329 - Universidade Católica Portuguesa
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329 - Universidade Católica Portuguesa
RECENSÕES 331 BAYLIN, Bernard. Atlantic History. Concepts and Contours (Cambridge/London, Harvard University Press, 2005) 149 pp. Bernard Baylin, professor emérito da Adams University e director do Seminário Internacional sobre a História do Mundo Atlântico na Universidade de Harvard é um investigador de renome no panorama mundial, tendo já sido agraciado com os Prémios Pulitzer e Bancroft, pela publicação de The Ideological Origins of the American Revolution, e com o National Book Award, pela publicação de The Ordeal of Thomas Hutchinson. Em Atlantic History. Concepts and Contours, publicado, em 2005, pela Harvard University Press, Baylin confirma a progressiva relevância que o mundo académico tem dado ao domínio da história atlântica sob uma óptica comparada. O ensaio é emoldurado pela tentativa do historiador em definir não só as origens e os posteriores desenvolvimentos da noção de “história atlântica”, como também a centralidade deste conceito na compreensão do momento presente, sobretudo, em função da progressiva importância dada pelos historiadores ao Atlântico no século XX, na sequência dos dois conflitos mundiais. O ensaio de Baylin ocupa um espaço de relevo no quadro da produção académica sobre a história transatlântica, na medida em que o autor se propõe examinar o longo período que se estende dos primeiros contactos da Europa com o hemisfério ocidental aos movimentos de independência nas antigas colónias sob domínio europeu até à revolução industrial e os seus efeitos na globalização. No entanto, o peso que concede ao papel desempenhado pelo Reino Unido e, posteriormente, pelos Estados Unidos, no (des)equilíbrio de forças políticas e económicas, na investigação sobre as relações entre os diferentes povos e culturas que têm o Atlântico em comum, frustra, em alguma medida, o leitor do mundo atlântico. Frustração que deriva da pouca (ou quase nenhuma...) atenção prestada às fontes históricas sobre o papel de inequívoco relevo desempenhado pelos portugueses, sobretudo, quando se consideram as primeiras descobertas do chamado “Novo Mundo”, os diferentes ciclos do império português e a sua consequente influência no Brasil e em várias partes de África até aos nossos dias. Tal crítica não é nova, uma vez que a lacuna de ordem bibliográfica, com evidentes repercussões na problematização do conceito de “história atlântica”, já havia sido apontada por Timothy Coates, na recensão que fez a este volume, em e-JPH (Vol. 3, number 1, Summer 2005). 332 Apesar da inequívoca seriedade e importância do ensaio aqui em discussão, o leitor do mundo atlântico indaga-se, após a leitura do livro, sobre as palavras do autor, no prefácio, quando afirma que “[h]istory is what has happened, in act and thought; it is also what historians make of it”. Cremos que a lacuna acima referida só poderá ser preenchida quando mais historiadores interessados na história de Portugal, do Brasil e dos países africanos de expressão portuguesa e nas especificidades da empresa colonial portuguesa por oposição ao império britânico tiverem a chance de partilhar o seu saber com os intervenientes nos seminários internacionais sobre o mundo atlântico. Quando isto acontecer, as palavras de Baylin no prefácio assumirão uma outra proporção, pois, afinal de contas, “history is also what historians make of it”. Adriana Alves de Paula Martins 333 PETRÓNIO, Satyricon. Versão portuguesa de Delfim F. Leão (Lisboa, Livros Cotovia, 2005) 245 pp. Encontra-se finalmente acessível uma excelente e fidedigna versão para língua portuguesa do Satyricon de Petrónio. De facto, a tradução feita por Delfim Leão e publicada sob a chancela dos Livros Cotovia vem colmatar uma lacuna que se fazia sentir – a inexistência em Portugal de uma tradução do Satyricon feita a partir do original latino. A tradução portuguesa existente – publicada pela EuropaAmérica – foi feita a partir de uma tradução francesa, pelo que não é, naturalmente, fidedigna ao original latino. É com satisfação que saudamos esta versão do Satyricon que, para além da sua qualidade intrínseca, de que falaremos mais adiante, seduz também pela apresentação estética do livro e pela sua qualidade gráfica. Delfim Leão, professor e investigador da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e tradutor de obras gregas e latinas de autores como Sólon, Heródoto, Aristóteles (a sua versão portuguesa da Constituição dos Atenienses foi distinguida, em 2004, com o Prémio de Tradução Científica e Técnica em Língua Portuguesa da FCT/União Latina), Plutarco e Marcial, fez a sua versão a partir do texto latino fixado por Konrad Müller (Petronius Satyrica, Artemis, Zürich, 41995). Em nota preliminar, Delfim Leão chama a atenção para o facto de o Satyricon “ser uma obra truncada no início e no fim” e apresentar ao longo da obra “frequentes lacunas de pequena dimensão” que aparecem identificadas na tradução “com um asterisco ou, mais raramente, com reticências”. Esclarece ainda ter optado “por uma apresentação mais próxima do leitor moderno, em particular na indicação do discurso directo, que torna a leitura mais clara e agradável do que a escrita contínua do original.” Optou também – e bem – por dividir o texto em capítulos e estes em parágrafos numerados, indo ao encontro da convenção habitual para os textos clássicos. A anteceder a tradução, Delfim Leão apresenta uma breve introdução (pp.9-25), na qual aborda de forma sucinta e leve, como convém numa edição que se pretende para um público abrangente, os tópicos mais relevantes para a compreensão da obra e do seu autor. Começa por apresentar o Satyricon como “um caso especial e único” na literatura latina, “quer pelo tema, quer pela estrutura, quer pelo estilo” (p.9), salientando o interesse que, por um lado, a obra desperta 334 nos estudiosos do património cultural da Antiguidade, e a sedução que, por outro lado, consegue provocar no leitor comum que contacta pela primeira vez com o imaginário clássico. A questão dos problemas relativos à datação e autoria da obra é tratada de forma breve e sucinta ao longo de três páginas, nas quais Delfim Leão refere os vários elementos que sustentam a datação tradicional (séc. I) e admite partilhar da opinião dominante que identifica “o Petronius Arbiter dos códices com o elegantiae arbiter ‘árbitro das elegâncias’ da corte de Nero” (p.12). Aborda de seguida (pp.13-14) a questão algo controversa do título, controvérsia que levou o tradutor a optar - bem na nossa opinião - por mantê-lo no original latino, embora, em nota de rodapé, reconheça como defensável também uma versão mais próxima do português: Satíricon. Segue-se uma breve síntese da acção (pp.1519), na qual é dado o devido destaque ao episódio central da obra: o Festim de Trimalquião, “um verdadeiro microcosmos da sociedade da Roma imperial no séc. I da nossa Era” (p.17). Termina a introdução com o retrato de Petrónio feito pelo historiador Tácito nos Anais 16.18-20.2, passo que Delfim Leão apresenta em tradução da sua autoria. O Petrónio retratado por Tácito aparece como alguém que passava os dias “mergulhado no sono e as noites nas ocupações e prazeres da vida. Tal como a outros o zelo, assim a ele a indolência o guindara à fama; e, no entanto, não era considerado um libertino nem um dissipador, como a maioria dos que esbanjam os bens, mas sim homem de gostos requintados.” No que diz respeito à tradução, é evidente a qualidade da versão feita por Delfim Leão que, uma vez mais, revela toda a sua competência na tradução de textos clássicos, tendo conseguido, neste caso particular, manter o estilo “leve e escorreito” de Petrónio, arranjando soluções felizes para a tradução, nem sempre fácil, de expressões correspondentes aos diferentes níveis de linguagem presentes no Satyricon. Profundo conhecedor do original latino – já estudara a obra de Petrónio no âmbito da sua dissertação de mestrado: As ironias da Fortuna. Sátira e Moralidade no Satyricon de Petrónio (Colibri, Coimbra e Lisboa, 1998) –, Delfim Leão conseguiu uma versão portuguesa clara, expressiva e fidedigna, em que procurou, com bastante êxito, manter a veia satírica e a diversidade e riqueza linguística do texto latino. Sem querermos, naturalmente, retirar qualquer brilho à inegável qualidade desta versão do Satyricon, a verdade é que numa tradução sempre se podem apontar algumas pequenas discordâncias, muitas delas de carácter subjectivo; é o que acontece, por exemplo, em 30.1, 335 onde optaríamos por ‘feixes’ em vez de ‘os feixes’ e por ‘onde estava escrito’ em vez de ‘onde havia esta dedicatória’; em 35.2 usaríamos ‘pois’ em vez de ‘então’; em 38.2, traduziríamos ad summam por ‘em suma’ – como, aliás, Delfim Leão fez em 37.10 – em vez de ‘ou seja’; em 48.1, na proposição ‘se o vinho lhes não agrada’, substituiríamos o ‘lhes’ por ‘vos’; em 49.4, 49.5 e 49.7, Delfim Leão traduziu o mesmo verbo latino – exinterare – sempre de maneira diferente: ‘desentranhado’, ‘tirar as tripas’ e ‘esventrar’, quando talvez fosse preferível optar sempre pelo mesmo verbo, à semelhança do que acontece no texto latino; pensamos que, em 50.4, a versão de scilicet ficaria mais expressiva se tivesse sido traduzida por ‘é claro que é’, em vez de um simples ‘claro’. Enfim, são apenas reparos subjectivos de alguns passos cuja tradução nos agrada um pouco menos, mas não passam disso. O tradutor optou por não introduzir notas ao texto, embora, curiosamente, apareçam ao longo da tradução três notas (pp.59, 65 e 66), cuja inclusão não se compreende, já que a opção foi, efectivamente, pela ausência de notas. Esta opção é, aliás, discutível, sobretudo se tivermos em conta que esta edição se dirige a um público alargado e não somente a especialistas da literatura latina. Se, por um lado, tal opção permite que a tradução possa ser lida sem interrupções, por outro, pode dificultar a compreensão do texto, já que um leitor menos familiarizado com a cultura clássica nem sempre terá todos os conhecimentos necessários para um pleno entendimento da obra, problema que facilmente se resolveria com algumas sucintas notas explicativas que fornecessem dados e elementos essenciais a uma melhor compreensão do texto. O volume encerra com uma “Bibliografia selecta”, composta por edições críticas, traduções e comentários, e por estudos. É pena que numa edição tão cuidada e com tamanha qualidade gráfica se tenham deixado escapar algumas gralhas (p.26: ‘lonto’ por ‘longo’; p.33 (6.2): ‘eproveitei’ por ‘aproveitei’; p.102 (60.7): ‘Agusto’ por ‘Augusto’; p.149 (91.2): ‘fraqueza’ por ‘franqueza’; p.150 (91.9): ‘amizave’ por ‘amizade’; p.159 (97.6): ‘a leitozito’ por ‘o leitozito’; p.169 (102.15): ‘acaso’ por ‘Acaso’; p.173 (105.11): ‘inflingido’ por ‘infligido’; p.183 (111.4): ‘colcada’ por ‘colocada’; p.240 (140.13): ‘manã’ por ‘maná’). Sabemos que não é fácil eliminar completamente as arreliadoras gralhas – há sempre alguma que consegue iludir a nossa atenção – mas a verdade é que, numa edição com a qualidade gráfica que esta apresenta, o esforço para as erradicar 336 tem de ser ainda maior do que o habitual, porque as gralhas sobressaem mais. Em suma, congratulamo-nos com o aparecimento da primeira versão portuguesa, feita a partir do original latino, “do romance ou proto-romance” Satyricon, uma obra que, não sendo certamente, como bem reconhece Delfim Leão, “a obra mais importante ou influente que nos chegou da tradição greco-romana (...), a forma como o seu autor soube reescrever a produção literária que lhe era anterior, inserindo-a num retrato da Roma imperial, simultaneamente crítico, refinado e divertido, faz de Petrónio, quase vinte séculos volvidos sobre a sua morte, um dos autores mais interessantes e modernos que a Antiguidade nos legou”. Delfim Leão termina a introdução a esta versão portuguesa do Satyricon dizendo que cabe ao leitor confirmar se a sua publicação foi em boa hora. Pois nós não temos quaisquer dúvidas, foi, efectivamente, em boa hora, que a Cotovia publicou esta belíssima tradução que permite ao leitor português, através de uma versão fidedigna e numa edição de inegável qualidade gráfica e científica, ter o prazer de conhecer o excêntrico novo-rico Trimalquião e de entrar, na companhia de Encólpio e de Gíton, entre outros, no mundo de paródia, humor e ironia que envolve esta sedutora e narrativamente moderna obra do séc. I. Aires Pereira do Couto 337 MCEWAN, Ian. Primeiro Amor, Últimos Ritos. 3ª ed. trad. Ana Falcão Bastos. (Lisboa, Gradiva, 2005). Últimos Ritos, Primeiro Amor é a tradução portuguesa de First Love, Last Rites (1975), a polémica obra de estreia do prosador e argumentista inglês Ian McEwan, vencedora do Somerset Maugham Award. Trata-se de um conjunto de oito narrativas, que revelam alguns temas centrais da escrita de McEwan: a perda da inocência; a sexualidade e a perversão; o crime e a culpa. Estes assuntos são abordados numa perspectiva neo-gótica, que arrisca explorar comportamentos sexuais desviantes como o incesto, a pedofilia, ou o simples voyeurismo. Nesta mistura, aperfeiçoada nos três livros seguintes (In Between the Sheets, The Cement Garden, e The Comfort of Strangers), reside a singularidade da escrita de McEwan, mas também a repulsa que alguns leitores sentem perante as suas histórias. Longe de se desculpar, McEwan assume despudoradamente o desejo de perturbar, confrontando-nos ora com medos profundos ora com questões morais, de forma esbater a linha que separa a normalidade do estranho. Numa entrevista, confessa: “Quando comecei a escrever, aos 20 anos, queria chocar, escapar da cinzenta e provinciana literatura inglesa e seguir William Burroughs, Philip Roth, John Updike e Henry Miller, que pareciam estar em busca de algo mais ambicioso e arriscado”. Nesta linha, várias das narrativas de Últimos Ritos, Primeiro Amor apresentam temas ousados e desconcertantes. Por exemplo, o conto de abertura, intitulado “Geometria no espaço”, gira ao redor do falo do capitão vitoriano Nicholls, conservado em formol, e deixado ao narrador, em herança. A história seguinte, “Caseiro”, revela a primeira experiência sexual de um jovem de catorze anos com a irmã, uma criança ainda, quando brincavam às mamãs e aos papás. O conto mais atrevido talvez seja “Borboletas”, onde a morte e o amor — os eternos temas da escrita — se mesclam com a pedofilia. O leitor segue os passos de um jovem que obriga uma rapariga a excitá-lo sexualmente, um acto que resultará num desfecho tão fatídico quanto inesperado. Todos estes contos são relatados na primeira pessoa, criando a sensação de confissões sexuais, e aumentando a cumplicidade entre o leitor e o narrador. Nem todos os críticos apreciaram a ousadia de McEwan, que pode ser também confundida com um desejo de notoriedade, através do sucesso de escândalo. Neste contexto, a recepção a Últimos Ritos, Primeiro Amor foi díspare, mas não deixou ninguém indiferente. 338 Alguns analistas deploraram a alegada imoralidade das narrativas, ao ponto de alcunharem o autor de Ian Macabre, ou o de o classificarem como um “literary psychopath”. Pelo contrário, outros saudaram-no como um talento a seguir com interesse e gosto — e McEwan não os desapontou. À distância de quase três décadas, e com a moderação que a passagem do tempo concede, parece-me justo relevar algumas das particularidades estilísticas de McEwan. Agrada-me sobretudo a sua aptidão para criar atmosferas, por vezes densas ou próximas ao realismo mágico, mas sempre verosímeis. Como afirma um crítico do New York Times, “Ian McEwan's fictional world combin[es] the bleak, dreamlike quality of de Chirico's city-scapes with the strange eroticism of canvases by Balthus. Menace lies crouched between the lines of his neat, angular prose, and weird, grisly things occur in his books with nearly casual aplomb”. Um dos contos mais atmosféricos de Últimos Ritos, Primeiro Amor é precisamente o que dá título à colectânea de contos e a remata. Trata-se de uma pequena novela que relata a obsessão sexual entre o jovem narrador e uma rapariga, (Sissel), presenciada pelo irmão desta. As metáforas originais, as comparações engenhosas e as descrições pormenorizadas resultam num ambiente visualmente evocativo. O realizador Jesse Peretz notou esta qualidade e adaptou o conto a filme, em 1998, com mais arte do que êxito comercial. Outros trabalhos de McEwan já tinham sido transpostos para o cinema, a saber: The Comfort of Strangers (Paul Schrader, 1990), The Cement Garden (Andrew Birkin, 1993), The Innocent (John Schlesinger, 1993). O talento de McEwan revela-se também na forma como explora, com humor e uma pontinha de ironia, comportamentos sexuais que ainda são tabu na sociedade contemporânea. Ao escolher adolescentes para protagonizar as suas histórias, o autor permite-nos, mais do que um regresso nostálgico ao paraíso perdido da juventude, uma reinterpretação do acto biológico e social do crescimento. Neste sentido, alguns dos actos eróticos das personagens podem ser lidos como experiências importantes em busca da identidade, e não como perversões vazias ou meramente destinadas a chocar o leitor. Os narradores de “Caseiro” ou de “O último dia do Verão”, por exemplo, são inocentes e ingénuos, nas suas descobertas e reflexões, porque a força da sexualidade, aliada à inexperiência, os controla mais do que eles a controlam. O que eventualmente surpreenderá os leitores é a naturalidade quase adâmica dos seus actos, e a sensação de que, apesar de tudo, os narradores são jovens vulgares. 339 No entanto, Últimos Ritos, Primeiro Amor não é um livro perfeito e as limitações, naturais numa obra de estreia, podem ser detectadas numa leitura atenta. Mesmo ao folhear o livro, apercebemo-nos, pela mancha tipográfica, da quase ausência de diálogo, o que é estranho, se tivermos em conta que as falas, frequentes na narrativa contemporânea, revelam a personalidade dos actantes, fazem progredir a acção e concedem vivacidade à história. Por outro lado, algumas conversas entre as personagens, sobretudo no conto “Borboleta”, pecam pela falta de fluidez e de naturalidade. O próprio autor, em entrevistas que tem concedido, demonstra algum embaraço acerca desta obra de estreia. Sem a enjeitar de todo, prefere considerá-la um degrau necessário à sua maturidade como homem e escritor. Com o romance A Child in Time, vencedor em 1987 do Whitbread Novel of the Year Award, McEwan afasta-se do ambiente neo-gótico. Nesta obra e nas seguintes investe noutros géneros literários (nomeadamente o guião cinematográfico), alarga as suas temáticas, e torna-se mais permeável às influências de Harold Pinter, Peter Schrader ou Evelyn Waugh. Das obras anteriores, McEwan trouxe a elegância do estilo, o conhecimento do espírito humano e a ironia inteligente — qualidades que desenvolverá ao longo dos anos e que lhe valeram um espaço nas estantes dos leitores, e um lugar cativo no cânone literário da literatura inglesa. João de Mancelos Cristina de Sousa PIMENTEL, Delfim LEÃO, José Luís BRANDÃO (Coordenação), Toto notus in orbe Martialis. Celebração de Marcial 1900 anos após a sua morte. (Coimbra e Lisboa, Universidade de Coimbra e Universidade de Lisboa, 2004) 327 pp. Este conjunto de estudos dedicados a Marcial corresponde às actas do Colóquio, organizado em Março de 2004, pelo Instituto de Estudos Clássicos e Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra e pelo Departamento de Estudos Clássicos e Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, destinado a comemorar os dezanove séculos passados sobre o desaparecimento de Marcial. As comunicação reunidas nesta edição reflectem esses dois dias de jornadas científicas (que decorreram em Lisboa e Coimbra) e cobrem aspectos diversificados da obra e figura de Marcial, da natureza e temática dos seus epigramas, da sua filosofia de vida, dos seus predecessores, bem como dos seus seguidores. Abre a colectânea uma poética visão de alguns momentos da vida de Marcial, evocados pelas suas cinzas, lançadas eventualmente ao rio Tejo, perto de Bílbilis, sua terra natal, onde o poeta passou o último período da sua vida, depois de 34 anos passados em Roma. O texto “A cinza falante do poeta. Na celebração dos 1900 anos da morte de Marcial” está escrito com a sensibilidade e mestria a que o Doutor Walter de Medeiros já nos habituou. Segue-se um conjunto de artigos diversificados que, no dizer dos coordenadores, “abordam aspectos como a ligação entre a vida do poeta e os epigramas que escreveu, os reflexos das circunstâncias históricas e sobretudo políticas na sua obra, a presença de linhas temáticas, tão importantes como inesperadas num epigramista (como o amor e a morte), ou debruçam-se sobre considerações de âmbito sociológico e de história das mentalidades. Numa análise centrada em aspectos específicos dos Epigramas, observam-se a perspectiva do poeta relativamente ao teatro, que afinal está presente, ainda que doutra forma, nos seus poemas; o lugar, papel e significado das referências, nos epigramas, aos balnea, e o prisma pelo qual Marcial vê e aprecia os autores, gregos e latinos, que o precederam. Há ainda espaço para analisar a influência de Catulo na produção epigramática de Marcial, e para observar de que modo Marcial e Petrónio trataram o tema do “novo-rico” e que género de personagens são o Zoilo dos Epigramas e o Trimalquião do Satyricon. Por fim, dois artigos abordam a recepção de Marcial e a forma como a sua obra foi lida, 341 entendida e assimilada, quer pelos autores cristãos da Antiguidade tardia e da Idade Média, quer, de modo específico, nos autores espanhóis que, até ao séc. XVII, escreveram em latim. ” (p. 3-4) No primeiro desses artigos, “Política e História nos Epigramas de Marcial”, Maria Cristina Pimentel debruça-se sobre a estratégia de adulação de Marcial ao poder, estudando os Epigramas dirigidos não aos Imperadores, mas a personalidades que lhe eram próximas, que teriam o poder de o proteger e de recomendar a sua poesia. José Luís Brandão destaca o tratamento de Marcial dado aos temas do amor e da morte, e particularmente a sensibilidade do poeta face à morte inesperada e prematura dos amigos, aos quais, por vezes, não pode prestar honras fúnebres, por terem morrido longe, e face à morte dos seus próprios servos, vítimas de uma sorte cruel. São expressões sinceras de sentimento, estas composições, pois, como diz o autor: “Podemos duvidar até de certas manifestações de amizade: acaso ditadas pela circunstância ou pela adulação. Mas dificilmente duvidamos da sinceridade das expressões de afecto para com os amigos mortos ante diem. E mais convincente se torna o lamento, se os pranteados não passam de simples escravos, para mais crianças. É a morte que arranca à pena do poeta a maios pura e sentida expressão do amor.” (p. 34) Jean Noel Robert pontua com dois artigos: “Société et cultus à l’époque de Martial” e “Virtus Romana et Taedium Vitae. Remarques sur l’évolution des mentalités et da la morale à l’époque de Martial”, dois estudos sobre a sociedade em que se movimenta Marcial. O autor apresenta Marcial como um poeta realista, que oferece a pintura de uma sociedade em transformação, ao nível das mentalidades, desde o final da República. Sentindo-se pobre e injustiçado, Marcial sujeita-se à sua condição de cliente. Esta época de Marcial assistiu a uma evolução das mentalidades, devido a factores políticos, económicos e sociais; é um período de crise política e moral, durante o qual Roma adapta as antigas virtudes republicanas às circunstâncias novas. O autor tenta, então, justificar o taedium uitae e a intemperança descritas por Marcial e Juvenal, no segundo dos estudos citados. Em “Marcial e o teatro”, Paulo Sérgio Ferreira vem mostrar que, numa época em que a representação de comédias e tragédias cedia terreno à simples recitação e leitura de peças, a poesia de Marcial “parece vir preencher uma lacuna deixada vaga pelo progressivo afastamento do público romano em relação à tragédia e à comédia.(...) a sua obra, além de manifestar o génio romano na forma como se inspira na realidade, parece ter consciência de olhar para esse mesmo 342 quotidiano do mesmo modo que a comédia tradicional. Apenas lhe interessa a parte risível de cada situação e, com o mimo, uma linguagem que traduza esse mesmo “realismo”. (p. 115). Em “Marcial e os banhos em Roma”, Isabel Graça analisa as múltiplas referências literárias dos Epigramas de Marcial à frequência dos banhos públicos, em Roma, ora nas thermae, ora nos balnea, destacando ora os serviços oferecidos aos seus frequentadores, ora as actividades físicas ali desenvolvidas, ora os comportamentos adoptado pela heterogénea clientela. “Zoilo e Trimalquião: duas variações sobre o tema do novo-rico”, de Delfim Leão, põe em paralelo duas figuras emblemáticas de novorico: Zoilo, frequentemente fustigado nos Epigramas de Marcial, e o liberto Trimalquião, do Satyricon de Petrónio. O autor analisa, por tópicos e em termos comparativos, alguns dos traços mais salientes destas duas figuras, a partir de passos de ambos os autores: a exibição de riqueza, o uso de anéis e a ascendência de escravo, o comportamento sexual e a higiene, o liberto enquanto anfitrião, terminando com uma apreciação global de Zoilo e Trimalquião e estabelecendo a diferença entre eles. Dois estudos se ocupam da presença dos autores antigos na obra de Marcial: “Autores de referência na obra de Marcial”, de João M. Nunes Torrão, e “Marziale Catulliano” de Paolo Fedeli. O primeiro, mais abrangente, analisa as referências de Marcial a autores gregos (Sófocles, Menandro, Safo, Calímaco, Homero, entre outros) e latinos (Tito Lívio, Propércio, Plínio, o Moço, Tibulo, Vergílio, Horácio, Lucano, Ovídio, Cícero e Catulo, entre muitos outros, muitos dos quais aparecem referidos uma só vez ou permanecem quase desconhecidos). O segundo ocupa-se da análise mais alargada e detalhada da influência da poesia de Catulo na produção de epigramas de Marcial, propondo-se o autor fazer o ponto da situação e introduzir um pouco de clareza “nella sempre più sfrenata ricerca di paralleli che molto spesso sono in realtà pseudoparalleli.” (p. 161) A propósito da pervivência de Marcial nas literaturas europeias, dão abundante informação os textos de Arnaldo do Espírito Santo, sobre a recepção de Marcial na Idade Média, e o de Juan Gil, que se pronuncia, num longo artigo que termina a colectânea, sobre a presença de Marcial em Espanha. O primeiro fala das leituras de Marcial feitas pelos autores cristãos da Antiguidade Tardia e da Idade Média, muito mais frequentes do que normalmente se imagina, prova de que a obra de Marcial fazia parte dos programas escolares. Conclui o autor, a partir da sua análise e dos manuscritos existentes que 343 “Marcial foi lido e conhecido em toda a parte. Lido e aprendido nas escolas da Antiguidade Tardia. Lido em florilégios moralizados. Utilizado no púlpito como fonte de exempla, a partir do século XII, pelo menos. Lido integralmente nos ambientes universitários. E quem sabe se lido às vezes às escondidas por aqueles que mais se encarniçaram contra ele.” (p. 224). O segundo estudo, de extensão muito superior aos demais da colectânea, quase uma monografia, de cem páginas, ocupa-se da influência de Marcial na literatura e na filologia clássica em Espanha, sua pátria, até ao século XVII. Algumas épocas e autores merecem obviamente maior realce (a Idade Média, os séculos XVI e XVII, os padres da Companhia de Jesus, entre outros), pela aceitação e imitação, recusa ou crítica da sua obra. Com muito acerto resolveram os editores reunir e divulgar este conjunto valioso de reflexões de alguns dos grandes especialistas na matéria, sobre a vida e obra de um dos grandes poetas hispânicos da Antiguidade, do qual tinham já também levado a bom porto a importante tarefa de traduzir os livros de Epigramas, que influenciaram gerações de escritores ao longo dos séculos. Helena Costa Toipa 344 Delfim LEÃO (Coordenação), Instituto de Estudos Clássicos. Um Passado com Futuro. 60 anos de actividade científica, pedagógica e cultural. (Coimbra, Imprensa da Universidade, 2005), 287 pp. Quando da passagem dos 60 anos do Instituto de Estudos Clássicos da Universidade de Coimbra, veio a lume, em boa hora, a edição comemorativa em epígrafe, cumprindo o “dever de cada geração garantir a preservação da memória dos acontecimentos que mais a marcaram.” (p. 5), nas palavras do seu coordenador. Esta obra oferece, pois, um acervo muito completo de informação e um conjunto de documentos marcantes da vida académica do Instituto nos 60 anos decorridos sobre a sua criação. Assim, o primeiro artigo, da autoria da Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, faz uma síntese das actividades do Instituto, referindo desde logo a docência e a investigação, a edição de revista Humanitas, bem como de outras publicações, a criação e desenvolvimento do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, não esquecendo a organização de numerosos Colóquios e Congressos, nem a implementação e apoio ao teatro universitário. Muito a propósito vem, pois, o artigo seguinte, precisamente a alocução do Prof. Francisco Rebelo Gonçalves, proferida na Sessão Inaugural do Instituto de Estudos Clássicos, a 10 de Maio de 1944, documento marcante na vida desta instituição. Segue-se o elenco do corpo docente do Instituto, desde a sua fundação, que destaca o percurso académico, os principais cargos e missões desempenhados, áreas de investigação e interesse de cada docente. Reproduzem-se, de seguida, quatro orações de sapiência de particular representatividade: a primeira, do Prof. Rebelo Gonçalves, proferida em 18 de Outubro de 1943, ano em que se iniciaram as actividades lectivas do Instituto, de que foi grande o impulsionador; intitulava-se, convenientemente, As Humanidades Clássicas e a Universidade de Coimbra. As outras três orações foram proferidas por três dignos representantes de outras tantas áreas de investigação do Instituto: Professores Américo Costa Ramalho, Maria Helena Rocha Pereira e Mons. Cónego José Geraldes Freire. O primeiro, no âmbito dos estudos humanísticos, proferiu, em 1980, a oração de sapiência Os Estudos de Camões na qual se debruça sobre a cultura do poeta, sobre a sua aquisição, rebatendo algumas ideias divulgadas que considera menos correctas e inserindo o autor no espírito, nos interesses e nos conhecimentos do Renascimento. A Doutora Maria Helena Rocha 345 Pereira ocupa-se de estudos helénicos, particularmente dos heróis da Ilíada e da Odisseia, intitulando a sua oração Nos alvores da cultura europeia: os Poemas Homéricos, proferida em 1987. Finalmente, o terceiro dos oradores referidos compôs uma oração sobre a sua área de investigação, o Latim Medieval; depois de o definir e balizar no tempo, fala detalhadamente do Latim utilizado em documentos notariais, bem como nos diferentes géneros cultivados, hagiografia, historiografia, epistolografia, direito, filosofia, liturgia, gramática, poesia, entre outros. As últimas páginas desta edição comemorativa são dedicadas à enumeração exaustiva dos eventos culturais do Instituto, desde 1944 até 2004 (congressos, conferências, cursos livres, lançamento de revistas, festivais de teatro, encontros com escritores, traduções comentadas editadas por membros do Instituto, entre muitas outras iniciativas), e contemplam ainda um apêndice fotobiográfico. A este volume junta-se um outro de menores dimensões (56 páginas) com um apêndice bibliográfico: o Fundo Especial Bibliográfico do Instituto de Estudos Clássicos, catalogado por Isaías Hipólito, organizado em seis categorias que reflectem fundamentalmente as diversas áreas científicas do Instituto de Estudos Clássicos. Esta justa homenagem aos pioneiros e empenhados obreiros do Instituto de Estudos Clássicos, a todos aqueles que concretizaram e continuam a concretizar os votos formulados pelo Prof. Rebelo Gonçalves na sua oração de sapiência de 1943, constitui um documento importante para todos os que desejarem conhecer a actividade de uma instituição protegida “pela deusa protectora da Universidade, a pura deusa dos olhos glaucos e da expressão serena e radiosa” (p. 93). Helena Costa Toipa 346 Cataldo Parísio SÍCULO, Epístolas. II Parte. Fixação do texto latino, tradução, prefácio e notas de Américo Costa Ramalho e de Augusta Fernanda Oliveira e Silva. (Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Lisboa, 2005), 293 pp. No seu projecto de dar a conhecer à comunidade a obra do humanista Cataldo Parísio Sículo, o Professor Américo da Costa Ramalho edita agora, com Augusta Fernanda Oliveira e Silva algumas das suas cartas, traduzidas e anotadas. Num breve Prefácio, os autores justificam o facto de terem editado a segunda parte da obra, sem ter saído ainda a primeira, com a afirmação de, nela, se encontrar a maioria do epistolário de Cataldo dirigido a portugueses. No Prefácio, justificam ainda os autores, algumas opções tomadas: o uso generalizado de “tu”, em vez de “vós”; a actualização da grafia do latim, o desdobramento de abreviaturas, a introdução de parágrafos no texto maciço de Cataldo e a modernização da pontuação. Trata-se de uma edição muito completa, como já é habitual encontrarmos nas que têm a intervenção do Prof. Américo da Costa Ramalho: texto latino, com grafia e pontuação actualizadas, e respectiva tradução, numerosas anotações, pertinentes, simples e elucidativas, seguidos dos sempre necessários Índices Onomástico e Toponímico e dos fac-símiles dos originais de Cataldo, da sua obra Cataldi epistolarum et quarundam orationum secunda pars. A tradução das cartas é antecedida de um breve capítulo introdutório sobre a figura de Cataldo Parísio Sículo, que desempenhou, em Portugal, em finais do séc. XV e início de XVI, os cargos de orador, secretário latino e professor de latinidade, primeiro ao serviço de D. João II (as suas primeiras funções de professor desempenhou-as como preceptor de D. Jorge de Lencastre, filho ilegítimo do rei), e, depois, igualmente, ao serviço de D. Manuel, que lhe confiou a educação de alguns jovens da nobreza: D. Pedro de Meneses e D. Leonor de Noronha, seus alunos dilectos, filhos dos marqueses de Vila Real, D. Dinis, irmão do duque de Bragança, etc. Em Portugal, onde viveu grande parte da sua vida, Cataldo editou vasta obra; além de Epistolae et Orationes, um número considerável de Poemata, desde simples Epigramas a extensas Visões, muitos dos quais já traduzidos pelo Prof.Costa Ramalho ou sob sua orientação. As cartas agora traduzidas são dirigidas a destinatários portugueses: ao rei, à nobreza, a altos dignatários da corte, a aristocráticos alunos e respectivos familiares; entre os muitos destinatários encontramos, pois, o rei D. Manuel; D. Dinis, irmão do 347 duque de Bragança; o seu antigo discípulo, D. Jorge de Lencastre (que, após a morte do pai, D. João II, sacudira o jugo do mestre, com quem se viria a reconciliar por intervenção de D. Manuel); os tios deste, irmãos da mãe, Jorge Furtado e António de Mendonça; os funcionários régios, António Carneiro e Fernando Alcáçova; Aires Teles, que é nomeado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende; D. João Manuel e D. Nuno Manuel, colaços do rei; a família dos CorteReal; D. Pedro de Meneses e D. Leonor Noronha, seus dilectos discípulos, bem como os seus progenitores, os marqueses de Vila Real; alguns juristas e intelectuais, como Pedro Estaço, entre muitas outras figuras relevantes da sociedade portuguesa de Quinhentos. O assunto das cartas é variado: tanto podem ser pedidos de favores, para si próprio ou para terceiros, ou de intermediação de alguém com influência para tal, como queixas, recriminações, críticas, invectivas contra os seus inimigos; tanto podem ser sentidas condolências e consolações, como hiperbólicos panegíricos e congratulações por acontecimentos faustosos: nascimentos, casamentos, etc. Muitas cartas versam o tema da educação e dos métodos a adoptar no ensino das crianças e jovens; Cataldo não hesita em louvar os seus alunos aplicados, que o enchem de orgulho (tanto ao rei como aos familiares), mas também não poupa críticas e não se furta a recomendar, para os alunos madraços, castigos severos (Cataldo era defensor da aplicação de castigos físicos e frequentemente criticava a indulgência dos pais, e mais especificamente das mães.) Esta é uma obra de referência, como muitas outras deste autor siciliano, para o estudo do Humanismo em Portugal, e um contributo notável para a história do nosso séc. XVI, para o conhecimento de altas individualidades da sociedade portuguesa, com quem Cataldo conviveu de perto e que conhecia muito bem. Helena Costa Toipa 348 Andrés POCIÑA, Beatriz RABAZA, Maria de Fátima SILVA (eds), Estudios sobre Terencio. (Universidad de Granada e Universidade de Coimbra, Granada, 2006), 532 pp. Reuniram os editores, em torno da figura de Terêncio, um conjunto de estudos de autores, especialistas da sua obra, oriundos de Universidades espanholas (de Granada, Ferrol, Valencia, Madrid, Almería), argentinas (Rosario, U. Nacional del Sur) e portuguesas (Coimbra, Viseu e Lisboa), resultantes de frequentes e enriquecedores intercâmbios entre helenistas e latinistas dessas universidades. Os estudos, na sua maioria originais, sobre a figura do comediógrafo latino estão divididos, de uma forma muito apropriada, em três secções. A primeira, intitulada “Antes de Terêncio”, inclui três artigos que constituem um “conjunto de aproximaciones a la comedia de Menandro, com especial atención a todos aquellos aspectos que son fundamentales en la obra terenciana, impossible de entender si no se tienen presentes” (p.8). No primeiro artigo, “Menandro e a comédia grega: o fim de um trajecto”, a autora, Maria de Fátima Silva, ocupase da comédia nova ateniense e de Menandro, destacando as novidades, em termos de temática, as personagens e as preferências estruturais e cénicas, e a quota de inovação introduzida por Menandro nos modelos tradicionais. No segundo estudo, “De la Política a la Ética: la configuración de los personajes de Menandro” de Carmen Morenilla, a autora preocupa-se em revelar as características gerais das personagens de Menandro, insistindo naqueles aspectos que mais interessaram a Terêncio para construir as suas, na busca de uma comicidade moralizante. O terceiro artigo, “La recepción de Menandro en Roma”, de Andrés Pociña, ocupa-se da presença de Menandro nos autores dramáticos latinos, desde Lívio Andronico, e nos autores não dramáticos (nomeadamente em Cícero, César, Varrão, Horácio, Ovídio, Propércio, Plínio-o-Velho, Quintiliano, Marcial, Frontão, Aulo Gélio ou Apuleio, que sobre ele se pronunciam): conclui e constata a existência de dois Menandros em Roma: aquele conhecido da generalidade do povo que frequentava o teatro, e aquele que deleitou várias gerações de homens cultos, familiarizados com o grego. A segunda secção, intitulada “Terencio y sus comedias”, inclui um conjunto de treze artigos que abarcam alguns aspectos da vida, obra e pensamento de Terêncio; esclarecem os coordenadores que “son siempre aspectos particulares, parciales, que nunca hemos 349 planteado como un tratamiento exhaustivo de la figura y la obra de nuestro comediógrafo, pues sería empresa imposible de realizar en un volumen como el nuestro.”(p.8). Começa precisamente com um estudo de José Luís Brandão sobre a “Vida suetoniana de Terêncio: estrutura e estratégias de defesa do poeta”. Conclui o autor que Suetónio, na biografia que compôs do comediógrafo, “opera uma progressiva defesa de Terêncio, através de vários recursos” (p. 123), ora ponderando as opiniões dos detractores, ora buscando a emulação com Menandro, ora, para cativar a simpatia dos leitores, deixando a ideia de um poeta desafortunado, que se auto-exila e morre precocemente. No estudo seguinte, “El officium del poeta en Terencio”, de Rosalía Rodrigues, faz-se a análise do papel daquele que Terêncio considera um bom poeta; da leitura dos seus prólogos, com efeito, podem deduzir-se os deveres do escritor: entreter o público com obras bem construídas; não utilizar a cena para desprestigiar um concidadão, dar a cada personagem a sua própria personalidade, aceitar as críticas construtivas para poder melhorar a sua arte. “Consideraciones generales sobre los modelos de Terencio” de Aurora López e Andrés Pociña é o texto que se segue: neste artigo, propõem-se os autores apresentar dados objectivos sobre os modelos das seis comédias terencianas, as comédias, na sua maior parte homónimas, de Menandro e de Apolodoro de Caristio, enfatizando a ideia de que o próprio Terêncio indica, nos seus prólogos, frequentemente não ter tomado como modelo uma só comédia grega, mas utilizado elementos procedentes de outras. Trata-se de comprovar, com este estudo, o que se dissera na primeira secção, nos artigos que apontavam para a influência de Menandro em Terêncio. Em “Los prólogos de Terencio: polémica literaria y oratoria forense”, de Marta Garelli, o estudo seguinte, continua-se, como nos dois anteriores, o trabalho sobre os prólogos, fontes de informação diversificada. Desta feita, a autora, constatando que Terêncio abandonara o omnisciente prólogo expositivo e o utilizara com propósitos polémicos, analisa-os sob a perspectiva da oratória forense: estudam-se as figuras do defensor e do acusador, a argumentação defensiva e as formas que toma a captatio beneuolentiae. “Phormio. Desorden ciudadano” é a reedição em espanhol de um trabalho de David Konstan (Brown Univ., USA), que consiste num capítulo da sua obra Roman Comedy, essencial para o estudo da comédia latina. Debruça-se o autor sobre o papel das personagens e o seu tratamento na comédia Phormio. 350 Depois dos estudos sobre os prólogos e sobre a comédia acima citada, mais dois estudos, mas agora sobre a Hecyra: “Terencio en el Comicio? Reflexiones sobre la primera y la segunda representación de la Hecyra” de Román Bravo, e “A Hecyra de Terêncio. Incompreensão, isolamento e convenção social.”, de Delfim Leão. O propósito do autor do primeiro é esclarecer os acontecimentos na primeira e segunda representações da Hecyra, evocados por Terêncio nos seus prólogos, fazendo o ponto da situação das soluções apresentadas até ao momento e avançando com a sua própria. No segundo estudo citado, o autor centra-se na caracterização e análise dos sentimentos das personagens, destacando, em cada uma delas, ora a incompreensão de que são vítimas, ora o desencanto, as expectativas frustradas, o isolamento a que são votadas, o peso das convenções que sobre elas se abate, a abnegação, as virtudes que justificam a a humanitas que, desde a Antiguidade se reconhece no teatro de Terêncio. Depois dos artigos sobre duas peças em particular, desce-se ainda mais ao pormenor, com três artigos sobre as personagens: “El servus terenciano: convergencias y divergencias con la tradición plautina”, de Beatriz Rabaza, Aldo Pricco, Darío Maiorana; “As cortesãs em Terêncio”, de Aires Pereira do Couto, e “El personaje secundario en las comedias de Terencio”, de Carmen González Vázquez. O primeiro. ocupa-se do estudo de uma das figuras recorrentes nas comédias de Plauto e de Terêncio: o seruus, destacando-se o tratamento diferenciado em cada um dos comediógrafos referidos No segundo, sobre as cortesãs, começa o autor por estabelecer as diferenças entre as cortesãs plautinas e terencianas, para depois se centrar na caracterização das terencianas, destacando as duas dignas representantes da bona meretrix tipicamente terenciana (Bacchis da Hecyra, e Thaís do Eunuchus), “duas cortesãs que, pela sua generosidade e nobreza de carácter, se afastam completamente do conceito habitual de cortesã e não têm paralelo nas cortesãs plautinas” (p. 290). O terceiro artigo referido começa por tentar responder à questão “O que é uma personagem, para passar depois à análise, por comédias, das características funcionais da personagem secundária em Terêncio, fundamental para o desenvolvimento e desenlace das suas comédias. Segue-se “La poética dramática: Terencio como programa retórico”, de Beatriz Rabaza, Aldo Pricco, Darío Maiorana: trata-se de uma tentativa de “una reformulación del funcionamento del material teatral de Terencio desde una perspectiva cercana a la especificidad 351 del discurso dramático en sus cruces com la retórica e el discurso político” (p. 314). “Amor em Terêncio”, de Francisco Oliveira, é o artigo seguinte. Propõe o autor uma pesquisa das concepções de amor presentes na comédia terenciana tomada como produto romano. Essa pesquisa contempla as seguintes etapas: estudo do amor, como tema de comédia; o conceito e linguagem do amor em Terêncio; iniciação sentimental masculina: o amor meretrício; amor e casamento. Em “Teatralidad cognitiva y psicofísica en el discurso terenciano: la constitución del auditorio”, o estudo que se segue na ordenação adoptada, Aldo Pricco, o autor, considerando que, “el discurso escénico y las condiciones de un sitio de representación otorgan al espectador la possibilidad de vivir una experiencia, o sea, de alterar, aunque en medidas exiguas, sus competencias de reflexión, su sensibilidad, sus esquemas perceptivos, no por el objetivo de algun fin predeterminado sino sólo por el placer de intertarlo, o por participar de hábitos comunitarios que, en los casos de los ludi romanos, habilitan el rito de la asistencia a la representación de una comedia”, faz esta breve análise que “incluye menciones a la índole ritual del espectáculo de la palliata, y las condiciones de acción colectiva en que un espectador de Roma accedía a la experiencia estética de una pieza de Terencio” (p. 358) A terceira secção, “Pervivencia e recepción de Terencio”, inclui seis estudos que se ocupam da perviência de Terêncio e da sua obra ao longo dos séculos “en obras de otros autores, en ediciones de sus comedias, convertido el mismo en tema literario, por ultimo en la investigación filológica.” (p. 9) Assim, os dois primeiros estudos ocupam-se das remissões e referências a Terêncio em autores posteriores. No artigo Leituras de Terêncio nos autores clássicos, a autora, Maria Cristina Pimentel, tomando como ponto de partida uma frase do Prólogo do Eunuchus (“Nullum est iam dictum quod non sit dictum prius”), a propõe-se observar os diversos tipos de leituras e alusões a Terêncio e à sua obra que se encontram nos autores latinos clássicos. Distingue dois tipos de texto: em primeiro lugar os que reflectem o uso escolar e se ocupam de questões gramaticais, isto é, a presença de Terêncio nos currículos escolares; em segundo lugar, aqueles que registam dados biográficos, emitem juízos de valor sobre a obra, o desenho das personagens, a elegância do estilo, desde Suetónio até Amiano Marcelino, passando por César, Varrão, Horácio, Veleio Patérculo, Aulo Gélio, Ovídio, entre outros, e principalmente Cícero. O segundo estudo referido, de 352 Arnaldo Espírito Santo, apresenta um título perfeitamente elucidativo do assunto a tratar: Terêncio nos autores cristãos da Antiguidade Tardia e Idade Média (séc. IV-XII). Como refere o autor: “seja na escola, no manual de gramática, no comentário de Donato, no manual de dialéctica, nas obras de Agostinho, Jerónimo, etc., na produção de comentários bíblicos, de sermões, de crónicas e anais, na correspondência epistolar, na reflexão moral e filosófica, em todo o tipo de textos, Terêncio esteve presente na configuração da escrita, das imagens e de algum pensamento dos autores cristãos.” (p. 426) Menciona também o autor épocas privilegiadas da pervivência de Terêncio. Segue-se Terencio en España: del Medievo a la Ilustración, de Luís Gil: Terêncio foi conhecido e seguido, em Espanha, desde a Idade Média até ao Século das Luzes, através da escola, de adaptações e representações teatrais; a sua presença em autores espanhóis é muito significativa, como revela este interessante estudo. Prolegomena Terentiana. Las ediciones renascentistas de Terencio: organización y estructura, de Manuel Molina, é o título que surge no Índice, mas que, no estudo propriamente dito, surge como Prolegomena Terentiana. Modelos de introducción y comentario en las ediciones renacentistas de Terencio. Começa o autor por salientar o facto de os preliminares que encabeçam as edições renascentistas de Terêncio serem de tal forma exaustivos que nada mais parece possível dizer-se, em termos de teoria dramática, embora considere que alguns outros aspectos tenham passado despercebidos à maioria dos estudiosos humanistas. O objectivo do trabalho é apresentar os diferentes modelos de introdução e comentário que, ao longo do séc. XVI, se realizaram na Europa sobre as obras de Terêncio. “Terentius (1997) de Juanjo Prats, o el arte viejo de hacer comedias”, de Carmen Morenilla, Patricia Crespo, é o estudo de uma comédia intitulada Terentius, de Juanjo Prats, representada sob a direcção de Pep Cortés, em 1997; do argumento, o autor conclui que Juanjo Prats e Pep Cortés criaram esta comédia dentro do espectáculo, baseando-se fundamentalmente em três comédias de Terêncio, Hecyra, Eunuchus e Phormio, mas utilizando elementos das outras três. E diz mesmo “podemos destacar que en Terentius hay de Terencio exactamente lo mismo que de Menandro o Apolodoro de Caristos hay en las comedias de Terencio”(p. 510). Finalmente, Recepción y estudios críticos sobre Terencio en Espana, de José M Camacho Rojo, encerra esta colectânea de estudos; trata-se de um repertório bibliográfico sobre a recepção e estudos 353 críticos sobre Terêncio em Espanha, classificado em três partes: 1) códices, edições e traduções; 2) estudos críticos; 3) recepção e influência de Terêncio nas literaturas hispânicas. Esta é, pois, uma obra bem estruturada, que contempla aspectos fundamentais da vida e obra de Terêncio, bem como dos seus antecedentes e da sua recepção ao longo dos séculos. Os seus estudos são diversificados e de grande relevância para os interessados nesta matéria, pela sua profundidade e pertinência. Não sendo uma obra exaustiva no tratamento da figura e da obra de Terêncio, é, sem dúvida, um contributo notável e um útil instrumento de trabalho para os interessados. Helena Costa Toipa 354 Catarina Vilaça de Sousa. Roteiro Rota do Fresco (Cuba, AMCAL, 2003), 171 pp., edição bilingue português/inglês. 10€ «A Rota do Fresco», lê-se na página inicial do site da Câmara Municipal de Alvito, primeira autarquia a integrar o projecto, «consiste na criação de um sistema de visitas a uma selecção de exemplares de pintura mural das capelas, ermidas e igrejas dos concelhos de Alvito, Cuba, Portel, Viana e Vidigueira, com o intuito de divulgar, preservar e revitalizar esse património integrado», e, acrescenta Catarina Vilaça, na Introdução ao Roteiro agora em análise «democratizar essa descoberta temática recente, permitindo, também, ao público generalista compreender e usufruir deste património» (p.7). O projecto «Rota do Fresco» surgiu em 2001, a partir do trabalho de investigação de Catarina Vilaça de Sousa, licenciada em História de Arte e que começou por estudar a pintura mural no concelho de Alvito. Desse estudo nasceria uma proposta feita ao então presidente da Câmara para a criação de um circuito de visitas organizadas que permitisse, não só, divulgar um tipo de património até então pouco valorizado no nosso país, mas, também, angariar receitas necessárias para recuperação dos exemplares que o constituem. O projecto estendeu-se depois aos restantes municípios do Alentejo Central e dele participam ainda a Associação das Regiões de Turismo do Alentejo, o Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, a Direcção Regional dos Edifícios e Monumentos Nacionais, o Instituto Português do Património Arquitectónico e a Delegação Regional de Cultura do Alentejo. Em rigor, não há ‘uma’ Rota do Fresco, mas várias. A ‘Rota’ consta de cinco visitas individuais, de um dia cada, a igrejas, ermidas e capelas dos cinco concelhos que integram o projecto, Alvito, Cuba, Portel, Viana do Alentejo e Vidigueira, completadas hoje com outro tipo de actividades, como visitas a produtores de gastronomia regional (enchidos, queijos, mel, azeite, doces). Em alternativa, pode fazer-se uma visita inter-concelhia, que permite ver, também num dia, um exemplar em quatro dos municípios intervenientes. Embora designada do ‘Fresco’, o que a Rota propõe é um passeio pela história da pintura mural no Alentejo, composta não apenas por exemplares a fresco, mas também de outras técnicas a seco, de um período cronológico compreendido, basicamente, entre os séculos XV e XVIII. No Concelho da Vidigueira, contudo, as ruínas romanas da Villa de S. 355 Cucufate permitirão ao visitante recuar até ao período romano em Portugal. Para além dos circuitos de visita aos frescos, o projecto prevê a curto e médio prazo outro tipo de iniciativas: acções de formação específicas para formar os técnicos culturais que farão o acompanhamento qualificado aos visitantes; intervenções de conservação e restauro nos exemplares de pintura mural integrados na rota; a criação de uma linha de produtos promocionais; a criação de um campo de conservação e restauro de pintura mural ou a criação de um Centro Pedagógico Multimédia que explore este património peculiar recorrendo a tecnologia multimédia. Nesse mesmo âmbito, surgiram a exposição «Pinturas Alentejanas por descobrir» e o Roteiro Rota do Fresco, que aqui apresentamos. O roteiro foi concebido, segundo a sua autora, como resposta à necessidade de proporcionar aos visitantes uma obra com a descrição e explicação dos diversos exemplares de pintura mural que são alvo de visita. Assim, a obra, pensada para poder ser usada nas próprias visitas, consta de fichas individualizadas, e ilustradas, por concelho, de cada uma das igrejas, ermidas ou capelas, onde se encontram as pinturas. Começa por historiar o monumento, passando depois à apresentação das pinturas, fazendo análise da sua iconografia, da técnica utilizada na sua composição e do seu estado de conservação; este era, em 2003 (data da impressão do roteiro), infelizmente precário, em boa parte dos casos. Para cada concelho, é apresentada ainda uma ficha com indicações de outros exemplares que, por razões várias, não foram integrados no circuito das visitas mas fazem parte de igual tipologia. Do Roteiro, bilingue e apresentado em duas colunas paralelas em cor diferente, em português e em inglês, fazem parte ainda breves estudos introdutórios sobre o Projecto da Rota do Fresco; a pintura mural portuguesa, particularmente a alentejana; a técnica de pintura mural em Portugal, e, ainda uma síntese histórica sobre os concelhos que integram a(s) rota(s). No final, o leitor/visitante poderá encontrar ainda um glossário que permite melhor compreender alguns dos termos técnicos utilizados nas descrições e uma bibliografia básica. O Conservador/Restaurador Joaquim Inácio Caetano assina os capítulos «A técnica da pintura mural em Portugal» e o «Glossário de termos técnicos», Catarina Vilaça os restantes. A linguagem utilizada na composição, sem descuidar o rigor, é acessível e clara, mas também interessante, com fotografias de boa qualidade, pormenorizadas e devidamente legendadas. Concebido a 356 pensar nos visitantes, o roteiro constitui não só um complemento às informações in loco, mas uma importante forma de divulgação do projecto. Pode, também, tornar-se numa excelente motivação para aqueles que ainda não conhecem a Rota. Ana Elias Pinheiro 357 25 Sítios Arqueológicos da Beira Interior (Maio / Dezembro 2005). Catálogo da Exposição, ARA – Associação de Desenvolvimento, Estudo e Defesa do Património da Beira Interior / Câmara Municipal de Trancoso, Trancoso, 2005. 56 p., ilust., Depósito Legal: 227278/05. A presente publicação, editada em conjunto pela ARA Associação de Desenvolvimento, Estudo e Defesa do Património da Beira Interior e pela Câmara Municipal de Trancoso, corresponde à exposição 25 Sítios Arqueológicos da Beira Interior, organizada pela ARA. A mostra, composta por pósteres alusivos a uma selecção de sítios arqueológicos da Beira Interior, circulou entre os cerca de 20 concelhos dos distritos de Castelo Branco e da Guarda em cujo território se localizam os sítios abordados. Posteriormente, a exposição percorreu outros caminhos, estando patente no Ateneu de Coimbra e, mais recentemente, no Centro Regional das Beiras da UCP, em Viseu; prevê-se ainda a sua exibição, no decurso de 2006, no Museu Nacional de Arqueologia. A exposição e o catálogo não pretendem apresentar uma amostragem dos mais importantes sítios arqueológicos da Beira Interior, embora alguns possuam uma importância que excede o próprio contexto regional; trata-se efectivamente de uma selecção dos locais onde têm sido realizadas escavações arqueológicas nos últimos anos, algumas das quais ainda em curso. Pretende-se, assim, dar a conhecer os resultados dos trabalhos efectuados por diversos investigadores, motivando os cidadãos para a salvaguarda e valorização do rico património arqueológico da região. Como salienta Jorge de Alarcão, na apresentação deste catálogo (p.3): «É aos cidadãos que esta exposição essencialmente se destina. Não é para os arqueólogos que ela é feita. É feita por arqueólogos, mas destinada àqueles que, não sendo arqueólogos nem historiadores, gostam de saber da história e do património (…)». O catálogo apresenta, em primeiro lugar, um mapa com a localização dos diversos sítios seleccionados (p.2) e a apresentação da autoria de Jorge de Alarcão (p.3). Segue-se a abordagem dos sítios arqueológicos; para cada um reservaram-se duas páginas: a primeira ostenta a ampliação de uma foto (ou de um detalhe da foto) alusiva ao local, com a indicação da povoação / freguesia (Castelo Mendo / Folgosinho) ou da região de implantação (Vale do Côa), bem como o concelho; uma segunda página, encimada por um subtítulo (alusivo ao topónimo e/ou à tipologia do sítio arqueológico) apresenta o texto e 358 uma selecção de fotos e plantas dos vestígios no local, bem como fotos ou desenhos de algum do espólio arqueológico aí encontrado; num dos casos (Vilas Ruivas, Ródão), inclui-se ainda uma proposta de reconstituição do habitat identificado; finalmente, indica-se o nome do(s) autor(es) do texto, geralmente os responsáveis pelas prospecções e/ou escavações arqueológicas realizadas no local. A numeração de todas as ilustrações dos diversos textos remete para uma lista de legendas no final do catálogo (pp. 54-56), tendo parte dos autores optado por acrescentar a essa lista um conjunto de referências bibliográficas relativas ao sítio arqueológico abordado; refira-se que, parte das legendas (6-7) e a bibliografia respeitante a Idanha-a-Velha surgem, por lapso informático, no topo da p. 56, antes das legendas do Templo romano de N. Sª das Cabeças. A selecção proposta permite identificar uma interessante variedade de sítios, quer do ponto de vista tipológico, quer do ponto de vista cronológico-cultural; efectivamente, somos transportados desde as mais remotas raízes, com os vestígios paleolíticos da região de Ródão, junto ao Tejo, ou da arte do Vale do Côa, até aos fortins e baterias da Serra das Talhadas (Proença-a-Nova), datados dos séculos XVIII-XIX, passando por locais com ocupação proto-histórica, romana ou medieval, em muito dos casos implantados numa paisagem deslumbrante e com estruturas arquitectónicas imponentes. Se é certo que nem todos serão acessíveis à plena fruição, apesar do seu interesse patrimonial, a maioria, com as adequadas medidas de protecção e valorização, poderá ser disponibilizada ao público em geral e à actividade turística em particular. Aliás, tais medidas estão em curso em diversos sítios, alguns dos quais integram já os circuitos habituais do turismo educacional e cultural; entre esses, destaque-se, na área do Côa, o sítio do Prazo, com ocupação desde o Paleolítico à Idade Média, ou os diversos núcleos de gravuras do Parque Arqueológico Vale do Côa, no concelho de Sabugal, o Povoado do Sabugal Velho e, no âmbito das Aldeias Históricas, Idanha-a-Velha. Em outros casos, os estudos arqueológicos em curso apontam para a conservação e valorização do sítio ou monumento arqueológico, não só pelo seu elevado interesse científico e patrimonial, mas também pelo seu enquadramento paisagístico, como exemplifica o notável templo romano de N. Srª das Cabeças, em Orjais (Covilhã), situado numa posição privilegiada, em plena encosta da Serra da Estrela. Tendo em conta que o público-alvo da exposição e respectivo catálogo não domina necessariamente a terminologia arqueológica, houve o cuidado de elaborar textos rigorosos mas acessíveis ao 359 público geral; todavia, e muito pontualmente, permaneceram algumas referências de difícil descodificação para os não iniciados (por exemplo, “25.000 anos BP” ou “regras vitruvianas”). De qualquer modo, o cuidado gráfico da edição e a qualidade dos textos proporcionam uma leitura agradável e útil para todos, quer se trate dos cidadãos em geral, de professores e alunos de diversos graus do ensino, de turistas nacionais, de guias e animadores turísticos, ou mesmo de investigadores. O catálogo, tal como a exposição, é, pois, uma meritória iniciativa no que respeita à divulgação pública dos resultados da investigação arqueológica realizada na Beira Interior. É igualmente um importante contributo para o desenvolvimento de medidas concretas no que respeita à fruição de todo este património pelos cidadãos e um documento a ter em conta na rentabilização do património arqueológico como recurso turístico, inclusive à escala regional. Porque não considerar, por exemplo a criação de uma rota arqueológica na Beira Interior? Em conclusão, diríamos que este catálogo, cumpre e amplifica os objectivos da exposição que esteve na sua base, podendo, servir de ponto de partida para futuros (e urgentes) projectos na área do Turismo Cultural, numa «região que, desde a arte rupestre paleolítica do Côa (…) aos castelos medievais e aos solares barrocos, tantos motivos tem de inegável interesse» (p.3). Luís da Silva Fernandes 360 Flávio LOPES, Teresa GAMBOA (coord.), 90 anos de Turismo em Portugal – Conhecer o Passado, Investir no Futuro, Conselho Sectorial do Turismo / Ministério da Economia, 2001. 48 p., ilust., ISBN: 972-737-193-0. Em 2001, o Conselho Sectorial do Turismo (órgão de consulta e aconselhamento estratégico do Ministério da Economia) decidiu assinalar, com uma exposição e diversas iniciativas, a passagem dos 90 anos da institucionalização da actividade turística em Portugal, com a criação, em 1911, do primeiro órgão oficial português do Turismo em Portugal. A exposição, intitulada 90 anos de Turismo em Portugal – Conhecer o Passado, Investir no Futuro, bem como as iniciativas a ela associadas, permitiu, nas palavras de Luís Braga da Cruz (p. 3), «uma visão atenta do passado, dos mecanismos de impulso da actividade, dos erros e excessos cometidos, das fragilidades encontradas e das vantagens obtidas»; realçou «a percepção exacta das nossas vantagens, que vão do clima à gastronomia, da estabilidade e vivência democrática às riquezas patrimoniais»; suscitou a reflexão e o debate sobre o futuro da actividade turística, necessariamente alicerçado num «esforço acrescido de profissionalismo para que, através da qualidade e da diferenciação, se aumente a competitividade»; finalmente, constituiu uma homenagem a todos os que «ajudaram a construir o presente». O catálogo da exposição que ora apresentamos prolonga no tempo essa iniciativa tão oportuna quanto rara no panorama português. Após a apresentação de Luís Braga da Cruz, na qualidade de Ministro da Economia, o catálogo está cronologicamente organizado em dez secções, nove das quais relativas às décadas compreendidas entre 1911-1919 e 1990-2001, sendo a última secção relativa ao futuro do Turismo a nível nacional e internacional. Cada secção inicia com uma frase alusiva ao turismo na época, apresenta uma página de texto com uma análise do sector nessa década e conclui com três páginas de reproduções de documentação e imagens respeitantes à actividade e promoção turística no período considerado desde cartazes promocionais, brochuras, e guias turísticos até postais e fotos da época. A viagem proposta conduz-nos, em primeiro lugar, ao pioneirismo e entusiasmo da I República e ao desenvolvimento eivado de hesitações, desconfianças e contradições do Estado Novo, apenas ultrapassadas na década de 1960-69. Depois, apesar das quebras registadas no turismo tradicional nos dois anos a seguir ao 25 de 361 Abril, o novo regime democrático declara a indústria turística como actividade prioritária e a década de 1970-79 termina com um novo fôlego, apostando-se cada vez mais na formação de profissionais qualificados. Na década seguinte assiste-se à materialização de uma política de dinâmica local com a criação das Regiões de Turismo e ao reforço de Portugal como destino turístico, face à entrada na CEE. A década de 1990-01 traz a aposta da CEE no conhecimento das culturas dos Estados Membros, no incentivo às viagens sem fronteiras no espaço europeu e na promoção da Europa como destino turístico. Em Portugal, promove-se o Turismo Cultural, reorganizam-se as estruturas estatais e privadas do sector turístico e organizam-se eventos como a EXPO’98. Finalmente, um olhar sobre o futuro, com as projecções da OMT relativas à actividade turística até 2020 e uma análise sintética das perspectivas e desafios do desenvolvimento do turismo em Portugal, com o Euro2004 à vista. O catálogo termina com uma preciosa cronologia, situada entre 1911 e 2001, organizada de acordo com as décadas analisadas; finalmente apresenta-se a composição do Conselho Sectorial do Turismo e a ficha técnica. Este catálogo é, pois, um importante instrumento de conhecimento da evolução do Turismo em Portugal, útil quer para profissionais, investigadores, docentes e alunos da área do turismo, quer para todos os interessados na actividade turística, tanto a nível económico, como a nível cultural. Por outro lado, lembra-nos toda a rica documentação relativa à actividade turística e à sua promoção, particularmente de cariz iconográfico, dispersa por várias entidades e particulares, que urge inventariar, preservar e divulgar. Finalmente, recordemos a apresentação do catálogo, concordando que esta «visão atenta do passado» nos permite, «permanentemente, procurar ensinamentos para o futuro». Luís da Silva Fernandes