Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais
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Rumo à Quinta Cúpula das Américas: Desafios Regionais Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas CEPAL . 1 Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais Rumo à Quinta Cúpula das Américas: Desafios Regionais ISBN 0-8270-5103-4 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS 17th Street & Constitution Avenue, N.W. Washington, DC 20006 U.S.A. Internet: www.oas.org Email: [email protected] Todos os direitos reservados Secretário Geral José Miguel Insulza Secretário Adjunto Albert R. Ramdin Secretaria de Cúpulas das Américas Diretora Carmen Marina Gutiérrez Direitos e Permissões A reprodução total ou parcial deste documento sem autorização prévia pode estar em violação das leis aplicáveis. A Secretaria de Cúpulas das Américas promove a divulgação de seu trabalho e normalmente outorga as permissões de reprodução. Para solicitar permissão para copiar ou reimprimir qualquer seção deste livro, solicitamos seja enviada uma petição por escrito incluindo seus dados completos a: SECRETARIA DE CÚPULAS DAS AMÉRICAS/OEA 1889 F Street NW Washington, DC 20006 U.S.A. Telefone: 202-458-6433 Fax: 202-458-3665 Projeto gráfico das páginas da tampa e do interior Claudia Saidon. Graphic Ideas Inc. [email protected] Rumo à Quinta Cúpula das Américas Desafios Regionais Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas BID OEA 9 23 OPAS CEPAL 41 33 BM IICA 57 Índices Prefácio Apresentações em Desafios Regionais 7 Por José Miguel Insulza Secretário-Geral Organização dos Estados Americanos (OEA) Organização dos Estados 9 Americanos (OEA) Banco Interamericano de 23 Desenvolvimiento (BID) Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) 33 69 BCIE CAF 83 91 OIM BDC 99 117 OIT ICA 129 Organização Pan-Americana 41 da Saúde (OPAS) Banco Mundial (BM) 57 Instituto Interamericano de Cooperação 69 para a Agricultura (IICA) Corporação Andina de Fomento (CAF) 83 Banco Centro-Americano de 91 Integração Ecnômica (BCIE) Banco de Desenvolvimento 99 do Caribe (BDC) Organização Internacional 117 para as Migraçôes (OIM) Organização Internacional 129 do Trabalho (OIT) Instituto para a Conectividade 147 nas Américas (ICA) 147 Prefácio A publicação, a qual tenho o agrado de apresentar, contém contribuições das doze instituições multilaterais do Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas (GTCC). Cada um dos textos oferece um ponto de vista institucional sobre os desafios e prioridades que enfrenta o Hemisfério e, em conjunto, constituem uma importante contribuição a uma reflexão coletiva que busca apoiar os trabalhos da Quinta Cúpula das Américas que terá lugar em Trinidad e Tobago em 2009. Agradeço o compromisso das instituições participantes deste processo e a qualidade de suas contribuições. Sua atitude é uma expressão fidedigna de solidaridade e colaboração hemisférica e a garantia de que a Quinta Cúpula das Américas concorrerá efetivamente à solução dos principais problemas que afligem a nossa região. José Miguel Insulza Secretário Geral Organização dos Estados Americanos Organização dos Estados Americanos Desafios para a América Latina e o Caribe Um olhar na perspectiva da Quinta Cúpula das Américas Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA A situação da região hoje é positiva. Os processos de geração de autoridades são realizados em um contexto de normalidade democrática e só entre dezembro de 2005 e dezembro de 2006 houve treze eleições presidenciais e doze eleições legislativas, além de dois referendos nacionais e uma eleição de Assembléia Constituinte. No âmbito econômico, a situação também é positiva: a emergência da China e da Índia na economia mundial, juntamente com o bom desempenho econômico dos Estados Unidos e da União Européia, e a já consolidada recuperação da economia japonesa permitiram uma forte demanda de matérias-primas – principal produto de exportação das economias da região – e geraram uma grande liquidez mundial que facilitou o incremento do investimento nos países da região. Em conseqüência, observam-se cifras positivas nos principais indicadores: segundo a CEPAL, o crescimento 10 . Desafios Regionais regional ascendeu a mais de 4% nos últimos três anos e a mais de 5% em 2006; por sua vez, o nível de pobreza diminuiu 4,2%, entre 2002 e 2005, e estima-se que tenha caído outro ponto percentual, entre 2005 e 2006, com uma redução ainda maior da indigência. Também a inflação baixou no biênio 2005-2006, de 6,1% para 4,8%, beneficiando fortemente o crescimento econômico. Assim, vai ficando para trás a imagem de instabilidade política e volatilidade financeira que nos caracterizou durante décadas. Esse cenário positivo traz com ele, entretanto, um grande desafio: como aproveitar essas oportunidades do contexto político e econômico em benefício da população. Trata-se de um desafio que nos coloca diante da necessidade de superar os grandes proble- Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA mas do nosso continente que também são os da humanidade: uma humanidade cujos progressos notáveis nos campos da ciência, da técnica e da cultura não são suficientes para ocultar os seus fracassos também imensos. Três deles são mais pungentes, sobretudo quando se constata a sua presença cotidiana nos países da América Latina e do Caribe: (a) O ser humano não foi capaz de erradicar e sequer diminuir a violência de sua vida. Todos os tipos de armas, nucleares e convencionais, curtas e longas, legais e ilegais, acumulam-se em nossas sociedades para a guerra e para o delito, aumentando a sensação de insegurança dos habitantes de nossos países. (b) Ele tampouco foi capaz de eliminar a pobreza extrema em que ainda se debate uma parcela importante da população mundial. Mais de um terço dessa população vive na pobreza, muitos sem receber alimentação suficiente, Desafios para a América Latina e o Caribe sem água potável, sem esgoto sanitário, sem eletricidade e sem acesso à saúde e à educação. A população dos países mais pobres tende a crescer a um ritmo muito mais acelerado do que o do mundo desenvolvido, sem que suas economias cresçam na mesma velocidade. Nosso crescimento não reduziu a lacuna entre ricos e pobres; ao contrário, ela se alarga tanto entre indivíduos como entre países. (c) Finalmente, o ser humano não foi capaz de deter a deterioração do meio ambiente. Aquecimento global, poluição do ar, da água e do solo, deterioração da infra-estrutura, falta de esgoto sanitário e de água potável nas cidades do mundo em desenvolvimento, freqüentes epidemias e numerosas catástrofes ditas naturais, porém provocadas pela mão do homem, vão destruindo em ritmo cada vez mais acelerado o hábitat do ser humano. Simultaneamente e na medida em que a vida moderna exige um OEA . 11 consumo cada vez maior de combustíveis e de outros bens poluidores, os fatores de poluição acumulam-se sem que se assumam sequer os custos de restaurar o que foi destruído. Esses grandes fracassos da humanidade, que são também seus grandes problemas, dão lugar em nosso meio a desafios cuja superação pode significar para nós o fim ou pelo menos a atenuação de alguns deles. Quatro problemas se destacam como os mais importantes: o desafio do crescimento, o desafio da desigualdade, o desafio da delinqüência e o desafio da governabilidade. O desafio do crescimento O primeiro desses desafios é o do crescimento. Quando uma região experimenta um ciclo significativo de crescimento como agora fazem a América Latina e o Caribe, depois de haver vivido longos períodos de estancamento, a pergunta que deve ser respondida não diz respeito ao volume que o crescimento pode alcançar mas antes, à possibilidade de impedir sua reversão. Em nosso caso, a pergunta é perfeitamente válida porque pende sobre o nosso crescimento a dúvida acerca da possibilidade de o desaparecimento ou a atenuação das circunstâncias externas que o estimulam a provocar 12 . Desafios Regionais novas crises, como ocorreu no passado. Sabemos geralmente o que fazer para avançar no sentido da superação desses problemas: devemos procurar ser mais competitivos, promover a inovação tecnológica, ingressar em mais mercados, eliminar as barreiras à criação de empresas, oferecer maiores incentivos a pequenos e médios empresários, promover maior investimento estrangeiro, propiciar mais poupança interna e criar condições internas que facilitem a inserção nos mercados internacionais. Não basta, entretanto, essa prescrição geral. Deve-se ir mais longe e aproveitar a atual situação de bonança para realizar reformas que permitam o fortalecimento das economias diante de crises financeiras externas ou de endividamento excessivo. Isso significa implantar políticas contracíclicas que permitam um nível de gasto sustentável em tempos de bem-estar e a manutenção do nível do gasto social diante de circunstâncias de crise. Existem diversos instrumentos de política que podem ser adaptados às necessidades e particularidades de cada país, mas verdadeiramente importante é que se estabeleçam mecanismos de poupança fiscal para serem usados em casos de crise financeira, permitindo a defesa do nível do gasto social. Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA Outro elemento essencial a ser revisado nesse novo cenário é a política tributária e de arrecadação fiscal, a fim de otimizá-la e desse modo financiar um maior nível de gasto social. Conforme assinalou a CEPAL, embora seja certo que nesse âmbito foram empreendidas numerosas e profundas mudanças na região, persistem problemas no equilíbrio da carga tributária entre os distintos estratos socioeconômicos e uma fraca arrecadação fiscal que impede o financiamento de uma agenda social agressiva de combate à pobreza.1 Para superar esse desafio há pelo menos duas grandes áreas de ação. A primeira é a do fortalecimento institucional dos serviços públicos de administração tributária. Esses serviços deveriam ser profissionalizados no mais alto nível, tanto no que respeita aos seus recursos humanos e Desafios para a América Latina e o Caribe equipamento tecnológico, como às suas atribuições de fiscalização. Em segundo lugar, é necessária uma agenda concertada de reformas à política tributária que permita solucionar os problemas atuais de iniqüidade e evasão e de isenção para determinados grupos de interesse. Para esse efeito, caberia avaliar o impacto de cada um dos instrumentos da política tributária aplicáveis em nossos países, bem como estudar novas formas de tributação para serem aplicadas. O impacto positivo de um sistema tributário moderno e estável, com forte capacidade fiscalizadora, deverá redundar em maior credibilidade do sistema e, por conseguinte, maior arrecadação de recursos fiscais. Um aspecto especial e que exige um tratamento também especial no contexto do enfrentamen- 1 CEPAL: Tributación en América Latina. En busca de una nueva agenda de reformas. OEA . 13 to do desafio do crescimento é determinado pelo fato de que uma das principias conseqüências do maior dinamismo econômico é o incremento da demanda energética que é geralmente maior do que o aumento do produto interno dos países. Essa situação produz tensões nos países importadores de energia que devem redobrar seus esforços estratégicos e financeiros no sentido da provisão e diversificação de suas fontes; por sua vez, os países exportadores de energia são beneficiados pela maior demanda energética que é acompanhada de um incremento nos preços. Os governos da região têm consciência desse desequilíbrio entre oferta e procura de energia e há décadas vêm estabelecendo acordos de integração energética sob distintos esquemas.2 Em algumas ocasiões estimulou-se o investimento privado para a exploração de fontes de energia e, em outras, fomentaram-se acordos de integração com base em empresas estatais nacionais. O que cabe destacar é que o espírito desses acordos sempre foi o de resolver a equação oferta-procura de energia na região. parte desses projetos apresenta fortes impactos ambientais. Se a isso se acrescentarem os efeitos negativos dos gases-estufa que estariam elevando a temperatura média do planeta teremos restrições adicionais na exploração de fontes energéticas baseadas em combustíveis fósseis (hidrocarbonetos). Esse cenário não só impõe maiores custos para a provisão energética, como obriga a utilização de tecnologias sofisticadas que minimizem os impactos ambientais negativos. Por tais razões, a agenda energética da região deve considerar pelo menos estes aspectos: (a) a promoção do uso racional e eficiente das fontes energéticas convencionais (hidrocarbonetos e hidroelétricas); (b) os incentivos ao uso de fontes energéticas alternativas e renováveis cujos impactos ambientais sejam mínimos (biocombustíveis, geotermia, energia eólica, solar e das marés); (c) o aproveitamento dos mecanismos de transação de emissões, como o Protocolo de Kyoto, para atrair investimento e tecnologia de ponta que permita a produção industrial “limpa” nos países da região. Além disso, a necessidade de diversificar a exploração de múltiplas fontes de energia gera tensão na variável ambiental, pois boa O acima exposto implica redobrar os esforços de integração política e física, tendo presente que a região possui recursos naturais suficien- 2 CEPAL: Cooperación e Integración energética en América Latina y el Caribe 14 . Desafios Regionais Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA tes para satisfazer as demandas energéticas de seus países. O desafio da desigualdade Embora nossa região não seja a mais pobre do planeta, é indiscutivelmente a mais desigual. Os 20% mais pobres do continente levam para casa menos da 10% da renda, em circunstâncias nas quais os 20% mais ricos se apropriam de mais de 50% da renda. A pesquisa Latinobarometro 2006 revela que 61% das pessoas que na região possuem só instrução primária ou menos têm pais com o mesmo nível de educação e que apenas 9% das pessoas cujos pais tinham esse nível de instrução tiveram acesso à educação superior. Por outro lado, na nossa região a pobreza e a desigualdade estão associadas à discriminação. Desafios para a América Latina e o Caribe A grande maioria dos indígenas é pobre, como também o é grande parte dos afro-americanos. Um número importante de famílias pobres da região é encabeçado por mulheres. A pobreza tem cor e gênero na América Latina e no Caribe. Isso torna o problema ainda mais doloroso e negativo, e a necessidade de solucioná-lo, mais urgente. Trata-se de uma situação cuja insustentabilidade é cada vez maior. A frustração causada pelo contraste entre a desigualdade e a exclusão, de um lado, e o crescimento econômico alcançado e a melhoria da qualidade de vida prometida porém não materializada, do outro, assenta as bases da possibilidade de conflitos e turbulências na região. A presente desigualdade não só é moralmente inadmissível, como, caso persista, se converterá em uma séria ameaça às nossas possibilidades de desenvolvimento OEA . 15 futuro, devido aos déficits de educação, poupança e capacidade de empreendimento que, entre outros problemas, traz consigo. O desafio da delinqüência Um problema emergente, que representa um desafio cada vez maior para a América Latina e o Caribe, é o do crescimento sem precedentes da criminalidade. É certo que diminuiu a violência política que não muitos anos atrás flagelava nossa população; mas também é certo que essa violência foi substituída pelo crime: por quadrilhas, tráfico de drogas, crescimento da criminalidade urbana, lavagem de dinheiro e muitas outras formas por ele hoje assumidas. Em muitos países da nossa região, as mortes anuais por homicídio não são contadas por centenas ou milhares, mas por dezenas de milhares.3 Basta dizer que a Organização Mundial da Saúde considera como epidemia toda causa de morte que provoque mais de 10 óbitos por 100.000 habitantes. A média de homicídios no mundo é de 5 por 100.000 habitantes, enquanto nos Estados Unidos é de 5,5 e na Europa se situa entre 1 e 2; na América Latina, em um la- mentável contraste, em 2000, foi de 27,5 homicídios por 100.000 habitantes, de longe a mais alta do mundo e uma verdadeira “epidemia” que é necessário enfrentar de maneira radical. Entre os problemas associados à criminalidade, um dos mais graves é o tráfico de pessoas. O número de crianças, mulheres e trabalhadores escravos traficados em nossa região, dentro dos países ou através das fronteiras, é vergonhosamente alto. E assim é porque um contingente igualmente grande da população – entre 15% e 20% – carece de identidade. Essas pessoas não possuem registro de nascimento e tampouco qualquer documento que as identifique, sendo por isso presas fáceis e permanentes de todo tipo de delitos perpetrados por quadrilhas organizadas expressamente para esse fim. Trata-se de uma chaga social que não só degrada e maltrata física e moralmente as pessoas, mas traz consigo um alto custo econômico, político e institucional. O Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o custo da delinqüência, incluindo o valor da propriedade roubada, se eleva a aproximadamente 16,8 bilhões de dólares, equivalentes a 15% do PIB da América Latina. Essa estimativa inclui o 3 Na década de 1990, mais de 70% da população urbana da América Latina foi vítima de algum tipo de delito. Segundo as Nações Unidas e o Banco Mundial, a taxa de homicídios na região está entre as mais altas do mundo, com a Colômbia, o Brasil e a Jamaica à frente da lista. A violência é uma das cinco principais causas de morte na região, sendo a primeira no Brasil, Colômbia, Venezuela, El Salvador e México, e, embora a América Latina represente apenas 8% da população mundial, respondeu por 75% de todos os seqüestros praticados no mundo em 2003. 16 . Desafios Regionais Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA impacto da delinqüência não só na segurança das pessoas e propriedades, mas também sobre a produtividade, os investimentos, o emprego e o consumo. De igual modo, desafia e pode até mesmo destruir instituições. Já existem zonas de cidades e regiões dentro de países do nosso continente em que a institucionalidade do Estado está sendo substituída pelo poder de fato dos grupos delituosos. Não se devem poupar adjetivos ou recursos ante este desafio: o delito é entre nós uma verdadeira “epidemia” social que ameaça destruir nossos cidadãos e nossos Estados. O desafio da governabilidade O crescimento, a geração de emprego, a segurança para o investimento de capitais, os problemas de pobreza, discriminação e delinqüência são, na sua totalidade, questões Desafios para a América Latina e o Caribe que podem ser solucionadas com a aprovação e aplicação democrática de políticas públicas eficazes e eficientes que deveriam considerar a opinião, a participação e os direitos de todos. Entretanto, para estar à altura desse empreendimento, os governos da América Latina devem ainda desenvolver algumas capacidades que se constituem em requisitos e condições da governabilidade. O primeiro desses requisitos é a consciência de que a ampliação da democracia e suas instituições são precisamente a primeira obrigação de um governo democrático. Para isso, a participação e o consenso são um requisito imprescindível. Em contrapartida, a exclusão e às vezes a repressão do adversário são um caminho seguro para o enfraquecimento das instituições democráticas. Este é um aspecto a que se deve dispensar a maior atenção e diante OEA . 17 do qual é preciso agir criticamente, recordando sempre que o primeiro dever de um governo democraticamente eleito é o exercício do poder da mesma maneira democrática, ampliando a liberdade mediante a inclusão, a transparência e a participação. A força crescente das democracias na região permite incluir na agenda pública reformas no sentido de aperfeiçoar o sistema de participação da cidadania na gestão democrática, bem como o fortalecimento das instituições políticas e dos sistemas representativos. Nesse sentido, a incorporação de iniciativas orientadas para melhorar o acesso à informação pública e o estabelecimento de consultas com a população em temas sensíveis, especialmente nos âmbitos de governos locais, são ferramentas-chave para fortalecer um comportamento ativo e equilibrado entre deveres e direitos, por parte dos cidadãos. Os sistemas representativos, por outro lado, devem ser aperfeiçoados de maneira que garantam o pluralismo, a diversidade e a independência a toda a população. As instituições do Estado devem, finalmente, introduzir grandes melhorias em suas políticas e práticas nas áreas de controle dos conflitos de interesse e de prevenção da corrupção e dos desvios praticados por grupos de interesse. Além disso, devem-se estabelecer práticas de prestação de contas à população. 18 . Desafios Regionais Um segundo requisito da governabilidade é que os governos sejam capazes de realmente governar. Dito de outra forma, para ser eficaz no cumprimento do seu dever, um governo democraticamente eleito deve ter o poder e as condições de dirigir de maneira efetiva seu país. Isso guarda relação com o Estado de direito e com a existência de instituições públicas permanentes que sejam realmente respeitadas. Muitos países da América Latina e do Caribe não estão em condições de exibir leis de base ou instituições formalmente capazes de levar avante políticas públicas. Muitas vezes essas instituições são ineficientes, “politizadas” demais ou simplesmente não são respeitadas. Por outro lado, os sistemas mediante os quais as autoridades são eleitas costumam não considerar a necessidade de maiorias estáveis e, ao contrário, criam condições instáveis que se mantêm somente enquanto os governos são bem-sucedidos. A fraqueza dos partidos políticos e de outras organizações intermediárias tende a acentuar o problema e torna impossível a formação de coalizões políticas estáveis. Essa situação converte a luta pelo poder no único elemento constante, deixando pouco espaço para o compromisso e a tomada de decisões de longo prazo. Por José Miguel Insulza Secretário-Geral, OEA Por isso uma condição da governabilidade em nossa região é a geração de sistemas políticos que permitam uma participação ampla e facilitem a formação de coalizões sólidas e governos majoritários. Essa exigência, por sua vez, demanda dos partidos políticos maior representatividade popular e a capacidade de participar na formação dessas maiorias. Um terceiro requisito da governabilidade é que, para serem eficazes na sua missão, os governos disponham dos instrumentos necessários. Isso tampouco ocorre satisfatoriamente com boa parte dos governos da região, que viram diminuir significativamente os meios institucionais ou materiais de que antes dispunham para enfrentar boa parte dos problemas que lhes cabia solucionar como parte do seu mandato essencial. O fenômeno se explica pela redução, exagerada em muito casos, do tamanho Desafios para a América Latina e o Caribe do Estado. A década de 1990 trouxe para muitos países do mundo em desenvolvimento reformas que significaram o desaparecimento dos gigantescos aparatos estatais. Foi, sem dúvida, uma mudança positiva, dado que a maioria dessas estruturas do Estado se encarregava de atividades produtivas caras, ineficientes ou que seriam administradas muito melhor pelo setor privado. Sobre essa mesma premissa, entretanto, em muitos casos se desmantelaram e depauperaram serviços, contribuindo-se assim para aumentar o número de pobres e indigentes e reduzir a qualidade da assistência que o Estado deve prestar aos seus cidadãos e que eles esperam e exigem. Hoje está claro que muitos dos problemas que nos afetam, especialmente a redução da OEA . 19 desigualdade, a provisão de melhores serviços de educação, saúde, água potável e oportunidades de emprego, dependem da formulação de políticas públicas destinadas a ampliar e fortalecer a coesão social. Finalmente, o quarto requisito da governabilidade está diretamente relacionado com a eficiência. A política e o governo são atividades humanas e, como tais, requerem o apoio cada vez maior de conhecimentos e técnicas. Isso significa que é necessário preparar cada vez mais os políticos, na América Latina e no Caribe, nas habilidades que a gestão pública requer. 20 . Desafios Regionais Trata-se dos conhecimentos teóricos e técnicos necessários para levar avante eficientemente a administração estatal. Administrar o Estado significa governar sobre uma pluralidade complexa que exige que, antes da tomada de uma decisão e no momento de executá-la, sejam considerados todos os aspectos dessa diversidade, com equanimidade e justiça. Deve-se ser eficiente em relação a critérios e modalidades que, além de conhecimentos exclusivamente técnicos, exigem a consideração e aplicação de princípios que pertençam aos domínios da ética, da solidariedade e da busca do bem comum. Estas são habilidades específicas que devem ser ensinadas e adquiridas pelos que são chamados a conduzir governos. OEA . 21 Banco Interamericano de Desenvolvimiento Rumo à Quinta Cúpula das Américas: Uma Perspectiva dos Desafios Regionais Por Luis Alberto Moreno Presidente, BID Inicialmente, agradeço à Organização dos Estados Americanos e ao Secretário-Geral José Miguel Insulza o convite formulado para apresentar esta contribuição. A região da América Latina e do Caribe está operando em um ambiente internacional favorável registrou, em 2006, o seu quarto ano consecutivo de aumento do crescimento per capita. Políticas internas que conseguiram manter a disciplina macroeconômica em eleições muito disputadas desempenharam importante papel nesse resultado, tanto quanto as animadoras cotações de produtos de base e os termos favoráveis dos empréstimos internacionais. Ao mesmo tempo, enquanto a pobreza diminuía, o desemprego manteve-se alto e a qualidade do trabalho, baixa, já que muitos países da região continuaram a perder terreno nas classificações internacionais de competitividade. 24 . Desafios Regionais Portanto, os riscos e desafios que a região enfrenta em termos de crescimento e agenda social ainda são imensos. Examinamos a seguir aspectos essenciais do clima dos negócios, outros fatores que respaldam o crescimento e a necessidade tornar a política social mais eficiente e inclusiva. Uma declaração sobre o caminho a trilhar e sobre o papel e o programa do BID encerra esta exposição. Os desafios do crescimento Crescimento é o resultado de muitos fatores. O clima dos negócios, a capacidade de inovar e reinventar, as regras e instituições destacam-se entre os principais. O desempenho da região em cada uma dessas dimensões é uma mescla de avanços e de necessidades continuamente insatisfeitas. Por Luis Alberto Moreno Presidente, BID Em certos países, aspectos do clima dos negócios passaram recentemente a melhorar. Em alguns deles, o número de dias necessários para formar uma empresa e o custo do seu registro foram reduzidos. A nova lei de falências do Brasil reduz à metade o tempo requerido para o trâmite do correspondente processo. Em matéria de inovação, numerosos exemplos atestam a capacidade das firmas e dos centros de pesquisa da região de gerar idéias e lançar novos produtos no mercado. E, no tocante a regras e instituições, são conhecidos os avanços da América Latina em áreas que vão desde a gestão econômica e fiscal até a regulamentação e a oferta de serviços de utilidade pública. Nesse contexto, reina em toda a região um otimismo alimentado por tendências econômicas melhores do que as de uma geração atrás: a inflação está em baixa, a produção e as Uma Perspectiva dos Desafios Regionais exportações aumentam e o crescimento econômico, de 5,3%, é paritário coma expansão da economia mundial como um todo em 2006. As perspectivas para 2007 são boas, e certos países, como é o caso da Argentina, esperam uma taxa de crescimento superior a 7%. Ao mesmo tempo, os negócios na América Latina continuam a ser tolhidos por baixos níveis de acesso ao capital, deficiências de infra-estrutura, leis trabalhistas rígidas e complicados trâmites de registro e dissolução. O desempenho da região em investimentos em educação e conhecimento é baixo, e tanto os mercados de capitais como a infra-estrutura tecnológica e financeira básica não estão suficientemente adaptados ao financiamento e à disseminação da inovação. Embora as eleições que instalaram novos governos em 12 países tenham ajudado a consolidar a democracia, BID . 25 pesquisas de opinião pública revelam que é baixa a confiança nas instituições do Estado. O crime e a violência acrescem ao custo da atividade empresarial, como também o fazem as iniqüidades na administração de justiça, área que demanda modernização adicional e acessibilidade para todos. O crescimento, com sua tradição de volatilidade, deve tornar-se mais duradouro e sustentado e seus frutos devem ser estendidos aos menos favorecidos e aos pobres. Como declarei aos Governadores do Banco por ocasião da nossa reunião anual, este ano realizada na Guatemala, este é o supremo desafio para os nossos países nos anos vindouros. Cada lar na região deve compartilhar os benefícios do crescimento, não só em razão da necessidade de aumentar a equidade, a participação e a renda dos pobres, como também porque oportunidades melhores e mais igualitárias para todos são, por si sós, uma força de crescimento. Os desafios do desenvolvimento social Políticas sociais de formação de capital humano, capacitação para o mercado de trabalho, habitação e infra-estrutura básica, programas de redução da pobreza, pensões e redes de segurança têm uma longa tradição na região 26 . Desafios Regionais e estão passando por mudanças de largo alcance. A despesa social tem aumentado sua participação na despesa pública e no PIB ao longo dos últimos 20 anos, os indicadores sociais melhoraram sua média, os níveis de pobreza começaram recentemente a mostrar queda mensurável e certos tipos de intervenções, como programas de transferência condicional de caixa, tornaram-se amplamente conhecidos pela solidez dos resultados que produzem. Ao mesmo tempo, permanece inconclusa na política social a imensa tarefa estender a cobertura da população, melhorar a qualidade do desenho e da implementação, acelerar a progressividade do gasto social e assegurar a adequação de recursos. Também há necessidade de maior eficiência. A meu ver, isto torna necessário, entre outros aspectos, recorrer ao setor privado e a novos modelos de provedores. Ademais, em políticas e programas dedicados ao alívio da pobreza, é preciso desenvolver respostas que levem em conta a natureza multidimensional e dinâmica da pobreza, assim como o conceito de risco, para que aqueles que saem da pobreza a ela não retornem e para Por Luis Alberto Moreno Presidente, BID prevenir que os não-pobres de baixa renda se tornem pobres. A agenda do crescimento e as políticas sociais estão interligadas e assim devem ser concebidas, de modo a reforçar-se mutuamente. Isto demanda complementaridade e consistência entre políticas econômicas e sociais, o que por sua vez implica, a meu ver, a necessidade de que instituições relativamente fracas sejam elevadas a níveis comparáveis com as que vieram associar-se às instituições do Estado na esfera econômica e financeira.. Mas, para melhorar as instituições responsáveis pela política social, há necessidade de recursos e, portanto, de contratos sociais e pactos fiscais que visem ao aumento da receita de acordo com o princípio “quem ganha mais paga mais”. A questão da receita é crítica para a agenda Uma Perspectiva dos Desafios Regionais da política social em países em que nos quais romper o círculo vicioso da inadequação de recursos que resulta em fraqueza institucional, programação e despesa ineficientes, baixa qualidade de serviços e de sua prestação, insatisfação dos cidadãos e pouca solidariedade. O caminho a trilhar e o papel e o programa do BID Ao contemplarmos a Quinta Cúpula das Américas e, por certo, os próximos dez anos, vejo uma região que aproveita a expansão econômica atual para aplicar as reformas e os ajustamentos que são necessários para fomentar ainda mais o crescimento, dar-lhe sustentabilidade e torná-lo inclusivo e compensador para os pobres. Minha visão é, também, a de uma região que age em relação à importância estratégica da agenda social.. BID . 27 Quanto ao crescimento, necessitamos de reformas microeconômicas e institucionais, avanços na educação, melhorias no clima dos negócios, economias mais competitivas, infraestrutura mais sólida e gradual “inclusão”, na economia formal, dos segmentos da sociedade atualmente excluídos. Também é preciso desenvolver novas fontes de crescimento e valor agregado – os biocombustíveis são um caso em foco – e gerenciar judiciosamente os riscos internos e externos para as economias. O objetivo é adquirir maleabilidade e, assim, melhorar o alcance do crescimento sustentado. Na área social, necessitamos atacar as fontes de desigualdade e fragmentação nos mercados de trabalho e dar acesso a oportunidades de desenvolvimento e infra-estrutura básica e à participação em processos políticos. Programas direcionados para o alívio da pobreza devem observar uma abordagem dinâmica e de gênero para promover a inclusão, a mobilidade progressiva e a capacidade doméstica de absorção de choques. Reformas no sistema de saúde devem oferecer mais acesso a cuidados de qualidade, respeitando-se a boa gestão e padrões de financiamento. E é preciso que as reformas de seguridade social e de pensões produzam resultados que a sociedade perceba como eficientes e justos, dadas as limitações 28 . Desafios Regionais financeiras. O objetivo supremo é o avanço da coesão social. O compromisso do BID com estas tarefas é integral. O crescimento e a agenda social refletem-se no nosso diálogo com os países membros, na nossa carteira de empréstimos e na assistência técnica (quase metade da qual é “social”) e nas pesquisas a que nos dedicamos. O crescimento e a agenda social refletem-se no acordo sobre o alívio da dívida para os países mais pobres, formalizado no começo do ano, no progresso da implementação do nosso mandato ampliado para o setor privado, nas atividades de promoção da inclusão de populações étnicas, no refinamento de capacidades em matéria de infra-estrutura, educação, saúde e proteção social, no nosso trabalho de modernização do Estado e da gestão do setor público e nos nossos esforços de microfinanciamento e apoio a pequenas e médias empresas. Os desafios do crescimento e da agenda social refletem-se nos instrumentos e iniciativas essenciais que criamos em passado recente e que começam a produzir resultados. Nosso serviço em moeda local, um fundo para a preparação de projetos de infra-estrutura, um fundo para a prevenção de desastres que ajuda a promover a gestão de risco, e um novo Por Luis Alberto Moreno Presidente, BID fundo de investimento social para elaboração e desenho de projetos são alguns dos recursos de apoio a operações que merecem ser mencionados. Por sua vez, novos instrumentos programáticos, como a Iniciativa de Energia Sustentável e Mudança Climática, a Iniciativa dos Biocombustíveis,, a Iniciativa de Água e Saneamento e a nossa ação de Oportunidades para a Maioria estão abordando necessidades econômicas, sociais e de sustentabilidade, ao mesmo tempo que expandem o âmbito das intervenções e dos parceiros com quem trabalhamos. Novos clientes, particularmente governos subnacionais e atores privados, são pontos chave para a expansão das nossas atividades e a concretização da visão de crescimento inclusivo. Essa visão pressupõe um elemento adicional, ou seja, a luta contra a corrupção. No BID, praticamos uma política de tolerância com a corrupção. Uma Perspectiva dos Desafios Regionais Os desafios de crescimento e a agenda social são o esteio do atual realinhamento do BID. O propósito é adaptar o modelo dos negócios para aumentar a capacidade de resposta e a relevância e aproximar ainda mais o Banco de seus países membros. Sabemos que não existe fórmula mágica ou solução simples, que cada país segue o seu próprio caminho e que a categoria de “renda média”, em que se insere grande parte da América Latina e do Caribe, oculta numerosas e distintas realidades e necessidades. Estamos refinando a nossa especialização analítica setorial e por país, com vistas a aprofundar conhecimentos e criar veículos para a abordagem dos desafios de desenvolvimento dos países de renda média. Simultaneamente, estamos trabalhando lado a lado com todos os nossos países membros em matéria de flexibilidade para operar eficientemente numa região altamente diversa, em que pretendemos BID . 29 ajudar a moldar soluções individuais exeqüíveis para todos. Esperamos que essa empreitada seja apoiada por um renovado relacionamento com os nossos membros extra-regionais, bem como a possibilidade de sermos potencialmente capazes de dar as boas-vindas a novos membros na família do Banco. 30 . Desafios Regionais Recebemos com honra e humildade as tarefas que nos foram confiadas em cooperação os países membros, ao longo das linhas acima especificadas. BID . 31 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe Reflexões sobre os desafios econômicos e sociais que a América Latina e o Caribe enfrentam Por José Luis Machinea Executive Secretary, CEPAL Graças à fase de crescimento que a América Latina e o Caribe estão vivendo, o PIB per capita da região cresceu a uma taxa média anual de aproximadamente 3%, no período 2003-2006, após haver registrado uma taxa média de apenas 0,1% entre 1980 e 2002. Tendências positivas na atividade econômica contribuíram para a queda da taxa de desemprego e a melhoria da qualidade do emprego, que, juntamente com melhor e maior gasto público, produziram um impacto favorável nos coeficientes de pobreza. De modo relevante, a pobreza extrema diminuiu mais de 20% entre 2002 e 2006. Os níveis de pobreza absoluta e indigência continuam, entretanto, muito altos, em 38,5% e 14,7%, respectivamente. A principal prioridade para a região é manter e, em alguns casos, acelerar a taxa de crescimento econômico, colocando seus frutos à disposição da população inteira. Embora talvez não exista um caminho único para o crescimento sustentável e o desenvolvimento eqüitativo, e correndo o risco de simplificar e ser necessariamente seletivo, é possível dizer que os esforços nessa direção estão associados basicamente com os desafios de mudar padrões de produção, a coesão social, a inserção internacional e a boa governança. 34 . Desafios Regionais Crescimento e mudança de padrões de produção Nos últimos 25 anos, o crescimento da região foi extremamente baixo e volátil, não obstante o recente ciclo de expansão. O primeiro desafio é, pois, alcançar e sustentar altas taxas de crescimento. O segundo desafio do crescimento – dado que a região continua a perder terreno para o resto do mundo em desenvolvimento apesar das boas condições externas que atualmente está vivendo – é não se atrasar ainda mais no esquema global. Esse desafio estabelece um limiar de crescimento bastante alto para a região. Durante muito tempo, o crescimento na América Latina e no Caribe não foi apenas baixo; foi também sumamente volátil. Pelo fato de gerar incerteza em relação ao nível de atividade econômica, essa enorme volatilidade prejudica o investimento e a produtividade e, por conseguinte, o crescimento. Para reduzir a volatilidade, os países precisam melhorar suas políticas macroeconômicas para que possam tomar medidas contracíclicas. A interdependência do crescimento global e da estrutura de produção apresenta traços muito particulares na América Latina e no Caribe, dada a natureza cada vez mais hetero- Por José Luis Machinea Secretário Executivo, CEPAL gênea dessa estrutura, com grandes falhas de coordenação entre agentes e um acesso muito diferenciado à informação e a fatores de produção. Esse fato gera uma dinâmica estrutural que evolui em diferentes ritmos, dependendo do tamanho e do controle das empresas. Na ausência de uma verdadeira igualdade de oportunidades, políticas públicas ativas se fazem necessárias para nivelar o campo de ação mediante uma estrutura diferenciada de mecanismos e incentivos de apoio. Desafios econômicos e sociais que a América Latina e o Caribe enfrentam baseados em recursos naturais. Os preços internacionais desses produtos elevaram-se consideravelmente, sobretudo no caso de minerais metálicos e hidrocarbonetos, em virtude da pressão de demanda exercida pelos processos de industrialização da China e Índia. Essas mudanças na estrutura da produção são urgentemente necessárias a fim de acelerar, estabilizar e consolidar o crescimento no longo prazo. São, por outro lado, essenciais para a abordagem da delicada situação social na reConfrontada por esses desafios, a região precisa gião, especialmente no que respeita a emprego, assentar os alicerces de um padrão de desenvol- pobreza e iniqüidade. vimento da produção que possa, embora refletindo essa heterogeneidade estrutural, agregar Coesão social valor e conhecimento aos bens que cada país produz. Convém lembrar que o maior propul- Os altos níveis de pobreza e iniqüidade prevasor da atual fase de crescimento, que tem sido lecentes nos países da região são, sem dúvida, especialmente favorável à América do Sul, são a um fator de exclusão social e um obstáculo à produção e a exportação de produtos primários construção e consolidação da coesão social, enCEPAL . 35 tendida como um “sentido de pertencimento” a uma empresa nacional comum e inclusiva. É, pois, fundamental reduzir a pobreza e diminuir as lacunas entre os diferentes setores da população mediante, por exemplo, o aumento das possibilidades de progresso social pela via do acesso a diferentes tipos de capitais, entre os quais a educação reveste especial importância. Certos mecanismos de proteção social que podem ser introduzidos a fim de diminuir a incerteza associada à velhice, às doenças e à pobreza também têm potencial para aumentar a coesão social. Além dessas lacunas em matéria de objetivos, a percepção que a população tem da atuação das principais instituições da democracia também é um fator presente no desenvolvimento de maior coesão social. O Judiciário, o Legislativo e os partidos políticos geram baixa confiança na população devido à falta de transparência e à suspeita de corrupção associadas ao seu funcionamento. Uma série de estudos documentou a imperiosa evidência desse fato. No que respeita a essas lacunas, as políticas sociais são um instrumento decisivo para reduzir os altos níveis de exclusão constatados na região. O principal objetivo deve ser o rompimento do círculo vicioso de baixo crescimento, pobreza, 36 . Desafios Regionais iniqüidade distributiva e exclusão social. A política social poderia orientar-se, portanto, para a construção de uma forma mais íntegra de civismo econômico e social. Na prática, o objetivo geral deve ser adaptado aos aspectos particulares e ao nível de desenvolvimento de cada país e refletir as necessidades de maior solidariedade de cada sociedade, em vez da inércia orçamentária ou da pressão direta de grupos de interesse. Em termos gerais, a solidariedade é orquestrada de múltiplas maneiras, de modo especial mediante programas de gasto público e subsídios à seguridade social e a sistemas tributários. Em comparação com os padrões internacionais, a grande maioria dos países da região tem uma carga tributária bastante baixa em relação aos respectivos PIBs per capita. Em conseqüência, poderão faltar aos países recursos suficientes para combater a reprodução entre gerações da pobreza e da iniqüidade. Além da necessidade de estreitar suas lacunas econômicas e sociais, a região precisa investir no fortalecimento de suas instituições democráticas. Sem uma liderança política confiável e um sistema de justiça digno de crédito, é quase impossível conceber a coesão social e, menos ainda, um dos seus ingredientes cruciais: a Por José Luis Machinea Secretário Executivo, CEPAL solidariedade. Acima e além de qualquer reforma política requerida em cada caso, esforços ingentes serão necessários a fim de aumentar a transparência e a responsabilidade de modo a assegurar que o uso dos recursos esteja aberto ao escrutínio, que as ações empreendidas sejam efetivas e que as oportunidades de corrupção se estreitem cada vez mais. Instituições sólidas, eficientes e transparentes conformam a base da coesão social. Inserção internacional Em um mundo cada vez mais interdependente, a necessidade de forjar uma inserção internacional mais forte é um elemento decisivo da arquitetura de uma estratégia de desenvolvimento para os países da região. Idealmente, a natureza dessa situação deveria ser discutida no nível multilateral, em que os países em Desafios econômicos e sociais que a América Latina e o Caribe enfrentam desenvolvimento gozam de maior poder de negociação. Entretanto, as negociações multilaterais continuam a ser tolhidas por sérias dificuldades em relação a questões tais como migração, financiamento e comércio, entre muitas outras. Dada a falta de progresso nas negociações multilaterais, os países estão procurando cada vez mais celebrar acordos bilaterais, para não só assegurar o acesso a determinados mercados, como evitar perdê-los em virtude da série de preferências decorrentes de acordos bilaterais com outros países. Enquanto esse curso de ação é compreensível do ponto de vista dos interesses particulares dos países individualmente considerados, a menos que algumas das medidas acima citadas sejam adotadas, essa atitude pode enfraquecer de tal maneira os processos sub-regionais e regionais a ponto de torná-los irrelevantes. CEPAL . 37 Diante dessa realidade, o que pode ser feito? Uma alternativa plausível é a opção do regionalismo aberto por parte dos países, isto é, o fortalecimento de acordos sub-regionais e o seu uso como base para a negociação de dispositivos de integração com o resto do mundo. Conforme antes se observou, esse tipo de integração deverá ser promovido de preferência mediante negociações multilaterais. Alternativa ou complementarmente, blocos sub-regionais poderiam encetar negociações com blocos ou países desenvolvidos. Para que isso seja possível, entretanto, a região deve deixar para trás a retórica e empreender uma ação concreta no sentido de aprofundar os vários esquemas sub-regionais de integração. Será necessário, por exemplo, promover a convergência entre os acordos comerciais existentes mediante a aceleração da redução das tarifas e a criação de áreas de livre comércio dentro de um prazo razoável, bem como a evolução no sentido da unificação de regras de origem e a construção da credibilidade da integração pela via do fortalecimento da sua institucionalidade e de seus mecanismos de solução de controvérsias. Ao mesmo tempo, deverão ser dados passos firmes em matéria de facilitação do comércio no sentido de assegurar que a assistência técnica necessária para pôr 38 . Desafios Regionais em prática esses acordos esteja disponível, considerar sua relação com tratamento especial e diferenciado, definir a natureza vinculatória dos compromissos ligados a financiamento seguro e suficiente e fortalecer o papel de cooperação em infra-estrutura, sistemas de informação e formação de capacidade institucional. Boa governança Os dois fatores comuns subjacentes nos argumentos acima formulados são a necessidade de um novo Estado não só mais sólido e versátil como capaz de agir em todas essas múltiplas frentes e, para complementá-la, a indispensável construção dos consensos políticos que a criação desse novo Estado requer. Os dois fatores são condições essenciais para a boa governança. O Estado é a arena natural para a articulação e canalização das atividades de todos os agentes sociais em busca do desenvolvimento econômico e social e, em termos gerais, do bem comum. Um Estado fraco, ineficiente e cativo de interesses privados se verá, porém, seriamente tolhido no desempenho desse papel. Daí a importância da reconstrução do Estado a fim de permitirlhe enfrentar melhor os desafios domésticos e externos do mundo contemporâneo. Por José Luis Machinea Secretário Executivo, CEPAL Desafios econômicos e sociais que a América Latina e o Caribe enfrentam com todas as suas complexidades e dificuldades. Esse processo deve valer-se da riqueza de insumos oriundos de uma interação construtiva entre os diferentes agentes sociais, à medida que eles se concentrem em realizações compartilhadas e inclusivas. Nenhuma democracia efetiva é possível se questões importantes da organização econômica e social forem deixadas fora da agenda pública. Uma das tarefas fundamentais do sistema político é atuar como catalisador dessa discussão. Assim fazendo, ele deverá oferecer à cidadania um leque de opções que proporcionarão o campo de ação para um A América Latina e o Caribe devem, pois, re- processo de aprendizagem institucional e, acima cuperar a capacidade de construir o seu futuro, de tudo, para o exercício da democracia. Nos próximos anos, o rumo das políticas públicas e a sua efetividade dependerão da governança e da construção de consenso, dado que não se pode esperar que a vida, sob a forma de comunidade, esteja isenta de conflitos ou diferenças. O meio mais eficiente de abordar ambas as tarefas e desse modo fortalecer a governança é o estabelecimento de acordos entre as principais forças políticas em torno de aspectos decisivos da trilha do desenvolvimento da região e do livre funcionamento de suas instituições. CEPAL . 39 Organização Pan-Americana da Saúde Um tema para a Agenda Política: O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis Introdução por Mirta Roses Reriago Oficina Sanitaria Panamericana A presente contribuição destaca os aspectos mais relevantes que caracterizam a situação da saúde na Região, a qual reflete os grandes desafios que enfrentam os países da América Latina e do Caribe em alcançar os objetivos de igualdade, saúde e bem-estar. A Oficina Sanitária Panamericana contribui no fortalecimento das respostas a estes desafios, articulando a ação conjunta dos governos, a sociedade civil e a comunidade internacional para o avanço da Agenda da Saúde das Américas. Se agradece à OEA a oportunidade de contribuir nossa perspectiva setorial ao conteúdo desta publicação sobre os Desafios Regionais. Mirta Roses Periago Diretora Oficina Sanitaria Panamericana 42 . Desafios Regionais Introdução por Mirta Roses Reriago Oficina Sanitaria Panamericana Foi amplamente documentado que a região exibe as maiores desigualdades sociais e econômicas do mundo e que tanto a falta de eqüidade como a pobreza vêm há muito tempo acompanhando as sociedades da região (CEPAL, 2006). Esses temas e seu impacto na governabilidade e estabilidade voltada para a consecução de um ambiente propício ao investimento, ao intercâmbio e ao crescimento econômico ocuparam um lugar de destaque na agenda política, juntamente com as iniciativas para combater o terrorismo e promover a segurança da população. A saúde na região foi um tema igualmente destacado nessa agenda, na medida em que foi preciso fazer frente às ameaças e à ocorrência de epidemias e pandemias que exigem o esforço conjunto dos governos, da sociedade civil e da comunidade internacional. Entretanto, a saúde como expressão dos problemas de pobreza e falta de O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis eqüidade, como exercício de cidadania e de direitos e como contribuição para o bem-estar e o crescimento econômico das sociedades do Hemisfério é pouco analisada e considerada nas agendas políticas. Passar do enfoque das enfermidades epidêmicas para a saúde como elemento de inclusão, bem-estar e desenvolvimento requer, portanto, um tratamento e análise diferente que merece ser reconhecido por sua contribuição tanto para os processos de integração e desenvolvimento do continente como para a construção de sociedades mais democráticas e eqüitativas. Os grandes desafios regionais em matéria de saúde: 1. Mudanças nos perfis da saúde e atrasos acumulados No contexto dos países da América Latina e OPAS . 43 do Caribe, as políticas de saúde devem fazer frente a novos e antigos desafios. Tal como ocorre no mundo desenvolvido, os novos desafios obedecem a mudanças na demanda decorrentes da dinâmica demográfica, epidemiológica e tecnológica que requer e permite novos benefícios e tratamentos durante a vida cada vez mais longa das pessoas, o que eleva os custos dos serviços de saúde e os gastos para mantê-los. Os antigos desafios refletem as carências históricas e a dívida social acumulada que a região apresenta no tocante ao acesso a serviços de saúde oportunos e de qualidade. A situação da América Latina e do Caribe em matéria de necessidades sanitárias é muito heterogênea e evidencia grandes desigualdades entre os países e dentro deles. Enquanto no nível agregado a região se aproxima rapidamente dos países desenvolvidos em relação ao efeito de doenças não- transmissíveis, ainda não se solucionou de maneira satisfatória o problema das enfermidades associadas a um menor grau de desenvolvimento, como as contagiosas e as materno-infantis. Esse fenômeno, geralmente chamado de “atraso epidemiológico”, é especialmente acentuado nos países de rendas menores e afeta em maior medida as mulheres em idade reprodutiva e a população infantil. Nos países de rendas médias e altas 44 . Desafios Regionais os problemas associados aos hábitos de vida e ao envelhecimento da população adquirem maior importância relativa (Gráfico 1). 2. Iniqüidade e falta de acesso a serviços de saúde As médias e os montantes globais regionais e nacionais não dão conta da complexidade e heterogeneidade evidenciadas pelos perfis de saúde dos países, onde coexistem os problemas associados à pobreza e os inerentes aos riscos, às condutas e ao próprio envelhecimento da população em um contexto de desigualdades geográficas, étnicas e de gênero. No âmbito internacional, já se reconhece que os países da América Latina e do Caribe se caracterizam por altos níveis de desigualdade social, em muitas dimensões os mais elevados em escala mundial (CEPAL, 2006), e os indicadores de saúde não estão alheios a essa condição. No Gráfico 2, duas dimensões socioeconômicas são ilustrativas de tais iniqüidades: a condição étnica e o lugar de residência. Em alguns países sobre os quais há informação disponível, a maior mortalidade entre os indígenas não obedece ao fato de que um percentual mais alto vive em zonas rurais. As crianças indígenas de zonas rurais apresentam O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis Gráfico 1 América Latina e o Caribe e o resto do mundo: indicadores da importância das doenças, 2002 (Em anos de vida saudáveis perdidos por 1.000 habitantes) Fonte: Organização Mundial da Saúde, Genebra, 2003. OPAS . 45 Gráfico 2 Países selecionados: Taxa de mortalidade infantil por população indígena e nãoindígena (critério de autopertencimento) e zona de residência da mãe (Óbitos por 1.000 Nascidos Vivos) Fonte: CEPAL, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: Uma Visão da América Latina e do Caribe, 2005. 46 . Desafios Regionais O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis maior risco de morrer antes de completar o primeiro ano de vida do que as não-indígenas rurais, e o mesmo padrão se repete nas zonas urbanas. Além disso, constatam-se problemas de iniqüidade no acesso a serviços básicos de saúde. O indicador de partos assistidos por pessoal especializado segundo quintis de renda mostra, em relação a nove países, que praticamente em todos eles há uma relação direta e crescente entre o nível socioeconômico das famílias e o acesso na hora do nascimento a pessoal treinado (Gráfico 3). De forma concreta e apesar dos resultados comparativamente alentadores em termos de políticas de saúde pública, os países da região enfrentam um desafio importante no que respeita à melhoria da eqüidade e à redução do nível de exclusão dos sistemas de saúde. 3. Nível insuficiente e distribuição do gasto público em saúde As desigualdades de acesso e cobertura dos serviços sanitários podem ser explicadas em parte pelos problemas de organização dos diferentes sistemas de saúde existentes na região. O déficit crônico do financiamento público da assistência à saúde e a distribuição inadequada do respectivo gasto em benefício dos grupos mais pobres e desfavorecidos da sociedade constituem-se, entretanto, em um desafio que merece especial consideração em termos das políticas de gasto público e dos esquemas de organização e financiamento dos sistemas nacionais de saúde. Tal como se aprecia no Gráfico 4, embora a proporção do gasto total em saúde mostre um incremento importante na região, que se eleva a mais de 7% do Produto Interno Bruto (PIB), a parcela do gasto OPAS . 47 Gráfico 3 Países selecionados: Proporção de partos assistidos por pessoal especializado, em torno de 2002 Fonte: Banco Mundial, Socio-Economic Differences in Health, Nutrition and Population Division, Washington D.C., 2004. 48 . Desafios Regionais O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis público em saúde não registrou mudanças significativas nos últimos 10 anos e chegou a apenas 3,6% do PIB nos anos 2004-2005. Mais alarmante ainda é a invariável mudança ao longo de mais de três décadas da relação do gasto público/privado com o gasto total em que a participação do gasto privado se manteve acima de 50% nesse período. Cabe também destacar, no âmbito do gasto privado ou gasto das famílias, que não só ele é bastante alto como tampouco variou significativamente no período assinalado (Gráfico 4). Esse fato explica em boa parte a grande participação do gasto em saúde na proporção do gasto familiar com o consumo de bens e serviços. Esse gasto, tal como mostra o Quadro 1, tende a ter mais peso entre as famílias de rendas menores, sendo que o gasto em saúde, inclusive com medicamentos, é causa importante do empobrecimento das famílias que vivem situações de adversidade ou calamidade. O nível insuficiente do gasto público em saúde alia-se à falta de mecanismos que assegurem que o financiamento público beneficie os grupos mais desfavorecidos da sociedade. Embora vários países tenham posto em prática políticas e mecanismos que produziram um impacto distributivo do gasto público em saúde nos grupos de menores rendas, ainda há na região países que se encontram muito longe de alcançar esses objetivos (Gráfico 5). Concretamente, a falta de um nível adequado de gasto público em saúde1 e a ausência de mecanismos que assegurem o impacto distri- 1 Há indicações de que nos países onde o acesso aos serviços sanitários é universal, o nível do gasto público em saúde se situa entre 5 e 6% do PIB OPAS . 49 Gráfico 4 América Latina e o Caribe: Composição do gasto total em saúde (Em porcentagens do PIB) Fonte: Organização Pan-Americana da Saúde, 2006. 50 . Desafios Regionais O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis butivo desse gasto são os principais fatores que atentam contra qualquer estratégia que vise à consecução de objetivos de redução da pobreza e à eqüidade na saúde (OPAS, 2002) 4. As ameaças de novas doenças e os efeitos das mudanças climáticas em um contexto de globalização Nos últimos cinco anos, o mundo testemunhou fenômenos naturais devastadores que provocaram alterações em grandes grupos e assentamentos humanos, com implicações nas condições de saúde. Pode-se dizer o mesmo das novas doenças de propagação rápida (síndrome respiratória aguda grave, gripe aviária) que representam ameaças à segurança sanitária mundial (o caso, por exemplo, de uma nova epidemia de gripe), com efeitos na dinâmica social e econômica do mundo. A concentração da pobreza em assentamentos urbanos altamente vulneráveis aos desastres naturais, juntamente com os problemas de exclusão e de falta de eqüidade no acesso a serviços básicos de saúde, colocam a região em situação de alerta para responder de maneira eficiente às ameaças e emergências sanitárias. Resposta aos desafios: A Agenda de Saúde das Américas Da análise feita nas páginas anteriores depreendem-se elementos que permitem definir, independentemente das especificidades nacionais, uma série de critérios fundamentais que se constituem nos elementos centrais da Agenda de Saúde das Américas. São os seguintes: OPAS . 51 Gráfico 5 Países selecionados: Distribuição do gasto público em saúde por quintis de renda, em torno do ano 2000 Fonte: Suárez (2001) e Trejos (2002) 52 . Desafios Regionais Q1 Mais Pobre Q5 Mais Rico O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis Cuadro 1 Gasto das famílias em saúde como proporção da renda familiar corrente (Em porcentagens, por quintil de renda da família) Quintil Q5 Chile a México b Paraguai b Mais pobre 2 2,16 4,22 6,99 1,79 3,17 3,06 3 4 1,86 1,89 2,71 2,91 4,31 4,67 Mais rico Total Q1/ 1,75 2,82 4,25 1,89 3,17 5,04 1,24 1,50 1,65 Fonte:Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em pesquisas de rendas e gastos. Publicado em: La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad. CEPAL, 2006. a Representa os gastos com medicamentos e artigos suplementares como proporção da renda familiar. b Representa o quociente entre o gasto monetário e a renda monetária total. 1. O acesso universal à saúde: O avanço no sentido de sistemas sanitários baseados em princípios mais solidários A necessidade de fazer frente aos problemas de exclusão social e de falta de eqüidade em matéria de saúde leva à definição de políticas e instrumentos para o avanço no sentido do acesso universal aos serviços sanitários. Para tais fins, o incremento do gasto público na área da saúde em níveis que permitam alcançar 5 a 6% do PIB constitui-se em uma prioridade que os governos da região deverão enfrentar nos próximos anos. Esse incremento deverá combinar-se com as fórmulas que cada país selecionar, a fim de assegurar que seu impacto seja distributivo e chegue aos setores mais pobres da sociedade. É imperativa a necessidade de incorporar nas agendas de reforma do setor da saúde as políticas orientadas para melhorar seu acesso com uma redução significativa do gasto privado e especialmente daquele que as famílias de baixa renda devem fazer para ter a assistência de que precisam. A definição de políticas de incremento do gasto público com impacto distributivo e redução do gasto oriundo da população exigirá análises da situação individual dos países e a busca dos mecanismos mais adequados em termos de organização e financiamento de seus sistemas nacionais de saúde e proteção social. OPAS . 53 2. O fortalecimento da saúde pública e da assistência primária à saúde A melhoria efetiva das condições de saúde da população requer o estímulo e o fortalecimento dos programas e serviços de saúde pública que assegurem tanto a promoção de hábitos de vida saudáveis como a prevenção e controle dos riscos e das doenças causadoras de mortes prematuras evitáveis. Requer-se, por conseguinte, uma firme expansão da assistência primária à saúde, com a adequada coordenação de serviços, a fim de compensar as lacunas entre as diferentes regiões de um mesmo país, bem como o desenvolvimento de intervenções e atividades de saúde pública custo-efetivas, com maior e melhor articulação das ações das políticas públicas em diferentes níveis e promoção do compromisso de diferentes atores com uma participação responsável da população. 3. A aplicação do Regulamento Sanitário Internacional (2005) A finalidade e o alcance desse Regulamento visam a prevenir a propagação internacional de doenças, proteger as pessoas dessa propagação, controlá-la e dar-lhe uma resposta de saúde pública proporcional e restrita aos riscos implícitos para a saúde pública, evitando-se, ao 54 . Desafios Regionais mesmo tempo, as interferências desnecessárias com o tráfego e o comércio internacionais. Isso exigirá, entre outros aspectos, a articulação do sistema de alerta e resposta às emergências sanitárias que demandará um esforço concertado com a participação de múltiplos atores sob a liderança das autoridades sanitárias globais, regionais, nacionais e locais. Cumpre, porém, assinalar que, para proteger os mais vulneráveis, a segurança sanitária regional precisa inserir-se no marco das reformas orientadas para o avanço da cobertura da proteção social em matéria de saúde e das próprias políticas de saúde pública promovidas na região. Em síntese, os objetivos da Agenda de Saúde das Américas para os próximos anos estão orientados no sentido de concretizar, por um lado, o avanço dos mecanismos de solidariedade necessários para proporcionar o acesso eqüitativo de toda a população aos serviços de saúde, independentemente da renda ou dos riscos das pessoas, e, pelo outro lado, o fortalecimento da ação coordenada do Estado a fim de estimular políticas de saúde pública que permitam responder da melhor maneira possível às mudanças tecnológicas, demográficas, ambientais e epidemiológicas que vêm ocorrendo na região. O avanço no sentido de sociedades mais inclusivas, eqüitativas e saudáveis Referências CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), Objetivos de desarrollo del Milenio: Uma Mirada desde América Latina, 2005. La protección social de cara al futuro: Acceso, financiamiento y solidaridad, 2006. OMS (Organização Mundial da Saúde), Informe sobre la salud en el mundo 2005. OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde). La salud en las Américas. Edición de 2002, Washington, D.C.. La salud en las Américas. Edición de 2007 (no prelo). 1 Há indicações de que nos países onde o acesso aos serviços sanitários é universal, o nível do gasto público em saúde se situa entre 5 e 6% do PIB. OPAS . 55 Banco Mundial Uma nova oportunidade para superar velhos problemas Introdução por Pamela Cox Vice-Presidente Região da América Latina e do Caribe O Banco Mundial está comprometido com o apoio aos nossos parceiros na América Latina e no Caribe em seus esforços para criar uma vida melhor para sua população. A contribuição que se segue destaca os principais desafios que vemos para a região e assinala os principais temas que se encontram na raiz da nossa assistência. Agradecemos à OEA a oportunidade de contribuir para esta publicação. Pamela Cox Vice-Presidente Região da América Latina e do Caribe 58 . Desafios Regionais Introdução por Pamela Cox, Vice-Presidente Região da América Latina e do Caribe Uma nova oportunidade para superar velhos problemas Nos últimos dois anos, a região da América Latina e do Caribe (ALC) passou por importante mudança. Foi favorecida por preços de produtos básicos mais altos que ajudaram a gerar crescimento, reduzir modestamente a pobreza e a iniqüidade, realizar mudanças de governos e ter uma percepção maior do papel que os problemas globais desempenham na região – especialmente em matéria de energia, mudança climática e comércio. Houve, ao mesmo tempo, um entendimento e um enfoque crescentes da necessidade de assegurar que tanto o crescimento acelerasse como seus benefícios atingissem o maior número possível de cidadãos da ALC. Esta, nas últimas quatro décadas, vem enfrentando o du- Uma nova oportunidade para superar velhos problemas plo desafio ao desenvolvimento de dinamizar e estabilizar o crescimento, reduzindo ao mesmo tempo a pobreza e a desigualdade. Progresso recente Desde 2003, a ALC vem registrando recuperação nas taxas de crescimento em quase todos os países da região. Os últimos três anos testemunharam as taxas de crescimento mais altas desde o final da década de 1970. De 2003 a 2006, a média do crescimento na região oscilou em torno de 5%, melhor do que a da OCDE, embora inferior à do Leste Asiático. Esse crescimento foi acompanhado de forte criação de empregos que começa a reverter as tendências anteriores de taxas mais altas de desemprego e de informalidade – que foram em grande medida conseqüência da desacele- BM . 59 ração econômica e da crise que sobrevieram na virada do milênio. A maioria dos países está usando esse período de altas taxas de crescimento e de melhores fatores externos (por exemplo, preços favoráveis de produtos primários e taxas de juros baixas) para reduzir significativamente a sua vulnerabilidade a choques externos e internos. Esses países acumularam reservas internacionais, diminuíram as proporções do endividamento em relação ao PIB e melhoraram substancialmente a composição da dívida em termos monetários e de maturidade. Além disso, países da ALC mantiveram excedentes em conta corrente e saldos fiscais primários. Obstáculos ao desenvolvimento e prosperidade Contudo, essa região predominantemente de renda média, com 542,9 milhões de habitantes e uma renda per capita média de US$4.008,00, registra o nível de desigualdade mais alto do mundo. A região prossegue no enfrentamento do desafio de tirar o maior proveito da sua diversidade e de seus recursos naturais a fim de atender às necessidades e expectativas de seus habitantes. 60 . Desafios Regionais Os desafios de desenvolvimento com que a ALC defronta provêm do seu crescimento baixo e volátil combinado com persistente desigualdade regional. Esses dois fatores explicam as altas taxas de pobreza prevalecentes em uma região predominantemente de renda média. É preciso haver um crescimento mais rápido e estável para que a redução da pobreza na região seja acelerada. Ao mesmo tempo, o alto nível de pobreza atua como um obstáculo ao crescimento, conforme foi demonstrado na publicação relevante do Banco Mundial, Poverty Reduction and Growth: Virtuous and Vicious Circles. Progresso lento em pontos fracos estruturais: É possível manter o crescimento atual? Nos últimos anos houve modesto progresso no clima de investimento, na redução das lacunas, nas aplicações em infra-estrutura pública e no investimento em reformas do setor público. Enquanto a maioria dos países da ALC está no caminho do cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM) relacionadas com o desenvolvimento humano, muitos estão atrasados no que respeita à meta correspondente à pobreza extrema. Parece im- Uma nova oportunidade para superar velhos problemas provável que a região da ALC como um todo atinja as metas referentes à pobreza extrema até 2015. Há um otimismo cauteloso em relação às perspectivas de crescimento a prazo mais longo, na medida em que o ritmo do progresso em questões estruturais permanece geralmente lento e há preocupação com o desenvolvimento de princípios em alguns países. Em termos setoriais, alguns desses desafios podem ser assim descritos: Apesar de algum progresso haver sido alcançado no clima de investimento, a existência de instituições fracas e de altos índices de criminalidade e violência continua sendo um problema em muitos países. Em outros, a estabilidade política é motivo de preocupação. A infra-estrutura dos investimentos acha-se em processo de recuperação, mas ainda é pequena em muitos países, quando comparada com a de outras regiões. Há progresso persistente na cobertura dos serviços de educação e saúde, mas o ensino ministrado ainda é de má qualidade. A produtividade e o emprego formal estão em processo de recuperação, mas a inovação por parte das empresas continua baixa, enquanto a informalidade permanece alta. O acesso aos serviços básicos (educação, saúde, infra-estrutura, serviços financeiros) vem se ampliando, porém subsistem grandes diferenças no acesso segundo o nível de renda e a etnia das pessoas. BM . 61 Houve progresso em programas redistributivos, como o de Transferências Condicionais de Dinheiro (CCTs), mas o dispêndio público permanece neutro ou regrediu na maioria dos países em virtude de subsídios concedidos a grupos de renda média e alta. A falta de concorrência em setores-chave (por exemplo, telecomunicações, energia e finanças), em alguns países, mantém baixos o acesso e a qualidade e altos os preços, com isso desestimulando a competitividade e o crescimento. Uma combinação de pontos fortes e fracos A região é formada por países altamente heterogêneos. As diferenças entre eles estão presentes em diversas áreas, incluindo as de renda per capita, acesso a mercados de capital, força das instituições e disponibilidade de capacidade técnica. De modo geral, os países em melhor situação alcançaram maior grau de investimento e sua principal meta de desenvolvimento é a consecução de convergência com países da OCDE. Por sua Figura 1 Fatos Rápidos sobre a América Latina e o Caribe População PIB per capita (método Atlas) População que vive com menos de US$1/dia População que vive com menos de US$2/dia Parcela da renda auferida pelos 10% mais ricos Parcela da renda auferida pelos 10% mais pobres Matrícula escolar, secundária (líquida) Índice Gini da desigualdade de renda Taxa de mortalidade das crianças até 5 anos de idade Número de dias necessários para abertura de uma firma Custo da abertura de uma firma como % do PIB 62 . Desafios Regionais 542,9 milhões US$450,00 (Haiti) a US$7.310,00 (México) 8,5% 20,6% 41,2% 1,1% 67,5% 53,3% 31,4% 73,3 48,1% Uma nova oportunidade para superar velhos problemas vez, os Estados mais frágeis ainda precisam assentar os alicerces para o progresso nessas áreas. A maioria dos demais países se situa entre esses dois extremos. Os países também diferem em relação aos problemas que precisam equacionar a fim de fazer frente à pobreza e à desigualdade. O Haiti e a Guiana possuem menor desigualdade, mas têm níveis globais de pobreza e estão trabalhando no sentido de gerar o crescimento e os recursos necessários para reduzi-la. Paralelamente, o Chile e o México, que possuem níveis de renda per capita elevados, esforçam-se para fazer frente aos altos índices de desigualdade com mais eqüidade nas oportunidades dentro de seus países, inclusive por meio de programas efetivos direcionados para o apoio às pessoas em situação de pobreza extrema. Independentemente das diferenças que os países apresentam, levantamentos realizados na região mostram que o cidadão médio da ALC deseja possuir um bom emprego e renda, usufruir de um meio ambiente seguro, ter acesso à educação e aos serviços públicos, bem como voz ativa em relação ao seu futuro, além de boa governança. Suas prioridades de desenvolvimento incluem crescimento econômico, redução da pobreza, aprimoramento da educação, menos corrupção e melhor governança, e desenvolvimento de infra-estrutura. O apoio do Banco Mundial à América Latina e ao Caribe Em resposta a esses desafios, a estratégia do Grupo do Banco Mundial na região concentrase na consecução de desenvolvimento BM . 63 sustentável com eqüidade, com vistas a diminuir a pobreza e a desigualdade. Nossa ajuda tem por base estes dois pilares fundamentais: (a) o apoio à maior competitividade, emprego e crescimento; e (b) o apoio a instituições, a fim de fortalecer a eqüidade, a inclusão e a sustentabilidade. Quatro temas estão subjacentes nessa estratégia: 1) A consecução de níveis elevados e sustentáveis de crescimento e criação de emprego mediante assistência em áreas tais como melhoria do clima de investimento, redução de custos logísticos, aprofundamento de sistemas financeiros, diversificação de estruturas de exportação, redução de riscos, abordagem do problema da criminalidade e da violência, aprimoramento da qualidade da educação e estímulo à inovação. 2) A diminuição dos coeficientes de Gini e a melhoria da eqüidade de oportunidades com vistas a acelerar a redução da pobreza mediante apoio a áreas tais como as de proteção social universal e exeqüível, programas de combate direto à pobreza e melhoria do acesso a educação, saúde, infra-estrutura pública e serviços financeiros. 3) O fortalecimento da governança mediante 64 . Desafios Regionais assistência orientada para a consolidação das instituições e posterior evolução no sentido de aumentar a confiança nos sistemas dos países, construir instituições inclusivas, alcançar eficiência e fixar o gasto público, aumentar a responsabilidade pela prestação de serviços, reduzir a corrupção e monitorar e avaliar os resultados. 4) O apoio à região nos problemas globais, no que respeita especialmente à agenda da mudança climática, a políticas de migração e remessas monetárias, a negociações de comércio, à energia (inclusive os biocombustíveis), à Agenda Ambiental Marrom, ao HIV/Aids e à gripe aviária Como o Banco Mundial presta seu apoio Nossa visão da América Latina e do Caribe é a de uma região que é um parceiro global importante, com menor pobreza e desigualdade e maior crescimento e estabilidade. Na área de crescimento e criação de emprego, estamos suplementando empréstimos com produtos financeiros inovadores, tais como o financiamento em moeda local na Colômbia e no México e as notas de política operacional segundo o critério just-in-time (na Bolívia e no Peru, por exemplo). O Banco Uma nova oportunidade para superar velhos problemas Mundial também presta serviços analíticos e de consultoria que vão desde contribuições até debates de princípios mediante estudos regionais, a respeito, por exemplo, do Acordo de Livre Comércio da América Central (CAFTA), e o apoio a uma conferência sobre eqüidade e competição no México. Além disso, há necessidade de dispensar atenção à qualidade da educação e à competitividade da força de trabalho em países de renda média. Para reduzir a desigualdade e a pobreza, estamos apoiando programas de transferências condicionais de dinheiro na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia; serviços de análise e assessoramento da proteção social (no Brasil, por exemplo), e trabalhos de amparo aos povos indígenas e aos jovens em situação de risco; enfoques programáticos inovadores e não-tradicionais, como o projeto de educação “Recurso”, no Peru, e o de avaliação da pobreza, no Panamá; estudos regionais sobre assistência à primeira infância e acesso ao financiamento, e o trabalho de criação de um índice de igualdade de oportunidades para a região da ALC. Em termos de boa governança, o Grupo do Banco Mundial está apoiando programas orientados para aumentar a transparência (Liberdade da Lei da Informação no México), formar capacidade (sistema independente de administração de justiça na Costa Rica), reforçar a vigilância (órgãos fortes de controle externo no Brasil) e melhorar o acompanhamento (sistemas de compra mediante concorrência no México), bem como fortalecer a responsabilidade na prestação de serviços e no desenvolvimen- BM . 65 to de investimentos com base em produto e desempenho (clínicas descentralizadas e contratos baseados em desempenho em Honduras). No que respeita a questões globais, nossas atividades compreendem o apoio à agenda sobre mudança climática; a pesquisa em matéria de remessas de dinheiro e desenvolvimento, criminalidade e violência, e o impacto do crescimento na China e na Índia sobre o desenvolvimento na ALC; os empréstimos regionais e nacionais para programas de HIV/Aids; o apoio à agenda de energia; e a coordenação entre agências em preparação para uma eventual epidemia de gripe aviária. 66 . Desafios Regionais Conclusão O principal desafio para a América Latina e o Caribe reside na superação do duplo desapontamento do crescimento baixo e volátil e da desigualdade persistente e elevada. A resposta do Banco Mundial a esse desafio é o fortalecimento da nossa parceria mediante liderança do conhecimento, empréstimos inovadores, serviços de gestão do risco e apoio à implementação customizada com o objetivo de concretizar as expectativas e sonhos dos povos da América Latina e do Caribe de uma sociedade mais justa, inclusiva e segura. BM . 67 Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA Introdução A Quinta Cúpula das Américas, a ser realizada em 2009, marcará o décimo-quinto aniversário do Processo de Cúpulas. Mediante esse processo, os Chefes de Estado e de Governo adotaram uma série de mandatos e compromissos cujo cumprimento exige um esforço firme para abordar e solucionar situações de modo a avançar no sentido do desenvolvimento integral dos países. As decisões adotadas nas Declarações e Planos de Ação das Cúpulas possuem, ademais, grande magnitude, amplitude e relevância. O Processo de Cúpula das Américas, com seus mandatos e compromissos, gerou na população expectativas e renovadas esperanças de acesso a novas oportunidades de um futuro melhor. Este é, pois, o momento de fazer uma 70 . Desafios Regionais pausa no caminho e considerar a necessidade de definir, como um objetivo da Quinta Cúpula, meios de fortalecer sua relevância e credibilidade como o mais alto foro político das Américas, a fim de que seu processo de diálogo, consenso e compromisso tenha o apoio institucional necessário para garantir a implementação de seus acordos. Embora os países do Hemisfério tenham progredido no estabelecimento de governos democraticamente eleitos, esse avanço não garante a sua governança democrática. De fato, os sentimentos de desencanto e indiferença pela democracia aprofundaram-se e atingiram altos níveis, em grande parte porque as expectativas dos cidadãos em termos de seu bem-estar e desenvolvimento continuam insatisfeitas. Essa frustração é ainda mais palpável no meio rural, dado o desequilíbrio histórico Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA entre áreas rurais e urbanas em matéria de serviços públicos, emprego, investimento e renda, entre outros fatores. Pelas razões acima expostas, é essencial que se revitalize o processo hemisférico mediante a concentração da determinação política nestas duas direções: (i) a implementação efetiva dos acordos adotados que requer a construção de uma estrutura institucional para apoiá-la; e (ii) a definição de alguns desafios novos capazes de consolidar, em termos práticos, os critérios básicos para o desenvolvimento, como a inclusão econômica e social de amplos setores que atuam na produção e em outros aspectos da vida nacional, o equilíbrio urbano-rural no desenvolvimento dos países, o respeito pela diversidade das pessoas e a consecução de bem-estar em harmonia com a natureza. Instituto Interamericano de Cooperação para la Agricultura Nesse contexto e como preparação para a Quinta Cúpula, o IICA deseja compartilhar com os membros do Grupo de Trabalho sobre a Cúpula das Américas (GTCA) três desafios hemisféricos e expor, em relação a cada um deles, a sua visão estratégica e as prioridades institucionais que orientam os esforços de cooperação do IICA nos países em apoio à implementação dos Planos de Ação das Cúpulas. Desafio N° 1 Fortalecimento da estrutura institucional para a implementação dos compromissos adotados Entre o processo hemisférico e seus acordos e a estrutura institucional nacional para sua implementação, seguimento e avaliação existe uma lacuna. Por essa razão, é de vital importân- IICA . 71 cia que se prossiga na construção da estrutura institucional do Processo de Cúpulas a fim de apoiar a implementação de seus acordos. Em preparação para a Quinta Cúpula e seu seguimento, é essencial que “se alcancem os países” e se convença a opinião pública de que o Processo de Cúpulas das Américas existe para servir a população com ações concretas. Visão estratégica para enfrentar o desafio número 1: Uma estrutura institucional para o Processo de Cúpulas que articule aspectos nacionais e hemisféricos Os elementos que complementam a estrutura institucional do Processo de Cúpulas são: A transição das “reuniões ministeriais em nível hemisférico” para “processos ministeriais”. No momento, várias reuniões hemisféricas estão sendo realizadas sobre uma série de tópicos relevantes para a Agenda Interamericana. Um passo à frente com um duplo propósito seria a garantia da continuidade desse esforço entre as reuniões mediante um “processo ministerial” e, além disso, a garantia da sua coordenação com o Processo de Cúpulas das Américas, com o acatamento de seus mandatos, o apoio à sua implementação e a geração de propostas 72 . Desafios Regionais para esse Processo. O estabelecimento em cada país de um Grupo Nacional de Revisão da Implementação de Cúpulas (GRIC nacional) presidido pelo Coordenador Nacional de Cúpulas (CNC) e formado por um grupo de delegados ministeriais. Todos os países têm um coordenador e, no caso da agricultura e da vida rural, dois delegados ministeriais (efetivo e suplente). Sugere-se que os processos ministeriais hemisféricos também tenham delegados ministeriais a fim de dar continuidade e apoio às Reuniões Ministeriais Hemisféricas e coordenar com o CNC, no nível nacional, a difusão, a implementação e o seguimento dos mandatos emanados da Cúpula e dos acordos ministeriais. O estabelecimento em cada país de um Grupo de Trabalho Conjunto sobre a Cúpula das Américas (GTCC nacional) presidido pelo Representante da OEA no país de que se trate e formado por representantes de organizações internacionais que nele atuem. A maioria das instituições parceiras do Processo de Cúpulas das Américas possui escritório nos países e regiões do Hemisfério. Entretanto, estruturas formais de coordenação, como as reuniões do Grupo de Traba- Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA lho sobre a Cúpula das Américas (GTCC), somente existem no nível hemisférico. Um passo nessa direção seria o estabelecimento de uma representação nacional do GTCC junto às instituições parceiras no Processo de Cúpulas em funcionamento no país cujas tarefas básicas incluiriam o seguinte: Apoio à difusão do Processo de Cúpulas e de compromissos específicos para serem considerados pelos processos ministeriais; Coordenação dos esforços conjuntos em apoio aos delegados e das estratégias nacionais no contexto dos acordos adotados pelos países nas Cúpulas; e Apoio ao Coordenador Nacional de Cúpulas na preparação do Relatório Nacional ao GRIC sobre o progresso do país no cumprimento dos acordos das Cúpulas. Instituto Interamericano de Cooperação para la Agricultura Prioridades para a ação estratégica do IICA Desde a Terceira Cúpula realizada em 2001, o IICA tem participado de todos os estágios do Processo de Cúpulas na qualidade de parceiro institucional. Nesse sentido, apoiou os países na construção de uma nova “arquitetura institucional” destinada a facilitar a implementação dos mandatos emanados das Cúpulas em matéria de agricultura e vida rural, bem como os acordos ministeriais correspondentes. Essa nova arquitetura institucional assegura, por sua vez, a continuidade do Processo Ministerial “Agricultura e vida rural nas Américas” e a sua articulação com o Processo de Cúpulas. Os componentes-chave dessa “arquitetura institucional” são: (i) uma Equipe Nacional constituída de um delegado ministerial e um delegado suplente para apoiar o Ministro da IICA . 73 Agricultura na convocação de um diálogo nacional com a participação de vários grupos de interesse do complexo agrícola-rural, a fim de difundir os mandatos da Cúpula e os acordos ministeriais e preparar uma proposta nacional para dar continuidade ao Processo Ministerial; (ii) um Fórum Hemisférico de Delegados Ministeriais (FMDM) que, tendo por base a síntese das propostas nacionais preparadas pela Secretaria, apóie o diálogo e a negociação hemisférica e construa consenso sobre propostas para novos acordos ministeriais submetidas à consideração da Reunião Ministerial; (iii) uma Secretaria do Processo Ministerial e de suas Reuniões de Delegados e Ministros, um papel assumido pelo IICA a fim de prestar apoio técnico aos delegados ministeriais e ao Processo Ministerial; (iv) uma Reunião Ministerial Hemisférica no contexto do Processo de Cúpulas, como o fórum dos Ministros da Agricultura que adote os Acordos Ministeriais Hemisféricos e proponha aos Chefes de Estado e de Governo a tomada de novas decisões; e (v) as Reuniões Regionais de Ministros que, com o apoio e a atuação do IICA na qualidade de sua secretaria técnica, defina a estratégia regional e coordene a sua implementação; este é o caso do Conselho Agrícola Centro-Americano (CAC), da Aliança Caribenha para o Desenvolvimento Sustentável da Agricultura e do Meio Rural e do Conselho Agrícola do Sul (CAS). 74 . Desafios Regionais Respondendo à nova responsabilidade que lhe foi atribuída pelos mandatos da Terceira Cúpula das Américas, em 2002, o IICA lançou um processo de modernização institucional que define claramente o seu papel dúplicado e complementar: (i) um novo papel como Secretaria do Processo Ministerial e da sua Reunião Ministerial “Agricultura e Vida Rural nas Américas”, no contexto do Processo de Cúpulas; e (ii) um papel convencional porém renovado como a organização de cooperação internacional alinhada com as novas dinâmicas institucionais das Américas geradas pelo Processo de Cúpulas a fim de apoiar os países na implementação de suas estratégias no contexto dos compromissos nacionais adotados nas Cúpulas. O novo papel do Instituto em apoio ao Processo de Cúpulas acha-se formalmente institucionalizado no Plano de Médio Prazo 2006-2010 como uma prioridade para a ação estratégica intitulada Reposicionando a agricultura e a vida rural e renovando sua estrutura institucional. Com fundamento nesse novo papel, o Instituto define seus compromissos e os traduz em ações de apoio aos países no enfrentamento do desafio de fortalecer a estrutura institucional para a implementação dos mandatos emanados das Cúpulas e dos acordos ministeriais. Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA Desafio N° 2 Reavaliação do meio rural como parte da herança nacional e um recurso essencial ao desenvolvimento integral Dos milhões de habitantes das Américas que povoam o meio rural, uma significativa proporção vive em condições de pobreza e desigualdade. Outros lutam para subsistir desempenhando tarefas relacionadas principalmente com a agricultura, enquanto novas vagas de jovens e desempregados nas áreas rurais clamam por mais oportunidades de emprego. As Declarações das Cúpulas e os Planos de Ação reconheceram que essas condições adversas e a falta de desenvolvimento, especialmente no meio rural, levam à migração ou à tentação de envolvimento em atividades ilícitas de produção, comércio e política. A menos que as zonas rurais sofram transfor- Instituto Interamericano de Cooperação para la Agricultura mação suficiente para torná-las mais atraentes para a população em geral e a menos que se empreendam esforços no sentido de estabelecer um “novo equilíbrio rural-urbano”, os processos migratórios do campo para a cidade converterão essas áreas em bombas-relógios com incalculáveis impactos na governança dos países. Visão estratégica para enfrentar o desafio número 2: Uma parceria públicoprivada renovada e comprometida com o meio rural Uma reavaliação de áreas rurais só é possível se tiver por base uma parceria política públicoprivada e um novo conceito do meio rural e dos atores envolvidos no seu desenvolvimento. Com esses dois elementos, é possível construir uma parceria inovadora para a negociação e adoção de compromissos nacionais com o IICA . 75 campo incorporados em uma Política Nacional. A Política Nacional pode propor metas específicas relacionadas com produção, coesão territorial, coesão social e sustentabilidade ambiental. Deve basear-se em um projeto de país que inclua explicitamente todos os territórios nacionais e todos os seus estratos sociais, reconhecendo, fortalecendo e preservando sua diversidade cultural e ambiental. O enfoque territorial do meio rural requer que se transcenda a simples noção de um espaço social e de um grupo demográfico que evoca problemas e exige atenção e recursos especiais da sociedade. Esse enfoque é, sem dúvida, necessário e urgente. O meio rural tem, porém, nas sociedades modernas dotadas de uma multiplicidade de relações nacionais e internacionais com diferentes impactos, enorme potencial para prestar importante contribuição ao desenvolvimento integral e sustentável dos países. De acordo com esse enfoque e a fim de estimar sua real contribuição para o desenvolvimento, os problemas rurais devem ser entendidos a partir de uma perspectiva mais ampla que inclui não só os territórios rurais e suas organizações sociais, mas também as cadeias de valor da produção rural. É igualmente importante reconhecer o contexto geral que 76 . Desafios Regionais condiciona esses dois elementos e tem a ver com as dimensões econômicas, sociais, ambientais e institucionais do desenvolvimento. Esse renovado conceito do meio rural que vem sendo cada vez mais adotado pelos atores no âmbito da agricultura também parece oferecer um caminho promissor para a criação de uma parceria renovada e um compromisso nacional com o meio rural. Por conseguinte, na preparação para a Quinta Cúpula, esse desafio exige uma definição política abrangente. Já na Terceira Cúpula os Chefes de Estado e de Governo reconheceram claramente a importância da agricultura como o meio de vida de milhões de famílias rurais no Hemisfério, bem como o seu papel na criação de prosperidade e a sua condição de um setor estratégico do sistema socioeconômico. Não obstante o fato de que esse reconhecimento é e continuará sendo importante até 2009 e além dessa data, não basta enfrentar o desafio do desenvolvimento sustentável do meio rural. Por essa razão, sugerimos a inclusão, no Plano de Ação da próxima Cúpula, de um capítulo próprio que focalize propostas específicas para o meio rural. Sua finalidade seria propor um enfoque abrangente – e não exclusivamente agrícola – do desenvolvimento de áreas rurais. Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA Esse enfoque incentivaria todos os setores relevantes da economia rural a contribuir mais efetivamente para o desenvolvimento sustentável do meio rural e promoveria a participação de partes interessadas públicas e privadas nas áreas rurais, em cadeias de valor agregado e no contexto nacional. Ao mesmo tempo, os cenários projetados para as Américas serão dominados pela nova economia fundamentada em informação e conhecimento, integração e interconexão com redes transnacionais. Essa conjuntura exige que organismos internacionais de desenvolvimento assumam compromissos e empreendam esforços coordenados que transcendam as competências e possibilidades de uma única organização. A escala de tal empreendimento impõe a definição de uma agenda interagencial para apoiar os compromissos nacionais com o meio rural. Instituto Interamericano de Cooperação para la Agricultura Em síntese, a maior participação das áreas rurais em termos econômicos, sociais, culturais, ambientais e políticos resultaria em maior bem-estar tanto para o campo como para as cidades e ajudaria, de modo geral, a fortalecer a governança democrática. Prioridades para a ação estratégica do IICA Por meio do Processo Ministerial iniciado em 2001, os Ministros, seus Delegados Ministeriais e o IICA desenvolveram gradativamente um conceito novo e mais amplo de agricultura e vida rural e, com base nessa estrutura, estão definindo ações estratégicas orientadas para o desenvolvimento sustentável. Em síntese, essa forma de conceber a agricultura e o meio rural – ou seja, como componentes inseparáveis de um todo – substituiu a visão IICA . 77 reducionista que integra tanto a produção e o comércio agrícola como a organização dessas atividades na categoria de um setor. Em contraposição, o novo enfoque promovido pelo IICA no seu papel de Secretaria do Processo Ministerial é um conceito sistêmico que define três áreas operacionais ou arenas para ação (as esferas da vida rural, as cadeias de valor agregado e o contexto nacional e internacional) e um enfoque do desenvolvimento sustentável que incorpora quatro tipos de ações (produtivocomercial, ecológico-ambiental, socioculturalhumano e político-institucional) para cada uma das três arenas de ação. Essa estrutura facilita a compreensão da agricultura e da vida rural como fenômenos complexos com uma diversidade de partes interessadas e interesses que são fundamentais para a definição de uma Política Nacional efetiva. O segundo papel do Instituto, o convencional de cooperação, alinhado com as novas dinâmicas institucionais das Américas geradas desde o Processo de Cúpulas, também está institucionalizado no Plano de Médio Prazo 20062010. Esse Plano define, com base no contexto acima assinalado, um conjunto de cinco prioridades estratégicas para a Cooperação Técnica Direta do IICA: desenvolvimento rural com um enfoque territorial; gestão sustentável dos 78 . Desafios Regionais recursos naturais e do meio ambiente; tecnologia e inovação na agricultura; saúde animal e segurança alimentar; e promoção do comércio e da competitividade dos agronegócios. Em conjunto, essas cinco prioridades de cooperação técnica do IICA visam a promover o desenvolvimento sustentável da agricultura, a prosperidade de comunidades rurais e a segurança alimentar. A estrutura definida pelos ministros também proporciona um contexto amplo e favorável para a consideração conjunta do espírito do Mandato 75 da Declaração de Mar del Plata. O IICA e a CEPAL adotaram, por conseguinte, essa mesma estrutura para desenvolver o Sistema de Informações para o Acompanhamento e Avaliação do Plano AGRO 2003-2015 e as estratégias e políticas regionais e nacionais correspondentes (Mandato 43 do Plano de Ação da Quarta Cúpula das Américas – Mar del Plata, 2005). Desafio N° 3 Construção de uma base de conhecimento para o desenvolvimento sustentável integral A maioria dos países das Américas está atrasada no seu desenvolvimento científico e tecnológico e carece de suficiente capacidade em Por Dr. Chelston W.D. Braithwaite Diretor Geral, IICA pesquisa e inovação para dar um salto qualitativo no sentido da chamada sociedade do conhecimento. Este é essencial para o enfrentamento presente e futuro dos desafios econômicos, ambientais, sociais e institucionais. Nesse sentido, as necessidades da sociedade são múltiplas e crescentes. Mas há, além disso, um amplo reconhecimento de que não só nossos recursos naturais estão sendo degradados como um elevado percentual da população não dispõe dos bens materiais indispensáveis para ter uma qualidade de vida decente. Dois fatores contribuem para a lacuna científico/tecnológica. Um é o investimento insuficiente em ciência e tecnologia – em comparação com o que é feito em outras regiões do mundo – para cumprir as metas fixadas, e o outro, a falta de uma abordagem ampla e interdisciplinar da pesquisa que resulta em Instituto Interamericano de Cooperação para la Agricultura conhecimento insuficiente para a satisfação das demandas do desenvolvimento sustentável integral. Visão estratégica para enfrentar o desafio número 3: Processos para gerar conhecimento científico e tecnológico e desenvolver capacidades de inovação orientados pelos critérios de competitividade, eqüidade, sustentabilidade e governança democrática. A realização do desenvolvimento integral das Américas de maneira acelerada e sustentada segundo os critérios de competitividade, sustentabilidade e eqüidade, tal como expressaram os Chefes de Estado e de Governo no Processo de Cúpulas, exige ação imediata e concertada no sentido de gerar uma base de conhecimento renovada que seja acessível a pessoas e organizações. IICA . 79 Abre-se para as Américas uma oportunidade histórica na corrida global rumo à pesquisa e ao desenvolvimento científico e tecnológico. Precisamos, por conseguinte, evoluir de nossas preocupações atuais com o acesso à educação e ao desenvolvimento científico e tecnológico, mencionadas em Cúpulas anteriores, para uma abordagem mais ampla do conhecimento nas Américas do século XXI. Nesse contexto, devemos promover processos – em todos os níveis – para facilitar a geração de uma base renovada de conhecimentos dotada da responsabilidade social e ambiental necessária ao desenvolvimento sustentável integral. É preciso que os pontos acima assinalados sejam incluídos com destaque nos próximos acordos presidenciais, medida que exigirá uma renovada determinação política de parte dos Chefes de Estado e de Governo na Quinta 80 . Desafios Regionais Cúpula das Américas, bem como a inclusão de um capítulo que trate especificamente da geração de conhecimento para o desenvolvimento sustentável integral. Nosso interesse nesses desafios é assegurarlhes uma “colocação honrosa” nos preparativos da Quinta Cúpula. Por essa razão, não aprofundaremos a nossa visão específica. Ao contrário, sugerimos uma avaliação abrangente, no contexto do Processo de Cúpulas, dos avanços descritos no documento Science, Technology, Engineering and Innovation for Development: A Vision for the Americas in the 21st Century (“Ciência, Tecnologia, Engenharia e Inovação para o Desenvolvimento: Uma Visão das Américas no Século XXI”), de novembro de 2005, preparado pela Organização dos Estados Americanos (OEA). IICA . 81 Corporação Andina de Fomento Desafios regionais: Uma perspectiva a partir da CAF Por L. Enrique Garcia Presidente, CAF A América Latina continua a manter um desempenho econômico muito positivo em um ambiente macroeconômico estável e um cenário internacional muito favorável. Outras economias em desenvolvimento crescem, entretanto, a taxas mais altas e por períodos mais longos, bem como registram menor volatilidade. A região deve solucionar as carências microeconômicas importantes associadas a retrocessos em seus índices de competitividade, baixos níveis de poupança e investimento, infraestrutura de baixa qualidade, um ambiente de negócios difícil e sistemas financeiros pouco profundos. Em matéria social, a situação é ainda mais preocupante. Embora a pobreza tenha diminuído e o acesso a serviços básicos melhorado, a iniqüidade e as crescentes lacunas internas 84 . Desafios Regionais no desenvolvimento dos países são alguns dos principais desafios que confrontam a região. Em busca de uma Agenda Integral de Desenvolvimento A Agenda Integral de Desenvolvimento promovida pela CAF dá destaque à consecução de um crescimento forte, sustentado, sustentável e de qualidade na América Latina: forte, para começar a diminuir a lacuna de desenvolvimento Agenda para o Desenvolvimento Integral Por L. Enrique Garcia, Presidente, CAF em relação a países de renda alta e compensar o crescimento demográfico; sustentado, para evitar que o crescimento seja errático e volátil, como o foi nas últimas décadas, e assegurar a continuidade do progresso econômico e do bem-estar social; sustentável em suas dimensões ambientais e sociais, para assegurar a viabilidade do capital natural entre gerações, respeitar a diversidade cultural e manter a governabilidade democrática na região; e de qualidade, significando que o crescimento deve ser inclusivo a fim de beneficiar a maior proporção da população de maneira assimetricamente eqüitativa em favor dos segmentos menos favorecidos, de modo a diminuir a iniqüidade e a pobreza na região. Para realizar esses objetivos, o crescimento deve ter por base a preservação dos avanços da estabilidade macroeconômica, a melhoria Desafios regionais: Uma perspectiva a partir da CAF da eficiência microeconômica e a decidida priorização das agendas que promovam maior eqüidade e inclusão social e a redução da pobreza. Por um lado, para que o crescimento econômico seja sustentado, é preciso que ele diminua cada vez mais a sua dependência das condições mutáveis do cenário econômico internacional, que a América Latina em geral ainda mantém, e se apóie em uma transformação das suas economias que melhore sua produtividade e agregue valor às vantagens comparativas nacionais. Por outro lado, a melhoria da produtividade requer maior investimento em todas as formas de capital – o humano, o social, o natural, o físico, o produtivo e o financeiro –, posto que a única maneira de incrementar a produtividade é a maior disponibilidade e qualidade das diversas formas de capital; por sua vez, isso CAF . 85 também fortalece a competitividade e permite uma inserção internacional mais eficiente e de melhor qualidade. à participação na Corporação como membros plenos, ou seja, em condições de igualdade com os membros fundadores. É nesse sentido que adquirem especial importância os múltiplos processos de integração e inserção regional e internacional em curso na América Latina e que têm relevantes implicações para a Corporação. De fato, a CAF tem estado, de muitas maneiras, na vanguarda de vários desses processos; a título ilustrativo, basta assinalar o papel de liderança que a Corporação assumiu no desenvolvimento da Iniciativa para a Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). No seu papel integracionista, a CAF contribuiu para a formação de consensos entre os atores econômicos, políticos e sociais da região, propondo alguns dos principias objetivos estratégicos em torno da definição de uma Agenda Integral de Desenvolvimento. Desde inícios da década de 1990 que a CAF se vem antecipando aos processos mais amplos de integração sul-americana e latino-americana mediante uma ampliação substancial de suas ações, a ponto de hoje os países latino-americanos serem, na sua maioria, membros da Corporação, o que lhe permite desempenhar um papel integracionista cada vez mais ativo na região. Mais recentemente, em seguimento a propostas emanadas das cúpulas presidenciais latino-americanas, a CAF modificou o seu Convênio Constitutivo a fim de permitir a incorporação de outros países latino-americanos que atendam aos requisitos necessários 86 . Desafios Regionais 1. Promover a sustentabilidade macroeconômica nos países membros. Promover o fortalecimento dos sistemas financeiros e mercados de capitais. Contribuir para o aprofundamento dos mercados financeiros. Apoiar as melhorias na eficiência e qualidade do gasto fiscal e dos sistemas tributários. Promover o fortalecimento da institucionalidade necessária para apoiar a sustentabilidade macroeconômica. Promover os consensos nacionais relacionados com a implantação da Agenda Integral de Desenvolvimento. 2. Promover o desenvolvimento econômico mediante o aumento do investimento público e privado e da produtividade. Promover o desenvolvimento do capital Por L. Enrique Garcia, Presidente, CAF físico, especialmente em transporte, energia e telecomunicações. Promover o desenvolvimento do capital produtivo e do capital humano associado à produção, ou capital laboral. Promover e priorizar o desenvolvimento das pequenas e médias empresas (PMEs) e sua inserção nas cadeias produtivas domésticas e exportadoras. 3. Apoiar a integração dos países da região e sua inserção nos mercados globais. Apoiar os processos de integração econômica em todas as instâncias de inserção: bilateral, regional e multilateral. Apoiar o desenvolvimento sustentável da infra-estrutura física de integração e os processos logísticos conexos. Promover o desenvolvimento de nichos e cadeias produtivas a fim de agregar valor Desafios regionais: Uma perspectiva a partir da CAF às vantagens comparativas da região e potencializar a inserção competitiva de suas indústrias nos mercados globais. Facilitar a transformação produtiva da região. Apoiar outras dimensões dos processos de integração, tais como a fronteiriça, a cultural, a social, a ambiental, etc. 4. Promover o desenvolvimento humano e social eqüitativo e solidário Apoiar o desenvolvimento de melhores serviços de educação, saúde, abastecimento de água e saneamento, tanto no âmbito urbano como no rural. Apoiar o fortalecimento da institucionalidade governamental (sistema de administração e controle) a fim de aumentar a eficiência (qualidade e cobertura) do investimento social. Contribuir para o consenso em torno das CAF . 87 políticas públicas relacionadas com temas sociais, tais como qualidade do gasto, distribuição da renda, inclusão social, etc. Promover o desenvolvimento da microempresa e de outros setores que têm limitado acesso ao capital. 88 . Desafios Regionais 5. Promover a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas e dos recursos naturais Apoiar e promover projetos de conservação, restauração e saneamento ambiental. Promover o desenvolvimento de mercados de bens e serviços ambientais. Reforçar e melhorar os níveis e a qualidade do investimento orientado para o setor ambiental, bem como seu fortalecimento institucional. Promover o compromisso e a responsabilidade ambiental e social nos países. CAF . 89 Banco Centro-Americano de Integração Econômica Desafios Regionais Por Harry E. Brautigam Presidente, BCIE Pobreza A pobreza continua afetando quase todos os países da região. Em alguns foi possível conseguir importantes reduções, em outros a diminuição foi modesta, e em terceiros a pobreza acentuou-se após crises macroeco- nômicas. Na maioria dos casos, o crescimento econômico foi moderado ou não produziu impacto significativo. As políticas sociais não foram suficientes para suprimir a pobreza. Até 2009 muitos países ainda continuarão apresentando níveis altos de pobreza e, inclusive, de pobreza extrema. Indicadores de Pobreza País PIB Per Cápita Guatemala $4,155( 2006) El Salvador $4,518 (2005) Honduras $1,089 (2005) Nicaragua $754 (2005) Costa Rica $10,434 (2006) Fonte: RUTA, USAID, AméricaEconómica.com 92 . Desafios Regionais Taxa de Inflação (2006) 5.8 4.9 5.3 9.4 9.4 Abaixo da Linha da Pobreza 56.2% 53% 64.2% 68% 20% Por Harry E. Brautigam Presidente, BCIE Desafios Regionais a pobreza, os governos ainda não contam claramente com elementos fortes para reduzir a desigualdade. Às vezes eles tomam iniciativas excessivamente radicais que acabam por prejudicar as possibilidades de crescimento e produzir impacto na desigualdade de maneira apenas conjuntural. Desigualdade Mesmo nos casos em que foi possível atenuar a pobreza (o Chile, por exemplo), ainda se constatam níveis importantes de desigualdade. Embora disponham de ferramentas sociais – políticas focalizadas – para combater Indicadores de Desigualdade Indicador Costa Rica El Salvador Guatemala Desenvolv. social em 2000 0.82 0.706 Posição entre 173 países 43 104 Tendência 1990 a 2000 Melhorou Melhorou Desigualdade de renda Total até 1999 Coeficiente de Gini 0.47 0.52 Tendência 1990 a 1999 Aumento Aumentou Honduras Nicaragua 0.631 120 Melhorou 0.638 116 Melhorou 0.635 118 Melhorou 0.58 Sem mudança 0.56 Diminuiu 0.58 Sem mudança Región 0.67 112 Melhorou Fonte: BID BCIE . 93 Crescimento econômico O desempenho na América Latina foi significativamente inferior ao de países asiáticos. Com as atuais taxas de crescimento e levando-se em conta que em um bom número de países da região – centro-americanos e alguns sulamericanos – a taxa de crescimento populacional ainda é elevada, têm-se como resultado modestos aumentos da renda per capita. Porcentagens de Crescimento Econômico Centro América El Salvador Costa Rica Guatemala Honduras Nicaragua América Latina y el Caribe 1990-94 1995-99 2000-04 2005 2006 2007* 3.7 5.9 5.2 3.9 2.7 0.6 4.3 3.9 5.4 4.2 2.7 5.4 3 2.1 3.2 2.6 3.9 3.0 3.7 2.8 4.1 3.2 4.2 4.0 3.8 3.5 3.7 4.0 4.0 4.0 3.8 3.4 3.5 4.0 4.0 4.0 2.9 2.5 2.2 4.5 4.6 4.3 *Projeção. Fonte: CEPAL. A degradação do meio ambiente persiste na maioria dos países latino-americanos, o que Muitos dos países da região – principalmente acentua a pressão sobre sistemas ecológicos da América Central – são propensos a sofrer por si sós já muito frágeis. numerosos flagelos ambientais e sísmicos. Por um lado, constatam-se fenômenos como Migração as correntes El Niño e La Niña; por outro, há os furacões no Caribe e, se isso não bastasse, A América Latina é uma zona de expulsão de tem-se ainda uma excessiva propensão a mo- mão-de-obra para os Estados Unidos e a Eurovimentos sísmicos e, inclusive, terremotos. pa. Os fluxos migratórios estiveram presentes Vulnerabilidade ambiental 94 . Desafios Regionais Por Harry E. Brautigam Presidente, BCIE Indicador de Migración Desafios Regionais rica do Sul, que têm abundante produção de petróleo, outros são fortemente dependentes do combustível importado. Nesse sentido, as oscilações no preço internacional do petróleo continuarão produzindo resultados díspares entre os países: enquanto uns vêem com satisfação a sua alta, outros serão por ela prejudicados. Fonte: Centro Centro-Americano de População. em quase todo o século XX e não há indícios de que venham a diminuir nas próximas décadas. A migração é uma decorrência óbvia da precariedade do trabalho e da lacuna salarial em relação ao Norte. Dependência do petróleo Apesar de haver países, especialmente na Amé- Fonte: Autoridades nacionales y estimaciones del FMI. BCIE . 95 Violência A América Latina é uma das regiões mais violentas do mundo. Acreditava-se que, com a cessação dos conflitos bélicos que assolaram alguns países por razões ideológicas, sobreviria uma época de paz. O resultado, entretanto, foi uma violência crescente cuja mescla de maras (quadrilhas) e de tráfico de drogas ameaça produzir rupturas sociais profundas e solapar ainda mais a credibilidade das instituições públicas. Indicadores de Violência Delitos Tipificados: Homicidios Anos Países Centro-Americanos Guatemala El Salvador Honduras Costa Rica Nicaragua Panama 2002 2003 2004 3631 4237 4025 1808 1988 2493 3629 2224 1693 251 292 214 554 652 663 347 324 285 Total 11893 6289 7546 757 1869 956 Fuente: Ministerio de Gobernación de Guatemala Prioridades institucionais do BCIE Para atender aos desafios regionais, o BCIE está implementando a sua Estratégia Global 2004-2009, que definiu três eixos para a ação do Banco: (i) combate à pobreza; (ii) integra- 96 . Desafios Regionais ção regional, e (iii) inserção competitiva dos países centro-americanos na economia global (globalização). Para cada eixo identificou-se um conjunto de objetivos com suas respectivas áreas de concentração. Objetivos Estratégicos do BCIE 2004-2009 Combate à Pobreza Integração Globalização 1. Gerar oportunidades que levem à criação de emprego formal. 1. Incentivar e fortalecer o mercado financeiro da região. 1. Contribuir para a melhoria do ambiente de negócios da região a fim de promover o investimento estrangeiro direto e local, de forma amigável com o meio ambiente. 2. Facilitar o acesso ao crédito, promovendo a liderança do Banco no setor de microfinanças. 3. Apoiar os países no desenvolvimento de soluções sustentáveis para a satisfação de necessidades básicas nas áreas de saúde, educação e habitação. 4. Contribuir para o fortalecimento das administrações públicas, especialmente dos governos locais, com programas que promovam sua autonomia econômica e sua capacidade de gestão. 2. Propiciar a harmonização de marcos regulatórios e a adoção de melhores práticas no nível regional, bem como promover a segurança jurídica da integração. 3. Incentivar o processo da região de integração física, econômica, comercial e do conhecimento, em harmonia com o meio ambiente. 4. Incentivar a otimização no manejo, conservação e uso dos recursos naturais da região. 2. Promover a competitividade da região para sua adequada inserção no mercado internacional, em harmonia com o meio ambiente. 3. Desempenhar um papel chave de apoio aos países nos processos de negociação, ratificação, implementação e sustentabilidade dos acordos de abertura econômica. 4. Contribuir para reduzir os impactos desfavoráveis que a globalização possa provocar. 5. Incentivar a transferência de experiências e conhecimentos entre os países membros do Banco e o mundo. BCIE . 97 Banco de Desenvolvimento do Caribe Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 Uma Visão do BDC Introdução por Compton Bourne, PhD, OE Presidente, BDC O Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC) saúda a oportunidade de contribuir ao trabalho do Processo de Cúpulas da Organização dos Estados Americanos (OEA). Como membro do Grupo de Trabalho Conjunto de Cúpulas, estamos conscientes da importância das contribuições das Cúpulas das Américas rumo ao desenvolvimento da região caribenha. A próxima Cúpula das Américas se realizará em um país caribenho, Trinidad e Tobago, e o BDC está satisfeito de estar associado ao processo de Cúpulas, especialmente dada a importância da Quinta Cúpula das Américas, que está demonstrando a liderança caribenha na agenda de desenvolvimento do Hemisfério. O BDC é um pequeno banco de desenvolvimento regional que trabalha em conjunto com vários parceiros da área de desenvolvimento e está em constante necessidade de coordenar doações para evitar duplicaçõe de esforços e para fortalecer sinergias na região. Espero que as contribuições do BDC a essa publicação facilitem o diálogo entre atores-chave na identificação e construção de consenso nas áreas temáticas prioritárias a serem discutidas na próxima Cúpula das Américas. Compton Bourne PhD, OE Presidente Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC) 100 . Desafios Regionais Introdução por Compton Bourne Presidente, BDC Na visão do Banco de Desenvolvimento do Caribe (BDC), os desafios mais sérios que a Região do Caribe (doravante a “Região”) e por extensão o Hemisfério enfrentam, agora e até 2009, são descritos abaixo: Vulnerabilidade Econômica Dado que a Região do Caribe é formada predominantemente por pequenos Estados, a redução da vulnerabilidade é vital. A vulnerabilidade econômica é definida como a suscetibilidade de um país ao choque externo adverso que coloca em risco o seu desempenho voltado para o desenvolvimento – em virtude de forças que em grande medida estão fora do seu controle – e é uma conjugação destes três fatores: a incidência e a intensidade dos riscos Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 e ameaças, e o poder de recuperação ou a capacidade de resistência a riscos e ameaças e de recuperação de ameaças externas de natureza econômica e ambiental. Dois estudos importantes dessa vulnerabilidade foram levados a cabo pela Secretaria da Comunidade Britânica e pelo BDC.1 Embora suas metodologias sejam diferentes, os resultados são semelhantes. Ambos concluíram que os pequenos Estados são especialmente vulneráveis a forças econômicas externas e a riscos ambientais e incluíram os Estados caribenhos entre os que apresentam os mais altos índices de vulnerabilidade. Especialmente preocupante é a questão da transição para o mutável comércio global em que o novo ambiente de negociação produziu mudanças na regulação do mercado bananeiro porque as antigas normas foram consideradas incompa- 1 Ver Atkins, Mazzi e Easter, A Commonwealth Vulnerability Index for Developing Countries: The Position of Small States, Secretaria da Comunidade Britânica, janeiro de 2000; e Tom Crowards, An Index of Economic Vulnerability for Developing Countries, Banco de Desenvolvimento do Caribe, Departamento de Economia e Programação, fevereiro de 2000. BDC . 101 tíveis com as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC). A erosão de preferências terá um efeito generalizado em Dominica, São Vicente e Santa Lúcia que afetará de forma desproporcional os pobres. Diversificação Econômica A diversificação econômica é vista como um dos recursos fundamentais para o desenvolvimento econômico sustentável, sendo, por conseguinte, um dos principais objetivos das economias regionais. No Caribe, a necessidade de diversificação assume maior importância, dada a vulnerabilidade da Região a choques econômicos, em virtude do seu pequeno tamanho e da sua base de produção estreita. As economias caribenhas dependem tipicamente de um ou dois setores para contar com renda produtiva, emprego e divisas estrangeiras; por conseguinte, estão sujeitas a choques setoriais específicos. Muitos países têm no turismo a sua principal fonte de renda, e no âmbito desse setor os turistas oriundos dos Estados Unidos da América ou do Reino Unido respondem por parcela importante da corrente turística. Em conseqüência, os Países Membros Mutuários (BMCs) do Banco de Desenvolvimento do Caribe dependentes desses mercados estão sujeitos a contrações em suas economias. 102 . Desafios Regionais O setor de serviços financeiros, cuja contribuição foi importante para a atividade produtiva e o alto padrão de vida de vários BMCs, tem sido desafiado por países desenvolvidos que procuram resguardar-se do que consideram “práticas de tributação danosas” e, mais recentemente, conter a incidência do financiamento do terrorismo. A agricultura, sustentáculo de algumas economias caribenhas, também tem estado sob pressão devido ao movimento para liberalizar mercados sob os auspícios da OMC, à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e à erosão do acesso preferencial ao mercado da União Européia. Além disso, os países mutuários do BDC encontram-se na chamada zona dos furacões e são expostos freqüentes vezes a condições climáticas adversas que causam sérios danos aos cultivos, à hotelaria e à infra-estrutura. Reconhecendo a importância de reduzir essa vulnerabilidade, os países têm tentado, em diferentes graus, diversificar suas economias. Altamente dependentes do turismo e dos serviços financeiros, estão incentivando ativamente o desenvolvimento de áreas como o comércio eletrônico e a agricultura. Outros países, que dependem mais da produção agrícola, procuram diversificar atividades no setor de serviços, enquanto alguns se concentram na Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 diversificação dentro do setor agrícola e procuram desenvolver produtos não-tradicionais e segurança alimentar. Além do esforço de diversificação orientado para o fortalecimento de suas economias, os países também estão procurando melhorar a competitividade, que é importante no Caribe, em virtude dos custos relativamente altos tanto dos salários como de outra natureza. Esse empenho em reduzir custos unitários e aumentar a produtividade é especialmente evidente em economias baseadas na agricultura que no futuro terão que competir sem a ajuda de preferências. Para esse fim, a reestruturação do processo de produção com vistas a aumentar a eficiência está sendo promovida, juntamente com metas de rentabilidade, maior controle salarial e melhorias na irrigação. Os países também estão melhorando a viabili- dade do turismo da Região, dado que algumas de suas economias são consideradas destinos consolidados. Em conseqüência, a expansão da hotelaria e a melhoria das atrações turísticas prosseguem e incentivos ao investimento no setor estão sendo oferecidos. O setor de serviços financeiros também está recebendo atenção, vem-se beneficiando de melhorias na estrutura normativa e legislativa para não só assegurar a integridade de jurisdições, mas também estimular o desenvolvimento de empreendimentos com maior valor agregado, como os fundos mútuos e os seguros. Embora governos regionais tenham indicado a intenção de diversificar suas economias no médio prazo e algumas medidas tenham sido implementadas nesse sentido, as atividades de produção atuais deverão prosseguir no futuro próximo. Será necessário dar maior ênfase à BDC . 103 diminuição dos custos unitários e aos ganhos de produtividade para que essas atividades permaneçam competitivas no mercado. Nas economias baseadas nos serviços (que também tendem a ser jurisdições de custo mais elevado), a garantia de que turistas/investidores recebam a justa remuneração do seu dinheiro será decisiva. Qualquer que seja, entretanto, a distribuição da base produtiva, todos os países precisarão reavaliar constantemente a própria posição no mercado, em vista da natureza mutável da economia global, de modo a assegurar que a sua vantagem competitiva não se perca. Vulnerabilidade a Riscos Naturais A suscetibilidade da Região a riscos naturais também cresceu na última década, em virtude dos danos importantes produzidos por terremotos, furacões e erupções vulcânicas. Os furacões e as erupções vulcânicas foram causas especiais de dificuldades. Apesar de os parceiros no desenvolvimento da Região serem fontes firmes de considerável assistência e apoio após a ocorrência de catástrofes e o apoio oriundo da Região e dos próprios países afetados ser louvável, a extensão do dano e da destruição reorientou o enfoque da Região para a necessidade de maiores esforços no 104 . Desafios Regionais sentido de reduzir consideravelmente o risco a catástrofes e de administrá-las. O custo desses desastres para a Região tem sido pesado em termos da perda de vidas, de pessoas feridas e de danos a bens e à capacidade produtiva, neste último caso resultando em perda de empregos e rendas. Os danos causados aos bens e à capacidade de produção resultaram em prêmios de seguro mais altos e na diminuição da produtividade do investimento e foram responsáveis pela reversão do esforço de alívio da pobreza. Bem longe do fortalecimento da capacidade de resposta a catástrofes nos países individualmente considerados e da provisão de maiores recursos à Agência Caribenha de Ação em Situações de Desastre Natural e Emergência, bem como da expansão do alcance dos esforços dessa Agência, uma série de iniciativas estão sendo projetadas no momento para consideração e possível implementação. Incluem-se entre elas as seguintes: a avaliação da viabilidade da emissão de bônus de catástrofes, bem como da contratação de seguro para a manutenção dos pagamentos do serviço da dívida após a ocorrência de uma catástrofe; Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 a atualização de códigos e padrões de construção, aprovação da legislação competente, disposições para facilitar o fortalecimento de estruturas e renovação de medidas de proteção contra tormentas, e disposições para a aplicação de códigos e padrões de construção; incidindo nos casos de risco natural, os problemas ambientais definidos em termos amplos tornaram-se cada vez mais importantes, uma vez que parte considerável do dano resultante desses riscos decorreu da sua interação com assentamentos humanos e com os efeitos da utilização dos recursos naturais pelas pessoas. o mapeamento ambiental e dos riscos e disposições adequadas ao zoneamento do uso da terra e à sua aplicação; e Redução da Pobreza a integração da redução do risco de catástrofes e da sua administração no planejamento econômico e fiscal do setor público, nas operações comerciais do setor privado e no desenvolvimento de um adequado programa de instruções para uso nas escolas. Embora grande parte do enfoque continue Estudos sobre pobreza realizados na sub-região confirmam a natureza multifacetada e mutável da pobreza que apresenta suas próprias peculiaridades e características especiais. Entre as últimas incluem-se os altos e inadmissíveis índices de pobreza relativa e absoluta a que estão expostos amplos segmentos da sociedade (especialmente os que se encontram apenas acima da linha da pobreza), dado o risco que correm de nela caírem. Esse aspecto é agra- BDC . 105 vado pela extrema vulnerabilidade de muitas economias caribenhas em conseqüência da exposição aos freqüentes riscos naturais e a choques econômicos cujo maior impacto incide sobre os pobres. Ainda que muitas das causas da pobreza na sub-região já existissem há algum tempo, novas forças e fatores vêm contribuindo para a complexidade e a persistência de várias formas de pobreza, com isso aumentando a vulnerabilidade na Região. Essas causas compreendem: (a) as disparidades econômicas crescentes dentro dos países e das comunidades; (b) a pouca capacidade do Estado de satisfazer as aspirações da população; (c) as mudanças nos padrões de consumo pessoal; (d) a emergência de novos problemas de saúde, especialmente a pandemia do HIV/ Aids; (e) a importância crescente dos problemas de segurança das pessoas e das comunidades; 106 . Desafios Regionais (f) os impactos da degradação ambiental e da incerteza ambiental nos meios de subsistência; e (g) o enfraquecimento de instituições tradicionais, em especial as famílias numerosas, e seu impacto sobre as famílias mais vulneráveis, inclusive as monoparentais, bem como os idosos e os deficientes físicos e mentais. Dentro da Região, a pobreza também tem sofrido o impacto de fatores históricos e, não obstante o progresso alcançado em todas as áreas de desenvolvimento social, o fenômeno assumiu novas formas e dimensões, no tocante especialmente ao seguinte: (a) o crescimento da pobreza urbana, que freqüentes vezes está associado à migração de áreas rurais, alimenta a criminalidade, intensifica os sentimentos de insegurança econômica e leva a impactos ambientais negativos; (b) as novas formas da pobreza rural, especialmente em países afetados pelas recentes e adversas disposições do mercado global relativamente a culturas tradicionais de exportação; Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 (c) o impacto socioeconômico do HIV/ Aids, no que respeita especialmente às pessoas na faixa etária de 20-34 anos; (d) o envelhecimento da população, acompanhado de sistemas de proteção social inadequados; e (e) as novas modalidades de migração internacional, inclusive os movimentos de refugiados políticos e econômicos. Vem-se patenteando com clareza cada vez maior que os problemas de pobreza se tornaram mais matizados e por essa razão persiste no contexto das rápidas mudanças sociais e econômicas produzidas nos níveis global, hemisférico e local a necessidade de aplicar metodologias científicas apropriadas na coleta e análise de dados que facilitem a compreensão das mudanças e as expliquem. É imperativo que os dados coligidos sejam usados sistematicamente pelas partes interessadas, inclusive autoridades governamentais, na tomada de decisões tanto no nível da formulação política como no do planejamento. Embora já se disponha de alguma evidência desse uso, as experiências coletivas em toda a Região mostraram que muito mais trabalho se faz necessário a fim de apoiar o processo de formulação política e tomada de decisão fundamentada em evidências. É nessa área da assistência ao desenvolvimento que o BDC proporcionou e continuará proporcionando significativo apoio aos países mutuários para uma avaliação da pobreza e das suas múltiplas dimensões. Também foi prestado apoio mediante outras iniciativas, como as políticas e estratégias de redução da pobreza orientadas para o fortalecimento da capacidade dos países BDC . 107 de integrar as preocupações com a redução da pobreza em seus programas nacionais de desenvolvimento. Sustentabilidade Fiscal O desafio para os governos regionais é a melhoria da dinâmica do seu endividamento, na medida de suas possibilidades. O principal enfoque tem que ser a maximização dos saldos primários. Nesse sentido, é preciso haver uma persistente concentração do enfoque na melhoria não só dos sistemas de arrecadação, a fim de maximizar as receitas, como da gestão orçamentária, para assegurar que o dispêndio seja eficiente. Essas ações também contribuiriam para melhores taxas de crescimento e criariam, conseqüentemente, uma dinâmica favorável ao endividamento. Além disso, os sistemas de administração do endividamento precisam ser fortalecidos a fim de minimizar o peso do seu custo e gestão. Antigua e Barbuda, Dominica, Grenada e Guiana beneficiaram-se da reestruturação do endividamento de uma forma que alterou a sua dinâmica, enquanto Belize está negociando a reestruturação da dívida do país com seus credores comerciais externos. Contra o pano de fundo de um desempenho 108 . Desafios Regionais sem brilho do setor produtivo e de pouca atividade do setor de exportações em virtude de condições desfavoráveis de desenvolvimento do comércio, os Governos caribenhos envidaram ingentes esforços para manter o crescimento da renda per capita nos últimos anos. Além disso, as mudanças aceleradas e fundamentais nas “regras do jogo” em virtude da perda de preferências, dos altos preços do petróleo, do impacto de desastres naturais, da política fiscal contracíclica e das decisões fiscais que não deram certo serviram para expor a fragilidade da maioria das economias caribenhas e a sua vulnerabilidade intrínseca. Como resultado, vêm aumentando a preocupação e o enfoque em torno do desempenho fiscal e do nível do endividamento dos governos da Região, em conseqüência do esforço de reestruturação da dívida empreendido por Dominica, Grenada e Belize nos últimos tempos. Também a Guiana está – e brevemente o Haiti estará – recebendo expressivo perdão da sua dívida externa no contexto da Iniciativa para a Redução da Dívida dos Países Pobres Muito Endividados (PPME). Para os países em desenvolvimento, o uso de poupanças externas é vital para o seu crescimento. É preciso, porém, que esses recursos sejam utilizados com eficiência, de maneira que se construa capacidade que será utilizada no sentido de aumentar a renda e as exportações que facilitarão o serviço da dívida. O uso eficiente Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 de recursos de empréstimos pelos governos é essencial nos países em desenvolvimento em cuja economia o Estado desempenha um papel decisivo. Esse uso se traduzirá em uma carga do endividamento manejável. Os estoques de dívidas e o peso do endividamento elevaramse, porém, a níveis bastante altos na região e refletiram não só o uso ineficiente dos recursos, mas também a má gestão do endividamento e o impacto de uma série de choques. Os altos níveis de endividamento podem prejudicar o crescimento dos países pelo desestímulo ao investimento que a incerteza ou a expectativa de que medidas de ajustamento sejam inevitáveis gera, de modo que os retornos serão solapados por tais medidas. No cenário de uma concentração cada vez maior no desempenho fiscal e nos níveis do endividamento, os BMCs tiveram um desempenho fiscal variável, quando comparado com os padrões geralmente aceitos,2 mas a maioria dos países melhorou em 2006. Como nove BMCs são anfitriões de alguns segmentos da Taça Mundial de Cricket, os gastos em conexão com esse evento influíram significativamente no seu desempenho fiscal. Mas a preocupação crescente com os níveis do endividamento e a implementação de programas de ajustamento – quer fossem programas formais do FMI ou não – resultaram em maior ênfase na melhoria do desempenho fiscal. No final de 2006, todos os BMCs, à exceção de dois países, haviam diminuído a proporção entre a dívida e o PIB, em comparação com 2005. Embora esse fato refletisse um melhor desempenho fiscal, também foi uma conseqüência das altas taxas de crescimento do PIB. 2 Os padrões aqui referidos são estes: um saldo em conta corrente igual ou superior a 4% do PIB; um saldo global igual ou superior a menos de 3% do PIB; e uma proporção entre dívida e PIB igual ou inferior a 60%. BDC . 109 Governança A boa governança precisa ser exercida em todos os níveis da sociedade. A governança é definida como “os processos mediante os quais o poder e a autoridade são compartilhados e exercidos na sociedade e influência é exercida em políticas e decisões concernentes ao desenvolvimento e bem-estar das pessoas.” A boa governança é a que dá ênfase à gestão eqüitativa, eficiente e responsável dos recursos públicos e do empresariado em benefício de todas as partes interessadas. É caracterizada por estruturas, sistemas e processos que: (a) incluem todas as partes interessadas e estimulam sua participação; (b) são sensíveis e transparentes a tudo e facilitam o livre fluxo de informações; (c) exigem responsabilidade de parte das pessoas e instituições; e (d) são orientados por regras bem entendidas e aplicadas com justiça. A pesquisa mostrou que há uma relação mutuamente reforçadora entre boa governança, economias fortes e resultados sociais 110 . Desafios Regionais positivos. A boa governança promove um compromisso mais firme com metas comuns e aumenta as perspectivas de êxito na realização de objetivos nacionais, como o aumento dos níveis de investimento e renda, a diminuição da criminalidade e da pobreza e as melhorias de indicadores sociais como a alfabetização e a mortalidade infantil, os itens que mais importam aos grupos carentes e vulneráveis da sociedade. Pode, ademais, contribuir substancialmente para melhorar os padrões e a qualidade de vida a que todos aspiram. Em contraposição, a falta de boa governança pode impedir as pessoas de maximizar os benefícios de seus talentos criativos e de realizar o seu verdadeiro potencial. A boa governança também é um requisito para a criação de um ambiente propício em que os países caribenhos possam fazer a transição para estruturas sociais e econômicas competitivas que permitam ao setor privado desenvolver e florescer, aumentando desse modo a riqueza nacional global. Entre os países mutuários do BDC, a boa governança desempenha este terceiro papel igualmente relevante: promove e ajuda a integração regional, de extrema importância no presente contexto global e hemisférico, na medida em que é a principal estratégia regional para a necessária Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 reinserção do Caribe na economia global. O aprofundamento do movimento de integração regional mediante a implementação do Mercado Único da Comunidade do Caribe (CSME) constitui no momento uma das prioridades de desenvolvimento mais urgentes para a Região. Por conseguinte, na perspectiva do BDC, há um nexo conceptual entre boa governança, reestruturação socioeconômica e transição para o desenvolvimento liderado pelo setor privado, redução da pobreza e reinserção estratégica global. Região resultou em pressões crescentes sobre o meio ambiente, especialmente no caso das economias dependentes do turismo que dão ênfase a praias atraentes e à vida marinha. Isso levou em algumas instâncias à degradação do litoral, agravada por sistemas inadequados de captação de esgoto. Os países, entretanto, implementaram algumas medidas no sentido de conservar e melhorar o meio ambiente, mas esta é uma área que ainda exige maior assistência a fim de assegurar que o desenvolvimento econômico seja sustentável. O Meio Ambiente HIV/Aids e Doenças Não-Transmissíveis Dado o delicado meio ambiente dos pequenos estados insulares, maior atenção deve ser dispensada à proteção dos bens ambientais. É necessário que se dispense maior atenção à proteção dos recursos esgotáveis da Terra. O incremento da atividade econômica na Com as mudanças nos hábitos das pessoas, os temas relacionados com saúde e bem-estar requerem maior destaque. Cumpre enfrentar o HIV/Aids pandêmico e diminuir a alta incidência de doenças não-contagiosas, entre as quais o diabetes, a obesidade, a hipertensão e BDC . 111 as doenças cardíacas. De fato, estimou-se que as doenças não-contagiosas respondem por mais de 35.000 óbitos anuais na Região. Além disso, o custo do controle do diabetes só em Barbados e na Jamaica situa-se entre 300 e 400 milhões de dólares dos Estados Unidos, enquanto a incidência da obesidade oscila de 40 a 75% no Caribe. No que respeita ao HIV/ Aids, a elevada taxa de mortalidade de doentes na faixa etária de 15 a 35 anos é especialmente preocupante, uma vez que essas pessoas integram o contingente mais produtivo da força de trabalho. Devido, entretanto, à importância crescente das doenças não-transmissíveis, sugeriu-se que a Região deve dar às doenças não-transmissíveis a mesma ênfase que atribui ao HIV e à Aids, a fim de manter uma força de trabalho saudável. Desenvolvimento de Recursos Humanos É necessário dar ênfase tanto à quantidade quanto à qualidade da educação ministrada à população. A educação precisa ser adequada e orientada para a modernidade, ou seja, para o uso dos recursos e da tecnologia da informação que podem estimular a criatividade e a inovação. O desenvolvimento da força de trabalho da Região é visto como um componente vital do desenvolvimento sustentável das econo- 112 . Desafios Regionais mias, especialmente em um contexto global mais competitivo. Em algumas instâncias, o crescimento de serviços com grande valor agregado aumentou a demanda por técnicos e profissionais que a força de trabalho local foi incapaz de fornecer; o resultado foi o aumento da migração desse pessoal. Dentro da Região concentraram-se atividades na universalidade da educação primária e secundária, com acesso eqüitativo e eficiente à capacitação técnico/ vocacional e à educação terciária. O acesso à educação primária e secundária é universal na maioria das economias regionais. Para alguns países, entretanto, o acesso universal à educação secundária e pós-secundária representa um desafio do desenvolvimento – situação que é agravada pela inadequada formação dos professores. Esforços no sentido de melhorar o acesso à educação também se concentraram no aprimoramento da formação dos professores, na melhoria do acesso aos serviços educacionais e das instalações de ensino e na maior utilização das tecnologias da computação com a finalidade de reforçar a educação e diminuir a proporção professor-aluno. O BDC projetou várias áreas que deverão ser necessariamente consideradas no médio prazo. São estas: (a) o desenvolvimento da primeira infância; (b) a educação secundária; (c) a edu- Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 cação pós-secundária/terciária e a educação à distância, inclusive de jovens e adultos à procura de oportunidades alternativas, e (d) o planejamento e a gestão. O BDC sugeriu que essas necessidades poderiam ser consideradas dentro destes quatro grandes tópicos: (i) incremento e ampliação do acesso a fim de reduzir a superlotação, melhorar o ambiente do ensino e inserir um número grande de pessoas que no momento não estão sendo adequadamente atendidas; (ii) aumento da eficiência e efetividade mediante reforma curricular, melhoria dos sistemas de teste e avaliação e reforma pedagógica para assegurar aos egressos das escolas uma preparação mais adequada ao mercado de trabalho; (iii) fortalecimento da capacidade institucional, e (iv) aumento do potencial tecnológico de crescimento do número de pessoas preparadas e competentes no uso de tecnologias da computação. Questões Concernentes à Integração A participação efetiva na arena global requer que a Região liberalize seus mercados. Embora haja vantagens a serem auferidas dessas disposições, especialmente benefícios de custo para o consumidor e ganhos de eficiência, o envolvimento da Região teve um preço. A diminuição de indústrias exportadoras fundamentais, como a açucareira e a bananeira, talvez tenha sido a perda mais sensível até o momento em termos de contribuição econômica, capacidade de ganho de divisas estrangeiras e, mais importante ainda, deslocamento social em conseqüência da recessão do trabalho – situação que foi agravada pela ausência de novos investimentos em outros setores de crescimento. À luz dessa experiência e de outras considerações, a Região teve que examinar mais cuidadosamente as implicações BDC . 113 de maior liberalização e o seu envolvimento em negociações comerciais. Nesse contexto, determinados problemas foram identificados como decisivos para a participação efetiva em um contexto mais liberalizado. Essas questões foram levantadas no marco do Programa de Cooperação Hemisférica da ALCA em que o BDC assumiu um papel chave no que respeita ao esforço no sentido de mobilizar recursos para a CARICOM, embora elas se apliquem a todos os acordos. Incluem-se entre as preocupações vitais, inter alia, a necessidade de avaliar o impacto de negociações de finanças públicas, a capacitação em negociações de comércio, o fortalecimento institucional, a assistência na coordenação de normas de comércio, o planejamento estratégico, a maior consulta à sociedade civil e ao setor privado, a melhoria da publicação e transparência de leis e normas. Estes são apenas alguns dos temas que os países mutuários do BDC precisam considerar a fim de atuar no novo contexto global. A integração regional tem sido vista como o principal meio de a Região tirar proveito de um mercado cada vez mais liberalizado; já a integração regional mais profunda assumiu a forma do Mercado Único da CARICOM (CSME), que fluiu em 2006. O CSME, tal como foi concebido, permitiria aos países aproveitar uma série de oportunidades, como o benefício de um mercado de maior porte, os ganhos em economias de escala e outras vantagens de eficiência administrativa para permitir aos produtores regionais atingir um nível mais alto de competitividade e maior flexibilidade de produtos e produção. Todavia, diferenças nas dotações de fatores e preços, nos níveis de desenvolvimento econômico e nas normas sociais, culturais e políticas podem dar ensejo a que setores, países ou regiões fiquem em posição desvantajosa na transição para o CSME e/ou no seu funcionamento. Outra preocupação advém do efeito nivelador que o CSME deve produzir no desenvolvimento, com alguns tomadores de decisões receando a possibilidade de que economias estanquem ou se deprimam enquanto outras prosperam. Em parte por essa razão,3 sugeriu-se o estabelecimento de um Fundo Regional de Desenvolvimento. A maximização dos benefícios do CSME e a coesão com o dispositivo proposto não serão asseguradas se não houver estratégias eficientes, claras, justas e objetivas 3 Outras justificativas seriam desastres naturais, baixos níveis temporários de desenvolvimento econômico ou a designação de “país pobre muito endividado” 114 . Desafios Regionais Desafios para O Hemisfério Até O Ano de 2009 para gerir a transição e amenizar as desvantagens dos participantes economicamente mais fracos. A gestão da transição e o esforço para amenizar a desvantagem dos participantes economicamente mais fracos exigirão certamente importantes recursos financeiros. Via de regra, as estratégias que tratam dos efeitos da transição e da desvantagem estrutural das economias mais fracas (na medida em que o mecanismo de livre comércio for incapaz de responder ou o faça devagar demais e onde houver conseqüências adversas potenciais para a coesão dentro da comunidade) são preferíveis às estratégias para desacelerar ou impedir o livre comércio. Por conseguinte, a provisão de assistência técnica e financeira tal como foi proporcionada no tratado sob a forma desse Fundo de Desenvolvimento Regional será decisiva para a coesão do Mercado Único da Comunidade do Caribe. BDC . 115 Organização Internacional para as Migraçôes Desafios Regionais: Perspectivas do OIM Introdução por Brunson McKinley Diretor Geral, OIM “Migração é um aspecto comum e necessário da vida. É universalmente reconhecido que migrantes têm contribuído significantemente ao desenvolvimento das sociedades. Migração é não apenas um aspecto integral e potencialmente benéfico do mundo moderno, mas um fator primordial ao crescimento, estabilidade e prosperidade.” Brunson McKinley Diretor Geral OIM 118 . Desafios Regionais Introdução por Brunson McKinley Diretor Geral, OIM Introdução A migração é um dos movimentos humanos mais antigos. À medida que nos aprofundamos no século XXI, deparamos com um fenômeno que cresce tanto em complexidade como em números absolutos. Em 2005, estimava-se que mais de 191 milhões de pessoas (3% da população mundial) haviam participado do processo mundial de migrações – o equivalente a um aumento de mais de 121 milhões de pessoas – no decurso de 45 anos.1 A crescente mobilidade global e regional, integração econômica, transporte moderno, sistemas de comunicação, tendências demográficas atuais e grande diferenças nos níveis de renda entre países desenvolvidos e em desenvolvimento Desafios Regionais: Perspectivas do OIM estão entre as principais razões do aumento da migração. Na América Latina e no Caribe (ALC), a migração é incentivada pelas crescentes disparidades na distribuição de riquezas em uma região onde as disparidades já são amplas e têm sido agravadas pelo fenômeno da globalização, reestruturando economias nacionais e a sucessão de crises financeiras desde a metade da década de 90. Guerras e desastres naturais também têm ultimamente gerado sobrecarga nos fluxos migratórios, predominantemente nos fluxos entre fronteiras, rural-urbano e entre cidades de um mesmo país. Nas Américas, a combinação de vários desses 1 ONU Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. Divisão de População, International Migration, 2006. Ver em http://www.un.org/esa/population/publications/2006Migration_Chart/Migration2006.pdf OIM . 119 fatores cria uma das populações mais móveis do mundo. Segundo o World Migration Report 2005, da OIM, cerca de 20 milhões de latino-americanos e caribenhos viviam fora de seus países de origem, a maioria na América do Norte, e três milhões na América Latina e no Caribe. Ao longo de um período de cinco anos, de 1995 a 2000, a taxa líquida de emigração correspondente à América Latina e ao Caribe foi a mais alta de todas as regiões do mundo, com uma perda contabilizada de 1,5 migrante por 1.000 habitantes (International Migration, 2006). Desde a metade da década de 90, migrantes da América Latina e do Caribe têm migrado em massa para os Estados Unidos e, mais recentemente, para a Europa. A Espanha é o destino preferido de migrantes do Equador, Colômbia, Peru e República Dominicana. Brasileiros vão para o Japão e Portugal; peruanos e argentinos para a Itália; e migrantes dos países caribenhos para o Reino Unido, Estados Unidos e Canadá. De acordo com estudos recentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID 2006), as remessas de dinheiro destes migrantes aos seus países de origem têm crescido desde o ano 2000, superando a marca de US$ 66 bilhões em 2006. Este aumento tem feito a ALC a região que mais recebe remessas de 120 . Desafios Regionais dinheiro, responsável por 40% do volume de remessas no mundo em desenvolvimento. Esses fluxos são vistos por alguns não só como uma válvula de segurança contra o desemprego e a pobreza, mas também como uma fonte de remessas que pode ajudar a reduzir a probreza daqueles que as recebem, complementam a suas rendas e os proporcionam com recursos que podem ser usados para o consumo, poupança ou investimento em áreas relacionadas ao desenvolvimento (como educação, saúde e empreendedorismo). Essas remessas são, entretanto, feitas a um alto custo pessoal: o isolamento e a desintegração da família incluem-se entre os efeitos colaterais da experiência de alguns migrantes. Além disso, os migrantes são vulneráveis a doenças contagiosas (HIV/Aids, tuberculose e doenças sexualmente transmissíveis) devido à falta de acesso a assistência sanitária, à maior exposição a doenças durante o processo de migração e/ ou a condutas de risco. A discriminação legal e/ou social em conseqüência de preconceito e exclusão xenofóbica faz parte das dificuldades que os migrantes enfrentam em trânsito e nos países de destino no Hemisfério. Paralelamente, medidas reforçadas de segurança das fronteiras aceleraram a exploração comercial do contrabando e tráfico de pessoas. Desafios Regionais: Perspectivas do OIM Segundo projeções feitas, as lacunas entre a procura e a oferta de trabalho deverão alargar nos próximos anos, em conseqüência do envelhecimento e diminuição da população em grande parte do mundo industrializado e do seu aumento em grande parte do mundo em desenvolvimento. Prevê-se que as disparidades dos salários e das oportunidades nos âmbitos do mundo desenvolvido e em desenvolvimento, bem como entre eles, também persistirão e estimularão continuamente a mobilidade da força de trabalho (Sul-Norte, Sul-Sul, LesteOeste, etc.). Finalmente, cabe reconhecer que a migração abre muitas oportunidades para a mulher (inserção no mercado de trabalho, autonomia, mudança nos papéis e relações de gênero, etc.), mas também a expõe a riscos (violação dos direitos, assédio físico e no trabalho, vio- lência física). Diálogos e processos de migração nas Américas – Cooperação multilateral Há uma grande necessidade de assegurar a incorporação da migração nas agendas de planejamento do desenvolvimento nos níveis nacional e internacional, dado que essa medida favoreceria a coerência política. A OIM acredita que é preciso haver coerência política para que os benefícios da migração sejam captados em favor do desenvolvimento, com vistas a evitar os efeitos negativos diretos e indiretos de agendas de políticas potencialmente competitivas, em matéria, por exemplo, de comércio, trabalho, emprego, saúde, segurança e bem-estar social. Um aspecto dessa tarefa que com excessiva freqüência é negligenciado diz respeito às políticas específicas de gênero OIM . 121 dirigidas ao apoio das migrantes e suas famílias que também contribuirão para a realização de metas de desenvolvimento orientadas especialmente para a mulher. No momento, a maioria das políticas de governo e das estruturas estratégicas de desenvolvimento, como os Processos de Estratégia para a Redução da Pobreza (PRSP) e as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM), não integra sistematicamente as considerações sobre migração. Alguns países não estão dando passos concretos nesse sentido. Tal como ocorre com as análises do impacto ambiental, as considerações sobre migração precisam ser rotineira e desagregadamente incorporadas no planejamento do desenvolvimento. Mudar de considerações sobre “migração e desenvolvimento” para considerações sobre “migração em desenvolvimento” requer diálogo efetivo e esforçors cooperativos entre os vários atores nos campos da migração e desenvolvimento em níveis nacional, regional e global. Diálogos multilaterais e consultas regionais são instrumentais em congregar atores relevantes e aperfeiçoar o entendimento da complexa relação entre migração e desenvolvimento. Ao longo de 2006, o vínculo entre migração e 122 . Desafios Regionais desenvolvimento foi objeto de ampla atenção internacional. O tema foi inicialmente tratado na Conferência Ibero-Americana sobre Migração e Desenvolvimento, em julho desse ano, com o objetivo de contribuir para maior cooperação entre países de origem, trânsito e destino, e mais tarde no Diálogo de Alto Nível das Nações Unidas, em Nova York. A OIM lançou a Iniciativa Internacional sobre Migração e Desenvolvimento (IMDI), que é um projeto para migração trabalhista e programas de desenvolvimento e conselhos políticos sobre, e colaboração governamental e do setor privado. O objetivo é contribuir aos esforços da comunidade internacional e encontrar formas apropriadas de maximizar os benefícios de desenvolvimento da migração trabalhista internacional e minimizar seus impactos negativos. Uma das conseqüências chave do HLD foi o acordo para convocar o Fórum Global em Migração e Desenvolvimento. Seus objetivos são produzir propostas concretas, i.e. propostas para ações concretas, modelos manejáveis, programas-piloto, multi-stakeholder parcerias e coalições. O primeiro encontro deste Fórum será realizado pelo Governo do Reino da Bélgica em Julho de 2007. Desafios Regionais: Perspectivas do OIM Durante a última Conferência Regional sobre Migração (CRM),2 realizada em San Salvador, em maio de 2006, os governos participantes reconheceram a contribuição positiva dos migrantes e realçaram a relevância de programas que associam os naturais de um país que se encontram no exterior às suas comunidades de origem, bem como a importância da assinatura de um Memorando de Entendimento entre os governos do México, El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua para a repatriação digna, ordenada, ágil e segura de naturais centro-americanos migrantes via terrestre. Esse acordo constitui uma prática ótima que complementa os esforços desses governos no sentido de promover e proteger os direitos humanos dos migrantes. Finalmente, os governos reiteraram o seu compromisso de combater o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes e incentivaram a cooperação, especialmente no sentido de proporcionar proteção a vítimas do tráfico. Para esse efeito, sublinharam a importância das campanhas de informação sobre os riscos e conseqüências associados à migração irregular. A próxima CRM será realizada em Nova Orleans, em abril de 2007, e focalizará as estratégias de cooperação para o combate ao tráfico de pessoas. Recentemente, a Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Montevidéu (dezembro de 2006), reconheceu a Conferência Sul-Americana sobre Migração como um fórum para o fortalecimento do diálogo intra-regional e a cooperação em temas pertinentes à migração, incluindo direitos hu- 2 A OIM presta a este processo assessoramento técnico e apoio para a implementação do plano de ação. Para maiores informações, ver http://www.rcmvs.org. OIM . 123 manos e o contrabando e tráfico de pessoas. A Declaração de Montevidéu ressaltou a ampla abordagem dessa Conferência e a sua contribuição para a integração de vários tópicos que representam áreas estratégicas para cooperação efetiva. No Caribe, a OIM organizou diversos seminários regionais3 a fim de promover o diálogo. Não existe, entretanto, nenhum processo formal de consulta sobre migração, fato que foi matéria de uma das recomendações da Conferência Ibero-Americana sobre Migração e Desenvolvimento acima citada. A abordagem dos desafios da migração nas Américas Para a neutralizar os fatores de propulsão da migração, são necessárias estratégias de desenvolvimento integral que criem emprego e promovam melhorias em termos de governança, com vistas a uma distribuição mais igualitária da riqueza. As tendências e padrões da migração poderiam ser mais bem compreendidos e considerados se lacunas do desenvolvimento estrutural tanto internas (desigualdades e carências institucionais) como externas (acordos de comércio e finanças internacionais) fossem 3 Ver http://www.ion.int/unitedstates. 124 . Desafios Regionais abordadas. De qualquer modo, a migração (e as remessas monetárias para seus países de origem feitas pelos migrantes em caráter particular ou coletivo) não pode ser vista como um substituto do desenvolvimento. As políticas de migração dos países que recebem migrantes estão ficando cada vez mais seletivas, e buscam migrantes com altas qualificações para cobrir os déficits em determinados setores trabalhistas. Fenômenos de longo-prazo como os crescentes graus de dependência devido ao envelhecimento da população e outros fatores econômicos e culturais aumentam a brecha entre a procura por trabalhadores qualificados em países industrializados e a disponibilidade da oferta local. Um tipo específico de fluxo migratório que expõe um desafio particular aos países da ALC é a saída de profissionais da área de saúde, a maioria médicos e enfermeiros. Os principais países destino destes profissionais da saúde são o Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá e outras nações industrializadas. Os principais provedores são Filipinas, Índia e países da ALC. Em 2004, houve 2,810 vagas para enfermeiros Desafios Regionais: Perspectivas do OIM em países do CARICOM. No início de 2005, o número de vagas para enfermeiros no Caribe subiu 35 por cento. Muitas nações não estão mais em posição de melhorar ou mesmo manter a qualidade de seus serviços de saúde, como resultado da falta de profissionais. Os custos ao país de origem incluem perdas diretas, como custos relacionados a treinamento, e custos indiretos, como a diminuição da qualidade dos serviços de saúde, e portanto, a queda da podutividade da economia nacional. Está na alçada dos governos promover políticas orientadas para o aproveitamento dos migrantes qualificados mediante migração circular, acordos de cooperação para regular o intercâmbio e medidas de incentivo ao retorno da força de trabalho qualificada a seus países de origem. O estabelecimento de programas de migração da força de trabalho a fim de impedir a migração irregular4 e a vulnerabilidade associada a essa forma de migração é outra importante área a ser explorada. As estatísticas mostram que esses programas têm impacto direto e muito êxito entre trabalhadores migrantes, dado que proporcionam um canal de migração seguro. Um bom exemplo dessa prática é proporcionado pelo Equador, onde a OIM está fortalecendo a capacidade do Governo de administrar a migração para a Espanhamelhorar o potencial da Unidade de Seleção Técnica de Trabalhadores Migrantes (USTTM)5. Nos níveis mundial e regional, muitas convenções sobre direitos dos migrantes achamse em vigor, mas esses instrumentos estão 4 A OIM defende o termo “irregular” em contraposição a “ilegal”, para evitar a criminalização e estigmatização dos migrantes. 5 A Convenção de 1990 foi ratificada por 34 Estados, todos eles considerados “exportadores”. OIM . 125 distribuídos por diferentes segmentos da lei (direitos humanos, direito humanitário, trabalhadores migrantes e direito dos refugiados). Essa dispersão de normas contribui para a crença, amplamente difundida, na existência de importantes lacunas no conjunto de normas de proteção dos migrantes e/ou de regulação da migração. Além disso, há às vezes incerteza quanto à intenção precisa desses instrumentos e falta conhecimento sobre o status de sua ratificação e implementação pelos Estados. Outro tema pertinente é o da ainda insuficiente difusão de informações sobre os direitos e deveres a serem, respectivamente, usufruídos ou respeitados por todos os migrantes e em todos os níveis da administração dos países, bem como as normas internacionais a serem aplicadas por autoridades da migração. A OIM acredita que o Programa Interamericano para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos dos Migrantes, incluindo os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias poderia ser um veículo útil para divulgar essa informação e fazer uma diferença. Uma vez que já existe uma Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Migrantes e de Suas Famílias,6 esse Programa é uma abordagem prática do tema que abrange o que fazem todas as organizações interessadas. Além disso, a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e seus Protocolos adicionais sobre Tráfico e Contrabando7 foram ratificados pela maioria dos Estados membros da OEA, mas não por todos.8 A OIM pode continuar a prestar apoio aos governos e a outros parceiros, como a OEA ou o BID, na formação de capacidades e na maior conscientização desses temas com base em um conhecimento amplo das áreas, por exemplo, de identificação de vítimas, técnicas de entrevista, assistência a menores, campanhas informativas, retorno e reintegração, etc. Dado que os fluxos migratórios no Hemisfério não seguem só a direção Sul-Norte, há uma necessidade real de aperfeiçoar dados estatísticos no campo migratório, particularmente sobre como a migração se relaciona com o 6 Protocolo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças; e Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Terra, Mar e Ar. 7 Para informações atualizadas, ver: http://www.unodc.org/unodc/crime_cicp_signatures_convention.html 8 Diálogo Internacional sobre Migración, Health and Migration: Bridging the Gap, No. 6, CIM, OMS and CDC, 2004, < http://www.iom. int/DOCUMENTS/PUBLICATION/RedBook6_ebook.pdf> 126 . Desafios Regionais Desafios Regionais: Perspectivas do OIM desenvolvimento. Dados precisos são a chave para o entendimento da complexa relação entre migração e desenvolvimento e portanto, às políticas e programas efetivos de desenvolvimento. Também é de vital importância assegurar que considerações de gênero sejam integralmente incorporadas nos processos de migração e desenvolvimento. Outro problema crescentemente observado no contexto da mobilidade de pessoas é a saúde pública. Migrantes conectam ambientes de saúde. Portanto, crescentes populações migratórias têm significantes implicações na saúde, fazendo da saúde um elemento crítico das políticas de migração, o que necessita ser integrado no gerencimento de estratégias para o benefício de indivíduos e sociedades. O estado físico, mental e de bem-estar social do migrante é vital em cada etapa do processo migratório, incluindo a decisão de migrar, a própria viagem, a acolhida na nova comunidade e o eventual retorno. Em cooperação com as Nações Unidas e outras organizações internacionais, governos e outras partes relevantes, a OIM pode providenciar assistência saúde direta a migrantes durante todas as fases do processo de migração. OIM . 127 Organização Internacional do Trabalho A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT Em Brasília, em maio de 2006, poucos meses após a realização da Quarta Cúpula das Américas, os representantes tripartites (governos, organizações de empregadores e de trabalhadores) dos Estados americanos membros da Organização Internacional do Trabalho, assim expressaram: “A partir desta Reunião, inicia-se uma Década de Promoção do Trabalho nas Américas. (…) Com o objetivo de promover o trabalho decente e contribuir para a redução da pobreza nos próximos dez anos, propomos que as políticas constantes do relatório apresentado a esta XVI Reunião Regional Americana orientem as estratégias de desenvolvimento dos países da região e que cada país determine as metas que tem condições de alcançar consoante suas respectivas realidades e prioridades nacionais, incorporando na medida do possível mecanismos tripartites de seguimento, para o que poderiam solicitar o apoio da Organização”.1 1. O relatório aqui referido é o que foi submetido à consideração dos mandatários de nossa Organização no continente: “Trabalho decente nas Américas: A Agenda Hemisférica 2006-2015”.2 Esse relatório sintetiza as principais preocupações dos Chefes de Estado e de Governo do Hemisfério, reunidos em novembro de 2005, e propõe objetivos e metas a serem alcançados em um prazo de 10 anos. Trata-se de um 1 OIT; Conclusões da XVI Reunião Regional Americana; números 8 e 9. Decente 2 http://www.oitamericas2006.org/espanol/agenda_hesmiferica_2006_2015.html 130 . Desafios Regionais Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT documento orientado para a consecução de resultados do tipo que pode ajudar a mudar a vida das pessoas e de suas famílias. Na condição de Diretor-Geral da OIT, participei da Quarta Cúpula e tive a honra de dirigirme aos mandatários ali reunidos.3 Sem dúvida alguma, o relatório à mencionada Reunião Regional Americana está imbuído do espírito que vivemos em Mar del Plata por ocasião da Quarta Cúpula das Américas de 2005. Conforme assinalou o Presidente Kirchner, “são muitos os temas nos quais coincidimos na Declaração de Mar del Plata, porém creio que o conceito de trabalho decente, tal como o concebeu a OIT, é o instrumento mais eficaz A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe para assegurar uma trajetória de progresso material e humano e se constituiu em uma meta da próxima década nas Américas. Criar mais e melhores trabalhos implica aumentar a capacidade das pessoas de exercer uma cidadania plena e ativa e supõe a existência de governos idôneos para responder às legítimas demandas sociais em busca de maior justiça social”.4 Creio que esse pronunciamento, que enaltece e simultaneamente compromete a OIT, congrega as dimensões socioeconômicas e políticas do conceito de trabalho decente com o qual temos procurado atualizar na prática os valores que inspiraram a OIT na sua trajetória de quase 90 anos a serviço da comunidade internacional e das comunidades nacionais. 3 http://www.ilo.org/public/spanish/bureau/dgo/speeches/somavia/2005/ivamericas.pdf 4 Kirchner, N.; Prólogo ao trabalho da OIT, “El Consenso de Mar del Plata. IV Cumbre de las Américas (2005). Análisis y Perspectivas”; Argentina, 2006. OIT . 131 Os mandatários americanos, ao concluírem a Cúpula de Mar del Plata, assinalaram o seguinte: “Com esta Declaração e o Plano de Ação anexo, nós, os Chefes de Estado e de Governo do Hemisfério, reafirmamos o papel fundamental que conferimos à criação de trabalho decente para cumprir nossos compromissos de enfrentar a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática. Reconhecemos uma vez mais o valor do trabalho como atividade que estrutura e dignifica a vida de nossos povos, é um instrumento eficaz de interação social e um meio para a participação nas realizações da sociedade, objetivo primordial de nossa ação governamental para as Américas”. “As delegações tripartites da região reafirmam sua disposição de empreender esforços para a superação dos desafios que os países da região enfrentam para gerar trabalho decente e superar a pobreza extrema. Nesse sentido, manifestamos nossa convicção de que o crescimento econômico sustentado com eqüidade e inclusão social e o fortalecimento das instituições democráticas, bem como o diálogo social, são condições indispensáveis à realização desses objetivos. Sublinhamos, ademais, que embora os esforços que cada país empreende no nível interno para superar os mencionados desafios sejam indispensáveis, também se requer um contexto internacional favorável”.5 Isso significa que o trabalho decente foi reconhecido como central para enfrentar a pobreza e fortalecer a governabilidade democrática nas Américas, dois objetivos que deverão orientar a ação pública no Hemisfério e com os quais a OIT se sente comprometida. É importante o apoio tripartite às opções de Mar del Planta, pois se fortalece a legitimidade social das políticas públicas quando elas são respaldadas pelo consenso dos atores envolvidos. Isso permite que se convertam em autênticas políticas de Estado e ultrapassem os limites de um período de governo. Muito do que se deve fazer na América Latina e no Caribe para combater efetivamente a pobreza e afirmar a democracia são ações de médio e longo prazo, além das medidas conjunturais que se assumam. 2. Os participantes da XVI Reunião Regional Americana da OIT de forma consentânea com a Declaração e o Plano de Ação citados assim assinalaram: 5 OIT; Conclusões da XVI Reunião Regional Americana; n°4 132 . Desafios Regionais Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT 3. Em 1999, em plena globalização, em minha primeira Memória à Conferência Internacional do Trabalho, desenvolvi o conceito de trabalho decente, entendido como o trabalho produtivo realizado em condições de liberdade, eqüidade, segurança e dignidade, no qual os direitos são protegidos e que conta com remuneração adequada e proteção social. Nele se acolhiam não só a tradição da OIT, mas também os conteúdos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, e se expressava uma visão de futuro que atendesse aos desafios ao desenvolvimento que a globalização começava a propor. Quatro objetivos estratégicos configuram o trabalho decente: (a) a promoção dos direitos trabalhistas; (b) o fomento do emprego; (c) a proteção social, e (d) o diálogo social. A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe A promoção dos princípios e direitos fundamentais no trabalho é o mandato histórico da OIT; a criação de emprego é o mandato político, que emana das ruas, das pessoas; entendo a promoção da proteção social como um mandato ético, e o diálogo social, como o princípio organizativo das sociedades democráticas. Em 2001, os Estados membros da OEA subscreveram – ante a nova conjuntura hemisférica de afirmação da democracia – a Carta Democrática Interamericana que no seu artigo 10 assim assinala: “A promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício pleno e eficaz dos direitos dos trabalhadores e a aplicação de normas trabalhistas básicas, tal como estão consagradas na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais OIT . 133 no Trabalho e seu Acompanhamento, adotada em 1998, bem como em outras convenções básicas afins da OIT. A democracia fortalecese com a melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores do Hemisfério”. É importante recordar que o conceito de trabalho decente como instrumento de melhoria das condições de vida da população é sustentado pela Declaração de Salvador da Conferência Interamericana de Ministros do Trabalho (CIMT), realizada em Salvador, Bahia, em 2003, no contexto da OEA, na qual se reafirma a “convicção de que o trabalho decente, tal como concebido pelos mandatários da OIT, é o instrumento mais eficaz de melhoria das condições de vida dos povos de nosso Hemisfério e de sua participação nos frutos do progresso material e humano” (...) “Por essa razão, a agenda de trabalho decente deve constituir-se no eixo das políticas nacionais e regionais de desenvolvimento, juntamente com o investimento em saúde, educação e cultura”.6 Nela se adiantava a proposta de um papel mais ativo dos Ministérios do Trabalho da região e se assinalava a necessidade de uma articulação coerente com outras políticas. 6 Declaração de Salvador, XIII CIMT, OEA (2003), n° 10 134 . Desafios Regionais Posteriormente, a XIV CIMT, realizada no México em 2005, teve como tema central a pessoa e seu trabalho no centro da globalização e girou em torno da análise destes três eixos substantivos: (a) a centralidade da pessoa e seu trabalho na economia, nas políticas do Estado e na globalização; (b) o diálogo social como ferramenta para a abordagem dos efeitos sociotrabalhistas da globalização; e (c) os efeitos sociotrabalhistas das políticas públicas sobre o emprego e o combate à pobreza. Recordemos que essa Conferência proporcionou as bases para a Quarta Cúpula das Américas de Mar del Plata, Argentina. Na região, nos inícios do século XXI, os valores da OIT e os do surto democrático do fim do século (processo sem precedentes no Hemisfério) convergem para um binômio que vem renovando o pensamento socioeconômico e político, bem como a formulação de políticas públicas em nosso continente: trabalho decente e democracia. 4. A Agenda Hemisférica,7 com suas quatro políticas gerais e suas onze áreas de intervenção, agrupa um leque de ações possíveis para promover o trabalho decente em nossas Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT sociedades. As áreas de intervenção são organizadas levando em consideração que nem todos os países americanos têm as mesmas prioridades ou necessidades sociotrabalhistas e econômicas para serem satisfeitas. Não só o progresso nessas áreas é indispensável, como alguns países acumularam experiências que constituem boas práticas que podem e devem ser compartilhadas em uma renovação da cooperação interamericana. A mencionada agenda reconhece cinco desafios fundamentais para a região: (1) fazer com que o crescimento econômico promova o trabalho decente; (2) promover a aplicação efetiva no trabalho dos princípios e direitos fundamentais; (3) gerar maior confiança na democracia e no diálogo social; (4) ampliar e fortalecer os A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe esquemas de prevenção e proteção social dos trabalhadores, e (5) incrementar a inclusão social e laboral a fim de reduzir a desigualdade. De uma resposta efetiva a esses desafios dependerá o fortalecimento da democracia nas Américas que será relevante para a paz mundial e para o avanço no sentido de um desenvolvimento que mereça, pelo fato de promover o trabalho decente para todos, ser qualificado de humano. A atual conjuntura do processo de afirmação democrática nas Américas requer da OIT uma renovada capacidade para acompanhar os atores sociais na irrenunciável tarefa de conseguir que o crescimento econômico que caracterizou a região no último lustro se traduza em 7 Ver o quadro-resumo anexo OIT . 135 benefício efetivo para as grandes maiorias do Continente. Nossa aliança estratégica com a OEA é um elemento importante para o cumprimento dessa tarefa. 5. A Agenda Hemisférica não está alheia às mudanças recentes na esfera internacional. Enquanto em 2000, na Cúpula das Nações Unidas, as Metas do Milênio foram fixadas sem consideração explícita do tema do emprego produtivo e do trabalho decente, posteriormente são os próprios países que instam a sua identificação como um tema central no nível nacional. Em 2005, a Cúpula Mundial dos Chefes de Estado e de Governo declara que “apoiamos firmemente uma globalização justa e resolvemos que os objetivos do emprego pleno e produtivo e do trabalho decente para todos, em particular as mulheres e os jovens, serão uma meta fundamental de nossas políticas nacionais e internacionais e de nossas estratégias nacionais de desenvolvimento, incluídas as estratégias de redução da pobreza, como parte do nosso esforço para alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milênio”.8 Seguiu-se a esse pronunciamento a Declaração Ministerial da ECOSOC de 2006, que ressalta o significado do emprego pleno e produtivo 8 Ver o artigo 47 136 . Desafios Regionais e do trabalho decente como um fim em si mesmo e como meio para a realização das Metas do Milênio, incluindo a erradicação da pobreza. Nesse contexto, os Estados membros solicitaram ao sistema multilateral em geral, inclusive as Nações Unidas, mas também às instituições financeiras internacionais e aos bancos de desenvolvimento, bem como às comissões regionais e à Organização Mundial do Comércio, que considerassem os objetivos do emprego pleno e produtivo e do trabalho decente em todas as suas políticas, programas e atividades. Assim, a Declaração Ministerial pediu a colaboração de todos os organismos para o desenvolvimento de uma caixa de ferramentas, ou “toolkit”, para promover a inclusão do trabalho decente nas atividades, programas e projetos das agências especializadas. A OIT assumiu esse desafio e propôs ao sistema multilateral um “toolkit” para ajudar nesse processo e facilitar a todos os organismos, independentemente de seus objetivos específicos, a inclusão de uma ferramenta em suas atividades e políticas para considerar os impactos que elas possam ter no emprego e na sua qualidade, e de modo especial no trabalho decente. Essa iniciativa foi aprovada em Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT abril de 2007 pelas instâncias mais altas das Nações Unidas e pelas instituições de Bretton Woods. É importante assinalar que a geração de oportunidades de trabalho decente não é só uma tarefa da OIT, mas requer um acordo amplo no nível dos atores políticos, econômicos e sociais nacionais e um trabalho coordenado e coerente das políticas dos organismos internacionais. A geração de um consenso interno em torno da noção de que o trabalho decente é decisivo para a consecução da estabilidade e do crescimento com eqüidade em todos os níveis se destaca como um imperativo. Outros consensos, como os construídos em matéria de política macroeconômica, por exemplo, já são amplamente aceitos e implementados pelos países, mas freqüentes vezes se relegam a segundo plano as políticas que conduzem A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe à dignidade no emprego que se insere no primeiro plano dos interesses das pessoas: contar com um trabalho que tenha atributos adequados e possa ser qualificado de decente. Essa tendência, felizmente, está se revertendo e a agenda de trabalho decente recebe apoio cada vez maior no nível nacional e na arena internacional, reconhecendo-se o seu papel central nas políticas que visam ao bem-estar humano. 6. Para concluir, assinalo que a OIT está empenhada no processo de apoio à concretização das declarações ministeriais e presidenciais que se orientam, nos níveis internacional e nacional, para fazer do trabalho decente um objetivo global e nacional, refletindo as reais demandas da população. Nas Américas, contase no nível nacional com uma ferramenta que é pertinente às prioridades definidas em Mar OIT . 137 del Plata: o Plano Nacional de Geração de Trabalho Decente. Cabe à OIT executar um programa específico de ação em cada país, em apoio à execução desse Plano, de forma coordenada com o resto do sistema multilateral, porém mantendo um contato estreito com seus mandatários. O objetivo terminante é a promoção do trabalho decente como componente central da estratégia de desenvolvimento dos países da região com vistas a assegurar crescimento para todos com inclusão social e fortalecimento da democracia. Existe desde já o compromisso da OIT de pôr seus conhecimentos, instrumentos e potencial de mobilização a serviço de seus mandatários 138 . Desafios Regionais tripartites, mediante programas de trabalho decente por país (PTDP) que sirvam de apoio ao desenvolvimento dos planos nacionais de geração de trabalho decente. Confiamos em que o espírito da Cúpula de Mar del Plata, que já foi chamada de Cúpula da Gente, oriente a gestão do desenvolvimento no contexto dos nossos povos e que os vários organismos do sistema internacional, bem como do Sistema Interamericano, possamos estabelecer sinergias que nos permitam acompanhar os países americanos na sua tarefa de promover o trabalho decente a fim de combater a pobreza que flagela tantos compatriotas e fortalecer a governabilidade democrática que assegure que a liberdade e a justiça prevaleçam desde o Alasca até a Terra do Fogo. Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe Trabalho Decente nas Américas: Agenda Hemisférica 2006-2015 I. Desafios: A. Conseguir um crescimento econômico que promova o trabalho decente. B. Assegurar a aplicação efetiva dos princípios e direitos fundamentais do trabalho. C. Gerar confiança na democracia e o diálogo social. D. Conseguir a ampliação e o fortalecimento dos programas de prevenção e proteção social dos trabalhadores. E. Incrementar a inclusão social e laboral para reduzir a desigualdade. II.Objetivos: Estratégicos Transversais Cumprimento efetivo dos princípios e direitos trabalhistas. Geração de maiores oportunidades de emprego para homens e mulheres. Ampliação e fortalecimento dos sistemas de proteção social dos trabalhadores. Promoção do diálogo social e fortalecimento institucional dos distintos atores sociais. Globalização justa. Superação da pobreza e da exclusão social. Fomento da igualdade, especialmente de gênero. Maior influência das normas internacionais em matéria de trabalho. Estímulo ao diálogo entre os distintos setores da sociedade. OIT . 139 III. Políticas gerais: Políticas Objetivos 1. Crescimento econômico promotor do emprego A geração de maiores oportunidades de emprego deve ser considerada como um objetivo central da política econômica. Alcançar um crescimento econômico de pelo menos 5% ao ano nos próximos 10 anos, de maneira sustentada e regular, como condição necessária para reduzir significativamente o atual déficit de trabalho decente. 2. Respeito aos princípios e direitos fundamentais no trabalho Conseguir que os princípios e direitos fundamentais no trabalho sejam efetivamente respeitados. Os direitos fundamentais constituem um conjunto mínimo e universalmente aceito de direitos trabalhistas incorporados nas respectivas legislações nacionais e na cultura trabalhista dos diferentes países da região. - Trabalho infantil Eliminação progressiva do trabalho infantil. 1. Eliminar as piores formas de trabalho infantil dentro de um prazo de 10 anos (2015); 2. Eliminar o trabalho infantil na sua totalidade dentro de um prazo de 15 anos (2020). - Trabalho forçado Eliminação progressiva do trabalho forçado. Dentro de um prazo de dez (10) anos, reduzir entre 20% e 35% o número de trabalhadores em regime de trabalho forçado. - Liberdade sindical e negociação coletiva Melhorar a observância dos direitos fundamentais mediante progresso na garantia dos diferentes elementos da liberdade sindical, em Leis com melhores elementos de proteção sindical, em particular procedimentos e recursos administrativos e judiciais efetivos e expeditos, no caso de violação desses direitos, e melhoria da qualidade dos acordos e convênios, tanto em relação ao número de 140 . Desafios Regionais Metas Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT Políticas A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe Objetivos Metas particular a não-discriminação sindical, otimizar a cobertura da negociação coletiva e ampliar seus conteúdos. trabalhadores cobertos (com um aumento de 10%, pelo menos, no nível nacional) como à ampliação de seus conteúdos (a inclusão, por exemplo, de cláusulas sobre produtividade) e à solução autônoma de conflitos. - Não-discriminação e igualdade no trabalho Eliminar progressivamente os mecanismos de discriminação existentes no mercado de trabalho. Reduzir em 50% os índices de segregação e os diferenciais de renda por gênero e origem étnico-racial (em relação aos níveis atuais) dentro de um prazo de dez (10) anos. 3. Maior eficiência e cobertura da proteção social Ampliar e fortalecer os distintos esquemas de proteção social dos trabalhadores. Dentro de um prazo de dez (10) anos, incrementar em 20% a cobertura da proteção social. 4. Diálogo social efetivo Promover a institucionalização do diálogo social sobre bases voluntárias. Diligenciar para que todos os países da região empreendam ações a fim de fortalecer o diálogo social e contem, dentro de um prazo máximo de dez (10) anos, com espaços de diálogo social institucionalizados que se sustentem em bases voluntárias. Objetivo Estratégico 2 Objetivo Estratégico 1 Objetivo Estratégico 3 Objetivo Estratégico 4 OIT . 141 IV. Políticas em áreas de intervenção específicas: Políticas Objetivos Metas 1. Normas internacionais sobre trabalho Contar com uma legislação e uma prática trabalhista que, adequando-se às Normas Internacionais sobre Trabalho ratificadas pelos países, garanta os direitos tanto de trabalhadores como de empregadores e seja plenamente aplicada. 1. Avançar a ratificação de convênios da OIT, não só dos relacionados com os direitos fundamentais no trabalho, mas também de todos os que os governos e os atores sociais determinarem como essenciais para melhorar as condições de trabalho e garantir a saúde e a vida dos trabalhadores, e adequar a legislação nacional e a prática trabalhista ao conteúdo desses convênios. 2. Conseguir que todos os países contem com legislação e prática trabalhista equilibrada que, no contexto das Normas Internacionais sobre o Trabalho, respeite os direitos tanto de trabalhadores como de empregadores. 2. Igualdade de gênero Aplicar políticas públicas orientadas para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho, aplicando estratégias duais com ações transversais e também específicas para as mulheres. Dentro de um prazo de dez (10) anos, aumento em 10% da taxa de participação das mulheres e, em percentual proporcional a esse, da taxa de ocupação, e redução à metade das atuais lacunas de gênero em matéria de informalidade e renda do trabalho. 3. Emprego para a juventude Promover maior formação Reduzir à metade, dentro de um prazo de dez e melhor inserção da juven- (10) anos, a proporção de jovens acima de 15 tude na força de trabalho. anos de idade que não estudam nem trabalham. 142 . Desafios Regionais Por Juan Somavia Diretor-Geral, OIT A Década de Promoção do Trabalho Decente na América Latina e no Caribe Políticas Objetivos Metas 4. Micro e pequenas empresas Melhorar a qualidade do emprego nas micro e pequenas empresas. Melhorar significativamente, dentro de um prazo de dez (10) anos, o percentual de trabalhadores das micro e pequenas empresas com cobertura de políticas e serviços empresariais de fomento à produtividade e com acesso a mercados e a níveis mínimos de proteção em todos os países da região. 5. Economia informal Formalização progressiva da economia informal Eliminação, dentro de um prazo máximo de dez (10) anos, das principais causas legais e administrativas que alentam a existência da economia informal. 6. Setor rural e desenvolvimento local Melhorar as condições de trabalho e de produtividade das atividades econômicas empreendidas no âmbito rural, inclusive as das populações indígenas. 1. Duplicar, dentro de um prazo máximo de dez (10) anos, a produtividade e a renda dos camponeses pobres e melhorar substancialmente as suas condições de trabalho. 2. Os governos da região porão em execução, dentro de um prazo máximo de dez (10) anos, planos locais de desenvolvimento orientados para os pequenos povoados. 3. Avançar significativamente a ratificação e a efetiva aplicação do Convênio 169 da OIT, especialmente nos aspectos referentes à consulta às populações indígenas. 7. Formação profissional Melhorar a competitividade dos recursos humanos e ampliar a cobertura da formação profissional entre os grupos vulneráveis. Incrementar, dentro de um prazo de dez (10) anos, o índice dos investimentos dos países em capacitação em pelo menos meio ponto percentual (como porcentagem do PIB) e duplicar os atuais retornos dos investimentos em capacitação. OIT . 143 Políticas Objetivos Metas 8. Serviços de colocação Incrementar e melhorar a capacidade e a qualidade da assistência dos serviços de colocação. Duplicar, dentro de um prazo de dez (10) anos, os empregos de trabalhadores mediante os serviços de colocação, tanto públicos como privados. 9. Salários e remunerações Recuperar o salário mínimo como instrumento de política salarial e vincular progressivamente os aumentos das remunerações às mudanças na produtividade e à elevação do custo de vida. 1. Efetiva utilização de sistemas de consulta das partes sobre o salário mínimo em atenção ao disposto no Convênio número 131 da OIT (fixação de salários mínimos). 2. Promoção, no contexto da negociação coletiva, de cláusulas de produtividade e de ajuste salarial vinculado à produtividade e às variações do custo de vida. 10. Segurança e saúde no trabalho A saúde e a segurança no trabalho convertem-se em uma prioridade para os atores sociais na região. Dentro de um prazo de dez (10) anos, reduzir em 20% a incidência de acidentes e enfermidades decorrentes do trabalho e duplicar a cobertura da proteção da segurança e saúde no trabalho de setores e classes pouco assistidos. 11. Trabalhadores migrantes Melhorar o nível de proteção dos trabalhadores migrantes por meio de uma migração administrada. 1. Dispor, antes de 2010, de um sistema de informação estatística sobre trabalhadores migrantes que apóie a formulação de políticas nesse campo. 2. Adiantar a utilização do marco geral que a OIT deve formular a pedido da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) e conseguir a ratificação dos convênios 97 e 14, também promovida pela CIT, tudo isso com a finalidade de propiciar uma gestão ordenada do processo migratório. 3. Conseguir, antes de 2010, que todos os países de origem e destino de migrantes contem com uma estratégia e um plano de ação para a gestão ordenada das migrações. 144 . Desafios Regionais OIT . 145 Instituto para a Conectividade nas Américas Desafios Regionais e Perspectivas Introdução por Ben petrazzini Diretor, ICA Na América Latina e no Caribe (ALC) há um crescente reconhecimento das possibilidades que as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) oferecem à redução da probreza, criação de empregos, e desenvolvimento sustentável e eqüitativo. Governos e investidores da região estão respondendo aos desafios impostos pela revolução da informação ao implementar políticas e regulamentos das Tecnologias de Informação e Comunicação, e na identificação e uso de tecnologias apropriadas à frente de estratégias nacionais. Neste contexto de rápidas mudanças, o Instituto para a Conectividade das Américas (ICA) apóia abordagens inovadores que incentivam e fortalecem a capacidade dos países em desenvolvimento de aplicar o potencial das TICs na solução de problemas de desenvolvimento. Este documento visa identificar alguns dos principais desafios que a região da América Latina e do Caribe atualmente enfrenta em termos de inserção na economia do conhecimento, incluindo algumas prováveis áreas nas quais ICA focalizará seu programa de trabalho durante o período rumo à próxima Cúpula das Américas em 2009. Ben Petrazzini Director Instituto para la Conectividad en las Américas 148 .Desafios Regionais Introdução por Ben petrazzini Diretor, ICA 1. Desafios regionais e TICs O rápido processo de transformação econômica e social em curso em todas as partes do mundo está associado a uma mudança ainda mais medular e acelerada no modo como as tecnologias estão se desenvolvendo, especialmente as da informação e da comunicação (TICs). A distribuição dessas novas tecnologias e de seus benefícios entre os países e dentro deles tem-se dado, entretanto, de forma desigual (chamada freqüentes vezes de “divisória digital”) e não só reflete como aprofunda outras formas de divisão existentes, por exemplo, na esfera social, econômica, política, cultural, ambiental, etc. Não obstante esses desafios, que são patentes em regiões em desenvolvimento, como a da ALC, a revolução da informação foi acompanhada de um reconhecimento crescente das possibilidades que essas novas Desafios Regionais e Perspectivas tecnologias oferecem para reduzir a pobreza, criar emprego e promover o desenvolvimento sustentável e eqüitativo. É cada vez maior o consenso a respeito de que, no mundo hoje interconectado e interdependente, o desenvolvimento humano e o crescimento econômico em regiões como a da ALC dependem substancialmente do acesso adequado e do uso eficiente das novas tecnologias da informação e da comunicação. Por conseguinte, uma infra-estrutura moderna e os avanços no sentido de uma integração plena na sociedade da informação são elementos essenciais no contexto desenvolvimentista. A tecnologia da informação e da comunicação direcionada para o cenário de desenvolvimento (TIC4D) da ALC está se expandindo em um contexto dominado por dois aspectos relevan- ICA . 149 tes: (a) poucas empresas conseguiram dominar a maioria dos segmentos do mercado de serviços de comunicação, e (b) o ritmo acelerado da inovação tecnológica continua irrefreável. Esses dois elementos podem, se não lhes for dispensada a devida atenção, aprofundar a iniqüidade socioeconômica hoje prevalecente na região (afetando os esquemas de preços fixados, as tendências da infra-estrutura e a prestação de serviços, bem como o equilíbrio de poder entre partes interessadas decisivas). É imperativo, por conseguinte, que se coloque a pesquisa aplicada inovadora em matéria de política e regulação das TICs e das tecnologias “apropriadas”1 no primeiro plano das agendas de desenvolvimento e das estratégias nacionais que estão sendo consideradas na região. Respondendo à necessidade de abordar tanto os problemas emergentes e importantes do acesso às TICs e da sua disponibilidade, a programação do ICA na América Latina e no Caribe procura apoiar abordagens inovadoras que promovam e fortaleçam a capacidade dos países em desenvolvimento de aplicar o potencial das TICs à solução de problemas de desenvolvimento. Apresentam-se a seguir al- guns dos principais desafios que no momento a região enfrenta para inserir-se na economia do conhecimento, bem como algumas áreas prioritárias em potencial, relacionadas com a tecnologia da informação e da comunicação orientada para o desenvolvimento da América Latina e do Caribe, nas quais o ICA concentrará sua programação ao longo do período que se estende até a próxima Cúpula das Américas de 2009. Pobreza e desenvolvimento socioeconômico A estimativa mais recente da taxa de crescimento médio da região indica que, para a América Latina e o Caribe, 2006 foi outro ano favorável ao crescimento econômico, completando-se, conseqüentemente, o quarto ano consecutivo de expansão econômica e o terceiro consecutivo de taxas superiores a 4% (CEPAL 2006a). Além disso, segundo estimativas recentes (CEPAL 2006b), os altos índices de carência de renda registraram tendência decrescente. Quanto ao trabalho, o crescimento econômico parece haver estimulado a criação de empregos, e a taxa de desemprego aberto foi de 8,7% do EAP. 1 A expressão “tecnologias apropriadas” usada neste documento refere-se às tecnologias que são mais adequadas ao meio ambiente e à cultura que lhes cabe apoiar. Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Appropriate_technology 150 . Desafios Regionais Desafios Regionais e Perspectivas Não obstante esse “otimismo cauteloso” – assim chamado pela CEPAL –, a situação da pobreza na região continua crítica; os últimos dados disponíveis mostram que, em 2005, quase 40% da população da região, ou 209 milhões de pessoas, eram pobres, e 15,4%, ou 81 milhões, eram extremamente pobres ou indigentes. Além disso, ainda que a taxa de desemprego aberto venha decrescendo desde 2004, não só a região não conseguiu reduzir a grande proporção de emprego informal nela existente, como os indicadores de renda mostram que a remuneração de muitos dos novos empregos é baixa, razão por que os “déficits” de trabalho decente na região ainda persistem.2 Nesse contexto, a gestão e o fluxo da informação, bem como sua posterior transformação em conhecimento, estão redefinindo os processos de crescimento social e econômico. A criação de riqueza acha-se cada vez mais vinculada à capacidade de uso da informação e do conhecimento de maneira eficiente na produção e entrega de bens e serviços. O enfrentamento do desafio de encontrar meios inovadores de desenvolver e conduzir negócios – usando ferramentas da TIC – é essencial para melhorar a produtividade e manter a competitividade. Em setores cujo desenvolvimento é vital para a ALC, como os da educação e da saúde, as TICs inovadoras abriram a porta para a pres- 2 CEPAL, 2007, Economic Growth with Equity. Challenges for Latin America; CEPAL, 2006a, Preliminary Overview of the Economies of Latin America and the Caribbean; CEPAL, 2006b, Social Panorama of Latin America 2006. ICA . 151 tação de serviços sob formas que poucos anos atrás seriam inimagináveis. Políticas e governos também estão sendo transformados pela introdução dessas tecnologias tanto na provisão de serviços governamentais como na modernização de práticas democráticas. A introdução de TICs na vida econômica, social e política dos países, bem como a profunda transformação que as acompanharam levaram ao avanço de novas idéias. Conceitos globais, como o da “sociedade da informação”,3 tendem a incluir noções a respeito de economia eletrônica, governo eletrônico, democracia eletrônica, saúde eletrônica, educação eletrônica, por exemplo, e outras que procuram descrever essas novas realidades. Embora os governos, o setor privado e os líderes da sociedade civil tenham consciência de que as TICs são um importante componente da equação do desenvolvimento, há menos clareza em relação a “como” integrá-las nos vários setores econômicos e também ao papel que essas tecnologias podem desempenhar na abordagem de problemas de redução da iniqüidade e da pobreza. Com freqüência, as TICs emergem em mercados desenvolvidos e são talhadas, por conseguinte, para atender às necessidades das sociedades mais abastadas. Na maioria dos casos, entretanto, essas inovações tecnológicas também têm potencial para satisfazer as necessidades dos membros mais pobres da sociedade. Nesse sentido, o desenvolvimento da telefonia celular na região é um dos exemplos mais tangíveis e patentes. Ela emergiu como uma solução cara para os empresários, mas logo o preço do hardware e dos serviços caiu (graças a tarifas inovadoras e aos esquemas regulatórios, como os cartões pré-pagos e as ligações pagas por quem as faz), e os aparelhos celulares converteram-se nos telefones dos pobres. A rede wireless fidelity (Wi-Fi), um novo sistema de comunicação sem fio de baixo custo, foi inicialmente concebida como um serviço móvel de computação para uso em hotéis de luxo, salas de espera de aeroportos e locais 3 Uma Sociedade da Informação pode ser conceptualizada como sendo baseada em avanços tecnológicos e associada com freqüência a temas econômicos e à infra-estrutura da TIC que a apóia. A tecnologia acelerou enormemente a velocidade e o volume das comunicações e transferências de dados, com isso transformando cada etapa do processo econômico. Nessa perspectiva, a difusão da informação tem ganhos de produtividade e, conseqüentemente, quando melhores forem a infra-estrutura da TIC e o uso das informações pela sociedade, maiores serão os ganhos agregados em determinada economia. 152 . Desafios Regionais Desafios Regionais e Perspectivas semelhantes. A versão fixa do Wi-Fi pode, entretanto, proporcionar a comunidades de baixa renda acesso à Internet e a todos os seus benefícios conexos a pouquíssimo custo adicional. Na América Latina e no Caribe, as rápidas mudanças socioeconômicas são cada vez mais afetadas pelas TICs e delas dependentes como elementos transversais que permeiam todos os demais aspectos do desenvolvimento da região. Nos níveis nacional, sub-regional e regional, novas abordagens estão emergindo como um meio de encarar prioridades de desenvolvimento vitais, como o alívio da pobreza e a melhoria da educação e da saúde. As TICs são vistas como um instrumento chave que pode proporcionar soluções inovadoras para problemas tradicionais. Vários países realizaram progresso tangível e foram muito ativos e bem-sucedidos na adoção de tecnologias novas e emergentes e na sua conversão em propulsores do crescimento. Este é o caso do Brasil, do Chile e da Costa Rica que freqüentes vezes são chamados de “motores da tecnologia” da região. Embora seus perfis socioeconômicos sejam muito diferentes, esses países foram capazes de não só reconhecer o lugar que ocupavam em relação ao uso e à demanda crescente de novas tecnologias, mas de reagir com planos e estratégias nacionais a fim de promover e facilitar sua adoção. Com isso, esses países tornaram-se líderes na região em várias áreas da tecnologia da informação e da comunicação, como os serviços de governo eletrônico, o amplo uso de TICs no sistema educacional, a adoção firme ICA . 153 e efetiva de TICs por pequenas e médias empresas (PMEs), o uso intensivo de comércio eletrônico, as políticas públicas claras e confiáveis para atrair investimentos e indústrias em conexão com TICs, e assim por diante. No caso do Brasil, por exemplo, o Governo está analisando uma nova parceria com o Banco Mundial com vistas a habilitar o país a ser fornecedor de tecnologia para economias em desenvolvimento.4 a infra-estrutura da comunicação tradicional (voz) tenha melhorado,5 um número expressivo encontrou dificuldade para incorporar TICs de maneira efetiva nos vários componentes da equação do desenvolvimento nacional (isto é, educação, saúde, produção/comércio, participação política e provisão de bens públicos e serviços). Os países da região foram, na sua maioria, mais lentos na inserção de TICs nos seus programas de desenvolvimento e estão atrasados na incorporação dos benefícios da Sociedade da Informação (SI). Embora na maioria deles Apesar de vários países da região terem registrado crescimento econômico nos últimos anos, esse resultado ainda precisa traduzir-se em iguais melhorias na distribuição da renda e na criação de emprego. Além disso, as trans- Educação e saúde 4 Folha de São Paulo, Brasil, 16 de dezembro de 2005. 5. A telefonia celular, por exemplo, empreendeu grandes esforços para superar a telefonia de linha fixa na maioria dos países da região. Seu crescimento foi considerável entre a população de baixa renda, fato que suscitou interessantes questões de política relacionadas com o futuro das TICs entre os pobres da região. Dos 31 países da região da ALC sobre os quais se dispõe de dados apenas quatro países (Costa Rica, Cuba, Saint Kitts e Nevis e Uruguai) têm mais linhas telefônicas convencionais por 100 habitantes do que assinantes de telefones celulares (ITU, 2005). 154 . Desafios Regionais Desafios Regionais e Perspectivas formações econômicas da década de 1990 foram acompanhadas, passo a passo, pelo aumento das dotações privadas para a educação e a saúde e pela subseqüente deterioração dos serviços proporcionados pelas escolas e hospitais públicos. Isso resultou em uma lacuna crescente da quantidade e qualidade da educação ministrada e dos serviços de saúde prestados à população de baixa renda na região da ALC e faz com que a educação e a saúde compartilhem um dos grandes desafios do desenvolvimento que a região enfrentará na próxima década. No domínio da educação, a maioria dos países da América Latina e do Caribe empreendeu esforços no sentido de fornecer computadores a escolas de todo o território nacional. Pouquíssimos, entretanto, foram capazes de desenvolver e implementar políticas adequa- das para que as comunidades de usuários se servissem desses computadores como ferramentas eficientes e poderosas de ensino. O desenvolvimento de conteúdo local adequado, o treinamento de professores e uma percepção melhor das formas em que as TICs podem agir como alavancas decisivas para uma inserção plena na sociedade do conhecimento são todos componentes vitais que freqüentes vezes faltam na implementação de estratégias tecnológicas nacionais na América Latina e no Caribe (Fonseca, 2005a). Além disso, muitos estudantes oriundos dos grupos mais pobres da sociedade ainda não se beneficiam da revolução na informação, o que alarga a lacuna de eqüidade que afeta a região. Encontra-se situação semelhante no setor da saúde, em que alguns poucos fornecedores incorporaram equipamentos médicos de última ICA . 155 geração. Pouco progresso, entretanto, foi feito no uso de TICs, em particular a Internet, como uma ferramenta inovadora valiosa que pode ajudar a expandir o alcance dos serviços para os que deles mais necessitam. Algumas iniciativas de TICs aplicadas a serviços de saúde orientados para os pobres e testadas em outras partes do mundo em desenvolvimento ainda não foram vistas na região da ALC, onde a grande maioria dos profissionais da saúde que têm acesso a computadores e à Internet mal passam do uso do e-mail como um substituto da comunicação telefônica.6 Pequenas e médias empresas como motores do crescimento Nos setores de produção e comércio da região, a adoção e o uso de TICs são mais encorajadores. Grandes empresas as incorporaram plenamente às suas operações e estão incentivando as pequenas e médias empresas (PMEs) que com elas interagem a que façam o mesmo. Também alguns governos empreenderam esforços substanciais para apoiar o desenvolvimento de compras eletrônicas, dispensando especial atenção à abertura de oportunidades para a participação de PMEs nas compras públicas. Encontram-se, entretanto, fontes de preocupação nas estatísticas que associam TICs ao potencial do comércio eletrônico e a melhorias na produtividade. Por exemplo, somente 15% das empresas instaladas na região têm acesso a serviços de banda larga, um componente essencial das atividades relacionadas com o comércio eletrônico. Além disso, o uso de TICs por microprodutores de grupos de baixa renda é praticamente zero. 7 Governança democrática e participação da população Os governos também fizeram apreciável progresso na modernização da provisão de serviços públicos. Vários países melhoraram consideravelmente a implementação das aplicações e serviços de governo eletrônico. Na maioria dos casos, entretanto, esses avanços concentraram-se nas aplicações tradicionais do lado da oferta relacionadas, por exemplo, com tributação e compras públicas. Pouco progresso foi feito no que respeita a maior transparência e responsabilidade do processo de governança mediante o uso de ferramentas 6 Uma descrição mais minuciosa de TICs aplicadas a serviços de saúde na ALC pode ser vista em Velez (2005) e Uturbey et al. (2004); para uma perspectiva mais global, ver Demiris (2004) e Fleisher e Dechene (2004); sobre o potencial da saúde eletrônica para a prestação de assistência sanitária básica, ver Health Canada (2004). 7. Para uma descrição minuciosa desta situação, ver Botelho e da Silva Alves (2005); La Rovere e Hasenclever (2004); e Ueki (2003). 156 . Desafios Regionais Desafios Regionais e Perspectivas da tecnologia da informação e da comunicação, o que permitiria uma participação mais ativa e comprometida da população nos atos de governo. Além disso, não só a maioria da população da ALC tem acesso limitado à Internet como são poucas as políticas de apoio aos usuários. O resultado é que apenas uma minoria dos cidadãos se beneficiou de qualquer progresso que tenha sido alcançado na provisão de serviços de governo eletrônico, deixando de fora um número elevado dos que têm menos acesso às TICs e à Internet. Poucos países da região são exceção a essa regra; eles implementaram iniciativas de apoio aos usuários, tais como programas nacionais de alfabetização digital, levantamentos dos usuários de serviços de governo eletrônico e outros programas afins. Os governos estão agora cônsciosaèntes do papel importante que as TICs desempenham em qualquer agenda de desenvolvimento (não obstante a freqüente insegurança que a maioria demonstra em relação aos próximos passos a serem dados no sentido de implementá-las). Uma série de eventos importantes na região e no mundo,8 bem como a cobertura permanente que os meios de comunicação dão à expansão e ao crescimento renovado das atividades baseadas na Internet receberam a atenção dos líderes mundiais (inclusive os da região da ALC) e o seu reconhecimento da importância das TICs para o desenvolvimento 8 Estes incluem a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação 2003 e 2005 (WSIS), a Força Tarefa da TIC das Nações Unidas, a Força Tarefa G8 da Oportunidade Digital (Força DOT), a Parceria Global de Conhecimento (GKP), o Fórum Econômico Mundial (FEM-Davos), a Força Tarefa da Divisória Digital e a Cúpula das Américas (2001, 2003 e 2005). ICA . 157 socioeconômico. Mas também é verdade que a maioria desses líderes, os seus sucessores e os responsáveis pela tomada de decisões de alto nível na região estão tendo dificuldades com o “modo” de transformar esse reconhecimento em realidade. Para responder a essa situação, a programação do ICA tentará abordar esse gargalo que afeta o incremento da Sociedade da Informação na ALC. Esse contexto global das prioridades de desenvolvimento demonstra a necessidade de o ICA prestar apoio a iniciativas regionais que se orientem para o estabelecimento de políticas e condições adequadas à inclusão social e à maior eqüidade socioeconômica. Mais especificamente, reflete a necessidade de prosseguir com a implementação de programas e o trabalho em colaboração com governos, sociedade civil e partes interessadas do setor privado na promoção do uso e da dotação de TICs com o objetivo de: (a) promover a capacidade empresarial e o emprego decente; (b) melhorar a provisão de serviços de educação e saúde e seu acesso; e (c) fortalecer a governança democrática a fim de promover condições socioeconômicas mais eqüitativas. 158 . Desafios Regionais 2. Pilares da programação do ICA e esforços de colaboração potencial Pilares da programação Havendo identificado os principais desafios e prioridades de desenvolvimento com a ajuda de seus parceiros e de partes interessadas que atuam na região e valendo-se da sua experiência com programação no campo, o ICA está concentrando o seu apoio no tratamento de questões associadas com o acesso à Economia da Informação e à Sociedade da Informação. No seu trabalho nesse sentido, identificou três grandes pilares temáticos para o apoio aos projetos: economia eletrônica, facilitadores eletrônicos e cidadania eletrônica. (a) Economia eletrônica A economia eletrônica, um conceito que em sentido amplo diz respeito ao uso de TICs para a inovação de produtos e processos em todos os setores da economia, emergiu na última década como um dos propulsores fundamentais da produtividade e do crescimento da economia global. A transformação e/ou desaparecimento de certas indústrias resultante da rápida expansão das TICs, ou a ela associada, demonstrou a necessidade de novas estratégias econômicas para fortalecer a capacidade da região da ALC de adotar essas Desafios Regionais e Perspectivas novas ferramentas e explorar seu potencial em beneficio das exigências e condições econômicas locais. Tópicos específicos no âmbito deste pilar serão direcionados para questões tais como: (a) as TICs na economia informal; (b) as PMEs, o comércio eletrônico e o emprego; (c) a juventude digital e as indústrias criativas, e (d) os direitos de IP (Internet Protocol) e os bens públicos. (b) Facilitadores eletrônicos A saúde e a educação são universalmente reconhecidas como temas que são os alicerces do desenvolvimento de uma nação e da sua estabilidade sociopolítica e econômica. Também são um pré-requisito do desenvolvimento individual em toda sociedade moderna. Em outras palavras, a saúde e a educação são os dois elementos mais importantes para o nivelamento do campo de ação e o aumento da probabilidade de uma distribuição mais equilibrada de recursos dentro dos países e entre eles. Trata-se, por conseguinte, de áreas em que a implementação da tecnologia da informação e da comunicação tem potencial para produzir um impacto direto na promoção de sociedades mais eqüitativas. Como parte desse eixo temático, o ICA procura fomentar iniciativas que explorem as formas pelas quais a implementação, utilização e dotação inovadoras de TICs na educação (educação eletrônica) e na saúde (saúde eletrônica) podem contribuir para reabilitar comunidades vulneráveis e marginalizadas na ALC e desse modo produzir um efeito positivo na eqüidade regional. No que respeita aos subtemas, a programação do ICA tratará dos mencionados a seguir: (a) educação e habilidades para a economia eletrônica; (b) educação na base da pirâmide, e (c) saúde eletrônica para os pobres. ICA . 159 (c) Cidadania eletrônica O conceito de cidadania eletrônica fundamenta-se nas noções emergentes de que os modelos tradicionais de governança não são mais sustentáveis e, portanto, novos enfoques sobre a participação da população, a governança e a formulação de políticas são necessários. Enquanto expressões como “cidadania ativa” começam a permear estruturas políticas tradicionais, novas formas de interação entre governo e população estão surgindo. Quando transpostas para o domínio das TICs, as práticas democráticas e a participação da população podem ser reforçadas pelo uso dessas ferramentas de apoio e fortalecimento da colaboração entre partes interessadas relevantes em todo o ciclo de formulação de políticas, sem as limitações de espaço e tempo ou outros constrangimentos físicos. As atividades do ICA visarão a aumentar a compreensão do valor das TICs para: (a) incrementar a transparência e a responsabilidade de serviços públicos e instituições políticas da região; (b) promover maior participação efetiva da população de baixa renda nos processos de governança, protegendo simultaneamente os seus direitos à privacidade e à informação; (c) expandir as iniciativas de governo eletrônico em curso a fim de proporcionar a cidadãos e comunidades marginalizadas amplo acesso a serviços públicos e a informações. 160 . Desafios Regionais Parcerias e esforços de colaboração O desenvolvimento de parcerias é entendido como um processo que envolve não só a intensificação de atividades de colaboração entre múltiplos atores, mas também o fortalecimento do conhecimento e da partilha de experiências, bem como a articulação de estratégias orientadas para promover o aprendizado conjunto e os processos informados de formulação de políticas. No âmbito da ALC e levando em consideração que o campo da tecnologia da informação e da comunicação continua a evoluir dentro de um contexto de partes interessadas cada vez mais numerosas, é inconteste que as parcerias eficientes têm que envolver organizações dos governos, da esfera privada e dos setores nãogovernamentais, bem como da comunidade doadora mais ampla dos níveis regional e internacional. O desenvolvimento de parcerias eficientes permitirá que as prioridades programáticas continuem a responder e evoluir em sincronia com as tendências e temas identificados pela comunidade internacional associada à tecnologia da informação e da comunicação.9 Por conseguinte, o ICA procurará consolidar tanto as parcerias que forem criadas como as já formadas, a fim de estimular o aprendizado conjunto, promover a pesquisa inovadora e Desafios Regionais e Perspectivas mobilizar recursos financeiros de múltiplas partes interessadas para iniciativas em matéria de tecnologia da informação e da comunicação na América Latina e no Caribe. A programação futura procurará promover essa articulação com uma série de parceiros. Até esta data, muitos projetos foram implementados em conjunto com diversas organizações doadoras regionais, mobilizando-se desse modo recursos financeiros e conhecimentos técnicos e combinando com êxito o apoio tanto à pesquisa como à implementação na região de iniciativas concretas de tecnologias da informação e da comunicação. Espera-se que as sinergias existentes sejam operacionalmente fortalecidas, que recursos financeiros sejam acionados e que prossiga o desenvolvimento de uma abordagem de doadores cooperativa e complementar às iniciativas do ICA na América Latina e no Caribe. Esse enfoque de parceria fortalecida também incluirá o apoio à implementação de planos regionais de tecnologia da informação e da comunicação, como o e-LAC,10 contribuindo para a abordagem dos temas que os profissionais da região identificaram como prioritários. 9 Temas-chave identificados em foros internacionais, como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS I, em Genebra, e WSIS II, em Túnis, 2005), a Cúpula das Américas (Cidade de Québec, em 2001, e Mar del Plata, em novembro de 2005), a Cúpula das Nações Unidas de Chefes de Governo sobre as Metas de Desenvolvimento do Milênio (novembro de 2005), o Fórum Social Mundial, o Fórum Econômico Mundial e a Parceria Global de Conhecimento (GKP), entre outros. 10 O e-LAC 2007 (América Latina e Caribe eletrônico 2007) é o plano de ação regional para a sociedade da informação oficialmente aprovado na Conferência Regional Latino-Americana e Caribenha Preparatória da Conferência Ministerial para a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, realizada em 10 de junho de 2005, no Rio de Janeiro, Brasil. Ver em http://www.eclac.cl ICA . 161 Este livro foi impresso graças às contribuições da Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (ACDI)