Comunicações dos Seminários da Presidência da República, 2012

Transcrição

Comunicações dos Seminários da Presidência da República, 2012
COMUNICAÇÕES APRESENTADAS NOS
SEMINÁRIOS DO GABINETE DE ESTUDOS DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
ORGANIZAÇÃO
Arlete Matola . Johane Zonjo . Sérgio Padeiro
2012
GABINETE DE ESTUDOS
DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
O Gabinete de Estudos agradece:
Aos participantes dos debates
Ao Gabinete de Imprensa da Presidência da República
Ao Gabinete do Protocolo do Estado
À Direcção de Administração e Finanças da Presidência da República
Ficha Técnica
Título:
Comunicações dos Seminários
da Presidência da República
Coordenação:
Organização:
Editor:
Revisão:
Coordenação da edição de som e fotografias:
Edição de vídeo:
Fotografias:
Gravação:
Design Gráfico:
Produção:
Número de Registo:
Tiragem:
Local e data da publicação:
Arlete Matola
Arlete Matola, Johane Zonjo e Sérgio Padeiro
Gabinete de Estudos da Presidência da República
Arlete Matola e Johane Zonjo
Marlene Magaia
Jerónimo Nhamunze
Elídio Tembe, Ezidório Armando Ribeiro, Eulálio Lucas
Monteiro, Fernando Timane, Armando Munguambe
Gabinete de Imprensa da Presidência da República
Luís Jussa
PACTO Imagem, Lda.
7595/RLINLD/2012
1.500 exemplares
Maputo, Novembro de 2012
Índice
SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA
COLECTÂNEA............................................................................6
A INDÚSTRIA DE HIDROCARBONETOS EM
MOÇAMBIQUE: CAMINHOS A PERCORRER
PELOS MOÇAMBICANOS
(Comentário ao texto de Nelson Ocuane)
Daúd Jamal.................................................................................................151
NOTA DO EDITOR................................................................10
.
OS DESAFIOS DO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DA
JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
A INICIATIVA PRIVADA COMO UM DOS
INSTRUMENTOS DINAMIZADORES DA
ECONOMIA DO NOSSO PAÍS
Filipe Sebastião Sitoi.......................................................................................155
Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza...................................................14
OS DESAFIOS DO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DA
JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
(Comentário ao texto de Filipe Sebastião Sitoi)
O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FACE AOS
DESAFIOS DO SECTOR
Tomás Luís Timbana..................................................................................................197
Aurélio Amândio Zilhão....................................................................................21
O DEBATE COMO UM DOS INSTRUMENTOS DA
CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO COMUM DO NOSSO PAÍS
OPORTUNIDADES DE INVESTIMENTO EM
MOÇAMBIQUE:
Sua Excelência, Armando Emílio Guebuza..............................................209
DESAFIOS PARA O EMPRESARIADO NACIONAL
Adriano Afonso Maleiane...................................................................................35
POR UM PENSAMENTO ENGAJADO
Severino Elias Ngoenha.....................................................................................61
COMENTÁRIOS E “ADENDA” AO TRIPLO CONTRATO
DE SEVERINO NGOENHA
José Paulino Castiano.................................................................................96
A INDÚSTRIA DE HIDROCARBONETOS EM
MOÇAMBIQUE: CAMINHOS A PERCORRER PELOS
MOÇAMBICANOS
Nelson Ocuane.............................................................................108
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
SOBRE OS AUTORES DAS COMUNICAÇÕES DA
COLECTÂNEA
Aurélio Amândio Zilhão: É Licenciado em Medicina pela Universidade
Eduardo Mondlane, e possui o Grau de Especialista em Medicina Interna.
Trabalhou no Gabinete de Estudos e, posteriormente, na Secção de Nutrição
ao nível do Ministério da Saúde (MISAU). Foi Director Provincial de Saúde
de Tete, cargo que exerceu em regime de acumulação com a de Director do
Hospital Provincial de Tete. De 1984 até 1994, foi docente na Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), onde exerceu vários cargos de direcção ao nível
da Faculdade de Medicina daquela instituição universitária de ensino superior.
Foi ainda Director do Hospital Central do Maputo, Deputado da Assembleia
da República e de 1995 a 1999 assumiu o cargo de Ministro da Saúde da
República de Moçambique. Actualmente é Director do Instituto Superior de
Ciências de Saúde (ISCISA) e Bastonário da Ordem dos Médicos.
Adriano Afonso Maleiane: É Mestrado (Msc) em Economia Financeira
pela Universidade de Londres (SOAS), Licenciado em Economia pela
Universidade Eduardo Mondlane e Diplomado em Contabilidade pelo
Instituto Comercial de Maputo. Está ligado à actividade bancária e financeira
há mais de 38 anos. No Banco de Moçambique exerceu várias funções,
nomeadamente: Governador do Banco de Moçambique durante 15 anos e nessa
qualidade dirigiu reformas no quadro de desenvolvimento do sistema bancário.
Vice-Governador, Administrador e Director. Como técnico bancário foi analista
principal de crédito à Indústria, Transportes e Comunicações e Construção. A
sua experiência bancária inclui bancos de retalho, Banco Comercial de Angola
e Casa Bancária de Moçambique ambos integrados no Banco de Moçambique,
em 1978. É Docente da cadeira de Sistema Financeiro na Faculdade de
Economia da Universidade Eduardo Mondlane. Leccionou ainda as cadeiras
de Contabilidade Geral, de Custos, Bancária e de Seguros, no Instituto
Comercial de Maputo. Tem publicações de natureza económica e financeira
na colectânea STAFF PAPER do Banco de Moçambique. É Membro da
Associação Moçambicana de Economistas e do Instituto de Auditores Internos
de Moçambique. Presentemente é Presidente da Comissão Executiva do Banco
Nacional de Investimento (BNI).
Severino Elias Ngoenha: É Doutorado em Filosofia pela Universidade
Gregoriana de Roma. É responsável pela Pós-Graduação na Universidade
São Tomás de Moçambique desde 2010. É Professor Convidado em várias
8
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
universidades, sendo de destacar a Universidade Roma III; Universidade de
Bologna; Universidade Eduardo Mondlane; Instituto Superior de Relações
Internacionais em Maputo. É representante da Universidade de Lausanne pela
Suíça Francesa na Escola Doutoral em Ciências da Educação, desde 2005 e
responsável do programa de Mestrado em Educação e do Laboratório de Ciências
da Educação na Universidade de Lausanne e Professor Associado na mesma
universidade. Foi responsável pela introdução da filosofia, o que corresponde a
elaboração dos curricula, formação e acompanhamento dos professores, elaboração
dos materiais didácticos e do ensino. É ainda investigador sénior do Fundo de
Investigação Científica Suíço, do Programa Europeu em Ciências Sociais
(Comenius) da DDC (Cooperação Suíça) e pelo Banco Mundial. Produziu
várias publicações sendo de destacar A Longa Marcha por uma “Educação para
Todos” em Moçambique; Machel: Ícone da Primeira República e O Barómetro
da Educação em Moçambique.
José Paulino Castiano: É Doutorado em Filosofia com especialidade
em Educação pela Universidade de Hamburgo na Alemanha. Actualmente
ocupa o cargo de Pró-Reitor para a Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão na
Universidade Pedagógica e lecciona Pensamento e Filosofia Africana; Filosofia
da Pós-Modernidade e Filosofia da Educação. Director do Centro de PósGraduação, Director do Instituto de Investigação Social e Educação (ISOED)
e membro não-executivo da Comissão Nacional de Avaliação da Qualidade
no Ensino Superior (CNAQUE). Docente em mestrados e licenciaturas nas
Universidades Pedagógicas e Universidade Eduardo Mondlane. Participou em
diversos eventos científicos e de consultoria. Possui várias publicações sendo de
destacar a obra O Barómetro da Educação em Moçambique. Estudo-Piloto sobre
a Educação Básica, em co-autoria com Severino E. Ngoenha & Manuel Guro
Zianja, bem como Pensamento Engajado: Ensaios sobre Filosofia Africana,
Cultura Política e Educação, com Severino Ngoenha.
Nelson Ocuane: É Licenciado em Geologia pela Universidade Eduardo
Mondlane e Pós-Graduado em Administração e Gestão de Empresas pelo
ISCTE de Lisboa e A Politécnica de Moçambique. É Certificado em Gas and Oil
Management & Business Administration pela CWC de Londres e pela Microsoft
da Noruega em Administração e Gestão de Redes Informáticas. Tem 14 anos de
experiência no sector de petróleo e gás. De 2005 a 2007 foi Administrador do
Pelouro de Pesquisa e membro do Conselho de Administração do Instituto Nacional
de Petróleo. Desde 2007 é Presidente do Conselho de Administração da Empresa
Nacional de Hidrocarbonetos. Para além da Gestão e Administração de Empresas
do ramo petrolífero, tem uma vasta experiência como geocentista na pesquisa de
9
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
petróleo e gás, cálculo de reservas, avaliação de bacias sedimentares e prospectos.
Participou na preparação, lançamento e avaliação de concursos internacionais para
a concessão das áreas de pesquisa, na negociação de contratos de pesquisa e produção
de hidrocarbonetos, bem como na negociação de financiamento.
Daud Jamal:
É Licenciado em Geologia pela Universidade Eduardo
Mondlane e Doutorado em Geologia pela Universidade de Cape Town. É docente
do Departamento de Geologia na UEM desde 1992, na área de Geodinâmica
Interna. Foi membro de Conselho Académico da Universidade Eduardo Mondlane
e Director-Adjunto para Docência da Faculdade de Ciências desta Universidade.
As suas áreas de interesse abarcam geodinâmica interna, metalogenia e ensino de
geociências. Para além das actividades de docência e pesquisa, actualmente exerce
o cargo de Presidente da Associação Geológica Mineira de Moçambique, a qual
representa no Comité de Coordenação da Iniciativa de Transparência da Industria
Extractiva.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
International Legal Network, uma rede de escritórios de advogados com sede
em Lisboa. Foi Director Adjunto para Investigação e Extensão da Faculdade de
Direito da UEM e membro do Conselho Académico da mesma universidade.
Tem trabalhado em consultoria e assessoria jurídica e participou em inúmeras
comissões de revisão da demais legislação no País. Possui uma vasta experiência em
contencioso civil, comercial, laboral e administrativo e ultimamente tem se dedicado
ao estudo e investigação em recursos naturais e energia. Possui dezenas de artigos
publicados em revistas nacionais e estrangeiras e é autor de três obras nas áreas do
direito processual civil e direito de trabalho, nomeadamente: A Rescisão Unilateral
do Contrato de Trabalho com Justa Causa (2006); A Revisão do Processo Civil
(2007); e Lições de Processo Civil I (2010).
Filipe Sebastião Sitoe: É jurista, advogado, consultor jurídico sénior e docente
universitário da Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane.
Colabora com outras instituições do ensino superior
(A Politécnica e o ISCTEM). É membro do Conselho Superior da Magistratura
Judicial desde 2011 e actualmente é Vice-Presidente da Terceira Secção do Conselho
Jurisdicional da Ordem dos Advogados de Moçambique. As suas áreas de interesse
incluem o Direito Público e Privado e, na qualidade de assessor e advogado tem
lidado com muitos assuntos na área da reforma legal, do direito administrativo,
civil, criminal e laboral. Em 2007, foi contratado pela UTREL (Unidade Técnica
da Reforma Legal) para elaboração do Plano Estratégico do IPAJ (Instituto do
Patrocínio para a Assistência Jurídica). Como docente universitário na Faculdade
de Direito da UEM, desempenhou a função de Chefe de Departamento de
Ciências Jurídico Económicas (2007 a 2011). Foi Coordenador Adjunto do
Centro de Práticas Jurídicas. Como advogado, é membro da I.B.A. (International
Bar Association); da União dos Advogados da Língua Portuguesa; e da Lawyers
Association Annual Conference da SADC.
Tomás Luís Timbana É Mestre em Ciências Jurídicas e Doutorando em
Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
É docente universitário na Faculdade de Direito da UEM e advogado inscrito
na Ordem dos Advogados de Moçambique, onde é Presidente do Conselho
Jurisdicional. É formador convidado do Centro de Formação Jurídica e Judiciária
e membro do respectivo Conselho Pedagógico. É sócio coordenador do escritório
de advogados Gabinete Legal Moçambique e sócio internacional da PLMJ
10
11
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Nota do Editor
“[…] Precisamos de mais debates [..]. Somente o problema
que existe é que as coisas vão andando. Não podemos
esperar pelos debates para fazer as coisas, mas devemos
sempre tanto quanto possível compatibilizar os debates com
a realização daquilo que representa o melhoramento da vida
dos moçambicanos. O segundo aspecto é que sente-se que há
uma forte componente patriótica neste processo […] e oxalá
que esta componente patriótica continue a ser muito forte e seja
cada vez mas racionalizada também – é importante porque o
patriotismo sem racionalização leva a extremos e a fanatismos
perigosos. Mas o patriotismo está lá, então é um nosso recurso.
Vamos de forma racional, encontrar soluções para que todos os
moçambicanos, o Povo Moçambicano todo ele, possa beneficiar.
[...]” – Armando Guebuza1
Este número da colectânea contempla um conjunto de textos
que abarcam diferentes áreas de actividade da vida nacional. As
comunicações que se apresentam, são fruto de acesos debates que
têm tido lugar na Presidência da República, onde moçambicanos
representando diferentes sensibilidades aprendem todos uns com os
outros, enriquecendo as discussões e contribuições apresentadas nas
diferentes ocasiões na condição de activos participantes. Foi no espírito
aqui descrito que o académico, escritor e poeta moçambicano Filimone
Meigos caracterizou o espaço do debate na Presidência da República
como “um braço das Presidências Abertas e Inclusivas” que contribui
para “a construção permanente da nossa condição de mulheres e
homens moçambicanos”.
Os artigos constantes nesse número, alguns acompanhados de
comentários, conectam-se entre si na procura de respostas aos
desafios que se impõem ao sistema de governação desta jovem pátria
moçambicana. Essas respostas, surgem aqui como propostas para a
contínua melhoria das políticas públicas nacionais, apelando para um
Comentário do Presidente Armando Guebuza por ocasião do encerramento do Seminário sobre
A Participação dos Nacionais na Indústria de Hidrocarbonetos em Moçambique organizado pelo
Gabinete de Estudos da Presidência da República e que teve lugar no dia 25 de Julho de 2012.
1
12
melhor desempenho tanto por parte do Executivo quanto dos actores
do Sector Privado e da Sociedade Civil.
Assim, a colectânea abre com o artigo de Aurélio Zilhão, intitulado
O papel dos profissionais de saúde face aos desafios do sector que se debruça
sobre os desafios que se colocam aos profissionais de saúde bem como
ao Estado Moçambicano. Trata-se de uma reflexão orientada para a
melhoria das políticas institucionais no sector da saúde. Na realidade,
perante o aumento da população mundial no geral e a moçambicana
em particular, com o infalível processo de migrações, a diversidade
cultural que caracteriza o mundo, a complexidade tecnológica, a rápida
propagação de epidemias e o surgimento de novas doenças, desafia-nos a
assumir uma atitude de mudanças, nomeadamente a quebra de rotinas, a
redefinição do papel da família, da comunidade e da sociedade no sector
da saúde. Nesse quadro atrás traçado, impõe-se ao sector da saúde a
necessidade de continuar a reflectir e assumir uma atitude proactiva em
torno do papel dos profissionais deste sector nesta nova conjuntura.
Desse modo, Aurélio Zilhão apresenta o pensamento da classe médica
e dos trabalhadores de saúde em relação à forma como é que no
momento actual são prestados os cuidados da saúde em Moçambique.
A comunicação analisa (i) a extensão dos cuidados de saúde para uma
maior cobertura à populacional; (ii) a formação do pessoal de saúde,
dos médicos e dos especialistas; (iii) a preocupação pela retenção dos
médicos e médicos especialistas no Sistema Nacional de Saúde; (iv) a
situação do pessoal paramédico; bem como os aspectos da (v) eficiência,
humanização e credibilidade do Sistema Nacional de Saúde.
A segunda comunicação é uma reflexão em torno das oportunidades
de investimento em Moçambique nos últimos anos. A apetência pela
exploração dos recursos naturais existentes em Moçambique, tem
sido o chamariz para a vinda massiva de investidores estrangeiros, o
que em si já constitui um desafio. Por isso, a questão da participação
do empresariado nacional neste movimento tornou-se num tema que
se encontra no centro dos grandes debates em torno do crescimento
e desenvolvimento nacionais. Em Oportunidades de investimento em
Moçambique: Desafios para o Empresariado Nacional, Adriano Maleiane
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
procura responder a seguintes questões: i) como avaliar a prontidão
dos moçambicanos para esses novos desafios; ii) que oportunidades
existem; iii) como está estruturado o empresariado nacional para a sua
participação efectiva neste movimento de investidores estrangeiros; iv)
qual a adequação necessária dos organismos do Estado e das instituições
financeiras para apoiarem a participação do empresário nacional; e,
finalmente, v) que passos podem ser tomados para a materialização
deste desígnio nacional.
O artigo seguinte é de Severino Ngoenha e convida-nos a uma
viagem pelo mundo da filosofia, numa análise que assenta nos
desafios de Moçambique na consolidação do nacionalismo num
contexto pluralista. Através do texto Por um Pensamento Engajado,
Severino Ngoenha argumenta que a questão filosófica que se coloca
na actualidade moçambicana é a de como fazer com que a democracia
não se transforme num jogo de elites, de modo a que a maioria da
população possa, de facto, participar com conhecimento de causa, não
só através de um boletim de voto de cinco em cinco anos. Nesse sentido,
Ngoenha defende que a «tarefa» da filosofia é não esquecer que a nível
interno ainda não somos capazes de ser cabalmente responsáveis pela
nossa liberdade. Ela, a filosofia, incumbe-nos de descobrir e inventar
espaços de liberdade concretos, dar material e instrumentos teóricos aos
políticos nacionais. Desse modo, Ngoenha propõe um triplo contrato
para Moçambique: um contracto cultural, social e político. O debate
lançado por Severino Ngoenha não se esgota no seu texto, pois José
Paulino Castiano apresenta de seguida uma reflexão onde comenta a
ideia do triplo contrato defendida por Ngoenha e acrescenta-lhe novos
elementos a que chama de “adenda” ao triplo contrato, ou seja, que ele
chama de contrato de gerações.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
indústria-alavanca que impulsiona a produtividade no próprio sector
e em outros sectores nos quais os nacionais devem abraçar as várias
oportunidades e assumirem o desafio de resposta em relação a demanda
de bens e serviços que este tipo de indústria exige. Nesta óptica, o artigo
A Indústria de Hidrocarbonetos em Moçambique: Caminhos a percorrer pelos
Moçambicanos da autoria de Nelson Ocuane procura explorar a possível
ligação entre as receitas geradas pela indústria dos hidrocarbonetos
e o desenvolvimento no plano humano e social. A análise permite
sustentar que as receitas geradas pela indústria poderão contribuir
significativamente para o desenvolvimento social, através da criação de
um Fundo Soberano bem como através do investimento em projectos
em áreas que se interligam com o desenvolvimento económico, como,
por exemplo, a educação. A comunicação de Ocuane é acompanhada de
um comentário da autoria de Daud Jamal.
A colectânea encerra as discussões com o tema sobre a justiça. A
construção e consolidação de um Estado de Direito Democrático reside
em última instância numa administração da justiça célere e próxima ao
cidadão. É nessa ordem que a comunicação Os Desafios da Administração
da Justiça em Moçambique de Filipe Sitoi procura reflectir sobre os desafios
do sistema de justiça em Moçambique e perceber a ratio da administração
do sistema judicial em Moçambique, focalizando em quatro aspectos:
(i) os desafios e/ou obstáculos actuais da administração da justiça; (ii)
o papel dos seus principais actores; (iii) os avanços obtidos na reforma
legal e prisional em curso; (iv) a questão da garantia do acesso a justiça
por parte da população. A discussão sobre a administração da justiça
em Moçambique fica completa nesta colectânea com o comentário de
Tomás Timbana sobre a comunicação de Filipe Sitoi.
Desejamos ao nosso estimado leitor uma boa leitura!
Da filosofia passamos para os recursos minerais. Com efeito, as
importantes descobertas de gás em Moçambique colocam enormes
desafios no exercício da soberania nacional e no redimensionamento
dos desafios que se colocam ao desenvolvimento nacional. A actividade
económica de pesquisa e extracção de hidrocarbonetos é uma das que
mais gera reflexos nas indústrias de bens e serviços com benefícios para
o mercado interno e internacional. Por isso, afigura-se numa verdadeira
14
Maputo, Novembro de 2012
15
Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Distintos Painelistas,
Caros Convidados,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
É com bastante prazer e muita satisfação que nos dirigimos a
todos os convidados para como sempre, proceder à abertura
do ciclo de seminários 2012 neste espaço e num ambiente
que nos permite congregar e partilhar ideias e pontos de vista
num único objectivo de construir um Moçambique cada vez
melhor para todos. Por isso, quereremos saudar a todos os
presentes e desejar que o ano que ora inicia seja de muito
trabalho e repleto de sucessos para todos os Moçambicanos
do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico.
A INICIATIVA PRIVADA COMO UM DOS
INSTRUMENTOS DINAMIZADORES DA ECONOMIA
DO NOSSO PAÍS
Comunicação apresentada por Sua Excelência,
Armando Emílio Guebuza, Presidente da República
de Moçambique, por ocasião da abertura do Ciclo dos
Seminários do ano de 2012 organizados pelo Gabinete de
Estudos da Presidência da República
O tema deste seminário, “Oportunidades de Investimento em
Moçambique: Desafios para o Empresariado Nacional”, não podia
ser mais actual, numa altura em que a nossa Pérola do Indico
tornou-se num destino apetecível para os investidores,
sobretudo para as áreas de hidrocarbonetos, Silvicultura,
Turismo, Infraestruturas e outras.
E, é por isso que o Governo está, a par doutras tarefas
prioritárias nacionais, a dinamizar a actividade económica no
País, através da formulação e reformulação das suas políticas
com vista à consolidação do empresariado nacional e para
responder à demanda da implantação dos vários projectos de
desenvolvimento em curso no País.
Qualquer que seja o ângulo de análise, temos de convir que o
ambiente para o desenvolvimento empresarial é melhor hoje
no nosso País.
Devemos a esse respeito dar crédito às transformações
estruturais e à melhoria progressiva da estabilidade macro-
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
económica; mas também é justo realçarmos a tenacidade,
o empenho e o espírito de iniciativa de muitos dos nossos
empresários que contra todas as vicissitudes conseguiram
manter as suas empresas em produção.
É amplamente partilhada a análise de que a globalização,
enquanto expressão da dinâmica crescente da economia
mundial coloca cada vez mais as economias nacionais
perante pressões exógenas inescapáveis. Por isso, aos
nossos empresários e ao Estado, impõe-se a necessidade
de enfrentar com determinação, o repto lançado por esta
dinâmica crescente da economia global, visando uma inserção
vantajosa na mesma. Com efeito, a economia moçambicana
não pode alhear-se das rápidas e profundas transformações
que caracterizam a fase actual da economia mundial.
É neste contexto que o Governo assume o objectivo da inserção
activa na dinâmica da economia mundial, desejavelmente no
quadro de uma globalização regulada e integradora, assente
num princípio de equilíbrio de oportunidades e ameaças. Na
concretização deste desiderato a actuação do nosso Governo
orienta-se pela busca de parcerias com o sector privado, no
quadro de uma nova era de cooperação entre os sectores
públicos e privados, em particular com o empresariado
nacional, no sentido da redução das ameaças e da potenciação
das oportunidades.
Com efeito, um grande desafio a enfrentar pelo país é o
da logística e que envolve a todos nós, nomeadamente,
o Estado e o Sector Privado, bem como o da superação
qualitativa e estrutural da nossa economia, acompanhada
de um crescimento económico robusto e alicerçado nos
valores patrióticos. O Executivo aqui é chamado a continuar
a desempenhar um papel de relevo conjugando os seus
esforços com as demais forças vivas do nosso País.
18
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Assim, para além da persistência numa actuação determinada
de garantia permanente da estabilidade macro-económica,
outro traço distintivo do regime económico que se deseja
para Moçambique é o enfoque micro-económico, centrado
no lado da oferta e virado nomeadamente, para a melhoria
dos factores de competitividade das empresas e da nossa
economia no seu todo.
Deste modo, o apoio às empresas, em particular às PME’s,
a valorização de parcerias com as associações, a aposta na
formação profissional, nas tecnologias de informação e
comunicação, o apoio financeiro através da mobilização
de linhas de crédito, o incentivo da qualidade e de novos
modelos de gestão fazem parte do leque de medidas
visando o reforço do empresariado nacional. Mas colmatar
o défice qualitativo e estrutural que ainda caracteriza a
nossa economia, pressupõe igualmente o incentivo de uma
cultura de iniciativa, cooperação, gestão do risco, inovação,
qualidade, mudança, abertura, de gosto pela aprendizagem
permanente e, sobretudo, de valorização das capacidades
nacionais. Estas valências transversais ou factores dinâmicos
de competitividade contribuirão para o alargamento da base
produtiva, bem como para o reforço da competitividade do
país, no quadro da sua participação na economia global.
Queremos um sector privado que realize investimentos
rentáveis para si e para a economia nacional e que seja capaz
de cumprir as suas obrigações fiscais. Passo importante foi já
dado ao nível local, no quadro da metodologia participativa
utilizada na gestão dos 7 milhões, que mobilizaram de
forma significativa as capacidades nacionais e potenciaram o
objectivo da apropriação e da participação na economia nas
zonas rurais do nosso país.
A Reforma do Sector Público, ao introduzir elementos de
eficácia, eficiência, racionalidade, transparência e maior
segurança, visa contribuir para a criação de um ambiente
19
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
institucional favorável à iniciativa e investimento privados
incluindo o investimento directo estrangeiro.
A terminar, gostaria de desafiar os nossos Empresários e as
Associações Empresariais no sentido de, para com base na
parceria inteligente existente com o Governo, continuarmos
a atacar as grandes questões do sector produtivo nacional.
Este seminário dá-nos mais uma oportunidade para orientar
um debate aberto e produtivo.
Assim, declaramos aberto o ciclo de seminários do Gabinete
de Estudos do ano 2012.
O nosso muito obrigado!
20
O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE FACE
AOS DESAFIOS DO SECTOR
Por: Aurélio Amândio Zilhão
Senhor Presidente da República,
Senhores Ministros,
Senhores Assessores do Gabinete da Presidência da República,
Senhores convidados,
Caros colegas,
Minhas Senhoras e meus Senhores,
A Ordem dos Médicos de Moçambique (OrMM) sente-se muito
honrada pelo privilégio de poder expôr a Vossas Excelências o
pensamento da classe médica e dos trabalhadores de saúde em
relação à forma como no momento actual são prestados os
cuidados da saúde no nosso País.
Fá-lo com mandato conferido pela Lei nº 3/2006 que cria a
Ordem dos Médicos e a responsabiliza pela qualidade do acto
médico que é oferecido a população, não só através da idoneidade
técnica de quem realiza como pela forma e qualidade como é
prestada.
Hoje, sente-se na realidade,
• Que há uma certa insatisfação popular na forma como as
populações são atendidas;
• Que o Serviço Nacional de Saúde não responde ainda às
necessidades globais de todo o País;
• Que há falta de medicamentos e equipamentos;
• Que as unidades sanitárias lutam com falta de recursos
humanos;
• Que o pessoal da saúde está desmobilizado e desmotivado
procurando assim actividades paralelas ou saindo mesmo do
Sistema Nacional de Saúde para resolver os seus problemas
de sustentabilidade pessoal.
Dr. Aurélio Zilhão no uso da palavra
É pois, perante estas constatações gerais que a OrMM, que
tem um mandato do Estado de garantir uma assistência
médica de qualidade às populações, aceitou com muito júbilo
e fundamentalmente o sentido de alta responsabilidade, esta
oportunidade de expor à Vossas Excelências algumas ideias para
debate.
Queria aqui reafirmar que a saúde de uma comunidade depende
de uma multiplicidade de factores, e não propriamente aqueles
que estão ligados ao Ministério da Saúde (MISAU), dos quais
poderia citar os principais:
•
•
•
•
•
•
Uma habitação condigna;
Um abastecimento de água potável;
Uma alimentação diversificada;
Uma educação e um combate ao analfabetismo;
Um acesso a informação;
Saneamento do meio, entre outros.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Senhor Presidente,
Senhores convidados,
Sem estas condições básicas e essenciais na vida de qualquer
cidadão, nenhum programa de saúde, por melhor e mais
sofisticado que ele seja, vai resultar numa melhoria dos
indicadores de saúde:
• Vamos continuar a ter uma esperança de vida baixa: cerca de
52,9 anos actualmente;
• Vamos continuar a ter uma mortalidade materna das piores
do mundo (500 mortos por complicações de parto em
100.000 partos);
• Vão continuar a morrer mais recém-nascidos e crianças
até os 5 anos. A mortalidade infantil é pior nas zonas rurais
onde se morre por Malária, Tuberculose, Cólera, HIV/
SIDA, diarreias, e outras doenças infecto-contagiosas e até
parasitárias que estão erradicadas nos países desenvolvidos;
• Vamos continuar a estar colados e colocados na cauda
dos países sub-desenvolvidos, segundo o Índice de
Desenvolvimento Humano de 2011.
O MISAU não pode fazer milagres! É preciso que todos e cada
um faça os esforços possíveis no mesmo sentido. Mas, Senhor
Presidente, com aquilo que temos, com o desenvolvimento
económico que hoje registamos, o crescimento de 8% ao ano, o
aumento do P.I.B Nacional, pensamos que é possível fazer mais
e melhor. É possível gerir melhor os nossos recursos e canalizar
melhor os bons resultados da nossa economia.
É preciso que o Orçamento Geral do Estado (O.G.E.) reflicta as
prioridades do País, definidas no Plano Quinquenal do Governo
e no Compromisso de Abuja, no caso da saúde. Se a prioridade
é a Saúde, Educação, Habitação, Estradas, Agricultura, então
que se canalizem mais recursos para estas áreas. Não podemos
desperdiçar Orçamentos do Estado em despesas que não
24
reflictam as reais prioridades do País. Devemos fazer sacrifícios
sim, para que a Educação e a Saúde sejam aspectos importantes
no desenvolvimento deste País.
Senhor Presidente,
Senhores Ministros,
Senhores convidados,
Vamos então expôr para debate aquilo que podemos propôr para
uma melhor assistência sanitária no nosso País:
Primeiro ponto: Extensão dos Cuidados de Saúde para uma
maior cobertura populacional
Como todos sabem, o Serviço Nacional de Saúde (S.N.S.) só
cobre 70% da população do nosso país, temos outros 40% que não
tem acesso a nenhum tratamento de saúde. Também sabemos que
a cobertura sanitária do País se deve fazer com atenção primária
de saúde, através dos Centros e Postos de Saúde, Maternidades e
Hospitais Rurais nos Distritos. Neste primeiro nível de atenção
de saúde, grande parte daquilo que são as preocupações em
termos de saúde da população poderão ser alcançadas através de:
•
•
•
•
•
•
•
Educação para a saúde;
Saneamento do meio – latrinas, lixo;
Abastecimento de água potável;
Campanhas de vacinação;
Protecção a mãe e à criança – maternidade;
Vigilância epidemiológica constante; e
Tratamento das principais doenças como Tuberculose,
Cólera, Malária e Sida.
Para este nível, estão previstos médicos generalistas e/ou
especialistas em Saúde Familiar e Comunitária. O Hospital
25
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Rural, que é a unidade sanitária de referência para os Centros
de Saúde, dispõe dos cuidados essenciais de Cirurgia com
uma cobertura de mais de 80% dos casos Cirúrgicos e Trauma,
Maternidade, Pediatria e Medicina Interna.
O Governo decidiu no processo de descentralização que os Postos,
Centros de Saúde e Maternidades periféricas, estariam sob tutela das
Autarquias, dos Governos Distritais e de grandes empresas. O papel
social das grandes empresas no nosso País no desenvolvimento da
saúde, é um aspecto que deve merecer uma reflexão. Ao MISAU
caberia o apoio técnico, o fornecimento do Pessoal de Saúde, regras
de funcionamento da Unidade Sanitária e, fundamentalmente, a
fiscalização. Os orçamentos são agora descentralizados, há mais
recursos financeiros locais e também uma maior iniciativa local.
Então, porque não avançar com estas alternativas para a extensão
dos cuidados de Saúde?
Se as populações exigem uma maternidade ou um Centro de
Saúde em determinadas localidades, devem-se organizar, mobilizar
recursos e construir. O MISAU tem o plano de extensão de cuidados
de saúde diversificados e diferenciados e os governos locais devem
naturalmente articularem-se com o MISAU. Este, o MISAU,
fornece-lhes os projectos, as especificidades do equipamento, as
regras, os programas e até a formação do pessoal que vão necessitar
mas, cujo salário deve ser pago pela Autarquia ou Governo Distrital
ou Empresa. Os medicamentos e consumíveis devem continuar a
ser da responsabilidade dos órgãos centrais do Estado, o MISAU.
Quanto ao funcionamento dos Hospitais mais diferenciados,
Rurais, Provinciais e Centrais, o Estado não deve abdicar da
sua responsabilidade.
Segundo Ponto: Formação do Pessoal de Saúde
Foi publicado pela Direcção dos Recursos Humanos do MISAU,
um documento importante e interessante: o Observatório dos
26
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Recursos Humanos, que deve ser do conhecimento de todos
e sobretudo daqueles sectores que planificam a formação de
trabalhadores de saúde de todas as áreas e a todos os níveis.
Segundo este observatório, temos 18.625 trabalhadores de
saúde em todas categorias e de todos os níveis para uma
população de 22.000.000 de habitantes. Na prática, isto quer
dizer que existe menos que um trabalhador de saúde para
mais de 1.000 habitantes, o que é impressionante! Mas, nós
temos capacidade de formar e bem, profissionais para saúde
desde o nível local ao central. Temos Escolas de formação,
temos docentes, temos locais de formação que são os
Hospitais e temos os alunos! O que não temos é o respectivo
financiamento, e sobretudo para pagar salários! Se há vontade
política de fazer, então que se canalizem recursos! Esta é uma
questão decisiva.
A formação de pessoal é estratégica e decisiva em qualquer
situação. Ao se construir Unidades Sanitárias devem-se
prever os quadros necessários para o seu funcionamento. É
preciso dinamizar a proposta há muito apresentada e aprovada
de se criar uma rede de Instituições de Formação espalhadas
por todo País! É preciso que as orientações e informações
emanadas pelo MISAU cheguem até as localidades mais
recônditas do País e as Escolas são o melhor meio de
difusão.
O MISAU tem capacidade para fazer chegar as suas mensagens
até às localidades mais afastadas, onde estava uma extensão
do MISAU – os Agentes Polivalentes Elementares.
Os Agentes Polivalentes Elementares tinham um papel
importantíssimo na mobilização das populações, na garantia
do saneamento do meio, nas medidas higiénicas e na
promoção da saúde. A questão central que se põe é se vamos
continuar a formar esses Agentes polivalentes elementares?
27
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Tinha-se decidido que, em todas as Capitais Distritais, fosse
criada uma Escola de Formação de Ciências de Saúde anexada ao
respectivo Hospital Rural. Em todas as Capitais Provinciais, um
Instituto de Ciências de Saúde, também ligado aos respectivos
Hospitais que já existem. Finalmente, em Maputo, ao Instituto
de Ciências de Saúde caberia Valências de Especialização.
Pelo Ministério da Educação foi criado o Instituto Superior de
Ciências de Saúde (ISCISA) que forma quadros superiores nas
diversas áreas de Saúde, vértice da pirâmide laboral da força
de trabalho no Distrito. Para que esta Escola funcione e possa
formar a força de trabalho necessária é preciso que se canalizem
recursos financeiros. A formação é um investimento mais caro
de um país. Sem esta formação intensiva de trabalhadores de
saúde de nível Elementar, Básico, Médio e Superior não é
possível sustentar-se o Serviço Nacional de Saúde. A extensão
do ISCISA às províncias é uma necessidade estratégica e um
vector para que profissionais do ramo possam progredir na sua
carreira e não abandonem o Serviço Nacional de Saúde, como
acontece actualmente. Trabalhadores do ramo da saúde vão fazer
outros cursos sem relação com a saúde: Direito, Geografia, etc.,
o que não quer dizer que não sejam importantes para o País,
mas significa uma diminuição da mão-de-obra para os sectores
para onde foram formados.
Terceiro ponto: Formação do Médico
O País tem 1 médico para 35.000 habitantes. A OrMM realizou
um Seminário Nacional em 27 de Outubro com a participação
da Sociedade Civil, Universidades e Escolas de Medicina, para
debate sobre este tema da “Formação Médica e o Exercício da
Medicina no nosso País”. Foram conclusões deste Seminário:
1. É necessário planificar as necessidades de formação em
função das necessidades de Saúde das populações sem no
entanto descurar aspectos ligados à qualidade de formação.
28
2. Necessidade de reforma do ensino médico que deverá passar
pela redefinição de critérios de ingresso, perfil do médico
a ser formado, duração do curso e a forma específica de
culminação.
3. Na formação médica é necessário dar um enfoque particular
aos aspectos Éticos e Deontológicos.
4. É preciso criar critérios para abertura de novas Escolas. Hoje
em dia vemos escolas de medicina que funcionam em quintais
das casas… Devemos cuidar das infra-estruturas, docentes e
campos de estágios.
5. De forma contundente, há necessidade de fiscalização do acto
Médico pela OrMM como forma de garantia de qualidade dos
cuidados prestados à população.
6. Aproveitamos esta ocasião, para saudar a decisão tomada pelo
Governo, de retorno na nossa maior Universidade, ao anterior
currículo, para uma formação de qualidade e que responda ao
perfil do médico que queremos para este nosso País.
É preciso formar mais médicos com qualidade, com conhecimento
e com espírito de liderança.
Senhor Presidente,
O Médico é a última esperança de um cidadão. Por isso, deve ser
competente e capaz de resolver qualquer situação e se possível salvar
a vida. Aqui, não há lugar para meios médicos, ou então estaremos
a enganarmo-nos a nós próprios. O Médico é o vértice da pirâmide
e tem, por isso, uma enorme responsabilidade social no nosso País.
A formação de um médico deve ser cuidada e exigente.
Quarto ponto: Formação de Especialistas
Para se garantir a qualidade do acto médico, contamos com
os especialistas. Desde 1980 foram criados programas de
29
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
especialização, mas pela escassez de formação de médicos,
pela necessidade de os colocar em lugares estratégicos nos
distritos, contribuindo para o seu desenvolvimento, não se
foram formados especialistas ao ritmo que desejaríamos. Basta
dizer que nos 35 anos de Independência, apenas formamos 250
especialistas.
Actualmente, já se graduam nas Escolas de Medicina cerca de
100 médicos/ano e em termos perspectivos a partir do próximo
ano chegarão aos 150 Médicos/ano. Portanto, é hora de alterar
este paradigma. Com este número de médicos é possível iniciarse uma formação de especialistas em grande escala. No País, no
ano 2011 que está a findar, existem 317 especialistas nas diversas
áreas. A previsão total até ao ano 2025 – portanto daqui a 15
anos – é de 1226 especialistas. Em 35 anos formamos pouco
mais de 250 especialistas, em 15 anos queremos formar 1226
especialistas. Como fazer para atingir esta cifra? Há necessidade
que esta formação comece a ser periférica, isto é, em outros
Hospitais do País e não só no Hospital Central do Maputo mas
também na Beira, em Nampula, em Quelimane e alguns outros
Hospitais Provinciais que reúnam condições para o efeito.
Para que esta formação se torne efectiva, é necessário canalizar
recursos financeiros e tomadas algumas decisões políticas, como
a de permitir que alguns médicos possam entrar directamente
para a especialização sem a obrigatoriedade de 2 anos de prática
clínica no Distrito. Estarão assim criadas as condições mínimas
para a formação de especialistas, responsabilidades repartidas pela
OrMM, que através dos Colégios de Especialidades, responde
pela planificação, organização e creditação dos especialistas
e pelo MISAU que responde pela criação de condições de
funcionamento dos Hospitais do Serviço Nacional de Saúde.
Foi já aprovado pelo Governo, o Regulamento da Pós-Graduação
e existe uma Comissão Nacional Conjunta da Pós-Graduação
que é órgão executivo na formação de especialistas.
Só a formação de especialistas permitirá um salto qualitativo
30
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
no Sistema Nacional de Saúde e quiçá também sinónimo de
prestígio do nosso País. É preciso lançarmo-nos com coragem,
mas sobretudo, com cometimento num programa ambicioso de
formação de especialistas.
Quinto ponto: Retenção dos Médicos e Médicos Especialistas
no Serviço Nacional de Saúde
Porque razão os médicos abandonam o Serviço Nacional de
Saúde?
No período de 2005 a 2011 abandonaram o Serviço Nacional
de Saúde 170 médicos. Claramente, começa a perceber-se que
neste momento a nata de médicos é a que está a abandonar o
Sistema, os médicos especialistas. Faço-me perceber, grandes
hospitais começam a surgir nas capitais provinciais e como elas
não têm capacidade de formação elas contratam especialistas
já formados pelo Estado no Serviço Nacional de Saúde. Os
médicos abandonam o Serviço Nacional de Saúde:
1. Primeiro são os interesses económicos. Ganham mais e
quanto mais trabalham mais ganham;
2. Têm melhores condições de trabalho e com meios
necessários para exercer uma medicina de qualidade;
3. Têm maior liberdade na tomada de decisões e tem menor
responsabilidade social.
E afinal, o que é que oferece o Serviço Nacional de Saúde? O
Serviço Nacional de Saúde oferece:
• Uma aprendizagem contínua, normalmente mal reconhecida
pelo público;
• Satisfação profissional, mas com um baixo salário;
• Auto-confiança, mais muito trabalho, muitas situações de
urgência, com precárias condições de trabalho;
• Muitas insuficiências, sem equipamento de diagnóstico e
31
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
tratamento e por vezes até, com falta de medicamentos básicos,
para a sua concretização.
O que propomos para reter os médicos no Serviço Nacional de
Saúde?
1. A aprovação do Estatuto do Médico é um imperativo a
que toda a classe médica se encontra empenhada. Será um
dispositivo marco de dignificação da classe e nele estão
contidos os direitos e deveres dos médicos, as carreiras
profissionais, os contratos laborais e a grelha salarial para
cada nível.
Senhor Presidente,
Sexto ponto: Em relação ao Pessoal Paramédico
Este pessoal é decisivo para o funcionamento das unidades
sanitárias no Sistema Nacional de Saúde. Se formos ao
Observatório dos Recursos Humanos do MISAU, podemos
ver que dos 1200 médicos existem, existem 16.000 profissionais
de saúde. Se compararmos o número destes profissionais
com os existentes nos Países da região, Moçambique fica
muito aquém dos rácios recomendados pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). Sem este pessoal de saúde bem
preparado, motivado, com salário condigno e hierarquizado,
não é possível pôr a funcionar o Serviço Nacional de Saúde.
É preciso dar, como dissemos, um grande impulso a esta
formação.
Gostaríamos o seu empenho pessoal na aprovação deste
instrumento de grande importância.
2. É preciso garantir um salário confortável a tempo completo.
Não é coisa nova. Existem outras categorias profissionais
com salários bem mais altos que os nossos.
Os Planos da extensão de rede Sanitária devem estar
perfeitamente articulados com todos os outros planos
estratégicos de formação de pessoal, equipamento,
consumíveis, medicamentos e transportes. O MISAU através
do Departamento de Planificação, D.R.H. e Assistência
Médica tem toda a capacidade de definir planos estratégicos
ajustados.
3. Pagamento dos Serviços de urgências, sobretudo nocturnas
e horas extraordinárias. Quem trabalha mais, deve receber
mais!
Sétimo ponto: Eficiência e Humanização
4. Participação em
refrescamento.
fóruns
científicos
e
cursos
de
Já sabemos que o fenómeno de saída de médicos é um
fenómeno global. Não se pode travar ou impedir. Temos é que
ter a capacidade de ir formando, com maior velocidade, e ir
substituindo e com qualidade desejada.
32
O Sistema Nacional de Saúde em Moçambique conta com
um exército de mais de 35.000 pessoas com comandos
operacionais a nível central, provincial, distrital e local. Cada
um sabe as suas tarefas e como realizá-las com experiência,
sentido de responsabilidade e regras. Não basta dar ordens,
é preciso mobilizá-los e compensá-los. Uma das formas de
os compensar é:
33
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
• Respeitar e valorizar o seu trabalho;
• O Estado deve compensar os trabalhadores da Saúde,
apoiando-os nos benefícios que o próprio Estado concede,
como terra, habitação ou apoio na educação dos filhos;
• Dando incentivos e pagamento de Serviços de Urgência,
ou premiando-os como melhores trabalhadores;
• Equiparando salários dos trabalhadores de saúde às outras
profissões bem remuneradas;
• Apoiá-los e incentivá-los na formação contínua através
de cursos de requalificação ou promoção com bolsas de
estudo;
• Visitas mais frequentes das autoridades às unidades
sanitárias do Serviço Nacional de Saúde, procurando
apreciar o trabalho que é realizado e atendendo às suas
preocupações.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
A comunicação é um factor imprescindível para a humanização
assim como as condições técnicas e materiais com pessoal de
Saúde motivados.
Oitavo ponto: A credibilidade do Sistema Nacional de
Saúde
A credibilidade de um serviço público de tão transcendente
importância como é tratar da nossa saúde, só se alcança
quando o serviço é de qualidade, quando se realiza com
profissionalismo, com o mínimo de condições aceitáveis,
com entrega total e com humanismo!
Não é fácil, mas devemos lutar!
Muito Obrigado!
Humanização – a valorização dos diferentes sujeitos
implicados no processo de Produção de Saúde ou seja,
a população que são os usuários, os trabalhadores e os
gestores é o elemento fundamental para humanização. Com
a humanização do Serviço Nacional de Saúde devemos
esperar:
•
•
•
•
•
34
Redução do tempo de espera;
Atendimento acolhedor e resolutivo;
Atenção com responsabilização e vínculo;
Valorização do trabalho da Saúde e sua dignificação; e
Gestão participativa.
35
OPORTUNIDADES DE INVESTIMENTO EM MOÇAMBIQUE:
DESAFIOS PARA O EMPRESARIADO NACIONAL
Por: Adriano Afonso Maleiane
Dr. Adriano Maleiane a proferir a sua intervenção
RESUMO DA APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos Moçambique têm sido destino quase
obrigatório de grandes investidores nas diversas áreas da nossa
economia. Este interesse é também consequência das reformas
em curso que melhoram o ambiente de negócios contribuindo
para a mudança da percepção do Mundo sobre o nosso país.
A confirmar este sentimento o Global Peace Index de 2010
classificava Moçambique como o 3º país mais estável em África
e 47º no Mundo. Por outro lado, no período entre 1995-2009
teve a segunda taxa média mais alta de crescimento do PIB dos
países da África Subsahariana não produtores de petróleo, apenas
superado pelo Ruanda; um crescimento assinalável do PIB per
capita que de 362 USD em 2006 passou para cerca de 530 USD
em 2011 e uma inflação média de 9,43% no mesmo período.
A boa localização geográfica facilita o comércio externo dos
países sem acesso directo ao mar e os vastos recursos hídricos
e minerais, a abundante força de trabalho e uma população
de 23 milhões enquadrada numa região com 250 milhões de
habitantes têm contribuído positivamente para esta preferência
dos investidores estrangeiros pelo nosso país. O nível de
participação do empresariado nacional neste movimento
de investimento estrangeiro constitui a questão base do
tema e para a sua abordagem estruturei a apresentação para
responder às seguintes questões: i) como avaliar a prontidão
dos moçambicanos para os desafios; ii) que oportunidades
existem; iii) como está estruturado o empresariado nacional
para a sua participação efectiva neste movimento de investidores
estrangeiros; iv) a adequação dos organismos do Estado e
das instituições financeiras para apoiarem a participação do
empresário nacional; e v) passos a seguir.
A apresentação problematiza as palavras-chave do tema
OPORTUNIDADES – INVESTIMENTO – EMPRESARIADO
NACIONAL para reduzir a dispersão sobre o que se pretende
discutir e tornar assim os debates mais focalizados. Na
verdade, às vezes quando usamos o termo oportunidade de
investimento queremos dizer que alguém de direito, o Governo
ou o investidor estrangeiro, nos forneça a lista do que existe
no país e sobre um projecto específico, normalmente grande
projecto, para estudarmos as oportunidades de fornecer
serviços complementares, ou seja, uma forma reactiva de estar
no mundo de negócio. A outra ideia é de que a oportunidade
de investimento é algo que se procura tendo em conta o custo
de oportunidade, significando que só aplicamos o nosso capital
onde o rendimento esperado é superior ao de um investimento
alternativo com risco semelhante. Esta é a abordagem dos
empreendedores.
Em Moçambique temos concentrado os nossos debates em
torno da primeira abordagem, a da lista de projectos que alguém
deve disponibilizar e criticar a falta de vontade do investidor de
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
mega projecto de nos incluir na sua estratégia de investimento!
Nesta apresentação estão arrolados alguns projectos que
constituem oportunidades de investimento nas áreas de energia,
minas, indústria, comércio, agro-negócios e infra-estruturas.
No tocante ao investimento, definido nesta apresentação
como o uso de capital para criar mais dinheiro, sendo o capital
físico representado por terra arável, recursos minerais e outros
que os estudos revelam existirem em quantidade e qualidade
consideráveis. São sugeridas algumas ideias de como usá-los para
comparticipação do empresariado nacional no financiamento
dos projectos de desenvolvimento, tendo em conta a reduzida
poupança financeira e escassez do crédito bancário de longo
prazo. Define-se neste trabalho como empresária a pessoa
que toma riscos de começar um negócio para o qual possui
domínio técnico-profissional, pois é esse conhecimento que
é determinante na avaliação do risco do projecto a submeter a
financiamento de instituições financeiras.
Sobre as principais questões a responder na apresentação avanço
as seguintes ideias e sugestões:
i) Como avaliar a prontidão dos moçambicanos para
os desafios – proponho seis princípios para avaliação da
prontidão dos nacionais para a sua participação efectiva
na economia e cada um com a respectiva quantificação
para permitir o seu acompanhamento dinâmico, a saber:
patriotismo, autoconfiança, confiança, solidariedade,
participação e transparência. É o nível de exposição do
agente económico nacional a cada princípio que determina
o seu grau de prontidão para os desafios de desenvolvimento
económico.
ii) Que oportunidades existem – as oportunidades de
negócios são enormes em países em desenvolvimento como
Moçambique. Áreas que lidam com dinheiro, transporte e
comida constituem oportunidades natas e inesgotáveis, os
empresários precisam apenas de escolher o seu nicho de
38
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
mercado tendo em conta a grande concorrência existente
nestas áreas. Por exemplo, no dinheiro o negócio vai
desde mutuante individual até ao banco mais sofisticado,
acontecendo o mesmo nos transportes desde a tracção
animal até avião supersónico e na comida a sua venda na
rua até ao hotel de 7 estrelas e mesmo assim continuamos
tendo a procura não satisfeita. Nesta apresentação estão
arrolados projectos nas áreas de energia, recursos naturais e
agricultura, cuja dimensão justifica o debate sobre estratégias
de participação do empresariado nacional.
iii) Como está estruturado o empresariado nacional para
a sua participação neste movimento de investidores
estrangeiros – a este respeito e de acordo com o censo das
empresas, em 2004 existiam 28.870 unidades de produção
de bens e serviços de todas áreas das actividades económicas,
85.4% destas eram empresas em nome individual, 11,3%
sociedades por quotas e apenas 0,9% sociedades anónimas.
O facto de a maioria das unidades económicas pertencerem
a pessoas físicas parece respeitar o princípio de que um bom
empresário deve saber combinar o risco e o know-how do
negócio, mas também revela pouca cultura de associativismo
o que dificulta a mobilização de fundos para a participação
do empresariado nacional em projectos de grande vulto.
iv) A adequação dos organismos do Estado e
das instituições financeiras para apoiarem a
participação do empresário nacional – os indicadores
de competitividade internacional são trazidos para debate
por resumirem melhor a percepção que a comunidade
internacional tem sobre o país neste domínio. O sector
financeiro é também discutido tendo em conta a sua
importância no financiamento à economia, sobretudo
para avaliar a sua relevância no apoio ao empresariado
nacional. Aspectos de política fiscal e de compras do Estado
são também abordados na perspectiva de se saber o que o
Governo pode fazer mais para estimular o crescimento do
empresariado nacional, dentro da necessária transparência
39
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
e o facto de ser o maior empregador e cliente no mercado
nacional.
v) Passos a seguir – neste ponto conclui-se que os problemas
do empresariado nacional podem ser resumidos no seguinte:
1) A assimetria de informação sobre as oportunidades de
negócios existentes nas diversas áreas de economia; 2) Não
existência de mecanismo que motive o investidor estrangeiro
a formar parcerias com empresários nacionais; 3) Falta de
financiamento ajustado às oportunidades que o país oferece;
e 4) Fraca mobilização da sociedade para a criação e gestão
de fundos especializados para permitir a sua participação
nos esquemas de financiamento à economia. Para cada um
destes pontos são apresentadas sugestões de solução.
Notas prévias:
Recebi o convite para partilhar com os participantes o que penso
sobre os desafios dos nacionais no desenvolvimento económico
e como devia ser estimulada a sua participação nas várias
oportunidades de negócios existentes no país. Quando li os termos
de referência do tema confesso que tive um misto de reacção: a
primeira foi de satisfação por me ter sido dada a tarefa de apresentar
as bases para sustentar um debate sobre um tema tão actual na nossa
economia; e a segunda, a de receio de os meus argumentos não
serem suficientemente convincentes para motivar o debate. Pela
oportunidade dada gostaria de agradecer ao Gabinete de Estudos
da Presidência da República pelo convite e de uma forma especial a
si, Sua Excelência o Presidente da República, pois a vossa presença
estimula os debates e os próprios oradores, pois exemplos destes
não abundam em muitos países do nosso continente.
As palavras-chave deste debate são oportunidade – investimento –
empresariado nacional e, por isso, vou iniciar a minha apresentação
sugerindo uma definição para cada uma, para reduzir a dispersão e
concentrar os debates no essencial.
40
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Para uns, oportunidade significa que alguém de direito,
geralmente o Governo ou o investidor estrangeiro de preferência
mega projecto, deve fornecer uma lista do que existe no país
para os investidores nacionais poderem orientar os seus capitais
ou ainda para estudarem o tipo de serviços complementares a
oferecer aos mega-projectos. Esta, eu chamo abordagem reactiva
que significa que se não nos fornecerem a lista não fazemos
nada porque não há oportunidade. Para outros, a oportunidade
é algo que se procura tendo em conta o custo de oportunidade
de investir, ou seja, investe-se se o rendimento esperado for
superior ao investimento alternativo com risco semelhante. Esta
é a abordagem que partilho que traduz o que é efectivamente
um empreendedor. Investimento é o uso do capital para criar
mais dinheiro. Que capital para que investimento? Há uma
tendência dos moçambicanos dizerem que não temos capital
e, por isso, devemos esperar pela generosidade do investidor
estrangeiro mas esquecem-se que têm mais de 36 milhões
de hectares de terra arável e abundante força de trabalho que
melhor negociados podem servir para a realização da sua quotaparte nos empreendimentos em que o estrangeiro traz o knowhow e capital financeiro. Outro aspecto importante a reter é
que nem todo aquele que abre empresa é empresário. Para sêlo precisa de reunir pelo menos duas coisas: i) tomar riscos de
começar um negócio; e ii) possuir domínio técnico-profissional
do negócio em que se envolve. Para testar a primeira questão fiz
uma pequena experiência numa aula sobre a gestão de carteira
de títulos que consistia em cada aluno indicar como alocaria
100,00MT se o mercado oferecer dois produtos, um depósito
a prazo de um ano, sem risco, numa instituição financeira, à
taxa de 15% ao ano; e uma acção de uma empresa que garante
um dividendo de 35% ao ano, mas com um risco de 15%. Os
dois produtos não são tributados. A resposta foi interessante:
90% dos alunos preferiram compor a sua carteira de seguinte
maneira: 90% em depósito a prazo e 10% em acções enquanto
os restantes 10% optaram por colocar 80% em acções e 20% em
depósito a prazo. Neste exemplo, apenas 10% do universo dos
estudantes reúne a primeira condição para se ser empresário, pois
está disposto a arriscar o seu capital para investir em acções que
pela sua natureza tem risco associado mas apresenta vantagens
de ter uma expectativa de rendibilidade maior.
41
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Quando alguém aceita o risco e coloca pelo menos 51% do
capital social de uma sociedade é considerado empresário
nacional. Para esta apresentação arrumei as minhas ideias em
forma de questionamento como se segue:
A - Porque a relevância do tema em 2012?
B - Como avaliar a preparação dos moçambicanos para os
desafios?
C - Que oportunidades existem?
D - Como está estruturado o empresariado nacional?
E - Será que temos instituições públicas e financeiras adequadas
para os desafios?
F - Temos soluções?
no período entre 1995-2009 teve a segunda taxa média mais
alta de crescimento do PIB dos países da África Subsahariana
não produtores de petróleo, apenas superado pelo Ruanda,
conforme mostra o gráfico abaixo; um crescimento assinalável
do PIB per capita que de 362 USD em 2006 passou para cerca de
530 USD em 2011; e uma inflação média de 9,43% no mesmo
período. Estes são indicadores que fazem com que 2012 seja
considerado um ano de arranque da nossa economia tendo em
conta as grandes descobertas de recursos naturais no norte do
país que nos próximos 10 anos farão daquela parte do nosso
território um grande contribuinte no PIB. Podemos resumir as
seguintes razões para a relevância do tema em 2012:
•
•
•
•
•
•
A - PORQUE A RELEVÂNCIA DO TEMA EM 2012?
42
MEDINDO OS RESULTADOS
A TAXA DE REAL DE CRESCIMENTO DO PIB DE MOÇAMBIQUE FOI A
SEGUNDA MAIS ALTA DOS PAISES DA AFRICA SUBSAHARIANA
EXCLUINDO OS PRODUTORES DE PETROLEO.
10
Taxa do crescimento real do PIB: 1995 - 2009 Average
9
8
7
6
Percentagem
5
4
Media dos não
produtores de petrólio
3
2
1
0
Libia
Guiné - Bissau
Burundi
RCA
DRC
Eritreia
Serra Leoa
Comores
Côte d’lvoire
Seychelles
Togo
Suazilândia
Lesoto
África do Sul
Madagascar
Guiné
Niger
Zambia
Namibia
Senegal
Maurícias
STP
Benim
Gâmbia
Mali
Gana
Botswana
Malawi
Tanzânia
Burkina Faso
Etiópia
Cabo Verde
Uganda
Moçambique
Ruanda
As vezes temos de usar a metáfora de espelho para avaliar a
nossa percepção sobre o crescimento e desenvolvimento do
país. Quando todos os dias nos vemos no espelho a sensação
que temos é de que não estamos a envelhecer. É o que acontece
com alguém que nunca saiu da sua zona de origem, pois acha
sempre que as coisas são as mesmas, as pessoas que deviam
fazer acontecer as coisas não estão a fazer o suficiente e por
isso o país está parado. Diferente percepção terá se optar por
se fotografar e periodicamente comparar as suas fotografias
tiradas em momentos diferentes e aí nota que está a envelhecer
e chega mesmo a duvidar que a foto seja sua. É o que acontece
quando sai da zona e volta volvido algum tempo, meses ou
ano, e nota que a zona já não é a mesma, mudou para melhor.
Moçambique tem vindo nos últimos anos a fazer reformas
em todos os sectores económicos e sociais e os resultados
começaram a ser motivo de debates porque os investidores
estrangeiros têm tirado fotografias e notam que existem muitas
oportunidades de investimentos. A confirmar este sentimento
o Global Peace Index de 2010 classificava Moçambique como o
3º país mais estável em África e 47º no Mundo. Por outro lado,
Estabilidade política
Boa gestão macroeconómica
Reformas institucionais
Fluxo constante de investimentos internacionais
Integração progressiva aos mercados regionais
Grande apoio da comunidade internacional
Font: International Monetary fund
43
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
As reformas macroeconómicas e a gestão prudente das finanças
públicas estão a contribuir para a melhoria dos indicadores
económicos do país, como se pode constatar no quadro abaixo:
MEDINDO OS RESULTADOS
INDEX
2006
2007
2008
2009
2010
2011
PIB nominal
7,296
7,868
9,728
10,468
9.893
11.700
362
422
473
453
458
530
Importações
2,869
3,050
3,765
3,764
3,240
3,948
Exportações
2,412
2,412
2,688
2,147
2,243
2,402
Inflação media anual
13.2
8.2
10.3
6.1
9.3
9.5
Taxa de Cambio MT/USD
24.98
25.56
24.17
29.19
32.58
27.10
(US$ Millions)
PIB per capita
(US$)
(US$ Millions)
(US$ Millions)
(Media-oficial)
Gestão de desastres Naturais:
O nosso país é propenso às calamidades naturais, por isso a política
de desenvolvimento deve tomar em consideração esta realidade.
Por exemplo, os dados indicam que no período estudado 57% de
eventos relacionaram-se com inundações e epidemias seguido
de ciclones com 19%, o que torna o país altamente vulnerável,
como se pode constatar no quadro abaixo:
Fonte:INE
Os nossos desafios:
Necessidade de crescimento do PIB
Apesar de os indicadores acima reflectirem uma melhoria
significativa ainda estão aquém das possibilidades de
Moçambique. Para entendermos a dimensão dos desafios do
país para o desenvolvimento económico deixo alguns dados
sobre o PIB de alguns continentes, agrupamentos económicos
e países:
PIB: Dados comparativos (em triliões de dólares)
- África: 1.18 -SADC: 0.60
- Europa: 16,40
- China: 4.90
- EUA: 14.20
-Moçambique: 0.01
Competitividade:
Na área de competitividade da nossa economia, dos 12 pilares
de sua avaliação no total de 139 países avaliados, Moçambique
tinha um bom desempenho no desenvolvimento institucional e
na inovação e esteve pior no ensino superior e formação e na
saúde e ensino primário. Estes indicadores mostram-nos o longo
caminho a percorrer para criamos as condições que nos coloquem
no caminho certo para a melhoria da competitividade.
Fonte: AfDBstaffpaper 127 -2011
44
45
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
OS DESAFIOS
COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL POSICIONAMENTO DO PAÍS
(139 paises)












INSTITUIÇÕES
INFRAESTRUCTURAS
AMBIENTE MACROECONÓMICO
SAÚDE E ENSINO PRIMÁRIO
ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO
EFICIÊNCIA DE MERCADOS DE BENS
DESENVOLVIMENO DO MERCADO FINANCEIRO
ABERTURA A TECNOLOGIA
EFICIÊNCIA DO MERCADO DE TRABALHO
TAMANHO DO MERCADO
SOFISTICAÇÃO DE NEGÓCIOS
INOVAÇÃO
99
119
104
133
134
112
118
118
116
113
110
88
CLASSIFICAÇÃO GERAL DE MOÇAMBIQUE 3,3 (RAS 4.3 Namibia 4.1 Mauricias 4.3)
Fonte: AfDB Africa Competitiveness Report 2007 - 2011
B – COMO AVALIAR A PRONTIDÃO DOS
MOÇAMBICANOS PARA OS DESAFIOS?
Não havendo nenhum critério padrão para a avaliação da prontidão
dos moçambicanos proponho seis indicadores: Patriotismo,
autoconfiança, confiança, solidariedade, participação e transparência.
Para medirmos o patriotismo relacionamos o saldo da conta de
transacções correntes com o PIB. Quando o rácio for negativo
significa que o país depende de produtos e serviços importados.
Serve também de indicador da receptividade do público sobre
as campanhas tipo Made in Moçambique. O patriotismo aqui
não se confunde com nacionalismo exacerbado, xenófobo e
fundamentalista. Trata-se apenas de estimular a produção de
produtos com qualidade a preços concorrenciais para alterar a
preferência dos moçambicanos. Os dados indicam que neste
indicador não tivemos progresso de 2009 a 2010.
Autoconfiança: quando não dominamos a tecnologia ou
processo de produção fica difícil aumentar a nossa auto-estima.
A este propósito, Joseph ki-Zerbo no seu livro “Para Quando
África?” escreve que estudar história, antropologia, teologia e
outras ciências sociais é importante mas para darmos o salto
precisamos de apostar também nas engenharias, tecnologia
46
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
e gestão de negócios. Por exemplo, 50% dos estudantes
matriculados nas universidades da China, Coreia do Sul e
Taiwan estudam matemática, engenharia, tecnologia e gestão de
negócios enquanto em África apenas 20% o faz. Este indicador
relaciona o número de estudantes no ensino técnico profissional
(incluindo universidades) com o número de população
economicamente activa. No período em análise o indicador
tem vindo a melhorar o que significa que estamos a criar capital
humano capaz de enfrentar os desafios de desenvolvimento
e deste modo, aumentar a nossa auto-estima e reduzir a
dependência de mão-de-obra externa.
Confiança: exprime a relação entre o crédito à economia (CE)
e o PIB. Se for positiva e tendencialmente crescente, sugere uma
maior confiança do Governo no sector privado. É preciso que
o Estado não se endivide junto à banca para que esta canalize
mais fundos para o sector privado, contribuindo desta forma
para o desenvolvimento económico. Em países como África do
Sul este rácio era de 1,45 em 2008 contra cerca de 0,33 em 2010
em Moçambique que apesar de ainda baixo tende a melhor no
tempo.
Solidariedade: mede o nível de transferências fiscais para as
famílias. Para Moçambique, este indicador é importante devido
à sua vulnerabilidade às calamidades naturais conforme atrás
referido. Mas a transferência só não chega. É necessário que os
funcionários públicos, que são os verdadeiros agentes do Estado,
sejam verdadeiros combatentes contra a doença nacional chamada
INVEJA que está minando o desenvolvimento. Os agentes
do Estado devem ser os primeiros a ficarem satisfeitos com o
sucesso dos moçambicanos, agilizando os processos para o início
de actividade e acarinhando toda a iniciativa visando a criação
de emprego. Procedendo desta forma, o efeito imitação vai se
fazer repercutir no sector privado e desta maneira, reforçaremos
a solidariedade nacional. Registamos no período indicado uma
melhoria, apesar de tímida, o que mostra que estamos no bom
caminho mas precisamos de nos empenhar mais.
47
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Participação: O papel da Bolsa de Valores é importante na
medida em que ajuda os investidores a mobilizarem fundos
alternativos ao crédito bancário. Este rácio relaciona a capitalização
bolsista com o PIB. Quanto maior for, melhor porque reflecte a
participação dos agentes económicos no mercado de capitais. Na
África do Sul era em 2008 de 1.78 e 0.096 em Moçambique, em
2011. O debate no país centra-se mais no crédito bancário e não
nas diversas formas de mobilizar os fundos. Os bancos comerciais
são intermediários financeiros que recebem fundos daqueles
(aforradores) que têm em excesso e não estão dispostos a aplicar
directamente em investimento real e preferem colocá-los nas
instituições de crédito, em troca de juro da data de vencimento do
depósito. As instituições de crédito ganham o direito de emprestálos àqueles (mutuários) que têm projectos viáveis mas não têm
fundos para investir, pagando por isso um juro. Normalmente os
aforradores são avessos ao risco e não estão dispostos a colocar os
seus fundos a prazos elevados enquanto os mutuários aceitam o
risco e estão dispostos a negociarem planos de amortização mais
longos. Nota-se aqui que há um desbalanço de fundos e poucos
bancos estarão disponíveis para financiar o capital inicial de uma
empresa por questões prudenciais e também de não possuir
fundos ajustados a este tipo de empréstimo. O esforço da Bolsa
de Valores para aumentar a literacia dos moçambicanos sobre a
importância do mercado de capitais como alternativa ao crédito
bancário é importante e a tendência deste indicador é revelador
desse esforço.
Transparência: é medida pela relação entre os impostos fiscais
e o PIB. Sobre a qualidade do imposto, escreveu Adam Smith
(Riqueza das Nações, pág.485) que os contribuintes devem pagar
imposto para a manutenção do Estado, proporcionalmente aos
rendimentos que auferem sob sua protecção (regime proporcional
vs progressivo). O cartão de contribuinte confere ao portador,
com impostos regularizados, o direito de exigir melhor qualidade
de serviço público. Moçambique, como muitos países, adoptou
o regime progressivo porque acredita que garante equidade na
repartição do rendimento nacional. Alguns tratadistas dizem
que este regime é uma incorporação na lei da inveja popular
48
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
porque penaliza aqueles que ganham mais mas são estes que
menos precisam dos serviços do Estado e os que mais precisam
do Estado ficam isentos de imposto. O correcto seria um regime
proporcional que fixa uma taxa única para todos os rendimentos
sem isenções, garantindo desta forma a igualdade de tratamento
do contribuinte perante a lei. Neste regime quem ganha mais
paga mais em termos absolutos mas não é discriminado com taxas
gravosas. Em países como o nosso o proporcional apresentaria
várias vantagens: é simples, fácil de colectar, transparente, menos
propenso à corrupção pois o contribuinte pode facilmente fazer
a autoliquidação, não precisa de técnicos qualificados para a
formação dos agentes passivos. Se por exemplo a alíquota for 10%
bastará montar uma campanha em todo o país informando que
de tudo que se ganhar, comprar, vender e receber deve-se tirar
10% para o imposto. É mais fácil para um camponês saber que se
a sua colheita for de 50 Kg de milho, 5 Kg devem ser entregues ao
Governo a título de imposto.
Também neste indicador registamos alguns avanços mas
precisamos de usar melhor o cartão de contribuinte para tratarmos
assuntos no Aparelho de Estado em vez de apenas Bilhete de
Identidade. Por exemplo, uma Secretária de um Ministro deve
saber que se dois cidadãos solicitarem uma audiência com o
Ministro, um apresentar um cartão de contribuinte em dia e
outro um BI, o de cartão deve ter prioridade porque está a pagar
o salário da Secretária enquanto o outro é recebido porque é
49
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
cidadão nacional e nessa qualidade tem esse direito. Os políticos
antes de iniciarem um comício deviam exibir o seu cartão de
contribuinte para ter o direito de criticar os serviços do Estado.
Agindo desta maneira poderíamos massificar o pagamento do
imposto e alargar a base tributária.
C - QUE OPORTUNIDADES EXISTEM?
Como uma economia em desenvolvimento acelerado,
Moçambique é rico em oportunidades de investimento,
oferecendo incentivos fiscais e benefícios, assim agrupados:
Acordos de promoção e protecção aos investimentos com os seguintes
países:
África do Sul, Alemanha, Argélia, Bélgica, China, Cuba,
Dinamarca, Egipto, EUA, EUA (OPIC), Finlândia, França,
Indonésia, Itália, Ilhas Maurícias, Países Baixos, Portugal, Suécia,
Reino Unido, Vietname, Índia, Suíça e Zimbabwe. (22)
Acordos destinados a evitar a dupla tributação e evasão fiscal:
Portugal, Botswana, Índia, Ilhas Maurícias, Emiratos Árabes
Unidos, Macau, Itália e África do Sul. (8)
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
INVESTIMENTOS EM:
Infra-estrutura
Isenção de direitos aduaneiros e de IVA sobre bens de capital na
classe “K” da pauta aduaneira, incluindo peças e acessórios; 80%
de redução do IRPC nos primeiros cinco anos fiscais; Redução
de 60% do IRPC, do 6 º ao 10 º ano fiscal;
Redução de 25% do IRPC, do 11 º ao 15 º ano fiscal.
Agricultura
Isenção de direitos aduaneiros e de IVA sobre bens de capital
na classe “K” da pauta aduaneira, incluindo peças e acessórios;
Redução do IRPC em 80% até 31/12/2015; a partir de 2016 até
2025, redução do IRPC em 50%.
Indústria
Isenção aduaneira na importação de matérias-primas para
processos de produção industrial; Investimentos na montagem
de veículos, equipamentos electrónicos, tecnologia da
informação e comunicação são isentos de direitos aduaneiros na
importação de materiais para processos de produção industrial.
Energia
Linha de transmissão CESUL:
Fase 1 (HMNK + HCB North) – 1325 MW + 1325MW
• Linha 400 kV (AC)
•1 sistema bipolar 500 kV DC de Cataxa até Maputo
Fase 2 - 2650 MW
• Sistema bipolar HDVC 500 kV
Hidroeléctricas
Cabora Bassa Norte 1200 MW; Mphanda Nkuwa 1500 MW;
Mphanda Nkuwa II 750 MW
Drª. Albertina Fruquia Fumane moderadora do Seminário sobre os desafios ao empresariado nacional
nacional
50
51
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Termoeléctricas
Moatize Fase I 300 MW; Benga 600 MW; Ressano Garcia 350
MW; Chókwè 44 MW
Minerais
Carvão, Titânio, Tântalo, Ouro, Fluoreto, gás natural, ilmenita,
Zarcão, Rutilo.
Existem reservas comprovadas de pedras preciosas e semipreciosas, cobre, fósforo (A Vale está investindo US$ 3 bilhões
em exploração em Nacala) e existem reservas de urânio ainda
por explorar. Minas de Revugo (Nippon Steel JP), CentroOeste (IN), Bosco (KR) e Ncondezi (UK / MZ) estão em fase
de investigação avançada e espera-se começar a explorar em
breve.
Transportes
Porto de Nacala, Aeroporto de Nacala, Corredor de Nacala,
Ponte de Tete, Reabilitação da linha da Beira, Reabilitação
do Porto da Beira, Terminal de Carvão da Beira, Rede de
transporte público de Maputo, Ponte da Catembe mais a
Estrada da Ponta de Ouro e Circular de Maputo (todos estes
no valor estimado de 6.2 biliões de dólares americanos).
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
desenvolvidos como plataforma logística do país. Há interesse
de várias indústrias (cimento, tractores, veículos, etc.).
Beluluane
700 hectares da Zona de Processamento de Exportação localizada
a 16 Km de Maputo, 75 Km de Ressano Garcia, fronteira entre
Moçambique e RSA. Actualmente, Moçambique oferece
isenções e incentivos fiscais para a criação de empresas
Óleo e Gás
A avaliação mais recente apresentada pelo Consórcio Anadarko
registou os maiores números até ao momento no complexo área 1
onde os recursos de gás são estimados em 30 triliões de pés cúbicos.
Continuam avaliações e tudo aponta para um aumento significativo
daquelas quantidades. Na província de Inhambane, Pande e Temane
já venderam em 2010 107,2 MGj contra 106,8 MGj em 2009.
Agricultura
A agricultura é tida como a base de desenvolvimento mas a sua
exploração tem em África sido objecto de diversas resoluções
e os resultados têm sido pobres. Num dos seminários em
que participei em Abuja na Nigéria em 1984, um agricultor
Zonas Económicas Especiais
Nacala
O Porto de Nacala é terceiro maior porto de águas
profundas na costa leste da África. É o final do Corredor de
Desenvolvimento de Nacala (CDN). Está a 500 km em linha
directa até a Tanzania, 1800 Km a sul da África, e cerca de 620
Km com o Malawi.
Dondo
Cerca de 20 Km do Porto da Beira, 700 hectares a serem
52
Participantes do seminário sobre os desafios ao empresariado nacional nacional
53
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
fez duras críticas aos Governos por na sua maioria privilegiar
a fixação de preços de produtos agrícolas quando não tem
capacidade de fixar o preço de insumos e dava o seguinte
exemplo: o seu frango em Dezembro de 1983 custava 16 nairas
e em Janeiro passou a custar 32 nairas apenas porque o Governo
tinha aderido ao programa de ajustamento estrutural apoiado
pelas instituições de BrettonWoods (FMI e WB) e para piorar
o cenário, o Governo não deu subsídio de compensação pelo
preço artificial que vigorava antes do programa de ajustamento.
Outro aspecto importante que referiu é o facto de os mecanismos
de financiamento ao sector de agricultura não contemplarem
a destronca e todo o trabalho preliminar para uma exploração
agrícola comercial com o fundamento de que é de alto risco.
Fez também uma comparação entre explorar uma empresa de
transporte aéreo e agrícola. Na primeira a pista de aterragem
pertence normalmente ao Estado e o investidor paga pelo seu uso
mas na agricultura os custos com a destronca e infra-estruturas
básicas correm por conta do agricultor porque o Estado não
entra e os bancos também não financiam pelas razões acima
indicadas e termina desafiando os Governos a responderem a
seguinte questão porque, segundo o mesmo, no dia em que os
governos tiverem uma resposta correcta encontrarão as formas
mais adequadas para desenvolver a agricultura:
“PORQUÊ É QUE NÃO HÁ PROLIFERAÇÃO DE
UNIDADES AGRÍCOLAS COMERCIAIS TAL COMO
ACONTECE NO COMÉRCIO EM QUE O GOVERNO
NÃO PRECISA DE ESTIMULAR O SURGIMENTO DE
BARRACAS NO CAMPO E NAS CIDADES?”
(Pergunta de um agricultor num seminário na Nigéria 1984).
Em Moçambique existem muitos estudos que apontam zonas
potencialmente agrícolas sendo de destacar a zona norte para
culturas diversas e o centro para as grandes plantações de chá
e copra. Investimentos em produtos de altas taxas de retorno
podem ser nos seguintes produtos: Cana-de-açúcar, Arroz,
Castanha de Cajú, Frutas tropicais, Trigo, Mandioca. O país
gastou em média, nos últimos 6 anos, 192 milhões de dólares
por ano importando cereais e se tomarmos em consideração as
54
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
projecções que apontam que a procura global de arroz e trigo
até 2015 rondará os 100 biliões de dólares. O nosso país pode
definir políticas que estimulem os investidores para a produção
destes dois cereais sem, no entanto, esquecer os principais
produtos alimentares, milho e mandioca.
Potencial inexplorado
36 milhões de hectares de terras aráveis (apenas cerca de 14%
cultivada); 3.3 milhões de hectares de terras irrigáveis, com
aproximadamente 50.000 hectares (0.13%) actualmente irrigada;
70% da área total coberta por florestas de espécies diferentes
(sendo 49% com valor comercial); 9 milhões de hectares de
parques nacionais e reservas; agro-ecologia adequada para a
produção de alimentos, rações, fibras e biometria.
D- COMO ESTÁ ESTRUTURADO O EMPRESARIADO
NACIONAL?
Nos debates a questão de empresariado nacional é sempre
colocado nos termos referidos nas notas prévias e para se ter um
ideia como está estruturado, consultei a estatística produzida pelo
Instituto Nacional de Estatística INE – Censo das Empresas,
CEMPRE2004 que me forneceu dados curiosos, pois confirmei
o que suspeitava de que a aversão ao associativismo é o maior
problema do empresariado nacional pois prefere produção
familiar do que se envolver com outros para ganhar em escala.
Baseado nessa publicação temos os seguintes dados:
Em todos os sectores da economia
— 28.870 Unidades de produção de bens e serviços
— 85.4% Empresas em nome individual,
— 11,3% Sociedades por quotas
— 0,9% Sociedades anónimas.
— 2,4% Outras formas de organização
— 64 Associações económicas (CTA)
55
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Sector agrícola (produção)
— 1,7% Empresas e empregam apenas 3,2% .
— 81,2% Empresas do tipo familiar
— 2,6% Sociedades anónimas
— 14,5% Outras formas de organização
— 70% da população economicamente activa vive no
campo
RESUMINDO OS PROBLEMAS
- Assimetria de informação – o empresariado nacional não
usa ou não conhece o canal de comunicação existente
sobre as oportunidades de negócios.
- A legislação económica é bastante tímida quanto á
preferência pelo empresariado nacional. Dec.15/2010 e
Lei 15/2011 (PPP).
- Os mecanismos de financiamento existentes não estão
ajustados às oportunidades em termos de volume de
poupança, taxas de juro e prazos de reembolso.
- Existem muitas associações de carácter social, mas poucas
sociedades anónimas.
Participantes do seminário sobre os desafios ao empresariado nacional
56
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
E - SERÁ QUE TEMOS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E
FINANCEIRAS ADEQUADAS PARA OS DESAFIOS?
Como atrás referido, as nossas instituições públicas e privadas
experimentaram nestes últimos anos um desenvolvimento
assinalável com uma classificação independente a apontar
que no conjunto de 12 pilares de avaliação, o país avançou
muito na reforma de instituições e na inovação com o uso das
tecnologias de informação e comunicação, mas é ainda frágil
no tocante aos restantes 9 pilares destacando-se entre eles o
ensino superior e a saúde e ensino primário que temos pior
classificação e que no conjunto ficamos com a pontuação de
3.3 contra 4.3 de Maurícias e RAS e 4.1 da Namíbia. Quando
se analisam as instituições financeiras nota-se que os fundos
que mobilizam estão desajustados em termos de volume
e prazos para financiar o desenvolvimento. Não existem
fundos especializados e a Bolsa de Valores ainda não é uma
alternativa ao crédito bancário.
F - TEMOS SOLUÇÕES?
Sobre a assimetria de informação: a estrutura existente de
diálogo entre o Governo e a CTA precisa apenas de ser
melhor explorada usando mais os pelouros como veículos
privilegiados de troca de informação sobre as oportunidades
de investimento nas respectivas áreas para estes disseminaremna pelos seus restantes órgãos.
Como reforçar a preferência pelo empresariado nacional?
Estudar-se a hipótese de se ligar os benefícios aduaneiros e
fiscais concedidos aos investidores estrangeiros à quota-parte
do capital por estes cedido e financiado ao empresariado
nacional; institucionalização de uma percentagem mínima
obrigatória (2.5 a 5%) para ser cedida às comunidades da zona
de influência do projecto sob forma de acções preferenciais;
os requisitos de qualificações dos concorrentes a concursos
promovidos pelo Estado referidos nos artigos 23 a 26 do
Dec.15/2010 carecem de uma revisão para se promover o
57
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
empresariado nacional. Por exemplo, a exigência de balanço
do último ano, de facturação mínima dos últimos 3 anos ou
margem de preferência condicionada à prova da incorporação
de factores nacionais só ajudam a subalternizar o empresariado
nacional perante seu concorrente estrangeiro. No Doing
Business o acesso ao crédito tem sido referido como a causa
primeira dos empresários em todos os inquéritos. Os agentes
económicos estão a dizer que não é fácil obter crédito e quando
se obtêm, as taxas de juro e os custos operacionais são elevados
reduzindo a competitividade dos produtos nacionais. Nos
próximos 5 anos as necessidades de investimentos para áreas
de energia, transportes e recursos minerais, avaliadas muito por
baixo, rondam os 37 biliões assim distribuídos: energia 12.2bio,
transportes e comunicações 6.2bio, recursos minerais 16bio,
com possibilidades destes últimos atingirem cerca de 50bio com
novas descobertas. Seriam necessários 3.3bio para a participação
moçambicana nos 30% de auto financiamento sobre os 37bio e
assumindo uma posição de 30% no capital social das empresas
promotoras dos respectivos projectos.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
controlo da aplicação da Lei de Terras, sanidade animal, vegetal
e investigação aplicada. Na investigação aplicada, estudar-se a
hipótese de se reintroduzirem as casas agrárias com a função de
multiplicação de sementes melhoradas e transmissão de técnicas
de produção; enquadramento dos extensionistas em actividades
produtivas, gestão das casas agrárias e de serviços veterinários;
ligar os actuais institutos de investigação à Universidade
Eduardo Mondlane para reforçarem a qualidade de ensino; ligar
os centros de pesquisas, do tipo EMBRAPA (empresa brasileira
de pesquisa agrária), às actividades produtivas.
PRODUÇÃO AGRÍCOLA
Foco: agricultura comercial com incidência na pequena e média
empresa e grandes empresas, estas com a função de ajudarem
a integração do sector familiar no mercado; o Estado deve
seleccionar as culturas a priorizar para concentrar recursos e
esforços de programação em regiões agro-ecológicas estudadas;
estudar-se a viabilidade de se criar Zonas Francas Agrícolas para
Os bancos comerciais a operar no país em conjunto não têm
capacidade financeira para fazer face a esta potencial procura
de crédito. Só os promotores podem, atribuindo acções
preferenciais e financiando o remanescente a ser pago por
entrega de uma percentagem negociada dos dividendos que
a parte moçambicana tiver direito. As empresas públicas,
no âmbito da solidariedade atrás referida devem priorizar as
empresas nacionais na contratação e subcontratação de serviços
e constituição de joint-ventures.
USO E APROVEITAMENTO DA TERRA
A terra é propriedade do Estado. Há necessidade de se estudar a
melhor forma da sua gestão; por exemplo: classificando-a para
fins agrícolas familiar e empresarial e ainda em infra-estruturada
e não infra-estruturada; concessioná-la em regime de leasing
para fins comerciais e infra-estrurada aplicando taxas comerciais;
concentrar a actividade do Ministério da Agricultura no
58
Participantes do seminário sobre os desafios ao empresariado nacional
59
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
melhor enquadramento de grandes investimentos nestas áreas.
Podem ser os actuais corredores de desenvolvimento agrário.
MERCADO
Principais operadores: compradores e vendedores são as agroindústrias, a indústria turística e o comércio interno, em
particular o comércio de grandes superfícies, e externo. Estudar
a forma de impor uma taxa mínima de comercialização de
produtos nacionais para a concessão de licença de exploração
de comércio de grandes superfícies. Os FACILITADORES
no mercado devem ser as associações económicas. É preciso
que elas sejam de facto mobilizadoras dos seus associados
para produzir com qualidade e oportunidade para deste modo
assegurar o mercado interno e externo. Estimular a introdução
da figura de contrato nas transacções envolvendo seus associados
e os compradores, servindo a associação como elo de ligação e
seleccionador de produtores honestos e dedicados. O papel do
Estado deve ser um fornecedor de informação sobre a evolução
dos preços dos produtos agrícolas nos mercados internos e
externos.
FINANCIAMENTO
Estando provado que as instituições financeiras internas
não têm capacidade financeira para financiar tão elevado
volume de recursos financeiros necessários para financiar o
desenvolvimento, recomenda-se:
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
• A criação de Fundo Soberano com recursos provenientes
de exploração de recursos minerais não renováveis, em
que uma percentagem seria colocada neste fundo a ser
gerido pelo Banco de Desenvolvimento ou cedidos por
empréstimo obrigacionista de longo prazo para garantir o
financiamento de projectos de desenvolvimento à taxas de
juro compatíveis com os retornos esperados.
• Mobilização da sociedade para a criação de fundos
especializados (fundo de infra-estruturas, de capital de risco
e outros).
• Revisão da Lei da actividade Seguradora para a cobertura
dos seguintes riscos: risco soberano do orçamento nacional;
seguro de calamidades para a infra-estrutura; seguro de
calamidades para investimentos em habitação e empresas
afectadas pelos desastres naturais; seguro baseado em
índices, principalmente para agricultores rurais de culturas
de rendimento); e micro-seguros para pessoas com bens de
subsistência (para a produção familiar e pequenas unidades
rurais e urbanas).
Os desafios são enormes, por isso:
“TEMOS QUE CORRER ENQUANTO OUTROS
ANDAM»
Presidente Benjamim Mkapa no prefácio do Plano Estratégico
Indicativo de Desenvolvimento Regional, citando o falecido
presidente Julius Nyerere da Tanzania
• A criação de um Banco de Desenvolvimento que seria o
gestor de fundos de desenvolvimento e contribuir para
acelerar a implantação dos serviços financeiros nos distritos
ainda não cobertos pelo sector bancário privado e avançar
para as sedes dos postos administrativos à medida que o sector
privado cobrir os distritos. O Banco de Desenvolvimento
garantiria igualdade de oportunidades para o acesso aos
fundos de desenvolvimento pelos restantes operadores
financeiros nacionais a operar no país.
60
61
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
POR UM PENSAMENTO ENGAJADO
Por: Severino Elias Ngoenha
Participantes do seminário sobre os desafios ao empresariado nacional
As análises sobre as votações moçambicanas de 1995 foram
unânimes em afirmar que nós fomos votar pelo fim da guerra. A
adesão massiva das populações às eleições da primeira legislatura
da segunda República foram interpretadas em uníssono como
sendo uma acção popular orientada para sancionar e legitimar
o fim do conflito bélico. Se aceitarmos este facto como
postulado de base da nossa análise, temos que admitir, a priori,
que a primeira legislatura cumpriu com o mandato que lhe foi
confiado. Durante os cinco anos que se seguiram às eleições, os
deputados da Frelimo e da Renamo respeitaram o mandato que
lhes tinha sido confiado pelos eleitores. O Governo governou
e a oposição tentou fazer oposição no respeito pelos papéis
democráticos que lhes tinham sido confiados, sem nunca
exceder nas suas prerrogativas, mas, sobretudo, respeitando a
necessidade de prosseguir o conflito que os opunha em termos
políticos e no respeito de um certo número de regras ditadas
pelos acordos de paz e pela nova constituição.
Nesse mesmo período, o processo democrático e de reconciliação
foi acrescido e alimentado pelas primeiras tentativas de criação do
que comummente se tem chamado de sociedade civil: nasceram
novas formações políticas, mas sobretudo organizações cívicas
e sociais; as igrejas começaram a participar em actividades de
carácter cívico, educativo, sanitário; nasceram organizações
de jovens e de mulheres; surgiram universidades privadas,
imprensa independente e liberdade de opinião. A isto se deve
juntar o crescimento económico (PNB), o restabelecimento
da rede económica e comercial, o lançamento do processo de
desminagem, a reconstrução da rede de comunicações, a luta
contra o que se chamou de pobreza absoluta.
Zaid Aly a intervir no seminario sobre os desafios ao empresariado nacional
62
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
paz ou pelo menos em nome da qual se mobilizaram para votar
– sofreu uma metamorfose enorme, ligada à dramática mudança
da estrutura económica do país.
Professor Doutor Severino Ngoenha a fazer a sua intervenção
Uma vez mais, se fizermos fé naquilo que segundo os analistas
políticos era o mandato do povo, a primeira legislatura da
segunda República cumpriu quase integralmente com o
mandato que lhe foi confiado. Contudo, dois problemas cruciais
surgiram durante a legislatura e merecem uma atenção especial
da nossa parte: um económico e outro político (a organização
dos poderes públicos).
No decorrer da legislatura nasceram nas diferentes comunidades
moçambicanas novas exigências e problemas, ligados ao
processo da transformação em curso. Isto não anula em nada
o a priori positivo da primeira legislatura, mas os actores
políticos e a qualidade de uma legislatura não se podem limitar
ao cumprimento linear e lato do mandato popular, por mais
importante e substancial que a paz possa ser. A legislatura e os
actores políticos devem também ser julgados pela sua capacidade
de interpretarem as necessidades «movediças» das populações
que, por sua vez, dependem de mutações sócio-económicas e
mesmo epocais e históricas que bruscamente invadiram a vida
das populações.
Neste contexto de aceleração histórico-temporal, aquilo que no
meio dos anos noventa era o único objectivo das populações – a
64
No decorrer da primeira legislatura, o elemento paz, sem nunca
perder a sua importância e primordialidade, foi rapidamente
igualado e mesmo ultrapassado pelos imperativos económicos
ligados às mudanças radicais que se operaram na gestão do país
e na sua organização social. O período da primeira legislatura
foi marcado pela inversão da tendência económica de natureza
distributiva e planificada e de toda a dimensão social que a
acompanhava, para uma orientação individualista, concorrencial
e toda a dimensão de violência social e de competitividade que
a caracteriza. Isso trouxe consigo uma mudança radical, não só
na organização económica, mas também na estrutura social e
relacional entre os cidadãos.
O período da primeira legislatura coincide com o incremento
dos investimentos estrangeiros, sob a forma de empréstimos,
com as consequentes imposições de políticas por parte dos
organismos internacionais e países estrangeiros. O país acumulou
dívidas colossais e foi obrigado a proceder à privatização de
infra-estruturas que, até então, tinham simbolizado parte da
identidade nacional (basta pensar na indústria do cajú). Não
faço um juízo de valor. Constato simplesmente que o povo não
só não era consultado na transformação radical da sociedade e
na privatização dos espaços de importância vital e simbólica.
O que sob o ponto de vista político me parece problemático é
que o povo não tinha nenhum mecanismo de participação, nem
sob a forma de referendo, nem pressionando os seus eleitos a
defenderem os seus interesses e a sua visão da sociedade.
A este défice jurídico e constitucional deve-se acrescentar as
dificuldades nacionais em termos de comunicação (televisão,
rádio, jornais), o nível de analfabetismo elevado e, ainda mais
importante, a discrepância entre as concepções político-culturais
das populações e o tipo de democracia estabelecido.
65
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A questão filosófica que se põe é a seguinte: como fazer com que
a democracia não se transforme num jogo de elites, que a maioria
da população possa, de facto, participar com conhecimento de
causa, não só através de um boletim de voto de cinco em cinco
anos, como uma assinatura de cheque em branco para as elites
políticas que se sentem legitimadas a fazer privatizações que vão
em detrimento do povo que nelas depositou confiança?
Se quisermos ser mais explicativos podemos dizer que três
níveis de problemas manifestaram-se no desenrolar-se mesmo
da primeira legislatura: o papel do novo estado moçambicano na
nova sociedade moçambicana, a questão da representatividade e
a soberania nacional face à comunidade internacional.
O Papel do Novo Estado Moçambicano na Nova Sociedade
Moçambicana
É de uma evidência a la palisse que a natureza do Estado
moçambicano da segunda República é radicalmente diferente
da natureza do Estado da primeira República. Na primeira
República, os fautores e os executores da política estatal
conheciam exactamente o lugar de cada um e o que tinham
que fazer. Podemos dizer que o Estado moçambicano, pela sua
natureza libertária e socialista era, não direi providencialista,
mas distributiva. O papel de cada funcionário do aparelho do
Estado, desde o ministro até ao servente de uma escola primária,
era estar ao serviço do que se acreditava ser o interesse dos
moçambicanos. O Estado moçambicano era implacável contra
tudo que, de longe ou de perto, se parecia com a corrupção,
desvio de bens públicos, tentativa de enriquecimento pessoal,
acumulação individual, etc..
Os valores moçambicanos eram contar com as próprias forças, o
amor pelo trabalho, o direito à escola, à educação, à saúde; era o
facto de que éramos socialmente responsáveis uns pelos outros;
era a luta contra todas formas de discriminação, quer fossem na
base da raça, da etnia, da tribo, da região origem, etc.. Estar ao
66
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
serviço do nosso povo era um valor, participar na construção
de Moçambique através do trabalho e dedicação era um valor.
Estes valores constituíam o essencial daquilo que era ou devia
ser o Estado. Esta era a maneira através da qual o Estado estava
(ou pretendia estar) ao serviço das populações.
Mas apesar das intenções excelentes, esse Estado era habitado
por contradições intrínsecas que acabaram anulando a grandeza
dos objectivos precedentemente anunciados. A dinâmica
participativa estava subordinada a uma ideologia unilateral de
uma única família política, que se arrogava deter a única visão justa
para a construção do país. Essa ideologia política é compreensível
no quadro da divisão do mundo que então se vivia, apesar de a
Frelimo se ter visto forçada a aderir a um dos lados sem estar
necessariamente convencida do bem fundado da sua «opção»
ideológica. Aliás, esta tese encontra uma confirmação na adesão
sem reservas da maioria da classe política de esquerda às teses e às
posições ultra-liberais que repentinamente irromperam na vida
social moçambicana durante o início da segunda República.
De um dia para o outro as coisas mudaram. Era como se, de
repente e sem aviso prévio, nos encontrássemos diante de uma
passagem de nível sem guarda. Nesta mudança que corresponde
à mudança das relações de força na política mundial, a sociedade
moçambicana viu-se, de um dia para o outro, radicalmente
mudada: de uma economia planificada para uma economia
selvagem. Não digo liberal, digo selvagem, porque o liberalismo
tem regras. Por exemplo, se o pressuposto é a livre iniciativa dos
indivíduos e a possibilidade de concorrerem uns com os outros
(Bentham), a situação moçambicana não se prestava a isso,
quer porque as populações não tinham formação e informação,
quer porque não tinham os meios financeiros necessários para
entrarem neste tipo de economia. Abandonar as populações
de um momento para o outro ao volante de um porsche que
vai a duzentos quilómetros à hora sem lhes terem previamente
ensinado a conduzir, significava condená-los inevitavelmente
ao desastre.
67
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Ora, a mudança política e económica comportou uma
mudança nos métodos de governação e nas prestações dos
poderes públicos. O Estado da primeira República pecava
pela sua pan-presença. Ele decidia pela educação, pela saúde,
pela moral pública e individual, pela justiça, pelos valores
individuais e colectivos. E para isso combatia os alicerces
individuais e culturais dos indivíduos e dos grupos.
A segunda República tomou uma postura inversa. Ela peca
pela sua ausência. As populações não sentem no Estado –
desde as instâncias mais elevadas até ao servente de uma escola
ou dum hospital – «uma pessoa jurídica» que está presente e
ao seu serviço. O Estado ficou «dólar-crático». Tudo se faz
em função do rendimento, do ganho, das mordomias. O
funcionário do Estado transformou-se de servidor público
em servidor de si próprio, instrumentalizando o privilégio
que o seu lugar lhe concede. O funcionário não serve:
serve-se. Esta situação está em discrepância com a ideia
que as populações fazem de um funcionário. A ideia que as
pessoas têm de um professor é de um homem que é uma
referência para as populações, não só pelo seu saber, mas
também pela sua conduta moral. Ver um professor a vender
notas e provas de exame é simplesmente escandaloso. Ver o
hospital transformado num comércio ia contra a ideia que
as populações tinham da deontologia médica, mesmo sem
conhecerem o juramento de Hipócrates.
Apesar do famoso crescimento económico e dos índices
do PNB, a situação das populações piora, a qualidade do
ensino piora. Aos jovens dá-se a consumir uma cultura feita
de telenovelas e de slogans tipo «2M nossa tradição nossa
cultura», ou então «a nossa cerveja, a nossa maneira de ser e
de estar». O tratamento nos hospitais depende de dólares, a
boa escola custa caro, todas as coisas a que as populações de
baixo não se podem permitir. Isto põe um problema enorme
de justiça, a nível distributivo e a nível de sanção jurídica.
68
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Um dos primeiros sinais da ausência do Estado foi dado quando
as populações começaram a fazer justiça com as próprias mãos.
Muitas vezes queimava-se um miúdo que roubara para comer,
quando funcionários do Estado e outros desviavam coisas muito
mais consistentes esvaziaram literalmente os cofres do Banco
Austral, venderam bens essenciais do Estado a estrangeiros ou
que têm 500 mil dólares para comprar apartamentos e eram
indemnes a qualquer sanção. Esta violência social, porque é disso
que se trata, tem que ser analisada em todos os seus parâmetros.
As populações começaram a ser violentas. Podemos dizer que os
miúdos da rua são violentos, há assassinatos na cidade, assaltos
à mão armada que culminaram em violência-espectáculo, com
a morte de Carlos Cardoso e de Siba-Siba Macuácua. Todavia,
toda esta violência pode ser conduzida à «dólar-cracia»: a
instauração do dólar em valor supremo da nossa sociedade. O
fim, «dólar», justifica todos os meios.
Então, ao mesmo tempo que o número e a qualidade de carros
e casas de luxo aumenta na cidade, as viagens para compras
na RSA, na Suazilândia e mesmo Portugal aumentam, que se
multiplicam as viagens para Dubai, para bronzear-se no Estoril
ou para o Carnaval no Rio, o número de pobres, de miseráveis
não cessa de aumentar. O número de doentes que morrem de
malária devido à falta de saneamento de meio aumenta.
Assim, a segunda República muito depressa oscilou da
democracia à «dólar-cracia». Com a passagem da primeira à
segunda República, deitou-se fora a água suja e o bebé. Valores
verdadeiros para qualquer sociedade foram negligenciados,
deliberadamente omitidos ou mesmo invertidos.
Durante o período da primeira República nós cantámos que a
linha de ordem do nosso povo era a unidade, o trabalho e a
vigilância. Podemos perguntar se estes valores não têm todo o
seu lugar no Moçambique de hoje. Em que é que a unidade pode
ser identificada com um regime político? A unidade do nosso
povo, contra o tribalismo que está em voga, o regionalismo e o
69
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
racismo não constitui um valor essencial para o Moçambique
de hoje? O trabalho, o facto de contar com as próprias forças,
num mundo de assistidos e objecto das ajudas e caridade
internacional não é um valor a cultivar? A vigilância contra as
divisões, com o perigo de recair no colonialismo, na dominação
não é um valor a cultivar e a defender?
De facto, a falta desta vigilância condena a maior parte da
população, os mais fracos, a processos que recordam muito o
que era a época colonial, mas sobretudo distância entre o Estado
da sociedade. Vale a pena recordar o debate português2 em volta
da Sociedade de Geografia no fim do século XIX, depois do
ultimato que a Inglaterra impôs a Portugal. Homens como Eça
de Queirós pensavam que Portugal deveria desinteressar-se dos
«selvagens» que viviam nas colónias. Aliás, Portugal tinha-se
mostrado mau colonizador e isso só lhe tinha valido frustrações
e humilhações, desde a perda do Congo a favor dos belgas até
ao ultimato britânico.
Contra estas teses, jovens como António Ennes defendiam que
era necessário ter colónias rentáveis como moeda de troca para
melhor integrar a Europa. Para isso, Portugal teria primeiro
que pacificar as suas terras, controlá-las com militares e com a
administração, e assim poderia dizer aos parceiros: tenho terra
para cultivar, militares para defendê-la e, sobretudo, pretos
para trabalhá-la. Era o início do trabalho forçado que acabou
substituindo a recém extinta escravatura pelo chibalo que faz
da colonização portuguesa uma das mais cruéis e os povos de
Moçambique dos mais sofredores.
Quando vejo certas práticas a que se prestam certas elites
moçambicanas, como acordos de parceria com empresas ou
indivíduos sem escrúpulos, acordos que não têm em conta os
interesses das populações, pergunto-me se o discurso é diferente
do discurso de António Ennes. Mas, sobretudo, o risco maior
BIGNASCA, A., La Singolarità terribile del Colonialismo Portoghese: il Dibattito della Società di
Geografia. Roma: Armando, 1971, 71-82.
2
70
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
é condenar as populações mais fracas do nosso povo ao novo
chibalo, evidentemente com a nossa cumplicidade.
Aliás, não é a primeira vez: todo o sistema de dominação do
nosso povo contou sempre com a cumplicidade de grupos entre
nós. A escravatura foi facilitada por certas práticas internas pela
cobiça e sobretudo pela falta do sentido histórico, pois quando
o momento chegou, vendedores e vendidos tornaram-se todos
escravos e colonizados.
A falta de sentido histórico seria pensar que nós, pequenos grupos,
constituiríamos as excepções de um processo neocolonial no
qual somos ou podemos ser cúmplices. Se a questão é dinheiro,
então somos mais baratos que os nossos predecessores. Temos
que lembrar que um espingarda no século passado era mais
difícil de construir que um Mercedes hoje. Se temos que nos
vender para obter um carro, temos que pensar não só na traição
histórica para com os nossos e a causa negra de uma maneira
geral, mas também no preço dessa mesma traição.
Podemos considerar que a Frelimo traiu a sua causa? Aquela
mesma Frelimo que era constituída por rapazes e raparigas que
estavam dispostos a morrer todos os dias durante dez anos em
nome da liberdade do nosso povo? O que é que aconteceu?
Não foi, em primeiro lugar, a Frelimo que mudou. Há um facto
que ninguém quer reconhecer, mas que é fundamental para
entender o Moçambique de hoje e as circunstâncias das nossas
vidas e acções. Se raciocinarmos em termos libertários podemos
afirmar de uma maneira apodíctica que face à intransigência e ao
anacronismo histórico do fascismo português, nós, colonizados
e em busca da liberdade-independência, fizemos uma guerra
justa e ganhámos. A guerra não foi ganha militarmente, mas o
terreno de batalha não era esse. O terreno de batalha era político
e foi um acidente histórico de responsabilidade portuguesa que
obrigou Moçambique e as outras colónias portuguesas fossem
a excepção no contexto africano a pegar em armas. Mas com
71
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
o 25 de Abril essa anomalia histórica foi corrigida e abriramse as portas para as independências políticas das então colónias
portuguesas.
Na Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica defendi que
a Frelimo não escolheu o comunismo: foi-lhe imposto por
um processo histórico-político. Agora, tristemente, tenho que
defender que o liberalismo selvagem em curso não é também
resultado de uma escolha, mas da derrota na segunda guerra.
De facto, os objectivos libertários da primeira guerra foram
derrotados na segunda guerra.
O período que vai de 1945 até 1989, como já se escreveu
enormemente, foi dominado pelo conflito ideológico que opôs
o bloco chamado de esquerda ao bloco de direita. Nós entramos
neste conflito pela janela da nossa vontade de nos libertarmos
do colonialismo. A prova da nossa participação periférica está
no facto de termos parado com a guerra no momento mesmo
em que os generais R. Reagan e M. Gorbatchov assinaram o
armistício do fim das hostilidades. A guerra terminou com a
vitória do bloco da direita. Dado que nós estávamos no bloco
da esquerda, perdemos. Temos que ter a coragem de dizer que
se ganhamos a guerra de libertação (nessa luta nós estávamos
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
no sentido da história, contra o anacronismo histórico do
colonialismo português), perdemos a segunda guerra.
O fim de todas as guerras é concluído com «actos cívicos» nas
quais as partes se encontram, com aparente cortesia e mesmo
cordialidade, bem vestidas e engravatadas para o processo de
diálogo. Na realidade, trata-se de um encontro humanamente
duro e humilhante para os vencidos, durante o qual os
vencedores ditam as suas condições.
No panorama geral do conflito da guerra fria, a principal
discussão do armistício fez-se em Helsínquia e teve como
protagonistas Reagan e Gorbatchov. Assinado o documento
principal, deixou-se que a resolução de detalhes ficasse a cargo
dos burocratas ou dos oficiais subalternos, mas sempre no
espírito da carta fundamental. Isto explica que os acordos de
paz moçambicanos tenham sido assinados numa insignificante
comunidade de Roma sem tradição nem prévia experiência
política.
Os vencedores da guerra decidiram que em Moçambique,
a Frelimo renovada – nome que nunca tomou, mas devia
ter emprestado da UNITA Renovada – fosse a melhor força
política para governar Moçambique. Com efeito, a natureza do
capitalismo é não ter tempo. Dado que a estrutura administrativa
de Moçambique tinha sido escangalhada e recomposta por esta
força política, para o funcionamento eficaz e imediato de um
liberalismo que em termos de eficiência e comprimento de
prazos e datas é mais rigoroso que os sistemas de esquerda,
o melhor governo seria o da Frelimo. Dava-se a Frelimo o
mandato de governar com ordens precisas: utilizar as próprias
estruturas para escangalhar o munus socialista e colectivista que
ela mesmo tinha criado, introduzir o capitalismo contra o qual
tinha lutado – sistema que tinha sido historicamente responsável
pela submissão dos moçambicanos.
Em primeiro plano (da esquerda para a direita): Ya-Qub Sibindy, Miguel Mabote, Marcos Juma
e André Balate
72
73
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Aceitaria a Frelimo destruir o que ela mesma tinha construído?
Aceitaria dizer às pessoas que tinha educado que o homem novo
agora era o capitalista, que a palavra de ordem era acumulação
individual, era a exploração do mais fraco? Aceitaria a Frelimo
dizer que, afinal de contas, o roubo e a desonestidade eram
valores? Aceitaria a Frelimo transformar as funções estatais de
serviços para o maior número em lugares de apropriação e de
acumulação? Aceitaria a Frelimo destruir a sua lealdade com os
camponeses, com os combatentes da Independência?
A bola parecia estar no campo da Frelimo: ou ela queria
permanecer coerente consigo própria e, então, reconhecia
a sua derrota e retirava-se, ou então ela se metamorfoseava e
tornava-se uma «Frelimo renovada», atacando o poder a todo
o custo. Existe, teoricamente, a possibilidade de a Frelimo ter
aceitado a sua nova condição como forma de resistir, na medida
do possível, aos ditames dos vencedores a fim de continuar a
defender os seus valores originais.
Então a Renamo estava condenada a ser oposição? A nova missão
do pequeno batalhão era ser uma pistola apontada à têmpera da
nova Frelimo, governante. Se a Frelimo se comportasse bem, a
Renamo continuaria na oposição quer ela quisesse ou não. Se
a Frelimo se comportasse mal, a oposição premiria o gatilho e
a Frelimo saltaria. Só que a Frelimo mostrou-se mais liberal do
que era previsível. Isto leva-me a pensar que muitos socialistas
da primeira República não o eram por convicção, mas por
imposição ou por oportunismo político.
A partir do momento em que a Frelimo jogava bem o jogo liberal,
a Renamo transformava-se num espantalho que só serve para
afugentar pássaros. Mas as duas questões de fundo são: primeiro,
a Frelimo ultraliberalizou-se estrategicamente como forma
de manter o poder (e servir os interesses dos moçambicanos)
ou como estratégia de enriquecimento de um certo número
de indivíduos? Se foi uma estratégia para conservar o poder,
que fim tem o novo poder e Governo da Frelimo? Segundo:
74
a comunidade internacional, virando as costas à Renamo e
seguindo a estratégia da Frelimo, levanta o problema do futuro
da democracia e da sua legitimação em Moçambique.
A Questão da Legitimação
A participação nas eleições de 1994, mais do que legitimar
as novas forças políticas em presença e a nova governação
nacional, era um assentimento que ia mais em direcção da
necessidade de terminar com a guerra e todas as consequências
que ele comportou em termos de acentuação da pobreza, da
fome, da imigração das populações do campo para a cidade,
etc. mas, de nenhuma maneira, uma legitimação política. Com
efeito, ninguém pode legitimar o que não conhece, e nenhuma
legitimidade é possível (legítima) se ela não parte e não se
alimenta do substrato mental, cultural e filosófico do povo que
deve supostamente governar e representar.
Ora, as estatísticas mostram que mais de noventa por cento dos
cidadãos moçambicanos não possuem os apetrechos intelectuais
necessários para participarem, e por conseguinte, legitimarem
uma democracia, cujos paradigmas respondem a pressupostos
culturais e históricos ocidentais. Por outro lado, todos os
trabalhos de história e de antropologia levados a cabo sobre as
diferentes culturas moçambicanas3 mostram que a participação
popular na coisa pública e os diferentes sistemas de governação
das culturas nacionais, diferem em toda a medida do sistema
constitutivo e da organização dos poderes públicos actuais.
Todavia, e não obstante as afirmações precedentes, as eleições
políticas de 1994 marcaram o início de uma nova legitimidade
política, não fundada sobre a tradição ou sobre a força das armas,
mas pelo princípio da soberania popular. A nossa questão será
justamente de nos interrogarmos quanto ao estatuto político
desta nova legitimação.
Cfr. Documentos de Antropologia Moçambicana. Lisboa, 1996
3
75
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Em Moçambique, o nascimento do projecto nacional está
indissociavelmente ligado aos nomes de Eduardo Mondlane4
e da Frelimo. As lutas dos povos africanos pelas próprias
liberdades, na qual se situa o projecto de Eduardo Mondlane
e da Frelimo, inscreveram-se em dois movimentos históricos
opostos. O primeiro inscrevia-se e fundamentava-se no substrato
cultural dos diferentes povos autóctones, o segundo tem o
seu fundamento na história do movimento Pan-africano que
nasceu com os negros da diáspora: República das Palmeiras no
século XVII no Brasil, Haiti de Toussant Louverture no século
XVIII, os marrões da Jamaica no século XIX, mas, sobretudo, as
metamorfoses históricas e culturais dos negros nos EUA:
Os primeiros movimentos eram culturalmente homogéneos,
tinham as suas delimitações geográficas e políticas bem definidas.
As fronteiras traçadas ou reconhecidas por Berlim eram para os
diferentes povos, entidades geo-políticas demasiado extensivas,
mas sobretudo não correspondiam às dinâmicas políticas
próprias dos diferentes grupos nacionais. As entidades políticas
forjadas pelos povos africanos (Estados, Impérios) não paravam
sempre nas fronteiras étnico-tribais, bastando pensar no império
de Gaza ou no Império do Monomotapa. Contudo, a extensão
de uma identidade política a grupos culturalmente heterogéneos
era acompanhada por uma série de medidas de inserção jurídica,
económica, política e cultural que se inscreviam nas dinâmicas
culturais autóctones. Todavia, nenhuma destas dinâmicas
correspondia nem geográfica, nem politicamente àquilo que os
portugueses chamaram Moçambique.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
primeiros do pan-africanismo que prospectava uma unidade
política de todos os negros do mundo no solo africano (Delany,
Marcus Garvey). Os objectivos do movimento Pan-africano
foram-se reformulando sem nunca, contudo, renunciarem ao
objectivo de unir politicamente a África, como testemunha a
obra política e literária de K. Nkrumah Africa Must Unit, ou
mesmo os esforços da criação de uma África federal de Dubois
ou, ainda, de Patrice Lumumba.
Eduardo Mondlane, como K. Nkrumah ou Azikiwe, pertence
por formação e convicção ao movimento Pan-africano cujas
ideias tiveram um impacto considerável nos anos em que ele
viveu e estudou nos EUA. Contudo, a acção política de Eduardo
Mondlane e da Frelimo foi precedida e condicionada por dois
factos políticos e históricos importantes: a partir do congresso
Pan-africano de Manchester de 1945 fala-se abertamente e,
pela primeira vez, da questão de autodeterminação dos povos
africanos. Mas ao mesmo tempo, o congresso observou que
«as divisões arbitrárias e as fronteiras territoriais delimitadas
pelas potências coloniais constituem outras tantas medidas
deliberadamente tomadas para impedir a unidade política da
África».
Se a entidade Moçambique era (como, aliás, todas as colónias
africanas pós-Berlim) demasiado grande sob o ponto de
vista geográfico e culturalmente heterogénea em relação às
dinâmicas políticas autóctones a Moçambique e a África, ela
era, ao contrário, demasiado reduzida em relação aos objectivos
Cfr. NGOENHA, S.E., Para uma Reconciliação entre a Política e a(s) Cultura(s). Programa
de Reforma dos Órgãos Locais (PROL), Texto de Discussão N° 3, Ministério da Administração
Estatal (MAE), Editado por J. E. M. GUAMBE e B. WEIMER, Maputo, Agosto de 1997,
14.
4
76
Constâncio Nguja intervindo no seminário sobre os desafios do nacionalismo
77
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Se a questão da independência estava posta sem equívocos, restava
delimitar o quadro geopolítico no qual estas independências
se deviam inscrever: etnias, antigos Estados africanos, zonas
economicamente viáveis, ou espaços coloniais delimitados em
Berlim?
O co-presidente do congresso de 1945, Dubois (com Carter
G. Woodson, fundador da Association for the Study of Negro
Life an History em 1915) foi também um dos promotores da
redescoberta da História, das tradições e da cultura da África précolonial. Contudo, ele pensava – como, aliás, todos os líderes
políticos da época – que a África fragmentada não podia, por si
só, na sua própria terra, tomar claramente consciência da sua
unidade a não ser sob a forma de uma muito vaga comunidade
de origens e de tradições, consideradas num sentido muito geral.
De facto, a noção de Pan-africanismo era afectada por um alto
grau de abstracção em relação à realidade. Tratava-se mais de
uma doutrina cultural (ou do reconhecimento de uma unidade
espiritual entre negros, como dissera Langston Hughes) do que
de uma verdadeira ideologia política. Foi o que fez Azikiwe com
o seu Renascent Africa de 1937, Césaire no Cahier d’un retour
au pays natal, a revista Presence Africaine, ou ainda Cheikh Anta
Diop com as Nações Negras e Cultura.
Em primeiro plano (da esquerda para a direita): Dersa Jango, Cremildo Gove, Constantino Ngode
e Izidio Maquival.
78
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Por falta de uma ideia clara de unidade e mesmo de condições
práticas para que essa unidade fosse possível, começou-se a falar
de unidades regionais. Mas uma vez mais tinha que se definir
os contornos políticos e jurídicos de tal unidade. E, sobretudo,
definir-se se tal unidade devia preceder ou vir depois das
independências das delimitações individuais daquilo que eram
os Estados coloniais. Este assunto esteve no centro do debate
político entre os anos 1957 e 1959.
Em 1961, um ano antes da fundação da Frelimo, a África
independente divide-se claramente em dois grupos: o grupo
de Monróvia e o grupo de Casa Blanca. Contudo, a ideia
que prevalece é que a unidade que é preciso realizar neste
momento não é a integração política dos Estados Africanos
soberanos, mas a unidade das aspirações e da acção, do ponto
de vista da solidariedade social africana e da identidade
política.
O pan-africanista e funcionário das Nações Unidas,
Eduardo Mondlane sabe, ao fundar a Frelimo, que o quadro
geopolítico das liberdades (independências) africanas por
vontade da ONU, guiada pelas mesmas potências que em
Berlim tinham, cinquenta anos antes, dividido o continente
sem se preocuparem nem com as culturas nem com os
homens negros que nós somos, com a conivência dos
novos dirigentes africanos, deve ser o espaço da colonização
europeia, portanto portuguesa, para Moçambique. Isto quer
dizer: do Rovuma ao Maputo.
Ora, neste espaço geopolítico tinham precedentemente
surgido formas de nacionalismo que, sem serem o resultado
de uma evolução política interna às culturas locais, inscrevia
a sua dinâmica nos substratos culturais locais. Não há dúvida
que sob ponto de vista da evolução da política mundial,
Mondlane teve razão em criar a Frelimo, como meio de dar
força e legitimidade internacionais – no sentido da ONU
e, a partir de 1963, da OUA – às reivindicações dos povos
79
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
que viviam no espaço geográfico que se estendia do Rovuma
ao Maputo. Contudo, havia aqui uma transferência de
legitimidade. A Udenamo, Unamo e Manu, reivindicavam
a sua legitimidade nos povos respectivos. A Frelimo que,
justamente, não queria nem podia ser um simples somatório
dos três movimentos nacionalistas que o precederam,
nem sequer era o somatório dos grupos etno-tribais de
Moçambique, não podia imediatamente receber a sua
legitimação do interior e, portanto, das dinâmicas políticoculturais interiores aos povos de Moçambique.
dialogar e fazer dialogar os diferentes povos e culturas
nacionais, o que era tecnicamente impossível, tendo em
conta sobretudo o factor tempo e os imperativos regionais; ou
então, com uma legitimação proveniente do exterior, impor
aos povos de Moçambique culturas políticas estrangeiras.
Mas, se assim fosse, em que medida a imposição da Frelimo
seria na prática diferente da imposição dos portugueses?
Em que medida a governação da Frelimo seria menos
colonialista em relação às práticas culturais dos diferentes
povos e culturas locais?
Quanto ao exterior, a Frelimo podia receber uma caução,
mas não legitimação do Pan-africanismo que, entretanto,
tinha sido redimensionado e mesmo isolado com a elevação
do espaço colonial a quadro geopolítico para a proclamação
das independências. A divisão de 1961 e a criação da OUA
eram, de facto, uma vitória das antigas potências coloniais. E,
paradoxalmente, eram a ONU e a OUA a legitimarem a Frelimo
como movimento de libertação de Moçambique, e mais tarde,
como representante do povo moçambicano.
b) A história social e política da Europa, que doravante servia
de modelo, tinha visto nascer o Estado a partir das Nações.
Ora, em que medida o Estado de Moçambique estaria à
altura de criar a Nação, tarefa primordial que lhe foi confiada
pelo Partido?
Se as independências se devem inscrever no quadro geopolítico
colonial, elas não se podem inspirar culturalmente nem nas
lutas autóctones dos diferentes povos de Moçambique e das suas
evoluções e debates políticos, nem sequer se podem inspirar
na dinâmica histórica do Pan-africanismo. A acção de Eduardo
Mondlane e da Frelimo deve geopolítica e juridicamente
inspirar-se e, de qualquer modo, dar continuidade ao trabalho
de centralização levado a cabo pelas autoridades coloniais
portuguesas e, por outro lado, a partir do Partido transformado
em Estado depois da independência, criar uma Nação à imagem
e semelhança da Europa. Aqui surgem duas dificuldades:
a) Os portugueses para centralizarem a governação dos povos
de Moçambique, não só não legitimavam o seu poder a partir
dos povos de Moçambique, mas violavam sistematicamente
os seus direitos mais elementares. Se a Frelimo-Estado
de Moçambique seguia esta governabilidade tinha ou que
80
A missão histórica que foi da Frelimo – criar uma nação
moçambicana – partiu de movimentos políticos, culturalmente
circunscritos (Udenamo, Unamo e Manu), mas teve que se forjar
logo depois uma ideologia unitarista. Depois da independência, o
postulado de unidade nacional, que em si mesmo não é nem pode
ser discutível, implicou também uma governação a partir de cima.
O primeiro paradoxo era que o governo legitimava o seu poder no
povo, mas governava contra os pressupostos jurídicos das culturas
nacionais. O segundo paradoxo era que a legitimação teórica e
histórica dos pressupostos políticos de governação respondia a
pressupostos europeus: recordemo-nos que o marxismo é filho de
um debate histórico próprio da cultura ocidental.
Estes paradoxos e mesmo a desconsideração das culturas nacionais
no processo político e de governação foram, historicamente, o
preço que tiveram de pagar as culturas nacionais pela edificação
do Proto-Estado moçambicano.
A Nação democrática que se auto-proclamou em 1994 novo
actor histórico da vida política e social moçambicana quer,
81
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
como afirma a constituição de 1990 e os acordos de 1992: Todos
se reconhecem actores e sujeitos da história, ou seja, um partido único não
pode ser o dirigente da sociedade e do Estado5.
Por democracia se entende, portanto, um sistema de partidos.
Ora, este sistema tipicamente ocidental desde há dois séculos
tem vindo a provar a sua funcionalidade. Contudo, no contexto
histórico actual, caracterizado pelo fim do bipolarismo, muitos
sociólogos e politólogos se interrogam quanto à pertinência
da divisão clássica da política em partidos e a capacidade deste
sistema de representar verdadeiras alternativas políticas e,
sobretudo, de representar os diferentes estratos da sociedade.
Mas a questão mais interessante para nós é que em nenhum
país africano o sistema de partidos como o proposto pela
constituição e pelos acordos de Roma parece estar à altura de
mobilizar o imaginário colectivo das populações. Das duas,
uma: ou o africano (e, portanto, também o moçambicano)
é geneticamente anti-democrático como sustentam alguns
eugenistas (Medeved Arison), ou então o sistema de partidos
é, talvez neste momento, um mal necessário, mas não
corresponde ao substracto cultural dos nossos povos.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Depois de uma entrevista que dei ao jornal Savana em Setembro
de 1996, um deputado disse-me que ele tentava levar os seus
eleitores a interessarem-se e mesmo a controlarem a sua
actividade de deputado, mas em vão: os «eleitores não conhecem
as suas prerrogativas jurídicas e políticas como eleitores».
Os deputados são, teoricamente, representantes dos interesses
dos eleitores. Que tipo de mandato, eleitores que ignoram as
suas prerrogativas políticas e jurídicas, podem confiar a um
deputado? E se os deputados não têm um mandato claro dos
seus eleitores o que é que eles representam? O que é que os
autoriza a falarem em nome dos seus eleitores?
Mas supondo que os eleitores decidam controlar, acompanhar,
influenciar a execução do mandato de um deputado ou, mais
profundamente, que eles queiram fazer presente a um deputado
que representa no Parlamento as suas preocupações, que não são
sempre iguais, mas variam com o tempo e com as circunstâncias:
de que mecanismos jurídicos e constitucionais dispõem? Que
mecanismos estão previstos pela lei que permitam que os
eleitores interpelem os seus representantes?
Não se trata de uma inadequação dos africanos à democracia,
mas do modelo Europeu falsamente universal, que não se
coaduna com as nossas culturas. Não são as culturas que se
têm de adaptar a todo o custo a modelos, que responderam
ao génio próprio de certos povos num determinado momento
da sua história, mas os modelos que se têm de forjar a partir
das culturas. Isto significa que nós temos de inventar um
modelo de sociedade que nos seja próprio, um modelo que
corresponda às nossas culturas, às nossas sensibilidades, um
modelo capaz de mobilizar o conjunto de moçambicanos
a participarem não só nas eleições, mas na vida integral da
sociedade moçambicana.
Cfr. NGOENHA, S.E. Para uma Reconciliação entre a Política e a(s) Cultura(s). Programa de Reforma
dos Órgãos Locais (PROL), Texto de Discussão N° 3, Ministério da Administração Estatal (MAE),
Editado por J. E. M. GUAMBE e B. WEIMER, Maputo, Agosto de 1997, 21.
5
82
Em primeiro plano (da esquerda para a direita): Carla Manuel e Hamina Khadyhale.
83
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Se os parlamentares representam simplesmente as posições
dos próprios partidos, em discrepância total com os interesses
e a compreensão das pessoas, estamos num sistema de
partidocracia.
Será que o sistema de representação parlamentar é conforme o
génio político e cultural moçambicano? Será que os mecanismos
de representação tipicamente moçambicanos são os partidos?
Os indivíduos, os grupos, as culturas e a sociedade exprimem as
próprias opiniões, preocupações, posições através dos partidos,
ou existem outros mecanismos, outras vias, outros veículos de
opinião e de tomada de posição que são mais congénitos aos
povos de Moçambique?
A democracia moçambicana e o seu sistema de representação
vão ter que colocar o problema dos pressupostos. Temos
que centrar os nossos esforços sobre a condição mesma da
democracia: a dimensão sócio-cultural. A democracia vai
exigir, como condição preliminar, uma acção concebida
a partir das realidades autênticas das nossas comunidades
autóctones, apreendidas a partir do interior. Contudo, as
eleições políticas de 1994 e a nova constituição, fundando
doravante a legitimidade política sobre a soberania e a vontade
dos moçambicanos, consagram simbolicamente uma ruptura
fundamental.
Para além do princípio de legitimidade política, é o
fundamento mesmo da relação social que é posto em causa.
Na era da nação democrática, a política substitui o princípio
religioso ou dinâmico para unir os homens: ela reivindica
o direito de instaurar o social. Doravante, todos os homens
no interior do espaço nacional são iguais em dignidade.
Esta cidadania não é simplesmente um atributo jurídico e
político, no sentido estrito do termo. É também um meio para
adquirir um estatuto social: a condição necessária mesmo se
concretamente não suficiente para que um indivíduo possa
ser plenamente reconhecido como actor de vida colectiva.
84
Existem, no entanto, dois problemas fundamentais. Primeiro
– o nascimento da nação democrática foi precedido, e talvez
mesmo condicionado, pela presença de uma outra nação que
vive no seu seio: a nação produtivista. Não é por acaso que
a democracia foi precedida por uma adesão às instituições
económicas internacionais como o FMI e BM, composta
por indivíduos mais preocupados em satisfazer os próprios
interesses que a satisfação dos seus deveres cívicos – que
segundo Rousseau constitui o principal problema moral para
aquilo a que ele chama o homem social. A lógica produtivista
intimamente ligada à eficácia da produção, tende a preceder
os valores propriamente políticos. A participação na vida
económica é a fonte essencial do estatuto social. Assim,
a dimensão económica e social da vida colectiva impõe-se
em detrimento do projecto político. Este facto enfraquece
ulteriormente o nosso «Proto-Estado Democrático» que se
vê obrigado a renunciar às suas prerrogativas estatais (que lhe
foram confiadas pelos eleitores) para satisfazer as imposições
anti-democráticas do FMI e do Banco Mundial6 que se
arrogam a prerrogativa de legitimar o poder.
Como se isto não bastasse, os eleitores não têm mecanismos
jurídicos legais previstos pela constituição que lhes permitam
fazer-se ouvir ou simplesmente participar no debate público.
Existe, por conseguinte, um outro problema jurídico, desta
feita ligado à democracia representativa.
A Democracia Representativa
A democracia representativa, em princípio, é uma democracia
parlamentar. Todavia, para que o parlamento seja democrático,
deve respeitar três princípios fundamentais: a tolerância, a
separação dos poderes, a justiça. Isto significa dizer que uma
Cfr. Ngoenha, S. E., Para uma reconciliação entre a Política e a(s) Cultura(s). Programa de Reforma
dos Órgãos Locais (PROL), Texto de Discussão N° 3, Ministério da Administração estatal (MAE),
Editado por J. E. M. GUAMBE e B. WEIMER, Maputo, Agosto de 1997,33.
6
85
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
democracia digna desse nome não se pode contentar em ser
uma democracia formal, cega às desigualdades materiais entre
os membros da sociedade, mas ela deve visar a um objectivo
concreto: a justiça social. Podemo-nos perguntar: em que
condições reina a justiça social? Isto é uma questão difícil. Em
contrapartida, o que é claro é que a sua realização supõe, pelo
menos, a criação de mecanismos susceptíveis de impedir o
desenvolvimento de desigualdades demasiado grandes no seio
da comunidade.
A nossa constituição, inspirando-se na história das democracias
representativas, separa claramente o poder executivo do
legislativo e este do judicial. Que mecanismos temos para
garantir a separação de poderes e gerir eventuais conflitos entre
eles?
Dois tipos de conflitos têm perturbado de maneira recorrente a
vida das democracias contemporâneas: primeiro, o conflito entre
o executivo e o legislativo, quer quando a constituição dá mais
importância a um ou ao outro, quer quando os representantes
do executivo usam todos os subterfúgios para fugirem ao
controlo dos representantes do povo. O membro da Renamo
ou do MDM quando se pronunciam no parlamento, fazem-no
como representantes do povo. O executivo não deve ridiculizálos ou fugir às questões, muitas vezes judiciosas e pertinentes
que levantam.
Segundo, o conflito entre o executivo e o judiciário. Nomeados
pelos primeiros, os agentes do segundo, isto é, os magistrados,
têm muita dificuldade em fazer compreender aos responsáveis
do executivo, que ninguém pode estar acima da lei. Este é
um problema que os pais da democracia representativa não
resolveram. Trata-se de uma questão que tem minado a vida
política, mesmo nas democracias mais experimentadas. Em
Moçambique podemos falar do paradigma AnibalzinhoNyimpini.
86
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Que o presidente Chissano tenha feito ou não pressão ao pé das
autoridades judiciárias, os juízes não podem ser completamente
livres de uma certa pressão psicológica no acto mesmo de
instaurar um processo e de judiciar Nyimpini.
Mas a verdadeira questão não é nem a atitude do presidente,
nem Anibalzinho, nem Nyimpini. A questão é como fazer com
que entre o poder executivo e o judicial não haja interferência,
numa democracia que quer estes poderes iguais, mas subordina
a nomeação do judicial à decisão do executivo? Que o
presidente faça pressão ou não, que diga algo ou não, que o
seu pessoal governativo intervenha ou não, o seu estatuto vai
necessariamente condicionar o desenrolar do processo. Este não
é um problema só moçambicano e, talvez ainda mais por isso,
deve mobilizar as nossas inteligências com vista a encontrarmos
uma saída…
A estes pontos tem que se acrescentar um que é a maneira
particular como um certo Ocidente se arroga sempre mais, e
de maneira antidemocrática, prerrogativas de legitimação anticoloniais das emergentes democracias africanas, e mete sob tutela
as nossas economias e, em consequência, a nossa soberania.
O Presidente Armando Guebuza ladeado pelo Professor Severino Ngoenha (a esquerda) e pela
Drª. Arlete Matola e pelo Professor José Paulino Castiano (a direita) no final do Seminário.
87
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A Questão da Soberania
A constituição de 1975 prescreve em vinte e cinco artigos os
princípios gerais ou, se quisermos, as proposições de base que
orientam o conjunto de normas jurídicas e a promulgação
das leis. Trata-se de ideias ou de proposições que inspiram e
orientam todos os enunciados e todos os actos do direito.
O Moçambique de 1975 aparece, assim, no artigo I como «Um
Estado soberano, independente e democrático sob a direcção
da FRELIMO». O artigo II define a ideologia moçambicana
como Democracia Popular. O artigo III indica a Frelimo como
a entidade que «supervisa a acção dos órgãos estatais a fim de
assegurar a conformidade da política do Estado com os interesses
do povo». O partido e o Estado identificam-se. O artigo IV
indica os objectivos fundamentais da República: «a eliminação
das estruturas de opressão e exploração coloniais e tradicionais
e da mentalidade que lhes está subjacente a extensão e reforço
do poder popular democrático; a edificação de uma economia
independente e a promoção do progresso cultural e social; a
defesa e consolidação da Independência e da unidade nacional;
o estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade e
cooperação com outros povos e Estados; o prosseguimento da
luta contra o colonialismo e o imperialismo».
Estes artigos mostram a vocação libertária da constituição e a
filosofia prática subjacente ao direito moçambicano na sua
primeira constituição.
A constituição da II República não renuncia ao substrato
filosófico de base e aos seus corolários de lógica jurídica. Só que
o exercício deste projecto libertário não se exercerá, doravante,
através do partido Frelimo (apesar de se reconhecer o seu papel
fundamental na construção de Moçambique), mas através de
um sistema de competição entre partidos autónomos, com
obrigação de respeitarem e defenderem a soberania nacional,
88
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
entendida como espaço geopolítico (do Rovuma ao Maputo), e
a unidade nacional através da luta contra o tribalismo.
Os pressupostos filosóficos estipulados na primeira República
e confirmados pela segunda aparecem em contradição com
os seus corolários políticos. Para compreender o que está por
detrás deste fenómeno, tem que se recorrer à história das lutas
ideológicas que a subentendem.
Lutar contra o colonialismo, libertar Moçambique e ser
soberano são conceitos fundamentais e constituintes da nação
moçambicana. A comunidade internacional só pode ser positiva
e a favor de Moçambique na medida em que respeite este
substrato filosófico de base. Isto é, respeito pela soberania,
configurada num espaço geopolítico bem determinado e pela
unidade nacional.
Ora, o centro nevrálgico da constituição de 1975 era a liberdade/
independência. O centro da constituição de 1990/1992/1994
é liberdade/democracia. Em 1975, a liberdade era entendida
como contraposição ao colonialismo. Em 1992, à liberdade
como anti-colonialismo se junta a democracia. Teoricamente,
trata-se de um avanço considerável. Todavia, a opinião pública
moçambicana parece acreditar que a nível da liberdade
fundamental (independência e soberania), Moçambique tenha
pura e simplesmente regredido (regresso de portugueses,
economia sob tutela, ONG, cooperação, doadores, etc.). Podese progredir em democracia, recuando em soberania?
A II República nasceu dos escombros da antiga União Soviética
e do fim da guerra fria. Os valores que a ideologia vencedora
apregoa são contrários ao espírito da Primeira República
defendidos pela Frelimo. Mas serão compatíveis com o espírito
que é, ou que devia ser, da Renamo enquanto partido nacional:
a defesa e a promoção da unidade e integridade nacionais?
89
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A situação actual de Moçambique caracterizada por democratismo
(que é diferente da democracia), super liberalismo que se traduz
em privatizações sumárias, e tutela governativa, são a prova da
nossa entrada no fim da história, no ponto final da evolução
ideológica da humanidade.
É neste contexto que deve ser vista a segunda República
moçambicana. Mas resta uma questão de fundo: qual é a relação
que existe entre o objectivo de fundo que persegue o africano,
o moçambicano, isto é, a liberdade de dispor de si mesmo e
esta forma de hegelenismo político-social? Qual é a relação que
existe entre este sistema mundial dominante e a possibilidade
real de ser soberanos, sem termos que obrigar os moçambicanos
a terem que pegar em armas para uma segunda colonização,
como escreve Heliodoro Baptista no artigo do Savana (nº 167,
Março 1997)?
Duas aporias parecem remar contra a nossa liberdade e libertação:
uma está intrinsecamente ligada à mesma ideia de soberania e
outra à nossa incapacidade como povo de assumi-la com tudo
o que ela comporta em termos de responsabilidade. E outra é
ligada ao Ocidente sempre mentalmente imperialista
Eis porque é ridículo e contraditório ter uma constituição cujo
pressuposto filosófico (soberania) tem que ser garantido por
uma comunidade internacional, democrata no interior dos
países de origem, mas selvagem nos seus princípios políticos,
jurídicos e nas suas práticas económicas.
Falar de soberania moçambicana é hoje um autêntico abuso
de linguagem. De facto, toda a estrutura constitucional
moçambicana, desde os seus fundamentos filosóficos, jurídicos
para terminar na prática política, encontra-se esvaziada de
conteúdo. Eis porque a política moçambicana, apesar da aparente
democracia, tornou-se numa coisa ligeira, leviana onde cada um
procura os seus fins individuais: o «cabritismo» que é, de facto,
o laissez faire, laissez passer moçambicano.
90
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Todavia, esta situação é possível ou pelo menos é facilitada
por um outro facto: «a nossa incapacidade de assumir o que
a liberdade comporta como responsabilidade». O camaronês
Mveng fala da pauperização antropológica do negro. Eis porque
o maior comunista de ontem pode tornar-se no maior apóstolo
do liberalismo selvagem; o revolucionário de ontem no
reaccionário de hoje, os libertadores de ontem no instrumento
de colonização de hoje.
A Frelimo viu-se obrigada, por razões militares e pela pressão
exterior, a instaurar um sistema democrático, sem estar realmente
convencida de dever compartilhar o poder, cuja legitimidade
auria da luta armada contra a colonização portuguesa. Hoje
a Frelimo vê-se obrigada a harmonizar as exigências de duas
autoridades: a Renamo e a Comunidade Internacional. Ora,
se a força da Renamo no contexto nacional é muito fraca, o
mesmo não se pode dizer da Comunidade Internacional, que
impõe literalmente de uma maneira abusiva e anti-soberana a
política, a economia e o tipo de governação.
No contexto económico dominante, o governo precisa
do dinheiro dos doadores e da comunidade internacional
para melhorar a vida dos
moçambicanos, o que, aliás, é a
sua função política como partido
no poder, mas está consciente
da divergência de interesses
entre os moçambicanos e
de uma certa Comunidade
Internacional (cf. entrevista
com Mariano Matsinha, in:
Savana 25.04.1997).
A Renamo é vista como
instrumento da Comunidade
Internacional, cujos objectivos
são o enfraquecimento do
Estado, a divisão do país.
Job Muthombene a fazer a sua intervenção
91
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Contudo, a Comunidade Internacional, apesar da sua força,
só pode governar de maneira indirecta, pois dificilmente pode
pegar em armas e ocupar militarmente Moçambique, ou mesmo
nomear governadores e administradores em Moçambique. A
Frelimo submete-se aos dictats da Comunidade Internacional
fazendo o que esta exige, a fim de obter dinheiro e financiamentos,
ao mesmo tempo que a nível político, tenta isolar a Renamo
(Carta Aberta aos Moçambicanos de Afonso M. M. Dhlakama,
Savana, 04.04.1997) e os outros partidos da oposição. Todavia,
apesar das aparências, o verdadeiro adversário da Frelimo, não é
a Renamo, como ontem não era a Renamo. Samora Machel quis
discutir directamente com os sul-africanos e não com a Renamo.
Hoje a táctica é a seguinte: fazer a vontade dos doadores a fim
de ter investimentos, mas isolar politicamente a Renamo e os
outros partidos da oposição.
Às estratégias de apropriação do poder e do seu abuso por parte
de uma certa Comunidade Internacional, a Frelimo responde
com uma dupla táctica: docilidade e submissão aparente face
à Comunidade Internacional, e isolamento das oposições
políticas nacionais. Este processo faz-se em detrimento de uma
democracia real que, portanto, se tinha começado a engodar. Isto
faz-se, por outro lado, em detrimento de um debate democrático
cultural, que tenderia a deslocar realmente o centro de gravitação
do poder em direcção às pessoas reais, aos grupos e às culturas.
As consequências são: o isolamento dos partidos da oposição, a
diminuição da possibilidade da democracia, o centralismo político,
que impede a possibilidade de uma cultura política moçambicana.
Isto é, a criação de um substracto político nacional a partir dos valores
do homem de Moçambique, o reforço das tendências autoritárias e
centralizadoras do partido no poder, que se vê obrigado a recorrer
a armas nacionalistas para defender o país.
A responsabilidade da Comunidade Internacional no que se passa
em Moçambique é enorme. Existem diferentes Comunidades
Internacionais, aquelas pretensamente neocoloniais e tuteladoras, e
outras cujos objectivos são de ajudar a construir uma comunidade
política soberana, democrática, solidária e fundada sobre valores
92
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
moçambicanos. Penso que seria tempo de uma análise crítica das
atitudes da Comunidade Internacional e da sua responsabilidade
no clima que existe no Moçambique de hoje. Existe hoje um
risco de confusão entre a democracia e o neocolonialismo;
risco de ver na democracia e no liberalismo, simples avatares do
neocolonialismo.
O maior erro, que poderiam cometer as «velhas democracias»,
seria apresentarem-se como modelos, como os que sabem como as
coisas devem ser feitas, como os problemas devem ser resolvidos,
o que elas não são e nem podem ser; e impor, mesmo em termos
económicos, o modelo e o estilo de sociedade que elas consideram
boa para Moçambique. Neste sentido, é extremamente lamentável
a atitude de certas organizações. Exigir que o Estado, o Governo,
adopte e implemente práticas políticas e económicas decididas por
investigadores e por centros de poder ocidentais, como condição
da ajuda económica, é uma política que se baseia no desprezo
pelos governantes nacionais. O perigo evidente, neste caso, é
desacreditar gravemente o Governo aos olhos do povo, mas
sobretudo desacreditar a própria democracia aos olhos do povo e
dos seus líderes.
A comunidade internacional, pelo menos a não colonialista,
deve rever a sua posição, deve compreender que ela não pode
ser colonizadora, neocolonizadora, tuteladora, sem ser contra
Moçambique e contra os moçambicanos.
O específico das ciências filosóficas no contexto actual deveria
ser a invenção de espaços e de mecanismos de incremento da
soberania, quer contra o intervencionismo anti-democrático
dos democratas ocidentais, quer, e sobretudo, no trabalho
sobre as condições susceptíveis de libertar a imaginação e a
criatividade nos moçambicanos, a fim de podermos assumir
responsavelmente a nossa liberdade.
A «tarefa» da filosofia é não esquecer que a nível interno ainda
não somos capazes de ser cabalmente responsáveis pela nossa
liberdade. Incumbe-nos, portanto, descobrir e inventar espaços
de liberdade concretos, dar material e instrumentos teóricos aos
políticos nacionais.
93
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A reflexão filosófica moçambicana tem que se situar na intersecção
do conflito de soberania entre a soberania externa dos estados
europeus e Moçambique; entre a nossa vontade de soberania
e a nossa incapacidade de assumi-la; entre a nossa vontade de
soberania e a incapacidade dos ocidentais de se libertarem dos seus
élans coloniais. Em segundo lugar, ela deve investigar as razões
históricas, culturais e sociais que estão na base da nossa fraqueza
existencial e as maneiras concretas de combatê-la. A ideia da
soberania (liberdade) tem uma valência interna condicionada pelo
movimento de participação cultural, que comummente se chama
democracia. Esta deve ser internamente garantida por uma cultura
política moçambicana que se forja a partir das culturas políticas
nacionais, e que tenha em conta a preservação e o incremento da
soberania moçambicana.
A filosofia africana na sua valência política deve contribuir para
a realização das exigências de justiça. Por conseguinte, filosofar
sobre a acção significa interrogar as legitimidades edificadas pelos
homens (nacionais e internacionais), e tentar dar palavra às pessoas,
grupos e culturas que foram privadas dela até aqui. A filosofia não
se pode contentar em justificar o statu quo, mas, ao contrário,
deve dessacralizar os equilíbrios políticos que parecem únicos. Eis
porque eu proponho um contracto cultural, social e político.
1. Contrato Cultural
A democracia comporta duas partes: uma axiológica e outra
institucional. A dimensão axiológica repousa essencialmente
no princípio da igualdade em direito concebido como uma
abstracção para corrigir as desigualdades naturais. Ela impõe,
de uma maneira apodíctica e não negociável, o respeito pelos
direitos do homem, a igualdade entre os cidadãos e o respeito
pela dignidade das pessoas.
Se os valores não são negociáveis, as instituições, ao invés,
nunca conheceram, na história das democracias, uma forma
única. Se os valores têm uma vocação universal, a dimensão
94
institucional da democracia releva da história, das sociedades
e das culturas.
As instituições, melhor, os modelos institucionais da
democracia podem e devem mudar, podem e devem ser
aculturados, aurir a sua legitimidade dos imaginários
colectivos, das linguagens das pessoas, da maneira como eles
concebem a sua vida social e colectiva. Eis o que eu chamo
contrato cultural.
2. Contrato Social
A segunda República é percebida pelos moçambicanos como
profundamente injusta. O conceito de justiça não é e nunca
foi exclusivamente político. Ainda menos jurídico. Ele pode
ser apreendido em diferentes sentidos: ético, metafísicohistórico (justiça imanente), religioso (transcendental),
até mesmo estético. Entre estas múltiplas acepções, não
separáveis por nenhuma fronteira bem definida, toda uma
série de ligações mais ou menos subterrâneas se teceram
durante séculos. Esta é a razão pela qual a dimensão política
e a dimensão ética estão ligadas, como bem prova John Rawls
(1987) na sua Teoria da Justiça que, há trinta anos, teve o
grande mérito de dar um novo alento à questão da filosofia
política, que tinha sido transcurado depois de Rousseau e de
Kant.
3. Contrato Político
Sabemos da História que o processo da escravatura foi
facilitado pelas nossas divisões internas; sabemos que o
colonialismo foi também facilitado pelas nossas divisões;
sabemos que, para neo-colonizar a África, o Ocidente, desde
o Congo até Moçambique, passando pela Nigéria, utilizou
ou suscitou divisões.
95
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Mas a História também nos ensina que quando fomos
capazes de unidade, fomos fortes e conseguimos, se não
ganhar, pelo menos resistir! Eis porque o «contrato político»
que permitiu a unificação da Udenamo, Mani e Unamo e
a fundação da Frelimo tem um grande valor pragmáticopolítico, mas sobretudo moral.
É necessário que as diferentes forças políticas e sociais do
país sejam os principais interlocutores uns dos outros, que
tenham o sentido da significação profunda da «palavra» em
termos de escuta, diálogo, espaço de reconciliação. Mas
como família moçambicana, que tenhamos o sentido do
segredo (prudência, cautela) familiar, isto é, do que não
pode a nenhum preço ser dito aos estrangeiros, seja eles
quem forem. Isso permitiria evitar a ingerência dos que
se sentem autorizados a meter o nariz nas nossas coisas
privadas (ministérios) com a pretensão de querer resolver
problemas em nosso lugar.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
As forças políticas e sociais moçambicanas devem ser os
principais interlocutores umas das outras na vida política
moçambicana. As forças políticas moçambicanas deveriam
fazer um deal sobre o essencial, o indiscutível, deveriam fazer
com os povos de Moçambique uma espécie de contrato social
sobre a essência mesma da liberdade moçambicana, sobre o
que não é negociável, o que deveria constituir o fundamento
normativo do Estado. A nível de bens económicos que
constituem o património nacional (portos, caminhos de
ferro, minas, a terra, etc.), de jurisdição política, espaços
estritamente nacionais que não são acessíveis a estrangeiros
(ministérios, lugares de defesa, de segurança, de planificação,
etc.), prerrogativas ciumentamente nacionais não cedíveis a
ONG, cooperações, doadores, etc..
Por conseguinte, os partidos políticos devem considerarse adversários e não inimigos. Devem rivalizar uns com
os outros não a partir de pertenças étnicas ou regionais,
de amizades e apoios internacionais, mas de programas
políticos com vista a incrementar as liberdades nacionais, os
espaços democráticos, a participação das culturas no debate
civil, do nível de vida moçambicano, etc. É indispensável
criar um espaço público e uma espécie de contratualismo
moçambicano. Para isso, deve-se concretizar um múnus
de princípios, um contrato político que os governantes,
independentemente da família política a que pertençam,
deverão imperativamente respeitar e defender a todo o
custo, um número de valores mesmo materiais, que não
podem ser alienados sem o consentimento explícito dos
moçambicanos, através de um referendo, por exemplo.
96
97
COMENTÁRIOS E “ADENDA” AO TRIPLO CONTRATO
DE SEVERINO NGOENHA
Por: José P. Castiano
Na primeira parte da minha intervenção, para tornar compreensível o “triplo
contrato” que Ngoenha propõe para Moçambique, importa comentar em
volta do que penso ser o enquadramento do seu “contratualismo” no quadro
dos últimos desenvolvimentos no campo da filosofia africana, porque é deste
ângulo da filosofia que devemos aurir o pensamento de Ngoenha. Convém
chamar a atenção de que os comentários que se seguem, embora baseando-se
no texto lido por Ngoenha nesta sessão, porém não se restringem a ele. Os
meus comentários têm a sua génese sobretudo na reflexão que tive que fazer
em volta deste tema quando, em Julho de 2004, o próprio Ngoenha me
pedira para escrever o prefácio à sua obra Os Tempos da Filosofia (Imprensa
Universitária, UEM, Maputo, 2004) e que leva o subtítulo Filosofia e
Democracia Moçambicana. É, pois, nesta obra onde Ngoenha aborda, com
muita profundidade, o conteúdo do triplo contrato, cujo “esboço” se encontra
no texto intitulado Por um Pensamento Engajado inserido na nossa obra
conjunta Pensamento Engajado (Editora Educar, UP, Maputo, 2011).
Na segunda parte faço comentários ao conteúdo do triplo contrato, levantando
algumas questões que poderão servir de alavanca para o debate, ao trazer à
superfície o que considero serem os pressupostos do seu contratualismo.
Professor Doutor José Paulino Castiano, comentador e moderador do debate, a fazer a sua
intervenção
Termino a minha alocução olhando para o que considero ser os “desafios”
principais que Ngoenha coloca à consolidação da nossa moçambicanidade.
Na verdade, quando eu comecei a escrever estes comentários, estava
mesmo a pensar em termos de “adendas” ao triplo contrato para a nossa
moçambicanidade. Por isso, nesta parte, me dou ao luxo de inscrever
a minha própria “adenda” aos contratos ngoenhianos na esperança de
poder iluminar algumas oportunidades que se abrem no debate sobre o
futuro da nossa moçambicanidade ou moçambicanismo.
1. O PARADIGMA LIBERTÁRIO NO PENSAMENTO
Nos últimos 20 anos parece que a Filosofia Africana está a assistir a
emergência de dois extremos paradigmáticos: [a] por um lado, assistimos
a emergência de uma Filosofia Africana Política e da História que se
equaciona mais sobre a experiência africana com a modernidade ocidental
europeia. Os temas preferidos desta tendência têm sido a busca das
condições de emancipação dos povos africanos da sua condição neocolonial pós-independências. Esta tendência paradigmática tem como
pressuposto básico o reconhecimento de que, embora o facto colonial
tenha desaparecido oficialmente, ele, porém, conhece o seu prolongamento
permanecendo através de uma cultura moderna que se opõe e se impõe às
culturas autóctones. Pois, defende-se, se é verdade que a África rejeitou o
colonizador, não é também menos verdade que ela retomou por sua conta
e risco as instituições coloniais. [b] Por outro lado, assistimos a emergência
de uma Filosofia Africana mais cultural; esta preocupa-se mais com o
contexto de emancipação tentando resgatar os saberes, as práticas e os
sistemas indígenas/locais no sentido de torná-los frutíferos para os desafios
do desenvolvimento. Temas como religião, língua, mitos, costumes, direito
entre outros, têm preocupado este eixo/tendência paradigmática. Com esta
segunda tendência pergunta-se sobre o sentido e o significado dos valores
tradicionais, as práticas tradicionais e os saberes tradicionais culturais
no contexto do desenvolvimento dos estados nacionais; equaciona-se a
possibilidade universalista destes saberes, valores e práticas pretensamente
tradicionais e locais. Equaciona-se, enfim, a possibilidade e as condições
para a universalização de saberes que são, na sua origem e essência, locais
e tradicionais. Esta tendência parte do pressuposto básico, segundo o qual,
as independências africanas não significaram ou não resultaram numa
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
reconciliação das instituições e da sociedade africanas (moçambicanas)
com as estruturas, instituições e culturas tradicionais dos diversos povos
africanos.
Enquanto a primeira tendência paradigmática pergunta-se sobre o sentido
das independências dos países africanos hoje, a segunda procura olhar e
fundamentar o lugar e o significado das culturas particulares no contexto
da modernização das nossas sociedades africanas.
Enquanto a primeira tendência faz uma luta titânica por deconstruir as
consequências negativas resultantes da imposição de uma “modernidade
não negociada” – para usar o termo de Elísio Macamo – para os povos
africanos; a segunda tendência procura afirmar-se como uma filosofia
resistindo à “tentação unanimista” (P. Hountondji) com que a Filosofia
Africana é vista e exposta na sequência do legado da Antropologia
Colonial.
A primeira tendência nos empurra a perguntar-nos hoje sobre o sentido
da luta pela liberdade e o que esta comporta como responsabilidade; a
segunda leva-nos a indagar como a Filosofia Africana pode recompor-se
da desconfiança antropológica a que esteve sempre exposta.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
da sua historicidade” (Ngoenha, Das Independências às Liberdades,
Maputo, p.11).
Portanto, o que está no substracto das diversas correntes do pensamento
filosófico africano é, por assim dizer, libertar o negro do papel de objecto
da sua história. Ou seja, falando com Ngoenha (Idem) “na origem da
reflexão filosófica africana, está a necessidade de afirmar uma humanidade
negada” do africano, a tentar reabilitar o homem negro e a sua história.
O que teria acontecido para que o Homem Negro africano entrasse na
história dita universal apenas como objecto e não como sujeito? Foram,
por um lado, os processos objectivos da dita história universal e, por outro,
processos de natureza subjectiva no pensamento ocidental.
Na óptica da filosofia libertária, os processos objectivos que colocaram
o negro na periferia da história são a escravatura, o colonialismo e a
globalização capitalistas. Estes três processos objectivos determinaram
a historicidade do negro e condicionam ainda hoje a essência do seu
pensamento. Também condicionam a experiência que África faz com a
modernidade.
Enquanto à primeira tendência denomino-a por “paradigma libertário”,
chamo à segunda tendência por “paradigma cultural”, ambas na Filosofia
Africana. Importa, de forma breve, olharmos com algum detalhe para
cada uma destas tendências.
Enquanto a escravatura representou a negação da sua condição humana,
o colonialismo reduz o negro a uma condição de “selvagem”, isto é,
incapaz de viver numa sociedade civil, negando a sua cidadania activa.
Nesta condição, deveria haver leis e instituições especiais para governar o
negro, para poder civilizá-lo.
Numa definição simples, o paradigma libertário no pensamento africano é
aquele que vê a liberdade como fulcro da historicidade africana. Ouçamos
de Ngoenha – que considero o seu representante para o caso moçambicano
– o significado e o sentido deste paradigma: “O processo – escreve ele –
que começa no fim do século passado, quer ele se chame Pan-Africanismo,
Negritude, Socialismo Africano, Etno-Filosofia, Filosofia Crítica ou
Filosofia Hermenêutica, são movimentos que vivem o mesmo espírito e
tendem para a mesma finalidade: a liberdade do homem negro, condição
A globalização capitalista hoje continua a impor uma “modernidade não
negociada” aos nossos povos ao mesmo tempo que, estruturalmente, continua
a exportar “riscos”, que muitas vezes na sua forma de “invisíveis” (Ulrich
Beck) para a África, deixando esta na periferia do desenvolvimento. Nesta
óptica, os negros entram nestes processos históricos como escravos, colonizados
e globalizados. E, como produto desta situação, a sua acção histórica só pode
ter impulsos de sublevação (na escravatura), de lutas pela independência
(no colonialismo) e de autonomia/libertação (na globalização).
100
101
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Estes processos objectivos tiveram o seu reflexo em outros de natureza
subjectiva, i.e., consequências nas formas de pensamento dos africanos
tanto na diáspora (descendentes dos escravos nas Américas) assim como
no interior do continente (os colonizados). Nas diásporas nasceram
correntes de pensamento como o Pan-Africanismo, a Negritude, hoje
o Afrocentrismo, etc.. Do interior da África floresceram correntes de
pensamento como a Etno-Filosofia, as Filosofias Políticas (como o
consciencismo de Nkrumah, o Socialismo Africano ou ujamaa de
Nyerere), a Filosofia Crítica, a Filosofia Hermenêutica e hoje a Filosofia
Ubuntu cuja articulação está centrada na África do Sul.
Todas estas correntes procuram reflectir sobre as possibilidades e as
condições que se oferecem para “libertar” o negro da sua condição periférica
na história num primeiro momento, mas cada vez mais na produção
material e do saber/conhecimento.
O paradigma libertário descrito resumidamente acima serve para iluminar
a perspectiva fundante do triplo contrato que Ngoenha acaba de expor.
Sem esta visão mais ampla no que concerne ao seu pensamento, cairíamos
no risco de singularizar os aspectos que ele coloca no contexto moderno.
Assim, à questão fundamental que se coloca de “como aprofundar a nossa
moçambicanidade hoje?”, é subjacente à questão “como aprofundar as
nossas liberdades no Moçambique de hoje?”. O triplo contrato constitui a
resposta que Ngoenha nos oferece usando este paradigma.
2. O TRIPLO CONTRATO: PRESSUPOSTOS
Nesta parte da minha intervenção recupero os comentários que escrevi no
prefácio à obra de Ngoenha Os Tempos da Filosofia em Julho de 2004.
Desta vez, à luz deles, exploro os pressupostos do triplo contrato. O que
estará subjacente a eles?
O primeiro pressuposto do triplo contrato está na linha da velha mas
sempre nova questão de Platão que coloca como desafio da Filosofia
Política: o que é um bom Governo e como fundamentar e desenhar
instituições que possam garantir um bom governo? Desta feita Ngoenha
102
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
procura responder para o caso moçambicano de hoje. Para Ngoenha a
resposta é clara: um “bom” Governo para Moçambique é aquele que
age no sentido de consolidar e aprofundar as liberdades conquistadas.
Ou seja, toda a acção governativa deve ser classificada como “boa” ou
“má” consoante como ela se posiciona em relação às liberdades colectivas
e individuais dos moçambicanos. No conjunto das liberdades colectivas
o Governo deve defender a nossa soberania como Nação independente.
A defesa da soberania é um valor cardinal para mantermo-nos na linha
da liberdade e pressupõe uma clarificação de quais são os “interesses
nacionais” hoje de Moçambique na região e no mundo. Dito de uma
outra forma: a defesa da nossa soberania depende, em grande parte, da
clarificação do que sejam os interesses nacionais que devem guiar toda a
nossa acção governativa. A questão, assim, que fica no ar é: “quais são os
nossos interesses nacionais hoje?” e “de que modo podemos defendê-los?”
O segundo pressuposto do triplo contrato para a nossa moçambicanidade
em Ngoenha deve responder à questão “como mobilizar o espírito da
tradição (ou das tradições) moçambicana para os desafios de hoje e
do amanhã?”. Para ser mais concreto, podemos interrogar-nos com
Ngoenha: Se é que o espírito da chamada solidariedade africana
existe, então como devemos materializá-lo tendo em conta que já
não vivemos em comunidades (onde certamente este espírito tem a
sua origem) mas sim em sociedade moçambicana? O que significa
pois “transportar” este espírito de solidariedade africana com base
comunitária para um contexto de sociedade-estado em Moçambique?
Ngoenha responde em Os Tempos da Filosofia que para um
contrato de natureza social a dita solidariedade africana deve ser
(re)tomada na sua forma discursiva de espírito, mas materializada
sob forma moderna de redistribuição equitativa da riqueza material
ou dos impostos. Isso seria uma nova forma de conceber a justiça como
equidade. Sobre este aspecto comentava eu no prefácio ao livro de
Ngoenha que fiz referência antes:
“O espírito da tradição em Ngoenha deve ser aquele que mobiliza
os aspectos do passado, somente na medida em que os valores
defendidos por este espírito têm capacidade de oferecer respostas
alternativas aos desafios colocados pelo desenvolvimento. Deve
despir-se o mito da chamada ‘solidariedade africana’, ou melhor,
103
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
se é que ela existe e mesmo que essa existência seja apenas na sua
forma espiritual, o desafio é torná-lo útil para o contrato social
em debate”.
Dito de uma forma mais clara, Ngoenha propõe que esse espírito de
solidariedade tradicional africana se transfigure e se materialize, no
contexto da sociedade moçambicana moderna, naquilo que ele chama
de “justiça como equidade”, conceito emprestado de John Rawls. Para
o nosso caso, Ngoenha propõe que o símbolo da justiça deixe de ser uma
mulher com a espada numa mão e a balança noutra mão, e passe a ser uma
mulher com uma agulha numa mão e um tecido em pedaços numa outra
mão. O trabalho da mãe-justiça não é cortar com a espada, mas sim coser os
pedaços do tecido social moçambicano. Os “pedaços” são os diferentes povos,
grupos sociais e indivíduos de Moçambique.
Daqui surge uma questão que penso ser digna de debate: quais são as linhas
divisórias dos “pedaços” que compõem o tecido social do Moçambique
moderno? Serão ainda e de facto as diferentes assim chamadas “etnias” ou
grupos etno-linguísticos, ou encontramos outras linhas divisórias que são
fontes concorrentes para as identidades particulares dos “pedaços” que devem
ser unidos? Perguntado doutra forma, o que constitui o “diverso” na nossa
“unidade” como moçambicanos? O que é que a mãe-justiça deve coser?
Penso que este debate está subjacente ao pensamento de Ngoenha e que toca
directamente o tema da unicidade, ou, se quisermos, da unidade de todos
nós como moçambicanos. Pois, se a nossa moçambicanidade deve aurir-se
da nossa diversidade, temos que nos perguntar em que é que somos diversos
no contexto moderno de Moçambique. Uma outra questão será de natureza
política e de estratégica discursiva. Explico-me: estando de acordo sobre as
linhas de diferenças que marcam os “pedaços” do nosso tecido, onde é que o
discurso político deve formular-se e promover práticas de solidariedade? A
partir das diferenças ou a partir do que nos une como moçambicanos?
O terceiro pressuposto do triplo contrato ngoenhiano toca directamente
na natureza da nossa democracia moçambicana; ou seja, no modelo de
representatividade por via dos partidos políticos tal e qual nos é prescrito pelo
Ocidente, pelo texto constitucional de 1990 e, finalmente, retomamos por
104
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
nossa conta e risco nos Acordos de Roma em 1992. Constituem os partidos
políticos a única forma e a mais apropriada de mobilização e de legitimação
dos imaginários políticos e sociais dos moçambicanos? Ngoenha conclui, sem
equívocos, que este modelo de representatividade, que se pretende “universal”,
mostra-se até agora inapropriado para o contexto africano. A razão para esta
conclusão é simples: não são as culturas (africanas) que se devem adaptar
aos modelos (europeus); o ideal é que os modelos se forjem a partir dos
imaginários culturais dos povos africanos. Se seguirmos o fio do pensamento
de Ngoenha, este é que seria uma busca coerente com o seu princípio
“libertário”: encontrar um modelo de representatividade da nossa democracia
que emane forçosamente da dimensão sócio-cultural de Moçambique.
Mas então, o que impede o nascimento deste modelo que se quer do interior
das nossas culturas? Quais são os constrangimentos estruturais para o seu
nascimento?
Há dois problemas que Ngoenha nos coloca para resolvermos a nossa
moçambicanidade: um é que os mecanismos jurídicos legais previstos
constitucionalmente que permitam o eleitor (ou “o povo”), no período entre
as eleições, fazer-se ouvir ou participar no debate público, precisariam de
ser aprofundados ou, melhor, mais pronunciadamente explorados; o segundo
problema que se impõe à nossa moçambicanidade e soberania é que a nação
teve que enveredar e submeter-se a uma lógica produtivista que se impôs
muitas vezes em detrimento de qualquer projecto político que tenha havido
ou que estivesse em emergência. Porque impostas por uma lógica produtivista
ditada por instituições de Bretton Woods e outras agências internacionais e,
por isso, sem a legitimidade popular necessária para governar o nosso país
mesmo que seja em nome do desenvolvimento, algumas normatividades
acabaram por ser anti-democráticas por não assentarem ou serem auridas dos
imaginários culturais dos moçambicanos.
Enquanto o primeiro problema nos remete ao debate de como, na letra
constitucional, corporizar o espírito de combinar elementos da democracia
representativa com aspectos de aprofundamento de zonas e momentos
de democracia directa; o segundo problema nos leva necessariamente a
retomarmos a questão da soberania e dos interesses nacionais cardinais que
orientem os fazedores de políticas nos próximos anos.
105
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Falando mais concretamente para o caso de Moçambique, trata-se pois de
olhar como, na cultura política moçambicana, aprofundarmos os elementos
da democracia directa (as “presidências abertas”, por exemplo) com outros
elementos que ainda constituem um desafio (como por exemplo o distrito
como “pólo de desenvolvimento económico” para assumir também e
sobretudo o papel de centro do exercício da democracia e da palavra). Penso
que estes são alguns dos temas fundamentais que poderemos debater a partir
dos pressupostos adjacentes ao triplo contrato ngoenhiano.
Deixando os pressupostos e passando directamente para os contratos,
importa agora rever, rapidamente, o conteúdo de cada um deles. No contrato
cultural ressalta-se que a democracia comporta uma parte axiológica e outra
institucional. A axiológica (valores) não é negociável porque comporta
princípios de igualdade e de respeito pelos direitos humanos, como formas
abstractas de corrigir as desigualdades naturais entre os cidadãos da República.
Em contrapartida, as instituições podem e devem ser modeladas de tal forma
que sejam legítimas ao contexto. De facto, é aqui na adaptação e redesenho
das instituições onde reside a potencialidade do contrato cultural: deveria
reconciliar a política com as culturas nacionais, reconciliar o projecto político
nacionalista com as culturas particulares em função do futuro (e não do
passado). Este é o papel que cabe às elites nacionais e nacionalistas de hoje na
consolidação da nossa moçambicanidade e a universidade deve assumir um
papel de vanguarda neste empreendimento.
O contrato social é aurido do debate que existe na filosofia política sobre
justiça como equidade. Aqui trata-se, pois, de olhar para os princípios que
garantam e defendam a distribuição dos bens primários entre os membros de
uma sociedade. São eles: o auto-respeito, a auto-estima, as liberdades políticas
básicas, a renda e os recursos sociais para a educação e saúde. Ngoenha usa estes
princípios para dizer que a garantia das liberdades fundamentais (existentes
na constituição liberal que temos) não é suficiente para o fortalecimento
da democracia moçambicana se não formos suficientemente ousados em
redimensionar constantemente o fosso entre os moçambicanos pobres e ricos.
Neste aspecto, o paradigma libertário de Ngoenha ganha uma dimensão
nova, a saber, a que podemos denominar por “paradigma da justiça social”.
106
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
No entanto, para garantir a moçambicanidade, é preciso um contrato político
que tenha como interlocutores as diversas forças políticas e que estejam de
acordo em termos de “interesses nacionais”. Para isso é necessário pôr a nossa
imaginação a alargar e até a reinventar o “espaço público” onde a lógica da
confrontação é argumentativa e não de armas ou violência. Para Ngoenha,
o acordo político é constituído por aquilo que não é negociável, ou seja, sobre
os fundamentos normativos do Estado Moçambicano: ao nível de Bens
Económicos constitui o património nacional como os portos, os caminhos-deferro, as minas e as terras; ao nível da jurisdição política deve haver espaços
reservados estritamente aos nacionais como ministérios, lugares de defesa e
soberania, de segurança e até mesmo de planificação do desenvolvimento.
Ngoenha escreve que estes lugares “são ciumentamente nacionais não cedíveis
à ONGs, cooperações, doadores, etc.”.
3. “ADENDA” AO TRIPLO CONTRATO
Mas a Justiça Social não só se garante olhando para os moçambicanos de
hoje. Cada geração ou acusa ou aprecia o engajamento intelectual e físico da
geração anterior. A nossa geração de hoje só pode reconhecer o engajamento
da geração que decidiu pegar em armas para encetar uma luta justa e dura
cujo fim era eliminar total e completamente a dominação colonial. Aquela,
foi uma heroicidade de toda a geração. Foi a geração que maximizou o gozo
das liberdades nacionais ao proclamar a Independência Nacional. E pelo que
se vem publicando ultimamente sobre a história da luta de libertação, pode
notar-se que foi um processo cheio de contradições, indecisões, determinações,
cisões, mas sobretudo de unidade em torno do objectivo comum. O que
quero perguntar é: qual é o papel da nossa geração agora? Não teremos
a responsabilidade de deixar um Moçambique com as liberdades mais
alargadas do que estas que gozamos hoje e agora? Podemos dar-nos ao luxo
de deixar explorar todas as riquezas do solo e subsolo sem a preocupação de
sustentabilidade das vidas futuras? Não temos a responsabilidade de não só
preparar as gerações futuras através da educação, mas também criar todas
as condições materiais para que tenham emprego e segurança? Que valores
deixamos para que os nossos filhos e netos se orgulhem dos anos 80 e 90?
107
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Moçambique pertence tanto aos moçambicanos presentes assim como aos
espíritos dos nossos antepassados e aos moçambicanos futuros que aqui irão
nascer, crescer, viver, amar e morrer. Moçambicanos são também os nossos
heróis que morreram, somos nós hoje, mas também o futuro. Daí que é preciso
viver hoje com a responsabilidade do amanhã. Hans Jonas, na sua obra O
Princípio da Responsabilidade (1979), reformulando o princípio da ética
kantiana, projecta uma ética de responsabilidade polarizada nas condições
de vida das gerações futuras. Segundo esta ética, o homem não deve esperar
que venha a receber alguma coisa em troca da sua acção responsável. É uma
ética que visa criar condições para que os moçambicanos de amanhã tenham
a possibilidade de serem sujeitos-agentes. Por isso, penso que deveria haver
também um quarto contrato – o contrato de gerações. Este, que não teria
necessariamente uma força constitucional, caberiam nele temas “futuristas”,
tais como, tecnologia e inovação, meio ambiente, geração de empregos assim
como compromissos em termos de poupanças. Em nome deste contrato a
juventude de hoje (que ainda não tem direitos políticos) deveria estar em
condições de exigir aos adultos o direito de viverem bem amanhã.
Mas mais do que temas futuristas, no contrato de gerações, importa
perguntar como assegurar que todos os cidadãos participem no seu próprio
desenvolvimento. O valor cardinal em torno deste contrato deve ser, em
minha opinião, a participação de cada um no desenvolvimento, contrariando
aos valores criados em torno da ideia de Estado-Pai pós-independência, que
se caracterizava pela omnipresença; mas também, ao mesmo tempo, que
contrarie a tendência mundial actual de Estado-Ausente.
Cidadãos moçambicanos participantes no contrato geracional são mulheres e
homens, crianças, jovens, portadores de deficiências e os nossos “mais velhos”.
A base deste “diálogo intergeracional” deverá ser a contribuição específica que
cada um deles pode dar para a consolidação da moçambicanidade. Eis alguns
exemplos.
Começando pelos “mais velhos” estes poderiam participar no desenvolvimento
em dois sentidos: por um lado, com o seu saber local e tradicional, são os
mais adoptados para olharem para as questões ambientais e liderarem as
campanhas de deixarmos, cada vez mais, um Moçambique mais verde e
mais limpo; o seu saber também pode ser usado na gestão das calamidades
108
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
naturais que assolam a nossa pátria. Por outro lado, podemos usar a nossa
imaginação na revalorização dos professores reformados na alfabetização e no
ensino da escrita e leitura, dos enfermeiros reformados em questões de saúde
pública, em particular materno-infantil.
As mulheres oferecem boas condições naturais de liderança para as estratégias
de segurança alimentar se tivermos como pressuposto que são elas que preparam
e asseguram diariamente que tenhamos o prato na mesa. Preparação de
alimentos saudáveis e nutrientes, conservação dos alimentos e a valorização
das plantas e animais tradicionais são algumas das áreas que elas podem
assumir liderança informada.
Tradicionalmente, o papel das crianças é observar e acompanhar os “mais
velhos” ou os cidadãos seniores. Assim, estas podem ser as executoras do processo
do “enverdamento”, no plantio assim como na segurança alimentar.
O papel dos jovens deve estar em volta da implantação da cultura de trabalho,
ou seja, na implantação da dimensão axiológica do trabalho (honestidade,
afinco, entrega, pontualidade, zelo, etc.). Enfim, tudo aquilo que contrarie
a cultura de “mão estendida” que parece estar a implantar-se na nossa
juventude, em particular a citadina.
E, enfim, o diálogo inter-geracional deverá deslocar o conteúdo do termo
“participação” do seu confinamento político, para um mais amplo de
“sua contribuição específica no desenvolvimento e no aprofundamento da
moçambicanidade.
****
Resumindo: penso que Ngoenha, com esta ideia do “triplo contrato”, abre
e oferece horizontes filosóficos para o debate de duas questões básicas do
futuro da política em Moçambique: a da justiça social redistributiva ou como
equidade (questão económica) e a da Unidade Nacional na Diversidade
Cultural (questão da cultura política). São estas questões que, a meu ver,
irão constituir os eixos do debate para a afirmação e o aprofundamento da
moçambicanidade.
109
A INDÚSTRIA DE HIDROCARBONETOS EM
MOÇAMBIQUE: CAMINHOS A PERCORRER PELOS
MOÇAMBICANOS
Por: Nelson Ocuane
Resumo
Moçambique é actualmente uma economia em crescimento.
O bom desempenho depende em grande parte de megaprojectos financiados pelo investimento directo estrangeiro,
da competitividade decorrente do desenvolvimento de
infra-estruturas e das receitas geradas pela indústria dos
hidrocarbonetos (carvão e gás natural) (African Development
Bank Group, 2012). Não obstante, o crescimento do PIB real
não é, por ora, sinónimo de redução da pobreza, sendo este
um dos objectivos do Governo de Moçambique. Acresce o
reconhecimento pelas entidades estatais, no Plano de Acção para
Redução da Pobreza 2011-2014, da importância do investimento
no desenvolvimento social e humano.
É nesta encruzilhada, onde se encontra um país rico em
recursos naturais e com visível crescimento económico e um
país onde o impacto da pobreza é ainda considerável, que se
encontra o fundamento do presente trabalho. Tendo como
ponto de partida a caracterização da actual situação económica
de Moçambique, explora-se a possível ligação entre as receitas
geradas pela indústria dos hidrocarbonetos e o desenvolvimento
no plano humano e social. Para tal, recorre-se, em primeiro
lugar, à teorização relativa à gestão de recursos e à participação
das populações locais. A revisão da literatura centra-se na relação
entre as riquezas naturais e o desenvolvimento sustentável,
focando-se nos principais desafios a enfrentar para contrariar a
“maldição dos recursos”, i.e., a tendencial relação inversa entre
as variáveis supramencionadas. De seguida, aborda-se a praxis
analisando o estado actual da indústria dos hidrocarbonetos,
onde se apresenta como fulcral o estatuto de exportador
mundial de carvão adquirido por Moçambique, bem como, a
descoberta de importantes reservas de gás natural, que colocam
o país no quarto lugar do ranking de países com maiores
reservas desta matéria-prima. Assim, julga-se pertinente a
descrição de exemplos de sucesso no que respeita a gestão de
recursos naturais. Esta análise permite sustentar que as receitas
geradas pela indústria poderão contribuir significativamente
para o desenvolvimento social, através da criação de um Fundo
Soberano, mas outrossim através do investimento em projectos
em áreas que se interligam com o desenvolvimento económico,
como, por exemplo, a educação e naturalmente, a erradicação
da pobreza.
CLASSIFICAÇÃO JEL: E24; O10; Q32
Palavras-chave: Investimento; Desenvolvimento económico;
Recursos não renováveis
Dr. Nelson Ocuane a proferir a sua intervenção
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
1. Economia de Moçambique: Uma Breve Caracterização
Moçambique é frequentemente caracterizado como um caso de
sucesso económico. Esta caracterização remete, na sua essência,
para o crescimento económico relativamente estável. No
entanto, a aparente estabilidade económica de Moçambique é
paradoxalmente contraposta com uma elevada dependência de
capitais externos sob a forma de ajuda externa e de investimento
directo estrangeiro/empréstimos da banca internacional (CastelBranco, 2010).
O actual equilíbrio macroeconómico depende em grande parte
de recursos externos e o crescimento económico (ver Figura
1) deve-se, em grande parte, aos mega-projectos aliados à
exploração dos recursos naturais e ao desenvolvimento de infraestruturas possível através do investimento de capitais públicos
e de parcerias público-privadas. Deste modo, para além dos
riscos associados à dependência de recursos externos, acrescem
actualmente os desafios colocados à estabilidade económica,
tendo em conta a dependência entre o crescimento económico
e o investimento público (desenvolvimento de infra-estruturas)
(Berg, Yang e Zanna, 2012), e a relação por ora pouco visível
entre o desenvolvimento de infra-estruturas e a produtividade.
Apesar dos paradoxos e dos desafios actuais, salienta-se que
a economia de Moçambique encontra actualmente uma
oportunidade de mudança. Segundo o African Development
Bank Group (2012), o ano de 2011 parece constituir-se como
um turning point, tendo sido observado um crescimento do PIB
real de cerca de 7.2%. Mas quais os indicadores que permitem
sustentar tal afirmação?
As exportações moçambicanas parecem ser um dos
principais indicadores a ter em consideração. Salienta-se o
início das exportações de carvão, cujas receitas contribuíram
para o aumento do PIB real. O aumento das exportações de
112
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
carvão, oriundo das reservas de Moatize, na província de Tete,
poderá servir mercados em expansão (Índia, Brasil e China) e,
consequentemente, alterar de forma significativa algumas das
projecções de médio-prazo da economia moçambicana. No
que respeita à totalidade das exportações (alumínio, gás natural,
produtos agrícolas, carvão) estima-se que o valor das receitas,
em 2011, foi aproximadamente de 3.600 milhões de USD.
De igual modo, o bom desempenho no sector dos transportes
e comunicações contribuiu significativamente para o
crescimento do PIB no ano de 2011. O investimento de infraestruturas concentrou-se no desenvolvimento ao longo de três
grandes “corredores” (Maputo, Beira e Nacala). Estão em curso
diversos projectos que visam a construção de uma rede ferroviária
que responda às necessidades das indústrias extractivas.
Paralelamente, estão em curso projectos de reabilitação da rede
portuária (por ex., em Maputo), de expansão das estruturas
necessárias à indústria aeronáutica, bem como, de construção de
corredores rodoviários entre os principais corredores existentes.
O desenvolvimento da rede de transportes e comunicações é
essencial para o projecto de desenvolvimento económico de
Moçambique, porquanto precede o aumento das exportações e
a exploração dos recursos naturais.
O sector energético, contribuindo para 5% do PIB, continuou
a expandir-se em 2011, sublinhando-se o projecto governamental
de implementação de uma linha de transmissão regional
(CESUL), que sustentará outros projectos hidroeléctricos
e o acesso da população rural à rede eléctrica. Paralelamente,
observou-se um bom desempenho da indústria agrícola, que
representou cerca de 31% do PIB em 2011. O bom desempenho
deveu-se maioritariamente às colheitas de cajú e à produção
de cana-de-açúcar, para os quais se projectam aumentos de
produção, na próxima década, de 80% e 23%, respectivamente.
O aumento significativo do investimento directo estrangeiro
é outro indicador não negligenciável. O investimento centrou113
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
se principalmente nos mega-projectos ligados à extracção
de carvão, gerando cerca de 30.000 novos postos de trabalho
na totalidade dos 285 novos projectos. Há também a registar
que Moçambique beneficiou em 2011 do crescimento e
desenvolvimento dos seus parceiros como a China, o Brasil e a
Índia, em sectores como as infra-estruturas e a agricultura.
Embora importantes, as dinâmicas económicas supramencionadas
não são suficientes para caracterizar o “ponto de viragem” do
ano de 2011, que coloca Moçambique face a um potencial de
crescimento e desenvolvimento económico. Assim, a análise
estaria incompleta na omissão da referência às descobertas de
reservas off-shore de gás natural da Anadarko e da ENI, que
potencialmente perfazem 1.047 triliões de metros cúbicos. Caso
se confirmem, tais descobertas colocam o país no quarto lugar do
ranking de países com maiores reservas desta matéria-prima. Os
futuros rendimentos gerados pela indústria dos hidrocarbonetos
acarretam novos desafios e implicam diferentes soluções, sendo
ambos objectos do presente artigo.
2. Objectivo Principal e Questões em Análise
A crescente importância das receitas da indústria dos
hidrocarbonetos para o crescimento económico de Moçambique,
sustenta o objectivo principal do presente artigo: a análise de
soluções que permitam uma intricação dos rendimentos gerados
pela indústria com ganhos sociais e económicos vantajosos para o
país. O alcance de tal objectivo apoia-se numa revisão de literatura
que permite: (i) caracterizar a situação actual da indústria dos
hidrocarbonetos em Moçambique; (ii) o levantamento de
duas orientações teóricas consideradas relevantes no contexto
actual, sendo estas as teorizações relativas à gestão de recursos
e ao desenvolvimento sustentável; (iii) confrontar as propostas
teóricas com a realidade actual; (iv) enumerar algum dos desafios
presentes e futuros de Moçambique; e (v) abordar em pormenor
uma das soluções conservadoras e viáveis que permita arrecadar
as receitas geradas com vista a um desenvolvimento sustentável.
114
Colocam-se assim diversos pontos para discussão que se
abordam neste e nos capítulos seguintes do presente artigo,
nomeadamente:
1. Como assegurar ganhos sociais e económicos a partir dos
recursos existentes?
2. Como assegurar a gestão intergeracional, usando a riqueza
gerada no presente sem desbaratar os recursos e manter as
possibilidades de crescimento das gerações futuras7?
3. Quais as alavancas de que Moçambique dispõe para se
manter no caminho do desenvolvimento sustentável e quais
os riscos que corre e que deve evitar?
4. Como governar o desenvolvimento em Moçambique?
3. A Indústria dos Hidrocarbonetos em Moçambique
3.1. Introdução
No mundo industrializado a importância da indústria dos
hidrocarbonetos8 é inegável, contribuindo de forma vital
para outras indústrias e para a configuração actual do estilo
de vida implementado em diferentes sociedades. De facto, os
hidrocarbonetos são a principal fonte de energia na sociedade
actual, sob a forma de combustíveis fósseis. De forma genérica,
os combustíveis fósseis são definidos como fontes não renováveis
de energia, tomando a forma líquida (petróleo), sólida (carvão)
A riqueza intertemporal (ligação de “hoje” com “amanhã”) V pode ser definida como Vt = ∫∞u(c(s))e-δ(s-t)ds
7
em que u é a função de utilidade, t é o tempo, c é um vector que representa o fluxo dos bens consumidos e
δ é a taxa de desconto (Ollivier, 2009). Ou seja, o consumo e a poupança hoje dependem das expectativas
de proveitos futuros.
Hidrocarbonetos são compostos orgânicos constituídos apenas por átomos de carbono e de hidrogénio,
aos quais se podem juntar átomos de oxigénio, azoto e enxofre (Nogueira, 2009). Existem milhares de
hidrocarbonetos, em estado líquido ou gasoso. No presente trabalho, como adiante se descreve, referimonos aos hidrocarbonetos naturais que se formam a grandes pressões no interior da terra (a mais de 150
km de profundidade) e são trazidos para zonas de menor pressão através de processos geológicos, onde
podem formar acumulações para exploração comercial (petróleo, gás natural, carvão).
8
115
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
ou gasosa (gás natural). Estes recursos naturais encontram-se
em diferentes partes do mundo como se observa nas Figuras 24. A figura 5 ilustra a realidade no continente africano.
A indústria dos hidrocarbonetos engloba diferentes níveis
de produção das matérias supramencionadas. Um primeiro
nível remete para a extracção das matérias (nível upstream),
o segundo para o processamento (midstream) e o terceiro
para a comercialização e todas as actividades que esta acarreta
(downstream). Neste sentido, o desenvolvimento da indústria
dos hidrocarbonetos interliga-se com o desenvolvimento de
diferentes sectores de actividade económica.
3.2. A Indústria dos Hidrocarbonetos, as Reservas
Moçambicanas e a sua Exploração
A relevância da indústria dos hidrocarbonetos para a economia
de Moçambique é recente. No entanto, a pesquisa destes
recursos naturais encetou-se em 1904, com a descoberta de
bacias sedimentares que indicavam a possível existência de
petróleo ou de gás natural. O ano de 1948 marca o início de
uma intensa pesquisa nas zonas litorais, concordante com os
avanços tecnológicos de então9 .
Os primeiros campos de gás natural foram descobertos na
década de 60 do século XX: Pande em 1961, Búzi em 1962 e
Temane em 1967 (CIPM, 2009). Não obstante, a exploração de
gás natural começou apenas nos anos 80 devido à instabilidade
política e às características do mercado. Também nesta década
foi aprovada a Lei dos Petróleos e criada a Empresa Nacional
de Hidrocarbonetos (ENH). A criação da ENH em 1981
pelo Decreto nº. 18/81 de 3 de Outubro veio impulsionar a
O petróleo e o gás natural encontram-se quer em terra (onshore), quer no mar (offshore) principalmente
nas bacias sedimentares, mas igualmente em rochas de embasamento cristalino. O primeiro poço
moderno data de uma perfuração em Bibi-Heybat, junto a Baku, no Azerbaijão em 1846, e em 1850 o
escocês James Young criou o processo de refinação.
9
116
indústria de hidrocarbonetos em Moçambique, atribuindo-lhe
responsabilidades em toda a cadeia de valor, desde a prospecção,
à produção, ao transporte, processamento e distribuição de
petróleo e gás natural. Nas duas últimas décadas do séc. XX,
o Governo de Moçambique avaliou diversas possibilidades de
aplicabilidade do gás natural, e em 1998, efectivou-se um acordo
bilateral entre o Governo de Moçambique e o Governo da
África do Sul. Este acordo surgiu no seguimento dos projectos
da Sasol, companhia Sul-Africana, para um gasoduto entre
Pande, Temane e a África do Sul – actualmente, o gasoduto tem
uma capacidade de 3 biliões de metros cúbicos/ano. O gasoduto
veio permitir 5 pontos de toma em Moçambique, dos quais dois
(Temane e Ressano Garcia) estão a ser utilizados para consumo
interno. Em 2001 foi aprovada a legislação que regulamenta
actualmente o sector (Lei nº3/2001). Existem presentemente 11
licenças activas, das quais 10 na fase de pesquisa e 1 na fase de
produção de gás natural (ver Quadros 1 e 2).
3.2.1. Gás Natural
Estão identificados quatro campos de gás natural: Pande, Buzi,
Temane e Inhassoro. As reservas confirmadas correspondem a
127.4 biliões de metros cúbicos. Actualmente, encontram-se
jazidas em exploração apenas nos campos de Pande e Temane.
A produção nestes campos (upstream) tem vindo a aumentar,
sendo que em 2010 perfez um total de 3.1 biliões de metros
cúbicos. A principal operadora é a companhia Sul-Africana Sasol
(para revisão ver Quadros 1) que exporta a maior parte do output
para as suas fábricas na África do Sul. As receitas da exportação
de gás natural rondaram os 134 milhões de USD. No que
respeita a exploração de Pande e Temane, definida no Acordo
de Produção de Petróleo, a Sasol é Operadora e detém 70% de
participação, sendo a restante porção respectiva a uma afiliada
da ENH, a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos, e
5% detidos pelo IFC- International Finance Coorporation. Na
componente de transporte a ENH detém 25% da sociedade
proprietária do gasoduto (865 km de extensão) que liga os
117
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
campos de gás de Pande e Temane e o Complexo Petroquímico
da Sasol em Secunda-África do Sul.
Em 2010 foram identificadas importantes reservas de gás
natural, na sequência de pesquisas intensivas realizadas quer
pelo consórcio Anadarko, ENH, Barat, Videocom, Mistui e
Cove, na Área 1, quer pelo consórcio ENI, ENH, Galp e Kogas
para a Área 4. Até ao momento foram identificadas na Bacia de
Rovuma reservas potenciais de gás natural de 4528 Biliões de
Metros Cúbicos (160 Triliões de Pés Cúbicos). A Anadarko é
a líder de um consórcio que conta com a participação da ENH
(15%), de duas empresas Indianas, a Videocon (10%) e Barat
Petroleum (10%), da Mitsui do Japão (20%) e da Cove Energy
(8.5%). Os concessionários da Área 4 são, a ENI com 70% e
a ENH, a Galp Energia e a Kogas com 10% de participação/
cada (ver Quadros 1 a 4 que ilustram as participações e o tecido
empresarial).
A serem confirmadas, as recentes descobertas colocam
Moçambique no 4º lugar do ranking de países com maiores
reservas de gás natural. Consequentemente, é expectável um
aumento, a curto-prazo, das receitas geradas, tendo em vista os
projectos de investimento visados pelas diferentes entidades.
António Grispos a fazer a sua intervenção no seminário sobre hidrocarbonetos
118
3.2.2 Carvão
Moçambique dispõe de extensas reservas de carvão mineral
nomeadamente nas províncias de Tete e Niassa. A pesquisa
e a avaliação das reservas têm-se intensificado nos últimos
anos, sendo o valor de reservas confirmadas de 6 biliões de
toneladas. Actualmente, a maior produção é oriunda da mina
de Moatize, concessionada, em 2007, à empresa brasileira
Companhia Vale do Rio Doce, por um valor desconhecido
mas que se julga rondar os 120 milhões de USD. A expansão
da produção tem sido uma constante e o output do ano de
2011 atinge o milhão de toneladas.
O sector constitui-se como um atractivo para o investimento
tendo em conta as reservas relativamente “inexploradas”.
A Vale projecta um investimento de 6 biliões de USD para
alcançar o objectivo de produção de 26 milhões de toneladas/
ano a partir de 2014. Esta companhia é também responsável
pelo início das exportações desta matéria-prima, oriundo do
projecto mineiro no qual a companhia investiu 1,7 biliões de
USD. Destacam-se ainda a aquisição da Riversdale pela Rio
Tinto, que pretende atingir uma produção de 25 milhões de
toneladas/ano a partir de 2016. Sublinha-se que o Governo
outorgou 112 licenças a 45 companhias nos últimos dois
anos. Um crescimento significativo da indústria é expectável
nos próximos anos (2012-2016), mas é condicionado pelo
desenvolvimento de infra-estruturas, nomeadamente no que
concerne a rede ferroviária10.
Esta é uma alavanca de desenvolvimento que o Estado tem que colocar no topo das prioridades.
10
119
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
4. A Gestão dos Recursos e o Desenvolvimento: Como?
4.1. Gestão dos recursos
A gestão de recursos pode definir-se como o processo de tomada
de decisão sobre a alocação dos recursos ao longo do tempo
e do espaço, em função das necessidades do homem e tendo
como pano de fundo a tecnologia, as estruturas sócio-políticas
e o enquadramento legal e administrativo (ver por exemplo
O’Riordan (1971)). A gestão de recursos é uma tarefa nacional
com impacto em diversos sectores da economia porquanto
envolve tomada de decisão informada e baseada em prioridades
e preferências. Neste sentido, a gestão de recursos naturais e o
desenvolvimento exigem uma visão holística e integrada11 .
Uma questão fulcral na gestão de recursos nos países em vias
de desenvolvimento em geral é a erradicação da pobreza através
de políticas de crescimento e de desenvolvimento sustentado
no longo-prazo. De acordo com o Relatório Brundland das
Nações Unidas, em 1987, desenvolvimento sustentado é o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações vindouras
satisfazerem as suas necessidades12. O desenvolvimento
sustentado é uma conjugação de factores económicos e sociais
em que o ambiente também pontua (Fig. 6).
A gestão eficiente dos recursos requer o desenvolvimento de
actividades de investigação continuada em conjugação com o
planeamento dos próprios recursos13 . Revela-se assim necessário
dispor de dados sobre os recursos, com vista nomeadamente a:
Uma abordagem holística considera todos os elementos e as suas interacções, enquanto uma análise
integrada pressupõe considerar as disciplinas da gestão que se relacionam com o problema em análise.
No caso de Moçambique, devem ser considerados todos os elementos e implicações da exploração
de hidrocarbonetos, sem descurar as indústrias e as actividades que gravitam em torno da própria
exploração de recursos (Quadros 1 e 2). A visão integrada requer considerar os aspectos económicos,
incluindo o desenvolvimento humano, bem como os aspectos políticos e o enquadramento legal, a par
dos elementos culturais.
11
Ver World Commission on Environment and Development (1987).
12
Esta visão é apresentada por exemplo por Omara-Ojungu (1992) quando analisa o caso da gestão dos
recursos no Uganda. Trata-se de mais uma alavanca de desenvolvimento que o Governo moçambicano
deve actuar.
13
120
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
1. mapear, analisar e medir a oferta e a procura dos recursos
naturais;
2. estudar os efeitos sociais, demográficos, legais e tecnológicos
decorrentes da utilização dos recursos naturais;
3. determinar o impacto das decisões de exploração ou
alocação dos recursos naturais, como por exemplo, sistemas
de transportes e indústrias.
4.2. O Desenvolvimento: das Teorias Clássicas ao
Desenvolvimento Sustentável
A promoção do desenvolvimento económico tem sido objecto
de amplo debate pelos economistas, nem sempre de forma
unânime. Todavia, há um aspecto que merece a concordância
de todos: o facto de o desenvolvimento requerer crescimento
económico, um aumento do PIB per capita e um enquadramento
social e político apto a apoiar a expansão da economia nacional.
Moçambique é um país em vias de desenvolvimento e o
enquadramento teórico que em seguida se apresenta contribui
não somente para compreender a evolução por que passaram
países em estádios avançados de desenvolvimento que foram
alvo dos modelos que os economistas foram desenvolvendo
nos últimos 50 anos, mas igualmente para calibrar o programa
de desenvolvimento de Moçambique com medidas práticas
mas que façam sentido teórico.
Naturalmente que dispor de mão-de-obra qualificada é uma
condição necessária a esta expansão económica. O processo de
desenvolvimento acarreta alterações significativas na estrutura
da economia, com uma deslocação das actividades do sector
primário – a agricultura – para actividades de produção
industrial, bem como a migração de populações do campo para
a cidade e a criação de oportunidades de emprego (Perkins,
et al., 2001). No longo-prazo, o que induz o crescimento da
economia é o aumento da produtividade e da produção (output),
o que requer investimento, conforme adiante se explica.
121
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
O modelo de crescimento básico define factores fundamentais
de produção: (i) formação de capital (estradas, pontes, ferrovias,
fábricas, terra, etc.) e (ii) trabalho (população activa). A produção
(Y: output) é o resultado do capital (K) e do trabalho (L). Ou
seja, Y=∫(K,L)
(1)
O investimento em capital fixo (K) depende da poupança nacional
e o trabalho é uma função do desenvolvimento demográfico. A
produção agregada é assim uma função crescente da formação
de capital e do factor trabalho.
Dois economistas desenvolveram o modelo básico durante
os anos 40 do século XX. Roy Harrod e Evsey Domar. Estes
economistas introduziram um coeficiente fixo de rendimentos
à escala (ou seja, consideraram a mesma proporção entre a
utilização de capital e de mão obra). A equação (1) transformase assim em: Y=K/v
(2)
em que v é uma constante que resulta de dividir o capital (K)
pelo investimento (Y) e se traduz numa medida de produtividade
(modelo Harrod-Domar).
O modelo de Harrod-Domar tinha limitações, porquanto
somente atingia o equilíbrio em situações de emprego a 100% e
de utilização total de capital. Assim, em 1950 o economista do
MIT Robert Solow apresentou um novo modelo de crescimento
(o modelo neoclássico), substituindo a função com coeficiente
de produção fixo por uma nova função de produção, na qual se
previa o efeito de substituição entre capital e trabalho. O output
passava a poder crescer em função de (i) aumento na mesma
proporção de capital e trabalho, (ii) aumento em capital ou (iii)
aumento em trabalho. Este modelo admite os rendimentos
decrescentes. Além disso, os determinantes críticos do
crescimento são a população e os desenvolvimentos tecnológicos,
122
o que ao longo do tempo induzirá uma aproximação entre países
ricos e países pobres. O modelo de Solow é a primeira tentativa
de modelar o crescimento a longo prazo.
O conceito de desenvolvimento foi apresentado inicialmente
como uma receita pronta a ser aplicada em qualquer situação e
em qualquer parte do mundo, o que embora tenha enquadrado
o desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial no século
XX, se revelou desajustado nos momentos ulteriores. Esta
visão inicial reduz o desenvolvimento (i) ao processo pelo qual
as sociedades evoluem e (ii) à própria finalidade do processo
ou seja ao estado final desta mesma evolução. O construto
assim definido remete para progresso, crescimento e avanço
tecnológico e foi o foco da denominada teoria evolucionista que
conheceu a sua formulação teórica com Rostow (1961; 1978),
segundo a qual a mudança e o progresso são permanentes14 .
Na óptica dos evolucionistas os países subdesenvolvidos
alcançariam o desenvolvimento aplicando a receita do mundo
ocidental, inspirado no Plano Marshall e na reconstrução
rápida da Europa após a Segunda Guerra Mundial. A sua visão
fundamenta-se na industrialização e na modernização a ela
associada como motores do desenvolvimento.
Mais tarde, Rostow (1961) veio desenvolver um modelo teórico
de desenvolvimento económico por fases, definindo o consumo
de massas como o último estádio da evolução e da modernização
económicas, ou seja, dando o enquadramento teórico ao processo
evolutivo do desenvolvimento15. Rostow (1961) juntamente com
Lewis (1995), este último com a sua teoria sobre desenvolvimento
económico, passam a utilizar desenvolvimento e crescimento
Esta visão de desenvolvimento enformou as políticas de desenvolvimento do presidente norteamericano Truman (1949) nos anos 40 do século XX. Truman usou o conceito de “subdesenvolvimento”
- cunhado por Benson em 1942 (Esteva, 2000) a propósito das bases económicas para a paz – em
contraponto a desenvolvimento, dividindo assim os países em desenvolvidos e subdesenvolvidos (ver
por exemplo, Faé, 2009).
14
15
O processo evolutivo comportava 5 etapas, da sociedade tradicional ao consumo de massas, passando
pela fase de arranque (“take off”). Esta receita “curaria” todos os países do subdesenvolvimento
elevando os padrões de consumo de forma drástica, na senda da sociedade de consumo.
123
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
económico com a mesma acepção16. A lógica subjacente
assemelha-se à teoria da evolução das espécies de Darwin e as
palavras de ordem são desenvolvimento e progresso com vista à
diversidade. Depreende-se que Lewis e Rostow ainda apostam
numa receita universal a aplicar a todos os países, numa simbiose
entre desenvolvimento e crescimento económico (Fig. 7).
Naturalmente que os paradigmas subsequentes são mais
abrangentes, tendo abandonado a visão mecanicista do
desenvolvimento económico do pós-guerra, período
em que a hegemonia económica dos Estados Unidos se
afirmava. Deixaram para trás a simplificação de considerar o
subdesenvolvimento como um simples ponto de partida do
processo de desenvolvimento permanente17.
As teorias subsequentes encaram a economia mundial de forma
holística, como um sistema em que desenvolvem relações
económico-sociais, políticas e culturais em ciclos económicos.
Estas teorias do crescimento económico já consideram a dinâmica
do desenvolvimento e baseiam-se em estatísticas ou variáveis
como, por exemplo, a taxa de crescimento do produto (output),
a taxa de crescimento do emprego, o rácio do investimento
versus produto e o rácio entre os salários e o produto. As
novas teorias descartam o pressuposto de o desenvolvimento
tecnológico ser independente do investimento, contrariamente
às teorias tradicionais. O papel dos indivíduos e da sociedade
em geral é assim elevado.
Há ainda a destacar o artigo de Solow em 1974, em que o autor analisa o futuro da sua teoria em
consequência do choque petrolífero de 1973. Shumpeter em 1976 apresenta uma visão evolucionista
das mudanças económicas, advogando uma económica liberal, segundo a qual a decadência de
momentos passados alimenta e precede novas iniciativas desencadeadas por uma visão empresarial,
de tomada de risco e inovações tecnológicas (Faucheux, 2001).
16
Ver por exemplo Eltis (1984) para uma revisão das teorias tradicionais que abrangem Quesnay e
Marx, bem como Smith, Malthus e Ricardo. Há ainda outros economistas que abordam o binómio
desenvolvimento e crescimento económico, mas numa perspectiva de desenvolvimento comunitário,
ou de “economia do homem” em detrimento da “economia do dinheiro”, ou seja criticando o conceito
puramente economicista do desenvolvimento. A necessidade de um desenvolvimento centrado nas
pessoas é proposta por organizações internacionais, como por exemplo A Swedish Hammarskjöld Dag
Foundation (1975) e pela Organização Mundial do Trabalho (1976).
17
124
O artigo de Paul Romer em 1990, Engoneous Technological Change
(crescimento tecnológico endógeno) aportou um contributo
primordial à nova teoria do crescimento económico. Neste estudo,
Romer argumentou que o desenvolvimento tecnológico (i) é
um bem económico e o motor do crescimento económico, (ii)
decorre dos indivíduos responderem a incentivos de mercado e (ii)
é diferente de outros bens económicos. A teoria do crescimento
endógeno conduz à noção de “cadeia de valor” e aos ciclos virtuosos,
segundo os quais a necessidade de investimento em tecnologia,
inovação, aumento de produtividade e processos de negócio e
os subsequentes rendimentos crescentes são fundamentais para
promover o crescimento económico (Fig. 11).
Todavia, segundo alguns autores, as décadas de 80 e 90 do século XX
conheceram um retrocesso na abordagem centrada nas necessidades
dos indivíduos, com os organismos internacionais a darem ênfase
a programas de redução do papel do Estado na sociedade, numa
lógica de redução da despesa pública, nomeadamente no continente
africano, mas sem os resultados benéficos esperados. O Relatório
de Bruntland (1987) da Organização das Nações Unidas18 vem
apontar a necessidade do desenvolvimento sustentável, em que
a satisfação das gerações futuras não pode ser prejudicada pelas
acções das gerações actuais. São ainda apontados os defeitos de
modelos que procurem institucionalizar preconceitos sobre países
e populações (Fergunson, 1990). Por outras palavras, estas críticas
a receitas estudadas vêm retomar as apreciações dos teóricos
tradicionais na mesma matéria19 .
18
Relatório da “World Commission on Environment and Development” (WCED, 1987) [exposição
original da noção de desenvolvimento sustentável com a satisfação das necessidades presentes sem
comprometer as necessidades futuras]. “Each generation should bequeath to its successor at least as
large a productive base as it inherited from its predecessor” (Dasgupta e Mäler, 2001).
Embora não seja o foco do presente trabalho, afigura-se de interesse referir que um factor apontado
como dinamizador do crescimento a longo prazo é o grau de desenvolvimento do sistema financeiro
de cada país (Levine, 1977). Crescimento económico = f(Sistema financeiro). Estudos empíricos
revelam que o desenvolvimento do sistema financeiro é um precursor e uma condição necessária
do crescimento sustentável e da transformação económica, com particular incidência em economias
em transição como é o caso de Moçambique. . Verifica-se presentemente que Moçambique dispõe
de um sistema financeiro sólido, com “know-how” aportado por accionistas externos e aplicando
boas práticas em termos de gestão do risco. Moçambique tem mais de 500 agências de 17 bancos
diferentes (Canalmoz, 01.09.2011). Em 2012 o número de bancos a operar e Moçambique, incluindo
bancos estrangeiros situa-se em 18 (site do Banco Central de Moçambique - http://www.bancomoc.
mz/Instituicoes.aspx?id=GINS0001&ling=pt).
19
125
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Considera-se que uma economia está no caminho do
desenvolvimento sustentável se a base produtiva (per capita)
não se reduzir, sendo que a base produtiva é constituída pela
formação de capital. Nesta formação de capital incluemse (i) o capital produzido; (ii) o capital humano20 (nível de
educação, nível de conhecimentos, saúde, etc.), (iii) o capital
social (instituições, enquadramento legal e ordem, ambiente
de negócios amigável, etc.) e (iv) o capital natural21 (recursos
minerais e outros recursos naturais, como por exemplo os
florestais, piscatórios, etc.) (Ollivier, 2009).
O caso de Moçambique deve assim ser encarado de uma
forma aberta e simultaneamente abrangente, no sentido de
serem considerados os elementos essenciais à política de
desenvolvimento com enfoque na participação dos cidadãos na
indústria de hidrocarbonetos.
Na óptica da teoria evolucionista (Rostow, 1961; Lewis, 1995)
a Moçambique e tendo presente a Fig. 7, pode-se posicionar
a economia nacional actual como estando a sair da fase de
sociedade tradicional, com técnicas arcaicas de produção,
dominada pela agricultura com pequeno rendimento per capita,
e a aproximar-se da fase de “take-off ” ou lançamento. Na fase de
lançamento, um factor essencial é a diversificação das actividades
económicas e é precisamente esta a etapa que Moçambique
está a experimentar. Senão vejam-se alguns indicadores em
concreto: (a) o PIB per capita está a aumentar (a taxa de variação
média nos últimos 10 anos situou-se em 5,5%; (b) a envolvente
tecnológica está em mudança; (c) há um aumento da população
urbana face à população rural.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Rostow considerava ainda o crescimento como a
consequência da introdução progressiva e eficiente de
novas tecnologias, com dois efeitos relevantes: (a) por um
lado, ganhos de eficiência na agricultura e nas actividades
tradicionais; (b) por outro lado, o aumento da oferta e da
procura de produtos industriais. Um sinal da passagem
do estádio de sociedade tradicional para o de lançamento
(“take off ”) é o crescimento das actividades industriais
se processar a uma taxa superior ao das actividades
tradicionais, incluindo a agricultura. Naturalmente que o
impulso do investimento é um factor crítico de sucesso
para este caminho evolutivo.
5. Desafios Moçambicanos: a Distância entre o
Preconizado e a Realidade
A relativa estabilidade do crescimento económico
constitui-se como um dos pontos fortes da economia
moçambicana. No entanto, o actual modelo deverá ser
capaz de transformar o crescimento em ganhos sociais e
económicos.
A OCDE define capital humano como os conhecimentos, as qualidades, as competências e outros
atributos que os indivíduos possuem e que são relevantes para a prossecução da actividade económica.
No caso de Moçambique a educação e a saúde são críticos em fase do estádio de desenvolvimento do
país nestas dimensões.
20
O valor do capital é o valor actual dos fluxos de benefícios do seu uso futuro (Ollivier, 2009).
Incluem-se os recursos naturais não renováveis (gás, carvão e petróleo) e os renováveis (pescas,
florestas) e serviços conexos (p.ex. tratamento de água e resíduos).
21
126
Drª. Arlete Matola, Chefe do Gabinete de Estudos da Presidência da República dirigindo-se aos
participantes do seminário
127
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
O coeficiente de Gini desenvolvido pelo econometrista italiano
Corrado Gini é uma medida das desigualdades de distribuição
rendimento num país (desigualdade social). Está calibrado entre
0 (igualdade perfeita) e 1 (completa desigualdade). Moçambique
apresenta um valor de 0,42, praticamente a meio da tabela de países
(ver Fig. 8), mas o Índice de Gini moçambicano tem registado
uma evolução modesta na última década, situação que carece de
ser melhorada e que deve ser encarada como uma oportunidade.
Uma medida complementar de desenvolvimento é o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) que serve de comparação
entre os países, com objectivo de aferir o grau de desenvolvimento
económico e a qualidade de vida oferecida à população. O
Relatório Anual de IDH é elaborado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da ONU.
Este índice baseia-se em dados económicos e em dados sociais.
O IDH varia de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1
(desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1,
mais desenvolvido é o país. No cálculo do IDH incluem-se:
(a) educação (número de anos de escolaridade), esperança de
vida da população e (c) Produto Interno Bruto (PIB) per capita.
Moçambique apresenta um IDH ainda baixo em comparação
com a média mundial: 0,32 em Moçambique e 0,68 no resto do
mundo (Fig. 9). Também neste domínio as oportunidades de
melhoria são significativas, potenciadas ainda pela distribuição
etária da população (Fig. 10) cuja juventude é uma reserva
de capital humano que sendo adequadamente encarada
(investimento em educação e saúde) poderá constituir um
factor impulsionador do crescimento sustentável que adiante
se problematiza. A erradicação da pobreza é um dos desafios
actuais da economia e releva directamente da teoria da gestão
de recursos.
Outro desafio que é colocado ao país é o de desenvolvimento
sustentável. Um estudo de Ollivier em 2009, relativo ao período
de 2000 a 2005 revela que Moçambique está no caminho do
desenvolvimento, embora de forma diferenciada em termos
dos diversos tipos de capital. Na análise empírica efectuada por
Ollivier (2009), o crescimento de Moçambique caracteriza-se
por:
1.
2.
3.
4.
principal factor de crescimento – acumulação de
capital principalmente humano e físico
reduzida erosão do capital natural
taxa de crescimento da produção pela totalidade dos
factores significativa mas não representando o factor
principal
elevada taxa de crescimento da população.
Estas características contrastam com as que se verificam na África
subsahariana com a erosão do capital reprodutível, acumulação
do capital humano, taxa de crescimento da produção pela
totalidade dos factores negativa e grande aumento da população
(ver a Fig. 12 relativa à evolução do capital humano, natural e
físico em Moçambique de 2000 a 2005).
Milton Machel fazendo a sua intervenção no seminário sobre hidrocarbonetos
128
Em suma, os desafios colocam-se não apenas ao nível da gestão
de recursos, nomeadamente no que concerne a alocação dos
129
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
recursos naturais, mas outrossim relativamente à base produtiva,
especificamente no que respeita ao capital humano e social.
As receitas geradas pela indústria dos hidrocarbonetos são uma
das potenciais alavancas do desenvolvimento do país. No sector,
a adopção de um quadro legal e fiscal apropriado, a existência
de entidades competentes e experientes a nível tecnológico,
bem como, uma regulamentação ambiental adequada podem
ser considerados como pontes fortes. Não obstante, a indústria
enfrenta alguns desafios no modelo actual:
Um dos aspectos a ter em conta no desenvolvimento sustentado
de Moçambique é que o sector dos hidrocarbonetos deve
potenciar o desenvolvimento dos diversos sectores da
economia e não somente as empresas mais directamente
ligadas á indústria dos hidrocarbonetos. A este propósito,
releva-se o exemplo da Austrália que evitou a crise actual, mas
à custa de ter a economia a duas velocidades, o que não é de
todo benéfico a prazo. Na Austrália, os sectores não ligados
aos recursos cresceram cerca de 1% de 2007-08 a 2009-10, o
mesmo se passando com o biénio seguinte (2009-10 a 2011-12).
Em contrapartida as actividades ligadas aos recursos cresceram
5% e 10% nos mesmos períodos. As actividades de mineração
criaram 60.000 empregos enquanto os sectores de retalho e da
Da esquerda para a direita: Patrício José, Adriano Maleiane, Prakash Ratilal,
John Kachamila e Narciso Matos
130
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
indústria transformadora perderam quase 50.000. Há vozes
que se levantam no seio dos australianos contra o crescimento
extraordinário da mineração, que é assim encarado como uma
maldição ou malefício. Os sectores da indústria transformadora
e do turismo reclamam que a subida de custos na Austrália a
tornaram pouco competitiva (Financial Times, 18.06.2012).
O segundo aspecto remete para a importância de um aumento
do consumo doméstico dos recursos naturais. A maioria dos
outputs é actualmente exportada e somente uma parte menor
é dirigida para as populações locais. Veja-se, por exemplo, o
parco desenvolvimento do sector energético. Neste sentido,
os projectos em curso, mencionados ao longo deste artigo,
constituem-se essenciais para a transformação dos rendimentos
em ganhos sociais, i.e., aumento da qualidade de vida das
populações.
Um terceiro elemento aponta para a necessidade de consolidar
a fiscalização das actividades extractivas. A transparência da
indústria deverá continuar a constituir uma das principais
prioridades. Friedman (1996), advoga a participação da sociedade
civil no âmbito de uma nova abordagem ao desenvolvimento;
é a emergência do empoderamento como desenvolvimento
alternativo procurando ultrapassar a crise de desenvolvimento
das décadas de 80 e de 90 do século XX. Pretende-se que as
políticas de desenvolvimento resolvam três aspectos fulcrais
dos países menos desenvolvidos: a pobreza, o desemprego e as
desigualdades (Lopes, 2009).
Neste aspecto Moçambique tem mérito, pois a atribuição
de concessões tem sido, regra geral, por via de concurso em
mercado aberto.
O meio ambiente deve igualmente ser tido em consideração.
Neste particular, as alterações climáticas referidas no Relatório
do Banco Mundial em 2010 indiciam impacto ao nível das
economias de vários sectores da economia, nomeadamente
a agricultura, pelo que a evolução para a indústria é
simultaneamente um desafio e uma oportunidade.
131
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Em suma, o desenvolvimento expectável da indústria dos
hidrocarbonetos coloca desafios particulares e próprios a
Moçambique.
6. Uma Possível Solução: Fundo Soberano
A secção precedente permite compreender a interligação entre
os desafios da indústria dos hidrocarbonetos e os desafios
colocados à economia moçambicana. Se, por um lado, é afirmado
o potencial do país tomando em consideração o seu capital
natural, por outro lado, alertam-se para os riscos associados à
má gestão tanto dos recursos como das receitas geradas pela
indústria.
As projecções económicas apontam para um crescimento a
curto-prazo da indústria dos hidrocarbonetos, nomeadamente
da exploração de gás natural e carvão. Este crescimento acarreta
o aumento dos rendimentos do Estado.
Os fundos soberanos surgem na literatura como uma das soluções
para as economias semelhantes à de Moçambique. Veículos
detidos por entidades governamentais, aos quais se associam
políticas de investimento a longo prazo, os fundos soberanos
asseguram a continuidade intertemporal e intergeracional de um
modelo assente nos recursos naturais e permitem a estabilização
General (na reserva) Jacinto Veloso fazendo a sua intervenção
132
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
dos ciclos de consumo. Os fundos soberanos revelam-se assim
uma peça primordial na política governamental que tenha
como objectivo alocar as receitas voláteis das matérias-primas a
diferentes destinos mais duradouros: (a) activos mais rentáveis
com algum risco; (b) investimento doméstico; e (c) consumo
em termos de longo prazo. Naturalmente que a alocação óptima
nestas três vertentes e a dimensão do “buffer” de poupança são
função da volatilidade e da produtividade do investimento no
sector dos bens transaccionáveis (ver por exemplo, Cherif &
Hasanov, 2012).
O fundo soberano de petróleo da Noruega possui activos sob
gestão que ultrapassam 560.000 milhões de USD. Este fundo
soberano investe em empresas cotadas (60,6%), em dívida
pública (16,5%), obrigações do tesouro (4,7%), títulos indexados
à inflação (3,2%), obrigações de empresas (6,3%), títulos de
securitização (9,0%) e imobiliário (0,1%), na Europa (53,3%),
Américas, África e Médio Oriente (35,7%), Ásia e Oceânia
(11,3%).
Tendo em conta as características do modelo económico de
Moçambique, o seu estado de desenvolvimento, e o potencial de
rendimentos elevados asociados às receitas das matérias-primas,
a constituição de um fundo soberano parece ser a alternativa
mais viável para a economia do país. O fundo soberano permitirá
assim reduzir a insustentabilidade intergeracional do modelo
económico e aportar ganhos sociais através do investimento em
projectos socialmente responsáveis.
A título de exemplo, refira-se o possível investimento no sector
da educação, que teoricamente apresenta uma forte correlação
com a produtividade. Um projecto no sector da educação
permitiria a continuidade dos actuais esforços governamentais
que visam (i) o acesso universal à escolaridade (ii) a promoção
da aprendizagem (iii) a promoção da boa governação. As
necessidades, como por exemplo a contratação de professores,
são francas e poderiam ser colmatadas a médio-prazo. Por
133
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
outro lado, as necessidades a nível educativo reflectem-se
actualmente no mercado laboral através de uma elevada taxa de
desemprego. Tais dinâmicas económicas poderão ser corrigidas
se a formação da população não permanecer aquém das
necessidades vocacionais e tecnológicas. Por outras palavras, o
investimento em educação e em saúde pode aumentar de forma
decisiva o valor do capital humano, atendendo à distância com
que Moçambique se vê confrontado relativamente aos países
desenvolvidos (IDH)22 . A própria indústria de hidrocarbonetos
necessita de uma contínua capacitação do seu corpo técnico,
de modo a que os projectos possam absorver cada vez mais
técnicos nacionais e outro pessoal especializado. Este desiderato
contribuirá igualmente para uma vantajosa transferência de
conhecimento (“know-how”) para quadros de Moçambique.
Em 2011, observou-se um bom desempenho em diferentes
sectores de actividade (por ex., transportes e comunicações,
sector agrícola) e Moçambique impôs-se enquanto exportador de
carvão. No entanto, o “ponto de viragem” diz sobretudo respeito
às recentes descobertas de extensas reservas de gás natural, na
bacia de Rovuma. Desta forma, pode dizer-se que a gestão das
receitas geradas pela indústria dos hidrocarbonetos será um dos
principais desafios da economia moçambicana. Reformulando,
está em causa não apenas o alcance de uma verdadeira estabilidade
macroeconómica mas outrossim, a gestão da exploração dos
recursos não renováveis, a garantia de uma continuidade
intergeracional do modelo, bem como, a associação entre o
crescimento económico e um desenvolvimento sustentável - que
contrarie a “maldição dos recursos”.
7. Conclusões
A um nível mais específico, as características do modelo económico
e a conjuntura macro-económica internacional, julga-se que
alguns desafios, colocados pela situação actual e pelas previsões da
indústria dos hidrocarbonetos, poderão ser enfrentados através
de uma forte mobilização dos diferentes actores.
A economia moçambicana é actualmente caracterizada por
um crescimento económico relativamente estável. O presente
equilíbrio macroeconómico depende em grande medida de
recursos externos, do investimento em mega-projectos relativos
à exploração de recursos naturais e do desenvolvimento de infraestruturas sustentado pelo investimento de capitais públicos
e de parcerias público-privadas. Deste modo, para além dos
riscos associados à dependência de recursos externos, acrescem
actualmente os desafios colocados à estabilidade económica,
tendo em conta a dependência entre o crescimento económico
e o investimento público (desenvolvimento de infra-estruturas)
(Berg, Yang e Zanna, 2012), e a relação por ora pouco visível entre
o desenvolvimento de infra-estruturas e a produtividade.
Apesar dos desafios que se colocam ao futuro económico do
país, o ano de 2011 parece surgir como um “ponto viragem”.
Deve atender-se ao facto de Moçambique estar ainda enfocado em actividades económicas
tradicionais, o que remete para a necessidade de conjugar estas actividades com o desenvolvimento
económico a alcançar por via de novas tecnologias e novos métodos de trabalho e de produção.
Reside também aqui uma oportunidade e simultaneamente um foco de atenção redobrada com vista a
evitar nomeadamente tensões sociais.
22
134
A nível governamental poderá considerar-se como pertinente: o
aumento da carga fiscal relativa às receitas oriundas da exploração,
o investimento em diferentes sectores da economia, a avaliação
de meios que permitam um aumento do consumo doméstico
das matérias-primas, a aposta numa política de transparência
no que concerne aos resultados da indústria e a aplicação dos
rendimentos obtidos. Tais acções permitiriam encarar desafios
como a natureza primária e concentrada das exportações, o fraco
consumo interno e a desigualdade social. No entanto, as acções
governamentais deverão ser acompanhadas por um aumento
da participação de outros actores. Os ainda reduzidos níveis
de desenvolvimento humano e a desigualdade de distribuição
de rendimentos colocam Moçambique perante um leque de
oportunidades nas quais se revela imperioso investir aproveitando
um bom momento económico que a criteriosa gestão de recursos
pode aportar.
135
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Bibliografia
Considerando a conjuntura e os desafios a enfrentar optou-se por
uma solução conservadora: a proposta de criação de um fundo
soberano. Esta proposta assenta essencialmente na continuidade
intergeracional e na estabilização dos ciclos de consumo, que
os fundos soberanos parecem garantir às economias. Tendo
em conta a incapacidade de auto-financiamento da economia
moçambicana e a sucessão de ciclos relativamente curtos de
expansão e contracção económica, a criação de um fundo parece
garantir a continuação do desenvolvimento económico e aportar
ganhos sociais significativos através do investimento em projectos
de responsabilidade social. A título de exemplo, sugeriu-se a
aplicação de parte dos capitais do fundo (a criar) num projecto
no sector da educação, um dos sectores fulcrais em termos
económicos – devido à sua relação com a produtividade – e a
nível social – estando associado à participação das populações na
vida do país e a uma menor taxa de desemprego. Propõe-se assim,
um dos caminhos possíveis para a tão desejada erradicação da
pobreza, objectivo manifesto no Plano de Acção para a Redução
da Pobreza (2011-2014) da autoria do Governo moçambicano.
Artigos
Levine, R., 1997. Financial development and economic growth : Views and agenda. Journal of
Economic Literature 35(2), 688-726.
Romer, P.M., 1990. Endogenous Technological Change. The Journal of Political Economy 98(5),
71-102.
Rosa, H., Suslick, S.B., 2005. Avaliação de descobertas de recursos petrolíferos: Uma proposta de
padronização. Revista Brasileira de Geociência 35(2), 285-294.
Livros
Brito, L., Castel-Branco, C.N., Chichava, S. & Francisco, A., 2010. Desafios para Moçambique.
Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Maputo.
Castel-Branco, C.N. & Ossamane, R. 2010. Crises cíclicas e desafios da transformação do padrão
de crescimento económico em Moçambique in Brito, L., Castel-Branco, C.N., Chichava, S. &
Francisco, A. (Eds.) IESE: Maputo.
Eltis, W., 1984. The classical theory of economic growth. Macmillan Press, London.
Esteva, G., 2000. Desenvolvimento. In: Sachs, W. (Ed.), Dicionário do Desenvolvimento: Guia para
conhecer o poder. Vozes, Petrópolis.
Faucheux, S., 2001. Summary principles of sustainable development. In: Tolba, M.K. (Ed.), Our
fragile world. Challenges and opportunities for sustainable development. Encyclopedia of Life
Support Systems (EOLSS) Publishers, Oxford.
Fergunson, J., 1990. The anti-politics machine: development, depolitization, and bureaucratic
power in Lesotho. Cambridge University Press, Cambridge.
Friedmann, J., 1996. Empowerment: uma Política de Desenvolvimento Alternativo. Celta Editores,
Oeiras.
Lewis, W.A., 1955. The theory of economic growth. George Allen and Unwin Ltd., London.
Omara-Ojungu, P.H., 1992. Resource management in developing countries. Longman Scientific &
Technical, Hong Kong.
O’Riordan, T., 1971. Perspectives on resource management. Pion, London.
Perkins, D.H., Radelet, S.C., Snodgrass, D.R., 2001. Economics of Development, 5th edition. W.
W. Norton & Company, New York.
Rostow, W.W., 1961. The Stages of Economic Growth. Cambridge University Press, Cambridge
Rostow, W.W., 1978. The world economy: History and Prospect. Macmillan, London.
Scott, M.F., 1998. A new view of economic growth. Oxford University Press, Oxford.
Monografias
Participantes do seminário sobre hidrocarbonetos
Amaro, R., 2003. Desenvolvimento – um conceito ultrapassado ou em renovação? Da teoria à
prática e da prática à teoria. In: Cadernos de Estudos Africanos, nº 4 (Janeiro –Julho) Lisboa, Centro
de Estudos Africanos, ISCTE, pp. 36 – 68.
Berg, A., R. Portillo, S. S. Yang, and L. Zanna, 2011. Government Investment in Resource Abundant
Low-Income Countries. Manuscript.
Cherif, R. & Hasanov, F., 2012. Oil Exporters’ Dilemma: How Much to Save and How Much to
Invest. IMF Working paper WP/12/4.
Chilenge, B. 2011. Relatório da iniciativa de transparência na indústria extractiva (ITIE).
Comunicação apresentada no workshop do lançamento do primeiro relatório da ITIE. Nampula.
CIA, Central Intelligence Agency, 2009, 2011. The world factbook (https://www.cia.gov/library/
publications/the-world-factbook/)
Consultec, Environmental Resources Management, 2005. Relatório do estudo de impacto ambiental
136
137
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
World Commission on Environment and Development (WCED), 1987. Our common future.
Oxford University Press, Oxford.
10
8
6
4
2
2012
2010
2011
2008
2009
2007
2005
2006
2003
2004
2001
0
2002
Tremblay, S., 1999. Du concept de développement au concept de l’après-développement: Trajectoire
et repères théoriques. Collection Travaux et etudes en développement regional, Université du
Québec à Chicoutimi.
12
1999
Oil for development, 2001. Norwegian Agency for Development Cooperation (NORAD), 20072008.
14
2000
Nogueira, P., 2009. Recursos energéticos. Universidade de Évora. Disponível em home.uevora.
pt/.../Aula%202-%20Unidades%20e%20definições.pdf.
16
1998
Ministério de Minas e Energia (MME). Balanço Energético Nacional. Disponível em http://www.
mme.gov.br.
Crescimento real do PIB%
1996
Lopes, C., 2008. Participação das populações locais no desenvolvimento da Educação. Caso
de estudo: escolas comunitárias da região de Bafatá. Guiné-Bissau 2004 -2006. Dissertação
de Mestrado, ISCTE-IUL (http://repositorio-iul.iscte.pt/bitstream/10071/1005/5/Disserta%
C3%A7%C3%A3o%20Mestrado_Cap%C3%ADtulos.pdf).
Figura1. Crescimento do PIB em Moçambique, em percentagem
1997
Faé, R., 2009. Os discursos sobre desenvolvimento como recursos político-estratégicos: O banco
mundial como organização central no campo discursivo do desenvolvimento. Tese de doutoramento,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10
183/15715/000690165.pdf?sequence=1).
1995
do projecto de pesquisa de Hidrocarbonetos da SASOL nos blocos 16 e 19.
Figura 1. Crescimento do PIB em Moçambique, em percentagem
Documentos de trabalho (“Working papers”)
Dasgupta, P., Mäler, K.-G., 2000. Net National Product, Wealth, and Social Well-Being. Environment
and Development Economics 5(1), 69-93.
Ollivier, T., 2009. Is Mozambique on a Sustainable Development Path? A Comprehensive Wealth
Accounting Prospect. CERNA Working Paper. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1438073
or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1438073.
Figura 2. Reservas mundiais de gás natural (provadas)
Sualtan, K.S., Michev, D.G., 2000. Role of the Financial System in economic growth intransition
countries – the case of Ukraine’s banking system. Harvard Institute for International Development
Development Discussion Paper No. 767, Harvard University.
Artigos de imprensa
Bernama.com, Malaysian National News Agency. Stiglitz warns Mozambique against inflation
advice of IMF. July 13, 2012.
Canalmoz. Moçambique tem mais de 500 agências de 17 bancos diferentes, 01.09.2011.
Financial Times. Mozambique poised for coal boom. March 12, 2012.
Financial Times. Mine, all mine, Asutralia. June 18, 2012.
Fonte: CIA, The World Factbook (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
rankorder/rawdata_2179.txt)
138
139
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Figura 3. Reservas mundiais de carvão (provadas)
Figura 5. Reservas de Africa e de Moçambique (provadas)
Figura 6. Esquema dos constituintes do desenvolvimento sustentável
Fonte: CIA, The World Factbook ( https://www.cia.gov/search?q=coal+proved+reserves& x=
0&y=0&site=CIA&output=xml_no_dtd&client=CIA&myAction=%2Fsearch&proxystylesh
eet=CIA&submitMethod=get)
Figura 4. Reservas mundiais de petróleo (provadas)
Sustentabilidade
Fig. 7. Estádios do crescimento económico com poupança e investimento
(Lewis e Rostow)
Fonte: CIA, The World Factbook (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
rankorder/rawdata_2178.txt)
Service and Investimant in industry
5
Hage Mass to Consumation
4
Drive to Maturity
3
Take of Stage
2
1
Pre. Take of Stage
Trasicional Society
Time
140
141
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Figura 8. Índice de Gini
Figura 10. Caracterização da população moçambicana
Mozambique: 2010
MALE
FEMALE
80+
75-79
70-74
65-69
60-64
55-59
50-54
45-49
40-44
35-39
30-34
25-29
20-24
15-19
10-14
5-9
0-4
1.4
1.2
1.0 0.8
0.6 0.4
0.2 0.0
0.0
0.2
0.4
0.6
0.8
1.0
1.2 1.4
Population ( in millions)
Fonte: CIA Factbook (2009) (https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/
fields/2172.html)
Source: U.S. Census Bureau, International Data Base
Figura 11. Ciclos virtuosos de crescimento
Figura 9. Índice de desenvolvimento humano (IDH)
0,8
0,7
0,6
0,5
Moz
Word
0,4
0,3
0,2
0,1
0
1985 1990
1995
2000
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: CIA Factbook (2011)
142
143
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Figura 12. Evolução do capital humano, natural e físico em Moçambique
de 2000 a 2005
Quadro 1. Empresas que participam na pesquisa de hidrocarbonetos em
Moçambique
Áreas/
Bacias
Concessionárias
Blocos
Onshore
Rovuma
Fonte: Ollivier (2009)
% de
Operador
Participação
ROVUMA
Sofala
Fase de
Observações
Pesquisa/
Produção
Anadarko
35,7
Wenthworth
15,3
Maurel/Prom
24
ENH
15
Cove Energy
10
Sasol
85
ENH
15
Anadarko
2ª
Desminagem de
930 Km
Sasol
2ª
Em curso as actividades de aquisição
de 1.538 Km de
sísmica 3D
Sasol
2ª
Interpretação de
dados sísmicos
Sasol
3ª
Houve descoberta
2TCF de gás natural
Sasol
Em produção desde
2004
Reservas provadas
de 4 TCF de gás
natural
Sasol
1ª
Desminagem e
aquisição de 600 Km
de sísmica 2D
Búzi Hydrocarbons
2ª
Em curso aquisição
de 600 Km de
sísmica 2D
Quadro 1. Empresas que participam na pesquisa de hidrocarbonetos em
Moçambique
M-10
Áreas/
Bacias
Concessionárias
Blocos
ROVUMA
36,5
COVE
8,5
ENH
15
Bharat Petroleum
10
Videocon Energy
10
Mitsui, Corp.
20
ENI East Africa
70
ENH
10
KOGÁS
10
Galp Energy
10
Statoil
90
ENH
10
2&5
Fase de
Observações
Pesquisa/
Produção
Anadarko
4
144
Operador
Participação
1
3&6
% de
Petronas
90
ENH
10
Anadarko
2ª Realizada a descoberta de 60 TCF de
gás natural
.Decorre a abertura
de 4 furos de avaliação no prospecto
Golfinho/ Atum para
certificação de reservas e obtenção do
Fecho Financeiro em
Dezembro de 2013
ENI
2ª Em intensa actividade. .Efectuada descoberta entre 40-60TCF
de gás natural
16 &
19
Pande e
Temane
A
2ª Decorre o mapeamento de prospectos
Petronas
2ª Preparação
para
abertura do furo
Marlin-1 em Setembro 2012
42,5
42,5
ENH
15
Sasol
50
Petronas
35
ENH
15
Sasol
70
ENH
25
IFC
5
Sasol
ENH
90
10
Búzi
Statoil
MOÇAMBIQUE
Sasol
Petronas
Búzi Hydrocarbons
ENH
75
25
Fonte: Relatório de produção de gás natural da UJV.
145
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Quadro 2.
Quadro 2. (cont.)
Empresas com participação indirecta
Empresas com participação directa
Blocos/Áreas
Nacionais
Locais
Nº de famílias
Obs
Nacionais
Locais
Nº de famílias
Observações
1
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
220
16
1.376
Varias empresas
4
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
189
12
214
Varias empresas
2&5
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
4
16
25
3&6
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
3
4
5
Onshore Rovuma
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
-
-
-
Onshore Rovuma
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
Sofala
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
M-10
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
16 & 19
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
Pande e Temane
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
A
ENH
-
150
INCUI AFLIADAS
Buzi
ENH
150
INCUI AFLIADAS
Incluído na Área 1
6.185
9
1
423
Varias empresas
Fonte: ENH /recolha de amostras nas operadoras, Junho de 2012.
146
147
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Quadro 3. Lista de empresas que operam no sector dos hidrocarbonetos
em Moçambique
Quadro 3. Lista de empresas que operam no sector dos hidrocarbonetos
em Moçambique
Empresas Moçambicanas
que operam no sector dos
Hidrocarbonetos
Descrição
Empresas Moçambicanas
que operam no sector dos
Hidrocarbonetos
Descrição
Companhia Moçambicana
de Petróleos, Limitada
(COMOPETRO)
Petroleum and its products trading
Petróleos de Moçambique
(PETROMOC)
of Mozambique’s petroleum
product requirements and for the
setting of selling prices.
BP Mozambique
Petroleum and Petroleum
Products Wholesalers
Chevron Oil Mozambique
Petroleum and Petroleum
Products Wholesalers
Empresa Nacional de
Hidrocarbonetos de Moçambique
(ENH)
Extraction of crude petroleum
Mozambican Hydrocarbon
Company
Support activities for petroleum and natural
gas extraction
OILMOZ – Investimentos e
Participações, Lda (OILMOZ)
Support activities for petroleum and natural
gas extraction
Rachana Global LDA
is primarily in the business of natural resource
exploration in Africa. We are currently
exploring Coal, Gold, Copper, Tantalum,
Titanium, & Iron Ore across the globe.
Sasol Petroleum Temane
Support activities for petroleum and natural
gas extraction,Oil & Gas Exploration
Wentworth Moçambique Petróleo
is an independent oil and gas company with
gas production and a committed exploration
programme in the Rovuma Basin of southern
Tanzania and northern Mozambique
Matola Gas Company (MGC)
Companhia do Pipeline
Mozambique-Zimbabwe Lda
Importadora Moçambicana de
Petróleos (Imopetro)
Lonropet SARL
Ministry of Mineral Resources and
Energy
National Directorate of Coal and
Hydrocarbons
Extraction of crude petroleum
Engen Mozambique Ltd
ExxonMobil Moçambique
Mobil Oil Mozambique
Oil Refining, Petroleum and
Petroleum Products Wholesalers
and Retail sale of automotive fuel
in specialized stores
Oil Refining, Petroleum and
Petroleum Products Wholesalers
and Retail sale of automotive fuel
in specialized stores
Petroleum Lubricating Oil and
Grease Manufacturing Petroleum
and Petroleum Products
Wholesalers
Fonte: http://www.mbendi.com/indy/oilg/af/mz/p0005.htm#Companies
Petroleum and Petroleum Products
Wholesalers
Support activities for petroleum and natural
gas extraction Petroleum and Petroleum
Products Wholesalers, Importing
Support activities for petroleum and natural
gas extraction
Petroleum and Petroleum Products
Wholesalers, Importing
Contract Mining, Electrical Power
Distribution, General public administration
activities, OiI and Gas Industry Regulation
General public administration activities, OiI
and Gas Industry Regulation
Oil Refining, Petroleum and Petroleum
Products Wholesalers
Petrogal Moçambique
148
The company, which was formed in
1997, is responsible for the purchasing
149
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Quadro 4. Lista de outros organismos relacionados com a indústria de
hidrocarbonetos
Quadro 4. Lista de outros organismos relacionados com a indústria de
hidrocarbonetos
Organismos relacionados com as indústria dos hidrocarbonetos
Organismos relacionados com as indústria dos hidrocarbonetos
GOVERNO CENTRAL
Provincial Directorate Agriculture Inhambane
Provincial Directorate Agriculture Sofala
Provincial Directorate Fisheries Inhambane
Provincial Directorate Fisheries Sofala
Provincial Directorate Mineral Resources Inhambane
Provincial Directorate Mineral Resources Sofala
Maritime Administration Inhambane
Maritime Administration Sofala
Institute for Fisheries Investigation - Inhambane Delegation
Institute for Development of Small Scale Fisheries - Inhassoro
PARQUES NACIONAIS
Bazaruto National Park
MICOA - National Council for Sustainable Development
MICOA - National Directorate of Environmental Impact
Assessment
MICOA - National Directorate of Environmental
Management
MICOA - Center for Sustainable Development for Coastal
Areas
Ministry for Mineral Resources - Environmental Department
Ministry for Mineral Resources - ENH
Ministry for Mineral Resources - Petroleum Institute
Ministry for Agric and Rural Dev - Nat Directorate for
Forestry & Wildlife
Ministry for Fisheries - Institute for Dev of Small Scale
Fisheries
Ministry for Fisheries - Institute for Fisheries Investigation
Ministry for Tourism - National Directorate for Conservation
Areas
Ministry for Tourism - National Directorate for Planning &
Co-operation
CFM - Ports Authority
GOVERNO PROVINCIAL
Provincial Government Inhambane
Provincial Government Sofala
Provincial Directorate for Tourism Inhambane
Provincial Directorate for Tourism Sofala
Provincial Directorate MICOA Inhambane
Provincial Directorate MICOA Sofala
150
ORGANISMOS DE INVESTIGAÇÃO
Biology Department - Eduardo Mondlane University (UEM)
National History Museum
GOVERNO DISTRITAL
Municipal Council - Vilankulos (President)
Administration - Govuro (Administrator)
Administration - Machanga (Administrator)
Administration - Vilankulos (Administrator)
Administration - Inhassoro (Administrator)
ASSOCIAÇÕES COMUNITÁRIAS PARA O
DESENVOLVIMENTO
Association of Friends of Inhambane Province
Association of youth friends of Govuro (AJOAGO)
Vilankulos Development Association
151
Quadro 4. Lista de outros organismos relacionados com a indústria de
hidrocarbonetos
Organismos relacionados com as indústria dos hidrocarbonetos
Thomba Yeado Community Association (Bazaruto)
GRUPOS ECOLOGISTAS (ONGs)
IUCN - World Conservation Union
WWF - World Wildlife Fund
Fundação Natureza em Perigo
Livaningo
CTV - Centro Terra Verde
GTA - Grupo de Trabalho Ambiental
COMMUNITY DEVELOPMENT NGOs
ADEL: Association for Local Development
CARE
Jesus Alive
OPERADORES TURÍSTICOS
(diversos)
ASSOCIAÇÕES DE PESCADORES
Associação Moçambicana de Pescadores (AMPE)
Associação de Pescadores de Inhassoro (API)
A INDÚSTRIA DE HIDROCARBONETOS EM
MOÇAMBIQUE: CAMINHOS A PERCORRER PELOS
MOÇAMBICANOS
(Comentário ao texto de Nelson Ocuane)
Por: Daúd Jamal
Professor Doutor Daud Jamal fazendo os comentários em torno da comunicação do Dr. Nelson
Ocuane
Sua Excelência Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de
Moçambique;
Distintos Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Fonte: http://www.mbendi.com/indy/oilg/af/mz/p0005.htm#Companie
Permitam-me antes de mais agradecer ao Gabinete de Estudos da
Presidência da República pelo honroso convite que me endereçou para
comentar o tema deste Seminário. Saúdo também o dr. Nelson Ocuane
pela apresentação sistemática e elucidativa do quadro actual e das
perspectivas do sector da indústria de hidrocarbonetos em Moçambique.
O tema de hoje, apresentado sob o título A Indústria de Hidrocarbonetos
em Moçambique: Caminhos a Percorrer pelos Moçambicanos é de
extrema importância e relevância para nós, moçambicanos de hoje e de
amanhã.
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A descoberta de hidrocarbonetos e o início da actividade extractiva do
carvão, aos quais se adiciona a extracção de gás e de outros recursos, colocam
Moçambique no mapa do grupo de países de actividade extractiva de
larga escala. Historicamente, esta actividade tem redundado, nuns casos,
em maldição ou, noutros, em dádiva para o desenvolvimento. O desafio
que se coloca aos moçambicanos é de, juntos, transformarmos as riquezas
naturais em bem-estar e felicidade das gerações actuais e vindouras.
A comunicação feita pelo dr. Nelson Ocuane inicia-se com uma
resenha do estágio actual da economia de Moçambique recorrendo aos
indicadores tradicionais que espelham a estabilidade macro-económica
do País. São destacados os principais sectores contribuintes da economia,
nomeadamente a agricultura, exportação de matérias-primas de origem
mineral e do alumínio, transporte e comunicações, o sector de energias e
infra-estruturas. O incremento do investimento directo estrangeiro reflecte
sobremaneira o ambiente económico são e estável. Contudo, salienta-se
que esta estabilidade macro-económica, marcada por um PIB estável, não
reflecte a melhoria da qualidade de vida dos moçambicanos em geral.
O autor prossegue abordando a problemática dos recursos do subsolo,
concretamente as descobertas de hidrocarbonetos no off-shore. O dr. Nelson
Ocuane faz uma breve incursão histórica na indústria de hidrocarbonetos
em Moçambique e na sua evolução até ao estágio actual, ao longo da
qual se destaca a descoberta dos campos de Búzi e Temane nos anos 60,
a criação da ENH em 1981 e do INP em 2001, bem como o início da
produção dos campos da SASOL. Sobre os recursos do subsolo, o mesmo
refere que os anúncios recentes de descobertas de gás natural no off-shore,
reportadas nesta comunicação em cerca de 160 tcf (triliões de pés cúbicos),
constitui um marco histórico para Moçambique.
Partindo da realidade económica e da sociedade moçambicana actuais, e
socorrendo-nos do paradigma das ciências do desenvolvimento económico,
o autor discute as várias formas do capital tendo como pano de fundo
a gestão sustentável dos recursos minerais. Permitam-me destacar
desta análise o capital natural, o capital humano e o desenvolvimento
sustentável, os quais retomarei mais adiante.
154
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Na perspectiva de um desenvolvimento sustentável, a comunicação remetenos à questão do modelo actual de desenvolvimento económico, marcado
por um PIB estável e robusto, não ter impacto eficiente na erradicação
da pobreza e elevação do índice do bem-estar dos moçambicanos. Como
desafios (caminhos a percorrer) para a prossecução da sustentabilidade, o
dr. Nelson Ocuane elege o desenvolvimento do capital humano e da base
produtiva alargada. Assim, refere o autor que o sector dos hidrocarbonetos
deve potenciar o desenvolvimento dos diversos sectores da economia
e não somente das empresas mais directamente ligadas à indústria dos
hidrocarbonetos.
Portanto, emerge desta comunicação, a ideia e a necessidade da
sustentabilidade social e económica. A proposta da criação de um Fundo
de Soberania como instrumento de garantia e estabilização sócioeconómica das gerações futuras, afigura-se como um caminho viável. Da
argumentação apresentada, configura-se que o Capital Humano é factor
garante de tal sustentabilidade, na perspectiva de que este capital possa
impulsionar o progresso tecnológico que, por sua vez, eleva a produção per
capita e a produtividade do país no geral.
O Fundo de Soberania pode, a médio e longo prazos, propiciar as condições
para o que o cidadão moçambicano (capital humano) e a sociedade de
Moçambique se apoderem da ciência e tecnologia como factores de produção
e sustentabilidade. Entendo que só nesta base os moçambicanos podem se
constituir como parâmetro determinante da função do desenvolvimento,
e capacitados para explorar as oportunidades decorrentes da intromissão
(positiva) do capital intensivo estrangeiro, essencialmente orientado para
a extracção de recursos naturais esgotáveis.
Não obstante o Índice de Desenvolvimento Humano de Moçambique ser
baixo, as condições endógenas para a elevação do capital humano como
factor de desenvolvimento sustentável são favoráveis pois, por um lado, a
base da pirâmide etária é bastante alargada, reflectindo uma percentagem
de população jovem activa e, por outro, temos recursos naturais em
abundância. A população jovem pode ser capacitada para explorar o
potencial de desenvolvimento tecnológico, actuando como factor de atracção
155
de investimento estrangeiro para o sector da indústria de transformação.
Esta é uma das alternativas para a preparação da transição completa de
Moçambique de uma sociedade de base tradicional para uma sociedade
de base científico-tecnológica, libertando-nos da dependência de recursos
naturais exauríveis com forte dependência da localização geográfica.
OS DESAFIOS DO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO
DA JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
Por: Filipe Sebastião Sitoi
“… o sistema de administração da justiça, os seus actores, as
prerrogativas do advogado e a ética cidadã devem ser um óculo
que permite ver o faminto, o oprimido e o excluído e, pretendose universal, não é restrita a uma óptica negativa mas coroada de
áurea positiva de virtudes, valores, costumes, de responsabilidade
social, de fonte da felicidade, esse supremo bem…”
Termino o meu comentário afirmando que equidade entre os moçambicanos
pode ser efectivada se todos formos educados para o domínio da ciência e
tecnologia.
A Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, e aos distintos
participantes deste seminário vão os meus agradecimentos pela atenção
dispensada.
Introdução
Como é sabido, o Mundo transformou-se radicalmente23 nas
últimas décadas, e as fronteiras que compartimentavam os
Dr. Filipe Sitoi a fazer a sua intervenção
O ordenamento jurídico moçambicano, acompanhou esta vaga de transformações económicasculturais, tornando-se mais efémero e complexo, a exigir certa especialização em áreas até há pouco,
praticamente desconhecidas, como os direitos dos consumidores, o ambiente e a informática. O
advogado artesão, dos meados do século, a trabalhar isolado no seu escritório, dando consultas e
aceitando o patrocínio de todos os casos, está a desaparecer, mesmo nos locais mais remotos do nosso
país. De súbito, como se despertasse de um sonho, o advogado encontrou-se num mundo outro. O
advogado já não pode, seriamente, abarcar todas as questões que a vertiginosa vida de hoje engendra e
multiplica. O velho generalista é um abencerragem.
23
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
países caíram como o Muro de Berlim, ou deixaram de ser
barreiras quase intransponíveis. As relações individuais e
internacionais adquiriram novas formas, o capital circula tão
rapidamente como as notícias, as pessoas movimentam-se
ao ritmo dos aviões, o comércio jurídico multiplicou-se, a
criminalidade refinou-se e organizou-se, os conflitos sociais
agudizaram-se.
Falar de desafios do sistema de administração da justiça
em Moçambique, neste momento, é oportuno e actual,
pois, com o crescimento do tráfego comercial, a contínua
e promissora exploração dos recursos naturais associada a
descoberta de hidrocarbonetos, novos modus legislandi e
faciendi esperam de todos os actores do sistema de justiça
(Magistrados Judiciais e do Ministério Público, advogados,
técnicos e assistentes jurídicos, Polícia de Investigação
Criminal, Guardas prisionais e Sociedade Civil em geral).
É importante esta abordagem pois, permitirá reflectir
de forma sucinta sobre os desafios do sistema de justiça
em Moçambique e perceber a ratio da administração do
sistema judicial em Moçambique, através das vicissitudes
constitucionais, na ordem jurídica moçambicana, tendo em
conta a aplicabilidade directa dos preceitos consagradores dos
direitos, liberdades e garantias fundamentais; e as principais
ilações a reter desta análise.
Os vários estudos, análises e avaliações feitas ao sistema de
justiça nos últimos anos dão conta de uma realidade em
franca transformação e com grandes desafios (próprios do
Séc. XXI) no sector. É, pois, face à um quadro muito crítico
e um conjunto tão alargado e ambicioso de desafios a pôr
em prática, que nos iremos deter nesta pequena reflexão,
sem termos a pretensão nem a veleidade de trazer soluções
acabadas mas um mero contributo para a administração
da justiça, onde actuamos. Iremos cingir a nossa reflexão
sobre:
158
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
i) Os desafios e/ou obstáculos actuais da administração da
justiça;
ii) o papel dos seus principais actores;
iii) sem descurar os avanços obtidos na reforma legal e prisional
em curso;
iv) para garantia do acesso a justiça por parte da população.
Desafios actuais do sistema de administração de justiça
Em 2003, um estudo extensivo sobre a justiça moçambicana
apontava, entre as suas conclusões, alguns obstáculos/desafios
ao bom funcionamento do sector da justiça como seja:
i) a grande distância dos cidadãos perante os tribunais com
origem, entre outros motivos, na desadequação da lei escrita
à realidade, na desconfiança sobre o funcionamento dos
tribunais e na incompreensão sobre o destino das multas
ou do pagamento de caução (Filipe Sitoi e José Macuane,
2003);
ii) os mobilizadores do sistema de justiça residem nas áreas
urbanas com destaque para a cidade de Maputo, sendo
que as áreas rurais ficam praticamente fora do alcance do
sistema judicial cível, “ora porque o direito é outro, ora
porque o tribunal não existe ou fica muito longe física e
culturalmente”. Se os mais carenciados têm dificuldades
de aceder à justiça, “os mais ricos auto-excluem-se,
porque duvidam da qualidade da decisão judicial e da
sua independência”, tentando a todo o custo “prevenir os
seus conflitos ou recorrer a formas negociadas para a sua
resolução”;
iii) Os cidadãos têm da justiça uma percepção muito crítica,
apontando, entre outros, o problema da falta de recursos
humanos, materiais e financeiros, a passividade das
159
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
instituições judiciais, policiais e a sua aparente inoperância e
morosidade;
iv) Entre os restantes bloqueios ainda apontados ao
desenvolvimento de uma justiça democrática, destacamos a
insuficiência e a falta de qualificação dos recursos humanos
– magistrados judiciais, do Ministério Público, funcionários
e oficiais de justiça; o aumento de processos pendentes nos
vários escalões dos tribunais; a precariedade das instalações;
a falta de equipamentos; a deficiência e o desajustamento
da organização judiciária; a escassez de advogados e a
sua concentração nas grandes cidades de Maputo, Beira
e Nampula; a deficiente e a desadequada formação dos
técnicos e assistentes jurídicos; e o mau funcionamento do
IPAJ. As ONGs mostraram-se fundamentais, verificandose que o acesso ao direito dependia, em grande parte, da
acção das mesmas.
v) Como uma grande dificuldade do sistema de justiça – está
“…o crescimento da procura de tutela judicial e dos processos
pendentes e a sua longa duração na maioria dos tribunais
judiciais…”; a ineficiência e inacessibilidade destes tribunais;
a existência de uma pluralidade de instâncias a resolver litígios
na sociedade moçambicana; a ausência de tribunais judiciais
e/ou comunitários em grande parte do território, perto das
populações24 ; e a incapacidade do Instituto do Patrocínio
e Assistência Jurídica em desempenhar cabalmente a sua
missão”- exigiam (à data dos factos) uma reforma da justiça,
de modo a torná-la mais célere25 , transparente, acessível
aos cidadãos e com maior capacidade para promover os
direitos humanos e responder às necessidades decorrentes
do desenvolvimento económico e social do país.
vi) O PEDLCC – (Plano Estratégico de Defesa Legal dos
Cidadãos Carenciados, já aprovado e em implementação no
sector) afirma existir um consenso razoável não apenas em
relação à importante missão que cabe ao IPAJ, como também
em relação ao seu fracasso na prossecução da mesma. Tal
consenso não existe em relação às causas desse fracasso, bem
como às soluções para o futuro. Se uns defendem que ao
IPAJ faltam apenas melhores condições, outros acreditam
que o modelo em si é inadequado (PEDLCC, 2008). Deve,
ainda, ter-se em consideração o relevante papel que as
ONGs têm desempenhado, apoiando-as e promovendo
uma articulação entre estas e os serviços prestados pelo
Estado. Nesse sentido, parece-nos que deve ser ponderada a
substituição do actual modelo de assistência jurídica estatal,
protagonizado essencialmente pelo IPAJ, por um outro
modelo que aproveite as sinergias existentes na sociedade.
vii) A atribuição de dotações orçamentais26 às instituições do
Estado, pelo Governo tem sido efectuada com base em duas
componentes: a componente despesas para funcionamento e
despesas para investimento. Tanto na componente despesas
No Joint Review de 2005, ano de entrada em vigor do PARPA II, o Grupo de Trabalho sobre a
reforma do Sector da Justiça refere “um desempenho lento do sector da Justiça marcado por alguns
avanços e pela manutenção de constrangimentos que, a não serem superados, continuarão a afectar
o normal desempenho do sector”. No que diz respeito à bloqueios do bom desempenho do sector da
justiça, o grupo de trabalho sobre a reforma do sector da justiça aponta: “a superlotação das cadeias, a
falta de serviços de assistência e defesa legal para os necessitados, a insegurança no cumprimento das
obrigações contratuais, mesmo no âmbito dos pequenos negócios, as carências da administração da
justiça formal e informal a nível dos distritos e das localidades.” Os objectivos definidos pelo PARPA
II no âmbito do acesso à justiça vão no sentido de combater estes e outros problemas, reconhecendo
a necessidade de melhorar substancialmente o estado deste sector, como uma das componentes
fundamentais da luta contra a pobreza.
25
24
O estudo da OSISA, em 2006, também não foi optimista em relação ao estado do sector da justiça.
Surgem, uma vez mais, os problemas da formação de recursos humanos, a falta de advogados e
procuradores e o défice de recursos dos tribunais distritais. O estudo conclui que, apesar dos esforços
do Governo em realizar reformas com vista a garantir o acesso à justiça dos cidadãos, o Estado
moçambicano continua sem cumprir esse objectivo, sobretudo para aqueles que vivem nas áreas
rurais ou mais remotas, onde os tribunais são de difícil acesso devido às dificuldades financeiras e
à sua localização física. Este estudo afirma, ainda, que o conhecimento dos direitos por parte dos
moçambicanos é extremamente baixo e que existe uma grande dificuldade de acesso ao patrocínio
jurídico.
160
Os orçamentos dos tribunais judiciais registaram significativos aumentos desde o ano de 1998, com
o pico nos últimos cinco anos, não obstante o ligeiro abrandamento no ano de 2011.
26
161
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
de funcionamento, como na componente despesas para
investimento, a dotação orçamental atribuída pelo Estado
às diversas instituições do sistema de justiça, varia, havendo
instituições com maior orçamento e outras com menos
orçamento dentro do sistema.
viii)
Neste âmbito do ponto de vista de planificação
estratégica tanto o executivo, tanto o legislativo, bem como,
o judicial partilham do mesmo pedestal: todos são por uma
justiça célere e de qualidade. O empenho do Governo e do
Legislativo na aprovação de diversos instrumentos, desde
os relacionados com a tramitação de processos, até aos que
visem a melhoria das condições de trabalho e de vida dos
magistrados e funcionários judiciais são exemplo disso.
Há toda uma acção que evidencia um cometimento sério
e indisfarçável de todos os sectores do Poder do Estado na
busca de soluções para um correcto funcionamento da justiça
no país, que justifica a necessidade de identificação urgente
e desapaixonada do que pode estar ainda a ensombrar esta
vontade colectiva.
ix) O modelo de planificação e de afectação de recursos no
sector público nacional, obedece a um esquema que tem
nos Directores Nacionais de Tesouro, Orçamento e de
Património do Estado no Ministério das Finanças, isso a
nível central, e no Director Provincial de Finanças, a nível da
Província, as peças fundamentais de todo o processo. Logo,
o tipo de formação destes dirigentes27 , a sua sensibilidade
e a cultura de Estado, que cada um deles possuir vai ser
determinante no fluxo financeiro necessário para que os
tribunais e todo o sector, desenvolvam os seus planos de
actividades.
27
Intervenção do Venerando Juiz Desembargador Bernardo Bento Chuzuaio no Primeiro Congresso
para Justiça, realizado pela Ordem dos Advogados de Moçambique, 13 a 14 de Setembro de 2012,
CCJC, pg. 15 e seguintes. Nos últimos tempos começaram a ganhar algum protagonismo neste
processo, os governadores de Província e os Secretários permanentes dos Governos provinciais.
Alguns directores provinciais de finanças não conhecem o papel dos tribunais e não tem noção da
sua complexidade, o que acontece, também com alguns governadores provinciais. Estes, às vezes,
assumem uma atitude de confrontação para com a justiça a nível local, num exercício de afirmação do
seu maior protagonismo na província.
162
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
x) A nossa posição aproxima-se da ideia segundo a qual “… é
necessário que o acesso à justiça seja pensado não apenas na
perspectiva da resolução de litígios em tribunal, mas também
na da divulgação contínua dos direitos e deveres dos cidadãos,
da prestação de consultas jurídicas…”, bem como nas várias
formas e instâncias de resolução extrajudicial de conflitos,
incluindo dentre elas, as vias alternativas de resolução de
conflitos (conciliação, mediação e arbitragem).
xi) Os dados disponíveis demonstram-nos que o Governo dá
mais prioridade a componente despesas para funcionamento
em detrimento da componente despesas para investimento.
As acções e planos futuros do Governo para o sector da Justiça
devem continuar a priorizar a formação e a capacitação de
quadros e o investimento em infra-estruturas e equipamentos
necessários à boa administração da justiça em Moçambique.
Para uma melhor percepção dos desafios iremos de seguida,
apontá-los quanto a: i) formação de recursos humanos, ii) infraestruturas e equipamentos, iii) Reforma legal em curso, iv)
Impacto das Reformas no Sistema Prisional e acesso a justiça sem
descurar a simbiose intrínseca com os princípios constitucionais
consagradores dos direitos liberdades e garantias fundamentais,
que cabe ao sistema tutelar com dignidade.
Em primeiro plano (da esquerda para a direita): Ozias Pondja (Presidente do Tribunal
Supremo), Machatine Munguambe (Presidente do Tribunal Administrativo),
Hermenegildo Gamito (Presidente do Conselho Constitucional), Augusto Paulino
(Procurador Geral da República) e José Abudo (Provedor de Justiça)
163
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
A. FORMAÇÃO
xii) Continua a ser urgente o aumento do número de Magistrados
Judiciais e do Ministério Público, de advogados inscritos
na Ordem dos Advogados de Moçambique, Técnicos e
assistentes jurídicos do IPAJ bem como dos demais agentes
indispensáveis à administração da Justiça nos distritos. A
contínua capacitação de quadros e do pessoal da justiça com
vista a elevar o nível de conhecimento técnico e científico e
as capacidades profissionais dos quadros é imperativa.
xiii)
As acções realizadas devem dar prioridade aos distritos
onde a actual conjuntura económico-social (imigração
ilegal, refugiados, exploração galopante de recursos naturais
e descoberta de hidrocarbonetos) tem dado origem a crimes
violentos e de natureza complexa, como o tráfico de órgãos
e de seres humanos, sendo necessário quadros capazes de
enfrentar a situação. Parece-nos claro que a leitura desta
realidade não pode ser unicamente numérica.
Em primeiro plano: Ministra da Justiça Benvinda Levi a intervir. Na segunda fila
da esquerda para a direita: Joaquim Verissimo e General (na reserva) Hama Thai
164
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
xiv) Uma análise profunda exige que se vá além de uma
avaliação em termos de despesas efectuadas ou do número
de formações realizadas e passa por compreender o efeito
dos investimentos em termos dos conhecimentos e das
competências adquiridas pelos formandos e de que forma
isso se manifesta na administração de uma justiça mais
célere, adequada e próxima dos cidadãos (real impacto nas
populações).
xv) No que diz respeito aos magistrados, a formação oferecida
quer nas faculdades, quer no Centro de Formação
Jurídica e Judiciária deve permitir a aquisição de sólidos
conhecimentos técnicos e da dogmática jurídica;
consciência da realidade do país, nomeadamente da
pluralidade jurídica e de possíveis formas de articulação
dos tribunais comunitários; bem como o respeito pelos
cidadãos e pela democracia.
xvi) Conhecer esta realidade implica a realização de um estudo
mais alargado que permita avaliar os cursos de formação
do país, bem como o desempenho dos magistrados
formados. Deve ser tido em conta que mais formação
não significa sempre melhor formação, devendo evitar-se
a repetição de matérias que devem ser do conhecimento
do grupo de formandos e promover a realização de cursos
direccionados à especialização em determinados temas.
Deve ainda trabalhar-se no sentido de ajustar as políticas
do sector para que sejam integradas e orientadas para um
objectivo comum.
xvii) O aumento do investimento para construção ou
reabilitação de infra-estruturas e para formação e capacitação
de quadros constituem elementos indispensáveis para
os avanços registados, comparativamente a realidade nos
anos anteriores, tendo se revelado que estas componentes
continuam a ser elementos de extrema importância no
processo de provisão da justiça para todos.
165
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
xviii) Entretanto, embora tenha havido melhorias resultantes
do incremento em investimento nessas áreas ainda
persistem algumas questões que reclamam maior atenção
do Estado. Desde logo e apesar dos avanços registados, é
importante frisar que os esforços empreendidos com vista
a melhoria do sector devem continuar na medida em que
o número de magistrados judiciais e do ministério público
ao nível dos distritos e de outras zonas pouco avantajadas
economicamente ainda permanece aquém do desejado.
Há necessidade de aumento do número de profissionais
especializados nas diversas áreas de direito tendo presente o
aumento da população nos distritos (surgimento de novos
assentamentos urbanos, vilas e cidades) e a complexidade
de processos que as instituições do sector da justiça são
chamadas a resolver (recursos naturais, mega-projectos,
imigração ilegal, tráfego de drogas, pessoas, etc.).
xix) A falta de informação do Estado relativamente a necessidade
de informar ao cidadão mais pobre dos seus direitos e
deveres também é um aspecto que constitui um obstáculo
e que afecta o acesso desses cidadãos ao Direito e à justiça
formal. Daí que não são raras as vezes em que o cidadão
recorre a outros meios de justiça informal com vista a obter
a reposição do seu direito violado. A lição a reter nestes
casos é que para além da capacitação e formação de quadros
do sector, o Estado deve desenvolver acções destinadas
a informar ao cidadão dos direitos que lhe assistem e dos
deveres a que o mesmo está vinculado.
xx) Outro factor importante na componente de formação de
quadros28 do sector da Justiça é a atenção que deve ser
dispensada na relação entre o Centro de Formação Jurídica
e Judiciaria (CFJJ) e as instituições de ensino superior
que ministram os cursos de Direito. A especialização dos
magistrados ao nível do CFJJ deve ser complementada pela
instrução desses técnicos ao nível das instituições de ensino
superior.
xxi) Assim, é desejável que a formação ao nível de ensino
superior29 seja mais completa possível no sentido de não
deixar lacunas em aspectos básicos e elementares na formação
dos magistrados ao nível do CFJJ. Isso iria permitir que pouco
esforço e menos recursos fossem gastos para capacitação
de magistrados no CFJJ em certas áreas que de antemão
caberiam às instituições de ensino superior.
xxii) Daí a necessidade urgente de direccionar recursos para a
capacitação dos quadros das instituições de ensino superior,
em especial as Faculdades de Direito da Universidade
Eduardo Mondlane, da Universidade Católica, ISCTEM e A
Um dos problemas actuais mencionados pela Direcção Nacional dos Recursos Humanos do Tribunal
Supremo, tem a ver com a possibilidade de mobilidade dos funcionários públicos, o que faz com que
estes migrem sempre para aqueles sectores do mesmo Estado (Autoridade Tributária), com melhores
condições salariais e de trabalho.
28
Da esquerda para a direita e em primeiro plano: Etelvina Mbalane, Lubélia Muiuane e Berta
Chilundo
166
29
Ainda a acrescentar, não seria menos desejável que o desenho Curricular das escolas e/ou instituições
de ensino superior tivessem em atenção aos padrões definidos no Curricula do CFJJ. Uma ligação
umbilical entre as Faculdades de Direito da UEM, UCM, ISCTEM, A Politécnica, o CFJJ e a Ordem
dos Advogados de Moçambique, é recomendável em vista da melhoria da qualidade dos futuros
profissionais do Direito (juízes, procuradores e advogados). Assim, sugere-se a concepção de cursos
de capacitação de docentes das Escolas e Faculdades de Direito (numa primeira fase) em Direitos
Humanos e legislação dos recursos naturais e hidrocarbonetos implementados conjuntamente pelo
CFJJ e a Ordem dos Advogados como uma das acções/indicadores a inscrever no próximo PARPA
de modo a que os investimentos no sector tragam resultados mais equilibrados do ponto de vista da
qualidade dos profissionais que são formados.
167
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Politécnica que são as que mais contribuem com formandos
para os Cursos do CFJJ. Esta acção deve ter em vista as áreas
sensíveis como os Direitos Humanos, legislação de terras e
de outros recursos naturais e legislação para a protecção da
mulher e criança.
xxiii) Impõe-se reverter o modelo “imparcial” de resolução
de problemas jurídicos até aqui seguido nas escolas de
ensino de direito e nas Faculdades de direito, adoptando-se
um modelo curricular mínimo, visando desenvolver outras
competências (ser, saber estar e saber fazer) para além das
de sempre - apresentar meras soluções jurídicas, reforçando
com isso, os aspectos ético e deontológicos em algumas
matérias técnico-jurídicas.
xxiv) Justifica-se igualmente ainda, a definição do perfil ideal
do Jurista em Moçambique, devendo-se centrar a atenção
no domínio do saber fazer, com cada vez maior espaço a
dogmática jurídica, de modo a elevar a cultura jurídica
do jurista nacional, permitindo o resgate da nobreza da
profissão.
xxv)
Relativamente ao CFJJ, seria desejável que este se
apresentasse como uma instituição autónoma30 do executivo
e do judiciário (TS) de modo que a sua actividade científica
e administrativa decorra em regime de plena autonomia31
no quadro de funcionamento das instituições do ensino
superior (artigo 114, nº 2 da Constituição). Isto poderá
Relativamente a formação dos Magistrados torna-se necessário: i) reformular o desenho de um
programa com dois anos de duração, com custos totalmente assumido pelo Estado; ii) Visando garantir
uma melhor selecção de candidatos à Magistratura, impõe-se ampliar a base de recrutamento dos
candidatos, definindo-se um vínculo de inicio com o Formando/ Estagiário; iii) Com vista a garantir
a mínima preparação inicial dos Magistrados é imperioso introduzir a formação geral para as duas
magistraturas, com dois semestres lectivos e alargar o estágio com período de duração de 1 ano;
resultar na melhoria da quantidade e qualidade dos
profissionais que forma.
xxvi) Finalmente, no que tange a componente infraestrutural parece razoável considerar a ideia dos “palácios
de justiça” como algo válido e a replicar para mais distritos,
particularmente na sua componente “funcional” e não
física (edifício), o qual igualmente deveria dispor de mais
recursos para a componente de produção e divulgação de
materiais de educação jurídica do cidadão.
xxvii) A globalização e a integração regional trazem
elementos que impõem cada vez maior nível de
qualificação de quadros. Matérias de carácter universal
e de incidência internacional devem receber atenção.
Com efeito, os cursos de formação e de capacitação de
quadros e técnicos do sector da Justiça também devem
englobar os procedimentos e as regras de funcionamento
dos sistemas internacionais (Nações Unidas), regionais
(sistema Africano) e sub-regionais (Tribunal da SADC)
no sentido de permitir aos técnicos aconselhar ao cidadão
dos meios de recurso existentes no caso de manifesta
insatisfação com a justiça aplicada no País.
xxviii) A crise mundial dos 3 fs (fuel, food and finance)
constitui não só um desafio para o sistema de justiça
moçambicana mas uma boa oportunidade de inovar32,
adaptar, estudar e legislar (tempestivamente) para o bem
das populações.
30
Neste âmbito, o CFJJ deveria funcionar com base num contrato-programa assinado com o executivo
em vista do PARPA e dos PES’s, o que lhe permitiria uma sustentabilidade funcional e não dependendo
tanto dos projectos que eventualmente metem mais dinheiro ou dinheiro mais flexível para a existência
da instituição e comprometendo não só a qualidade da acção formativa mas também o cumprimento
das acções assumidas perante o Governo.
31
168
Estas iniciativas foram aflorados no Conselho Coordenador do Ministério da Justiça que tinha como
objectivo avaliar o desempenho do sector em 2011 e primeiro trimestre de 2012, em termos de acções
e implementação orçamental bem como a avaliação intermédia da componente da Justiça no âmbito
do Programa Quinquenal do Governo - Vide Documento final do VIII Conselho Coordenador do
Ministério da Justiça, Inhambane ( 2 a 4 de Julho de 2012).
32
169
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
B. INFRA-ESTRUTURAS E EQUIPAMENTOS
xxix) No âmbito do investimento em infra-estruturas
e equipamentos, importa atribuir uma nota positiva
pelos avanços registados. Todavia, os esforços devem ser
continuados com vista a suprir as dificuldades actuais.
Na verdade, dados obtidos junto do Departamento de
Administração, Planificação e Finanças (DAPF) do Tribunal
Supremo indicam que, presentemente, todos os tribunais
funcionam em instalações próprias, à excepção de três que
estão instalados em imóveis arrendados a terceiros. Quanto
a residências, 118 imóveis são propriedade do Estado ou do
Cofre dos Tribunais e 115 arrendados a terceiros.
xxx)
Segundo pesquisadores moçambicanos33, em 1996 não
havia um registo sobre património mobiliário e imobiliário,
como também do equipamento sob gestão do Tribunal
Supremo e demais tribunais judiciais. Passados 16 anos,
a situação mantém-se quase a mesma. Relativamente a
mobiliário e outro equipamento, não existe um registo
centralizado, contudo, sabe-se que quase todos tribunais de
província estão minimamente equipados, existindo, contudo,
cartórios que trabalham ainda com máquinas de escrever
para o trabalho do dia-a-dia e sessões de julgamento.
xxxi) A situação contínua crítica a nível dos tribunais judiciais
de distrito, em que, regra geral, o mobiliário é insuficiente
para acomodar todos os funcionários e é ainda insignificante
o número de tribunais que tem computadores. Aliás,
sequer existe capacidade humana para operar este tipo de
equipamentos, além de que, alguns tribunais nem têm como
beneficiar destas facilidades por se localizarem em distritos
sem energia eléctrica.
xxxii) A nível dos recém-criados Tribunais Superiores
de Recurso34, a situação é bem mais grave, visto que
somente o Tribunal Superior de Recurso de Maputo está
instalado, enquanto o da Beira e Nampula continuam
a trabalhar precariamente em Maputo, por não terem
instalações disponíveis para o seu funcionamento nas
zonas de suas sedes, muito menos, residências e meios de
transporte para os respectivos magistrados.
xxxiii) Os serviços de internet35 continuam o privilégio dos
tribunais de nível provincial. No entanto, mesmo nestes,
os mesmos são fornecidos com muita irregularidade, pois,
devido a problemas orçamentais, maior parte de tempo estão
inoperacionais ou suspenso o seu fornecimento. Ressalvese que somos de opinião que a medição do desempenho
institucional não se observe pela eficácia no cumprimento
de metas físicas, mas pela sua efectividade, ou seja, pelo
impacto na vida dos cidadãos e das comunidades.
xxxiv) Por um lado, o orçamento destinado ao investimento
em infra-estruturas deve ser aumentado. Desta forma será
possível planificar e concluir mais projectos36 associados ao
sector da administração da Justiça.
No global, os três Tribunais Superiores de Recurso, em pouco mais de seis meses de efectividade
de funções (o de Maputo e o de Nampula) e pouco mais de três meses do da Beira, já produziram
290 acórdãos que puseram fim aos processos, um número muito próximo do produzido pelo
Tribunal Supremo durante o ano de 2010. Quer isto ilustrar que um pouco mais de cometimento
na disponibilização tempestiva de condições destes tribunais, maiores resultados poderiam ser
alcançados, facto que representa um grande ganho para a Nação - Vide pg. 11 da Comunicação do
Venerando Juiz Desembargador do Tribunal Superior de Recurso de Maputo, Dr. Bernardo Chuzuaio
no 1º Congresso para a Justiça, realizado pela OAM, de 13 a 14 de Setembro de 2012, em Maputo.
34
Como recomendação importante emanado do Conselho Coordenador do MIJUS “… o Ministério
da Justiça passa a fazer uso imediato das tecnologias de informação e comunicação, nomeadamente
a teleconferência, nas formas de som e imagem (vídeo conferencia) permitindo o envolvimento dos
Directores Provinciais nas sessões dos Colectivos do Ministério – Conselho Técnico e Consultivo…”
– vide pg. 7 do Documento final do VIII Conselho Coordenador do Ministério da Justiça.
35
O sector da administração da justiça deve actuar de forma coordenada com vista a solucionar o
problema de gestão dos Palácios de Justiça, tendo sobretudo em conta, os modelos de Palácios de
Justiça, determinação dos locais de construção dos próximos Palácios de Justiça, surgimentos de
novos assentamentos urbanos, vilas e cidades e a inerente mobilidade das pessoas.
36
Conflito e Transformação Social: Paisagem das Justiças, pp. 329 a 331, de Boaventura de Sousa
Santos e João Carlos Trindade.
33
170
171
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
xxxv) Ainda neste contexto, o nível de exigência e fiscalização
das obras de construção e de reabilitação de infra-estruturas
deve ser maior, de forma a garantir a qualidade e durabilidade
das mesmas.
xxxvi) Nos distritos deve continuar-se a priorizar a construção
geminada de estabelecimentos da Administração da Justiça
com uma estrutura arquitectónica e com uma área que toma
em consideração o crescimento populacional e aumento da
demanda pela justiça.
justiça, uma maior celeridade processual.
• Outra importante inovação reside no facto da mesma lei
proclamar que a divisão judicial não deve coincidir com a
divisão administrativa37 , o que não impede a existência de
mais tribunais do que os distritos actualmente existentes
no país, permitindo dar uma maior cobertura à demanda
judicial. Continuamos a pensar que, embora seja um
instrumento de capital importância para o acesso à justiça38
, a aprovação de uma Lei da Organização Judiciária, deveria
ter sido precedida, na nossa modesta opinião, da aprovação
de um instrumento que regulasse a Administração da Justiça
como um todo.
C. QUANTO A REFORMA LEGAL E SEU IMPACTO
• No âmbito do objectivo estabelecido na Reforma Legal - o
de tornar a legislação mais adequada ao bom funcionamento
da administração da justiça, constituíam acções imediatas
do sector: a) a implementação do sistema de monitoria e
avaliação em todas as instituições do sector da Justiça;
b) a reforma do Código Penal, do Código de Processo
Penal e do Código de Registo Comercial; c) a entrada em
vigor, aplicação e divulgação das novas leis que regulam a
administração da justiça (aprovação e implementação da lei
orgânica dos Tribunais Judiciais, reforma da Lei Orgânica
do Ministério Público, reforma do Código Penal e Processo
Penal, etc.).
• Dos instrumentos normativos aprovados no período 20052009 com impacto no acesso à justiça, salientamos a Lei
Orgânica dos Tribunais Judiciais, a revisão do Código de
Processo Civil e o novo Estatuto da Ordem dos Advogados.
A grande alteração ocorrida com a Lei Orgânica dos
Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei nº 24/2007 de 20
de Agosto, consistiu na criação dos Tribunais Superiores
de Recurso, que têm como missão contribuir para o
descongestionamento processual do Tribunal Supremo
garantindo, deste modo, para além de um outro patamar de
172
• A revisão do Código de Processo Civil, operada através
dos Decretos-Lei n. 1/2005, de 27 de Dezembro e 1/2009,
de 24 de Abril, veio contribuir de alguma forma para o
melhoramento no acesso à justiça. Apesar de algumas das
Da esquerda para a direita: Maria Benvida Levi (Ministra da Justiça), Gilberto Correia
(Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique), Ângelo Matusse (Procurador Geral
Adjunto) e José Mandra (Vice-Ministro do Interior)
Com a entrada em vigor da Lei nº 17/2012, de 14 de Agosto – Publicado no Boletim da República
nº 32, I Série - foram estabelecidos princípios e critérios de organização territorial, nomeadamente a
criação, a elevação e a transferência das áreas das unidades territoriais – tal como resulta do dispositivo
legal contido no art. 1º da referida lei e da ratio legis, ínsita no preâmbulo do texto legal.
37
38
A proposta de lei da Lei da Administração da Justiça contemplava medidas que davam maior relevo
ao pluralismo jurídico, e previa uma nova institucionalização dos tribunais comunitários, uma nova
organização e repartição de competências dos tribunais judiciais e um novo sistema público de acesso
à justiça.
173
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
alterações terem em vista uma maior celeridade processual,
a manutenção das formalidades exigidas nos tribunais
judiciais continuam a ser um obstáculo e a distanciar a
justiça do cidadão.
• O novo Estatuto da Ordem dos Advogados dedica o Capítulo
VI à Assistência Judiciária, e estabelece a obrigatoriedade do
advogado e dos advogados estagiários patrocinarem a causa
dos carentes dos meios financeiros até final do processo,
sob pena de procedimento disciplinar. A nomeação de
advogados e advogados estagiários para representarem em
juízo os mais carenciados, é um passo muito importante
que poderá diminuir a distância económica dos cidadãos
face aos tribunais judiciais.
• Do ponto de vista dos cidadãos mais carenciados,
designadamente as mulheres e crianças, merece especial
destaque a aprovação dos seguintes diplomas: a Lei n. 6/2008,
de 9 de Julho, que aprovou o regime jurídico aplicável à
prevenção e combate ao tráfico de pessoas, em particular
mulheres e crianças; a Lei n. 8/2008, de 15 de Julho, que
aprovou a Lei da Organização Tutelar de Menores; e a Lei
n. 7/2008, de 9 de Julho, que aprovou os mecanismos legais
de promoção dos direitos da criança.
Qual o impacto dos instrumentos aprovados ?
A reforma legal é um dos elementos que contribuem para um
maior e melhor acesso à justiça pelos cidadãos. Trata-se,
como se pode ver, de um conjunto de medidas que trouxe
uma outra dinâmica no judicial, com reconhecimento
pleno do pluralismo jurídico39 , reflectindo-se em alguma
melhoria na celeridade processual, mas que, inegável a sua
insuficiência para os níveis de satisfação desejados pela
sociedade e pela comunidade jurídica nacional.
• Uma verdadeira implementação da Reforma Legal,
pressupõe uma eficaz divulgação e implementação dos
instrumentos legais: De acordo com os dados fornecidos é
ainda muito incipiente, a divulgação da legislação existente
e, consequentemente, das recentes alterações legislativas.
Apesar dos esforços que têm sido feitos, nomeadamente
através de algumas ONG’s em colaboração com as
polícias, para divulgar as normas jurídicas, ainda é grande o
desconhecimento por parte dos cidadãos mais carenciados
dos seus direitos e das normas jurídicas que regulam a
sociedade.
• A carente divulgação das reformas jurídicas, aliada ao facto
das mesmas serem ainda recentes, traduz-se num fraco
impacto das referidas reformas junto dos órgãos da justiça e
principalmente dos cidadãos. Aliás, algumas destas medidas
inovadoras, longe de se apresentar como solução, trouxeram
outros problemas, cuja solução imediata se impõe.
O Estado reconhece os vários sistemas normativos e de resolução de conflitos que coexistem na
sociedade moçambicana, na medida em que não contrariem os valores e os princípios fundamentais
da Constituição, como resulta do dispositivo legal contido no art. 4º da CRM/2004. No último (VIII
Conselho Coordenador do MIJUS), foi suscitado debate em torno dos mecanismos que devem ser
usados para se construir um sistema unitário de justiça que, simultaneamente, respeite as diferentes
concepções de direito e de justiça, enraizadas em culturas e historicidades locais; Como recomendação
ficou assente que, urge definir: i) o que se pretende realmente com os Tribunais Comunitários; ii)
continuar a potenciar outras instancias de resolução de conflitos; iii) desenvolver um trabalho de
monitoria para se aferir até que ponto os Tribunais comunitários se conformam com a lei vigente; iv) as
questões constitucionais no seu todo ( …) que digam respeito ao Sector de Administração da Justiça.
39
Simião Ponguana a intervir no seminário sobre a Justiça
174
175
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Por exemplo, a eliminação da obrigatoriedade do pagamento de
custas no prazo de cinco dias como motivo de deserção de recursos
e a transferência40 da litigiosidade que era antes da competência
dos tribunais judiciais de província para os tribunais judiciais de
distrito.
• Outro obstáculo a uma eficaz implementação das reformas
legais preconizadas prende-se com o nível de participação
dos actores judiciais no processo de elaboração das mesmas.
Na verdade, o processo de reforma legal que tem vindo a
decorrer, deveria ser mais inclusivo, através da partilha e
consulta dos actores que lidam diariamente com matérias
relacionadas com a justiça em geral, e com o acesso a
esta em especial. As carências constatadas ao nível do
acompanhamento do processo de reforma traduzem-se na
prestação de fraca e deficiente informação relativamente aos
conteúdos e actualizações da mesma.
• O Diploma Presidencial nº 5/95 de 1 de Novembro, atribui
ao Ministério da Justiça a responsabilidade de dirigir, executar
a área da legalidade e da justiça, bem como competências no
âmbito da elaboração legislativa. Deveria pois, o Ministério
da Justiça ao dirigir a actividade de reforma legal procurar
ser mais inclusiva e promover a disseminação dos projectos
de lei junto das instituições que mais relevância têm para
a justiça, designadamente os magistrados, procuradores,
advogados e ONG’s.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
da participação dos actores judiciais, designadamente,
magistrados judiciais, procuradores, advogados e ONG’s
no processo de elaboração legislativa.
• É necessária uma eficaz divulgação dos conteúdos das
normas jurídicas aprovadas e alteradas de forma a contribuir
para um maior conhecimento dos cidadãos em relação aos
seus direitos. Finalmente, é ainda previdente recomendar
que as leis aprovadas sejam alvo de um acompanhamento
específico durante a sua implementação, de forma a garantir
que as mesmas se tornem eficazes na normação da sociedade
e acesso a justiça, tempestivamente.
• Por forma a melhorar a qualidade da justiça é imperioso que
se aprove um novo Código das Custas Judiciais, garantindo
a simplificação dos procedimentos de cálculo e a sua
previsibilidade por parte dos utentes em prol do acesso ao
direito e a justiça;
• É imperioso aprovar com a máxima celeridade, um novo
regime jurídico de insolvência e recuperação de empresas,
• A reforma legal, como um processo de actualização das leis,
deve ser mais participativo de modo a envolver de certa forma
a sociedade, pelo que se deverá ter em atenção o princípio
40
É certo que trouxe desafogo e certa celeridade às secções criminais dos Tribunais Judiciais
provinciais mas acabou sufocando os tribunais judiciais de distrito, já abraços com um enorme volume
processual, sobretudo de processos sumários-crime, à data da aprovação da lei. Como resultado,
muitos processos de querela que caem sob alçada destes tribunais dificilmente são julgados, o mesmo
sucedendo com processos de natureza cível.
176
Da esquerda para a direita: Tomás Timbana, Presidente Armando Guebuza, Filipe
Sitoi e Arlete Matola à saida do local onde decorreu o seminário sobre a justiça
177
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
por forma a tornar este processo mais célere, dando
primazia a recuperação das empresas, conferindo maiores
poderes ao administrador de massa falida, reduzindo, tanto
quanto possível, a judicialização dos actos. Perfilhamos esta
corrente, pois, parece-nos que, não há evidências concretas
de que a revisão do Código de Processo Civil, tenha
traduzido na redução substancial do tempo para a conclusão
dos processos e para melhoria do ambiente de negócios.
• O projecto do novo Código de Processo Penal, é oportuno
e introduz algumas medidas que permitem agilizar o
processo penal, designadamente, (i) medidas sócioeducativas e socialmente úteis que permite que os Tribunais
Comunitários possam julgar delitos punidos com penas até
um ano de prisão, e (ii) medidas alternativas à prisão, por
via das quais se permite o recurso a transacção para certa
categoria de crimes, bem como, a suspensão provisória do
processo desde que se verifiquem certos requisitos legais.
• Torna-se de todo relevante, alertar ao órgão legiferante por
excelência, para o uso de fórmulas linguísticas mais simples
e abrangentes; corrigindo-se, tempestivamente, algumas
imprecisões conceituais existentes no texto ora proposto
(por exemplo, parece-nos que as medidas alternativas, o são
à acusação e não a prisão), sem descurar a necessidade de
definir a natureza jurídica das medidas alternativas;
• É imperioso dotar - com força constitucional se possível
- o sistema de administração de justiça de melhores
meios técnicos, materiais, financeiros e tecnológicos para
materialização do seu desiderato em prol do acesso ao direito
e a justiça.
178
D. IMPACTO DAS REFORMAS DO SISTEMA
PRISIONAL
As diversas dificuldades enfrentadas, designadamente a
problemática da coordenação e da planificação do sistema
prisional, conduziram à necessidade de reforma do sistema com
o objectivo de racionalizar a utilização dos recursos que lhe são
atribuídos, de o tornar eficiente e de o ajustar às exigências de
um Estado de Direito.
Neste pressuposto, foi aprovada a Política Prisional e a Estratégia
da sua Implementação, através da Resolução n.º 65/2002, de 27
de Agosto, onde foram fixadas medidas para o desenvolvimento
de um sistema prisional unificado41 e a sua consequente
modernização, incluindo princípios fundamentais da missão
dos serviços prisionais, objectivos a alcançar pelo Governo na
sua acção de direcção e orientação das instituições de tutela
do sistema prisional, e os passos conducentes à unificação do
sistema e ao estabelecimento de uma visão mais ampla para a
sua transformação em sistema correccional.
Na prossecução destes objectivos, o Ministro da Justiça através
do Diploma Ministerial n.º 43/2003, de 16 de Abril, criou a
Unidade Técnica de Unificação do Sistema Prisional, também
designada por UTUSP, para apoiar os Ministérios da Justiça
e do Interior, no processo de unificação do sistema prisional
no quadro da implementação da Política Prisional e respectiva
Estratégia.
O sistema prisional colonial, regulado essencialmente pelo Decreto-Lei n.º 26.643, de 28 de Maio de
1936, tornado extensivo a Moçambique com algumas alterações através do Decreto-Lei n.º 39.997, de
29 de Dezembro de 1954, estava unificado e sob a tutela do Ministério da Justiça. Com a Independência
Nacional, a administração do sistema prisional foi partilhada entre os Ministérios da Justiça e do
Interior. As prisões passaram a estar subordinadas ao Ministério da Justiça, por força do Decreto
n.º 1/75, de 27 de Julho. Com a extinção da Polícia Judiciária e a criação da Polícia de Investigação
Criminal, esta foi colocada sob a autoridade do Ministério do Interior. Os estabelecimentos de
detenção preventiva passaram também a subordinar-se ao Ministério do Interior, permanecendo os
restantes na dependência do Ministério da Justiça pela via da Inspecção Prisional.
41
179
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Como resultado do trabalho da UTUSP, o Conselho de
Ministros através do Decreto n.º 7/2006, de 17 de Maio criou
o Serviço Nacional das Prisões, abreviadamente designado
por SNAPRI42, integrado no Ministério da Justiça. A estrutura
interna do SNAPRI é constituída por serviços, departamentos
e gabinetes cujas funções têm em vista fazer face aos graves
problemas enfrentados pelo sistema prisional, sendo de louvar a
iniciativa de se criar um Departamento de Assistência Sanitária
que fará face ao problema das péssimas condições sanitárias
da população reclusa e da dificuldade de assegurar cuidados
médicos básicos.
O objectivo específico de “reformar o sistema prisional e
garantir ao recluso um tratamento consistente com as normas e
princípios internacionais dos direitos humanos”, ainda não foi
alcançado embora tenha havido diversas acções nesse sentido
conforme supra exposto. Assim, constituem desafios ao sector:
• assegurar a formação e a reciclagem do pessoal prisional,
• reabilitar e construir as infra-estruturas prisionais,
• aumentar as iniciativas de educação e formação técnico
profissional dos reclusos tendo em vista a sua reintegração
social;
• assegurar os cuidados básicos de saúde aos reclusos,
• prosseguir com a reforma legislativa (aprovação dos
instrumentos legais relevantes para o sector e supra
mencionados).
Devido às péssimas condições de reclusão nas prisões
moçambicanas e ao problema da superlotação, recomendamos a
Assim, são estruturas do SNAPRI, o Serviço de Inspecção Prisional, o Serviço de Controlo Penal
e de Execução de Medidas de Segurança, o Serviço correccional e de Reintegração Social, o Serviço
de Vigilância e Segurança Prisional, o Serviço de Planificação e Desenvolvimento Institucional, o
Departamento de Administração e Recursos Humanos, o Departamento de Assistência Sanitária, o
Gabinete Jurídico, o Gabinete de Obras e Infra-estruturas Prisionais, a Repartição de Informática, e a
Repartição de Relações Públicas.
42
180
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
introdução de penas alternativas de prisão, através da aprovação
da Lei sobre as Medidas Alternativas à Prisão – acção que poderá
ser materializada com a provável aprovação do Código Penal na
próxima sessão da Assembleia da República, já marcada para o
mês de Outubro de 2012.
Verificados os requisitos, os condenados não devem ser mantidos
em regime de reclusão, sendo aplicadas penas alternativas, como
a prestação de serviços à comunidade ou entes públicos, sem
prejuízo de ressarcimento material/patrimonial da vítima da
conduta típica. Esta medida tem também a vantagem de reduzir
os custos do sistema penitenciário, favorecer a re-socialização
do autor do facto pelas vias alternativas, evitando-se o pernicioso
contacto carcerário, bem como a consequente estigmatização.
A avaliação do grau de concretização do objectivo específico
de “…reformar o sistema prisional e garantir ao recluso um
tratamento consistente com as normas e princípios internacionais
dos direitos humanos…” passa também pela avaliação do grau
de realização das acções concretas definidas pelo PARPA II com
vista a atingir esse objectivo, designadamente a necessidade
de “…a) reformar e unificar o sistema prisional; b) melhorar
as condições habitacionais do sistema prisional; c) assegurar
a formação e reciclagem do pessoal prisional; d) construir e
reabilitar as infra-estruturas prisionais; e e) aumentar as iniciativas
de educação e formação profissional para os reclusos”.
A conclusão geral que se faz é de que o objectivo de “…garantir
ao recluso um tratamento consistente com as normas e
princípios internacionais dos direitos humanos” está longe de
ser atingido.
É certo que foram dados alguns passos importantes,
principalmente no âmbito da unificação formal do sistema
prisional, como a criação do SNAPRI (Serviço Nacional de
Prisões, Decreto n.º 17/2006, de 17 de Maio) que resulta da
junção da então da Direcção Nacional dos Serviços Prisionais
181
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
do Ministério da Justiça e do Departamento de Administração
Prisional do Ministério do Interior e a correspondente afectação
dos meios humanos, financeiros e patrimoniais das instituições
ora extintas ao SNAPRI, bem como a passagem à gestão do
SNAPRI dos estabelecimentos de detenção43 e de execução de
penas privativas de liberdade, ora dependentes do Ministério do
Interior.
Mas estas acções são quase que uma gota no oceano,
se considerarmos a gravidade da situação prisional em
Moçambique, onde as acções realizadas não foram suficientes
para resolver os principais problemas enfrentados no sistema
prisional. Ainda persiste o grave problema da superlotação dos
estabelecimentos prisionais, as péssimas condições sanitárias da
população reclusa e a dificuldade de assegurar cuidados básicos
de saúde, a necessidade de reintegração social dos delinquentes,
a falta de motivação e profissionalismo no seio do pessoal e as
dificuldades financeiras.
Constitui ainda enorme desafio, a urgente aprovação do pacote
legislativo do Serviço Nacional de Prisões, depositado na
Assembleia da República por constituir um imperativo inadiável,
pois, o sector está a enfrentar graves constrangimentos na gestão
dos Recursos humanos por inexistência de quadro único do
pessoal cuja institucionalização depende da aprovação desta
legislação.
Não menos importante é a solução, a médio prazo, da construção
do Complexo Prisional, vista como factor de modernização do
43
Igualmente foram realizadas algumas obras de construção e reabilitação de estabelecimentos
prisionais (e.g., construção de uma nova Cadeia de Xai-Xai, a reabilitação da Penitenciária Industrial
de Nampula, a reabilitação da Cadeia Civil da Beira e de Moma, estas duas no contexto do Projecto
“Palácios da Justiça”) e a entrada de uma secção juvenil na Penitenciária Industrial de Nampula. Outras
acções a destacar são a criação de escolas secundárias das Cadeias Centrais de Maputo e Beira, bem
como das Penitenciárias industriais e agrícolas de Nampula, Chimoio e Mabalane (Gaza), e do Centro
de Reclusão Feminino de Ndlavela (Maputo), através do Diploma Ministerial n.º 130/2002, de 7 de
Agosto; a implementação de programas de prevenção, combate e mitigação do HIV/SIDA no seio da
população reclusória; e reactivação das actividades produtivas em todos os estabelecimentos prisionais
como parte da reforma do sistema prisional e como parte da reeducação dos reclusos.
182
sistema prisional, cujo projecto encontra-se na fase conclusiva
e, o inicio de construção, está previsto para o decurso deste
semestre. A recomendação essencial para o sector prisional é a
necessidade de se cumprir com as acções previstas no PARPA
II, em especial a implementação na prática da unificação do
sistema prisional, a reabilitação, construção e apetrechamento
das infra-estruturas prisionais, melhoria das condições sanitárias
e de alimentação e a formação técnico vocacional do recluso
para a sua reintegração social e não se esquecendo a formação
e reciclagem do pessoal em serviço nas prisões na área dos
Direitos Humanos.
Justifica-se ainda, uma reformulação da legislação em vigor, com
debate público com outras sensibilidades da sociedade, de forma
coordenada e científica, obedecendo um programa delineado e
articulado com os operadores jurídicos44 , com respeito pelos
princípios inerentes à sistemática das leis, com uso de formas
verbais mais simples, que facilite uma adequada interpretação
e aplicação e contribua para melhorar o desempenho do sector
satisfazendo as expectativas dos utentes. As acções importantes
como a “Lei sobre as Medidas Alternativas à Pena de Prisão” e um
regulamento sobre as “Regras para o tratamento dos Reclusos”
devem ser implementadas com toda a força como desafio
premente para a melhoria da imagem do sistema de justiça,
com principal zelador dos princípios consagradores dos direitos
e liberdades fundamentais, que abaixo desenvolveremos.
II. Qual a ratio da administração da justiça em Moçambique vs
aplicabilidade directa dos princípios consagradores
de direitos, liberdades fundamentais?
Analisados os desafios do sistema de administração da justiça
importa frisar que o direito de recorrer aos tribunais, porque
Conclusão extraída do 1º Congresso para Justiça, realizada pela OAM em Maputo, cujo lema foi
Qualidade e Celeridade da Justiça (13 a 14 de Setembro de 2012), Centro de Conferências Joaquim
Chissano.
44
183
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
inserido no Capítulo III do Título III da Constituição da
República de Moçambique45 , integra, inequivocamente,
a categoria de direitos, liberdades e garantias individuais
e, consequentemente, sujeita-se ao regime específico
estabelecido no artigo 56 da Constituição da República
de Moçambique, do qual importa destacar os seguintes
princípios:
i) aplicabilidade directa dos preceitos consagradores dos
direitos, liberdades e garantias;
ii) vinculatividade das entidades públicas e privadas;
iii) proibição do excesso, implícita no imperativo de se
justificar a limitação daqueles direitos apenas com base na
necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos;
iv) reserva da lei formal para a limitação do exercício dos
mesmos direitos;
v) exigência de autorização constitucional expressa para a sua
limitação através da lei.
Na verdade, se bem que se envolve a eficácia imediata dos preceitos
constitucionais consagradores dos direitos, liberdades e garantias,
nem sempre implica a exequibilidade imediata desses preceitos,
porquanto, muitos direitos, liberdades e garantias precisam de uma
optimização legal, outros pressupõem dimensões institucionais,
procedimentais e organizatórias criadas pelo legislador – sendo
este o caso do sistema de administração da justiça, cuja efectivação
implica, nomeadamente, a presença obrigatória dos advogados, a
criação e organização de tribunais, bem como, a definição legal
dos meios processuais mais adequados para que o sistema de
administração da justiça seja operacional.
As mesmas encontram consagração constitucional, desde logo,
quando na parte final do artigo 3 da CRM/2004, o legislador
45
Constituição da República de 2004 em vigor.
184
consagra o respeito e garantia dos direitos e liberdades46
fundamentais do Homem como um dos fundamentos do
Estado. A protecção jurídica efectiva dos direitos e liberdades
, no quadro do Estado de Direito moçambicano em franca
consolidação, impõe a atribuição da realização concreta do
direito, com o fim de solucionar litigios, a orgãos imparciais
particularmente qualificados (…) e que devem ter o monopólio
da jurisdição…”; ou seja, a tribunais independentes, perante
os quais o cidadão ou outra pessoa jurídica pode exigir o
reconhecimento em concreto dos seus direitos, assim como
reclamar a reparação dos danos que resultem da sua violação.
O processo existe para garantir o direito de defesa
do cidadão e não para funcionar como instrumento
de opressão estatal. Tal com os diferentes actores do
sistema de justiça, o advogado47 é o garante do processo
justo, indispensável à segurança jurídica e a qualidade
da distribuição da Justiça – daí as prerrogativas que lhe
são inerentes. As prerrogativas do advogado servem para
garantir um exercício mais eficaz, independente e autónomo
da advocacia. Pois, no exercício da sua profissão e por seu
papel indispensável à administração da justiça moderna 48
Vide a este respeito Acórdão n. 3/CC/2011, de 18 de Outubro (Conselho Constitucional) – que declara
a inconstitucionalidade material das normas contidas nos n. 1 e 2 do art. 184 da Lei n. 23/2007, de 1
de Agosto, publicado no Boletim da República, I série, n. 41. Pg 20 . Neste sentido, a Constituição, no
artigo 62, sob a epígrafe “…acesso dos cidadãos aos tribunais…” e, no artigo 70, reconhece ao cidadão
o direito de recorrer aos tribunais, sendo adequado concluir que existe conexão directa e imediata entre
as duas disposições constitucionais em apreço.
46
Sem as perrrogativas funcionais dos advogados e garantias do exercício da profissão, o advogado não
conseguirá defender o cidadão em toda a sua plenitude, sobrelevando-se o poder estatal. Não é possível
readmitir a lógica da Idade média, segundo a qual “…a forca está pronta, só falta o processo…”.
47
O remédio para a globalização da profissão, no caso moçambicano, parece estar nas sociedades
de advogados e na especialização por áreas jurídicas. Só assim um escritório pode dar resposta às
questões, cada vez mais específicas e complexas que se lhe apresentam. A troca de opiniões, o apoio
recíproco e a cada associado, é a primeira e grande vantagem das sociedades de advogados. Outra, e
não despicienda, é de ordem, económica-funcional, pois, o apetrechamento do escritório e as despesas
correntes ficam a cargo de todos os sócios. A complexidade que a advocacia moçambicana tem alcançado,
pelo desenvolvimento de diversas disciplinas e descoberta de recursos naturais e hidrocarbonetos,
vai aconselhando que o seu exercício se realize por uma colaboração entre profissionais de diversa
especialização. Por outro lado, adesão de Moçambique em comunidades jurídicas como a SADC,
UALP, mais impõe esta actividade em equipa e, só os advogados podem constituir ou ingressar neste
tipo de sociedade, esta só pode ter por objecto o exercício da advocacia em prol do cidadão.
48
185
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
, exerce uma função social, que de forma preponderante
contribui para a transformação, nos mais diversos âmbitos,
da realidade do país49 , daí a necessidade de existência e
razão de ser dessas prerrogativas.
Para além de valores 50 essenciais existem outros princípios
que caracterizam a actividade advocatícia (princípio
da liberdade contratual, da natureza não mercantil, da
institucionalização, da transparência e da credibilidade).
Os advogados devem sobretudo observar o princípio legaldeontológico – que implica a subordinação dos sócios
(nas sociedades de advogados) aos deveres deontológicos
previstos no EOAM sua exclusão 51 da sociedade (no estágio
actual) em caso de violação grave dos imperativos legais. Por
tratar-se, de um sector de grande impacto para a economia
nacional, o sistema de administração da justiça 52 não pode
estar alheio ao desenvolvimento dos recursos naturais e
hidrocarbonetos.
49
Ordem dos Advogados do Brasil –OAB/RS, Gestão 2012-2012, Manual de Defesa das Prerrogativas
dos Advogados, disponível na internet em http://www.oabjoinville.org.br/materiais/24/MANUALDE-DIREITOS-E-PRERROGATIVAS-DO-ADVOGADO.pdf
A Ordem dos Advogados de Moçambique tem como visão “…o estabelecimento de uma ordem dos
advogados de Moçambique independente, credível, acessível, actuante, eficiente e eficaz na defesa da
ordem jurídica nacional, das instituições democráticas, dos direitos dos cidadãos, dos seus membros
e dos princípios de justiça popular…”. A sua missão é de contribuir para a consolidação do Estado de
Direito democrático, através da defesa da Constituição, dos direitos fundamentais dos cidadãos, da
dignidade e prestígio da profissão de advogados, assim como promover o respeito pelos respectivos
princípios deontológicos profissionais pelos seus membros. São valores dignos do advogado (o
compromisso social, eficiência, eficácia, ética, imparcialidade, impessoalidade, independência e
transparência, consagrados e respeitados no seio da família dos advogados moçambicanos.
O desenvolvimento da indústria extractiva, é um dado adquirido,
um grande desafio e, uma alavanca imprescindível para o
desenvolvimento de Moçambique com potencial inestimável para
alavancar o seu desenvolvimento económico através da projecção
de uma indústria extractiva mineira estratégica com confiança no
sistema de administração da justiça, acessível, dai que esta matéria
específica, constitua um desafio para o sistema.
C. ACESSO A JUSTIÇA
O acesso à justiça está consagrado na Constituição moçambicana
como um direito de todos os cidadãos e como um dever do Estado,
ou seja, é dever do Estado garantir o acesso efectivo dos cidadãos à
justiça. Não obstante o acesso à justiça ser um dever do Estado, os
tribunais judiciais são inacessíveis para muitos moçambicanos quer
por causa da distância cultural entre o cidadão e os tribunais, quer por
causa da distância geográfica. Apontam-se nesse sentido as reformas
legais adoptadas; o aumento de infra-estruturas relacionadas com o
acesso à justiça, com especial enfoque à implantação dos palácios da
justiça; e a celeridade processual, ligada à melhoria qualitativa das
decisões proferidas pelos tribunais.
50
51
No âmbito do combate a procuradoria ilícita, o advogado, contudo, não perdeu, nem deve perder,
as suas características essenciais de consultor, confidente, patrono e servidor da justiça. Parafraseando
Ortega Y Gasset, o advogado é ele e a sua circunstancia. Se deve adaptar-se às novas realidades, como
todas as profissões, não pode esquecer o seu papel na comunidade, nem que a sua função é sempre
personalizada. Mesmo quando se recorre a uma sociedade de advogados, o cliente procura, em regra,
um determinado advogado em quem deposita confiança. Se este encarrega outro, do mesmo escritório,
de tratar do caso, por não ser da sua área, delega nele esse capital de confiança.
Quando a confiança social não for relevante para a escolha do patrono, a advocacia deixará de prestar um
serviço e passará a vender uma mercadoria. Se a complexidade da vida tornou o advogado diferente de
seus pares antigos e recentes, os grandes princípios deontológicos e os objectivos da função mantém-se
inalteráveis, como fio invisível que une e identifica, ao longo dos séculos, os profissionais do foro. A
alma da toga não mudou, nem pode mudar. A ética é a pedra angular da dignidade da advocacia. Sem
ela a profissão seria um mecenato.
Para alavancar o desenvolvimento deste sector, dois aspectos devem ser tidos em conta para que o
papel deste sector seja visível e tenha impacto positivo na vida das populações e para a economia de
Moçambique, a transparência e a gestão responsável dos recursos. Pois, não existe desenvolvimento
económico sem que haja um esforço político ajustado, ou seja, não é pela mera existência de
potencialidades minerais que Moçambique passará a conhecer algum desenvolvimento económico
sem contar nem interagir com um sistema de justiça fiável, robusto, célere e de proximidade com as
populações.
186
52
Uma grande mudança do cenário do acesso à justiça em
Moçambique, passa pela reconsideração completa de todo o quadro
sistémico e institucional da administração da justiça, incluindo no
quadro de uma revisão Constitucional. Igualmente, parece razoável
pensar-se num cenário em que parte das funções desempenhadas
pelo IPAJ possam ser cumpridas indirectamente pelas organizações
da sociedade civil, quer através de um processo de delegação de
competências, quer através de um processo de descentralização na
administração da assistência jurídica estatal, incluindo dos fundos
do OE alocados através do IPAJ53 .
Para este efeito, é de recomendar como uma das acções no contexto do próximo PARPA a aprovação
pelo Estado de um estatuto próprio para os agentes das organizações da sociedade civil envolvidos
na assistência e aconselhamento jurídicos, nomeadamente os “paralegais”, aliás, como recomenda a
Comissão Africana dos Direitos Humanos e do Povos relativamente ao dever dos Estados membros da
UA na garantia de um julgamento justo e equitativo. Um aspecto positivo que não deverá ser perdido
de vista é que os novos Estatutos da Ordem dos Advogados prevêem que a última fase do estágio seja
feita no IPAJ. Isto pressupõe que o IPAJ seja dotado de recursos financeiros para fazer deslocar aqueles
profissionais para os distritos. Pensando num indicador neste contexto seria o “número de advogados
da Ordem de Advogados em estágio nos distritos ao serviço IPAJ”.
53
187
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
O Estado moçambicano, no cumprimento do seu dever
de garantir o acesso à justiça, tem procurado contornar os
obstáculos culturais e geográficos ao acesso à justiça, como por
exemplo a construção de palácios de justiça nos distritos. Em
relação à proximidade geográfica, o Governo tem empreendido
esforços no sentido de facilitar o acesso à justiça aos cidadãos
que dele carecem através da aproximação das instituições de
administração de justiça às comunidades. É neste âmbito que o
Governo, com apoio financeiro da União Europeia e Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento, tem instalado nos
distritos palácios de justiça, infra-estruturas estas que incluem
residências para os magistrados, o Tribunal, a Procuradoria, a
Polícia de Investigação Criminal e o Instituto de Patrocínio
Jurídico.
A instalação do Palácio da Justiça visa facilitar o acesso à Justiça
aos cidadãos que dela carecem, não só através da aproximação
geográfica das instituições do sector, no mesmo edifício, mas
através de melhoramento do diálogo entre as instituições da
Justiça de forma a ligá-las profundamente às necessidades reais
da população. Não obstante os esforços do Governo em tornar
a justiça mais próxima da população, a base infra-estrutural
para a garantia do acesso à justiça é insuficiente, pois, o país
conta actualmente com cinco palácios de justiça edificados nas
provinciais de Nampula, Sofala e Inhambane. Como reconhece
o Plano Estratégico Integrado de Justiça (PEIJ), a distância
geográfica permanece um entrave ao acesso à justiça. Os custos54
financeiros para o cidadão comum são demasiados elevados.
O Relatório de Avaliação de Moçambique de Julho de 2009,
reconhece que os Tribunais Judiciais distritais não são acessíveis
às pessoas que vivem em zonas remotas devido à distância e aos
recursos. No mesmo relatório afirma-se que as normas ou regras
de justiça não são entendidas pelas populações e que os cidadãos
Em média, as deslocações de ida e volta até as vilas podem custar ao cidadão um valor aproximado a
240,00 MT (duzentos e quarenta meticais).
54
188
analfabetos têm muita dificuldade em aceder a informação
que facilite o conhecimento dos seus direitos constitucionais.
Apesar de se constatarem também, por outro lado, melhorias
no desempenho e meios operacionais da Polícia55 , bem como
no que se refere a políticas no sentido de maior relacionamento
com a população.
Por outro lado, no que diz respeito à relação entre o cidadão e
a justiça informal, uma maior proximidade tem como efeitos
não só uma resolução dos problemas com um conhecimento
directo e possibilidade de maior celeridade e justiça material,
mas também um menor custo no caso concreto, uma vez que
não estarão envolvidos custos de deslocações. Tal importa
também, no propósito de se estabelecer uma relação participativa
e equilibrada na colaboração entre as comunidades e a Polícia.
Já numa vertente mais específica que é a das comunidades
usarem instituições que devem ser-lhes próprias como sejam os
tribunais comunitários para a resolução vinculativa e coerciva
de conflitos que afectam seriamente as relações no seio das
comunidades mesmas, importa promover a intervenção dos
tribunais comunitários, no quadro das suas competências legais,
alargando-se a rede de colaboração e participação para uma
maior segurança pública em cada comunidade de residência.
A justiça é ainda distante dos cidadãos e há ainda um longo
caminho a percorrer. O direito escrito deve adequar-se à
realidade e servir de padrão de conduta geral com um sentido
paradigmático, tanto quanto mais partilhado pela sociedade no
seu conjunto melhor, sendo fundamental envolver a sociedade
há na Polícia, por um lado, insuficiência de quadros com formação profissional adequada a esses
propósitos. De referir que estas insuficiências têm, de entre outras, como consequências a cobertura
incompleta do território nacional e das ocorrências que justificariam a participação dos agentes da
Polícia de Segurança Pública. Efectivamente, os Comandos, Esquadras e Postos Policiais existentes
são numericamente inferiores às necessidades, com efectivos exíguos, meios materiais e financeiros
escassos e, em muitos casos, o seu pessoal possui baixo nível académico e profissional. Há necessidade
de se criarem mais postos policiais, especialmente nas comunidades e bairros distantes das sedes
distritais, como forma de descentralização e de expandir o acesso a serviços da polícia, com vista á
melhoria da proximidade entre o cidadão e a justiça formal.
55
189
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
nas reformas legislativas. Para o efeito, importa encontrar
métodos que tornem mais acessível o debate de temáticas de
política legislativa e de conteúdos ou temas a legislar e suas
opções, evitando a entrada em discussões de textos redigidos
de forma articulada que dificultam o entendimento pelo
cidadão. É, por outro lado, necessário inverter o sentimento do
cidadão comum de que o judiciário é parte de um ambiente
que tendencialmente lhe é hostil e distante. Ressalvamos que
a formação e a capacitação dos vários agentes na cultura de que
a justiça serve os cidadãos é factor preponderante se ligado a
mudanças efectivas no relacionamento e processos de prestação
de serviços aos cidadãos que recorram às instituições do
judiciário.
É necessário aumentar o número de magistrados e melhorar sua
formação, bem como capacitar outros agentes de justiça. Estas
medidas devem associar-se a outras no sentido de melhorar
a celeridade processual e a informação sobre os estágios do
processo às partes no processo ou seus representantes.
O aumento da cobertura geográfica dos tribunais deve constituir
uma prioridade, devendo ter-se em consideração a criação de
postos policiais e tribunais judiciais móveis para resolver casos
de cidadãos sem meios para se deslocar às sedes distritais.
É fundamental dar continuidade ao projecto de construção de
palácios de justiça com vista a diminuir o tempo, os custos das
deslocações, assim como aproximar as instalações de justiças
às comunidades distantes. Um melhor funcionamento dos
cartórios e secretarias das instituições de justiça tem também
impacto a considerar na relação com os cidadãos que careçam
de serviços por parte do judiciário.
A tarefa da regulamentação dos tribunais comunitários deve
constituir uma prioridade imediata, com vista a promover uma
justiça mais próxima dos cidadãos e garantir o seu funcionamento
como parte de um Estado de direito democrático.
190
CONCLUSÃO
1. No âmbito do que foi planeado o Governo aumentou
o investimento para infra-estruturas e para formação de
quadros tendo nos anos de 2007 e 2008, realizado maior
número de acções pertinentes a administração da justiça em
Moçambique.
2. Na verdade, se bem que se envolve a eficácia imediata
dos preceitos constitucionais consagradores dos direitos,
liberdades e garantias, nem sempre implica a exequibilidade
imediata desses preceitos, porquanto, muitos direitos,
liberdades e garantias precisam de uma optimização legal,
outros pressupõem dimensões institucionais, procedimentais
e organizatórias criadas pelo legislador – sendo este o caso do
sistema de administração da justiça, cuja efectivação implica,
nomeadamente, a presença obrigatória dos advogados, a
criação e organização de tribunais, bem como, a definição
legal dos meios processuais mais adequados para que o
sistema de administração da justiça seja operacional.
3. Olhando para o conjunto das acções previstas no âmbito
da reforma legal apercebemo-nos de uma intenção de
uma reforma mais profunda e abrangente que encarasse os
serviços e instituições ligadas ao sector da justiça como um
todo e daí a necessidade de um quadro legal e institucional
mais sistémico e holístico. Em consequência a necessidade
de uma plataforma legal que servisse de base às várias
reformas e sub-reformas dos vários sistemas e subsistemas
de serviços e institucionais que integram a justiça.
4. Igualmente é de apontar a reforma da legislação sobre o
Ministério Público e da respectiva máquina operativa, a
Procuradoria-Geral da República e instituições subordinadas,
que trouxe uma maior clareza e garantias da legalidade
na acção dos Procuradores. Mas os novos Estatutos dos
magistrados (juízes e procuradores) trouxeram resultados
diferentes na motivação profissional e social por parte
191
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
destes, dado que muitos dos direitos e regalias previstas não
entraram em vigor ou são concretizadas de forma diferente
de tribunal para tribunal ou de contexto para contexto.
5. Num outro plano e relativamente as custas judiciais, com
o fim de permitir um exercício mais amplo do direito
ao recurso pelo cidadão e como parte do objectivo do
“julgamento justo e equitativo”, a nova reforma prevê que
a falta de pagamento de preparos para recursos em processo
cível não traga como consequência o arquivamento e
extinção automática do recurso e com isso a possibilidade
do desfecho do caso pelo seu trânsito em julgado tal
como acontecia à luz dos comandos legais anteriores.
Mas esta medida em si é considerada algo controversa56
pelos juízes e procuradores, dizem que enquanto se
confere maiores garantias processuais a uma parte (neste
caso à parte vencida) se frustra as expectativas do outro
interveniente processual (a parte que ganha a causa) que
fica agora facilmente a mercê da parte vencida que pode
usar deste “direito” processual como um expediente para
fazer simplesmente atrasar o fim do caso e com isso o
cumprimento das eventuais obrigações que lhe impôs o
tribunal de primeira instância.
6. As reformas legais e todos os esforços do Governo e do
sector têm estado igualmente orientados para a remoção dos
custos financeiros57 como um dos obstáculos no acesso a
justiça. Mas todas as medidas que se tomem neste contexto
Portanto, agora os recorrentes têm um período de quase um ano dentro do qual se podem organizar
financeiramente e voltar para o tribunal para pagar os custos judiciais do recurso para que este possa
ser tramitado. No entanto, esta solução inovadora para o recorrente não foi acompanhada da revisão
do Código das Custas, o que faz com que na prática os tribunais continuem a exigir os preparos dentro
dos prazos anteriores sob pena de se considerar o recurso como abandonado sem se esperar pelos
novos prazos indicados na legislação processual.
56
Sabe-se por exemplo que mesmo o “mecanismo de atestado de pobreza” tem ajudado pouco pois em
vez de facilitar o acesso aos tribunais pelos carenciados se tem mostrado ser um obstáculo na medida
em que o cidadão necessitado tem de pagar valores nada insignificantes junto das estruturas do seu
local de residência para a obtenção do documento comprovativo de estado de pobreza.
57
192
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
esbarram-se com uma barreira quase sagrada e inamovível:
o Código das Custas Judiciais vigente. Pois, enquanto este
não for revisto e minimizado o peso financeiro para o
pobre que decorre da sua aplicação de nada servirão todas
as medidas e reformas que forem tomadas na periferia
desse código.
7. Algumas das áreas em que se pode assinalar melhorias no
período analisado são a celeridade processual e a qualidade e
justeza das decisões judiciais. Isto fica evidenciado pela subida
do número de casos resolvidos pelos tribunais judiciais, dos
processos em recurso resolvidos pelos Tribunais Superiores
de Recurso (baixados pelo Tribunal Supremo) bem como
pela subida de intervenções da Procuradoria- Geral da
República no âmbito da perseguição criminal e da garantia
dos direitos do arguido (detido) e a redução do número da
população prisional sem julgamento ou sem a sua situação
de detenção legalizada pelo Juiz.
8. Esta melhoria é, evidentemente, fruto da concorrência
de acções como a formação e colocação de magistrados
(juízes e procuradores) com nível superior nos distritos, as
inspecções regulares conduzidas pelo Conselho Superior da
Magistratura Judicial e as levadas a cabo pela ProcuradoriaGeral da Republica, a introdução dos processos de monitoria
e avaliação do desempenho dos juízes e procuradores, o
crescente aumento do número de advogados (actualmente
950 advogados inscritos na OAM), a afectação de agentes da
polícia com o nível superior formados pela ACIPOL para a
PIC, a contínua capacitação dos oficiais de justiça, as novas
exigências académicas impostas aos escrivães dos tribunais e
a contínua melhoria dos salários dos juízes e procuradores.
9. Neste quadro, é preciso entender tanto a situação do Juiz
como do Procurador moçambicano cuja acção e actuação
transcorre dentro do circunstancialismo, agravado por um
quadro de correlação de forças entre os poderes legislativo,
193
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
executivo e judicial muito a desfavor deste último, para além
de todo o contexto geral do Estado de Direito Democrático
ainda muito incipiente em que o país se encontra. Nestas
circunstâncias não é suficiente medir a independência e a
imparcialidade do judiciário através de indicadores clássicos
como a existência ou não de interferência directa dos
centros reais do poder político (o Governo, os interesses
corporativos e outras elites sociais) nas decisões dos tribunais
ou das procuradorias porque basta a consciência por parte
do juiz ou do procurador sobre a realidade da causa para
tomar muitas cautelas.
10. Os desafios do sistema de administração da Justiça encontram consagração constitucional, na parte final do
artigo 3 da CRM/2004. O legislador consagra o respeito e
garantia dos direitos e liberdades fundamentais do Homem
como um dos fundamentos do Estado. A protecção jurídica
efectiva dos direitos e liberdades58 , no quadro do Estado
de Direito moçambicano em franca consolidação, impõe
a atribuição da realização concreta do direito, com o fim
de solucionar litigios, a orgãos imparciais particularmente
qualificados (…) e que devem ter o monopólio da
jurisdição…”.
11. A conclusão geral sobre esta temática, indica que o combate
efectivo contra a corrupção no judiciário ainda não descolou
das palavras e promessas das lideranças políticas do Estado
e das magistraturas. Ou seja, há muita crítica discursiva
contra a corrupção, porém, não estão a ser postos em
prática mecanismos exequíveis, eficientes e transparentes
de combate ao fenómeno no judiciário. A reforma da
58
Vide a este respeito Acórdão n. 3/CC/2011, de 18 de Outubro (Conselho Constitucional) – que declara
a inconstitucionalidade material das normas contidas nos n. 1 e 2 do art. 184 da Lei n. 23/2007, de 1
de Agosto, publicado no Boletim da República, I série, n. 41. Pg 20 . Neste sentido, a Constituição, no
artigo 62, sob a epígrafe “…acesso dos cidadãos aos tribunais…” e, no artigo 70, reconhece ao cidadão
o direito de recorrer aos tribunais, sendo adequado concluir que existe conexão directa e imediata entre
as duas disposições constitucionais em apreço
194
Inspecção judicial, através da introdução de mecanismos
de fiscalização independente e participativa, envolvendo
organizações da sociedade civil que actuam no sector da
justiça e a Ordem dos Advogados de Moçambique parece
constituir uma alternativa face “ao status quo”.
12. A eficácia imediata dos preceitos constitucionais consagradores
dos direitos, liberdades e garantias, implica a exequibilidade
imediata, por parte dos magistrados, desses preceitos no
processo de composição de litígios. Note-se que muitos direitos,
liberdades e garantias precisam de uma optimização legal,
outros pressupõem dimensões institucionais, procedimentais
e organizatórias criadas ou a criar pelo legislador.
13. Os actores do sistema de administração da justiça também
servem para garantir um exercício mais eficaz, independente
e autónomo da advocacia e do IPAJ, pois, no exercício da
sua profissão e por seu papel indispensável à administração
da justiça moderna59 , exerce uma função social, que de
forma preponderante contribui para a transformação,
nos mais diversos âmbitos, da realidade do país60 , daí a
necessidade de sua existência e razão de ser.
O remédio para a globalização da profissão, no caso moçambicano, parece estar nas sociedades
de advogados e na especialização por áreas jurídicas. Só assim um escritório pode dar resposta às
questões, cada vez mais específicas e complexas que se lhe apresentam. A troca de opiniões, o apoio
recíproco e a cada associado, é a primeira e grande vantagem das sociedades de advogados. Outra, e
não despicienda, é de ordem, económica-funcional, pois, o apetrechamento do escritório e as despesas
correntes ficam a cargo de todos os sócios. A complexidade que a advocacia moçambicana tem alcançado,
pelo desenvolvimento de diversas disciplinas e descoberta de recursos naturais e hidrocarbonetos,
vai aconselhando que o seu exercício se realize por uma colaboração entre profissionais de diversa
especialização. Por outro lado, adesão de Moçambique em comunidades jurídicas como a SADC,
UALP, mais impõe esta actividade em equipa e, só os advogados podem constituir ou ingressar neste
tipo de sociedade, esta só pode ter por objecto o exercício da advocacia em prol do cidadão.
59
Ordem dos Advogados do Brasil –OAB/RS, Gestão 2012-2012, Manual de Defesa das Prerrogativas
dos Advogados, disponível na internet em http://www.oabjoinville.org.br/materiais/24/MANUALDE-DIREITOS-E-PRERROGATIVAS-DO-ADVOGADO.pdf
60
195
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Principais Referências Bibliográficas
1.
Constituição da República de Moçambique (2004). Imprensa Nacional,
Moçambique.
2.
Lei nº. 24/2007, de 20 de Agosto - aprova a Lei da Organização Judiciária.
3.
Lei nº. 28/2009, de 29 de Setembro – aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados
de Moçambique, BR n. 38, I série.
4.
Lei nº 16/2012, de 14 de Agosto – Lei de Probidade Pública, publicada no BR nº
32, I série.
5.
Lei nº 17/2012, de 14 de Agosto – Estabelece princípios e critérios de organização
territorial, publicada no BR, nº 32, I Série.
6.
Código de Processo Civil e Legislação Complementar – Compilação produzida
por Filipe Sebastião Sitoi. Ministério da Justiça, CFJJ, Maputo, 2010.
7.
Avaliação Sumária do Impacto das realizações do PARPA II no acesso à Justiça (2009)
elaborado pela MGA & Lex Terra -
8.
Independência do Poder Judiciário: A experiência moçambicana – Comunicação feita
no 1º Congresso para Justiça, organizado pela OAM, pelo Dr. João Nguenha,
Venerando Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional.
9.
Independência do Poder Judiciário: experiência brasileira - Comunicação feita no 1º
Congresso para Justiça, organizado pela OAM, pelo Dr. Ophir Cavalcante Júnior,
Bastonário da Ordem dos Advogados do Brasil.
10. Documento final relativo ao VIII Conselho Coordenador do Ministério da Justiça
– realizado em Inhambane, Julho 2012.
11. Ordem dos Advogados de Moçambique. Plano Estratégico da Ordem dos Advogados de
Moçambique (2009-2014). Maputo, 2009. Elaborado sob coordenação de Filipe
Sebastião Sitoi e seu escritório de advogados - Advocacia Consultoria e Serviços,
Lda.
12. Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica – IPAJ. Plano Estratégico de Defesa
Legal do Cidadão Carenciado. Maputo. 2008. Elaborado sob coordenação de Filipe
Sebastião Sitoi e seu escritório de advogados - Advocacia Consultoria e Serviços,
Lda.
13. Legislação Judiciária (2010). Imprensa Nacional, Moçambique.
14. Prerrogativas de Advogado – Direito do Cidadão – Apresentação de Filipe
Sebastião Sitoi, no Congresso da UALP (União Africana dos Advogados de Lingua
Portuguessa), Luanda, 2012.
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
20. Santos, Boaventura de Sousa e Trindade, João Carlos (2003); «Conclusões»;
in Santos, Boaventura de Sousa e Trindade, João Carlos (org.); Conflito e
Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique; Porto:
Afrontamento; Vol II; pp. 525-580.
21. Gomes, Conceição; Fumo, Joaquim; Mbilana, Guilherme; Santos, Boaventura
de Sousa (2003); «Os tribunais comunitários»; in Santos, Boaventura de Sousa e
Trindade, João Carlos (org.); Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das
Justiças em Moçambique, Vol. II; Porto: Afrontamento; pp. 189-340.
22. Araújo e José (2007); Pluralismo jurídico, legitimidade e acesso à justiça. Instâncias
comunitárias de resolução de conflitos no Bairro de Inhagoia «B». Maputo;
23. Oficina do CES; 284; Coimbra: CES.
24. Comoane, Paulo (2007); Access to Justice and Rule of Law; Maputo, disponível
em http://www.undp.org/legalempowerment/reports/National%20Consultation
%20Reports/Country%20Files/19_Mozambique/19_3_Access_to_Justice.pdf
25. OSISA (2006); Moçambique. O Sector da Justiça e o Estado de Direito Meneses,
Maria Paula; Fumo, Joaquim; Mbilana, Guilherme; Gomes, Conceição (2003);
26. «As autoridades tradicionais no contexto do pluralismo jurídico»; in Santos,
Boaventura de Sousa e Trindade, João Carlos (org.); Conflito e Transformação
Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique, vol II; Porto: Afrontamento;
pp. 321-420.
27. Sachs, Albie; Welch, Gita Honwana (1990) Liberating The Law. Creating Popular
Justice in Mozambique; London e New Jersey: Zed Books.
28. Trindade, João Carlos e Pedroso, João (2003); «A caracterização do sistema judicial
e do ensino e formação jurídica»; in Santos, Boaventura de Sousa e Trindade, João
Carlos (org.); Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em
Moçambique; Vol. I; Porto: Afrontamento; pp. 259-318.
29. Francisco, António Alberto da Silva (2003); «Reestruturação económica e
desenvolvimento»; in Santos, Boaventura de Sousa e Trindade, João Carlos (org.);
Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique;
Porto: Afrontamento, Vol. I; pp. 141-178.
30. Araújo, Sara (2008), O Estado e as instâncias comunitárias de resolução de
conflitos em Moçambique, comunicação apresentada na/o 12th CODESRIA
General Assembly - Governing the African Public Sphere, Yaoundé, 07 a 11 de
Dezembro.
31. LDH (2007); Direitos Humanos em Moçambique; Maputo
15. Ministério da Justiça (2006). Visão da Justiça: Plataforma para Discussão. Maputo,
Moçambique.
16. Open Society Iniciative for Southern Africa (2006). Moçambique o Sector da Justiça e
o Estado de Direito.
17. República de Moçambique - Plano de Acção da Redução da Pobreza Absoluta 20062009 (PARPA II).Maputo, Moçambique.
18. Acesso à Justiça. Mauro Cappelleti e Bryant Garth, Porto Alegre/ 1988.
19. Hermenegildo Pedro Chambal. Denegação de Justiça como fundamento da
Responsabilidade civil por actos jurisdicionais. Ministério da Justiça – Centro de
Formação Jurídica e Judiciária.Maputo, 2009.
196
197
OS DESAFIOS DO SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DA
JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
(Comentário ao texto de Filipe Sitoi)
Por: Tomás Luís Timbane
I. Parece inquestionável que a Justiça moçambicana atravessa uma crise.
Muitos estudos e investigações foram feitos e confirmam o estado em que se
encontra nossa Justiça, sendo que diversos factores contribuem para a actual
situação, desde a deficiente legislação – que, muitas vezes, não toma em
consideração a realidade dos seus principais destinatários – a inexistência
de meios humanos e materiais adequados para um melhor desempenho
do sector, um desadequado sistema de acesso à justiça (encargos elevados e
apoio judiciário insuficiente) e um processo de formação de profissionais
da área que, para além de não estar a altura das necessidades do país,
parece ser deficiente.
É, antes de tudo, importante chamar a atenção que, muitas vezes,
quando se fala de sistema de administração da justiça pretende-se, tãosomente, abordar a justiça formal, mas não podemos perder de vista que
em Moçambique existem diversos sistemas de justiça, o que, aliás, levou o
legislador constituinte de 2004, a consagrar o pluralismo jurídico.
II. Coincidentemente, a administração da justiça tem assistido, nos últimos
meses, a diversos encontros e debates sobre a necessidade de melhorar a
Justiça, realizados não só pelas instituições de administração da justiça,
como por entidades políticas e da sociedade civil, prova de que a preocupação
de melhorar o seu desempenho é constante não só para os operadores
judiciários, mas também para as instituições públicas, privadas e para a
sociedade civil.
No dia 14 de Março de 2012, o Ministério da Justiça e a Liga dos Direitos
Humanos organizaram a Primeira Conferência Nacional sobre o Acesso à
Justiça em Moçambique; nos dias 26 e 27 de Junho a Procuradoria-Geral
da República realizou Jornadas Jurídicas61 e, aquando da Semana do
Advogado (10 a 14 de Setembro de 2012), a Ordem dos Advogados de
Moçambique organizou o Primeiro Congresso da Justiça 62.
No seu discurso de abertura do referido Congresso da Justiça, S.Exa. o
Presidente da República referiu que devemos todos reafirmar o nosso
compromisso em garantir que os vários intervenientes nos sistemas de
resolução de conflitos ocupem o espaço que a Constituição da República lhes
reserva. Para além disso, referiu que devemos manter a nossa determinação
para assegurarmos uma Justiça de qualidade e célere, uma Justiça que esteja
à altura e que seja o promotor e o esteio dos progressos que temos estado a
registar e almejamos para as diversas áreas da intervenção humana.
Na verdade, a preocupação que deve existir não é só de garantir uma
justiça rápida e de qualidade exercida pelos órgãos da administração da
justiça “oficial”, mas também não perder de vista que só haverá justiça se
todo o povo moçambicano puder dela usufruir, seja qual for o modelo de
organização da justiça em que se insere.
Em consequência dessas preocupações, convida-nos o Gabinete de Estudos
da Presidência da República para discutirmos sobre os desafios que o sector
da administração da justiça enfrenta.
Jornadas que foram realizadas sob o lema “Pelo reforço da eficiência e da eficácia do Ministério
Público”.
61
Muitas das sugestões feitas para responder aos desafios que o sistema de administração da justiça
enfrenta coincidem com as conclusões e recomendações do 1.º Congresso da Justiça, as quais foram
publicadas no 6.º Boletim Informativo da Ordem dos Advogados de Moçambique de 6 de Outubro de
2012 (www.oamoz.org/Docs/BI/BoletimInformativo-6Edicao.pdf).
62
Dr. Tomás Timbana, moderador e comentador do seminário sobre a justiça
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
III. Uma das grandes preocupações dos operadores judiciários em particular
e dos cidadãos em geral relaciona-se com a morosidade processual, que
se traduz em processos demasiadamente demorados, procedimentos
excessivamente burocráticos e incompreensíveis para o comum dos
cidadãos. Foi essa uma das preocupações daquele 1.º Congresso da Justiça
mas, como os seus organizadores o referiram, trata-se, apenas, de um dos
problemas que o sector enfrenta.
A morosidade processual é causa de graves injustiças, mas há outros
problemas que não podem ser minimizados: as questões do acesso
à justiça, os encargos que o comum dos cidadãos tem de suportar, a
debilidade das infra-estruturas, a qualidade técnica dos actores do sistema
de administração da justiça, o desconhecimento das leis pelos cidadãos,
etc., pelo que uma actuação integrada é essencial.
O acesso à justiça é um direito fundamental, sendo, aliás, em certo sentido,
o direito mais importante que pode existir num Estado de Direito: é
por ele que se pode usufruir de todos os outros direitos. Por exemplo, a
protecção do direito à vida, à propriedade, ao investimento, ao bom nome,
à intimidade, ganham expressão justamente porque em caso de violação
de qualquer deles, é possível recorrer às instituições da administração da
justiça para a sua protecção.
IV. O país está sujeito a enormes desafios: económicos, sociais, políticos,
mas muitos deles têm sido enfrentados com sucesso e o ambiente que
tem sido criado permite augurar que é possível obter resultados muito
mais expressivos. A descoberta e exploração dos recursos naturais e dos
hidrocarbonetos e a sua crescente importância no concerto das nações,
o desenvolvimento das tecnologias de informação63, a crescente crise de
valores morais e éticos da sociedade64, trazem ao sector da justiça enormes
desafios aos quais se juntam os que, ao longo dos anos, foram existindo,
O Facebook, uma das redes sociais mais usadas, só foi criada em 2004, mas hoje constitui uma das
ferramentas de comunicação mais importantes do mundo, sendo usado por mais de 1 bilião de pessoas,
mais de metade das quais através do telemóvel.
63
Basta exemplificar com a crescente onda de justiça pelas próprias mãos (linchamentos), raptos,
tráfico de órgãos humanos, etc. para constatar a existência de crimes que aliados a diversos factores,
tem na crise dos valores morais um dos aspectos essenciais.
64
200
como a fraca qualidade dos profissionais do sector, leis deficientes e arcaicas,
exiguidade dos recursos disponíveis, etc..
É neste contexto que o Mestre Filipe Sitoi aborda o tema reconhecendo
a diversidade dos desafios que o sector enfrenta. Apesar de a exposição
ser densa65 , em alguns casos repetitiva e abarcar aspectos marginais aos
desafios que se colocam ao sector da administração da justiça, podemos
surpreender, na abordagem feita pelo orador, 6 (seis) aspectos essenciais:
O primeiro aspecto que é apontado, esse de carácter geral, relaciona-se com
a necessidade de uma crescente formação e especialização dos sujeitos do
sistema: magistrados, advogados, investigadores criminais, funcionários
judiciais e técnicos e assistentes jurídicos, vê-se, hoje em dia, com novas
realidades, o que impõem, pois, um fortalecimento das suas capacidades.
Se, em condições normais, sempre foi consensual que os recursos humanos
do sector da justiça careciam de qualificações técnicas para uma melhor
actuação, os desafios que o país enfrenta exigem ainda mais dos mesmos.
Do ponto de vista quantitativo, só para ilustrar, em finais de 2011
existiam no país 293 (duzentos e noventa e três) magistrados judiciais
para um universo de 23 (vinte e três) milhões de habitantes, muitas vezes
residentes em espaços territoriais longe dos tribunais. Como é evidente,
este número é manifestamente inferior às necessidades do país.
Em termos médios podemos dizer que o Centro de Formação Jurídica
e Judiciária (CFJJ) formou, nos 12 anos da sua existência, menos de
40 (quarenta) magistrados por ano, sendo que todos os formados são
imediatamente absorvidos pelos tribunais e Ministério Público. Se é
verdade que deve aumentar o número de formados, o Mestre Filipe Sitoi
O Seminário tinha como título os “Os Desafios da Administração da Justiça em Moçambique”, tendo
como enfoque três pontos fundamentais: a formação dos magistrados, as infra-estruturas e a reforma
legal. Para além de abordar estes três pontos, o orador faz referência, com conhecimento de causa,
aos problemas da garantia do acesso à justiça e o impacto da reforma prisional que podendo estar
ligado à reforma legal. Um dos aspectos que aflora é o impacto do pluralismo jurídico que resulta da
reforma legal o que se reflecte na melhoria da celeridade processual. Um dos desafios que julgamos
se coloca ao nível da reforma legal mas que nunca foi concretizado, é, justamente, o da concretização
do pluralismo jurídico consagrado em 2004. Desde que o mesmo foi consagrado na Constituição de
2004, não notamos nas actividades do Ministério da Justiça, através da UTREL – Unidade Técnica de
Reforma Legal, qualquer preocupação em densificar e regulamentar os termos e as condições em que
se poderiam aplicar os diversos sistemas normativos que existem na sociedade moçambicana.
65
201
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
chama a atenção que há lacunas em aspectos básicos da formação, pelo
que há necessidade de aumentar a qualidade dos mesmos, através, por
exemplo, duma interacção entre o CFJJ, a Ordem dos Advogados e as
diversas Escolas do ensino de Direito, no melhoramento dos planos de
formação de uns e outros. Sugere, ainda a necessidade de contribuir para
a definição do perfil do Jurista em Moçambique66 , evitando um aumento
de magistrados com duvidosa qualidade, pois isso reflecte-se na qualidade
da justiça.
Ainda que não esteja claro que impacto teria a definição do perfil do Jurista
em Moçambique, não deixa de ser verdade que há necessidade de uma
formação de base genérica de todo o jurista formado em Moçambique,
tomando em conta a realidade do país e os desafios que as diversas áreas
impõem à justiça.
É, aliás, importante sublinhar que a justiça é instrumental, não é um fim
em si mesmo, pelo que os seus sujeitos nunca podem perder de vista que
a mesma visa a prossecução e, sobretudo, defesa de outros interesses, das
mais diversas áreas da vida em sociedade.
V. O segundo aspecto que é apontado pelo Mestre Filipe Sitoi é o da
necessidade de aproximação das instituições da justiça aos cidadãos,
não só do ponto de vista geográfico, mas, sobretudo, das suas normas e
procedimentos. Neste âmbito ganha particular destaque a ausência de
informação, agravada pela percepção de um certo elitismo como o cidadão
vê as pessoas que lidam, no seu dia-a-dia, com a justiça.
Se o cidadão deve solicitar a intervenção das instituições da justiça
para resolver um certo conflito de interesses, é mais do que evidente a
necessidade do mesmo compreender a linguagem que lá se usa. Mais
do que tomar em consideração a necessidade de responder aos desafios
resultantes das necessidades decorrentes do desenvolvimento económico e
social, dos diversos estudos que refere, o Mestre Filipe Sitói ilustra-nos
66
Sobre questões relacionadas com a qualidade dos formandos no CFJJ e nas Escolas de Direito em
Moçambique, vejam-se as interessantes comunicações ao 1.º Congresso da Justiça, de Carlos Serra
Júnior e Paulo Comoane, disponíveis em www.oamoz.org.
202
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
que a diversidade do país e das suas gentes, impõe que as instituições de
administração da justiça estejam à altura de responder aos desafios que
essa particular característica dos cidadãos do nosso país impõe.
VI. Ainda que não o tenha dito, impõem-se reflectir sobre os tribunais
comunitários, a necessidade da sua regulamentação e a definição da sua
natureza. Trata-se de instituições que julgam conflitos de interesses, pelo
que não podem deixar de ser considerados como. Do mesmo modo, o
conhecimento dos usos e costumes locais pelos operadores do sistema em
geral e dos magistrados em particular, revela-se de extrema importância,
pois, muitos aplicam leis sem tomar em conta o contexto em que se
encontram, quando a Constituição prevê a existência do pluralismo
jurídico.
Na verdade, o sistema de ensino do Direito em Moçambique caracterizase por potenciar a reprodução pelos professores e estudantes do sistema de
leis vigentes, quando a Constituição da República inculca a ideia de que
os aplicadores do Direito devem ter a capacidade de conciliar o direito
positivo e o direito consuetudinário, como decorrência do pluralismo
jurídico. Sendo assim, um dos desafios que se coloca é justamente o de
encontrar um ponto de equilíbrio entre o o sistema legal e os diferentes
sistemas normativos, ainda que estes só sejam reconhecidos e, por
consequência, aplicados na medida em que não contrariem os valores e os
princípios fundamentais da Constituição (art. 4).
Explicar os termos em que está elaborado o princípio da coexistência
dos diversos sistemas normativos não parece difícil, mas, como é fácil de
compreender, a informalidade de muitos desses sistemas, a ausência de
estudos integrados e sistematizados sobre esses sistemas, dificulta, ainda,
mais a sua aplicabilidade. Parece-nos, pois, que antes de determinar
os termos em que essa aplicação deve ser feita, importa proceder a uma
sistematização e catalogação dos diversos sistemas normativos, o que iria
facilitar a sua aplicação uniforme, bem assim a sua inclusão nos diversos
planos de estudos das Escolas de Direito.
VII. O Mestre Filipe Sitoi refere, em terceiro lugar, que tem-se verificado
um enorme desenvolvimento e apetrechamento em infra-estruturas postos
203
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
à disposição das instituições de administração da justiça. Apesar de ser
inquestionável essa realidade, os desafios existentes a esse nível ainda são
enormes. Para além disso, adequado dessas infra-estruturas impõe uma
outra atitude, pelo que há que potenciar melhor o seu uso para uma
melhor justiça. Mesmo com estas conquistas, ainda há 21 distritos sem
tribunais sem procuradorias.
que não o diga, percebe-se que uma das insinuações que o Mestre Sitoi
faz é sobre a necessidade de fazer um trabalho de avaliação, afinal não
podemos mudar as leis só com base em percepções. É importante saber se
as alterações feitas têm obtido aceitação, quais são as razões para eventuais
resistências e o que deve ser feito, pelo menos, ao nível da reforma legal
para ter leis que permitam obter decisões rápidas e justas.
Por exemplo, se essa potenciação tem sido rápida no Ministério Público,
o mesmo não ocorre com os tribunais, o que não deixa de ser estranho, até
pelo paralelismo das duas magistraturas proclamada através da previsão
da intercomunicabilidade das duas magistraturas. Noutros casos, há
zonas onde há tribunais judiciais de distrito mas em que o movimento
processual não justifica a existência de um tribunal dessa natureza e as
inerentes regalias do magistrado que terá aí de estar, quando se poderia
recorrer a um outro sistema, diferente do que se estrutura na coincidência
da divisão judicial com a divisão administrativa.
Para além disso, há uma percepção de que as alterações legislativas em
curso não procuram envolver as diversas sensibilidades, não só por se lhes
dar pouco tempo para emitirem as suas opiniões, como também porque
muitas vezes nota-se delas um certo alheamento aos processos de alteração
legislativo.
Uma das soluções que se poderia avançar neste âmbito é dar alguma
autonomia para sugerir alterações legislativas, para além do actual
sistema em que tudo depende da boa vontade do Ministério da Justiça
que tendo uma agenda diferente, pode não dar seguimento às solicitações
das magistraturas.
Na verdade, os magistrados poderiam exercer as suas actividades, não
tanto de acordo com o princípio da divisão administrativa mas, em alguns
casos, poderia afectar-se mais magistrados tendo em conta o movimento
processual, bem assim poderiam exercer funções de forma itinerante,
deslocando-se, periodicamente, às áreas onde não haja um grande
movimento processual.
Os Tribunais Superiores de Recurso ainda se debatem com a falta de
infra-estruturas, funcionando todos, a meio gás, e na Cidade de Maputo,
sendo, aliás, disso sintomático que todos os recursos interpostos desde a
sua entrada em funcionamento (2010), continuam sem ser tramitados.
Na sua exposição, o Mestre Filipe Sitoi refere que estes tribunais não têm
condições para o seu funcionamento, residências e meios de transporte, o
que criou alguma falta de incentivo aos magistrados nomeados para neles
exercerem funções.
VIII. O quarto aspecto que ressalta da exposição do Mestre Filipe Sitoi
relaciona-se com a reforma legal em curso em Moçambique. Muitos
diplomas legais têm sido alterados, mas pode-se questionar se essas
alterações têm contribuído para a desejada celeridade processual. Ainda
204
IX. Questiona-se, muitas vezes, se a UTREL, pelo menos nos moldes
em que actualmente está estruturada – com um Director e sem um
quadro técnico permanente – será o melhor modelo, pois se é verdade
que consegue disponibilizar ao Governo propostas tecnicamente bem
elaboradas, nota-se a ausência de uniformização de propostas e uma
articulação entre as diversas equipas ou consultores contratados para a
elaboração de propostas legislativas. Para além disso, a outra preocupação
que existe e se não deveria ser esta a instituição governamental que, com
um quadro permanente de investigadores, deveria levar a cabo o processo
de avaliação das reformas que têm sido realizadas.
Alguns exemplos que o Mestre Filipe Sitoi indica, podem-nos ajudar a
compreender melhor esta percepção:
i) a ausência de uma Lei de Bases da Administração da Justiça, a qual,
diz, regularia o sector no seu todo67 ;
O respectivo projecto chegou a ser elaborado pelo CFJJ sob os auspícios da UTREL mas,
estranhamente, nunca chegou a ser aprovado.
67
205
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
ii) a existência de contradições inexplicáveis na Lei da Organização
Judiciária, pois continua a proclamar que a divisão judicial coincide com
a divisão administrativa, mas refere que a divisão judicial deve basear-se
noutros critérios, como o número de habitantes, o volume e natureza da
procura de tutela, a proximidade da justiça ao cidadão e às necessidades
do sistema da administração da justiça;
iii) o aumento, nuns casos, e redução, noutros, injustificada, das
competências dos tribunais judiciais de distrito, sem que os mesmos
tenham condições para as funções que agora lhes foram cometidas68 e
impossibilidade de julgarem litígios laborais superiores a um pouco
mais do que um salário mínimo e grande parte dos litígios de família e
menores69;
iv) a falta de aprovação do Código das Custas Judiciais, do novo regime
jurídico da insolvência e recuperação de empresas e os contornos da revisão
do Código Penal;
v) a falta de articulação da elaboração da reforma prisional, a qual, apesar
de iniciada, ainda carece de aperfeiçoamentos, recomendando a aprovação
de penas alternativas de prisão.
X. Um aspecto que o Mestre Filipe Sitoi refere, com muita oportunidade,
é o do conhecimento das leis pelos operadores judiciários em geral, mas dos
seus destinatários últimos em particulares. Segundo o nosso direito positivo,
o desconhecimento da lei não isenta as pessoas das sanções nela previstas,
Aumento da competência para os tribunais julgarem litígios criminais, pois agora passaram a
julgar crimes com moldura penal abstracta até 12 (doze) anos (tribunais de 1.ª classe) e 8 (oito) anos
(tribunais de 2.ª classe). Há outros casos que podem ser indicados, como é o da existência de um prazo
injustificável de 2 (dois) anos para a instauração do processo de investigação de paternidade, pelo que
decorrido este prazo, a paternidade nunca mais pode ser investigada, continuando certa pessoa a ser
filha de outro, quando pode, com o tempo, existirem provas capazes de abalar essa paternidade. Tratase, aliás, de um caso de presunção ilidível por prova em contrário mas que o legislador moçambicano
decidiu limitar a investigação da paternidade a 2 (dois) curtíssimos anos.
68
Os tribunais judiciais de distrito de 2.ª classe não podem julgar as acções relativas as relações de
família e os processos jurisdicionais de menores. Estão nesta categoria todos os tribunais judiciais de
distrito, à excepção dos 34 (trinta e quatro) tribunais judiciais de distrito de 1.ª classe, designadamente
os tribunais judiciais da Cidade de Lichinga e Distrito de Cuamba (Niassa), da Cidade de Pemba e
Distritos de Montepuez e Mocímboa da Praia (Cabo Delgado), Cidade de Nampula e Distritos de
Nacala-Porto, Angoche e Ribaué (Nampula), Cidade de Quelimane e Distritos de Mocuba e Gurué
(Zambézia), Cidade de Tete e Distritos de Moatize e de Angónia (Tete), Cidade de Chimoio e Distritos
de Manica e Bárue (Manica), Cidade da Beira e Distrito do Dondo (Sofala), Cidade de Inhambane e
Distritos de Maxixe, Vilanculos e Massinga (Inhambane), Cidade de Xai-Xai e Distritos de Chókwé,
Chibuto e Macia (Gaza), Cidade da Matola e Distrito da Moamba (Maputo) e os Distritos Municipais
de KaMpfumu, Lhlamankulu, KaMaxakeni, KaMavota e KaMubukwana (Cidade de Maputo).
69
206
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
pelo que é inquestionável que é obrigação do Estado dar a conhecer aos
cidadãos as leis que vai, de forma intensa, disponibilizando.
Ainda que não o diga de forma expressa, parece fora de qualquer dúvida
que as instituições que são incumbidas da responsabilidade do acesso
à justiça, devem, igualmente, preocupar-se em difundir as leis que
vão sendo publicados, através da criação, por exemplo, de centros de
divulgação de legislação. Mais do que apoiarem no acesso aos tribunais,
as organizações da sociedade civil podem, neste âmbito, desempenhar um
papel extremamente importante de divulgação e avaliação das reformas
legais.
Podemos, assim, dizer, que sendo evidente que trata-se de uma prioridade
governamental, o bom andamento da reforma legal deve ser acompanhado
de um processo de avaliação crescente das reformas, o que não tem sido
prioridade do Governo. Por exemplo, apesar de prevista, nunca chegou a
ser criada a Comissão de Acompanhamento do Código Comercial, cujo
período expirou em 2011, o que representa um sintoma de ausência de
preocupação na avaliação e melhoria das leis.
XI. Uma outra questão é referida pelo Mestre Filipe Sitoi: a falta de
combate, no interior do judiciário, da corrupção, pois não se tem posto em
prática mecanismos exequíveis, eficientes e transparentes para o efeito, pelo
que sugere a necessidade de reforma da inspecção judicial, estabelecendo
mecanismos de fiscalização independente e participativa, eventualmente,
com a participação da sociedade civil.
Deve, aliás, concordando com o Mestre Filipe Sitoi, dizer-se que, sendo a
justiça um serviço público, é importante adoptar um sistema de avaliação
e remuneração dos magistrados, pois o crescimento que o país está a
observar exige um incremento qualitativo do número de funcionários
judiciais, ou através da previsão de um orçamento capaz de suportar
essas necessidades ou de um outro sistema remuneratório, até porque os
Estatutos dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público trouxeram,
diz o orador, resultados diferentes na motivação profissional e social,
uma vez que muitos direitos e regalias não entraram em vigor ou foram
concretizadas de forma diferente nos diversos tribunais e procuradorias.
207
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
XII. Parece que o orador coloca a questão da falta de motivação como
podendo resultar da falta do cumprimento do Estado dos direitos e regalias
dos magistrados. Se é verdade que os Estatutos das duas magistraturas
trazem um conjunto de direitos e regalias70 , não deixa de ser preocupante
que certos tribunais, como é o caso dos Tribunais Superiores de Recurso,
tenham entrado em funcionamento sem a garantia do usufruto desses
direitos e regalias.
XIII. A justiça, a sociedade e a economia estão intimamente ligadas. O
desenvolvimento da economia a que se assiste nos últimos anos, não tem
sido acompanhado, podemos concluir, pelo desenvolvimento da justiça. É
verdade que a justiça é, por definição, lenta porque ponderada, mas não
pode ficar alheia aos avanços que a economia está a ter, muito menos os
lamentos vindos da sociedade.
Se o país ainda carece de magistrados a todos os níveis, a existência de
demasiadas71 regalias podem ser um entrave ao aumento do número
de magistrados, justamente porque o Estado não terá possibilidades de
oferecer essas condições à medida que os magistrados forem formados.
Parece-nos, pois, que uma das formas de resolver este problema não é
tanto conceder regalias materiais, mas sim financeiras, atribuindo uma
remuneração condigna ao magistrado que terá de criar, ele próprio, todas
as condições de habitação.
A previsibilidade é importante e as pessoas em geral e os investidores
em particular pretendem uma informação muito simples e clara sobre
o recurso a tribunal: em quanto tempo a decisão será proferida, quais
os encargos judiciais que deverão ser suportados e quais os honorários
que deverão ser exigidos. Apesar dos esforços que têm sido feitos, isso não
tem sido possível, mas bem respondidas essas questões podem contribuir
para uma maior previsibilidade, menores riscos e mais confiança na
justiça. Então se a justiça contribui para aumentar os custos dos agentes
económicos – por exemplo com a demora da decisão, custas e honorários
de advogado – sempre será vista com desconfiança.
Pode, porém, dizer-se que o exercício da função de magistrado implica
que este seja tratado com deferência que a função exige, pelo que o
Estado deve preocupar-se que o mesmo resida numa habitação condigna.
Julgamos que essa reposta é, porém, insuficiente. Na verdade, do mesmo
modo que o magistrado, por exemplo, o polícia ou o funcionário judicial
tem um papel importante na administração da justiça, mas nem por isso
são tratados com a deferência que as suas actividades exigem. A solução
não será tanto estabelecer na lei tais regalias – muitas vezes difíceis de
cumprir, o que cria os tais problemas de motivação – mas criar outro tipo
de condições que o Estado esteja em condições de suportar – o que pode
contribuir para aumentar, rapidamente, o número de magistrados – mas
sem que isso ponha em causa a desejada independência que o exercício da
função de magistrado exige.
XIV. Como qualquer outra área produtiva, a justiça produz um serviço
consumido pela sociedade e pelos agentes económicos. Esse produto deve
ser, então, oferecido com qualidade, ser acessível e de forma rápida. O
consumidor tem direito à protecção dos seus interesses, impondo-se a
lei nas relações contratuais entre diversos consumidores, com recurso ao
princípio da igualdade, lealdade e boa-fé.
Muitos desafios foram apontados, conhecemos o caminho a seguir.
Estaremos em condições de o fazer? Podíamos, em jeito de conclusão,
dizer que as dificuldades que o Mestre Filipe Sitoi indica, devem ser
encaradas como desafios, transformando-os em oportunidades que só a
criatividade e o talento que habita em cada um de nós as pode vencer. Este
é o desafio que a administração da justiça nos coloca.
Casa da habitação mobilada pelo Estado ou a expensas deste (incluindo electrodomésticos e outros
equipamentos, bem assim a substituição de ambos quando se tornem incapazes de uso normal),
despesas de água e energia eléctrica, viatura de serviço ou de alienação, subsídio de compensação
quando resida em casa própria, subsídio de combustível ou manutenção da viatura, subsídio de risco,
passaporte de serviço, passaporte diplomático e viagem em classe executiva, viatura protocolar
(juízes desembargadores e juízes conselheiros).
70
Demasiadas regalias no sentido de impossibilidade ou dificuldade do seu imediato cumprimento.
71
208
209
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
O DEBATE COMO UM DOS INSTRUMENTOS DA
CONSTRUÇÃO DE UMA VISÃO COMUM
DO NOSSO PAÍS
Comunicação apresentada por Sua Excelência, Armando
Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique,
por ocasião do encerramento do Ciclo dos Seminários
do ano de 2012 organizados pelo Gabinete de Estudos da
Presidência da República
Senhores Membros do Conselho de Ministros,
Distintos Painelistas,
Caros convidados,
Minhas senhoras e meus senhores,
Permitam-nos saudar a todos os presentes neste espaço de
reflexão e de debates sobre os mais variados assuntos ligados
ao desenvolvimento deste nosso belo Moçambique. A temática
que hoje tivemos a oportunidade de reflectir, que é sobre o papel
das confissões religiosas no desenvolvimento de Moçambique,
demonstra inequivocamente que cada confissão religiosa
independentemente dos seus princípios e valores orientadores
tem um contributo a dar na materialização da nossa agenda de
luta contra a pobreza.
Por isso, queremos prestar o nosso reconhecimento a todas
as confissões religiosas do Rovuma ao Maputo e do Zumbo
ao Indico, aqui presentes e não presentes, pelo seu contributo
na edificação e promoção de princípios éticos e morais que
visam criar uma sociedade cada vez mais tolerante e justa e na
transmissão dos ideais da cultura do trabalho.
210
Gabinete de Estudos da Presidência da República
G
Os seminários organizados pelo Gabinete de Estudos da
Presidência da República tem o condão de:
• Estar também a ampliar junto dos diferentes segmentos
da nossa sociedade a Presidência Aberta e Inclusiva que
abraçamos;
• Ser uma forja de ideias e de pontos de vista dos diferentes
concidadãos o que contribui, em parte, para construção de
uma visão comum sobre o desenvolvimento e compreensão
dos resultados da nossa governação; e
• Ser um espaço onde a partilha de saberes, experiências
e vivências se entrelaçam com amizades que se criam
contribuindo, desta feita, no aprofundamento do espírito
de solidariedade, que caracteriza os moçambicanos.
Minhas Senhoras e meus Senhores,
Assistimos aqui na Presidência da República durante todo o
ano em curso a um conjunto de apresentações, que culminam
com a que hoje acaba de ser apresentada e debatida neste último
seminário do ano em procedemos ao encerramento do ciclo de
seminários de 2012.
Neste contexto, manifestamos a nossa profunda satisfação pelos
ensinamentos que a abordagem dos temas que ao longo do ano
foram debatidos, trouxeram para a nossa governação.
Saudamos a pertinência e actualidade das temáticas excelentemente
abordadas pelos nossos peritos, fruto da nossa independência,
que com clareza e profundidade, contribuiram para a melhoria na
formação e implementação das nossas politicas públicas e na busca
incessante de soluções articuladas e integradas dos desafios que
emergem das mudanças que estamos a imprimir na implementação
da nossa agenda.
211
Comunicações dos Seminários da Presidência da República
C
Esta iniciativa é produto de uma equipa dinâmica e dedicada
que nos proporcionou uma oportunidade para vermos os nossos
peritos, peritos moçambicanos, fruto da nossa independência,
a desfilarem para apresentar e partilhar os seus conhecimentos
e saberes. Oportunidade também de, neste local, forjarem-se
e cimentarem-se amizades e parcerias num claro exercício de
partilha de outras oportunidades que estes eventos também
oferecem.
Antes de terminar, queremos mais uma vez, dirigir a nossa
palavra de apreço e carinho aos diferentes intervenientes deste
seminário, e, de forma particular aos painelistas pelo inestimável
contributo por eles trazido em forma de esclarecimento e de
reflexão. Referimo-nos ao:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Dr. Adriano Maleiane
Drª.. Albertina Fruquia
Professor Severino Ngoenha
Professor José Castiano
Dr. Nelson Ocuane
Professor Daud Jamal
Dr. Filipe Sitoi
Dr. Tomáss Timbana
Dr. Zaqueu Ranchaze e
Drª.. Neyma Nurdin Sau
Sau.
Assim, declaramos encerrado o ciclo de seminários do ano de
2012.
Muito obrigado pela vossa atenção e votos antecipados de uma
boa quadra festiva.
212