Série do Jornal O Globo, de outubro de 2013, sobre transformações

Transcrição

Série do Jornal O Globo, de outubro de 2013, sobre transformações
18
l O GLOBO
2ª Edição Domingo 27.10.2013
Rio
Cidade em transe
FREGUESIA
Teve aumento
populacional de 28% entre
2000 e 2010, percentual
bem acima dos 8%
registrado em
todo o Rio
GUARATIBA,
BARRA DE
GUARATIBA E PEDRA
DE GUARATIBA
CENTRO
MADUREIRA
Em 2000, os
moradores com ensino
superior completo
correspondia a apenas
6,9%. Em 2010,
passou para 17,8%.
Aumento de
158%
A participação de
mulheres sem filhos
passou de 35% para
40%. Variação de 14%
em dez anos. Em todo o
Rio, essa variação foi
de apenas 4,5%
a
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Em dez anos, aumento
de renda per capita de 24%.
passando de R$ 481,
em 2000, para
R$ 596, em 2010
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Nova identidade para o Rio
surge na mudança do
perfil de bairros cariocas
Fontes: Idemi e
Censos 2000 e 2010
Novo retrato
da metrópole
[email protected]
O antigo sobrado estava meio esquecido, pichado e
com infiltrações. Ali, desde 1971, existia a lavanderia e tinturaria Jandaia, no número 97 da Rua Voluntários da Pátria. Eis que os novos ventos do mercado imobiliário sopram, e os proprietários portugueses decidem passar o ponto no fim de 2012, auge da valorização imobiliária de Botafogo. O livreiro
Rui Campos alugou o imóvel, que antes abrigou até
um cortiço, e está investindo mais de R$ 2 milhões
no velho casarão de 1.200 metros quadrados: ele
abrirá este ano a maior loja de rua da Livraria da
Travessa, a primeira fora do eixo Ipanema-LeblonCentro-Barra. Os fregueses com seus sacos de roupa suja serão substituídos em breve por clientes em
busca de livros, DVDs, cafés gourmet e um ambiente sofisticado. É um dos sinais mais recentes de que
a cidade está em transformação.
Situações semelhantes ocorrem em outros
bairros do município, assim como em outras cidades do país e do mundo, que parecem ter, de
repente, trocado de roupa. Novos moradores
chegam, pagam caro, e alteram o cotidiano das
ruas. O comércio acompanha, com perdas e ganhos; vizinhos antigos, nem tanto. Alguns deixam o local por causa dos preços altos do custo
de vida. Outros resistem, reclamam. Mas há
também aqueles que aproveitam o momento de
valorização, vendem os imóveis e preferem morar em outros locais. A esse emaranhado de novas relações econômicas e sociais, provocado
pela renovação de população, é atribuído o fenômeno da gentrificação.
No Rio, os contornos são distintos. Com investimentos de R$ 15,9 bilhões previstos somente para
obras da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, fora os aportes que virão do petróleo
extraído da camada pré-sal e de outros negócios, o
Produto Interno Bruto (PIB) fluminense deve crescer até 2016 a taxas superiores (entre 4% e 5%) às do
PIB brasileiro, o que já ocorreu em 2011 e 2012.
A nova classe C, com mais poder de compra e
maior capacidade de migração entre bairros,
também influencia nas mudanças: de 2003 a
2011, cerca de 40 milhões de pessoas no Brasil
se juntaram a esse grupo.
SENSAÇÃO DE SEGURANÇA
Os ventos econômicos são acompanhados
também pelo processo de pacificação de favelas. Já são 34 Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs), número que deve chegar a 40 em 2014.
Favelas e até bairros antes dominados territorialmente por criminosos tiveram suas portas
abertas e atraíram gente que nunca havia pisado lá, tanto para passear como para morar e
investir. Algumas regiões já apresentam sinais
de mudança de seus tecidos urbanos e sociais.
E os números são expressivos. Segundo o anuário do mercado imobiliário, feito pela Lopes
Imobiliária, em 2012 foram movimentados R$
11 bilhões com a venda de novos empreendimentos, valor 11% superior a 2011.
Com tantas mudanças, a série “Cidade em transe”, que começa hoje, vai contar histórias sobre as
mutações de bairros do subúrbio, das zonas Sul e
Oeste, do Centro e da Zona Portuária, além das
favelas pacificadas, e de áreas que vivem o mesmo processo em cidades nos Estados Unidos, Es-
A cidade em
processo de
transformação
Contexto
a
ta ib
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO TABAK, NATANAEL
DAMASCENO E PAULO THIAGO DE MELLO
BOTAFOGO
Aumentou em 35% a
proporção de moradores
que declararam não ter
religião**. Eram 10.301
(11,91%) em 2000;
em 2010, 13.745
(16,12%)
panha, Alemanha, Turquia, Argentina, França e
Reino Unido.
Não há fórmulas, nem dados prontos sobre o
Rio que evidenciem diretamente o fenômeno
da gentrificação. Para compreender essas transformações, O GLOBO conversou com especialistas, urbanistas e profissionais do mercado
imobiliário carioca para não só mapear os bairros onde há mudança de população, mas igualmente para tentar amarrar variáveis socioeconômicas e culturais que poderiam indicar esse
processo. Um dado que costuma se repetir é a
alteração do perfil socioeconômico dos moradores, especialmente quando há uma elevação
da renda acima da média na cidade. A equipe
de reportagem levou em conta esse aspecto,
mas também a perda do número de casas, que
caracteriza um tipo de moradia mais tradicional, associada ao crescimento do número de
apartamentos. Os bancos de dados utilizados
foram dos censos de 2000 e 2010, do Instituto
Pereira Passos (IPP), da Secretaria municipal de
Fazenda e da Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi). Eles mostram, por
exemplo, variações de renda em alguns lugares
acima dos 40% em dez anos, quando no município a média foi na faixa dos 20%, ou ainda, perdas de até 50% do número de casas e construções de centenas de novos edifícios.
U
GLOSSÁRIO
GENTRIFICAÇÃO
É um conceito usado para se referir ao processo de
renovação de população, em que a chegada
crescente de novos residentes de renda superior
acaba por transformar o perfil sociocultural da área
em questão. Os novos moradores introduzem
costumes e práticas de consumo distintos dos
tradicionais, estimulando o surgimento de negócios
e elevando o custo de vida, especialmente no que se
refere aos gastos com moradia, o que pressiona a
saída de antigos residentes da área.
CIDADE GLOBAL
São cidades que funcionam como centros
econômicos internacionais, quer por seus mercados
de ações, quer pela concentração de instituições
financeiras importantes. Alguns exemplos: Nova
York, Londres e Tóquio. São Paulo funcionaria como
uma cidade de importância econômica regional.
CIDADE-COMMODITY
São cidades administradas como se fossem
empresas. Esses centros urbanos disputam com
outros o fluxo global de capital, investimentos,
turismo, transferência de tecnologia etc.
BOBÔS
Contração de bourgeois-bohème. A expressão,
muito usada na França, foi criada pelo colunista do
“New York Times” David Brooks para se referir a um
personagem urbano que une dois arquétipos antes
antagônicos: o burguês e o boêmio. Algumas
características desse grupo: tem uma alta formação
intelectual, gosto tecnológico sofisticado, estilo
pessoal de se vestir.
Bons ventos da
economia no
estado atraem
novos moradores
e mudam a cara
de bairros
Com a escolha desse primeiro conjunto de dados, o passo seguinte foi analisar variações no perfil social das famílias. Esses indicadores serviram
como guia para constatar nas ruas que a gentrificação, quando ocorre, nem sempre é algo que pode ser generalizado. No caso do Rio, pode ser num
bairro, trecho de um bairro ou mesmo um processo inicial de transformação que, a médio prazo,
poderá levar à renovação dessas áreas.
Para o professor e especialista em Direito Imobiliário Mário Cerveira Filho, o troca-troca de
moradores nos bairros ganhou combustível a
partir de 2010, com a nova lei do inquilinato, que
mudou a relação entre inquilinos e proprietários.
— Antes, o inquilino poderia sofrer duas ações
de despejo por falta de pagamento a cada 12 meses. Agora, somente haverá uma oportunidade a
cada 24 meses. Não há dúvida que essas e outras
alterações contribuíram para esse fenômeno.
MUDANÇA DIVIDE OPINIÕES
Se por um lado as mudanças parecem ser irrefreáveis, os efeitos do fenômeno são alvo de controvérsia. Há quem o considere benéfico, como
o urbanista londrino Richard Burdett, diretor do
London School of Economics Cities and Urban
Age, um centro internacional de pesquisas que
estuda como as pessoas e as cidades interagem
em um mundo em rápida urbanização. Assessor
chefe de Arquitetura e Urbanismo para os Jogos
Olímpicos de Londres 2012 e conselheiro de arquitetura para o prefeito de Londres, de 2001 a
2006, ele diz que todos podem ser beneficiados
com a transformação.
— Gentrificação é uma palavra muito pesada,
que vem com uma negatividade muito grande associada a ela. Tenho uma visão diferente. Numa
mudança, existe gente com mais dinheiro entrando
em áreas onde habitam pessoas com menos dinheiro. Isso deve ser uma coisa boa, se você canaliza os recursos que chegam em investimentos, e usa
a força política para ter certeza que os moradores
não serão expulsos. Ou seja, para que essas pessoas
sejam beneficiadas pela valorização e pelos investimentos que podem eventualmente ser feitos.
O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Sérgio Magalhães, alerta que esse fenômeno não pode ser visto destituído da perda de
qualidade de vida de áreas importantes da cidade:
— A gentrificação tem um simétrico, um contraponto que não podemos perder: a expulsão
pela deterioração, pela degradação ambiental e
urbanística. É o que acontece na Zona Norte,
um fator socialmente talvez até mais grave porque há mais áreas em degradação do que em recuperação, saem mais por isso do que pela qualificação do ambiente.
Consultor técnico da Ademi, o arquiteto David
Cadermam afirma que é o poder público quem
tem o poder de conduzir os rumos da transformação, abrindo ou fechando espaços para a atuação
do mercado imobiliário.
— A legislação é orientadora da ocupação. Se você faz um decreto ou uma lei restringindo o uso,
cerceia aquela região ou não. Depende do que o legislador quer fazer com aquela área. O Rio não pode ser estudado por trechos, e sim como um todo,
por meio de planos diretores de transportes, de saneamento, de ocupação. Nesse conjunto é que vai
entrar o Rio dentro dos próximos 20, 30 anos. l
Cruzada: Valorização de imóveis em 135%, página 23
R
obert Ezra Park, um dos
pais da chamada Escola
Sociológica de Chicago,
pioneira nos estudos urbanos, costumava dizer que a cidade é muito mais do que seu arranjo
espacial, seus edifícios e até mesmo
suas instituições. A cidade, dizia ele,
é sobretudo o resultado dos sonhos
das pessoas que a habitam. Essa é
uma ideia interessante para se pensar os variados fenômenos urbanos
do Rio de Janeiro, entre eles o processo que certa sociologia classifica
como “gentrificação”, ou seja, a substituição de população em determinadas áreas, que passam a receber
uma leva crescente de residentes
com maior poder aquisitivo, estimulando a saída de moradores antigos
com renda inferior. Isso gera uma
mudança do perfil social, cultural e
econômico da região.
Esse processo ocorre estimulado
por diversos fatores, desde o mercado imobiliário superaquecido à
adoção de políticas públicas de revitalização e valorização urbana.
Ele é percebido pelos atores envolvidos no processo — residentes,
comerciantes locais, autoridades,
empresários do setor imobiliário
— de distintas formas.
Em pesquisa de campo sobre Botafogo, por exemplo, encontrei pessoas que descrevem a mudança do
bairro como a perda de um patrimônio subjetivo, relacionado à história
do lugar. Por meio dessa percepção,
o discurso delas ganha a autoridade
de representantes legítimos do bairro, cujas raízes remontam ao passado. A demolição do antigo casario
para dar lugar a condomínios exclusivos, uma das marcas das mudanças em Botafogo, é narrado como
uma “invasão”. Muitos desses moradores “nascidos e criados” se sentem
ameaçados em sua história de vida.
“Ali era a casa do meu avô”, disse um
deles. “Hoje é esse prédio horroroso.”
Isso não impede que muitos deles
vendam seus imóveis, seduzidos por
irrecusáveis ofertas das imobiliárias.
Por outro lado, ao entrevistar novos residentes — que se instalaram
nos edifícios recém-construídos e
independentes do bairro por ofertar no condomínio os serviços do
comércio local —, percebi que muitos falam do bairro como um patrimônio voltado para o futuro. “O
bairro está melhorando”, disse uma
moradora recém-chegada a Botafogo, referindo-se à noção de que o
bairro, antes degradado, está cada
vez mais prestigiado, deixando de
ser um lugar de passagem, para se
tornar um local de destino.
Neologismo criado como uma
ironia crítica pela socióloga britânica Ruth Glass nos anos 1960, o conceito de gentrificação ganhou ao
longo do tempo conotação positiva,
como “enobrecimento”, e negativa,
como “aburguesamento”. Concretamente, o que se vê nas ruas, praças
e espaços compartilhados das áreas
onde o fenômeno se dá é o choque
de sonhos distintos de cidade. Se,
por um lado, representa uma valorização econômica do espaço, por
outro, a gentrificação tende a diluir
ou mesmo eliminar a diversidade
social e cultural, que aparece no
drama diário da convivência nos
bairros, e que os torna bons lugares
para se viver. l
Paulo Thiago de Mello é jornalista ,
antropólogo do LeMetro/IFCS-UFRJ
e faz pesquisa sobre o processo de
gentrificação
EDITORIA DE ARTE
Unidades imobiliárias
lançadas em 2012.
Este número é um indicador
da transformação em
alguns bairros da cidade
12
l O GLOBO
|
l Rio l
Panorama
carioca
Cidade em transe
|
_
GILBERTO SCOFIELD JR.
[email protected]
_
História da diversão no Rio
Estou lendo um livro delicioso chamado
“Vida divertida: histórias do lazer no Rio de
Janeiro (1830-1930)”, organizado pelos
professores e escritores Andrea Marzano e
Victor Andrade de Melo. É uma reunião de
ensaios que busca, como o próprio título
diz, revelar como os cariocas ocupavam
suas horas livres desde a Independência ao
fim da República Velha, com a cidade
ainda capital federal. Maravilha de leitura.
N
o ensaio “Em casa, fazendo graça: domesticidade, família e lazer entre a Colônia e o Império”, da historiadora Mary Del Priore, por
exemplo, descobre-se com riqueza de detalhes que o
Rio era uma cidade basicamente rural até a Independência, e o eixo central do lazer era o Passeio Público,
vejam vocês. Diz o texto: “Até o período em que se
deu a Independência, as características não variavam: o Brasil continuava a ser um país agrário, cuja
atividade básica era a produção agrícola apoiada no
braço escravo. A capital, por exemplo, era cortada
por ruas estreitíssimas e sujas. Bairros como Botafogo ou Catete eram considerados arrabaldes, encerrando casas de campo abraçadas pela vegetação. O
Passeio Público representava a melhor área de lazer
para a população. Nas noites de luar, era à beira d’água que as famílias se reuniam, entoando modinhas
e lundus ao som do violão. Foi nesse Rio de Janeiro
que desembarcaram, a 8 de março de 1808, o futuro
monarca e a família real.”
E qual era o grande evento social dessa época? A
missa de domingo. Era uma oportunidade única
para que trocas de olhares e conversas fiadas virassem namoricos de verdade. Ou seja, a igreja católica do Império era o lugar de azaração dos jovens no
fim de semana, que ironia.
No ensaio “O esporte como forma de lazer no Rio
de Janeiro do século XIX e década inicial de XX”, de
Victor Andrade de Melo, sabe-se mais sobre a influência da colônia britânica na difusão de competições, como corridas de cavalos e — até a década de
20 do século XX — de touros. A maneira como certas
atividades esportivas eram encaradas na época, como o remo, causam riso hoje em dia. Mas, se pensarmos bem, muitos temos opiniões parecidas hoje, só
que com relação a outras atividades esportivas (de
imediato me vem à cabeça o preconceito que observo com relação ao fisiculturismo ou ao golfe).
Diz Melo: “O remo já
U
existia na cidade do
Os pontos-chave
Rio de Janeiro desde a
década de 1860, mas a
princípio sua consolidação se dava a passos
“Vida divertida: histórias do
lentos. As restrições à
lazer no Rio de Janeiro
prática estavam relaci(1830-1930)” é um livro de
onadas: à estética corleitura obrigatória
poral dos remadores,
fortes e com a musculatura desenvolvida,
Bairros como Botafogo ou
pouco usual em uma
Catete eram considerados
época onde se valoriarrabaldes, com casas de
zavam os tipos físicos
campo e florestas
magros e fracos; à
pouca quantidade de
roupa que eles usavam, o que ocasionava
Os exercícios eram consicríticas quanto ao puderados prejudiciais à
dor da prática; à sua
saúde. Só tinham valor as
compreensão
enatividades intelectuais
quanto uma atividade
física intensa, quando os exercícios eram muitas
vezes considerados prejudiciais à saúde e de menor valor perante as atividades intelectuais.”
Divertidíssimo — e espantoso — mesmo é o ensaio
“Livros baratos e o bom humor da pornografia no século XIX”, de Alessandra El Far, que trata da popularização do livro na então capital e dos “romances para
homens”: “As mulheres, consideradas por muitos intelectuais e homens de ciência daquela época detentoras de uma personalidade frágil, estavam proibidas
de ler essas narrativas. Temia-se, em particular, que
jovens donzelas suscetíveis às fantasias e às ilusões
trazidas por essas histórias mergulhassem em devaneios solitários ou, em segredo, experimentassem
com as amigas as descobertas do amor, deixando de
lado os ideais do recato, do casamento e da vida em
família. Não por acaso, uma parte considerável desses romances estampava, em seus títulos, nomes de
jovens meninas inebriadas pelos deleites de sua sexualidade, como ocorre em ‘Os prazeres de Rosália’,
‘Suzana e suas proezas!’, ‘Julia de Milo, perfil de uma
mulher desonesta’, (...) ‘Gabriela ou a cortesã dos
tempos coloniais’.”
Para todo carioca curioso com a história da cidade, “Vida divertida” é leitura obrigatória. E divertidíssima. E ainda prova que as pessoas podiam ser
muito felizes antes do surgimento dos celulares. l
1
2
3
_
ENTRO DE FÉRIAS em novembro. Este nosso espaço,
que passa a ser semanal, publicado apenas aos
sábados, será ocupado pelo querido Aydano
André Motta, profundo conhecedor do Rio (e do
mundo do samba) e um dos melhores textos do
jornalismo carioca. Vocês ficam em boa
companhia.
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Quarta-feira 30.10.2013
Na Freguesia, casas dão lugar a
condomínios no estilo Barra
Valorização do bairro leva moradores a apostarem em outros negócios
CUSTÓDIO COIMBRA
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO
TABAK, NATANAEL DAMASCENO
E PAULO THIAGO DE MELLO
[email protected]
Era fim dos anos 90 quando
começaram as mudanças. Casamentos, projetos pessoais,
viagens. Com o tempo, a casa,
que antes era adequada para
um casal e três filhos, ficou
grande demais para o aposentado Aguinaldo Augusto Nunes, de 79 anos, e sua mulher.
E vieram as propostas — muitas — de compra do imóvel.
Localizada na Estrada dos
Três Rios, uma área privilegiada na Freguesia, em Jacarepaguá, a residência da família
ocupava uma área de alto interesse dos construtores. Sem
disposição de arcar com as
despesas de manutenção da
casa, pois o custo de vida só
aumentava, Augusto decidiu
vendê-la no fim de 2010. Os
dois vizinhos, proprietários
dos imóveis do lado esquerdo
e direito, fizeram o mesmo
que o aposentado:
— Com o dinheiro do negócio, comprei um apartamento
aqui no bairro, porque não
queria sair daqui — conta.
O MODELO BARRA
A área das três residências,
com 1,8 mil metros quadrados, dará lugar em breve a um
luxuoso condomínio fechado,
com toda infraestrutura de
serviço e lazer comum em
imóveis da vizinha Barra da
Tijuca. Esse estilo de moradia
virou uma febre na Freguesia
e levou o bairro a ocupar a terceira posição no número de
novos empreendimentos no
ano passado (21), perdendo
apenas para o Recreio dos
Bandeirantes (30). E são muitas as transformações no bairro. Em dez anos, a Freguesia
teve uma variação da renda
per capita de 33%, acima da
média registrada no Rio, que
foi de 23%. Além disso, houve
um aumento de 47% no número de apartamentos, que
passou de 8.736 para 12.838.
O número de casas seguiu
tendência contrária: caiu 3%.
— A Freguesia é bairro central, um lugar que concentra
redes de infraestrutura como
Hoje na
web
oglobo.com.br/rio
l GLOSSÁRIO: A mudança da
cidade em novas palavras.
Oportunidade. Gilberto Castro em seu hostel no Anil: “Estou com todos os quartos lotados até a Copa do Mundo”
saneamento, água, transporte
e mercado de trabalho. Tem
acesso. Os BRTs vão passar
por lá. Além disso, fica perto
do mercado do trabalho. Desde abril, no entanto, a prefeitura congelou novas construções, até que seja feita uma
nova legislação para o local.
Mas o que foi autorizado está
sendo construído — explica
David Cardeman, consultor
técnico da Ademi.
As mudanças transformaram o comércio da Freguesia e
adjacentes. Ex-proprietário de
uma casa com lote de 4 mil
metros quadrados na Estrada
dos Três Rios, Gilberto Castro,
69 anos, é exemplo de como o
fenômeno da gentrificação
vem acontecendo no bairro.
Como os vizinhos de Castro
eram procurados dia sim, outro também, pelos empreendedores, ele decidiu vender o
seu imóvel em 2005. Com o dinheiro, mudou-se para o Anil,
próximo à Freguesia, e lá, abriu
um hostel que já recebe turistas de todo o mundo:
l VÍDEOS: Novos moradores em
Guaratiba e Freguesia.
l GENTRIFICAÇÃO, UM FENÔMENO
GLOBAL: Vídeo explicativo sobre o
2 534-4333
classificadosdorio.com.br
— A Freguesia está se transformando muito, e vi que essa
poderia ser uma oportunidade de ficar próximo ao bairro
e ter uma fonte de renda. Estou com todos os quartos lotados até a Copa do Mundo. A
procura tem sido muito boa.
Recebo gente da Europa, dos
Estados Unidos e do Brasil
também — revela.
É fácil encontrar empreendimentos em construção ou
recém-inaugurados na Freguesia. Eles estão por toda
parte. Num trecho de 900 metros das ruas Araguaia e Joaquim Pinheiro, próximas à Estrada dos Três Rios, é possível
localizar 14 novos prédios,
entregues ou em fase de
obras. Todos com o mesmo
perfil. Com quatro e cinco andares, serviços, lazer, como
quadras de esportes, espaço
gourmet, espaço zen, piscinas, saunas, churrasqueiras e
cinema. Segundo as imobiliárias, a maioria dos novos
compradores vem da Freguesia e de bairros próximos. São
conceito e os indicadores do
processo de mudança no mundo.
l FOTOGALERIA: As imagens do
passado e as recentes mudanças
na bucólica região de Guaratiba.
pessoas que tiveram melhora
na renda e decidiram trocar
de residência.
O empresário Marcelo Silveira Lemos, 42 anos, faz parte dessa história. Solteiro e
sem filhos, ele comprou um
duplex na Estrada dos Três Rios. A localização e os serviços
do “Full Confort Residence” o
atraíram. Lemos era morador
de Campinho, na Zona Norte,
e, todos os dias, tinha que se
deslocar para Vila Isabel, onde tem uma empresa. Há um
ano mudou para um casa em
Jacarepaguá.
— Queria um apartamento
com conforto, que tivesse esses serviços, especialmente
para alguém que é solteiro. l
BB CIDADE EM TRANSE
DOMINGO: A valorização na
Cruzada São Sebastião
SEGUNDA: Botafogo perde casas e
atrai novos moradores
ONTEM: Investimentos públicos na
Zona Portuária em Madureira
Correção
Diferentemente do que foi
publicado na edição de
ontem, na página 9, a foto
aérea não é da Zona
Portuária, e sim de bairros do
subúrbio do Rio. l
l Rio l
Quarta-feira 30.10.2013
O GLOBO
l 11
Cidade em transe
CUSTODIO COIMBRA
Guaratiba entra no
mapa da gentrificação
Proporção de moradores com ensino superior subiu
167% em dez anos, acima da média do Rio, de 121%
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO
TABAK, NATANAEL DAMASCENO
E PAULO THIAGO DE MELLO
[email protected]
Os conturbados dias da Jornada Mundial da Juventude,
com o cancelamento da missa do Papa Francisco, representam, talvez, o grande momento histórico de Guaratiba. Há três meses, os bairros
da região entraram no mapa
imaginário de cariocas e visitantes, que não reparavam
na existência de uma área
tão grande, verde e distante
do centro urbano. Um ano
antes, outro fato histórico:
luz no fim do túnel, e o tempo gasto no trânsito da Serra
da Grota Funda desaparece
na via aberta dentro da rocha, por onde carros e ônibus BRT passam a 80 km/h.
Assim, mais perto de tudo e
conhecida, Guaratiba e seus
bairros adjacentes já apresentam sinais de gentrificação ali e em áreas próximas,
como a Freguesia.
Entre 2000 e 2010, segundo
o Censo do IBGE, subiu em
167% a proporção de moradores com ensino superior na
região, quando a variação
média do Rio foi de 121%.
Ainda é baixa, 3% do total,
mas sinaliza que o caminho
mudou. O fenômeno é dife-
rente do crescimento desordenado, marca da Zona Oeste. Bairros vizinhos, como Recreio e Barra, se valorizaram
mais rapidamente, e o caminho do Túnel da Grota Funda
é cada vez mais um destino de
pessoas da velha ou nova
classe média atingidas pela
maré cheia, e salgada, do mercado imobiliário.
PERDA DE CASAS
A francesa Gwenaelle Neveu,
de 28 anos é uma das representantes do novo perfil de
morador que chega espontaneamente. Ela queria viver no
Brasil e conseguiu emprego
numa pousada de luxo com
spa em Barra de Guaratiba. As
diárias vão de R$ 396 a R$ 671.
Formada em Marketing, Comercialização e Gestão em
seu país, Gwenaelle, há dois
anos no bairro, percebe as
mudanças:
— Percebo os preços dos
imóveis mais caros. Conheço
outros europeus que estão
comprando casas por aqui.
Acho que isso aconteceu graças ao túnel.
Enquanto Guaratiba, o maior bairro, viu o número de casas subir 36% (fruto, em parte,
de construções irregulares),
Barra e Pedra de Guaratiba,
menores, registram queda desse tipo de imóvel (-17% e -3,5%
respectivamente). E os apartamentos dobraram ou mais que
dobraram nos três locais em
dez anos. Ainda são poucos,
mas a vida no sítio ganhou um
forte concorrente. Áreas de Pedra de Guaratiba, que ainda
abrigam sítios bem ajardinados, recebem visitas de britadeiras, caminhões com material de construção e emissários
de empreiteiras com ofertas
tentadoras. É o caso da Estrada
do Catruz, com condomínios
de centenas de apartamentos
em obras e com recursos do
Minha Casa Minha Vida, do
governo federal.
— Moro nesse sítio da Estrada do Catruz há 30 anos e agora apareceram as ofertas. Já recebi quatro. Mas espero valorizar mais — conta o artista plástico Túlio Corrêa, de 59 anos,
que vive num sítio de 4 mil metros quadrados.
ESTUDOS PARA NOVO PEU
A população explodiu: apenas em Guaratiba, chegaram
novos 22.917 moradores em
dez anos. Já são mais de 110
mil pessoas. Tanto que, depois do fiasco do encharcado
Campus Fidei, a prefeitura
decidiu, em agosto, congelar
por seis meses todas as licenças de obras em análise
ou já concedidas para os
bairros. Será feito um estudo
Rural e urbano. Carroça puxada a cavalo passa por conjunto do Minha Casa Minha Vida, em Pedra de Guaratiba
urbanístico, com o auxílio do
Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB), para a elaboração de um Plano de Estrutura Urbana (PEU).
Foi nesse contexto que o
pizzaiolo Francisco Cunha
Matias, de 23 anos, chegou ao
bairro. Ele mora, desde 2012,
num condomínio de seis prédios de cinco andares. O empreendimento chama a atenção na Estrada da Matriz. Enquanto cavalos ainda passam
por lá, o terreno com grama
aparada, piscina e portão eletrônico atrai olhares. Matias
morava na Rocinha e trabalhava num restaurante do
Fashion Mall. Depois decidiu
se mudar, com a mulher e um
filho, para a Ilha da Gigoia, na
Barra. Mas os ares da gentrificação chegaram por lá:
— Pagava R$ 450 por um
quarto e sala na Gigoia. Quando saí, a proprietária já queria
R$ 850. Assim que abriram o
túnel, pensei: a Pedra vai valorizar para caramba, e a parcela do Minha Casa Minha Vida era a mesma do aluguel.
Em 15 dias, valorizou R$ 15
mil. Comprei meu apartamento dois quartos por R$ 90
mil — conta Matias.
Ele abriu uma pizzaria n
bairro, a Matias Mix, e sabe
que apartamentos no prédio
em que mora já são vendidos a
R$ 120 mil.
Por outro lado, o presidente
do IAB, Sérgio Magalhães, critica a forma como o Minha Casa Minha Vida induz mudanças entre bairros, como é o caso do pizzaiolo:
— Nessa associação entre
governo e empreiteira, a pessoa só pode aderir, não optar.
Não vão obrigados, mas induzidos. Não acho isso razoável.
As pessoas é que devem ser
protagonistas. A vitalidade urbana está sendo conduzida,
não estimulada.
Consequências ambientais
da chegada de tanta gente nova, porém, assustam pescadores da área. Armando Daltro,
de 46 anos, explica:
— Sem vínculo, sem raiz,
vão preservar o quê? Quando
dão descarga no condomínio
novo, o esgoto sai direto aqui
e prejudica quem sobrevive
do pescado. Estamos perdendo nossa identidade. l
Na Freguesia, condomínios no
estilo Barra da Tijuca,
na página 12
12
l O GLOBO
l Rio l
Terça-feira 29.10.2013
Cidade em transe
Madureira: brilha a estrela
do subúrbio da Central
De 2010 até este ano, valor do metro quadrado subiu 104% para novos empreendimentos
CUSTÓDIO COIMBRA
Londres
Na berlinda,
o preço alto
dos aluguéis
Valorização de áreas londrinas
estimulou especulação imobiliária
VIVIAN OSWALD
Correspondente
[email protected]
Chance. Domingos Suarez, na frente do painel que mostra a piscina do condomínio em construção em Madureira, onde comprou um apartamento
Da janela do seu escritório, num edifício
comercial de Madureira, Flávio Henrique
da Silva, de 37 anos, acompanha o ritmo
das obras do seu futuro apartamento. Em
breve, ele deixará de pagar aluguel para
morar com a mulher e a filha de apenas 1
ano no primeiro “condomínio-clube” do
bairro. O empreendimento promete aos
futuros proprietários 20 diferentes tipos de
lazer, entre eles até um espaço para minigolf. A história de Flávio sintetiza as mudanças que estão em curso nesse tradicional bairro da Zona Norte do Rio. Nascido
em Vila Valqueire, o empresário experimentou uma temporada no Maracanã,
mas desistiu porque queria ficar perto da
família. A melhora nos negócios permitiu
que ele, enfim, concretizasse a compra do
seu primeiro apartamento.
A história de Flávio tem outro detalhe.
As cinco salas ocupadas por sua empresa
de tecnologia estão num edifício inaugurado há dois anos. Perto do Madureira
Centro Empresarial, que fica em frente ao
Parque Madureira, será aberto em breve o
Connection Offices Madureira, onde profissionais liberais e empresários devem
aportar. Os novos empreendimentos fizeram subir os preços no bairro. Entre 2010 e
este ano, segundo a Ademi, o valor do metro quadrado na região passou de R$ 2.734
para R$ 5.590, uma variação de 104%.
A construção dos novos prédios coincide com o volume de investimentos do
poder público nesse e em outros bairros
da Zona Norte. Alguns já foram concluídos ou estão em fase de expansão, como
é o caso do Parque Madureira. Inaugurada em junho do ano passado, a área de
lazer custou cerca de R$ 107 milhões. Em
2016, será inaugurado um novo trecho
do parque, que passará de 1,3km de ex-
tensão para 5km, chegando até aos bairros de Turiaçu, Oswaldo Cruz, Rocha
Miranda, Bento Ribeiro, Honório Gurgel,
Marechal Hermes, Coelho Neto e Guadalupe. No total, serão investidos mais
R$ 287 milhões no projeto.
— O Parque Madureira e os outros investimentos que estão sendo feitos, como
o BRT, estão melhorando muito o bairro.
Escolhi voltar porque toda a minha família
vive na Zona Norte e não me adaptei ao
Maracanã. No meu futuro apartamento,
terei a oportunidade de estar a apenas sete
minutos do meu escritório — conta Silva.
A LENTA TRANSFORMAÇÃO
O BRT Transcarioca, que cortará vários
bairros da Zona Norte, terá no total 39km
de extensão. O projeto tem como objetivo
melhorar o acesso a esses bairros. Em Madureira, as obras se concentram na Avenida Ministro Edgard Romero, onde em breve será inaugurado também um condomínio fechado, com toda a infraestrutura de
serviço e lazer para os moradores. É para
lá que Domingos Suarez, de 37 anos, pretende se mudar. Ele confessa que nunca
pensou em morar em Madureira, mas as
condições oferecidas pela imobiliária e a
localização do prédio foram decisivas:
— O bairro já tem todos os serviços, e
acho que o BRT e o Parque Madureira
vão dar um novo ar ao local. Para mim
será ótimo. A minha mulher, que usa
transporte público, terá o BRT na porta
do nosso futuro apartamento.
Em dez anos, segundo o Censo, Madureira perdeu 1.876 casas, uma queda de
19% no total, mas não ganhou apartamentos na mesma proporção. A variação foi de
apenas 2% entre 2000 e 2010, tendência,
contudo, que pode ter se acelerado nos úl-
timos três anos. Fabiana Izaga, arquiteta,
professora da UFRJ e vice-presidente do
IAB-RJ, não vê ainda um processo clássico
de gentrificação em Madureira. Segundo
ela, o que está havendo, por enquanto, é
um transformação do tecido urbano, com
a instalação de novos prédios, incentivada
pelos investimentos públicos. Essas mudanças, no entanto, podem alterar, num
futuro próximo, o perfil do bairro:
— Madureira sempre teve como característica principal a centralidade
de um comércio forte. Associada a isso, existe a linha do trem, que ajuda a
mobilidade. Quando o poder público
decide fazer uma via de transporte como o BRT, numa área que tem uma demanda enorme de usuários, ajuda a
acentuar essa característica, o que pode agregar outras mudanças do ponto
de vista comercial e residencial.
Consultor técnico da Ademi, David
Cardeman diz que as transformações
no bairro serão intensas nos próximos
anos se houver mudanças no Plano de
Estruturação Urbana (PEU):
— A prefeitura está estudando o PEU
de Madureira. Fui à audiência pública, e
os moradores estavam ansiosos por esse
PEU. Por quê? Eles queriam que mais
prédios fossem construídos, para que
mais pessoas fossem morar por lá. l
-LONDRES- Quase meio século depois de a socióloga britânica Ruth Glass cunhar o termo “gentrificação” para explicar a ocupação dos bairros pobres de Londres pela classe média, não há
sinal que indique que a expressão sairá de moda num futuro
próximo. Metade dos londrinos
acha que terá de deixar a capital
em função da especulação imobiliária. E nove entre dez deles
creem que é mais difícil comprar
ou alugar na cidade hoje do que
no tempo dos seus pais, segundo pesquisa do instituto Ipsos
Mori no começo deste ano.
Se os investimentos bilionários para a realização das Olimpíadas de 2012 jogaram os holofotes sobre a Zona Leste, também
deixaram em evidência, no mapa da cidade, o eixo Hackney
Wick-Ilha Fish-Stratford, uma
espécie de segredo que o mundo artístico vinha tentando guardar. É a maior concentração de
artistas por metro quadrado da
Europa. A estatística é repetida
pela maior parte dos dois mil
pintores, escultores, roteiristas
de cinema, entre outros, que,
nos últimos cinco anos, chegaram ali de mala e cuia.
Atrás de aluguéis mais baratos
e espaço, ocuparam como puderam velhos armazéns do início do século XX. O lugar tornou-se polo de artes, que atrai
não apenas jovens iniciantes,
como também nomes estabelecidos e estrangeiros. Galerias de
arte se instalaram nos prédios
de aspecto délabré da região, dividindo os quarteirões com oficinas mecânicas, portões de metal com arame farpado, latões de
lixo e entulhos. Tudo isso numa
atmosfera industrial de antigas
chaminés e paredes de tijolinho
escuro, enfeitadas por belos
exemplares da street art.
Aos poucos, eles próprios, que
tanto se queixam da especulação, vão deslocando a comunidade empobrecida e diversa (onde se falam pelo menos 140 idiomas), que, diante da chegada das
novas tribos e da badalação, já
não tem mais como ficar. O movimento não deixa de expor certa
tensão social entre velhos e novos moradores, numa parte da
cidade que já foi uma das mais
pobres do país.
NOVA VIZINHANÇA
À beira de um canal, com vista
para o gigantesco estádio construído no Parque Olímpico, o
empreendimento mais caro dos
Jogos de Londres, a galeria Stour
Space ganhou fama desde que se
instalou ali há três anos. Ocupa
um dos antigos armazéns, esteve
prestes a ser despejada pela especulação imobiliária pós-olímpica e, agora, com a ajuda de artistas e da comunidade, está de
olho nos três prédios vizinhos,
que hoje abrigam nada menos
que 144 estúdios. A Foreman &
Sons, mais antiga fábrica de peixes defumados da capital, foi
obrigada a deixar a área onde
aconteceram as Olimpíadas. Mas
já garantiu seu novo endereço
também à beira do canal, onde
ainda instalou seu restaurante e a
imensa galeria de arte. l
VIVIAN OSWALD
BB CIDADE EM TRANSE
No canal. Na
galeria de arte
Stour Space,
londrinos
aproveitam o
brunch aos
domingos, numa
área que já foi
uma das mais
pobres da
cidade
DOMINGO:
Valorização da Cruzada
ONTEM:
Botafogo perde casas
AMANHÃ:
O modelo condomínio
U
Retirada de pessoas
A VISÃO DE: Raquel Rolnik, relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada e professora da
A VISÃO DE: Eduardo Paes, prefeito do Rio
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
TRANSTORNO PARA UNS, BENEFÍCIO PARA A MAIORIA
Não dá para fazer investimentos
em mobilidade urbana sem
desapropriações, especialmente
em antigos bairros, onde as ruas
são estreitas e há um
adensamento dos espaços. Apesar
disso, nós fugimos o quanto
pudemos das desapropriações. A
prefeitura optou por traçados dos
BRTs nas zonas Norte e Oeste que
tivessem o menor impacto
possível, que levassem ao menor
número de retirada de imóveis.
Essa foi uma escolha não apenas
para reduzir os custos do projeto,
já que teríamos menos indenizações,
mas também para impactar menos a
vida dos moradores. É preciso
lembrar que esses investimentos em
mobilidade urbana e lazer, como foi
no Parque Madureira, onde também
foi preciso fazer cerca de 500
desapropriações, são fundamentais
para essas áreas da cidade. São
obras que estão fazendo com que os
bairros voltem a ser atraentes como
moradia. Embora causem impacto
na vida de quem teve que deixar a
sua casa, os benefícios para o bairro
como um todo são visíveis. É
Hoje na web
oglobo.com.br/rio
A
mudança da cidade
em novas palavras.
l GLOSSÁRIO:
Novos
moradores no Centro e
em Madureira.
l VÍDEOS:
importante lembrar também que
muitos moradores que indenizamos
compraram imóveis lá mesmo
porque preferiram permanecer no
bairro, que está recebendo as
melhorias. No Centro, também
evitamos ao máximo as
desapropriações de residências.
Estamos trabalhando na legislação
para incentivar a construções de
moradias nessa área e, paralelo a
isso, vamos fazer duas mil casas,
dentro do Projeto Minha Casa,
Minha Vida. Tudo para manter os
moradores no Centro.
l GENTRIFICAÇÃO, UM
FENÔMENO GLOBAL:
Vídeo explicativo sobre o
conceito e os indicadores
do processo de mudança
nas cidades do Brasil e
do mundo.
DEBATE SOBRE MUDANÇA E COMPENSAÇÃO NÃO OCORREU
O direito à moradia tal como
estabelecido nos tratados
internacionais do qual o Brasil é
signatário estabelece claramente
como devem ser implementados
projetos que envolvam remoções,
em suas varias etapas, já que
remoções são sempre momentos
com potencial de envolver violações
de direitos. Em primeiro lugar, é
necessário discutir publicamente o
projeto, especialmente com as
pessoas diretamente afetadas. Ou
seja, a pergunta é: essa obra é
realmente necessária? Este é seu
l FOTOGALERIA:
Madureira, o antigo
bairro do subúrbio
da Central passa
por mudanças e
atrai moradores.
melhor desenho? Que medidas
devem ser tomadas para minimizar
o impacto do número de famílias ou
casas a serem removidas? Este
debate público simplesmente não
ocorreu com as comunidades
afetadas, em nenhum dos planos
atuais da prefeitura do Rio em
relação aos BRTs e nem em relação
à Zona Portuária. Os projetos não
foram debatidos publicamente com
ninguém. Segunda questão: o
destino das pessoas. Se as
remoções forem inevitáveis, para
onde devem ser removidos ou que
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GLOBO no
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tipo de compensações financeiras
devem receber? Neste caso, o marco
internacional dos direitos humanos
do direito à moradia estabelece que
a situação dos afetados nunca pode
piorar. E isso significa não apenas a
piora em relação à casa em si, mas
principalmente em relação à
localização. Portanto, são
particularmente preocupantes as
remoções feitas para localizações a
30km, 40km dos lugares originais
de moradia, onde evidentemente as
condições urbanas gerais são
claramente piores.
l FOTOGALERIA: A
região do Centro e da
Zona Portuária em
imagens que mostram a
profunda transformação
da paisagem.
Terça-feira 29 .10.2013
O GLOBO
Rio
l 9
Cidade em transe
A mão do governo
Poder público também estimula gentrificação: de obras viárias a políticas de segurança
CUSTÓDIO COIMBRA
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO TABAK,
NATANAEL DAMASCENO E PAULO THIAGO
DE MELLO
[email protected]
O fenômeno da gentrificação pode ser
espontâneo, causado pela oscilação na
renda dos moradores, mas muitas vezes
ocorre como reflexo de ações públicas.
Um novo sistema viário, um parque onde havia um terreno baldio, uma obra gigante de saneamento, fenômenos recentes em alguns bairros da Zona Norte e do
Centro. A ampliação das Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs) também é
considerada uma medida com impacto
na dinâmica de ocupação dessas áreas.
No Centro, por exemplo, o valor arrecadado com o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) cresceu
555% entre 2005 e 2012, saltando de R$
9,2 milhões para R$ 60,5 milhões, turbinado pela implantação do Veículo Leve
sobre Trilhos (VLT), os estímulos para
construção na Cidade Nova e pelo projeto do Porto Maravilha. A variação indica o grau de interesse do mercado
imobiliário por essa região.
Na Zona Norte, vários bairros são beneficiados pelo projeto do BRT Transcarioca,
que está sendo implantado e vai ligar a
Barra à Ilha do Governador. Ao todo, o investimento será de R$ 1,5 bilhão. Madureira está no percurso do BRT e já foi beneficiada também com a construção do Parque Madureira, com mais de 90 mil metros quadrados. Foram R$ 107 milhões no
projeto, que está sendo ampliado para
atender a mais bairros.
— A gentrificação, nessas áreas, será
fruto direto da ação do poder público. No
Centro, na Cidade Nova, em São Cristóvão e em todo o entorno do Porto haverá
muitas possibilidades em função da demanda. Madureira ganhou o parque, o
BRT e a criação de um novo Plano de Estruturação Urbana — diz o presidente da
Ademi, João Paulo Rio Tinto de Matos.
Para Pedro DeLamare, presidente do
Sindicado dos Bares e Restaurantes do
Rio, a mudança é sinônimo de oportunidades para os empresários. Ele, que abriu
uma filial de seu restaurante no entorno
do centro administrativo da prefeitura, na
Cidade Nova, diz que a revitalização cria
um círculo virtuoso.
Mas há quem reclame que os investimentos têm um custo: o do deslocamento de moradores para outras regiões para dar lugar a avenidas e vias. Se,
por um lado, há quem defenda que as
remoções devam ser debatidas e evitadas ao máximo, como diz Raquel Rolnik, relatora especial da ONU, por outro
o prefeito Eduardo Paes afirma que
“não dá para fazer investimentos em
mobilidade urbana sem desapropriações, especialmente em antigos bairros, onde as ruas são estreitas e há um
adensamento dos espaços”. l
A nova Madureira, na página 12
Novo Porto. O anúncio de R$ 8 bilhões em investimentos na área durante 15 anos já atrai empresários e novos moradores, que percebem o potencial da região no Centro
Porto, o destino de quem aposta no futuro
Valorização atrai investidores do mercado imobiliário, donos de restaurantes e novos moradores
Patrick Fontaine conhece bem os efeitos da gentrificação. Ex-morador de Botafogo, saiu do bairro
fugindo do aumento do preço dos aluguéis. Antes
disso, durante uma temporada de estudos em Paris, viu como o fenômeno modificou em pouco
tempo o bairro onde morou, ocupado originalmente por descendentes de imigrantes judeus e
árabes. Atento às mudanças, resolveu, ao menos
uma vez, se beneficiar do processo e, há um ano,
se instalou na Zona Portuária, que segundo estimativa da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (Cdurp), deve receber R$ 8 bilhões
em obras e serviços ao longo de 15 anos.
— Com a valorização do mercado imobiliário
em Botafogo, não ia conseguir sobreviver ali.
Como já tinha um grande interesse no Porto,
cheguei ao Morro da Conceição — diz Patrick,
que se estabeleceu em um apartamento num sobrado de três andares, construído na década de
50. — Optei pelo que me parece lógico. Embora
o mercado valorize mais os bairros da Zona Sul,
como o Leblon, na minha opinião, aquela é a
franja da cidade e não o seu centro.
A poucos metros do apartamento de Fontaine, a
Rua Camerino, esquecida durante muito tempo,
apresenta sinais de que está sendo modificada pelo
processo. Assim como a primeira fase de obras do
Porto Maravilha, em que se reformaram calçadas e
mobiliário urbano de trechos da via, a presença de
empresários como o carioca Ronnie Arosa é parte
importante do processo. Ele deixou a Espanha, onde trabalhava como consultor de projetos de desenvolvimento, para ajudar o pai, Manolo Arosa, de
69 anos, na reconstrução de antigos motéis. Eles
têm benefícios fiscais do Comitê de Acomodações
da prefeitura para os Jogos Olímpicos de 2016.
— Percebemos o potencial dessa região, que tem
poucos hotéis, apesar da procura. Na Espanha e
Itália, por exemplo, centros de grandes cidades são
cheios de opções de hospedagem. Aqui no Rio é o
contrário — conta Arosa, que nota as mudanças na
Camerino desde 2011. — Vi surgirem um restaurante de comida asiática, lanchonete, salão de beleza e uma loja que emoldura quadros.
Patrick Fontaine, por sua vez, se mostra preocupado com o destino dos moradores antigos,
que compõem a identidade local. Em sua opinião, o poder público deveria investir em políticas
inclusivas que garantissem o direito à moradia
dos trabalhadores de baixa renda que já ocupa-
vam a região antes do anúncio do projeto.
— Tem gente comprando imóveis, deixando
fechado à espera da valorização. O poder público deveria garantir moradias de interesse social,
evitando os efeitos negativos da gentrificação.
O sociólogo Alberto Gomes, presidente da Cdurp,
diz que já localizou 500 famílias em cortiços e imóveis abandonados. E que tem em seus planos a
construção de 2.200 habitações de interesse social
na região para absorver esses e outros moradores
de baixa renda que desejarem continuar no local:
— Isso não evitará a saída de moradores antigos. As pessoas não moram onde querem, moram onde podem. O problema maior não é a
questão da valorização do imóvel. A maior parte
da população aqui é de proprietários. Mas, da
mesma forma que o poder público não pode
obrigar ninguém a sair de onde está, a não ser por
motivos de segurança, também não pode obrigar
a ficar. As pessoas vão fazer suas escolhas.
Para ele, é preciso preservar a identidade do local.
Alberto diz que tem trabalhado na discussão de políticas fiscais, como desconto do IPTU, para quem
permanecer nos morros da Conceição e Providência, e o aumento do ITBI para quem comprar. l
12
l O GLOBO
l Rio l
Segunda-feira 28.10.2013
Cidade em transe
EDUARDO MAIA/15-8-2013
Renovação. Harlem é uma das áreas de Manhattan sob gentrificação. O processo cresceu na gestão de Bloomberg
Nova York
A intensa
mudança
na ‘Grande
Maçã’
Harlem, Brooklyn e
Queens vivem rápidas
transformações
ISABEL DE LUCA
correspondente
[email protected]
-NOVA YORK- Como quase tudo o que se refere à No-
va York recente, basta recorrer ao seriado “Sex
and the city”: quando uma das quatro protagonistas se mudou para o Meatpacking District, o
submundo da cidade convergia ali. Treze anos
depois, o Meatpacking é um bairro repleto de
lojas de grife, restaurantes caros e hotéis badalados. A gentrificação é cada vez mais ágil em
transformar a cidade — hoje, com a chamada
parte central de Manhattan (do sul da ilha até a
Rua 96) saturada, as áreas que mudam com
mais rapidez são o Harlem central e algumas regiões do Brooklyn e do Queens.
— Tem sido ainda mais rápido desde 2005.
Quando o prefeito Michael Bloomberg foi eleito,
em 2002, ele trouxe uma série de políticas focadas
na qualidade de vida das classes média e médiaalta, então a cidade se tornou um destino para essas classes. É um novo ambiente, e o ambiente político certamente tem a ver com isso — diz Stacey
Sutton, professora da escola de pós-graduação em
Arquitetura da Universidade de Columbia.
Em Clinton Hill e Fort Greene, atualmente
bairros de família no Brooklyn, a população
branca aumentou 30% entre 2000 e 2010, enquanto a negra diminiu 29% — a maior mudança, segundo Stacey, aconteceu na segunda metade da década. Outra visível transformação
ocorreu em Williamsburg, também no Brooklyn, atualmente o ponto dos jovens descolados de Nova York (muito embora Bushwick, um
pouco mais a leste, esteja virando o destino
hipster da vez). Enquanto isso, no Harlem central, os brancos não param de chegar.
— A proporção ainda é pequena, mas há dez
anos quase não havia brancos no Harlem, então
se trata, sim, de uma transformação dramática.
Há muitas mudanças em curso na cidade e elas
estão todas conectadas. As pessoas saem do
Hoje na web
oglobo.com.br/rio
l GLOSSÁRIO: A
mudança da cidade
em novas palavras.
l ESPECIALISTA: A
socióloga Sharon Zukin
analisa fenômeno.
Centro Manhattan em busca de aluguéis acessíveis. E elas acabam em bairros bem-servidos de
transporte público e ainda próximas ao Centro,
vide o que está acontecendo no Harlem, no norte e no centro do Brooklyn, no Queens. As áreas
mais gentrificadas são as mais próximas à cidade, é um padrão que segue uma trajetória lógica
— aponta Stacey.
Ela acrescenta que, mesmo no Bronx, na região de University Heights, a população branca
vem crescendo, apesar de, diferentemente do
que ocorre em outros locais em franca transformação, a renda média continuar baixa: se em
2000 havia 1% de brancos, hoje eles são 9%:
— O problema é que tinha gente morando nesses
lugares, e não existe uma estratégia para habitar essas áreas. Se essas pessoas decidem sair, também
não há planejamento sobre para onde podem ir,
porque tudo está ficando cada vez mais caro.
Um dos focos do estudo de Stacey é a gentrificação comercial. Em 2005, no início do processo
de transformação de Fort Greene and Clinton
Hill, ela entrevistou cerca de 60 donos de pequenos negócios, para entender o que os motivou a
ocupar a região e as pressões a deslocá-los:
— Quando voltei a campo, entre 2009 e 2010,
75% dos empreendedores que tinha entrevistado,
negros na maioria, não estavam mais lá. Não é só
que os novos moradores estejam pedindo mais
restaurantes e cafés: os empresários estão procurando lugares para investir. Se há uma área em
processo de gentrificação, eles se instalam nela, e
os pequenos negócios são forçados a sair.
PAULO THIAGO DE MELLO
Bobolândia. Em Paris, novos moradores transformam o perfil de bairros proletários e os redutos de imigrantes
Paris
Novo tipo
social altera
perfil da
Cidade Luz
‘Bobôs’ chegam em
bairros populares com
outro estilo de vida
FERNANDO EICHENBERG
Correspondente
[email protected]
Paris possui apenas 105 quilômetros quadrados de superfície. Nenhum ponto da cidade dista mais de cinco quilômetros de Notre-Dame,
localizada no centro. Em seu espaço urbano, no
entanto, o mosaico social antes existente tende
a se uniformizar, apontam os dois sociólogos. A
valorização do preço do metro quadrado e dos
aluguéis nas áreas mais centrais da cidade fez
com que os “bobôs” procurassem imóveis em
bairros de características mais populares, em
que o custo da moradia era mais acessível, como Oberkampf, Bastilha, o canal de Saint Martin e seus arredores. Os novos moradores levaram junto comércio, restaurantes, bares e um
outro estilo de vida, bem diferente do existente.
— Bairros “bobôs” são simpáticos, muito animados, plenos de convivialidade, mas o nosso olhar
sociológico visa a analisar as relações sociais nesse
processo. E houve um nivelamento de locais que
antes eram bastante coletivos e com uma maior
mistura de camadas sociais — diz Monique.
DIVERSIDADE AMEAÇADA
Segundo os dados alinhavados pelos pesquisadores, entre 1991 e 2007 os preços imobiliários
aumentaram em média 103% em Paris. No antes
mais popular 11º distrito, o aumento registrado
foi superior, de 120%, em parte devido à chegada
de moradores com maior poder aquisitivo. A
composição social também variou. Entre 1954 e
1999, a porcentagem de trabalhadores no conjunto da população ativa residente em Paris diminuiu de 65% para 35%; e o índice de profissionais
liberais e de quadros superiores aumentou na
mesma proporção.
No bairro de Saint-Germain-des-Près, celebrado
no século passado por sua efervescência artística e
intelectual — dos debates filosóficos de Jean-Paul
Sartre, Simone de Beauvoir e outros ativos pensadores assentados nas mesas do Café de Flore ou
do Deux Magots às criações literárias e musicais
de nomes como Boris Vian, Jacques Prevèrt e Juliette Gréco —, a transformação ocorrida, na análise
dos sociólogos, ganhou outros contornos.
— O mundo dos negócios e das finanças, mais
comum à “Rive droite” (parte norte de Paris),
atravessou o Rio Sena e invadiu a “Rive gauche”
(sul). Saint-Germain-des-Près adotou uma nova alma. Sartre foi destronado por Dior — afirma a socióloga.
Na “terra de exôdos”, a Rua Goutte-d’Or, chamada de “rua das imigrações”, destaca-se como
um exemplo das diferentes sedimentações arquitetônicas e sociológicas do local. Na segunda metade do século XIX, com a reforma urbana promovida pelo barão Haussmann, a área acolheu
trabalhadores franceses e de outras nacionalidades, em habitações baratas. No século XX, o fluxo
de imigrantes continuou, com belgas, poloneses
e magrebinos, argelinos em sua maioria, fazendo
da Goutte-d’Or um símbolo da África do Norte.
No fim dos anos 1980, ocorreu uma nova leva de
imigrantes, com a chegada de ganenses e cingaleses. Definido pela socióloga como um local de diversidade social e étnica, eles temem que o bairro
perca suas características:
— Ainda resta a Goutte-d’Or em Paris, mas sou
pessimista, não sei quanto tempo vai durar. l
ESTÍMULO A GRANDES EMPRESAS
Muitos livros se dedicam às origens do processo de
gentrificação na cidade, nos anos 1970. Para uns,
começou no Lower East Side; para outros, SoHo. O
Lower East era predominantemente uma área de
posseiros brancos de baixa renda que ocuparam
espaços subutilizados, e, quando a cidade os quis
de volta, houve conflitos. Já o SoHo foi eleito por artistas, que viram em seus lofts industriais, também
subutilizados, um lugar para viver e trabalhar.
— Diferentemente do que aconteceu no
Lower East Side, os artistas foram incentivados
pelo governo a ficar no SoHo — nota Stacey.
Sobre todas as outras, a administração Bloomberg — que deixa a prefeitura no fim do ano,
após 12 anos no poder (as eleições são em 5 de
novembro) — foi prolífica em desenvolvimento
urbano. Milhares de quadras foram rezoneadas
para dar espaço a novas construções.
— Certas políticas públicas exacerbam a gentrificação de forma explícita. Qualquer política
de criar espaços para a classe média alta, mudando leis de preservação e códigos de construção, exacerba a gentrificação. E o Bloomberg incentivou mais do que nenhum outro prefeito o
estabelecimento de grandes empresas na cidade, mudando o mercado — diz ela.
Nova York, alerta Stacey, vem tomando o caminho da homogeneidade:
— Bairros têm que mudar, isso é natural. O fenômeno que faz uma cidade ser vibrante é ela
mudar constantemente. Mas as cidades devem
ser cuidadosas em termos de contrabalançar a
mudança, e levar em conta sobre quem os benefícios e os fardos caem. Porque parte da vibração de uma cidade vem da sua diversidade.
Quando ela perde isso, torna-se menos interessante. Quando tudo começa a ficar com a mesma cara, Nova York perde a sua identidade. l
-PARIS- Com 29 milhões de visitantes anuais
(mais de 12 vezes a sua população intramuros), a Cidade Luz esbanja vitalidade turística
e mantém sua atratividade e reputação internacionais. Mas numa análise sociológica, a capital francesa estaria correndo risco de perder
uma de suas maiores riquezas: sua diversidade social. Esta pelo menos é a tese dos sociólogos Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon
— autores de “Sociologia de Paris” (ed. La Découverte) e “Paris: Quinze passeios sociólogicos” (Petite Bibliothèque Payot) —, que alertam para a veloz transformação do perfil social
da cidade, provocada pelos altos preços imobiliários e dos aluguéis e pela falta de construção de habitações sociais prevista em lei, com
o consequente deslocamento urbano da população de baixa renda.
Os pesquisadores colocam Paris como vítima
de um processo que também atinge outras cidades: a gentrificação. Na capital francesa, ganhou
força nos últimos anos, uma ideia similar, chamada de “bobotização”, numa referência aos
chamados “bobôs”, contração de bourgeois-bohème (burguês-boêmio). Trata-se de uma expressão criada pelo jornalista americano David
Brooks para se referir a um tipo social que uniria dois arquétipos historicamente antagônicos:
o burguês e o boêmio. Em Paris, o “bobô” é o
agente da gentrificação. Para Monique PinçonCharlot, a “bobotização” configura uma violência simbólica e subjetiva, mas também real e
objetiva contra as classes mais populares, que
aos poucos se veem excluídas de Paris:
— Em 1962, havia 576 mil empregos industriais
em Paris, e hoje há 68 mil. A forte desindustrialização beneficiou a gentrificação. A classe baixa vai para a periferia ou para zonas rurais reurbanizadas, e
os “bobôs” se apropriam dos espaços públicos.
BB CIDADE EM TRANSE
ONTEM: Alta valorização de imóveis na Cruzada.
AMANHÃ: Investimentos públicos aceleram mudança.
l GENTRIFICAÇÃO, UM
l BOTAFOGO:
l NO
l FOTOGALERIA:
FENÔMENO GLOBAL:
Em vídeo, as
mudanças e
conflitos de
velhos e
novos
moradores.
GOOGLE+:
google.com/
+JornalOGlobo
Imagens sobre as
mudanças em
Botafogo, de bairro de
passagem a local com
alta valorização do
metro quadrado.
Vídeo explicativo sobre o
conceito e os indicadores
do processo de mudança
nas cidades do Brasil e
do mundo.
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GLOBO no
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8
l O GLOBO
Segunda-feira 28.10.2013
Rio
Cidade em transe
Um bairro que perde casas
Desde 2000, já desapareceram pelo menos 942 em Botafogo; novos hábitos mudam vida local
FOTOS DE CUSTÓDIO COIMBRA
TROCANDO DE ROUPA
Acima, grupo visita prédio recém-construído, em destaque na foto à direita, uma vista do bairro, com
alguns dos condomínios que já mudam o cotidiano: em dez anos, surgiram quase cinco mil novos
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO TABAK, NATANAEL
DAMASCENO E PAULO THIAGO DE MELLO
[email protected]
A paulista que mora no prédio novo elogia a praticidade do bairro e a infraestrutura de seu edifício, com espaço gourmet, mas se surpreende ao
saber que a região já foi perigosa, o patinho feio
da Zona Sul. Perto dali, o porteiro não consegue
decorar os nomes dos novos moradores porque
“a maioria só sai de carro”. Já o sócio de um dos
restaurantes mais tradicionais da área, o Botequim, mescla sentimentos de frustração e otimismo em busca de outro imóvel para manter o seu
negócio. E quem chega faz investimentos significativos (R$ 2 milhões) para transformar um casarão, que abrigou um cortiço e uma lavanderia,
numa loja da Livraria Travessa.
Botafogo trocou parte de sua população, gentrificou-se, e tem hoje o segundo metro quadrado
mais caro do Brasil de novos empreendimentos, a
incríveis R$ 13,5 mil. Perdeu, em dez anos, pelo
menos 942 casas, 27% do total, segundo dados
colhidos dos censos 2000 e 2010 do IBGE, mas esse número hoje pode ser maior. O bairro ganhou,
nesse mesmo período, 4.917 apartamentos (alta
de 19%), abrigados em prédios batizados pelas
construtoras com nomes que sugerem exclusividade, autossuficiência e segurança. E ainda viu
subir em 15% o número de pessoas que vivem no
bairro há menos de cinco anos: eram mais de oito
mil em 2010 (10%), um dos índices mais altos do
Rio. A série “Cidade em transe” mostra hoje os
contornos da gentrificação nessa área da Zona
Sul batizada no passado de “bairro de passagem”.
Sob o efeito das mudanças, o comércio se adapta aos gostos de uma população cuja renda cresceu 43% em dez anos. O livreiro Rui Campos enxergou isso há algum tempo. Ele venceu uma disputa para alugar o casarão na Rua Voluntários da
Pátria, que fica perto da nova Rua Nelson Mandela, aberta depois da saída de um canteiro de obras
do metrô, e logo ocupada por bares, bancos e serviços. Campos sabe que o bairro concentra, agora, uma quantidade crescente de pessoas do perfil buscado pela Travessa:
— Acompanho a evolução do bairro. A classe
mais interessante para o livreiro não é a AA, e sim
a B e um pouco da A. É quem reconhece a importância do livro.
NOSTALGIA EM FORMA DE SAMBA
Não muito longe da futura livraria, um senhor de
77 anos chamado Norival Góes, conhecido “por
todos” como Seu Vavá, decide cantar um samba.
Ele está à vontade no Bar da Dona Adelina, na Rua
Rodrigo de Brito, um abrigo afetivo no tão movimentado bairro onde nasceu e cresceu. Nos versos, Botafogo é um bairro onde “já não existe mais
espaço pra gente sambar”, e, “quando se encontra
um pedaço de chão, surge logo um espigão, querendo expulsar gente de tradição e antiga do lugar”.
— Fiz esse samba em 1996, era a época do nascimento dos espigões. Serviu como lembrança da
casa do meu pai — conta Vavá, em referência ao
Cantinho da Fofoca, uma pensão na mesma rua
que depois virou bar, um dos mais famosos pontos
de encontro dos antigos moradores e frequentadores de Botafogo, muitos deles ligados ao samba.
O atual cantinho de seu Vavá é o Bar da Adelina,
um típico, e em extinção, pé-sujo, “porém lavado”,
explica a dona. Há violões pendurados nas paredes, cafezinho grátis, santinhos, fotos de família,
comida caseira, quadro com oração para purificar
o ambiente e um telefone que não para de tocar.
Adelina Maria de Sá Nunes, de 58 anos, senta-se à
mesa com os fregueses, muitos deles seus amigos.
Ela mora na mesma casa da Rua Arnaldo Quintela
desde que nasceu. Apesar da valorização e do assédio de empreiteiras, foi uma das únicas moradoras da vila que bateram o pé e não quiseram vender o imóvel. Ela tem sentido os novos ventos:
— Meu pai comprou aquela casa com muito sa-
ADELINA
NUNES
Dona de um pé-sujo na
Rua Rodrigo de Brito,
Adelina é uma das
poucas comerciantes
que ainda vendem fiado
num bairro de comércio
cada vez mais
impessoal: “Mantenho o
cadernão”. Ela sempre
morou na mesma casa
de uma vila na Rua
Arnaldo Quintela e, por
ora, não pretende sair,
mesmo com propostas
de construtoras
EDUARDO
LABORNE
O sócio do Botequim,
restaurante tradicional da
Rua Visconde de
Caravelas, terá que deixar
o imóvel em alguns anos.
A Casa de Saúde São José
comprou três casarões da
rua e negocia a data da
mudança com seu novo
inquilino. Ele busca outro
imóvel para reabrir o
restaurante no mesmo
estilo familiar, de bairro
RENATA
COAN
A psicóloga paulista
chegou a Botafogo há
três anos. Por mais que
ainda se considere
turista, ela, que veio de
Campinas, elogia a
praticidade do bairro e a
infraestrutura
caprichada do seu
prédio, que tem espaço
gourmet e playground
cheio de ofertas de lazer.
NORIVAL
GÓES
Seu Vavá, antigo
morador de Botafogo, é
um símbolo da tradição
do bairro. Seu pai foi
dono de uma pensão que
virou bar, o Cantinho da
Fofoca, reduto de
sambistas. Ele fez um
samba contra a chegada
de novos prédios no
bairro, que afastam, diz
a letra,“gente de tradição
e antiga do lugar”
crifício, e respeito isso. Eu disse não para a construtora, e uma vizinha ficou até aborrecida. Adoro
morar ali. Hoje o pessoal que vem para cá é turista,
mal te dá bom dia, não interage. Mora num prédio
sem conhecer ninguém, a não ser o porteiro.
Dona Adelina não imagina que até os porteiros
também estranham os novos costumes do bairro.
Ailton Sacramento de Jesus, do novíssimo edifício Riservato, na esquina das ruas Mena Barreto e
São João Batista, explica:
— A maioria dos moradores usa carro e sai
pelo portão eletrônico da garagem. Por isso,
um porteiro novo tem dificuldade para decorar nomes.
Além das mudanças pelas quais o Rio passa, Botafogo tem seus motivos peculiares, com um número considerável de casas que puderam dar espaço a
edifícios. Consultor da Ademi, David Cardeman
conta que a chegada das construções em bloco tem
a ver com a legislação carioca, que concentrou, durante muito tempo, serviços em Botafogo.
— Em 1976, o prefeito Marcos Tamoio fez um
novo zoneamento da cidade, e a prestação de
serviços foi parar em Botafogo, com hospitais,
oficinas mecânicas e escolas. Isso gerou um
problema porque houve acúmulo. Mas, em
1983, o Plano de Estruturação Urbana de Botafogo (Peu) bloqueou esse uso no bairro. E, com
a ausência de terrenos em Ipanema, Leblon e
Copacabana, a construção civil foi para lá.
RESTAURANTE SAI, HOSPITAL ENTRA
Não são apenas novos prédios que chegam.
Hospitais também se interessam pelas casas,
mesmo que as mantenham de pé. A Casa de
Saúde São José, no Humaitá, comprou três no
fim da Rua Visconde de Caravelas para se expandir. Numa delas funciona, desde 1979, o restaurante Botequim, conhecido de moradores e
frequentadores do bairro. O sócio Eduardo Laborne negocia com seus novos inquilinos e espera permanecer mais alguns anos, mas é certo
que precisará buscar outro endereço. O restaurante é um à la carte à moda antiga, que não hesita em trocar ingredientes do prato se o freguês
pedir. Na origem, o casarão era a sede de um escritório de arquitetura que tinha vida boêmia
depois do expediente. Os donos resolveram, à
época, abrir um restaurante, já que os encontros
noturnos eram um sucesso.
Laborne observa as perdas de Botafogo, mas
valoriza os ganhos e vê com naturalidade os novos tempos, mesmo lamentando a futura saída
da casa desenhada pelos arquitetos do antigo escritório, que tem até madeira de pinho de riga.
— Graças a Deus a negociação é feita de forma
elegante e amistosa. Sei que esse estilo do Botequim está em extinção. Mas vou reabrir com a
mesma personalidade, o mesmo nome — diz
Laborne. — A sensação é de tristeza e frustração. O proprietário tem o direito de vender, a
São José de comprar e tudo foi feito como manda a lei. Sou só mais um pequenininho engolido
pelos grandes negócios.
Já os que chegam, principalmente de outro estado, podem elogiar Botafogo. É o caso da psicóloga
Renata Sims Coan, de 44 anos, que é de Campinas e
aportou na região há cerca de três anos porque o
marido foi transferido para o Rio. Apesar de o filho
sonhar morar na Barra “porque tudo é novo”, ela
gosta de bairro que é prático para a família.
— Mas ouvi falar que cariocas são bairristas, e
quem é de Botafogo tem até um rixinha com outros. Para mim, é uma coisa só — opina Renata.
Apesar de se dizer desanimada com a “falta de
vínculo” de novos moradores com o bairro, Regina
Chiaradia, presidente da associação de moradores
de Botafogo há 12 anos, exalta a confraternização
das pessoas no Baixo Botafogo e no Polo Gastronômico, além da criação de novas praças, fruto de cobranças antigas e dos novos ventos econômicos. l
As mudanças em Nova York e Paris na página 12
l Rio l
Domingo 27.10.2013
O GLOBO
l 23
Cidade em transe
FOTOS DE CUSTÓDIO COIMBRA
Imóveis na
Cruzada se
valorizam
em até 135%
Localização privilegiada de áreas
na Zona Sul atrai compradores
com maior poder aquisitivo
FÁBIO VASCONCELLOS, FLÁVIO
TABAK, NATANAEL DAMASCENO
E PAULO THIAGO DE MELLO
[email protected]
Os sinais da mudança são
anunciados na entrada da
Cruzada São Sebastião, no
Leblon. Ao chegar a um dos
dez blocos do conjunto habitacional, onde moram cerca
de cinco mil pessoas, uma
das moradoras pergunta se a
entrevistada é a nova vizinha
que, há pouco mais de 19 meses, vem influenciando o cotidiano do lugar. À porta, Deisi Soleti, abre seu apartamento de 24 metros quadrados, Nesse período, o imóvel
teve uma valorização de
135%. E explica que preferiu
investir no conjunto que foi
inaugurado em 1957, no coração do Leblon.
Ex-comissária de bordo da
Varig, ela se viu sem condições
de manter o seu apartamento
na Rua Almirante Guilhem, no
mesmo bairro. Não titubeou:
vendeu o imóvel e comprou o
apartamento de quarto e sala
que, totalmente remodelado,
virou referência de bom gosto e
decoração para os vizinhos que,
em sua maioria, moram em
apartamentos humildes e malconservados.
— Perto de minha aposentadoria, vi a Varig e o Aerus (o
fundo de pensão da companhia) irem à falência. Na época, morava em um apartamento de 120 metros quadrados a uma quadra daqui, e a
primeira coisa que pensei foi:
“como vou me manter aqui?”.
Pagava um condomínio de R$
1.200 e só pensava que, à beira dos 50 anos, não arranjaria
um emprego que me permitisse ficar. Por isso decidi me
mudar. Pensei na Barra, mas
vi que não daria para fugir do
condomínio. Foi então que
percebi que a solução seria vir
para cá. Moraria no mesmo
lugar, a duas quadras da
praia, perto da escola da minha filha, e conseguiria viver
com minha aposentadoria.
Deisi não foi a única a enxergar além do estereótipo. Assim
como ela, profissionais liberais,
jovens estudantes e investidores têm buscado moradia na
Cruzada e outras áreas da cida-
de, como as favelas recém-pacificadas da Rocinha e do Vidigal.
Com a nova onda de migração,
os preços dos imóveis dispararam.
Deisi enfatiza que está investindo na cidade:
— Quando saí do meu apartamento, senti os olhares de quem
dizia: “ih, faliu!”. Sei que me viam
como uma derrotada. Mas minha visão é outra. É a de empreendedora. Comprei o apartamento há um ano e sete meses
por R$ 170 mil. Hoje, depois da
reforma completa, está avaliado
em R$ 400 mil.
O urbanista Jake Cummings,
pesquisador da Universidade de
Harvard que estudou a gentrificação em áreas de baixa renda
da Zona Sul, diz que casos como
o da Cruzada concentram três
fenômenos que, juntos, criam as
condições para a transformação:
acessibilidade, uma economia
forte e o interesse de compradores com maior poder aquisitivo.
— Especialistas discutem sobre qual dessas três forças é mais
importante, mas, recentemente,
Rio vem experimentando todas
as três. E enquanto a economia
do estado tem crescido nos últimos anos, os seus custos de habitação têm aumentado muito
mais rapidamente que a renda.
E os megaeventos que vêm para
a cidade trouxeram todos os tipos de reformas urbanas. Somadas a isso, as UPPs efetivamente
reconfiguraram a infraestrutura
de segurança nesses lugares.
JANELA DE OPORTUNIDADES
Cummings afirma que, apesar
de a gentrificação ser lembrada
também pelo choque que produz entre novos e antigos moradores, o fenômeno representa
uma oportunidade para o Rio:
— Esses lugares precisam de
investimento, e a iniciativa privada e o poder público estão dispostos a investir. O desafio é canalizar esses investimentos de
forma inclusiva.
Na favela do Vidigal, um dos
objetos de estudo do pesquisador americano, um movimento
cultural idealizado por uma das
novas moradoras da comunidade exemplifica o que diz a sua
tese. A londrina Alex Gillot, de
27 anos, chegou ao lugar há três
anos vinda de uma viagem à
America do Sul e, contrariando
Novos tempos. Encravada no Leblon, a Cruzada São Sebastião atrae novos moradores em busca da localização, o que provoca a valorização dos apartamentos
Antenada. Demitida da Varig, Deisi Soleti optou por morar na Cruzada
“Minha visão é
outra. É de
empreendedora”
Deise Soleti
Moradora da Cruzada
o conselho de amigos, estabeleceu-se na favela pouco antes do
início do processo de pacificação. Ela conta que, na época, o
número de estrangeiros na favela era ínfimo, e que todos ficavam encantados pela forma como os moradores se relacionavam entre si e entre no espaço
público. Diz ainda que, após o
início da pacificação, percebeu
mudança nas das manifestações culturais:
— Antes, as festas eram na
rua, para os moradores. Agora,
são pagas.
A favela, por sinal, é, segundo o arquiteto Rogério Goldfeld Cardeman, pesquisador
do processo de ocupação do
Rio, o maior exemplo de gentrificação na cidade hoje:
— Estão fazendo pousadas no
topo da favela por causa da vista. Com isso, as pessoas vendem seus terrenos e saem dali.
Alex se juntou a três amigas,
a gaúcha Vanessa Garrone e a
carioca Angélica Grativol, ambas também recém-chegadas
à favela, e Lin Falcão, uma comunicadora do Vidigal, para
articular um movimento cultural que voltasse a ocupar o
espaço público e fosse destinado aos antigos moradores.
Com o apoio de oito ONGs e de
moradores locais, organizaram o primeiro Vidigal Cria
Ativos, ocupando ruas com
shows e oficinas gratuitas.
— Queremos de volta a celebração da cultura da favela, diz
Alex.
Ela, no entanto, não se engana. Ciente do papel de agente
da transformação que ela critica, diz que o mais importante é
o esforço para manter e os valores antigos apesar das transformações:
— É fácil achar que a culpa é
do estrangeiro, mas esse é um
movimento experimentado por
todo o Rio. Favela está na moda.
Precisamos que mostrar a quem
chega que há um código e uma
história a serem respeitados.
NOVOS E VELHOS COSTUMES
Na Cruzada São Sebastião,
costumes dos novos moradores já entram em conflito com
o cotidiano dos mais antigos.
Manoel João Camilo foi um
dos primeiros a ocupar um
apartamento no lugar. Aos 82
anos, é vice-presidente da associação de moradores do
conjunto e mora com duas filhas e dois netos em um apar-
Construções. Em franca mudança, Vidigal é berço de novos hostels
“Antes as festas
eram na rua (...)
agora são pagas”
Alex Gilot
Londrina, moradora do Vidigal
tamento de um quarto.
Ele diz que os moradores que
chegam hoje, com exceções, se
fecham em seus apartamentos.
— Eles trazem a cultura de
apartamentos como os da
Selva de Pedra (condomínio
em frente à Cruzada), onde
ninguém sequer se cumprimenta. Esse pessoal novo não
aparece, não procura saber o
que acontece na vizinhança.
Vive trancado em casa ou vive
na rua. A maioria é solteira e
não tem filhos.
A valorização dos imóveis
também já é sentida no lugar.
Embora não haja números oficiais, os valores subiram mais de
100% no último ano, segundo a
associação de moradores local.
Sua presidente, Laíde Melo, que
nasceu e cresceu no conjunto,
conta que, no atual estado em
que se encontram, um conjugado está sendo vendido entre
R$180 e R$200 mil; um apartamento de um quarto, por R$270
mil; e um de dois quartos por até
R$350 mil. Há informações de
que um dos imóveis estaria à
venda por R$ 500 mil.
Idealizado por Dom Helder
Câmara na década de 1950 como um projeto piloto de habitação popular, o conjunto tem 965
apartamentos divididos em dez
blocos, onde, na ocasião da
inauguração, foram alocados os
moradores da Favela Praia do
Pinto, que ficava às margens da
Lagoa Rodrigo de Freitas. Os
três primeiros blocos têm 168
apartamentos conjugados. Outros quatro, com 84 apartamentos de quarto e sala, e os três
blocos restantes têm 42 apartamentos de dois quartos.
Deisi, outra agente da mudança, prefere que seus vizinhos
permaneçam:
— Fui muito bem recebida e
busquei servir de exemplo para
os novos vizinhos, trazer algo
que melhorasse a situação de
todos. Hoje, as pessoas me convidam para festas, pedem ajuda
na reforma de suas casas. E alguns amigos já manifestaram a
vontade de vir para cá. Conversei com o síndico do bloco e
acho que podemos fazer melhorias. Estamos cobrando uma
taxa extra e estudando a possibilidade de alugar um espaço
no térreo, para um pequeno estabelecimento e reverter o dinheiro para o condomínio. l
Mudanças em Madri e Istambul,
na página 24.
Estrangeiros em favelas chamam a atenção de pesquisadores
Corpo a corpo
Jake Cummings
Urbanista considera
que é necessária uma
boa política
habitacional para
amenizar impacto
social da gentificação
Formado em Urbanismo pela Universidade de Harvard, o americano Jake
Cummings tem estudado o fenômeno
da atração dos estrangeiros por favelas
cariocas e o impacto no custo de vida
nas comunidades.
l O que está levando a gentrificação
às áreas de baixa renda da Zona Sul?
Existem geralmente três fenômenos
que, juntos, criam as condições para a
gentrificação em um bairro de baixa renda. A primeira é a demanda: um segmento com mais poder aqusitivo da sociedade torna-se interessado em viver naquele
bairro. A segunda são as condições eco-
nômicas: em uma economia forte, o crescimento da renda pessoal e a migração
interna que supera a oferta de habitação
na cidade. A terceira é a acessibilidade.
Parte do valor de um imóvel é determinada por sua localização. Projetos de reestruturação urbana que introduzem nova
infraestrutura de transportes, como uma
linha de metrô, ou outras instalações, como parques e zonas comerciais, alteram
essa equação. Especialistas discutem sobre qual destas três forças é mais importante, mas, recentemente, o Rio vem experimentando todos os três fenômenos.
l
Na sua opinião, quais as áreas do Rio
são mais suscetíveis ao fenômeno?
Alguns argumentam que a gentrificação só pode acontecer na Zona Sul, mas
esse é um reducionismo. Se considerarmos essa equação, demanda mais economia, mais acessibilidade, existem favelas em outros lugares que são suscetíveis. Com a introdução de uma UPP, um
teleférico e um novo arranjo comercial,
o Complexo do Alemão, por exemplo, teve aumentada sua acessibilidade.
Quais são os aspectos da gentrificação
nas comunidades?
Um aspecto chave, que é positivo, são
as melhorias físicas que chegam com a
l
mudança. O principal ponto negativo é, naturalmente, o deslocamento
dos moradores. Sem uma robusta
política habitacional, os moradores
de baixa renda acabam se deslocando cada vez mais para áreas periféricas, com baixos níveis de acessibilidade. Grandes cidades mundiais,
como São Paulo ou Lagos, na Nigéria, já viram isso acontecer, e esse é
um futuro possível para Rio. Décadas de experiência em cidades americanas nos mostraram que este é
um resultado terrível, mesmo que
seja em grande parte resultado da
lógica do mercado. l
24
l O GLOBO
l Rio l
Domingo 27.10.2013
Cidade em transe
Istambul
Shoppings de luxo, no lugar de comércio local
Reforma urbana provoca deslocamento de minorias étnicas do centro para áreas do subúrbio
CLAUDIA DOS SANTOS/25-4-2011
CLAUDIA DOS SANTOS
[email protected]
-RIO E ISTAMBUL- As obras no Parque Gezi, o estopim dos protestos que sacudiram a Turquia
em junho, faziam parte de um megaprojeto
de transformação urbana do governo Recep
Tayyip Erdogan. Este prevê a renovação de várias áreas de Istambul, principalmente aquelas habitadas pelas classes de baixa renda,
com o argumento de que os imóveis são insalubres ou inseguros no caso de um terremoto.
A área de Tarlabasi é um exemplo: os antigos
moradores, muitas vezes de minorias étnicas,
têm de deixar suas casas, demolidas para dar
lugar a novos empreendimentos, inacessíveis
aos seus bolsos. Além disso, prédios comerciais históricos na Avenida Istiklal, no coração
da cidade, passam por reformas de gosto duvidoso e se transformam em shopping centers. De certa forma, era isso que estava no
centro dos protestos de Gezi: pelo projeto,
atualmente suspenso pela Justiça, o parque
seria substituído por uma réplica de um quartel otomano demolido nos anos 1940, que
funcionaria como um shopping.
A transformação urbana suscitou várias críticas, tanto de urbanistas quanto da população
afetada. O governo, que quer fazer de Istambul
uma cidade cosmopolita, rivalizando com Londres e Nova York, argumenta que as pessoas estarão melhores em imóveis novos do que em
habitações insalubres. O Ministério do Desenvolvimento Imobiliário da Turquia (Toki, pela
sigla em turco), responsável pela construção de
moradias populares, ressalta oferecer imóveis
ao alcance do bolso da população de baixa renda. Mas esses imóveis, ressaltam os críticos, são
sempre distantes do Centro de Istambul.
O processo de transformações urbanas na cidade teve início nos anos 1950, com a derrubada das yalis à beira do Estreito do Bósforo para
dar lugar a largas avenidas, conta o arquiteto
Cem Yücel, do escritório Mars Architects e responsável pelo projeto do Museu da Inocência,
idealizado pelo escritor Orhan Pamuk. Os ricos
que habitavam as yalis não apreciaram a mudança, mas a população ganhou a vista para o
Bósforo.
ADMINISTRADOR QUER UM ‘CHAMPS-ELYSÉES’
Nos anos 1980, mais avenidas. Nessa ocasião
foi aberto o Boulevard Tarlabasi, na área de
mesmo nome, junto ao Parque Gezi. Onde havia casas e pequenos prédios, há hoje uma larga avenida de seis pistas. As ruas que permaneceram intactas são agora alvo de um novo
projeto do governo. As obras estão em andamento: as calçadas e ruas são refeitas, e os predinhos antigos, de três ou quatro andares, dão
lugar a construções com o dobro da altura e
um preço dez vezes maior.
Muitos dos imóveis de Tarlabasi são ocupações ilegais, explica Yücel. Os proprietários originais eram gregos e armênios, forçados a deixar o país nos anos 1950. As casas acabaram invadidas por trabalhadores que vinham do interior da Turquia — segundo a jornalista alemã
Constanze Letsch, que mora em Istambul desde
2005, os curdos representam 80% dos moradores. E quem não consegue apresentar um título
de propriedade do imóvel em que vive é, invariavelmente, expulso.
Tarlabasi era uma espécie de “alvo natural” para o governo depois que Beyoglu, área da qual faz
parte, passou por seu próprio processo de gentrificação — mais natural, de acordo com Yucel. O
administrador de Beyoglu, Ahmet Misbah Demircan, já declarou que quer transformar Tarlabasi nos “Champs-Elysées” de Istambul.
Há cerca de 15 anos, Beyoglu, no qual poucas
pessoas se aventuravam devido à prostituição e
à criminalidade, foi “redescoberto” por artistas.
Lá se instalaram as mais badaladas casas noturnas da cidade, como Babylon e Peyote, assim
como galerias de arte e hotéis butique para
abrigar turistas em busca da vibe de Istambul.
— Os preços começam a subir, as imobiliárias vêm, os antigos moradores não podem mais
pagar o aluguel e acabam se mudando — disse
Yücel ao GLOBO.
Yücel vê a gentrificação como algo inevitável; o que o preocupa é a condução desse processo.
— A gentrificação é um processo natural e
necessário. A transformação em si não é algo
ruim. Já uma transformação desleixada… Se o
governo vê nisso apenas uma oportunidade
de ganhar dinheiro, só vai causar mais problemas. Você começa a esquecer sua história,
o que não é bom para nenhuma sociedade.
Não devemos destruir a alma das coisas. l
Hoje na web
oglobo.com.br/ rio
l GLOSSÁRIO: A
l ESPECIALISTA: O
mudança da cidade
em novas palavras.
pesquisador de favelas
Jake Cummings.
Eu sou você amanhã. Na Avenida Istiklal, o shopping Demirören (à direita) e o Edifício Se Sam, atualmente passando por obras para se tornar mais um centro comercial
JONÁS BEL/NOPHOTO/DIVULGAÇÃO
Madri
Chueca,
símbolo de
bairro
moderno
Área já foi considerada
retrato da pobreza e
decadência nos anos 1980
PRISCILA GUILAYN
Correspondente
[email protected]
-MADRI- Heroinômanos a cada esquina;
grades trancando comércios vazios há
anos; edifícios deteriorados, sem calefação, sem elevador, com banheiros nos
corredores; e uma população, basicamente, de pessoas idosas, sem ter para
onde fugir. Esta é a Chueca da década de
1980, retrato de pobreza e desolação no
centro madrilenho, onde Pedro Almodóvar gravou algumas das cenas de “Ata
me!”, quando o personagem de Antonio
Banderas ia em busca de droga. Porque
Chueca se resumia a isso: seringas pelo
chão, rostos inchados e vermelhos, bocas com dentes negros corroídos, vidas
devastadas pela heroína. Um passado de
decadência, que nada tem a ver com a
Chueca de hoje, símbolo de modernidade, tema de teses de doutorado, por ser
resultado de um processo de gentrificação expontâneo e exitoso.
Não houve um plano estratégico da
prefeitura nem um projeto ambicioso de
um grupo de empresários. Chueca foi
mudando de fisionomia pouco a pouco,
e o primeiro grão de areia quem colocou
foi Mili Hernández. Ela tinha o sonho de
montar uma livraria direcionada para o
público LGTB (lésbicas, gays, transexuais e bissexuais) e em Chueca havia lojas
aos montes para escolher e com aluguéis
baratos. Berkana, inaugurada em 1993,
l GENTRIFICAÇÃO, UM
FENÔMENO GLOBAL:
Vídeo explicativo sobre o
conceito e os indicadores
do processo de mudança
nas cidades do Brasil e
do mundo.
Chueca .
Mudança do
bairro é
estudada nas
universidades
foi o motor da transformação.
— As pessoas estavam surpresas e me
perguntavam se eu não tinha medo.
Mais do que a insegurança do bairro, o
receio era de uma agressão homófoba à
livraria. Mas eu não tinha medo nem de
uma coisa nem da outra.
A abertura de Berkana teve um grande
impacto mediático, e serviu de incentivo
para que outros homossexuais se interessassem em montar um negócio no
bairro. Um restaurante, uma floricultura,
outro restaurante, um café... Em 1995,
Mili tinha ao redor da Berkana uma con-
l CRUZADA: O
impacto na rotina de
velhos moradores e
a chegada de novos
personagens nos
apartamentos da
Cruzada.
l NO
l FOTO GALERIA:
GOOGLE+:
google.com/
+JornalOGlobo
Imagens sobre a
ocupação do
conjunto
habitacional, no
Leblon, desde a
década de 1950.
Acompanhe O
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centração de comerciantes LGTB suficiente para lançar o primeiro mapa gay,
chamado de Chueca Gay.
— Nós fomos mudando a fisionomia
do bairro, que deixou de ser um deserto
de lojas fechadas. Os moradores de
Chueca estavam contentíssimos e nos
diziam “preferimos os gays aos viciados”. A prefeitura estava de boca aberta
com a transformação: tudo o que a gente pedia para fazer, eles deixavam. Nós,
LGTB, deixamos de ser invisíveis.
O Cogam, Coletivo de Lésbicas, Gays,
Transexuais e Bissexuais de Madri, que
se estabeleceu no bairro em 1995, apresentou no Congresso dois anos antesquando Berkana se estabelecia em Chueca e atraía olhares da opinião pública —
um texto de proposta para uma lei de
união estável homossexual. As reivindicações cresciam, Chueca saía do armário e vários espanhóis seguiam a corrente (entre outros, um tenente coronel do
Exército que fez pública sua homossexualidade, sendo o primeiro militar gay
confesso da Espanha). Era uma onda
transformadora do bairro que avançava
com a luta contra a discriminação homossexual. Enquanto isso, o preço do
metro quadrado subia às nuvens.
— Há um mito de que as pessoas LGTB
têm muito dinheiro e, por isso, há muitos
gays que podem morar em Chueca. Mas,
não é verdade — diz Agustín López, atual
presidente do Cogam. — Chueca virou
um fenômeno, estudado em universidade, mas a mudança trouxe preços proibitivos que provoca a saída de muitos que impulsionaram o crescimento local.
Mili é um exemplo. Continuará morando no bairro, em sua cobertura de 140 metros quadrados, que ela comprou por 110
mil euros, em 1996, e que hoje está avaliada em 600 mil. Mas Berkana teve que mudar de lugar três vezes, sempre dentro de
Chueca. O aluguel de sua primeira loja saltou de 800 euros para 6 mil euros.
Este caminho de revalorização é o que
o novo bairro Triball, uma dezena de decadentes ruas no centro da capital próximas à Gran Vía, pretendia trilhar. Um
grupo de empresários do setor imobiliário apostou nisso em 2008, com a compra
de mais de 30 lojas. Previam o aumento
do preço do metro quadrado de 3.600 euros a 4.800 euros em cinco anos, mas o
prognóstico não se cumpriu. A transformação ainda é incipiente. l
BB CIDADE EM TRANSE
AMANHÃ: A perda das casas de Botafogo
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