- Sociedade Brasileira de Economia Política

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- Sociedade Brasileira de Economia Política
A Economia Política da
Finança Global
Claude Serfati*
Resumo:
Este artigo analisa o papel da finança na mundialização. Depois de duas décadas,
a finança influenciou profundamente a trajetória da mundialização. Os “mercados financeiros” são os lugares onde a globalização foi mais longe, o que necessitou um conjunto importante de medidas de desregulamentação. O artigo inicia com uma retrospectiva
da globalização financeira, a qual conduziu à constituição de um sistema financeiro
internacional (SFI) que está sujeito a crises que revelam a existência de fortes interdependências sistêmicas1. A globalização financeira encobre profundas assimetrias nas
relações de poder. Essas são abordadas nas duas partes seguintes: inicialmente, são
examinadas as noções de liquidez e de solvência que estão no coração das reflexões
sobre os mercados financeiros internacionais e, em seguida, as transferências financeiras operadas nos países do Sul em benefício das praças financeiras e do capital rentista
dos países do Norte. A última parte discute o tipo de “governança” do SFI, que revela
a hegemonia dos Estados Unidos (EUA) e a formação de um “bloco transatlântico
hierarquizado”, enfraquecido pelas rivalidades e pela crise econômica endêmica.
Palavras-chave: finança global, regime rentista, política de Estado, interdependência
sistêmica, – South vulnerability, Bloco Transatlântico.
Os “mercados financeiros”2 internacionais: uma visão em
perspectiva
As etapas de um crescimento irresistível
Pode-se distinguir, da mesma maneira que H. Bourguinat, três etapas
marcantes nas transformações da finança internacional a partir dos anos 60
(BOURGUINAT, 1995). A primeira etapa começa com a criação dos euromercados nos anos 60 e termina com a “crise mexicana” (1982). Pode-se dizer
*
Claude Serfati, Université de Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines, responsável pela linha de
pesquisa: “Mundialização, Instituições, Desenvolvimento Durável” junto ao C3ED (Centro de
Economia e de Ética para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).
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que o motor dos euromercados reside no forte endividamento externo dos EUA
(que é acompanhado de um forte aumento da dívida interna). O montante de
seu endividamento apresenta, no início dos anos 70, uma amplitude totalmente
diferente daquela dos países em vias de desenvolvimento. A “economia do
endividamento”, assim chamada mais tarde pelo Business Week, se enraíza
de maneira duradoura nos EUA. O endividamento externo dos EUA adquire
sua própria dinâmica e alimenta a expansão dos mercados financeiros internacionais. A partir de 1975, num contexto de crise econômica mundial e frente ao
acúmulo de dólares em suas contas (em função do endividamento americano e
dos petrodólares fornecidos pelos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, cuja balança comercial é superavitária), os bancos
multinacionais se voltam para os países em vias de desenvolvimento (PVD) e
lhe emprestam maciçamente. Por sua vez, a dívida dos PVD alimenta o crescimento dos mercados financeiros internacionais. Essa primeira etapa termina
com a suspensão do pagamento da dívida pelo governo mexicano, em 1982.
No curso da segunda etapa, que cobre aproximadamente os anos 80, o
movimento de desregulamentação dos mercados e das indústrias da finança
toma uma dimensão considerável. A finança direta supera a intermediação clássica. As medidas tomadas pelos governos dos países desenvolvidos modificam
em profundidade a organização do sistema bancário. As reformas adotadas
nos EUA a partir de 1980 se estenderam progressivamente para a maioria dos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Elas conduzem ao fim da especialização bancária (banco comerciais,
bancos de investimentos), à multiplicação das inovações financeiras (novos
produtos e novos mercados). A securitização (emissão de títulos de curto prazo, renováveis e negociáveis nos mercados) se desenvolve, enquanto que a
intermediação clássica (baseada no crédito) para os países do Sul diminui. Contudo, os bancos não suportam passivamente a diminuição da intermediação.
Eles também participam dessas mutações, a fim de resistir ao crescimento do
poder das instituições financeiras não bancárias, tais como os fundos de aplicação (fundos de pensão, fundos mútuos, fundos especulativos). Eles também
desenvolvem atividades menos arriscadas e bem remuneradas, tais como a
consultoria e a corretagem nas fusões-aquisições dos grupos industriais.
A terceira etapa começa na virada dos anos 90. Ela é caracterizada pelas
modificações consideráveis da estrutura do financiamento internacional, em
particular da dívida soberana (isto é, uma dívida cujos títulos são emitidos ou
garantidos por um Estado ou um Banco Central), e da gestão dos grupos multinacionais (governança corporativa). Os financiamentos de empréstimos nos
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EUA, que até esse período eram concedidos por consórcios de bancos e instituições financeiras (o que implicava formas de coordenação e uma solidariedade coletiva muito desenvolvida), são substituídos por formas de financiamento
muito mais diversificadas, mas igualmente mais frágeis. Ao longo desse período, o financiamento da dívida soberana mediante a emissão de títulos de dívida
cresceu enquanto que a utilização de empréstimos bancários (em geral associados) diminuiu.
Dois elementos decisivos alimentaram a dinâmica dessa terceira parte. A
primeira refere-se à utilização da dívida dos países do Sul como uma alavanca
da consolidação do poder dos credores. O default do pagamento do México foi seguido de uma série de iniciativas destinadas a impedir o irreparável,
isto é, a cessação definitiva do pagamento, ou seja, o repúdio da dívida. Desde
1985, os EUA (com o Plano Baker) tinham proposto um empréstimo de 29
bilhões de dólares a quinze países, entre eles os mais endividados, sob condições de retorno ao equilíbrio orçamentário, do lançamento de um programa de
privatização das empresas e da supressão dos limites impostos ao controle das
empresas nacionais pelo capital estrangeiro. Proposto pelo Secretário do Tesouro americano, J. Baker, esse plano foi inicialmente aceito pelo México, Argentina, Chile, Marrocos, Nigéria e Filipinas, e deu lugar, em 1989, ao Plano
Brady. Em essência, este último plano reconhecia certa desvalorização dos
títulos da dívida dos países do Sul sob o compromisso desses assegurarem seu
pagamento mediante um alongamento do prazo dos empréstimos (30 anos)3.
Segundo certas estimativas, 35% da dívida total da região teria desaparecido
graças ao Plano Brady (WILLIAM, 1995). Em contrapartida, o Plano Brady
definia um quadro restrito no qual os PVD estavam autorizados a renegociar
sua dívida. Na realidade, ele não levou à diminuição da dívida, mas, ao contrário, à sua consolidação graças à criação de um mercado no qual os títulos
novamente emitidos sob o nome de “Obrigações Brady” podiam circular.
O Plano Brady deu, assim, um impulso à transformação de uma minoria
de PVD (ou do Sul) em “mercados (financeiros) emergentes”. Esta expressão foi inventada pelas instituições financeiras dos países desenvolvidos, desejosos de atrair a poupança das famílias abastadas para praças de rendimentos
promissores. Freqüentemente ela é utilizada como sinônimo de “economias dos
países emergentes”, revelando que os países do Sul são considerados antes de
tudo esferas rentáveis de valorização do capital financeiro. A importância do
volume de títulos negociados e a organização desse mercado seduziram por
outro lado instituições muito diversas (hedge funds, grupos multinacionais, etc.)
em busca de aplicação para seu capital. A cotação das “Obligations Brady”
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atingiu 154 bilhões de dólares ao final de 1994, o que representou 85% da dívida
negociável dos países da América Latina. As “Obrigações Brady” tornaram-se
os títulos da dívida mais negociados nas praças financeiras dos países emergentes. Entretanto, a partir de 1995, essas obrigações perderam uma parte de
seu rendimento quando os países do Sul julgaram que podiam encontrar formas
de financiamento menos custosas nos mercados (IMF, 2000).
O Plano Brady sozinho teria sido provavelmente insuficiente para permitir a criação desses “mercados (financeiros) emergentes” e para torná-los atrativos para os investidores financeiros. As medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) que acompanharam o Plano Brady, no centro das
quais se encontra a liberalização das economias (privatização de indústrias e
desregulamentação dos mercados) e a abertura da conta capital do balanço de
pagamentos, foram determinantes. Desde 1989 o México tinha servido como
“balão de ensaio” com a liberalização da taxa de juros, a abolição do controle
quantitativo do crédito e a supressão das reservas obrigatórias. O desaparecimento da URSS e dos regimes dos países da Europa central e oriental (PECO)
ampliou o campo da experimentação. Nos PECO, os programas do FMI assumiram a forma de uma “terapia de choque”, segundo a expressão empregada
para qualificar as proposições feitas por J. Sachs4.
O crescimento poderoso dos fundos de aplicação constitui, ao lado da
progressão espetacular da dívida dos países do Sul, uma outra característica
importante dessa terceira etapa e da dinâmica assumida nos anos 90. A expressão acionistas institucionais, que é utilizada para denominá-los, indica sua
implicação na gestão ativa dos grupos industriais e na busca pela criação de um
“valor por acionista” máximo (shareholder value). Dado o volume de ativos
que centralizam, os fundos americanos dominam amplamente. A ascensão dos
fundos de aplicação como figura dominante do capital financeiro contemporâneo é convencionalmente explicada pelas transformações demográficas dos
países do Norte. O envelhecimento da população modifica a relação consumo
/ patrimônio, permite à poupança das famílias do Norte financiar as enormes
necessidades de capitais, fundamentais para o desenvolvimento econômico dos
países do Sul. Convém então encorajar os sistemas de capitalização que são a
resposta ótima ao envelhecimento da população dos países desenvolvidos. Esses fundos investem uma parte de sua carteira nas economias dos países emergentes, onde assim financiam o crescimento, retirando uma remuneração suficiente que lhes permita financiar as pensões dos aposentados dos países do
Norte. Os especialistas, que confiam no bom funcionamento desses mecanismos de transferência, consideram então que a globalização financeira deve ser
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encorajada. Ela é considerada como uma “aventura obrigatória” (AGLIETTA,
1990). Uma década mais tarde, o mesmo tipo de argumento prevalece: ele não
foi comprometido pela crise sofrida pelos “melhores” países emergentes situados no Sudeste da Ásia. A hipótese formulada neste início de século permanece a mesma: “a poupança dos países ricos, na busca de uma diversificação das
aplicações, vai encontrar uma demanda de investimento sustentada nos países
de população ativa jovem” (AGLIETTA e MOATTI, 2000, p. 215). Pode-se,
entretanto, destacar que o recurso ao financiamento por capitalização mais do
que ao por repartição (do tipo pay-as-you-go) como meio de resolver o déficit
dos regimes de aposentadoria nos países desenvolvidos é um argumento contestado no plano macroeconômico (DUPONT e STERDYNIAK, 2000)5. Além
disso, duas décadas de “aventura” encorajam um julgamento muito menos otimista quanto às conseqüências benéficas para os assalariados das empresas do
Norte (tais como a Enron) e para as populações dos países do Sul.
Quando os Estados constróem os mercados
A criação e o desenvolvimento dos mercados financeiros internacionais,
sobretudo depois de duas décadas, não devem nada às “leis do mercado” e
muito à intervenção dos Estados (HELLEINER, 1994). A administração Reagan
e o governo Thatcher foram a ponta de lança da globalização financeira, mas
os sucessivos governos de F. Mitterrand também foram muito diligentes nas
políticas de desregulamentação dos mercados financeiros (SERFATI, 1998).
Para falar do conjunto de medidas que foram tomadas, conviria, aliás, falar
mais de regulamentação neoliberal do que de desregulamentação, mesmo se
elas substituíram ou suprimiram aquelas que tinham sido feitas sob a presidência de Roosevelt. Pois a “desregulamentação” dos mercados financeiros foi
obra de uma coalizão de instituições estatais e de grupos privados, cuja interação foi sem dúvida mais densa e mais poderosa do que a aliança que unia, pelo
representante das ordens públicas, o Estado keynesiano às empresas públicas
ou privadas que eram beneficiárias (ROTURIER e SERFATI, 2003).
A partir de 1979-80, as escolhas de política governamental, que saíram da
crise econômica de 1973, orientaram-se claramente em favor dos credores, e
mais particularmente do capital financeiro. Nos EUA, planos de salvamento
sistemáticos foram adotados várias vezes para salvar bancos e instituições de
crédito ameaçados de falência, cujo número tinha crescido desde os anos 60.
Esta política assinalava uma virada incontestável, pois entre 1930 e a metade
dos anos 60, as autoridades monetárias não tinham podido intervir para salvar
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instituições em perigo. As pressões exercidas pelos bancos e pelos “não-bancos” (Sears, American Express), que estavam engajadas nas atividades financeiras desde a desregulamentação do NYSE em 1975, foram eficazes. O Congresso dos EUA vota, em 1980, o Depository Institutions Deregulation and
Monetary Control Act (DIDMCA) e, em 1982, o Garn-StGermain Depository
Insititutions Act, os quais constituem os atos legislativos mais importantes adotados no domínio bancário desde as reformas de 1933-35 da Administração
Roosevelt (GUTTMAN, 1994)6. A política reaganiana marca claramente o início dessa contra ofensiva dos credores, que tinham sofrido com a inflação dos
anos 70. A decisão do presidente do Federal Reserve, P. Volker, de abandonar
em outubro de 1979 a indexação mais ou menos rigorosa das taxas de juros à
alta dos preços e de dar prioridade ao controle da progressão da massa monetária, destinada a lutar contra a inflação, marca uma inflexão maior. A partir
desse momento as taxas serão fixadas pelos “mercados”, com um resultado
previsível. Com efeito, num contexto de endividamento crescente do Tesouro e
das empresas, a “oferta” de crédito representada pelas instituições financeiras
se encontrava em posição de força frente à Demanda inalterável do Tesouro.
As necessidades do Estado federal (alimentadas pelos gigantescos déficits orçamentários realizados desde 1980 por Reagan) encorajaram assim o poder
dos credores. Esses déficits resultavam dos programas militares desmesurados
e de reduções de impostos das famílias mais ricas.
A combinação de uma política monetária de taxas de juros elevadas e de
déficits orçamentários consideráveis permitiu a criação de um círculo virtuoso para as classes dominantes que depois foi amplamente imitado. Os títulos
da dívida pública são subscritos pelas famílias abonadas, que aplicam assim a
poupança que acumularam graças à redução do imposto. Os juros recebidos
pelos credores podem ser reaplicados em seguida nos mercados, seja para
adquirir ações, seja para adquirir títulos da dívida pública cuja emissão deve ser
crescente para reembolsar os credores... Entre 1980 e 1998, a dívida pública
federal passou de 37% para 65% do PIB. A dívida pública tem tal importância
para a prosperidade do capital financeiro que o excedente orçamentário (temporário) observado no fim do mandato de Clinton provocou na comunidade
financeira americana o espectro da extinção progressiva da dívida pública no
horizonte de 2012 e das conseqüências desastrosas do esgotamento da liquidez
nos mercados financeiros. Felizmente, a política implementada pela administração Bush a partir de 2001 expulsou esse espectro7…
A orientação defendida pelo Banco Central americano, de acordo com a
teoria monetarista, assim como o apoio ao capital financeiro, é fruto de deci-
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sões políticas, que são demonstradas pelas políticas monetária e fiscal descritas. Isso não era inevitável. Teria sido possível uma política monetária que
implementasse controles externos sobre os movimentos de capitais a fim de
frear a queda do dólar, bem como teria sido possível uma outra política orçamentária que não aquela baseada sobre um “keynesianismo militar”. Na França, também se observou que outras escolhas, que não aquelas operadas pelos
governos no curso dos anos 80, eram possíveis (FITOUSSI, 1995). A política
conduzida na França, favorável ao capital financeiro, pode parecer ainda mais
surpreendente porque era implementada por um governo de F. Mitterrand, que
inicialmente tinha ostentado ambições “keynesianas”.
Falar da responsabilidade do Estado na implantação da nova ordem financeira e monetária internacional não significa ignorar as contradições da dinâmica econômica do capitalismo. Alguns analistas lúcidos, e não somente do
lado dos partidários do padrão ouro, como J. Rueff, ficaram inquietos muito
cedo sobre a capacidade duradoura dos EUA respeitar o princípio da conversibilidade do dólar em ouro, base do sistema criado em Bretton-Woods. A partir
de 1959, o estoque de ouro registrado nas reservas do Federal Reserve era
inferior ao total dos compromissos em dólares dos EUA. Os déficits crescentes da balança de pagamentos dos EUA alimentavam o resto do mundo em
dólares, os quais cresciam e se multiplicavam nos depósitos bancários fora dos
EUA, graças à “caneta do banqueiro”, segundo a expressão de M. Friedman.
A criação de capital de empréstimo, pela iniciativa dos bancos e das instituições
de crédito, sob a forma de “eurodólares” intrigava os observadores porque
representava um processo incontrolado, ou em todo caso dificilmente controlável pelos Bancos Centrais, diferentemente dos créditos emitidos no espaço
nacional. Esses mecanismos de criação de créditos evocam aqueles que Marx
tinha analisado na metade do século XIX sob o termo de criação de “capital
fictício”. Depois de duas décadas, a desregulamentação e a (des)compartimentalização dos mercados financeiros, as inovações dos produtos levaram à
criação desenfreada de capital fictício e permitiram o capital financeiro8 se
desenvolver a um ritmo sem comparação em relação ao passado. A circulação
financeira internacional se autonomizou (em relação à economia de produção
de bens e serviços) nos mercados internacionais (CHESNAIS, 2005).
As crises agravadas pela interdependência sistêmica
As duas últimas décadas foram marcadas pelo desencadeamento de numerosas crises. As crises mexicanas de 1982 e de 1994-1995, a crise asiática
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de 1997, que atingiu a Rússia e o Brasil em 1998, e a crise argentina de 2000
estiveram próximas de acarretar a explosão do conjunto dos mercados financeiros internacionais. Os países desenvolvidos sofreram ou sofrem igualmente
crises financeiras, mas dir-se-á que o impacto sobre sua economia e suas conseqüências sociais não têm a mesma amplitude. Nem as conseqüências das
intermináveis crises bursáteis e bancárias que o Japão sofre há mais de dez
anos, nem o crash da LTCM nos EUA, cuja amplitude foi gigantesca, não
conduziram a conseqüências tão trágicas como aquelas que os países do Sul
sofreram.
A multiplicação, a diversidade e a complexidade das crises dos mercados
financeiros internacionais levaram à construção de tipologias. A literatura distingue tradicionalmente quatro tipos de crises financeiras internacionais: crise
de câmbio, crise bancária, crise da dívida soberana e fuga de capitais. A análise
combinatória indica que são possíveis doze relações entre esses quatro tipos de
crises; elas constituem o número de possibilidades de “contágio doméstico”9 de
uma forma de crise para outras formas (JEANNE, 2003). Esta lista de crises
que podem explodir indica que a dependência desses países vis-à-vis os mercados financeiros internacionais está amplamente presente em todos os casos. É
evidente na crise de câmbio e na fuga de capitais impostas pelos não residentes.
Esta dependência está também quase explicitamente presente no caso das crises bancárias. Segundo Kaminsky e Reinhardt, existe uma forte correlação
entre as crises bancárias e as crises de câmbio, chamadas de “crises gêmeas”
pelos autores (KAMINSKY e REIHART, 1999). Enfim, a crise da dívida soberana pode advir de receitas fiscais insuficientes, o que denota problemas internos, mas o nível da taxa de juros que é de fato fixado pelos credores estrangeiros (os “mercados”), a deterioração da moeda nacional e a deterioração das
contas externas são igualmente alavancas essenciais desse tipo de crise.
Esta lista de crises possíveis não é exaustiva. Poder-se-ia igualmente
destacar a crise nos mercados de ativos, e mesmo salientar em seu interior as
diferentes classes de valores mobiliários (ações, obrigações). Seria também
necessário mencionar os mercados imobiliários, cujo caráter altamente especulativo aumentou ainda na década de 90, em razão de sua maior conexão com
os mercados bursáteis. Assim, a depreciação maciça dos ativos imobiliários,
depois da formação de uma bolha, foi um fator agravante da crise sofrida pela
Tailândia em 1997. Esse país foi o “elo fraco principal” do sistema financeiro
(SGARD, 2002). As tentativas do Banco Central da Tailândia em salvar esse
“elo” importante (mas frágil) da cadeia financeira precipitaram o desastre. Enfim,
os mercados de ativos financeiros líquidos (commercial paper ou nota promis-
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sória) são freqüentemente menos citados como fatores do desencadeamento
de crises, em razão de sua criação em geral recente e da exigüidade do volume
de negócios. Entretanto, as crises no mercado de dívidas não soberanas, em
particular aquelas subscritas pelas empresas sob a forma de notas promissórias, podem também ter importantes efeitos de contágio (AGLIETTA, 1996).
A diversidade de canais e mecanismos de propagação e de generalização
de crises, a partir de um ponto de partida localizado num mercado, salienta a
complexidade, mas também o grau de interdependência sistêmico atingido pelos mercados financeiros internacionais. O “risco sistêmico”, que se esperava
ter exorcizado depois da II Guerra Mundial graças à instauração de regras de
prudência bancárias e um controle estrito dos mercados de câmbio emergiu
como um problema maior ligado à liberalização e à desregulamentação dos
mercados de capitais e da atividade das instituições financeiras. É isso que
torna difícil a investigação das responsabilidades, às vezes dos “culpados”, no
desencadeamento dessas crises. Os hedges funds, os bancos, os grupos multinacionais e mesmo a Wall Street são assim citados. Comecemos pelos hedge
funds, instituições ideais para atuarem como “vilões”. Eles foram acusados de
ter sido um vetor importante da crise asiática (1997). Mesmo se o tamanho de
seus ativos pode parecer menor em comparação ao de outros tipos de fundos
de aplicação, sua influência não pode ser subestimada. Na Tailândia, segundo
as estimativas do Banco Central, as aplicações dos hedge funds antes da crise
representavam 25% dos 28 bilhões de contratos a termo sobre o bath10. Os
fundos utilizaram esses contratos para atacar o Banco Central e a moeda nacional no final de 1996 (DUNBAR, 2001). A Malásia, as Filipinas e a Indonésia
seriam as próximas. Os hedge funds agiram, então, da mesma forma que o
Hedge Fund Quantum (propriedade de G. Soros) tinha feito em 1992, especulando na explosão do sistema monetário europeu (SME) e, portanto, favorecendo-a. O que é certo é que a parte dos ativos dos “mercados emergentes” na
carteira dos hedge funds passou de 20% em 1995 para 5% em 2002 (IMF,
2000, p. 107). Por conseqüência, esses fundos deixaram esses mercados depois de operações em geral vantajosas e buscaram outras esferas de aplicação.
Esse ponto de vista não é aceito por todos os analistas. Personalidades da
administração Clinton afirmam que os hedge funds liquidaram sua posição
somente depois do colapso do bath, de forma que eles não podem ser considerados responsáveis (BAILY, FARRELL e LUND, 2000). De fato, a crise começa a partir do segundo trimestre de 1997 em razão da retirada maciça dos
recursos emprestados pelos bancos estrangeiros. É esse comportamento irresponsável que provocou essencialmente a crise do bath tailandês, pois 75% dos
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fluxos de capitais privados dirigidos a esse país eram constituídos por empréstimos bancários (a maioria oriunda de bancos japoneses e europeus). A retirada
maciça e brutal dos créditos bancários é uma conseqüência negativa das transformações dessa atividade, observadas nos anos 90, e que já foram mencionadas. Os incentivos aos bancos para emprestarem às instituições públicas e
privadas dos “mercados emergentes” refletia claramente a pressão de seus
acionistas, preocupados em manter seus dividendos. Os contratos eram de curto prazo (na Tailândia, 2/3 dos empréstimos concedidos aos bancos locais eram
de prazo inferior a um ano), o que permitia uma retirada rápida. As técnicas de
gestão de riscos em voga (em particular dos Value at risk11) conduziam os
bancos a agir preferencialmente sobre o volume de créditos, mais do que sobre
as taxas, o que é gerador de compromissos e de retiradas brutais. Os hedge
funds e os bancos não são as únicas instituições responsáveis pelas crises
financeiras que abateram os países emergentes. Os grupos multinacionais são
suspeitos de ter, por sua atividade especulativa sobre o mercado de câmbio,
contribuído aos ataques contra o real (Brasil) no período que precedeu as eleições presidenciais (IMF, 2003). Enfim, certas análises estimam que o ponto de
partida da crise foi mesmo Wall Street, em razão de sua organização em torno
da “rede de especialistas” que favorecem os comportamentos miméticos (CALVO, 1999). O tamanho da praça financeira americana foi suficiente para exercer efeitos imediatos sobre as outras praças do SFI, julgadas pelos “especialistas” como um elemento fraco do sistema naquele momento preciso.
A pesquisa da localização dos fatores e instituições que desencadearam
as crises financeiras é necessária, mas o exercício tornou-se extremamente
delicado em razão das mutações fundamentais ligadas à globalização financeira. A multiplicação infatigável das inovações financeiras, a velocidade adquirida pelas transações financeiras, a fraqueza das regulamentações nos países
desenvolvidos e sua aceitação de “zonas financeiras de não-direito” que são os
“paraísos fiscais”, as participações cruzadas entre fundos de aplicação (em
particular entre fundos de pensão e fundos mútuos americanos) e a presença
crescente de fundos de aplicação de capital de grupos multinacionais são fatores que explicam a obscuridade das transações financeiras e tornam extremamente difícil uma análise precisa de “quem faz o quê”. Em troca, há poucas
dúvidas sobre o fato de os riscos sistêmicos não serem assumidos da mesma
maneira pelas instituições financeiras privadas, conforme estejam situadas nos
países da OCDE ou nos países emergentes.
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Liquidez, solvabilidade, direitos de propriedade: um negócio de
poder.
A fragilidade sistêmica é hoje um traço marcante que pode explicar ao
mesmo tempo a velocidade e a amplitude da propagação de crises “localizadas” em certos tipos de mercados e em certos países. Não se deve esquecer
que os “mercados financeiros” constituem conjuntos altamente hierarquizados,
e que são compostos de instituições dotadas de poder e de influência muito
diferentes face à liquidez e à solvabilidade dos direitos de propriedade.
Aumentar sempre mais o grau de liquidez.
O desmantelamento das barreiras institucionais que tinham sido criadas
depois da crise de 1929 a fim de bloquear a especulação, as inovações de
produtos financeiros e a liberalização da conta capital do balanço de pagamentos, são componentes maiores da globalização financeira. Esses dois tipos de
medidas aumentaram consideravelmente o grau de liquidez do capital financeiro e multiplicaram suas oportunidades de valorização. Sabe-se, segundo Keynes,
da importância desestabilizadora que a preferência pela liquidez tem sobre
as antecipações dos agentes. “A liquidez tem por objeto a atenuação do risco
que a imobilização do capital engendra” (KEYNES, 1983), mas “Ela exprime a
vontade de autonomia e de dominação da finança” (ORLÉAN, 1999, p. 49).
Sendo o grau de liquidez de um ativo em princípio o inverso do risco de sua
desvalorização, resulta que a moeda, ativo na qual a liquidez é máxima, não
apresenta nenhum risco e não oferece então nenhum rendimento a seu detentor. Aumentar o grau de liquidez de um ativo financeiro é propor ao seu proprietário uma segurança próxima daquela da moeda, lhe permitindo, ao mesmo
tempo, valorizar este ativo. Esta situação foi sempre um objetivo buscado pelos
detentores de capital financeiro, pois parece dotá-lo de uma capacidade de
produzir renda pela simples magia da propriedade de um título (juros, dividendos) ou graças a sua circulação (em caso de mais valia). Com efeito, o credor
ou o detentor de direitos de propriedade considera que o pagamento de uma
renda lhe é devido, qualquer que seja o uso feito de seu dinheiro por aqueles
(famílias, estados, dirigentes de empresas) a quem o confiou.
O fim da conversibilidade interna das moedas nacionais em ouro, decretado no início da I Guerra Mundial, seguido alguns anos mais tarde de sua
conversibilidade externa, modificou radicalmente a posição da moeda e a natureza de sua relação com o crédito. Viu-se que a capacidade do sistema bancá-
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rio de criar crédito, que constitui um capital produtor de juros, foi ampliada
pelas transformações do sistema financeiro no curso das duas últimas décadas.
As tecnologias de informação, associadas a medidas de desregulamentação,
tornaram assim mais obscuras as fronteiras entre dinheiro (a moeda), enquanto
meio de pagamento e reserva de valor (funções que, com a unidade conta,
definem tradicionalmente as funções da moeda), e dinheiro, enquanto capital
diretamente portador de rendas (isto é, sem mediação da produção), que define
a finança (ou o capital financeiro)12. Elas também elevaram o grau de liquidez
dos ativos financeiros.
O aumento do grau de liquidez dos ativos financeiros ampliou consideravelmente os riscos. A partir dos anos 80, a finança, graças à proliferação dos
“mercados”, adquiriu uma autonomia e um poder considerável, mas ao mesmo
tempo ampliou as fontes de sua fragilidade e multiplicou os pontos localizados a
partir dos quais uma crise financeira, qualquer que seja sua origem (bancária,
cambial, bursátil, dívida soberana, etc.), ameaça destruir o conjunto do sistema
por contágio. As crises podem ser analisadas em termos de “acordo financeiro” já analisado por Keynes e desenvolvidas por A. Orléan. Houve, no curso
dos anos 90, um “acordo Internet”, um pacto “México”, um “acordo milagre
asiático” (ORLÉAN, 1999). Esses acordos se auto-reforçam, eles conduzem à
formação de bolhas e em seguida a uma queda brutal, em geral excessiva. No
caso das economias emergentes, o “acordo” era que esses países ofertassem,
em razão de seu potencial de crescimento econômico, taxas de rendimentos
claramente superiores àquelas das indústrias localizadas nos países desenvolvidos. Não se pode, portanto, limitar a análise da posição da finança ao exame do
funcionamento endógeno dos mercados e aos acordos construídos pelos atores do mercado. A finança exerce uma influência maior sobre a esfera “real”,
aquela da produção, onde o trabalho permite a criação de riquezas.
A solvência: dois pesos e duas medidas
A multiplicação dos choques e crashes nos mercados financeiros levaram
à implicação crescente das autoridades monetárias. Segundo seu princípio, as
intervenções dos Bancos Centrais nacionais consistem em abrir, diretamente
ou indiretamente, linhas de crédito às instituições financeiras a fim de evitar
uma ruptura de pagamentos que, embora localizada, arriscaria difundir seus
efeitos, a partir de um risco de contrapartida, e ameaçaria destruir o sistema
financeiro do país. Essas intervenções dos Bancos Centrais reativaram o debate sobre a fronteira entre iliquidez e insolvência13, que atingiu uma amplitude
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considerável em razão dos efeitos da globalização financeira. A princípio, somente a iliquidez pode justificar uma intervenção pública, sendo a insolvência
considerada como uma conseqüência normal e inevitável da “destruição criadora” produzida pelo capitalismo.
Isso nos faz remontar a Walter Bagehot e Lombard Street (1873)14, a
proposta que ele encarrega ao Banco Central é que tenha o cuidado em distinguir entre situações de liquidez e solvência. Sua função é de emprestar sem
limites somente aos bancos solváveis, e Bagehot propõe um procedimento que
permite verificar se eles oferecem uma boa garantia (a existência de bens
colaterais). Esse procedimento é sedutor quanto a seu princípio, mas difícil de
se implementar quando se trata de definir os limites da intervenção do
“emprestador de última instância”. De fato, o apoio sob a forma de créditos
concedidos pelo Banco Central a uma instituição financeira que se encontra
em situação de iliquidez, a torna solvável ipso facto. O papel do Banco Central
fica ainda mais importante em regime de inconversibilidade das moedas em
ouro, pois em última instância ele somente pode validar a circulação dos instrumentos de crédito, lhe dando um tipo de “validação social” (BRUNHOFF, 1976).
Entretanto, sua margem de manobra é limitada, pois a recusa em converter os
títulos comerciais em redesconto ou recompra pode acarretar crise para o conjunto do sistema financeiro.
Ora, a insolvência afeta o próprio funcionamento do capitalismo: não é
suficiente que ele produza mercadorias, é necessário ainda que ele as venda.
Periodicamente, se redescobre que não existe nenhum mecanismo auto-regulador que garanta a conclusão do processo, seja individual ou macroeconômico.
Nenhum automatismo criado pela “mão invisível” assegura no “mercado” de
bens e serviços o fechamento do circuito que corre da produção à circulação,
quando tudo vai bem, se conclui pela venda, cujo produto retorna aos proprietários dos meios de produção, do qual pagam uma parte em salários àqueles que
produziram esses bens e serviços. A insolvência do empresário capitalista não
tem por origem uma insuficiência de liquidez devida a uma produção de bens
momentaneamente invendáveis. Ela encontra-se nos próprios fundamentos do
capitalismo, tanto como “economia monetária de produção”, como em seu modo
de funcionamento15. Ela sanciona uma situação onde os programas de investimento e de produção vislumbrados ex-ante pelas empresas não correspondem
à capacidade de compra dos consumidores, a sua demanda expressa ex-post.
O aperfeiçoamento das técnicas de mercado e a sofisticação dos instrumentos
de gestão não diminuem “a extrema precariedade das bases sobre as quais
somos obrigados a formar nossas avaliações de rendimentos esperados”
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(KEYNES, 1983, p. 162). A decisão de preservar a solvência de uma instituição financeira (banco, fundos de aplicação) que financiou através de créditos
uma participação financeira, programas de investimento e produção de empresas que se revelam desastrosos coloca então uma questão perigosa, pois salvála da falência vai contra as “leis” do mercado.
A globalização financeira acentua um pouco mais a questão das relações
entre liquidez e solvência. De um lado, ela torna ainda mais difícil sua distinção16. Inicialmente isso provém da opacidade crescente produzida pela desregulação, pela criação de instrumentos não contábeis (fora do balanço) e pela
existência de instituições, tais como os hedge funds, que estão submetidas a
exigências mínimas de controle. As contas publicadas nos balanços das empresas e dos grupos são construções amplamente convencionais, para não dizer
artificiais, produzidas por escritórios de consultoria (ROTURIER e SERFATI,
2003). Em segundo lugar, o grau de concentração dos bancos nos mercados
financeiros tornou-se igualmente um motivo de inquietude, a falência de um
dentre eles terá um alcance considerável e potencialmente contagioso. O grau
de concentração bancária é doravante muito elevado, em particular nos mercados de câmbio, que são a coluna vertebral dos mercados financeiros internacionais17. No mercado de câmbio, o número de bancos que realiza 75% das operações diminuiu continuamente depois de 1992. Segundo o Banco de
Compensações Internacionais (BIS), o número de bancos é, sem dúvida, inferior àquele inscrito na Tabela 1, pois a pesquisa não consolida as organizações
bancárias (isso significa que certos bancos que responderam às pesquisas nacionais podem ser filiais de um mesmo grupo bancário).
Tabela 1: Número de bancos que cobrem 75%
das operações dos mercados de câmbio de diferentes países
Países
1995
1998
2001
Alemanha
Canadá
EUA
França
Japão
Reino Unido
10
6-7*
20
7-12*
24
20
9
5-7*
20
7*
19
24
5
4-6*
13
6*
17
17
* Segundo os segmentos de mercado.
Fonte: Adaptado de Bank for International Settlements, 2002.
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De outro lado, é admitido que a decisão de refinanciar as instituições
insolváveis é do Banco Central e do poder público, e que ela depende da posição mais ou menos estratégica que essas instituições ocupam no sistema macroeconômico. Ora, a globalização financeira faz aparecer com mais nitidez os
interesses de poder que sustentam a questão da solvência e a proteção dos
direitos de propriedade do capital financeiro. A intervenção dos bancos centrais
é diferente segundo eles se encontrem em Nova Iorque ou no Sudeste Asiático. O que é permitido ao Federal Reserve foi proibido aos bancos centrais da
Ásia. Há 20 anos, a doutrina do Federal Reserve que acompanhou a desregulamentação dos mercados financeiros pode ser resumida pela fórmula: “too
big to fail”. Esta doutrina prevalece sobre qualquer outra consideração, inclusive sobre a verificação da hipotética diferença entre a situação de iliquidez e
a da insolvência da instituição financeira salva da ruína. Os salvamentos do
Continental Illinois (1985), a injeção maciça de liquidez quando do crash de
Wall Street (1987), ou ainda, a injeção de recursos das caixas de poupança –
Saving & Loans – (1989-91), da LTCM (1998), confirmam esta doutrina.
Esta doutrina foi também verificada quando da crise mexicana (1994-85).
A moratória do México arriscava comprometer o conjunto do sistema financeiro americano e, sem dúvida, a partir daí, transformar a recessão mundial em
crise econômica de uma amplitude que teria provavelmente sido superior àquela de 1973. O estado de falência do país teria obrigado os bancos credores, na
maioria americanos18, a provisionar seus balanços e conduzido à falência aqueles que estivessem pesadamente comprometidos com empréstimos mal sucedidos. O Federal Reserve tomou então as coisas nas mãos. Seu presidente – P.
Volcker – declarou que as linhas de crédito abertas pelos bancos credores em
benefício do México, com a iniciativa do FMI, não significavam, entretanto, que
o México estava falido. A “validação social” dada pelo Federal Reserve a esta
criação maciça de liquidez pelos bancos foi, então, determinante. Em 1997, o
tratamento da crise asiática foi totalmente diferente. Ele mostra as relações de
poder que sustentam as questões de solvência e, mais especialmente, as da
finança. O FMI, uma vez mais, adotou a posição dos EUA e impôs a adoção de
uma política de duplo padrão às autoridades nacionais dos países emergentes
da Ásia. De um lado, demandou a decretação de falência de firmas e bancos
locais evocando o risco moral, mas, de outro lado, organizou a proteção das
instituições financeiras estrangeiras contra as quais a mesma crítica podia ser
feita (KHOR, 2000). Assim, o comprometimento do FMI manteve a solvência
das instituições financeiras dos países do Norte, que tinham investido maciçamente em condições às vezes aventureiras, enquanto que os governos desses
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países deviam desmantelar a rede de relações público-privadas, qualificada de
“capitalismo entre amigos” (crony capitalism).
Foi necessário pouco tempo para que o capitalismo americano mostrasse
a qual ponto o “capitalismo entre amigos” é uma expressão que lhe pode ser
completamente aplicada (LTCM, Enron, etc.)19. A “socialização das perdas e a
privatização dos lucros”, que resultam da decisão do Federal Reserve de fornecer fundos às instituições a princípio ilíquidas, mas na realidade insolváveis,
coloca-nos bem longe do argumento de risco moral que é utilizado por certos
monetaristas para alertarem contra tais intervenções. Assim, o salvamento da
LTCM beneficia certos bancos que se recusaram a ver a realidade e emprestaram sem limites com uma “desastrosa cegueira”. Mas a confusão entre liquidez
e solvência, que existe quando das intervenções do Banco Central, tem por
conseqüência que a criação de liquidez não salva somente as instituições auxiliadas, mas também fornece recursos suplementares que prolongam a atividade nos “mercados financeiros”. Os proprietários da LTCM e seus credores,
confrontados com a falência em 1998, não foram os únicos a se beneficiar da
generosidade pública e a mensagem foi passada à “comunidade financeira”. A
partir de 1998, o Banco Central americano abriu a torneira para criação de
liquidez, a baixa das taxas de curto prazo e a impunidade dos responsáveis
pelas malversações deu um sinal aos “mercados”, encorajaram as compras de
títulos e alimentaram a “exuberância irracional” que o presidente do Federal
Reserve tinha, entretanto, denunciado alguns meses antes.
É útil, para concluir sobre esta questão, destacar que a continuação do
pagamento das dívidas contratadas pelas instituições e agentes do México e da
Ásia do Sul, junto às instituições financeiras do Norte, foi possível pela implantação de programas de condicionalidade do FMI. Esses programas não implicavam somente o retorno à estabilidade da moeda local, mas a implantação de
medidas macroeconômicas impostas pelos países do Norte, permitindo uma
imensa transferência de valor dos países do Sul em direção ao Norte
(KOZUL,WRIGHT e RAYMENT, 2004).
As economias emergentes: riquezas a extrair
Os defensores dos benefícios da globalização financeira destacam que os
“mercados financeiros internacionais” permitem que poupança constituída no
Norte financie a atividade econômica dos países do Sul. Estabelece-se freqüentemente uma relação estreita e positiva entre os fluxos de capitais destinados aos países emergentes e o financiamento de sua industrialização e de seu
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crescimento econômico. Esta correlação é duvidosa observando as transferências financeiras das últimas décadas. De fato, globalmente, os países do Sul
beneficiaram-se muito pouco das transferências de capitais. Em primeiro lugar,
os fluxos de capitais a eles destinados são onerados por saídas importantes a
título de juros de empréstimos. Um estudo mostra que a maioria dos países em
desenvolvimento sofre importantes saídas líquidas (diferença entre saídas e
entradas) de capitais (MORRISSEY, 2002).
Em segundo lugar, as “fugas de capitais” atingem dimensão considerável
em certos países. Elas correspondem a recursos obtidos pelas elites locais, em
geral no momento de empréstimos em divisas fortes contraídos por seus países,
os quais são, em seguida, aplicados nos bancos dos países desenvolvidos. Esses fluxos financeiros, que por definição escapam aos controles regulamentares, são difíceis de medir. Entretanto, uma indicação de sua amplitude é fornecida pela leitura da rubrica “erros e omissões” dos balanços de pagamentos.
Na teoria, a saída de capitais contabilizadas sob esta rubrica resulta de ajustamentos ligados a tratamentos contábeis diferentes, mas se pode pensar que
uma parte importante deve-se a “fuga de capitais” (LAURENT, MEUNIER,
SELTZ e ENNAJAR, 2000). A rubrica “erros e omissões” representou 15%
do conjunto de saídas de capitais dos países emergentes no período 1992-2000
e até 42% das saídas de capitais com destinação a outros países emergentes.
Essas percentagens são bem mais expressivas que as dos balanços de pagamentos dos países da OCDE. Os autores de um estudo que compreende 30
países da África Subsahariana e cobre o período 1970-1996 estabelecem uma
correlação positiva entre a dívida externa e a fuga de capitais (NDIKUMANA
e BOYCE, 2002). Eles estimam que para cada dólar tomado em empréstimo
do exterior, pelos países da região, a fuga de capitais representou 80 centavos.
Não se trata aqui de evasão fiscal que, segundo os estudos feitos pelas ONGs,
custariam ao menos US$ 50 bilhões por ano aos países em desenvolvimento
(OXFAM, 2000).
Enfim, as entradas de capitais não geradoras de dívidas, essencialmente
ligadas aos investimentos, podem ter contribuído para certo reequilíbrio contábil
do balanço de pagamentos, mas depois de uma década de liberalização da
conta capital, seus efeitos se revelam negativos no plano da produção. Parece
que pode ser atribuído um papel mais positivo para os investimentos diretos
estrangeiros (IDE) do que para os investimentos de carteira e os empréstimos
bancários, que são firmados essencialmente no curto prazo e respondem a
outros objetivos que não o desenvolvimento industrial do país (por exemplo: a
estabilização das taxas de câmbio, a criação de créditos pelos bancos domésti-
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cos para fins especulativos etc...). Esquece-se sua forte concentração em um
número muito restrito de países. O FMI estima que cinco países (Brasil, China,
Índia, México, Republica Tcheca) receberam mais da metade dos IDE destinados aos países emergentes entre 1990 e 2002.
Ainda mais importante, a abertura da conta capital e os fluxos de IDE
destinados aos países emergentes no curso dos anos 90 materializaram-se não
sob a forma de criação de novas capacidades de produção (greenfield
investments), mas de participação no capital de sociedades nacionais (fusões –
aquisições)20. A correlação entre os fluxos de IDE realizados pelas fusõesaquisições e as rendas extraídas das privatizações é impressionante. Os estudos realizados sobre os casos dos países da América Latina indicam que os
grupos estrangeiros que adquiriram participações nas empresas privatizadas
geralmente nem mesmo realizaram os investimentos de modernização e de
capacidades necessárias nos setores industriais, que funcionam como economias de redes (telecomunicações, água).
O Brasil permite ilustrar certos problemas a que são confrontados os
países emergentes em razão da globalização financeira. O “Plano Real”, implantado em 1994 e que imediatamente traduziu-se numa forte desvalorização,
deu credibilidade à moeda no plano externo e interno, enquanto meio de pagamento e unidade de conta. Segundo certas análises, ele oferece o contra-exemplo
da “reconstrução bem sucedida de uma moeda nacional ” (SGARD, 2002, p.
127). Trata-se, entretanto, da face visível de um programa cujos aspectos a
muito custo camuflados indicam os desequilíbrios agravados e duráveis que
esse plano conduziu. As autoridades brasileiras estão aferradas na defesa da
credibilidade monetária e a gestão monetária está doravante no coração da
regulação macroeconômica (MIOTTI e QUENAN, 2003), significando que a
taxa de juros de curto prazo (SELIC) é elemento decisivo. Ora, sua gestão está
prisioneira entre dois objetivos contraditórios. É necessário manter a taxa de
juros em níveis elevados para defender a moeda (esses níveis oscilaram entre
40% em 1999 a 20% em 2003), mas ao preço de um aumento considerável da
dívida pública interna, pois estava, ao final de 2002, indexada em 53% às taxas
de juros (e em 29% à taxa de câmbio que, por sua vez, também está vinculada
ao nível das taxas de juros). Os efeitos depressivos sobre o crescimento macroeconômico, sobre o investimento industrial e, por conseqüência, sobre as
exportações são evidentes. No geral, esta política, que certamente “tranqüiliza
os mercados”, se traduziu por um aumento considerável da dívida externa. O
montante dos juros pagos aos credores não residentes diminuiu no período 19962004, mas permanece em níveis muito elevados (Tabela 2, linha 1). Entretanto,
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isso não foi suficiente para frear a progressão da dívida externa, que aumentou
em mais de 20% no mesmo período (linha 2). Em um país cuja distribuição de
renda é uma das mais desiguais no mundo (segundo o indicador de concentração de renda do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –
PNUD, em seu relatório de 2003, o Brasil é “superado” somente por Serra
Leoa, República Centro-Africana e o Swazilândia), pode-se vislumbrar as conseqüências do programa negociado pelo governo do presidente Lula com o FMI.
Tabela 2: Evolução dos juros pagos e da dívida pública do Brasil
(1996-2004)
1996
1997
1998
1999
2000
2001 2002
2003 2004*
26,7
27,2
31,0
36,4
31,0
30,3
25,3
21,0
19,9
7,6
10,3
11,0
9,3
6,6
7,4
8,5
7,2
-
191,6 223,6
225,6
216,9
Pagamentos de juros/
exportações
Lucros enviados
Dívida externa total
(bilhões de US$)
173,0
209,9 210,7
214,9 213,4
Fonte: Banco Central do Brasil (Bacen) e CEPAL.
*Projeções do Bacen.
A Argentina ilustra um outro ponto (CIBILS, WEISBROT e DEBAYANI,
2002). Faz muito tempo que Cavallo, ministro que foi o arquiteto das reformas
neoliberais, declarava: “we have entered a golden age” (WALL STREET
JOURNAL, 1997). O país e a população foram vítimas de programas de
condicionalidade implantados pelos governos locais. Sabe-se que esses programas colocam a responsabilidade do aumento da dívida soberana nas políticas
fiscais “expansionistas” (este adjetivo não se aplica à política conduzida pela
administração Bush para a qual se falará mais de orçamento “keynesiano”.
Pobre Keynes!). Ora, as despesas públicas como proporção do PIB baixaram
entre 1993 e 2001 e isso sob a pressão das medidas do FMI. Esta redução
agravou a recessão que se manifestou a partir de 1998. Essa, por sua vez,
acarretou uma diminuição da arrecadação fiscal. Embora o resultado do orçamento primário – antes do pagamento do serviço da dívida – seja superavitário,
pelo menos até o colapso da economia argentina em 2002, o serviço da dívida
pública como proporção do PIB triplicou entre 1993 e 2001, em razão da alta da
taxa de juros do Federal Reserve e, por conseqüência, do sistema de currency
board adotado pelo Banco Central argentino.
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A economia política dos mercados financeiros internacionais
O poder dos EUA
A análise do tratamento das crises em favor dos países do Norte permite
retirar alguns ensinamentos sobre a economia política da globalização financeira. Essa repousa sobre uma “arquitetura institucional internacional” (a “governança global”) composta de poderes hierarquizados. Os EUA são sem dúvida
a peça central que intervêm mediante uma contribuição maciça nos planos de
salvamento internacionais (México 1995) ou mediante um papel de coordenador da ação coletiva das instituições financeiras internacionais (IFI) e dos bancos centrais. Sua dominação, devido ao peso do dólar no sistema financeiro
internacional é um indicador significativo, tem por contrapartida uma obrigação
de intervenção, assim que os perigos de contágio ameaçam. Mas as duas últimas décadas indicam que essas intervenções são muito diferentes quando se
referem a instituições financeiras americanas. Não existe nada que pareça a
um programa de condicionalidade para acompanhar o apoio financeiro aportada
pelo Tesouro americano e pelo Federal Reserve à Continental Illinois, às Caixas de Poupança e à LTCM, para valores que ultrapassaram, contudo, os envolvidos nos programas criados pelo FMI. Bem longe de serem condicionais,
os planos de salvamento forneceram, ao contrário, liquidez que alimentou os
mercados financeiros de munição para a especulação.
Os programas de assistência conduzidos pelos EUA fora de suas fronteiras atendem dois objetivos: intervir nas crises “locais”, em particular assim que
elas atinjam as economias dos países emergentes, na Ásia e na América Latina, para evitar o choque sobre sua própria economia pelos efeitos de contágio;
diminuir o risco sistêmico e aproveitar essas crises para afirmar a dominação
do capital americano.
O primeiro objetivo implica manter ou restaurar no país atingido pela crise
um sistema financeiro que exerça as missões fundamentais. Convém, portanto,
garantir a aceitação da moeda que circula no país como meio de pagamento e
instrumento de reserva de valor. Isso deve permitir que se assegure uma proteção dos ativos financeiros e dos créditos em moeda nacional e limitar ao máximo a desvalorização da massa de capital que está aplicada sob esta forma. Por
definição, a proteção total é impossível.
O segundo objetivo para os EUA consiste de tirar proveito das crises que
atingem os países emergentes para reforçar sua posição. A constituição de
reservas pelo banco central dos países colocados sob condicionalidades é rea-
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lizada em grande parte sob a forma de aquisições de obrigações do Tesouro
americano, o que é considerado, às vezes, como uma forma de financiamento
obrigatório do déficit externo dos EUA, uma forma de “senhoriagem” moderna. Depois de 1997, o crescimento das reservas em dólares detidos pelos bancos centrais asiáticos aumentou, aliás, em proporções consideráveis, passando
de US$ 23,9 bilhões em 1997 para US$ 182 bilhões em 2002, segundo o FMI. A
dolarização de certos países reforça esta vantagem, pois dispensa os EUA do
dever de quitar os juros sobre os títulos da dívida pública detidos pelo banco
central estrangeiro. Com efeito, em um país submetido à dolarização, isso significa que ele possui dólares não aplicados, pois eles devem estar disponíveis a
qualquer momento no país (CALVO, 2000).
Após a crise de 1997, os países do sudeste asiático estavam não somente
dispostos a não dolarizar sua economia, mas alguns dentre eles procuraram,
durante a crise, os meios para ficar à distância dos EUA. É uma das razões
pela qual a proposição feita pelo Japão de organizar uma instituição regional
(um “Fundo monetário asiático”) foi combatida com firmeza pela administração Clinton (BELLO, 1998). Então, J. Rubin (secretário do departamento do
Tesouro) e seu adjunto (L. Summers) atribuíram ao FMI um papel maior no
esforço de desmantelamento do sistema financeiro coreano, que tinha sido atacado desde o início dos anos 90 pelos financistas americanos (JOHNSON,
2002).
Um bloco transatlântico
O papel maior desempenhado pelos EUA parece encorajar a visão dominante da economia política internacional que insiste sobre a necessidade de que
uma potência hegemônica assegure a gestão dos bens coletivos internacionais
a fim de manter a estabilidade do regime monetário (KÉBADJIAN, 1999).
Kindleberger, baseando-se no exame da propagação internacional das crises
financeiras, estima que é indispensável um emprestador de última instância
internacional (KINDLEBERGER, 1996). Ele lembra que, embora esta função
seja atribuída às instituições criadas em Bretton Woods, assim como ao BRI,
são os EUA que atuaram mais nesse domínio. O FMI não estava muito preparado para esta função (não pode criar moeda) e seria impotente na hipótese
das moedas dos grandes países serem atacadas, a começar pelo dólar.
Com certeza seria necessário discutir a noção de bens públicos (ou bens
coletivos) mundiais e sua gestão por uma potência hegemônica, o que extrapola o escopo deste artigo. Esta noção, saída da teoria dominante para caracte-
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rizar um “fracasso do mercado”, não tem somente vários significados, mas é
atualmente aplicada a um número crescente de bens e atividades21. A relação
entre potência hegemônica e as organizações internacionais criadas depois da
II Guerra Mundial é, em todo caso, mais complexa que a descrita convencionalmente. Não há dúvida que as proposições da delegação americana, conduzida por White em Bretton Woods, moldaram a fisionomia e a política das instituições financeiras internacionais. Isso refletia sua supremacia, quaisquer que
seja a qualidade e, para alguns, a atualidade das proposições formuladas por
Keynes, em nome da Grã Bretanha (CARTAPANIS e HARLAND, 2002).
De fato, os dois objetivos fixados pela delegação americana, deslocar o centro
financeiro de Londres para Nova York e dar um papel central ao Departamento do Tesouro, foram alcançados. Entretanto, a criação de organizações internacionais, o sistema monetário implantado e as regulamentações das relações
financeiras internacionais adotadas testemunham a vontade de duas delegações de conter a especulação sobre as moedas e de “disciplinar” a finança
(MURPHY, 1994). Como se pode constatar, o artigo 1 do estatuto do FMI é
marcado simultaneamente por afirmações “multilateralistas” e pela subordinação das questões monetárias à economia produtiva.
A criação de instituições intergovernamentais destinadas, na saída da II
Guerra Mundial, a organizar as relações econômicas internacionais de maneira
pacífica, não era, então, contraditória com a esmagadora superioridade que os
EUA possuíam sobre seus parceiros. Era, ao contrário, uma ilusão pensar que
esse tipo de “governança” internacional permitiria ao FMI conter a marcha
irresistível para a explosão do sistema de Bretton Woods ou que o Banco Mundial seria a instituição que permitiria ao “Terceiro Mundo” sair do subdesenvolvimento. Então, não é de se surpreender que os EUA, confrontados a sérias
dificuldades e a uma concorrência crescente a partir dos anos 60, tentassem, a
partir de 1971, modificar as regras do jogo financeiro e monetário instituídas em
1944.
As hesitações dos anos 70 foram substituídas pela reviravolta radical dos
anos 80, assim que os EUA associaram mais intimamente as instituições financeiras internacionais ao curso neoliberal que adotaram. A transformação do
papel do FMI tornou, além disso, esta instituição em uma peça mestre da globalização financeira. A reviravolta se situa em 1982: a crise mexicana “refunda”
o FMI e lhe dá um outro aspecto, diferente daquele que estava inscrito em seu
estatuto de 1944. Com efeito, o FMI teve de se impor aos bancos dos países
desenvolvidos, assim que estes começaram a recusar os planos de renegociação
da dívida do México em 1982. É necessário lembrar que mais ou menos 800
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bancos estavam envolvidos com a dívida mexicana. Confrontados a uma crise
cuja amplitude não tinha sido vista há décadas, os bancos tentaram “atuar individualmente” e salvar seus próprios ativos da ruína, ou para dizer mais academicamente, eles se colocaram inicialmente na situação classicamente descrita
como o “dilema do prisioneiro”. Pode-se considerar que o FMI funcionou, nessa crise, como um “capitalista coletivo ” encarregado organizar a retirada
ordenada dos credores durante esta primeira crise da globalização financeira.
Ele exerceu esta função se apoiando no Clube de Londres, que reúne os bancos comerciais, e no Clube de Paris (cuja primeira reunião data de 1956), que
reunia os credores públicos, no interior do qual o FMI ocupa um lugar de credor
privilegiado. Entretanto, esta nova função do FMI teria sido impossível sem o
forte engajamento dos EUA que foi materializado pelo lançamento do Plano
Brady.
A existência do FMI e de outras instituições internacionais traduz formas
de dominação hegemônica, mas não no sentido “estado-centrado” que lhe dá a
economia política internacional ortodoxa, como Kindleberger ou Gilpin. A hegemonia dos EUA, apoiada nas instituições internacionais, deve ser analisada de
preferência levando em conta as contribuições da “corrente neogramsciana”.
A constituição de redes transnacionais, reagrupando as elites privadas e públicas, nacionais e membros de organizações internacionais, traduz, no plano sócio-político, o movimento acelerado da internacionalização, e depois da “mundialização do capital” (GILL e LAW, 1993). Para alguns, essas redes seriam a
expressão a mais avançada da formação de uma “classe transnacional” (PIJL,
1998), quer dizer, de um “Estado mundial” (ROBINSON, 2000). Nós preferimos dizer que essas organizações participam da consolidação do “bloco transatlântico hierarquizado” (SERFATI, 2001). O termo “transatlântico” não designa uma zona geográfica, mas um espaço polarizado sobre o plano econômico e
geopolítico. Sua base é evidentemente constituída pelos EUA, na qual se aglomeram principalmente os grandes países desenvolvidos, que são, por sua vez,
seus parceiros e seus concorrentes no plano econômico, mas que são igualmente seus aliados no plano militar. Ela inclui também organizações internacionais de natureza econômica (FMI, Banco Mundial, OMC, OCDE) e militar
(OTAN). A existência desse “bloco” não suprime de forma nenhuma as rivalidades e conflitos entre as classes dominantes dos EUA e da Europa, mas ela
lhes circunscreve dentro de um quadro pacífico, diferente das rivalidades
interimperialistas que resultaram nas duas guerras mundiais. A título de exemplo, enquanto existir um sistema formal de votos que permita às nações mais
poderosas impor seu ponto de vista, pode-se dizer, sem jogo de palavras, que o
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FMI funciona por consenso (MURPHY, 1994). Noutro domínio que não o das
relações financeiras, pode-se igualmente destacar que mesmo uma discordância tão importante e profunda como a provocada pela decisão dos EUA de
entrar em guerra contra o Iraque, no inverno de 2003, se prolongou até a primavera por um voto unânime do Conselho de Segurança da ONU sobre uma
resolução que legitimava, ao final das contas, essa guerra.
No curso dos anos 90, o FMI jogou um papel central na consolidação desse
“bloco transatlântico”. Para isso lhe foi necessário ir além de suas missões iniciais
em matéria de prosseguimento de políticas macroeconômicas e de equilíbrios do
balanço de pagamentos22. O “Consenso Washington” reflete uma inflexão importante que tomou forma a partir de 1982 e que permite ao FMI se adaptar tanto
à mundialização do capital como ao aumento irresistível do poder da finança. A
análise sociológica da hegemonia intelectual do “Consenso” destaca a íntima conexão de universitários (seu templo está situado em Chicago) e de Wall Street. O
processo de seleção dos quadros do FMI e do Banco Mundial (necessários a esta
nova política) é em seguida auto-alimentado pela interação com as universidades,
as elites intelectuais dos países em via de desenvolvimento e, é claro, com os
meios financeiros (DELAZAY e GARTH, 1998). Stiglitz, que muito conviveu
com os responsáveis pelo FMI, nos lembra que vários dentre eles vieram de Wall
Street ou para lá voltaram (STIGLITZ, 2002 e 2004).
Conclusão: para onde vai o sistema financeiro internacional?
Assim se pode resumir os fatores que perenizam o sistema financeiro
internacional e a dominação que aí exerce os EUA.
1) O sistema adquiriu uma força de inércia que lhe é dada pelos efeitos
cumulativos produzidos por cinco décadas de reinado do dólar nas trocas internacionais. Esta divisa é hoje utilizada em 40% das transações mundiais, enquanto que as trocas comerciais dos EUA com o resto do mundo representam
somente 11% das transações. A função de meio de pagamento e de liquidez do
dólar permanece, então, senão intacta, ao menos largamente dominante. O
dólar é, ao mesmo tempo, a principal divisa que figura nas reservas dos bancos
centrais. Ao final de 2002, 64,9% dos haveres oficiais em divisas estavam inscritos em dólar, contra 14,6% em euros. Enfim, o dólar é a divisa que é a mais
negociada enquanto ativo financeiro no mercado de câmbio. O relatório do
BRI destaca que os contratos nos mercados de câmbio inscritos em dólar representaram 89% dos contratos totais realizados diretamente (over the counter)
em 2004 (BANQUE FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS, setembro
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de 2004). As alternativas de uma outra organização (policentrismo monetário,
etc), considerada depois de 20 anos, não ultrapassaram o estágio de discussão.
2) A potência do capital financeiro americano é nitidamente superior àquela
de seus concorrentes. Isso é evidente assim que se observa a posição das
organizações dominantes da finança internacional, isto é, dos fundos de aplicação (pensão, mútuos). Esta predominância está relacionada com a dimensão
dos mercados financeiros americanos, igualmente superiores aos dos outros
países desenvolvidos. Os mercados americanos constituem, do ponto de vista
da segurança, a melhor aplicação para os detentores de capital financeiro. A
“fuga em direção à qualidade” alimentou Wall Street e NASDAQ de capitais
em busca de aplicações depois da crise asiática de 1997, contribuindo para
reforçar sua “exuberância irracional” no momento em que, desde 1998, os
“fundamentos” da economia americana, em particular a taxa de rentabilidade
do capital investido na produção, começavam a cair de maneira brutal. A
atratividade das praças americanas é encorajada pelos níveis da dívida federal.
Poderia parecer paradoxal considerar a dívida pública nos elementos de consolidação do SFI, mas destacamos sua durável importância há meio século.
3) A potência dos EUA é, entretanto, absolutamente insuficiente para
explicar a resistência do SFI nas crises que lhe atravessam regularmente. Nesse domínio, a hegemonia americana se apóia nas instituições financeiras internacionais (IFI), assim como na participação mais ou menos reticente dos
governos das duas outras zonas da tríade. A liberalização da conta capital foi
inscrita nos artigos do FMI pelo Comitê provisório em 21 de setembro de 1997.
Isso não significa que as IFI disponham de uma autonomia importante vis-à-vis
os EUA, mas que elas lhe são indispensáveis para superar a instabilidade inerente ao SFI. As diferenças entre o nível das taxas de juros dos créditos e das
obrigações assumidas pelas economias “emergentes” e as existentes nos países desenvolvidos atingiram 2000 pontos-base (100 pontos-base equivalem a
1%) esses últimos anos, e 1800 pontos-base para a dívida soberana23. Tais
diferenças não seriam geradas, e seriam até mesmo inconcebíveis, na ausência
de IFI suscetíveis de fazer os países do Sul aceitá-las, tanto ex-ante como nos
vencimentos para o pagamento da dívida. Apesar de mudanças não desprezíveis, os princípios fundamentais que prevaleciam no Consenso de Washington
continuam a se impor no “pós-consenso”.
Esses elementos não permitem, entretanto, concluir que o SFI está imunizado contra as ameaças que poderiam lhe destruir. De fato, os fatores de fragilidade são tanto políticos e geopolíticos quanto econômicos. Citaremos duas
fontes de riscos maiores.
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1) A fragilidade “sistêmica” não desapareceu e o risco de difusão de uma
crise “localizada” permanece muito provável a despeito do otimismo anunciado
pelos responsáveis das IFI diante do poder das crises que atravessaram a Turquia e o Brasil em 2001-2002. A satisfação anunciada desaparece quando lembramos que várias crises quase acabaram com o sistema. As modificações do
modo de financiamento da dívida soberana no curso dos anos 90 (caracterizadas pelo aumento das obrigações emitidas nos mercados em detrimento dos
empréstimos bancários em geral associados) aumentaram, mais do que reduziram, os riscos de não pagamento. O risco político é o da negação do pagamento
da dívida por um país do Sul, que não seria somente conseqüência de uma
impossibilidade financeira, mas resultaria in fine de uma decisão política de um
governo que considerasse a dívida como “ilegítima”. As IFI e os “mercados”
seguiram de muito perto a situação do Brasil a partir do momento que a vitória
do candidato do PT tornou-se muito provável. Até o momento eles foram tranqüilizados, à custa de uma deterioração dos indicadores sociais, tais como o
desemprego e a renda por habitante.
2) Uma crise de grande amplitude que explodisse nos EUA modificaria o
conjunto da economia mundial e sua arquitetura institucional. Essa eventualidade existe e sua concretização seria conseqüência da diferença entre a posição
hegemônica dos EUA nas relações internacionais e sua situação econômica
interna e vis-à-vis a estrangeira. A deterioração de sua posição externa não
cessou no curso dos anos 90. A acumulação de déficits no balanço de pagamentos atinge níveis muito preocupantes, mesmo para o FMI que destaca o
perigo que ela apresenta para a economia mundial (REBELLO, 2004). A importante desvalorização do dólar não exerceu os efeitos esperados. O acordo
do G-3 é indispensável para chegar a um compromisso sobre as taxas de câmbio, mas ela pode se revelar mais difícil de realizar do que no passado, levando
em conta os importantes desequilíbrios que caracterizam a economia dos EUA24,
e igualmente o fraco crescimento de seus parceiros europeus.
Essas questões não destacam nem os “mercados” nem a economia pura,
mas a interação de fatores econômicos e geopolíticos que é ignorada pelas
análises dominantes dos mercados financeiros internacionais e da economia
internacional. Parece pouco discutível que os “mercados financeiros” tenham
um interesse sustentado nos grupos americanos de armamento, dos quais os
“fundamentos” são mais sólidos que aqueles que fundam o crescimento das
firmas da “nova economia” (MAMPEY e SERFATI, 2005). Estaríamos errados em pensar que a aliança da finança e do armamento, que se reforçou
depois dos anos 90, não tem relação com a situação singular que os EUA
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ocupam nas relações econômicas e geopolíticas internacionais. A mundialização continua a esperar o seu “emprestador internacional de última instância”,
mas os déficits externos dos EUA fazem com que ela possua, há duas décadas,
um “consumidor de última instância” e depois de 2001, uma “polícia preventiva”. Esta interação é, entretanto, mais fundamental nesse início do século XXI.
Ela leva um especialista dos mercados a escrever: “A economia americana,
com pouca poupança, pode continuar a financiar uma expansão sempre mais
vigorosa do que sua superioridade militar? Minha resposta é não” (ROACH,
2003).
(Traduzido do francês por Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani)
Abstract:
For two decades, finance has profoundly shaped the process of globalisation.
Financial globalisation is not an outcome of ‘natural laws’ impose by ‘markets’.
Deregulation and liberalisation of financial markets have resulted from the conscious
and organised action of governments and International financial institutions. Likewise,
decisions made by financial institutions (e.g. Pension funds, mutual funds, etc.) and
executive managers were instrumental in the implementation of shareholder value-based
corporate governance. The article begins with finance globalisation from an historical
vantage point. The process has been marked by deep balance of power asymmetries
which are addressed through the analysis of what liquidity and solvency and
creditworthiness, two major issues when the problem of regulation of International
financial markets is addressed. The next section addresses the huge transfers accruing
to OECD’s financial institutions and wealthy households, which have been drained out
from Developing countries. In the last section, International finance system governance
issues are dealt with. As the US hegemony is undisputable, the article devotes attention
to the difficulties for the ‘transatlantic bloc’ to be the linchpin of ‘global governance’,
as the US and European countries are involved in tough economic competition and
political rivalries.
Keywords: global finance – rentier regime – State policy – systemic interdependencies
– South vulnerability – Transatlantic bloc
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Notas
1
Utilizamos o termo de sistema financeiro internacional no sentido amplo de um conjunto
composto de elementos interdependentes e que é dotado de uma dinâmica de reprodução, ainda
que seja instável. Certos autores distinguem sistema e regimes. A ausência ou existência de uma ordem
institucional, isto é, “uma lei comum implicando limitações de soberania e suscetível de estabilizar relações” constitui um fator discriminante entre sistema e regime (KEBABDJIAN, 1999, p.143).
2
O uso do termo “mercados” deve evidentemente ser nuançado. Nós o empregamos, entretanto,
várias vezes neste capítulo em função de sua popularidade.
3
Na prática, os créditos existentes podiam ser trocados ou por ativos com valor de face depreciados (os bônus Brady) ou por ativos com taxas de juros prefixados e inferiores às taxas do
mercado. O principal e/ou uma parte dos juros estavam garantidos pela emisão de T-bonds
americanos “cupom-zero” (AGLIETTA e MOATTI, 2000).
4
Para uma análise crítica das medidas tomadas nos PECO, ver GOWAN, 1999.
5
No que se refere às aposentadorias por capitalização na Grã Bretanha, o Banco da Inglaterra
estima o déficit de financiamento das empresas das 100 maiores empresas em 57 G£ (isto é, 5,7%
de sua capitalização). A CIB (patronal) o estima em 160 G£ para o setor privado não financeiro.
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A DIDMCA visava em particular reforçar o controle do Federal Reserve sobre a criação de
moeda pelos bancos. O Garn-StGermain Depository Institutions Act facilitou a diversificação
das caixas de poupança dando lhes a possibilidade de desenvolver suas atividades sobre os
mercados de futuros, de crédito comercial, etc.
7
O superávit orçamentário era de US$ 250 bilhões em 2000, ou seja, 2,5% do PIB. O déficit
orçamentário deve atingir em 2004, entre US$ 477 (Congressional Budget Office) e US$ 521
bilhões (Office of Management Budget), ou seja, mais de 4,5% do PIB.
8
O capital financeiro pode ser caracterizado de duas maneiras complementares. Inicialmente ele
desgina uma relação econômica completamente específica, na qual o dinheiro funciona como un
capital que produz una renda sem a mediação da produção. Mas o capital financeiro designa
também organizações (ou instituições) cuja atividade é a coleta, a aplicação dos recursos financeiro ou ainda a consutoria e a análise dessas atividades de coleta e de aplicação. Para desenvolvimentos complementares, ver Serfati, 2000, e sobre o caso dos EUA, Roturier e Serfati, 2003.
9
Uma definição tradicionalmente proposta do “contágio” é a propagação de choques além daquele que pode ser explicado pelas informações macroeconômicas fundamentais.
10
Um contrato a termo permite vender uma quantidade de moeda a um preço fixado para entrega
em determinada data no futuro, e de tomá-la emprestada no dia do contrato, esperando que ela se
desvalorize em porcentagem superior àquela que recai sobre o empréstimo da divisa.
11
O valor a risco é um método de cálculo do risco (de taxa de juros, da taxa de câmbio, sobre
derivativos) incorrido por uma instituição financeira. O valor a risco Var = montante da posição
x volatilidade. A volatilidade é igual à parte da posição que pode ser perdida com uma probabilidade dada (p. ex. 85%) em caso de evolução desfavorável do mercado.
12
Embora estabeleça uma distinção entre a moeda e a finança, Keynes é consciente do abrandamento das fronteiras. “Pode-se traçar uma linha de demarcação entre a “moeda” e os “créditos” no
ponto que melhor convém a cada problema particular. Por exemplo, pode-se identificar diretamente à moeda um poder de compra geral que o titular não cedeu por um período superior a três
meses e aos créditos os direitos alienados por um período mais longo. No lugar de três meses nós
podemos em qualquer situação escolher um mês, três dias, três horas ou um período qualquer; ou
ainda nós podemos excluir da moeda toda riqueza que não tem imediatamente poder liberatório”
(KEYNES, 1983, p.122) (destaques do texto original).
13
Giraud propõe a seguinte distinção no que se refere aos bancos. “A iliquidez, definida como
uma insuficiência temporária e reversível de reservas, deriva do fato de os bancos pedirem
emprestado geralmente mais do que emprestam. A insolvência de um banco é provocada por um
volume de empréstimos mal sucedidos que excede as reservas acumuladas” (GIRAUD, 2001, p. 45).
14
Embora esse tema tenha sido já abordado antes por Baring e Thornton, ver Kindleberger, 1996.
15
Daí o comentário freqüente formulado pelos não especialistas: por que não fornecer os meios
de pagamentos necessários às populações do Sul para lhes permitir adquirir os bens produzidos
em excesso no Norte? O que retorna à proposição de resolver a falta de solvência das populações
pelo fornecimento da liquidez.
16
Sgard distingue 5 formas principais de crises de liquidez provocadas pela globalização financeira, onde a gravidade vai crescendo e atinge in fine “a moeda como instituição pública” (SGARD,
2002, p.94).
17
Segundo a pesquisa trienal do Banco de Compensações Internacionais, o volume diário de
transações sobre o mercado de câmbio era de US$ 1.173 bilhões em 2001. O volume diário de
contratos fictícios nos mercados de derivativos over the counter se elevava a quase US$ 100.000
bilhões. Segundo o BRI, essas somas fornecem “uma medida da exposição aos riscos dos merca-
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dos nos quais os participantes decidem enfrentar assim que se engajam em transações com
derivativos” (BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS, 2002, p. 22).
18
Os créditos de nove grandes bancos americanos sobre o México representavam 44% de seu
capital.
19
As instituições financeiras internacionais, que criaram essas arquiteturas financeiras em benefício dos bancos e dos fundos de aplicação americanos e europeus, funcionam sobre a base de um
“capitalismo entre amigos” (STIGLITZ, 2002 e 2004).
20
A UNCTAD insiste sobre esse ponto. A relação IDE/FBKF (formação bruta de capital fixo) era
1,7% mais elevada nos anos 90 que nos anos 80, mas a relação FBKF/PIB diminuiu em 0,6% no
mesmo período (UNCTAD, 2003).
21
Para uma discussão crítica da defesa de um “bem coletivo mundial”, ver Serfati, 2003.
22
Encontrar-se-ão em Aglietta e Moatti, alguns elementos sobre as transformações do funcionamento do FMI com relação às modificações de seu papel (AGLIETTA e MOATTI, 2000).
23
Essas diferenças diminuíram claramente em 2003 e 2004
24
Pode-se falar de um triplo déficit, pois ao duplo déficit da era Reagan (déficit comercial e do
orçamento federal) deve-se somar a taxa de poupança negativa das famílias.
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REVISTA Soc. Bras. Economia Política, Rio de Janeiro, nº 18, p. 7-38, junho 2006
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