Tatá_Aeroplano - Tatá Aeroplano

Transcrição

Tatá_Aeroplano - Tatá Aeroplano
D6 C2+música
%HermesFileInfo:D-6:20120728:
O ESTADO DE S. PAULO
SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2012
C2+m/Jazz
Roberto Muggiati
Ao eleger People
Time como um dos
maiores discos da
história, a revista
Jazz Times recoloca
as luzes sobre
uma lenda de
nome Stan Getz
OúltimoálbumdeStanGetz,People Time, acaba de ser eleito pela
revista Jazz Times um dos 50 MelhoresÁlbunsdeSaxTenordeTodos os Tempos. O CD duplo, gravado pouco antes da morte de
Getz, foi considerado seu testamento musical. O legado ganhou
forçamaior em 2010, ao sair acaixa de sete CDs People Time/The
Complete Recordings. Às 14 faixas
do CD duplo de 1991 foram acrescidas outras 37: às quase duas horas iniciais foram somadas mais
sete de música maravilhosa. Não
são só alternate takes, mas temas
inéditos como Con Alma (Gillespie), Bouncing with Bud (Powell),
The End of a Love Affair, You Stepped Out of a Dream e as francesas
Autumn Leaves (Les Feuilles Mortes, de Kosma-Prevert) e I Wish
You Love (Que Reste-t-il de Nos
Amours, de Charles Trenet).
Estas últimas sessões, reunindo Stan Getz (sax tenor) e Kenny
Barron (piano), foram gravadas
aovivonosdias3,4,5e6demarço
de 1991 no Café Montmartre, em
Copenhague, fundado em 1959.
Inicialmentededicadoaojazztradicional, o Jazzhus Montmartre
logo se tornou um dos mais importantestemplosdojazzmodernoforadosEUA,graçasjustamente a saxofonistas como Stan Getz
(morou em Copenhague entre
1958 e 61), Ben Webster e Dexter
Gordon. Essa ligação afetiva de
mais de 30 anos com o Montmartre certamente ajudou Getz a superar, nas gravações de 1991, os
efeitos de um câncer terminal no
fígado que o mataria três meses
depois da última apresentação:
em 6 de junho, aos 64 anos, em
sua casa de Malibu, Califórnia.
(Suas cinzas foram jogadas ao
mar, em Marina del Rey.)
O CD duplo de 1991 transcorre
em território neutro, parece até
uma gravação de estúdio. Já as
gravações completas trazem toda a ambiência calorosa da apresentação ao vivo, com falas bem-
DO OUTRO LADO DA
VIDA
humoradas de Stan e reações da
plateia.Surpreende,também,avitalidade do sopro de Getz e sua
criativa improvisação, como se
juntasse as últimas forças para
uma despedida em grande estilo,
reeditando os momentos mais líricos de uma carreira de 48 anos
de gravações. As interpretações
longas (oscilam entre 5:24 e
13:45)destacamtambémo empenho físico de Getz, pois todo o
espaço musical foi dividido apenas por saxofone e piano. Kenny
Barron,quecomeçouatocarcom
Getz em meados dos anos 1970,
faladessaúltimatemporada:“No
Montmartre, Stan tocou excepcionalmente bem, dando o melhor de si em cada solo. Mas, depoisdecadamúsica,eleficavaliteralmente sem fôlego; obviamente não se sentia nada bem. Quando nos despedimos, disse que faria um novo tratamento na Califórnia e me chamaria para uma
novaturnê.Decertomodo,eusabia que nunca mais o veria.”
A saída prematura de cena – de
Stan e de uma infinidade de grandes jazzistas – foi a consequência
de uma vida de abuso químico. A
partir do bebop, drogas pesadas
comoaheroínatornaram-seuma
espéciederitodepassagemeemblema que abria para o músico o
clube fechado dos eleitos. Charlie Parker, o mártir mais notório,
dizia: “O músico que afirmar que
toca melhor graças à erva, ao pico,ou quandoestá chapado,éum
mentiroso sem-vergonha.”
AUBREY HART/DIVULGAÇÃO
ESPECIAL PARA O ESTADO
“
O MÚSICO QUE DIZ
TOCAR MELHOR COM
DROGAS É UM LOUCO”
STAN GETZ / KENNY BARRON
People Time
Charlie Parker
Warner, R$ 109,90
Sensibilidade autodestrutiva. Heroína em doses cavalares, mas o que o levou foi o câncer
SAXOFONISTA
Getz envolveu-se com álcool e
drogas ainda adolescente. Em
1954, foi preso tentando assaltar
umafarmáciaparaconseguirmorfina. Estava na ala penitenciária
do CentroMédico da Universidade do Sul da Califórnia quando
sua mulher Beverly Byrne dava à
luzaoterceirofilhoumandarabaixo, na maternidade do hospital.
Getztinha19anosaosecasarcom
Byrne, cantora da orquestra de
GeneKrupa. NabiografiadeChet
Baker, No Fundo de Um Sonho, JamesGavinrelatainúmerosepisódiosdeoverdosedeStan–osamigos o encontravam geralmente
desacordado no banheiro, com
uma seringa espetada na veia: encharcavam-no de café preto e o
faziam caminhar sem parar até
que despertasse do quase coma.
Getz tentou escapar das drogas indo para Copenhague, onde
casoucomaaristocratasuecaMonica Silfverskiöld em 1956, com
quem teria dois filhos. O casamento acabou em 1987, após
anosdebrigasjudiciaisqueterminaram na Suprema Corte. Casamentos e filhos não combinavam
com o estilo de vida caótico dele.
Acertaaltura,Standescobriuque
Monicalheadministravasecretamente Antabuse (no café da manhã,nosucodelaranja),umadrogaparaeliminarovíciodabebida.
A combinação do remédio com
álcoolpoderiaserfatal.StaninterpelouMonica:“Vocêquerummarido sóbrio ou, então, morto”.
A instabilidade emocional levou Getz a outros relacionamentos. Um deles foi com a “The Girl
from Ipanema”, Astrud Gilberto,
nos anos 1960, quando Stan, Jobim, João e Astrud Gilberto desencadearam mundialmente o
que os americanos chamaram de
“The Bossa Nova crazy”. Donald
L. Magin, na biografia de 1996,
Stan Getz/A Life in Jazz, escreve:
“Astrud personificava sexo e romance para Stan, bem como para
as multidões e – apesar de constantesbrigassobresalárioeroyalties –, os dois começaram um caso durante a turnê de julho de
1964.Assimcomeçouamaisnotória das infidelidades de Stan durante o casamento com Monica.”
Não faltaram crises de depressão,explosõesderaivaeviolência
etentativasdesuicídionumaexistência de desespero sobre a qual
Getz raramente teve o controle.
Uma região, porém, permaneceu
pura e cristalina ao longo de toda
sua vida: a dedicação à música, a
suavidade angelical do sopro do
seu tenor, seu elo afetivo maior
com o mundo e as pessoas. Um
elo que continua vivo até hoje.
Pop. Lançamento
PEQUENOS FILMES DE UM CRONISTA NOTURNO
No primeiro álbum solo, o observador Tatá Aeroplano narra histórias pessoais e da cena paulistana
MAÍRA ACAYABA/DIVULGAÇÃO
Lauro Lisboa Garcia
ESPECIAL PARA O ESTADO
Como artista múltiplo, líder das
bandas Cérebro Eletrônico e
JumboElektro,DJ,frequentador
de shows e colaborador musical
de vários projetos, Tatá Aeroplano é personalidade de destaque
nanoitepaulistana.Comseusinseparáveis chapéu e blazer, também virou símbolo de elegância
entreseuspares.Cinéfilo,emotivo, tranquilo, bom observador,
solitário e, talvez por isso mesmo, cativo de estranhos a seu
imenso círculo de amizades, ele
traz todas essas substâncias para
o primeiro e estimulante álbum
solo, que leva apenas seu nome.
Produzido de forma totalmente independente e com traço de
colaboração coletiva entre amigos – como os produtores DustanGallas,JuniorBoca,osparceiros cantores compositores Leo
Cavalcanti,BárbaraEugêniaePeri Pane, os músicos Maurício
Fleury (Bixiga 70), Clayton Martin (Cidadão Instigado) e Bruno
Buarque –, o álbum está disponível para download grátis no site
www.tataaeroplano.com.br e à
venda nas versões em CD e LP.
Com os mesmos convidados, o
showdelançamentoseránodia9
Contraste.
Entre o mato
e o asfalto,
ele versa
sobre
situações
urbanas com
sonoridade
pop retrô
TATÁ AEROPLANO
Tatá Aeroplano
Independente. R$ 20 (CD) e R$ 50 (LP)
de agosto, no Sesc Vila Mariana.
“Antesdegravaro disco,agente se encontrou muitas vezes,
trocando ideias e ficando mais
amigos.Quando fomosproestúdio já tínhamos aquela vibe de
banda que tenho com o Cérebro
e o Jumbo. Foi um ganho pra todo mundo”, diz o compositor.
Nesses papos é que foi definida a
sonoridade do disco, que tem
uma pegada meio jovem guarda,
pop retrô. “Dustan e Boca têm
umvínculocommúsicamais‘an-
tiga’. Tem muito deles no disco.
Elesforamfundamentaisnadefinição da sonoridade, nos arranjos adicionais.” Dentro desse
princípiodebanda,comaprendizado mútuo, a linguagem musical de Tatá se sobressai e se firma bem característica.
Exalando espontaneidade e
com narrativa cinematográfica,
as canções são em boa parte confessionais, caso de Perigas Correr
(que lembra um pouco Lucas
Santtana), Um Tempo Pra Nós
Dois e da linda e triste balada Te
DesejoMas Te Refuto, que assinala
ofimdeumrelacionamentoamoroso do qual ele foi protagonista.
“Fiz essa canção um dia depois
do queaconteceu aquilo queestá
dito ali. É difícil ouvir sem me
emocionar. Choro toda vez que a
toco.” Antes dela vem outra das
mais bonitas, Uma Janela Aberta,
com letra do poeta arrudA e em
duo vocal com Bárbara Eugênia,
umiê-iê-iêromântico nalinhade
Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Duas das canções baseadas em
cinema são as que abrem e fecham o álbum, Sartriana (parceria com Leo Cavalcanti) e Cão
Sem Dono, mesmo título do filme
de Beto Brant e Renato Ciasca,
que a inspirou. Personagens da
noite paulistana e da lendária
RuaAugustaaparecememnarrativascinematográficas,comoMachismo às Avessas, Night Purpurinae a longa-metragem Parde Tapas Que Doeu em Mim, com mais
de 10 minutos de duração. “Por
ver muitos filmes, vou compondo sobre imagens, equilibrando
cenas reais com fantasia”, diz.
Em contraste com a atmosfera
urbana e noturna das canções –
tal qual Miranda Kassin na estreia solo –, as fotos do encarte
foram feitas na Fazenda Serrinha. Gerado em São Paulo, Tatá
nasceuemBragançaPaulista,onde fica a fazenda, e morou lá na
pré-adolescência. Daí a dualidade entre o mato e o asfalto. “Gosto de ir lá para ouvir os pássaros,
pescar sozinho, de forma bem
rústica, colocar a minhoca no anzol,esperarpacientementeopeixemorderaisca”,conta.Esseprocesso artesanal tem a ver com a
feitura do disco, revelador e bem
pintado autorretrato de um cronista em seu cenário noturno.