302 INIBIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE BACTÉRIAS

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302 INIBIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE BACTÉRIAS
302
INIBIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE BACTÉRIAS ADERIDAS À CÁPSULA DE
Anabaena spiroides DURANTE A FASE DE CRESCIMENTO EXPONENCIAL DA
CYANOBACTERIA.
Bagatini1 I.L., Bittar2 T.B., Regali-Seleghim3 M.H., Vieira4 A.A.H.
1, 2, 3, 4
Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luiz, km 235, São Carlos, CEP 13560-905. São
Paulo, Brasil;[email protected],[email protected], [email protected], [email protected].
RESUMO
Anabaena spiroides (Cyanobacteria) é recoberta por uma espessa cápsula de
polissacarídeo que fornece um microambiente para o crescimento de uma comunidade
bacteriana particular. Duas culturas de A. spiroides foram inoculadas com bactérias
provenientes do reservatório de Barra Bonita e monitoradas pela concentração de clorofila a.
A densidade das bactérias aderidas foi quantificada por contagem em microscopia de
epifluorescência e quantificou-se também a incorporação de timidina radioativa. O
crescimento das bactérias aderidas foi maior do que o de A. spiroides apenas ao final da
fase de crescimento exponencial da cianobactéria. As possíveis explicações para essa
inibição seriam a produção de antibióticos pela cianobactéria ou por algumas linhagens de
bactérias aderidas.
ABSTRACT
Anabaena spiroides (Cyanobacteria) presents a cell wall covered by thick
polysaccharide capsule that provides a microenvironment for growth of a particular bacterial
community. Two cultures of A. spiroides were inoculated with bacteria from Barra Bonita
reservoir and monitored by chlorophyll a concentration. Density of attached bacteria was
measured by direct counting on epifluorescence microscopy and radioactive thymidine
incorporation by bacteria was also quantified. The bacterial growth was higher than A.
spiroides growth only at the end of exponential growth phase of cyanobacterium. Possible
explanations for this inhibition might be the production of antimicrobial compounds by the
cyanobacteria or by attached bacteria.
INTRODUÇÃO
A cianobactéria filamentosa Anabaena spiroides é recoberta por uma espessa cápsula
de polissacarídeo que suporta a colonização por bactérias e protozoários (Paerl 1992). O
efeito das bactérias sobre a cianobactéria pode ser benéfico, porque remineralizam
nutrientes, excretam vitaminas e compostos que favorecem o crescimento do fitoplâncton ou
auxiliam a atividade da nitrogenase (Cole 1982, Paerl 1992). Por outro lado, relações
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antagônicas, em que diferentes linhagens de bactérias apresentam efeitos
cianobactericidas, também foram documentadas por vários autores (Shilo 1970, Kim & Lee
2006). Isso por que, a presença das bactérias associadas à ficosfera é um prelúdio para o
ataque, lise ou degradação da cianobactéria hospedeira (Paerl 1992).
Desta forma, é bastante plausível que este tipo de interação tenha se tornado
específica durante a evolução desses microrganismos, através de mecanismos de seleção e
inibição das bactérias colonizadoras por parte das cianobactérias hospedeiras. Apesar da
distribuição cosmopolita e da enorme quantidade de biomassa e polissacarídeos
extracelulares produzidos por Anabaena spiroides, informações sobre associações entre
eubactérias e essa cianobactéria são raros na literatura. A quantificação das bactérias que
vivem associadas à cápsula de A. spiroides é um dado preliminar importante para o melhor
entendimento da ecologia da cianobactéria, que pode ser útil para melhor compreensão da
dinâmica dos ecossistemas aquáticos onde florações desta alga são comuns, como Barra
Bonita.
MATERIAL E MÉTODOS
Para o experimento, 125 mL de cultura de A. spiroides não axênica (BB007), que foi
isolada do reservatório de Barra Bonita, foram inoculados em frasco de 9 L de capacidade
com 7,5L de meio de cultura ASM-1 (Gorham et al, 1964) pH 7,0, juntamente com 375 mL
de inóculo bacteriano. Foram feitas duas culturas (réplicas), que foram incubadas sob
condições controladas de iluminação (80±20 μmol fótons m-2 s-1), fotoperíodo (12:12 h) e
temperatura (23 ± 1 ºC).
O inóculo bacteriano foi coletado no reservatório de Barra Bonita com uma garrafa
que não permite a contaminação com organismos aéreos e de modo a obter-se uma
amostra integrada da coluna d’água de água (1, 5, 10 e 18 metros). A amostra foi filtrada em
filtro de fibra de vidro GF/C Whatman para a remoção de algas, protozoários e detritos, mas
não bactérias.
O crescimento de A. spiroides foi acompanhado pela concentração de clorofila-a nas
culturas. A clorofila-a foi extraída segundo Nusch (1980) e quantificada seguindo as
equações de Lorenzen (1967).
As bactérias aderidas foram monitoradas por meio da densidade e da incorporação de
timidina radioativa, uma medida indireta da densidade bacteriana.
A densidade das bactérias foi obtida por microscopia de epifluorescência (microscópio
Zeiss Axioplan 2, Jena, Germany) utilizando-se imagens capturadas com uma câmera Zeiss
AxioCam HRc e tratadas como auxílio do software Axiovision release 4.5 (Zeiss) após
coloração das amostras com o fluorocromo DAPI (0,5 a 1µg mL-1) segundo Porter & Feig
(1980) e filtradas em membranas de policarbonato escuras de poro de 0,22 µm (Millipore).
Amostras de bactérias aderidas foram obtidas por filtração em tela de nylon (12-20 µm de
poro), lavadas com água ultrapura autoclavada, ressuspendidas para o volume original e
sonificadas (Bransonic 1210) por 25 minutos, ou até que se observasse o rompimento das
células da cianobactéria. A amostra foi fixada com formalina (concentração final de 2%).
Em teste realizado com um inóculo bacteriano proveniente de Barra Bonita, a sonificação
não alterou significativamente (α = 0,05) a quantidade (p = 0,0860 teste t não pareado), o
biovolume médio (p = 0,3995 teste t não pareado), nem a morfologia das bactérias (p =
0,0905 teste t pareado).
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A incorporação de timidina tritiada (3H-Tim) pelo DNA foi quantificada com base na
metodologia de (Fuhrman & Azam 1980) com modificações (Regali-Seleghim 2001) e
calculada segundo Wetzel & Likens (1991). Utilizou-se timidina com atividade específica de
86 Ci mmol-1 (Amersham Biosciences) e concentração final de 17,4 nM. As bactérias
aderidas foram separadas das livres por filtração em tela de nylon, como descrito
anteriormente, após o período de incubação das amostras. A radioanálise foi realizada em
um cintilador Tri-Carb 2100TR Packard.
Os tempos de duplicação (G) para as bactérias foram calculados utilizando-se os
valores de densidade (nos dias 0, 20 e 29) e de incorporação de timidina (nos dias 0, 26 e
29), e para a cianobactéria, utilizou-se a concentração de clorofila a, nos mesmos dias. O
cálculo do tempo de duplicação foi realizado segundo a fórmula:
G=
ln(2)_______
[ln(tf) – ln(ti)] / Δt
Onde: tf = valor quantificado no tempo final.
ti = valor quantificado no tempo inicial
Δt = variação do tempo
RESULTADOS E DISCUSSÃO
16
3,5
14
3
12
2,5
10
2
8
1,5
6
4
1
2
0,5
0
0
0
5
10
15
20
25
30
35
nmol.L-1.h-1 de H3 -Tim
Células.mL-¹ (106)
A densidade de bactérias aderidas manteve-se praticamente constante até o 20º dia
com média de 5,87 x 105 células.mL-1. A partir desse dia, até o final do experimento, houve
um crescimento exponencial (Figura 1). Embora não haja dados de densidade bacteriana
entre o 20º e o 29º dia das culturas, a quantificação da incorporação de timidina tritiada
demonstra que ainda no 26º dia de cultivo, as bactérias aderidas não se encontravam em
fase de crescimento exponencial (Figura 1). A fase de crescimento exponencial da
cianobactéria se inicia no 7º dia e permanece até o 29º dia (Figura 2).
40
Dias
Figura 1. Densidade (■, em células.mL-1 x 106) e incorporação de timidina tritiada pelas
bactérias aderidas (Δ, em nmol.L-1.h-1) em função do tempo, em dias. A barra de
erros corresponde ao desvio padrão entre as réplicas de cultura.
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Os tempos de duplicação das bactérias aderidas e da cianobactéria, calculadas a
partir das médias de densidade bacteriana e de concentração de clorofila das duas culturas,
mostram que entre os dias 7 e 20 de cultivo o tempo de duplicação para A. spiroides (4,17
dias) foi menor do que o tempo de duplicação das BAs (7,01 dias). No entanto, entre o 20º e
o 29º dias a duplicação foi mais rápida para as bactérias aderidas (3,26 dias), do que para a
cianobactéria (8,23 dias).
Clorofila a (µg.L-¹)
250
200
150
100
50
0
0
5
10
15
20
25
30
35
40
dias
Figura 2. Concentração de clorofila a (µg.L-1) em função do tempo (em dias). A barra de
erros corresponde ao desvio padrão entre as réplicas de cultura.
O cálculo do tempo de duplicação das bactérias a partir da incorporação de timidina
comprova que o crescimento das bactérias aderidas não acompanhou o crescimento
exponencial da cianobactéria, mesmo até o 26º dia de cultivo. Entre o 7º e o 26º dia de
cultivo o tempo de duplicação foi maior para as bactérias aderidas (5,97 dias) do que para a
cianobactéria (4,9 dias), enquanto que ao final do crescimento exponencial da cianobactéria,
entre os dias 26 e 29 de cultivo, a duplicação das bactérias (1,4 dias) foi significativamente
mais rápida do que a de A. spiroides (8,82 dias).
Uma vez que a matriz polissacarídica que suporta o crescimento das bactérias
aderidas é abundante durante todas as fases de A. spiroides, a inibição inicial do
crescimento das bactérias não é justificada por falta de substrato para seu desenvolvimento.
Supõe-se que o aumento de bactérias aderidas apenas no final do crescimento exponencial
da cianobactéria deva-se à menor produção de substâncias inibidoras (ou seja, antibióticos)
dos filamentos senescentes em relação aos saudáveis (Kreitlow et al 1999). Além disso,
interações entre as espécies de bactérias aderidas, como a produção de compostos
antimicrobianos por essas bactérias, podem também explicar a inibição observada.
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CONCLUSÃO
Os filamentos saudáveis da cianobactéria são menos susceptíveis à colonização
bacteriana do que os filamentos senescentes. Esses dados fornecem subsídios para
estudos futuros sobre possíveis substâncias bioativas, com atividade antimicrobiana,
excretadas por essa linhagem de A. spiroides, ou mesmo pelas linhagens de bactérias que
se aderem à cápsula.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
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NUSCH, E. A. (1980). Comparation of different methods for chlorophyll and phaeopigment
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(Reservatório do Monjolinho - São Carlos–SP): Estrutura e Função. Tese de
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WETZEL RG, LIKENS GE (1991) Limnological analysis. Springer-Verlag, New York

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