kommissar rex - Ser Designer», um livro de Armando VILAS-BOAS

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kommissar rex - Ser Designer», um livro de Armando VILAS-BOAS
newsletter APOGESD
Rex, o cão polícia
Tomei conhecimento recentemente de que esta série austríaca é um sucesso de popularidade. Há cafés que se
enchem de gente que vai assistir aos episódios. Tendo em conta que a série é transmitida aos dias úteis entre
as 14 e as 15 horas, parece-me uma proeza. Sou admirador incondicional da série desde sempre. Noutro dia, por
casualidade, vi um episódio num sábado à noite. Trata-se de uma série recente de episódios, ao contrário das
duas séries que alternadamente passam aos dias úteis. Os actores são diferentes, o argumento é diferente, a
realização é diferente. Para pior.
Porque é que os episódios antigos são tão encantadores e os
de sábado não são? Porque as histórias dos episódios antigos
são muito simples. Os personagens são simples e acolhedores
— excepto os criminosos, claro, os quais apesar de cometerem
os mais hediondos crimes apresentam sempre uma postura
quase cavalheiresca. São episódios cujo argumento veicula valores
positivos como a justiça, companheirismo e civismo. E fazemno recorrendo a uma realização esclarecedora, limpa e eficaz.
As imagens que vemos, ainda que ilustrem becos degradados
e caves soturnas, são sempre apuradas, iluminadas com um
requinte técnico absolutamente nórdico. As narrativas e os
personagens da série encantam-me. Mas o tratamento dado
aos estímulos audiovisuais contribui em grande medida para a
sensação de candura, de quase inocência, que cada episódio
desta série policial transmite.
É exactamente isso que falta nos novos episódios da série. Os
personagens são mais violentos. Entraram personagens femininos
com insinuações de sensualidade. As perseguições policiais são
agitadas. O encanto cedeu ao ritmo desenfreado. De certa forma,
a involução desta série é representativa do estado de sítio que
a produção audiovisual atingiu: cultivam-se os valores da
instantaneidade e da violência em função da constante insaciedade
do público. Esta tendência é, evidentemente, reflexo dos tempos
em que vivemos. O que me parece importante reflectirmos a
este propósito é que a própria produção audiovisual vai, por seu
turno, influenciar a consciência colectiva, atiçando-a. É por isso
que a popularidade de «Rex, o cão polícia» é desconcertante.
02.04
cultura visual
Armando Vilas Boas
www.avbdesign.com
Dah?
Mas o que é que isto tem a ver com a gestão desportiva? Aparentemente, nada. Mas, se calhar, tudo. Porque a noção
que temos de algo é cada vez mais moldada pelos estímulos audiovisuais que desse algo recebemos: a conferência
de imprensa do presidente do clube a que assistimos na televisão, a decoração das instalações de um centro de
fitness, o logótipo de um torneio de futebol, os fatos de uma selecção nacional feminina de voleibol (como a ilustrada
na imagem), o novo anúncio de uma marca desportiva. Para que a imagem resulte harmoniosa, ela tem de ser
coordenada, estudada. Sobretudo, penso que tem de ser moldada com base em valores positivos, valores que
efectivamente constituam progresso e não se limitem a alimentar a tendência cega que todos parecem seguir.
No rescaldo do muito bem sucedido 6º Congresso Nacional de Gestão de Desporto, exemplarmente organizado
pela Apogesd, cujo lema foi “inovar para melhor competir”, quase me apetece guardar como lema alternativo
esta reflexão: talvez seja chegada a altura de retomarmos algum minimalismo para fazer face à cacofonia. Talvez
seja chegada a altura de, numa época em que futebolistas morrem no relvado onde passada uma semana decorre
uma batalha campal e em que clubes cortam relações após disputas verbais, pararmos para pensar um pouco.
E, se o fizermos, talvez cheguemos à conclusão de que a forma de inovar não é fazer como todos os outros, mas
sim estimular um pensamento divergente e olhar para onde mais ninguém olha. Por muito ingénua que nos pareça
essa atitude. Se calhar, aí estaremos no caminho para melhor competir. Como o Rex.
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