhando para um túmulo, há aquilo que vejo,
ou seja, a evidência de estar diante desse
objeto plenamente visível, e há aquilo que
resiste ao domínio do olhar e que me abala
exatamente por não ser evidente. Trata-se de
um esvaziamento que diz respeito ao destino
71
do corpo, agora privado de sua fala, de seu
gesto, de sua vida; um simulacro daquilo que
não apreendo totalmente, mas que sei que me
tornarei em meu futuro.
Aquilo que não vejo, que resiste ao meu olhar
exatamente porque me abala, é o que me olha
profundamente. Nessa “imagem impossível de
se ver” constato a minha angústia de “não
saber o que vem a ser meu próprio corpo”
(DIDI-HUBERMAN, 1998 : p. 38).
A angústia que se instala em mim é justamente
o que me abre em dois: um ser que vê, um
ser que é visto. Didi-Huberman aponta duas
formas recorrentes de renegar o desconforto
desta condição. A primeira consiste em fixar-se
naquilo que é plenamente visível, ignorando
tudo aquilo que me olharia, considerando
unicamente o volume visível e excluindo, assim,
toda a invisibilidade. A segunda maneira seria
“superar imaginariamente” a cisão a partir de
um dogma que me faz tomar o volume visível
como insignificante, fazendo supor que o ser
ausente permanece vivo em algum outro lugar,
cheio de substância, nada devendo à matéria
que vejo.
72
A primeira situação é o exercício da tautologia, da obviedade, que nega o que está
além do volume e deseja só o que está na
superfície. Assim, o volume se esgota em suas
arestas bem demarcadas, plenamente visíveis
ao olho. A segunda é o exercício da crença
de que a realidade do ser em questão está
agora a uma distância absoluta, intransponível
e, portanto, incapaz de me devolver um olhar.
Em uma, o que existe está próximo demais e
se entrega ao domínio do meu olhar. Na outra,
o que existe está definitivamente afastado de
mim: o que vejo não importa, o que me olharia
já não me assombra.
O que o autor deseja preservar na experiência
com o túmulo – na verdade, na experiência
com as imagens – é a tensão do que está
próximo e do que está distante, ou seja, o que
ele chama de “dupla distância”:
“Abramos os olhos para experimentar
o que não vemos, o que não mais
veremos – ou melhor, para experimentar que o que não vemos com
toda a evidência (a evidência visível)
não obstante nos olha como uma
obra (uma obra visual) de perda. Sem
dúvida, a experiência familiar do que
vemos parece na maioria das vezes
dar ensejo a um ter: ao ver alguma
coisa, temos em geral a impressão de
ganhar alguma coisa. Mas a modalidade do visível torna-se inelutável –
ou seja, votada a uma questão de
ser – quando ver é sentir que algo
inelutavelmente nos escapa, isto é:
quando ver é perder. Tudo está aí.”
(DIDI-HUBERMAN, 1998 : p. 34)
Em toda obra de arte carregada de densidade
histórica, há relações que escapam à apreensão
mais imediata e que podem permanecer inacessíveis ao saber interpretativo daquele que olha.
73
Como no caso do túmulo, é aqui que se abre,
nessa superfície da obra, uma fresta por onde
sua história me olhará.
Ao romper com o caráter unilateral do olhar,
impõe-se uma instabilidade nos papéis do
sujeito e do objeto: se o que vemos também
nos olha, podemos dizer que o sujeito que
contempla é, agora, objeto de um olhar
devolvido pela obra.
Ao olharmos para uma superfície com a
aparente sensação de que tudo foi mapeado,
de que tudo foi visto, supõe-se que a totalidade da superfície esgota-se no presente. O
tempo, por sua vez, encarrega-se de perturbar
tal ordem, impondo a experiência do anacronismo, gerando a sensação de que algo do
passado não se resolve totalmente naquilo
que podemos apreender dele.
74
Cabe separar o duplo sentido que podemos
dar à noção de história. De um lado, a história
como método acadêmico: ao olhar para uma
pintura, podemos supor que sua superfície
possa ser totalmente apreensível pelas ferramentas propostas pela história da arte, que
supõe ser capaz de decifrá-la, de descobrir
todo seu sentido. Porém, resta a história
como densidade do tempo, não se esgotar
na superfície apreendida pelo presente. São as
fissuras que nos revelam camadas anacrônicas
pelas quais somos vistos. Como afirma Didi–
Huberman em outro livro, Diante do tempo
(2006), dedicado à experiência de anacronismo
que a imagem nos impõe:
“Sempre, diante da imagem, estamos
diante do tempo (...). Enfim, diante de
uma imagem temos humildemente que
reconhecer o seguinte: que provavelmente ela nos sobreviverá, que diante
dela somos um elemento frágil, o
elemento passageiro, e que diante de
nós ela é o elemento de futuro, o
elemento da duração. A imagem na
maior parte das vezes tem mais de
memória e mais de porvir que o ser
que a olha.” (DIDI-HUBERMAN, 2006 :
p. 31-2)
A cisão do ver de que fala Didi-Huberman
torna-se possível pela negação do caráter
absoluto da condição de sujeito como alguém
que tem o domínio dessa percepção, cinde
a percepção em dois movimentos para fazer
do sujeito que vê um objeto que é visto,
sugerindo uma dupla distância da imagem
vista. O espaçamento criado entre olhante
e olhado é um paradoxo que, mais adiante,
Didi-Huberman explicará pela noção de aura
em Walter Benjamim, definida como a “única
aparição de uma coisa longínqua, por mais
próxima que possa estar”, distância que se
constrói justamente na experiência aurática
(BENJAMIN apud DIDI-HUBERMAN, 1998 : p.
147). Ele prossegue, aprofundando a relação
de sua tese com Benjamin:
“Sob nossos olhos, fora da nossa
visão: algo aqui nos fala tanto do
assédio como do que nos acudiria de
longe, nos concerniria, nos olharia e
nos escaparia ao mesmo tempo. É a
75
partir de tal paradoxo que devemos
certamente compreender o segundo
aspecto da aura, que é o de um
poder do olhar atribuído ao próprio
olhado pelo olhante: ’isso me olha’.
Tocamos aqui o caráter evidentemente fantasmático dessa experiência,
mas, antes de buscar avaliar seu teor
simplesmente ilusório ou, ao contrário,
seu eventual teor de verdade, retenhamos a fórmula pela qual Benjamin
explicava essa experiência: ‘sentir a
aura de uma coisa é conferir-lhe o
poder de levantar os olhos’.“ (DIDI–
HUBERMAN, 1998 : p. 148)
O esforço para compreender o pensamento
de Didi-Huberman levou-me à exposição Atlas
Suíte, pensada para integrar-se ao novo
espaço do MAR (Museu de Arte do Rio) em
2013. Esta exposição, preocupada em refletir
sobre a construção de uma política do olhar,
permitiu dar um sentido mais claro à maneira
como lido com meu acervo de imagens em
minha própria pesquisa.
76
Idealizada por Georges Didi-Huberman em
parceria com o artista Arno Gisinger, Atlas
Suíte propõe uma “exposição na época de sua
reprodutibilidade técnica”2, pensando a relação
entre as obras e das obras com o espaço na
forma de um atlas, noção que rege também
a organização da biblioteca do historiador de
arte Aby Warburg, questionando as tradicionais
relações entre tempo, história e memória.
2-Texto de parede da exposição Atlas Suíte (2013).
Segundo Warburg, o encontro de imagens de
épocas e lugares distintos é capaz de compor
pensamentos que vão além daquilo que sua
contextualização permite interpretar. Diante
desse princípio semelhante, sua biblioteca
podia ser constantemente reorganizada pelo
que ele chamava de “boa vizinhança”, ou seja,
a capacidade dos livros de relacionarem-se
uns com os outros para além da lógica de
suas disciplinas de origem.
O Atlas de Imagens que Warburg propõe (no
original, em alemão, Bilderatlas Mnemosyne)
é composto por 79 painéis que somam 900
imagens, principalmente fotografias em preto e
branco, e articulava “reproduções de pinturas,
esculturas, monumentos, edifícios, afrescos,
baixos-relevos antigos, gravuras, grisailles,
iluminuras, mas também de recortes de jornais,
selos postais, moedas com efígies” (SAMAIN,
2011 : p. 36) sobre grandes painéis de madeira
que mediam aproximadamente dois metros,
constituindo peças que eram deslocadas de
qualquer ordem linear previsível. Esta composição constituía um espaço de questionamento
sobre os potenciais das imagens que, hoje,
tem inspirado novas concepções de exposição,
como a que foi organizada por Didi-Huberman.
Warburg instalava os painéis com as imagens
na biblioteca “para que pudessem entrar em
diálogo, se pensar entre si, no tempo e no
espaço, para que também pudessem ser
observadas, relacionadas, confrontadas na
grande arquitetura dos tempos e das memórias
77
humanas”, construindo então uma “história da
arte sem palavras” (SAMAIN, 2011 : p. 36).
A biblioteca, construída entre 1924 e 1929,
era organizada por categorias definidas e
distribuídas por Warburg em quatro níveis da
seguinte forma: no primeiro, localizavam-se as
imagens (Bilder) desde a arte pré-clássica até
a arte de seu tempo; no segundo, estavam os
livros referentes à palavra (Wort), pensando
na linguagem como transmissão da literatura
clássica; no terceiro, a orientação (Orientierung),
os
corredores
heurísticos
do
pensamento
humano: ciência, religião, filosofia; e o quarto
plano era reservado para a ação (Aktion),
configurada por diferentes tomadas de posição
diante da história do mundo.
A junção dos livros com as fotografias, as
pranchas
compostas
por
reproduções
e
as imagens de imagens pretende compor
“uma memória impensada da história” (DIDI–
HUBERMAN apud SAMAIN, 2011 : p. 37).
Em seu texto feito para a exposição Atlas:
como carregar o mundo nas costas?, realizada
no Museu Reina Sofia, em Madrid, entre 2011 e
2012, Didi-Huberman já expunha as ideias que
foram o ponto de partida para a exposição
realizada aqui no Brasil:
78
“Atlas, finalmente, deu o seu nome a
uma forma visual de conhecimento:
ao conjunto de mapas geográficos,
reunidos num volume, geralmente,
num livro de imagens, cujo destino
é oferecer aos nossos olhos, de
maneira sistemática ou problemática –
inclusivamente poética, com risco de
ser errática, quando não surrealista
– toda uma multiplicidade de coisas
reunidas por afinidades eletivas.”
(DIDI-HUBERMAN, 2011)
Didi-Huberman, desta vez em parceria com Arno
Gisinger, diz no texto feito para a exposição
Atlas Suíte, apresentada no Brasil:
“É, portanto, um trabalho sobre o
próprio meio fotográfico e sobre as
relações complexas entre as obras
e suas diferentes possibilidades de
reprodução, de representação. (...) O
material é remontado e repensado
tendo em vista a nova versão do
projeto: um modo de afirmar, como
todo editor de imagens experimenta, o
caráter inesgotável das constelações
possíveis3.”
Por caminhos menos seguros, eu já havia identificado o poder que as imagens de um acervo
adquirem quando se aceita jogar com suas
possibilidades de relação, independentemente
dos projetos que deram origem a elas. Da
mesma forma que me pergunto o quanto uma
obra olha para o espectador, passei a me
questionar sobre o quanto minhas fotografias
podem olhar para mim.
Deixei então que algumas brechas indicassem
possibilidades na devolução desse olhar.
3-DIDI-HUBERMAN;
GISINGER.
exposição Atlas Suíte, 2013.
Texto
de
parede
da
79
Como parto do cruzamento entre tempos nos
olhares, seja o da obra, o do museu ou o
do presente em que reviro meus arquivos,
comecei a perceber o modo como um conjunto
de imagens escolhidas dentro de um acervo
recria narrativas e metáforas que transportam
as imagens para outros planos de significação.
A exposição e os comentários produzidos por
Didi-Huberman sobre Warburg ajudaram-me a
pensar as rearticulações desse acervo como
um pensamento que as imagens provocam,
compondo pouco a pouco um mapeamento,
isto é, um “atlas” das relações entre espectadores e obra de arte.
Seria instigante aproximar Merleau-Ponty
e Didi-Huberman, já que o pensamento de
ambos contribui para questionar a autoridade
do sujeito sobre o objeto e o caráter unidirecional da percepção de um sobre o outro. Mas
esta não é uma tarefa fácil, porque é preciso
também reconhecer algumas diferenças importantes.
80
Para Merleau-Ponty, não há distância entre
sujeito e objeto, de modo que a coisa vista
e a consciência da percepção fazem parte
de um mesmo movimento. Já Didi-Huberman
coloca o objeto em uma dupla distância que
constitui dois movimentos distintos e que faz
do sujeito que vê também um objeto que é
visto:
“o que vemos só vale – só vive –
em nossos olhos pelo que nos olha.
Inelutável, porém é a cisão que separa
dentro de nós o que vemos daquilo
que nos olha. Seria preciso assim
partir de novo desse paradoxo em
que o ato de ver só se manifesta
ao abrir-se em dois.” (DIDI-HUBERMAN,
1998 : p.29)
Entendo que são dois modos distintos de relativizar o papel do sujeito que olha. Em Merleau–
Ponty sujeito e objeto não se separam, de modo
que toda a ação do corpo sobre o mundo é,
ao mesmo tempo, uma ação do mundo sobre
o corpo: o corpo vidente é também visível
em um mesmo processo. Didi-Huberman, por
sua vez, afirma a alternância de papéis e não
propriamente uma indistinção, já que o sujeito
adquire, num segundo movimento que acrescenta, a condição de objeto: aqui, o corpo
vidente é perturbado por uma resposta da
imagem que o torna também visível.
Merleau-Ponty traz um princípio filosófico que
me convida a pensar de um modo muito
amplo a relação do olhar com a obra de
arte. Didi-Huberman me ajuda pontualmente a
nomear um processo de inversão do olhar que
orientou a escolha e a edição das imagens
pertencentes a esta nova série.
81
Corpo vidente, corpo visível:
pensar com as imagens
Foi na edição que as peças se juntaram,
e não fui eu quem concebeu
o quebra-cabeça
Chris Marker
82
83
Diante
do desejo de mostrar toda uma
dimensão invisível contida no olhar, no início
do presente curso de pós-graduação eu
considerava a possibilidade de adotar procedimentos muito distintos dos trabalhos anteriores, construindo cenas, dialogando com
os espectadores e dirigindo o modo como
aparecem diante das obras.
Naquele momento fui também motivada por
trabalhos de Rineke Dijkstra (Ruth drawing
Picasso e The wipping woman) e Jeff Wall
(Movie Audience) que também pensam a
relação do espectador com a obra.
Rineke Dijkstra,
The Weeping Woman,
2009.
Jeff Wall,
Movie Audience,
1979.
Posteriormente, tanto as leituras quanto o
convívio com meu acervo convidaram-me a
buscar um destino mais significativo para as
imagens acumuladas em estado bruto, tanto
em termos de edição quanto de tratamento.
Percebi que a encenação não é a única forma
de garantir que as imagens apontem para os
conceitos que eu busco discutir e descobri
que o processo de edição e de pós-produção
tem a capacidade de ressignificar as imagens
e também de inseri-las em uma perspectiva
mais alegórica ou ficcional.
Foi esse o ponto de partida deste trabalho:
revisitar um acervo de aproximadamente 3500
fotografias acumuladas ao longo dos últimos
quatro anos, período em que tenho observado
as relações entre o público e as obras de
arte. Alguns trabalhos anteriores já haviam me
indicado que o trânsito pelo acervo poderia
ser tão produtivo quanto minha presença
direta nos espaços expositivos e isso justifica–
se por razões diversas.
86
A primeira delas deve-se ao fato de que
muitas das questões que movem a presente
pesquisa não estavam previamente formuladas.
Elas foram propostas por exercícios de aproximações e combinações entre imagens realizados em lugares e momentos distintos. Em
segundo lugar, tanto o museu quanto o arquivo
assumem um estatuto semelhante, revelando–
se lugares de interação entre as imagens e os
olhares, incluindo o meu próprio.
Retornar
às
imagens
que
permaneceram
guardadas minimiza minha autoridade sobre
elas, à medida que descubro significações,
elementos e detalhes que só são vistos nestes
encontros posteriores. De modo semelhante
àquilo que busco nos museus, há nessas
descobertas algumas surpresas que, de algum
modo, fazem com que eu me sinta olhada pelas
imagens e pela breve história já acumulada
nesse arquivo.
Alguns exercícios iniciais de edição foram
feitos,
em
princípio,
a
partir
de
algumas
dezenas imagens selecionadas de modo ainda
intuitivo, com o objetivo de gerar discussões
sobre o olhar, a obra de arte e o contexto em
que se inserem. Foi ao longo do processo de
orientação das pesquisas que um dos professores do curso, Pio Figueiroa, da Cia de Foto,
sugeriu que eu me detivesse por algum tempo
sobre uma única imagem e me concentrasse
sobre a leitura de Merleau-Ponty, posteriormente discutido também por outros professores.
Com esta imagem comecei a entender a possibilidade de fundir os papéis de quem olha
e quem é visto. Passei então a buscar no
acervo imagens nas quais eu pudesse dissolver
os personagens (os retratados ou os espectadores),
operando
numa
construção
que,
devido aos apagamentos, pudesse destacar e
retirar mais de uma cena de dentro da mesma
87
Fotografia realizada no Metropolitan Museum of Art,
que serviu como ponto de partida para a realização
da série Corpo Vidente, Corpo Visível.
88
fotografia, dando também às pinturas uma
condição viva.
O processo de trabalho firmou-se na busca
de imagens que tivessem potencial para se
converterem em metáforas daquilo que se
quer evidenciar. Reeditadas, elas compõem
discursos que assumo como construções
poéticas feitas dos próprios fragmentos de
experiências coletados numa espécie de
pesquisa de campo.
Neste período, continuei alimentando o acervo
com novas imagens, mas, cada vez mais, as
fotografias que produzo são pensadas não
tanto como registros de acontecimentos, mas
como etapas de investigação sobre algo que
não se pode ver imediatamente e que não
está previamente denominado. Gradativamente
tomei consciência de que faço parte do fluxo
de olhares que se constrói nesses espaços,
assumindo uma posição que me integra a
essas relações ao mesmo tempo em que tento
observá-las. Isso me faz pensar que a fotografia não é um instrumento neutro, mas um
dos nós dessa trama de olhares que tento
compreender.
Enquanto fotografo, tento apenas intuir aquilo
que pode sugerir a complexidade do olhar
dentro das dinâmicas constituídas nesses
espaços. Nos primeiros registros que fiz em
museus, as fotografias apenas reagiam aos
movimentos feitos pelos espectadores enquanto
buscavam ocupar um lugar que permitisse
89
estabelecer algum tipo de relação com as
obras. Aos poucos, tanto o corpo quanto os
elementos do espaço revelaram-se instâncias
que participam da dinâmica do olhar.
Como ocorreu com Merleau-Ponty, o diálogo
constante com esse acervo se dá muitas
vezes a partir de questões pontuais que são
sugeridas tanto pelas leituras teóricas quanto
por aspectos percebidos nas exposições: um
tipo de gestualidade, uma forma de organização do espaço, a presença de certos objetos
como câmeras fotográficas e áudio-guias, uma
reação do corpo a certos elementos das obras.
Por sua vez, esse diálogo assume o arquivo
como uma espécie de memória da pesquisa
que realimenta e direciona aquilo que busco
em visitas posteriores a outras exposições.
Com o acompanhamento de outra professora,
Carol Lopes, também da Cia de Foto, passei a
estudar diferentes possibilidades de tratamento
da imagem, ganhando aos poucos autonomia
no uso das ferramentas de edição e buscando
o sentido que cada recurso poderia acrescentar ao trabalho.
90
Permitindo a manipulação das condições de
luz e da perspectiva, os exercícios apontaram
uma forma de dar papéis intercambiáveis aos
espectadores e aos personagens retratados.
Ou seja, enquanto o retrato parece ganhar
vida, os espectadores assumem a condição de
pintura. Isso permitiu materializar uma questão
que já permeava a pesquisa: o modo como a
obra devolve o olhar ao espectador. O escuro,
que se instaura na representação do espaço
expositivo, apaga a distância e a hierarquia
que distinguem o sujeito que olha do objeto
que é olhado.
Com esse foco, passei a buscar no acervo
imagens que permitissem construir essa
situação de intercâmbio ou de algum outro
tipo de mimetização entre público e pintura. O
processo foi acompanhado por diversos testes
de impressão com diferentes tipos de papel,
formatos e programações na saída de cada
impressão, até chegar ao conjunto aqui apresentado.
Está claro que ser olhado é, para Didi–
Huberman, muito mais do que a ilusão de que
os olhos de um personagem da pintura se
voltem para o espectador. Esse olhar concreto
do retrato é, neste trabalho, uma espécie de
metáfora da vitalidade e da densidade histórica
que qualquer obra pode adquirir, fazendo com
que nos sintamos olhados por ela. Agora sou
eu quem está diante de uma imagem, sendo
vista por ela e por todos os agentes nela
implicados.
A pintura é, em princípio, uma superfície
que se oferece inteira ao olhar. Mas ela é
feita também de camadas mais obscuras de
significação que a autoridade do olhar não
alcança. Nesse sentido, vale para a pintura
aquilo que discutimos no exemplo do túmulo
dado por Didi-Huberman. A História da Arte,
91
como método, tenta desvendar o contexto de
produção da imagem para torná-la legível, para
torná-la próxima desse olhar. Mas a história de
uma obra de arte – desta vez, não a história
como método, mas como o tempo que carrega,
como a trajetória que cumpriu – impõe outra
distância, uma profundidade obscura onde o
olhar não penetra e os métodos de interpretação mostram-se insuficientes. É aqui que
se abrem fissuras na superfície por onde a
imagem nos olha.
Quando nos sentimos olhados pela imagem,
Didi-Huberman sugere a existência de um efeito
de fantasmagoria. Assim como as igrejas, o
museu é um espaço um tanto sacralizado,
solene, silencioso. Tal como os cemitérios, é
também o local dedicado a abrigar objetos
mortos: imagens transportadas de seu lugar
original para um espaço de conservação e
memória. As analogias entre estes espaços
reforçam com frequência a sensação assombrosa de que algo nos espia. Vale lembrar que,
para Didi-Huberman, isso não é apenas uma
ilusão trazida pelo realismo das obras, é um
movimento real provocado pelo tempo que se
adensa nas imagens.
92
No tratamento e na edição das imagens, a
elaboração da luz, contraste, textura, cor,
perspectiva e o reenquadramento reforçam
os aspectos obscuros do museu e também a
ideia de fantasmagoria. Pontualmente, busquei
destacar com a luz a expressão dos rostos e
o olhar dos retratados, bem como a escuridão
que toma todo o ambiente do museu. Ao
perturbar as referências que definem a perspectiva do espaço físico, o escuro pretende
representar essa outra profundidade, as
camadas construídas pelo tempo, que vão
além da superfície da pintura e, nas minhas
fotografias, parecem dar movimento ao olhar
dos retratados. Esse modo de tratamento faz
referância a luz pontual e as densas áreas
escuras das pinturas barrocas.
Luz e sombra são aqui artifícios que compõem
as propriedades da representação, seja a
pintura ou a fotografia. Por isso, são manipuláveis pela técnica. Mas a legibilidade desses
elementos está também apoiada em uma
experiência real:
“Merleau-Ponty diz que não é apesar
de os objetos se dissimularem através
de reflexos, sombras e horizontes, que
nós os vemos; ao contrário, afirma
que graças a isso é que temos o rico
espetáculo do mundo. (...) Sombra e
luz acompanham nossa vivência com
os objetos. Assim, não estamos diante
das coisas do mundo como meros
espectadores, mas entre as coisas,
interagindo com elas.” (CARMO, 2002
: p. 47).
93
94
Chegar ao Próximo Começo
96
Diante
da tarefa de “concluir” este trabalho,
confesso chegar a esta etapa com mais
aberturas do que quando iniciei a Pós–
Graduação em Fotografia aqui na FAAP.
Lembro-me de terminar a monografia da
graduação numa situação semelhante, com a
sensação de que não haveria um fim possível
para aquele trabalho.
Retornei agora ao que havia escrito naquela
ocasião e, apesar da angústia se repetir, fico
satisfeita por perceber que o trabalho atual
se desenvolve exatamente sobre as aberturas
e as questões não respondidas que restavam
naquele momento.
Ao tentar entender a complexidade do olhar,
eu lancei-me em um caminho que me convida
a ampliar ou deslocar a pergunta que move a
pesquisa a cada vez que uma resposta parece
ter sido alcançada. Isso é da natureza das
coisas que acreditamos serem complexas.
Ao longo da pós-graduação, vivi a ansiedade
de mergulhar em discussões teóricas e de
tentar responder a elas por meio de autores
igualmente complexos, como Merleau-Ponty e
Didi-Huberman. O desejo de dar conta dessas
97
leituras teve impacto no meu cronograma e
atrasou a produção do meu trabalho fotográfico.
Por algum tempo, eu parecia estar mergulhando numa pesquisa que seria apenas –
como se fosse pouco – de ordem teórica.
Mas esse foi o tempo e o processo necessários para formular as questões que me
levariam de volta às imagens. Mesmo que
minha compreensão desses autores ainda seja
insipiente, foi Merleau-Ponty que me ajudou a
nomear a reciprocidade do olhar que passei
a buscar nas imagens. Didi-Huberman, por
sua vez, me ajudou a compreender o modo
como as imagens acumuladas em um arquivo
olhavam–me de volta, provocavam-me e impunham-me elementos que não foram percebidos
no momento em que foram feitas. Tem sido um
grande aprendizado perceber que uma leitura,
uma aula, uma discussão teórica, qualquer um
desses momentos de aparente imobilidade, é
também processo de criação.
O que permanece aberto neste momento já
se desdobra em novos caminhos. No segundo
capítulo desta monografia, reuni algumas
leituras sobre a noção histórica do museu
98
já com a intuição de que o olhar interage
não apenas com a obra, mas com esse
sentido definido pelo espaço. Questões que se
desdobram dessa intuição começam a guiar
uma nova etapa do trabalho: de que maneira
a configuração do espaço, as políticas institucionais, as decisões curatoriais participam
efetivamente dessa performance complexa que
é o olhar?
Essa pergunta, que já estimula novas leituras,
mas que ainda não se materializa muito claramente nas imagens, configurou um novo projeto
que foi aceito pelo programa de Residência
Artística oferecido pela FAAP, em parceria com
a Cité Internationale des Arts de Paris, para o
primeiro semestre de 2014. Retorno, portanto,
à cidade onde, há quatro anos, as primeiras
questões desta pesquisa se colocaram com
a série Le Gioconde, realizada no Museu do
Louvre.
Esta conclusão é, portanto, a introdução de
uma nova etapa de pesquisa já desencadeada.
Felizmente, as dinâmicas do olhar têm se
revelado um tema tão inesgotável quanto meu
desejo de aprendizado.
99
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