Opinião Lei nº 12.403/2011: mudanças e perspectivas Marco

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Opinião Lei nº 12.403/2011: mudanças e perspectivas Marco
Opinião
Lei nº 12.403/2011: mudanças e perspectivas
Marco Aurélio Romagnoli Tavares*
A recente aprovação da Lei 12.403/2011, que entrará em vigor a partir do dia 5
de julho deste ano, merece reflexões acerca dos institutos modificadores dos critérios
adotados para as prisões processuais no Estado brasileiro.
Aprovada como mais uma reforma pontual do CPP (não se trata do Projeto de
Lei 156/09, aprovado pelo Senado no ano passado, que promove ampla reforma no
CPP), de cunho garantista ao extremo e com claro viés de política criminal, a nova lei
pretende reduzir o número de presos provisórios em nosso sistema prisional, adotando
alternativas ao encarceramento.
Nesse sentido, a primeira mudança sensível é a inclusão do termo “medidas
cautelares” no título IX, do referido Código, modificando-se o art. 282, que somente
tratava da prisão e liberdade provisória, sendo que estas medidas, atendidos os critérios
da necessidade e adequação, poderão ser aplicadas pelo juiz, de ofício, a requerimento
das partes, do Ministério Público ou por representação da autoridade policial. Cria ainda
o artigo a necessidade do contraditório (ouvida da parte interessada) quando não se
tratar de caso urgente ou o procedimento não prejudicar a aplicação da medida cautelar
pretendida.
Restam evidentes incongruências neste artigo, já que são criadas duas formas de
medidas cautelares: as requeridas no curso da investigação criminal pelo MP e pela
autoridade policial - e aqui se presume tratar-se de inquérito policial e ação penal em
curso - e aquelas que podem ser deferidas de ofício pelo juiz ou a requerimento das
partes (ambas sem a ouvida do MP), portanto, fora dos casos de investigação criminal.
Instituiu-se, portanto, medidas cautelares penais não vinculadas a qualquer ato
investigatório, bem como não se definiu o que são partes, inferindo-se serem, no caso de
prática criminosa, o promotor de Justiça, o delegado de Polícia, o assistente de
acusação, o querelante, o autor do crime (réu ou indiciado) e seu defensor, sendo que
não há nenhuma menção à manifestação da parte interessada direta nas medidas a serem
adotadas, ou seja, a vítima.
No § 3º, nova pérola legislativa, já que nos casos em que não houver urgência ou
perigo de ineficácia da medida deverá o juiz intimar o autor do fato criminoso para
manifestar-se, sendo que medidas cautelares por própria definição só são adotadas em
caso de urgência e necessidade, sendo que em matéria penal, como acontece na prática
forense, qualquer alerta à parte contrária gera a frustração da medida. E, beirando o
absurdo, o parágrafo 5º autoriza o magistrado a revogar, substituir ou restabelecer
medidas cautelares sem a necessidade de ouvir o MP ou a vítima, ao passo que no
parágrafo anterior, para não se ouvir o criminoso deverá o juiz sempre fundamentar seu
ato.
Prossegue a lei sem maiores alterações, estabelecendo ainda no artigo anterior,
em seu § 4º, a fungibilidade das medidas cautelares aplicadas de acordo com a
necessidade do caso, sendo as medidas cautelares (previstas no art. 319) aplicáveis
somente àqueles crimes em que haja pena privativa de liberdade, fixando-se, no caso de
seu descumprimento ou verificação de sua inviabilidade a posteriori, a decretação de
prisão preventiva.
O art. 283 traz para a legislação as formas de prisão exclusivamente decretadas
pelo juiz, quais sejam, a prisão decorrente de sentença condenatória irrecorrível,
temporária e a preventiva, constituindo-se exceção apenas a feita em flagrante delito e a
prisão disciplinar militar.
O primeiro problema de ordem prática aparece já no §3º do art. 289, que prevê a
remoção compulsória do preso em local diverso do juízo processante no prazo máximo
de 30 dias. Diante da flagrante falta de vagas em nosso sistema prisional, será com
certeza um dispositivo descumprido.
O art. 306 da lei novamente reflete o desprezo reinante em nossos legisladores
com a vítima de atos criminosos, a única a não ser comunicada imediatamente da prisão
do autor.
A grande mudança decorrente da aplicação da lei verifica-se no art. 310, o qual
determina a obrigatoriedade ao juiz em conceder a liberdade provisória ao preso,
relaxar a prisão ilegal, aplicar medidas cautelares ou decretar, se cabível, a sua prisão
preventiva. Encerra-se assim em nossa história a existência da prisão em flagrante
processual, já que ela só durará 24 horas, ou seja, até o flagrante chegar às mãos de um
juiz (art. 306, § 1º).
Ocorre aqui o segundo problema, pois a prisão preventiva, segundo o art. 313,
somente poderá ser decretada em hipótese de prática de crimes dolosos com pena
máxima superior a 4 anos, ser o autor reincidente em crime doloso, em casos que
envolvam violência doméstica ou familiar, embora não só contra a mulher, ou em
descumprimento das medidas cautelares impostas. Por raciocínio inverso, pode-se dizer
que não permanecerão mais presos aqueles autores de crimes dolosos com penas
máximas inferiores ou iguais a quatro anos e que não sejam reincidentes, embora
portadores de péssimos antecedentes ou praticados fora de relação doméstica ou
familiar, por mais graves que sejam suas conseqüências para a vítima e para o Estado,
restringindo assim ao extremo o alcance da prisão preventiva.
Cabe aqui a primeira arguição da inconstitucionalidade de componentes da lei,
pois o referido artigo, com as restrições que impõe à prisão cautelar, encontra-se em
dissonância com o previsto no art. 6º da CF, o qual elenca a segurança como direito
social e seu exercício como dever do Estado especificado no art. 144, para preservação
da ordem pública, da incolumidade das pessoas e de seus patrimônios.
Interessante questão aparece no parágrafo único do mesmo artigo que, ao que
parece, revogou parcialmente a lei de prisão temporária (Lei 7.960/89) que permitia a
prisão temporária em caso de não conhecimento da identidade do agente. Em vez da
temporária, agora pode ser decretada a prisão preventiva. A necessidade da existência
de inquérito policial para a decretação da prisão preventiva foi retirada do art. 311,
cabendo agora representação para a prisão pelas partes ao juiz, em qualquer fase da
investigação policial, podendo-se constituir o requisito cautelar em qualquer ato
investigatório.
Perdeu-se nesse tópico a oportunidade de revisão e atualização dos pressupostos
para decretação da prisão preventiva, atualmente restringidos ou ampliados pela
jurisprudência, somente repetindo-se no caput do art. 312 o já previsto no artigo da lei
anterior.
Outras duas novidades são o estabelecimento de uma nova espécie de prisão
domiciliar no ordenamento jurídico penal brasileiro, com seus requisitos previstos no
art. 317 e 318, substituindo-se inteiramente o capítulo IV que tratava da apresentação
espontânea do acusado da prática de crime, bem como o estabelecimento da
possibilidade de fixação de fiança pelo delegado de polícia a crimes com pena máxima
não superior a 4 anos. Ainda nos casos de fiança, o valor máximo a ser estipulado
passará de 100 salários mínimos para 200 salários mínimos (R$ 109 mil em valores
atuais). No entanto, de acordo com a “situação econômica do preso”, a fiança poderá ser
multiplicada por mil, chegando a R$ 109 milhões.
A fixação de novos limites máximos de penas para a concessão de fiança e
impedimento de decretação da prisão preventiva constituem-se verdadeiros atos
atentatórios à segurança do cidadão brasileiro. Basta listarem-se alguns crimes do CP de
constância no dia-a-dia do promotor de Justiça de atuação criminal, entre eles: o
homicídio culposo (art. 121, §3º), o aborto provocado pela gestante ou com seu
consentimento (art. 124), o abandono de incapaz (art. 133, caput), o furto simples (art.
155, caput), a apropriação indébita (art. 168, caput), a receptação dolosa simples (art.
180, caput), o abandono material (art. 244), a formação de quadrilha ou bando (art. 288
do CP) e, na legislação especial, o porte ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei
10826/2003), para se verificar a instabilidade jurídica e real para a população, já que em
todas estas figuras e na maioria absoluta dos casos não mais persistirá a prisão em
flagrante, não caberá a prisão preventiva e todos estarão sujeitos à concessão de
liberdade mediante fiança pela autoridade policial, sem a necessidade de decisão
judicial que a fundamente ou manifestação do Ministério Público.
O segundo elemento inconstitucional presente na lei reside justamente no fato de
que, novamente, não há a previsão de ouvida do Ministério Público para a adoção de
qualquer medida pelo juiz, seja em sede de medidas cautelares ou liberdade provisória,
não atribui a lei ao detentor da promoção da ação penal possibilidade de manifestação
sobre medidas que afetarão o seu andamento, bem como impede que o Parquet zele
pela segurança pública dos cidadãos e das vítimas e, ainda, fiscalize a atuação policial,
constituindo-se o texto legislativo, portanto, clara afronta aos incisos I, II VII e IX do
art. 129 da CF.
No mais, o art. 350 da lei incluiu a possibilidade de fixação de medidas
cautelares, além das demais previstas, para a concessão da liberdade provisória sem
fiança; do art. 439 foi retirada a possibilidade de concessão de prisão especial ao jurado.
Por fim, traz a lei a previsão da criação de um banco de dados nacional, no
Conselho Nacional de Justiça, com os mandados de prisão de todo o país, para que
qualquer policial possa cumprir a prisão decretada.
Em análise geral, a lei centra-se na aplicação de medidas alternativas à prisão
para o autor de crimes, movimento este que domina o cenário legislativo e jurídico
atual. A grande questão, como repetidamente acontece, centra-se na efetiva execução e
fiscalização destas medidas, fatos já verificados na prática com as aplicações das penas
alternativas e as medidas cautelares da Lei Maria da Penha, para as quais a falta de
estrutura do Estado representa a sua ineficácia. Torçamos para que isso não se repita
com a entrada em vigor da presente lei, o que levaria ao aumento do descrédito do
cidadão e em especial das vítimas na aplicação e execução das leis em nosso país.
* Marco Aurélio Romagnoli Tavares é promotor de Justiça em Piraquara

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