Pensamento Econômico

Transcrição

Pensamento Econômico
Pensamento Econômico
Economistas analisam a Economia, o Brasil
e o mundo,
25 03 2009
mundo, na mídia diária
Folha de S.Paulo 25 03 2009
ANTONIO DELFIM NETTO
As previsões
OS JORNAIS "Valor Econômico" e "The Wall Street Journal" promoveram, em Nova
York, um importante seminário sobre a economia brasileira para mostrar ao mundo
as oportunidades de bons negócios existentes no Brasil neste momento de crise
financeira mundial.
Nota dissonante foi a "previsão" sobre o crescimento do Brasil divulgada na mesma
semana pelo ex-quase falido Morgan Stanley. Sem nenhum fundamento objetivo, o
banco afirmou que o Brasil verá seu PIB cair 4,5% em 2009!
Temos hoje o seguinte em relação às "previsões" de crescimento do PIB para 2009:
a mais pessimista, menos 4,5%, e a mais otimista, 2%. E o que sabemos de fato?
Apenas que o ritmo de crescimento anual, que vinha a nove trimestres rodando em
torno de 5% a 6%, caiu, no último trimestre de 2008, para 1,3%. Consequência do
"apagão creditício" importado, por precaução, pelos bancos nacionais.
As informações sobre o primeiro trimestre de 2009 são ainda precárias, mas é certo
que a ação do Banco Central tem sido sempre atrasada, tímida e equivocada. Como
deve ser evidente, tais "previsões" são meros exercícios de vontade, cujo resultado
depende da disposição psicológica mais ou menos otimista dos seus autores.
Não existe nenhum mecanismo objetivo de "previsor antecedente" aceitável. Na
melhor das hipóteses, pode-se estimar precariamente o crescimento do PIB num
trimestre quando se está na metade dele. O crescimento do trimestre jan/mar de
2009 não parece nada brilhante. Será, provavelmente, próximo de zero quando
comparado com o trimestre out/dez de 2008. Isso sugere que, quando for
publicada a estimativa do crescimento anual do PIB entre o primeiro trimestre de
2009 e o seu homólogo de 2008, ele deverá ser praticamente nulo!
Vai ser um verdadeiro "choque": o crescimento anual no primeiro trimestre de 2008
foi de 6,1%, e o do primeiro trimestre de 2009 será muito próximo de zero! Essa
informação, porém, não nos permite saber o que serão os próximos nove meses.
Logo, não podemos saber qual será o crescimento do ano. Para os pessimistas, o
país será controlado por um governo e um Banco Central pouco inteligentes e
pouco diligentes. Já os otimistas têm a esperança (talvez vã) de que o governo será
virtuoso e ativo, e o Banco Central, mais inteligente e ousado no uso da sua
musculatura.
O crescimento de 2009 será o resultado das ações bem focadas e urgentes
tomadas pelo governo e pelas respostas que lhe der o setor privado. É claro que
estamos no mundo e sujeitos às restrições externas. Mas é mais claro ainda que,
antes de tentar salvar o mundo, devemos tentar salvar o Brasil, mesmo porque
talvez os EUA se salvem antes de nós.
ANTONIO DELFIM NETTO contato
[email protected]
---------------------------------Folha de S.Paulo 25 03 2009
PAULO RABELLO DE CASTRO
O novo trilhão do Bernanke
O abuso na emissão da moeda sem lastro terá seu julgamento
adiado pela deflação atual; mas o juízo final virá
O NOVO trilhão de Bernanke tem cheiro de inflação, gosto de inflação, mas não se
converterá em inflação tão cedo. A previsão deste economista é válida só para
2009. E por quê? A razão é técnica. O anúncio da injeção de dólares sem lastro -a
maior de todos os tempos, na esteira do outro trilhão emitido em 2008- chega a
um mercado pouco disposto a fazer esse dinheiro circular e, assim, pressionar a
demanda efetiva e, adiante, também o nível dos preços em geral. Ou seja, como a
corda da vontade de gastar está frouxa e é grande a propensão do americano a
economizar e pagar dívidas, o novo trilhão de Bernanke não terá efeito instantâneo
sobre a inflação do dólar americano.
Os efeitos imediatos pretendidos pelo Fed são outros. Ao comprar títulos do
Tesouro em circulação para sua carteira, o Fed tenta matar vários coelhos com uma
paulada. Responde aos chineses, que haviam cobrado mais garantias para os títulos
da dívida americana. "A garantia", diz o Fed, "são as compras que faço dos meus
papéis." Tira parte de seus títulos de circulação, quando todos ainda querem
comprá-los, tornando-os mais escassos. O preço do papel sobe, e o juro embutido
na transação cai. No dia seguinte, vem o Tesouro americano e poderá rolar seu
imenso déficit (quase US$ 2 trilhões em 2009) com juros mínimos. O objetivo de
economizar juros para o governo americano é atingido.
Alguém observará que ocorre nos EUA o oposto do que se esperaria de alguém
muito endividado. Em regime normal, quem mais deve mais paga em juros para
rolar seu passivo. Mas os EUA, como emissor da moeda em que o mundo ainda
confia (por enquanto), usa esse poder de suprimento de dólares. Os brasileiros são
professores em emitir moeda sem lastro. Apesar de lidar com a moeda de reserva
do mundo -ou talvez por isso mesmo-, Bernanke deveria dar uma passada pela
recente história megainflacionária do Brasil.
Obviamente, a manobra do Fed é "calculada". Joga com a urgência de ter que
responder ao murchante mercado de trabalho americano, que aponta para índice
recorde, superior a 10% de desempregados, nos próximos meses. A opção extrema
do Fed é fazer os juros tornarem-se de fato negativos, na medida em que consiga
produzir alguma inflação, se possível em 2009. Nunca antes se viu isso: o Fed
lutando para inflacionar a qualquer preço...
O problema está nas proporções do problema e no jogo das expectativas. Os
mercados são cruéis, punindo os absurdos. O abuso na emissão da moeda sem
lastro, em volumes trilionários, terá seu julgamento adiado pela deflação atual e
pelo medo de morrer dos mercados. Mas o juízo final virá. Calculadamente, o Fed
imagina que poderá soltar trilhões de notas agora (espécie de desfibrilador aplicado
ao moribundo) e, assim que a economia emergir do coma, recolher o ervanário
voador via a venda dos títulos do Tesouro que agora ele põe no seu caixa. Logo,
haverá o dia, lá na frente, em que o Fed e o Tesouro tentarão vender títulos ao
mesmo tempo, para financiar o megadéficit público de Obama, mais o
enxugamento das notas de dólares sem lastro.
Os juros, nesse momento, terão a cara de Paul Volcker, ex-presidente do Fed que,
naquela altura, poderá ter voltado para a cadeira que hoje é de Bernanke. Para os
acadêmicos, uma observação curiosa: após ressuscitar Keynes, pelo lado fiscal, os
americanos foram buscar outro grande economista associado à história da Grande
Depressão, o professor Irving Fisher, que apelava a Roosevelt, no auge da crise,
para emitir mais dólares. Agora, poderemos ver Bernanke testar a tese monetarista
de Fisher.
PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de
Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR
Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria
econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP.
[email protected]
---------------Folha de S.Paulo 25 03 2009
Plano dos EUA é "roubo" para o
contribuinte, diz Prêmio Nobel
Joseph Stiglitz
DA REUTERS
O plano do governo americano para se livrar dos ativos "tóxicos" dos bancos é um
"roubo" ao contribuinte dos EUA, por expô-lo a risco excessivo, e dificilmente irá
funcionar enquanto a economia continuar enfraquecida, disse o Prêmio Nobel de
Economia Joseph Stiglitz.
"O plano do [secretário do Tesouro, Timothy] Geithner, está repleto de falhas",
disse em Hong Kong. Para Stiglitz, o plano apresentado anteontem por Geithner
para retirar até US$ 1 trilhão em ativos problemáticos dos balanços do bancos
oferece "incentivos perversos".
Segundo ele, o governo dos EUA está usando o contribuinte como garantia caso
esses ativos se desvalorizem, ao mesmo tempo em que cede a possível alta, ou
lucros em potencial, para os investidores privados.
"De forma bem sincera, isso equivale a um roubo do povo americano. Eu não
acredito que isso vá funcionar porque acredito que haverá muita revolta contra
colocar tantas perdas sobre os ombros dos contribuintes americanos."
Mesmo que o plano limpe os balanços dos bancos de gigantescas dívidas "tóxicas",
as preocupações com o cenário econômico podem fazer com que as instituições
continuem a não se mostrar dispostas a novos empréstimos, ao mesmo tempo em
que as perspectivas de uma maior carga tributária para pagar os planos de
estímulo do governo podem afetar ainda mais os consumidores americanos, disse
Stiglitz.
Alguns legisladores republicanos também demonstraram preocupação com os
incentivos oferecidos pelo governo, que pode dar aos investidores privados quase
93% dos fundos para comprar ativos problemáticos. Mas o presidente dos EUA,
Barack Obama, disse que o plano é fundamental para a recuperação da economia.
Stiglitz, que é professor da Universidade Columbia e ex-economista-chefe do Banco
Mundial, também pediu que os líderes do G20 se comprometam na reunião da
semana que vem a fornecer mais recursos aos países em desenvolvimento e disse
que a China deve ter mais poder no FMI.
------ - - - - - - - - - - - - - - - - Jornal do Brasil 25 03 2009
Geithner, engenhoso e prático
Economista José Carlos de Assis
Há, sim, sinais de inteligência em Washington. O plano do secretário do Tesouro,
Timothy Geithner, para iniciar o processo de normalização em novas bases do
sistema financeiro americano é extremamente engenhoso e espantosamente
simples. É o contrário do que pensam dois economistas eminentes, Paul Krugman e
James Galbraith, conselheiro de Obama, para os quais a melhor solução seria a
estatização temporária dos bancos.
Cito Galbraith e Krugman porque ambos apóiam o governo Obama e estiveram na
linha de frente contra os ideólogos do neoliberalismo quando estes davam as cartas
no mundo. São eles também, e principalmente Galbraith, que argumentam que
seria falsa qualquer solução para o mercado financeiro dos Estados Unidos e
mundial que implicasse um retorno ao que eram antes da crise. Concordo. É
evidente que o que se impõe é uma reestruturação radical.
Mas como seria isso a partir do momento atual? A situação é tão complexa que não
comporta saídas simples. Os mercados e as instituições financeiras estão
interconectados. Isso implica começar por alguma lugar, por um ponto de menor
resistência, para se ir montando o quebra-cabeça de baixo para cima. Não vejo
como solução uma estatização temporária dos bancos, já que seria impossível
encontrar um critério à prova pendências jurídicas intermináveis para precificar os
ativos podres.
A engenhosa fórmula de Geithner pretende resolver de uma penada, e acho que
talvez resolva, três objetivos centrais para o saneamento do mercado imobiliário
dos Estados Unidos. Ele estimula a criação de fundos que, mediante leilões,
absorverão os ativos podres das instituições financeiras para gerenciar sua
realização no mercado; para cada dólar colocado na operação pelo fundo, o
governo empresta outro dólar. Com isso, estabelece-se um critério para a
precificação dos ativos através de leilões.
O fundo tratará de pagar o menor preço e encontrar a melhor forma de realização
para ter lucro máximo. O governo partilhará desse lucro, e reduzirá seu risco, na
medida em que, se houver fracasso, o fundo também perderá. Mais importante, o
esquema reduzirá consideravelmente os despejos, objetivo social perseguido por
Obama, na medida em que o fundo dará preferência a uma negociação que começa
no preço do ativo no leilão a uma execução judicial.
Para quem está ansioso para uma solução global, o plano Geithner pode parecer
modesto. Contudo, só em relação ao mercado de hipotecas, estamos falando em
algo como US$ 11 trilhões. Começar a resolver por aí não é nada trivial, mesmo
porque foi principalmente por aí que tudo começou, ou ao menos se acelerou. O
resto virá a seu tempo. E o resto significa uma reconciliação entre o sistema
financeiro especulativo e o sistema produtivo, o que implicará o esvaziamento do
balão com perdas trilionárias – que o plano sanciona.
É importante assinalar que, pelo menos como o vejo, o esquema não eliminará a
necessidade de estatização de alguns bancos. O valor dos ativos podres, realizados
em leilão, poderá não ser suficiente para cobrir o passivo. O governo terá a
alternativa de garantir os depositantes em conta corrente e deixar o banco quebrar,
capitalizá-lo sem assumir o controle ou capitalizá-lo assumindo o controle. De
qualquer modo, o caminho do fundo é uma solução mais prática – mais uma vez,
por conta da precificação dos ativos – que a estatização prévia. É mais
interessante, no mínimo divertida: seria o mercado, não o governo, que escolheria
quais bancos deveriam quebrar ou ser estatizados!
Quarta-feira, 25 de Março de 2009 - JB
---O Estado de S.Paulo 25 03 2009-03-25
''É um passo adiante, mas faltam
detalhes''
ENTREVISTA - Alkimar Moura: ex-diretor do BC
O professor da FGV-SP e ex-diretor do Banco Central (BC) Alkimar Moura avalia
que o sucesso do plano de Obama para salvar o sistema financeiro depende de os
investidores “comprarem” a ideia. Ele acredita ainda ser possível que o programa
necessite de apoio do Congresso para eventualmente flexibilizar limites de
empréstimos às agências envolvidas.
Qual sua avaliação sobre o plano?
É, até agora, a tentativa mais objetiva de oferecer uma resposta da administração
Obama às demandas por um programa mais bem definido de resolução da questão
dos chamados ativos tóxicos. É um passo adiante e, nesse sentido, melhor do que a
situação anterior de paralisia decisória, que somente iria contribuir para piorar a
situação no mercado de crédito americano.
Quais pontos são chave para que tenha sucesso?
O programa é de parceira público-privada e seu sucesso depende do grau de
adesão que receber dos investidores privados dispostos a aplicar na aquisição de
empréstimos de baixa qualidade, na expectativa de que tais ativos se valorizem se
o programa for bem-sucedido. Além disso, apoio político é importante, pois
eventualmente o programa poderá necessitar de autorizações do Congresso para
flexibilização de limites de empréstimos das agências envolvidas na operação. Em
terceiro lugar, o programa terá de ter gestão eficiente. De fato, o modelo de
parceria público-privada permite que o governo estimule o setor privado a
participar com dois ingredientes importantes para seu sucesso: capital e capacidade
gerencial.
O que falta de concreto?
Conhecemos apenas as linhas gerais. Por exemplo, o Tesouro quer colocar até US$
100 bilhões nos dois programas (o de compra de empréstimos e o de aquisição de
títulos) em base de 50/50 entre capital público e capital privado. Muitos detalhes,
que poderão definir o sucesso, ainda são desconhecidos: a taxa de juros e o prazo
dos financiamentos a serem concedidos pelo FDIC, as garantias exigidas e assim
por diante.
X-X-XJornal do Brasil 25 03 2009
Pedro Malan diz que política fiscal de Lula
é ineficiente
Autores do Plano Real endossam crítica à condução
da economia brasileira
Leda Rosa SÃO PAULO
O economista Pedro Malan duvida da eficiência da política fiscal adotada pelo
governo para enfrentar a crise mundial. Para o ex-presidente do Banco Central e
ex-ministro da Fazenda, os gastos públicos não têm caráter contracíclico. Esta e
outras críticas à atual gestão econômica foram feitas durante o seminário 15 anos
de Plano Real: antecedentes, resultados e perspectivas, sediado pela Federação do
Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP). Além de Malan, Gustavo
Franco, João Sayad e outros arquitetos do plano que mudou a moeda em 1994 e
pôs fim à inflação de 5000% ao ano, analisaram o processo histórico do real e a
conjuntura nacional.
– Temos tido aumento dos gastos públicos que não têm nada a ver com as medidas
anticíclicas para enfrentar a crise. Segundo Keynes, os gastos públicos
compensatórios devem ter caráter temporário e os do atual governo têm
caminhado em direção oposta, com aumento de contratações e salários, que são
permanentes e não são, absolutamente, respostas keynesianas à crise – disse
Malan.
As despesas com o custeio da máquina pública no governo Lula têm sido alvo
constante de ataques da oposição. Em dezembro, os reajustes do funcionalismo
público ficaram 12,5% acima da inflação de 2008. No mesmo ano, foram
contratados 60 mil novos funcionários, em concursos e provimento de cargos de
confiança, fora os relativos às reposições de vagas por aposentadoria e mortes.
Segundo Malan, é vital que o Brasil aproveite a crise para facilitar o acesso do setor
privado – tanto nacional como estrangeiro – às áreas que necessitam de
investimentos, como a infraestrutura. O economista apontou que, para aumentar a
competitividade do país, é possível efetivar uma série de reformas que não
requerem mudanças constitucionais, como nas áreas trabalhista, tributária e
previdenciária.
Passado esquecido
Ao responder ao economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Conselho de
Planejamento Estratégico da Fecomercio, que perguntou se o Brasil não havia
trocado metas de desenvolvimento por metas de inflação, Malan se disse convicto
que a inflação sob controle é algo que, se percebido como tal por investidores,
poupadores e consumidores, é extremamente benéfico para decisões de
investimento e poupança no longo prazo. Para ele, a dúvida ficaria sobre o curto
prazo, mas esta seria uma quimera que já se mostrou ilusória.
Ao longo do discurso, Malan assinalou, assim como os outros integrantes da mesa,
a importância da construção gradativa do conhecimento dos autores do real, a
partir dos planos anteriores – Cruzado, Cruzado Novo, Collor e Bresser. Citou o
escritor Ivan Lessa, que costumava dizer que no Brasil, a cada 15 ou 20 anos, o
passado era esquecido.
– Não deveríamos jogar fora a memória. São 15 anos de inflação em nível
civilizado, 15 anos de privatizações bem-sucedidas, 10 anos de regime de câmbio
flutuante, 15 anos da conclusão dos processos de renegociação da dívida externa e
mais de US$ 250 bilhões em investimentos estrangeiros diretos, um conjunto de
fatores e avanços institucionais significativos herdados por este governo – disse o
economista.
Ao falar sobre a crise e o dilema entre inflação e crescimento, outro construtor do
real, o atual secretário de Cultura do Estado de São Paulo, João Sayad, brincou
comparando a um casamento com a atriz Brigitte Bardot, nos anos 60.
– Não era possível casar com a Bardot e esperar que ela virasse uma Amélia no
outro dia. Este deve ter sido um problema para seus maridos. Assim é o
capitalismo, com toda a sua força, é um sistema que também traz questões como
inflação e crises como a atual – disse Sayad.
Andrea Calabi, secretário-geral do Planejamento na gestão de Sayad, lembrou as
fortes oscilações do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na primeira metade da
década de 80 – 9,2% em 1980, queda de 4,2% em 1981, outra queda de 5,4% em
1983 e crescimento de 6,3% em 1984 – e a inflação crescente, que em 1985
alcançou 235%. Segundo Calabi, os desajustes das finanças públicas eram
crescentes. O economista disse que o Brasil está numa situação fiscal perigosa e
que os mecanismos de controles são frouxos.
O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco disse confiar na manutenção da
política de redução da taxa de juros pelo Copom. Franco prevê cortes pelo BC que
deixem a taxa mais perto de 5% do que de 10% ao ano.
Quarta-feira, 25 de Março de 2009 - JB
--- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
OUTRAS NOTÍCIAS
O Estado de S.Paulo 25 03 2009
Tesouro vai dar subsídios de R$ 16 bi
para o bolsa-habitação
Dinheiro vai para famílias com renda de até 3 mínimos, que pagarão
prestações simbólicas ou receberão a casa de graça
Lu Aiko Otta e Isabel Sobral, BRASÍLIA
O governo terá R$ 16 bilhões em recursos do Orçamento para o "bolsa habitação",
o programa que subsidiará casas a prestações simbólicas para as famílias com
renda de até três salários mínimos (R$ 1.395), informam fontes da área econômica.
Segundo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, esse grupo terá "subsídio total", ou
seja, a casa poderá até sair de graça.
"Será a primeira vez que o Orçamento Geral da União vai aportar um volume tão
grande de recursos somente para subsídio." O dinheiro não será todo
desembolsado este ano. Ele sairá dos cofres públicos ao longo dos contratos, que
durarão 20 a 30 anos. No entanto, o Tesouro terá de fazer uma provisão conforme
os contratos forem assinados. A expectativa dos técnicos é que o grosso do
provisionamento ocorra em 2010.
O pacote da habitação, porém, contempla outras faixas de renda. Ontem, o
Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aprovou um
novo orçamento, que destina um total de R$ 4 bilhões para subsidiar este ano
empréstimos habitacionais para os mutuários com renda entre três e seis salários
mínimos. No programa inteiro, que pretende construir 1 milhão de casas num prazo
indeterminado, os subsídios do FGTS chegarão a R$ 12 bilhões.
Esses subsídios servem para baixar o juro e o valor da prestação da casa própria,
segundo explicou o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no
Conselho, Jacy Afonso. Os recursos são entregues ao agente financeiro.
No total, o FGTS aprovou ontem um orçamento de R$ 23 bilhões para
financiamento da casa própria para as famílias com renda entre três e dez salários
mínimos. Foi um acréscimo de R$ 13 bilhões à proposta original. Além dos R$ 4
bilhões de subsídios, haverá R$ 19 bilhões para financiamentos com juros que
variam de 5% a 8,6% ao ano.
O pacote da habitação, uma das plataformas de campanha da ministra-chefe da
Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, será anunciado hoje pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa grande festa política. Foram convidados
todos os governadores, todos os prefeitos de capitais e de cidades com mais de 150
mil habitantes, empresários do setor, senadores e deputados, além de
representantes de movimentos sociais ligados à habitação. O lançamento das
medidas vem sendo adiado desde dezembro do ano passado.
A construção de 1 milhão de moradias vai criar 532 mil empregos diretos, segundo
estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sob encomenda do governo. O
impulso do pacote no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) será de 0,7 ponto
porcentual.
"Serão medidas de grande impacto", disse o ministro do Planejamento, Paulo
Bernardo. "É uma alternativa para enfrentar a crise e, sobretudo, para gerar
emprego", disse o vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Wellington Moreira
Franco.
Carlos Lupi afirmou que o pacote da habitação não põe em risco a saúde do FGTS.
"Não haverá desequilíbrio porque o FGTS tem um patrimônio de R$ 200 bilhões,
está saudável e muito forte."
O Conselho Curador do FGTS também aprovou ontem um acréscimo de R$ 3
bilhões para os projetos de saneamento e de R$ 1 bilhão para renovação de frota
de ônibus este ano. Segundo Lupi, esses dois programas criarão 260 mil empregos
diretos e vão acrescentar 0,3 ponto porcentual no PIB.
O pacote a ser anunciado hoje também deverá conter medidas para atender à
classe média. O valor máximo dos imóveis que podem ser comprados com o saldo
do FGTS do mutuário, atualmente em R$ 350 mil, deve ser elevado. O valor mais
provável, segundo técnicos, é R$ 500 mil. Ontem à noite, Lula reuniu-se com Dilma
e os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Comunicação Social, Franklin
Martins, para uma última revisão das medidas.
-------------------------
Ajuda extra será paga a 103 mil
desempregados
Governo libera pagamento de mais duas parcelas do seguro-desemprego
para trabalhadores de 16 Estados
Gerusa Marques, BRASÍLIA
Um total de 103.707 trabalhadores demitidos em dezembro de 2008 terão direito a
receber as duas parcelas extras do seguro-desemprego aprovadas pelo governo em
fevereiro, segundo informou ontem o Ministério do Trabalho. O pagamento, que
começará a ser feito em abril, beneficiará desempregados de 16 Estados e de 42
setores econômicos mais atingidos pela crise financeira internacional.
O maior número de beneficiados fica no Estado de São Paulo, onde 44.312
demitidos terão direito a mais dois meses do seguro-desemprego. Em segundo
lugar vem Minas Gerais, com 41.402 demitidos. Os dois Estados juntos concentram
82,6% do total dos beneficiados.
As parcelas do seguro-desemprego variam de R$ 465 a R$ 870,01, dependendo do
tempo de trabalho com carteira assinada que o trabalhador cumpriu antes de ser
demitido. A legislação prevê o pagamento de três a cinco parcelas mensais aos
desempregados que tenham trabalhado pelo menos por seis meses nos últimos três
anos. Mas permite a ampliação do seguro para até sete parcelas para empregados
de setores em que o desemprego fica acima da média em determinado período.
A indústria metalúrgica foi o setor que mais demitiu e terá 13.441 pessoas
contempladas pela extensão do seguro-desemprego. O maior contingente deste
segmento está em São Paulo, com 8.263 beneficiados. A indústria química e
farmacêutica vem em segundo lugar, com 13.112 beneficiados, seguida do setor de
comércio e administração de imóveis, com 12.935 contemplados, todos em Minas.
Também foram mais fortemente afetados pela crise a indústria têxtil, com 12.496
beneficiados, e a indústria de material de transportes (12.297 contemplados). Em
seguida, vem a indústria de produtos alimentícios, com 11.353 pessoas, que
receberão as parcelas extras, e a indústria mecânica, com 10.880 beneficiados,
incluindo demitidos do setor automotivo.
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, estima que serão necessários R$ 126 milhões
do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o pagamento das parcelas extras.
Segundo ele, a extensão do seguro-desemprego só beneficiará aquelas pessoas que
perderam o emprego em dezembro, porque foi um mês no qual o índice de
desemprego superou a média. "Em dezembro, o impacto foi forte, com o dobro de
demissões", disse Lupi. Foram fechadas 654 mil vagas, ante uma média de 300 mil
demissões em meses de dezembro.
Ele afirmou, no entanto, que em janeiro, apesar do saldo negativo de 101,7 mil
vagas, houve menos demissões e, em fevereiro, os números já foram positivos em
cerca de 9 mil vagas no mercado de trabalho. Com base nesses dados, Lupi
acredita que não será necessário conceder parcelas extras aos demitidos a partir de
janeiro.
O pagamento de parcelas adicionais só poderá se repetir, segundo ele, se houver
uma nova onda de demissões acima da média. Ele aposta, no entanto, que haverá
uma recuperação na economia com uma "reviravolta" na geração de empregos
neste mês de março. "A tendência é de uma melhora boa na empregabilidade."
Para chegar ao número de beneficiados, foram comparadas as médias de
desemprego de dezembro de 2008 e de janeiro e fevereiro deste ano com o
desempenho no mesmo período nos anos anteriores, desde 2003. Segundo o
ministro, os setores beneficiados foram aqueles em que a geração de emprego foi
30% menor do que a média do mesmo período dos anos anteriores. Na segundafeira, o Codefat deverá se reunir para aprovar esse pagamento adicional.
FRASES
Carlos Lupi
Ministro do Trabalho
"Em dezembro o impacto da crise global foi forte, com o dobro de demissões
(foram fechadas 654 mil vagas)"
"A tendência é de uma melhora boa na empregabilidade para os próximos meses"
---------------Estado de S. Paulo Editorial 25 03 2009
O governo dos cupins
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de acrescentar ao léxico político
nacional um expressivo neologismo: cupinização. O termo é adequado para
designar, como ele fez, as consequências do aparelhamento do Estado nacional sob
o governo Lula. Aparelhamento, como se sabe, é uma modalidade do tradicional
loteamento dos cargos estratégicos da administração pública pelos partidos (e
caciques) que integram a fronda governante. A versão original combina uma forma
de pagamento pelo ingresso das legendas no esquema de poder, com o incentivo,
na mesma moeda, para a atração de novos parceiros, cujos votos no Congresso são
caros - no duplo sentido da palavra - ao presidente da República. É a clássica
fisiologia, aparentemente inseparável do presidencialismo de coalizão brasileiro. Já
o aparelhamento é a ocupação do Estado pelo apparat do partido dominante - que,
no caso específico do PT, se entrelaça com o baronato do sindicalismo, formando
uma crosta na hierarquia federal.
Embora não haja separação estanque entre as duas coisas, a fisiologia é o portal
por onde passam os recursos públicos desviados para os partidos, os clãs que os
lideram e os interesses privados que a eles se agregam para manter relações de
mútua conveniência. A rede se sustenta em dois pontos. Primeiro, na capacidade
do donatário mais graduado na estrutura administrativa, nas estatais e nos fundos
de pensão de distribuir à patota outros empregos valiosos, ampliando o círculo de
lealdades ao seu redor. Segundo, no capital - de novo em duplo sentido - que isso
lhe permite acumular para se sair bem na conquista de mandatos eletivos, do que
ele depende para tudo mais. O aparelhamento, por sua vez, corrompe o governo de
uma forma quem sabe ainda mais profunda, ao colocá-lo a serviço de uma
ideologia e da ambição do partido que a encarna de nele se perpetuar, além,
naturalmente, de consolidar, sob o teto do Estado, os laços entre as elites
dirigentes e as dos setores sociais afins - no caso, a cúpula das burocracias
sindicais.
O resultado é a silenciosa erosão interna da área estatal e da presumível aptidão de
seus ocupantes para desempenhar as funções que as leis lhes conferem e a
sociedade dela tem o direito de esperar em troca de seus impostos. É assim que "a
substituição de técnicos por militantes vai minando a estrutura pública", argumenta
Fernando Henrique para justificar a analogia com a deterioração das estruturas
físicas pela ação do cupim. Isso por certo não ocorre da noite para o dia, mas a
cupinização produz outro efeito, este sim imediato e visível a olho nu na era Lula: a
desintegração da competência potencial do Estado. As peças dessa engrenagem se
encaixam com naturalidade. De um lado, é o nexo entre aparelhamento e perda
acentuada da capacidade de gestão da máquina, ainda mais com a conhecida
inapetência de quem deveria conduzi-la para assegurar que os seus programas,
quando exequíveis, se transformem em fatos, com um custo mínimo em tempo e
dinheiro. De outro lado, o nexo entre o aparelhamento e a degradação da política.
Quando o partido que elege o presidente e se apropria do Estado não é hegemônico
no sistema político, como é o caso do PT, que nem sequer tem as maiores
bancadas na Câmara ou no Senado, a contrapartida do aparelhamento bemsucedido é o acumpliciamento com a fisiologia no Executivo - a partilha dos
despojos do poder - e com as piores práticas no Legislativo. A clique que desmanda
no Senado, por exemplo, é toda ela lulista; não teria por que não ser, confortável
que se encontra nesse ambiente de promiscuidade. E Lula, com a anuência
obsequiosa da companheirada, é mais do que omisso: para "amarrar o Congresso"
aos seus interesses, aponta Fernando Henrique, mostra-se indulgente com as
malfeitorias que desmoralizam a instituição perante a sociedade, "passa a mão na
cabeça de quem faz coisa errada". Ele considera "bambo" o sistema de
representação e defende uma mudança nas regras eleitorais.
Mas a reengenharia eleitoral provavelmente pouca diferença fará enquanto o
presidente da República e o seu partido tiverem da democracia a visão instrumental
que os faz se sentir no direito de lotear o Estado e de confraternizar com os
expoentes do que a política nacional tem de mais conspurcado.
------------O ESP
China quer adoção de moeda global
Na proposta de Pequim, padrão não seria vinculado a nenhum país
Cláudia Trevisan, PEQUIM
Dez dias antes do início da reunião do G-20 em Londres, a China defendeu a
criação de uma moeda internacional para substituir o dólar como reserva de valor,
em mais um sinal da preocupação de Pequim com o fato de que pelo menos
metade de seus US$ 2 trilhões em reservas internacionais está aplicada em papéis
americanos.
A moeda não seria vinculada a nenhuma nação específica e seria administrada pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI), de acordo com artigo assinado pelo
presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan. Com o título "Reforma do
Sistema Monetário Internacional", o texto foi divulgado na noite de segunda-feira
na página da instituição na internet.
Além de funcionar como reserva de valor, a nova moeda seria referência para a
cotação de preços nos mercados globais e usada nos pagamentos das transações
comerciais entre países.
"O objetivo desejável da reforma do sistema monetário é a criação de uma moeda
de reserva internacional que seja desconectada de nações e capaz de permanecer
estável no longo prazo, removendo assim as deficiências inerentes à utilização de
moedas nacionais", escreveu Zhou Xiaochuan.
A reforma do sistema financeiro mundial é um dos principais pontos da reunião do
G-20, em especial o aumento da representação dos países em desenvolvimento no
FMI. A China tem hoje poder de voto menor que o da Bélgica e gostaria de ampliar
sua presença na instituição, aspiração compartilhada por outros países emergentes,
entre os quais o Brasil.
O presidente da China, Hu Jintao, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, terão um
encontro durante o G-20, que ocorrerá nos dias 2 e 3 de abril na capital britânica.
Hu também terá em Londres sua primeira reunião com o presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama.
A proposta de criação de uma moeda internacional mostra o desconforto da China
com a dependência de suas aplicações em relação aos americanos, mas também
com o fato de que o uso do dólar reflete a supremacia econômica dos EUA.
No texto divulgado segunda-feira, Zhou Xiaochuan usou argumentos técnicos para
defender a mudança. O presidente do BC chinês afirmou que o uso de uma moeda
nacional como reserva de valor global cria conflitos insolúveis entre a política
monetária doméstica e a demanda de outros países por reservas. Em nenhum
momento o documento cita o dólar, mas é evidente que se refere à moeda.
Michael Pettis, professor de Finanças Internacionais da Escola de Administração da
Universidade de Pequim, disse que a discussão sobre uma moeda global surge a
cada "10 ou 20 anos", e nunca levou a nenhuma transformação concreta.
"O processo pelo qual uma moeda se transforma em reserva de valor internacional
é extremamente complexo, e não depende de uma decisão administrativa ou
política", disse ao Estado. Pettis ressaltou que o dólar não assumiu o lugar que tem
hoje por determinação do governo americano, mas em razão do tamanho da
economia dos Estados Unidos e da credibilidade conquistada pelo país.
Na opinião do economista, uma moeda internacional traz problemas práticos de
difícil solução, como definir quem vai gerir a política monetária para todo o mundo.
"Quando se pensa numa moeda independente, o modelo mais próximo é o do
padrão ouro, e as pessoas parecem ter se esquecido de como eram brutais os
ajustes que aquele sistema exigia."
O presidente do BC chinês reconheceu que a reforma levaria longo tempo. Zhou
Xiaochuan defendeu como primeiro passo a utilização do Special Drawing Rights
(SDR), versão rudimentar de uma reserva internacional criada pelo FMI em 1969,
que tem cotação em relação às diferentes moedas nacionais.
Com valor determinado com base numa cesta de moedas, o SDR destina-se à
suplementação das reservas internacionais dos países-membros do FMI, na
proporção de suas contribuições. "O SDR tem as características e o potencial para
atuar como moeda de reserva suprassoberana", disse Zhou.
"Comparada à administração de reservas por países individuais, a gestão
centralizada de parte das reservas globais por uma instituição internacional digna
de confiança, com retorno razoável para encorajar a participação , será mais efetiva
em impedir a especulação e estabilizar os mercados internacionais", concluiu.
FRASE
Zhou Xiaochuan
Presidente do BC chinês
"O
objetivo
desejável
da
reforma
do
sistema
monetário
é
a
criação de uma moeda de reserva internacional que seja desconectada de nações e
capaz de permanecer estável no longo prazo, removendo assim as deficiências
inerentes à utilização de moedas nacionais"
----------------O ESP
A substituição do dólar
Celso Ming, [email protected]
Mais
importante
do
que
a
proposta
é
a
motivação
da
proposta.
O presidente do Banco Popular da China (o banco central chinês), Zhou Xiaochuan,
está defendendo a criação de nova moeda internacional de reserva a ser emitida
pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Não é difícil entender por que Zhou levantou essa bandeira. A China detém US$ 1,9
trilhão em reservas, das quais pelo menos US$ 739,6 bilhões estão aplicadas em
títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Enquanto o Federal Reserve (o banco
central americano) despeja dólares no mercado "de helicóptero" para socorrer
bancos e injetar recursos na veia da economia, o Tesouro é obrigado a emitir mais
e mais títulos para cobrir o déficit orçamentário que vai a US$ 1,8 trilhão por ano.
Cada vez mais, cavalares emissões de moeda e de dívida carregam enorme
potencial de perda de confiança no dólar e nos títulos do Tesouro americano.
Trocar dólares em quê? Ouro, estoques de commodities, barris de petróleo ou o
que seja não garantem nem reserva de valor nem conversibilidade instantânea. As
outras moedas fortes que zanzam pelo mercado, como o euro e o iene, não têm, no
momento, nem a densidade nem a credibilidade necessárias para tomar o espaço
ocupado pelo dólar.
Como
possa
sente
possa
não há nenhum ativo no mundo capaz de substituí-lo, é difícil imaginar que
haver uma repentina rejeição do dólar no mercado mundial. Enfim, a China
que seu patrimônio em dólares corre perigo, mas não tem outra opção que
substituí-lo com alguma vantagem.
Outra aflição crescente nos quadrantes do mundo é a de que a economia, as
finanças e o mercado monetário se globalizaram e, no entanto, os organismos
encarregados de pilotar as moedas continuam locais. O Banco Central Europeu
cuida da moeda única de 16 países, mas é um caso isolado que, de resto, não
conseguiu até agora alçar o euro à condição de moeda internacional de reserva,
provavelmente porque seus dirigentes políticos, além de medíocres, não se
entendem.
A ideia de promover os Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês), a
moeda do FMI, à condição de moeda de reserva não tem combustível para rodar
mais do que uns metros. Primeiramente porque o maior país do mundo rejeita a
proposta. Segundo, porque a moeda corresponde ao capital do FMI que, por sua
vez, se baseia nas moedas já existentes, que não conseguem substituir o dólar. E,
terceiro, se o Fundo tivesse condições de emitir moeda teria, também, de exercer
funções de banco central.
Um dos maiores especialistas na matéria, o Prêmio Nobel de 1999 Robert Mundell,
prevê que, dentro de mais alguns anos, o mundo não terá outra saída senão
convergir para uma meia dúzia de moedas. Mas, para isso, as tais zonas ótimas
(conjunto de países) teriam de unificar suas políticas macroeconômicas.
É claro que, na condição de presidente de um grande banco central, Zhou
Xiaochuan sabe que pede o pote de ouro que há atrás do arco-íris. Ele apenas lança
mais dúvidas sobre a saúde do dólar para levar alguma vantagem em troca de ficar
calado.
Não foi à toa que ontem três altas personalidades do governo americano, Tim
Geithner, Ben Bernanke e Paul Volcker, entenderam que devessem dar respostas
contundentes a ele.
Confira
Melhorou - O ex-presidente Fernando Henrique reconheceu ontem no fórum sobre
os 15 anos de Plano Real, realizado no anfiteatro da Federação do Comércio, que a
economia brasileira está melhor hoje do que no tempo dele. E arrematou: "Assim
como espero ter entregue ao presidente Lula um Brasil melhor do que aquele que
recebi do presidente Itamar, espero que a gente possa recebê-lo de volta
melhorado por ele."
Mas Fernando Henrique não foi apenas paz e amor. Repetiu as acusações de
"cupinização do governo" e de que o PAC não passa de um Programa de Aceleração
da Comunicação: "É PAC, PAC, PAC", disse.
- - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - Folha de S. Paulo 25 03 2009 Editorial
Traças e cupins
Democracia aumentou capacidade de apurar e inibir falcatruas, mas
avanço
esbarra
na
forma
dos
pactos
de
governo
VOCÁBULOS da zoologia infestam a política nacional. O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso apelidou de "cupinização" o aparelhamento do Estado promovido
pela gestão petista.
A reação do líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS),
também recorreu aos invertebrados. A administração inseticida do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva estaria, na verdade, "afastando as traças", herdadas dos
tempos de domínio tucano.
Traças, cupins e ratazanas, carcarás e urubus, lobos e raposas. Não é de hoje que
animais de hábitos sinistros povoam o imaginário da disputa pelo poder. A
aplicação de uma camada generosa de repelente, contudo, é recomendável antes
de enveredar por essa picada.
A cautela se justifica, em primeiro lugar, porque há sempre uma dose ponderável
de hipocrisia nesse tipo de altercação zoológica. Numa propaganda célebre
veiculada no início desta década, o PT colocou roedores a esmigalhar a bandeira
nacional. Tempos depois, no poder, patrocinou o mensalão.
FHC, por seu turno, afirma que a indulgência de Lula com os desmandos na política
contribuiu para minar a confiança da sociedade no Congresso. No Planalto,
entretanto, o tucano não poupou esforços para evitar CPIs que lhe pudessem
causar desgaste -como a que se propunha a investigar a compra de votos para
aprovar a emenda da reeleição.
Contrariando as alegorias lúgubres, a democracia brasileira avançou, e continua a
avançar, na sua capacidade de investigar e inibir falcatruas e de cobrar compostura
das autoridades. A despeito da vontade do ocupante do Planalto, que sempre será
de barrar apurações em casos sensíveis, às minorias legislativas foi assegurado o
direito de implantar CPIs, e o mensalão é objeto de um juízo penal histórico no
Supremo Tribunal Federal.
Deplora-se, evidentemente, o ritmo dessa melhoria, que esbarra no formato das
alianças e das concessões que tanto FHC como Lula fizeram para governar. É
curioso, a propósito, como os escândalos no Congresso obedecem a um padrão que
atravessa as duas gestões. Uma fenda temporária no consórcio de poder libera
energias e conflitos das profundezas do "pacto político", e os esqueletos vêm à
tona.
Reformas nas regras de representação, como a implantação do voto distrital misto,
fortaleceriam o vínculo entre eleitor e autoridade. Apenas em longo prazo, contudo,
ajudariam a aumentar a qualidade média dos eleitos. Não há reforma capaz de
pulverizar de chofre o fator PMDB -essa massa amorfa de políticos em busca de
poder a qualquer preço e a qualquer título.
O enxame de peemedebistas e assemelhados é a representação possível de vastas
parcelas da sociedade brasileira que ainda não se modernizaram o suficiente; que,
apesar dos avanços recentes, não foram atendidas em necessidades básicas, a
ponto de emanciparem-se da tutela de demagogos, regionais e nacionais.
------------Folha SP 25 03 2009
VINICIUS TORRES FREIRE
Duas no cravo, uma na canela
Apesar das previsões, déficit
externo está contido, não houve
"inflação do dólar" e é possível
evitar o Pibinho zero
TEMOS UM problema a menos, parece. Talvez dois. Num período de deflação
financeira e inflação de encrencas, não é de jogar fora. No início da nossa crise, no
final de 2008, imaginava-se que o Brasil corria o risco de ficar com as contas
externas ainda mais no vermelho e que a desvalorização do real ameaçaria inflar os
preços.
Tais hipóteses parecem agora bem remotas. Mas era comum ouvir economistas de
peso incluí-las nas primeiras linhas dos seus "balanços de riscos". Isso até vir a
notícia da catástrofe de dezembro, o naufrágio da indústria, sabido em janeiro. Faz
dois meses. Parece que foi no pré-cambriano. Imaginava-se então que o país
cresceria demais para um ambiente mundial de crise, gastaria demais e não teria
como financiar suas despesas em moeda "forte" (dólar).
Diga-se de passagem que tanto o Banco Central como a Fazenda acreditavam mais
ou menos nessa hipótese: o BC vendo riscos, Fazenda e Lula vendo fortalezas. No
ar.
A julgar pelos dados divulgados ontem pelo BC, o déficit externo parece
comportado (trata-se da diferença entre o que o país gasta e recebe na compra e
venda de bens e serviços no exterior). O déficit por ora previsível está sendo
coberto pela entrada do investimento dito "produtivo". Quanto mais déficit, mais
risco de alta do dólar, por exemplo.
Em outras crises, a aversão do capital ao Brasil era tão grande que em geral
quebrávamos e/ou vivíamos grandes desvalorizações. Havia ainda aumentos
brutais do custo da dívida pública interna. Não desta vez.
O desagradável é que a baixa dos riscos de inflação e déficit externo se deveu a
uma encrenca maior do que a esperada: o afundamento brusco e inédito da
atividade econômica. Importamos menos, viajamos menos, há menos remessas de
lucros porque a atividade caiu etc. Mas também vamos vender 20% menos para o
exterior, neste ano.
Foram duas no cravo e uma forte na canela, para não dizer ferradura. Não ficamos
sem gasolina no tanque porque o carro passou a andar devagar, quase parando.
Ainda assim, poderíamos ter tido alguma inflação derivada do real fraco, mesmo
com o PIB baixo, e os investidores poderiam ter desistido do país (no caso de
aplicações financeiras, ainda há fuga de dinheiro, mas, no caso do investimento
dito "produtivo", os resultados são surpreendentemente bons).
Isto posto, a média dos economistas mais ligados à finança acredita em
crescimento zero da economia em 2009; o governo sonha com alta de 2% do PIB.
Mas, como o demonstra a volatilidade de previsões e análises econômicas, o futuro
não está dado, embora um tanto prejudicado.
Há meios de evitar que o PIB cresça menos que a população, ao menos. O governo
vai anunciar um pacote de construção de casas. Talvez até menos importante que a
tralha de números será o modus operandi. O governo opera muito mal quando se
trata de investir, como esta Folha o demonstrou no caso do conserto das estradas,
coisa até simples de fazer. Outra medida é suspender o aumento dos servidores ninguém vai ter aumento neste ano, se é que vai ter emprego. Por fim, o talho dos
juros deve continuar. Para tanto, o governo terá de tomar mais medidas
impopulares, como mexer na poupança. Não tem jeito.
[email protected]
---------Folha SP
Por que ainda estamos longe do sucesso
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
MINHA PREOCUPAÇÃO cresce cada vez mais. Jamais esperei muito de europeus ou
japoneses. Mas esperava que os EUA, sob um presidente novo e popular, agissem
de maneira mais decidida. Em lugar disso, o Congresso está cedendo a um frenesi
de populismo, e o governo se limita a esperar que tudo termine bem.
Emergiu nos EUA uma hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso
debate taxar os bônus de executivos. E o procurador-geral de Nova York quer que
sejam revelados os nomes. Isso equivale a um convite ao linchamento.
Se aprovadas, essas ideias levariam a um êxodo de pessoal qualificado dos bancos,
destruiriam a confiança em acordos com o governo e ameaçariam o Estado de
Direito. Que ideias assim sejam debatidas abertamente é um sinal claro das
dimensões da raiva.
O mesmo cenário está envolvido no programa anunciado anteontem. Por ele, o
governo fornece virtualmente todo o financiamento e arca com quase todo o risco,
mas utiliza o setor privado para formar os preços dos ativos. Em troca, os
investidores privados obtêm recompensas -talvez generosas- com base no
desempenho.
Interpreto essa ideia como "esquema de alívio a fundos abutre". Mas vai funcionar?
Depende do significado de "funcionar". Não se trata de um mecanismo real de
mercado, porque o governo subsidia os riscos. Os preços podem não ser baixos o
bastante para atrair compradores ou altos para satisfazer vendedores. Mas o
esquema pode melhorar a situação lastimável das carteiras de operações dos
bancos. Isso certamente não pode ser mau, pode? Na verdade pode, caso sirva
como obstáculo a soluções mais fundamentais, porque ninguém -e especialmente
não o Tesouro- acredita que esse esquema porá fim à subcapitalização crônica do
setor. Por que esse esquema pode ser um obstáculo à recapitalização necessária?
Primeiro, o Congresso pode decidir que ele torna a recapitalização menos
importante; segundo, e mais importante, é provável que o plano torne a
recapitalização pelo governo ainda menos popular.
Se o esquema funcionar, alguns fundos terão retornos extraordinários. Temo que
isso sirva para convencer muitos americanos de que o governo é uma quadrilha
que opera a favor de Wall Street. Agora imaginem o que pode acontecer caso, após
a conclusão dos "testes de estresse" dos grandes bancos, o governo decida -
surpresa! surpresa!- que é preciso oferecer mais capital. Como convencer o
Congresso a desembolsar os recursos necessários?
A provisão de dinheiro público aos bancos é inaceitável para o público, e o controle
pelo governo dos bancos é inaceitável para os banqueiros, que continuam
influentes. Parecemos estar vivendo um impasse. A única saída é que a maior
transparência propiciada pelos novos fundos venha a permitir que os grandes
bancos levantem capital privado. Caso isso seja realizado na escala requerida -e
estamos falando de até trilhões de dólares-, o novo plano seria um imenso sucesso.
Será que os investidores estarão dispostos a fornecer as vastas somas requeridas
por instituições com um histórico claro de gestão inepta? A confiança, quando
destruída, nunca retorna rapidamente.
A conclusão, logo, é deprimente. Ninguém pode confiar em que os EUA já tenham
solução confiável para o desastre bancário. Pelo contrário: com o público furioso,
um Congresso em pé de guerra, um presidente tímido e um plano que depende de
injetar dinheiro público em instituições subcapitalizadas, os EUA vivem um impasse.
Cabe a Obama encontrar uma saída. Quando se reunir com seus 19 colegas chefes
de governo na semana que vem, não poderá alegar já tê-lo feito. E, se isso não
basta para assustar, não sei o que bastaria.
-------Folha de S. Paulo 25 03 2009
A congressistas, Tesouro e Fed pedem
mais poder de intervenção
DE NOVA YORK
O Departamento do Tesouro dos EUA e o Fed (o banco central dos EUA) pediram
ontem ao Congresso mudanças legais para que seja ampliado o poder de
intervenção e fiscalização dos dois órgãos em mais instituições financeiras do país.
A agência federal FDIC já tem esse tipo de poder sobre os bancos comerciais. Pode
assumir, liquidar ou vender se achar necessário. Mas isso não vale para
seguradoras como a AIG e outras instituições.
Em depoimento a congressistas, o secretário Timothy Geithner (Tesouro) e Ben
Bernanke, presidente do Fed, usaram a AIG como justificativa.
"O caso AIG contém uma trágica injustiça. Aqueles que foram prudentes e
responsáveis em seus julgamentos profissionais foram afetados pelas ações dos
menos cuidadosos e menos prudentes", afirmou Geithner.
Bernanke disse que se tanto o Fed quanto o Tesouro tivessem maiores poderes de
intervenção, a AIG, maior seguradora do mundo e hoje virtualmente quebrada,
poderia ter sido colocada sob a proteção temporária das autoridades federais.
Ele afirmou que uma regulamentação mais abrangente do mercado teria impedido
que a AIG fizesse uma série de operações "exóticas" e sem relação com o mercado
de seguros.
O prejuízo da AIG em 2008, de US$ 99,3 bilhões, marcou um recorde histórico
entre as maiores perdas corporativas nos EUA. Desde o final do ano passado, o
governo já injetou US$ 173 bilhões na AIG (o Estado detém agora 79,9% da
companhia) e indicou o presidente.
Segundo Bernanke, devido à abrangência global das operações realizadas pela AIG,
um eventual colapso da companhia "poderia provocar um derretimento nos
mercados mundiais ao estilo dos anos 1930".
Tanto Bernanke quanto Geithner, afirmaram que, apesar da crise, "não permitirão"
que o dólar deixe de ser a moeda de referência mundial e principal reserva de
valor. A ideia de uma nova moeda com esse objetivo, amparada pelo FMI (Fundo
Monetário Internacional), foi aventada pelo Banco Central da China. (FCZ)
-----------Valor Econômico 25 03 2009
Ainda longe de um resgate bancário bemsucedido
Martin Wolf 25/03/2009
Ninguém pode ter certeza de que os EUA já tenham uma solução viável
para seu desastre bancário. Se o plano funcionar, pode convencer o
americano comum de que seu governo está distribuindo privilégios para
Wall Street
Estou cada vez mais preocupado. Nunca esperei muito dos europeus ou dos
japoneses. Mas esperava, de fato, que os EUA, sob o comando de um novo
presidente popular, fossem mais decisivos do que vêm sendo. Em vez disso, o
Congresso deixa-se cair num frenesi populista e o governo fica só esperando pelo
melhor.
Caso alguém ainda duvide dos perigos, basta apenas ler as análises mais recentes
do Fundo Monetário Internacional (FMI). Projetam contrações entre 0,5% e 1% na
produção mundial de 2009, e entre 3% e 3,5% na dos países com economias mais
avançadas. Sem dúvida, é a pior crise econômica no mundo desde a década de 30.
É preciso avaliar os planos de estímulo à demanda e resgate de sistemas bancários
levando em conta este pano de fundo lúgubre. De forma inevitável, o foco está nos
EUA, epicentro da crise e maior economia mundial. O que emergiu no país foi uma
hostilidade explosiva ao setor financeiro. O Congresso discute uma tributação
retrospectiva penal dos bônus não apenas da imensa seguradora AIG, mas de todos
os receptores de dinheiro do governo sob o programa governamental de
recuperação de ativos problemáticos (Tarp, na sigla em inglês). E o procuradorgeral do Estado de Nova York, Andrew Cuomo, defende identificar pelo nome os
que receberem bônus nas empresas socorridas. Isto, claro, é um convite a um
linchamento.
Está evidente por que isso ocorre: a crise quebrou o contrato social dos EUA: as
pessoas eram livres para ter sucesso ou fracassar, sem auxílio. Agora, em nome do
risco sistêmico, os planos de resgate despejaram somas desconcertantes em
instituições falidas que derrubaram a economia. A resposta parlamentar é
desastrosa. Caso essas ideias sejam aprovadas, levarão a um êxodo de
funcionários de alta capacitação dos bancos dos EUA, minarão a disposição para
expandir-se o crédito, destruirão a confiança em acordos assinados com o governo
e ameaçarão o Estado de Direito. Presumo que os parlamentares tenham a
expectativa de que o presidente os salve de sua tolice. O simples fato de que tais
ideias possam ser levadas em conta é um sinal claro da fúria existente.
Este também é o pano de fundo do "programa de investimento de parceria públicoprivada", anunciado na segunda-feira pelo secretário do Tesouro, Tim Geithner. Nas
palavras do Tesouro, "o programa de investimento público-privado, usando entre
US$ 75 bilhões e US$ 100 bilhões de capital do Tarp e de investidores privados,
criará poder de compra de US$ 500 bilhões para a aquisição de ativos
problemáticos - com potencial para ampliar-se a US$ 1 trilhão ao longo do tempo".
Sob este plano, o governo entra com praticamente toda a parte financeira e arca
com quase todo o risco, mas usa o setor privado para avaliar o preço dos ativos.
Em troca, os investidores privados obtêm recompensas - talvez recompensas
generosas - com base em seu desempenho, via participação patrimonial ao lado do
Tesouro.
Eu vejo isto como o "programa de socorro via fundos abutre" (como costumam ser
chamados os fundos que compram ativos agonizantes na expectativa de uma
recuperação). Será que vai funcionar? Depende do que se quer dizer com
"funcionar". Este não é um mecanismo de um mercado genuíno, porque o governo
está subsidiando riscos assumidos. Os preços podem acabar mostrando que não
são baixos o suficiente para atrair compradores, ou altos o suficiente para
satisfazer os vendedores. Mesmo assim, o programa poderia de fato melhorar o
estado horrendo dos livros de negociação dos bancos. Isso não pode ser algo ruim,
pode? Bem, sim, pode, caso atrapalhe o caminho de soluções mais fundamentais.
Isso porque quase ninguém - certamente o Tesouro também não - acredita que
este programa acabará com a subcapitalização crônica das finanças dos EUA.
Poderia, é verdade, deixar um pouco mais claro quanto ainda precisa ser revisto
para baixo no valor dos ativos nos livros de longo prazo dos bancos.
Por que este programa poderia atrapalhar o caminho da recapitalização necessária?
Há dois motivos: primeiro, o Congresso pode decidir que o programa torna a
recapitalização menos importante; segundo e mais importante, este plano
provavelmente tornará a recapitalização pelo governo ainda mais impopular. Caso o
esquema funcione, vários dos gestores de fundos ganharão grandes retornos. Temo
que isto convenceria o americano comum de que seu governo está em uma
empreitada de distribuição de privilégios a benefício de Wall Street. Agora, imagine
o que aconteceria se, depois de os "testes de estresse" dos maiores bancos do país
ficarem prontos, o governo concluir - surpresa! - que precisa fornecer mais capital.
Como persuadirá o Congresso a pagar?
O perigo é que este programa alcançará, na melhor hipótese, algo não
particularmente muito importante - tornar os créditos anteriores mais líquidos - ao
custo de dificultar algo que é essencial, a recapitalização dos bancos. Isto é
importante porque o governo descartou a única forma de reestruturação das
finanças dos bancos que não custaria nenhum dinheiro público adicional: a troca de
dívida por patrimônio, ou seja, uma falência de verdade.
Economistas que respeito, como Willem Buiter, por exemplo, condenam esta
relutância de imediato. Não há dúvida de que a decisão de bancar os credores de
todas as instituições financeiras significativas para o restante do sistema cria
receios quanto ao futuro: algo terá de ser feito a respeito do problema "grande
demais para falir" que isto cria. Ante isto, o Tesouro insiste que hoje uma onda de
falências minaria a confiança nas promessas passadas do governo e geraria novas
incertezas. Infelizmente, esta não é uma visão maluca.
Temo, contudo, que a alternativa - uma recapitalização adequada do setor público também se mostrará impossível. A provisão de dinheiro público a bancos é
inaceitável para uma população cada vez mais enfurecida, enquanto o controle dos
bancos recapitalizados pelo governo é inaceitável para os banqueiros ainda
influentes. Parece ser um impasse. A única saída, sobre a qual o sucesso do plano
de segunda-feira poderia ser considerado, seria se a maior transparência trazida
pelos novos fundos permitisse aos grandes bancos levantar capital suficiente nos
mercados privados. Se isso fosse alcançado na escala necessária - e estamos
falando de várias centenas de bilhões de dólares, se não trilhões - o novo programa
seria um grande êxito. Mas, mesmo na hipótese de sucesso de definição do preço
de ativos e créditos problemáticos, não creio que isso seja suficiente para assegurar
esse objetivo. Num mau momento econômico mundial, será que os investidores
estarão dispostos a aplicar as enormes quantias requeridas por instituições
financeiras imensas e complexas, com histórico comprovado de má administração?
A confiança, uma vez destruída, não retorna fácil.
A conclusão, infelizmente, é deprimente. Ninguém pode ter certeza de que os EUA
já tenham uma solução viável para seu desastre bancário. Ao contrário, com o
público enfurecido, o Congresso em marcha de guerra, o presidente tímido e uma
política que depende da capacidade do governo em injetar dinheiro público em
instituições subcapitalizadas, os EUA estão num impasse.
Cabe a Barack Obama encontrar uma saída. Quando ele se reunir no grupo de 20
líderes mundiais em Londres na próxima semana, não terá condições de declarar
que já a encontrou. Se isto não é assustador, então não sei o que pode ser.
Martin Wolf é colunista do "Financial Times".
---------Valor econômico 25 03 2009
Solos: riquezas desperdiçadas
Alain Ruellan
Reduzir a área de proteção permanente na Amazônia beneficiará proprietários
privados, ao preço do sacrifício público
O solo é um bem precioso para as sociedades humanas, uma das fontes
fundamentais do bem-estar dos povos. As sociedades humanas vivem sobre os
solos e enraizadas dentro dos solos. É possível dizer que elas vivem dos solos: elas
se alimentam a partir deles, acham nos solos diversos materiais de que precisam
para se vestir, morar, se cuidar, fabricar os instrumentos da vida quotidiana, e
também para expressar a sua cultura e as suas crenças. E é o solo que, em grande
parte, gera a dinâmica e a qualidade das águas necessárias para os seres vivos,
determina a composição da atmosfera e acolhe a biodiversidade do mundo.
Portanto, as "coberturas de solos" asseguram funções essenciais, para a vida em
geral e para a vida dos homens em particular: o bem-estar das sociedades
humanas depende do bem-estar dos solos. Mas também o bem-estar dos solos
depende muito da maneira como são tratados pela sociedade.
Na escala do planeta, o solo é aparentemente pouca coisa: apenas uma película,
uma fina camada de "terra" localizada na superfície dos continentes, cuja espessura
varia de alguns centímetros a alguns metros. Daí sua grande fragilidade.
Os solos se formam devagar, em relação estreita com os outros atores do meio
terrestre: água, ar, vida, rochas. Hoje as atividades humanas podem transformar
os solos muito rápido, até mesmo destruí-los, com consequências graves, locais e
mundiais, sobre os outros atores: água, ar, vida, homens e a Terra inteira.
Qualquer intervenção humana sobre o meio ambiente, qualquer uso dos solos pelas
sociedades humanas, modifica os solos e as suas funções. As mudanças podem ser
positivas: na Amazônia, a "terra preta do índio" é um exemplo importante da
capacidade de os homens melhorarem a qualidade dos solos. Outros exemplos são
os terraços de cultivo sobre vertentes com forte declividade, os pôlderes das
planícies costeiras, os groves, os enriquecimentos orgânicos e minerais pelos
adubos e estrumes.
Mas, em geral, as transformações dos solos em consequência das atividades
humanas são negativas: acontece degradação dos solos, de suas características e
funções e, consequentemente, ocorre também degradação das águas, do ar, da
biodiversidade. É claro que o conjunto dessas degradações atinge o bem-estar das
populações humanas que vivem nesses e desses solos. O resultado é a poluição dos
solos e das águas, com as suas consequências sanitárias; destruição da estrutura
superficial do solo, o que facilita os escoamentos, as inundações, a erosão das
camadas superiores e as mais ricas do solo. Todo este processo incide
negativamente na qualidade do ar e na salinização da terra e da água.
Os custos desta destruição raramente são tomados em consideração no balanço
econômico e social dos resultados do manejo de uma região. Na Bretanha (França),
por exemplo, a política agrícola aplicada desde os anos 1970 propiciou a destruição
das cercas vivas do Bocage. Em seu lugar surgiu o milho (produto mal adaptado à
região), voltado à criação animal estabulada, intensiva e produtora de imensa
quantidade de esterco líquido. Durante alguns anos, a política enriqueceu os mais
prósperos entre os agricultores, mas empobreceu o conjunto da sociedade, rural e
urbana, e degradou o meio natural. Os prejuízos apareceram sob a forma de
poluição, pelos nitratos do lençol freático, de eutroficação dos meios costeiros, de
diminuição das biodiversidades, de compactação e erosão dos solos. Isso custa caro
e é pago por todos os membros da sociedade, atual e futura.
Na Amazônia, a substituição da floresta por uma agricultura inadaptada se traduz
também em um grande e pouco recuperável empobrecimento dos solos. A matéria
orgânica evapora na atmosfera na forma de CO2, contribuindo assim para o
aquecimento climático. Além da perda de matéria orgânica, ocorre a lixiviação
muita rápida dos já fracos teores em nutrientes minerais. Isso para não falar do
empobrecimento biológico e da erosão. Como os solos são bastante espessos, leva
tempo para que desapareçam. Mas os primeiros anos de erosão destroem os
horizontes superiores que são os mais ricos.
Um cálculo econômico tem que ser feito: as perdas em "capitais naturais", os
empobrecimentos em grande parte irreversíveis, devem ser avaliados. Não se pode
continuar a calcular as vantagens e os inconvenientes da substituição da floresta
pela agricultura e pelo gado sem incluir nesses cálculos as perdas em riquezas
naturais, em particular as perdas de solos e as consequências disso sobre o bemestar atual e futuro dos meios e das sociedades. De fato, quem vai pagar as
consequências do empobrecimento em matéria orgânica e mineral, as
consequências das erosões dos solos, das mudanças hidrológicas, das mudanças
climáticas locais e regionais? Os que vivem nessas regiões, e não os que já se
beneficiaram da exploração.
O solo é uma das mais geniais invenções da nossa Terra. Criado e formado pela
vida, de maneira contínua, é o solo que permite o nascimento, o desenvolvimento,
a diversificação e a renovação da vida dos continentes. E é o solo que permite que
a vida resista às condições desfavoráveis da sua história (secas, inundações,
temperaturas excessivas). A vida faz o solo e o solo permite a continuidade da
vida: o solo permite que a vida se diferencie e se perpetue; a vida assegura ao solo
a continuidade da sua formação e da sua evolução; o solo assegura a vida o
essencial do seu "bem-estar", do seu conforto, particularmente para as sociedades
humanas.
Portanto, qualquer empobrecimento, morfológico, físico, químico, biológico dos
solos tem um custo que, na maior parte das vezes, não é assumido pelos
"proprietários", e sim pela sociedade em geral.
Reduzir a área de proteção permanente das propriedades na Amazônia, como
algumas correntes preconizam, significa beneficiar proprietários privados, ao preço
de um sacrifício público presente e futuro cujos custos para a sociedade e para a
natureza são muito maiores que os ganhos particulares eventualmente alcançados
com sua implantação.
Alain Ruellan é professor emérito de Ciência do Solo, AgroCampus Rennes,
foi presidente da Associação Internacional de Ciência do Solo e diretor do
Programa Meio Ambiente do Conselho Nacional da Pesquisa Científica e
Tecnológica (França) - [email protected]
-----------

Documentos relacionados