Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais

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Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais
Rumo à Quinta Cúpula das Américas: Desafios Regionais
Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas
Rumo à Quinta
Cúpula das
Américas
Desafios
Regionais
Grupo de Trabalho
Conjunto de Cúpulas
CEPAL .
1
Rumo à Quinta
Cúpula das
Américas
Desafios
Regionais
Rumo à Quinta Cúpula das Américas: Desafios Regionais
ISBN 0-8270-5103-4
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS
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Rumo à Quinta
Cúpula das
Américas
Desafios
Regionais
Grupo de Trabalho
Conjunto de Cúpulas
BID
OEA
9
23
OPAS
CEPAL
41
33
BM
IICA
57
Índices
Prefácio
Apresentações em Desafios Regionais
7
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral
Organização dos Estados Americanos (OEA)
Organização dos Estados 9
Americanos (OEA) Banco Interamericano de 23
Desenvolvimiento (BID)
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL)
33
69
BCIE
CAF
83
91
OIM
BDC
99
117
OIT
ICA
129
Organização Pan-Americana 41
da Saúde (OPAS)
Banco Mundial (BM)
57
Instituto Interamericano de Cooperação 69
para a Agricultura (IICA) Corporação Andina de Fomento (CAF) 83
Banco Centro-Americano de
91
Integração Ecnômica (BCIE)
Banco de Desenvolvimento 99
do Caribe (BDC)
Organização Internacional 117
para as Migraçôes (OIM)
Organização Internacional 129
do Trabalho (OIT)
Instituto para a Conectividade
147
nas Américas (ICA)
147
Prefácio
A publicação, a qual tenho o agrado de apresentar, contém contribuições das doze instituições
multilaterais do Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas (GTCC). Cada um dos textos oferece
um ponto de vista institucional sobre os desafios e prioridades que enfrenta o Hemisfério e, em
conjunto, constituem uma importante contribuição a uma reflexão coletiva que busca apoiar os
trabalhos da Quinta Cúpula das Américas que terá lugar em Trinidad e Tobago em 2009.
Agradeço o compromisso das instituições participantes deste processo e a qualidade de suas
contribuições. Sua atitude é uma expressão fidedigna de solidaridade e colaboração hemisférica e a garantia de que a Quinta Cúpula das Américas concorrerá efetivamente à solução dos
principais problemas que afligem a nossa região.
José Miguel Insulza
Secretário Geral
Organização dos Estados Americanos
Organização dos
Estados Americanos
Desafios para a América
Latina e o Caribe
Um olhar na perspectiva da
Quinta Cúpula das Américas
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
A situação da região hoje é positiva. Os processos de geração de autoridades são realizados
em um contexto de normalidade democrática
e só entre dezembro de 2005 e dezembro de
2006 houve treze eleições presidenciais e doze
eleições legislativas, além de dois referendos
nacionais e uma eleição de Assembléia Constituinte. No âmbito econômico, a situação
também é positiva: a emergência da China e da
Índia na economia mundial, juntamente com
o bom desempenho econômico dos Estados
Unidos e da União Européia, e a já consolidada
recuperação da economia japonesa permitiram
uma forte demanda de matérias-primas – principal produto de exportação das economias
da região – e geraram uma grande liquidez
mundial que facilitou o incremento do investimento nos países da região. Em conseqüência,
observam-se cifras positivas nos principais
indicadores: segundo a CEPAL, o crescimento
10 . Desafios Regionais
regional ascendeu a mais de 4% nos últimos
três anos e a mais de 5% em 2006; por sua
vez, o nível de pobreza diminuiu 4,2%, entre
2002 e 2005, e estima-se que tenha caído outro
ponto percentual, entre 2005 e 2006, com uma
redução ainda maior da indigência. Também
a inflação baixou no biênio 2005-2006, de
6,1% para 4,8%, beneficiando fortemente o
crescimento econômico.
Assim, vai ficando para trás a imagem de instabilidade política e volatilidade financeira que
nos caracterizou durante décadas. Esse cenário
positivo traz com ele, entretanto, um grande
desafio: como aproveitar essas oportunidades
do contexto político e econômico em benefício
da população.
Trata-se de um desafio que nos coloca diante
da necessidade de superar os grandes proble-
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
mas do nosso continente que também são
os da humanidade: uma humanidade cujos
progressos notáveis nos campos da ciência,
da técnica e da cultura não são suficientes para
ocultar os seus fracassos também imensos.
Três deles são mais pungentes, sobretudo
quando se constata a sua presença cotidiana
nos países da América Latina e do Caribe: (a)
O ser humano não foi capaz de erradicar e
sequer diminuir a violência de sua vida. Todos
os tipos de armas, nucleares e convencionais,
curtas e longas, legais e ilegais, acumulam-se
em nossas sociedades para a guerra e para o
delito, aumentando a sensação de insegurança dos habitantes de nossos países. (b) Ele
tampouco foi capaz de eliminar a pobreza
extrema em que ainda se debate uma parcela
importante da população mundial. Mais de
um terço dessa população vive na pobreza,
muitos sem receber alimentação suficiente,
Desafios para a América
Latina e o Caribe
sem água potável, sem esgoto sanitário, sem
eletricidade e sem acesso à saúde e à educação.
A população dos países mais pobres tende a
crescer a um ritmo muito mais acelerado do
que o do mundo desenvolvido, sem que suas
economias cresçam na mesma velocidade.
Nosso crescimento não reduziu a lacuna entre
ricos e pobres; ao contrário, ela se alarga tanto
entre indivíduos como entre países. (c) Finalmente, o ser humano não foi capaz de deter a
deterioração do meio ambiente. Aquecimento
global, poluição do ar, da água e do solo, deterioração da infra-estrutura, falta de esgoto
sanitário e de água potável nas cidades do
mundo em desenvolvimento, freqüentes epidemias e numerosas catástrofes ditas naturais,
porém provocadas pela mão do homem, vão
destruindo em ritmo cada vez mais acelerado
o hábitat do ser humano. Simultaneamente e
na medida em que a vida moderna exige um
OEA . 11
consumo cada vez maior de combustíveis e de
outros bens poluidores, os fatores de poluição
acumulam-se sem que se assumam sequer os
custos de restaurar o que foi destruído.
Esses grandes fracassos da humanidade, que
são também seus grandes problemas, dão lugar
em nosso meio a desafios cuja superação pode
significar para nós o fim ou pelo menos a atenuação de alguns deles. Quatro problemas se
destacam como os mais importantes: o desafio
do crescimento, o desafio da desigualdade, o
desafio da delinqüência e o desafio da governabilidade.
O desafio do crescimento
O primeiro desses desafios é o do crescimento. Quando uma região experimenta um ciclo
significativo de crescimento como agora fazem
a América Latina e o Caribe, depois de haver
vivido longos períodos de estancamento, a
pergunta que deve ser respondida não diz
respeito ao volume que o crescimento pode
alcançar mas antes, à possibilidade de impedir
sua reversão. Em nosso caso, a pergunta é perfeitamente válida porque pende sobre o nosso
crescimento a dúvida acerca da possibilidade de
o desaparecimento ou a atenuação das circunstâncias externas que o estimulam a provocar
12 . Desafios Regionais
novas crises, como ocorreu no passado.
Sabemos geralmente o que fazer para avançar
no sentido da superação desses problemas:
devemos procurar ser mais competitivos, promover a inovação tecnológica, ingressar em
mais mercados, eliminar as barreiras à criação
de empresas, oferecer maiores incentivos a
pequenos e médios empresários, promover
maior investimento estrangeiro, propiciar mais
poupança interna e criar condições internas
que facilitem a inserção nos mercados internacionais. Não basta, entretanto, essa prescrição
geral. Deve-se ir mais longe e aproveitar a atual
situação de bonança para realizar reformas que
permitam o fortalecimento das economias
diante de crises financeiras externas ou de endividamento excessivo. Isso significa implantar
políticas contracíclicas que permitam um nível
de gasto sustentável em tempos de bem-estar
e a manutenção do nível do gasto social diante
de circunstâncias de crise. Existem diversos
instrumentos de política que podem ser adaptados às necessidades e particularidades de
cada país, mas verdadeiramente importante é
que se estabeleçam mecanismos de poupança
fiscal para serem usados em casos de crise
financeira, permitindo a defesa do nível do
gasto social.
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
Outro elemento essencial a ser revisado nesse
novo cenário é a política tributária e de arrecadação fiscal, a fim de otimizá-la e desse
modo financiar um maior nível de gasto social.
Conforme assinalou a CEPAL, embora seja
certo que nesse âmbito foram empreendidas
numerosas e profundas mudanças na região,
persistem problemas no equilíbrio da carga
tributária entre os distintos estratos socioeconômicos e uma fraca arrecadação fiscal que
impede o financiamento de uma agenda social
agressiva de combate à pobreza.1 Para superar
esse desafio há pelo menos duas grandes áreas de ação. A primeira é a do fortalecimento
institucional dos serviços públicos de administração tributária. Esses serviços deveriam
ser profissionalizados no mais alto nível, tanto
no que respeita aos seus recursos humanos e
Desafios para a América
Latina e o Caribe
equipamento tecnológico, como às suas atribuições de fiscalização. Em segundo lugar, é
necessária uma agenda concertada de reformas
à política tributária que permita solucionar os
problemas atuais de iniqüidade e evasão e de
isenção para determinados grupos de interesse.
Para esse efeito, caberia avaliar o impacto de
cada um dos instrumentos da política tributária aplicáveis em nossos países, bem como
estudar novas formas de tributação para serem
aplicadas. O impacto positivo de um sistema
tributário moderno e estável, com forte capacidade fiscalizadora, deverá redundar em maior
credibilidade do sistema e, por conseguinte,
maior arrecadação de recursos fiscais.
Um aspecto especial e que exige um tratamento
também especial no contexto do enfrentamen-
1 CEPAL: Tributación en América Latina. En busca de una nueva agenda de reformas.
OEA . 13
to do desafio do crescimento é determinado
pelo fato de que uma das principias conseqüências do maior dinamismo econômico é
o incremento da demanda energética que é
geralmente maior do que o aumento do produto interno dos países. Essa situação produz
tensões nos países importadores de energia
que devem redobrar seus esforços estratégicos e financeiros no sentido da provisão e
diversificação de suas fontes; por sua vez, os
países exportadores de energia são beneficiados pela maior demanda energética que é
acompanhada de um incremento nos preços.
Os governos da região têm consciência desse
desequilíbrio entre oferta e procura de energia
e há décadas vêm estabelecendo acordos de
integração energética sob distintos esquemas.2 Em algumas ocasiões estimulou-se o investimento privado para a exploração de fontes de
energia e, em outras, fomentaram-se acordos
de integração com base em empresas estatais
nacionais. O que cabe destacar é que o espírito desses acordos sempre foi o de resolver a
equação oferta-procura de energia na região.
parte desses projetos apresenta fortes impactos ambientais. Se a isso se acrescentarem
os efeitos negativos dos gases-estufa que
estariam elevando a temperatura média do
planeta teremos restrições adicionais na exploração de fontes energéticas baseadas em
combustíveis fósseis (hidrocarbonetos). Esse
cenário não só impõe maiores custos para a
provisão energética, como obriga a utilização
de tecnologias sofisticadas que minimizem os
impactos ambientais negativos. Por tais razões,
a agenda energética da região deve considerar
pelo menos estes aspectos: (a) a promoção do
uso racional e eficiente das fontes energéticas
convencionais (hidrocarbonetos e hidroelétricas); (b) os incentivos ao uso de fontes energéticas alternativas e renováveis cujos impactos
ambientais sejam mínimos (biocombustíveis,
geotermia, energia eólica, solar e das marés);
(c) o aproveitamento dos mecanismos de
transação de emissões, como o Protocolo de
Kyoto, para atrair investimento e tecnologia
de ponta que permita a produção industrial
“limpa” nos países da região.
Além disso, a necessidade de diversificar a
exploração de múltiplas fontes de energia
gera tensão na variável ambiental, pois boa
O acima exposto implica redobrar os esforços
de integração política e física, tendo presente
que a região possui recursos naturais suficien-
2 CEPAL: Cooperación e Integración energética en América Latina y el Caribe
14 . Desafios Regionais
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
tes para satisfazer as demandas energéticas de
seus países.
O desafio da desigualdade
Embora nossa região não seja a mais pobre do
planeta, é indiscutivelmente a mais desigual.
Os 20% mais pobres do continente levam para
casa menos da 10% da renda, em circunstâncias nas quais os 20% mais ricos se apropriam
de mais de 50% da renda. A pesquisa Latinobarometro 2006 revela que 61% das pessoas que
na região possuem só instrução primária ou
menos têm pais com o mesmo nível de educação e que apenas 9% das pessoas cujos pais
tinham esse nível de instrução tiveram acesso
à educação superior.
Por outro lado, na nossa região a pobreza e a
desigualdade estão associadas à discriminação.
Desafios para a América
Latina e o Caribe
A grande maioria dos indígenas é pobre, como
também o é grande parte dos afro-americanos.
Um número importante de famílias pobres da
região é encabeçado por mulheres. A pobreza
tem cor e gênero na América Latina e no Caribe. Isso torna o problema ainda mais doloroso
e negativo, e a necessidade de solucioná-lo,
mais urgente.
Trata-se de uma situação cuja insustentabilidade é cada vez maior. A frustração causada
pelo contraste entre a desigualdade e a exclusão, de um lado, e o crescimento econômico
alcançado e a melhoria da qualidade de vida
prometida porém não materializada, do outro,
assenta as bases da possibilidade de conflitos e
turbulências na região. A presente desigualdade
não só é moralmente inadmissível, como, caso
persista, se converterá em uma séria ameaça
às nossas possibilidades de desenvolvimento
OEA . 15
futuro, devido aos déficits de educação, poupança e capacidade de empreendimento que,
entre outros problemas, traz consigo.
O desafio da delinqüência
Um problema emergente, que representa um
desafio cada vez maior para a América Latina
e o Caribe, é o do crescimento sem precedentes da criminalidade. É certo que diminuiu a
violência política que não muitos anos atrás
flagelava nossa população; mas também é certo
que essa violência foi substituída pelo crime:
por quadrilhas, tráfico de drogas, crescimento
da criminalidade urbana, lavagem de dinheiro e
muitas outras formas por ele hoje assumidas.
Em muitos países da nossa região, as mortes
anuais por homicídio não são contadas por
centenas ou milhares, mas por dezenas de milhares.3 Basta dizer que a Organização Mundial
da Saúde considera como epidemia toda causa
de morte que provoque mais de 10 óbitos por
100.000 habitantes. A média de homicídios no
mundo é de 5 por 100.000 habitantes, enquanto nos Estados Unidos é de 5,5 e na Europa se
situa entre 1 e 2; na América Latina, em um la-
mentável contraste, em 2000, foi de 27,5 homicídios por 100.000 habitantes, de longe a mais
alta do mundo e uma verdadeira “epidemia”
que é necessário enfrentar de maneira radical.
Entre os problemas associados à criminalidade,
um dos mais graves é o tráfico de pessoas. O
número de crianças, mulheres e trabalhadores
escravos traficados em nossa região, dentro dos
países ou através das fronteiras, é vergonhosamente alto. E assim é porque um contingente
igualmente grande da população – entre 15% e
20% – carece de identidade. Essas pessoas não
possuem registro de nascimento e tampouco
qualquer documento que as identifique, sendo
por isso presas fáceis e permanentes de todo
tipo de delitos perpetrados por quadrilhas organizadas expressamente para esse fim.
Trata-se de uma chaga social que não só degrada e maltrata física e moralmente as pessoas,
mas traz consigo um alto custo econômico,
político e institucional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o custo da
delinqüência, incluindo o valor da propriedade
roubada, se eleva a aproximadamente 16,8
bilhões de dólares, equivalentes a 15% do PIB
da América Latina. Essa estimativa inclui o
3 Na década de 1990, mais de 70% da população urbana da América Latina foi vítima de algum tipo de delito. Segundo as Nações Unidas e o
Banco Mundial, a taxa de homicídios na região está entre as mais altas do mundo, com a Colômbia, o Brasil e a Jamaica à frente da lista. A violência é uma das cinco principais causas de morte na região, sendo a primeira no Brasil, Colômbia, Venezuela, El Salvador e México, e, embora
a América Latina represente apenas 8% da população mundial, respondeu por 75% de todos os seqüestros praticados no mundo em 2003.
16 . Desafios Regionais
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
impacto da delinqüência não só na segurança
das pessoas e propriedades, mas também sobre
a produtividade, os investimentos, o emprego
e o consumo. De igual modo, desafia e pode
até mesmo destruir instituições. Já existem
zonas de cidades e regiões dentro de países do
nosso continente em que a institucionalidade
do Estado está sendo substituída pelo poder
de fato dos grupos delituosos. Não se devem
poupar adjetivos ou recursos ante este desafio:
o delito é entre nós uma verdadeira “epidemia”
social que ameaça destruir nossos cidadãos e
nossos Estados.
O desafio da governabilidade
O crescimento, a geração de emprego, a
segurança para o investimento de capitais,
os problemas de pobreza, discriminação e
delinqüência são, na sua totalidade, questões
Desafios para a América
Latina e o Caribe
que podem ser solucionadas com a aprovação
e aplicação democrática de políticas públicas
eficazes e eficientes que deveriam considerar a
opinião, a participação e os direitos de todos.
Entretanto, para estar à altura desse empreendimento, os governos da América Latina
devem ainda desenvolver algumas capacidades
que se constituem em requisitos e condições
da governabilidade.
O primeiro desses requisitos é a consciência
de que a ampliação da democracia e suas
instituições são precisamente a primeira obrigação de um governo democrático. Para isso,
a participação e o consenso são um requisito
imprescindível. Em contrapartida, a exclusão
e às vezes a repressão do adversário são um
caminho seguro para o enfraquecimento das
instituições democráticas. Este é um aspecto a
que se deve dispensar a maior atenção e diante
OEA . 17
do qual é preciso agir criticamente, recordando
sempre que o primeiro dever de um governo
democraticamente eleito é o exercício do poder
da mesma maneira democrática, ampliando a
liberdade mediante a inclusão, a transparência
e a participação.
A força crescente das democracias na região
permite incluir na agenda pública reformas no
sentido de aperfeiçoar o sistema de participação
da cidadania na gestão democrática, bem como
o fortalecimento das instituições políticas e
dos sistemas representativos. Nesse sentido,
a incorporação de iniciativas orientadas para
melhorar o acesso à informação pública e o
estabelecimento de consultas com a população
em temas sensíveis, especialmente nos âmbitos de governos locais, são ferramentas-chave
para fortalecer um comportamento ativo e
equilibrado entre deveres e direitos, por parte
dos cidadãos. Os sistemas representativos,
por outro lado, devem ser aperfeiçoados de
maneira que garantam o pluralismo, a diversidade e a independência a toda a população.
As instituições do Estado devem, finalmente,
introduzir grandes melhorias em suas políticas
e práticas nas áreas de controle dos conflitos
de interesse e de prevenção da corrupção e
dos desvios praticados por grupos de interesse.
Além disso, devem-se estabelecer práticas de
prestação de contas à população.
18 . Desafios Regionais
Um segundo requisito da governabilidade é
que os governos sejam capazes de realmente
governar. Dito de outra forma, para ser eficaz
no cumprimento do seu dever, um governo
democraticamente eleito deve ter o poder e
as condições de dirigir de maneira efetiva seu
país. Isso guarda relação com o Estado de direito e com a existência de instituições públicas
permanentes que sejam realmente respeitadas.
Muitos países da América Latina e do Caribe
não estão em condições de exibir leis de base
ou instituições formalmente capazes de levar
avante políticas públicas. Muitas vezes essas instituições são ineficientes, “politizadas” demais
ou simplesmente não são respeitadas.
Por outro lado, os sistemas mediante os quais
as autoridades são eleitas costumam não considerar a necessidade de maiorias estáveis e,
ao contrário, criam condições instáveis que se
mantêm somente enquanto os governos são
bem-sucedidos. A fraqueza dos partidos políticos e de outras organizações intermediárias
tende a acentuar o problema e torna impossível
a formação de coalizões políticas estáveis. Essa
situação converte a luta pelo poder no único
elemento constante, deixando pouco espaço
para o compromisso e a tomada de decisões
de longo prazo.
Por José Miguel Insulza
Secretário-Geral, OEA
Por isso uma condição da governabilidade
em nossa região é a geração de sistemas políticos que permitam uma participação ampla
e facilitem a formação de coalizões sólidas e
governos majoritários. Essa exigência, por sua
vez, demanda dos partidos políticos maior
representatividade popular e a capacidade de
participar na formação dessas maiorias.
Um terceiro requisito da governabilidade é que,
para serem eficazes na sua missão, os governos
disponham dos instrumentos necessários. Isso
tampouco ocorre satisfatoriamente com boa
parte dos governos da região, que viram diminuir significativamente os meios institucionais
ou materiais de que antes dispunham para
enfrentar boa parte dos problemas que lhes
cabia solucionar como parte do seu mandato
essencial. O fenômeno se explica pela redução, exagerada em muito casos, do tamanho
Desafios para a América
Latina e o Caribe
do Estado.
A década de 1990 trouxe para muitos países
do mundo em desenvolvimento reformas
que significaram o desaparecimento dos gigantescos aparatos estatais. Foi, sem dúvida,
uma mudança positiva, dado que a maioria
dessas estruturas do Estado se encarregava
de atividades produtivas caras, ineficientes ou
que seriam administradas muito melhor pelo
setor privado. Sobre essa mesma premissa,
entretanto, em muitos casos se desmantelaram
e depauperaram serviços, contribuindo-se
assim para aumentar o número de pobres e
indigentes e reduzir a qualidade da assistência
que o Estado deve prestar aos seus cidadãos e
que eles esperam e exigem.
Hoje está claro que muitos dos problemas
que nos afetam, especialmente a redução da
OEA . 19
desigualdade, a provisão de melhores serviços
de educação, saúde, água potável e oportunidades de emprego, dependem da formulação
de políticas públicas destinadas a ampliar e
fortalecer a coesão social.
Finalmente, o quarto requisito da governabilidade está diretamente relacionado com a
eficiência. A política e o governo são atividades humanas e, como tais, requerem o apoio
cada vez maior de conhecimentos e técnicas.
Isso significa que é necessário preparar cada
vez mais os políticos, na América Latina e no
Caribe, nas habilidades que a gestão pública
requer.
20 . Desafios Regionais
Trata-se dos conhecimentos teóricos e técnicos
necessários para levar avante eficientemente a
administração estatal. Administrar o Estado
significa governar sobre uma pluralidade complexa que exige que, antes da tomada de uma
decisão e no momento de executá-la, sejam
considerados todos os aspectos dessa diversidade, com equanimidade e justiça. Deve-se ser
eficiente em relação a critérios e modalidades
que, além de conhecimentos exclusivamente
técnicos, exigem a consideração e aplicação
de princípios que pertençam aos domínios
da ética, da solidariedade e da busca do bem
comum. Estas são habilidades específicas que
devem ser ensinadas e adquiridas pelos que
são chamados a conduzir governos.
OEA . 21
Banco Interamericano
de Desenvolvimiento
Rumo à Quinta Cúpula das Américas:
Uma Perspectiva dos Desafios Regionais
Por Luis Alberto Moreno
Presidente, BID
Inicialmente, agradeço à Organização dos
Estados Americanos e ao Secretário-Geral
José Miguel Insulza o convite formulado para
apresentar esta contribuição.
A região da América Latina e do Caribe está
operando em um ambiente internacional favorável registrou, em 2006, o seu quarto ano consecutivo de aumento do crescimento per capita.
Políticas internas que conseguiram manter a
disciplina macroeconômica em eleições muito
disputadas desempenharam importante papel
nesse resultado, tanto quanto as animadoras
cotações de produtos de base e os termos favoráveis dos empréstimos internacionais. Ao
mesmo tempo, enquanto a pobreza diminuía,
o desemprego manteve-se alto e a qualidade do
trabalho, baixa, já que muitos países da região
continuaram a perder terreno nas classificações
internacionais de competitividade.
24 . Desafios Regionais
Portanto, os riscos e desafios que a região
enfrenta em termos de crescimento e agenda
social ainda são imensos. Examinamos a seguir
aspectos essenciais do clima dos negócios,
outros fatores que respaldam o crescimento
e a necessidade tornar a política social mais
eficiente e inclusiva. Uma declaração sobre o
caminho a trilhar e sobre o papel e o programa
do BID encerra esta exposição.
Os desafios do crescimento
Crescimento é o resultado de muitos fatores.
O clima dos negócios, a capacidade de inovar e
reinventar, as regras e instituições destacam-se
entre os principais. O desempenho da região
em cada uma dessas dimensões é uma mescla
de avanços e de necessidades continuamente
insatisfeitas.
Por Luis Alberto Moreno
Presidente, BID
Em certos países, aspectos do clima dos negócios passaram recentemente a melhorar. Em
alguns deles, o número de dias necessários para
formar uma empresa e o custo do seu registro
foram reduzidos. A nova lei de falências do
Brasil reduz à metade o tempo requerido para
o trâmite do correspondente processo. Em
matéria de inovação, numerosos exemplos
atestam a capacidade das firmas e dos centros
de pesquisa da região de gerar idéias e lançar
novos produtos no mercado. E, no tocante a
regras e instituições, são conhecidos os avanços
da América Latina em áreas que vão desde a
gestão econômica e fiscal até a regulamentação
e a oferta de serviços de utilidade pública.
Nesse contexto, reina em toda a região um
otimismo alimentado por tendências econômicas melhores do que as de uma geração
atrás: a inflação está em baixa, a produção e as
Uma Perspectiva dos
Desafios Regionais
exportações aumentam e o crescimento econômico, de 5,3%, é paritário coma expansão
da economia mundial como um todo em 2006.
As perspectivas para 2007 são boas, e certos
países, como é o caso da Argentina, esperam
uma taxa de crescimento superior a 7%.
Ao mesmo tempo, os negócios na América
Latina continuam a ser tolhidos por baixos
níveis de acesso ao capital, deficiências de
infra-estrutura, leis trabalhistas rígidas e complicados trâmites de registro e dissolução. O
desempenho da região em investimentos em
educação e conhecimento é baixo, e tanto os
mercados de capitais como a infra-estrutura
tecnológica e financeira básica não estão suficientemente adaptados ao financiamento e à
disseminação da inovação. Embora as eleições
que instalaram novos governos em 12 países
tenham ajudado a consolidar a democracia,
BID . 25
pesquisas de opinião pública revelam que é
baixa a confiança nas instituições do Estado.
O crime e a violência acrescem ao custo da
atividade empresarial, como também o fazem
as iniqüidades na administração de justiça,
área que demanda modernização adicional e
acessibilidade para todos.
O crescimento, com sua tradição de volatilidade, deve tornar-se mais duradouro e sustentado
e seus frutos devem ser estendidos aos menos
favorecidos e aos pobres. Como declarei aos
Governadores do Banco por ocasião da nossa
reunião anual, este ano realizada na Guatemala,
este é o supremo desafio para os nossos países
nos anos vindouros. Cada lar na região deve
compartilhar os benefícios do crescimento,
não só em razão da necessidade de aumentar a
equidade, a participação e a renda dos pobres,
como também porque oportunidades melhores e mais igualitárias para todos são, por si sós,
uma força de crescimento.
Os desafios do desenvolvimento social
Políticas sociais de formação de capital humano, capacitação para o mercado de trabalho,
habitação e infra-estrutura básica, programas
de redução da pobreza, pensões e redes de
segurança têm uma longa tradição na região
26 . Desafios Regionais
e estão passando por mudanças de largo alcance.
A despesa social tem aumentado sua participação na despesa pública e no PIB ao longo
dos últimos 20 anos, os indicadores sociais
melhoraram sua média, os níveis de pobreza
começaram recentemente a mostrar queda
mensurável e certos tipos de intervenções,
como programas de transferência condicional
de caixa, tornaram-se amplamente conhecidos
pela solidez dos resultados que produzem.
Ao mesmo tempo, permanece inconclusa na
política social a imensa tarefa estender a cobertura da população, melhorar a qualidade
do desenho e da implementação, acelerar a
progressividade do gasto social e assegurar a
adequação de recursos. Também há necessidade de maior eficiência. A meu ver, isto torna
necessário, entre outros aspectos, recorrer ao
setor privado e a novos modelos de provedores.
Ademais, em políticas e programas dedicados
ao alívio da pobreza, é preciso desenvolver
respostas que levem em conta a natureza multidimensional e dinâmica da pobreza, assim
como o conceito de risco, para que aqueles
que saem da pobreza a ela não retornem e para
Por Luis Alberto Moreno
Presidente, BID
prevenir que os não-pobres de baixa renda se
tornem pobres.
A agenda do crescimento e as políticas sociais
estão interligadas e assim devem ser concebidas, de modo a reforçar-se mutuamente. Isto
demanda complementaridade e consistência
entre políticas econômicas e sociais, o que por
sua vez implica, a meu ver, a necessidade de
que instituições relativamente fracas sejam elevadas a níveis comparáveis com as que vieram
associar-se às instituições do Estado na esfera
econômica e financeira..
Mas, para melhorar as instituições responsáveis
pela política social, há necessidade de recursos
e, portanto, de contratos sociais e pactos fiscais
que visem ao aumento da receita de acordo
com o princípio “quem ganha mais paga mais”.
A questão da receita é crítica para a agenda
Uma Perspectiva dos
Desafios Regionais
da política social em países em que nos quais
romper o círculo vicioso da inadequação de
recursos que resulta em fraqueza institucional,
programação e despesa ineficientes, baixa qualidade de serviços e de sua prestação, insatisfação dos cidadãos e pouca solidariedade.
O caminho a trilhar e o papel e o
programa do BID
Ao contemplarmos a Quinta Cúpula das
Américas e, por certo, os próximos dez anos,
vejo uma região que aproveita a expansão
econômica atual para aplicar as reformas e os
ajustamentos que são necessários para fomentar ainda mais o crescimento, dar-lhe sustentabilidade e torná-lo inclusivo e compensador
para os pobres. Minha visão é, também, a de
uma região que age em relação à importância
estratégica da agenda social..
BID . 27
Quanto ao crescimento, necessitamos de
reformas microeconômicas e institucionais,
avanços na educação, melhorias no clima dos
negócios, economias mais competitivas, infraestrutura mais sólida e gradual “inclusão”, na
economia formal, dos segmentos da sociedade
atualmente excluídos. Também é preciso desenvolver novas fontes de crescimento e valor
agregado – os biocombustíveis são um caso
em foco – e gerenciar judiciosamente os riscos
internos e externos para as economias. O objetivo é adquirir maleabilidade e, assim, melhorar
o alcance do crescimento sustentado.
Na área social, necessitamos atacar as fontes
de desigualdade e fragmentação nos mercados
de trabalho e dar acesso a oportunidades de
desenvolvimento e infra-estrutura básica e à
participação em processos políticos. Programas direcionados para o alívio da pobreza
devem observar uma abordagem dinâmica e
de gênero para promover a inclusão, a mobilidade progressiva e a capacidade doméstica de
absorção de choques. Reformas no sistema de
saúde devem oferecer mais acesso a cuidados
de qualidade, respeitando-se a boa gestão e
padrões de financiamento. E é preciso que as
reformas de seguridade social e de pensões
produzam resultados que a sociedade perceba
como eficientes e justos, dadas as limitações
28 . Desafios Regionais
financeiras. O objetivo supremo é o avanço
da coesão social.
O compromisso do BID com estas tarefas
é integral. O crescimento e a agenda social
refletem-se no nosso diálogo com os países
membros, na nossa carteira de empréstimos e
na assistência técnica (quase metade da qual é
“social”) e nas pesquisas a que nos dedicamos.
O crescimento e a agenda social refletem-se no
acordo sobre o alívio da dívida para os países
mais pobres, formalizado no começo do ano,
no progresso da implementação do nosso
mandato ampliado para o setor privado, nas
atividades de promoção da inclusão de populações étnicas, no refinamento de capacidades
em matéria de infra-estrutura, educação, saúde
e proteção social, no nosso trabalho de modernização do Estado e da gestão do setor público
e nos nossos esforços de microfinanciamento
e apoio a pequenas e médias empresas.
Os desafios do crescimento e da agenda social refletem-se nos instrumentos e iniciativas
essenciais que criamos em passado recente e
que começam a produzir resultados. Nosso
serviço em moeda local, um fundo para a
preparação de projetos de infra-estrutura,
um fundo para a prevenção de desastres que
ajuda a promover a gestão de risco, e um novo
Por Luis Alberto Moreno
Presidente, BID
fundo de investimento social para elaboração
e desenho de projetos são alguns dos recursos
de apoio a operações que merecem ser mencionados. Por sua vez, novos instrumentos
programáticos, como a Iniciativa de Energia
Sustentável e Mudança Climática, a Iniciativa
dos Biocombustíveis,, a Iniciativa de Água e
Saneamento e a nossa ação de Oportunidades
para a Maioria estão abordando necessidades
econômicas, sociais e de sustentabilidade,
ao mesmo tempo que expandem o âmbito
das intervenções e dos parceiros com quem
trabalhamos. Novos clientes, particularmente
governos subnacionais e atores privados, são
pontos chave para a expansão das nossas
atividades e a concretização da visão de crescimento inclusivo. Essa visão pressupõe um
elemento adicional, ou seja, a luta contra a
corrupção. No BID, praticamos uma política
de tolerância com a corrupção.
Uma Perspectiva dos
Desafios Regionais
Os desafios de crescimento e a agenda social
são o esteio do atual realinhamento do BID.
O propósito é adaptar o modelo dos negócios
para aumentar a capacidade de resposta e a
relevância e aproximar ainda mais o Banco
de seus países membros. Sabemos que não
existe fórmula mágica ou solução simples, que
cada país segue o seu próprio caminho e que a
categoria de “renda média”, em que se insere
grande parte da América Latina e do Caribe,
oculta numerosas e distintas realidades e necessidades. Estamos refinando a nossa especialização analítica setorial e por país, com vistas
a aprofundar conhecimentos e criar veículos
para a abordagem dos desafios de desenvolvimento dos países de renda média. Simultaneamente, estamos trabalhando lado a lado com
todos os nossos países membros em matéria de
flexibilidade para operar eficientemente numa
região altamente diversa, em que pretendemos
BID . 29
ajudar a moldar soluções individuais exeqüíveis
para todos. Esperamos que essa empreitada
seja apoiada por um renovado relacionamento
com os nossos membros extra-regionais, bem
como a possibilidade de sermos potencialmente capazes de dar as boas-vindas a novos
membros na família do Banco.
30 . Desafios Regionais
Recebemos com honra e humildade as tarefas
que nos foram confiadas em cooperação os
países membros, ao longo das linhas acima
especificadas.
BID . 31
Comissão Econômica
para a América
Latina e o Caribe
Reflexões sobre os desafios
econômicos e sociais que a
América Latina e o Caribe enfrentam
Por José Luis Machinea
Executive Secretary, CEPAL
Graças à fase de crescimento que a América
Latina e o Caribe estão vivendo, o PIB per capita
da região cresceu a uma taxa média anual de
aproximadamente 3%, no período 2003-2006,
após haver registrado uma taxa média de apenas 0,1% entre 1980 e 2002. Tendências positivas na atividade econômica contribuíram para
a queda da taxa de desemprego e a melhoria da
qualidade do emprego, que, juntamente com
melhor e maior gasto público, produziram um
impacto favorável nos coeficientes de pobreza.
De modo relevante, a pobreza extrema diminuiu mais de 20% entre 2002 e 2006. Os níveis
de pobreza absoluta e indigência continuam,
entretanto, muito altos, em 38,5% e 14,7%,
respectivamente.
A principal prioridade para a região é manter e,
em alguns casos, acelerar a taxa de crescimento
econômico, colocando seus frutos à disposição
da população inteira. Embora talvez não exista
um caminho único para o crescimento sustentável e o desenvolvimento eqüitativo, e correndo o risco de simplificar e ser necessariamente
seletivo, é possível dizer que os esforços nessa
direção estão associados basicamente com os
desafios de mudar padrões de produção, a
coesão social, a inserção internacional e a boa
governança.
34 . Desafios Regionais
Crescimento e mudança de padrões de
produção
Nos últimos 25 anos, o crescimento da região
foi extremamente baixo e volátil, não obstante o recente ciclo de expansão. O primeiro
desafio é, pois, alcançar e sustentar altas taxas
de crescimento. O segundo desafio do crescimento – dado que a região continua a perder
terreno para o resto do mundo em desenvolvimento apesar das boas condições externas
que atualmente está vivendo – é não se atrasar
ainda mais no esquema global. Esse desafio
estabelece um limiar de crescimento bastante
alto para a região.
Durante muito tempo, o crescimento na
América Latina e no Caribe não foi apenas
baixo; foi também sumamente volátil. Pelo
fato de gerar incerteza em relação ao nível de
atividade econômica, essa enorme volatilidade
prejudica o investimento e a produtividade e,
por conseguinte, o crescimento. Para reduzir a
volatilidade, os países precisam melhorar suas
políticas macroeconômicas para que possam
tomar medidas contracíclicas.
A interdependência do crescimento global
e da estrutura de produção apresenta traços
muito particulares na América Latina e no
Caribe, dada a natureza cada vez mais hetero-
Por José Luis Machinea
Secretário Executivo, CEPAL
gênea dessa estrutura, com grandes falhas de
coordenação entre agentes e um acesso muito
diferenciado à informação e a fatores de produção. Esse fato gera uma dinâmica estrutural
que evolui em diferentes ritmos, dependendo
do tamanho e do controle das empresas. Na
ausência de uma verdadeira igualdade de oportunidades, políticas públicas ativas se fazem necessárias para nivelar o campo de ação mediante
uma estrutura diferenciada de mecanismos e
incentivos de apoio.
Desafios econômicos e sociais que a
América Latina e o Caribe enfrentam
baseados em recursos naturais. Os preços internacionais desses produtos elevaram-se consideravelmente, sobretudo no caso de minerais
metálicos e hidrocarbonetos, em virtude da
pressão de demanda exercida pelos processos
de industrialização da China e Índia.
Essas mudanças na estrutura da produção são
urgentemente necessárias a fim de acelerar,
estabilizar e consolidar o crescimento no longo
prazo. São, por outro lado, essenciais para a
abordagem da delicada situação social na reConfrontada por esses desafios, a região precisa gião, especialmente no que respeita a emprego,
assentar os alicerces de um padrão de desenvol- pobreza e iniqüidade.
vimento da produção que possa, embora refletindo essa heterogeneidade estrutural, agregar Coesão social
valor e conhecimento aos bens que cada país
produz. Convém lembrar que o maior propul- Os altos níveis de pobreza e iniqüidade prevasor da atual fase de crescimento, que tem sido lecentes nos países da região são, sem dúvida,
especialmente favorável à América do Sul, são a um fator de exclusão social e um obstáculo à
produção e a exportação de produtos primários construção e consolidação da coesão social, enCEPAL . 35
tendida como um “sentido de pertencimento”
a uma empresa nacional comum e inclusiva. É,
pois, fundamental reduzir a pobreza e diminuir
as lacunas entre os diferentes setores da população mediante, por exemplo, o aumento das
possibilidades de progresso social pela via do
acesso a diferentes tipos de capitais, entre os
quais a educação reveste especial importância.
Certos mecanismos de proteção social que
podem ser introduzidos a fim de diminuir a
incerteza associada à velhice, às doenças e à
pobreza também têm potencial para aumentar
a coesão social.
Além dessas lacunas em matéria de objetivos, a
percepção que a população tem da atuação das
principais instituições da democracia também
é um fator presente no desenvolvimento de
maior coesão social. O Judiciário, o Legislativo
e os partidos políticos geram baixa confiança
na população devido à falta de transparência e
à suspeita de corrupção associadas ao seu funcionamento. Uma série de estudos documentou
a imperiosa evidência desse fato.
No que respeita a essas lacunas, as políticas sociais são um instrumento decisivo para reduzir
os altos níveis de exclusão constatados na região.
O principal objetivo deve ser o rompimento do
círculo vicioso de baixo crescimento, pobreza,
36 . Desafios Regionais
iniqüidade distributiva e exclusão social. A
política social poderia orientar-se, portanto,
para a construção de uma forma mais íntegra
de civismo econômico e social. Na prática, o
objetivo geral deve ser adaptado aos aspectos
particulares e ao nível de desenvolvimento de
cada país e refletir as necessidades de maior
solidariedade de cada sociedade, em vez da
inércia orçamentária ou da pressão direta de
grupos de interesse.
Em termos gerais, a solidariedade é orquestrada
de múltiplas maneiras, de modo especial mediante programas de gasto público e subsídios
à seguridade social e a sistemas tributários. Em
comparação com os padrões internacionais, a
grande maioria dos países da região tem uma
carga tributária bastante baixa em relação aos
respectivos PIBs per capita. Em conseqüência,
poderão faltar aos países recursos suficientes
para combater a reprodução entre gerações da
pobreza e da iniqüidade.
Além da necessidade de estreitar suas lacunas
econômicas e sociais, a região precisa investir
no fortalecimento de suas instituições democráticas. Sem uma liderança política confiável e
um sistema de justiça digno de crédito, é quase
impossível conceber a coesão social e, menos
ainda, um dos seus ingredientes cruciais: a
Por José Luis Machinea
Secretário Executivo, CEPAL
solidariedade. Acima e além de qualquer reforma política requerida em cada caso, esforços
ingentes serão necessários a fim de aumentar a
transparência e a responsabilidade de modo a
assegurar que o uso dos recursos esteja aberto
ao escrutínio, que as ações empreendidas sejam
efetivas e que as oportunidades de corrupção
se estreitem cada vez mais. Instituições sólidas,
eficientes e transparentes conformam a base
da coesão social.
Inserção internacional
Em um mundo cada vez mais interdependente,
a necessidade de forjar uma inserção internacional mais forte é um elemento decisivo da
arquitetura de uma estratégia de desenvolvimento para os países da região. Idealmente, a
natureza dessa situação deveria ser discutida
no nível multilateral, em que os países em
Desafios econômicos e sociais que a
América Latina e o Caribe enfrentam
desenvolvimento gozam de maior poder
de negociação. Entretanto, as negociações
multilaterais continuam a ser tolhidas por
sérias dificuldades em relação a questões tais
como migração, financiamento e comércio,
entre muitas outras. Dada a falta de progresso
nas negociações multilaterais, os países estão
procurando cada vez mais celebrar acordos
bilaterais, para não só assegurar o acesso a determinados mercados, como evitar perdê-los
em virtude da série de preferências decorrentes
de acordos bilaterais com outros países. Enquanto esse curso de ação é compreensível do
ponto de vista dos interesses particulares dos
países individualmente considerados, a menos
que algumas das medidas acima citadas sejam
adotadas, essa atitude pode enfraquecer de tal
maneira os processos sub-regionais e regionais
a ponto de torná-los irrelevantes.
CEPAL . 37
Diante dessa realidade, o que pode ser feito?
Uma alternativa plausível é a opção do regionalismo aberto por parte dos países, isto é, o
fortalecimento de acordos sub-regionais e o
seu uso como base para a negociação de dispositivos de integração com o resto do mundo.
Conforme antes se observou, esse tipo de integração deverá ser promovido de preferência
mediante negociações multilaterais. Alternativa
ou complementarmente, blocos sub-regionais
poderiam encetar negociações com blocos ou
países desenvolvidos. Para que isso seja possível, entretanto, a região deve deixar para trás
a retórica e empreender uma ação concreta
no sentido de aprofundar os vários esquemas
sub-regionais de integração.
Será necessário, por exemplo, promover a
convergência entre os acordos comerciais
existentes mediante a aceleração da redução
das tarifas e a criação de áreas de livre comércio dentro de um prazo razoável, bem como
a evolução no sentido da unificação de regras
de origem e a construção da credibilidade da
integração pela via do fortalecimento da sua
institucionalidade e de seus mecanismos de
solução de controvérsias. Ao mesmo tempo,
deverão ser dados passos firmes em matéria de
facilitação do comércio no sentido de assegurar
que a assistência técnica necessária para pôr
38 . Desafios Regionais
em prática esses acordos esteja disponível, considerar sua relação com tratamento especial e
diferenciado, definir a natureza vinculatória dos
compromissos ligados a financiamento seguro
e suficiente e fortalecer o papel de cooperação
em infra-estrutura, sistemas de informação e
formação de capacidade institucional.
Boa governança
Os dois fatores comuns subjacentes nos argumentos acima formulados são a necessidade de
um novo Estado não só mais sólido e versátil
como capaz de agir em todas essas múltiplas
frentes e, para complementá-la, a indispensável construção dos consensos políticos que
a criação desse novo Estado requer. Os dois
fatores são condições essenciais para a boa
governança.
O Estado é a arena natural para a articulação e
canalização das atividades de todos os agentes
sociais em busca do desenvolvimento econômico e social e, em termos gerais, do bem comum.
Um Estado fraco, ineficiente e cativo de interesses privados se verá, porém, seriamente tolhido
no desempenho desse papel. Daí a importância
da reconstrução do Estado a fim de permitirlhe enfrentar melhor os desafios domésticos e
externos do mundo contemporâneo.
Por José Luis Machinea
Secretário Executivo, CEPAL
Desafios econômicos e sociais que a
América Latina e o Caribe enfrentam
com todas as suas complexidades e dificuldades.
Esse processo deve valer-se da riqueza de insumos oriundos de uma interação construtiva
entre os diferentes agentes sociais, à medida
que eles se concentrem em realizações compartilhadas e inclusivas. Nenhuma democracia
efetiva é possível se questões importantes da
organização econômica e social forem deixadas fora da agenda pública. Uma das tarefas
fundamentais do sistema político é atuar como
catalisador dessa discussão. Assim fazendo, ele
deverá oferecer à cidadania um leque de opções
que proporcionarão o campo de ação para um
A América Latina e o Caribe devem, pois, re- processo de aprendizagem institucional e, acima
cuperar a capacidade de construir o seu futuro, de tudo, para o exercício da democracia.
Nos próximos anos, o rumo das políticas públicas e a sua efetividade dependerão da governança e da construção de consenso, dado que
não se pode esperar que a vida, sob a forma
de comunidade, esteja isenta de conflitos ou
diferenças. O meio mais eficiente de abordar
ambas as tarefas e desse modo fortalecer a
governança é o estabelecimento de acordos
entre as principais forças políticas em torno
de aspectos decisivos da trilha do desenvolvimento da região e do livre funcionamento de
suas instituições.
CEPAL . 39
Organização
Pan-Americana
da Saúde
Um tema para a Agenda Política:
O avanço no sentido de sociedades mais
inclusivas, eqüitativas e saudáveis
Introdução por Mirta Roses Reriago
Oficina Sanitaria Panamericana
A presente contribuição destaca os aspectos mais relevantes que caracterizam a situação da
saúde na Região, a qual reflete os grandes desafios que enfrentam os países da América Latina
e do Caribe em alcançar os objetivos de igualdade, saúde e bem-estar. A Oficina Sanitária
Panamericana contribui no fortalecimento das respostas a estes desafios, articulando a ação
conjunta dos governos, a sociedade civil e a comunidade internacional para o avanço da Agenda
da Saúde das Américas. Se agradece à OEA a oportunidade de contribuir nossa perspectiva
setorial ao conteúdo desta publicação sobre os Desafios Regionais.
Mirta Roses Periago
Diretora
Oficina Sanitaria Panamericana
42 . Desafios Regionais
Introdução por Mirta Roses Reriago
Oficina Sanitaria Panamericana
Foi amplamente documentado que a região
exibe as maiores desigualdades sociais e
econômicas do mundo e que tanto a falta
de eqüidade como a pobreza vêm há muito
tempo acompanhando as sociedades da região
(CEPAL, 2006). Esses temas e seu impacto
na governabilidade e estabilidade voltada para
a consecução de um ambiente propício ao investimento, ao intercâmbio e ao crescimento
econômico ocuparam um lugar de destaque na
agenda política, juntamente com as iniciativas
para combater o terrorismo e promover a segurança da população. A saúde na região foi
um tema igualmente destacado nessa agenda,
na medida em que foi preciso fazer frente às
ameaças e à ocorrência de epidemias e pandemias que exigem o esforço conjunto dos
governos, da sociedade civil e da comunidade
internacional. Entretanto, a saúde como expressão dos problemas de pobreza e falta de
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
eqüidade, como exercício de cidadania e de
direitos e como contribuição para o bem-estar
e o crescimento econômico das sociedades do
Hemisfério é pouco analisada e considerada
nas agendas políticas. Passar do enfoque das
enfermidades epidêmicas para a saúde como
elemento de inclusão, bem-estar e desenvolvimento requer, portanto, um tratamento e
análise diferente que merece ser reconhecido
por sua contribuição tanto para os processos
de integração e desenvolvimento do continente como para a construção de sociedades mais
democráticas e eqüitativas.
Os grandes desafios regionais em
matéria de saúde:
1. Mudanças nos perfis da saúde e
atrasos acumulados
No contexto dos países da América Latina e
OPAS . 43
do Caribe, as políticas de saúde devem fazer
frente a novos e antigos desafios. Tal como
ocorre no mundo desenvolvido, os novos
desafios obedecem a mudanças na demanda
decorrentes da dinâmica demográfica, epidemiológica e tecnológica que requer e permite
novos benefícios e tratamentos durante a vida
cada vez mais longa das pessoas, o que eleva
os custos dos serviços de saúde e os gastos
para mantê-los. Os antigos desafios refletem as
carências históricas e a dívida social acumulada
que a região apresenta no tocante ao acesso a
serviços de saúde oportunos e de qualidade.
A situação da América Latina e do Caribe em
matéria de necessidades sanitárias é muito
heterogênea e evidencia grandes desigualdades
entre os países e dentro deles. Enquanto no nível agregado a região se aproxima rapidamente
dos países desenvolvidos em relação ao efeito
de doenças não- transmissíveis, ainda não se
solucionou de maneira satisfatória o problema
das enfermidades associadas a um menor grau
de desenvolvimento, como as contagiosas e
as materno-infantis. Esse fenômeno, geralmente chamado de “atraso epidemiológico”,
é especialmente acentuado nos países de
rendas menores e afeta em maior medida as
mulheres em idade reprodutiva e a população
infantil. Nos países de rendas médias e altas
44 . Desafios Regionais
os problemas associados aos hábitos de vida
e ao envelhecimento da população adquirem
maior importância relativa (Gráfico 1).
2. Iniqüidade e falta de acesso a serviços
de saúde
As médias e os montantes globais regionais e
nacionais não dão conta da complexidade e
heterogeneidade evidenciadas pelos perfis de
saúde dos países, onde coexistem os problemas
associados à pobreza e os inerentes aos riscos,
às condutas e ao próprio envelhecimento da
população em um contexto de desigualdades
geográficas, étnicas e de gênero.
No âmbito internacional, já se reconhece que
os países da América Latina e do Caribe se
caracterizam por altos níveis de desigualdade
social, em muitas dimensões os mais elevados em escala mundial (CEPAL, 2006), e os
indicadores de saúde não estão alheios a essa
condição. No Gráfico 2, duas dimensões socioeconômicas são ilustrativas de tais iniqüidades:
a condição étnica e o lugar de residência. Em
alguns países sobre os quais há informação
disponível, a maior mortalidade entre os
indígenas não obedece ao fato de que um
percentual mais alto vive em zonas rurais. As
crianças indígenas de zonas rurais apresentam
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
Gráfico 1
América Latina e o Caribe e o resto do mundo: indicadores
da importância das doenças, 2002
(Em anos de vida saudáveis perdidos por 1.000 habitantes)
Fonte: Organização Mundial da Saúde, Genebra, 2003.
OPAS . 45
Gráfico 2
Países selecionados: Taxa de mortalidade infantil por população indígena e nãoindígena (critério de autopertencimento) e zona de residência da mãe
(Óbitos por 1.000 Nascidos Vivos)
Fonte: CEPAL, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Uma Visão da América Latina e do Caribe, 2005.
46 . Desafios Regionais
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
maior risco de morrer antes de completar o
primeiro ano de vida do que as não-indígenas
rurais, e o mesmo padrão se repete nas zonas
urbanas. Além disso, constatam-se problemas
de iniqüidade no acesso a serviços básicos de
saúde. O indicador de partos assistidos por
pessoal especializado segundo quintis de renda
mostra, em relação a nove países, que praticamente em todos eles há uma relação direta e
crescente entre o nível socioeconômico das
famílias e o acesso na hora do nascimento a
pessoal treinado (Gráfico 3).
De forma concreta e apesar dos resultados
comparativamente alentadores em termos de
políticas de saúde pública, os países da região
enfrentam um desafio importante no que respeita à melhoria da eqüidade e à redução do
nível de exclusão dos sistemas de saúde.
3. Nível insuficiente e distribuição do
gasto público em saúde
As desigualdades de acesso e cobertura dos
serviços sanitários podem ser explicadas em
parte pelos problemas de organização dos diferentes sistemas de saúde existentes na região.
O déficit crônico do financiamento público da
assistência à saúde e a distribuição inadequada
do respectivo gasto em benefício dos grupos
mais pobres e desfavorecidos da sociedade
constituem-se, entretanto, em um desafio que
merece especial consideração em termos das
políticas de gasto público e dos esquemas de
organização e financiamento dos sistemas
nacionais de saúde. Tal como se aprecia no
Gráfico 4, embora a proporção do gasto total
em saúde mostre um incremento importante
na região, que se eleva a mais de 7% do Produto Interno Bruto (PIB), a parcela do gasto
OPAS . 47
Gráfico 3
Países selecionados: Proporção de partos assistidos por pessoal
especializado, em torno de 2002
Fonte: Banco Mundial, Socio-Economic Differences in Health, Nutrition and Population Division, Washington D.C., 2004.
48 . Desafios Regionais
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
público em saúde não registrou mudanças
significativas nos últimos 10 anos e chegou
a apenas 3,6% do PIB nos anos 2004-2005.
Mais alarmante ainda é a invariável mudança
ao longo de mais de três décadas da relação
do gasto público/privado com o gasto total
em que a participação do gasto privado se
manteve acima de 50% nesse período. Cabe
também destacar, no âmbito do gasto privado
ou gasto das famílias, que não só ele é bastante
alto como tampouco variou significativamente
no período assinalado (Gráfico 4). Esse fato
explica em boa parte a grande participação do
gasto em saúde na proporção do gasto familiar com o consumo de bens e serviços. Esse
gasto, tal como mostra o Quadro 1, tende a ter
mais peso entre as famílias de rendas menores,
sendo que o gasto em saúde, inclusive com
medicamentos, é causa importante do empobrecimento das famílias que vivem situações
de adversidade ou calamidade.
O nível insuficiente do gasto público em saúde
alia-se à falta de mecanismos que assegurem
que o financiamento público beneficie os grupos mais desfavorecidos da sociedade. Embora
vários países tenham posto em prática políticas
e mecanismos que produziram um impacto
distributivo do gasto público em saúde nos
grupos de menores rendas, ainda há na região
países que se encontram muito longe de alcançar esses objetivos (Gráfico 5).
Concretamente, a falta de um nível adequado
de gasto público em saúde1 e a ausência de
mecanismos que assegurem o impacto distri-
1 Há indicações de que nos países onde o acesso aos serviços sanitários é universal, o nível do gasto público em saúde se situa entre 5 e 6%
do PIB
OPAS . 49
Gráfico 4
América Latina e o Caribe: Composição do gasto total em saúde
(Em porcentagens do PIB)
Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006.
50 . Desafios Regionais
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
butivo desse gasto são os principais fatores
que atentam contra qualquer estratégia que
vise à consecução de objetivos de redução da
pobreza e à eqüidade na saúde (OPAS, 2002)
4. As ameaças de novas doenças e os
efeitos das mudanças climáticas em um
contexto de globalização
Nos últimos cinco anos, o mundo testemunhou fenômenos naturais devastadores que
provocaram alterações em grandes grupos e
assentamentos humanos, com implicações nas
condições de saúde. Pode-se dizer o mesmo
das novas doenças de propagação rápida (síndrome respiratória aguda grave, gripe aviária)
que representam ameaças à segurança sanitária
mundial (o caso, por exemplo, de uma nova
epidemia de gripe), com efeitos na dinâmica
social e econômica do mundo. A concentração da pobreza em assentamentos urbanos
altamente vulneráveis aos desastres naturais,
juntamente com os problemas de exclusão e
de falta de eqüidade no acesso a serviços básicos de saúde, colocam a região em situação
de alerta para responder de maneira eficiente
às ameaças e emergências sanitárias.
Resposta aos desafios: A Agenda de
Saúde das Américas
Da análise feita nas páginas anteriores depreendem-se elementos que permitem definir,
independentemente das especificidades nacionais, uma série de critérios fundamentais que se
constituem nos elementos centrais da Agenda
de Saúde das Américas. São os seguintes:
OPAS . 51
Gráfico 5
Países selecionados: Distribuição do gasto público em saúde por
quintis de renda, em torno do ano 2000
Fonte: Suárez (2001) e Trejos (2002)
52 . Desafios Regionais
Q1 Mais Pobre
Q5 Mais Rico
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
Cuadro 1
Gasto das famílias em saúde como proporção da renda familiar corrente
(Em porcentagens, por quintil de renda da família)
Quintil
Q5
Chile a
México b
Paraguai b
Mais pobre
2
2,16
4,22
6,99
1,79
3,17
3,06
3
4
1,86 1,89
2,71 2,91
4,31 4,67
Mais rico
Total
Q1/
1,75
2,82
4,25
1,89
3,17
5,04
1,24
1,50
1,65
Fonte:Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em pesquisas de rendas e gastos.
Publicado em: La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad. CEPAL, 2006.
a Representa os gastos com medicamentos e artigos suplementares como proporção da renda familiar.
b Representa o quociente entre o gasto monetário e a renda monetária total.
1. O acesso universal à saúde: O avanço
no sentido de sistemas sanitários
baseados em princípios mais solidários
A necessidade de fazer frente aos problemas
de exclusão social e de falta de eqüidade em
matéria de saúde leva à definição de políticas
e instrumentos para o avanço no sentido do
acesso universal aos serviços sanitários. Para
tais fins, o incremento do gasto público na área
da saúde em níveis que permitam alcançar 5
a 6% do PIB constitui-se em uma prioridade
que os governos da região deverão enfrentar
nos próximos anos. Esse incremento deverá
combinar-se com as fórmulas que cada país
selecionar, a fim de assegurar que seu impacto
seja distributivo e chegue aos setores mais pobres da sociedade. É imperativa a necessidade
de incorporar nas agendas de reforma do setor
da saúde as políticas orientadas para melhorar
seu acesso com uma redução significativa do
gasto privado e especialmente daquele que as
famílias de baixa renda devem fazer para ter
a assistência de que precisam. A definição de
políticas de incremento do gasto público com
impacto distributivo e redução do gasto oriundo da população exigirá análises da situação
individual dos países e a busca dos mecanismos
mais adequados em termos de organização e
financiamento de seus sistemas nacionais de
saúde e proteção social.
OPAS . 53
2. O fortalecimento da saúde pública e
da assistência primária à saúde
A melhoria efetiva das condições de saúde da
população requer o estímulo e o fortalecimento dos programas e serviços de saúde pública
que assegurem tanto a promoção de hábitos
de vida saudáveis como a prevenção e controle
dos riscos e das doenças causadoras de mortes
prematuras evitáveis. Requer-se, por conseguinte, uma firme expansão da assistência primária à saúde, com a adequada coordenação de
serviços, a fim de compensar as lacunas entre
as diferentes regiões de um mesmo país, bem
como o desenvolvimento de intervenções e
atividades de saúde pública custo-efetivas, com
maior e melhor articulação das ações das políticas públicas em diferentes níveis e promoção
do compromisso de diferentes atores com uma
participação responsável da população.
3. A aplicação do Regulamento Sanitário
Internacional (2005)
A finalidade e o alcance desse Regulamento
visam a prevenir a propagação internacional
de doenças, proteger as pessoas dessa propagação, controlá-la e dar-lhe uma resposta de
saúde pública proporcional e restrita aos riscos
implícitos para a saúde pública, evitando-se, ao
54 . Desafios Regionais
mesmo tempo, as interferências desnecessárias
com o tráfego e o comércio internacionais. Isso
exigirá, entre outros aspectos, a articulação do
sistema de alerta e resposta às emergências sanitárias que demandará um esforço concertado
com a participação de múltiplos atores sob a
liderança das autoridades sanitárias globais,
regionais, nacionais e locais. Cumpre, porém,
assinalar que, para proteger os mais vulneráveis, a segurança sanitária regional precisa
inserir-se no marco das reformas orientadas
para o avanço da cobertura da proteção social
em matéria de saúde e das próprias políticas de
saúde pública promovidas na região.
Em síntese, os objetivos da Agenda de Saúde
das Américas para os próximos anos estão
orientados no sentido de concretizar, por um
lado, o avanço dos mecanismos de solidariedade necessários para proporcionar o acesso
eqüitativo de toda a população aos serviços
de saúde, independentemente da renda ou
dos riscos das pessoas, e, pelo outro lado, o
fortalecimento da ação coordenada do Estado
a fim de estimular políticas de saúde pública
que permitam responder da melhor maneira
possível às mudanças tecnológicas, demográficas, ambientais e epidemiológicas que vêm
ocorrendo na região.
O avanço no sentido de sociedades
mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis
Referências
CEPAL (Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe), Objetivos de desarrollo del
Milenio: Uma Mirada desde América Latina,
2005.
La protección social de cara al futuro: Acceso,
financiamiento y solidaridad, 2006.
OMS (Organização Mundial da Saúde), Informe sobre la salud en el mundo 2005.
OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde). La salud en las Américas. Edición de 2002,
Washington, D.C..
La salud en las Américas. Edición de 2007
(no prelo).
1 Há indicações de que nos países onde o
acesso aos serviços sanitários é universal, o
nível do gasto público em saúde se situa entre
5 e 6% do PIB.
OPAS . 55
Banco Mundial
Uma nova oportunidade para
superar velhos problemas
Introdução por Pamela Cox
Vice-Presidente
Região da América Latina e do Caribe
O Banco Mundial está comprometido com o apoio aos nossos parceiros na América Latina
e no Caribe em seus esforços para criar uma vida melhor para sua população. A contribuição
que se segue destaca os principais desafios que vemos para a região e assinala os principais
temas que se encontram na raiz da nossa assistência. Agradecemos à OEA a oportunidade de
contribuir para esta publicação.
Pamela Cox
Vice-Presidente
Região da América Latina e do Caribe
58 . Desafios Regionais
Introdução por Pamela Cox, Vice-Presidente
Região da América Latina e do Caribe
Uma nova oportunidade para superar
velhos problemas
Nos últimos dois anos, a região da América
Latina e do Caribe (ALC) passou por importante mudança. Foi favorecida por preços de
produtos básicos mais altos que ajudaram a
gerar crescimento, reduzir modestamente a
pobreza e a iniqüidade, realizar mudanças de
governos e ter uma percepção maior do papel
que os problemas globais desempenham na
região – especialmente em matéria de energia,
mudança climática e comércio.
Houve, ao mesmo tempo, um entendimento
e um enfoque crescentes da necessidade de
assegurar que tanto o crescimento acelerasse
como seus benefícios atingissem o maior número possível de cidadãos da ALC. Esta, nas
últimas quatro décadas, vem enfrentando o du-
Uma nova oportunidade para
superar velhos problemas
plo desafio ao desenvolvimento de dinamizar e
estabilizar o crescimento, reduzindo ao mesmo
tempo a pobreza e a desigualdade.
Progresso recente
Desde 2003, a ALC vem registrando recuperação nas taxas de crescimento em quase todos
os países da região. Os últimos três anos testemunharam as taxas de crescimento mais altas
desde o final da década de 1970. De 2003 a
2006, a média do crescimento na região oscilou
em torno de 5%, melhor do que a da OCDE,
embora inferior à do Leste Asiático.
Esse crescimento foi acompanhado de forte
criação de empregos que começa a reverter
as tendências anteriores de taxas mais altas de
desemprego e de informalidade – que foram
em grande medida conseqüência da desacele-
BM . 59
ração econômica e da crise que sobrevieram
na virada do milênio.
A maioria dos países está usando esse período
de altas taxas de crescimento e de melhores fatores externos (por exemplo, preços favoráveis
de produtos primários e taxas de juros baixas)
para reduzir significativamente a sua vulnerabilidade a choques externos e internos. Esses
países acumularam reservas internacionais, diminuíram as proporções do endividamento em
relação ao PIB e melhoraram substancialmente
a composição da dívida em termos monetários
e de maturidade. Além disso, países da ALC
mantiveram excedentes em conta corrente e
saldos fiscais primários.
Obstáculos ao desenvolvimento e
prosperidade
Contudo, essa região predominantemente de
renda média, com 542,9 milhões de habitantes
e uma renda per capita média de US$4.008,00,
registra o nível de desigualdade mais alto do
mundo. A região prossegue no enfrentamento
do desafio de tirar o maior proveito da sua
diversidade e de seus recursos naturais a fim
de atender às necessidades e expectativas de
seus habitantes.
60 . Desafios Regionais
Os desafios de desenvolvimento com que a
ALC defronta provêm do seu crescimento
baixo e volátil combinado com persistente
desigualdade regional. Esses dois fatores explicam as altas taxas de pobreza prevalecentes
em uma região predominantemente de renda
média. É preciso haver um crescimento mais
rápido e estável para que a redução da pobreza
na região seja acelerada. Ao mesmo tempo, o
alto nível de pobreza atua como um obstáculo
ao crescimento, conforme foi demonstrado
na publicação relevante do Banco Mundial,
Poverty Reduction and Growth: Virtuous and Vicious Circles.
Progresso lento em pontos fracos
estruturais: É possível manter o
crescimento atual?
Nos últimos anos houve modesto progresso
no clima de investimento, na redução das
lacunas, nas aplicações em infra-estrutura
pública e no investimento em reformas do
setor público.
Enquanto a maioria dos países da ALC está
no caminho do cumprimento das Metas de
Desenvolvimento do Milênio (MDM) relacionadas com o desenvolvimento humano,
muitos estão atrasados no que respeita à meta
correspondente à pobreza extrema. Parece im-
Uma nova oportunidade para
superar velhos problemas
provável que a região da ALC como um todo
atinja as metas referentes à pobreza extrema
até 2015.
Há um otimismo cauteloso em relação às perspectivas de crescimento a prazo mais longo,
na medida em que o ritmo do progresso em
questões estruturais permanece geralmente
lento e há preocupação com o desenvolvimento de princípios em alguns países. Em termos
setoriais, alguns desses desafios podem ser
assim descritos:
Apesar de algum progresso haver sido
alcançado no clima de investimento, a
existência de instituições fracas e de altos
índices de criminalidade e violência continua
sendo um problema em muitos países. Em
outros, a estabilidade política é motivo de
preocupação.
A infra-estrutura dos investimentos acha-se
em processo de recuperação, mas ainda é
pequena em muitos países, quando comparada com a de outras regiões.
Há progresso persistente na cobertura dos
serviços de educação e saúde, mas o ensino
ministrado ainda é de má qualidade.
A produtividade e o emprego formal estão
em processo de recuperação, mas a inovação
por parte das empresas continua baixa, enquanto a informalidade permanece alta.
O acesso aos serviços básicos (educação,
saúde, infra-estrutura, serviços financeiros)
vem se ampliando, porém subsistem grandes
diferenças no acesso segundo o nível de
renda e a etnia das pessoas.
BM . 61
Houve progresso em programas redistributivos, como o de Transferências Condicionais
de Dinheiro (CCTs), mas o dispêndio público permanece neutro ou regrediu na maioria
dos países em virtude de subsídios concedidos a grupos de renda média e alta.
A falta de concorrência em setores-chave
(por exemplo, telecomunicações, energia e
finanças), em alguns países, mantém baixos
o acesso e a qualidade e altos os preços, com
isso desestimulando a competitividade e o
crescimento.
Uma combinação de pontos fortes e
fracos
A região é formada por países altamente
heterogêneos. As diferenças entre eles estão
presentes em diversas áreas, incluindo as de
renda per capita, acesso a mercados de capital,
força das instituições e disponibilidade
de capacidade técnica. De modo geral, os
países em melhor situação alcançaram maior
grau de investimento e sua principal meta
de desenvolvimento é a consecução de
convergência com países da OCDE. Por sua
Figura 1
Fatos Rápidos sobre a América Latina e o Caribe
População PIB per capita (método Atlas) População que vive com menos de US$1/dia População que vive com menos de US$2/dia Parcela da renda auferida pelos 10% mais ricos Parcela da renda auferida pelos 10% mais pobres
Matrícula escolar, secundária (líquida)
Índice Gini da desigualdade de renda
Taxa de mortalidade das crianças até 5 anos de idade Número de dias necessários para abertura de uma firma Custo da abertura de uma firma como % do PIB
62 . Desafios Regionais
542,9 milhões
US$450,00 (Haiti) a US$7.310,00 (México)
8,5%
20,6%
41,2%
1,1%
67,5%
53,3%
31,4%
73,3
48,1%
Uma nova oportunidade para
superar velhos problemas
vez, os Estados mais frágeis ainda precisam
assentar os alicerces para o progresso nessas
áreas. A maioria dos demais países se situa
entre esses dois extremos.
Os países também diferem em relação aos
problemas que precisam equacionar a fim de
fazer frente à pobreza e à desigualdade. O
Haiti e a Guiana possuem menor desigualdade,
mas têm níveis globais de pobreza e estão
trabalhando no sentido de gerar o crescimento
e os recursos necessários para reduzi-la.
Paralelamente, o Chile e o México, que
possuem níveis de renda per capita elevados,
esforçam-se para fazer frente aos altos índices
de desigualdade com mais eqüidade nas
oportunidades dentro de seus países, inclusive
por meio de programas efetivos direcionados
para o apoio às pessoas em situação de pobreza
extrema.
Independentemente das diferenças que os
países apresentam, levantamentos realizados
na região mostram que o cidadão médio
da ALC deseja possuir um bom emprego
e renda, usufruir de um meio ambiente
seguro, ter acesso à educação e aos serviços
públicos, bem como voz ativa em relação
ao seu futuro, além de boa governança. Suas
prioridades de desenvolvimento incluem
crescimento econômico, redução da pobreza,
aprimoramento da educação, menos corrupção
e melhor governança, e desenvolvimento de
infra-estrutura.
O apoio do Banco Mundial à América
Latina e ao Caribe
Em resposta a esses desafios, a estratégia do
Grupo do Banco Mundial na região concentrase na consecução de desenvolvimento
BM . 63
sustentável com eqüidade, com vistas a diminuir
a pobreza e a desigualdade. Nossa ajuda tem
por base estes dois pilares fundamentais: (a)
o apoio à maior competitividade, emprego
e crescimento; e (b) o apoio a instituições, a
fim de fortalecer a eqüidade, a inclusão e a
sustentabilidade.
Quatro temas estão subjacentes nessa
estratégia:
1) A consecução de níveis elevados e sustentáveis de crescimento e criação de emprego
mediante assistência em áreas tais como
melhoria do clima de investimento, redução
de custos logísticos, aprofundamento de sistemas financeiros, diversificação de estruturas
de exportação, redução de riscos, abordagem
do problema da criminalidade e da violência,
aprimoramento da qualidade da educação e
estímulo à inovação.
2) A diminuição dos coeficientes de Gini e a
melhoria da eqüidade de oportunidades com
vistas a acelerar a redução da pobreza mediante
apoio a áreas tais como as de proteção social
universal e exeqüível, programas de combate
direto à pobreza e melhoria do acesso a educação, saúde, infra-estrutura pública e serviços
financeiros.
3) O fortalecimento da governança mediante
64 . Desafios Regionais
assistência orientada para a consolidação das
instituições e posterior evolução no sentido
de aumentar a confiança nos sistemas dos países, construir instituições inclusivas, alcançar
eficiência e fixar o gasto público, aumentar a
responsabilidade pela prestação de serviços,
reduzir a corrupção e monitorar e avaliar os
resultados.
4) O apoio à região nos problemas globais,
no que respeita especialmente à agenda da
mudança climática, a políticas de migração e
remessas monetárias, a negociações de comércio, à energia (inclusive os biocombustíveis), à
Agenda Ambiental Marrom, ao HIV/Aids e à
gripe aviária
Como o Banco Mundial presta seu apoio
Nossa visão da América Latina e do Caribe é
a de uma região que é um parceiro global importante, com menor pobreza e desigualdade
e maior crescimento e estabilidade.
Na área de crescimento e criação de emprego, estamos suplementando empréstimos
com produtos financeiros inovadores, tais
como o financiamento em moeda local na
Colômbia e no México e as notas de política
operacional segundo o critério just-in-time (na
Bolívia e no Peru, por exemplo). O Banco
Uma nova oportunidade para
superar velhos problemas
Mundial também presta serviços analíticos e
de consultoria que vão desde contribuições
até debates de princípios mediante estudos
regionais, a respeito, por exemplo, do Acordo de Livre Comércio da América Central
(CAFTA), e o apoio a uma conferência
sobre eqüidade e competição no México.
Além disso, há necessidade de dispensar
atenção à qualidade da educação e à competitividade da força de trabalho em países
de renda média.
Para reduzir a desigualdade e a pobreza,
estamos apoiando programas de transferências condicionais de dinheiro na Argentina,
Brasil, Chile e Colômbia; serviços de análise
e assessoramento da proteção social (no Brasil, por exemplo), e trabalhos de amparo aos
povos indígenas e aos jovens em situação de
risco; enfoques programáticos inovadores
e não-tradicionais, como o projeto de educação “Recurso”, no Peru, e o de avaliação
da pobreza, no Panamá; estudos regionais
sobre assistência à primeira infância e acesso
ao financiamento, e o trabalho de criação de
um índice de igualdade de oportunidades
para a região da ALC.
Em termos de boa governança, o Grupo do
Banco Mundial está apoiando programas
orientados para aumentar a transparência
(Liberdade da Lei da Informação no México), formar capacidade (sistema independente de administração de justiça na Costa
Rica), reforçar a vigilância (órgãos fortes
de controle externo no Brasil) e melhorar
o acompanhamento (sistemas de compra
mediante concorrência no México), bem
como fortalecer a responsabilidade na
prestação de serviços e no desenvolvimen-
BM . 65
to de investimentos com base em produto
e desempenho (clínicas descentralizadas e
contratos baseados em desempenho em
Honduras).
No que respeita a questões globais, nossas
atividades compreendem o apoio à agenda
sobre mudança climática; a pesquisa em
matéria de remessas de dinheiro e desenvolvimento, criminalidade e violência, e
o impacto do crescimento na China e na
Índia sobre o desenvolvimento na ALC;
os empréstimos regionais e nacionais para
programas de HIV/Aids; o apoio à agenda
de energia; e a coordenação entre agências
em preparação para uma eventual epidemia
de gripe aviária.
66 . Desafios Regionais
Conclusão
O principal desafio para a América Latina
e o Caribe reside na superação do duplo
desapontamento do crescimento baixo e volátil
e da desigualdade persistente e elevada. A
resposta do Banco Mundial a esse desafio é
o fortalecimento da nossa parceria mediante
liderança do conhecimento, empréstimos
inovadores, serviços de gestão do risco e apoio
à implementação customizada com o objetivo
de concretizar as expectativas e sonhos dos
povos da América Latina e do Caribe de uma
sociedade mais justa, inclusiva e segura.
BM . 67
Instituto Interamericano
de Cooperação para
a Agricultura
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
Introdução
A Quinta Cúpula das Américas, a ser realizada
em 2009, marcará o décimo-quinto aniversário do Processo de Cúpulas. Mediante esse
processo, os Chefes de Estado e de Governo
adotaram uma série de mandatos e compromissos cujo cumprimento exige um esforço
firme para abordar e solucionar situações de
modo a avançar no sentido do desenvolvimento integral dos países. As decisões adotadas
nas Declarações e Planos de Ação das Cúpulas
possuem, ademais, grande magnitude, amplitude e relevância.
O Processo de Cúpula das Américas, com seus
mandatos e compromissos, gerou na população expectativas e renovadas esperanças de
acesso a novas oportunidades de um futuro
melhor. Este é, pois, o momento de fazer uma
70 . Desafios Regionais
pausa no caminho e considerar a necessidade de definir, como um objetivo da Quinta
Cúpula, meios de fortalecer sua relevância e
credibilidade como o mais alto foro político
das Américas, a fim de que seu processo de
diálogo, consenso e compromisso tenha o
apoio institucional necessário para garantir a
implementação de seus acordos.
Embora os países do Hemisfério tenham
progredido no estabelecimento de governos
democraticamente eleitos, esse avanço não
garante a sua governança democrática. De fato,
os sentimentos de desencanto e indiferença
pela democracia aprofundaram-se e atingiram altos níveis, em grande parte porque as
expectativas dos cidadãos em termos de seu
bem-estar e desenvolvimento continuam insatisfeitas. Essa frustração é ainda mais palpável
no meio rural, dado o desequilíbrio histórico
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
entre áreas rurais e urbanas em matéria de
serviços públicos, emprego, investimento e
renda, entre outros fatores.
Pelas razões acima expostas, é essencial que se
revitalize o processo hemisférico mediante a
concentração da determinação política nestas
duas direções: (i) a implementação efetiva dos
acordos adotados que requer a construção de
uma estrutura institucional para apoiá-la; e (ii)
a definição de alguns desafios novos capazes
de consolidar, em termos práticos, os critérios básicos para o desenvolvimento, como a
inclusão econômica e social de amplos setores
que atuam na produção e em outros aspectos
da vida nacional, o equilíbrio urbano-rural no
desenvolvimento dos países, o respeito pela
diversidade das pessoas e a consecução de
bem-estar em harmonia com a natureza.
Instituto Interamericano de
Cooperação para la Agricultura
Nesse contexto e como preparação para a
Quinta Cúpula, o IICA deseja compartilhar
com os membros do Grupo de Trabalho sobre
a Cúpula das Américas (GTCA) três desafios
hemisféricos e expor, em relação a cada um
deles, a sua visão estratégica e as prioridades
institucionais que orientam os esforços de
cooperação do IICA nos países em apoio à
implementação dos Planos de Ação das Cúpulas.
Desafio N° 1
Fortalecimento da estrutura
institucional para a implementação dos
compromissos adotados
Entre o processo hemisférico e seus acordos
e a estrutura institucional nacional para sua
implementação, seguimento e avaliação existe
uma lacuna. Por essa razão, é de vital importân-
IICA . 71
cia que se prossiga na construção da estrutura
institucional do Processo de Cúpulas a fim
de apoiar a implementação de seus acordos.
Em preparação para a Quinta Cúpula e seu
seguimento, é essencial que “se alcancem os
países” e se convença a opinião pública de que
o Processo de Cúpulas das Américas existe
para servir a população com ações concretas.
Visão estratégica para enfrentar o
desafio número 1: Uma estrutura
institucional para o Processo de Cúpulas
que articule aspectos nacionais e
hemisféricos
Os elementos que complementam a estrutura
institucional do Processo de Cúpulas são:
A transição das “reuniões ministeriais em
nível hemisférico” para “processos ministeriais”. No momento, várias reuniões
hemisféricas estão sendo realizadas sobre
uma série de tópicos relevantes para a
Agenda Interamericana. Um passo à frente
com um duplo propósito seria a garantia da
continuidade desse esforço entre as reuniões
mediante um “processo ministerial” e, além
disso, a garantia da sua coordenação com
o Processo de Cúpulas das Américas, com
o acatamento de seus mandatos, o apoio à
sua implementação e a geração de propostas
72 . Desafios Regionais
para esse Processo.
O estabelecimento em cada país de um Grupo Nacional de Revisão da Implementação
de Cúpulas (GRIC nacional) presidido pelo
Coordenador Nacional de Cúpulas (CNC) e
formado por um grupo de delegados ministeriais. Todos os países têm um coordenador
e, no caso da agricultura e da vida rural, dois
delegados ministeriais (efetivo e suplente).
Sugere-se que os processos ministeriais
hemisféricos também tenham delegados
ministeriais a fim de dar continuidade e
apoio às Reuniões Ministeriais Hemisféricas
e coordenar com o CNC, no nível nacional,
a difusão, a implementação e o seguimento
dos mandatos emanados da Cúpula e dos
acordos ministeriais.
O estabelecimento em cada país de um Grupo de Trabalho Conjunto sobre a Cúpula
das Américas (GTCC nacional) presidido
pelo Representante da OEA no país de que
se trate e formado por representantes de
organizações internacionais que nele atuem.
A maioria das instituições parceiras do Processo de Cúpulas das Américas possui escritório nos países e regiões do Hemisfério.
Entretanto, estruturas formais de coordenação, como as reuniões do Grupo de Traba-
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
lho sobre a Cúpula das Américas (GTCC),
somente existem no nível hemisférico. Um
passo nessa direção seria o estabelecimento
de uma representação nacional do GTCC
junto às instituições parceiras no Processo
de Cúpulas em funcionamento no país cujas
tarefas básicas incluiriam o seguinte:
Apoio à difusão do Processo de Cúpulas e de compromissos específicos para
serem considerados pelos processos
ministeriais;
Coordenação dos esforços conjuntos
em apoio aos delegados e das estratégias nacionais no contexto dos acordos
adotados pelos países nas Cúpulas; e
Apoio ao Coordenador Nacional de
Cúpulas na preparação do Relatório
Nacional ao GRIC sobre o progresso
do país no cumprimento dos acordos
das Cúpulas.
Instituto Interamericano de
Cooperação para la Agricultura
Prioridades para a ação estratégica do
IICA
Desde a Terceira Cúpula realizada em 2001, o
IICA tem participado de todos os estágios do
Processo de Cúpulas na qualidade de parceiro
institucional. Nesse sentido, apoiou os países
na construção de uma nova “arquitetura institucional” destinada a facilitar a implementação dos mandatos emanados das Cúpulas em
matéria de agricultura e vida rural, bem como
os acordos ministeriais correspondentes. Essa
nova arquitetura institucional assegura, por sua
vez, a continuidade do Processo Ministerial
“Agricultura e vida rural nas Américas” e a sua
articulação com o Processo de Cúpulas.
Os componentes-chave dessa “arquitetura
institucional” são: (i) uma Equipe Nacional
constituída de um delegado ministerial e um
delegado suplente para apoiar o Ministro da
IICA . 73
Agricultura na convocação de um diálogo nacional com a participação de vários grupos de
interesse do complexo agrícola-rural, a fim de
difundir os mandatos da Cúpula e os acordos
ministeriais e preparar uma proposta nacional
para dar continuidade ao Processo Ministerial;
(ii) um Fórum Hemisférico de Delegados
Ministeriais (FMDM) que, tendo por base a
síntese das propostas nacionais preparadas
pela Secretaria, apóie o diálogo e a negociação
hemisférica e construa consenso sobre propostas para novos acordos ministeriais submetidas
à consideração da Reunião Ministerial; (iii)
uma Secretaria do Processo Ministerial e de
suas Reuniões de Delegados e Ministros, um
papel assumido pelo IICA a fim de prestar
apoio técnico aos delegados ministeriais e ao
Processo Ministerial; (iv) uma Reunião Ministerial Hemisférica no contexto do Processo
de Cúpulas, como o fórum dos Ministros da
Agricultura que adote os Acordos Ministeriais
Hemisféricos e proponha aos Chefes de Estado
e de Governo a tomada de novas decisões; e (v)
as Reuniões Regionais de Ministros que, com o
apoio e a atuação do IICA na qualidade de sua
secretaria técnica, defina a estratégia regional e
coordene a sua implementação; este é o caso do
Conselho Agrícola Centro-Americano (CAC),
da Aliança Caribenha para o Desenvolvimento
Sustentável da Agricultura e do Meio Rural e
do Conselho Agrícola do Sul (CAS).
74 . Desafios Regionais
Respondendo à nova responsabilidade que
lhe foi atribuída pelos mandatos da Terceira
Cúpula das Américas, em 2002, o IICA lançou
um processo de modernização institucional
que define claramente o seu papel dúplicado
e complementar: (i) um novo papel como
Secretaria do Processo Ministerial e da sua
Reunião Ministerial “Agricultura e Vida Rural
nas Américas”, no contexto do Processo de
Cúpulas; e (ii) um papel convencional porém
renovado como a organização de cooperação
internacional alinhada com as novas dinâmicas institucionais das Américas geradas pelo
Processo de Cúpulas a fim de apoiar os países
na implementação de suas estratégias no contexto dos compromissos nacionais adotados
nas Cúpulas.
O novo papel do Instituto em apoio ao Processo de Cúpulas acha-se formalmente institucionalizado no Plano de Médio Prazo 2006-2010
como uma prioridade para a ação estratégica
intitulada Reposicionando a agricultura e a vida
rural e renovando sua estrutura institucional.
Com fundamento nesse novo papel, o Instituto define seus compromissos e os traduz em
ações de apoio aos países no enfrentamento do
desafio de fortalecer a estrutura institucional
para a implementação dos mandatos emanados
das Cúpulas e dos acordos ministeriais.
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
Desafio N° 2
Reavaliação do meio rural como parte
da herança nacional e um recurso
essencial ao desenvolvimento integral
Dos milhões de habitantes das Américas que
povoam o meio rural, uma significativa proporção vive em condições de pobreza e desigualdade. Outros lutam para subsistir desempenhando tarefas relacionadas principalmente
com a agricultura, enquanto novas vagas de
jovens e desempregados nas áreas rurais clamam por mais oportunidades de emprego. As
Declarações das Cúpulas e os Planos de Ação
reconheceram que essas condições adversas e
a falta de desenvolvimento, especialmente no
meio rural, levam à migração ou à tentação de
envolvimento em atividades ilícitas de produção, comércio e política.
A menos que as zonas rurais sofram transfor-
Instituto Interamericano de
Cooperação para la Agricultura
mação suficiente para torná-las mais atraentes
para a população em geral e a menos que se
empreendam esforços no sentido de estabelecer um “novo equilíbrio rural-urbano”, os
processos migratórios do campo para a cidade
converterão essas áreas em bombas-relógios
com incalculáveis impactos na governança
dos países.
Visão estratégica para enfrentar o
desafio número 2: Uma parceria públicoprivada renovada e comprometida com o
meio rural
Uma reavaliação de áreas rurais só é possível
se tiver por base uma parceria política públicoprivada e um novo conceito do meio rural e
dos atores envolvidos no seu desenvolvimento.
Com esses dois elementos, é possível construir
uma parceria inovadora para a negociação e
adoção de compromissos nacionais com o
IICA . 75
campo incorporados em uma Política Nacional.
A Política Nacional pode propor metas específicas relacionadas com produção, coesão
territorial, coesão social e sustentabilidade
ambiental. Deve basear-se em um projeto de
país que inclua explicitamente todos os territórios nacionais e todos os seus estratos sociais,
reconhecendo, fortalecendo e preservando sua
diversidade cultural e ambiental.
O enfoque territorial do meio rural requer que
se transcenda a simples noção de um espaço
social e de um grupo demográfico que evoca
problemas e exige atenção e recursos especiais
da sociedade. Esse enfoque é, sem dúvida, necessário e urgente. O meio rural tem, porém,
nas sociedades modernas dotadas de uma
multiplicidade de relações nacionais e internacionais com diferentes impactos, enorme
potencial para prestar importante contribuição
ao desenvolvimento integral e sustentável dos
países. De acordo com esse enfoque e a fim
de estimar sua real contribuição para o desenvolvimento, os problemas rurais devem ser
entendidos a partir de uma perspectiva mais
ampla que inclui não só os territórios rurais e
suas organizações sociais, mas também as cadeias de valor da produção rural. É igualmente
importante reconhecer o contexto geral que
76 . Desafios Regionais
condiciona esses dois elementos e tem a ver
com as dimensões econômicas, sociais, ambientais e institucionais do desenvolvimento.
Esse renovado conceito do meio rural que vem
sendo cada vez mais adotado pelos atores no
âmbito da agricultura também parece oferecer
um caminho promissor para a criação de uma
parceria renovada e um compromisso nacional
com o meio rural.
Por conseguinte, na preparação para a Quinta Cúpula, esse desafio exige uma definição
política abrangente. Já na Terceira Cúpula os
Chefes de Estado e de Governo reconheceram
claramente a importância da agricultura como
o meio de vida de milhões de famílias rurais no
Hemisfério, bem como o seu papel na criação
de prosperidade e a sua condição de um setor
estratégico do sistema socioeconômico. Não
obstante o fato de que esse reconhecimento é
e continuará sendo importante até 2009 e além
dessa data, não basta enfrentar o desafio do
desenvolvimento sustentável do meio rural.
Por essa razão, sugerimos a inclusão, no Plano
de Ação da próxima Cúpula, de um capítulo
próprio que focalize propostas específicas para
o meio rural. Sua finalidade seria propor um
enfoque abrangente – e não exclusivamente
agrícola – do desenvolvimento de áreas rurais.
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
Esse enfoque incentivaria todos os setores
relevantes da economia rural a contribuir mais
efetivamente para o desenvolvimento sustentável do meio rural e promoveria a participação
de partes interessadas públicas e privadas nas
áreas rurais, em cadeias de valor agregado e no
contexto nacional.
Ao mesmo tempo, os cenários projetados
para as Américas serão dominados pela nova
economia fundamentada em informação e
conhecimento, integração e interconexão com
redes transnacionais. Essa conjuntura exige
que organismos internacionais de desenvolvimento assumam compromissos e empreendam
esforços coordenados que transcendam as
competências e possibilidades de uma única
organização. A escala de tal empreendimento
impõe a definição de uma agenda interagencial
para apoiar os compromissos nacionais com o
meio rural.
Instituto Interamericano de
Cooperação para la Agricultura
Em síntese, a maior participação das áreas
rurais em termos econômicos, sociais, culturais, ambientais e políticos resultaria em maior
bem-estar tanto para o campo como para as
cidades e ajudaria, de modo geral, a fortalecer
a governança democrática.
Prioridades para a ação estratégica do
IICA
Por meio do Processo Ministerial iniciado em
2001, os Ministros, seus Delegados Ministeriais
e o IICA desenvolveram gradativamente um
conceito novo e mais amplo de agricultura e
vida rural e, com base nessa estrutura, estão
definindo ações estratégicas orientadas para o
desenvolvimento sustentável.
Em síntese, essa forma de conceber a agricultura e o meio rural – ou seja, como componentes inseparáveis de um todo – substituiu a visão
IICA . 77
reducionista que integra tanto a produção e o
comércio agrícola como a organização dessas
atividades na categoria de um setor. Em contraposição, o novo enfoque promovido pelo
IICA no seu papel de Secretaria do Processo
Ministerial é um conceito sistêmico que define
três áreas operacionais ou arenas para ação (as
esferas da vida rural, as cadeias de valor agregado e o contexto nacional e internacional) e um
enfoque do desenvolvimento sustentável que
incorpora quatro tipos de ações (produtivocomercial, ecológico-ambiental, socioculturalhumano e político-institucional) para cada
uma das três arenas de ação. Essa estrutura
facilita a compreensão da agricultura e da vida
rural como fenômenos complexos com uma
diversidade de partes interessadas e interesses
que são fundamentais para a definição de uma
Política Nacional efetiva.
O segundo papel do Instituto, o convencional
de cooperação, alinhado com as novas dinâmicas institucionais das Américas geradas desde
o Processo de Cúpulas, também está institucionalizado no Plano de Médio Prazo 20062010. Esse Plano define, com base no contexto
acima assinalado, um conjunto de cinco prioridades estratégicas para a Cooperação Técnica
Direta do IICA: desenvolvimento rural com
um enfoque territorial; gestão sustentável dos
78 . Desafios Regionais
recursos naturais e do meio ambiente; tecnologia e inovação na agricultura; saúde animal e
segurança alimentar; e promoção do comércio
e da competitividade dos agronegócios. Em
conjunto, essas cinco prioridades de cooperação técnica do IICA visam a promover o
desenvolvimento sustentável da agricultura, a
prosperidade de comunidades rurais e a segurança alimentar.
A estrutura definida pelos ministros também
proporciona um contexto amplo e favorável
para a consideração conjunta do espírito do
Mandato 75 da Declaração de Mar del Plata. O
IICA e a CEPAL adotaram, por conseguinte,
essa mesma estrutura para desenvolver o Sistema de Informações para o Acompanhamento
e Avaliação do Plano AGRO 2003-2015 e as
estratégias e políticas regionais e nacionais
correspondentes (Mandato 43 do Plano de
Ação da Quarta Cúpula das Américas – Mar
del Plata, 2005).
Desafio N° 3
Construção de uma base de
conhecimento para o desenvolvimento
sustentável integral
A maioria dos países das Américas está atrasada no seu desenvolvimento científico e tecnológico e carece de suficiente capacidade em
Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite
Diretor Geral, IICA
pesquisa e inovação para dar um salto qualitativo no sentido da chamada sociedade do conhecimento. Este é essencial para o enfrentamento
presente e futuro dos desafios econômicos,
ambientais, sociais e institucionais.
Nesse sentido, as necessidades da sociedade
são múltiplas e crescentes. Mas há, além disso,
um amplo reconhecimento de que não só nossos recursos naturais estão sendo degradados
como um elevado percentual da população não
dispõe dos bens materiais indispensáveis para
ter uma qualidade de vida decente.
Dois fatores contribuem para a lacuna científico/tecnológica. Um é o investimento
insuficiente em ciência e tecnologia – em comparação com o que é feito em outras regiões
do mundo – para cumprir as metas fixadas,
e o outro, a falta de uma abordagem ampla
e interdisciplinar da pesquisa que resulta em
Instituto Interamericano de
Cooperação para la Agricultura
conhecimento insuficiente para a satisfação
das demandas do desenvolvimento sustentável
integral.
Visão estratégica para enfrentar o
desafio número 3: Processos para
gerar conhecimento científico e
tecnológico e desenvolver capacidades
de inovação orientados pelos critérios
de competitividade, eqüidade,
sustentabilidade e governança
democrática.
A realização do desenvolvimento integral das
Américas de maneira acelerada e sustentada
segundo os critérios de competitividade,
sustentabilidade e eqüidade, tal como expressaram os Chefes de Estado e de Governo no
Processo de Cúpulas, exige ação imediata e
concertada no sentido de gerar uma base de
conhecimento renovada que seja acessível a
pessoas e organizações.
IICA . 79
Abre-se para as Américas uma oportunidade
histórica na corrida global rumo à pesquisa e
ao desenvolvimento científico e tecnológico.
Precisamos, por conseguinte, evoluir de nossas
preocupações atuais com o acesso à educação
e ao desenvolvimento científico e tecnológico,
mencionadas em Cúpulas anteriores, para uma
abordagem mais ampla do conhecimento nas
Américas do século XXI. Nesse contexto,
devemos promover processos – em todos os
níveis – para facilitar a geração de uma base
renovada de conhecimentos dotada da responsabilidade social e ambiental necessária ao
desenvolvimento sustentável integral.
É preciso que os pontos acima assinalados
sejam incluídos com destaque nos próximos
acordos presidenciais, medida que exigirá uma
renovada determinação política de parte dos
Chefes de Estado e de Governo na Quinta
80 . Desafios Regionais
Cúpula das Américas, bem como a inclusão
de um capítulo que trate especificamente da
geração de conhecimento para o desenvolvimento sustentável integral.
Nosso interesse nesses desafios é assegurarlhes uma “colocação honrosa” nos preparativos da Quinta Cúpula. Por essa razão, não
aprofundaremos a nossa visão específica. Ao
contrário, sugerimos uma avaliação abrangente, no contexto do Processo de Cúpulas,
dos avanços descritos no documento Science,
Technology, Engineering and Innovation for
Development: A Vision for the Americas in
the 21st Century (“Ciência, Tecnologia, Engenharia e Inovação para o Desenvolvimento:
Uma Visão das Américas no Século XXI”), de
novembro de 2005, preparado pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
IICA . 81
Corporação Andina
de Fomento
Desafios regionais:
Uma perspectiva a partir da CAF
Por L. Enrique Garcia
Presidente, CAF
A América Latina continua a manter um
desempenho econômico muito positivo em
um ambiente macroeconômico estável e um
cenário internacional muito favorável. Outras
economias em desenvolvimento crescem,
entretanto, a taxas mais altas e por períodos
mais longos, bem como registram menor
volatilidade.
A região deve solucionar as carências microeconômicas importantes associadas a retrocessos em seus índices de competitividade, baixos
níveis de poupança e investimento, infraestrutura de baixa qualidade, um ambiente de
negócios difícil e sistemas financeiros pouco
profundos.
Em matéria social, a situação é ainda mais
preocupante. Embora a pobreza tenha diminuído e o acesso a serviços básicos melhorado,
a iniqüidade e as crescentes lacunas internas
84 . Desafios Regionais
no desenvolvimento dos países são alguns dos
principais desafios que confrontam a região.
Em busca de uma Agenda Integral de
Desenvolvimento
A Agenda Integral de Desenvolvimento promovida pela CAF dá destaque à consecução de
um crescimento forte, sustentado, sustentável e
de qualidade na América Latina: forte, para começar a diminuir a lacuna de desenvolvimento
Agenda para o Desenvolvimento Integral
Por L. Enrique Garcia,
Presidente, CAF
em relação a países de renda alta e compensar
o crescimento demográfico; sustentado, para
evitar que o crescimento seja errático e volátil,
como o foi nas últimas décadas, e assegurar a
continuidade do progresso econômico e do
bem-estar social; sustentável em suas dimensões ambientais e sociais, para assegurar a
viabilidade do capital natural entre gerações,
respeitar a diversidade cultural e manter a
governabilidade democrática na região; e de
qualidade, significando que o crescimento
deve ser inclusivo a fim de beneficiar a maior
proporção da população de maneira assimetricamente eqüitativa em favor dos segmentos
menos favorecidos, de modo a diminuir a
iniqüidade e a pobreza na região.
Para realizar esses objetivos, o crescimento
deve ter por base a preservação dos avanços
da estabilidade macroeconômica, a melhoria
Desafios regionais:
Uma perspectiva a partir da CAF
da eficiência microeconômica e a decidida
priorização das agendas que promovam maior
eqüidade e inclusão social e a redução da pobreza.
Por um lado, para que o crescimento econômico seja sustentado, é preciso que ele diminua
cada vez mais a sua dependência das condições
mutáveis do cenário econômico internacional,
que a América Latina em geral ainda mantém,
e se apóie em uma transformação das suas economias que melhore sua produtividade e agregue valor às vantagens comparativas nacionais.
Por outro lado, a melhoria da produtividade
requer maior investimento em todas as formas
de capital – o humano, o social, o natural, o
físico, o produtivo e o financeiro –, posto que
a única maneira de incrementar a produtividade é a maior disponibilidade e qualidade das
diversas formas de capital; por sua vez, isso
CAF . 85
também fortalece a competitividade e permite
uma inserção internacional mais eficiente e de
melhor qualidade.
à participação na Corporação como membros
plenos, ou seja, em condições de igualdade
com os membros fundadores.
É nesse sentido que adquirem especial importância os múltiplos processos de integração e
inserção regional e internacional em curso na
América Latina e que têm relevantes implicações para a Corporação. De fato, a CAF tem
estado, de muitas maneiras, na vanguarda de
vários desses processos; a título ilustrativo,
basta assinalar o papel de liderança que a
Corporação assumiu no desenvolvimento da
Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura
Regional Sul-Americana (IIRSA).
No seu papel integracionista, a CAF contribuiu
para a formação de consensos entre os atores
econômicos, políticos e sociais da região, propondo alguns dos principias objetivos estratégicos em torno da definição de uma Agenda
Integral de Desenvolvimento.
Desde inícios da década de 1990 que a CAF se
vem antecipando aos processos mais amplos
de integração sul-americana e latino-americana
mediante uma ampliação substancial de suas
ações, a ponto de hoje os países latino-americanos serem, na sua maioria, membros da
Corporação, o que lhe permite desempenhar
um papel integracionista cada vez mais ativo
na região. Mais recentemente, em seguimento
a propostas emanadas das cúpulas presidenciais latino-americanas, a CAF modificou o
seu Convênio Constitutivo a fim de permitir
a incorporação de outros países latino-americanos que atendam aos requisitos necessários
86 . Desafios Regionais
1. Promover a sustentabilidade
macroeconômica nos países membros.
Promover o fortalecimento dos sistemas
financeiros e mercados de capitais.
Contribuir para o aprofundamento dos
mercados financeiros.
Apoiar as melhorias na eficiência e qualidade
do gasto fiscal e dos sistemas tributários.
Promover o fortalecimento da institucionalidade necessária para apoiar a sustentabilidade macroeconômica.
Promover os consensos nacionais relacionados com a implantação da Agenda Integral
de Desenvolvimento.
2. Promover o desenvolvimento
econômico mediante o aumento do
investimento público e privado e da
produtividade.
Promover o desenvolvimento do capital
Por L. Enrique Garcia,
Presidente, CAF
físico, especialmente em transporte, energia
e telecomunicações.
Promover o desenvolvimento do capital
produtivo e do capital humano associado à
produção, ou capital laboral.
Promover e priorizar o desenvolvimento das
pequenas e médias empresas (PMEs) e sua
inserção nas cadeias produtivas domésticas
e exportadoras.
3. Apoiar a integração dos países da
região e sua inserção nos mercados
globais.
Apoiar os processos de integração econômica em todas as instâncias de inserção:
bilateral, regional e multilateral.
Apoiar o desenvolvimento sustentável da
infra-estrutura física de integração e os
processos logísticos conexos.
Promover o desenvolvimento de nichos e
cadeias produtivas a fim de agregar valor
Desafios regionais:
Uma perspectiva a partir da CAF
às vantagens comparativas da região e potencializar a inserção competitiva de suas
indústrias nos mercados globais.
Facilitar a transformação produtiva da região.
Apoiar outras dimensões dos processos de
integração, tais como a fronteiriça, a cultural,
a social, a ambiental, etc.
4. Promover o desenvolvimento humano
e social eqüitativo e solidário
Apoiar o desenvolvimento de melhores serviços de educação, saúde, abastecimento de
água e saneamento, tanto no âmbito urbano
como no rural.
Apoiar o fortalecimento da institucionalidade governamental (sistema de administração
e controle) a fim de aumentar a eficiência
(qualidade e cobertura) do investimento
social.
Contribuir para o consenso em torno das
CAF . 87
políticas públicas relacionadas com temas
sociais, tais como qualidade do gasto, distribuição da renda, inclusão social, etc.
Promover o desenvolvimento da microempresa e de outros setores que têm limitado
acesso ao capital.
88 . Desafios Regionais
5. Promover a conservação e o uso
sustentável dos ecossistemas e dos
recursos naturais
Apoiar e promover projetos de conservação,
restauração e saneamento ambiental.
Promover o desenvolvimento de mercados
de bens e serviços ambientais.
Reforçar e melhorar os níveis e a qualidade
do investimento orientado para o setor
ambiental, bem como seu fortalecimento
institucional.
Promover o compromisso e a responsabilidade ambiental e social nos países.
CAF . 89
Banco Centro-Americano
de Integração Econômica
Desafios Regionais
Por Harry E. Brautigam
Presidente, BCIE
Pobreza
A pobreza continua afetando quase todos
os países da região. Em alguns foi possível
conseguir importantes reduções, em outros
a diminuição foi modesta, e em terceiros a
pobreza acentuou-se após crises macroeco-
nômicas. Na maioria dos casos, o crescimento
econômico foi moderado ou não produziu
impacto significativo. As políticas sociais não
foram suficientes para suprimir a pobreza. Até
2009 muitos países ainda continuarão apresentando níveis altos de pobreza e, inclusive, de
pobreza extrema.
Indicadores de Pobreza
País
PIB Per Cápita
Guatemala
$4,155( 2006)
El Salvador $4,518 (2005)
Honduras
$1,089 (2005)
Nicaragua
$754 (2005)
Costa Rica
$10,434 (2006)
Fonte: RUTA, USAID, AméricaEconómica.com
92 . Desafios Regionais
Taxa de Inflação
(2006)
5.8
4.9
5.3
9.4
9.4
Abaixo da Linha
da Pobreza
56.2%
53%
64.2%
68%
20%
Por Harry E. Brautigam
Presidente, BCIE
Desafios Regionais
a pobreza, os governos ainda não contam
claramente com elementos fortes para reduzir
a desigualdade. Às vezes eles tomam iniciativas excessivamente radicais que acabam por
prejudicar as possibilidades de crescimento e
produzir impacto na desigualdade de maneira
apenas conjuntural.
Desigualdade
Mesmo nos casos em que foi possível atenuar
a pobreza (o Chile, por exemplo), ainda se
constatam níveis importantes de desigualdade. Embora disponham de ferramentas
sociais – políticas focalizadas – para combater
Indicadores de Desigualdade
Indicador Costa Rica
El Salvador
Guatemala
Desenvolv. social em 2000
0.82
0.706
Posição entre 173 países
43
104
Tendência 1990 a 2000
Melhorou
Melhorou
Desigualdade de renda
Total até 1999
Coeficiente de Gini
0.47
0.52
Tendência 1990 a 1999
Aumento
Aumentou
Honduras
Nicaragua
0.631
120
Melhorou
0.638
116
Melhorou
0.635
118
Melhorou
0.58
Sem mudança
0.56
Diminuiu
0.58
Sem mudança
Región
0.67
112
Melhorou
Fonte: BID
BCIE . 93
Crescimento econômico
O desempenho na América Latina foi significativamente inferior ao de países asiáticos. Com
as atuais taxas de crescimento e levando-se
em conta que em um bom número de países
da região – centro-americanos e alguns sulamericanos – a taxa de crescimento populacional ainda é elevada, têm-se como resultado
modestos aumentos da renda per capita.
Porcentagens de Crescimento Econômico
Centro América
El Salvador
Costa Rica
Guatemala
Honduras
Nicaragua
América Latina
y el Caribe
1990-94
1995-99
2000-04
2005
2006
2007*
3.7
5.9
5.2
3.9
2.7
0.6
4.3
3.9
5.4
4.2
2.7
5.4
3
2.1
3.2
2.6
3.9
3.0
3.7
2.8
4.1
3.2
4.2
4.0
3.8
3.5
3.7
4.0
4.0
4.0
3.8
3.4
3.5
4.0
4.0
4.0
2.9
2.5
2.2
4.5
4.6
4.3
*Projeção. Fonte: CEPAL.
A degradação do meio ambiente persiste na
maioria dos países latino-americanos, o que
Muitos dos países da região – principalmente acentua a pressão sobre sistemas ecológicos
da América Central – são propensos a sofrer por si sós já muito frágeis.
numerosos flagelos ambientais e sísmicos.
Por um lado, constatam-se fenômenos como Migração
as correntes El Niño e La Niña; por outro, há
os furacões no Caribe e, se isso não bastasse, A América Latina é uma zona de expulsão de
tem-se ainda uma excessiva propensão a mo- mão-de-obra para os Estados Unidos e a Eurovimentos sísmicos e, inclusive, terremotos. pa. Os fluxos migratórios estiveram presentes
Vulnerabilidade ambiental
94 . Desafios Regionais
Por Harry E. Brautigam
Presidente, BCIE
Indicador de Migración
Desafios Regionais
rica do Sul, que têm abundante produção de
petróleo, outros são fortemente dependentes
do combustível importado. Nesse sentido,
as oscilações no preço internacional do petróleo continuarão produzindo resultados
díspares entre os países: enquanto uns vêem
com satisfação a sua alta, outros serão por ela
prejudicados.
Fonte: Centro Centro-Americano de População.
em quase todo o século XX e não há indícios
de que venham a diminuir nas próximas décadas. A migração é uma decorrência óbvia da
precariedade do trabalho e da lacuna salarial
em relação ao Norte.
Dependência do petróleo
Apesar de haver países, especialmente na Amé-
Fonte: Autoridades nacionales y estimaciones del FMI.
BCIE . 95
Violência
A América Latina é uma das regiões mais
violentas do mundo. Acreditava-se que, com
a cessação dos conflitos bélicos que assolaram
alguns países por razões ideológicas, sobreviria
uma época de paz. O resultado, entretanto, foi
uma violência crescente cuja mescla de maras
(quadrilhas) e de tráfico de drogas ameaça
produzir rupturas sociais profundas e solapar
ainda mais a credibilidade das instituições
públicas.
Indicadores de Violência
Delitos Tipificados: Homicidios
Anos
Países Centro-Americanos
Guatemala
El Salvador
Honduras
Costa Rica
Nicaragua
Panama
2002
2003
2004
3631
4237
4025
1808
1988
2493
3629
2224
1693
251
292
214
554
652
663
347
324
285
Total
11893
6289
7546
757
1869
956
Fuente: Ministerio de Gobernación de Guatemala
Prioridades institucionais do BCIE
Para atender aos desafios regionais, o BCIE
está implementando a sua Estratégia Global
2004-2009, que definiu três eixos para a ação
do Banco: (i) combate à pobreza; (ii) integra-
96 . Desafios Regionais
ção regional, e (iii) inserção competitiva dos
países centro-americanos na economia global
(globalização). Para cada eixo identificou-se
um conjunto de objetivos com suas respectivas
áreas de concentração.
Objetivos Estratégicos do BCIE 2004-2009
Combate à Pobreza
Integração
Globalização
1. Gerar oportunidades que
levem à criação de emprego
formal.
1. Incentivar e fortalecer o
mercado financeiro da região.
1. Contribuir para a melhoria
do ambiente de negócios da
região a fim de promover o investimento estrangeiro direto e
local, de forma amigável com
o meio ambiente.
2. Facilitar o acesso ao crédito,
promovendo a liderança do
Banco no setor de microfinanças.
3. Apoiar os países no desenvolvimento de soluções
sustentáveis para a satisfação
de necessidades básicas nas
áreas de saúde, educação e
habitação.
4. Contribuir para o fortalecimento das administrações
públicas, especialmente dos
governos locais, com programas que promovam sua
autonomia econômica e sua
capacidade de gestão.
2. Propiciar a harmonização
de marcos regulatórios e a
adoção de melhores práticas
no nível regional, bem como
promover a segurança jurídica
da integração.
3. Incentivar o processo da
região de integração física,
econômica, comercial e do
conhecimento, em harmonia
com o meio ambiente.
4. Incentivar a otimização
no manejo, conservação e
uso dos recursos naturais da
região.
2. Promover a competitividade
da região para sua adequada
inserção no mercado internacional, em harmonia com o
meio ambiente.
3. Desempenhar um papel
chave de apoio aos países
nos processos de negociação,
ratificação, implementação e
sustentabilidade dos acordos de
abertura econômica.
4. Contribuir para reduzir os
impactos desfavoráveis que a
globalização possa provocar.
5. Incentivar a transferência de
experiências e conhecimentos
entre os países membros do
Banco e o mundo.
BCIE . 97
Banco de
Desenvolvimento
do Caribe
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
Uma Visão do BDC
Introdução por Compton Bourne,
PhD, OE
Presidente, BDC
O Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC) saúda a oportunidade de contribuir ao trabalho
do Processo de Cúpulas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Como membro do
Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas, estamos conscientes da importância das contribuições
das Cúpulas das Américas rumo ao desenvolvimento da região caribenha. A próxima Cúpula
das Américas se realizará em um país caribenho, Trinidad e Tobago, e o BDC está satisfeito de
estar associado ao processo de Cúpulas, especialmente dada a importância da Quinta Cúpula
das Américas, que está demonstrando a liderança caribenha na agenda de desenvolvimento do
Hemisfério. O BDC é um pequeno banco de desenvolvimento regional que trabalha em conjunto com vários
parceiros da área de desenvolvimento e está em constante necessidade de coordenar doações
para evitar duplicaçõe de esforços e para fortalecer sinergias na região.
Espero que as contribuições do BDC a essa publicação facilitem o diálogo entre atores-chave
na identificação e construção de consenso nas áreas temáticas prioritárias a serem discutidas
na próxima Cúpula das Américas.
Compton Bourne
PhD, OE
Presidente
Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC)
100 . Desafios Regionais
Introdução por Compton Bourne
Presidente, BDC
Na visão do Banco de Desenvolvimento do
Caribe (BDC), os desafios mais sérios que a
Região do Caribe (doravante a “Região”) e por
extensão o Hemisfério enfrentam, agora e até
2009, são descritos abaixo:
Vulnerabilidade Econômica
Dado que a Região do Caribe é formada
predominantemente por pequenos Estados,
a redução da vulnerabilidade é vital. A vulnerabilidade econômica é definida como a
suscetibilidade de um país ao choque externo
adverso que coloca em risco o seu desempenho
voltado para o desenvolvimento – em virtude
de forças que em grande medida estão fora do
seu controle – e é uma conjugação destes três
fatores: a incidência e a intensidade dos riscos
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
e ameaças, e o poder de recuperação ou a capacidade de resistência a riscos e ameaças e de
recuperação de ameaças externas de natureza
econômica e ambiental. Dois estudos importantes dessa vulnerabilidade foram levados a
cabo pela Secretaria da Comunidade Britânica
e pelo BDC.1 Embora suas metodologias sejam
diferentes, os resultados são semelhantes. Ambos concluíram que os pequenos Estados são
especialmente vulneráveis a forças econômicas
externas e a riscos ambientais e incluíram os
Estados caribenhos entre os que apresentam
os mais altos índices de vulnerabilidade. Especialmente preocupante é a questão da transição
para o mutável comércio global em que o novo
ambiente de negociação produziu mudanças
na regulação do mercado bananeiro porque as
antigas normas foram consideradas incompa-
1 Ver Atkins, Mazzi e Easter, A Commonwealth Vulnerability Index for Developing Countries: The Position of Small States, Secretaria
da Comunidade Britânica, janeiro de 2000; e Tom Crowards, An Index of Economic Vulnerability for Developing Countries, Banco de
Desenvolvimento do Caribe, Departamento de Economia e Programação, fevereiro de 2000.
BDC . 101
tíveis com as regras da Organização Mundial
de Comércio (OMC). A erosão de preferências
terá um efeito generalizado em Dominica, São
Vicente e Santa Lúcia que afetará de forma
desproporcional os pobres.
Diversificação Econômica
A diversificação econômica é vista como um
dos recursos fundamentais para o desenvolvimento econômico sustentável, sendo, por
conseguinte, um dos principais objetivos das
economias regionais. No Caribe, a necessidade
de diversificação assume maior importância,
dada a vulnerabilidade da Região a choques
econômicos, em virtude do seu pequeno tamanho e da sua base de produção estreita. As
economias caribenhas dependem tipicamente
de um ou dois setores para contar com renda
produtiva, emprego e divisas estrangeiras; por
conseguinte, estão sujeitas a choques setoriais
específicos. Muitos países têm no turismo a
sua principal fonte de renda, e no âmbito desse
setor os turistas oriundos dos Estados Unidos
da América ou do Reino Unido respondem por
parcela importante da corrente turística. Em
conseqüência, os Países Membros Mutuários
(BMCs) do Banco de Desenvolvimento do
Caribe dependentes desses mercados estão
sujeitos a contrações em suas economias.
102 . Desafios Regionais
O setor de serviços financeiros, cuja contribuição foi importante para a atividade produtiva
e o alto padrão de vida de vários BMCs, tem
sido desafiado por países desenvolvidos que
procuram resguardar-se do que consideram
“práticas de tributação danosas” e, mais recentemente, conter a incidência do financiamento
do terrorismo. A agricultura, sustentáculo de
algumas economias caribenhas, também tem
estado sob pressão devido ao movimento
para liberalizar mercados sob os auspícios da
OMC, à Área de Livre Comércio das Américas
(ALCA) e à erosão do acesso preferencial ao
mercado da União Européia. Além disso, os
países mutuários do BDC encontram-se na
chamada zona dos furacões e são expostos
freqüentes vezes a condições climáticas adversas que causam sérios danos aos cultivos,
à hotelaria e à infra-estrutura.
Reconhecendo a importância de reduzir essa
vulnerabilidade, os países têm tentado, em
diferentes graus, diversificar suas economias.
Altamente dependentes do turismo e dos
serviços financeiros, estão incentivando ativamente o desenvolvimento de áreas como
o comércio eletrônico e a agricultura. Outros
países, que dependem mais da produção agrícola, procuram diversificar atividades no setor
de serviços, enquanto alguns se concentram na
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
diversificação dentro do setor agrícola e procuram desenvolver produtos não-tradicionais
e segurança alimentar. Além do esforço de
diversificação orientado para o fortalecimento
de suas economias, os países também estão
procurando melhorar a competitividade, que
é importante no Caribe, em virtude dos custos
relativamente altos tanto dos salários como
de outra natureza. Esse empenho em reduzir
custos unitários e aumentar a produtividade
é especialmente evidente em economias baseadas na agricultura que no futuro terão que
competir sem a ajuda de preferências. Para esse
fim, a reestruturação do processo de produção
com vistas a aumentar a eficiência está sendo
promovida, juntamente com metas de rentabilidade, maior controle salarial e melhorias
na irrigação.
Os países também estão melhorando a viabili-
dade do turismo da Região, dado que algumas
de suas economias são consideradas destinos
consolidados. Em conseqüência, a expansão
da hotelaria e a melhoria das atrações turísticas prosseguem e incentivos ao investimento
no setor estão sendo oferecidos. O setor de
serviços financeiros também está recebendo
atenção, vem-se beneficiando de melhorias
na estrutura normativa e legislativa para não
só assegurar a integridade de jurisdições, mas
também estimular o desenvolvimento de
empreendimentos com maior valor agregado,
como os fundos mútuos e os seguros.
Embora governos regionais tenham indicado
a intenção de diversificar suas economias no
médio prazo e algumas medidas tenham sido
implementadas nesse sentido, as atividades de
produção atuais deverão prosseguir no futuro
próximo. Será necessário dar maior ênfase à
BDC . 103
diminuição dos custos unitários e aos ganhos
de produtividade para que essas atividades
permaneçam competitivas no mercado. Nas
economias baseadas nos serviços (que também
tendem a ser jurisdições de custo mais elevado), a garantia de que turistas/investidores
recebam a justa remuneração do seu dinheiro
será decisiva. Qualquer que seja, entretanto,
a distribuição da base produtiva, todos os
países precisarão reavaliar constantemente a
própria posição no mercado, em vista da natureza mutável da economia global, de modo
a assegurar que a sua vantagem competitiva
não se perca.
Vulnerabilidade a Riscos Naturais
A suscetibilidade da Região a riscos naturais
também cresceu na última década, em virtude dos danos importantes produzidos por
terremotos, furacões e erupções vulcânicas.
Os furacões e as erupções vulcânicas foram
causas especiais de dificuldades. Apesar de
os parceiros no desenvolvimento da Região
serem fontes firmes de considerável assistência
e apoio após a ocorrência de catástrofes e o
apoio oriundo da Região e dos próprios países
afetados ser louvável, a extensão do dano e
da destruição reorientou o enfoque da Região
para a necessidade de maiores esforços no
104 . Desafios Regionais
sentido de reduzir consideravelmente o risco
a catástrofes e de administrá-las.
O custo desses desastres para a Região tem
sido pesado em termos da perda de vidas, de
pessoas feridas e de danos a bens e à capacidade produtiva, neste último caso resultando
em perda de empregos e rendas. Os danos
causados aos bens e à capacidade de produção
resultaram em prêmios de seguro mais altos
e na diminuição da produtividade do investimento e foram responsáveis pela reversão do
esforço de alívio da pobreza.
Bem longe do fortalecimento da capacidade
de resposta a catástrofes nos países individualmente considerados e da provisão de maiores
recursos à Agência Caribenha de Ação em Situações de Desastre Natural e Emergência, bem
como da expansão do alcance dos esforços
dessa Agência, uma série de iniciativas estão
sendo projetadas no momento para consideração e possível implementação. Incluem-se
entre elas as seguintes:
a avaliação da viabilidade da emissão de
bônus de catástrofes, bem como da contratação de seguro para a manutenção dos
pagamentos do serviço da dívida após a
ocorrência de uma catástrofe;
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
a atualização de códigos e padrões de construção, aprovação da legislação competente,
disposições para facilitar o fortalecimento
de estruturas e renovação de medidas de
proteção contra tormentas, e disposições
para a aplicação de códigos e padrões de
construção;
incidindo nos casos de risco natural, os problemas ambientais definidos em termos amplos
tornaram-se cada vez mais importantes, uma
vez que parte considerável do dano resultante
desses riscos decorreu da sua interação com
assentamentos humanos e com os efeitos da
utilização dos recursos naturais pelas pessoas.
o mapeamento ambiental e dos riscos e
disposições adequadas ao zoneamento do
uso da terra e à sua aplicação; e
Redução da Pobreza
a integração da redução do risco de catástrofes e da sua administração no planejamento
econômico e fiscal do setor público, nas
operações comerciais do setor privado e no
desenvolvimento de um adequado programa
de instruções para uso nas escolas.
Embora grande parte do enfoque continue
Estudos sobre pobreza realizados na sub-região
confirmam a natureza multifacetada e mutável
da pobreza que apresenta suas próprias peculiaridades e características especiais. Entre
as últimas incluem-se os altos e inadmissíveis
índices de pobreza relativa e absoluta a que
estão expostos amplos segmentos da sociedade
(especialmente os que se encontram apenas
acima da linha da pobreza), dado o risco que
correm de nela caírem. Esse aspecto é agra-
BDC . 105
vado pela extrema vulnerabilidade de muitas
economias caribenhas em conseqüência da
exposição aos freqüentes riscos naturais e
a choques econômicos cujo maior impacto
incide sobre os pobres.
Ainda que muitas das causas da pobreza na
sub-região já existissem há algum tempo, novas
forças e fatores vêm contribuindo para a complexidade e a persistência de várias formas de
pobreza, com isso aumentando a vulnerabilidade na Região. Essas causas compreendem:
(a) as disparidades econômicas crescentes
dentro dos países e das comunidades;
(b) a pouca capacidade do Estado de satisfazer as aspirações da população;
(c) as mudanças nos padrões de consumo
pessoal;
(d) a emergência de novos problemas de
saúde, especialmente a pandemia do HIV/
Aids;
(e) a importância crescente dos problemas
de segurança das pessoas e das comunidades;
106 . Desafios Regionais
(f) os impactos da degradação ambiental e
da incerteza ambiental nos meios de subsistência; e
(g) o enfraquecimento de instituições tradicionais, em especial as famílias numerosas, e
seu impacto sobre as famílias mais vulneráveis, inclusive as monoparentais, bem como
os idosos e os deficientes físicos e mentais.
Dentro da Região, a pobreza também tem
sofrido o impacto de fatores históricos e, não
obstante o progresso alcançado em todas as
áreas de desenvolvimento social, o fenômeno
assumiu novas formas e dimensões, no tocante
especialmente ao seguinte:
(a) o crescimento da pobreza urbana, que
freqüentes vezes está associado à migração
de áreas rurais, alimenta a criminalidade,
intensifica os sentimentos de insegurança
econômica e leva a impactos ambientais
negativos;
(b) as novas formas da pobreza rural, especialmente em países afetados pelas recentes
e adversas disposições do mercado global
relativamente a culturas tradicionais de
exportação;
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
(c) o impacto socioeconômico do HIV/
Aids, no que respeita especialmente às pessoas na faixa etária de 20-34 anos;
(d) o envelhecimento da população, acompanhado de sistemas de proteção social
inadequados; e
(e) as novas modalidades de migração internacional, inclusive os movimentos de
refugiados políticos e econômicos.
Vem-se patenteando com clareza cada vez
maior que os problemas de pobreza se
tornaram mais matizados e por essa razão
persiste no contexto das rápidas mudanças
sociais e econômicas produzidas nos níveis
global, hemisférico e local a necessidade de
aplicar metodologias científicas apropriadas
na coleta e análise de dados que facilitem a
compreensão das mudanças e as expliquem.
É imperativo que os dados coligidos sejam
usados sistematicamente pelas partes interessadas, inclusive autoridades governamentais,
na tomada de decisões tanto no nível da formulação política como no do planejamento.
Embora já se disponha de alguma evidência
desse uso, as experiências coletivas em toda
a Região mostraram que muito mais trabalho
se faz necessário a fim de apoiar o processo
de formulação política e tomada de decisão
fundamentada em evidências. É nessa área da
assistência ao desenvolvimento que o BDC
proporcionou e continuará proporcionando
significativo apoio aos países mutuários para
uma avaliação da pobreza e das suas múltiplas
dimensões. Também foi prestado apoio mediante outras iniciativas, como as políticas e
estratégias de redução da pobreza orientadas
para o fortalecimento da capacidade dos países
BDC . 107
de integrar as preocupações com a redução
da pobreza em seus programas nacionais de
desenvolvimento.
Sustentabilidade Fiscal
O desafio para os governos regionais é a
melhoria da dinâmica do seu endividamento,
na medida de suas possibilidades. O principal
enfoque tem que ser a maximização dos saldos primários. Nesse sentido, é preciso haver
uma persistente concentração do enfoque na
melhoria não só dos sistemas de arrecadação,
a fim de maximizar as receitas, como da gestão
orçamentária, para assegurar que o dispêndio
seja eficiente. Essas ações também contribuiriam para melhores taxas de crescimento e
criariam, conseqüentemente, uma dinâmica
favorável ao endividamento.
Além disso, os sistemas de administração do
endividamento precisam ser fortalecidos a fim
de minimizar o peso do seu custo e gestão.
Antigua e Barbuda, Dominica, Grenada e
Guiana beneficiaram-se da reestruturação do
endividamento de uma forma que alterou a
sua dinâmica, enquanto Belize está negociando
a reestruturação da dívida do país com seus
credores comerciais externos.
Contra o pano de fundo de um desempenho
108 . Desafios Regionais
sem brilho do setor produtivo e de pouca atividade do setor de exportações em virtude de
condições desfavoráveis de desenvolvimento do
comércio, os Governos caribenhos envidaram
ingentes esforços para manter o crescimento
da renda per capita nos últimos anos. Além
disso, as mudanças aceleradas e fundamentais
nas “regras do jogo” em virtude da perda de
preferências, dos altos preços do petróleo, do
impacto de desastres naturais, da política fiscal
contracíclica e das decisões fiscais que não
deram certo serviram para expor a fragilidade
da maioria das economias caribenhas e a sua
vulnerabilidade intrínseca. Como resultado,
vêm aumentando a preocupação e o enfoque
em torno do desempenho fiscal e do nível do
endividamento dos governos da Região, em
conseqüência do esforço de reestruturação da
dívida empreendido por Dominica, Grenada e
Belize nos últimos tempos. Também a Guiana
está – e brevemente o Haiti estará – recebendo
expressivo perdão da sua dívida externa no
contexto da Iniciativa para a Redução da Dívida
dos Países Pobres Muito Endividados (PPME).
Para os países em desenvolvimento, o uso de
poupanças externas é vital para o seu crescimento. É preciso, porém, que esses recursos sejam utilizados com eficiência, de maneira que se
construa capacidade que será utilizada no sentido de aumentar a renda e as exportações que
facilitarão o serviço da dívida. O uso eficiente
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
de recursos de empréstimos pelos governos é
essencial nos países em desenvolvimento em
cuja economia o Estado desempenha um papel
decisivo. Esse uso se traduzirá em uma carga
do endividamento manejável. Os estoques de
dívidas e o peso do endividamento elevaramse, porém, a níveis bastante altos na região e
refletiram não só o uso ineficiente dos recursos,
mas também a má gestão do endividamento e
o impacto de uma série de choques. Os altos
níveis de endividamento podem prejudicar o
crescimento dos países pelo desestímulo ao investimento que a incerteza ou a expectativa de
que medidas de ajustamento sejam inevitáveis
gera, de modo que os retornos serão solapados
por tais medidas.
No cenário de uma concentração cada vez
maior no desempenho fiscal e nos níveis do
endividamento, os BMCs tiveram um desempenho fiscal variável, quando comparado com
os padrões geralmente aceitos,2 mas a maioria
dos países melhorou em 2006. Como nove
BMCs são anfitriões de alguns segmentos da
Taça Mundial de Cricket, os gastos em conexão
com esse evento influíram significativamente
no seu desempenho fiscal. Mas a preocupação
crescente com os níveis do endividamento e a
implementação de programas de ajustamento
– quer fossem programas formais do FMI ou
não – resultaram em maior ênfase na melhoria
do desempenho fiscal. No final de 2006, todos
os BMCs, à exceção de dois países, haviam
diminuído a proporção entre a dívida e o PIB,
em comparação com 2005. Embora esse fato
refletisse um melhor desempenho fiscal, também foi uma conseqüência das altas taxas de
crescimento do PIB.
2 Os padrões aqui referidos são estes: um saldo em conta corrente igual ou superior a 4% do PIB; um saldo global igual ou superior a
menos de 3% do PIB; e uma proporção entre dívida e PIB igual ou inferior a 60%.
BDC . 109
Governança
A boa governança precisa ser exercida em
todos os níveis da sociedade. A governança é
definida como “os processos mediante os quais
o poder e a autoridade são compartilhados e
exercidos na sociedade e influência é exercida
em políticas e decisões concernentes ao desenvolvimento e bem-estar das pessoas.”
A boa governança é a que dá ênfase à gestão
eqüitativa, eficiente e responsável dos recursos
públicos e do empresariado em benefício de
todas as partes interessadas. É caracterizada
por estruturas, sistemas e processos que:
(a) incluem todas as partes interessadas e
estimulam sua participação;
(b) são sensíveis e transparentes a tudo e
facilitam o livre fluxo de informações;
(c) exigem responsabilidade de parte das
pessoas e instituições; e
(d) são orientados por regras bem entendidas
e aplicadas com justiça.
A pesquisa mostrou que há uma relação
mutuamente reforçadora entre boa governança, economias fortes e resultados sociais
110 . Desafios Regionais
positivos. A boa governança promove um
compromisso mais firme com metas comuns e
aumenta as perspectivas de êxito na realização
de objetivos nacionais, como o aumento dos
níveis de investimento e renda, a diminuição
da criminalidade e da pobreza e as melhorias
de indicadores sociais como a alfabetização
e a mortalidade infantil, os itens que mais
importam aos grupos carentes e vulneráveis
da sociedade. Pode, ademais, contribuir substancialmente para melhorar os padrões e a
qualidade de vida a que todos aspiram. Em
contraposição, a falta de boa governança pode
impedir as pessoas de maximizar os benefícios
de seus talentos criativos e de realizar o seu
verdadeiro potencial.
A boa governança também é um requisito
para a criação de um ambiente propício em
que os países caribenhos possam fazer a transição para estruturas sociais e econômicas
competitivas que permitam ao setor privado
desenvolver e florescer, aumentando desse
modo a riqueza nacional global. Entre os
países mutuários do BDC, a boa governança
desempenha este terceiro papel igualmente relevante: promove e ajuda a integração regional,
de extrema importância no presente contexto
global e hemisférico, na medida em que é a
principal estratégia regional para a necessária
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
reinserção do Caribe na economia global. O
aprofundamento do movimento de integração
regional mediante a implementação do Mercado Único da Comunidade do Caribe (CSME)
constitui no momento uma das prioridades de
desenvolvimento mais urgentes para a Região.
Por conseguinte, na perspectiva do BDC, há
um nexo conceptual entre boa governança,
reestruturação socioeconômica e transição
para o desenvolvimento liderado pelo setor
privado, redução da pobreza e reinserção estratégica global.
Região resultou em pressões crescentes sobre
o meio ambiente, especialmente no caso das
economias dependentes do turismo que dão
ênfase a praias atraentes e à vida marinha. Isso
levou em algumas instâncias à degradação do
litoral, agravada por sistemas inadequados de
captação de esgoto. Os países, entretanto, implementaram algumas medidas no sentido de
conservar e melhorar o meio ambiente, mas
esta é uma área que ainda exige maior assistência a fim de assegurar que o desenvolvimento
econômico seja sustentável.
O Meio Ambiente
HIV/Aids e Doenças Não-Transmissíveis
Dado o delicado meio ambiente dos pequenos estados insulares, maior atenção deve ser
dispensada à proteção dos bens ambientais.
É necessário que se dispense maior atenção
à proteção dos recursos esgotáveis da Terra.
O incremento da atividade econômica na
Com as mudanças nos hábitos das pessoas,
os temas relacionados com saúde e bem-estar
requerem maior destaque. Cumpre enfrentar
o HIV/Aids pandêmico e diminuir a alta incidência de doenças não-contagiosas, entre as
quais o diabetes, a obesidade, a hipertensão e
BDC . 111
as doenças cardíacas. De fato, estimou-se que
as doenças não-contagiosas respondem por
mais de 35.000 óbitos anuais na Região. Além
disso, o custo do controle do diabetes só em
Barbados e na Jamaica situa-se entre 300 e
400 milhões de dólares dos Estados Unidos,
enquanto a incidência da obesidade oscila de
40 a 75% no Caribe. No que respeita ao HIV/
Aids, a elevada taxa de mortalidade de doentes
na faixa etária de 15 a 35 anos é especialmente
preocupante, uma vez que essas pessoas integram o contingente mais produtivo da força
de trabalho. Devido, entretanto, à importância
crescente das doenças não-transmissíveis,
sugeriu-se que a Região deve dar às doenças
não-transmissíveis a mesma ênfase que atribui
ao HIV e à Aids, a fim de manter uma força
de trabalho saudável.
Desenvolvimento de Recursos Humanos
É necessário dar ênfase tanto à quantidade
quanto à qualidade da educação ministrada à
população. A educação precisa ser adequada e
orientada para a modernidade, ou seja, para o
uso dos recursos e da tecnologia da informação
que podem estimular a criatividade e a inovação. O desenvolvimento da força de trabalho
da Região é visto como um componente vital
do desenvolvimento sustentável das econo-
112 . Desafios Regionais
mias, especialmente em um contexto global
mais competitivo. Em algumas instâncias, o
crescimento de serviços com grande valor
agregado aumentou a demanda por técnicos e
profissionais que a força de trabalho local foi
incapaz de fornecer; o resultado foi o aumento
da migração desse pessoal. Dentro da Região
concentraram-se atividades na universalidade
da educação primária e secundária, com acesso
eqüitativo e eficiente à capacitação técnico/
vocacional e à educação terciária. O acesso à
educação primária e secundária é universal na
maioria das economias regionais. Para alguns
países, entretanto, o acesso universal à educação secundária e pós-secundária representa um
desafio do desenvolvimento – situação que é
agravada pela inadequada formação dos professores. Esforços no sentido de melhorar o
acesso à educação também se concentraram no
aprimoramento da formação dos professores,
na melhoria do acesso aos serviços educacionais e das instalações de ensino e na maior
utilização das tecnologias da computação com
a finalidade de reforçar a educação e diminuir
a proporção professor-aluno.
O BDC projetou várias áreas que deverão ser
necessariamente consideradas no médio prazo.
São estas: (a) o desenvolvimento da primeira
infância; (b) a educação secundária; (c) a edu-
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
cação pós-secundária/terciária e a educação
à distância, inclusive de jovens e adultos à
procura de oportunidades alternativas, e (d) o
planejamento e a gestão. O BDC sugeriu que
essas necessidades poderiam ser consideradas
dentro destes quatro grandes tópicos: (i) incremento e ampliação do acesso a fim de reduzir
a superlotação, melhorar o ambiente do ensino
e inserir um número grande de pessoas que
no momento não estão sendo adequadamente
atendidas; (ii) aumento da eficiência e efetividade mediante reforma curricular, melhoria
dos sistemas de teste e avaliação e reforma
pedagógica para assegurar aos egressos das
escolas uma preparação mais adequada ao
mercado de trabalho; (iii) fortalecimento da
capacidade institucional, e (iv) aumento do potencial tecnológico de crescimento do número
de pessoas preparadas e competentes no uso
de tecnologias da computação.
Questões Concernentes à Integração
A participação efetiva na arena global requer
que a Região liberalize seus mercados. Embora haja vantagens a serem auferidas dessas
disposições, especialmente benefícios de custo
para o consumidor e ganhos de eficiência,
o envolvimento da Região teve um preço.
A diminuição de indústrias exportadoras
fundamentais, como a açucareira e a bananeira, talvez tenha sido a perda mais sensível
até o momento em termos de contribuição
econômica, capacidade de ganho de divisas
estrangeiras e, mais importante ainda, deslocamento social em conseqüência da recessão
do trabalho – situação que foi agravada pela
ausência de novos investimentos em outros
setores de crescimento. À luz dessa experiência
e de outras considerações, a Região teve que
examinar mais cuidadosamente as implicações
BDC . 113
de maior liberalização e o seu envolvimento
em negociações comerciais. Nesse contexto,
determinados problemas foram identificados
como decisivos para a participação efetiva em
um contexto mais liberalizado. Essas questões
foram levantadas no marco do Programa de
Cooperação Hemisférica da ALCA em que o
BDC assumiu um papel chave no que respeita
ao esforço no sentido de mobilizar recursos
para a CARICOM, embora elas se apliquem a
todos os acordos. Incluem-se entre as preocupações vitais, inter alia, a necessidade de avaliar
o impacto de negociações de finanças públicas,
a capacitação em negociações de comércio,
o fortalecimento institucional, a assistência
na coordenação de normas de comércio, o
planejamento estratégico, a maior consulta à
sociedade civil e ao setor privado, a melhoria
da publicação e transparência de leis e normas.
Estes são apenas alguns dos temas que os países mutuários do BDC precisam considerar a
fim de atuar no novo contexto global.
A integração regional tem sido vista como o
principal meio de a Região tirar proveito de
um mercado cada vez mais liberalizado; já a
integração regional mais profunda assumiu
a forma do Mercado Único da CARICOM
(CSME), que fluiu em 2006. O CSME, tal
como foi concebido, permitiria aos países
aproveitar uma série de oportunidades, como
o benefício de um mercado de maior porte, os
ganhos em economias de escala e outras vantagens de eficiência administrativa para permitir
aos produtores regionais atingir um nível mais
alto de competitividade e maior flexibilidade
de produtos e produção. Todavia, diferenças
nas dotações de fatores e preços, nos níveis
de desenvolvimento econômico e nas normas sociais, culturais e políticas podem dar
ensejo a que setores, países ou regiões fiquem
em posição desvantajosa na transição para o
CSME e/ou no seu funcionamento. Outra
preocupação advém do efeito nivelador que
o CSME deve produzir no desenvolvimento,
com alguns tomadores de decisões receando
a possibilidade de que economias estanquem
ou se deprimam enquanto outras prosperam. Em parte por essa razão,3 sugeriu-se o
estabelecimento de um Fundo Regional de
Desenvolvimento. A maximização dos benefícios do CSME e a coesão com o dispositivo
proposto não serão asseguradas se não houver
estratégias eficientes, claras, justas e objetivas
3 Outras justificativas seriam desastres naturais, baixos níveis temporários de desenvolvimento econômico ou a designação de “país pobre
muito endividado”
114 . Desafios Regionais
Desafios para O Hemisfério
Até O Ano de 2009
para gerir a transição e amenizar as desvantagens dos participantes economicamente mais
fracos. A gestão da transição e o esforço para
amenizar a desvantagem dos participantes
economicamente mais fracos exigirão certamente importantes recursos financeiros. Via
de regra, as estratégias que tratam dos efeitos
da transição e da desvantagem estrutural das
economias mais fracas (na medida em que o
mecanismo de livre comércio for incapaz de
responder ou o faça devagar demais e onde
houver conseqüências adversas potenciais para
a coesão dentro da comunidade) são preferíveis às estratégias para desacelerar ou impedir
o livre comércio. Por conseguinte, a provisão
de assistência técnica e financeira tal como foi
proporcionada no tratado sob a forma desse
Fundo de Desenvolvimento Regional será
decisiva para a coesão do Mercado Único da
Comunidade do Caribe.
BDC . 115
Organização
Internacional para
as Migraçôes
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
Introdução por Brunson McKinley
Diretor Geral, OIM
“Migração é um aspecto comum e necessário da vida. É universalmente reconhecido que
migrantes têm contribuído significantemente ao desenvolvimento das sociedades. Migração é
não apenas um aspecto integral e potencialmente benéfico do mundo moderno, mas um fator
primordial ao crescimento, estabilidade e prosperidade.”
Brunson McKinley
Diretor Geral
OIM
118 . Desafios Regionais
Introdução por Brunson McKinley
Diretor Geral, OIM
Introdução
A migração é um dos movimentos humanos
mais antigos. À medida que nos aprofundamos
no século XXI, deparamos com um fenômeno
que cresce tanto em complexidade como em
números absolutos. Em 2005, estimava-se
que mais de 191 milhões de pessoas (3% da
população mundial) haviam participado do
processo mundial de migrações – o equivalente a um aumento de mais de 121 milhões
de pessoas – no decurso de 45 anos.1 A crescente mobilidade global e regional, integração
econômica, transporte moderno, sistemas de
comunicação, tendências demográficas atuais
e grande diferenças nos níveis de renda entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
estão entre as principais razões do aumento
da migração.
Na América Latina e no Caribe (ALC), a migração é incentivada pelas crescentes disparidades
na distribuição de riquezas em uma região
onde as disparidades já são amplas e têm sido
agravadas pelo fenômeno da globalização, reestruturando economias nacionais e a sucessão
de crises financeiras desde a metade da década
de 90. Guerras e desastres naturais também
têm ultimamente gerado sobrecarga nos fluxos
migratórios, predominantemente nos fluxos
entre fronteiras, rural-urbano e entre cidades
de um mesmo país.
Nas Américas, a combinação de vários desses
1 ONU Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. Divisão de População, International Migration, 2006.
Ver em http://www.un.org/esa/population/publications/2006Migration_Chart/Migration2006.pdf
OIM . 119
fatores cria uma das populações mais móveis
do mundo. Segundo o World Migration Report 2005, da OIM, cerca de 20 milhões de
latino-americanos e caribenhos viviam fora de
seus países de origem, a maioria na América
do Norte, e três milhões na América Latina e
no Caribe. Ao longo de um período de cinco
anos, de 1995 a 2000, a taxa líquida de emigração correspondente à América Latina e ao
Caribe foi a mais alta de todas as regiões do
mundo, com uma perda contabilizada de 1,5
migrante por 1.000 habitantes (International
Migration, 2006).
Desde a metade da década de 90, migrantes da
América Latina e do Caribe têm migrado em
massa para os Estados Unidos e, mais recentemente, para a Europa. A Espanha é o destino
preferido de migrantes do Equador, Colômbia,
Peru e República Dominicana. Brasileiros vão
para o Japão e Portugal; peruanos e argentinos
para a Itália; e migrantes dos países caribenhos
para o Reino Unido, Estados Unidos e Canadá.
De acordo com estudos recentes do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID
2006), as remessas de dinheiro destes migrantes aos seus países de origem têm crescido
desde o ano 2000, superando a marca de US$
66 bilhões em 2006. Este aumento tem feito
a ALC a região que mais recebe remessas de
120 . Desafios Regionais
dinheiro, responsável por 40% do volume de
remessas no mundo em desenvolvimento.
Esses fluxos são vistos por alguns não só
como uma válvula de segurança contra o
desemprego e a pobreza, mas também como
uma fonte de remessas que pode ajudar a
reduzir a probreza daqueles que as recebem,
complementam a suas rendas e os proporcionam com recursos que podem ser usados
para o consumo, poupança ou investimento
em áreas relacionadas ao desenvolvimento
(como educação, saúde e empreendedorismo).
Essas remessas são, entretanto, feitas a um alto
custo pessoal: o isolamento e a desintegração
da família incluem-se entre os efeitos colaterais da experiência de alguns migrantes. Além
disso, os migrantes são vulneráveis a doenças
contagiosas (HIV/Aids, tuberculose e doenças
sexualmente transmissíveis) devido à falta de
acesso a assistência sanitária, à maior exposição
a doenças durante o processo de migração e/
ou a condutas de risco. A discriminação legal
e/ou social em conseqüência de preconceito e
exclusão xenofóbica faz parte das dificuldades
que os migrantes enfrentam em trânsito e nos
países de destino no Hemisfério. Paralelamente, medidas reforçadas de segurança das
fronteiras aceleraram a exploração comercial
do contrabando e tráfico de pessoas.
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
Segundo projeções feitas, as lacunas entre a
procura e a oferta de trabalho deverão alargar
nos próximos anos, em conseqüência do envelhecimento e diminuição da população em
grande parte do mundo industrializado e do
seu aumento em grande parte do mundo em
desenvolvimento. Prevê-se que as disparidades
dos salários e das oportunidades nos âmbitos
do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, bem como entre eles, também persistirão
e estimularão continuamente a mobilidade da
força de trabalho (Sul-Norte, Sul-Sul, LesteOeste, etc.).
Finalmente, cabe reconhecer que a migração
abre muitas oportunidades para a mulher (inserção no mercado de trabalho, autonomia,
mudança nos papéis e relações de gênero,
etc.), mas também a expõe a riscos (violação
dos direitos, assédio físico e no trabalho, vio-
lência física).
Diálogos e processos de migração nas
Américas – Cooperação multilateral
Há uma grande necessidade de assegurar a
incorporação da migração nas agendas de
planejamento do desenvolvimento nos níveis
nacional e internacional, dado que essa medida favoreceria a coerência política. A OIM
acredita que é preciso haver coerência política
para que os benefícios da migração sejam
captados em favor do desenvolvimento, com
vistas a evitar os efeitos negativos diretos e
indiretos de agendas de políticas potencialmente competitivas, em matéria, por exemplo, de
comércio, trabalho, emprego, saúde, segurança
e bem-estar social. Um aspecto dessa tarefa
que com excessiva freqüência é negligenciado
diz respeito às políticas específicas de gênero
OIM . 121
dirigidas ao apoio das migrantes e suas famílias
que também contribuirão para a realização de
metas de desenvolvimento orientadas especialmente para a mulher.
No momento, a maioria das políticas de governo e das estruturas estratégicas de desenvolvimento, como os Processos de Estratégia
para a Redução da Pobreza (PRSP) e as Metas
de Desenvolvimento do Milênio (MDM), não
integra sistematicamente as considerações
sobre migração. Alguns países não estão dando passos concretos nesse sentido. Tal como
ocorre com as análises do impacto ambiental,
as considerações sobre migração precisam ser
rotineira e desagregadamente incorporadas no
planejamento do desenvolvimento.
Mudar de considerações sobre “migração e desenvolvimento” para considerações sobre “migração em desenvolvimento” requer diálogo
efetivo e esforçors cooperativos entre os vários
atores nos campos da migração e desenvolvimento em níveis nacional, regional e global.
Diálogos multilaterais e consultas regionais são
instrumentais em congregar atores relevantes e
aperfeiçoar o entendimento da complexa relação entre migração e desenvolvimento.
Ao longo de 2006, o vínculo entre migração e
122 . Desafios Regionais
desenvolvimento foi objeto de ampla atenção
internacional. O tema foi inicialmente tratado
na Conferência Ibero-Americana sobre Migração e Desenvolvimento, em julho desse
ano, com o objetivo de contribuir para maior
cooperação entre países de origem, trânsito e
destino, e mais tarde no Diálogo de Alto Nível
das Nações Unidas, em Nova York.
A OIM lançou a Iniciativa Internacional sobre
Migração e Desenvolvimento (IMDI), que é
um projeto para migração trabalhista e programas de desenvolvimento e conselhos políticos
sobre, e colaboração governamental e do setor
privado. O objetivo é contribuir aos esforços da
comunidade internacional e encontrar formas
apropriadas de maximizar os benefícios de
desenvolvimento da migração trabalhista internacional e minimizar seus impactos negativos.
Uma das conseqüências chave do HLD foi
o acordo para convocar o Fórum Global em
Migração e Desenvolvimento. Seus objetivos
são produzir propostas concretas, i.e. propostas para ações concretas, modelos manejáveis,
programas-piloto, multi-stakeholder parcerias
e coalições. O primeiro encontro deste Fórum
será realizado pelo Governo do Reino da Bélgica em Julho de 2007.
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
Durante a última Conferência Regional sobre
Migração (CRM),2 realizada em San Salvador,
em maio de 2006, os governos participantes
reconheceram a contribuição positiva dos migrantes e realçaram a relevância de programas
que associam os naturais de um país que se
encontram no exterior às suas comunidades
de origem, bem como a importância da assinatura de um Memorando de Entendimento
entre os governos do México, El Salvador,
Guatemala, Honduras e Nicarágua para a
repatriação digna, ordenada, ágil e segura
de naturais centro-americanos migrantes via
terrestre. Esse acordo constitui uma prática
ótima que complementa os esforços desses governos no sentido de promover e proteger os
direitos humanos dos migrantes. Finalmente,
os governos reiteraram o seu compromisso de
combater o tráfico de pessoas e o contrabando
de migrantes e incentivaram a cooperação,
especialmente no sentido de proporcionar
proteção a vítimas do tráfico. Para esse efeito,
sublinharam a importância das campanhas de
informação sobre os riscos e conseqüências associados à migração irregular. A próxima CRM
será realizada em Nova Orleans, em abril de
2007, e focalizará as estratégias de cooperação
para o combate ao tráfico de pessoas.
Recentemente, a Cúpula Ibero-Americana de
Chefes de Estado e de Governo, realizada em
Montevidéu (dezembro de 2006), reconheceu
a Conferência Sul-Americana sobre Migração
como um fórum para o fortalecimento do diálogo intra-regional e a cooperação em temas
pertinentes à migração, incluindo direitos hu-
2 A OIM presta a este processo assessoramento técnico e apoio para a implementação do plano de ação. Para maiores informações, ver
http://www.rcmvs.org.
OIM . 123
manos e o contrabando e tráfico de pessoas. A
Declaração de Montevidéu ressaltou a ampla
abordagem dessa Conferência e a sua contribuição para a integração de vários tópicos que
representam áreas estratégicas para cooperação
efetiva.
No Caribe, a OIM organizou diversos seminários regionais3 a fim de promover o diálogo.
Não existe, entretanto, nenhum processo
formal de consulta sobre migração, fato que
foi matéria de uma das recomendações da
Conferência Ibero-Americana sobre Migração
e Desenvolvimento acima citada.
A abordagem dos desafios da migração
nas Américas
Para a neutralizar os fatores de propulsão da
migração, são necessárias estratégias de desenvolvimento integral que criem emprego e promovam melhorias em termos de governança,
com vistas a uma distribuição mais igualitária
da riqueza. As tendências e padrões da migração poderiam ser mais bem compreendidos e
considerados se lacunas do desenvolvimento
estrutural tanto internas (desigualdades e carências institucionais) como externas (acordos
de comércio e finanças internacionais) fossem
3 Ver http://www.ion.int/unitedstates.
124 . Desafios Regionais
abordadas. De qualquer modo, a migração (e as
remessas monetárias para seus países de origem
feitas pelos migrantes em caráter particular ou
coletivo) não pode ser vista como um substituto
do desenvolvimento.
As políticas de migração dos países que recebem
migrantes estão ficando cada vez mais seletivas,
e buscam migrantes com altas qualificações
para cobrir os déficits em determinados setores
trabalhistas. Fenômenos de longo-prazo como
os crescentes graus de dependência devido ao
envelhecimento da população e outros fatores
econômicos e culturais aumentam a brecha
entre a procura por trabalhadores qualificados
em países industrializados e a disponibilidade
da oferta local.
Um tipo específico de fluxo migratório que
expõe um desafio particular aos países da ALC
é a saída de profissionais da área de saúde, a
maioria médicos e enfermeiros. Os principais
países destino destes profissionais da saúde
são o Reino Unido, Estados Unidos, Austrália,
Canadá e outras nações industrializadas. Os
principais provedores são Filipinas, Índia e
países da ALC.
Em 2004, houve 2,810 vagas para enfermeiros
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
em países do CARICOM. No início de 2005,
o número de vagas para enfermeiros no Caribe subiu 35 por cento. Muitas nações não
estão mais em posição de melhorar ou mesmo
manter a qualidade de seus serviços de saúde,
como resultado da falta de profissionais. Os
custos ao país de origem incluem perdas diretas, como custos relacionados a treinamento,
e custos indiretos, como a diminuição da
qualidade dos serviços de saúde, e portanto,
a queda da podutividade da economia nacional. Está na alçada dos governos promover
políticas orientadas para o aproveitamento
dos migrantes qualificados mediante migração
circular, acordos de cooperação para regular o
intercâmbio e medidas de incentivo ao retorno
da força de trabalho qualificada a seus países
de origem.
O estabelecimento de programas de migração
da força de trabalho a fim de impedir a migração irregular4 e a vulnerabilidade associada a
essa forma de migração é outra importante
área a ser explorada. As estatísticas mostram
que esses programas têm impacto direto e
muito êxito entre trabalhadores migrantes,
dado que proporcionam um canal de migração seguro. Um bom exemplo dessa prática é
proporcionado pelo Equador, onde a OIM está
fortalecendo a capacidade do Governo de administrar a migração para a Espanhamelhorar
o potencial da Unidade de Seleção Técnica de
Trabalhadores Migrantes (USTTM)5.
Nos níveis mundial e regional, muitas convenções sobre direitos dos migrantes achamse em vigor, mas esses instrumentos estão
4 A OIM defende o termo “irregular” em contraposição a “ilegal”, para evitar a criminalização e estigmatização dos migrantes.
5 A Convenção de 1990 foi ratificada por 34 Estados, todos eles considerados “exportadores”.
OIM . 125
distribuídos por diferentes segmentos da lei
(direitos humanos, direito humanitário, trabalhadores migrantes e direito dos refugiados).
Essa dispersão de normas contribui para a
crença, amplamente difundida, na existência
de importantes lacunas no conjunto de normas
de proteção dos migrantes e/ou de regulação
da migração.
Além disso, há às vezes incerteza quanto à
intenção precisa desses instrumentos e falta
conhecimento sobre o status de sua ratificação
e implementação pelos Estados. Outro tema
pertinente é o da ainda insuficiente difusão
de informações sobre os direitos e deveres a
serem, respectivamente, usufruídos ou respeitados por todos os migrantes e em todos os
níveis da administração dos países, bem como
as normas internacionais a serem aplicadas por
autoridades da migração. A OIM acredita que
o Programa Interamericano para a Promoção
e Proteção dos Direitos Humanos dos Migrantes, incluindo os Trabalhadores Migrantes e
suas Famílias poderia ser um veículo útil para
divulgar essa informação e fazer uma diferença. Uma vez que já existe uma Convenção
Internacional sobre a Proteção dos Direitos de
Todos os Migrantes e de Suas Famílias,6 esse
Programa é uma abordagem prática do tema
que abrange o que fazem todas as organizações
interessadas.
Além disso, a Convenção das Nações Unidas
Contra o Crime Organizado Transnacional
e seus Protocolos adicionais sobre Tráfico e
Contrabando7 foram ratificados pela maioria
dos Estados membros da OEA, mas não
por todos.8 A OIM pode continuar a prestar
apoio aos governos e a outros parceiros,
como a OEA ou o BID, na formação de capacidades e na maior conscientização desses
temas com base em um conhecimento amplo
das áreas, por exemplo, de identificação de
vítimas, técnicas de entrevista, assistência a
menores, campanhas informativas, retorno e
reintegração, etc.
Dado que os fluxos migratórios no Hemisfério
não seguem só a direção Sul-Norte, há uma
necessidade real de aperfeiçoar dados estatísticos no campo migratório, particularmente
sobre como a migração se relaciona com o
6 Protocolo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças; e Protocolo contra o Tráfico Ilícito
de Migrantes por Terra, Mar e Ar.
7 Para informações atualizadas, ver: http://www.unodc.org/unodc/crime_cicp_signatures_convention.html
8 Diálogo Internacional sobre Migración, Health and Migration: Bridging the Gap, No. 6, CIM, OMS and CDC, 2004, < http://www.iom.
int/DOCUMENTS/PUBLICATION/RedBook6_ebook.pdf>
126 . Desafios Regionais
Desafios Regionais:
Perspectivas do OIM
desenvolvimento. Dados precisos são a chave
para o entendimento da complexa relação
entre migração e desenvolvimento e portanto,
às políticas e programas efetivos de desenvolvimento. Também é de vital importância
assegurar que considerações de gênero sejam
integralmente incorporadas nos processos de
migração e desenvolvimento.
Outro problema crescentemente observado
no contexto da mobilidade de pessoas é a
saúde pública. Migrantes conectam ambientes de saúde. Portanto, crescentes populações
migratórias têm significantes implicações na
saúde, fazendo da saúde um elemento crítico
das políticas de migração, o que necessita
ser integrado no gerencimento de estratégias
para o benefício de indivíduos e sociedades.
O estado físico, mental e de bem-estar social
do migrante é vital em cada etapa do processo
migratório, incluindo a decisão de migrar, a
própria viagem, a acolhida na nova comunidade
e o eventual retorno. Em cooperação com as
Nações Unidas e outras organizações internacionais, governos e outras partes relevantes, a
OIM pode providenciar assistência saúde direta
a migrantes durante todas as fases do processo
de migração.
OIM . 127
Organização Internacional
do Trabalho
A Década de Promoção do Trabalho Decente
na América Latina e no Caribe
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
Em Brasília, em maio de 2006, poucos meses
após a realização da Quarta Cúpula das Américas, os representantes tripartites (governos,
organizações de empregadores e de trabalhadores) dos Estados americanos membros da
Organização Internacional do Trabalho, assim
expressaram:
“A partir desta Reunião, inicia-se uma Década
de Promoção do Trabalho nas Américas. (…)
Com o objetivo de promover o trabalho decente e contribuir para a redução da pobreza nos
próximos dez anos, propomos que as políticas
constantes do relatório apresentado a esta
XVI Reunião Regional Americana orientem
as estratégias de desenvolvimento dos países
da região e que cada país determine as metas
que tem condições de alcançar consoante suas
respectivas realidades e prioridades nacionais,
incorporando na medida do possível mecanismos tripartites de seguimento, para o que
poderiam solicitar o apoio da Organização”.1 1. O relatório aqui referido é o que foi submetido à consideração dos mandatários de
nossa Organização no continente: “Trabalho
decente nas Américas: A Agenda Hemisférica
2006-2015”.2 Esse relatório sintetiza as principais preocupações dos Chefes de Estado e de Governo do
Hemisfério, reunidos em novembro de 2005,
e propõe objetivos e metas a serem alcançados em um prazo de 10 anos. Trata-se de um
1 OIT; Conclusões da XVI Reunião Regional Americana; números 8 e 9. Decente
2 http://www.oitamericas2006.org/espanol/agenda_hesmiferica_2006_2015.html
130 . Desafios Regionais
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
documento orientado para a consecução de
resultados do tipo que pode ajudar a mudar a
vida das pessoas e de suas famílias.
Na condição de Diretor-Geral da OIT, participei da Quarta Cúpula e tive a honra de dirigirme aos mandatários ali reunidos.3 Sem dúvida
alguma, o relatório à mencionada Reunião
Regional Americana está imbuído do espírito
que vivemos em Mar del Plata por ocasião da
Quarta Cúpula das Américas de 2005.
Conforme assinalou o Presidente Kirchner,
“são muitos os temas nos quais coincidimos
na Declaração de Mar del Plata, porém creio
que o conceito de trabalho decente, tal como
o concebeu a OIT, é o instrumento mais eficaz
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
para assegurar uma trajetória de progresso material e humano e se constituiu em uma meta
da próxima década nas Américas. Criar mais e
melhores trabalhos implica aumentar a capacidade das pessoas de exercer uma cidadania
plena e ativa e supõe a existência de governos
idôneos para responder às legítimas demandas
sociais em busca de maior justiça social”.4 Creio que esse pronunciamento, que enaltece e
simultaneamente compromete a OIT, congrega as dimensões socioeconômicas e políticas
do conceito de trabalho decente com o qual
temos procurado atualizar na prática os valores
que inspiraram a OIT na sua trajetória de quase
90 anos a serviço da comunidade internacional
e das comunidades nacionais.
3 http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/dgo/speeches/somavia/2005/ivamericas.pdf
4 Kirchner, N.; Prólogo ao trabalho da OIT, “El Consenso de Mar del Plata. IV Cumbre de las Américas (2005). Análisis y Perspectivas”;
Argentina, 2006.
OIT . 131
Os mandatários americanos, ao concluírem a
Cúpula de Mar del Plata, assinalaram o seguinte: “Com esta Declaração e o Plano de Ação
anexo, nós, os Chefes de Estado e de Governo
do Hemisfério, reafirmamos o papel fundamental que conferimos à criação de trabalho
decente para cumprir nossos compromissos
de enfrentar a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática. Reconhecemos uma vez
mais o valor do trabalho como atividade que
estrutura e dignifica a vida de nossos povos,
é um instrumento eficaz de interação social e
um meio para a participação nas realizações da
sociedade, objetivo primordial de nossa ação
governamental para as Américas”.
“As delegações tripartites da região reafirmam
sua disposição de empreender esforços para a
superação dos desafios que os países da região
enfrentam para gerar trabalho decente e superar a pobreza extrema. Nesse sentido, manifestamos nossa convicção de que o crescimento
econômico sustentado com eqüidade e inclusão social e o fortalecimento das instituições
democráticas, bem como o diálogo social, são
condições indispensáveis à realização desses
objetivos. Sublinhamos, ademais, que embora
os esforços que cada país empreende no nível
interno para superar os mencionados desafios
sejam indispensáveis, também se requer um
contexto internacional favorável”.5 Isso significa que o trabalho decente foi reconhecido como central para enfrentar a pobreza
e fortalecer a governabilidade democrática nas
Américas, dois objetivos que deverão orientar
a ação pública no Hemisfério e com os quais
a OIT se sente comprometida.
É importante o apoio tripartite às opções de
Mar del Planta, pois se fortalece a legitimidade
social das políticas públicas quando elas são
respaldadas pelo consenso dos atores envolvidos. Isso permite que se convertam em
autênticas políticas de Estado e ultrapassem
os limites de um período de governo. Muito
do que se deve fazer na América Latina e no
Caribe para combater efetivamente a pobreza
e afirmar a democracia são ações de médio e
longo prazo, além das medidas conjunturais
que se assumam.
2. Os participantes da XVI Reunião Regional
Americana da OIT de forma consentânea com
a Declaração e o Plano de Ação citados assim
assinalaram:
5 OIT; Conclusões da XVI Reunião Regional Americana; n°4
132 . Desafios Regionais
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
3. Em 1999, em plena globalização, em minha
primeira Memória à Conferência Internacional
do Trabalho, desenvolvi o conceito de trabalho
decente, entendido como o trabalho produtivo
realizado em condições de liberdade, eqüidade, segurança e dignidade, no qual os direitos
são protegidos e que conta com remuneração
adequada e proteção social. Nele se acolhiam
não só a tradição da OIT, mas também os conteúdos da Declaração Universal dos Direitos
do Homem, da ONU, e se expressava uma
visão de futuro que atendesse aos desafios ao
desenvolvimento que a globalização começava
a propor.
Quatro objetivos estratégicos configuram o
trabalho decente: (a) a promoção dos direitos
trabalhistas; (b) o fomento do emprego; (c) a
proteção social, e (d) o diálogo social.
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
A promoção dos princípios e direitos fundamentais no trabalho é o mandato histórico
da OIT; a criação de emprego é o mandato
político, que emana das ruas, das pessoas; entendo a promoção da proteção social como
um mandato ético, e o diálogo social, como o
princípio organizativo das sociedades democráticas.
Em 2001, os Estados membros da OEA
subscreveram – ante a nova conjuntura hemisférica de afirmação da democracia – a Carta
Democrática Interamericana que no seu artigo
10 assim assinala: “A promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício
pleno e eficaz dos direitos dos trabalhadores
e a aplicação de normas trabalhistas básicas,
tal como estão consagradas na Declaração da
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais
OIT . 133
no Trabalho e seu Acompanhamento, adotada
em 1998, bem como em outras convenções
básicas afins da OIT. A democracia fortalecese com a melhoria das condições de trabalho
e da qualidade de vida dos trabalhadores do
Hemisfério”.
É importante recordar que o conceito de trabalho decente como instrumento de melhoria das
condições de vida da população é sustentado
pela Declaração de Salvador da Conferência
Interamericana de Ministros do Trabalho
(CIMT), realizada em Salvador, Bahia, em
2003, no contexto da OEA, na qual se reafirma a “convicção de que o trabalho decente,
tal como concebido pelos mandatários da
OIT, é o instrumento mais eficaz de melhoria
das condições de vida dos povos de nosso
Hemisfério e de sua participação nos frutos
do progresso material e humano” (...) “Por
essa razão, a agenda de trabalho decente deve
constituir-se no eixo das políticas nacionais e
regionais de desenvolvimento, juntamente com
o investimento em saúde, educação e cultura”.6 Nela se adiantava a proposta de um papel mais
ativo dos Ministérios do Trabalho da região e
se assinalava a necessidade de uma articulação
coerente com outras políticas.
6 Declaração de Salvador, XIII CIMT, OEA (2003), n° 10
134 . Desafios Regionais
Posteriormente, a XIV CIMT, realizada no
México em 2005, teve como tema central a
pessoa e seu trabalho no centro da globalização
e girou em torno da análise destes três eixos
substantivos: (a) a centralidade da pessoa e seu
trabalho na economia, nas políticas do Estado
e na globalização; (b) o diálogo social como
ferramenta para a abordagem dos efeitos sociotrabalhistas da globalização; e (c) os efeitos
sociotrabalhistas das políticas públicas sobre o
emprego e o combate à pobreza. Recordemos
que essa Conferência proporcionou as bases
para a Quarta Cúpula das Américas de Mar del
Plata, Argentina.
Na região, nos inícios do século XXI, os valores da OIT e os do surto democrático do
fim do século (processo sem precedentes no
Hemisfério) convergem para um binômio que
vem renovando o pensamento socioeconômico e político, bem como a formulação de políticas públicas em nosso continente: trabalho
decente e democracia.
4. A Agenda Hemisférica,7 com suas quatro
políticas gerais e suas onze áreas de intervenção, agrupa um leque de ações possíveis
para promover o trabalho decente em nossas
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
sociedades. As áreas de intervenção são organizadas levando em consideração que nem
todos os países americanos têm as mesmas
prioridades ou necessidades sociotrabalhistas
e econômicas para serem satisfeitas. Não só o
progresso nessas áreas é indispensável, como
alguns países acumularam experiências que
constituem boas práticas que podem e devem
ser compartilhadas em uma renovação da cooperação interamericana.
A mencionada agenda reconhece cinco desafios
fundamentais para a região: (1) fazer com que
o crescimento econômico promova o trabalho
decente; (2) promover a aplicação efetiva no
trabalho dos princípios e direitos fundamentais; (3) gerar maior confiança na democracia
e no diálogo social; (4) ampliar e fortalecer os
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
esquemas de prevenção e proteção social dos
trabalhadores, e (5) incrementar a inclusão social e laboral a fim de reduzir a desigualdade.
De uma resposta efetiva a esses desafios dependerá o fortalecimento da democracia nas
Américas que será relevante para a paz mundial
e para o avanço no sentido de um desenvolvimento que mereça, pelo fato de promover
o trabalho decente para todos, ser qualificado
de humano.
A atual conjuntura do processo de afirmação
democrática nas Américas requer da OIT uma
renovada capacidade para acompanhar os atores sociais na irrenunciável tarefa de conseguir
que o crescimento econômico que caracterizou a região no último lustro se traduza em
7 Ver o quadro-resumo anexo
OIT . 135
benefício efetivo para as grandes maiorias do
Continente. Nossa aliança estratégica com a
OEA é um elemento importante para o cumprimento dessa tarefa.
5. A Agenda Hemisférica não está alheia às
mudanças recentes na esfera internacional.
Enquanto em 2000, na Cúpula das Nações
Unidas, as Metas do Milênio foram fixadas sem
consideração explícita do tema do emprego
produtivo e do trabalho decente, posteriormente são os próprios países que instam a sua
identificação como um tema central no nível
nacional. Em 2005, a Cúpula Mundial dos
Chefes de Estado e de Governo declara que
“apoiamos firmemente uma globalização justa
e resolvemos que os objetivos do emprego
pleno e produtivo e do trabalho decente para
todos, em particular as mulheres e os jovens,
serão uma meta fundamental de nossas políticas nacionais e internacionais e de nossas
estratégias nacionais de desenvolvimento,
incluídas as estratégias de redução da pobreza,
como parte do nosso esforço para alcançar
as Metas de Desenvolvimento do Milênio”.8 Seguiu-se a esse pronunciamento a Declaração
Ministerial da ECOSOC de 2006, que ressalta
o significado do emprego pleno e produtivo
8 Ver o artigo 47
136 . Desafios Regionais
e do trabalho decente como um fim em si
mesmo e como meio para a realização das
Metas do Milênio, incluindo a erradicação da
pobreza. Nesse contexto, os Estados membros
solicitaram ao sistema multilateral em geral,
inclusive as Nações Unidas, mas também às
instituições financeiras internacionais e aos
bancos de desenvolvimento, bem como às
comissões regionais e à Organização Mundial
do Comércio, que considerassem os objetivos
do emprego pleno e produtivo e do trabalho
decente em todas as suas políticas, programas
e atividades. Assim, a Declaração Ministerial
pediu a colaboração de todos os organismos
para o desenvolvimento de uma caixa de ferramentas, ou “toolkit”, para promover a inclusão
do trabalho decente nas atividades, programas
e projetos das agências especializadas.
A OIT assumiu esse desafio e propôs ao
sistema multilateral um “toolkit” para ajudar
nesse processo e facilitar a todos os organismos, independentemente de seus objetivos
específicos, a inclusão de uma ferramenta em
suas atividades e políticas para considerar os
impactos que elas possam ter no emprego e
na sua qualidade, e de modo especial no trabalho decente. Essa iniciativa foi aprovada em
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
abril de 2007 pelas instâncias mais altas das
Nações Unidas e pelas instituições de Bretton
Woods.
É importante assinalar que a geração de oportunidades de trabalho decente não é só uma
tarefa da OIT, mas requer um acordo amplo
no nível dos atores políticos, econômicos e
sociais nacionais e um trabalho coordenado e
coerente das políticas dos organismos internacionais. A geração de um consenso interno
em torno da noção de que o trabalho decente
é decisivo para a consecução da estabilidade
e do crescimento com eqüidade em todos os
níveis se destaca como um imperativo. Outros
consensos, como os construídos em matéria
de política macroeconômica, por exemplo,
já são amplamente aceitos e implementados
pelos países, mas freqüentes vezes se relegam
a segundo plano as políticas que conduzem
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
à dignidade no emprego que se insere no
primeiro plano dos interesses das pessoas:
contar com um trabalho que tenha atributos
adequados e possa ser qualificado de decente.
Essa tendência, felizmente, está se revertendo
e a agenda de trabalho decente recebe apoio
cada vez maior no nível nacional e na arena
internacional, reconhecendo-se o seu papel
central nas políticas que visam ao bem-estar
humano.
6. Para concluir, assinalo que a OIT está empenhada no processo de apoio à concretização
das declarações ministeriais e presidenciais
que se orientam, nos níveis internacional e
nacional, para fazer do trabalho decente um
objetivo global e nacional, refletindo as reais
demandas da população. Nas Américas, contase no nível nacional com uma ferramenta que
é pertinente às prioridades definidas em Mar
OIT . 137
del Plata: o Plano Nacional de Geração de
Trabalho Decente. Cabe à OIT executar um
programa específico de ação em cada país,
em apoio à execução desse Plano, de forma
coordenada com o resto do sistema multilateral, porém mantendo um contato estreito com
seus mandatários.
O objetivo terminante é a promoção do trabalho decente como componente central da
estratégia de desenvolvimento dos países da
região com vistas a assegurar crescimento para
todos com inclusão social e fortalecimento da
democracia.
Existe desde já o compromisso da OIT de pôr
seus conhecimentos, instrumentos e potencial
de mobilização a serviço de seus mandatários
138 . Desafios Regionais
tripartites, mediante programas de trabalho
decente por país (PTDP) que sirvam de apoio
ao desenvolvimento dos planos nacionais de
geração de trabalho decente.
Confiamos em que o espírito da Cúpula de
Mar del Plata, que já foi chamada de Cúpula
da Gente, oriente a gestão do desenvolvimento
no contexto dos nossos povos e que os vários
organismos do sistema internacional, bem
como do Sistema Interamericano, possamos
estabelecer sinergias que nos permitam acompanhar os países americanos na sua tarefa de
promover o trabalho decente a fim de combater a pobreza que flagela tantos compatriotas e
fortalecer a governabilidade democrática que
assegure que a liberdade e a justiça prevaleçam
desde o Alasca até a Terra do Fogo.
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
Trabalho Decente nas Américas: Agenda Hemisférica 2006-2015
I. Desafios:
A. Conseguir um crescimento econômico que promova o trabalho decente.
B. Assegurar a aplicação efetiva dos princípios e direitos fundamentais do trabalho.
C. Gerar confiança na democracia e o diálogo social.
D. Conseguir a ampliação e o fortalecimento dos programas de prevenção e proteção
social dos trabalhadores.
E. Incrementar a inclusão social e laboral para reduzir a desigualdade.
II.Objetivos:
Estratégicos
Transversais
Cumprimento efetivo dos princípios e direitos
trabalhistas.
Geração de maiores oportunidades de emprego
para homens e mulheres.
Ampliação e fortalecimento dos sistemas de
proteção social dos trabalhadores.
Promoção do diálogo social e fortalecimento
institucional dos distintos atores sociais.
Globalização justa.
Superação da pobreza e da exclusão social.
Fomento da igualdade, especialmente de
gênero.
Maior influência das normas internacionais em
matéria de trabalho.
Estímulo ao diálogo entre os distintos setores
da sociedade.
OIT . 139
III. Políticas gerais:
Políticas
Objetivos
1. Crescimento econômico promotor do
emprego
A geração de maiores
oportunidades de emprego deve ser considerada como um objetivo
central da política
econômica.
Alcançar um crescimento econômico de
pelo menos 5% ao ano nos próximos 10
anos, de maneira sustentada e regular, como
condição necessária para reduzir significativamente o atual déficit de trabalho decente.
2. Respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho
Conseguir que os princípios e direitos fundamentais no trabalho
sejam efetivamente
respeitados.
Os direitos fundamentais constituem um
conjunto mínimo e universalmente aceito
de direitos trabalhistas incorporados nas
respectivas legislações nacionais e na cultura
trabalhista dos diferentes países da região.
- Trabalho infantil
Eliminação progressiva
do trabalho infantil.
1. Eliminar as piores formas de trabalho
infantil dentro de um prazo de 10 anos
(2015); 2. Eliminar o trabalho infantil na sua
totalidade dentro de um prazo de 15 anos
(2020).
- Trabalho forçado
Eliminação progressiva
do trabalho forçado.
Dentro de um prazo de dez (10) anos,
reduzir entre 20% e 35% o número de trabalhadores em regime de trabalho forçado.
- Liberdade sindical e
negociação coletiva
Melhorar a observância
dos direitos fundamentais mediante progresso
na garantia dos diferentes elementos da
liberdade sindical, em
Leis com melhores elementos de proteção
sindical, em particular procedimentos e
recursos administrativos e judiciais efetivos
e expeditos, no caso de violação desses direitos, e melhoria da qualidade dos acordos e
convênios, tanto em relação ao número de
140 . Desafios Regionais
Metas
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
Políticas
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
Objetivos
Metas
particular a não-discriminação sindical, otimizar a
cobertura da negociação
coletiva e ampliar seus
conteúdos.
trabalhadores cobertos (com um aumento de
10%, pelo menos, no nível nacional) como à
ampliação de seus conteúdos (a inclusão, por
exemplo, de cláusulas sobre produtividade) e
à solução autônoma de conflitos.
- Não-discriminação e
igualdade no trabalho
Eliminar progressivamente os mecanismos de
discriminação existentes
no mercado de trabalho.
Reduzir em 50% os índices de segregação e
os diferenciais de renda por gênero e origem
étnico-racial (em relação aos níveis atuais)
dentro de um prazo de dez (10) anos.
3. Maior eficiência e
cobertura da proteção
social
Ampliar e fortalecer
os distintos esquemas
de proteção social dos
trabalhadores.
Dentro de um prazo de dez (10) anos, incrementar em 20% a cobertura da proteção
social.
4. Diálogo social efetivo
Promover a institucionalização do diálogo social
sobre bases voluntárias.
Diligenciar para que todos os países da
região empreendam ações a fim de fortalecer o diálogo social e contem, dentro de um
prazo máximo de dez (10) anos, com espaços
de diálogo social institucionalizados que se
sustentem em bases voluntárias.
Objetivo Estratégico 2
Objetivo Estratégico 1
Objetivo Estratégico 3
Objetivo Estratégico 4
OIT . 141
IV. Políticas em áreas de intervenção específicas:
Políticas
Objetivos
Metas
1. Normas internacionais
sobre trabalho
Contar com uma legislação
e uma prática trabalhista
que, adequando-se às Normas Internacionais sobre
Trabalho ratificadas pelos
países, garanta os direitos
tanto de trabalhadores
como de empregadores e
seja plenamente aplicada.
1. Avançar a ratificação de convênios da OIT,
não só dos relacionados com os direitos
fundamentais no trabalho, mas também de
todos os que os governos e os atores sociais
determinarem como essenciais para melhorar
as condições de trabalho e garantir a saúde e a
vida dos trabalhadores, e adequar a legislação
nacional e a prática trabalhista ao conteúdo
desses convênios.
2. Conseguir que todos os países contem com
legislação e prática trabalhista equilibrada
que, no contexto das Normas Internacionais
sobre o Trabalho, respeite os direitos tanto de
trabalhadores como de empregadores.
2. Igualdade de gênero
Aplicar políticas públicas
orientadas para diminuir a
desigualdade entre homens
e mulheres no mundo do
trabalho, aplicando estratégias duais com ações transversais e também específicas para as mulheres.
Dentro de um prazo de dez (10) anos, aumento em 10% da taxa de participação das
mulheres e, em percentual proporcional a
esse, da taxa de ocupação, e redução à metade
das atuais lacunas de gênero em matéria de
informalidade e renda do trabalho.
3. Emprego para a juventude
Promover maior formação Reduzir à metade, dentro de um prazo de dez
e melhor inserção da juven- (10) anos, a proporção de jovens acima de 15
tude na força de trabalho.
anos de idade que não estudam nem trabalham.
142 . Desafios Regionais
Por Juan Somavia
Diretor-Geral, OIT
A Década de Promoção do Trabalho
Decente na América Latina e no Caribe
Políticas
Objetivos
Metas
4. Micro e pequenas
empresas
Melhorar a qualidade do
emprego nas micro e pequenas empresas.
Melhorar significativamente, dentro de um
prazo de dez (10) anos, o percentual de
trabalhadores das micro e pequenas empresas com cobertura de políticas e serviços
empresariais de fomento à produtividade e
com acesso a mercados e a níveis mínimos de
proteção em todos os países da região.
5. Economia informal
Formalização progressiva
da economia informal
Eliminação, dentro de um prazo máximo de
dez (10) anos, das principais causas legais e
administrativas que alentam a existência da
economia informal.
6. Setor rural e desenvolvimento local
Melhorar as condições de
trabalho e de produtividade
das atividades econômicas
empreendidas no âmbito
rural, inclusive as das populações indígenas.
1. Duplicar, dentro de um prazo máximo de
dez (10) anos, a produtividade e a renda dos
camponeses pobres e melhorar substancialmente as suas condições de trabalho.
2. Os governos da região porão em execução, dentro de um prazo máximo de dez
(10) anos, planos locais de desenvolvimento
orientados para os pequenos povoados.
3. Avançar significativamente a ratificação
e a efetiva aplicação do Convênio 169 da
OIT, especialmente nos aspectos referentes à
consulta às populações indígenas.
7. Formação profissional
Melhorar a competitividade dos recursos humanos
e ampliar a cobertura da
formação profissional entre
os grupos vulneráveis.
Incrementar, dentro de um prazo de dez (10)
anos, o índice dos investimentos dos países
em capacitação em pelo menos meio ponto
percentual (como porcentagem do PIB) e
duplicar os atuais retornos dos investimentos
em capacitação.
OIT . 143
Políticas
Objetivos
Metas
8. Serviços de colocação
Incrementar e melhorar a
capacidade e a qualidade da
assistência dos serviços de
colocação.
Duplicar, dentro de um prazo de dez (10)
anos, os empregos de trabalhadores mediante
os serviços de colocação, tanto públicos como
privados.
9. Salários e remunerações
Recuperar o salário mínimo
como instrumento de
política salarial e vincular
progressivamente os aumentos das remunerações
às mudanças na produtividade e à elevação do custo
de vida.
1. Efetiva utilização de sistemas de consulta
das partes sobre o salário mínimo em atenção
ao disposto no Convênio número 131 da OIT
(fixação de salários mínimos).
2. Promoção, no contexto da negociação
coletiva, de cláusulas de produtividade e de
ajuste salarial vinculado à produtividade e às
variações do custo de vida.
10. Segurança e saúde no
trabalho
A saúde e a segurança no
trabalho convertem-se em
uma prioridade para os
atores sociais na região.
Dentro de um prazo de dez (10) anos, reduzir
em 20% a incidência de acidentes e enfermidades decorrentes do trabalho e duplicar a cobertura da proteção da segurança e saúde no
trabalho de setores e classes pouco assistidos.
11. Trabalhadores
migrantes
Melhorar o nível de proteção dos trabalhadores
migrantes por meio de uma
migração administrada.
1. Dispor, antes de 2010, de um sistema de
informação estatística sobre trabalhadores
migrantes que apóie a formulação de políticas
nesse campo.
2. Adiantar a utilização do marco geral que a
OIT deve formular a pedido da Conferência
Internacional do Trabalho (CIT) e conseguir
a ratificação dos convênios 97 e 14, também
promovida pela CIT, tudo isso com a finalidade de propiciar uma gestão ordenada do
processo migratório.
3. Conseguir, antes de 2010, que todos os países de origem e destino de migrantes contem
com uma estratégia e um plano de ação para a
gestão ordenada das migrações.
144 . Desafios Regionais
OIT . 145
Instituto para a
Conectividade nas
Américas
Desafios Regionais e Perspectivas
Introdução por Ben petrazzini
Diretor, ICA
Na América Latina e no Caribe (ALC) há um crescente reconhecimento das possibilidades
que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) oferecem à redução da probreza,
criação de empregos, e desenvolvimento sustentável e eqüitativo. Governos e investidores da
região estão respondendo aos desafios impostos pela revolução da informação ao implementar
políticas e regulamentos das Tecnologias de Informação e Comunicação, e na identificação e
uso de tecnologias apropriadas à frente de estratégias nacionais.
Neste contexto de rápidas mudanças, o Instituto para a Conectividade das Américas (ICA)
apóia abordagens inovadores que incentivam e fortalecem a capacidade dos países em desenvolvimento de aplicar o potencial das TICs na solução de problemas de desenvolvimento. Este
documento visa identificar alguns dos principais desafios que a região da América Latina e do
Caribe atualmente enfrenta em termos de inserção na economia do conhecimento, incluindo
algumas prováveis áreas nas quais ICA focalizará seu programa de trabalho durante o período
rumo à próxima Cúpula das Américas em 2009.
Ben Petrazzini
Director
Instituto para la Conectividad en las Américas
148 .Desafios Regionais
Introdução por Ben petrazzini
Diretor, ICA
1. Desafios regionais e TICs
O rápido processo de transformação econômica e social em curso em todas as partes do
mundo está associado a uma mudança ainda
mais medular e acelerada no modo como as
tecnologias estão se desenvolvendo, especialmente as da informação e da comunicação
(TICs). A distribuição dessas novas tecnologias
e de seus benefícios entre os países e dentro deles tem-se dado, entretanto, de forma desigual
(chamada freqüentes vezes de “divisória digital”) e não só reflete como aprofunda outras
formas de divisão existentes, por exemplo, na
esfera social, econômica, política, cultural, ambiental, etc. Não obstante esses desafios, que
são patentes em regiões em desenvolvimento,
como a da ALC, a revolução da informação
foi acompanhada de um reconhecimento
crescente das possibilidades que essas novas
Desafios Regionais
e Perspectivas
tecnologias oferecem para reduzir a pobreza,
criar emprego e promover o desenvolvimento
sustentável e eqüitativo.
É cada vez maior o consenso a respeito de
que, no mundo hoje interconectado e interdependente, o desenvolvimento humano e o
crescimento econômico em regiões como a da
ALC dependem substancialmente do acesso
adequado e do uso eficiente das novas tecnologias da informação e da comunicação. Por
conseguinte, uma infra-estrutura moderna e os
avanços no sentido de uma integração plena
na sociedade da informação são elementos
essenciais no contexto desenvolvimentista.
A tecnologia da informação e da comunicação
direcionada para o cenário de desenvolvimento
(TIC4D) da ALC está se expandindo em um
contexto dominado por dois aspectos relevan-
ICA . 149
tes: (a) poucas empresas conseguiram dominar
a maioria dos segmentos do mercado de serviços de comunicação, e (b) o ritmo acelerado
da inovação tecnológica continua irrefreável.
Esses dois elementos podem, se não lhes for
dispensada a devida atenção, aprofundar a
iniqüidade socioeconômica hoje prevalecente
na região (afetando os esquemas de preços
fixados, as tendências da infra-estrutura e a
prestação de serviços, bem como o equilíbrio
de poder entre partes interessadas decisivas).
É imperativo, por conseguinte, que se coloque
a pesquisa aplicada inovadora em matéria de
política e regulação das TICs e das tecnologias
“apropriadas”1 no primeiro plano das agendas
de desenvolvimento e das estratégias nacionais
que estão sendo consideradas na região.
Respondendo à necessidade de abordar tanto
os problemas emergentes e importantes do
acesso às TICs e da sua disponibilidade, a
programação do ICA na América Latina e no
Caribe procura apoiar abordagens inovadoras
que promovam e fortaleçam a capacidade
dos países em desenvolvimento de aplicar o
potencial das TICs à solução de problemas de
desenvolvimento. Apresentam-se a seguir al-
guns dos principais desafios que no momento
a região enfrenta para inserir-se na economia
do conhecimento, bem como algumas áreas
prioritárias em potencial, relacionadas com a
tecnologia da informação e da comunicação
orientada para o desenvolvimento da América
Latina e do Caribe, nas quais o ICA concentrará sua programação ao longo do período que
se estende até a próxima Cúpula das Américas
de 2009.
Pobreza e desenvolvimento
socioeconômico
A estimativa mais recente da taxa de crescimento médio da região indica que, para a
América Latina e o Caribe, 2006 foi outro
ano favorável ao crescimento econômico,
completando-se, conseqüentemente, o quarto
ano consecutivo de expansão econômica e o
terceiro consecutivo de taxas superiores a 4%
(CEPAL 2006a). Além disso, segundo estimativas recentes (CEPAL 2006b), os altos índices
de carência de renda registraram tendência decrescente. Quanto ao trabalho, o crescimento
econômico parece haver estimulado a criação
de empregos, e a taxa de desemprego aberto
foi de 8,7% do EAP.
1 A expressão “tecnologias apropriadas” usada neste documento refere-se às tecnologias que são mais adequadas ao meio ambiente e à
cultura que lhes cabe apoiar. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Appropriate_technology
150 . Desafios Regionais
Desafios Regionais
e Perspectivas
Não obstante esse “otimismo cauteloso” –
assim chamado pela CEPAL –, a situação da
pobreza na região continua crítica; os últimos
dados disponíveis mostram que, em 2005,
quase 40% da população da região, ou 209
milhões de pessoas, eram pobres, e 15,4%,
ou 81 milhões, eram extremamente pobres
ou indigentes. Além disso, ainda que a taxa de
desemprego aberto venha decrescendo desde
2004, não só a região não conseguiu reduzir
a grande proporção de emprego informal
nela existente, como os indicadores de renda
mostram que a remuneração de muitos dos
novos empregos é baixa, razão por que os
“déficits” de trabalho decente na região ainda
persistem.2 Nesse contexto, a gestão e o fluxo da informação, bem como sua posterior transformação em conhecimento, estão redefinindo os
processos de crescimento social e econômico.
A criação de riqueza acha-se cada vez mais
vinculada à capacidade de uso da informação
e do conhecimento de maneira eficiente na
produção e entrega de bens e serviços. O
enfrentamento do desafio de encontrar meios
inovadores de desenvolver e conduzir negócios – usando ferramentas da TIC – é essencial para melhorar a produtividade e manter a
competitividade.
Em setores cujo desenvolvimento é vital para
a ALC, como os da educação e da saúde, as
TICs inovadoras abriram a porta para a pres-
2 CEPAL, 2007, Economic Growth with Equity. Challenges for Latin America; CEPAL, 2006a, Preliminary Overview of the Economies
of Latin America and the Caribbean; CEPAL, 2006b, Social Panorama of Latin America 2006.
ICA . 151
tação de serviços sob formas que poucos anos
atrás seriam inimagináveis. Políticas e governos
também estão sendo transformados pela introdução dessas tecnologias tanto na provisão de
serviços governamentais como na modernização de práticas democráticas. A introdução de
TICs na vida econômica, social e política dos
países, bem como a profunda transformação
que as acompanharam levaram ao avanço de
novas idéias. Conceitos globais, como o da
“sociedade da informação”,3 tendem a incluir
noções a respeito de economia eletrônica, governo eletrônico, democracia eletrônica, saúde
eletrônica, educação eletrônica, por exemplo,
e outras que procuram descrever essas novas
realidades.
Embora os governos, o setor privado e os líderes da sociedade civil tenham consciência de
que as TICs são um importante componente
da equação do desenvolvimento, há menos
clareza em relação a “como” integrá-las nos
vários setores econômicos e também ao papel
que essas tecnologias podem desempenhar
na abordagem de problemas de redução da
iniqüidade e da pobreza.
Com freqüência, as TICs emergem em
mercados desenvolvidos e são talhadas, por
conseguinte, para atender às necessidades das
sociedades mais abastadas. Na maioria dos
casos, entretanto, essas inovações tecnológicas também têm potencial para satisfazer as
necessidades dos membros mais pobres da
sociedade. Nesse sentido, o desenvolvimento
da telefonia celular na região é um dos exemplos mais tangíveis e patentes. Ela emergiu
como uma solução cara para os empresários,
mas logo o preço do hardware e dos serviços
caiu (graças a tarifas inovadoras e aos esquemas
regulatórios, como os cartões pré-pagos e as
ligações pagas por quem as faz), e os aparelhos celulares converteram-se nos telefones
dos pobres.
A rede wireless fidelity (Wi-Fi), um novo sistema de comunicação sem fio de baixo custo,
foi inicialmente concebida como um serviço
móvel de computação para uso em hotéis de
luxo, salas de espera de aeroportos e locais
3 Uma Sociedade da Informação pode ser conceptualizada como sendo baseada em avanços tecnológicos e associada com freqüência a
temas econômicos e à infra-estrutura da TIC que a apóia. A tecnologia acelerou enormemente a velocidade e o volume das comunicações
e transferências de dados, com isso transformando cada etapa do processo econômico. Nessa perspectiva, a difusão da informação tem
ganhos de produtividade e, conseqüentemente, quando melhores forem a infra-estrutura da TIC e o uso das informações pela sociedade,
maiores serão os ganhos agregados em determinada economia.
152 . Desafios Regionais
Desafios Regionais
e Perspectivas
semelhantes. A versão fixa do Wi-Fi pode,
entretanto, proporcionar a comunidades de
baixa renda acesso à Internet e a todos os
seus benefícios conexos a pouquíssimo custo
adicional.
Na América Latina e no Caribe, as rápidas
mudanças socioeconômicas são cada vez mais
afetadas pelas TICs e delas dependentes como
elementos transversais que permeiam todos
os demais aspectos do desenvolvimento da
região. Nos níveis nacional, sub-regional e
regional, novas abordagens estão emergindo
como um meio de encarar prioridades de desenvolvimento vitais, como o alívio da pobreza
e a melhoria da educação e da saúde. As TICs
são vistas como um instrumento chave que
pode proporcionar soluções inovadoras para
problemas tradicionais.
Vários países realizaram progresso tangível
e foram muito ativos e bem-sucedidos na
adoção de tecnologias novas e emergentes
e na sua conversão em propulsores do crescimento. Este é o caso do Brasil, do Chile e
da Costa Rica que freqüentes vezes são chamados de “motores da tecnologia” da região.
Embora seus perfis socioeconômicos sejam
muito diferentes, esses países foram capazes
de não só reconhecer o lugar que ocupavam
em relação ao uso e à demanda crescente de
novas tecnologias, mas de reagir com planos
e estratégias nacionais a fim de promover e
facilitar sua adoção.
Com isso, esses países tornaram-se líderes
na região em várias áreas da tecnologia da
informação e da comunicação, como os serviços de governo eletrônico, o amplo uso de
TICs no sistema educacional, a adoção firme
ICA . 153
e efetiva de TICs por pequenas e médias empresas (PMEs), o uso intensivo de comércio
eletrônico, as políticas públicas claras e confiáveis para atrair investimentos e indústrias em
conexão com TICs, e assim por diante. No
caso do Brasil, por exemplo, o Governo está
analisando uma nova parceria com o Banco
Mundial com vistas a habilitar o país a ser
fornecedor de tecnologia para economias em
desenvolvimento.4 a infra-estrutura da comunicação tradicional
(voz) tenha melhorado,5 um número expressivo encontrou dificuldade para incorporar TICs
de maneira efetiva nos vários componentes da
equação do desenvolvimento nacional (isto é,
educação, saúde, produção/comércio, participação política e provisão de bens públicos
e serviços).
Os países da região foram, na sua maioria,
mais lentos na inserção de TICs nos seus programas de desenvolvimento e estão atrasados
na incorporação dos benefícios da Sociedade
da Informação (SI). Embora na maioria deles
Apesar de vários países da região terem registrado crescimento econômico nos últimos
anos, esse resultado ainda precisa traduzir-se
em iguais melhorias na distribuição da renda
e na criação de emprego. Além disso, as trans-
Educação e saúde
4 Folha de São Paulo, Brasil, 16 de dezembro de 2005.
5. A telefonia celular, por exemplo, empreendeu grandes esforços para superar a telefonia de linha fixa na maioria dos países da região. Seu
crescimento foi considerável entre a população de baixa renda, fato que suscitou interessantes questões de política relacionadas com o futuro das
TICs entre os pobres da região. Dos 31 países da região da ALC sobre os quais se dispõe de dados apenas quatro países (Costa Rica, Cuba, Saint
Kitts e Nevis e Uruguai) têm mais linhas telefônicas convencionais por 100 habitantes do que assinantes de telefones celulares (ITU, 2005).
154 . Desafios Regionais
Desafios Regionais
e Perspectivas
formações econômicas da década de 1990
foram acompanhadas, passo a passo, pelo
aumento das dotações privadas para a educação e a saúde e pela subseqüente deterioração
dos serviços proporcionados pelas escolas e
hospitais públicos. Isso resultou em uma lacuna crescente da quantidade e qualidade da
educação ministrada e dos serviços de saúde
prestados à população de baixa renda na região
da ALC e faz com que a educação e a saúde
compartilhem um dos grandes desafios do
desenvolvimento que a região enfrentará na
próxima década.
No domínio da educação, a maioria dos países
da América Latina e do Caribe empreendeu
esforços no sentido de fornecer computadores a escolas de todo o território nacional.
Pouquíssimos, entretanto, foram capazes de
desenvolver e implementar políticas adequa-
das para que as comunidades de usuários se
servissem desses computadores como ferramentas eficientes e poderosas de ensino. O
desenvolvimento de conteúdo local adequado,
o treinamento de professores e uma percepção
melhor das formas em que as TICs podem
agir como alavancas decisivas para uma inserção plena na sociedade do conhecimento
são todos componentes vitais que freqüentes
vezes faltam na implementação de estratégias
tecnológicas nacionais na América Latina e no
Caribe (Fonseca, 2005a). Além disso, muitos
estudantes oriundos dos grupos mais pobres
da sociedade ainda não se beneficiam da revolução na informação, o que alarga a lacuna
de eqüidade que afeta a região.
Encontra-se situação semelhante no setor da
saúde, em que alguns poucos fornecedores incorporaram equipamentos médicos de última
ICA . 155
geração. Pouco progresso, entretanto, foi feito
no uso de TICs, em particular a Internet, como
uma ferramenta inovadora valiosa que pode
ajudar a expandir o alcance dos serviços para
os que deles mais necessitam. Algumas iniciativas de TICs aplicadas a serviços de saúde
orientados para os pobres e testadas em outras
partes do mundo em desenvolvimento ainda
não foram vistas na região da ALC, onde a
grande maioria dos profissionais da saúde que
têm acesso a computadores e à Internet mal
passam do uso do e-mail como um substituto
da comunicação telefônica.6 Pequenas e médias empresas como
motores do crescimento
Nos setores de produção e comércio da
região, a adoção e o uso de TICs são mais
encorajadores. Grandes empresas as incorporaram plenamente às suas operações e estão
incentivando as pequenas e médias empresas
(PMEs) que com elas interagem a que façam
o mesmo. Também alguns governos empreenderam esforços substanciais para apoiar
o desenvolvimento de compras eletrônicas,
dispensando especial atenção à abertura de
oportunidades para a participação de PMEs
nas compras públicas. Encontram-se, entretanto, fontes de preocupação nas estatísticas
que associam TICs ao potencial do comércio
eletrônico e a melhorias na produtividade. Por
exemplo, somente 15% das empresas instaladas na região têm acesso a serviços de banda
larga, um componente essencial das atividades
relacionadas com o comércio eletrônico. Além
disso, o uso de TICs por microprodutores de
grupos de baixa renda é praticamente zero. 7 Governança democrática e participação
da população
Os governos também fizeram apreciável
progresso na modernização da provisão de
serviços públicos. Vários países melhoraram
consideravelmente a implementação das aplicações e serviços de governo eletrônico. Na
maioria dos casos, entretanto, esses avanços
concentraram-se nas aplicações tradicionais
do lado da oferta relacionadas, por exemplo,
com tributação e compras públicas. Pouco
progresso foi feito no que respeita a maior
transparência e responsabilidade do processo
de governança mediante o uso de ferramentas
6 Uma descrição mais minuciosa de TICs aplicadas a serviços de saúde na ALC pode ser vista em Velez (2005) e Uturbey et al. (2004); para
uma perspectiva mais global, ver Demiris (2004) e Fleisher e Dechene (2004); sobre o potencial da saúde eletrônica para a prestação de assistência sanitária básica, ver Health Canada (2004).
7. Para uma descrição minuciosa desta situação, ver Botelho e da Silva Alves (2005); La Rovere e Hasenclever (2004); e Ueki (2003).
156 . Desafios Regionais
Desafios Regionais
e Perspectivas
da tecnologia da informação e da comunicação, o que permitiria uma participação mais
ativa e comprometida da população nos atos
de governo.
Além disso, não só a maioria da população da
ALC tem acesso limitado à Internet como são
poucas as políticas de apoio aos usuários. O
resultado é que apenas uma minoria dos cidadãos se beneficiou de qualquer progresso que
tenha sido alcançado na provisão de serviços
de governo eletrônico, deixando de fora um
número elevado dos que têm menos acesso
às TICs e à Internet. Poucos países da região
são exceção a essa regra; eles implementaram
iniciativas de apoio aos usuários, tais como
programas nacionais de alfabetização digital,
levantamentos dos usuários de serviços de
governo eletrônico e outros programas afins.
Os governos estão agora cônsciosaèntes do
papel importante que as TICs desempenham
em qualquer agenda de desenvolvimento (não
obstante a freqüente insegurança que a maioria
demonstra em relação aos próximos passos a
serem dados no sentido de implementá-las).
Uma série de eventos importantes na região
e no mundo,8 bem como a cobertura permanente que os meios de comunicação dão
à expansão e ao crescimento renovado das
atividades baseadas na Internet receberam a
atenção dos líderes mundiais (inclusive os da
região da ALC) e o seu reconhecimento da
importância das TICs para o desenvolvimento
8 Estes incluem a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação 2003 e 2005 (WSIS), a Força Tarefa da TIC das Nações Unidas, a Força Tarefa G8 da Oportunidade Digital (Força DOT), a Parceria Global de Conhecimento (GKP), o Fórum Econômico Mundial (FEM-Davos),
a Força Tarefa da Divisória Digital e a Cúpula das Américas (2001, 2003 e 2005).
ICA . 157
socioeconômico. Mas também é verdade que a
maioria desses líderes, os seus sucessores e os
responsáveis pela tomada de decisões de alto
nível na região estão tendo dificuldades com o
“modo” de transformar esse reconhecimento
em realidade. Para responder a essa situação,
a programação do ICA tentará abordar esse
gargalo que afeta o incremento da Sociedade
da Informação na ALC.
Esse contexto global das prioridades de desenvolvimento demonstra a necessidade de o
ICA prestar apoio a iniciativas regionais que se
orientem para o estabelecimento de políticas
e condições adequadas à inclusão social e à
maior eqüidade socioeconômica. Mais especificamente, reflete a necessidade de prosseguir
com a implementação de programas e o trabalho em colaboração com governos, sociedade
civil e partes interessadas do setor privado na
promoção do uso e da dotação de TICs com
o objetivo de: (a) promover a capacidade empresarial e o emprego decente; (b) melhorar
a provisão de serviços de educação e saúde
e seu acesso; e (c) fortalecer a governança
democrática a fim de promover condições
socioeconômicas mais eqüitativas.
158 . Desafios Regionais
2. Pilares da programação do ICA e
esforços de colaboração potencial
Pilares da programação
Havendo identificado os principais desafios e
prioridades de desenvolvimento com a ajuda
de seus parceiros e de partes interessadas que
atuam na região e valendo-se da sua experiência com programação no campo, o ICA está
concentrando o seu apoio no tratamento de
questões associadas com o acesso à Economia
da Informação e à Sociedade da Informação.
No seu trabalho nesse sentido, identificou três
grandes pilares temáticos para o apoio aos
projetos: economia eletrônica, facilitadores
eletrônicos e cidadania eletrônica.
(a) Economia eletrônica
A economia eletrônica, um conceito que em
sentido amplo diz respeito ao uso de TICs
para a inovação de produtos e processos
em todos os setores da economia, emergiu
na última década como um dos propulsores
fundamentais da produtividade e do crescimento da economia global. A transformação
e/ou desaparecimento de certas indústrias
resultante da rápida expansão das TICs, ou a
ela associada, demonstrou a necessidade de
novas estratégias econômicas para fortalecer
a capacidade da região da ALC de adotar essas
Desafios Regionais
e Perspectivas
novas ferramentas e explorar seu potencial em
beneficio das exigências e condições econômicas locais. Tópicos específicos no âmbito deste
pilar serão direcionados para questões tais
como: (a) as TICs na economia informal; (b)
as PMEs, o comércio eletrônico e o emprego;
(c) a juventude digital e as indústrias criativas,
e (d) os direitos de IP (Internet Protocol) e os
bens públicos.
(b) Facilitadores eletrônicos
A saúde e a educação são universalmente
reconhecidas como temas que são os alicerces do desenvolvimento de uma nação e da
sua estabilidade sociopolítica e econômica.
Também são um pré-requisito do desenvolvimento individual em toda sociedade moderna.
Em outras palavras, a saúde e a educação são
os dois elementos mais importantes para o
nivelamento do campo de ação e o aumento
da probabilidade de uma distribuição mais
equilibrada de recursos dentro dos países e
entre eles. Trata-se, por conseguinte, de áreas
em que a implementação da tecnologia da
informação e da comunicação tem potencial
para produzir um impacto direto na promoção
de sociedades mais eqüitativas. Como parte
desse eixo temático, o ICA procura fomentar
iniciativas que explorem as formas pelas quais a
implementação, utilização e dotação inovadoras
de TICs na educação (educação eletrônica) e
na saúde (saúde eletrônica) podem contribuir
para reabilitar comunidades vulneráveis e marginalizadas na ALC e desse modo produzir um
efeito positivo na eqüidade regional. No que
respeita aos subtemas, a programação do ICA
tratará dos mencionados a seguir: (a) educação
e habilidades para a economia eletrônica; (b)
educação na base da pirâmide, e (c) saúde eletrônica para os pobres.
ICA . 159
(c) Cidadania eletrônica
O conceito de cidadania eletrônica fundamenta-se nas noções emergentes de que os
modelos tradicionais de governança não são
mais sustentáveis e, portanto, novos enfoques sobre a participação da população, a
governança e a formulação de políticas são
necessários. Enquanto expressões como “cidadania ativa” começam a permear estruturas
políticas tradicionais, novas formas de interação entre governo e população estão surgindo.
Quando transpostas para o domínio das TICs,
as práticas democráticas e a participação da
população podem ser reforçadas pelo uso
dessas ferramentas de apoio e fortalecimento da colaboração entre partes interessadas
relevantes em todo o ciclo de formulação
de políticas, sem as limitações de espaço e
tempo ou outros constrangimentos físicos.
As atividades do ICA visarão a aumentar a
compreensão do valor das TICs para: (a) incrementar a transparência e a responsabilidade
de serviços públicos e instituições políticas da
região; (b) promover maior participação efetiva
da população de baixa renda nos processos de
governança, protegendo simultaneamente os
seus direitos à privacidade e à informação; (c)
expandir as iniciativas de governo eletrônico
em curso a fim de proporcionar a cidadãos e
comunidades marginalizadas amplo acesso a
serviços públicos e a informações.
160 . Desafios Regionais
Parcerias e esforços de colaboração
O desenvolvimento de parcerias é entendido
como um processo que envolve não só a intensificação de atividades de colaboração entre
múltiplos atores, mas também o fortalecimento
do conhecimento e da partilha de experiências,
bem como a articulação de estratégias orientadas para promover o aprendizado conjunto
e os processos informados de formulação de
políticas.
No âmbito da ALC e levando em consideração
que o campo da tecnologia da informação e
da comunicação continua a evoluir dentro de
um contexto de partes interessadas cada vez
mais numerosas, é inconteste que as parcerias
eficientes têm que envolver organizações dos
governos, da esfera privada e dos setores nãogovernamentais, bem como da comunidade
doadora mais ampla dos níveis regional e internacional. O desenvolvimento de parcerias
eficientes permitirá que as prioridades programáticas continuem a responder e evoluir em
sincronia com as tendências e temas identificados pela comunidade internacional associada à
tecnologia da informação e da comunicação.9 Por conseguinte, o ICA procurará consolidar
tanto as parcerias que forem criadas como as
já formadas, a fim de estimular o aprendizado
conjunto, promover a pesquisa inovadora e
Desafios Regionais
e Perspectivas
mobilizar recursos financeiros de múltiplas
partes interessadas para iniciativas em matéria
de tecnologia da informação e da comunicação
na América Latina e no Caribe. A programação
futura procurará promover essa articulação
com uma série de parceiros.
Até esta data, muitos projetos foram implementados em conjunto com diversas organizações doadoras regionais, mobilizando-se desse
modo recursos financeiros e conhecimentos
técnicos e combinando com êxito o apoio
tanto à pesquisa como à implementação na região de iniciativas concretas de tecnologias da
informação e da comunicação. Espera-se que
as sinergias existentes sejam operacionalmente
fortalecidas, que recursos financeiros sejam
acionados e que prossiga o desenvolvimento
de uma abordagem de doadores cooperativa e complementar às iniciativas do ICA na
América Latina e no Caribe. Esse enfoque de
parceria fortalecida também incluirá o apoio à
implementação de planos regionais de tecnologia da informação e da comunicação, como o
e-LAC,10 contribuindo para a abordagem dos
temas que os profissionais da região identificaram como prioritários.
9 Temas-chave identificados em foros internacionais, como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS I, em Genebra, e WSIS
II, em Túnis, 2005), a Cúpula das Américas (Cidade de Québec, em 2001, e Mar del Plata, em novembro de 2005), a Cúpula das Nações
Unidas de Chefes de Governo sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio (novembro de 2005), o Fórum Social Mundial, o Fórum
Econômico Mundial e a Parceria Global de Conhecimento (GKP), entre outros.
10 O e-LAC 2007 (América Latina e Caribe eletrônico 2007) é o plano de ação regional para a sociedade da informação oficialmente aprovado
na Conferência Regional Latino-Americana e Caribenha Preparatória da Conferência Ministerial para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade
da Informação, realizada em 10 de junho de 2005, no Rio de Janeiro, Brasil. Ver em http://www.eclac.cl
ICA . 161
Este livro foi impresso graças às
contribuições da Agência Canadense de
Desenvolvimento Internacional (ACDI)

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