PROJETO PARA MOBILIZADORES LOCAIS MIAF KIDS – 3ª PARTE

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PROJETO PARA MOBILIZADORES LOCAIS MIAF KIDS – 3ª PARTE
PROJETO PARA MOBILIZADORES LOCAIS MIAF KIDS – 3ª PARTE
HISTÓRIAS
1º RADJI E JULIO
Por Christel Grigull
Ficção - Baseada em lugares reais, incluindo fatos culturais de uma família moçambicana e uma família
brasileira.
Considerações: Esta história foi escrita para crianças em idade escolar, para ser contada em EBFs ou retiros. É
uma comparação entre duas culturas diferentes, com o objetivo de mobilizar crianças para a obra missionária.
CAPÍTULO 1: UMA GRANDE RESPONSABILIDADE
FIG 1
JULIO - Você conhece o Julio?
- Ih, cara, conheço, sim! É aquele bagunceiro que deixa a professora nervosa?
- Esse mesmo! Ele veio pra minha sala este ano.
Caio e Vitor estavam conversando acerca do amigo e nem perceberam que ele estava chegando perto deles.
- Ei, vocês querem jogar comigo? – Júlio lhes perguntou exibindo uma bola de futebol de couro, de boa marca.
Os meninos aceitaram jogar com ele, e logo estavam se divertindo. Mas, não demorou muito, deu briga... Julio
mandava no jogo e eles não gostaram disso. O futebol acabou, e Julio estava nervoso. Ele gritou com Caio e
Vitor, chamando alguns palavrões.
A professora, ouvindo isso chamou Julio e disse nervosa: Vou lhe dar um castigo porque você falou
palavrões!!!!
Julio ficou meia hora sentado no banco sem brincar. Todos os dias essa cena se repetia. Por que fazia isso?
Ele não sabia...
FIG 2 - À noite, antes de dormir, seu pai sempre lia um pouco da Bíblia para Julio e sua irmã, Ana. Após a
leitura da Bíblia, seu pai falou:
- Hoje tenho uma outra história muito legal para ler - Papai pegou um livro que tinha na capa um menino negro,
muito magro, com uma bola feita de papel, plástico e barbante..
Julio e Ana gostavam de ouvir histórias, principalmente porque podiam sentar pertinho do papai e mamãe no
sofá ou na cama. Estavam curiosos.
FIG 3
- Esse menino e menina são Radji e Latifa – eles moram na África, no país de Moçambique. – explicou papai.
- Onde fica a África papai? – Perguntou Ana
- Fica aqui (mostra no Mapa Moçambique)
- Vamos ver como as pessoas vivem em certos lugares de Moçambique?
O pai leu:
RADJI - Depressa, Radji, venha! Seu papá está muito mal!
Latifa veio chamar seu irmão. Ele correu o quanto pôde, pois sabia que a cada momento papá podia morrer.
Radji entrou na palhota e segurou a mão de papá, que estava deitado na esteira.
FIG 4
- Filho – falou o pai com voz baixa – tu ainda és um miúdo, mas a partir de hoje tu serás um homem e terás
que ser forte. Vou partir e tu cuidarás de mamá, de Latifa e do nenê.
Radji olhou à sua volta. O bebê havia nascido há 15 dias, ele nem tinha nome ainda. Um frio passou pelo corpo
de Radji. Como ele poderia tomar conta da família? Ele só tinha 11 anos. Enquanto pensava, ele percebeu que
a mão de papá soltou da dele. Ele morreu.
FIG 5
Muito triste Radji saiu da *palhota (*uma casinha feita de barro e com telhado de palha) e correu pela aldeia.
Ele precisava pensar....
Lembrou que há apenas um mês atrás, papá e ele viajaram de *chapa (*tipo vã que faz viagens de trechos
curtos) até a grande cidade Beira. Era o dia do seu aniversário. Papá o levou à feira, e lá beberam um
refrigerante. Foi um grande presente de aniversário. Mas papá já estava doente há muito tempo, e logo depois
ele piorou. E agora... agora, ele teria que tomar conta da família, sem seu papá.
Somente à noite Radji voltou para sua casa. Muitas pessoas estavam lá: vizinhos, parentes e amigos. Eles
permaneceram ali sentados nas esteiras com a mamá de Radji, para consolá-la.
1
Após o enterro, o curandeiro veio até a palhota e ficou um tempo ali conversando com mamá. Eles acreditavam
que após a morte de alguém, os maus espíritos ficavam aí dentro da casa. Por isso ele veio para “tirar“ da casa
os maus espíritos. Radji não gostava dele. Ele tinha uma cara “feia”.
Quando todas as cerimônias passaram, Radji e Latifa puderam voltar à escola. Radji freqüentava a 4ª *classe
(*série) e Latifa a 1ª. Radji arrumou seu material: um livro e um pequeno caderno. O livro estava sujo, sem
capa e cheio de orelhas de burro, já havia sido usado por muitos alunos antes dele. O material sujava
facilmente por causa do pó. Radji colocou o material na bolsa de tecido, e a pendurou em seu ombro. Ah, e não
podia esquecer do saco vazio. Por que um saco vazio? Era a sua “carteira”, para sentar no chão. Na sua sala
só havia lugar para 50 alunos nas carteiras feitas de troncos amarrados uns aos outros. Mas, eles eram em 60.
Então alguns precisavam sentar no chão. Às vezes suas aulas eram debaixo de uma árvore.
O pequeno vilarejo onde a família de Radji morava se chamava Nhamatanda. Era rodeado por muitos vizinhos,
que também moravam em palhotas. Havia também plantações de mandioca e muitos mamoeiros e árvores que
dão *maçanicas (*mini-maçãs do tamanho de uma clica).
No caminho para a escola Radji e Latifa encontravam muitos amigos. Eles iam conversando, brincando um
pouco, até caminhar os 7 Km para chegar à escola. Em tempo de seca, eles atravessavam o rio a pé, pois ele
estava quase seco. Escorregavam o barranco abaixo, era muito divertido. Lá embaixo havia somente um
pequeno riacho. Ali eles refrescavam seus pés. Em tempo de chuva esse pequeno riacho enchia tanto que se
tornava um grande rio. Nesse tempo eles não iam para a escola, pois se tornava impossível atravessar o rio
sem barco. Muitos moradores se mudavam para o outro lado do rio para não ficarem isolados no tempo de
chuva.
FIG 6
- Vamos comer papaia? – sugeriu a amiga Zinha.
- É melhor não apanhar essas aqui – respondeu Radji apontando para as árvores mais próximas – nesse lugar,
elas pertencem ao senhor Manoel. Ele enfeitiçou as papaias.
- Aah, e daí? Nada vai acontecer – Zinha pegou um pau bem longo e bateu contra as papaias.
Mauro gritou para não pegar, mas a papaia já havia se espatifado no chão. Zinha ajuntou um pedaço e enfiou
tudinho na boca.
- Não se preocupem – disse Zinha tranqüila mastigando a papaia - lá na igreja o pastor falou que Deus é mais
forte que a feitiçaria. E eu sempre falo com Deus.
Ninguém prestou muita atenção no que Zinha estava falando. O medo tomou conta deles deixando-os
petrificados.
- Vou ficar aqui vendo o que acontece – falou Mauro – pois certa vez alguém comeu das papaias do Seu
Manoel, e ficou com a pele cheia de feridas vermelhas em forma de papaia.
Zinha riu e disse que não era verdade. Mas Radji e Latifa ficaram com medo. Eles acreditavam que o feiticeiro
tinha poderes especiais. Então Radji puxou Latifa pela mão e saiu caminhando depressa.
Papai fechou o livro:
Fig 7 - JULIO -- Hora de dormir, já é tarde. Mas antes vamos fazer uma oração.
- Papai, qual era a doença do pai de Radji? – Perguntou Julio
- É uma doença muito grave, causada por um vírus chamado HIV. Aqui no Brasil falamos “AIDS”, mas em
Moçambique falam “SIDA” – Milhares de pessoas morrem dessa doença na África.
- Ih, pai, a Ana já esta dormindo. Ela não consegue mais orar - observou Julio que estava bem acordado. O pai
orou e pediu se ele também queria orar. Um pouco sem graça Julio negou, pois lembrou que falou muitas
coisas feias na escola. Antes de adormecer, porém, falou baixinho com Jesus e pediu perdão. Ele ainda queria
pedir por um “play station” para o aniversário que estava próximo, mas ficou com vergonha. Assim, adormeceu.
Naquela noite sonhou que ganhou somente um refrigerante de presente de aniversário, como Radji. Para Julio
isso foi um pesadelo.
CAPÍTULO 2: O DESAPARECIMENTO
JULIO - - Ana e Julio gostaram da história de RADJI. Na noite seguinte se aninharam pertinho do pai para ouvir
a continuação:
- Pai, será que o feiticeiro podia fazer mal para a Zinha? – Perguntou Ana.
- Às vezes, os feiticeiros fazem mal, sim. Mas não para quem vive com Jesus - respondeu o papai - muitas
pessoas vivem com medo do feiticeiro em Moçambique, e também em outros países do continente africano.
Por isso eles precisam conhecer Deus, que pode libertá-los. Vamos ver o que aconteceu.
FIG 8
2
RADJI - Você viu Zinha? – Perguntou Mauro a Radji na escola. As aulas já haviam começado, mas Zinha não
havia aparecido.
- Pensei que ela estivesse com você – falou Radji.
- Ah, não. Eu fui embora. Não queria ver uma menina enfeitiçada. Na certa ela pegou aquelas feridas em forma
de papaia.
Enquanto conversavam, ouviram uma voz vinda atrás deles:
- Acharam que eu estivesse enfeitiçada? Não, vejam... nem sinal. Vocês me *aldrabaram (*enganaram) – falou
Zinha rindo - Eu me atrasei porque pisei num espinho e machuquei meu pé.
- Chiii, é a maldição! – gritou Mauro e saiu correndo.
- Não é não! Radji, você não vai correr também, vai? – Perguntou Zinha olhando assustada para ele. Mas Radji
também tinha muito medo. Ele não queria nem ver o machucado da amiga.
As crianças sentiam muito medo dessas coisas. Por isso, nos próximos dias, Mauro, Radji e Latifa ficavam
longe de Zinha e não queriam mais caminhar com ela até a escola. Zinha já era uma menina maior. Ela
freqüentava a 8ª classe.
Certo dia, em casa, na volta da escola, a mamá os aguardava:
- Radji, vamos fazer a festa do bebê logo, pois preciso sair daqui para trabalhar.
A festa do nenê é uma cerimônia conhecida como *chiçassa (*cerimônia de apresentação do bebê à
sociedade). Até então o bebê não havia saído de dentro da palhota. Radji matou algumas galinhas que corriam
pelo terreno, e mamãe preparou o *Maheu (*bebida que não pode faltar em festas. É feita de farinha
fermentada com água e açúcar). As crianças gostavam dessa bebida.
FIG 9
Muitos vizinhos, parentes e amigos chegaram para a festa. Mas só as mulheres podiam entrar na casa. Os
homens ficaram fora esperando e bebendo cerveja. O curandeiro também foi convidado para participar da
cerimônia. Após um bom banho, para “lavar” os maus espíritos do seu corpo, o nenê foi levado para fora
vestido com roupas novas. Todos se alegraram, dançaram e comeram. Foi um momento muito feliz. Neste dia
também é dado o nome ao bebê. O tio de Radji lhe deu o seu nome: Antonio. A pessoa que dá o nome se
torna uma espécie de padrinho. Em casa o bebê era chamado de Antoninho.
Radji se assustou quando viu Zinha chegando para a cerimônia com sua mamá e irmãos.
- Como vai? – Zinha cumprimentou alegre.
Radji sentiu um calafrio. Ele próprio não queria sentir isso, mas o medo estava presente nele dia-a-dia. Talvez
Zinha tivesse razão em dizer que Deus é mais poderoso que a feitiçaria. Mas papá nunca lhe falou sobre isso.
Ele nem ao menos acreditava em Deus. Ele sempre lhe ensinou que devia respeitar e temer o feiticeiro.
- Tenho que vencer esse medo! – pensou Radji - pois papá me pediu para cuidar da família. Como posso fazer
isso com medo?
Radji tentou ser gentil com Zinha durante a festa. Até lhe ofereceu maheu para beber. Aos poucos foi ficando
mais alegre e pensou: estou ficando corajoso! Papá ia gostar de ver.
O tempo passou e mamá estava preocupada com a comida. Estava acabando tudo. Não havia mais galinhas
no terreiro, nem grãos, nem peixe seco, só algumas poucas papaias. A cada dia eles comiam menos.
Certa manhã, Radji acordou assustado:
- Onde está mamá?Latifaaaaa, acorde, você viu mamá?
Latifa mal conseguiu abrir os olhos. Radji correu para o berço e encontrou Antoninho dormindo. Com certeza
mamá foi buscar água. Tudo bem.... pensou Radji. Vou esperar. Ele acendeu o fogo no fogãozinho a carvão.
As horas iam passando e o fogo apagou... mamá não apareceu. Latifa pegou o Antoninho que chorava e o
amarrou nas costas. Ele já estava com 4 meses.
FIG 10
- Não podemos ir para a escola – falou Radji.
Então começou a preparar o *mata-bicho (*primeira refeição do dia).
Radji e Latifa comeram e depois decidiram caminhar até o poço e buscar água. O nenê chorava de fome, mas
só a mamá poderia lhe dar de mamar. Radji perguntou sobre mamá para os vizinhos. Ninguém sabia de nada.
- Será que a mamá os deixou, para que ele tomasse conta da família? Não, não pode ser... – pensou Radji.
Seus pensamentos iam longe – E se algo aconteceu à mamá?
Radji e Latifa tentaram não pensar e começaram a brincar. Brincaram de *banana-banana (*pega-pega). O dia
foi passando e chegou a noite. Mamá ainda não havia aparecido. Radji precisava fazer alguma coisa. Não
havia mais muita comida. E Antoninho, o que fazer com ele? Ele tinha muita fome. Radji preparou água com
um pouco de farinha e deu de comer a Antoninho. Ele não gostou muito e ficou chorando. Os dois fecharam
seus ouvidos, e por um bom tempo ele ainda continuou chorando. Depois, finalmente adormeceu. Radji e Latifa
estenderam suas esteiras e se deitaram. Latifa adormeceu logo, mas Radji não conseguiu dormir. Ele ficou
pensando em algo que pudesse fazer no outro dia.
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JULIO – (pode repetir a figura da família) Após a história, naquela noite, Julio pensou sobre muitas coisas. Na
sua escola...ele não precisava andar a pé até lá... ele ia de ônibus e às vezes a mamãe o buscava.
Ana lembrou de seus pais: eles tinham pais que se importavam com eles. Será que agora Radji também
perdeu a mãe? Ele era apenas um menino, da idade de Julio.
Baixinho Ana orou agradecendo por seus pais.
CAPÍTULO 3 – UM LADRÃO!
JULIO - (pode repetir a figura de Julio) Pai, que língua as pessoas falam em Moçambique? – perguntou Julio.
- É o português. Mas em todo o continente africano existem 2.110 línguas – respondeu o pai.
- Nossa, você sabe quais são, papai?
- Não filho, iríamos ficar até amanhã aqui se eu soubesse o nome de todas elas. Mas sei algumas: o Português
é falado em 5 países: Angola, Moçambique, Guiné Bissau, S.Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Outras: inglês,
francês, árabe e muitos dialetos. No país onde mora o Radji, em Moçambique, existem 36 outras línguas, fora
o português. Algumas são: Xona, Xangana, Sena, Ndau, etc...
Papai estive pensando: se há tantas línguas na África... só em Moçambique tem um monte! Será que tem
Bíblia em todas essas línguas?
- Não, filho – respondeu papai - infelizmente não. Precisa ter muita gente para traduzir a Bíblia... pelo menos
deveriam traduzir em 297 línguas.
- Nossa isso é muito, né? – interrompeu Ana – É quase infinito.
- Você não faz idéia de quanto é, Ana. Não é infinito, mas é muito – falou Julio.
- Mas sabem, muitos missionários são chamados para irem viver na África e traduzir a Bíblia para a linguagem
de um povo. É um trabalho difícil e leva muitos anos: 10 anos ou até mais..
- Eles ficam lá durante todos esses anos? – Perguntou Ana.
- Sim Ana, e muitas vezes os filhos nascem na África e crescem ali.
- E eles são tristes ali, papai?
- Acho que nem sempre filha. Talvez mais felizes que nós.
- Podemos escrever uma carta para eles, papai?
- É claro!
- Pai, vamos continuar a história?- interrompeu Julio - Estou curioso!
RADJI - Radji ainda não estava dormindo, quando ouviu um barulho ao redor da casa. Devem ser as galinhas
– pensou. Não demorou muito ele viu uma sombra na porta. Alguém entrou na palhota. Radji se assustou. Ele
se encolheu em sua esteira e seu coração disparou de medo. Foi então que ele viu uma pessoa. Era um
homem grandalhão.
- É um ladrão, aiai, é um ladrão! – pensou, tremendo por todo o corpo. Radji observou que o ladrão não tinha
nada em suas mãos. Normalmente eles estão armados com uma *catana (*uma espécie de facão). Então, já
que ele não estava armado, Radji se encheu de coragem, levantou da esteira e, na ponta dos pés, foi até o
berço do irmãozinho para protegê-lo. Latifa estava dormindo. O homem viu Radji se mexendo e falou:
- Ei, você! Você é Radji???
Radji estremeceu e não conseguiu falar nada. Ele ficou em silêncio. O homem se aproximou:
- Eu sou seu tio, Antonio. Sua mamá me mandou cá para dar um recado.
- M...mamá??
FIG 11
Radji ficou mais tranqüilo e foi procurar uma luz. Ele ligou a lamparina de querosene e a colocou na direção de
Antonio. Sim, era ele. Antonio sentou-se na esteira. Radji logo notou que estava bêbado.
- O *machibombo avariou (*o ônibus quebrou) no caminho, e eu não consegui chegar mais cedo. Vim trazer um
recado de sua mamá – falou com voz rouca.
Radji permaneceu em pé, encarando o tio. Ele não conhecia muito bem esse tio. Só o tinha visto no dia da
festa do Chiçassa. E se ele tivesse intenção de fazer algum mal a eles?
Antonio continuou:
- Sua mamá saiu para a *machamba (*roça) para tentar tirar algum alimento para vocês. Seu pai tinha uma
machamba lá em *Chimoio (*capital de outro Estado) onde plantou mandioca. Mas foi tudo roubado. Então sua
mamá começou a plantar. Ela não queria ficar o dia todo, só que não conseguiu voltar a tempo. É longe e o
*bilhete (*passagem) é caro. Como eu precisei vir cá a negócios, ela me pediu que levasse este recado. Aqui
tem um pouco de comida.
Tio Antonio apontou para a sacola que havia trazido. Ali tinha um pouco de farinha de mandioca, leite e
bananas.
- Amanhã vou leva-los ao vovô. Ele há de cuidar de vocês – continuou o tio..
Radji ficou sem saber o que dizer. Ele ficou feliz que sua mãe estava bem, mas assustado com a idéia de
ficarem na casa do vovô. Vovô morava em outro lugar, e era conhecido como curandeiro.
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O tio pediu para dormir na esteira naquela noite. Não demorou muito ele estava roncando num sono profundo.
Radji permaneceu acordado pensando em tudo que o tio falou. Foi então que tomou uma decisão radical. Ele
precisava agir rapidamente. Na ponta dos pés ele foi acordar sua irmã:
- Pssst! Não fale nada. Depressa! – cochichou – pegue algumas coisas suas, vamos partir antes que o tio
acorde.
- M...mas, para onde vamos? Perguntou Latifa ainda sonolenta.
- Psst, fale mais baixo! Vamos ao encontro da mamá! Rápido, arrume suas coisas.
Latifa animou-se. Rapidamente arrumou suas poucas roupas, uma velha boneca na qual faltava uma perna,
um par de chinelos, e amarrou tudo em uma *capulana (*pedaço de tecido de 1,60 cm, que as moçambicanas
usam como saia). Radji também pegou algumas roupas, um par de tênis velho e sua bola. Depois tirou as
bananas da sacola e colocou leite na mamadeira de Antoninho. Radji viu que no bolso da camisa do tio havia
dinheiro. Estava quase caindo fora. Em silêncio e devagar ele puxou o dinheiro para fora do bolso e se afastou.
O tio continuou em sono profundo. Após muitos copos de cerveja, era difícil acordar – Pensou Radji..
FIG 12
Radji amarrou Antoninho em suas costas, puxou sua irmã pelo braço e rapidamente saíram da palhota.
- Vamos, Latifa, temos que andar rápido, antes que nosso tio acorde.
Eles andaram o mais rápido que podiam durante a madrugada. Tudo estava escuro, e, pelo jeito, ninguém dos
vizinhos os viu. Latifa chorou baixinho, ela estava com medo. Radji também estava com medo, mas o medo de
encontrar seu avô curandeiro era maior do que andar no perigo da escuridão. Lembrou que seu pai pediu que
ele cuidasse da família, e assim, achava que estava fazendo o que é certo. Eles caminhavam rapidamente sem
se preocupar onde estavam pisando: lama, pedras, buracos, lixo.
JULIO –(pode repetir a figura da família) - Enquanto Julio ouvia a história, ficou analisando os seus desejos.
Ele só pensava em ganhar o “play station”. Outra coisa ele não tinha pra se preocupar. Ainda assim, ficava
fazendo coisas erradas na escola. Por que ele não conseguia ficar sem falar palavrões? Será que Radji falava
palavrões?
Julio decidiu ser diferente na escola. Naquela noite ele orou pedindo que Jesus o ajudasse.
4º CAPÍTULO – CAMINHADA PERIGOSA
JULIO –- Julio estava todo “quebrado” – ele levou uma canelada no jogo. A mamãe preparou numa bacia água
morna com remédio. Julio teve que ficar quieto com seu pé dentro da água. Doía muito. Mas ficou feliz quando
papai começou a ler a história.
RADJI - Radji e Latifa corriam grande perigo andando sozinhos no escuro. Naquela região havia muitas
pessoas que faziam maldades.
Mas eles não podiam pensar nisso. A cada passo que Radji dava, aumentava seu medo. Ele precisava ser
forte e corajoso. Da sua casa até o centro da cidade precisavam caminhar 8 Km. Será que Latifa iria agüentar?
Se ao menos tivesse alguém que os ajudasse. Radji sabia que existia um Deus, mas não sabia bem se ele
poderia ajudá-los. Ele lembrou que Zinha havia dito que Deus ouve tudo e vê tudo.
- Talvez possa falar com ele, será que ele me ouve?
Após algum tempo de caminhada, Latifa choramingou:
- Estou cansada, Radji! Vamos parar um pouco!
- Estás louca? Não podemos. Temos que andar mais um pouco, antes de amanhecer. Ninguém pode nos ver
aqui! Vamos!
Radji teve que diminuir o ritmo. Assim continuaram. O dia foi amanhecendo, e as pessoas saíam de suas
casinhas para o trabalho. Algumas passaram pelas crianças, mas somente as cumprimentaram:
- *Maitcherua! – (*Como estás? Cumprimento para “bom-dia” na língua Sena)
- *Daitcherua penumbo ine! –(* Estamos bem – em resposta ao cumprimento)
Um senhor que os conhecia parou sua bicicleta e perguntou:
- Vocês vão à escola? Mas a escola é para o outro lado!
- Estamos indo fazer compras na cidade! – respondeu Radji, mentindo.
- Xiii, mas coitada dessa * gaja... ela está cansada – continuou o homem olhando para Latifa (*gaja é
semelhante à “guria”) – Eu a levo na garupa da bicicleta. Sobe cá! –
FIG 12
Rapidamente o homem a levantou e colocou em sua bicicleta. Radji não queria isso, mas Latifa não pensou
duas vezes e, alegremente, se acomodou na garupa. Assim, após quase 3 horas de caminhada, eles
chegaram ao centro da vila Nhamatanda. O homem os acompanhou bondosamente, e antes de entrar na
cidade, Radji pediu para deixá-los ali, pois estava próximo da casa de parentes (mentindo). O homem fez
algumas perguntas e Radji mentiu na resposta a todas elas. Quando o homem finalmente foi embora, Radji
puxou sua irmã e rapidamente atravessaram a pista asfaltada. Do outro lado havia um estacionamento de
chapas.
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Radji era um menino criativo em mentiras. Ele pediu ao motorista do chapa para levá-los até Chimoio – lá sua
mãe os estaria aguardando. O motorista olhou com desprezo para Radji, e soprou uma nuvem de fumaça de
cigarro no seu rosto.
- Vá embora menino! Você está-me *aldrabando! (*enganando, passando a conversa)
Radji então mostrou o dinheiro que ele havia roubado do tio. Eram 200 *meticais (moeda moçambicana = 8
dólares aproximadamente). A viagem à Chimoio custava 150 meticais por pessoa.
- Por favor, senhor, leve-nos. Somos apenas crianças e ocupamos menos espaço! Precisamos encontrar
mamá!
- Está bem! Entrem!! – Falou o motorista nervoso.
FIG 13
Radji não se conteve de tanta alegria. Ele puxou a irmãzinha pelo braço e se enfiou entre os passageiros.
Estes reclamaram por causa do aperto. Mas Radji não se importou. Ele colocou Antoninho e a irmã em seu
colo. Os embrulhos com as coisas ficaram nos seus pés. Uma senhora do seu lado teve pena das crianças e
se ofereceu para segurar Antoninho no colo. Radji ficou aliviado. Durante a viagem ele tirou as bananas do
embrulho, ficou com uma e deu uma para sua irmã e uma para Antoninho, que ficou lambendo na banana.
Radji notou que os passageiros olhavam para eles. Então distribuiu todas as bananas. Ninguém recusou. O
resto do leite da mamadeira, Radji deu para Antoninho.
FIG 14
A viagem durou duas horas e meia, quando finalmente chegaram á Chimoio, Os passageiros observavam as
crianças. Radji não queria que seu plano fosse descoberto. Eles desembarcaram e saíram apressados, como
se já soubessem para onde ir, mas na verdade, não sabiam o que fazer. Eles sentaram no banco de uma praça
da cidade.
JÚLIO- Se essas crianças soubessem, poderiam procurar uma igreja e pedir ajuda – comentou a mamãe, enquanto o
pai fechava o livro.
- Mas eles não conheciam nenhuma igreja. Eles não eram nem cristãos – respondeu papai.
- pai, o que eles eram então? Eles não tinham nenhum deus? – perguntou Julio.
- Eles provavelmente eram “animistas”...pessoas que tem como deuses a natureza, o sol, a lua, a magia, os
espíritos, a feitiçaria, e coisas assim... – explicou o pai.
- Será que não havia um missionário ali perto para falar com eles e dizer que estão errados? – perguntou Ana
bocejando.
- Sim, filha – respondeu a mãe – é o que eles estão fazendo. Mas não é tão fácil e rápido assim, pois são
poucos.
- Crianças, está na hora de dormir.Antes vamos orar pelos missionários que estão em Moçambique? –
interrompeu papai.
- Sim, sim, quem será hoje? – Perguntou Ana animada.
Ana pegou a caixinha de oração e retirou uma ficha onde havia o nome de um missionário, pelo qual oraram.
- Bom, vamos dormir – papai apagou a luz - amanhã tem mais.
Mas uma vozinha abafada debaixo do cobertor falou:
- Estou com medo papai!
Papai se inclinou na cama de Ana e perguntou:
- Medo de que filha?
- Será que alguma maldição pode vir à nossa casa? Outro dia sonhei que um monstro me seguiu.
- Não filha, Jesus prometeu que seus anjos ficam acampados ao redor de nossa casa e nos guardam.
- Ah, será que eles não poderiam guardar as muitas crianças na África, que são perseguidas por outros
deuses?
- Sim querida, eles podem. Mas muitas não sabem disso. Por isso nós oramos para que Deus envie mais
missionários para falar do amor de Jesus.
CAPÍTULO 5 – O ENCONTRO
JULIO – - Pai, o Radji e a Latifa existem mesmo? – Perguntou Julio antes de iniciarem o próximo capítulo. O
pai pensou um pouco e respondeu:
- Sabe a história é uma ficção, mas a vida, a cultura e as crenças são verdadeiras. Foi escrita por alguém que
deseja que as crianças percebam a necessidade de que muitas crianças na África tem de conhecer a Jesus.
- É que... eu estava pensando... talvez um dia eu também possa ir até lá onde Radji vive, para falar de Jesus
às crianças.
- Mas então você precisa aprender a não falar mais palavras feias – interrompeu Ana.
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Julio ficou irado e ia responder para a irmã, mas o pai apaziguou a briga: - Calma! Nada de briga. É verdade o
que Ana falou. Mesmo assim, fico feliz pelo desejo de Júlio. Talvez Deus esteja colocando no coração dele
essa vontade.
- Ele vai a Moçambique??? – Perguntou Ana.
- É claro que não agora, filha. Mas quem sabe no futuro. Saibam que não é preciso ir a Moçambique. Vocês
podem ser missionários aqui, na escola. Júlio, se você quer ser um missionário, comece hoje, mostrando a
seus colegas que vale a pena seguir a Jesus. Ele pode ajudá-lo a não falar mais palavrões.
Júlio ficou pensativo. Seria muito difícil para ele. Então papai continuou a leitura da história.
RADJI
Infelizmente Radji não sabia que Deus poderia ajudá-lo em sua aflição. Ele e Latifa passaram alguns dias
morando no banco da praça. De noite, eles se deitavam debaixo de algum telhado nas calçadas da cidade, e,
de dia, voltavam ao banco. O pequeno Antonio chorava muito. Radji sempre conseguia uma esmola, algo para
comer. Chegou até a roubar. Algumas pessoas ficaram com muita pena, mas não fizeram nada. Até que um
dia, um homem chegou até eles e disse:
- Vocês, entrem no carro!
Radji e Latifa se assustaram e queriam fugir. O homem os segurou pelos braços e falou num tom mais suave:
- Não tenham medo. Vou levá-los para um lugar onde tem comida e cama. Vamos!! O homem colocou Radji no
carro, depois pegou Latifa e Antoninho. Radji tentou fugir, mas o homem o segurou e o colocou de volta com
segurança.
- Garoto burro! - falou bravo - Vou levá-los para um lugar bom. Se não obedecer, chamarei a polícia. Radji
estremeceu. “Polícia” era uma palavra que lhe dava arrepios. Então obedeceu. O carro rodou pela cidade.
FIG 15
Até que parou numa casa muito grande. Uma senhora muito branca veio atendê-los. Ela agradeceu ao
motorista, abriu a porta e recebeu as três crianças com um sorriso. Venham comigo! – Ela falou
carinhosamente.
Radji descobriu que o motorista era da polícia e que a casa onde foram levados era um orfanato. Ele não sabia
o que era “orfanato”, mas parecia um bom lugar. A senhora branca cuidava das crianças e era chamada de
mamá Lydia. Latifa foi dormir com as meninas, Radji com os meninos e Antoninho foi levado para um quarto
especial, perto de mamá Lydia. Naquela casa havia 60 crianças. No dormitório masculino havia 34 meninos. O
tio Samo tomava conta deles. Ele era um pouco parecido com o tio Antonio. Radji logo gostou muito dele, pois
era muito bondoso. No quarto de Latifa havia 26 meninas. Ela logo fez amizade com as mais velhas e com as
“tias” que tomavam conta delas.
Após uma boa noite de sono, mamá Lydia levou Radji e Latifa para sua sala, fechou a porta e pediu que eles
lhe contassem tudo sobre sua vida. Radji sentiu muita confiança e não escondeu nada. Contou toda a sua
história, sem mentiras.
Mamá Lydia decidiu ir à procura da mamá de Radji. Ela contratou alguns homens da polícia e amigos para
ajudá-la.
Radji e Latifa ficaram muito bem guardados no orfanato. Eles estavam felizes, mesmo assim, sentiam
saudades de sua mamá.
Lá no orfanato, pela primeira vez, eles ouviram histórias sobre Deus. Radji ouvia atentamente, pois tinha muita
curiosidade. As historias de Deus eram tiradas de um livro de capa preta. Radji achava que este livro era
somente para os brancos. Mas ele via Tio Samo ler nele todos os dias. Numa noite antes de dormir, tio Samo
falou que se alguém estivesse com medo de alguma coisa, ou cometido algum pecado, poderia falar com
Jesus em oração. Jesus daria paz ao coração. Radji lembrou que ele tinha muito medo de não encontrar a
mamá, medo que o tio os encontrasse e levasse à casa de vovô, medo de feitiçaria, e, bem, ele também
lembrou de outras coisas erradas que fez: mentiras, roubos e muito mais... Então fez uma oração baixinho. Ele
fechou os olhos e ficou sentado em sua cama. Os outros meninos já haviam se deitado. Radji continuou
conversando com Jesus.
FIG 16
Tio Samo aproximou-se dele e sentou ao seu lado. Radji perguntou:
Tio Samo, eu também quero viver com Jesus. Preciso da ajuda Dele para cuidar da minha família. Eu prometi
ao meu papá.
Tio Samo orou com Radji e ele entregou sua vida a Jesus.
FIG 17
Após um mês no orfanato veio uma boa notícia. Mamá Lydia entrou na sala de aula do orfanato, onde Radji
estava estudando, e falou em alta voz:
- Encontramos a mamá de Radji e seus irmãos
As crianças na sala levantaram e começaram a pular. A professora não conseguiu mais a sua atenção.
7
A senhora Mariana, mamá das crianças, foi encontrada através de uma amiga que encontrou um folheto na
cidade. Eram folhetos com a foto das três crianças, distribuídas em toda a cidade, inclusive nas machambas.
Mariana os reconheceu e foi à procura do orfanato.
Mamá Lydia perguntou a ela porque deixou seus filhos. Mamá Mariana começou a chorar e falava entre
lágrimas:
- Eu não tinha nada em casa para dar de comer. Eu precisava trabalhar. Não havia dinheiro, nada. Eu pedi que
meu irmão Antonio cuidasse deles até eu voltar. Mas eles foram embora. Eu amo meus filhos, quero cuidar
bem deles.
Mamá Lydia ficou comovida. Então ela buscou os três, e eles se abraçaram. Todos choraram de emoção.
- Mamá, eu tentei cuidar da família, como papá pediu- disse Radji entre lágrimas.
- E você conseguiu – Falou mamá Lydia.
A mamá Mariana também concordou.
Mamá Mariana permaneceu alguns dias no orfanato. Foram dias maravilhosos. Mas chegou a hora da partida e
da decisão do que fazer. Mamá Lydia sugeriu que as crianças ficassem por mais algum tempo até a mamá
conseguir alimento e trabalho. Foi o que aconteceu. Após um ano, mamá Mariana buscou seus filhos e
voltaram para sua casinha. Ela conseguiu um trabalho numa casa e sustentou seus filhos. Radji continuou seus
estudos e fazia todo o trabalho de casa, cuidando dos irmãos. Ele falou de Jesus para sua mamá, e ela
também o aceitou em sua vida e coração. Radji cresceu e se tornou adulto. Sabem onde ele foi trabalhar? No
orfanato.
JULIO - - Julio também cresceu. Desde que ouviu a história de Radji ele teve um grande desejo: de um dia ir
para a África e falar de Jesus às crianças que passam tanto medo. E assim aconteceu. Ele se tornou um
missionário e foi para Moçambique. Sabem onde ele foi trabalhar? No orfanato.
2ª AVENTURAS DE KATIE NO QUENIA
Katie Mackinnon
Adaptado por Christel Grigull
Capítulo 1
Katie e suas irmãs se apressaram e correram muito animadas para a recepção da sua querida tia. Foram até o
molhe (parede no cais para os barcos) para olhar o horizonte. Havia um pequeno pontinho lá longe que parecia
ser um barco. Enquanto esperavam, o vento as deixava arrepiadas. Tia Seonaid (pronuncia-se Shonid) estava
vindo visitar a família de Katie. Eles amavam a tia e esperavam por ela ansiosamente. De repente Jessie, a
irmã do meio gritou:
Olhe, o barco já vem!
Era verdade. Um pequeno barco a motor, cheio de passageiros estava se aproximando. O coração de Katie
saltou de alegria.
Tia Seonaid, tia Seonaid! – gritou ela.
Tia Sheonaid era quase uma avó para Rona, Jessie e Katie, as três irmãs. Ela era a tia da mamãe. Quando
vinha de visita à casa delas, ela trazia um “ar agradável”, de muita alegria.
Katie gostava da tia: dos seus olhos verdes cintilantes, a forma como piscavam. Gostava até quando ela as
repreendia. Mas o que mais a surpreendia é que, por pior que fosse seu comportamento, tia Seonaid sempre
dizia que um dia Katie iria mudar. Fazia bem para sua auto-estima ouvir isso. Era bom saber que alguém
pensava coisas tão positivas sobre ela. Por isso tentava ser boa menina, mas assim que tia Seonaid se
distraía, Katie brigava com suas irmãs e deixava a mamãe irritada. Naquela noite Katie pediu ao papai que
deixasse ela e suas irmãs ficarem mais tempo acordadas. Elas gostavam de ouvir os adultos conversando.
Papai sempre tinha muitas histórias para contar. Foi uma noite agradável. Eles conversaram e riram muito.
Antes de dormir mamãe sempre lia uma história da Bíblia. Era o costume da casa. Hoje, tia Seonaid podia
escolher um texto. Ela abriu a Bíblia na segunda parte, o Novo Testamento. Katie não gostou muito. Ela
achava que as histórias mais interessantes ficavam no início da Bíblia. A história das pragas, batalhas e coisas
assim. Tia Seonaid então leu:
Todos os povos da terra se reunirão diante dele e ele separará um dos outros, assim como o pastor separará
as ovelhas dos cabritos... (Mateus 15.32 e seguintes)
A leitura ainda foi mais longa, mas Katie não prestou muita atenção. Esses versículos eram muito
desinteressantes. Quando a tia fechou a Bíblia ela perguntou:
- Katie, sobre o que eu estava lendo?
Katie assustou-se. E agora, o que responder? Ela pensou um pouco e chutou uma resposta:
- Falou de animais??
8
Todos riram. Mas a tia respondeu seriamente:
- Não falava de animais, e sim, de pessoas. As pessoas boas são comparadas com ovelhas e as pessoas más
com cabritos!
- Mas eu quero ser enfermeira – falou Katie.
Mais uma vez todos riram. A tia, porém, ficou séria. Então a mamãe, para salvar a situação, ordenou:
- Hora de dormir!
A tia guardou a Bíblia e falou para Katie:
- Você ainda será uma boa moça, Katie!
Essa frase da tia fez muito bem ao coração de Katie.
Katie continuava sendo uma menina de mau comportamento. Num dia muito frio de setembro, ela quase
destruiu a casa toda. Papai estava trabalhando fora, juntando feno e mamãe estava fazendo doce de amora.
As irmãs mais novas, Jessie e Rona, pegaram sarampo e estavam de cama. Mamãe chamou Katie para por
lenha no velho fogão da cozinha.
A mamãe chamou uma, duas.... e, na terceira vez, falou irritada:
- Katie Ann, se você não vir logo, seu pai chegará e verá o fogão apagado. Então você terá problemas!!!
Quando Katie finalmente chegou, só havia cinzas no fogão e uma pequena fagulha no centro. Logo mamãe
precisava fazer o chá. Então, rapidamente Katie encheu o fogão de lenha e voltou ao quarto. Não demorou
muito, a mamãe disse que estava sentindo muito cheiro de fumaça. Katie também sentiu o cheiro e foi verificar.
A fumaça já estava invadindo a sala. Katie e mamãe correram para a cozinha. O fogão estava queimando e da
chaminé saíam fagulhas, parecia um espetáculo de fogos de artifício. Ai que horror! No teto da casa, onde era
o celeiro, havia muito feno estocado. Se isso pegasse fogo, a casa iria queimar em segundos.
O pai veio correndo e subiu o telhado com baldes de água.
- Se o estábulo pegar fogo, você vai apanhar, Katie. E se o celeiro pegar fogo, nem sabes o que faço!!! – Ele
gritava.
As duas irmãs menores, com sarampo, estavam na parte de cima da casa. Como a fumaça era intensa, elas se
sentaram na janela, com as pernas de fora.
Após muito trabalho, finalmente conseguiram apagar o fogo. Graças a Deus ninguém se feriu. Mesmo com
tudo que aconteceu, Katie não se sentiu culpada.
Katie foi crescendo rebelde contra Deus. Ela não queria ouvir a Palavra de Deus. O seu maior desejo era se
tornar uma enfermeira. Ela estudou muito, trabalhou e conseguiu se formar como enfermeira. O que ela ainda
não sabia é que um dia iria passar por uma grande aventura em um país muito longe do seu. Ela iria enfrentar
muita coisa por amor e obediência a Deus. Como será que ela chegou a isso?
Capítulo 2
Tudo começou quando Katie iniciou o seu curso de enfermagem. Lá ela conheceu Jean, sua colega de curso.
Certa noite, após o trabalho na enfermaria, Jean a convidou para ir a uma reunião cristã para enfermeiras.
Katie comparou essa idéia de início a uma “dor de dente”, mas acabou aceitando, e foi com sua colega.
O jovem que falou naquela noite, leu na Bíblia um versículo que falava sobre o julgamento de Deus sobre as
pessoas. Para Katie isso não era novidade, pois lembrava a tia Seonaid. Ela sempre falava sobre isso. O jovem
continuou lendo sobre a misericórdia de Deus. Isto é, que Deus ama a todos e perdoa os pecados. Isso era
novidade para Katie. Katie sempre achava que ela era um caso perdido e que Deus iria castiga-la porque
fumava e falava palavrões. Em vez disso ela ouviu que Deus diz na sua Palavra que ele perdoa?? Todas essas
coisas que Katie ouviu mexeram muito com ela, que alguns dias mais tarde ela entregou sua vida a Jesus.
Certo dia, Kate recebeu uma carta:
Querida Katie
Tenho tido muito trabalho como médica aqui no hospital em Kijabe, no Quênia-África. Estou trabalhando 18
horas por dia, seis dias por semana. Se você quiser me ajudar, ficaria feliz. Precisamos da ajuda de uma
enfermeira como você.
Sua amiga, Nettie
Katie nunca havia pensado sobre a possibilidade de ir para a África. Ela gostava de sua vida tranqüila.
Trabalhava como enfermeira e recebia um bom salário, morava em um apartamento, tinha bons amigos,
visitava os pais de vez em quando e ainda sobrava tempo para fazer tricô. Mas, sua amiga Nettie estava quase
tendo um colapso de tanto trabalhar. Isso incomodou Katie e ela sentiu que Deus estava dizendo a ela para ir à
África. E assim, Katie começou a se preparar para a viagem. Havia muitas coisas para fazer nos próximos dias.
9
Tudo isso não foi fácil. Tinha que deixar tudo:: emprego, salário, apartamento, amigos, família, Uma amiga a
chamou de louca. Mas para Katie era mais importante obedecer a Deus.
Com um estrondoso barulho, o avião deslizava pela pista até subir como um enorme pássaro. Katie se
espreguiçou no banco e começou a lembrar de tudo o que ela passou nos últimos dias. De todos os amigos
que prometeram orar por ela, das pessoas de várias Igrejas que iriam ajudá-la com dinheiro para sustento.
Quanta gente apoiava sua viagem. Como era bom saber disso.
Assim Katie chegou ao Quênia, no Continente Africano.
Katie foi trabalhar numa pequena clínica num lugar chamado Litein, que ficava no mato. Ela tinha uma casinha
só para ela perto da clínica. Ali ela gostava de receber a visita dos africanos. O povo que morava nessa região
eram “kipsigis”. Katie achava eles muito simpáticas. Talvez os mais simpáticos do mundo. Algumas senhoras
kipsigis eram enfermeiras na clínica.
Quando uma criança kipsigis ficava doente, os pais a deixavam na clínica com Katie e iam embora. Só
voltavam para buscá-la quando estava boa. Katie gostava de cuidar delas. O seu amor por estas crianças
aumentava a cada dia.
Certo dia, levaram para a clínica uma menina que nasceu prematura (antes do tempo). Ela pesava apenas um
quilo e duzentos e cinqüenta gramas. Chamava-se Chepkirui. Ela tinha nascido na floresta, e a mãe dela tinha
morrido durante o parto.. Katie imediatamente começou a dar à criança uma certa quantidade de leite.
- Ó Jesus, ajude para que este leite faça bem ao seu estômago! – Orava Katie.
Katie explicou para algumas jovens enfermeiras africanas o que elas precisavam dar ao bebê Chepkirui. Assim,
ela pôde sair para atender outros pacientes. Depois de algumas horas, Katie voltou e percebeu que nenhuma
das enfermeiras cuidou de Chepkirui. Deixaram-na sozinha, passando fome.
Katie ficou muito brava e gritou:
- Isso é indesculpável! Não lhes expliquei tudo direitinho?
- Sim Katie – disseram elas.
- Então, por que não fizeram como lhes expliquei?
As moças ficaram em silêncio. Depois de algum tempo, uma delas pediu desculpas.
Katie começou a pensar sobre a atitude dessas enfermeiras. Então ela descobriu que o povo Kipsigis
acreditava que bebês prematuros não podiam viver. Certamente, se Deus quisesse que vivessem, ele teria
feito com que nascessem no tempo certo. Eles deixavam os bebês prematuros abandonados até a morte.
Essa cultura era muito forte neles. Katie tentou convencê-los de que Deus amava a todos, também aos
prematuros, também a Chepkirui. Deus espera que nós cuidemos uns dos outros. Mas não era tão simples
assim. Quando Katie estava junto, as enfermeiras cuidavam de Chipkirui. Mas quando ela saía, elas a
abandonavam. Então ela disse decidida:
- qualquer enfermeira que não tomar conta de Chipkirui, será mandada embora. Estou sendo clara??
As enfermeiras entenderam. Mesmo assim, um tempo depois surgiu mais uma dificuldade.
Chegou à clínica Kipngeno um menino que já tinha 3 meses. Ele não nasceu prematuro, mas não cresceu nem
se desenvolveu. Sua mãe morreu logo depois do parto. Aconteciam coisas muito estranhas com esse menino.
Ele comia bem pouco. Às vezes seu rosto ficava estranho, os olhos ficavam grandes e a pupila girava. Era
assustador. Uma espécie de convulsão. As enfermeiras africanas não queriam cuidar de Kipngeno. Elas
diziam que ele estava amaldiçoado.
Katie descobriu que as forças do mal de um feiticeiro tinham mesmo muito poder. Então ela começou a orar
por ele. Todos os dias ela pedia a Deus libertar e curar o menino. Deus ouviu suas orações e Kipngeno ficou
livre dos efeitos da maldição.
Katie precisava de férias. Isso a preocupava, pois era obrigada a sair pelo menos por um mês da clínica para
descansar. O que seria de Kipngeno e de Chipkirui? – pensou. Não poderia deixá-los sob os cuidados das
enfermeiras
- Já sei o que vou fazer! Katie decidiu tirar férias em sua própria casa e levar os dois bebês consigo. Arrumou
um lugar para eles e pediu a ajudas das enfermeiras para levar todos os equipamentos: fraldas, mamadeira,
roupas, tudo para sua casa.
Lá em sua casa, passou um mês brincando com os bebês, conversando, cantando e orando por eles. Foram
férias maravilhosas. Ela se sentiu muito descansada, lembrando das palavras de Jesus: Tudo o que fizestes a
um desses pequeninos, a mim o fizeste.
Katie conhecia as palavras de Jesus, e queria que os africanos também a entendessem e deixassem de
pensar que os bebês prematuros não poderiam viver. Como poderia fazer com que eles entendessem?
Capítulo 3
10
- Vim aqui dizer-lhe para ir depressa à clínica! Disse uma enfermeira à Katie que acabara de sair do banho.
Ela nem tinha se arrumado ainda quando teve que correr. Na clínica havia uma mulher sentada na cama com
um embrulho ao lado dela. Katie percebeu que era um bebê. Devia ser prematuro.
- É seu bebê? – perguntou para a mulher .
- Não é um bebê! É um macaco! – respondeu a mulher, sem ao menos olhar para o embrulho.
Katie se aproximou e deu uma espiada no embrulho. Viu a carinha enrugada de um recém-nascido.
- É um macaco – falou a mulher novamente.
Katie lembrou que já ouviu uma das enfermeiras africanas falarem isso de um bebê prematuro.
- Por favor, deixe-me cuidar do seu bebê – falou Katie.
A mulher, a princípio, não queria. Continuou dizendo que era um macaco. Após muito insistir, ela finalmente
pegou o embrulho e deu para Katie. Katie levou o bebê para sua casa para fazer companhia à Kipngeno e de
Chipkirui. Mas ele era tão pequeno, o menor até agora, que ela não sabia onde poderia deixá-lo.Precisava de
um lugar pequeno. Enquanto procurava um bom lugar, ouviu um ronco de caminhão. Ele parou em frente a sua
casa e descarregou uma grande caixa.
- Eu não encomendei nada! – ela gritou para o motorista.
Mas o motorista insistiu que era esse o endereço da entrega. Curiosa, Katie começou a abrir a caixa. Os
vizinhos vieram ver o que havia nessa caixa tão grande. Devagar ela foi abrindo... lá dentro apareceu
uma....caixa de vidro??? Sim, uma caixa de vidro, só podia ser uma....incubadeira!!! Que alegria Katie sentiu
em seu coração. Alguém enviou uma incubadeira dos Estados Unidos. Ela levou um ano para chegar. E
chegou na hora certa. Justamente agora com a chegada do minúsculo bebê. Deus é maravilhoso! Louvado
seja Deus! - falava Katie repetidamente.
Logo o pequeno bebê, que se chamava Kipkoech, foi instalado na incubadeira.
A mãe de Kipkoech ficou curiosa e com muita coragem foi até a casa da Katie. Quando ela lhe mostrou seu
bebê na incubadeira, a mãe ficou horrorizada.
- Eu pensei que a senhora ia cuidar dele! Mas o que fez? Você tirou as roupas dele e o colocou numa caixa de
vidro! E olhe, tem um bicho saindo do nariz!
Katie acalmou a mãe, explicando o que estava acontecendo. Não havia nenhum bicho, era um tubo que ia ao
estômago. Ela prometeu à mãe que ia cuidar bem dele. Parece que a mamãe de Kipkoech entendeu.
A notícia sobre um bebê na caixa de vidro espalhou-se pela aldeia. Muitas mulheres curiosas vieram para vêlo. Foi uma grande oportunidade para Kate falar do amor de Jesus.
Kipkoech desenvolveu-se e ficou forte. Ele saiu da incubadora. Agora ficava com os outros dois bebês em
berços. Eles estavam felizes.
Certo dia, a mamãe de Kipkoech voltou e disse para Katie:
- Eu aprendi algo muito importante!
- Ah, é? O que você aprendeu?- perguntou Katie.
- Bebês não são macacos! – ela respondeu.
Katie abraçou a mulher de alegria. Para ela esse momento foi muito especial. A mulher havia entendido o amor
de Jesus.
Na Bíblia está escrito que Deus usa as coisas fracas deste mundo para envergonhar os poderosos... Deus
usou um bebê fraquinho para mostrar seu amor.
A família de bebês cresceu. Mais dois bebês chegaram à casa de Katie: um menino, o Kipkirui que logo foi
para a incubadeira, e uma menina, a Chebet.
Muitas pessoas ajudaram com dinheiro para sustentar esses bebês. Amigos de Katie em vários países
enviavam cartas com cheques. Nada faltou para seu sustento até aquele dia.
Mas, aos poucos, o dinheiro e o alimento estavam acabando. Não veio mais nenhuma carta com cheque por
um longo tempo. E para complicar, Katie ficou muito doente, com malária. Foi difícil cuidar dos bebês dessa
maneira. Ela chegou a usar o último resto de farinha que havia para a refeição.
Enquanto Katie trabalhava na clínica, veio uma enfermeira chamá-la:
- Você tem visita!
Quem seria? Katie foi até a sala da clínica e lá estavam cinco senhoras kipsigis com suas roupas coloridas e
lenços na cabeça. Elas vinham da igreja de uma aldeia vizinha, com sacolas na mão cheias de alimentos:
milho, ovos, leite e ananás.
Agradeceram muito a Katie pelo que estava fazendo para as crianças do seu povo. Pela primeira vez –
disseram elas – as crianças deixavam de morrer porque alguém lhes oferecia um lar.
Katie se sentiu mais animada e feliz com o apoio dessas senhoras.
Certo dia, mais uma vez ela foi chamada em meio a seu trabalho. Uma enfermeira tinha uma mensagem para
dar:
- Kaite, o chefe arap Sang quer falar com você.
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Katie ficou nervosa. O chefe arap Sang era uma pessoa muito importante na comunidade local, um oficial do
governo incumbido de resolver as questões locais e muito respeitado por todos.
- O que será que o chefe arap Sang quer comigo? – pensou Katie enquanto dirigia seu carro pela estrada
lamacenta para encontrá-lo – Será que transgredi alguma lei??
Capítulo 4
Logo que Katie chegou ao escritório do chefe arap Sang, ela percebeu que ele não estava zangado. Pediu que
ela se sentasse e perguntou se ela se sentia bem no seu país, o Quênia. Ela respondeu que sim. Depois, com
muita seriedade ele continuou:
- Você está vendo que estamos sozinhos aqui. Ninguém está nos ouvindo. Então me fale a verdade, não
precisas ter medo de mim. Quero que me diga de quem é o bebê que você tem em sua casa.
Katie ficou surpresa e ficou pensando o que o chefe queria com isso. Ele continuou explicando:
- Eu sei que “arap Rob” tinha um bebê que não pôde viver por ter sido amaldiçoado. Eu sei que agora a
senhora está a cuidar de mais outro bebê para ele. É muito amável da senhora, mas, mesmo assim, para não
haver problemas mais tarde, é melhor que me diga qual o nome do verdadeiro pai.
Katie percebeu que ele estava curioso a respeito de Kipngeno, o bebê que havia sido amaldiçoado e
sobreviveu. Então ela disse:
- Não se preocupe chefe, não veio outro bebê. Ainda é o mesmo, o Kipngeno, que é o filho de “arap Rob”, ele
está passando bem!
- Impossível – disse o chefe assustado – o bebê de arap Rob foi amaldiçoado. Não pode sobreviver!
- É verdade – respondeu Katie animada – ele foi amaldiçoado, ficou muito doente e quase morreu. Mas sabe,
há um poder superior ao poder dos feiticeiros. O Senhor Jesus curou o bebê, e ele agora está bom e forte. Está
crescendo a cada dia.
O chefe ouviu sobre Jesus, mas não se convenceu totalmente de que era verdade. Então decidiu ver a criança
pessoalmente. Katie o levou até sua casa e ele viu Kipngeno e ficou maravilhado:
- Não há dúvida! É ele. É muito parecido com o pai.
Katie convidou o chefe para sentar-se na sua sala. Ali os dois conversaram um bom tempo acerca do milagre
que Deus fez na vida de Kipngeno. Ele ficou impressionado sobre o poder de Deus. Ele achava que nada era
mais forte do que uma maldição. Mas descobriu que Deus era maior. Ali mesmo ele aceitou Jesus em sua vida,
e tornou-se um chefe muito amoroso. Amava principalmente as crianças.
Katie percebeu que através das crianças ela pôde se comunicar melhor com as pessoas e falar de Jesus a
elas. Esta era a grande missão que Jesus lhe deu.
Os bebês cresceram. Chegou a hora de devolvê-los aos pais. Afinal, Katie só cuidou deles enquanto estavam
fracos e doentes. Agora a família poderia continuar a cuidar deles. Katie devolveu Chepkirui, Kipkoech e
Kipkirui, Kipngeno e Chebet e viajou de férias para seu país, a Escócia, para descansar um pouco. Não foi fácil
deixar as crianças, ainda mais que algumas não seriam tão bem cuidadas.
Na volta da Escócia, Katie procurou um lugar para abrir um orfanato. Ela o chamou de “Lar Ogada”. Lá os
bebês de Katie poderiam ficar, enquanto não havia ninguém na família para cuidar deles. Também as crianças
maiores, que perderam pai e mãe iam para lá.
Mais catorze bebês vieram para Katie cuidar. Entre eles Chebet e Kipngeno, pois ficaram muito doentes e
desnutridos na casa da família. Chebet estava tão desnutrida que não conseguia mais andar. Kipngeno, que
era um menino muito alegre e animado, voltou triste. O pai os devolveu e explicou que ele não conseguia
cuidar deles como uma mãe (a mãe deles havia morrido).
Com tanto trabalho Katie precisava de ajuda. Ela pensou em um jovem que sempre vinha brincar com as
crianças no orfanato. Seu nome era Mathew (Mateus).
Ele até sabia trocar fraldas e fazer mamadeira. Seria muito bom se pudesse chefiar o orfanato. Katie conversou
com ele e ele ficou muito feliz. Mas havia algo que queria contar:
- Eu quero muito, mas tenho um problema. Quero me casar com Priscilla. Eu gosto muito dela. Será que ela
estará disposta a, logo após o casamento, cuidar de tantas crianças?
Priscilla era uma das enfermeiras da clínica junto com Katie. Ela era muito querida, mas tinha seu trabalho fixo
e seu salário. Então Katie começou a orar por ela para que Deus lhe mostrasse o que fazer.
Certo dia, Katie recebeu uma visita: Priscilla. Ela veio ver as crianças. Mas, na verdade, queria conversar.
Então as duas se sentaram e ela falou:
- Katie, estou muito feliz em poder casar com Mathew.... gosto muito dele, só que tenho algo em meu coração
que preciso falar. Sempre que leio a Bíblia e oro para Deus, parece que ouço Ele dizer que tem uma missão
para mim. Acho que é aqui com as crianças do orfanato. Fico preocupada com o Mathew. O que ele vai pensar
de mim se falar a ele que vou deixar de ser enfermeira e trabalhar num orfanato?
A resposta a essa questão Katie já sabia – e vocês também, não é?
Mais uma vez percebemos como Deus guia e cuida dos seus filhos.
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Havia mais um problema para Mathew e Priscilla: o pai de Priscilla queria um dote. Isto significa que Mathew
teria que pagar uma quantia em dinheiro para casar com Priscilla. E não era pouco. Isso acontece na África. Lá
os casamentos acontecem com o pagamento do dote. Mathew economizou durante muito tempo, mesmo
assim ainda não tinha o suficiente. Katie escreveu uma carta para a igreja da sua terra natal, a Escócia, e eles
lhe ajudaram, enviando dinheiro para pagar o dote.
Finalmente Priscilla e Mathew casaram e assumiram o orfanato. Não demorou muito, eles tiveram 60 crianças
para cuidar. Crianças sem pais, sem família. A África é assim. Tem muitos órfãos: aproximadamente 1 bilhão.
Capítulo 5
- Queremos ajudar o lar de crianças no Quênia! – falaram as crianças em uma escola na Escócia.
- Mas tem que ser com o próprio esforço – disse o diretor.
Elas decidiram, então, doar seus brinquedos e vendê-los. E essas crianças não só deram os brinquedos que
não brincavam mais, como também os novos, com aqueles que ainda brincavam. Assim juntaram muito
dinheiro. Um menino que vinha de uma família muito pobre levou seu único brinquedo: um grande ursinho já
roído por traças.
Era 1977 e Katie estava de férias em seu país, onde visitou vários lugares para falar do trabalho com as
crianças no Quênia. Quando um missionário volta a seu país, ele geralmente tem a tarefa de falar sobre seu
trabalho em vários lugares: cidades, igrejas, escolas, e outras comunidades. Esse trabalho cansa um pouco,
mas é muito importante. Muitas pessoas gostam de ajudar com ofertas em dinheiro e necessitam saber como
seu dinheiro é aplicado.
Katie fez várias apresentações de seu trabalho, usando slides (projetor de fotos na parede). Numa igreja onde
as pessoas não eram ricas, após verem as fotos e ouvirem Katie falar, elas juntaram uma grande oferta em
dinheiro para as crianças no Quênia.
Na volta ao Quênia, Katie teve uma surpresa. Não era uma surpresa agradável, pelo contrário, daquelas que
são desagradáveis. A Missão para a qual ela trabalhava, decidiu enviar Katie para outro lugar. Eles queriam
que ela começasse um trabalho com bebês numa outra região, chamada Mulango. Katie não gostou muito da
idéia. Ela teve que começar tudo de novo em meio ao mato e isolada. Os primeiros dias foram muito difíceis.
Ela até pensou em desistir e voltar para a Escócia. Aos poucos, porém, ela viu que ali existiam muitas pessoas
que precisavam de ajuda e precisavam ouvir sobre Deus. Ela se animou e começou a arrumar as coisas para
um novo lar de crianças onde haveria também uma clínica e uma creche para os bebês. Algumas pessoas a
ajudaram nas construções e no que ela precisava em material e medicamentos. Antes da inauguração da
clínica dos bebês, Katie recebeu uma visita. Era um jovem que veio de muito longe:
- Por favor, senhora Katie, precisamos de ajuda. Em minha aldeia nasceu um bebezinho e a mãe morreu. O pai
é cego, não pode cuidar dele e a madrasta está muito doente (a outra mulher do homem – costume da tribo).
- Hmm, parece uma situação muito difícil, vamos investigar – respondeu Katie. Mas já era tarde e não poderiam
chegar até lá no mesmo dia. Então, no outro dia bem cedo puseram-se a caminho, junto com Gilberto, o
administrador que os levou de carro. A estrada era de barro, cheia de buracos. A viagem levou muitas horas
até que Katie avistou a aldeia. Parecia mesmo que haviam chegado no lugar onde o mundo acaba.
As casas na aldeia eram muito pobres e muitas já quebradas. A mais deteriorada de todas era a casa onde
nasceu o bebê. Ali na estrada encontraram sentados: um homem cego, uma senhora velhinha, e algumas
crianças muito magras e desnutridas. A velhinha logo falou com Gilberto na língua da aldeia, em kikamba.
Gilberto traduziu para Katie:
- Ela disse que é muito velha para cuidar das crianças, e pediu para levá-las!
Katie olhou para as crianças: eram cinco, e formavam uma escada de alturas. A mais nova parecia ter 2 anos.
Katie disse que „sim‟ com a cabeça, mas queria ver o bebezinho. Onde estava ele? Ninguém mostrou o bebê.
Katie, então, olhou para dentro da palhota (cabana) e não viu nada. Certamente ela já morreu, talvez com a
mãe – pensou. Foi então que ouviu um leve gemido, que veio de debaixo de um monte de trapos. Katie
levantou os trapos e lá estava o bebê.O pobrezinho estava tremendo de frio. Katie o levou para o colo e tentou
massageá-lo para dar um pouco de calor. A velhinha então falou:
- Não se preocupe com ele. Já está praticamente morto!
Katie viu que realmente as chances de sobreviver eram poucas. Ele não recebeu quase nada para comer.
Mesmo assim ela o levou junto com as 5 crianças. Ao sair, a velhinha ainda falou:
- Está bem, podem enterrá-lo ao lado da estrada quando morrer.
Deus ajudou Katie com tantas crianças. Todas elas sobreviveram, inclusive o pequeno bebê, que chamou de
Philip. Ele se tornou o primeiro ocupante da nova creche. Logo em seguida vieram mais bebês, em pouco
tempo já eram 11.
Katie recebeu grande ajuda de algumas mulheres e jovens meninas.
13
Quando tudo parecia ir bem, veio um grande problema: a fome. Foi a primeira vez que a fome atingiu o lar de
crianças. No outono costumava chover, mas dessa vez não choveu e as plantações secaram. O que mais se
observava nessa época, eram crianças magras, com a barriga inchada e cabelo avermelhado (devido à falta de
nutrição, de certas proteínas).
Ngemba, uma pequena menina de 2 anos, chegou à clínica pesando apenas 6,5 kg. Normalmente uma criança
dessa idade pesa:
. Ela estava desnutrida e doente, tinha tuberculose. (doença muito grave do
pulmão)Sua pele estava caindo. Katie precisou chamar o médico da cidade. Quando ele chegou, ficou muito
irritado com Katie e disse:
- A senhora tem idéia de quanto trabalho eu tenho no hospital? Chamou-me por causa de uma pequena
criança que não tem mais salvação? Que perda de tempo!
Ele se foi e Katie cuidou de Ngemba, que sobreviveu e ficou forte e bonita. Cinco meses mais tarde, Katie foi
ao hospital da cidade e procurou o médico. Ela lhe mostrou uma foto de uma menina muito bonita
confeccionando um colar de miçangas coloridas e perguntou:
- O doutor sabe quem é esta menina? – ele abanou a cabeça negativamente.
- É a Negemba. Lembra-se? A criança que o Sr. Doutor achou que não ia sobreviver.
- Bem – respondeu o médico – estou realmente pasmo! – ele examinou a fotografia por um momento, e depois
disse:
- De agora em diante eu faço o diagnóstico e a senhora ora.
Algumas histórias têm um final feliz. Mas geralmente em tempo de fome elas acabam em morte.
Katie passou vários períodos de fome. Em todos eles Deus a abençoou. Passado algum tempo,construíram um
novo lar para as crianças, bem maior que o anterior.
Muitos anos se passaram até Katie voltar a seu país novamente. Ela recebeu muitas cartas com notícias de
que as crianças estavam bem, inclusive de Matthew e dos administradores das outras casas. Katie agradeceu
a Deus:
- É um privilégio muito grande ver como tu trabalhas Senhor! Como tu cuidas das crianças e em especial dos
órfãos. Eu sei quão preciosos eles são aos teus olhos. No meio da oração, Katie ouviu como se Deus lhe
dissesse:
- Sim, as crianças são preciosas para mim, mas tu também és!
Katie sabia que era esta a lição que ela havia aprendido durante todos esses anos no Quênia: Eu sou preciosa
aos olhos de Deus!
INFORMAÇÕES SOBRE KATIE:
Katie Mackinnon nasceu em 15.11.1938 e vive atualmente em Escócia – Glasskow.
Em 1996 ela foi para Moçambique com o propósito de abrir trabalhos semelhantes aos do Quênia. Ela tinha a
visão de que em Moçambique teria muitos órfãos devido à AIDS. A proposta era treinar os próprios
moçambicanos para este trabalho. Devido a vários obstáculos burocráticos, não foi possível. Katie, então,
ajudou a abrir uma clínica médica, onde trabalhou como enfermeira.
Esta história é real, resumida, fielmente, do livro que Katie publicou: “O Triunfo do Amor”.
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