Panorama Macroeconômico Artigos

Transcrição

Panorama Macroeconômico Artigos
Nº 310 Julho / 2006
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS
issn 1234-5678
Panorama Macroeconômico
Segundo a Carta Fipe, há sinais claros que o País está conseguindo diminuir
um de seus grandes problemas: a enorme taxa de juros.
Rodrigo Celoto analisa os resultados das contas públicas no acumulado de janeiro
a maio deste ano, destacando o crescimento da receita do Tesouro e
nova redução do superávit primário.
Roberto Luis Troster analisa duas decisões: a do Copom em fixar a taxa Selic
no nível mais baixo em três décadas, e a do CMN em fixar
a meta de inflação para 2008 em 4,5%.
Simão Davi Silber comenta o desempenho do setor externo brasileiro,
projetando um superávit elevado para este ano.
Antonio Carlos Lima Nogueira avalia a rentabilidade da produção de soja para a
exportação, e destaca a necessidade de solução dos gargalos de infra-estrutura.
Manuel Enriquez Garcia analisa dados sobre o nível de atividade e emprego,
ressaltando resultado melhor do PIB no primeiro trimestre em relação
ao mesmo período de 2005 e crescimento da produção industrial.
Artigos
Carlos Eduardo Soares Gonçalves apresenta algumas teorias que tentam justificar a
persistência das elevadas taxas de juros no País, a despeito da melhora nos
indicadores econômicos.
Cláudia Assunção dos Santos Viegas inicia uma série de três artigos em que analisará
o movimento de fusões e aquisições na indústria nacional de bebidas e alimentos,
e seus efeitos sobre o preço para os consumidores.
Julio Manuel Pires e Iraci del Nero da Costa comentam como os recentes eventos
ocorridos na Bolívia vieram a afetar a pretensão de Lula de ser a liderança da
esquerda na América Latina.
Daniela Corrêa analisa os quase quarenta anos de crescimento elevado da economia
da Indonésia, interrompido apenas pela crise asiática, e o papel das políticas
públicas nesse contexto.
Nº 310
JULHO DE 2006
PANORAMA MACROECONÔMICO
carta Fipe . ......................................................................................................................... 3
INFORMAÇÕES FIPE É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DE CONJUNTURA ECONÔMICA DA FUNDAÇÃO
issn 1234-5678
finanças públicas . ........................................................................................................... 4
Rodrigo Rodrigues Celoto
política monetária ........................................................................................................... 6
Roberto Luis Troster
CONSELHO CURADOR
Hélio Nogueira da Cruz (Presidente)
André Franco Montoro Filho
Andrea Sandro Calabi
Joaquim José Martins Guilhoto
Ricardo Abramovay
Maria Cristina Cacciamali
Simão Davi Silber
setor externo ..................................................................................................................... 8
Simão Davi Silber
agricultura ........................................................................................................................ 9
Antonio Carlos Lima Nogueira
nível de atividade e emprego . .....................................................................................11
Manuel Enriquez Garcia
DIRETORIA
DIRETOR PRESIDENTE
Carlos Antonio Luque
ARTIGOS
13 ........................................................................................................ juros reais no Brasil
Carlos Eduardo Soares Gonçalves
16 .............................. transformações recentes na oferta e na demanda da indústria
brasileira de alimentos e bebidas
DIRETOR DE PESQUISA
Eduardo Haddad
DIRETOR DE CURSOS
Paulo Picchetti
PÓS-GRADUAÇÃO
Cláudia Assunção dos Santos Viegas
20 ........................................................................................... lições da crise boliv(ar)iana
Julio Manuel Pires, Iraci del Nero da Costa
Dante Mendes Aldrighi
SECRETARIA EXECUTIVA
Domingos Pimentel Bortoletto
22 .............................................. Indonésia: políticas de crescimento e a crise asiática
Daniela Corrêa
COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES SUPERVISÃO EDITORIAL E PRODUÇÃO
Eny Elza Ceotto
EDITOR CHEFE
Gilberto Tadeu Lima
CONSELHO EDITORIAL
Ivo Torres
Lenina Pomeranz
Luiz Martins Lopes
José Paulo Z. Chahad
Maria Cristina Cacciamali
Maria Helena Pallares Zockun
Simão Davi Silber
AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE
EXCLUSIVA DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO A OPINIÃO DA FIPE
ASSISTENTES
Maria de Jesus Soares
Luis Dias Pereira
PROGRAMAÇÃO VISUAL E COMPOSIÇÃO
Sandra Vilas Boas
panorama macroeconômico
carta Fipe
Uma nova boa notícia foi dada em 19 de julho com o
término da reunião do COPOM – Comitê de Política
Monetária – do Banco Central: a taxa de juros caiu para
14,75%, o menor nível desde sua criação em 1986. Evidentemente, é preciso considerar as diferentes circunstâncias inflacionárias. Entretanto, foi a nona redução
seguida dessa taxa e é importante que essa tendência
continue. De outro lado, a taxa real de juros está agora
em 10%, considerando que a inflação esperada para os
próximos doze meses é de 4,33%. Ela é ainda elevada,
a primeira do mundo, mas também está em queda.
Há sinais claros que o País está conseguindo diminuir
um de seus maiores problemas macroeconômicos dos
últimos oito anos: a enorme taxa de juros.
Em primeiro lugar, o Banco Central não terá que desinflar a economia para a meta de inflação nos próximos
anos. Nesse contexto, o setor externo deverá contribuir
negativamente para a demanda agregada daqui para
a frente, o mesmo ocorrendo com os gastos públicos
neste ano eleitoral. Finalmente, espera-se que a sociedade desacelere o crescimento do volume de crédito
ao consumidor.
Vejamos os seguintes dados. A taxa acumulada do
IPCA nos últimos doze meses terminados em junho
é de 4,03%. Para o ano, o mercado prevê taxa ainda
menor: de 3,77%. A mesma taxa acumulada para o
INPC é de 2,79%, e para o IPC-FIPE, de 1,85%. A falta
maior para a política monetária, uma vez que o Banco
Central nunca começou o período da meta com a inflação já no nível (ou abaixo) da mesma.
De outro lado, a desaceleração, na margem, do saldo
comercial já é bastante significativa. Isto mostra que
o efeito-câmbio deverá impactar na desaceleração
do saldo, o que já se fez sentir no primeiro semestre
deste ano. Isto abrirá mais espaço para o aumento da
absorção interna.
O mesmo efeito, com alguma defasagem, deverá ocorrer com os gastos públicos neste ano eleitoral, com forte
sazonalidade no seu padrão. Depois das eleições já se
começará a sentir os efeitos da desaceleração nesses
gastos, o que já está começando a acontecer. Desta
forma, haverá ainda mais espaço para a expansão da
absorção interna privada.
julho de 2006
A perspectiva atual é muito melhor que em todos os
outros sete anos da política de metas de inflação. Portanto, há motivos que reforçam a expectativa de que o
Banco Central continue o processo de redução da taxa
de juros, com o simultâneo cumprimento das metas de
inflação (4,5% em 2007).
da necessidade de desinflar vai dar uma folga muito
O volume de crédito ao consumo, por sua vez, continua
ainda em expansão acelerada. Ele representava 5,66%
do PIB em dezembro de 2003, enquanto em maio último
ele representava 8,82% do PIB. No entanto, há sinais
de desaceleração da taxa de crescimento. Em setembro
de 2005 a taxa de crescimento do volume de crédito ao
consumo era de 40% relativamente ao mesmo mês do
ano anterior. Esta taxa está em desaceleração e estava
em 31% no último mês de maio. Portanto, também é
a primeira vez que o Banco Central pode ter à frente
um mercado de crédito com maior nível de saciedade e
em desaceleração. Este cenário favorável só poderá ser
interrompido se houver algum choque de oferta não
acomodável na situação atual, o que não é impossível,
mas não parece provável.
Rodrigo Rodrigues Celoto (*)
finanças públicas - acumulado
de janeiro a maio
a) Tesouro Nacional
tabela 1 - resultado do Tesouro Nacional - R$ milhões
A Receita total do Tesouro Nacional cresceu de 11.3%
nos primeiros cinco meses do ano relativamente ao
mesmo período do ano passado, saltando de R$ 194.7
bilhões em 2005 para R$ 216.7 bilhões em 2006. A
Receitas do Tesouro
Receita da Previdência
194.701
216.748
11,3%
153.654
170.596
11,0%
40.440
45.570
12,7%
-2,5%
607
592
Transferências
34.859
37.803
8,4%
153.7 bilhões no mesmo período do ano passado, um
Receita Líquida
159.842
178.945
12,0%
crescimento de 11.0%, sendo que as receitas de Previ-
Despesa Total
127.397
146.692
15,1%
para R$ 45.6 bilhões.
As transferências tiveram um acréscimo de 8.4% no
período supracitado, passando de R$ 34.9 bilhões para
R$ 37.8 bilhões no mesmo período do ano em curso. A
receita líquida apresentou um crescimento de 12%.
Receita do Banco Central
% 06/05
receita do Tesouro foi de R$ 170.6 bilhões contra R$
dência cresceram 12.7%, saltando de R$ 40.4 bilhões
julho de 2006
Receita Total
Jan-Maio
2005
2006
Despesas do Tesouro
73.386
84.693
15,4%
Pessoal e encargos
36.022
40.742
13,1%
Custeio e Capital
37.093
43.707
17,8%
Transferências ao Banco Central
271
244
-9,7%
Despesas da Previdência Social
53.383
61.389
15,0%
Despesas do Banco Central
629
610
-3,1%
Resultado Primário Governo Central
32.444
32.253
-0,6%
Tesouro Nacional
45.409
48.090
5,9%
Previdência Social
(12.943)
(15.819)
22,2%
Banco Central
(22)
A despesa total cresceu 15.1% nos primeiros cinco
Resultado Primário Governo/PIB
meses do ano contra igual período do ano passado,
Fonte: STN.
4,32%
(18) -18,8%
3,99%
-7,6%
saltando de R$ 127.4 bilhões para R$ 146.7 bilhões. As
despesas com Pessoal e Encargos sociais foram de R$
b) Necessidade de Financiamento do Setor Público
40.7 bilhões no período, as despesas com benefícios
previdenciários foram de R$ 61.4 bilhões e as despesas
com custeio e capital foram de R$ 43.7 bilhões. Os três
itens de despesa acima apresentaram, respectivamente, um acréscimo de 13.1%, 15% e 17.8%.
O Resultado Primário do Governo Central ficou em
R$ 32.2 bilhões (3.99% do PIB) contra R$ 32.4 bilhões
(4.32% do PIB) no mesmo período do ano passado,
sendo de R$ 48.1 bilhões o superávit do Tesouro Nacional, R$ 15.8 bilhões o déficit da Previdência Social
e de R$ 18 milhões o déficit do Banco Central.
O superávit primário dos primeiros cinco meses do
ano foi de R$ 46.7 bilhões (5.8% do PIB) contra R$ 50.3
bilhões (6.7% do PIB) no mesmo período de 2005.
O governo central diminuiu seu superávit de R$ 34.4
bilhões (4.57% do PIB) para R$ 31.6 bilhões (3.92% do
PIB). Os governos regionais obtiveram um superávit
de R$ 10.1 bilhões (1.25% do PIB) nos cinco primeiros
meses do ano contra R$ 12 bilhões (1.6% do PIB) no
mesmo período do ano anterior. As estatais saíram de
um superávit primário de R$ 4 bilhões (0.53% do PIB)
para um superávit de R$ 5 bilhões (0.62% do PIB).
tabela 2 - necessidades de financiamento do setor público
Nominal
Governo central
Governo federal1/
Bacen
Governos regionais
Governos estaduais
Governos municipais
Empresas estatais
Empresas estatais federais
Empresas estatais estaduais
Empresas estatais municipais
Juros nominais
Governo central
Governo federal1/
Bacen
Governos regionais
Governos estaduais
Governos municipais
Empresas estatais
Empresas estatais federais
Empresas estatais estaduais
Empresas estatais municipais
Primário
Governo central
Governo federal
Bacen
INSS
Governos regionais
Governos estaduais
Governos municipais
Empresas estatais
Empresas estatais federais
Empresas estatais estaduais
Empresas estatais municipais
14 568
13 713
13 632
81
3 327
3 467
- 140
-2 472
- 837
-1 675
40
64 895
48 064
48 005
59
15 332
12 827
2 506
1 498
825
591
83
-50 326
-34 351
-47 316
22
12 942
-12 005
-9 360
-2 646
-3 970
-1 662
-2 265
- 43
63 641
73 284
74 106
- 822
5 416
4 755
661
-15 060
-14 248
- 940
128
157 146
129 025
130 159
-1 134
26 739
21 949
4 790
1 381
-1 070
2 220
230
-93 505
-55 741
-93 629
312
37 576
-21 323
-17 194
-4 129
-16 440
-13 178
-3 160
- 102
17 495
22 749
20 795
1 953
832
208
624
-6 085
-4 977
-1 209
101
64 206
54 402
52 468
1 934
10 917
8 992
1 925
-1 114
-2 120
913
93
-46 710
-31 654
-47 491
19
15 818
-10 085
-8 784
-1 301
-4 971
-2 856
-2 122
7
% PIB
2005
Jan-Maio
1,94
1,82
1,81
0,01
0,44
0,46
-0,02
-0,33
-0,11
-0,22
0,01
8,63
6,39
6,39
0,01
2,04
1,71
0,33
0,20
0,11
0,08
0,01
-6,70
-4,57
-6,30
0,00
1,72
-1,60
-1,25
-0,35
-0,53
-0,22
-0,30
-0,01
Ano
2006
Jan-Maio
3,28
3,78
3,82
-0,04
0,28
0,25
0,03
-0,78
-0,74
-0,05
0,01
8,11
6,66
6,72
-0,06
1,38
1,13
0,25
0,07
-0,06
0,11
0,01
-4,83
-2,88
-4,83
0,02
1,94
-1,10
-0,89
-0,21
-0,85
-0,68
-0,16
-0,01
2,17
2,82
2,58
0,24
0,10
0,03
0,08
-0,75
-0,62
-0,15
0,01
7,95
6,74
6,50
0,24
1,35
1,11
0,24
-0,14
-0,26
0,11
0,01
-5,79
-3,92
-5,88
0,00
1,96
-1,25
-1,09
-0,16
-0,62
-0,35
-0,26
0,00
julho de 2006
Discriminação
R$ milhões Correntes
2005
2006
Jan-Maio
Ano
Jan-Maio
Fonte: BCB.
Notas: 1 - Inclui o INSS. (+) déficit (-) superávit.
Os juros nominais de janeiro a maio totalizaram R$
64.2 bilhões (7.95% do PIB) contra R$ 64.9 bilhões
(8.63% do PIB) no mesmo período de 2005. Os gastos
com juros do governo central subiram de 6.4% do PIB
nos primeiros cinco meses do ano passado para 6.74%
do PIB no mesmo período do corrente ano. As estatais reduziram seus gastos com juros de 0.2% do PIB
para receitas com juros de 0.14% do PIB e os governos
regionais também diminuíram seus gastos com juros
de 2.04% do PIB para 1.35% do PIB.
O resultado nominal decorrente do desempenho apresentado acima foi de R$ 17.5 bilhões (2.17% do PIB) de
déficit contra um déficit de R$ 14.6 bilhões (1.94 % do
PIB) no mesmo período do ano passado. O governo
central fechou esses cinco primeiros do ano com um
déficit nominal de 2.82% do PIB, os governos regionais com um déficit de R$ 0.1% do PIB e as empresas
estatais com um superávit de 0.75% do PIB.
(*) Economista – Participante do Grupo de Conjuntura da
FIPE. E-mail: [email protected].
Roberto Luis Troster (*)
política monetária
julho de 2006
O Copom - Comitê de Política Monetária do Banco
Central, na reunião de 19 de julho, reduziu a taxa básica para 14,75% a.a.. É a mais baixa desde a criação do
Copom em 1996 e a menor taxa praticada pelo Banco
Central do Brasil desde abril de 1975. É uma conquista
importante que deve ser consolidada.
A decisão foi tomada com um cenário externo agitado:
há problemas no Oriente Médio – o conflito entre
Israel e Líbano aumenta a tensão em toda a região –,
o preço do petróleo está num patamar elevado e há
indefinições na evolução das taxas de juros do FED
– os últimos números da economia norte-americana
aumentaram a percepção de que haverá mais uma
elevação na reunião de agosto. Não obstante, o quadro
macroeconômico interno se mostrou adequado para a
continuação do processo de redução de juros.
Todos os índices de inflação, bem como suas expectativas, estão consistentes com a redução de taxas e não
há pressões de demanda no processo de estabilização
de preços no horizonte de curto prazo. O processo
de estabilização de preços é resultado da combinação
de política monetária consistente, política de ajustes
fiscais nos últimos anos e um câmbio valorizado por
um cenário internacional conveniente para o ajuste
externo brasileiro.
A curto prazo o cenário se apresenta estável e as
taxas devem ser reduzidas nas próximas reuniões. É
razoável prever uma taxa inferior a 14% na virada do
ano; entretanto, a manutenção de juros num patamar
baixo e a possibilidade de reduções de juros mais significativas, no futuro, não está assegurada.
O câmbio está valorizado e pode pressionar no futuro,
a dinâmica do ajuste fiscal é precária e o crescimento
da economia é baixo. Deve-se avançar em ganhos de
produtividade e sustentabilidade fiscal para estabili-
zar a taxa de juros num patamar baixo. Isto demanda
determinação política.
O Conselho Monetário Nacional fixou a meta de
inflação para 2008 e ratificou a de 2007 em 4,50%. A
decisão condicionará a política monetária no próximo
biênio e pode também consolidar uma fase importante
do Real. Enquanto uma meta ambiciosa demais limita
o crescimento, uma frouxa demais alimenta desnecessariamente as expectativas.
O regime de metas, combinado com o câmbio flexível e
a disciplina fiscal, se iniciou há sete anos, substituindo
o da “âncora cambial” no ápice da crise externa. Seu
objetivo era fixar a diretriz para a atuação do Banco
Central. Sua implantação foi complicada em razão
dos choques de oferta – crise de energia, impactos do
default argentino e dos escândalos contábeis etc. – e da
estrutura de preços internos – indexação elevada e canais de transmissão de política monetária estreitos.
Sua condução conseguiu combinar transparência com
autônomia nas decisões, e flexibilidade para absorver
crises com rigor em perseguir objetivos. Os resultados
são positivos e a independência operacional do Banco
Central do Brasil foi obtida por mérito.
Até o início deste governo não havia uma meta de
longo prazo explícita. Entretanto, o presidente do
Banco Central e o então ministro da Fazenda fixaram a
meta de longo prazo em 4,00%, em 2003. Os resultados
obtidos até agora mostram que é factível terminar a
década com a inflação estabilizada nesse patamar. O
momento é oportuno para fixar a meta de 2008 nesse
valor, com ganhos de bem-estar.
O CMN repetiu, para 2008, a meta de 4,50% de 2006
e 2007, mas poderia ter sido mais audacioso e baixar
para 4,00%. Desta forma, afirmaria o compromisso
com uma inflação mais baixa, com a eliminação dos fatores que a tornam latente, e em especial a indexação,
bem como com o cumprimento da meta de inflação
de longo prazo. Os custos de transição são mínimos
e os ganhos expressivos.
O regime de metas de inflação foi um avanço institucional importante, que substituiu uma história de
confiscos, planos econômicos mirabolantes, mudanças
de moeda etc. com metas críveis, coordenando expectativas e minimizando os custos socias de absorção de
choques. Há espaço para avançar mais.
A inflação está arrefecendo, a taxa de captação externa está no patamar histórico mais baixo, o Real está
valorizado e a dinâmica da dívida pública está sob
controle. As taxas de juros internas estão em queda, e
em algum momento, em 2008, as taxas de juros básicas
nominais internas serão de um dígito.
As metas de inflação de países industrializados que
adotaram o regime estão centradas num patamar inferior: cerca de 2%. Entretanto, é conveniente consolidar
a taxa de 4% por alguns anos e depois avançar.
O Banco Central conseguiu, com muito esforço, uma
boa reputação, e a competência de sua equipe é um
consenso. Nos últimos anos, a aplicação do regime de
metas de inflação no Brasil apresenta resultados notáveis; as expectativas apontam que as metas deste ano
e do próximo, de 4,50%, serão atingidas. Houve uma
melhora nos mecanismos de transmissão: o canal do
crédito foi alargado, a parcela pós-fixada da dívida foi
reduzida e o Copom ganhou credibilidade. A taxa de
sacrifício – perda de crescimento dividido por perda
de inflação – está em queda. Ou seja, os custos sociais
de reduzir a inflação diminuíram.
A moeda é depositária da confiança social por suas
funções de reserva de valor, unidade de conta e meio
de pagamento e a taxa de juros é a relação entre o
presente o futuro. É uma construção social que se
ganha com dificuldade e se perde rapidamente. Baixar
os juros exige perserverança.
Há uma outra agenda complementar para baixar as
taxas de juros dos tomadores de empréstimos, e inclui,
além da redução dos juros básicos, a eliminação dos
depósitos compulsórios, a racionalização da tributação de operações financeiras, o fim dos subsídios
cruzados, a diminuição dos custos de observância, a
melhoria do quadro institucional e o aparelhamento
do judiciário.
julho de 2006
A queda da inflação tem impactos positivos de bemestar: há uma diminuição nas taxas reais e nominais
de juros, bem como na arrecadação do imposto inflacionário, a absorção de choques de oferta tem custos
menores, há uma dispersão menor de preços, a volatilidade financeira é menor, a oferta de crédito é mais
abundante, a possibilidade de surpresas inflacionárias
diminui consideravelmente e, por fim, traz impactos
positivos na desconcentração da renda.
A agenda do futuro da moeda inclui a diminuição da
incerteza jurisdicional, o aprimoramento dos mecanismos de transmissão, o abandono do ano calendário
gregoriano, a composição do crédito, a dinâmica fiscal, a ampliação do Conselho Monetário Nacional, o
índice de preços a ser utilizado, o tamanho da banda,
a acomodação a choques, a independência do BC, a
composição do Copom e os instrumentos de política
monetária.
É imperativo baixar os juros e mantê-los baixos definitivamente. As taxas elevadas concentram a renda e
freiam o crescimento. É tempo de ousar, pois há uma
percepção de que a aplicação rígida apresenta resultados melhores. A boa política econômica é consistente
intertemporalmente e maximiza bem-estar.
(*) Fipe e Febraban. E-mail: [email protected]
Simão Davi Silber (*)
julho de 2006
setor externo
O desempenho do setor externo da economia brasileira continua sendo o grande destaque dos efeitos favoráveis das políticas macroeconômicas implementadas
a partir de 1999. Após quase oito anos de regime de
câmbio flutuante, e com a economia mundial crescendo a taxas próximas a 5% ao ano, o País conseguiu
passar de um déficit de balanço de pagamentos em
transações correntes de US$ 33,4 bilhões para um superávit de US$ 14,2 bilhões em 2005. Trata-se de um
ajustamento das contas externas de US$ 47,6 bilhões,
ou 6% do PIB. Para este ano a previsão é de que tal
superávit ainda continuar elevado, devendo atingir a
cifra de US$ 9 bilhões em 2006. Os parâmetros básicos
de solvência externa do País melhoraram significativamente durante este período: a dívida externa líquida,
que havia atingido seu máximo no ano de 1999 com
uma cifra de US$ 205 bilhões, estava no patamar
de US$ 120 bilhões em maio deste ano. Trata-se de
uma redução de US$ 85 bilhões na dívida externa
brasileira. Nos últimos dozes meses encerrados em
junho, a exportação cumulativa do País foi de US$ 124
bilhões. Portanto, pelo critério dívida externa líquida/
exportações o País já é grau de investimento, pois este
parâmetro situa-se abaixo da unidade. As exportações
brasileiras não estão crescendo no mesmo ritmo que
o do ano passado: com as informações disponíveis
até junho, o crescimento trimestral dessazonalizado
das exportações brasileiras foi de 7,8%, contra um
crescimento de 19% das importações. A título de
comparação, pode-se indicar que seis meses atrás as
exportações estavam crescendo a uma taxa anualizada
de 20% e as importações cresciam a 11%. Com isto
o País deverá encerrar o ano com um superávit um
pouco abaixo de US$ 40 bilhões, ainda extremamente
elevado, mas inferior ao do ano passado, que beirou
os US$ 45 bilhões.
Nas demais contas do balanço de pagamentos, devese destacar: em primeiro lugar, a ampliação do déficit
na conta serviços e rendas, que já havia apresentado
um forte deterioração em 2005, particularmente em
decorrência do aumento das remessas de lucros e dividendos de empresas estrangeiras com filiais no Brasil.
No ano passado, esse déficit foi de US$ 34 bilhões; a
persistir a tendência observada até maio, esse déficit
será de US$ 35 bilhões neste ano. Em segundo lugar,
o balanço em transações correntes deverá permanecer superavitário neste exercício, em um patamar
próximo a US$ 9 bilhões (1% do PIB). Finalmente, a
conta capital e financeira está superavitária em US$ 5
bilhões e as reservas do Banco Central são de US$ 63,5
bilhões. Com estes números pode-se concluir que o
setor externo não é motivo de grandes preocupações
para os formuladores da política macroeconômica
brasileira.
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
E-mail: [email protected]
Antonio Carlos Lima Nogueira (*)
agricultura: a rentabilidade da
produção de soja para exportação
Qual é a rentabilidade da produção de soja para
exportação no Brasil? No contexto da atual crise no
agronegócio brasileiro, torna-se relevante observar
o desempenho da principal cultura em área plantada de grãos, com 22,2 milhões de hectares (47% do
total), segundo o levantamento de julho de 2006 da
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
Para tanto é necessário avaliar o comportamento de
indicadores que afetam a receita e a despesa da atividade, considerando-se o direcionamento da produção
para a exportação.
tabela 2 – rentabilidade da soja para exportação nos EUA, Argentina e Brasil
tabela 1 – indicadores de produção de soja em MT e exportação
Indicador
Set./out.
2005
Abr. 2006
Dólar (R$)
Diesel (US$/l)
Frete e porto (US$/ton soja)
Fertilizante 2/18/18 (US$/ton)
Calcário (US$/ton)
Colheitadeira de 23 pés (US$)
Trator de 180 HP (US$)
Defensivos (US$/ha)
Produtividade (sacas/ha)
3,00
0,50
60,00
180,00
45,00
90.000,00
35.000,00
40,00
55
2,10
1,00
100,00
260,00
75,00
190.000,00
75.000,00
80,00
50
Fonte: Elaboração do autor com dados de Geld (2006).
Considerando-se que os principais concorrentes do
Brasil no mercado internacional de soja são os EUA e a
Argentina, é importante fazer uma comparação entre as
rentabilidades que esses países conseguem. Na Tabela
2 estão os cálculos da rentabilidade desses países e do
Brasil no ponto de equilíbrio, caracterizado o custo
agregado de frete e porto de US$ 80,00/ton de soja.
julho de 2006
Com relação ao comércio exterior, o Dr. Steve Geld
analisou a produção de soja no Estado do Mato Grosso
e o seu escoamento pelo porto de Paranaguá, PR, em
apresentação no Seminário Perspectivas para o Agribusiness em 2006/2007 (Bolsa Mercantil e de Futuros,
maio 2006, São Paulo). Foram comparados os valores
de alguns indicadores cotados em Dólar em set./out.
2002 e abr. 2006, conforme apresentado na Tabela
1. Observa-se que ocorreu uma desvalorização do
Dólar de 30%, redução da produtividade em 9% e
incrementos nos preços em Dólar dos insumos entre
44,4 e 114%. Fixando-se o nível de preço da soja, essas
alterações provocam redução na receita e aumento
líquido nos custos.
Outra análise apresentada pelo Dr. Geld foi o impacto
da distância do local da produção ao porto no resultado
da atividade. Considerando-se as rotas rodoviárias
disponíveis para o transporte do grão, os custos de
transporte crescem em direção ao norte do Estado de
Mato Grosso. Para exportações realizadas com a cotação de US$ 6,17/bushel na bolsa de Chicago, ajuste de
US$ 0,10 (basis) e Dólar a R$ 2,36 define-se uma linha
imaginária horizontal no mapa do MT próxima da
cidade de Cuiabá, que representa o equilíbrio entre
receita e despesa na produção de soja para exportação. Abaixo dessa linha a atividade gera resultado
positivo, como em Primavera do Leste (US$ 20,26/ha)
ou Campo Verde (US$ 52,63/ha). Acima da linha, a
atividade gera prejuízos, como em Paranatinga (–US$
36,69/ha), Campo Novo do Parecis (–US$ 60,70/ha) ou
Sinop (–US$ 70,30/ha). Portanto, a produção de soja
para exportação está inviabilizada em grande parte
do Estado do Mato Grosso.
Indicador
Variação
(%)
- 30,0
50,0
66,6
44,4
66,6
111,1
114,3
100,0
- 9,0
CBOT (US$/bu)
Prêmio (US$/bu)
Preço FOB (US$/ton)
Impostos de exportação (US$/ton)
Frete + Porto
Custo de produção (US$/ha)
Produtividade (ton/ha)
Custo por ton (US$)
Margem (US$/ton)’
EUA
Argentina
Brasil
6,17
0,35
240,00
6,17
(0,10)
223,00
6,17
0,10
230,00
0,00
42,00
54,00
18,00
0,00
80,00
295,00
2,90
102,00
278,00
250,00
2,70
93,00
157,00
450,00
3,0
150,00
-
Fonte: Elaboração do autor com dados de Geld (2006).
Observa-se que os dois concorrentes se encontram
em posição vantajosa com relação ao Brasil. Os EUA
conseguem a maior margem do grupo, com US$ 278/
ton, com uma combinação de custos de frete e porto
medianos e baixos custos de produção. A Argentina
aparece em seguida com uma margem de US$ 157,
obtida apesar da política irracional de cobrança de
imposto sobre a exportação. Os custos de produção
inferiores aos dos EUA e os baixos custos agregados
de frete e porto produzem a vantagem na rentabilidade.
julho de 2006
No caso do Brasil, é interessante avaliar as perspectivas dos diversos indicadores que possam alterar o
quadro de baixa rentabilidade observado.
Com relação ao custo de produção de US$ 450,00,
sabe-se que os insumos industriais utilizados são derivados de petróleo (diesel e fertilizantes), cujo mercado
internacional encontra-se em processo consistente de
alta. Uma possibilidade de redução nesse item seria a
adoção de biocombustíveis em larga escala, que também depende de investimentos em unidades processadoras e redes de distribuição. Portanto, não se pode
esperar reduções relevantes nesse indicador como
forma de aumentar a rentabilidade da atividade.
na atuação dos portos. Assim, não se pode esperar
alterações significativas nesse fator a curto prazo.
Assim, a produção de soja para exportação no Brasil
encontra-se em uma situação de impasse, na qual os
ganhos obtidos em tecnologia e produtividade agrícola são perdidos nas etapas de logística. Esta condição
torna-se ainda mais dramática se considerarmos que,
entre os países analisados, é o único com potencial
de expansão da área para aumentar a produção e
aproveitar as oportunidades futuras previstas com o
aumento do consumo global.
Revela-se assim o desafio de solucionar os gargalos
de infra-estrutura, com uma combinação de aprimoramentos institucionais e busca de recursos públicos
e privados para investimentos. O resultado esperado
é a obtenção de uma rentabilidade para a atividade
que mantenha os agricultores atuais e atraia novos
agentes econômicos.
O preço de US$ 6,17/bushel encontra-se em nível
acima do valor histórico, visto que a relação estoque/
consumo está em 28%, que é uma posição confortável.
Entretanto, as perspectivas de aumento do consumo
no futuro próximo, principalmente por parte da
China, parecem indicar que o mercado estaria praticando um seguro para garantir esse abastecimento.
Assim, também não se deve esperar aumento do preço
internacional para a melhoria da rentabilidade da
atividade no Brasil.
Com relação à produtividade, o Brasil já consegue
níveis superiores aos concorrentes, e dificilmente
serão obtidos ganhos significativos nessa área, apesar
dos constantes avanços obtidos com a biotecnologia.
O custo agregado de frete e porto depende de investimentos em infra-estrutura e aumento da eficiência
10
(*) Doutorando da FEA-USP e Pesquisador do PENSA – Centro de
Conhecimento em Agronegócios. E-mail: [email protected].
Manuel Enriquez Garcia (*)
nível de atividade e emprego
Segundo informações do IBGE, o Produto Interno
Bruto (PIB), medido a preços de mercado, e referente
ao primeiro trimestre de 2006, em valor, alcançou a
cifra de R$ 478,9 bilhões, em face de R$ 424,6 bilhões
obtidos em igual trimestre de 2005. Do montante
registrado no primeiro trimestre de 2006, R$ 424,6
bilhões são devidos ao Valor Adicionado a preços
básicos, enquanto que os R$ 54,2 bilhões restantes
constituíram-se em Impostos sobre a totalidade dos
e nos últimos doze meses o incremento positivo foi
de apenas +2,6%. Segundo o IBGE, aumentos no
ritmo de crescimento do produto industrial brasileiro
foram observados em treze das vinte e três atividades
pesquisadas, bem como em três das quatro categorias
de uso.
produtos. Ainda mais, analisando-se os componentes
do Valor Adicionado observa-se que a Agropecuária
contribuiu com R$ 34,7 bilhões, a Indústria com
R$ 168,5 bilhões e os Serviços totalizaram R$ 248,3
bilhões.
Veículos Automotores (+6,2%), Alimentos (+2,5%) e
Máquinas e Equipamentos (+3,1%). Com os piores
desempenhos situaram-se: Material Eletrônico e
Equipamentos de Comunicações (–7,9%) e Outros
Químicos (–2,7%).
Sob a ótica da renda, os dados coletados pelo IBGE
dizem que, em igual período de tempo, a Renda Nacional Bruta atingiu o montante de R$ 463,9 bilhões
e que a Poupança Bruta alcançou a cifra de R$ 103,6
bilhões. Por sua vez, sob a ótica da demanda, no primeiro trimestre de 2006, os dados do IBGE registraram que o Consumo das Famílias totalizou R$ 277,8
bilhões, o Consumo do Governo R$ 84,5 bilhões, a
Formação Bruta de Capital Fixo situou-se em R$ 97,6
bilhões, enquanto que a variação de estoques totalizou
a soma de R$ 2,8 bilhões. No setor externo, o registro
mais importante foi a continuidade do superávit da
Balança de Bens e Serviços, que ficou superavitária
em R$ 16,0 bilhões (R$ 74,8 bilhões de exportações e
R$ 58,7 bilhões de importações).
Por sua vez, sob a ótica das categorias de uso, e ainda
na comparação maio de 2006 em face de abril de 2006,
a maior pressão positiva para a taxa de crescimento
de +1,6% da Indústria teve sua origem no segmento
de Bens Intermediários, com +1,9%, seguido por Bens
de Capital, que registrou variação positiva de +1,8%.
Também crescendo, contudo a uma menor taxa de
variação, situou-se a categoria de Bens de Consumo
Semi e não Duráveis, com +0,4%. Destaque deve ser
dado ao crescimento negativo observado na categoria
de Bens de Consumo Duráveis, em igual período de
comparação, –0,3%,
julho de 2006
Por outro lado, em termos pontuais, informações
do mês de maio de 2006, as mais recentes até este
momento, obtidas pela Pesquisa Industrial Mensal
Produção Física, do IBGE, mostram que em relação a
abril de 2006 a produção industrial apresentou taxa
de crescimento positiva, igual a +1,6%, sendo que no
acumulado do ano o porcentual de alta foi de +3,3%
Dentre as atividades pesquisadas, e em relação a
abril de 2006, as que registraram maiores altas foram:
Por seu turno, os dados da Pesquisa Industrial Mensal Industrial para o acumulado de janeiro-maio de
2006 registraram taxa de crescimento positiva, igual a
+3,3% (bem inferior à obtida na comparação maio/05–
maio/04, quando se situou em +4,7%), em face de igual
período de 2005. Deve-se salientar que nessa base de
comparação observou-se que as maiores contribuições
positivas foram provenientes de Material Eletrônico
e Equipamentos de Comunicações (+10,0%), Indústrias Extrativas (+10,0%) e Máquinas para escritório
11
e equipamentos de informática (+59,8%). Com maiores incrementos negativos, nesse mesmo período de
comparação, situaram-se: Produtos Químicos (–1,7%)
e Madeira (–8,5%).
trabalhadores da indústria, descontadas as influências
sazonais, mostrou variação nula (0,0$) em relação a
igual mês de 2005.
julho de 2006
Na análise por categorias de uso, os dados do IBGE
apontam para o setor de Bens de Consumo Duráveis
como sendo o que maior incremento positivo apresentou (+10,2%), seguido pelo de Bens de Capital, com
incremento de +6,6%. Ainda com taxas positivas de
crescimento, contudo em menores níveis, situaram-se
os setores de Bens de Consumo Semi e não Duráveis,
com aumento de +3,0%, e o de Bens Intermediários,
com incremento positivo de +2,1%.
Quanto à população empregada na Indústria, as
informações coletadas pelo IBGE em maio de 2006,
via Pesquisa Mensal de Emprego e Salário, contam
que em relação a maio de 2005 o emprego industrial
caiu em oito das catorze áreas pesquisadas e em onze
dos dezoito ramos de atividade. Em termos regionais,
destacaram-se: Rio Grande do Sul, com –7,6%, Paraná,
com –4,0%, e Região Nordeste, com –4,0%. Nesses três
locais, e por ramos de atividade, os setores que mais
dispensaram trabalhadores foram: Calçados e Artigos de Couro (–14,8%), Madeira (–16,9%) e Vestuário
(–7,2%). Já para o Brasil como um todo, Calçados e
Artigos de Couro, com –11,4%, e Máquinas e Equipamentos, com –6,5%, foram os ramos de atividade que
mais dispensaram trabalhadores da Indústria.
A Pesquisa Mensal de Emprego e Salário diz também que em maio de 2006, em face de igual mês do
ano anterior, o número de horas trabalhadas recuou
–0,2% e que o valor da folha de pagamento real dos
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
E-mail: [email protected]
Os artigos do Panorama Macroeconômico foram escritos entre 05 e 20/07/06.
12
artigos
Carlos Eduardo Soares Gonçalves (*)
juros reais no Brasil
Não faz muito tempo, o economista Pérsio Arida,
um dos pais do Plano Real que debelou a inflação no
Brasil, lançou um importante desafio aos economistas
brasileiros: explicar por que os juros reais são tão altos
por estas bandas. Para o período 1995/1998, a resposta
é fácil. O juro real alto e volátil deste período era simplesmente o subproduto desagradável da estratégia de
ancorar a inflação via fixação da taxa de câmbio em
uma economia com péssimos fundamentos fiscais, e
inserida em um mundo repleto de turbulências. Mas
explicar juros reais de 10% após 1999, quando passamos a um regime de câmbio flutuante, é muito mais
complicado, principalmente levando-se em conta o
baixíssimo patamar dos juros internacionais na maior
parte desse período.
até mesmo durante o período em que ajudam a trazer
a inflação para patamares civilizados. Mas voltemos
à jaboticaba.
O próprio Pérsio, ao propor esta agenda de pesquisa,
aventou uma tese interessante para o quebra-cabeça
do juro: a da incerteza jurisdicional. Segundo esta,
nossos juros reais seriam os maiores do mundo por
deficiências legais na garantia dos direitos de propriedade dos credores. O problema com esta tese é, em
minha opinião, eminentemente empírico. Apesar de
ser verdade que não asseguramos, o quanto deveríamos, o direito de propriedade no Brasil, muitos outros
países estão atrás de nós neste quesito (segundo o
índice de proteção ao credor do Banco Mundial, por
Apesar de muitas vezes descabidas, as críticas contra
juros reais altos, como os nossos, são sim justificáveis.
Não somente pelos sempre lembrados efeitos deletérios que este exerce sobre a atividade, mas principalmente por uma questão de eqüidade social, dado
que pobre não compra título público, mas paga os
impostos indiretos que são usados para honrá-los.
julho de 2006
O leitor que acompanha com alguma freqüência as
análises econômicas publicadas na imprensa especializada brasileira já deve ter se acostumado a encontrar
vasta quantidade de metáforas, futebolísticas e de
outras naturezas, que são empregadas com o objetivo de facilitar a ilustração de conceitos e chamar a
atenção para problemas econômicos. O elevadíssimo
juro real brasileiro, por exemplo, tem recebido com alta
freqüência as alcunhas de “jaboticaba”, por ser encontrado apenas no Brasil, e de “Geni”, por ser alvejado
e maldito por muitos. O último dos apelidos não me
parece, contudo, muito apropriado. A razão é que a
Geni de Chico Buarque é bajulada pelos seus concidadãos, ao menos no curto período que se estende entre
a chegada e a partida do zepelim gigante, ao passo
que os juros elevados do Banco Central são criticados
13
exemplo) e não praticam juros tão assustadoramente
elevados.
julho de 2006
A segunda explicação comumente apresentada, e
muito similar à tese de Arida, coloca o risco soberano
como fator primordial na explicação dos juros altos.
Devido à nossa história de calotes – que, aliás, começou mesmo bem cedo, dois anos após a proclamação
da Independência – e aos fracos “fundamentos” da
nossa economia, seria altamente arriscado emprestar
recursos para o governo e setor privado brasileiros.
Conseqüentemente, os juros elevados seriam apenas
um reflexo do alto risco Brasil.
Como no caso da incerteza jurisdicional, concordo
que é plausível atribuir ao canal do risco uma parte da explicação para o elevado patamar do juro
doméstico. Mas não uma grande parte, visto que o
Brasil, campeão mundial de juros reais nos últimos
anos, não me parece um dos países mais arriscados
do mundo. Não somente alguns índices que visam
aferir o chamado risco País, como o EMBI, por exemplo, não corroboram esta história, como os próprios
fundamentos econômicos – apesar de ainda ruins
em muitos aspectos – medidos diretamente não são
tão piores aqui comparativamente a outras partes do
mundo em desenvolvimento.
Note-se que o acima mencionado não é nem de perto
uma negação de que ainda há muito que se fazer para
aprimorar nossos fundamentos, a começar por uma
reforma fiscal de longo prazo que mude o nível e a
composição do gasto público no Brasil. Digo apenas
que nossos fundamentos não são suficientemente
piores que o de outros Emergentes para servirem de
base de explicação do nosso diferencial de juros relativamente a eles. A título de exemplo, temos mantido,
desde 1999, superávits primários não desprezíveis,
e logramos reduzir, de maneira expressiva, a razão
dívida externa/exportações (a qual caiu, no período
de seis anos, de 5 para 1,5).
Trocando em miúdos, a tese de que fundamentos
ruins e risco elevado explicam os juros domésticos
é no mínimo incompleta, podendo inclusive estar
14
errada, dependendo de quanto crédito – a meu ver
algum – deva ser atribuído à idéia oposta, qual seja,
de que são os juros altos que causam o risco elevado
e deterioram os fundamentos, e não o contrário.
Colocadas as críticas às teorias tradicionais de explicação dos juros altos, que não as desqualificam, mas
apenas colocam em xeque seu poder explicativo,
vejamos outras duas teses que me soam interessantes
para explicar nossa “jaboticaba” (ou “Geni”, para os
que discordam da conclusão do primeiro parágrafo).
A primeira se baseia na evidência de que passamos
recentemente por um período de forte queda da taxa
de inflação e, a segunda, no fato de que os canais de
transmissão da política monetária no Brasil estão
fortemente obstruídos.
Para quem não se recorda, a inflação ao consumidor
no Brasil andava pela casa dos 12% ao ano no final
de 2002 em conseqüência de uma forte monetização
da economia (espelho da rejeição aos títulos públicos
ofertados), e expressiva depreciação cambial, ambas
resultantes do estresse eleitoral de então. No fim deste
ano, a mesma inflação ao consumidor deverá estar
gravitando nas vizinhanças de 4%. A desinflação
vivenciada no período terá sido, portanto, muitíssimo significativa, e o patamar médio de juros reais
vigentes no período poderia, conseqüentemente, ser
em parte explicado pelo hercúleo esforço de trazer a
inflação para níveis próximos aos internacionais em
um período razoavelmente curto de tempo. Note-se
que uma vez completada a desinflação em direção à
meta de longo prazo, o que já se afigura no horizonte,
o fardo dos juros poderia se tornar, muito em breve,
consideravelmente menor que no passado recente.
A tese da obstrução dos canais de transmissão já é de
conhecimento dos economistas brasileiros há algum
tempo, apesar de não ter figurado com proeminência
nas análises recentes. A idéia é de que a baixa razão
crédito/PIB e a alta proporção de títulos públicos indexados à Selic diminuem a eficácia dos aumentos de
juros no controle da demanda agregada, significando
que para se atingir o mesmo objetivo inflacionário a
dosagem do remédio precisa ser muito elevada. No
caso do crédito, a idéia é bem simples: mudanças
nos juros afetam o crédito, mas como ele é pequeno
relativamente à economia, isto se traduz em queda
apenas modesta da demanda agregada. No caso da
dívida pós-fixada, o problema é que a alta dos juros
básicos não afeta a riqueza dos detentores destes títulos, cujo rendimento varia pari passu com a Selic. Mais
ainda, um arrocho monetário afeta positivamente a
renda dos portadores destes papéis, caso não valha a
chamada equivalência Barro-Ricardiana dos títulos
públicos. Resumindo com um jargão típico dos economistas, a elevada proporção de dívida Selic gera
uma “externalidade negativa” para a política monetária, reduzindo sua capacidade de afetar a demanda
agregada da economia (e, portanto, pedindo um fardo
de juros mais alto).
(*) Professor do Departamento de Economia da FEA-USP.
E-mail: [email protected]
julho de 2006
Em conjunto, as teorias baseadas em fundamentos,
risco, período de desinflação e obstrução de canais
de transmissão parecem fornecer uma explicação
um pouco mais razoável para o elevado patamar do
juro real brasileiro. A opção seria acreditar em erros
sistemáticos dos condutores da política monetária.
Apesar de não me parecer possível descartá-la completamente, não vejo esta interpretação mais cética
como uma explicação alternativa confiável para nossa
“jaboticaba”/“Geni”.
15
Cláudia Assunção dos Santos Viegas (*)
transformações recentes na oferta
e na demanda da indústria
brasileira de alimentos e bebidas
julho de 2006
1. Introdução
Na década de 1990 o Brasil passou por um intenso movimento de fusões e aquisições (F&A) que alteraram
a configuração do parque industrial. A indústria de
alimentos e bebidas teve destaque nesse processo. A
proposta deste trabalho é avaliar se as F&A afetaram
os preços ao consumidor na indústria de alimentos e
bebidas do Brasil. Isso é feito utilizando-se dados do
IPC-FIPE (Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da PIA-IBGE
(Pesquisa Industrial Anual do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística) e do IPA-FGV (Índice de Preços no Atacado da Fundação Getúlio Vargas).
Este é o primeiro artigo de uma série de três que
resumem a tese de doutorado defendida no departamento de economia da FEA-USP em maio de 2006.
O objetivo deste primeiro artigo é contextualizar a
indústria brasileira de alimentos e bebidas, tanto no
que diz respeito à estrutura produtiva quanto sobre
as alterações recentes no mercado consumidor. Em
seguida, no segundo artigo, são apresentadas as hipóteses e a metodologia adotada no trabalho empírico,
com referências da literatura internacional. Por fim,
o último artigo da série apresenta e interpreta os resultados do modelo empírico verificando se o efeito
eficiência predomina sobre o efeito poder de mercado
na indústria de alimentos e bebidas do Brasil.
SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico),
do Ministério da Fazenda. Muitas dessas operações
passaram despercebidas pelo consumidor, pois parte
da estratégia de compra consiste em manter a marca
da empresa adquirida para não afetar a escolha do
consumidor fiel à marca original.
O Gráfico 1 mostra a evolução das F&A na indústria
de alimentos e bebidas no Brasil de 1994 a 2004.
Várias razões podem ser citadas como motivação
para F&A. No caso da indústria de alimentos e bebidas merece destaque a exploração de economias de
escala (queda do custo unitário com o aumento da
capacidade de produção) e economias de escopo (compartilhamento de ativos produtivos entre diferentes
produtos) muitas vezes resultantes de novos processos
produtivos. Também merece destaque a redefinição
de rotinas organizacionais, que ganha ainda mais importância em empresas familiares com problemas de
sucessão. Neste caso, a F&A também pode representar
a possibilidade de retorno na compra de participações
em empresas subavaliadas. (Belik, 1994, p. 60).
gráfico 1 – evolução de fusões e aquisições na indústria de alimentos e bebidas do Brasil (1994 a 2004)
2. Oferta - Fusões e Aquisições
Desde 1994 até março de 2005 a indústria de alimentos
e bebidas brasileira observou 109 atos de concentração, analisados pelo Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência (SBDC), segundo informações da
16
Fonte: SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) do
Ministério da Fazenda, elaboração própria.
Por meio de uma F&A é possível melhorar a gestão
financeira das empresas envolvidas no ato de concentração, como, por exemplo, a melhoria na captação de
recursos humanos e a arbitragem de juros internos e
externos. A maior escala pode permitir a captação a
juros mais baixos, maior flexibilidade nas políticas de
fornecimento de crédito e melhor gestão de riscos.
(Lazzarini e Nunes, 1999, p. 303).
A redução de capacidade ociosa também contribui
para a queda dos custos médios, pela menor participação dos custos fixos associados a uma determinada
planta. Melhoria na logística também pode representar ganhos de eficiência resultantes de uma F&A. A
logística assume papel fundamental na eficiência do
processo de aquisição de matérias-primas e insumos
e também no escoamento de produtos. Aspectos logísticos geram quase-rendas, tanto por uma redução
de custos em relação ao patamar médio praticado pela
indústria quanto por um maior domínio sobre rotas
específicas. (Lazzarini e Nunes, 1999, p. 302).
Melhores contratos com as redes varejistas também
podem representar ganhos resultantes de uma
F&A.
po. Mudanças no varejo (aumento da concentração)
tornam essa economia de escopo ainda mais importante (aumenta o poder de barganha na negociação
com o varejo que está mais concentrado, tendendo a
reduzir as margens da indústria).
O setor de bebidas, por exemplo, apresenta economias
de escopo na distribuição. Um ato de concentração
entre cerveja, refrigerante, água e/ou sucos permite
reduzir os custos de distribuição além de divulgar a
marca em distintas regiões. Para ter economias de
escopo, os fabricantes de cerveja produzem também
refrigerantes e outras bebidas. Economias de escala
A análise dessas informações reforça o fato de que o
aumento da concentração da indústria coincide com
o movimento de fusões e aquisições, mostrada no
Gráfico 1.
Passada a euforia de expansão do mercado consumidor na segunda metade da década de 1990, conseguida com a estabilidade de preços do pós-Real, as
estratégias de crescimento das indústrias de alimentos
no Brasil não são as mesmas. Crescer de forma extensiva torna-se cada vez mais difícil, sobretudo nos
grandes centros. Divulgação dos produtos e marcas,
novos lançamentos, exploração de nichos de mercado
e bons contratos com as redes varejistas crescem de
importância para aumentar, ou pelo menos manter, a
participação de mercado. A disputa de margens com
as redes varejistas, por exemplo, ganha importância
nesse cenário e, conseqüentemente, pode afetar os
preços ao consumidor.
julho de 2006
A distribuição oferece relevantes economias de esco-
O movimento de fusões e aquisições aumentou a
concentração da indústria de alimentos. A Tabela 1
mostra a evolução do CR10 de 26,6% em 2001 a 33,3%
em 2003.1 A Nestlé assumiu a primeira posição no
ranking em 1990, mantendo-se líder até 2000, quando
quem assumiu o posto foi a Bunge Alimentos, que
continuou em primeiro lugar nos anos seguintes.
Nos últimos dois anos disponíveis, a Nestlé passou a
ocupar a terceira posição, perdendo o segundo lugar
para a Cargill, como mostra a Tabela 1. O Gráfico 2
mostra a evolução do CR10 de 1986 a 2003. Em 1986,
o CR10 era de 14,1%, sendo o valor mais baixo do período considerado que apresenta uma clara tendência
de aumento ano após ano.
A relação entre varejo e indústria tem mudado nos anos
recentes, com o aumento do poder de barganha das redes varejistas como conseqüencia da maior concentração do setor e o associativismo. Dessa forma, os preços
ao consumidor tendem a refletir tanto a mudança na
indústria quanto as modificações do varejo.2
são possíveis nessa indústria, sobretudo pela compra
de matéria-prima em maior quantidade, aumento da
3. Demanda – Mudanças nos Hábitos de Consumo
produtividade com incremento no uso da planta e
distribuição tanto pelos ganhos logísticos quanto pela
propaganda. (Silva, 2003, p. 52).
A maior estabilidade econômica protege os salários
de perdas inflacionárias, permitindo ao consumi-
17
dor administrar melhor os recursos ao longo do mês,
reduzindo o intervalo de tempo entre as compras. Isto
favorece o consumo de novos produtos e marcas, pois
é possível comprar pequenas quantidades tornando o
consumidor mais propenso a experimentar itens que até
então não faziam parte de suas cestas de consumo. Esse
efeito, aliado à entrada de novas empresas e produtos no
setor de alimentos e bebidas do Brasil, além de conferir
maior dinamismo ao ambiente competitivo, favorece
mudanças nos hábitos de consumo dos brasileiros.
tabela 1 – concentração na indústria de alimentos (CR10, em %)
julho de 2006
2001
2002
1
Bunge Alim.
5,5
Bunge Alimentos
7,1
Bunge Alimentos
7,6
2
Nestlé
5,3
Cargill
6,2
Cargill
6,2
3
Cargill
4,2
Nestlé
6,1
Nestlé
5,7
4
Sadia
3,4
Sadia
4,0
Sadia
3,9
5
Perdigão Agroindustrial
2,6
Perdigão Agroindustrial
3,0
Perdigão Agroindustrial
2,9
6
Parmalat
1,3
Coinbra
1,6
Coinbra
2,8
7
Seara
1,2
Krafta Foods
1,5
Krafta Foods
1,8
8
Fleischman Royal Aurora
1,1
Friboi
1,4
Friboi
1,6
9
Kraft Lacta
1,0
Caramuru Alimentos
1,1
Usina da Barra
0,4
10
Danone
1,0
Cosan
0,8
J. Macêdo
0,4
(CR10)
26,6
32,8
33,3
Fonte: Elaboração Própria, Exame Maiores e Melhores (vários anos) e ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação).
As mudanças não aconteceram de forma uniforme no
País. Pelas próprias diferenças regionais de hábitos/
cultura e, sobretudo, pela diferença na composição e
distribuição da renda, é de se esperar que tais alterações sejam diferentes entre regiões. Dessa forma,
é possível que a indústria de alimentos brasileira
encontre em outras regiões a possibilidade de crescimento rápido, como o ocorrido à época do Plano Real
na região Sudeste.
Levando-se em consideração as mudanças populacionais ocorridas no Brasil, o mercado consumidor muda
de perfil, apresentando nichos com forte potencial
de crescimento. O aumento da expectativa de vida,
por exemplo, cria (ou reforça) novas segmentações
de mercado, como os de produtos funcionais, light,
dietéticos e orgânicos. A maior participação da mãode-obra feminina no mercado de trabalho bem como
a maior parcela de população urbana são fatores que
possivelmente explicam o crescimento do consumo
de refeições feitas fora do domicílio e de vendas de
pratos semiprontos e congelados. Isto torna a cesta
de consumo mais sofisticada por possuírem maior
valor agregado, com a queda no consumo de produtos tradicionais. Esta tendência é mais marcante nas
principais áreas metropolitanas. 3
18
2003
Menezes et alii (2000) calculam as elasticidadesrenda dos produtos alimentares no Brasil e regiões
metropolitanas com microdados da POF 1995/96, a
partir do modelo AID (Almost Ideal Demand System)
com expansão quadrática para gastos familiares per
capita. Este modelo permite a estimação da função
demanda, captando o comportamento das famílias
para diferentes regiões (11 regiões metropolitanas)
e distintas faixas de renda em um único período de
tempo (POF 1995-96).
gráfico 2 – evolução do CR10 para a indústria brasileira de alimentos (1986 a 2003)
Fonte: Elaboração Própria, Exame Maiores e Melhores (vários anos)
e ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação).
Os resultados confirmam a diversidade e o potencial
de crescimento do mercado brasileiro. Nas cidades
do Norte e Nordeste, a maioria dos produtos foi classificada como bem normal. Para São Paulo, a maioria
dos produtos é classificada como bem inferior e o
DF apresenta padrão similar ao verificado no Sul e
Sudeste. (Menezes et alii, 2000, p. 15).
Na mesma direção, o trabalho de Hoffmann (2000)
também faz uso da POF 1998 para o cálculo de elasticidades-renda, e conclui que as classes de alta renda
são as que exibem menores elasticidades-renda. (Hoffmann, 2000, p. 7).
1 O ranking obedece ao critério da publicação Maiores e Melhores,
exceto para os anos de 2002 e 2003, que passaram a incluir empresas de bebidas e fumo junto com as empresas de alimentos.
Isto confere à série um salto no CR10 (42% em 2002 e 41% em
2003) dada à importância da Ambev e da Souza Cruz nos setores
em que atuam. Desta forma, as empresas Ambev e Souza Cruz
foram substituídas no ranking por empresas de alimentos, que
apresentaram elevados resultados em “vendas”, a saber: Caramuru e Cosan em 2002 e Usina da Barra e J. Macedo em 2003.
2 Foge ao escopo deste artigo uma análise mais detalhada acerca
da concentração das redes varejistas e seus efeitos sobre os preços
ao consumidor. Para uma análise mais completa sobre o tema,
ver Farina, Nunes e Monteiro (2005) e Farina e Nunes (2003).
3 A comparação entre as três últimas POFs (Pesquisa de Orçamento
Familiar) permite comprovar esses resultados.
Referências Bibliográficas
O efeito das transformações na demanda de alimentos
e bebidas no Brasil nos preços ao consumidor não é
claro. Se o lançamento de novos produtos ou marcas,
normalmente de maior valor agregado, pode tornar o
consumidor mais propenso a preços elevados, a redução do intervalo de tempo entre compras, resultado de
um ambiente de preços mais estável, pode reduzir a
fidelidade a marcas e aumentar a concorrência entre
produtos, tornando o consumidor mais sensível a
preços.
Belik, W. Agroindústria e reestruturação industrial no Brasil: elementos para uma avaliação. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília,
v. 11, n. 1/3, p. 58-75, 1994.
4. Conclusões
Lazzarini, S. G.; Nunes, R. Competitividade do sistema agroindustrial
da soja. PENSA – Programa de Estudo dos Negócios dos Sistemas
Agroindustriais, 1999, p. 195-420.
Nesse contexto, o objetivo principal dos próximos
artigos é analisar se as F&A afetam os preços ao consumidor na indústria brasileira de alimentos e bebidas,
verificando se o efeito eficiência predomina sobre o
efeito poder de mercado.
Farina, E.M.M.Q; Nunes, R.; Monteiro, G.F. de A. Supermarkets and
their impacts on the agrifood system of Brazil: the competition
among retailers. Agribusiness – An International Journal, v. 21, n.
2, p. 133-146, Spring 2005.
Hoffmann, R. Elaticidades-renda das despesas e do consumo físico
de alimentos no Brasil metropolitano em 1995-1996. Agricultura
em São Paulo, São Paulo, v. 47, n.1, 2000.
Menezes, T. Silveira; Magalhães, F. L.; Diniz, B. Elasticidade renda dos
produtos alimentares no Brasil e regiões metropolitanas: uma aplicação
dos microdados da POF 1995/96. 2000. Mimeografado.
Silva, C. L. Indústria cervejeira: um mercado em constante transformação. Revista FAE Business, n. 6, ago. 2003.
julho de 2006
As transformações observadas na indústria de alimentos e bebidas podem produzir sinais contrários
nos preços ao consumidor. O aumento de fusões e
aquisições pode vir acompanhado de um incremento
no poder de mercado e, conseqüentemente, exercer
uma pressão positiva nos preços. Porém, pode-se
esperar que os ganhos de eficiência obtidos com a
F&A possibilitem reduções nos custos que sejam
repassados ao consumidor via queda nos preços. Do
lado da demanda, os sinais também não são claros,
sendo muitas vezes contraditórios.
Farina, E.M.M.Q; Nunes, R. A evolução do sistema agroalimentar
no Brasil e a redução de preços para o consumidor: os efeitos
da atuação dos grandes compradores. Texto para Discussão n.
970. Brasília: IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
agosto de 2003.
Viegas, C.A.S.V. Fusões e aqusições na indústria de alimentos e bebidas do
Brasil: análsie dos efeitos nos preços ao consumidor. 2006. Tese
(Doutorado em Teoria Econômica), apresentada ao departamento
de Economia da FEA-USP. Orientador: Prof. Dr. Paulo Picchetti.
São Paulo, Maio.
(*) Doutora em Teoria Econômica pela FEA-USP, Secretária-Adjunta
de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAEMF), desde novembro de 2004. E-mail: [email protected].
br; [email protected]; [email protected]. A autora agradece ao Prof. Dr.
Gilberto Tadeu Lima pela sugestão de publicação neste boletim.
19
Julio Manuel Pires (*)
Iraci del Nero da Costa (**)
julho de 2006
lições da crise boliv(ar)iana
Desde sua eleição, é facilmente identificável o projeto
do presidente Luiz Inácio da Silva de arvorar-se como
o grande líder, não só da América Latina, mas de todo
o denominado Terceiro Mundo. Propunha-se como
uma liderança pragmática, assentada numa pretensa
unidade de interesses dos países mais pobres e na crítica inócua ao protecionismo dos países desenvolvidos,
sobretudo quanto aos produtos agrícolas. Agregavamse a estas idéias genéricas a proposta de um “Fome Zero
mundial”, o perdão da dívida de alguns países africanos e a tentativa de dinamizar as relações comerciais
Sul-Sul. A agenda de viagens e de discursos presidenciais enfatizava tais idéias com o intuito principal de
propiciar um “verniz esquerdista” a um governo cuja
política econômica apresentava nítido corte neoliberal,
comprometendo seu prestígio perante os setores mais
progressistas da sociedade brasileira.
Todavia, a despeito dos resultados pífios de tais iniciativas, parecia que, ao menos no âmbito latino-americano,
o reconhecimento do presidente brasileiro como a principal liderança de esquerda ainda estava assegurada.
No entanto, os eventos recentes na Bolívia vieram a
abalar definitivamente a posição postulada pelo dirigente máximo de nosso governo. Neste breve escrito
ocupamo-nos, justamente, do vínculo entre esta última
questão e o relacionamento entre alguns presidentes
latino-americanos e seus respectivos alinhamentos
políticos; trata-se, pois, de um tópico lateral – portanto
menor – quando pensados os temas efetivamente relevantes em torno dos quais tem orbitado a preocupação
dos analistas políticos cujos textos ferem os problemas
afetos às Américas. Permitimo-nos, não obstante, duas
breves menções a estes últimos. Vejamo-las.
É interessante notar que a fragmentação dos interesses prevalecentes na América do Sul e a falta de uma
coordenação de suas lideranças com vistas a medidas
e planos de longo prazo têm proporcionado aos EUA
o estabelecimento de contatos bilaterais cada vez mais
estreitos com várias nações da área: Chile, Equador,
20
Colômbia, Peru e, como anunciado por seu próprio
presidente, o Uruguai. Assim, os norte-americanos, aos
quais atribui-se uma postura indiferente com relação
ao seu “quintal”, têm-se mostrado muito eficientes na
busca e consolidação de acordos pontuais que atendam
a seus interesses e possam, eventualmente, servir como
sucedâneos da tão criticada e indesejável Alca (Área de
Livre Comércio das Américas).
Uma segunda observação a se impor diz respeito aos
recentes golpes desferidos contra a CAN (Comunidade
Andina de Nações) – afastamento da Venezuela – e o
Mercosul – discordâncias entre os governos da Argentina e do Uruguai e ameaça de saída deste último.
Além disso, tais entidades também se vêem atingidas
pelas propostas de constituição da Alba (Alternativa
Bolivariana para as Américas) e da CSN (Comunidade
Sul-Americana de Nações); estas últimas, além de se
definirem como concorrentes, viriam a levar aquelas
primeiras à extinção. Ademais, a promessa ainda nebulosa de construção de um gasoduto de âmbito continental é tomada por muitos analistas como quimérica
e causadora de mais confusão nas já abaladas relações
entre as nações da CAN e do Mercosul.
Tal quadro, por si mesmo muito problemático, viu-se
ainda mais conturbado por dois eventos recentes os
quais colocaram a nu os desencontros existentes entre
as lideranças da região. Referimo-nos ao lamentável
entrevero diplomático no qual se envolveram os presidentes Evo Morales e Luiz Inácio da Silva e à crise
de relacionamento entre os chefes de Estado de quatro
nações que se pretendem muito fraternais e amigas:
Cuba, Venezuela, Bolívia e Brasil. Esta crônica versa,
justamente, sobre esta última questão.
A ascensão persistente da estrela de Hugo Chávez
abriu a luta pela liderança das assim chamadas “esquerdas” latino-americanas, pois o alargamento de seu
prestígio deu-se numa quadra em que muitos outros
governantes foram eleitos com base em plataformas
programáticas contrárias, ainda que apenas em termos
retóricos, à continuidade das políticas neoliberais cujo
fracasso evidente chamou para si o repúdio das mais
diversas camadas socioeconômicas da maioria das
nações da área.
O discurso antiimperialista de Chávez, aliado à sua
política interna de teor assistencial, o conduziu a reivindicar a aludida liderança. De outra parte, Fidel Castro, o
velho decano das esquerdas latino-americanas, deu seu
beneplácito às pretensões chavistas, pois, como sabido,
recebe – e dele depende – polpudo auxílio econômico
da Venezuela. Assim, não pode haver a menor dúvida:
Fidel sempre estará disposto a trocar o sorriso amigo
do presidente brasileiro pelo rico petróleo de Chávez,
a despeito da tentativa de aproximação de nosso governante maior com base numa “relação carinhosa” de
irmão mais novo dirigindo-se ao mais idoso.
Evo Morales, por seu turno, por razões de mesmo feitio,
acedeu de bom grado à tutela política disponibilizada
pelo presidente venezuelano. Morales, às voltas com
o imperialismo, em geral, e, em particular, com a
“intervenção” da Petrobras, tida como um avantesma
gerado pelo imperialismo brasileiro, mostrou-se, pois,
imediatamente disponível para receber a assistência
política e econômica de Chávez.
Neste quadro, o presidente brasileiro significou, apenas, uma pequena e incômoda pedra a ser removida
do caminho do venezuelano.
Tendo aderido às práticas neoliberais e comportando-se
como um “amigo” dos governantes norte-americanos
disposto a lutar para regrar o comportamento de seus
pares sul-americanos1, Luiz Inácio da Silva, além de
também reivindicar a liderança almejada por Chávez,
passou a utilizar-se da “fraternal amizade” da trinca
maior da esquerda latino-americana (Fidel, Chávez e
Morales) para posar, sobretudo perante seu público
interno – tanto petistas como uma parcela de seus
eleitores –, como indiscutível líder esquerdista.
Assim, por razões outras que as ditadas pela pureza
ideológica, este trio pouco harmonioso prestou um bom
serviço às esquerdas – estejam elas onde estiverem e
sejam elas quais forem –, pois retiraram mais uma das
máscaras usadas por um minúsculo político de uma
América Latina tão pungentemente ferreteada pela
mediocridade.
julho de 2006
Estavam postas as condições, assim, para o reconhecimento, por parte de Cuba e da Bolívia, da liderança
chavista. Liderança assumida como das esquerdas,
independentemente do comportamento efetivo de cada
um dos políticos em tela.
Segundo imaginamos, tamanho “oportunismo” foi
denunciado pela tríade tão logo o presidente boliviano
viu-se na contingência de cumprir suas promessas de
campanha e nacionalizar, muito pertinentemente, o
petróleo e o gás de seu país. Como ocorrido com Fidel,
aos ouvidos de Morales falaram mais alto seus interesses políticos representados pela assistência técnica
e logística de Chávez e pelos votos a conquistar a fim
de garantir a vitória nas eleições que se aproximam.
Morales colocou um impasse ao governo brasileiro:
manter-se coerente com seu discurso esquerdista no
âmbito externo ou, atendendo aos rumos adotados
internamente, assumir uma postura mais dura nas
negociações. O reflexo mais visível desta contradição a
que ficou exposto nosso governo foi dado, por um lado,
pelo reconhecimento do direito boliviano às medidas
de nacionalização e, por outro, pelas ameaças – ora
veladas, ora explícitas – enunciadas pelo Ministro das
Relações Exteriores e pelo Presidente da Petrobras.
Morales, por seu lado, optou por uma tática de avanços
e recuos bruscos cujo resultado mais saliente foi o de
desmoralizar o governo brasileiro, que se via, a cada
momento, menosprezado pelo interlocutor boliviano.
Destarte, muito embora o presidente do Brasil se tenha
mostrado menos desequilibrado, foi, em poucos dias,
despojado de seu tão almejado perfil de inconteste líder
mundial de esquerda.
1 É significativa a este respeito a fala do encarregado do governo
norte-americano para a América Latina, Tom Shannon, a respeito da ameaça representada pelo crescimento da influência de
Chávez na área: “Precisamos de sócios estratégicos neste processo, como
Colômbia, Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, países que entendam que o
que está em jogo é como fazer com que as pessoas tenham um sentimento
de pertencimento” ao governo.
(*) Prof. Dr. da FEA-RP/USP. E-mail: [email protected].
(**) Prof. Livre-docente, aposentado pela FEA-USP.
E-mail: [email protected]
21
Daniela Corrêa (*)
Indonésia: políticas de crescimento
e a crise asiática
Introdução
julho de 2006
Este artigo tem como objetivo apresentar, de maneira
sucinta, a trajetória de desenvolvimento e os determinantes da crise na Indonésia, país que durante três
décadas apresentou taxas elevadas e sustentadas de
crescimento, baseadas na rápida transformação da
estrutura econômica, e que foram suspensas com o
advento da crise asiática em 1997.
A partir da metade da década de 1960, o nível e a qualidade do crescimento econômico que o país passou a
apresentar são impressionantes. A economia mudou
rapidamente de uma estrutura predominantemente
agrícola para uma base mais industrializada. Parte
da riqueza proveniente da elevação do preço internacional do petróleo na década de 1970 foi investida
na expansão dos serviços de educação e saúde, e na
melhoria da infra-estrutura nos anos 1970 e 1980.
A década anterior à crise asiática (1997/98) assistiu a
um rápido crescimento, cada vez mais capital-intensivo, das atividades industriais no país, alimentado
pelo crédito de um setor bancário liberalizado, e uma
crescente onda de empréstimos internacionais. De
acordo com o WDI (World Development Indicators)
2005, entre 1980 e 1990 a Indonésia cresceu a taxas
anuais de aproximadamente 6,1%, e entre 1990 e 2003,
acompanhando a tendência de queda nas taxas de
crescimento mundial, 3,5%1 (destaca-se, neste último
período, a influência das baixíssimas taxas de crescimento da economia nos imediatos anos pós-crise).2
A estrutura econômica do país mudou rapidamente;
a participação da agricultura no PIB caiu de 51% em
1960 para 17% em 1997, enquanto a participação da
indústria subia de 28% para 42%. O desenvolvimento
social do país foi quase tão marcante quanto os re-
22
cordes de crescimento econômico. A renda per capita
aumentou a uma média anual de 4,4% entre 1965 e
1995, e a pobreza, que afetava cerca de 2/3 da população na metade dos anos 1960, caiu para apenas 11%
em 1996. A mortalidade infantil foi reduzida, assim
como a taxa de natalidade (sem que se fizesse uso
de políticas coercitivas, como ocorria em programas
semelhantes em alguns países vizinhos), e os níveis
de escolaridade aumentaram graças à onda de investimentos, facilitada pelo boom do preço do petróleo.
Inversamente ao sucesso da política econômica, as
instituições indonésias sofreram um forte declínio
durante o governo da nova ordem, estabelecido em
1965, quando a participação da população no cenário
político sofreu forte limitação. O debate político foi
crescentemente cerceado, quando não suprimido. A
multiplicidade de partidos foi limitada, e limitações
também foram impostas à imprensa, à liberdade da
sociedade civil e ao debate político. O sistema judiciário foi marginalizado e tomado pela corrupção.
Sua independência foi minada, e um sistema de
rotações irregulares permitia ao governo controlar
os quadros em seu benefício. (Hofman, 2004). Esse
atraso institucional pode ser considerado um dos
fatores determinantes para a forte deterioração das
condições econômicas do país depois de detonada a
crise de 1997.
Desenvolvimento Industrial na ‘Nova Ordem’
Durante os 32 anos da “Nova Ordem” (1966-1998), a
economia do país experimentou crescimento rápido
e sustentado. Com a economia crescendo a uma taxa
média anual de 7% entre 1965 e 1997, o PIB real do
país praticamente dobrava a cada 10 anos. A indústria crescia a taxas de dois dígitos, bastante acima da
média dos setores de agricultura e serviços. Em 1991,
a contribuição da manufatura já ultrapassava aquela
da agricultura na composição do PIB.
No fim dos anos 1960 e início dos 1970, o rápido
crescimento industrial do país foi fomentado pela
liberalização das políticas econômicas, particularmente a liberalização comercial e dos regimes de investimentos estrangeiros, e pelo retorno às condições
econômicas normais depois da instabilidade política
e do desajuste econômico do início dos anos 1960.
Durante o período do boom do petróleo (1974-81), o
rápido crescimento industrial também foi facilitado
pelas políticas de substituição das importações, que
deram aos produtores domésticos e aos projetos de
investimento estrangeiros um incentivo para a produção de bens de consumo leves e duráveis.
Políticas Econômicas (1967-1997)
Em 1966, a prioridade do governo recém-chegado
ao poder era a estabilização da economia. Um plano
de estabilização macroeconômica foi desenvolvido, e
uma série de mudanças na política econômica marcou
a fase inicial de liberalização, e levou à recuperação da
viabilidade externa, das restrições fiscais, à reestruturação do sistema bancário e liberalização do regime
de investimento.
A liberalização do setor financeiro foi a última etapa
das reformas na Indonésia. O governo anterior havia
monopolizado o sistema bancário no país, e criado
No campo fiscal, o novo governo tomou uma série de
medidas de austeridade para controlar os gastos, medidas essas que incluíram o cancelamento de subsídios
para empresas estatais, reavaliação ou cancelamento
de projetos ditos ‘não-essenciais’, e a redução dos
custos com pessoal no serviço público civil e militar.
A maior parte do controle de preços e dos subsídios
foi eliminada, exceto para os produtos do petróleo,
energia elétrica, transporte urbano e água potável. Um
mecanismo-chave para a condução de políticas fiscais
restritivas foi a regra do Equilíbrio Orçamentário,
anunciada em dezembro de 1966, e que estabelecia
que os gastos do governo deveriam ser limitados às
rendas do Estado, de modo que o déficit pudesse ser
combatido da maneira mais eficaz possível.
O sucesso das políticas de estabilização resultou em
uma rápida redução da inflação, acompanhada por
crescimento econômico. A inflação caiu para 113% em
1967 (uma significativa redução, ante os cerca de 600%
dos anos anteriores), 85% em 1968 e 10% em 1969.
Simultaneamente, a produção começou a se recuperar, com a economia alcançando uma taxa média de
crescimento anual de 9% entre 1968 e 1973. Ademais,
o apoio à atividade agrícola foi realizado por meio de
crédito direcionado e intervenção no mercado.
julho de 2006
A partir da metade dos anos 1980 o setor manufatureiro tornou-se o principal motor do crescimento
econômico da economia indonésia. Entre 1985-1988
cresceu a uma média anual de 13%, enquanto as
exportações de manufaturados apresentavam uma
média anual de evolução de 27%. Durante o período
1989-92, o setor cresceu a uma taxa ainda mais acelerada, de 22%, enquanto as exportações continuaram
a acrescer, em média, 27% ao ano. A partir de 1993 até
o auge da crise, em 1997, o crescimento do setor de
manufatura desacelerou, e ficou em torno de 12% ao
ano, e o crescimento das exportações, em apenas 7%
ao ano. (Dhanani, 2000).
um único banco, que acumulava as funções de banco
central e banco comercial, e a primeira tarefa do novo
governo seria a reconstituição do sistema. No entanto,
como estava configurado, o sistema financeiro foi uma
ferramenta importante para a condução das políticas
governamentais até os anos 1980, e foi dominado por
bancos estatais até os anos 1990. O setor tornou-se o
centro da crise em 1997, pois as reformas que se iniciaram em 1986 não conseguiram garantir um sistema
financeiro sólido até o momento do choque.
Durante os anos 1970 a Indonésia apresentou ainda
um rápido crescimento da renda, consumo e investimento, financiados pela renda advinda da exportação
do petróleo. O grande aumento na renda, oriundo das
exportações de petróleo, gerou superávits na conta
corrente, e permitiu a realização de investimentos
em infra-estrutura, educação e saúde, e também na
23
atividade industrial. Adicionalmente, as taxas de juros
sobre depósitos e empréstimos foram fixadas abaixo
da inflação, o que diminuiu a relação entre depósitos
bancários e PIB.
julho de 2006
Ao contrário do que aconteceu com muitos outros
exportadores de petróleo, a Indonésia teve sucesso
em proteger sua agricultura e o setor manufatureiro.
Os investimentos em infra-estrutura e na agricultura
tiveram papel essencial neste sentido, assim como a
forte depreciação cambial no final da década. Em
novembro de 1978 o governo indonésio desvalorizou
o rupiah em 50%, recuperando parte da competitividade internacional que havia sido minada pelo grande
fluxo de capitais proveniente do petróleo. Outra
desvalorização foi realizada em 1983, com o intuito
de favorecer as exportações.
Os anos 1980 foram marcados pelos esforços do país
para se ajustar ao rápido declínio dos rendimentos
do petróleo. Esse ajuste foi acompanhado por uma
série de desregulamentações bancárias e financeiras,
reformas comerciais e liberalização do regime de
investimento, que estabeleceriam as condições para
a integração da Indonésia aos mercados financeiros
internacionais. O equilíbrio macroeconômico foi
restabelecido por uma combinação de políticas fiscais
e monetárias. Foram introduzidos cortes nos gastos
públicos, reformas tributárias, e novamente a taxa
de câmbio teve papel importante (por meio de fortes
desvalorizações em 1983 e 1986). Como o setor de
bens comercializáveis dominava a economia à época,
as desvalorizações tornavam-se medidas bastante
populares.
Políticas de Combate à Pobreza
A estratégia de crescimento pró-pobres, implementada depois de 1967, mostrou ampla capacidade de
progresso sustentável na redução da pobreza. Havia
uma preocupação ativa em relação à questão, especialmente nas áreas rurais. Os resultados foram o rápido
crescimento associado à acelerada queda na pobreza
– de aproximadamente 2/3 da população em 1967
24
para menos de 1/8 da população no período anterior
à crise asiática.
A combinação da expansão na agricultura, manufatura e não-comercializáveis fez do período que vai
do final dos anos 1970 até a metade dos anos 1990 um
dos maiores episódios de crescimento ‘pró-pobres’
da história da economia moderna. Tal fato é bastante
surpreendente, pois se esperava que a extensa reestruturação econômica iniciada nos anos 1980 criaria uma
onda de desemprego, e forçaria para baixos os salários
dos trabalhadores menos qualificados. Ao contrário
das expectativas, o crescimento da agricultura continuou, as exportações trabalho-intensivas explodiram,
e o nível de pobreza caiu ininterruptamente durante
o período de reestruturação.
Uma característica importante da resposta indonésia
ao problema da pobreza foi a utilização das rendas do
petróleo para a promoção da atividade agrícola, seguida de um exitoso ajuste ao final do boom petrolífero, via
administração da taxa de câmbio, da redução dos gastos
e das reformas microeconômicas. O país mostrou que,
mesmo partindo de condições iniciais desfavoráveis, é
possível reverter o quadro em favor de um crescimento
mais equânime. O país cresceu rapidamente durante
três décadas, e o PIB per capita aumentou em mais de
quatro vezes durante o período.
A partir do início dos anos 1990, porém, e especialmente depois da crise de 1998, a situação é bastante
diversa. O crescimento nos cinco anos subseqüentes
à crise ficou, em média, abaixo dos 4% ao ano. Entre
1997 e 1998, o emprego na agricultura cresceu 13,3%,
quando muitos trabalhadores urbanos retornaram
para suas famílias no campo, procurando algum tipo
de trabalho, ainda que a salários baixos, ou tendo
como pagamento apenas refeições e hospedagem. A
crise, portanto, não significou desemprego maciço,
apesar do grande número de falências no setor bancário, e industrial. Os salários reais e a renda caíram,
e o setor agrícola foi a segurança para milhões de
trabalhadores antes empregados na economia urbana.
(Timmer, 2004).
A Crise e o Crescimento Industrial Pós-1997
As interpretações mais freqüentes sugerem como
justificativa para crise na Indonésia a quebra de confiança, tanto por parte dos investidores domésticos
como por parte dos investidores internacionais, na
capacidade do governo, marcado por acusações de
corrupção, de tomar decisões em favor dos interesses
nacionais. A decisão de buscar auxílio com o FMI foi
tomada essencialmente para recuperar a confiança
dos investidores.
Em novembro de 1997, o fechamento de 16 bancos
levou os clientes de pequenos bancos domésticos a realizarem uma corrida para transferir suas economias
para instituições ‘seguras’, ou convertê-las em moeda
estrangeira. O Banco Central apressou-se em socorrer
muitos bancos com um programa de ‘liquidez de crédito’, que expandia de maneira considerável a oferta
de moeda, agravando as tendências inflacionárias
introduzidas pela desvalorização do rupiah. (van der
Eng, 2003).
A forte desvalorização a que foi submetido o rupiah,
depois da adoção do regime de livre flutuação em
agosto de 1997, afetou de maneira negativa a per1999 os investimentos privados apresentaram fluxo
negativo. No final de 2001, havia pouca evidência de
Apenas depois do início da crise econômica asiática
o governo indonésio foi forçado, como parte de seu
primeiro acordo com o FMI em novembro de 1997,
a reduzir as barreiras à competição doméstica e ao
comércio. No segundo acordo com a instituição, em janeiro de 1998, reformas estruturais mais amplas foram
incluídas, promovendo uma maior desregulamentação para o comércio e os investimentos internacionais,
e estímulo à competição interna. No início de 1999, o
governo indonésio decretou uma lei de competição,
banindo práticas monopolistas e competição desleal,
com o intuito de proteger e manter uma competição
livre e de mercado aberto.
que os bilhões de dólares que os residentes indonésios
haviam remetido para fora do país em 1997/1998 estavam voltando, e os investidores estrangeiros também
mostravam pouco entusiasmo para a realização de
novos investimentos.
Em 1998, a fuga de capitais e o colapso da moeda tiveram inúmeros efeitos na economia real. A contração
do PIB real per capita em 1998 na Indonésia foi mais
severa do que em qualquer outra parte da região do
Desde a descentralização do governo, ocorrida em
2001, no entanto, o efeito das políticas de desregulamentação, colocadas em práticas nos últimos
anos, tem sido anulado pela proliferação de novas
regulamentações por regimes locais. Muitas dessas
regulamentações restringem ou taxam o comércio
dentro ou entre distritos e províncias, interferindo no
comércio interno e minando a competição interna e a
eficiência do mercado interno.
julho de 2006
cepção internacional a respeito do país, e em 1998 e
Depois da crise asiática, o crescimento do setor
manufatureiro da Indonésia sofreu uma forte desaceleração. Enquanto a manufatura cresceu, em 1996,
quase 12%, a taxa em 1997 foi de apenas 5,7%, caindo
para –11,4% em 1998. Ainda que o setor tenha se
recuperado ligeiramente em 1999, com crescimento
de 3,9%, e mais firmemente em 2000, com 6,0% de
crescimento, entre 2001 e 2003 o crescimento pode ser
considerado bastante lento (3,1% e 3,4%, respectivamente). Em 2004, entretanto, o setor apresentou forte
recuperação, crescendo a 7,2%. A importância relativa
das indústrias do petróleo e do gás depois do final do
boom do petróleo, em 1982, caiu de maneira constante.
Em 2002, esses setores e seus subsetores respondiam
por apenas 11% do setor manufatureiro.
ASEAN, e a recuperação, mais lenta. O setor financeiro e a construção foram particularmente afetados.
Considerações Finais
A queda real na produção foi refletida no lado dos
gastos, que apresentaram uma contração de 33% no
caso dos investimentos.
Destaca-se, no caso indonésio, ao lado das elevadas e
persistentes taxas de crescimento que caracterizaram
25
julho de 2006
a experiência no país, que após a instituição do ‘novo
regime’ apresentou uma taxa média de crescimento
anual de cerca de 7% ao longo de três décadas, o
caráter eqüitativo desse crescimento. Por meio da
alocação eficiente das rendas do petróleo, alavancouse a atividade agrícola, fonte de sustento de parcela
significativa da população. Outras medidas, como o
exitoso ajuste ao final do boom petrolífero, via administração da taxa de câmbio, da redução dos gastos e
das reformas microeconômicas, também foram fundamentais para o êxito da atividade econômica.
2. O PIB real per capita cresceu em 1997 apenas 2,53%, e em 1998,
–11,59%. (Penn World Table).
O grande desafio do país, explicitado à época da
crise asiática é o fortalecimento de suas instituições.
Como já mencionado, enquanto a política econômica
foi marcada por um grande sucesso na ‘nova era’, as
instituições indonésias sofreram um forte declínio, e
a participação da população no cenário político foi
duramente limitada. O sistema judiciário foi marginalizado e tomado pela corrupção. Sua independência foi minada, e quando o setor privado começou
a crescer nos anos 1980, as disputas passaram a ser
resolvidas quase invariavelmente por meio de organizações informais.
IMF. World development indicators 2005.
Referências Bibliográficas
Eng, P. van der. Indonesia’s economy and standard of living in the 20th century. 2003. Mimeografado.
Hofman, B. Indonesia: rapid growth, weak institutions. In: World
Bank, a case study from reducing poverty, sustaining growth – what
works, what doesn’t, and why a global exchange for scaling up
success. 2004.
Timmer, P. Operationalising pro-poor growth – a country case study on
Indonesia. A joint initiative of AFD, BMZ (GTZ, Kfw Development Bank), DFID, and the World Bank, 2004.
Dhanani, S. Indonesia: strategy for manufacturing competitiveness.
United Nations, 2000, Vol. II.
A confiança no novo regime democrático, estabelecido
após a crise, sofreu fortes oscilações, e desde a descentralização do governo, ocorrida em 2001, o efeito das
políticas de desregulamentação econômica, colocadas
em práticas nos últimos anos, tem sido anulado pela
proliferação de novas regulamentações por regimes
locais, dando margem a mais desconfiança por parte
dos investidores internacionais. Apesar disso, em
2003 e 2004 as taxas de crescimento do PIB podem
ser consideradas bastante satisfatórias (4,9% e 5,1%,
respectivamente, com uma previsão do Banco Mundial para um crescimento médio de 6,2% ao ano entre
2004 e 2008), indicando uma possível retomada da
confiança no país.
1.Em relação aos respectivos 3,3% e 2,8% de taxa de crescimento do PIB mundial nos dois períodos em questão.
(WDI, 2005).
26
(*) Graduanda em Economia na FEA-USP e Assistente de
Pesquisa da FIPE. [[email protected]]

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