Link para a Tese - Programa de Pós

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Link para a Tese - Programa de Pós
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ANDERSON ROCHA DA SILVA
A LICENCIATURA EM QUÍMICA NA UFF: O QUE DIZEM OS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS?
CONCEPÇÕES, QUESTÕES E DESAFIOS
Tese de Doutorado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Título
de Doutor em Educação. Campo de
confluência: Ciências, Sociedade e
Educação.
ORIENTADORA: Profa. Dra. GLORIA REGINA PESSÔA CAMPELLO QUEIROZ
Niterói
2011
S586 Silva, Anderson Rocha da.
A licenciatura em química na UFF: o que dizem os professores
universitários? Concepções, questões e desafios / Anderson Rocha da
Silva. – 2010.
193 f.
Orientador: Gloria Regina Pessôa Campello Queiroz.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de
Educação, 2010.
Bibliografia: f. 149-153.
1. Formação de professor. 2. Professor de Química. 3. Ensino
Superior. 4. Pedagogia. I. Queiroz, Gloria Regina Pessôa Campello.
II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação.
III. Título.
CDD 370.71
1. 371.010981
Substituir pela ata de aprovação
ANDERSON ROCHA DA SILVA
A LICENCIATURA EM QUÍMICA NA UFF: O QUE DIZEM OS PROFESSORES
UNIVERSITÁRIOS? CONCEPÇÕES, QUESTÕES E DESAFIOS
Tese de Doutorado apresentada ao Curso
de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para obtenção do Título
de Doutor em Educação. Campo de
confluência: Ciências, Sociedade e
Educação.
Aprovada em 29 de agosto de 2011,
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Profª. Dra. GLORIA REGINA PESSÔA CAMPELLO QUEIROZ - Orientadora
UFF
______________________________________________________________________
Profª. Dra. EDITH IONE DOS SANTOS FRIGOTTO
UFF
______________________________________________________________________
Prof. Dr. EVERARDO PAIVA ANDRADE
UFF
______________________________________________________________________
Profª. Dra. HERMENGARDA ALVES LUDKE
PUC-RJ
______________________________________________________________________
Prof. Dr. JORGE CARDOSO MESSEDER
IFRJ
______________________________________________________________________
Profª. Dra. CECILIA GOULART (SUPLENTE)
UFF
______________________________________________________________________
Profª. Dra. ALCINA MARIA TESTA BRÁZ DA SILVA (SUPLENTE)
IFRJ
Niterói
2010
AGRADECIMENTOS
O meu Deus ocupa o primeiro lugar nesses agradecimentos, pois sem sua
misericórdia não poderia fazer parte de uma família tão abençoada nem ter amores e
amigos tão significativos como os que eu tenho.
Agradeço ao meu pai, Evelson Rocha da Silva, pelo exemplo de homem
distinto, manso e honesto e à minha mãe, Maria José Rocha da Silva, pelo exemplo de
luta, força, franqueza e dedicação à família, pessoas em que me espelho para
administrar meus momentos de tormenta.
Gostaria de agradecer também:
 À minha tia Jussara e minha prima Fernanda pelo companheirismo e amor, à
minha velhinha Guiomar (minha avó), matriarca dessa família, a quem amo e
desejo um final de velhice cercado de amor por todos os seus entes queridos.
 Ao meu amor Adriana Firmiana, que ouve meus desabafos, aceita minhas
limitações, aconselha-me e ampara-me (sempre com muito amor) nos momentos
difíceis dessa caminhada.
 Aos meus amigos: Antônio Marcelo Maciel, pelas observações contundentes e
significativas, Rose Mari Latini, pelos incentivos e observações amáveis, Fabiane
Demier,
pelos
infinitos
desabafos,
Marcus
Vinícius,
pelas
parcerias,
aprendizagens e cervejas, Márcio Gomes, Catarina Tinoco e Carla Vianna, pela
amizade e Marccio Alcaide, pelos momentos de descontração, e às amigas: Isa
Costa, Giselle Faur, Heloize Charret e Cris Callai, pela amizade, pelos
exemplos, pelas aprendizagens e pelas publicações.
 À professora e orientadora Glória Queiroz, pela aposta e confiança em minha
capacidade e pela sua forma de conduzir a orientação desse trabalho, dando-me
autonomia para produzir e, ao mesmo tempo, lapidando meus escritos.
 Aos professores de minha trajetória formativa e aos colegas da turma de Doutorado
da FEUFF 2007.
Muito obrigado a todos!
"e disse: Até aqui nos ajudou o Senhor"
(I Samuel 7:12)
RESUMO
Esta Tese é o resultado de uma pesquisa qualitativa para a qual confluem os Saberes
Docentes, a Pedagogia Universitária e a Formação inicial de Professores, e se estrutura
a partir de entrevistas realizadas com quatro professores do curso de Licenciatura em
Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), dos quais investigo: os saberes, as
concepções sobre a docência, sobre o processo formativo de que participam, sobre os
condicionantes que permeiam seu cotidiano profissional e sobre a universidade. Acerca
dos referenciais teóricos desse estudo, esta tese se engendra a partir de dois autores
principais: Maurice Tardif, para entender a natureza dos saberes que permeiam a
atividade docente e Mikhail Bakhtin, para uma análise mais lúcida dos discursos das
entrevistas realizadas, sendo esse último caracterizado como o referencial teóricometodológico desse estudo. O percurso analítico das entrevistas foi dividido em quatro
momentos: as impressões digitais, em que analiso as trajetórias singulares dos
professores; o ser professor, em que as concepções sobre a atividade docente são
aludidas; o que vejo desse cenário? em que busco as relações de como as instâncias
Pesquisa, Ensino e Extensão afetam o cotidiano desses professores e, por fim, o
arremate, momento em que as concepções de universidade e as concepções sobre os
papéis do professor universitário e do professor do Ensino Médio são relacionadas. A
análise dos resultados revela questões cruciais que afetam a formação inicial da
Licenciatura em Química da UFF e levantam desafios para o aprimoramento dessa
formação. Ademais, esta tese localiza experiências bem sucedidas no nível universitário
em diferentes regiões do Brasil, com a pretensão de contribuir com reflexões sobre o
processo de formação inicial dessa Licenciatura e suscitar, tanto nos professores
entrevistados quanto nos seus pares de profissão (os demais professores do curso),
subsídios para se repensar significativamente o processo formativo do professor de
Química na UFF.
ABSTRACT
This thesis is the result of a qualitative research to which are gathered faculty
knowledge, university education and initial teaching formation; it is sourced in
interviews held with four professors from the Chemistry Undergraduate course at
Universidade Federal Fluminense (UFF), from whom I look into: their knowledge,
their conceptions on their teaching practice, the formative process in which they take
part, the conditions that go through their daily professional routine and the University
itself. Concerning the theoretical references of this study, this thesis is based on two
main authors: Maurice Tardif, to understand the nature of the knowledge which pass
through the teaching activity and Mikhail Bakhtin, for a more accurate analysis of the
speeches from the interviews carried on, the latest being characterizes as a theoreticalmethodological reference for this study. The analytic path of the interviews was divided
into four moments: the digital impressions, where I analyze the single paths of the
professors; the being a professor, where the conceptions about the teaching practice are
dealt with; what I see in this scenery, where I search for relations among research,
teaching and extension and their effects on the daily practice of those professors and, at
last, the closure, where the conceptions of the university and those of the roles of the
college professor and the ensino médio teacher are related. The analysis of the results
reveals crucial issues which affect the initial formation in the Chemistry Undergraduate
course at Universidade Federal Fluminense (UFF) and raise challenges to the
improvement of that formation. Furthermore, this thesis spots successful experiences in
academic level in different Brazilian regions under the pretension of contributing with
reflections in the process of initial teaching in this under graduation and sprouting, both
in the interviewed professors and in their peers (the other professors in the course),
subsides to significantly rethink the formative process of the chemistry professor at
UFF.
RESUMEN
Esta Tesis es el resultado de una pesquisa cualitativa para la cual confluyen los Saberes
Docentes, la Pedagogía Universitaria y la Formación inicial de Profesores, y se
estructura a partir de encuestas realizadas con cuatro profesores del curso de
Licenciatura en Química de la Universidad Federal Fluminense (UFF), de los cuales
investigo: sus saberes, sus concepciones sobre la docencia, sobre el proceso formativo
de que participan, sobre los condicionantes de su cotidiano profesional y sobre la
universidad. Acerca de los referenciales teóricos de ese estudio, esta tesis se engendra a
partir de dos autores principales: Maurice Tardif, para entender la naturaleza de los
saberes que se introducen en la actividad docente y Mikhail Bakhtin, para un análisis
más lúcido de los discursos de las encuestas realizadas, siendo ese último caracterizado
como el referencial teórico-metodológico de ese estudio. El trayecto analítico de las
encuestas fue dividido en cuatro momentos: las impresiones digitales, donde analizo los
trayectos singulares de los profesores; el ser profesor, donde las concepciones sobre la
actividad docente son aludidas; lo que veo de ese escenario?, donde busco las relaciones
de cómo las instancias Pesquisa, Enseñanza y Ampliación afectan el cotidiano de eses
profesores;
y, por fin, el arremate, donde las concepciones de universidad y las
concepciones sobre los papeles del profesor universitario y del profesor de la Enseñanza
Media son relacionadas. El análisis de los resultados revela cuestiones cruciales que
afectan la formación inicial de la Licenciatura en Química de la UFF y levantan desafíos
para el perfeccionamiento de esa formación. Además, esa tesis localiza experiencias
bien sucedidas en el nivel universitario en diferentes regiones de Brasil con la intención
de contribuir con reflexiones sobre el proceso de formación inicial de esa Licenciatura y
suscitar, tanto en los profesores encuestados como en sus pares de profesión (los otros
profesores del curso), subsidios para repensarse significativamente el proceso formativo
del profesor de Química en la UFF.
SUMÁRIO
CAPÍTULO zero
A pesquisa que teço... ....................................................................................................... 5
CAPÍTULO 1
A universidade, o cenário... .............................................................................................. 9
1.1) A Universidade Federal Fluminense e a Licenciatura ................................... 18
CAPÍTULO 2
Meus protagonistas, seus saberes... ................................................................................ 24
2.1) Breve histórico das pesquisas educacionais................................................... 24
2.2) Por que Tardif? ............................................................................................. 29
2.3) Os saberes docentes na perspectiva de Tardif .............................................. 34
2.4) O professor universitário e a pesquisa em pedagogia universitária .............. 45
CAPÍTULO 3
As lentes de leitura... ...................................................................................................... 49
Alguns pressupostos bakhtinianos relevantes para essa pesquisa .................................. 49
CAPÍTULO 4
O caminho da conversa .................................................................................................. 59
4.1) Plano piloto de entrevista, minhas escolhas e intencionalidades ................... 59
4.2) A Transcrição das entrevistas ........................................................................ 63
CAPÍTULO 5
Nossos dizeres e seus significados I:
as impressões digitais e o ser professor .......................................................................... 64
5.1) Meus protagonistas, impressão digital ........................................................... 65
a) Professora Maria ........................................................................................ 65
b) Professora Ana ........................................................................................... 65
c) Professor José ............................................................................................ 66
d) Professora Lucia ........................................................................................ 66
e) Relações entre as impressões digitais ........................................................ 67
5.2) ser professor é... ............................................................................................. 68
a) Professora Maria ........................................................................................ 68
b) Professora Ana ........................................................................................... 74
c) Professor José ............................................................................................ 81
d) Professora Lucia ........................................................................................ 86
e) Relação entre os professores nesse episódio .............................................. 91
CAPÍTULO 6
Nossos dizeres e seus significados II:
o que vejo neste cenário e o arremate ............................................................................. 98
6.1) O que vejo neste cenário... ............................................................................. 98
a) Professora Maria ........................................................................................ 98
b) Professora Ana ......................................................................................... 104
c) Professor José .......................................................................................... 110
d) Professora Lucia ...................................................................................... 114
e) Relação entre os professores nesse episódio ............................................ 119
6.1) O arremate.................................................................................................... 124
a) Professora Maria ...................................................................................... 124
b) Professora Ana ......................................................................................... 126
c) Professor José .......................................................................................... 128
d) Professora Lucia ...................................................................................... 129
e) Relação entre as professoras nesse episódio ............................................ 130
CAPÍTULO 7
Aonde essas leituras me levaram? Considerações finais .............................................. 133
CAPÍTULO 8
Aonde esse estudo pode levar? Propostas e esperanças ............................................... 138
8.1) A experiência na Universidade Federal de Goiás (UFG) ............................ 138
8.2) A experiência na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS) e na Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG). .................... 140
8.3) A experiência na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul (UNIJUÍ). ............................................................................................. 142
8.4) A experiência na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) ................ 143
8.5) Meu grito: o que esses relatos podem contribuir para a melhoria da formação
inicial da Licenciatura em Química da UFF? ............................................................... 144
CRÉDITOS
Referencias Bibliográficas ............................................................................................ 148
LISTA DE TABELAS E FIGURAS
TABELA 1 – CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DE MUDANÇAS NAS
GRADUAÇÕES (UFF, 2007. P.26)................................................................................23
TABELA 2 – Os saberes dos professores.......................................................................36
TABELA 3 – Os perfis dos entrevistados.......................................................................60
TABELA 4 – Os 4 momentos do plano piloto de entrevista...........................................62
ANEXOS
ANEXO 1 – FLUXOGRAMA DA LICENCIATURA.................................................152
ANEXO 2
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA..................153
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA.......................160
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ..........................170
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA................... 178
zero
CAPÍTULO
A pesquisa que teço...
Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro.
Não me entendo e ajo como se entendesse.
Clarice Lispector1
Toda pesquisa é movida por sentimentos particulares, problemas complexos que
nos fazem refletir e repensar nossa prática. Considero que a falta de identificação da
atividade docente com muitas teorias sociológicas, didáticas e pedagógicas apreendidas
na universidade da minha época de formação2, associada à complexidade inerente à sala
de aula e aos compromissos objetivos (burocráticos) e subjetivos (ideológicos) que
rondam essa atividade, engendraram os sentimentos precursores das muitas
interrogações que eclodiram e puseram minha formação em cheque. Essa posição a
tornou sedutora fonte de investigação e potencializou minha busca por entendimento,
mergulho no desconhecido (ignorante), mas movido pelos incômodos que não ignorei,
como supõe a epígrafe de Clarice Lispector.
Esse movimento me proporcionou os primeiros contatos com autorespesquisadores que abordavam temas como: os saberes docentes, o Ensino de Química e
a formação docente, conduzindo-me a veredas que foram pouco a pouco delimitando
meu tema de pesquisa, a pedagogia universitária e, consequentemente, meus
protagonistas: os professores universitários do curso de Licenciatura em Química da
Universidade Federal Fluminense, dos quais busco investigar seus saberes, suas
concepções sobre a docência, sobre o processo de formativo de que participam, sobre os
condicionantes que permeiam seu cotidiano profissional e sobre a Universidade. Essas
Questões irão permear o tecido de minhas discussões e conclusões sobre a formação
docente inicial, na Universidade Federal Fluminense.
1
Frase retirada da exposição “A hora da Estrela”, sobre a autora no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ),
em agosto de 2008.
2
Sou licenciado e bacharel em Química pela Universidade Federal Fluminense, desde 2002.
5
Essa temática depurada de minhas interrogações é tão ampla que pode dar a
ideia de que pesquisá-la é uma tarefa irrealizável, devido à complexidade de elementos
que podem ser explorados e considerados, sendo assim, começar a tecê-la requer
assumir, de antemão, o rasgo que se instaura.
Creio que, no exercício da escrita, somos tecelões inábeis se – seduzidos pela
racionalidade clássica e pela vaidade acadêmica3 – supusermos a captura do todo por
nossas agulhadas sem perceber o puir natural das linhas lógicas e limitadas que cosemos
no frágil tecido que costuramos. Concordante com essa ideia sobre o pesquisador e o ato
de pesquisar, Clarice Nunes coloca:
[...] O pesquisador transita por um circuito múltiplo de instituições, tradições
teóricas, fontes e resultados de pesquisa num esforço contínuo através do
qual constrói seu campo de significação, isto é, constitui suas leituras, suas
estratégias e táticas interpretativas. A pesquisa exige uma postura
sistematicamente ativa que permite ao pesquisador construir um sistema de
relações posto à prova na trajetória da pesquisa, mas também alargar seus
limites de fato (que resultam das condições da própria pesquisa) e os seus
limites de direito (aqueles que resultam das formas de conhecer e das teorias
utilizadas) [...] (1995, p.54)
Essa tomada de consciência, no exercício da escrita e da leitura, pode me liberar
(não libertar) dos cárceres teóricos da minha trajetória acadêmica e acredito que essa
postura diferencia pesquisadores de adeptos ou crentes (NUNES, 1995).
Nesse sentido, esse difícil exercício que farei ao tentar emergir dessa grande
diversidade de ideias, reflexões, tradições teóricas e interpretações, uma suposta ordem
ou – seguindo a metáfora – o tecido que pretendo escrever nessa pesquisa, é um
movimento único e incompleto, pois a cisão já foi instaurada desde as primeiras linhas.
Tudo que tecerei está relacionado com o que eu for capaz de enxergar, com lentes que
focam temas consonantes com meu repertório e que relegam outros.
No entanto, mesmo que esse recorte seja incompleto – pela impossibilidade de
enxergar todos os condicionantes que permeiam meus protagonistas e seu cenário de
atuação (a Universidade Federal Fluminense) e todos os desmembramentos dessa
relação na formação docente inicial dos professores de Química – isso não deprecia as
potencialidades dessa pesquisa, situadas na pretensão de contribuir com reflexões sobre
3
Categorizo aqui como vaidade acadêmica a posição assumida por alguns pesquisadores que durante sua
trajetória acadêmica não revisitam seus conceitos, supervalorizando suas matrizes teóricas e
desconsiderando “a verdade como processo” que resulta dos balanços históricos de cada campo de
conhecimento (BRANDÃO, 1992).
6
o processo de formação inicial do professor de Química do Ensino Médio, visto de uma
perspectiva ainda pouco explorada, a dos formadores de formadores. Para isso esta tese
se organiza em oito capítulos.
No primeiro, abordo o cenário de minha pesquisa, apresentando um panorama
sobre a crise das universidades latino-americanas, num plano mais continental e,
passando para um plano mais local, abordo as universidades brasileiras, as
características comuns do movimento de reforma, convergindo meu olhar para a
Universidade Federal Fluminense.
No segundo capítulo, os protagonistas da pesquisa, os professores universitários,
são focalizados. Nesse capítulo realizo um breve histórico das pesquisas educacionais
centradas no professor, nos seus fazeres e nos seus saberes, e elenco os principais
referenciais teóricos da introdução dessa temática no Brasil, justificando a escolha do
referencial de Maurice Tardif (2002) sobre os saberes docentes, que é posteriormente
apresentado em seus principais pressupostos.
O referencial teórico-metodológico desta pesquisa é apresentado no terceiro
capítulo. A análise mais lúcida das entrevistas realizadas durante esta pesquisa trouxe a
necessidade de um conhecimento mais profundo sobre a linguagem, sobre os
enunciados4, sobre as intencionalidades presentes no discurso, sobre o gênero do
discurso e, nesse sentido, Bakhtin (2006) se inscreve como minhas lentes de leitura.
Neste capítulo apresento alguns dos conceitos-chave que utilizo na interpretação de
meus resultados.
No capítulo quatro, apresento os critérios de escolha dos sujeitos da tese (os
professores universitários) e a forma como os dados foram coletados, ou seja, as
entrevistas semi-estruturadas, além das convenções textuais para transcrição das
entrevistas.
Os episódios coletados dos resultados foram analisados em dois capítulos, o
quinto e o sexto. O quinto centra-se na análise das concepções dos professores
universitários sobre o “ser professor” e sobre o processo formativo da Licenciatura e o
sexto, na análise das concepções desses sobre a universidade e como esse cenário
influencia suas atividades docentes.
4
Bakhtin considera como enunciados as expressões (orais ou escritas) formalizadas de utilização da
língua.
7
Os dois últimos capítulos que encerram esta tese abordam as considerações
finais sobre as análises – capítulo sétimo – e, diante dessas considerações, no capítulo
oito, apresento exemplos de iniciativas bem-sucedidas em outras universidades
brasileiras que aprimoraram a formação inicial oferecida, inspirando-me a tecer
sugestões sobre a formação inicial na UFF.
Minha expectativa com esta tese é suscitar nos professores entrevistados e nos
seus pares de profissão (os demais professores do curso) mais questionamentos e
reflexões que contemplem sua própria prática, condição fundamental para se repensar
significativamente o processo formativo de modo a aprimorá-lo cada vez mais.
8
1
CAPÍTULO
A universidade, o cenário...
Tenho uma boa e uma má notícia: a má, é que somos cárceres
e a boa, é que somos os nossos carcereiros.
Elisa Lucinda5
O tema universidade precisa ser abordado com uma escrita vigilante a fim de
evitar caminhos que desemboquem em áreas distantes dos limites do meu problema6 e
que poderiam configurar, por si só, o todo de uma outra tese, e não apenas um capítulo.
O fato é que, reconhecidamente, os estudos recentes sobre esse cenário apontam
para uma crise institucional que vem crescendo e tornou-se muito evidente a partir da
década de 80, desencadeando o movimento de reformas de âmbito mundial e ganhando
força na América Latina, na década de 90 (TRINDADE, 2003).
Sendo assim, buscarei situar-me na linha tênue entre a superficialidade e a
profundidade, apresentando sucintamente, num plano mais continental (dos países
latino-americanos) a crise que a universidade atravessa e, noutro plano, mais próximo
do meu cenário, a universidade brasileira, centrando na Universidade Federal
Fluminense e sua relação com o curso de Licenciatura, com a intenção de fornecer
subsídios para o melhor entendimento do cenário de atuação de meus protagonistas,
cárceres e carcereiros7 desse tipo de instituição secular.
Em todo o mundo, as universidades se encontram num momento em que estão
ocorrendo mudanças profundas tanto em suas estruturas de Ensino quanto na sua
posição e sentido social. Não que essas instituições tenham permanecido imutáveis
durante os seus vários séculos de existência, mas a grande velocidade das
transformações vivenciadas nesse último meio século em termos científicos e
5
A frase que uso como epígrafe foi dita pela autora durante seu monólogo “Parem de falar mal da
Rotina”, apresentado em dezembro de 2007, no Teatro da Associação Médica Fluminense, Niterói – RJ.
6
Considero que os limites do meu problema no caso desse capítulo é abordar os fatores externos que
“moldaram” o cenário universitário (como as reformas e as políticas públicas) e como eles afetam o fazer
dos professores universitários.
7
Considero os professores universitários com essa dualidade por reconhecer sua autonomia para reformar
seu pensamento (libertando-se das prisões ideológicas anteriores, atuando como seus carcereiros) ou por
manter a forma de pensar (atuando como um cárcere de suas próprias ideologias).
9
tecnológicos, associadas a outras demandas como a massificação8 dos estudantes, a
crescente globalização e internacionalização dos estudos e a redução de investimentos
do governo são fatores que repercutiram de forma substancial e incisiva nas relações
que as instituições universitárias estabelecem com seus professores e os demais
coadjuvantes desse cenário (funcionários, alunos, comunidades, escolas e outras
instituições) (ZABALZA, 2004).
As universidades estão revendo o modo como organizam seus recursos, sua
estrutura, seus conteúdos e, principalmente, suas propostas de formação, com o objetivo
de enfrentar os novos desafios que as pressões sociais e mercadológicas lhes obrigaram
a assumir (op. cited.).
Nos países latino-americanos, a reforma foi introduzida sob o discurso da
modernização das universidades, como aponta Denise Leite:
Sob o discurso da modernização, do controle e diminuição de gastos estatais
com vistas à melhoria da qualidade do Ensino, erige-se o programa de
reformas da educação superior na maioria dos estados latino-americanos. O
discurso das reformas em geral se inicia pela associação da grande imprensa
com o estado, patrocinando para a opinião pública uma visão das
universidades públicas marcada pela improdutividade, pelo custo excessivo e
pela baixa qualidade da formação oferecida. (2003, p.182)
Nesse sentido, a evolução dos movimentos reformistas da educação superior na
América Latina pode ser resumida sob duas vertentes: massificação e privatização,
mesmo que nos países de língua espanhola e portuguesa a relação entre essas tenham
ocorrido de formas bastante diferenciadas.
Nos países de língua espanhola, ocorreu a expansão de universidades públicas
que se massificaram progressivamente, com o crescimento de instituições privadas,
observado a partir da década de 90 (privatização). No Brasil, a expansão e consolidação
das universidades públicas ocorreram entre 1930 (com a criação das primeiras
universidades brasileiras) e 1970 (com o advento do “milagre econômico” da década de
70), e a partir daí se dá uma expansão espetacular das instituições privadas que
absorvem atualmente dois terços das matrículas no Ensino Superior (TRINDADE,
2003).
8
A massificação é tida aqui como um aumento substancial do número de alunos nas universidades,
consequência da diversificação de cursos e de políticas públicas que buscam tornar a educação superior
acessível a um número cada vez maior de cidadãos. O quantitativo de estudantes matriculados em
universidades em todo o mundo, na década de 90, é o sêxtuplo da década de 60 (TRINDADE, 2003).
10
Cabem aqui algumas considerações sobre essa precoce expansão do Ensino
público brasileiro, quando comparada com a dos países latino-americanos, ainda que
isso exija uma escrita a rédeas curtas, para não cair no vasto terreno de domínio da
História da Educação.
Segundo a historiografia corrente, o Brasil da década de 50 e início da de 60
viveu uma época de grandes transformações, sendo essa época conhecida como “Anos
Dourados”, devido à mobilização de ações políticas em torno da modernização do país,
mesclada com os sentimentos de alívio geral (pois o mundo acabara de passar por uma
grande guerra), além da expectativa, por parte de alguns intelectuais brasileiros, de
superação da dependência econômica e emancipação social (TRINDADE, 2007).
Nessa atmosfera, projetos que visavam a articular a industrialização, o
desenvolvimento científico e a renovação educacional reorientaram as políticas de
Estado e fizeram emergir o ideário desenvolvimentista (MENDONÇA, 2006). Isso
potencializou também o resgate e a expansão de outro ideário, o da Escola Nova,
oficializado na década de 30 pelo “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, que
influenciou a Constituição de 1934 e que pode ser considerado como um primeiro
esboço para um Plano de Educação Nacional, que subsidiou a proposta da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB9), aprovada em dezembro de 1961,
como resultado do trabalho de dois grupos de posições doutrinárias distintas.
Neste mesmo ano, era criado o Conselho Federal de Educação (CFE), iniciando
a expansão desordenada do Ensino Superior brasileiro, com a criação de faculdades (em
especial de iniciativa privada, alicerçadas pela LDB recém-aprovada) muitas vezes
atendendo a interesses políticos locais ou a um incipiente empresariado escolar mais
atento aos lucros que à mobilização cultural, ao Ensino e à pesquisa (FÁVERO;
BRITTO, 2002).
Juntamente com isso, o clima de descontentamento pela aprovação da LDB10, a
inflação como consequência do desenvolvimento às custas da injeção de capital
estrangeiro (que contribuíram para o colapso do populismo), a polarização de grupos
sociais e instituições (suscitando greves e movimentos sindicais) e de organizações
9
A LDB iniciou sua tramitação em 1948, dois anos após a promulgação da Constituição de 1946; deste
ano até 1959, o ponto principal de discussão do anteprojeto consistiu na centralização ou descentralização
do sistema de Ensino; na segunda fase de discussão do projeto, o enfoque era a liberdade de Ensino,
quando educadores e intelectuais leigos e católicos ligados aos empresários do Ensino privado
reivindicavam igualdade de condições da escola privada em relação à escola pública, fazendo emergir a
Campanha em defesa da escola pública (ALVAREZ, 2004).
10
Ocorreu o descontentamento de muitos intelectuais da educação brasileira, pois a LDB foi aprovada
nos moldes retrógrados suscitados nas suas primeiras discussões da década de 30.
11
políticas e partidos (disputas partidárias acirradas) configuraram a truculência do
começo da década de 60 e o Golpe Militar de 64 (ALVAREZ, 2004).
É oportuno ressaltar que, comparada às outras ditaduras que eclodiram nos
países do cone sul da América Latina na mesma época, as universidades, que foram um
dos alvos principais de violência e repressão nos outros países, tiveram seu
desenvolvimento impulsionado no Brasil, mesmo diante da exoneração de um número
significativo de lideranças intelectuais que não compactuavam com o regime militar em
vigor. Segundo Helgio Trindade,
Os militares – influenciados por uma elite civil, científica e universitária –
foram persuadidos de que a construção do “Brasil-potência” exigia
universidades capazes de formar pesquisadores de alto nível, através da pósgraduação e do financiamento da pesquisa. (2007, p.19)
Nesse sentido ocorreu o “grande paradoxo do regime militar: intervir nas
universidades para afastar os professores e estudantes ‘subversivos’ e depois impor o
seu próprio projeto” (2007, p.19), que foi alicerçado em parte por propostas que
emergiram da luta universitária e das experiências do período anterior ao Golpe.
Pressionados pelo movimento estudantil, ressurgido em 68, os militares
organizaram o “Seminário de Educação e Segurança Nacional”11, medida que
representava o seu ingresso direto no processo de reforma e tentativa de atenuar as
pressões internas pela disposição de debater temas concernentes aos Ensinos Superior e
Médio.
Desse processo, surgiu um “Anteprojeto de lei sobre a organização e
funcionamento do Ensino Superior”, elaborado pelo “Grupo de Trabalho da Reforma
Universitária (GRTU)12”, que apontava, entre outros fatores, a necessidade da reforma
universitária advinda do entrechoque entre Estado, Universidade e Comunidade
(intitulada “tríplice dialética”) e a capacidade de a universidade reformar-se por suas
próprias forças, tratando também num âmbito mais geral da tentativa de estabelecer a
11
Esse seminário reunia a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECME) e a Universidade do
Estado da Guanabara (atualmente conhecida como Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ).
Nessa época surgiu a proposta de introdução do curso de Moral e Cívica e o Projeto Rondon, que buscava
estender este curso a todos os níveis (TRINDADE, 2007).
12
O GRTU foi estabelecido no governo Costa e Silva (1967-1969), com intuito de estudar a reforma da
universidade brasileira, visando a sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação
de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do país e, ao mesmo tempo com outras
intenções, como a de desmobilizar os intelectuais que expressavam uma postura crítica e inovadora ao
regime, além de tentar conter as manifestações estudantis, uma vez que as intervenções da polícia militar
já não eram suficientes para conter os protestos (TRINDADE, 2007).
12
autonomia universitária. Desse anteprojeto, surgiu a lei universitária n° 5.540, de 1968
(TRINDADE, 2007), que criou o exame vestibular.
Com a proposta de atualizar a LDB de 1961, surgiu a LDB de 1971, que
abordava com mais profundidade as questões curriculares, além do incentivo à criação
de mais escolas técnicas (GANDOLFI & ROSSI, 2008), e sua mais recente atualização,
a LDB de 1996, que pode ser considerada marco documental das reformas universitárias
suscitadas e intensificadas na década de 90.
Sendo assim, após esse breve panorama das reformas educacionais brasileiras13
feito pelos referenciais supracitados, é que o processo de expansão e consolidação
precoce do Ensino Superior público brasileiro pode ser justificado, comparado aos de
outros países da América Latina, seguido de uma expansão espetacular das instituições
privadas de Ensino Superior, a partir da década de 70. Isso caracteriza uma reforma que
difere da dos outros países latino-americanos em relação às vertentes massificação e
privatização, mas, ainda assim, apresentam características comuns.
Antes de elencar as principais características que nortearam as reformas das
universidades brasileiras na década de 90, cabe diferenciar as duas esferas de
universidades públicas: as universidades estaduais, que gozam de plena autonomia, e as
universidades federais (foco desse capítulo), que gozam de uma autonomia relativa, pois
estão sujeitas às reformas implantadas pelo Governo Federal (LEITE, 2003).
Segundo Denise Leite, são características da reforma universitária brasileira:
• diversificação da missão das instituições: Universidades (Ensino, Pesquisa,
Extensão, Pós-graduação), Centros Universitários (Ensino preferencial e
Pesquisa), Institutos Superiores, Faculdades Integradas e Escolas Superiores;
• aumento do número de instituições privadas em progressão acelerada
(estima-se que de janeiro a março de 2001 criaram-se 2,5 instituições/dia);
• ampliação do número de matrículas e de cursos, inclusive nas universidades
públicas federais onde vigora o numerus clausus14, e uma matriz
orçamentária inelástica;
• flexibilização da oferta curricular – introdução dos cursos sequenciais15 –
curta duração;
13
Assumo a arbitrariedade em iniciar minha abordagem do contexto universitário brasileiro a partir da
década de 50 do século XX. Considero essa época ímpar, pela conjugação de fatores, como: o ajuste ao
novo paradigma mundial do pós-guerra, a influência da recém-criada Organização das Nações Unidas
(ONU) e de sua vertente educacional: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), o surgimento do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), a revitalização do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), a criação da Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), mesmo sabendo que existem
outros fatores relevantes no contexto da história da Educação no Brasil antes desse período.
14
Em latim “número restrito” para fazer alusão à quantidade de vagas disponibilizadas, que são restritas e
publicadas nos editais de seleção.
13
• diversificação do financiamento – ampliação do sistema de fundos
concursáveis (FINEP, PRONEX, BNDES, Fundos Setoriais e outros);
abertura para serviços, convênios e outros;
• realocação de recursos – dos 4,7% do PIB para educação em 1997, 3,1
foram para Ensino fundamental e médio e 1,1 para a educação terciária
(Table B4.1, in OECD, 2001);
• diferenciação salarial dos acadêmicos das instituições públicas – ao lado da
carreira docente e da carreira como pesquisador– intensifica-se a contratação
temporária (professor substituto), as aposentadorias (que levam o docente
preparado para a universidade privada); institui-se a GED –Gratificação de
Estímulo à Docência, espécie de sistema “merit pay” para docentes do
sistema público federal;
• Lei da Inovação (a partir de 2001) – deverá favorecer e legalizar o segundo
emprego do docente – na empresa privada ou estatal não universidade;
• avaliação intensiva, em diferentes modalidades, sob controle do estado
desde 1996 (avaliação da Pós-graduação, desde 1977; auto-avaliações
autônomas das universidades, desde 1986; modelo PAIUB, desde 1994;)
Sistema de avaliação pública inclui: Provão – Exame Nacional de Cursos,
seguido de ranking nacional (atual ENADE); ENEM – Exame do Ensino
Médio; avaliação das Condições de Oferta, avaliação externa de especialistas;
ênfase na recolha e utilização de dados estatísticos e dos Censos –
transformação do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) em órgão
responsável pelas avaliações e censos educacionais. (grifo meu, 2003, p.185186)
Essas características, mesmo que sucintas, confirmam o que diferentes autores
vêm demonstrando como consequências desses movimentos de reforma: o crescimento
do sistema com forte apoio do setor privado, a submissão das políticas de estado para
educação às recomendações de órgãos financeiros internacionais (educacional submisso
ao econômico), ênfase do controle do estado sobre o sistema de educação superior
através de avaliação.
Essas consequências de âmbito macro educacional afetam a universidade
localmente, redesenhando suas funções para novas direções (LEITE, 2003), em que nem
sempre o papel formativo ocupa o primeiro plano.
Embora a consideração do papel formativo da universidade pareça óbvia e
indissociável dessa instituição, as circunstâncias instáveis atuais de funcionamento,
manutenção e sobrevivência dessas instituições desvirtuam esse papel essencial.
As universidades atuais se aproximam cada vez mais do perfil de centros de
pesquisa, onde o nível de qualidade está associado aos indicadores de produção
científica, como: patentes, projetos de pesquisa subvencionados, publicações,
15
Os cursos sequenciais são cursos oferecidos no nível superior, mas que não são graduações. Podem ser
definidos como uma formação específica em um dado "campo do saber", num prazo relativamente curto,
sem a necessidade de ingresso em uma graduação. Esses cursos podem ser feitos por alunos egressos do
Ensino Médio ou por universitários (durante ou após sua formação), dependendo das especificidades do
curso.
14
congressos, etc., enquanto o caráter formativo constitui uma variável de menor
valorização (ALVAREZ, 2004).
O quadro docente das universidades públicas é um reflexo dessa nova tendência.
Nos concursos públicos, para admissão de novos professores, fica evidente, na estrutura
avaliativa, o peso maior atribuído às publicações, patentes e títulos do candidato, em
detrimento da sua formação pedagógica (que em alguns casos é dispensada16), o que
fica evidente no peso dado à prova de aula.
A universidade parece por vezes estar interessada em “pesquisadoresprofessores” e não “professores-pesquisadores”17, e isso afeta, em alguma medida, os
cursos de graduação, principalmente as Licenciaturas, em que os professores
universitários (formadores de formadores) nem sempre atuam buscando despertar a
visão crítica, a reflexão e a integralização18 daquilo que está sendo ensinado aos seus
licenciandos, quesitos correntes nas diretrizes curriculares para formação docente de
diferentes universidades públicas federais (incluindo a universidade que abordo nessa
pesquisa).
Ademais, seria limitado de minha parte não mencionar as tarefas que rondam a
produção científica e pedagógica dos professores universitários, tarefas nem sempre
visíveis aos sistemas de avaliação, mas que ocupam boa parte da jornada de trabalho
desses professores, como, por exemplo, “as atividades referentes à captação de verbas,
que incluem a elaboração de projetos, acompanhamento de processos, administração
financeira e prestação de contas” (ALVAREZ, 2004, p.152), a elaboração de relatórios
e pareceres aos órgãos de fomento à pesquisa, as reuniões de departamento e de
colegiado, a participação de comissões de graduação, de departamentos, de jornadas de
iniciação científica, as coordenações de departamentos, a direção de unidades e/ou
institutos, orientações e participações em bancas de concursos públicos, exames de
16
Cabe ressaltar que a formação pedagógica para a atuação docente no Ensino Superior não é uma
exigência legislativa da LDB, que coloca no artigo 52°, incisos II e III, que um terço do corpo docente
deve ter, pelo menos, titulação de mestrado ou doutorado, e que esse mesmo montante deve trabalhar em
regime de dedicação exclusiva.
17
Tomo aqui essas nomenclaturas pesquisadores-professores e professores-pesquisadores, pois nesse
trecho refiro-me ao juízo de valor entre pesquisa e docência nos interesses de contratação das
universidades atuais. Ressalto que a última nomenclatura empregada não está relacionada com o
professor que pesquisa em sua própria prática.
18
Cabe definir esses três termos: a visão crítica e a reflexão podem ser aludidas de forma conjunta e
considero apropriado para essa definição o viés de Giroux, que considera a reflexão como extrato da
crítica, pondo os professores na posição de intelectuais questionadores, capazes de “levantar questões
acerca dos princípios que subjazem os diferentes métodos didáticos, técnicas de pesquisa e teorias da
educação” (1997, p. 159). A integralização pode ser definida como o movimento de conectar os
conteúdos, de rasgar os envelopes disciplinares.
15
qualificação, de dissertações de mestrado, teses de doutorado, a avaliação de artigos
para revistas da sua área de pesquisa, etc.
Para os professores que realizam pesquisas experimentais, posso ainda elencar
outras tarefas, como a colocação do laboratório em funcionamento, que envolve contato
com fornecedores, avaliação de orçamentos, manutenção de equipamentos, etc.
Todas essas atividades que integram o cotidiano do professor universitário nem
sempre são “contabilizadas” pelos sistemas de avaliação e, mesmo que muitas delas
sejam sazonais, seu conjunto tem muita importância nos calendários desses professores
(ALVAREZ, 2004) e, consequentemente, afeta, em alguma medida, a atividade docente
desenvolvida em sala de aula e todas as outras tarefas que essa atividade também exige,
podendo comprometer a qualidade educativa das aulas ministradas.
Esses desmembramentos da reforma universitária de 90, no cotidiano do
professor universitário, se mantiveram e agregaram outras nuances com o mais recente
movimento de reforma universitária empreendido pelo governo Lula, em 2007, o
REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais).
Apresentando de forma sucinta, o REUNI foi divulgado pelo governo Lula
através de um Decreto Presidencial (6096/07) e se engendra num contexto de
empresariamento da Educação Superior (NEVES, 2002 apud LIMA, 2009) iniciado
com o Governo Collor/Itamar (1990-1992/1992-1995), ganhando nova roupagem nos
dois mandatos do governo FHC19 (1995-1998 / 1999-2002), quando a educação foi
incluída no setor de atividades não exclusivas do Estado (SILVA & SGUISSARD, 1999
apud LIMA, 2009) e conduzida no atual governo, num duplo mecanismo, o da
amplificação do número de cursos privados e o da privatização interna das instituições
públicas (LIMA, 2008 apud LIMA, 2009).
Tais mecanismos favoreceram a “burguesia de serviços educacionais” (BOITO
JR, 1999 apud LIMA, 2009) devido à ampliação da isenção fiscal realizada pelo FIES
(Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior) e pelo PROUNI (Programa
Universidade para Todos) e pela possibilidade de reconhecer diplomas de Mestrado e
Doutorado expedidos por instituições estrangeiras, competência antes atribuída somente
às universidades públicas.
19
Fernando Henrique Cardoso
16
Além disso, ocorre a abertura para a participação do capital estrangeiro na
educação brasileira e o estabelecimento de parcerias e/ou compra de pacotes
educacionais para viabilização da Educação Superior a distância, conduzida pelo
governo federal (LIMA, 2007 apud LIMA, 2009).
Os objetivos do REUNI, que deverão ser cumpridos num prazo máximo de 5
anos, são: elevar a taxa de conclusão dos cursos de graduação para 90%; aumentar o
número de estudantes de graduação nas universidades federais; aumentar o número de
alunos por professor em cada sala de aula da graduação; diversificar as modalidades dos
cursos de graduação através da flexibilização dos currículos, da criação dos cursos de
curta duração e/ou ciclos (básico e profissional) e da educação a distância, incentivando
a criação de um novo sistema de títulos e a mobilidade estudantil entre as instituições
(públicas e/ou privadas) de Ensino.
Segundo Lima,
A adesão das universidades federais ao REUNI implica diretamente dois
níveis de precarização: a da formação profissional e do trabalho docente. A
precarização da formação ocorre através do atendimento de um maior
número de alunos por turma, da criação de cursos de curta duração e/ou
ciclos (básico e profissionalizante), representando uma formação aligeirada e
desvinculada da pesquisa. Considerando a necessidade do cumprimento das
metas de “expansão” indicadas no decreto, através do aumento do número de
turmas, de cursos e da relação professor-aluno em sala de aula da graduação,
a dinâmica de contratação de professores nas universidades está pautada no
“banco de professores-equivalentes”, precarizando ainda mais as condições
de trabalho docente. (2009, p.5)
O “banco de professores-equivalentes” está sendo operacionalizado desde
31/12/2006 e dá a cada docente em exercício um peso diferenciado segundo seu regime
de trabalho. Como a expansão do Ensino de graduação é uma das prioridades do
REUNI, fica evidente o estímulo à contratação de professores em regime de trabalho de
20 horas, esvaziando o sentido do regime de trabalho em dedicação exclusiva, o que
afeta a tríade: Ensino, Pesquisa e Extensão, configurando-se assim um retrocesso.
Cabe agora afunilar o tema até aqui debatido, tentando estabelecer conexões do
que foi apontado com o cenário de atuação dos meus protagonistas de pesquisa, a
Universidade Federal Fluminense (UFF).
17
1.1) A Universidade Federal Fluminense e a Licenciatura
Seguindo o referencial cronológico da década de 90, aproveitando a
contextualização realizada sobre as reformas e, finalmente, o REUNI, buscarei imergir
na UFF. Sendo mais preciso em meu mergulho, focarei a estruturação das Licenciaturas,
em especial a Licenciatura em Química.
Sendo assim, localizo a criação da Coordenação das Licenciaturas (CL) em
1994, órgão assessor da Pró-reitoria de Assuntos Acadêmicos (PROAC)20, como um
marco fundamental para a institucionalização das discussões e elaboração de propostas
para a formação de professores na UFF.
A composição da CL incluía: coordenadores de cursos de graduação que
oferecem Licenciatura; representantes da Faculdade de Educação; representantes da
PROAC.
Em 1999, alguns de seus membros compuseram um grupo de trabalho que
redigiu o documento Diretrizes para a Política de Graduação na UFF (UFF, 1999),
que mais especificamente no item 4.2, Diretrizes curriculares da UFF para as
Licenciaturas-graduação plena, concebe a Licenciatura na UFF:
como o curso de formação do educador-pesquisador para atuar na escola e
nos espaços alternativos educacionais. Pressupõe-se que este curso
proporcione uma sólida formação teórica em todas as atividades curriculares
– nos conhecimentos específicos a serem ensinados pela escola básica e nos
conhecimentos pedagógicos – tendo a pesquisa educacional como princípio
embasador. (1999, p. 23)
O direcionamento para formação do educador-pesquisador no documento de 99
revela a interligação do grupo de trabalho com as pesquisas desenvolvidas no campo da
formação docente daquela época (final do século XX). Expressões e conceitos novos
referentes aos professores, sua formação e seu trabalho foram incorporados de outros
referenciais teóricos, como: epistemologia da prática (TARDIF, LAHAYE &
LESSARD, 1991), professor-reflexivo (SCHÖN, 1983), prática-reflexiva (GIROUX,
1997), professor-pesquisador (STENHOUSE, 1985), saberes docentes (TARDIF &
LESSARD, 1999) e rapidamente compuseram o vocabulário dessa área (ALVES,
2007).
20
Órgão da administração central da UFF, que gerencia o acesso, a criação e a avaliação dos cursos de
graduação, bem como todas as atividades acadêmicas (monitoria e estágios) e administrativas (expedição
de certificados e diplomas) discentes.
18
Apreciados ou não, esses termos ainda são correntes nos debates sobre educação
e formação de professores, e aparecem em outros trechos que destaco desse documento
de 99.
Para além dessa constatação de influência das pesquisas da época na redação do
documento supracitado, cabe ressaltar o tom inovador desse texto, no sentido de
promover o professor à instância de sujeito participante e crítico do seu cenário de
atuação, e não um mero reprodutor de conhecimentos e orientações transmitidas da
universidade, ideologia da racionalidade técnica (CONTRERAS, 2002).
Sobre a organização curricular, esse documento, no seu item 4.3, estabelece:
A formação pedagógica precisa iniciar-se a partir dos primeiros períodos,
tendo em vista que o saber docente não se constrói apenas através de
complementação, sendo um processo construtivo pelo qual se dá a
incorporação do pedagógico no futuro educador.
A pesquisa pedagógica se institui como componente curricular ao longo do
curso, a fim de contribuir para a formação do professor crítico-reflexivo,
possibilitando a atitude investigativa como condição inerente ao exercício do
magistério. (1999, p. 24)
Ainda no mesmo documento, era proposto que 3 tipos de conteúdos fossem
ministrados: os específicos, os articuladores (teoria-prática, ensino-pesquisa) e os
pedagógicos e humanísticos.
Assim, dividindo-se o curso em 3 momentos, era indicado que no primeiro
fossem oferecidos 75% de componentes específicos e 25% dos demais tipos; no
segundo, 70% específicos e 30% dos outros; e, no terceiro, 70% dos pedagógicos,
humanísticos e articuladores e 30% dos específicos.
A diretriz da prática pedagógica concebida desde os primeiros períodos pode ser
encarada como uma tentativa de romper, pelo menos em estrutura curricular, com o
modelo 3+121 de formação, e essa formação pedagógica inclui a prática, também
contemplada nessas diretrizes:
[...] Entende-se que não se deva tornar uma prática burocrática, cumpridora
apenas de normas legais. Pelo contrário, ela deve ser desenvolvida com a
conotação de uma prática articulada à pesquisa, a fim de que o aluno
[licenciando] vivencie as realidades educacionais. Esta prática deverá pautarse nas vivências reflexivas críticas da gestão e da organização escolar, na
dinâmica da sala de aula, na análise curricular e nos processos avaliativos.
(1999, p. 25)
21
Esse modelo formativo é caracterizado pela desarticulação entre o núcleo de saberes de natureza
específica e os saberes que fundamentam a prática educativa (saberes pedagógicos). Essa nomenclatura
(3+1) faz alusão aos três anos de formação específica e ao último ano de formação pedagógica.
19
A aproximação do futuro professor da pesquisa ratifica a intenção de orientar a
prática pedagógica nas escolas como uma vivência encharcada de aprendizagens,
colocando o licenciando como parte integrante daquele cenário, refletindo, pesquisando
e aprendendo com outros professores.
Essa intenção reflete também a de afastamento de um fazer característico da
racionalidade técnica que considera a observação passiva para detecção dos problemas
escolares vividos por aquela comunidade escolhida pelo licenciando, para o
encaminhamento de soluções preconcebidas, protocolos forjados nas universidades.
Entre 1999 e 2002, a CL aprofundou estudos e elaborou um texto com
fundamentação teórica mais consistente e ampliada, específico para as Licenciaturas: as
Diretrizes para formação de professores na UFF (UFF, 2002). Muitas dessas
orientações são reelaborações das encontradas no item 4.2. Diretrizes curriculares da
UFF para as Licenciaturas-graduação plena do documento de 99. Um dos itens dessas
diretrizes formaliza a prática e o estágio curricular supervisionado, orientando que
“devem ser desenvolvidos com a conotação de uma prática e um estágio articulados à
pesquisa [...]” (p. 17 e 18).
Dentre outras orientações norteadoras da publicação de 2002, destaco:
-criar modelos curriculares amplos, capazes de construir conhecimentos em
‘rede’ numa ação articulada entre Bacharelado e Licenciatura, privilegiando
tanto a interdisciplinaridade quanto a transdisciplinaridade; [...]
-proporcionar a educação inicial e continuada, através das três funções da
universidade: Ensino, Pesquisa e Extensão;
-preparar o profissional para o exercício da prática do trabalho, da cidadania e
da vida cultural; [...] (p. 15 e 16)
Esses pressupostos ratificam um perfil de profissional docente já apontado no
documento de 99, que coloca a pesquisa associada ao exercício crítico, reflexivo e
investigativo das realidades educacionais como instâncias a serem priorizadas no
processo formativo. No que tange ao currículo, segue a mesma tendência de aprofundar
e detalhar pressupostos já apontados no documento de 99.
Apesar de essas diretrizes nortearem uma formação docente que se aproxima da
considerada adequada pelos pesquisadores na área para a sociedade, o desmembramento
e a internalização desses apontamentos nas especificidades de cada curso produziram
intensos debates nos colegiados, em busca de um denominador comum.
20
Na Licenciatura em Química, durante alguns meses, esses debates mobilizaram
professores e estudantes do curso22, com boa parte das discussões girando em torno da
criação de uma identidade para o curso de Licenciatura em Química. Para isso, eram
necessárias mudanças estruturais, como a criação, supressão e/ou modificação das
disciplinas obrigatórias existentes no quadro curricular da Licenciatura (que antes
continha todas as disciplinas do curso de Bacharelado em Química), além do esforço de
estruturar os três momentos da formação do licenciado supracitados, articulando os três
tipos de conteúdos (os específicos, os articuladores e os pedagógicos/humanísticos),
sem perder o vínculo com o bacharelado.
Destaco do documento de 2002 o seguinte trecho: “manter permanente
interação entre os bacharelados e Licenciaturas em cada área do conhecimento” (UFF,
2002, p. 25), que é colocado como um dos desafios da reestruturação das Licenciaturas
e que vem ao encontro do que acabamos de discutir.
Diante da apresentação feita sobre as diretrizes curriculares para Licenciatura da
UFF, frente à contextualização das reformas universitárias brasileiras, cabe agora
oferecer mais um componente para tornar o cenário em análise menos nebuloso, que é o
fluxograma da Licenciatura em Química pós-reforma de 90 (ANEXO 1).
Considero esse fluxograma ferramenta importante na constatação da forma que
as diretrizes tomaram, ou seja, na estrutura curricular adotada, além de mapear as
conexões entre as disciplinas em cada período do curso.
Esse fluxograma deverá ainda ser mais uma vez alterado por influência das
ações do REUNI. O Projeto Pedagógico Institucional (PPI23), publicado em 2002, e o
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI24), publicado em 2004, já preconizavam
como prioridades institucionais a expansão da graduação, da pós-graduação e da
extensão, bem como a redução da retenção e evasão de estudantes, juntamente com a
criação dos cursos noturnos e a criação de novos cursos presenciais e a distância,
medidas concordantes com os objetivos do REUNI, publicados em 2007.
Sendo assim, esses documentos foram considerados os eixos centrais da
reformulação político-pedagógica em curso na UFF, desde a adesão ao REUNI, sendo
22
Afirmo isso por ter sido representante dos alunos da Licenciatura em Química nas reuniões de
colegiado, por intermédio do Diretório Acadêmico de Química.
23
O PPI constitui-se em um plano de referência para o trabalho pedagógico desenvolvido na
universidade.
24
O PDI visa a criar condições de operacionalização das políticas pautadas no PPI, no cotidiano
institucional.
21
explicitados nos seguintes documentos: o Projeto de Adesão da UFF ao REUNI25 e o
novo Regulamento dos Cursos de Graduação da UFF26. A análise desses documentos é
tão densa que poderia ser muito mais que um capítulo da tese, portanto, apontarei
sucintamente tópicos consonantes com meu tema.
Começo com um aspecto negativo desse movimento, destacando um trecho do
Projeto de Adesão da UFF ao REUNI onde percebo uma forte intenção de aligeirar a
formação oferecida na UFF,
A organização dos cursos em turnos mais concentrados permitirá a
otimização de espaços físicos e, portanto, maior oferta de vagas, além de
facilitar para o aluno a organização de seu tempo. Também seria interessante
perguntar qual o estímulo que oferecemos aos bons alunos para que
aprofundem e acelerem seus estudos. Se um estudante, por sua própria conta,
estudar determinado tema, que contenha a matéria de uma ou mais
disciplinas, não existem, hoje, instrumentos para que seja dispensado delas
[...] que cada aluno possa cursar suas disciplinas/atividades no menor número
possível de turnos e que sejam criados mecanismos de aprofundamento e
aceleração de estudos para os bons alunos. (UFF, 2007, p.23)
O documento ainda critica a rigidez curricular, pontuando o elevado número de
pré-requisitos, correquisitos e a baixa relação entre disciplinas optativas e obrigatórias,
apontando para uma estrutura curricular em que o aluno possa escolher seu próprio
“itinerário formativo”, buscando aumentar a integração acadêmica de áreas afins
(LIMA, 2009).
Sendo assim, o referido documento aponta para que os cursos reduzam seus prérequisitos e correquisitos, que possam compartilhar algumas disciplinas obrigatórias
com outros cursos e aumentar o número de disciplinas optativas. As estratégias para
alcance dessas metas são anunciadas pela TABELA 1.
O avanço cronológico dessa reestruturação das graduações vem impactando e
impactará mais ainda o cotidiano do professor universitário da UFF, pelo aumento
substancial de alunos por sala nas disciplinas que irá lecionar, além da crescente
heterogeneidade de alunos que, em alguns casos, cursarão uma disciplina advindos de
cursos distintos.
25
26
Aprovado por Conselho universitário em novembro de 2007.
Divulgado pela PROAC e aprovado pelo Conselho de Ensino e Pesquisa, em 2008.
22
TABELA 1 – CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DE MUDANÇAS NAS
GRADUAÇÕES (UFF, 2007, p.26)
2008
2009
2010
2011
2012
Redução dos pré-
Pelo menos 2%
Pelo menos 4%
Pelo menos 6%
Pelo menos 8%
Pelo
requisitos
dos cursos
dos cursos
dos cursos
dos cursos
10% dos cursos
Compartilhamento
Pelo menos 6%
Pelo
Pelo
Pelo
Pelo
de alguma disciplina
dos cursos
12% dos cursos
18% dos cursos
24% dos cursos
30% dos cursos
Aumento da relação
Pelo menos 2%
Pelo menos 4%
Pelo menos 6%
Pelo menos 8%
Pelo
optativas/obrigatórias
dos cursos
dos cursos
dos cursos
dos cursos
10% dos cursos
obrigatória
menos
menos
menos
menos
menos
entre
cursos afins
menos
Como colocado anteriormente, se a sala de aula (que representa o papel
formativo da universidade) é por vezes posta em segundo plano pelas demandas de
pesquisa dos professores universitários, agora, com a intenção de massificá-la, a
tendência é torná-la menos atrativa ainda, trazendo consequências negativas para
formação dos licenciandos (LIMA, 2009).
Em todo esse esforço de escrita que fiz nesse capítulo, reside a tentativa de
fornecer às minhas lentes e às dos leitores, subsídios essenciais (mas nunca suficientes)
para o melhor entendimento do cenário de atuação dos professores universitários: como
ele se constituiu, seus elementos, suas marcas históricas advindas das reformas e seus
desmembramentos no espaço cênico da prática docente, além de oferecer suporte às
minhas escolhas teórico-metodológicas.
23
2
CAPÍTULO
Meus protagonistas, seus saberes...
Feliz aquele que transfere o que sabe e
aprende o que ensina.
Cora Coralina27
Como visto no capítulo anterior, as ações políticas provenientes da reforma
universitária de 90 e, mais recentemente, do REUNI (em 2007), buscam cada vez mais
avaliar a universidade em suas dimensões – Ensino, Pesquisa, Extensão e Pósgraduação – e esse movimento tem posto a formação oferecida por essas instituições na
berlinda e, consequentemente, as atividades realizadas pelos professores universitários.
O protagonismo exercido pelo professor universitário na definição da prática
pedagógica do Ensino Superior é incontestável, embora ele não seja o único elemento
significativo do processo, ele é o principal ator das decisões universitárias dessa
dimensão (CUNHA, 2005). Entendê-lo como um sujeito histórico, revelador de um
contexto social e engajado (de forma consciente ou não) a um projeto político é
essencial para que a universidade alcance novos patamares de qualidade formativa,
sendo desse entendimento que se engendram questões sobre a natureza dos saberes
docentes, suas bases e suas relações com a atividade educativa, alicerce deste capítulo.
2.1) Breve histórico das pesquisas educacionais
Como fio condutor para as pesquisas que envolvem essa temática, utilizarei nas
linhas que se seguem a crise profissional que há tempos atravessa o magistério, a fim de
oportunizar uma visão panorâmica da evolução das pesquisas educacionais sobre a
atividade docente.
A ideia do ofício de professor atrelada a uma dimensão sociopolítica, entendida
como parte integrante da estrutura de poder explicitada pela organização da sociedade, é
bastante recente. A compreensão desse ofício como uma missão, acima dos interesses
de base material da sociedade, perdurou até boa parte do século XX e tem suas origens
27
Do poema Exaltação de Aninha (O Professor), de Cora Coralina.
24
ancoradas na história da construção do magistério, anteriores ao século das luzes
(XVIII)28, tido como uma forma de sacerdócio, associado a um “dom intrínseco” aos
envolvidos nesse fazer. Nessa época, esse ofício extrapolava a condição da transmissão
dos conhecimentos, sendo o professor visto como um guardião dos bons costumes, um
orientador das novas gerações para o caminho do bem e da razão, além de possuir
grande prestígio social (CUNHA, 2007).
No caminho temporal do desenvolvimento desse ofício, o paradigma positivista
influenciou, em alguma medida, sua função. O positivismo foi desenvolvido a partir das
ideias suscitadas da revolução científica ocorrida a partir do século XVI29, que instaurou
o paradigma da racionalidade clássica que presidiu a ciência moderna, inaugurando uma
“nova” forma de investigação: o “método científico”, que passou a assumir uma
centralidade cada vez maior entre as Ciências, trazendo duas consequências drásticas
para o ideário do conhecimento científico emergente da modernidade.
A primeira: conhecer significa quantificar; o que não é quantificável é
irrelevante; e a segunda: o rigor científico é aferido pelo rigor das medições (SANTOS,
2004). Mais do que isso, a fonte de todo o conhecimento está nos dados. Esse ideário
positivista entrou em crise em meados do século XX, mas deixou cicatrizes aparentes
no ofício docente.
A substituição do dogma religioso que permeava a função docente pelo poder da
ciência, a emergência do estado republicano30, a expansão da escola pública e a
democratização do acesso à escolarização (massificação de estudantes), exigiam um
profissional comprometido com o desenvolvimento cognitivo dos alunos (CUNHA,
2007).
Somam-se a essas exigências os fortes mecanismos de controle sobre o exercício
profissional, como a adoção obrigatória de materiais didáticos, de programas decididos
por agentes externos, a obrigatoriedade dos treinamentos generalizadores e
compulsórios e a aplicação de avaliações externas aos professores.
Esses condicionantes emergentes da sociedade moderna afetaram o papel do
professor, como complementa Campos,
28
Ressalto o século das Luzes por considerá-lo marcante no que tange ao estabelecimento do paradigma
da racionalidade clássica.
29
Conduzida pelas mãos de Copérnico, Galileu e Newton (BOAVENTURA, 2004).
30
Nos Estados Unidos, a República foi proclamada no século XVIII, enquanto, na América Latina, no
século XIX.
25
[...] A sociedade moderna passa a exigir professor papéis contraditórios, na
medida em que delega atribuições antes conferidas à família, ampliando
assim seu papel e, por outro lado considera-o especialista em alguma coisa
imprecisamente esboçada (p.40, 1983 apud CANDAU, 1987)
E revelam um processo de crescente desprestígio, que repercutiram nos índices
de remuneração do magistério. Sobre a questão do reconhecimento dos professores,
acrescenta Nóvoa,
Os professores nunca viram o seu saber específico devidamente reconhecido.
Mesmo que se reitere a importância de sua missão, a tendência é considerar
sempre que lhes basta dominar bem sua matéria de Ensino e ter uma certa
aptidão para comunicação, para o trabalho com os alunos. O resto não é
indispensável. (p.227, NÓVOA apud TARDIF & LESSARD, 2008)
Nesse sentido, o movimento de profissionalização do Ensino e da formação de
professores pode ser considerado como uma das alternativas de resistência ao
desprestígio e à falta de reconhecimento dos seus saberes, ocorrendo inicialmente por
intermédio dos sindicatos e representações docentes ligadas à defesa dos planos de
carreira e da valorização da meritocracia para progressão funcional.
Depois dessas conquistas, o movimento passou a focar a formação docente e a
recuperação do seu status social, movimentação subsidiada por “uma crescente
produção de pesquisas etno-sociológicas sobre a condição do professor e de seu
trabalho, procurando a construção de referenciais que favorecessem uma nova
possibilidade de atuação” (CUNHA, 2007, p.13).
Destaco que, à sombra dessa intenção profissionalizante, a lógica liberalmercadológica desenvolveu a chamada metodologia da Qualidade Total (que usa
princípios de gerência empresarial nas instâncias educacionais), processo tratado no
capítulo precedente como empresariamento da Educação Superior e que pode conduzir
à tecnização do Ensino e favorecer ainda mais a proletarização do magistério por
interferência externa, situação desfavorável à busca de uma identidade necessária à
profissão (op. cited).
Agora, depois de destacar alguns aspectos históricos, cabe esboçar uma evolução
cronológica das pesquisas sobre Ensino, professores e os saberes envolvidos a partir do
século XX, para situar algumas considerações já realizadas e embasar outras futuras.
Durante as décadas do pós-guerra (1940-1950), como nos anos anteriores, os
enfoques preconizados nas pesquisas sobre Ensino e professores eram psicológicos e
26
psicopedagógicos. O professor ocupava um papel coadjuvante, que influenciava a
aprendizagem através de seu comportamento diante dos protagonistas (os alunos).
Nos países anglo-saxônicos, essas pesquisas são marcadamente influenciadas
pelo behaviorismo31, pela avaliação do “efeito docente”, ou seja, da eficácia do
comportamento do professor na aprendizagem dos estudantes (BORGES & TARDIF,
2001), sendo essas pesquisas categorizadas por esses autores como “processo-produto”.
Nas décadas seguintes (1960-1970), apesar de o movimento de pesquisa sobre
esse tema ter se amplificado, a reincidência da mesma tipologia processo-produto
provocou o surgimento das primeiras sínteses críticas a essas produções, apontando as
fragilidades dos resultados anteriores das pesquisas sobre Ensino e deflagrando a
necessidade de se constituir uma sólida tradição de pesquisa sobre a questão da
atividade docente (op. cited.).
Gauthier (1998) identifica mais duas tipologias nessa época de produção de
pesquisas, embora aponte que a maioria delas pertença à do tipo processo-produto, são
elas: as pesquisas etnometodológicas e simbólico-interacionistas (que diferentes do
enfoque do processo produto, o comportamento do professor é interpretado de acordo
com a sua significação para os alunos, não de acordo com seu desempenho) e as
pesquisas cognitivistas (que centram o comportamento do professor em suas ideias).
Na década de 80, os Estados Unidos e Canadá empreenderam um movimento de
reforma na formação inicial de professores da Educação Básica, que alimentou as
expectativas das duas décadas precedentes, no que tange à constituição de um repertório
de conhecimentos profissionais para o Ensino, a Knowledge Base32.
Borges e Tardif complementam que
Para os partidários desse movimento é de fato urgente que os professores, em
seu trabalho cotidiano, possam se apoiar num repertório de conhecimentos
validado pela pesquisa e susceptível de garantir a legitimidade e a eficácia de
sua ação. A profissão médica é tomada aqui voluntariamente como modelo
de referência pelos promotores da profissionalização: como o médico, o
professor deve possuir saberes expertos eficientes que lhe permitam, com
toda a consciência, organizar as condições ideais de aprendizagem para os
alunos. (2001, p.13)
Entretanto, como ressalta Tardif, “nos últimos vinte anos, a profissionalização
da área educacional se desenvolveu em meio a uma crise geral do profissionalismo e
31
Lógica de raízes positivistas.
Segundo Shulman, essa base pode ser definida como corpo de compreensões, conhecimentos,
habilidades e disposições de que um professor necessita para atuar efetivamente numa dada situação de
Ensino (1986, p. 13) e é parte integrante do escopo do movimento de profissionalização.
32
27
das profissões” (2002, p. 250) e esse autor resume essa crise em quatro pontos que
desenvolvo a seguir.
O primeiro, a crise de perícia profissional, provém da emergência de problemas
complexos, que as técnicas e estratégias profissionais (derivadas da racionalidade
técnica situada no capítulo 1) não conseguem solucionar.
Esse “fim das certezas”33 deriva da crise do paradigma positivista dos meados do
século XX e fez com que essa perícia docente perdesse progressivamente sua áurea de
ciência aplicada – com receitas prontas para resolução de problemas previsíveis – para
se aproximar de um saber muito mais ambíguo, instável, construído e localizado social e
culturalmente com suas dimensões éticas indissociáveis (especialmente quando se
aplica a seres humanos).
Essa crise suscitou controvérsias a respeito dos fundamentos epistemológicos
das práticas profissionais, e a falta de confluência dessas diferentes correntes de
pensamento fissurou os cânones que creditavam às profissões a estabilidade de um
repertório de saberes legitimado, consensual e portador de imputabilidade (op. cited).
O impacto dessas fissuras na formação profissional configura o segundo ponto,
que se manifesta por meio de uma grande insatisfação e de críticas contra a formação
universitária oferecida nas faculdades e institutos profissionais (CLARK & NEAVE,
1992; LESSARD & TARDIF, 1998 apud TARDIF, 2002). Complementa o autor que
em muitos países se pergunta se as universidades, dominadas por culturas
disciplinares (que são, além disso, e acima de tudo, culturas
“monodisciplinares”) e por imperativos de produção de conhecimentos ainda
são realmente capazes de proporcionar uma formação profissional de
qualidade, ou seja, uma formação assentada na realidade do mundo do
trabalho profissional (op. cited. p. 252)
Colocando um curto aposto nesse ponto, já que a universidade foi aludida no
capítulo anterior, considero o paradigma “uni-versal” ainda muito presente no currículo
e nos fazeres docentes da universidade, enquanto o cotidiano profissional é “pluriversal”, o que ratifica as apostas em propostas de formação que priorizem a vivência do
formando com seus cotidianos profissionais34.
33
Faço alusão ao livro do prêmio Nobel Ilya Prigogine O fim das certezas: tempo, caos e as leis da
natureza, que aborda entre outras questões o abalo nas “verdades científicas” produzidas pelo método
científico.
34
O plural revela meu entendimento que, no caso da formação docente, o licenciando deve estar em
contado com diferentes cotidianos escolares que permeiam as diferentes escolas públicas e privadas.
28
Abalar a estabilidade do repertório dos conhecimentos profissionais e por em
cheque a formação oferecida afeta a confiança35 profissional do docente pela sua
clientela (alunos e responsáveis) e caracteriza o terceiro ponto.
O quarto e último ponto sedimenta os anteriores por apontar uma crise na ética
profissional, ou seja, dos valores que guiam os profissionais, situação que vai ficando
mais drástica para as profissões que trabalham com o humano (como é o caso do
magistério). Esses valores, que devem nortear o agir profissional, não são mais
evidentes, dessa forma, a prática deverá, inevitavelmente, estar associada à reflexão
sobre os fins almejados em contraste aos meios, associando a questão da ética ao
discernimento profissional a ser exercido na prática cotidiana e que coconstitui essa
prática.
Em suma, desde a reforma de 80, os pesquisadores da área educacional buscam
uma legitimação de um repertório de saberes para profissionalização, numa atmosfera
em que profissões já legitimadas estão em crise (TARDIF, 2002).
Esse aspecto provocou a profusão e multiplicação de pesquisas sobre trabalho e
saberes docentes, numa tipologia distinta daquela identificada como processo-produto,
pesquisas que valorizavam a história individual e da profissionalização do professor,
utilizando uma abordagem teórico-metodológica que dá voz a ele, envolvendo as
dimensões pessoal, profissional e organizacional dessa profissão e que vem ganhando
destaque devido ao seu potencial no desenvolvimento de ações formativas que abarcam
essas dimensões (RAMALHO, NÚÑEZ & GAUTHIER, 2003).
No Brasil, a introdução dessa temática (saberes docentes) no cenário educacional
ocorre na década de 90, especialmente, pelas obras de Tardif e, posteriormente, pelas
obras de Gauthier, Shulman e Schön, embora esse tema já estivesse sendo tratado direta
e indiretamente por autores como Philipe Perrenoud, Antônio Nóvoa e Keneth Zeichner
(ALMEIDA & BIAJONE, 2007).
2.2) Por que Tardif?
Nesse ponto, após o percurso cronológico realizado anteriormente sobre as
pesquisas educacionais que culmina na busca de novos paradigmas para compreensão
da atividade docente e seus saberes, apresento três referenciais que são correntemente
citados tanto nas pesquisas acadêmicas quanto nas diretrizes para formação de
35
Tanto no sentido político quanto no de competência.
29
professores, além de terem sido os precursores (juntamente com Tardif) da introdução
da temática saberes docentes no Brasil e a partir desse breve histórico justificar meu
apreço pelo referencial teórico de Maurice Tardif.
Inicio com um dos autores mais citados internacionalmente no que se refere à
temática dos conhecimentos do professor, o norte-americano Lee Shulman, que, como
pesquisador do programa knowledge base, tem sido referência para as reformas
educacionais em todo o mundo (FIORENTINI, SOUZA JR. & MELO, 1998).
Shulman, a partir da análise36 de pesquisas acadêmicas e dos processos seletivos
para professores37, constata a grande incidência de questões didático-pedagógicas de
natureza geral ou técnicas em comparação à baixa incidência de questões relacionadas
aos conteúdos específicos de Ensino e à forma de trabalhá-los pedagogicamente em sala
de aula. Diante desse descompasso, denominado pelo autor de “paradigma perdido”,
Shulman propõe o resgate do conteúdo e da pedagogia na formação do professor e, com
seus colaboradores, dedicou-se a investigar a mobilização dos saberes passíveis de
Ensino apontando três tipos de conhecimento que compõem o saber docente: o
conhecimento do conteúdo da matéria ensinada, o conhecimento pedagógico da matéria
e o conhecimento curricular (ALMEIDA & BIAJONE, 2007). A especificação desses
três tipos de conhecimentos é feita a seguir.
O primeiro, conhecimento de conteúdo, está relacionado ao saber que o
professor possui na área na qual é especialista, ou seja, as compreensões do professor
sobre a estrutura de sua disciplina, de como ele organiza cognitivamente o
conhecimento da matéria que será objeto de Ensino (GONÇALVES E OLIVER
GONÇALVES, 1998).
O segundo, conhecimento pedagógico, consiste nos modos de formular e
apresentar a matéria para torná-la compreensível aos alunos. Nesse movimento incluemse as analogias, ilustrações, exemplos, explanações e demonstrações, sendo esse
conhecimento complementar ao primeiro na atividade docente, pois corresponde a um
36
Acrescento que essa análise se inscreve em um contexto de crítica à pesquisa desenvolvida até aquele
momento e segundo Borges (2001), segue, pode-se dizer, os passos iniciados por seus antecessores Gage
(1963) e Doyle (1977), cujos trabalhos constituem referências fundamentais em se tratando de uma
verdadeira revisão crítica das pesquisas sobre o Ensino.
37
Destaco seu trabalho de 1986 - Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching.
Educational – no qual o autor analisa testes de concursos estaduais e municipais para seleção de
professores no período de um século (1875-1975). Nesse trabalho, dois momentos foram apontados: na
fase inicial, a ênfase aos conteúdos disciplinares em detrimento aos pedagógicos e na fase final a ênfase
às questões de ordem pedagógica e o desaparecimento das questões ligadas aos conteúdos disciplinares
(GONÇALVES E OLIVER GONÇALVES, 1998).
30
saber pedagógico específico da matéria a ser ensinada e não um conhecimento
pedagógico generalista (op. cited).
O terceiro, o conhecimento curricular, engloba tanto o conjunto de programas
elaborados para o Ensino de assuntos e tópicos específicos de um dado nível quanto a
variedade de materiais instrucionais (livros, vídeos, jogos, etc.) correspondentes à
disciplina na qual o docente leciona (op. cited).
Segundo Sztajn (2002 apud ALMEIDA & BIAJONE, 2007), os trabalhos de
posteriores a Shulman contemplaram uma revisão dessas três tipologias de
conhecimento, ora propondo novas ora eliminando algumas, mas por fim mantendo as
propostas originárias do seu trabalho de 1986.
O trabalho de Shulman é anterior ao de Tardif e, embora esse autor tenha
desenvolvido uma tipologia bastante elaborada que busca dar conta das instâncias
relativas aos conhecimentos mobilizados e criados pelos professores na atividade
docente durante seu ofício e de ter contribuído de forma relevante quanto aos
instrumentos de investigação da ação docente (MONTEIRO, 2001), algumas críticas
são direcionadas à sua perspectiva.
Uma dessas críticas diz respeito ao conhecimento pedagógico da matéria por
desconsiderar o conhecimento contextual dos docentes (aspecto sociológico) e focalizar
somente a relação entre conhecimento do conteúdo e os métodos de Ensino, distorcendo
a natureza do conhecimento prático (ELIOT, 1998). Além disso, elementos éticos,
sociais, políticos, culturais, afetivos e emocionais que fazem parte do conhecimento em
ação, da complexidade da prática pedagógica, estão alheios à perspectiva desse autor
(FIORENTINI, SOUZA JR. & MELO, 1998).
A tríade de conhecimentos proposta por Shulman para compreensão dos saberes
docentes é proveniente de uma esfera exterior à escola, o que limitaria o cotidiano do
fazer docente como apenas lugar de aplicação de saberes.
Em busca de dar conta da forma pela qual os professores enfrentam aquelas
situações que não se resolvem por meio de repertórios técnicos ou de conhecimentos do
conteúdo, pedagógicos ou curriculares precedentes, apresento o próximo referencial, de
um dos autores que investem na ideia de que dentre os saberes que os professores
mobilizam ou criam existe um saber que emerge da prática profissional, ou seja, que o
31
saber docente nem sempre precede a ação, mas se elabora na ação. Falo de Donald
Schön (1983)38.
As contribuições de Schön ganham destaque a partir da década de 90, num
momento em que se buscava uma reorientação para o modelo de formação docente
americano, e o termo “professor reflexivo”, introduzido por ele, sedimenta seu
pensamento: o da prática profissional vista como um momento de elaboração de
conhecimentos, que se dá a partir da reflexão, exame e problematização do próprio agir,
valorizando a experiência e a reflexão na experiência (PIMENTA, 2002).
A proposta de Schön (1983) se encontra centrada em três ideias fundamentais: o
conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
O professor, além do conhecimento específico que transmite aos alunos,
precursor de sua ação, é um profissional que acumula um repertório de vivências que se
desenvolve na medida em que enfrenta, repetidamente, determinados tipos de situações
ou casos em sala de aula. Isso define o conhecimento na ação, um tipo de conhecimento
marcado pela crença em respostas exatas (CONTRERAS, 2002).
No entanto, existem problemas para os quais não são válidas as soluções já
acumuladas no repertório de casos do professor e que, consequentemente, demandam
atitudes reflexivas desses profissionais para criação de novas soluções, o que define a
segunda ideia, a reflexão na ação (SCHÖN, 1983 apud CONTRERAS, 2002). Essa
reflexão pode gerar, por sua vez, um conhecimento sistematizado, o que caracteriza a
reflexão sobre a reflexão na ação, um movimento em espiral que avalia e tenta produzir
uma descrição verbal da reflexão na ação, descrição que influencia diretamente as ações
futuras, gerando novas compreensões do problema (CAMPOS E PESSOA, 1998).
Dessa forma, pode-se perceber que a formação profissional no paradigma do
professor reflexivo de Schön é pautada numa epistemologia da prática, ideia que foi
apropriada por diferentes países e colaborou para a produção de uma série de pesquisas
concernentes à área de formação docente (PIMENTA, 2002).
Não obstante a contribuição desse autor para o campo educacional, destaco
algumas críticas ao seu paradigma de formação docente, começando pelo “praticismo”
permeado nessa perspectiva, considerado por alguns autores como uma radicalização da
importância da prática, o que poderia incorrer num espontaneísmo empirista, pois
38
A proposta de Schön foi delineada de forma abrangente em dois livros: O profissional reflexivo (The
Reflective Practitioner), de 1983, e Educando o Profissional Reflexivo (Educating the Reflective
Practitioner), de 1987.
32
coloca a prática como modo de pesquisar, de experimentar com a situação para elaborar
novas compreensões adequadas ao caso (MONTEIRO, 2001).
Ademais, ocorre uma supervalorização do professor como indivíduo, sendo
desconsideradas as dimensões contextuais e sociais a que a sua prática se relaciona
(PIMENTA, 2008; CAMPOS E PESSOA, 1998), podendo esse movimento gerar a
falsa ideia de que o saber do professor é individual e de que por meio de uma
introspecção ele pode obter elementos suficientes para dominar sua prática
(GAUTHIER, 1998).
Com o intuito de esboçar uma teoria geral da pedagogia, apresento o último
referencial, Clermont Gauthier39, que realizou estudos das pesquisas sobre o Ensino,
com objetivo de identificar convergências em relação aos saberes mobilizados na ação
pedagógica. O autor usa a máxima “conhece-te a ti mesmo” do oráculo de Delfos40,
para apontar que se conhece muito pouco a respeito dos fenômenos inerentes ao Ensino
(ALMEIDA & BIAJONE, 2007).
Segundo Gauthier, “ao contrário dos outros ofícios que desenvolveram um
corpus de saberes, o ensino tarda a refletir sobre si mesmo” (1998, p.20), e
complementa que o avanço nas pesquisas que buscam um repertório de conhecimentos
possibilita o enfrentamento de dois obstáculos que historicamente se interpuseram à
pedagogia: de um ofício sem saberes e de saberes sem ofício (op. cited.).
O primeiro obstáculo está associado à própria atividade docente que é exercida
sem que seus saberes sejam revelados e são ideias de que ensinar consiste apenas em
transmitir conhecimentos – bastando ao professor somente conhecer o conteúdo objeto
de Ensino, ou que é uma questão de talento, bom senso, intuição, experiência ou cultura
– que contribuem para que o Ensino permaneça nessa cegueira conceitual. Isso não quer
dizer que os saberes referentes ao conteúdo, à experiência e à cultura não sejam
essenciais no exercício da atividade docente, mas tomá-los como exclusivos é contribuir
para manter o Ensino na ignorância (GAUTHIER, 1998).
O segundo obstáculo, os saberes sem ofício, tem sua origem nas Ciências da
Educação e diz respeito aos conhecimentos produzidos nos centros acadêmicos sem
considerar as condições concretas da prática docente, reduzindo sua complexidade de tal
39
Juntamente com seus colaboradores.
Situado na Grécia na extinta cidade de Delfos, esse oráculo consiste num complexo de construções
num terreno considerado sagrado para os antigos gregos, onde as sacerdotizas de Apolo (Deus grego)
faziam suas profecias.
40
33
modo que esses conhecimentos não mais encontram relação com a realidade. Para
Gauthier, esse obstáculo contribuiu para desprofissionalização da atividade docente, na
medida em que reforçou a ideia de que a pesquisa universitária não lhes podia fornecer
nada de realmente útil.
Nesse sentido, o desafio da profissionalização docente segundo esse autor deve
evitar esses dois obstáculos, e em seu livro Por uma teoria da Pedagogia (op.cited.),
define o Ensino como a mobilização de vários saberes que formam uma espécie de
reservatório que é utilizado para responder a exigências das situações concretas de
ensino.
Em sua teoria, Gauthier classifica os saberes em: disciplinares, referentes ao
conteúdo que deve ser ensinado; curriculares, relativos à transformação da disciplina
em programa de ensino; das ciências da educação, relacionado ao saber profissional
específico que não está diretamente relacionado com a ação pedagógica; da tradição
pedagógica, relativo ao saber de dar aulas, que será adaptado e modificado pelo saber
experiencial e que pode ser validado pelo saber da ação pedagógica, referente ao saber
experiencial tornado público e testado (ALMEIDA & BIAJONE, 2007).
Embora existam muitas semelhanças entre as propostas de Gauthier e Tardif,
acredito, concordante com Tardif, que não seria possível procurar uma unidade teórica
geral no conjunto de saberes do professor, uma vez que esses saberes são plurais e
heterogêneos, pois agregam conhecimentos e um saber-fazer advindos de fontes
variadas e de naturezas distintas.
2.3) Os saberes docentes na perspectiva de Tardif
Segundo Tardif (2002), os saberes docentes são constituídos por um conjunto de
saberes, um repertório dinâmico que não pode ser tratado como uma categoria
autônoma, dissociada das esferas sociais, organizacionais e humanas em que os
professores se encontram imersos.
Dessa forma, o estudo dos saberes docentes, segundo Tardif (2002), deve ser
tratado procurando superar a dicotomia excludente que tradicionalmente os aborda e os
polariza, ou numa perspectiva de micro, alicerçada nas atividades cognitivas
individuais, denominadas de mentalismo ou, numa perspectiva macro, que tende a
eliminar totalmente a contribuição dos atores na construção destes saberes, atrelando a
responsabilidade a mecanismos sociais externos à própria escola, como: ideologias
34
pedagógicas, lutas de classe e cultura dominante, reducionismo sociológico,
denominado pelo autor de sociologismo.
Em resposta aos equívocos da primeira abordagem, Tardif coloca que os saberes
docentes são sociais, pois “o professor nunca se define sozinho” (2002, p.12), sendo
seu saber partilhado por todo um grupo de professores (seus pares de profissão) com
uma formação comum, apesar de suas especificidades, legitimada por instituições
subordinadas ao Ministério da Educação (MEC) e que garantem o direito legal de
exercício dessa atividade.
Além disso, esses saberes são sociais, pois lidam com objetos sociais “ensinar é
agir com outros seres humanos” (op. cited, p.13), se modificam com o tempo e as
mudanças de uma sociedade (são históricos e culturais) e são adquiridos no contexto de
uma socialização profissional onde eles são incorporados, modificados, adaptados em
função dos momentos e das fases de uma carreira.
Sobre o outro equívoco, o sociologismo, Tardif considera ainda que os saberes
docentes são também saberes individuais na medida em que
[...] é impossível compreender a natureza do saber dos professores sem
colocá-lo em íntima relação com o que os professores, nos espaços de
trabalho cotidianos, são, fazem, pensam e dizem41. O saber dos professores é
profundamente social e é, ao mesmo tempo, o saber dos atores individuais
que o possuem e o incorporam à sua prática profissional para a ela adaptá-lo
e para transformá-lo. (grifo meu, 2002, p.15)
Dessa forma, esse autor tenta se situar entre os aspectos sociais e individuais,
entre o sujeito e o sistema, e é desse entrelugar que é possível uma abordagem efetiva
dos saberes docentes e, para tal, ele considera alguns fios condutores como: a relação
entre saber e trabalho, a diversidade do saber, a temporalidade do saber, a experiência
de trabalho enquanto fundamento do saber, os saberes humanos a respeito dos seres
humanos, os saberes e formação de professores.
Sobre a relação entre o saber e o trabalho, o primeiro fio condutor, Tardif
(2002) esclarece que, embora os professores utilizem diferentes saberes, essa utilização
se dá em função do seu trabalho, “o saber está a serviço do trabalho” (op.cited. p. 17) e
esses saberes são produzidos e remodelados por ele, ou seja, esses saberes são do
trabalho e não sobre o trabalho.
41
Ressalto a palavra “dizem” na citação acima com a intenção de fazer alusão ao meu referencial teóricometodológico que será explicitado no próximo capítulo, Mikhael Bakhtin.
35
Além disso, os saberes docentes são plurais e heterogêneos, pois agregam
conhecimentos e um saber-fazer advindos de fontes variadas e de naturezas distintas. A
partir desse fio condutor – a diversidade do saber – Tardif propõe um modelo
tipológico para identificar e classificar os saberes dos professores, tentando dar conta do
pluralismo do saber profissional, conforme descrito na TABELA 2 (2002, p.63).
TABELA 2 – os saberes dos professores
Saberes dos
professores
Saberes pessoais dos
professores
Saberes provenientes
da formação escolar
anterior
Fontes sociais de
aquisição
A família, o ambiente de
vida, a educação no
sentido lato, etc.
A escola primária e
secundária, os estudos
pós-secundários não
especializados, etc.
Modos de integração no
trabalho docente
Pela história de vida e
pela socialização
primária
Pela formação e pela
socialização préprofissionais
Saberes provenientes
da formação
profissional para o
magistério
Os estabelecimentos de
formação de professores,
os estágios, os cursos de
reciclagem, etc.
Pela formação e pela
socialização
profissionais nas
instituições de formação
de professores
Saberes provenientes
dos programas e livros
didáticos usados no
trabalho
A utilização das
“ferramentas” dos
professores: programas,
livros didáticos, cadernos
de exercícios, fichas, etc.
Pela utilização de
“ferramentas” de
trabalho, sua adaptação
às tarefas
Saberes provenientes
de sua própria
experiência na
profissão, na sala de
aula e na escola
A prática do ofício na
escola e na sala de aula,
experiência dos pares,
etc.
Pela prática do trabalho e
pela socialização
profissional
Destaco aqui duas críticas de Tardif que aludem aos dois referenciais localizados
no tópico anterior: a primeira deriva de sua proposta tipológica, em que o autor critica
autores que discriminam e compartimentalizam os saberes em categorias disciplinares
ou cognitivas diferentes como conhecimentos pedagógicos, conhecimento da matéria,
saberes teóricos e procedimentais, etc. crítica que se enquadra ao trabalho de Shulman e,
a segunda, centra na constatação (ainda por sua proposta) de que os diversos saberes dos
professores estão longe de serem todos produzidos diretamente por eles, ou seja, vários
deles são “exteriores” ao ofício de ensinar, pois provêm de lugares anteriores à carreira
ou fora do trabalho cotidiano, crítica que se enquadra ao trabalho de Schön.
Como a tabela sugere, existe um sincretismo do saber docente que significa: em
primeiro lugar, que não seria possível procurar uma unidade teórica nesse conjunto de
36
conhecimentos, um professor não possui uma única concepção de sua prática; em
segundo lugar, que a relação entre os saberes e o trabalho docente não pode ser
concebida segundo o modelo aplicacionista, os saberes dos professores não são
oriundos sobretudo da pesquisa e, em terceiro lugar, que em sua ação cotidiana, o
professor utiliza um vasto leque de saberes compósitos, os saberes-na-ação (nos termos
de Schön) caracterizados pelo “poliformismo do raciocínio” (GEORGE, 1997 apud
TARDIF, 2002), ou seja, pelo uso de raciocínios, conhecimentos, regras, normas e
procedimentos variados, decorrentes dos tipos de ação nas quais o professor se envolve.
Além desse sincretismo, existe a temporalidade do saber, terceiro fio condutor
apontado por Tardif, associado ao fato de que os saberes docentes são adquiridos no
contexto de uma história de vida e de uma carreira profissional, “antes mesmo de
começarem a ensinar oficialmente, os professores já sabem, de muitas maneiras, o que
é o ensino por causa de toda sua história escolar anterior” (2002, p.20) e essas
experiências anteriores assumem um peso na definição do que seja ensino para os
professores.
O quarto fio condutor, a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber,
traz a questão da hierarquização dos saberes, que são oriundos de diferentes fontes e
momentos da história de vida e carreira do professor, em função de sua utilidade no
ensino. Nessa perspectiva, os saberes provenientes da experiência do trabalho parecem
constituir o alicerce da prática e da competência profissional, permitindo a avaliação e a
hierarquização dos outros saberes.
Outro ponto abordado por Tardif se relaciona ao fato de que o trabalho do
professor é interativo e, no caso do professor, o seu objeto de trabalho são seres
humanos, por isso os saberes humanos a respeito dos seres humanos é um aspecto que
diferencia o trabalho docente de outras profissões, pois esses objetos, os alunos, são
seres sociais com características socioculturais, influenciados pelas mais variadas fontes
de sua trajetória de vida, que respondem às intenções do professor e interagem com elas,
podendo oferecer resistência ou não ao trabalho dele, despertando nele também atitudes
e julgamentos de valor. Soma-se a isso o fato de que, na relação entre os seres humanos,
o componente afetivo está inevitavelmente presente.
Decorrente dos fios condutores anteriores, os saberes e formação de professores,
Tardif aponta a necessidade de repensar a formação docente, levando em conta os
saberes dos professores e as realidades específicas de seu trabalho cotidiano, buscando
“um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas universidades a respeito
37
do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas
(op.cited, p.23).
A partir desses fios condutores, Tardif categoriza em disciplinares, curriculares,
da formação profissional e experienciais os saberes que compõem esse amálgama mais
ou menos coerente de saberes docentes (TARDIF, 2002).
Cabem aqui duas considerações, a primeira é sobre a tênue diferenciação que o
autor sugere entre conhecimentos e saberes docentes, mesmo que essa não seja bem
definida na literatura (JORDÃO, 2005). Tardif define o saber como algo de “sentido
amplo, que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e
as atitudes, isto é, aquilo que muitas vezes foi chamado de saber, saber-fazer e saberser” (2002, p. 255).
A segunda é que esses saberes não são autônomos, sendo tênues as fronteiras
que delimitam essas categorias, o que me faz considerá-los como cristais diminutos
(cristalitos) de um sedimento maior. Esses saberes integram um retículo dinâmico e não
comportam os envelopes que o racionalismo clássico impõe, mas apresentam
contribuições específicas para o todo, revelando outros saberes que emergem dessa
relação. Por isso, mesmo que ressaltem nas linhas sequentes as características essenciais
de cada tipo de saber, não busco uma categorização envelopante que aprisione esses
saberes como se esses fossem desconexos.
Começo pelos saberes disciplinares que correspondem aos diversos campos do
conhecimento (arte, filosofia, literatura, matemática) e integram igualmente a prática
docente, através da formação (inicial ou continuada) dos professores. Esses saberes são
sociais, definidos e selecionados pela universidade em nossa trajetória formativa e
transmitidos aos professores nos cursos e departamentos quase sempre isoladamente das
faculdades de Educação ou dos cursos de formação de professores.
O conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores
são identificados como saberes da formação profissional, que podem ser definidos
como repertório de conhecimentos atrelados às ciências da educação, que procuram não
só produzi-los, mas incorporá-los à prática docente, transformando-os em saberes
destinados à formação científica e erudita dos professores e que são internalizados por
esses profissionais sob a influência dos saberes disciplinares (op. cited.).
Os saberes profissionais que são mobilizados na prática docente podem ser
categorizados como saberes pedagógicos e são definidos pelo autor como
38
[...] doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática
educativa no sentido amplo do termo, reflexões racionais e normativas que
conduzem a sistemas mais ou menos coerentes de representação e de
orientação da atividade educativa [...] essas doutrinas pedagógicas são
incorporadas à formação profissional dos professores, fornecendo, por um
lado, um arcabouço ideológico à profissão e, por outro, algumas formas de
saber-fazer e algumas técnicas. (2002, p.37)
Os saberes pedagógicos são parte integrante dos saberes da formação
profissional e padecem do mesmo mal que o corpo de conhecimentos específicos da
Química: a fragmentação. Essa isola conteúdos muitas vezes conexos, vistos e revistos
por diferentes disciplinas42, alargando ainda mais o hiato entre a teoria e a prática, o
mundo acadêmico e o mundo cotidiano (SCHÖN apud MALDANER, 2003).
No caso das Licenciaturas, essa fragmentação dos saberes profissionais é um
agravante, uma vez que a sociedade exige dos docentes uma inter e, muitas vezes,
multidisciplinaridade – não potencializadas nos cursos de formação – não só para
resolução dos problemas que emergem no cotidiano escolar, mas para propiciar aos
futuros alunos dos licenciandos a possibilidade de uma aprendizagem em rede, capaz de
conectar assuntos aprisionados em disciplinas distintas.
Essa prática interdisciplinar deve ser desenvolvida na formação inicial do
licenciando, em todas as disciplinas de sua trajetória, mas depende da disposição de
outros professores (os universitários) e de condições propícias do cenário (a
universidade) para ser posta em prática.
Mesmo após a reforma curricular de 90, as grades da Licenciatura evidenciam
uma integração somente documental, que é rara e às vezes inexistente no cotidiano
escolar dos licenciandos em sua trajetória formativa.
As marcas produzidas por essa formação fragmentada ficam aparentes quando o
licenciando se depara com os problemas complexos do cotidiano escolar, revelando os
hiatos entre a teoria e a prática citados anteriormente.
A internalização desses hiatos pode ocorrer de diferentes formas pelo professor.
Para Schön, esse é o dilema do abandono ou alienação, quando o professor abandona o
conhecimento recebido na academia ou tenta aplicá-lo sem ter o domínio sobre ele
(SCHÖN apud MALDANER, 2003). Uma interpretação menos dicotomizada e radical
desse movimento nos é oferecida por Tardif (2002), que considera que
42
Aprisionando esse corpo de conhecimentos que compõem a erudição do professor de Química em
envelopes distintos dessa ciência, como a Química Analítica, Inorgânica, Orgânica ou Físico-Química.
39
[...] a prática profissional nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos
universitários. Ela é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que
dilui e transforma em função das exigências de trabalho; ela é, na pior das
hipóteses, um muro contra o qual vêm se jogar e morrer conhecimentos
universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho
docente diário nem com os contextos concretos do exercício da função
docente. (2002, p.257)
Nessa perspectiva, considerando os dois extremos, o professor pode, nas formas
mais atenuadas de lidar com os incômodos cognitivos pedagógicos43 emergentes,
adaptar-se, transformando e selecionando alguns conhecimentos universitários, a fim de
incorporá-los à sua prática profissional ou, se a relação com esses incômodos passar
pela rejeição (nas formas mais drásticas de relação), chegar à ruptura com sua formação
teórica.
Além dos saberes disciplinares e da formação profissional, existem os saberes
curriculares, provenientes da atmosfera de trabalho do docente, ou seja, ao longo de
sua carreira, ele se apropria dos discursos, objetivos, conteúdos e métodos presentes nas
instituições escolares em que trabalha. Esses saberes curriculares, entendidos aqui
como saberes associados à carreira, estão atrelados à forma que determinada instituição
escolar seleciona e categoriza os saberes sociais, por ela definidos como modelos da
cultura erudita e de formação da cultura erudita, formalizados nos programas das
disciplinas que integram os segmentos dos diferentes níveis de Ensino (op. cited).
A maioria das instituições de Ensino permanece com os mesmos conteúdos
disciplinares, discursos e objetivos dos séculos anteriores, e esse engessamento está
associado ao peso do tradicionalismo cultural que nos atravessa. No caso dos conteúdos
da Química, muitos ainda se revelam dogmáticos, descontextualizados e inúteis às
demandas da sociedade atual (CHASSOT, 2004).
Ademais, localizo outra mazela das instituições escolares do nível básico, a
meritocracia escolar. Ranço do método lancasteriano (séc. XIX), que inoculou a
competitividade no meio educacional (NARODOWSKY, 2001), a meritocracia escolar
dá o tom de “eterna preparação” aos níveis de Ensino, ratificando a permanência de
conteúdos inadequados pelo argumento avaliativo (que atualmente culmina no
vestibular).
43
Categorizo como incômodo cognitivo-pedagógico o momento em que diante da prática o professor
recorre aos conhecimentos transmitidos em sua trajetória formativa precedente, aproveitando ou não esses
conhecimentos.
40
Essa situação conduz ao desenvolvimento de uma lógica de consumo dos
saberes escolares, afastando-os de seu papel de formação de cidadãos e aproximando-os
do papel de mercado que oferece aos seus consumidores (alunos, pais de alunos, adultos
em processo de formação ou reciclagem) os saberes-instrumentos ou saberes-meios,
considerados “moedas” de informações mais ou menos úteis para o seu futuro
posicionamento no mercado de trabalho e sua adaptação à vida social (MALDANER,
2003).
Cabe aqui um breve adendo sobre as últimas medidas do Ministério da Educação
no que diz respeito ao ingresso dos alunos ao Nível Superior. O Exame Nacional do
Ensino Médio (o ENEM), além de ter substituído, na maioria das universidades, o
vestibular44, tem tido em suas últimas edições um perfil de avaliação que se aproxima
da almejada formação cidadã, com questões formuladas a partir de eixos cognitivos45
como: dominar linguagens (incluindo o uso das linguagens matemática, artística e
científica),
compreender
fenômenos,
enfrentar
situações-problema,
construir
argumentação e elaborar propostas. Tal posicionamento busca reverter essa lógica de
consumo de saberes escolares.
Evitando fazer desse tema, os saberes curriculares, uma rota de desvio da
apresentação dos saberes que compõem o ofício docente, finalizo minhas considerações
com a constatação de que atualmente o Ensino Fundamental apresenta um perfil de
preparação para o Ensino Médio e este para o Superior, e a definição e a seleção dos
saberes escolares dependem das pressões exercidas pelos consumidores e da evolução
mais ou menos tortuosa do mercado.
Essa hierarquização mantém os privilégios das classes mais abastadas, na
medida em que o mercado absorve prioritariamente os maratonistas vencedores desse
quilométrico percurso escolar, aqueles que conseguem superar todas as etapas e
alcançam o nível superior, ou ainda, o da pós-graduação. Os níveis de Ensino ainda
padecem de autonomia, de fins em si próprios, apesar dessas intenções estarem
oficializadas na LDB (CHASSOT, 2004).
Juntamente com os conflitos que emergem da relação que o professor estabelece
com os saberes profissionais e curriculares – o primeiro nem sempre adequado à prática
e aos problemas que dela surgem e o segundo que conforma os discursos, objetivos e
44
A maioria das universidades aderiu ao ENEM como único exame vestibular, as poucas outras estão
considerando esse exame como parte integrante do processo seletivo.
45
Eixos consultados a partir do documento que estabelece a “Matriz de Referência para o ENEM 2009”
consultado do site do Ministério da Educação (MEC): http://portal.mec.gov.br/enem.
41
conteúdos do cotidiano escolar complexo no qual o profissional atua – o professor
acumula seus saberes experienciais, saberes adquiridos no fazer profissional, que inclui
as relações existentes com os agentes do cotidiano escolar (alunos, pares de profissão,
inspetores, diretores, etc.). Eles são definidos por Tardif, como:
[...] o conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da
prática da profissão docente que não provêm das instituições de formação
nem dos currículos. Estes saberes não se encontram sistematizados em
doutrinas ou teorias. São saberes práticos (e não da prática: eles não se
superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a ela e dela são
partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto de
representações [...] elas constituem, por assim dizer, a cultura docente em
ação. (2002, p. 48-49)
Os saberes experienciais são desenvolvidos num contexto de múltiplas
interações, com condicionantes diferenciados e concretos do cotidiano escolar, exigindo
dos professores improvisação e habilidade pessoal. O acúmulo dessas vivências permite
o desenvolvimento do habitus46 que integra o repertório que esse docente adquire no
decorrer de sua carreira e sedimenta gradativamente sua identidade ou, segundo o autor,
sua “personalidade profissional” (op. cited., 2002, p. 49).
Esse habitus se manifesta entre o saber-ser e o saber-fazer pessoal e profissional
e está associado às regularidades práticas do tecido complexo do cotidiano escolar. O
conceito de rotinização proposto por Giddens (GIDDENS apud TARDIF, 2002) está
relacionado com um grande número de estudos que evidenciam a importância das
rotinas para compreender a vida na sala de aula e o trabalho do professor. A ideia que
permeia esses estudos concebe a rotina como o conjunto de estratégias para gerir a
complexidade das situações de interação, diminuindo o investimento cognitivo do
professor no controle dos acontecimentos.
Entretanto, acredito, assim como Tardif, que essas rotinas são mais que
mecanismos de controle na sala de aula, são atuações localizadas temporalmente, parte
integrante de um esforço que o ator47 faz para reproduzir suas atividades, nesse
ambiente com tantas variáveis, muitas vezes de entendimento conflitante e parcial,
conjugando suas maneiras de ser, seu estilo e sua personalidade profissional.
46
No viés de Bourdieu, o defino como “matriz de percepções e apreciações. [...] princípio gerador
duravelmente armado de improvisações regradas.” (BOURDIEU, 1983 apud NOGUEIRA, 2009, p. 25).
47
Essa definição de professor como ator é tão consonante com meu ideário, que o leitor pode perceber as
metáforas cênicas que utilizo, tomando professores como “protagonistas” e a universidade como
“cenário”.
42
Com relação à palavra ator utilizada no parágrafo anterior, Tardif coloca o
professor de profissão como ator racional por considerar que este não é somente
alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros (visão tecnicista), nem é
somente um agente determinado por mecanismos sociais (visão sociologista): é um ator
no sentido forte do termo, ou seja, um sujeito que assume sua prática a partir dos
significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saberfazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a
orienta. Polarizar os professores nas duas visões anteriores é considerá-lo como um
boneco de ventríloquo: ou por aplicar os saberes produzidos por peritos que detêm a
verdade a respeito de seu trabalho ou por ser um brinquedo inconsciente no jogo das
forças sociais (conhecidas e produzidas pelos cientistas sociais) que determinam seu
agir (TARDIF, 2002).
Essa conjugação que constitui a rotina produz uma estabilização dependente do
controle da ação que o professor possui, na sua experiência de palco, nas interiorizações
de regras implícitas de ação adquiridas com e na experiência da ação.
Dessa forma, os saberes experienciais ocupam uma posição relevante no
mosaico que constitui os saberes docentes, identificados pelos próprios docentes como o
núcleo a partir do qual tentam transformar suas relações de exterioridade em relações de
interioridade.
Os saberes experienciais são constituídos por todos os outros saberes, que são
estruturados, retraduzidos, internalizados e/ou eliminados pelas certezas produzidas pela
atuação.
Nesse sentido, as múltiplas articulações que esses saberes realizam fazem dos
professores um grupo social e profissional que tem como condição sine qua non o
domínio, a integração e a mobilização desses saberes, num processo contínuo de
aprendizagem, viés temporal que ratifica a importância da construção de uma
epistemologia da prática, entendida como “o estudo do conjunto de saberes utilizados
realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar
suas tarefas” (ALMEIDA & BIAJONE, 2007, p. 286).
Segundo Tardif, o propósito de uma epistemologia da prática profissional é
revelar esses saberes, compreender como são integrados concretamente nas
tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam,
aplicam e transformam em função dos limites e dos recursos inerentes às suas
atividades de trabalho. Ela também visa compreender a natureza desses
saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de trabalho
43
docente quanto em relação à identidade profissional dos professores.
(TARDIF, 2002, p. 256)
Essa perspectiva epistemológica promove os saberes citados anteriormente a um
status permanente de coevolução e copertencimento, associados a situações e práticas de
ensino, deslocando o viés de estudo que aborda o trabalho docente como objeto
observado para atividade que se realiza.
Os desmembramentos dessa perspectiva epistêmica se estendem às metodologias
de pesquisa, exigindo o que Tardif categoriza como distanciamento etnográfico em
relação aos conhecimentos universitários. Essa movimentação requer do pesquisador
uma disposição para vivenciar e (re)construir suas questões de pesquisas nos locais
onde os profissionais de ensino trabalham e não apoiados nos cárceres teóricos de suas
publicações e de seus colegas “que definem a natureza do ensino, os grandes valores
educativos ou as leis da aprendizagem” (op. cited., p. 258)
Portanto, fica claro que a proposta para compreensão dos saberes docentes na
perspectiva de Tardif requer, ou melhor, exige a adoção de metodologias que dêem voz
ao professor, para que de fato se possa desenvolver a epistemologia da prática e
contribuir com estudos que contemplem caminhos distintos dos tradicionais trilhados
pela didática, pedagogia ou psicopedagogia. É uma perspectiva que potencializa a
emersão de construções dos saberes docentes que agreguem categorias conceituais dos
próprios professores, categorias essas constituídas no e por meio do seu trabalho
cotidiano.
Embora esse trabalho não busque o desenvolvimento de uma epistemologia da
prática, o entendimento dos saberes docentes no viés tardifiano permite considerar as
várias dimensões que integram a atividade docente do professor universitário em seu
cotidiano, contemplando com equilíbrio, desde aspectos da realidade microssocial (das
relações com seus pares de profissão, alunos e funcionários do ambiente universitário)
aos aspectos macrossociais (das relações políticas institucionais) e fornecendo uma
leitura mais lúcida dos aspectos que pretendo investigar dos meus protagonistas.
Dessa forma, as críticas tecidas às abordagens realizadas pelos outros
referenciais localizados no final do tópico anterior, juntamente com a explicitação da
perspectiva de Tardif realizada nesse tópico fornecem subsídios que justificam meu
apreço por esse referencial sobre saberes docentes.
Primeiro pela consonância entre as minhas concepções e as dele sobre a
profissão docente, maior que outros referenciais lidos em minha trajetória acadêmica,
44
segundo, por acreditar, como o referido autor, no valor da experiência (mas não só ela),
da pluraridade e da heterogeneidade dos saberes docentes, e terceiro, por perceber que
as produções de outros referenciais sobre essa temática acabam sendo, em certa medida,
reducionistas, por focar alguns aspectos e excluir outros.
Não quero dizer com isso que Tardif seja um referencial teórico “completo”,
pois a completude é inalcançável, como aludida no capítulo zero, mas diria que dentre
os circuitos múltiplos de tradições teóricas que transitei48, esse é o que mais agrega
tijolos ao meu campo de significação, ou seja, considero Tardif o referencial “menos
incompleto”.
2.4) O professor universitário e a pesquisa em pedagogia universitária
Finalizo esse capítulo com um tópico destinado aos meus protagonistas, e
pretendo, com ele: apontar algumas características comuns dos professores
universitários levantadas por pesquisas e localizar a pesquisa na área de Pedagogia
Universitária, com intuito de fornecer subsídios às minhas análises posteriores.
Segundo Castanho (apud CUNHA, 2007), persiste ao longo de todas essas
décadas a existência de docentes do Ensino Superior que não têm qualquer formação
pedagógica para o exercício da docência e, como localizado no capítulo anterior, essa
formação didático-pedagógica, que caracteriza esse profissional, não é requerida do
ponto de vista formal, com o devido respaldo legal.
Abrindo um pequeno adendo sobre as bases legais, destaco dois trechos da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei n° 9.394/96), o primeiro é o
artigo 52 sobre o ingresso no magistério superior,
Serão considerados, em caráter preferencial, para o ingresso e a promoção na
carreira docente do magistério superior, os títulos universitários e o teor
científico dos trabalhos dos candidatos.
Como é possível perceber, não há nenhuma alusão à formação didáticopedagógica como pré-requisito para o ingresso e promoção na carreira docente no
magistério superior (VASCONCELOS, 2009).
O segundo trecho da LDB ratifica essa lacuna com relação à exigência de
formação didático-pedagógica, mas agora nos incisos do artigo 64 da nova Lei de
48
Coloco em itálico, pois estou parafraseando a citação de Clarice Nunes, localizada no capítulo zero.
45
Diretrizes e Bases da Educação (n° 1.258-C de 1988, ainda em tramitação no Congresso
Nacional) que aborda os requisitos mínimos para a constituição de universidades, a
saber:
I - institucionalização da pesquisa pura e aplicada;
II- pluralidade de áreas do conhecimento na oferta de Ensino de graduação e
organização multi e interdisciplinar, admitida a ênfase em determinadas áreas
do saber;
III - produção científica comprovada;
IV- um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de
mestrado e doutorado;
V - capacitação para ampliar o número de docentes com titulação de
mestrado e doutorado.
Como colocado, o professor do magistério superior precisa ter preferencialmente
(e não obrigatoriamente) uma formação em nível de pós-graduação do tipo stricto
sensu, e a formação pedagógica continua sem espaço no currículo desse docente
(CUNHA, 2007).
Destaco outra questão, a dos profissionais que exercem a docência do Ensino
Superior e que cursaram Licenciatura em suas graduações. Embora esses docentes
tenham tido a chamada “formação pedagógica”, o enfoque dado em seus cursos é
voltado ao processo de ensino-aprendizagem da criança e do adolescente, deixando de
lado o adulto a quem o professor deverá ensinar no magistério superior.
Ademais, a universidade, principal instituição de produção e distribuição de
conhecimento, tem sido também o lugar de reprodução dos modos de fazer ciência que
afetam a dimensão do ensino, mesmo que muitas vezes esses modos nem cheguem
mesmo a ser conscientemente escolhidos. Segundo Cunha (2005), “a maior parte da
comunidade universitária e, em especial, os docentes, explicita a ideia de que há
indissociabilidade quando o professor faz ensino e tem projetos próprios de pesquisa e
extensão”. No entanto, a ideia de indissociabilidade deve ser compreendida como algo
que ultrapasse a noção de mera coexistência da Pesquisa e do Ensino no corpo de
atividades que o docente realiza para se concretizar no trânsito de experiências e
conhecimentos que o professor leva aos alunos, como resultado de suas vivências
acadêmicas, dimensão que se configura atualmente como um desafio para a
universidade atual.
A autora complementa que,
46
Mesmo considerando um ganho de qualidade o fato do professor se envolver
com as três dimensões da vida universitária – o que ainda não é muito
comum na maioria das universidades brasileiras – é pelo menos questionável
entender desta forma a indissociabilidade. (2005, p.9)
Independente da corrente a que for filiada, a teoria pedagógica dos últimos anos
tem colocado o aluno como centro do processo de ensino e aprendizagem e é nele que
as estruturas de ensino precisam se formar. Nesse sentido, é difícil colocar o professor
como o principal agente da indissociabilidade do Ensino, da Pesquisa e da Extensão e,
segundo a autora, é preciso retomar a reflexão teórico-prática rigorosa sobre o ensino e
a aprendizagem, para que se possa avançar na questão da prática pedagógica que se dá
na universidade em direção à indissociabilidade49.
O panorama usual dos cursos de graduação nega, quase sempre, a ideia do
Ensino com Pesquisa e mostra que neles normalmente está presente a concepção
positivista de Ciência, marcada pelas prescrições e certezas, com a ideia de Ensino
associada a dar aulas, dominar bem o conteúdo, sem considerar a forma como esses
conhecimentos foram adquiridos, ou seja, às estruturas epistemológicas que
fundamentam cada ciência.
Nessa perspectiva, destaco a partir dos trabalhos de Cunha (2005) alguns
pressupostos que caracterizam o ensino tradicional no que tange a forma pela qual a
informação é repassada ao estudante, a saber:
 O conhecimento é tido como acabado e sem raízes, isto é descontextualizado
historicamente, ou seja, as atividades de ensino-aprendizagem desenvolvidas
não são tratadas como processo, não se analisando as condições históricas nem
se dando o tom de produção social ao conhecimento.
 A disciplina intelectual é tomada como reprodução das palavras, textos e
experiências do professor, há um privilégio da memória, valorizando a precisão
e a segurança. O desejo de dominação e o autoritarismo que permeiam a relação
pedagógica definem a disciplina como a obediência e o pensamento convergente
juntamente com a reprodução como características do “bom aluno”.
 No currículo, cada disciplina é concebida como um espaço próprio de domínio
do conhecimento que luta por quantidade de aulas para poder ter “toda matéria
dada”. O espaço da especialidade é regiamente definido, há uma certa
49
Tida aqui como uma relação simbiótica entre essas três instâncias: Ensino, Pesquisa e Extensão.
47
“propriedade de saberes” que não admite invasões disciplinares, sendo a
interdisciplinaridade no Ensino, inviável nessa lógica.
 O professor é a principal fonte de informação e sente-se desconfortável quando
não tem todas as respostas prontas para os alunos. Nessa lógica tradicional a
competência de um professor é medida através de suas habilidades de transferir
informações com precisão e segurança.
 A pesquisa é vista como atividade para iniciados, fora do alcance de alunos de
graduação, onde o aparato metodológico e os instrumentos de certezas se
sobrepõem à capacidade intelectiva de se trabalhar com a dúvida. Sendo a
aprendizagem tida na visão tradicional como um ato de repetição e certezas, não
há lugar para a dúvida intelectual que move a pesquisa. Esses questionamentos
só podem ser levantados, na melhor das hipóteses, por iniciados na pesquisa e
não por iniciantes.
Esses pressupostos apontam para uma ideia de que o Ensino só será indissociado
da pesquisa, quando for construído um novo paradigma de ensinar e aprender na
universidade. Segundo Cunha (2005), não se trata apenas de uma nova didática, mas
uma ruptura mais profunda com as formas de entender o conhecimento e o mundo.
Complementa Castanho (apud CUNHA, 2007) que “a universidade ensina,
forma, profissionaliza e, no entanto, a dimensão mais esquecida e desprezada é a do
Ensino”. A busca da indissociabilidade entre pesquisa e Ensino ainda não é uma
realidade presente, uma vez que muitas instituições ainda se encontram imersas nesses
pressupostos tradicionais supracitados.
Dessa forma, somente a partir das contribuições de pesquisas que tomam essa
temática como foco (a pedagogia universitária) será possível aprimorar a formação
oferecida na universidade atual.
48
3
CAPÍTULO
As lentes de leitura...
Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu:
sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir - é lembrar hoje o que se sentiu ontem,
ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.
Fernando Pessoa50
Sobre a escolha do referencial teórico-metodológico de análise, acredito que esta
perspectiva cênica, que coloca o professor na posição de ator racional e competente
localizada no capítulo anterior, é que inscreve Bakhtin como as lentes de leitura dessa
pesquisa, pois seus escritos sobre a linguagem, seus modos de utilização e interações
apontam para uma heterogeneidade, diversidade e rizomaticidade51 dos gêneros de
discurso (BAKHTIN, 2006) comparáveis aos saberes docentes na perspectiva tardifiana.
Ademais, segundo Bakhtin, uma das características do enunciado52 é o fato de
ser sempre um novo acontecimento, um evento único e irrepetível, da mesma forma que
Fernando Pessoa define o viver na epígrafe desse capítulo. A vida, assim como o
discurso, são eventos únicos, localizados social, histórica e culturalmente, pois
emergem da conjugação única de outras categorias no ato de sua mobilização.
Alguns pressupostos bakhtinianos relevantes para essa pesquisa
Ratificando a importância da análise discursiva para essa pesquisa, destaco um
trecho em que Tardif ressalta a importância do discurso como viés investigativo:
[...] eu falo ou ajo racionalmente quando sou capaz de justificar, por meio de
razões, de declarações, de procedimentos, etc., o meu discurso ou a minha
ação diante de um outro ator que me questiona sobre a pertinência, o valor
deles, etc. Essa capacidade ou essa competência é verificada na
argumentação, isto é, num discurso em que me proponho razões para
justificar meus atos. Essas razões são discutíveis, criticáveis e revisáveis.
(2002, p. 199).
50
Citação do autor retirada do site: www.citador.pt.
Se me permitem o neologismo, rizomaticidade (termo derivado da biologia utilizado para categorizar
caules de vegetais que crescem horizontalmente e com ramificações) é a capacidade de realizar conexões,
romper fronteiras existentes.
52
Vou discorrer mais adiante sobre o conceito de enunciado, por agora, irei defini-lo como a unidade da
comunicação discursiva.
51
49
Como situado no capítulo dois, considero o professor um ator racional e
competente que conjuga simultaneamente os planos inter e intrapsicológico nas ações
que realiza. Nesse sentido, o referencial bakhtiniano ganha relevância, pelo esforço de
conjugação desses planos (WERTSCH, 1991).
Na perspectiva bakhtiniana, é dessa relação que emerge o nexo essencial do
cenário cultural, histórico e institucional com o sujeito do ato, e essa ação emprega
“instrumentos mediadores”, dentre os quais a linguagem se destaca, como ressalta Brait
em seus escritos sobre Bakhtin,
[...] a observação da linguagem não apenas no que ela tem de sistemático,
abstrato, invariável, ou, por outro lado, no que de fato tem de individual e
absolutamente variável e criativo, mas de observá-la em uso, na combinatória
dessas duas dimensões, como uma forma de conhecer o ser humano, suas
atividades, sua condição de sujeito múltiplo, sua inserção na história, no
social, no cultural pela linguagem, pelas linguagens. (2006, p. 23)
É possível perceber no trecho acima uma tensão dialógica entre duas correntes
linguísticas de sua época, o Objetivismo Abstrato (“no que ela tem de sistemática,
abstrata, invariável) e o Subjetivismo Idealista (“no que de fato tem de individual e
absolutamente variável e criativa”) e essa tensão orientou a concepção Bakhtiniana de
linguagem. Passo a expor, brevemente, seus principais pressupostos.
Os representantes do Objetivismo Abstrato tomam o sistema linguístico como
algo que se configura de forma externa à consciência individual, sendo independente
dela. A língua é vista como um sistema de normas rígidas e imutáveis, submetidas a leis
essencialmente linguísticas, desconsiderando aspectos ideológicos ou históricos
(BAKHTIN, 1981).
A segunda corrente citada, o Subjetivismo Idealista, situa-se no extremo oposto
à primeira, tomando a língua como uma atividade individual resultante de um processo
criativo ininterrupto do falante. O psiquismo individual constitui a fonte da língua, da
criação linguística comparável à criação artística (op cited.).
De forma semelhante a Tardif, que buscou tratar os saberes docentes escapando
das correntes mentalistas e sociologistas, Bakhtin inaugura uma terceira direção para o
entendimento de linguagem, a da interação verbal, que se situa entre o Objetivismo
Abstrato e o Subjetivismo Idealista, e toma a enunciação como elemento central na
abordagem da língua, considerada fio condutor que aglutina no discurso diferentes
vozes que revelam o pano de fundo ideológico do sujeito.
50
Nesse sentido, Bakhtin considera como “enunciados” (orais e escritos) as
expressões formalizadas de utilização da língua, provenientes da necessidade do homem
exteriorizar-se, e esses apresentam algumas características, como: o fato de o enunciado
ser sempre um novo acontecimento, um evento único e irrepetível na comunicação
discursiva; possuir autor e destinatário; possuir uma dimensão verbal e extraverbal;
apresentar em seu escopo uma entonação expressiva e valorativa da situação de
produção e de seu auditório; ser ao mesmo tempo um produto (acontecimento) e um
processo, pois se configura como elo na comunicação discursiva. Nas linhas que
seguem, discorro sobre esses aspectos.
Como apontado, o ato da enunciação é único e irreprodutível, pois o que foi dito
num determinado momento, para um determinado destinatário, permeado por aspectos
sociais e culturais presentes nas condições reais desse ato, o tornam um todo individual,
singular e historicamente único. Os enunciados produzidos na enunciação têm sentidos
definidos e únicos naquela situação de interação específica, sendo portanto não
reiteráveis.
Utilizo esse caráter não reiterável do enunciado como fio condutor para os
conceitos de tema e significação. O tema está associado ao sentido completo da
enunciação, tomado em toda sua amplitude concreta, tão concreta quanto o instante
histórico ao qual ele pertence. Ademais, o tema da enunciação é determinado não só
pelas formas linguísticas que entram na composição (as palavras, as formas
morfológicas ou sintáticas, os sons, as entonações), mas igualmente pelos elementos
não verbais da situação (BAKHTIN, 1981, p. 128).
No interior do tema, a enunciação é igualmente dotada de significação que,
diferente do tema, é constituída por elementos estáveis, reiteráveis e idênticos a cada
vez que são repetidos, ou seja, as formas fixas da língua. Essas duas instâncias
estabelecem uma relação de interdependência, impossibilitando a delimitação de
fronteiras precisas entre ambos. Nessa inter-relação, o tema é considerado como “o
estágio superior real da capacidade linguística de significar” enquanto que a
significação é considerada “o estágio inferior da capacidade de significar” (op. cited,
p. 131).
A nomenclatura utilizada para formular a inter-relação entre tema e significação:
o primeiro, como “estágio superior” e o segundo, como “estágio inferior”, pode ser
entendida da seguinte forma nas palavras de Bakhtin, “apenas o tema significa de
maneira determinada. [...] A significação não quer dizer nada em si mesma, é apenas
51
um potencial, uma possibilidade de significar no interior de um tema concreto.” (grifo
meu, op.cited, p.131).
O tema e a significação pertencem a toda palavra usada no discurso (oral ou
escrito), que possui também seus acentos de valor ou apreciativos, marcos do discurso
que o tornam único e que revelam o que tem sentido e importância aos olhos de um
determinado grupo social.
Esses acentos estão relacionados a outro elemento constitutivo do enunciado, a
entonação. Esta se configura como uma expressão valorativa por parte do falante da
própria situação social de produção do enunciado e também de seu auditório. Uma
mesma palavra pronunciada com uma entonação diferente apresenta também um
significado diferente. Esse elemento só se manifesta no plano da língua como discurso;
a palavra ou oração no plano da língua como sistema são desprovidas desse elemento.
Ademais, sendo o enunciado algo sempre inédito, engendrado na inter-relação
discursiva, ele não pode ser considerado o começo nem o fim de uma cadeia discursiva,
mas um elo, uma fração da corrente de comunicação verbal ininterrupta, como
considera Bakhtin,
Qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui
apenas uma fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta
(concernente à vida cotidiana, à literatura, ao conhecimento, à política, etc.).
Mas essa comunicação verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um
momento na evolução contínua, em todas as direções, de um grupo social
determinado. (BAKHTIN, 1986, p.123, grifos do autor)
E dessa forma todo enunciado vai confirmar, refutar, complementar, reavaliar
outros enunciados reais ou supostos e será a partir deles que novos enunciados se
constituirão. Para Bakhtin, as experiências individuais de qualquer sujeito vão se
desenvolver em uma interação constante com enunciados alheios53, caracterizado como
um processo de assimilação do discurso de outrem54, situação marcadamente social.
Abrindo aqui um breve adendo sobre as formas de assimilação do discurso,
Bakhtin destaca a palavra autoritária e a palavra internamente persuasiva e esclarece que
o conflito dessas duas modalidades é que determina a consciência ideológica de cada
53
A identidade do falante se dá por alteridade, concepção que parte do pressuposto de que todo indivíduo
interage e interdepende de outros, é a existência do eu-individual condicionada ao contato com o outro
(indivíduo ou cultura social). A perspectiva bakhtiniana complementa essa ideia como processo de
significação do objeto na tríade: eu-para-mim, outro-para-mim e eu-para-outro (BAKHTIN, 2006).
54
Nesse sentido, as palavras estão sempre carregadas de sentidos alheios, que são assimilados e recriados
pelos sujeitos que as enunciam novamente, dando-lhes um novo tom, um novo acento apreciativo.
52
sujeito (BAKHTIN, 1998). A diferença entre essas modalidades de palavras está no fato
de a primeira, a autoritária, exigir do sujeito seu reconhecimento total e incondicional,
pois se comporta como uma massa compacta e indivisível que penetra na consciência.
Tal característica coloca o sujeito em uma situação de aceitação ou negação completa,
ou seja, é possível desobedecer a um discurso autoritário, mas enquanto permanece
autoritário não se pode discutir com ele (MORSON & EMERSON, 2008).
Já a palavra internamente persuasiva alcança um grau interativo com as vozes
internas de um sujeito e, segundo Bakhtin, a transformação da consciência ideológica do
homem se dá nessa disputa entre os diferentes pontos de vista verbo-ideológicos55 (op.
cited).
Retomando aos aspectos que caracterizam o enunciado, destaco nas linhas que
seguem a noção de autor e destinatário na construção dos enunciados, que carrega
consigo a questão dos limites do enunciado no processo de comunicação discursiva.
Para Bakhtin, os limites de cada enunciado completo como unidade da
comunicação discursiva são definidos pela alternância dos sujeitos (falantes) no fluxo
do discurso – que emoldura o enunciado e cria para ele a massa firme e delimitada dos
outros enunciados a ele vinculados – e pela conclusibilidade específica do enunciado,
uma espécie de aspecto interno da alternância dos sujeitos que pretendo abordar mais
adiante no texto.
Cada falante (ou agente do enunciado) é um sujeito polifônico56, pois tece seu
discurso pela conjugação e disputa das vozes que o constitui, vozes que ressoam de
formas consonantes ou dissonantes57 durante essa elaboração e, ao proferi-lo, o ouvinte
(futuro falante da interação dialógica), adota, para compreensão e significação do
discurso dito, uma atitude responsiva ativa, como coloca Bakthin,
[...] toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo, é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso) e
prenhe de resposta, [...] o ouvinte se torna falante. A compreensão passiva do
significado do discurso ouvido é apenas um momento abstrato da
55
Ressalto que essas modalidades são vivas e, portanto, mutáveis. Da mesma forma que um discurso
autoritário pode perder sua autoridade ao longo da vida discursiva do sujeito, o discurso internamente
persuasivo pode se tornar menos persuasivo.
56
A polifonia na perspectiva bakhtiniana pode ser considerada como um caleidoscópio de
individualidades em um único indivíduo, em outras palavras, são as várias vozes que disputam a emersão
para engajamento no ato discursivo, vozes que foram apropriadas na trajetória temporal do indivíduo nas
esferas sociais que ele frequenta e nas atividades que realiza.
57
No mesmo tom dos encontros e desencontros discursivos permeados pelas relações de poder da linha
foucaultiana (FOUCAULT, 2007).
53
compreensão ativamente responsiva real e plena, que se atualiza na
subsequente resposta em voz real alta. (2006, p. 271)
Contudo, isso não quer dizer que a atitude responsiva ativa seja impulsionada
logo após o enunciado proferido pelo falante. Essa pode ser imediata ou não, mas, se foi
compreendida, cedo ou tarde o ouvinte responderá, ou nos discursos subsequentes ou no
seu comportamento.
Nessa expectativa de resposta está presente na intenção do falante, que não
deseja simplesmente ouvir a dublagem de seu pensamento em voz alheia, mas uma
participação, uma concordância ou discordância (total ou parcial), um encontro de suas
ideias com as ideias reveladas no movimento de significação do dito, atravessado pela
bagagem cultural58 do ouvinte (BAKHTIN, 2006).
Ademais, essa atitude responsiva apresenta uma direcionalidade, uma orientação
social, conceito que ressalta o ouvinte (o destinatário do discurso) nas construções dos
enunciados, “nenhum enunciado em geral pode ser atribuído apenas ao locutor: ele é
produto da interação dos interlocutores e, num sentido mais amplo, produto de toda
esta situação social complexa, em que ele surgiu” (BAKHTIN, apud DAHLET, op.
cited., p. 57).
Esses elos discursivos que a atitude responsiva proporciona são considerados
pontes inacabáveis entre os interlocutores, pois suscitam a construção de infinitas outras
pontes a cada recorte feito, significado e rebatido. Nesse movimento, é preciso
considerar o fundo aperceptível da percepção do discurso do falante pelo destinatário,
como complementa Bakhtin,
Ao falar sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu
discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de
conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo
em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu
ponto de vista), as suas simpatias e antipatias [...]. (2006, p .303)
Nesse sentido, as contrapalavras que trazemos à tona em atitude responsiva ao
enunciado proferido podem mensurar nossa compreensão, como ressalta o autor,
Para cada palavra do enunciado que estamos em processo de compreender
propomos, por assim dizer, um conjunto de palavras nossas como resposta.
58
Chamo de bagagem cultural o sistema complexo, mutável, dinâmico e rizomático de vivências que um
indivíduo traz consigo e que o faz plural e singular, plural por todos os elementos que o permeiam,
singular, na conjugação única que tece entre esses elementos.
54
Quanto maior for seu número e sua importância, mais profunda e substancial
deverá ser nossa compreensão (BAKTHIN, 1986 apud WERTSCH, 1991, p.
72).
Se o ouvinte não possui palavras em seu repertório para que haja compreensão
de determinado enunciado, o uso desse enunciado em futuras manifestações verbais se
converterá em uma ventrilocução, ou seja, um ato de fala sem intencionalidade ou
apropriação por quem o escuta.
Além disso, Wertsch (1991) ressalta a importância do cenário cultural (meio
extraverbal) no viés bakhtiniano que permeia os enunciados quando complementa que
“nenhum enunciado, e consequentemente nenhuma de nossas ações, se encontra isento
das determinações que os cenários socioculturais59, através dos instrumentos
mediadores que eles mesmos provêm, nos impõem” (grifo meu, 1991 p.13).
Esse horizonte extraverbal do enunciado é constituído por três aspectos: o
primeiro diz respeito ao espaço e ao tempo, ou seja, “onde” e “quando” os enunciados
são produzidos, aspecto histórico. O tema do qual o enunciado trata refere-se ao
segundo aspecto; e o terceiro está centrado na atitude valorativa dos participantes da
situação frente ao que ocorre. Esses aspectos constituem a dimensão não visível do
enunciado, que se situa entre o verbal (visível) e o extraverbal, e o remete a situação
vivida, de modo que ele não seja plenamente compreendido por quem desconheça as
condições em que foi produzido.
Outro aspecto que compõe e delimita os enunciados é sua conclusibilidade
específica que, como dito anteriormente, se caracteriza como algo interno, uma espécie
de fator intrínseco ao mesmo, que pode ser identificado como “tudo que o falante quis
dizer em um dado momento ou sob dadas condições” (BAKHTIN, 2006, p.280), ao
perceber esse dixi60 conclusivo do falante, o interlocutor assume a atitude responsiva em
relação ao enunciado.
Essa possibilidade de responder ao outro, de suscitar uma atitude responsiva, é
considerada um critério de conclusibilidade, de inteireza do enunciado, e é determinada
por três fatores intimamente ligados ao todo orgânico do enunciado: a euxarabilidade do
objeto e do sentido, o projeto discursivo ou vontade discursiva do falante e as formas
típicas e composicionais e de gêneros de acabamento.
59
No meu caso: a universidade.
Expressão derivada do latim que pode ser traduzida como “tenho dito” ou “tenho falado”, que pode ser
associada aqui à conclusão temporária do discurso de um falante no diálogo.
60
55
O primeiro fator é extremamente diverso nos diferentes campos de comunicação
discursiva, sendo sua plenitude alcançada somente em algumas modalidades discursivas
primárias, isentas do elemento criativo (como as ordens militares).
Nas outras modalidades em que a criação se manifesta, essa exaurabilidade
nunca é plena. No campo científico, nas publicações acadêmicas (como essa, por
exemplo), os discursos secundários elaborados podem ter uma conclusibilidade relativa,
um acabamento mínimo definido pelo autor, mas o objeto é objetivamente inexaurível
(BAKHTIN, 2006).
O projeto de discurso ou vontade discursiva, segundo fator, está intimamente
ligado ao primeiro, pois caracteriza-se pelos objetivos colocados pelo autor, delineados
por seu ideário, sua intenção discursiva, que determina o todo do enunciado, o seu
volume e suas fronteiras. Como situado anteriormente, essa intenção está associada ao
fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário, enquanto o
destinatário imagina em sua audição o que o falante quer dizer e mensura a
conclusibilidade do enunciado proferido.
Essa movimentação nos leva ao último fator: as formas típicas composicionais
de gêneros de acabamento, os gêneros discursivos, que podem ser definidos como a
escolha de uma forma de comunicação e expressão específica advinda da relação da
atitude responsiva e do meio extraverbal no ato comunicativo e são, por sua vez,
determinados pelo menos por quatro elementos: a esfera de comunicação discursiva, a
temática, a situação concreta de interação e a composição do auditório ao qual o
enunciado é dirigido.
Esses gêneros são escolhidos e moldados na audição, pois
Quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas
primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma
extensão aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção
composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do
conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da
fala. (BAKHTIN, 2006, p. 283)
Ainda sobre os gêneros discursivos, acrescenta Bakhtin que
Esses gêneros de discurso nos são dados quase que da mesma forma que nos
é dada a língua materna, a qual dominamos livremente até iniciarmos o
estudo teórico da gramática. A língua materna – sua composição vocabular e
sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de
dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós mesmos
ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as
pessoas que nos rodeiam (op. cited., p.283)
56
Como diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem,
e por ser inesgotável e multiforme essa atividade, Bakhtin considera infinita a riqueza e
a diversidade dos gêneros discursivos (orais ou escritos). E acrescenta que esse
repertório de gêneros discursivos cresce e se diferencia na medida em que se desenvolve
e complexifica determinado campo da atividade humana.
Desse modo, todos os indivíduos que participam de uma determinada cultura
compartilham de um rico repertório de gêneros, o qual permite a comunicação. O
desconhecimento em relação às formas da língua não impede que um sujeito participe
de forma satisfatória de uma situação de interação verbal (oral o escrita), mas sim o
desconhecimento dos gêneros que circulam uma dada esfera da comunicação.
Para Bakhtin, esses gêneros discursivos são relativamente estáveis e o marco da
individualidade do falante se manifesta na sua entonação expressiva, no tom que é
atribuído à sua estrutura e nos acentos de que o falante se utiliza para expressar sua
intenção e se fazer compreendido. Esses fatores integram o conjunto de condicionantes
a serem analisadas no discurso.
Aprofundando um pouco mais a noção de gêneros61, Bakhtin propõe uma
distinção entre gêneros primários (simples) e secundários (complexos). O primeiro tipo
está relacionado à comunicação discursiva imediata, como conversas, relatos, cartas,
etc. Já os de segundo tipo são desenvolvidos em comunicações culturais mais
complexas, sendo sistematizados no âmbito dos sistemas ideológicos constituídos, como
a esfera científica, religiosa, artística, etc. As teses, os romances são exemplos de
gêneros secundários62.
Ademais, Bakhtin considera o conteúdo temático, o estilo e a construção
composicional os elementos constituintes dos gêneros discursivos e dessa tríade
essencial e indissolúvel é que emerge o todo do enunciado. Ressalto que não abordarei
essas instâncias, pois as mesmas fogem dos objetivos desta pesquisa.
61
Ressalto que nesse trabalho o tratamento dado aos gêneros discursivos é basal e que o mergulho
consistente nessa temática poderia configurar outro capítulo de estudo, devido aos aspectos a serem
abordados. No entanto, de pouco valeria essa profundidade para os objetivos dessa investigação.
62
Embora a forma de materialização do enunciado, oral o escrito, também possa se constituir como traço
distintivo entre os gêneros primários e secundários, a oralidade não é um fator determinante de
classificação para os primários da mesma forma que a escrita não é um fator determinante de
classificação para os secundários, uma palestra, por exemplo, é um exemplo de gênero discursivo
secundário e, da mesma forma, um bilhete é um exemplo de gênero discursivo primário (BARBOSA,
2001).
57
Considerando, então, o papel que a perspectiva bakhtiniana ocupa neste trabalho
e a dificuldade de apresentar alguns dos pressupostos teóricos mais relevantes para o
mesmo, finalizo com um pressuposto teórico que irá compor a lente de leitura de
minhas análises discursivas, a exotopia.
A exotopia pode ser definida como o esforço de deslocar-me do meu lugar na
interação discursiva para o lugar do outro, na tentativa de captar suas visões e
concepções de mundo. Obviamente que esse movimento exotópico é limitado, uma vez
que não somos o outro, e essas duas instâncias, “eu” e o “outro”, não são muito legíveis
entre si. Retratar aquilo que se vê a partir do que se supõe que o outro viu já abarca
interpretações nem sempre consonantes com as visões do outro.
Essa tensão dialógica de perspectivas deve permear o ato da análise dos dados e
sua escrita63, evitando que o texto64 do pesquisador emudeça o texto do pesquisado ou
que o texto do pesquisado faça desaparecer o texto do pesquisador, sendo preciso que a
pesquisa se esforce por não realizar nenhum tipo de fusão dos dois pontos de vista, mas
que mantenha sempre o caráter dialógico (AMORIM apud BRAIT, 2006).
63
Postura adotada na escrita dos capítulos 5 e 6.
Na perspectiva Bakhtiniana, “as Ciências Humanas são entendidas como ciências do texto, pois o que
há de fundamentalmente humano no homem é o fato de ser um sujeito falante, produtor de textos.
Pesquisador e sujeito pesquisado são ambos produtores de texto.”(p.98, AMORIM apud BRAIT, 2006)
64
58
4
CAPÍTULO
O caminho da conversa ...
Um procura um parteiro para os seus pensamentos, outro alguém
a quem possa ajudar: é assim que nasce uma boa conversa.
Friedrich Nietzsche65
No capítulo 2, ressaltei a importância de metodologias que dão voz ao professor,
no capítulo 3, apresentei o referencial teórico-metodológico que suportará as discussões
sobre os dados coletados a partir das entrevistas que realizei, e nesse breve capítulo
apresento o caminho da conversa, aspectos metodológicos pensados para alcançar os
objetivos da minha investigação.
Nesse sentido, a entrevista semiestruturada66 (categorizada aqui como planopiloto de entrevista) é o instrumento que utilizo para tentar compreender, através da
análise discursiva, o cotidiano dos docentes entrevistados, seus atos, suas motivações,
suas ideologias, seus valores e objetivos. Essa subjetividade dos dados, produzidos no
diálogo entre dois indivíduos, é um dos fatores que enquadram essa pesquisa na linha
qualitativa.
4.1) Plano piloto de entrevista, minhas escolhas e intencionalidades
Como exposto, meus protagonistas, os professores universitários do curso de
Licenciatura em Química, da Universidade Federal Fluminense, serão os sujeitos da
minha tese. No entanto, na impossibilidade de entrevistar todos os profissionais
envolvidos no processo formativo dos licenciandos em Química, apresento aqui os
critérios que utilizei para seleção desses professores.
Como aludido no capítulo 1, considero o fluxograma atual da Licenciatura em
Química da UFF (ANEXO 1) a tentativa de “corporificação” dos novos paradigmas
apontados na reforma universitária da década de 90, e resgato desse capítulo o
apontamento dos três momentos formativos que devem articular os três tipos de
conteúdos curriculares (os específicos, os articuladores e os pedagógicos/humanísticos)
65
Citação do autor retirada do site: www.citador.pt.
A entrevista semi-estruturada é um “roteiro de questões-guia que dão cobertura ao interesse da
pesquisa” (DUARTE, 2005, p. 66).
66
59
para que, respaldado por esses momentos, justifique os professores escolhidos para a
entrevista.
Nesse sentido, considerei relevante entrevistar um professor envolvido com
disciplinas sobre Ensino de Química (como a Pesquisa e Práticas de Ensino I, II, III e
IV) além de um professor para cada um dos 3 momentos do curso. Esse trio de
professores leciona disciplinas da Química específica67, localizadas no início (como a
Química Geral e a Química Inorgânica fundamental), no meio (como a Químicas
Orgânicas I, II e III) e no fim do fluxograma (como as Físico-Químicas IV e V).
Além disso, desse quarteto, dois professores lecionam as ditas disciplinas
articuladoras (como as tutorias I, II, III e IV) e dois são licenciados em Química, sendo
minha intenção com isso a de me aproximar da heterogeneidade das disciplinas e perfis
profissionais que permeiam a Licenciatura em Química. A TABELA 3 abaixo resume o
perfil de cada entrevistado.
TABELA 3 – Os perfis dos entrevistados
Sujeitos68
Localização das
disciplinas
Tipo de disciplinas
que leciona69
Formação
Trabalhos na
área de educação
Prof. Ana
Início do
Fluxograma
Química específica
e articuladoras
Licenciada
em Química
Possui
Prof. José
Meio do
fluxograma
Química específica
Bacharel em
Química
Não possui
Prof. Maria
Final do
fluxograma
Química específica
e articuladoras
Engenheira
Química
Possui
Prof. Lucia
Meio ao final do
fluxograma
Pedagógicas
Licenciada
em Química
Possui
Sendo assim, passemos para a segunda etapa da proposta, o plano piloto das
entrevistas que realizei. Vou expor, nas linhas que se seguem, as perguntas que fiz, bem
67
Categorizo como Química específica os conteúdos de Química avançada, lecionados na graduação,
conteúdos que nem sempre apresentam sua versão mais acessível aos alunos do Ensino Médio, mas
necessários para uma compreensão mais consistente da Química. Chassot utiliza a nomenclatura Quimica
Hard para definir esse tipo de disciplina (CHASSOT, 2004).
68
Por questões éticas, todos os nomes são fictícios.
69
No fluxograma do ANEXO 1, localizo as disciplinas que já foram lecionadas pelos 4 professores.
60
como as intenções que as subsidiam. Para isso, apresentarei na TABELA 4 os quatro
momentos do fluxo das duas entrevistas realizadas.
Obviamente que a estrutura resumida nessa tabela se trata de um “esboço de
caminho discursivo” (ou caminho da conversa como sugere o título) que pretendo tecer,
mas a imprevisibilidade do ato da entrevista pode conduzir a novos questionamentos, ou
deslocar os momentos pré-concebidos, dependendo de minha percepção ao aprofundar
algum assunto abordado.
Depreendo, no entanto, que esse planejamento é essencial, mesmo à sombra da
imprevisibilidade de respostas e contrarrespostas ditas no percurso discursivo, pois com
ele posso me situar com mais lucidez no que procuro investigar de cada sujeito e atuar
com mais competência no esforço balizante que farei para continuar no meu objeto de
pesquisa: os saberes docentes dos professores universitários e as suas influências na
formação dos licenciandos.
Um adendo, a última pergunta do segundo momento da entrevista está
destacada, pois não foi uma pergunta que integrou o escopo de perguntas das
professoras Ana e Maria (as primeiras entrevistadas no percurso de pesquisa), mas
como foram assuntos levantados por elas, achei prudente acrescentar essa questão para
os outros dois professores por sua relevância.
61
TABELA 4 – Os 4 momentos do plano piloto de entrevista
O que pretendo arguir...
1° momento: Impressão digital...
Minhas intenções...
 Qual sua formação acadêmica?

 Quais são as disciplinas que leciona ou
lecionou na Licenciatura em Química? E a 
quanto tempo leciona?
 Quais são as áreas de pesquisa em que atua?

 Quais funções, além da docência, já
desempenhou na universidade?

Identificar se o entrevistado é licenciado (pois
isso baliza o segundo momento da entrevista).
Sondar como o entrevistado valora a pesquisa e
a docência na sua profissão.
Em que medida as disciplinas em que ele atua
se aproximam do seu perfil curricular de
pesquisador.
Quais são as outras funções que ele
desempenha.
2° momento: ser professor é...
 Para os professores licenciados: Você teve, em
sua formação inicial, contato com disciplinas
pedagógicas. De que forma elas contribuíram
para sua atuação em sala de aula?
 Para os professores não licenciados: Você não
teve, em sua formação inicial, contato com
disciplinas pedagógicas. Como isso afeta sua
atuação em sala de aula?
 Como professor de sua disciplina, quais são os
conhecimentos necessários para lecioná-la?
 Qual a importância de sua disciplina para
atuação do futuro professor de Química do
Ensino Médio?
 O que você considera importante para formar
um bom professor de Química?
 Comparando sua atuação em sala com a dos
professores que lecionaram para você em sua
graduação, quais são as semelhanças e as
diferenças?
 Qual o papel da escola na formação dos
professores?
 Sondar como o entrevistado valora os
conhecimentos pedagógicos na atividade
docente.
 Em que medida as disciplinas em que ele atua
se aproximam do seu perfil curricular.
 Sondar o que ele considera relevante e quais as
pontes que ele realiza com as disciplinas do
Ensino Médio.
 Sondar as concepções sobre a formação
docente do entrevistado.
 Sondar como ele se situa como professor em
comparação aos professores que passaram por
sua trajetória acadêmica, quais as marcas que
estes professores imprimiram no fazer do
entrevistado.
3° momento: o que vejo neste cenário...
 Quais são os pontos positivos e negativos da
formação universitária para a Licenciatura
oferecida atualmente na UFF?
 Considerando o tempo que você atua nessa
Universidade, no seu entendimento, as reformas
realizadas na Licenciatura melhoraram ou
pioraram a formação dos futuros professores de
Química?
 Sobre o seu cotidiano, quais as exigências
profissionais que o professor universitário
enfrenta atualmente?
 De que forma essas demandas influenciam a
sua atuação em sala de aula?
 Pesquisa, Ensino e extensão universitárias,
como você ordena essas dimensões da
universidade em grau de importância?
 Como ele avalia a formação oferecida em seus
aspectos positivos e negativos?
 Sondar as impressões sobre a reforma
curricular e como ele relaciona essas
impressões ao processo formativo (melhorando
ou piorando o mesmo)
 Sondar as exigências profissionais de outro
tipo (não relacionadas diretamente com a sala
de aula) que ele consegue vislumbrar na sua
profissão de professor universitário.
 Em que medida, essas exigências que a
universidade impõe são apontadas como
entraves à atividade docente.
 Sondar como ele valora as dimensões de
pesquisa, Ensino e extensão universitários.
4° momento: o arremate...


Para você, qual o papel do professor
universitário e do professor de Ensino Médio na
sociedade brasileira?
Qual o papel das universidades na sociedade
brasileira?
 Sondar como ele categoriza esses dois
segmentos de atuação do professor, suas
concepções sobre o professor do Ensino
Médio.
 Sondar suas concepções sobre a universidade,
se aquelas se aproximam desta como centro de
formação e/ou como centro de pesquisas.
62
4.2) A Transcrição das entrevistas
As entrevistas foram gravadas em áudio e, para estruturar a análise discursiva,
todo o material foi transcrito, sendo minhas falas representadas nessa transcrição pelo
personagem “P.” do texto, enquanto que as dos demais professores aparecem com os
respectivos nomes fictícios apresentados anteriormente (Ana, Maria, Lucia e José).
No entanto, esse processo de transcrição apresenta limitações, cria um texto
novo com relações problemáticas com os dados originais, como destaca Lemke (1998):
[...]O que é preservado? O que é perdido? O que é alterado? É exatamente a
mudança de meio da fala para a escrita que altera nossas expectativas e
percepção da linguagem. O que soa perfeitamente sensato e coerente pode ser
percebido na transcrição (qualquer transcrição) como confuso e
desorganizado. O que passa através da fala muito rapidamente pode não ser
anotado, ou é substituído pela expectativa do ouvinte sobre o que pode ter
sido dito, é congelado e aumentado na transcrição. A linguagem falada é
plena de hesitações, repetições, falso começo, trocas de construção
gramatical na maneira de falar, [...] A tendência na transcrição é “limpar”,
repudiando muitas dessas características como irrelevantes. (p.1176-7 apud
BARBOSA-LIMA, 2001)
Consciente dessas limitações utilizei a metodologia proposta por Lemke70 para a
transcrição das entrevistas em áudio, com a intenção de minimizar os problemas acima
destacados. Além disso, outra limitação destacada por esse autor diz respeito ao
atitudinal do entrevistado, os aspectos não verbais que agregam valor interpretativo no
viés bakhtiniano, aspecto que também foi considerado na transcrição,
[...]As transcrições no nível da palavra também apagam informações sobre
ênfase, valores de orientação, graus de certeza ou dúvida, atitude de surpresa
ou expectativa, ironia, humor, força emocional, identidade e dialética do
orador ou seu conhecimento da linguagem... (p.1176-7 apud BARBOSALIMA, 2001)
Diante da movimentação realizada nesse capítulo de caracterização do tipo de
pesquisa e justificativa da escolha dos professores entrevistados, não cabe discutir os
resultados que emergem da avaliação das entrevistas, tema que fica para os próximos
capítulos.
70
Discorro nesta nota as convenções textuais importadas de Lemke (1997) para transcrição das
entrevistas: o uso das vírgulas significam as breves pausas (menos de um segundo) que o entrevistado ou
entrevistador realizam, já as reticências indicam pausas maiores (mais de dois segundos). A escrita em
itálico representa as ênfases verbais e os diálogos superpostos, em que a fala do interlocutor que sobrepôs
a fala do outro ou vice-versa, são sinalizados pelo deslocamento mais para direita no texto. Ressalto que
essas convenções textuais não seguem as regras gramaticais e o ponto aparece quando o entrevistador ou
o entrevistado concluem uma fala.
63
5
CAPÍTULO
Nossos dizeres e seus significados I:
as impressões digitais e o ser professor
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.
Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei.
Fernando Pessoa71
O plano piloto de entrevista do capítulo anterior serviu de apoio à organização
das análises discursivas dos dados gerados, divididos em dois capítulos: este, em que
analiso os dois primeiros momentos da entrevista e o próximo capítulo (capítulo 6), no
qual analiso os dois últimos momentos da entrevista.
No que tange à estrutura, os capítulos 5 e 6 têm um formato semelhante,
primeiramente são apresentadas as análises da entrevista de cada sujeito com algumas
discussões pontuais e posteriormente as relações e as discussões que podem ser
estabelecidas no quarteto dos sujeitos da pesquisa dentro de um mesmo episódio.
Sobre os episódios, cabe destacar que essa noção agrupa os enunciados72
produzidos no diálogo pelo seu conteúdo semântico (MORTIMER et. al., 2005),
autorizando-me a coleta de enunciados ligados a um mesmo assunto, ditos num mesmo
momento ou em momentos distintos da entrevista, facilitando as análises e discussões.
Ressalto que, nos episódios que analiso, quando necessito extrair um trecho
transcrito da entrevista, o faço mantendo as convenções descritas no capítulo quatro.
Entretanto, nas hipóteses que formulo no movimento de análise discursiva, posso
retomar frases ou palavras do trecho citado para subsidiar minha argumentação e, nesse
caso, as frases ou palavras são escritas seguindo as normas correntes de citação direta,
com as entonações discursivas em negrito.
71
72
Trecho do Poema “Não sei quantas almas tenho” de Fernando Pessoa.
A definição de enunciado e seus limites no viés bakhtiniano já foram expostas no capítulo 3.
64
5.1) Meus protagonistas, impressão digital
Sendo assim, inicio a análise dos dados com a caracterização sucinta dos meus
quatro sujeitos de pesquisa, momento que categorizo como impressão digital, pois,
como tal, é único, como a trajetória profissional deles. Após essa breve localização dos
sujeitos de minha pesquisa, discorro sobre as análises que realizei desse momento
inicial e defino os demais episódios de análise.
a) Professora Maria
A professora Maria possui formação básica em Engenharia Química, possui
Mestrado em Físico-Química e Doutorado em Geoquímica, lecionando para diferentes
públicos: alunos das três modalidades da Química (Bacharel, Licenciatura e Industrial),
alunos do curso de Farmácia e para alunos de Engenharia de Petróleo (esse último, mais
recentemente).
Ademais, a professora atuou em outras atividades da UFF, distintas da docência,
tendo sido em dois momentos chefe de departamento e, em três, subchefe, além da
participação em colegiados.
Há mais de 30 anos na UFF, essa professora atua como pesquisadora na área da
Físico-Química ambiental e, mais recentemente, após a conclusão do seu doutorado (em
2000), agregou, por intermédio do curso de especialização em Ensino de Ciências, a
área de Educação.
No que tange à sua atuação no currículo do curso de Licenciatura, as disciplinas
que leciona de Química específica estão situadas mais para o final do fluxograma do
curso (ANEXO 1), excetuando as tutorias, disciplinas sequenciais que ocorrem desde o
primeiro período, e que serão aludidas mais adiante.
b) Professora Ana
A professora Ana possui formação básica em Química nas duas modalidades:
Licenciatura e Bacharelado, além de ter Mestrado em Geoquímica e Doutorado em
Química. Já atuou como chefe e subchefe de departamento e também como
coordenadora do curso de Química da UFF.
Ainda sobre sua trajetória, a professora contextualiza que na época de sua
formação existia a “carreira universitária” e logo que se integrou ao corpo docente da
65
UFF, buscou centrar-se em disciplinas experimentais73, mas um semestre depois, teve
sua primeira de muitas turmas de disciplinas teóricas, em que lecionou para turmas de
Química nas três modalidades (Bacharel, Licenciatura e Industrial), além das turmas de
farmácia.
Há mais de 30 anos na UFF, a professora Ana atuou74 como pesquisadora em
uma área de Química Inorgânica e, mais recentemente, na área de Ensino, com
publicações nessa área a partir de 200375.
No que tange à sua atuação no currículo do curso de Licenciatura, as disciplinas
que lecionou de Química específica estão situadas no inicio até o meio do fluxograma
do curso (ANEXO 1), além de ter atuado também nas tutorias.
c) Professor José
O professor José possui formação básica em Química com atribuições
tecnológicas (Químico Industrial), Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Química
Orgânica e já atuou como subchefe de departamento. Ademais, o professor lecionou
para turmas de Licenciatura e Bacharelado em Química, Química Industrial, Engenharia
Química, Farmácia, Veterinária e para as turmas do curso de pós-graduação em
Química Orgânica da UFF.
Há mais de 20 anos na UFF, o professor José atua como pesquisador em
Química, apresentando uma alta produtividade em termos de artigos completos,
resumos de congressos e capítulos em livros e não possuindo publicações relacionadas à
área de Ensino de Ciências ou de Ensino de Química76.
No que tange à sua atuação no currículo do curso de Licenciatura, as disciplinas
que lecionou de Química específica estão situadas no meio do fluxograma do curso
(ANEXO 1).
d) Professora Lucia
A professora Lucia leciona há 38 anos, tendo começado como professora das
séries iniciais, já tendo sido professora do Ensino Médio e da educação profissional,
possuindo graduações em duas áreas: uma em Química (Bacharel e Licenciatura) e
73
Ressalto que as disciplinas experimentais são aquelas constituídas de práticas em laboratórios, com
instrumentação específica.
74
Uso o verbo no passado, pois essa professora se aposentou em 2009.
75
Informações extraídas pela análise do currículo Lattes da entrevistada.
76
Informações extraídas pela análise do currículo Lattes do entrevistado.
66
outra em Pedagogia. Fez uma especialização em Ensino de Ciências, Mestrado em
Educação na área de formação de professores e Doutorado na mesma área da
especialização. Apesar dessa vasta experiência no magistério, sua experiência como
professora da UFF ainda é recente.
Apesar de atuar há pouco tempo como professora da UFF, foi professora em
outra instituição de ensino público superior onde desempenhou papéis relevantes, como
a direção de instituto e chefias de departamentos.
Ademais, a professora Lucia atua como pesquisadora na área de educação,
possuindo uma grande produtividade em termos de artigos completos e resumos em
congressos77. As disciplinas nas quais atua no curso de Licenciatura se situam do meio
para o final do fluxograma do curso (ANEXO 1).
e) Relações entre as impressões digitais
Diante das impressões digitais dos professores, destaco as relações que emergem
desse primeiro momento e que sugerem a riqueza que pode ser explorada nos demais
episódios:
 Com exceção da professora Lucia, os demais professores possuem uma longa
vivência no cenário em que desenvolvo meu estudo, apresentando pelo menos
20 anos de UFF.
Essa grande vivência institucional pode ser explorada, principalmente no que diz
respeito às opiniões dos docentes sobre o cotidiano do professor universitário, sobre as
reformas ocorridas nesse cenário e seus desmembramentos.
 Os perfis de formação básica são distintos: a professora Maria é Engenheira
Química pós-graduada na área da Química específica; as professoras Ana e
Lucia possuem Licenciatura em Química78; o professor José é Químico
Industrial pós-graduado na área da Química específica.
Dessa forma, os professores entrevistados apresentam vivências distintas de
carreira em áreas da Química específica, sendo que três agregaram a área educacional
aos seus currículos, enquanto um deles não. Essa heterogeneidade possibilita também
explorar concepções sobre a docência advindas de lugares distintos.
77
Informações extraídas pela análise do currículo Lattes do entrevistado.
A primeira seguiu na pós-graduação uma área da Química específica, enquanto a outra, a área da
Educação.
78
67
 Os professores atuam em regiões distintas do currículo da Licenciatura em
Química.
Essa característica pode potencializar a exploração de impressões sobre
conexões e desconexões entre as disciplinas de pontos distintos do currículo. Além
disso, com exceção da professora Lucia, que representa as disciplinas de formação
pedagógica em Química, cada um dos outros professores representa uma frente da
Química específica do Ensino Médio, a saber: Química Geral - Professora Ana, FísicoQuímica - Professora Maria e Química Orgânica - Professor José, o que pode
oportunizar também a exploração de como eles percebem a importância de suas
disciplinas na formação dos professores do Ensino Médio.
Sendo assim, diante de todas essas potencialidades levantadas pelas relações
entre as trajetórias profissionais singulares dos professores (suas impressões digitais),
parto para a análise do primeiro episódio: “ser professor é...”.
5.2) Ser professor é...
Nesse episódio, busco investigar as concepções dos professores entrevistados
sobre a atividade docente: como relatam sua primeira experiência em sala de aula, como
valoram e situam as disciplinas que lecionam no processo formativo do professor, os
quesitos que consideram relevantes para formar um bom professor, suas concepções
sobre o papel do professor de Ensino Médio, sobre a transposição didática de conteúdos
e sobre o papel da escola. Esses aspectos gravitam na atmosfera do ser professor.
a) Professora Maria
Inicio essa análise, destacando o momento da entrevista em que pergunto para
professora Maria, como o fato de não ter tido contato com as disciplinas pedagógicas da
Licenciatura em Química afetou sua relação com a sala de aula:
Prof. Maria: Eu acho que foi tudo muito feito por intuição, né? Eu
sempre procurei dar o melhor, uma melhor maneira tanto de repassar
o conhecimento, como de avaliar, tudo isso. Sempre questionei muito
isso, mas feito sem base nenhuma teórica. Até adquirir essa... um
pouco, né, dessa base, quando eu fui... me envolvi no curso de
68
especialização, aí passei a fazer uma leitura de Ensino de Ciências
entendeu?
P:
em Ensino de Ciências
Prof. Maria: aí eu passei a ter uma leitura voltada pra essa área que
até então a formação era mais pesquisa em radioquímica ou mesmo na
área de ambiental. (entrevista 1, linha 53 à 59)
A entonação expressiva dada à expressão “por intuição” pode estar associada
aos incômodos e questionamentos vivenciados pela profa. Maria, ao lecionar,
interrogações resolvidas por ela durante o seu fazer em sala de aula, mas sem uma base
teórica legitimada79 de conhecimentos pedagógicos. Essa hipótese se ratifica no
segundo momento da fala, quando coloca “Sempre questionei muito isso, mas feito sem
base nenhuma teórica”.
Ainda que essa professora tenha uma postura que busque uma excelência no seu
ofício docente, como coloca em suas palavras: “Eu sempre procurei dar o melhor, uma
melhor maneira tanto de repassar o conhecimento, como de avaliar, tudo isso”, a
compreensão de seu papel de professor estava, no início de sua carreira, no senso
comum, associada às experiências positivas com professores de sua trajetória escolar
e/ou de seus pares de profissão da UFF (MALDANER, 2003).
Nesse caminho, destaco como fator relevante o contato em sua trajetória
profissional com o curso de Especialização em Ensino de Ciências, que lhe
proporcionou “uma leitura de Ensino de ciências”, mas que, segundo ela, ainda não a
coloca, pelo menos num primeiro plano de consciência, como uma professora com uma
base de conhecimentos pedagógicos vasta, ideia confirmada pela hesitação seguida da
entonação dada à palavra “Até adquirir essa... um pouco, né, dessa base”.
Mesmo que essa base de conhecimentos comuns (knowledge base –
SHULMAN, 1986) e necessários para o Ensino não tenha se constituído, o contato
dessa professora com as pesquisas educacionais agregou conhecimentos que afetaram
seus saberes experienciais, modificando sua visão sobre o Ensino de Ciências.
Sua cautela pode estar associada ao fato de que esse curso de Especialização
tenha como foco as questões do Ensino de Ciências no Ensino Médio e não do
magistério superior e dessa forma os conhecimentos e reflexões que esse curso agregou
modificaram, em alguma medida (mesmo que seja um pouco), seu agir em sala de aula.
Obviamente que a direcionalidade deve aqui ser considerada. Acredito que o
endereçamento desse enunciado tenha sido ao entrevistador, pesquisador na área de
79
Legitimada por um título de Licenciatura.
69
Educação, fazendo com que a professora, mesmo que hoje conheça as concepções mais
atuais sobre Ensino de Ciências e que tenha aperfeiçoado seu agir em sala, analisando,
pesquisando e publicando artigos na área educacional, não se sinta à vontade para
ocupar esse lugar de “professor competente de ciências80”, talvez por não haver
direcionado sua formação inicial para a docência.
No momento da entrevista em que adentrei na questão das disciplinas de
Química específica que leciona (as Físico-Químicas), procurei avaliar a noção que ela
trazia sobre a importância de sua disciplina na grade curricular da Licenciatura, como
destacado:
P: [...] como professora de Físico-Química, possivelmente nesse
percurso a senhora deu aula para licenciados. Para essa disciplina de
Físico-Química, né, que é uma disciplina inclusive que a gente
percebe que também está presente no Ensino Médio, quais são os
conhecimentos necessários na sua opinião, pra lecionar FísicoQuímica no nível superior?
Prof. Maria: Bom, nível superior, Físico-Química pela característica
dela, ela vem a explicar os fenômenos e através de modelos. E esses
modelos são todos elaborados em cima de modelos matemáticos,
então, eu vejo que a maior dificuldade, principalmente pro aluno de
farmácia que não traz essa bagagem, é o formalismo, quando a coisa
é só fenomenológica, eles vão bem. Agora, quando parte pro modelo,
pro formalismo matemático, aí você sabe que fica perdido, que já tem
dificuldade mesmo. (entrevista 1, linha 70 à 78)
Cabe acrescentar que a disciplina de Físico-Química da Licenciatura em
Química da UFF apresenta uma turma mista, com alunos do curso de Farmácia81,
Química Industrial, Bacharelado e Licenciatura em Química, o que torna mais difícil o
esforço de contextualizar essa disciplina para essa variedade de perfis profissionais em
sala, questão que será abordada mais adiante.
Retomando a análise do trecho, a professora ressalta os modelos matemáticos
como uma das grandes dificuldades de entendimento de sua disciplina (destacando os
alunos de Farmácia) em comparação aos aspectos fenomenológicos.
Parece que, para a professora, a matematização dos fenômenos e a
operacionalização dessas equações para resolução dos problemas ainda ocupam um grau
de importância maior do que: as questões conceituais, a crítica das fragilidades
80
Categorizo esse perfil ao professor que busca pesquisar assuntos associados à atividade docente,
refletindo e agregando novos saberes aos seus fazeres pedagógicos, consciente da dimensão de sua
posição em sala.
81
Os alunos desse curso possuem, comparativamente, uma carga horária menor de disciplinas de
matemática que os dos cursos de Química e as Engenharias.
70
matemáticas dessas equações82, a exposição de suas raízes epistemológicas e seu
entendimento como modelos advindos do método científico.
Essa hipótese pode ser reforçada nas próprias palavras da professora, pois ao
definir a função da disciplina que leciona (Físico-Química) ela coloca “explicar os
fenômenos e através de modelos. E esses modelos são todos elaborados em cima de
modelos matemáticos”, não colocando em nenhum momento em seu discurso as
fragilidades das equações que leciona, indícios da visão positivista, que engessa e
coloca a ciência como algo acabado, e não em constante desenvolvimento
(MALDANER, 2003).
Essas concepções que afetam a formação docente trazem consequências para o
Ensino Médio e, nesse sentido, destaco o trecho em que a professora estabelece a
relação de importância da disciplina que leciona no nível superior para a atuação do
futuro professor desse segmento,
P: E assim, com relação ao professor de Química do Ensino Médio,
qual a importância, na sua opinião, dessa disciplina Físico-Química,
pra esse futuro professor de Ensino Médio? A Físico-Química que ele
aprende aqui na faculdade, que integra o currículo dele. Qual a
importância dessa disciplina pra sua formação, enquanto futuro
professor do Ensino Médio?
Prof. Maria: É, pelo fato dele explicar. Então, você pode usar
exemplos desde um gás liberado de uma garrafa de refrigerante,
porque o céu é azul, todas as explicações da natureza, tudo isso, todas
elas têm uma explicação Físico-Química, então, eu hoje vejo que é
super importante o licenciando sair com essa bagagem entendeu?
P: Mesmo que às vezes essa bagagem esteja impregnada de
formalismo matemático?
Prof. Maria: Que ele não precisa aplicar no Ensino Médio, mas que
faz parte do entendimento de um todo entendeu? (entrevista 1, linha
79 à 89)
Destaco como a concepção positivista de ciência se revela no discurso da
professora: “todas as explicações da natureza, tudo isso, todas elas têm uma
explicação Físico-Química” e, como aludido anteriormente, essas explicações são
modeladas matematicamente, um formalismo que, segundo ela, não precisa permear o
Ensino Médio, mas ocupa um lugar importante no nível superior.
82
Considero como fragilidades todas as aproximações, os condicionantes desprezados e as considerações
arbitrárias que são apresentadas para que essas equações possam ser resolvíveis, o que configura sempre
um sistema ideal (utópico) nunca um real.
71
Sendo assim, se o licenciando em Química em sua formação tem uma disciplina
que se caracteriza pela presença de um formalismo matemático e esse é por vezes
inacessível83 ao Ensino Médio, conduzi meus questionamentos para a transposição
didática, como destacado a seguir:
P: Precisa então no caso de que o estudante [licenciando] tenha uma
capacidade pra adaptar o conteúdo de Físico-Química pro Ensino
Médio.
Prof. Maria: É.
P: E nesse sentido assim, por essa adaptação, por essa transposição
didática, na sua opinião, quais são as formas que isso poderia ser
feito? O estudante, ele vai desenvolver isso, ele pode desenvolver isso
em que disciplina? Na própria disciplina de Físico-Química, numa
disciplina da área pedagógica, numa disciplina de interface entre a
pedagogia e a Química?
Prof. Maria: Eu acho que numa disciplina pedagógica, porque a
disciplina de Físico-Química precisa ser cobrada com todo o seu
formalismo, né? Você tem a Química quântica, que é dentro da
Físico-Química, que tem um formalismo matemático muito rígido; a
termodinâmica; a radioquímica, que faz parte do currículo, né, ele
precisa ser cobrado enquanto aluno de graduação. (inserção minha,
entrevista 1, linha 90 à 100)
Retomando a análise do trecho, ao atribuir a responsabilidade da transposição
didática a uma disciplina pedagógica, a professora Maria, apesar de atuar num currículo
pós-reforma, em que o modelo 3+1 foi estruturalmente desfeito e de pesquisar e
publicar na área educacional (na qual esse modelo é correntemente criticado), deixa
transparecer em seu discurso que algumas de suas concepções sobre a disciplina FísicoQuímica na graduação ainda estão permeadas por essa lógica curricular que setoriza a
formação docente em um grupo de disciplinas específicas.
As pontes que podem ser realizadas entre os conteúdos específicos da graduação
e do Ensino Médio parecem, para a professora, tarefas que desviam o objetivo da
disciplina que “precisa ser cobrada com todo o seu formalismo”.
Diante desse discurso que setoriza a formação pedagógica, perguntei para a
professora Maria o que ela considera importante para formar um bom professor de
Química do Ensino Médio, tendo ela ressaltado o papel essencial da escola na formação
docente, da presença do licenciado no ambiente escolar, afirmando que procura
83
Essa inacessibilidade ocorre, pois as equações formuladas na graduação são (em sua maioria) equações
diferenciais, ou seja, equações que são permeadas por Derivadas e Integrais. Essas funções matemáticas
constituem o cálculo do nível superior e aparecem por vezes nas disciplinas específicas da Química por
representarem (na linguagem matemática) descrições formais dos fenômenos.
72
potencializar a reflexão sobre esse ambiente nos trabalhos de conclusão de curso que
orienta.
Apesar de transparecerem em seu discurso lógicas que remetem ao currículo
3+1, a professora Maria se esforça na contextualização de sua disciplina para parte do
público84 que leciona e coloca essa contextualização como uma questão de
compromisso, contradição talvez engendrada pelo seu contato com pesquisas em Ensino
de Ciências. Em suas palavras:
Prof. Maria: Um compromisso entendeu, um compromisso de
realmente mostrar até pro aluno, principalmente de farmácia.
Mostrando que, primeiro discurso a fala é única. Pra que eu preciso
de físico-Química? Aí eu começo, aqui, aqui, aqui... em tudo, um
creme que você passa no rosto tem a parte cosmética, a parte de todos
os fármacos, estabilidade de fármacos, começo todas mostrando,
“Olha, físico-Química é uma ferramenta”. Então, eu procuro esse tipo
entendeu, de mostrar a importância da disciplina, ambiental é uma
coisa que eu adoro, então também é uma coisa que eu valorizo, sem
ser aquela ambientalista piegas, aquela coisa assim, mas mostrando
que o químico é um ator que pode atuar firme, e tem muita gente na
área de ambiental que não sabe os porquês, entendeu? Então, eu
sempre falo é um campo de falhas porque vocês, além de ter o
conhecimento que todos os outros geógrafos, biólogos, vão adquirir,
vocês sabem explicar o porquê está acontecendo o efeito estufa, ou o
porquê do aquecimento global entendeu, toda essa bagagem.
(entrevista 1, linha 169 à 179)
A questão da contextualização com a realidade profissional tida como
compromisso se revelou quando, no caminho discursivo da entrevista, pedi para que ela
comparasse sua atuação com os demais professores que passaram por sua trajetória
acadêmica e, nos exemplos citados, dois grupos foram elencados: os alunos de Farmácia
e os Bacharéis em Química, o que não significa que os alunos da Licenciatura não sejam
alvo do seu esforço de contextualização. Porém, acredito que estes não sejam a sua
prioridade, até por explicitar que essa contextualização não seja função de sua
disciplina.
Além disso, ela destacou o referido compromisso num tom que se afasta da
valorização do formalismo matemático dado anteriormente,
Prof. Maria: [...] Então eu procuro mostrar a necessidade do
conhecimento, entendeu, que não é aquela coisa assim, formal, de
botar derivada pra tudo quanto é lado, integral, sempre mostrado que
84
Os exemplos de contextualização ditos na entrevista foram para os alunos de farmácia e bacharéis.
73
faz parte, mas que tem algo além, que é super prático entendeu?
(entrevista 1, linha 179 à 181)
o que aponta para concepções que buscam aproximar a teoria da prática profissional,
buscando dar utilidade ao conhecimento ensinado.
Além disso, a professora Maria declara um fazer em sala de aula que procura dar
voz aos questionamentos do aluno, “[...] Pra que eu preciso de Físico-Química? Aí eu
começo, aqui, aqui, aqui... em tudo, um creme que você passa no rosto tem a parte
cosmética, a parte de todos os fármacos, estabilidade de fármacos [...]”, concepção
construtivista de aprendizagem, além de revelar a visão de professor como mediador,
Prof. Maria: [...] “Olha, vocês que vão aprender Físico-Química, eu
estou aqui pra ajudar” (entrevista 1, linha 156)
Esses trechos destacados são indícios que apontam para uma influência da
pesquisa em Ensino de Ciências nas concepções sobre o papel do professor e seus
fazeres em sala de aula, promovendo conflitos que se revelaram nas contradições
relatadas e que retratam uma professora que vem agregando, aos poucos, saberes
pedagógicos aos seus saberes experienciais, advindos da pesquisa na área de Ensino de
Ciências, validados nas outras disciplinas com currículos mais flexíveis que leciona,
como a “instrumentação para o Ensino de Química” e as tutorias.
Sobre essas últimas, a professora Maria as ressalta como ponto positivo da
reforma curricular, e por isso serão discutidas no próximo episódio, quando essas
questões serão retomadas e multiplicadas, analisando as concepções da professora sobre
seu cenário de atuação.
b) Professora Ana
Diferente da professora Maria, a professora Ana teve contato com as disciplinas
pedagógicas em sua formação inicial, mas ainda assim sua primeira experiência em sala
pareceu ter o mesmo tom intuitivo da professora Maria, pois ela comenta,
Prof. Ana: Aí 50 alunos, eu me vi ali em cima ... né...e foi! E aí
depois que eu comecei a dar aula eu não quis saber de outra coisa,
né? (entrevista 2, linha 31 à 32)
74
O acento dado a “eu não quis saber de outra coisa” revela que a primeira
experiência com a sala de aula foi positiva e, como a professora Ana possui
Licenciatura, perguntei sobre a contribuição que essas disciplinas tiveram para sua
atuação em sala de aula,
P: [...] A senhora teve na sua formação inicial contato com essas
disciplinas, né? De que forma a senhora acha que essas disciplinas
contribuíram para a sua atuação em sala de aula.
Prof. Ana:
Você vai criar um problema com a
faculdade de educação, você vai ter que cortar essa resposta daí...
[risos]
Prof. Ana:
Não contribuiu em nada!
(entrevista 2, linha 85 à 90)
No momento em que a professora coloca “Você vai criar um problema com a
faculdade de educação”, fica evidente o direcionamento do discurso aos professores da
Faculdade de Educação que participam da formação de professores e lecionam na pósgraduação, hipótese reforçada no trecho “você vai ter que cortar essa resposta daí”.
Numa reflexão mais profunda, posso conjecturar também que conscientemente a
professora anuncia que sua próxima declaração deveria ser cortada de meu estudo, por
não dizer aquilo que os professores da Faculdade de Educação gostariam de ouvir,
expondo aqui uma cautela que talvez passe pela dimensão política no que tange à
repercussão de um trabalho que critique o processo formativo da mesma faculdade onde
curso o Doutorado.
Num breve adendo, exponho as conexões que inevitavelmente realizei com
minha vivência no Mestrado em Química85 ao reler esse trecho da entrevista. No
Mestrado, os “dados” que exibiam comportamentos experimentais inesperados de
acordo com a literatura deviam ser suprimidos86 da apresentação e discussão da
dissertação,
postura
que
ratifica
uma
tradição
científica
de
reprodução.
Comparativamente e guardadas as devidas proporções, a professora Ana considera essa
declaração “Não contribuiu em nada!” como um dado inesperado e contraditório para
ser dito a um pesquisador da área de Educação, evidências do endereçamento de seu
discurso.
85
Fiz Mestrado em Química na UFRJ, na área de Química de materiais na linha de nanotecnologia,
estudo completamente alicerçado por experimentos que envolviam instrumentação específica e
sofisticada.
86
Sombra do método científico que busca e reprodutividade dos dados e comportamentos exibidos nos
estudos.
75
Apesar de ter sido enfática em dizer que não contribuiu em nada, essa
contribuição pode ter sido mínima, mas não inexistente, pois diante da minha insistência
na confirmação de que não houve contribuição, a professora Ana trouxe à tona uma
professora de prática de Ensino (Madalena da Silva, nome fictício) de sua época
formativa,
P:
Em nada?
Prof. Ana:
Em nada, em nada, apesar de que tem que
abrir um parênteses tá, que na época a professora de Prática de Ensino,
que era a Madalena da Silva.
P: Era uma Prática de Ensino específica para Química.
Prof. Ana:
Era específica para Química. Ela, apesar de
não ter formação na área de Química, ela era uma pessoa que em
termos teóricos, né, de preparar, como que se prepara uma aula, e,
era é uma pessoa muito séria, então, nós tínhamos realmente a carga
horária de Prática de Ensino, a gente ia pra Faculdade de Educação
e tinha aula, tá, então, isso era a realidade da minha época, na
psicologia de educação, tem as disciplinas ate hoje, tem a psicologia
da adolescência a gente lia e tinha que debater, né... E a prática de
Ensino, toda a parte teórica, elaboração de planos de aula, né? E a
gente ia pra frente, fazia fichinha, toda aquela dinâmica, né? Nós
tivemos, porque ela não era, ela não tinha formação na área de
Química né, então obviamente, mas ela era uma pessoa muito, como
professora era muito boa né? [...] Então, da minha época eu não
posso dizer mal das aulas, a qualidade da aula pelo menos eles
cumpriam, direitinho, agora, não significou quase nada porque no
currículo você tem aqui a marca de conhecimento ideal, é na área
específica você ter três, quatro disciplinas, na verdade eram quatro,
estrutura de funcionamento do 2° grau, psicologia e duas práticas
eram 4 disciplinas... e não significou praticamente nada... Eu aprendi
a dar aula, na sala de aula.
P: Na prática mesmo.
Prof. Ana:
Na prática mesmo, então, a minha experiência
foi na sala de aula... (entrevista 2, linha 91 à 112)
A professora Ana, reconhece que a professora de Prática de Ensino em Química
não tinha formação específica na área, mas “em termos teóricos, né, de preparar, como
que se prepara uma aula, e, era é uma pessoa muito séria [...]” o que revela uma
concepção de formação docente associada ao racionalismo técnico, das “receitas” de
como dar aula, em voga na época formativa da professora.
Apesar de reconhecer o esforço dos professores da área de Educação, pois
cumpriram “direitinho” o programa, aquilo não significou praticamente nada para ela,
que afirma ter aprendido “a dar aula na sala de aula”. Acredito que por trás dessa
declaração existe também uma falta de identificação que culmina na Prática de Ensino
específica dada por uma professora que não era Química.
76
Antecedendo a minha pergunta, a professora complementa sobre a situação atual
do processo formativo da Licenciatura em Química. Nesse momento, acredito que sua
experiência na frente da coordenação do curso, associada à percepção de minha
intenção discursiva, impulsionou esse complemento espontâneo,
Prof. Ana:
E eu acho que piorou um pouquinho na
medida em que o comprometimento das pessoas lá do... Infelizmente,
apesar de ser amiga pessoal de alguns professores, eu acho que o
comprometimento deles com a área de Ensino para as Licenciaturas,
ela foi começar na pedagogia, a faculdade de educação, eu acho que o
grande problema é esse, a visão deles é que eles formam pedagogos, e
as Licenciaturas, “ah não isso aí bota o professor tal” e...
P:
segundo plano, né?
Prof. Ana:
Fica em segundo plano... (entrevista 2, linha
114 à 120)
Nesse trecho, o comprometimento remete ao trecho citado anteriormente,
quando ela coloca que na sua época formativa “a gente ia pra faculdade de educação e
tinha aula” e o endereçamento do discurso é novamente anunciado com a ressalva que
faz “apesar de ser amiga pessoal de alguns professores” , talvez por imaginar que
esses professores lerão o estudo que realizo, além de considerar o que represento nesse
diálogo, a figura da faculdade de Educação.
A professora Ana coloca sua impressão de que o foco da faculdade de Educação
seja a formação de pedagogos, sendo as Licenciaturas a última alternativa de escolha
dos professores. Por outro lado, um estudo realizado por Maldaner (2003) revelou que
os professores das faculdades de Educação se queixam do despreparo e da falta de
motivação que os licenciandos manifestam nas disciplinas pedagógicas, o que pode
contribuir para esse suposto preterimento por parte dos professores da faculdade de
Educação.
Esse despreparo pode ser consequência de uma visão pedagógica restrita que os
licenciandos internalizam no contato com os professores das disciplinas de Química
específica da universidade e do Ensino Médio.
Essa perspectiva que centra na cobrança dos conteúdos conceituais é um
comportamento declarado e considerado positivo pela professora Ana, pois ela se define
como uma professora da “ala mais rígida” (entrevista 2, linha 269), não muito querida
pelos alunos, mas comprometida em “passar o conteúdo e pedir ao aluno o retorno”
(entrevista 2, linha 270).
77
Essa supervalorização dos conteúdos específicos conceituais da Química frente
aos pedagógicos se revela em outras falas da professora Ana, quando questiono sobre a
disciplina de Química Geral que lecionou, como destaco no trecho:
P: [...] Na verdade eu sei que a senhora já foi professora de Química
geral, inorg I, inorg II, inorg IV, mas para disciplina de Química geral
que é um tipo de disciplina que você percebe muitos daqueles tópicos,
daqueles conteúdos no Ensino Médio, né? Para essa disciplina,
primeiro pra parte do nível superior, quais são os conhecimentos
necessários que a senhora acha para lecionar essa disciplina no nível
superior?
Prof. Ana: Se eu fosse um professor da disciplina, ele tem que ter
uma base muito grande, muito boa em Química inorgânica né? Eu
acho que tem que saber muita Química inorgânica, tem que saber
orgânica, porque eu acho que para você fazer determinadas relações,
né, e a Química geral, como diz, ela está vinculada a um departamento
de inorgânica onde na verdade ela deveria ser uma disciplina...
P:
Que é de todos né, todos os departamentos.
Prof. Ana:
É né, de todos, o próprio nome já diz né? é
Química geral...
P:
É, a ideia é dar aquela visão panorâmica
Prof. Ana:
Exatamente, então, além de uma boa base de
inorgânica ele realmente tem que ter uma visão geral, tem que ter
uma boa base em Orgânica, em Físico-Química, e aí eu digo a você,
que eu acho que eu passei a ser uma professora muito melhor de
Química Geral quando eu percebi isso, porque como ela está
vinculada à área de Inorgânica normalmente o professor de Química
Geral se preocupa em dar aula de Química Geral para preparar para
a Inorgânica, quando na verdade, né, você está preparando o aluno
para todas as outras disciplinas. A grande base que ele tem pra poder
ir em frente, para poder pensar as outras disciplinas. (entrevista 2,
linha 121 à 139)
Cabe ressaltar que mesmo que sua visão sobre as disciplinas de Química Geral
(lecionadas no início da graduação) seja interdisciplinar, o que pode potencializar
fazeres que conduzam os licenciandos a uma visão mais panorâmica e conexa da
Química, percebo no discurso da professora o valor dado somente aos conteúdos
específicos conceituais. Em nenhum momento, os saberes pedagógicos (que integram a
docência) foram elencados como necessários, nem no momento em que ela retoma para
destacar a importância da percepção dessa conectividade, dessa interdisciplinaridade.
Essa perspectiva conteudista se ratifica quando a professora foi questionada
sobre o papel do professor do Ensino Médio e nesse caminho discursivo ela localiza a
transposição didática.
78
P: Entendi, e assim, qual seria a importância dessa disciplina de
Química Geral, para a atuação do futuro professor de Química do
Ensino Médio, pra senhora, na sua opinião?
Prof. Ana: Eu acho que se ele tem uma boa visão dentro da Química
Geral de estrutura atômica, ligação Química, tabela periódica, ele
pode transportar e fazer a transposição para o Ensino Médio com
qualidade, porque, ele tem que ter, ele tem que saber mais do que ele
vai ensinar, né? Então, se ele tem uma boa base de Química geral, e
consegue realmente entender todos os conceitos, ele pode fazer essa
transposição de uma maneira muito mais agradável ao aluno e
levando pro aluno que realmente precisa saber, não daquela maneira
que você normalmente vê no Ensino Médio que o aluno tem que
decorar determinadas coisas, mas, entender determinados conceitos,
né? Para que ele possa chegar na universidade, independente da área
em que ele vá atuar, não necessariamente precisa ser Química, pra
que ele tenha uma visão de Química agradável, começando por
alguma coisa que ele está presente em todo o cotidiano dele.
(entrevista 2, linha 140 à 151)
Os conhecimentos pedagógicos são irrelevantes no movimento da transposição
didática segundo a professora Ana, como podemos perceber na entonação discursiva
dada ao trecho “se ele tem uma boa base de Química geral [...] ele pode fazer essa
transposição[...] levando pro aluno que realmente precisa saber”.
Nesse sentido, o próximo questionamento (similar ao realizado com a professora
Maria) foi sobre esse tema, a transposição didática. Questionei onde essa transposição
poderia ser trabalhada e dei opções (assim como fiz com a professora Maria) para
analisar suas concepções, como destacado abaixo:
P: [...] Isso poderia ser feito na própria disciplina de Química geral,
isso poderia ser feito nas disciplinas da área de educação? Ou isso
poderia ser feito em disciplinas de interface, Química geral com
educação. Pra senhora essa transposição poderia ser trabalhada em
que disciplinas?
Prof. Ana: É, o ideal é que a transposição fosse trabalhada em todas
as disciplinas, essa é a visão das diretrizes curriculares, né? Que você
tenha a disciplina com a parte teórica e que você dentro da própria
disciplina você vá trabalhando isso, então, por exemplo, você faz uma
estrutura atômica para o seu aluno e aí você tem um espaço dentro
desta disciplina para que você possa trabalhar com ele, bom, eu estou
lidando com os conhecimentos de estrutura atômica nesse nível, como
você vai preparar uma aula, como você vai pegar esses seus
conhecimentos, que são conhecimentos [...] mais avançados, como é
que você vai passar isso para o aluno de Ensino Médio que tem uma
maturidade ainda [...]em crescimento (entrevista 2, linha 155 à 164)
A professora Ana, diferentemente da professora Maria, coloca como ideal que a
transposição didática seja trabalhada em todas as disciplinas da Química específica o
79
que demonstra um certo conhecimento sobre as Diretrizes Curriculares para graduação e
que serão discutidas posteriormente.
Apesar de colocar essa prática como ideal a professora Ana apresenta, mais
adiante na entrevista, os entraves para esse fazer dentro da universidade no curso
diurno, destacando a possibilidade de fazê-lo no noturno, mas também com outras
dificuldades,
Prof. Ana: [...] só que é impossível você fazer isso dentro da
universidade, por quê? Porque, porque você vai ter uma disciplina de
licenciados, não é disciplina, uma turma de licenciados muito
pequena.
P: Então, assim, na própria logística da universidade as disciplinas
acabam sendo mistas, porque...
Prof. Ana:
Não adianta, nós conseguimos com a reforma
curricular manter turmas só de Química, não sei até quando... [...]
Agora, na Licenciatura noturna daria para fazer, se as pessoas
estivessem também preparadas para fazer isso,.
P:
[risos] É outra questão delicada né
Prof. Ana:
É outra questão delicada, então, o professor
ele se prepara para, eu digo comum, não vejo separação não, eu vou
ser de Química, eu vou me preparar, vou pegar vários livros para
passar o conteúdo, tá? Então, o professor, eu acho que não é só na
área de Química não, em todas as áreas, ele é conteudista mesmo, ele
quer é passar o conteúdo, né? Agora, a aplicação disso deixa lá para a
faculdade de educação, que por sua vez quando chega lá o professor
da faculdade de educação ele está muito mais preocupado em como
ensinar ele a dar aula... “Não você vai fazer assim, você vai fazer... A
metodologia é essa, é aquela, não sei o quê”... e aí também não junta.
Não, qual é o conteúdo que você tem, como é que eu vou pegar esse
conteúdo agora e vou passar esse conteúdo para o meu aluno?
Ninguém faz isso. (entrevista 2, linha 174 à 191)
Destaco no trecho “eu vou me preparar, vou pegar vários livros para passar o
conteúdo, tá? Então, o professor, eu acho que não é só na área de Química não, em
todas as áreas, ele é conteudista mesmo ele quer é passar o conteúdo, né?” a
professora não só reconhece seu perfil conteudista como naturaliza o mesmo na
universidade.
Apesar de um currículo reformado, a professora Ana ressalta a dificuldade em
manter turmas constituídas somente por licenciandos na graduação diurna e na
colocação “Agora, a aplicação disso deixa lá para a faculdade de educação”, a
professora Ana externaliza, num tom crítico, de discordância, não só a opinião da
professora Maria como a de seus outros pares de profissão que atuam na Química
específica, no que tange à responsabilidade da formação docente.
80
E na sequência localiza o desencontro que ainda ocorre entre os saberes da
Química específica e os pedagógicos (ambos saberes da formação profissional), quando
finaliza com a declaração: “e aí também não junta”. Além de revelar suas concepções
sobre a formação docente na faculdade de educação permeada, prioritariamente, por
metodologias de Ensino, “quando chega lá o professor da faculdade de educação ele
está muito mais preocupado em como ensinar ele a dar aula...”, sua opinião é afetada
por sua vivência de formação, impregnada pelo racionalismo técnico e sem uma
identificação com as disciplinas da pedagogia.
Ademais, percebo a lacuna existente na dimensão formativa do futuro professor
de Química, pois a transposição didática dos conteúdos específicos da Química parece,
nas palavras da professora, algo que “Ninguém faz”.
Retomo aqui o reconhecimento dessa transposição realizada nas disciplinas
específicas como algo ideal, como declarado nas falas iniciais da professora Ana, mas
que esbarram em dificuldades que vão desde a logística de distribuições das turmas da
Universidade até o despreparo dos professores, justificativas direcionadas para mim, o
pesquisador em Educação.
c) Professor José
O professor José, Químico com atribuições tecnológicas, não teve contato em
sua formação inicial com disciplinas de cunho pedagógico e dessa forma inicio essa
análise destacando o momento da entrevista em que pergunto para esse professor como
isso afetou sua primeira experiência em sala de aula, acrescentando:
P:
[...]Como o senhor avalia esse primeiro... essa primeira
experiência em sala de aula?
Prof. José: Certamente teria sido muito interessante ter tido uma
formação em Licenciatura também. Mas a UFRJ, ela não tinha essa
opção de químico com Licenciatura, então eu tive que aprender para
ministrar aula, especialmente na graduação, foi no dia a dia, né?
P: Entendi.
Prof. José: E, claro, lendo bastante, muitos livros, muitos artigos, isso
pôde ter, eu espero, parcialmente solucionado, né? Mas a formação de
Licenciatura, realmente é muito importante. (entrevista 3, linha 40 à
49)
O professor José, assim como as professoras Maria e Ana, coloca que os seus
conhecimentos necessários para lecionar foram adquiridos na prática, no dia a dia como
docente. E mesmo que tenha ratificado em dois momentos do seu discurso a
81
importância da formação em Licenciatura, em um deles, inclusive declarando que seria
interessante ter tido essa possibilidade de formação, acredito que essa valorização tenha
ocorrido por efeito da direcionalidade discursiva, pois o mesmo coloca mais adiante no
fluxo da entrevista que acredita que a leitura de livros e artigos, cujo assunto ele não
detalha, possa ter solucionado essa carência formativa, indícios que esboçam um perfil
conteudista a ser confirmado em outros trechos da análise.
Acrescenta ainda que essa carência formativa teve algum peso, principalmente
no começo, mas que um professor compromissado com a questão didática pode superar
essa carência, como coloca,
Prof. José: [...] quando você está preocupado não só com a qualidade,
com a questão técnica, com a questão de ministrar os conceitos;
quando você tá preocupado também com a questão didática, né, muita
coisa você consegue passar para o aluno, acredito que passei bem as
coisas, né, os conceitos, porque você se coloca na posição do aluno,
você está ali sem conhecer nada do assunto, e você precisa conhecer o
conceito e saber aplicar o conceito.
P: E aí, se colocando no lugar do aluno, traçar as estratégias de
como...
Prof. José: De como ensinar aquilo, né, e como fazer o estudante,
como motivar o estudante a estudar aquilo, mesmo aquele estudante
que não gosta do tema, você tenta deixar o estudante bem [...]
motivado, para estudar aquele tema. Você fala da importância do
tema, né, para a vida profissional dele, como a vida profissional de um
modo geral, e começa a ministrar aquilo partindo da completa, ou
quase completa, ausência de conhecimentos sobre o conteúdo.
(entrevista 3, linha 53 à 65)
Em sua fala, o professor elenca alguns quesitos que possibilitam uma boa
aprendizagem, como a “questão técnica”, a motivação e a contextualização do
conteúdo, e é possível perceber a racionalidade técnica que permeia esse discurso, a
valorização da didática numa perspectiva instrumental ratificada no trecho “e começa a
ministrar aquilo partindo da completa, ou quase completa, ausência de conhecimentos
sobre o conteúdo” não considerando que os licenciandos geralmente apresentam algum
conhecimento, mesmo que muito superficial ou alternativo87, sobre Química orgânica88
e esses conteúdos poderiam servir de pontes para aprendizagem significativa,
87
As concepções alternativas são aquelas apresentadas pelos estudantes sobre um determinado assunto e
que diferem das concepções aceitas pela comunidade científica.
88
Conhecimentos advindos do Ensino Médio e avaliados a partir de um exame discursivo específico de
conhecimentos de Química e Matemática que integram a segunda fase do vestibular.
82
ressignificação e/ou aprofundamento, o que requer uma postura que permita o
protagonismo dos alunos.
Quando perguntado sobre os conhecimentos necessários para lecionar as
disciplinas de Química Orgânica da graduação, o professor ressalta sua formação nas
pós-graduações, colocando que esses cursos aprofundaram e amplificaram sua visão
sobre a Química e oportunizaram também uma visão mais inserida no cotidiano. Sobre
esse último aspecto, coloca que o professor deve, com o estudante de maneira geral,
fazer com que “ele compreenda o conceito, saiba usar o conceito” (entrevista 3, linha
93 à 94) e identifique esses conceitos no dia a dia e aponta uma lacuna formativa nessa
questão: “os estudantes89 conhecem o conceito, mas não sabem identificar no dia a dia.
Isso é um buraco enorme” (nota minha, entrevista 3, linha 97 à 98).
Esse tom aplicacionista do Ensino, na perspectiva do professor José, deve
permear também os fazeres dos professores do Ensino Médio, pois ele coloca que esse
professor
Prof. José: [...] tem que conhecer os conteúdos, tá, não tem duvida,
tem que conhecer a parte didática. Mas eu acho que ele tem que
aprender a aplicação daquilo, porque realmente só conhece um
conteúdo quando você sabe aplicar. (entrevista 3, linha 130 à 132).
No trecho “porque realmente só conhece um conteúdo quando você sabe
aplicar” o professor traz à tona um dos objetivos mais almejados no Ensino de Química
para formar o cidadão, que é muni-lo de informações científicas encharcadas de
realidade, possibilitando a tomada de decisões e a emissão de opiniões comprometidas
com seu contexto social.
Obviamente que essa consideração só faz sentido se levo em conta que o valor
da aplicação dado pelo professor supera a dimensão puramente tecnológica para abarcar
também as dimensões sociais, políticas, históricas, econômicas e culturais (CHASSOT,
2004).
A crítica direcionada aos conteúdos curriculares da Química no Ensino Médio:
“há de se fazer um filtro muito grande no conteúdo do Ensino médio, e mostrar como a
Química está inserida no dia a dia das pessoas” (entrevista 3, linha 136 à 137) são
indícios de que essa aplicabilidade vem ao encontro dessas dimensões.
89
Aqui ele faz referência aos alunos da graduação.
83
No entanto, para o professor, essa visão mais profunda e aplicada da Química só
pode ser alcançada se o professor do Ensino Médio buscar uma formação em nível de
pós-graduação,
Prof. José: [...] Eu acho que o professor do Ensino Médio também
deveria fazer uma pós-graduação, é fundamental, porque ele vai ver
alguns conceitos mais modernos que explicam alguns passos que ele
não conseguia explicar com os conceitos que ele aprendeu na
graduação. Isso é muito comum, que a graduação nós não
conseguimos passar todos os conceitos pro estudante, porque a
primeira vez que ele tá aprendendo aquele tema ali como Química
Orgânica, ele não tem maturidade pra absorver todos os conceitos, nós
temos que saber trabalhar com o momento das pessoas, né? E alguns
conceitos são realmente um pouco mais difíceis, né? Então, o
estudante tem uma dificuldade, né? Então, se ele levar apenas essa
visão para ensinar ao professor do Ensino Médio, ele certamente vai
deixar alguns buracos, né, algumas coisas sem explicação. (entrevista
3, linha 162 à 170)
O professor José valoriza a pós-graduação no que tange ao aprofundamento dos
conhecimentos específicos, o que traz, consequentemente para ele, o aprimoramento do
fazer profissional do professor. Na perspectiva do professor, sem a pós-graduação, o
professor deixaria “alguns buracos” ao lecionar.
Ainda na questão dos conhecimentos do professor de Ensino Médio, perguntei
ao professor José em que momento a transposição didática entre os conhecimentos do
Ensino Superior e do Ensino Médio poderia ser trabalhada com o licenciando em
formação, e num primeiro momento o professor colocou,
P: [...]Pensando numa formação ideal, quais seriam as disciplinas que
poderiam trabalhar essa transposição didática?
Prof. José: É, bom, a Química Geral e Inorgânica e Físico-Química,
Orgânica, seriam certamente disciplinas que poderiam fazer isso, né?
Agora, eu sinto um pouco da falta da inserção da Bioquímica nisso aí
tudo, até pra ensinar a biologia ao estudante do Ensino Médio, tá?
(entrevista 3, linha 209 à 215)
Nesse momento o professor se coloca sobre a importância da interação entre a
Bioquímica e a Química Orgânica. Buscando confirmar sua ideia sobre em que
momento a transposição didática poderia ser trabalhada, retomo a pergunta,
P: a transposição didática poderia ser feita em cada disciplina durante
a Licenciatura, ou a transposição didática, ela vai ficar na verdade a
cargo da responsabilidade das áreas pedagógicas?
84
Prof. José: É. Olha só, tem um problema, quando você se forma em
Licenciatura, né, você está apto para trabalhar não só no Ensino
Médio, como também numa universidade particular, ou até
universidade pública. [...] Então, você não pode deixar de ter aquele
conteúdo básico que você pode querer trabalhar assim nas
universidades. Então, você cortar conteúdo, você vai estar limitando a
pessoa na questão de um segmento de atuação, seria dar aula em
universidades, tá? Agora, para trabalhar isso visando ao Ensino
Médio, eu acho que na faculdade de educação, poderia se pegar alguns
conceitos e contextualizá-los no Ensino Médio. (entrevista 3, linha
230 à 241)
No trecho, “quando você se forma em Licenciatura, né, você está apto para
trabalhar não só no Ensino Médio, como também numa universidade particular, ou até
universidade pública” (grifo meu) fica evidente a ideia de que para o professor a
formação oferecida para o licenciando não é adequada para ele atuar nas universidades
públicas, locus consolidado de uma formação de excelência.
Assim como a professora Maria, o professor José remete a transposição didática
para as faculdades de educação, contradizendo a ideia expressa no primeiro momento
em que pergunto sobre a transposição didática. Além disso, o professor compartilha da
noção de que as contextualizações e adaptações que podem ser realizadas nos conteúdos
do nível superior são, necessariamente, fazeres que “cortam” outros conteúdos e que
limitam a atuação do profissional, visão ratificada no trecho abaixo,
Prof. José: Na faculdade de educação, eu acredito. Eu sei que ali
tem suas necessidades, né? Mas eu acho que esse tipo de coisa
trabalhado lá, junto com os educadores, eu acho que daria mais
resultado do que aqui. Nós podemos fazer isso aqui, não é o problema,
a questão é o número de horas que nós temos pra administrar... pra
ministrar uma carga horária muito grande, com muito conteúdo e
como é que nós vamos ainda fazer isso. É muito difícil. (entrevista 3,
linha 244 à 248)
Interessante perceber que a aplicabilidade dos conhecimentos tão valorizada pelo
professor José não tem lugar quando o foco é o licenciando, e que o mesmo se exclui do
grupo de educadores envolvidos nesse processo formativo do professor de Química por
acreditar que esse papel surta mais resultado “lá, junto com educadores”. Outro aspecto
que será discutido posteriormente é o trecho em que ele destaca o número de horas que
o professor universitário tem de administrar.
Acrescento que, quando perguntado sobre o papel da escola na formação do
licenciando, o professor não só coloca como fundamental, como considera que essa
experiência no estágio supervisionado deve estar fortemente ligada à faculdade de
85
educação, ratificando a responsabilidade da transposição didática no trecho “visando
justamente contextualizar o conceito que o estudante aprendeu aqui, e como ele vai
passar para o Ensino médio” (entrevista 3, linha 263 à 264).
A partir de suas considerações é possível perceber que a questão do conteúdo é
de extrema importância para o professor José e que o mesmo considera que a formação
do futuro professor de Química deva ocorrer na Faculdade de Educação.
d) Professora Lucia
A professora Lucia apresenta duas graduações, uma em Licenciatura em
Química e outra em Pedagogia. Diferente das outras análises onde iniciei perguntando
sobre a primeira experiência em sala de aula, questionei nesse caso, se sua ida à
Pedagogia ocorreu por alguma deficiência encontrada na formação da Licenciatura, ao
que ela responde:
Prof. Lucia: Não.
P:
Ou foi um desejo pessoal mesmo de...
Prof. Lucia: Foi assim, foi... O que acontece? Como eu tenho essa
carreira tão diversificada, eu na época, eu precisei trabalhar cedo.
Então, eu fui professora com 18 anos, fiz a faculdade de Química
enquanto trabalhava. Quando concluí meu curso, estava procurando
emprego, e demorei um pouco a conseguir um emprego como
professora de Química, nesse intervalo, eu percebi que no município
do Rio de Janeiro onde eu era empregada, se eu tivesse um curso de
Pedagogia, eu sairia da condição de professora das séries iniciais para
o cargo de nível superior. Então, isso pra mim foi vantajoso.
(entrevista 4, linha 55 à 64)
Apesar da procura pelo curso de Pedagogia ter sido motivada por interesses de
carreira como funcionária municipal, essa busca agregou mais conhecimentos à prática
da professora que, ao perceber minha intenção discursiva, complementa sobre sua
formação na Licenciatura em Química,
Prof. Lucia: Se você me perguntar pela qualidade da minha formação
pedagógica no curso de Química, eu diria pra você que eu sinto sim,
que haveria muitas deficiências, muitas defasagens.
P: Essa é a próxima pergunta [...] Já que você teve formação inicial,
esse contato com as áreas, com as disciplinas pedagógicas como no
seu curso de Licenciatura em Química, em que medida essas
disciplinas contribuíram pra sua atuação como professora de Química
no Ensino Médio?
Prof. Lucia: Pouco, na verdade, pouco. Por quê? Lá na escola normal
que eu tinha cursado ainda muito jovem, eu já tinha, eu já obtive uma
formação pedagógica que eu considero relevante, e eu já tinha uma
experiência docente. Quando fui fazer a Licenciatura, ainda era aquele
86
tradicional modelo 3+1, que hoje em dia já caiu em desuso, felizmente
né, então a gente ia pra Faculdade de Educação, olhar para os
fundamentos da educação pra atuar como professor ou professora,
assim, de uma forma muito descasada da formação de químico, a não
ser a parte de prática de Ensino propriamente, mas que ainda assim
era... um pouco superficial, era vamos dizer... era mais raro. Os
encontros com a professora de prática eram poucos, eram no Colégio
de Aplicação, o meu foi feito na UFRJ [...] com a obrigação de dar
uma aula. Então, aí que você vai pros fundamentos, Psicologia da
Educação, aquela aula de Psicologia da Educação, ela não me
adiantava muito porque eu já tinha feito Psicologia da Educação antes
e de uma forma bem interessante. Filosofia da Educação;
Fundamentos, fundamentos não, a parte de estrutura, legislação e tudo
mais, então essa parte do meu curso, na formação de licenciada em
Química, não foi boa não, não foi boa. E depois a Pedagogia, me
ajudou muito. Quando eu fui pra Pedagogia, aí aprendi mais um
monte de coisas, mas a formação para lecionar, ela era muito
secundária na minha formação como um todo. (entrevista 4, linha 68 à
89)
Assim como a professora Ana, a professora Lucia coloca as mazelas de seu
processo formativo na Licenciatura em Química, como a superficialidade da Prática de
Ensino e a falta de identificação das disciplinas que fundamentam a Educação com as
disciplinas da formação específica da Química.
Sobre os conhecimentos valorizados ao lecionar a sua disciplina, pesquisa e
prática de Ensino, a professora indica a importância da linguagem, do conhecimento
pedagógico e das especificidades do Ensino de Ciências na abordagem CTS (Ciência,
Tecnologia e Sociedade), além do conhecimento epistemológico pelo professor,
Prof. Lucia: [...] o professor é profissional que lida com a fala, com o
texto escrito, não é? Se você não se comunica bem com o seu aluno,
se você não vai de fato ter uma linguagem que o auxilie a construir o
conhecimento, ajudá-lo a se desenvolver, não dá. Você tem que ser
um professor que compreenda que o estudante ele reelabora
conhecimento, então esses aspectos da psicologia da aprendizagem é
tão importante conhecer. ... a epistemologia é fundamental, história e
filosofia das ciências é fundamental, a questão do envolvimento...
desse novo paradigma que a gente tá elaborando, das relações ciência
sociedade. A ciência é parte da cultura, o homem constrói ciência, a
ciência impacta a vida do homem, eu acho que a gente pra ser
professor de Ciências, tem que estar aberto a isso, sem contar a
questão da própria construção do conhecimento científico, sair do
empirismo ... para estar numa experimentação de uma forma mais
construtiva de fato; elaborar hipóteses; testar hipótese. Esses
conhecimentos todos eu acho que tem que estar presentes na formação
do professor. (entrevista 4, linha 102 à 113)
87
A professora Lucia, deixa claro em seu discurso que está a par das discussões
mais recentes da área de Ensino de Ciências, pelo conjunto de contrapalavras que utiliza
para responder a essa pergunta.
Quando desloco o foco para a importância dessa disciplina para o futuro
professor de Química, a professora a coloca como fundamental, uma vez que pode
potencializar a formação do professor que reflete sobre sua própria prática.
Prof. Lucia: [...] Então, quando a gente fala de professor reflexivo,
professor que questiona sua própria prática, que aprende com ela, né,
que reflete no sentido de se autoavaliar, de avaliar durante o seu
percurso docente, frente as suas turmas, que impacto que a sua aula
tem. Formar um professor que reflete sobre a sua própria prática, que
constrói, elabora conhecimento da prática com isso, eu acho que é
super importante. E a prática de Ensino está aí pra isso. Então, como é
que eu vejo um percurso interessante na disciplina prática de Ensino?
Começando por aí, fundamentar a reflexão do futuro professor. A
gente trazer conhecimentos que sejam a base dessa reflexão, pra que a
reflexão não seja achismo. Você reflete, mas reflete porque tem base
pra avaliar sua própria atuação. Então eu acho que é isso, respondi?
(entrevista 4, linha 124 à 132)
A direcionalidade do discurso aqui proferido deve ser considerada. A professora
já havia respondido que considerava sua disciplina fundamental para a formação do
professor reflexivo, mas resolve detalhar sua concepção de professor reflexivo,
buscando da minha parte uma resposta, saber se estava respondendo àquilo que eu
gostaria de ouvir, fato marcado pela entonação expressiva dada ao “respondi?” no final
de sua fala.
Retomando o fato de que essa professora criticou sua formação inicial, centrada
no currículo (3+1), e que essa modalidade formativa permeou durante anos a
universidade, pergunto:
P: [...] Agora, como professora atuante de prática de Ensino, o que a
senhora faz pra tentar afastar essa formação que durante um bom
tempo dominou a universidade? Essa formação, digamos,
fragmentada. Só um adendo, eu entrevistei alguns professores, todos
eles, também como a senhora, com uma larga experiência no Ensino,
né? E eles colocaram também essa deficiência da área pedagógica.
Então, hoje, o que a senhora faz pra tentar ser diferente nessa
formação?
Prof. Lucia: Eu busco resgatar um pouco, quer dizer, recorrer aos
conhecimentos que eu acredito que estejam nas outras disciplinas da
base pedagógica da formação. Então justamente, a psicologia da
aprendizagem, a didática, e a estrutura de Ensino, a organização de
Ensino. Então, a gente vai trabalhando e recorrendo. Agora, é claro
88
que tem um plano pra minha disciplina, né? Então nesse plano da
disciplina, da forma como eu a tenho construído, e sem dúvida que eu
recorro às ementas que a universidade preparou, mas não fui eu que
preparei, não me afasto daquilo. Mas, claro que cada um de nós, tem
uma interpretação e dá o seu toque. (entrevista 4, linha 135 à 147)
Nesse primeiro momento, a professora coloca em seu discurso que procura
resgatar das outras disciplinas os conhecimentos da base pedagógica sem fugir da
ementa proposta para sua disciplina, admitindo que a dimensão pessoal faz parte da
profissão docente, dando “seu toque” à disciplina e complementa posteriormente –
agora de forma mais específica – falando de seus fazeres.
A professora descreve uma metodologia em que o aluno exerce o tempo todo o
protagonismo e segundo ela é levado a refletir sobre sua atuação, ou debatendo os
artigos levados para os encontros ou relatando suas experiências na instituição de
Ensino onde estão estagiando. Nesse movimento, outras questões são colocadas ao
aluno, como as inovações para o Ensino de Química, o papel do professor,
Prof. Lucia: [...] eles vão conhecer a instituição escolar, vão
conhecer a aula, vão conhecer os recursos didáticos, as questões de
inovação que a gente traz ainda aquela coisa de professor, de fato, que
só transmite, porque isso tá muito na linguagem, a gente aprende
muito como aluno, né, a gente se forma professor sendo aluno. Então,
quando o estudante, ela fala: Ah, professora, eu preciso aprender a
transmitir a matéria. A gente começa a desmistificar um pouco isso,
que transmitir, você não vai transmitir não, você é um auxiliar do
aluno, é ele que tá aprendendo. Então, como é que você vai ajudá-lo a
aprender? O que vai fazer pra ajudar? Não é transmitir. Há um
momento da transmissão, você é fonte de conhecimento, o professor é
fonte de conhecimento, ele não pode sonegar isso. Mas ele não é só
fonte de conhecimento, ele tem que ajudar o aluno a recorrer a outras
fontes. Olha o livro didático, olha a internet, enfim, um filme...
(entrevista 4, linha 153 à 162)
Importante destacar a busca da professora em conscientizar o licenciando de que
o professor não é um mero transmissor de informações, e sim um mediador, o que
revela suas concepções construtivistas de ensino, como podemos observar no trecho,
“Ah, professora, eu preciso aprender a transmitir a matéria. A gente começa a
desmistificar um pouco isso, que transmitir, você não vai transmitir não, você é um
auxiliar do aluno, é ele que tá aprendendo”.
A professora continua descrevendo os momentos das práticas de Ensino, onde o
primeiro está centrado na observação do ambiente escolar, como a aula se organiza, as
89
metodologias que o professor utiliza e o que os alunos apontam de positivo e negativo
nesse exercício de observação supervisionada.
Na sequência, coloca a importância dos projetos, como eles se estruturam, a
questão do Ensino em espaços não formais, como museus e centros de ciências, e
culmina no estímulo à escrita de artigos, como produto de todo projeto desenvolvido no
decorrer das disciplinas.
Percebo na estrutura descrita pela professora uma intenção de formar professores
que estejam não só atualizados com as pesquisas educacionais, mas que também
produzam pesquisas educacionais, vindo ao encontro do perfil de professor-pesquisador
colocado nas Diretrizes para formação de professores na UFF.
Com relação à questão da transposição didática, apresento a questão do aluno do
curso de Licenciatura em Química passar durante sua formação por uma série de
disciplinas que encontram eco no Ensino Médio, perguntando qual disciplina ou quais
ela considera que devem ser responsáveis pela transposição didática,
P: [...] Onde se faz a transposição didática? Eu gostaria de saber qual
é a sua opinião a respeito disso, onde se deve trabalhar a transposição
didática?
Prof. Lucia: Eu acho que devia ser compartilhado. Por quê? Se deixar
por conta da didática, a didática vai... A didática vai auxiliar, vai
pontuar alguns aspectos importantes pra que o centro de referência
faça sentido com a ciência escolar.[...] Mas ela não pode estar sozinha,
é aquilo que eu falei a você, os professores das disciplinas que
compõem a ciência de referência, aquela parte específica, eles já
podiam estar [...] trabalhando essa questão do sentido que eu acho que
falta muitas vezes, né? Como um professor está trabalhando,
propriedades coligativas ou questões da termodinâmica. Ele já não
pode dentro da estrutura daquilo que ele... dentro da sua ciência
específica, já não pode estar buscando trazer o sentido? Eu acho que
ele pode estar trazendo o sentido, porque senão depois fica descolado.
Que horas que a didática vai fazer, a que horas, quando, que a didática
vai fazer isso, né? Que horas que a prática de Ensino vai fazer isso?
Seria preciso buscar oportunidades, seria preciso que a prática de
Ensino e a didática, buscassem oportunidade, quando lá na ciência de
referência, a oportunidade vai aparecendo, porque já está estudando
aspectos químicos. Por que não trabalhar de alguma forma a reflexão,
o conhecimento, de que sentido aquilo faz... para as pessoas em geral?
[...] Parece que... Que é muito pura, é uma ciência muito pura, mas ela
não é tão pura assim, visto que ela pode ser importante pra todas as
pessoas. Naquela hora ali que tem que procurar e ir trabalhando, fala
rapidinho, mas fala. (entrevista 4, linha 463 à 494)
A professora Lucia considera que a transposição didática deveria ser trabalhada
de forma compartilhada com a sua disciplina e considera que a disciplina de
90
“referência” (nomenclatura dada pela professora para as disciplinas específicas de
Química) tem oportunidades para isso.
No entanto, no trecho “fala rapidinho mas fala” fica claro a percepção que a
professora recém chegada à UFF possui sobre sua atmosfera de trabalho, permeada pelo
Ensino tradicional, em que debates como esses são encarados como perda de tempo
diante do volume de “matéria” a ser lecionada pelas disciplinas da Química específica.
Segundo a professora, é preciso “conscientizar mais os professores
universitários de que eles também são professores” (entrevista 4, linha 282 à 283) e
sugere que os professores se envolvam em cursos de aperfeiçoamento, palestras e
debates sobre a prática docente para que a formação oferecida melhore.
Culmino esse debate inicial perguntando para a professora Lucia sobre o papel
da escola na formação dos professores,
Prof. Lucia: Ah, é fundamental. Pro bem, pro mal, tem aluno que
vem pra escola, que recebe bem, que o professor é um bom exemplo,
onde eles aprendem nessa observação, muitos truques do cotidiano
docente e serão muito bem vindos. Outros não, outros vão pra escola,
mas eles observam um monte de problemas. Mas até isso também faz
parte da formação, desde que a gente dialogue, na prática de Ensino
leve os meninos a dialogarem, com todo respeito à ética, é claro.
Mesmo que a gente às vezes critique algum ocorrido, eles precisam
ser orientados de que essa observação crítica se existe, ela vai ficar
fechada em quatro paredes, porque a escola nos recebe bem, nos
acolhe, e contribui pra formação deles mostrando qualidade e defeitos,
mostrando onde acerta e mostrando onde erra. Então, temos que
respeitar isso todo tempo. Agora, se eles não estiverem na escola,
como é que eles vão aprender isso? Então, essa parceria com a escola
é fundamental, fundamental. (entrevista 4, linha 299 à 308)
Assim como a professora Maria e o professor José, a professora Lucia coloca o
papel da escola como fundamental. No entanto, ela sugere uma situação que difere
daquela colocada por Maria, onde o estagiário se apresenta apenas como espectador,
sem estar inserido na rotina escolar.
e) Relação entre os professores nesse episódio
Após a análise das opiniões do quarteto de professores entrevistados nesse
episódio, posso perceber algumas similaridades e diferenças, colocadas aqui na forma
de tópicos seguidos das discussões, da mesma forma que realizei pontes entre as suas
91
“impressões digitais”, e que poderão ser retomadas para subsidiarem novas discussões;
são elas:
 A professora Maria e o Professor José, Engenheira Química e Químico com
atribuições tecnológicas respectivamente, pautaram seus primeiros fazeres em
sala intuitivamente, postura semelhante à da professora Ana, quando descreve
sua primeira experiência em sala de aula.
A ausência das disciplinas pedagógicas na formação inicial e no início da
carreira desses professores não significa, necessariamente, que eles tenham realizado
mediações inadequadas em sala de aula, mas potencializa essa possibilidade e pode ter
trazido lacunas formativas para os licenciandos (MALDANER, 2003).
Outra consequência da ausência dessas disciplinas é – dependendo da trajetória
formativa do professor e da influência da comunidade docente da Universidade – a
permanência de uma visão pedagógica restrita da atividade docente, que centra o
processo de Ensino de Ciências na transmissão e cobrança de conteúdos científicos
prontos, acabados e inquestionáveis, em que não há lugar para problemas de Ensino já
que é atribuída ao licenciando a responsabilidade pela ineficiência desse processo
(SCHNETZLER,1994, apud MALDANER, 2003).
Ademais, suponho que, inicialmente, o saber experiencial desses professores foi
se constituindo permeado prioritariamente pelos saberes disciplinares (de sua trajetória
escolar) e curriculares (da atmosfera de fazeres dos seus pares de profissão da UFF),
sendo enriquecido por outros saberes durante sua carreira.
Um adendo sobre a professora Maria: essa professora teve contato com o curso
de Especialização em Ensino de Ciências, que oxigenou em parte suas concepções sobre
Ensino. Coloco em parte devido a hesitação já comentada no início de sua análise sobre
a base de conhecimentos pedagógicos e que se confirma, em outros momentos, por
algumas posições tradicionais com relação à funcionalidade de sua disciplina para o
professor de Ensino Médio.
 As duas professoras Licenciadas (Ana e Lucia) consideram que sua formação
inicial foi deficiente para sua atuação em sala de aula, consequência da
formação pedagógica setorizada à qual as professoras foram submetidas.
92
Essas professoras viveram o dilema do “abandono ou da alienação” citado por
Schön90, no viés do abandono, pois mesmo tendo uma formação direcionada para
Licenciatura, no início de suas carreiras, seus fazeres estavam permeados
prioritariamente pelos saberes disciplinares e curriculares como os professores não
licenciados e acredito que o fato de sua Licenciatura ter sido direcionada ao Ensino
Médio tenha contribuído em alguma medida para esse abandono.
A Universidade carece de cursos de formação continuada para seus próprios
professores, cursos que debatam as especificidades do Magistério Superior, que ponham
em cheque o processo de ensinar e aprender que acontece na prática universitária e que
estimulem a criação coletiva de propostas desvinculadas dos pressupostos que
caracterizam o Ensino tradicional91.
 A transposição didática dos conteúdos para a professora Maria e para o professor
José é de responsabilidade das disciplinas pedagógicas, devido ao formalismo
que permeia as disciplinas do nível superior.
Segundo o professor José, um dos fatores que contribuem para que essa
transposição didática não seja realizada nas disciplinas específicas é “o número de
horas que nós temos pra administrar... pra ministrar uma carga horária muito grande,
com muito conteúdo e como é que nós vamos ainda fazer isso. É muito difícil”. Essa
falta de tempo é uma fala que permeia os discursos de muitos professores e engessa as
possibilidades de melhoria da qualidade educativa.
Entender esse movimento como algo que rouba um “tempo precioso” para
ministrar os conteúdos é também consequência da visão pedagógica restrita aludida no
tópico anterior associada à visão tradicionalista de Ensino, que concebe cada disciplina
como um espaço próprio de domínio de um conhecimento específico, que não admite
“invasões disciplinares” e que – permeados pela lógica de que o aluno aprende ouvindo
e reproduzindo – defende a necessidade de muitas horas de aula para o desenvolvimento
da matéria “em todo seu formalismo” (como disse a profa. Maria).
Segundo a profa Maria, a matematização92 dos fenômenos é uma característica
da disciplina de Físico-Química. No entanto, retomo que todas as equações associadas a
esses apresentam limitações. Afinal, ao contrário do que supuseram os positivistas, a
90
Explicado no tópico 2.3.
Localizados no tópico 2.4.
92
Em outras palavras, a formulação de equações matemáticas que descrevem os fenômenos naturais com
o auxílio de variáveis mensuráveis experimentalmente.
91
93
natureza não é perfeitamente legível e nem previsível, mas sim complexa. Todos esses
modelos matemáticos apresentam raízes epistemológicas que se debatidas poderiam
levar os alunos à compreensão das limitações de cada formulação, mas, pelo que parece,
essa discussão não faz parte do escopo de conteúdos debatidos na disciplina.
Todo conhecimento apresenta raízes epistemológicas que precisam ser debatidas
e contextualizadas historicamente, o conhecimento deve ser percebido como algo
provisório, relativo e transitório. Corroborando com essa visão Chalmers coloca sobre a
ciência aos fenômenos naturais afirmando que,
[...] não há palavra final sobre os fatos e os fenômenos que ela (ciência)
procura explicar. As explicações mudam. Os cientistas sempre estão
dispostos a rediscutir o que “já foi descoberto” e descrever e interpretar sob
novos enfoques o que já era tido como conhecimento, bem como reelaborar e
reinterpretar a sua história. Parece não haver explicação definitiva sobre nada
que diz respeito a algo tão “objetivo” como a natureza. (p. 98, 1993 apud
MALDANER 2003)
Mesmo que vivamos hoje num universo de incertezas em que a complexidade
esteja sempre presente, os futuros professores ainda carecem de uma formação para esse
novo paradigma que estabelece novas relações que contemplam desde os conteúdos até
as formas de lecioná-los. A impressão é que ainda persistem ideias de ciência imutável e
acrítica em muitas disciplinas da Química específica.
 Para a professora Ana, a transposição didática deveria ser realizada (em uma
situação ideal) em todas as disciplinas da Química específica, e a professora
Lucia acrescenta que essa transposição deveria ser compartilhada entre sua
disciplina e as disciplinas da Química específica (categorizada por ela de
disciplinas de referência).
As professoras apresentam uma opinião que vem ao encontro dos princípios
norteadores das Diretrizes Curriculares para Graduação, que, em seu parecer nº
CNE/CES 583/2001 (publicado em Diário Oficial no dia 29/10/2001), assinalam alguns
princípios para formação docente no nível superior, entre esses princípios, o item 7:
Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa
individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades
de extensão;
Essa questão de como o licenciando pode transpor os conhecimentos “mais
avançados” (nas palavras da profa. Ana) de uma determinada disciplina para um
94
público com maturidade ainda em formação (que é o caso dos alunos do Ensino Médio)
pode servir como um incentivo à pesquisa pedagógica e contribuir para a formação do
professor crítico-reflexivo, como apontado nas Diretrizes para a Política de Graduação
na UFF93.
No entanto, isso requer um maior comprometimento por parte dos professores
universitários com a formação pedagógica dos licenciandos, pois, segundo Maldaner,
Os professores universitários se comprometem pouco, muito aquém do
necessário, com essa questão da formação de professores e com a sua
autoformação pedagógica, deixando para um outro grupo, geralmente externo
ao curso, a formação didático-pedagógica de seus alunos que desejam se
licenciar e exercer o magistério. (2003, p.47)
A professora Lucia, concordante com essa questão, colocou que é preciso
“conscientizar mais os professores universitários de que eles também são professores”,
o que ratifica a ideia de que esse comprometimento com a formação pedagógica ainda
não é uma realidade na Licenciatura da UFF.
 As professoras Ana, Maria e o professor José (atuantes das disciplinas de
Química específica) apresentam um perfil de valorização ao conteúdo e revelam
em seus discursos um esforço para contextualizar os conhecimentos específicos.
No entanto, com exceção da profa. Ana, essa contextualização não alcança a
realidade dos licenciandos, a sala de aula, e a falta dessas pontes entre esses saberes
profissionais, ou seja, essa fragmentação, potencializa hiatos na formação docente.
Esse preterimento no que tange à contextualização pode estar associado à crise
profissional que o magistério atravessa (localizado no capítulo 2) e que afeta em alguma
medida as prioridades de contextualização profissional nas salas de aula com turmas
mistas.
Ainda que o licenciando seja preterido, o esforço em contextualizar o assunto é
uma atitude que não só potencializa aprendizagens significativas para o exercício
profissional do licenciando, como também provoca reflexões fundamentais nesse
licenciando sobre o currículo do Ensino Médio.
Ademais, pensando nos desmembramentos dessa atitude, formar professores que
refletem sobre os conteúdos ensinados no Ensino Médio contribui não só para a
melhoria dos modos como esses conteúdos são ensinados, como contempla a avaliação
93
Situado no tópico 1.1, desta Tese.
95
mais lúcida, por parte dos professores, dos obstáculos presentes nos materiais didáticos
oferecidos no mercado.
 A professora Lucia (atuante da disciplina prática de Ensino) confirma esse perfil
conteudista dos professores das disciplinas específicas da Química e coloca que
falta “dar sentido” ao que é ensinado aos alunos do curso.
As ideias expressadas pela professora Lucia refletem a influência dos artigos
mais recentes sobre questões em debate no cenário educacional no que tange à formação
inicial de docentes. Nos últimos 30 anos, essas pesquisas colocam a necessidade de
articular teoria e prática através de um processo contínuo de reflexão crítica de sua
prática (GERALDI et al, 1998; PERRENOUD, 2002; NÓVOA, 1992).
Além disso, “dar sentido” ao que está sendo ensinado (como já colocado no
tópico que alude a transposição didática) passa por uma postura de debate das raízes
epistemológicas daquele determinado conhecimento, para que o licenciando possa ter
uma consciência maior sobre os aspectos históricos e culturais que rondaram a sua
produção e possa desmistificá-lo, percebendo seus sentidos.
 O trio de professores das disciplinas da Química específica (Ana, Maria e José)
valorou suas pós-graduações como momentos da trajetória profissional de
aprofundamento e conexão de conhecimentos da Química; o professor José
acredita inclusive que todo professor do Ensino Médio deva fazer uma pósgraduação.
No entanto, o professor do Ensino Médio é um profissional que lida com três
frentes da Química: Química Inorgânica, Química Orgânica e Físico-Química, e seria
inviável para esse profissional cursar tantas pós-graduações.
Ademais, por trás desse discurso existe a concepção de que cada nível não
possua um objetivo em si mesmo, e que a formação inicial só se torna “completa” com
uma pós-graduação, e o professor bem preparado é aquele que supera essa maratona que
acumula títulos desde o início de sua vida escolar.
Acredito que a formação inicial do professor deveria ser suficiente para que ele
pudesse atuar em sala de aula e que os problemas que surgirão desse cotidiano
complexo poderiam ser discutidos e refletidos por esses profissionais em encontros com
seus pares de profissão em cursos ou programas de formação continuada.
96
Os tópicos levantados aqui buscam retomar conexões relevantes da análise
individual de cada professor entrevistado no episódio em questão, e podem servir de
subsídios para discussões posteriores.
97
6
CAPÍTULO
Nossos dizeres e seus significados II:
o que vejo neste cenário e o arremate
“O quadro é único, a moldura é que é diferente”
Florbela Espanca94
A exploração do cenário de atuação do professor universitário, tema da análise
desse episódio, busca dimensionar a influência da universidade e suas exigências na
atividade docente, amparando algumas considerações já realizadas e suscitando outras.
6.1) O que vejo neste cenário...
Nesse episódio, destaco dos professores entrevistados suas opiniões: sobre o
impacto da reforma curricular no processo formativo docente, sobre seu cenário de
atuação, sobre as dificuldades e demandas que permeiam seu cotidiano de trabalho e em
que medida esses condicionantes influenciam sua atividade docente.
Além disso, busco investigar suas concepções sobre Pesquisa, Ensino e
Extensão, de que forma eles compreendem e valoram essa tríade na Universidade em
que atuam e suas considerações sobre as últimas reformas universitárias.
a) Professora Maria
No caminho discursivo da entrevista, apresento o primeiro momento em que a
professora Maria destaca os aspectos negativos da formação oferecida na UFF após
reforma curricular. Segundo ela, a escola apresenta um papel formativo fundamental
para o licenciando (como dito no episódio anterior). No entanto,
Prof. Maria: [...] O que eu sinto falta é que a universidade, parece
que fica num patamar acima, e aí não há uma interação do aluno que
está sendo formado, com o Ensino Médio, com a escola, digo que tem
que ter o aluno na escola [...] a menos praquele aluno que vai se
virar, vai dar aula no cursinho, no pré-vestibular, pré-vestibular
comunitário. Mas aquela vivência de um projeto, do aluno estar na
94
Florbela Espanca foi uma poetisa portuguesa, frase retirada do site: http://www.citador.pt.
98
escola, vivenciando a escola antes da graduação, né, da apropriação
do grau, eu acho isso importantíssimo entendeu, porque cria um
compromisso. (entrevista 1, linha 116 à 122)
Em seu discurso, a professora coloca a universidade como uma instituição que
ocupa um “patamar acima”, que interage muito pouco com a escola e que se encontra
ainda muito aquém do ideal em termos de projetos que envolvam o licenciando nesse
ambiente. E responsabiliza os estágios supervisionados por não proporcionarem aos
alunos essa inserção reflexiva no cotidiano escolar; em suas palavras,
Prof. Maria: É. Porque os estágios supervisionados passam muito
longe da realidade, acaba sendo assim, sendo Ensino público é meio
que ‘tapa buraco’. E uma escola particular, o estagiário, que seria o
bolsista, né, ele não tem acesso à rotina mesmo de uma programação
de aula, uma lista de exercício, ele é mais observador entendeu?
Então, eu sinto essa lacuna.
P:
Ele ainda está suspenso...
Prof. Maria: É, não está inserido, ele não sabe ainda o que é o dia-adia da profissão. Sai com o título e aí muitas vezes, muitos se chocam,
e aí como tem sempre a possibilidade de fazer complementação pra
Química industrial, pra Licenciatura, eles retornam. Até alunos que
tem potencial, que saíram com uma inspiração...
P:
Alguns até abandonam o magistério...
Prof. Maria: É, o magistério, acho que se isso fosse encaminhado
desde algumas disciplinas da educação, da pedagogia da educação, eu
acho que seria um link entendeu, porque ia ajudar muito na
formação... (entrevista 1, linha 127 à 139)
Nos enunciados proferidos pela professora, é possível perceber seu
descontentamento com a forma como os estágios supervisionados são conduzidos, e ela
coloca uma parcela de responsabilidade sobre esses estágios no que tange à evasão dos
alunos do magistério do Ensino Médio.
Ressalto que as impressões da profa. Maria sobre o andamento dos estágios
supervisionados na UFF foram obtidas de forma indireta, através dos alunos que
orientou nos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Ainda sobre os aspectos
negativos, a professora coloca,
Prof. Maria: [...] acho que como negativo é a falta - até não vão
gostar do que vou falar - mas é a falta de um trabalho conjunto das
disciplinas da Química com as disciplinas da educação. Então, eu
sinto que não há uma coisa conjunta de “vamos trabalhar dessa
forma” ou todo mundo vai... Sabe, até a gente que não é...
Principalmente eu, que sou engenheira Química, na hora de escrever
um artigo, eu gostaria de ter um colega da área de Educação dando um
99
suporte pra me explicar como é que eu faço uma análise de discurso,
que a gente acha que faz ou tenta fazer da melhor forma possível, eu
não tenho aquela vivência, a experiência. Então, a parceria que eu
acho que falta, tanto na formação deles, quanto no próprio curso aqui
de especialização entendeu, é como se fossem duas coisas estanques.
P: E essa parceria, ela é uma carência que no seu ponto de vista
acontece só entre as disciplinas específicas da UFF e as pedagógicas,
ou existe também, às vezes, a falta dessa parceria entre as próprias
disciplinas da formação específica?
Prof. Maria: Também, acredito que também. Não há uma política,
uma visão, como que vai, se quer formar esse profissional, né? Porque
assim, acho que é tudo muito feito na intuição [...] (entrevista 1, linha
235 à 247)
Nesse trecho, a direcionalidade do discurso aos outros professores de graduação
é clara na parte “até não vão gostar do que vou falar” e, consciente de que sua
entrevista seria analisada, retoma a questão de sua formação inicial apedagógica e seu
desejo por um “suporte” advindo de uma colaboração de outros pares de profissão da
área de Educação.
A professora Maria abre uma exceção enquanto elencava os aspectos negativos
da reforma curricular, quando fala sobre a disciplina tutoria,
Prof. Maria: [...] Mas uma coisa muito positiva que eu vi no curso,
nessa reforma curricular, foi que nós criamos tutorias. Então, tem seis
tutorias além da monografia de conclusão de curso. Então, o aluno,
ele vai aprendendo nessas tutorias, a parte de didática também, a
parte de pesquisa, como preparar um pôster, como preparar, usar um
data show, um Power point, seminários. Então, tudo isso de certa
forma é treinado num primeiro momento, em grupo de 4, 5, e aí você
fica acompanhando aquele aluno um ano, na tutoria I e II, depois você
já vai trabalhando mais individualizado. Aí, normalmente o que se
faz? É trazer esse aluno pro seu grupo de pesquisa. Porque você já
trabalhou com ele, aí que vai, o interessante que aí leva esse aluno
pra escola, vai fazer um trabalho de campo, aprende a fazer um
questionário, então acaba realmente criando aquele aluno,
professor/aluno/pesquisador, ele já vai entendendo como se faz uma
pesquisa na área de Ensino, esse tipo de coisa, né, laboratório, escola
entendeu? (entrevista 1, linha 198 à 207)
Ao descrever a funcionalidade dessa disciplina95, a professora valoriza a
instrumentação “como preparar um pôster, como preparar, usar um data show, um
Powerpoint, seminários” e a transposição didática96: “a parte didática também”. E
95
A tutoria é caracterizada como uma disciplina articuladora (definida no capítulo 1).
Destaco que a atribuição da transposição didática à Tutoria, só foi mencionada quando a professora
refletiu sobre os aspectos positivos da reforma curricular. No primeiro momento em que o assunto
transposição didática foi aludido (episódio “ser professor”), a professora não mencionou essa disciplina.
96
100
sugere um caminho de individualização que culmina em uma iniciação científica na área
educacional, pressuposto essencial para formação do professor pesquisador e que
demonstra, por parte da professora, um certo conhecimento das Diretrizes para
formação de professores na UFF.
Retomando aos aspectos negativos da formação, segundo a professora Maria,
Prof. Maria: É. Em termos do curso de Química aqui da UFF, eu
acho que negativo é esse currículo que você está tentando agora
adequar, enxugando mais, né? (entrevista 1, linha 216 à 217)
Esse enxugamento ao qual a professora se refere será discutido mais adiante,
após a relação com a opinião dos outros professores. Na sequência, a professora
destacou ainda a desvalorização do profissional, fazendo uma crítica aos órgãos de
fomento à pesquisa que, segundo ela, se mantiveram reticentes por muito tempo com
relação aos projetos na área de Ensino,
Prof. Maria: [...] hoje a FAPERJ já dá bolsa de iniciação científica
pra quem faz trabalho na área de Ensino de ciência. Até pouco tempo
atrás, até 2008, não tinha. Então, que que o aluno licenciando, ele não
ia buscar trabalhar no projeto na área de Ensino, porque o projeto
não tinha bolsa. Uma minoria até que ia, a gente tinha outros meios de
ter uma bolsa de trabalho, alguma coisa assim, mas não era uma bolsa
oficial PBIC? com reconhecimento... (entrevista 1, linha 218 à 222)
Como aspecto positivo, além da já mencionada tutoria, ela coloca o corpo
docente que é formado em sua maioria por ex-alunos, que “vestem a camisa” e buscam
uma formação de qualidade, apesar da falta de integração.
Partindo para outro aspecto que permeia o cenário de atuação dos professores,
pergunto sobre as exigências que o professor universitário enfrenta em seu cotidiano, e a
tríade Ensino, Pesquisa e Extensão emerge nesse momento,
Prof. Maria: Bom, eu vejo a universidade - eu ouvi essa frase e vou
repetir - a universidade são três pilares: Ensino, Pesquisa e Extensão.
Então eu acho que, principalmente na universidade pública, né? Tem
que ter o compromisso com a Extensão, porque afinal de contas está
recebendo dinheiro do contribuinte, né, na forma de salário, na forma
de equipamento, tudo isso. Então, esses três pilares têm que estar
muito bem equilibrados, né, tem que ter a parte administrativa.[...]
(entrevista 1, linha 255 à 259)
No trecho “eu ouvi essa frase e vou repetir”, a professora busca legitimar sua
declaração trazendo as vozes de seus outros pares de profissão, caracterizando a
polifonia em seu discurso e num movimento permeado pela direcionalidade discursiva
101
coloca a Extensão como uma questão de compromisso que a universidade pública deve
ter com a sociedade, sem perder o equilíbrio com os outros pilares (Ensino e Pesquisa) e
se esforça para manter essa ideia de equivalência dessas dimensões, pois ao questionar
sobre um possível ordenamento ela responde como destacado abaixo,
P: [...] Como você ordena esses três pilares em grau de importância
pra você?
Prof. Maria: Não tem, é universidade. (entrevista 1, linha 295 à 296)
No entanto, essa aparente opinião de equivalência é revelada como irreal, pela
própria conjugação do verbo na resposta seguinte a minha insistência,
P:
então não tem ordenamento?
Prof. Maria: Você teria que ter o equilíbrio, é lógico que é
característica de cada um ter mais facilidade, valorizar até mais, mas
de uma maneira geral pra coisa ser harmoniosa, era que todos
atuassem nas três áreas. Extensão é uma coisa complicada pra fazer
então em termos gerais de UFF, eu vejo que o mais fraco é a extensão,
entendeu? Porque acaba ficando... Se der tempo, entendeu? (grifo
meu, entrevista 1, linha 297 à 301)
A dimensão no primeiro momento valorizada como compromisso da
universidade, parece, segundo a professora Maria, a menos presente na universidade.
Além disso, a professora parece encontrar dificuldades para visualizar suas atividades
de pesquisa pura97 com a extensão, principalmente quando relata sua experiência na
comissão de extensão da universidade,
Prof. Maria: [...] pra uma pesquisa mais pura, mais acadêmica a
nível de laboratório, não estou dizendo que a outra seja mais
importante, mas o perfil é diferente. E aí fica difícil fazer a extensão,
né? Eu fui até representante na UFF, da comissão de extensão da
universidade, entrava muda e saía calada, porque eu achava que o
que eu podia estar fazendo ali, o pessoal da área de humanas tinha
muito mais a ver com a extensão do que uma Química podia
contribuir. Então, muitas vezes achava os projetos maravilhosos e não
conseguia me enquadrar ali como sendo... e hoje não, né? CTSA tá aí
pra isso, né? Agora você tem ciência, tecnologia sociedade e
ambiente. (entrevista 1, linha 304 à 310)
A professora revela em seu discurso a dificuldade enfrentada por ela na
visualização do retorno que as pesquisas ditas “mais puras” têm para com a sociedade
na forma de projetos de extensão e relata que o movimento CTSA auxiliou-a nessas
reflexões.
97
De acordo com seu próprio discurso, a pesquisa pura se enquadra nas atividades de pesquisa realizadas
em laboratórios acadêmicos.
102
Ademais, é importante comentar que a professora demonstra conhecimento
sobre o movimento reconhecidamente importante na área de Educação em Química,
denominado Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente98 e o valora como uma
iniciativa importante nessa conexão entre a universidade e a sociedade.
Percebendo o juízo de valor com relação à Extensão, procurei fazer com que a
professora mensurasse o grau de relevância do Ensino e da Pesquisa,
P: Se nesse sentido mais fraco é a Extensão, qual seria o mais forte?
Pesquisa ou Ensino?
Prof. Maria: Olha, em captação de recursos é pesquisa, porque
ainda é quem banca a universidade. (entrevista 1, linha 311 à 312)
Diante do apontamento da pesquisa como responsável pela captação de recursos
para universidade, retomo o trecho da entrevista em que a professora localiza a cobrança
dos relatórios de avaliação institucional (comentados no capítulo 1) e os incentivos
salariais (pró-labores) oriundos dos projetos de pesquisa e suas consequências na
atividade docente,
Prof. Maria: [...] Mas hoje, a cobrança, né, porque os indicadores
todos hoje, é produto, é trabalho publicado. Então, o que acontece,
ainda tem a bolsa do CNPQ, né? Que muitas vezes na forma de
melhorar o salário, o rendimento, é pleitear bolsa do CNPQ, e aí você
tem que estar em outro patamar de publicação, então você tem. Mas,
pra alcançar isso, você tem que fechar os olhos pras outras atividades.
Então, você não quer dar mais do que oito horas, você às vezes quer
escolher disciplinas, então você fica um tempo enorme na mesma
disciplina, porque aquilo já está incorporado, já tá no DNA, né, então
você já não tem o mesmo trabalho do que um curso novo né, exige
você preparar. Então, é um complicador a questão, não digo que ele
não é importante não, ele é importante sim. Acho que qualquer coisa
tem que ser avaliado, qualquer coisa tem que ser mensurado, mas tem
que ser dosado, né? (entrevista 1, linha 263 à 272)
Como relatado pela professora, as instituições de fomento à pesquisa exigem,
para conceder bolsas de pesquisa, um nível de publicações que despende tempo e
dedicação dos docentes, e “fecha os olhos” desses profissionais para outras atividades
(como o Ensino), fazendo com que os mesmos escolham disciplinas que já lecionaram,
para evitar a preparação de novas aulas.
Mesmo diante da forte influência da pesquisa na diminuição da dedicação do
docente ao Ensino, a professora destaca que ainda assim essa influência é positiva, pois
98
Esse movimento, permeado por pressupostos construtivistas, busca problematizar nos currículos
ensinados (através de novas propostas e projetos de ensino) os impactos da Ciência, da Tecnologia e dos
modos de vida contemporâneos no meio ambiente e na sociedade (CHASSOT, 2004).
103
agrega informações de vanguarda à área em que o professor atua, e essas atualizações
podem ser compartilhadas em sala de aula, como colocado no trecho,
P: Você acha que de alguma forma prejudica a atividade docente,
com relação à preparação ou coisa do tipo, como é que a senhora
avalia isso?
Prof. Maria: Não assim, sempre contribui, porque eu acho que a
partir do momento que você está fazendo pesquisa, seja em que área
for, ou na questão só de didática ou na pesquisa pura de Química, né?
Você faz coisa de ponta, e aí você tem oportunidade de levar pra sala
de aula, não uma Química do século retrasado, mas levar
nanopartícula entendeu, levar uma coisa que é atual. Então eu acho
que isso só tem a contribuir. Tem aqueles colegas que não querem, só
enxergam pesquisa e que acha que é dissociado, né? mas eu acho que
você tem sempre a contribuir com novidades, que você está na área de
educação, você está lendo e aí você está sempre trazendo alguma coisa
nova, né? (entrevista 1, linha 285 à 293)
A professora em seu discurso considera que a pesquisa e o ensino são
indissociáveis, uma vez que a primeira contribui para atualização dos conteúdos pelo
advento das publicações sobre um determinado assunto e destaca a presença de
professores que não conseguem realizar essa articulação entre ensino e pesquisa. No
último tópico de discussão conjunta das entrevistas, retomarei esse ponto da
indissociabilidade.
b) Professora Ana
A professora Ana atuava como coordenadora do curso na época das reformas
curriculares e conduziu todas as discussões colegiadas sobre essa reforma, sendo, por
essa razão, imediata a sua resposta quanto aos aspectos positivos e negativos da
formação docente oferecida,
P: [...] no seu entendimento, as reformas realizadas na Licenciatura,
melhoraram, pioraram, ficou a mesma coisa, com relação à formação
dos professores?
Prof. Ana: Bom, eu sou suspeita para falar, porque aquele currículo
era, foi mais um filho meu né, então, eu realmente me dediquei àquela
reforma curricular né, bati de frente com muita gente ali né, criei, no
final eu acho que não, no final eu tinha vários amigos né, mas no
início foi uma coisa assim, eu achei que eles iam me destituir do
cargo, foi uma guerra muito grande, mas, eu, na minha opinião,
melhorou muito, a qualidade, não só de Licenciatura, dos cursos [...]
(entrevista 2, linha 286 à 293)
104
Quando inicia com “eu sou suspeita para falar”, ela já assume que sua resposta
é influenciada pelo seu grande envolvimento e dedicação no processo, defendendo a
proposta de reforma diante de muitos professores resistentes.
A professora justifica essa grande melhora, pois, com a reformulação curricular,
o aluno do instituto de Química passou a ter identidade, a reconhecer o instituto como
sua “casa”, e essa mudança na relação proporcionou um aumento considerável de
alunos envolvidos em monitorias e iniciações científicas, também potencializado pela
obrigatoriedade de orientadores para os Trabalhos de Conclusão de Curso dos
licenciandos, aumentando o vínculo desses alunos com os professores. Em suas
palavras:
Prof. Ana: [...] Então, ele não tinha identidade, ele não reconhecia o
instituto de Química como sendo a casa dele, ele não tinha espaço
para monitoria, pra iniciação científica, e com a reforma curricular a
gente abriu esse diálogo, então, se você for ver, fizer um levantamento
de quantos monitores nós tínhamos e de quantos alunos de iniciação
científica que nós tínhamos, antes e depois da reforma, isso foi um
crescimento, assim, muito grande, porque? Por mais que as pessoas
critiquem, “ah, porque é uma perda de tempo, era isso e aquilo”, mas
era onde a gente abria espaço, o aluno tinha que fazer a monografia e
tinha que ter um orientador e aí ele tinha, e aí ele...
P: Acabava se envolvendo...
Prof. Ana:
Desenvolvendo, e ele ia se
envolvendo, e aí você tinha em termos de Química muitos alunos, a
iniciação científica assim foi um negócio muito interessante, como
aumentou a quantidade de alunos né, na iniciação. É, o aluno de
Química passou a ser exigente dentro do curso tá, porque agora era a
casa dele, era o curso dele... (entrevista 2, linha 298 à 309)
Além desse aumento no envolvimento de professores e alunos, a professora
colocou outros ganhos, como disciplinas formadas só por alunos de Química (Bacharel
e Licenciatura) e dá um tom negativo às turmas mistas constituídas por outros alunos
(como os da turma de farmácia), talvez por entender que as turmas mistas dificultam a
construção dessa identidade pretendida pelo novo currículo.
Os ganhos para os licenciandos foram muito mais pronunciados, pois, segundo
a professora, o licenciando tinha “vergonha” de fazer o curso,
Prof. Ana: [...] era vergonha fazer Licenciatura né? Então, eu acho
que a reforma curricular o principal ganho foi esse, o aluno de
Química realmente se integrou ao curso de Química, em relação à
Licenciatura, eu não tenho dúvidas tá, enquanto você tinha alunos
com vergonha de dizer que eram licenciados, assim,“eu faço
Licenciatura porque você sabe como é que é né?” . Ele não admitia
que ele estava fazendo Licenciatura, [...] Depois de um tempo: “eu
105
vou fazer Licenciatura, eu quero fazer Licenciatura”, porque desde o
primeiro momento ele já estava se envolvendo né, ele começou
fazendo a psicologia da educação e a estrutura de funcionamento lá
nos primeiros semestres, então, no início ele já estava na faculdade de
educação, e mais a carga aqui com a gente né e ia municiando, “você
quer fazer Licenciatura, então, como é que a gente vai trabalhar
isso”, colocando disciplinas de metodologias de instrumentação
dentro do currículo que não existia, né? Então, ele tinha na Faculdade
de Educação e tinha o instituto [...] eu acho que para o licenciado foi
um ganho muito grande. (entrevista 2, linha 316 à 327)
Outro aspecto mencionado foi o fato de nesse novo currículo o aluno estabelecer
contato com as disciplinas pedagógicas nos semestres iniciais, possibilitando uma
relação maior entre os conteúdos da Química e da Pedagogia e o maior envolvimento
dos professores com a Licenciatura, potencializando algumas parcerias entre os
conteúdos das disciplinas específicas de Química e das pedagógicas (se posicionando de
forma contrária à professora Maria).
Houve um aumento de projetos entre professores e alunos nas Licenciaturas, e a
professora coloca os investimentos governamentais como um dos fatores importantes
para esse crescimento,
Prof. Ana: Bom, os pontos positivos, essa relação que começou a
haver entre os conteúdos de Química e os conteúdos pedagógicos
P:
que antes não existia...
Prof. Ana: que antes não existia, a integração de alguns
professores que realmente perceberam a importância disso e
começaram a se envolver com a Licenciatura.[...] E teve uma coisa
que ajudou nesse ponto, também. Isso ajuda a qualquer projeto
universitário. Na hora em que você tem dinheiro rolando fácil numa
determinada área, você vê que você tem um crescimento naquela
área. E o governo investiu muito nos projetos, né, de formação por
conta da grande deficiência [...] (entrevista 2, linha 347 à 358)
Como aspecto negativo, a professora destaca alguns professores que mesmo
diante da reforma e dos incentivos governamentais para o envolvimento com a
Licenciatura se mantiveram reticentes a todo o processo.
Prof. Ana: [...] Aspectos negativos, alguns professores estiveram
muito reticentes a isso, e eu realmente fico muito preocupada com o
futuro da Licenciatura, se não tiver pessoas dentro da unidade, em
qualquer universidade, que realmente continuem engajadas nesse
processo de valorização do magistério de uma visão diferente, uma
visão de realmente de formação de professores, eu tenho uma
preocupação grande que isso...
P:
Comece...
106
Prof. Ana:
380)
Comece a reverter (entrevista 2, linha 374 à
A professora acredita, mesmo diante dessa preocupação no que tange à falta de
engajamento de alguns professores, que se os investimentos na área de educação forem
mantidos, é provável que essa reversão não ocorra, como apontado no trecho,
Prof. Ana: [...] se bem que foi o que te falei, enquanto o governo tiver
injetando dinheiro na formação de professores, os próprios
pesquisadores estão percebendo isso e estão, então você tem hoje um
número de, vários professores envolvidos, né? Na educação, porque?
é onde você tem, você tem bolsa pra professor, você tem bolsa pra
projetos, você tem projetos com valores altíssimos de financiamento
para formação de professor, foi um incentivo bastante grande...[risos]
(entrevista 2, linha 383 à 387)
Finalizo a análise dos aspectos positivos e negativos do currículo, resgatando a
questão da disciplina tutoria, por perceber que as professoras que ministraram essa
disciplina (Ana e Maria) apresentavam uma conversa comum sobre sua funcionalidade.
Da mesma forma que a professora Maria, a professora Ana coloca a tutoria
como um aspecto positivo do currículo, pela possibilidade de realizar as transposições
didáticas no turno noturno,
Prof. Ana: [...] que eu fazia na tutoria? eu pegava um tópico de
Química geral, dividia a turma em grupos de dois alunos né, dava um
tópico de Química geral, que a tutoria I e tutoria II estavam vendo
Química Geral e logo depois iam ver a Química Orgânica, então, a
gente tinha o conteúdo e aí a gente trabalhava durante o semestre
inteiro, como transformar aquele conteúdo que eles estavam
aprendendo, como é que eles dariam a aula, então, entregavam um
trabalho e faziam um seminário, né? [...] então, era uma disciplina que
começava no primeiro semestre, então a gente ia, em um primeiro
momento a gente fazia um seminário, em um segundo momento eles
tinham que fazer aquilo sobre a forma de um pôster, em um terceiro
momento era só um trabalho de escrita e a gente vai montando a
complexidade (entrevista 2, linha 197 à 206).
A trajetória metodológica descrita pela profa. Ana sobre a tutoria é bem próxima
à descrita pela profa. Maria. Essa disciplina é classificada pela profa. Ana como “uma
espiral durante o curso que acabavam culminando com a monografia, aonde você vai
fazendo a formação dos professores” (entrevista 2 – linha 230 a 232), o que demonstra
seu conhecimento sobre a função articuladora desse componente curricular.
107
No entanto, a professora destaca que, no que tange à atuação do Instituto de
Química e à Faculdade de Educação, houve um descompasso entre a proposta inicial (de
integração entre esses dois institutos) e o que se desenvolveu na prática, como colocado
no trecho,
Prof. Ana: [...] isso em conjunto com o Instituto e a Faculdade de
Educação. Foi muito mais o Instituto do que a Faculdade de
Educação... foi muito mais o Instituto de Química do que a Faculdade
de Educação, na verdade eu consegui levar algumas pessoas para dar
palestras, enfim, mas a ideia era essa, era juntar o Instituto com a
Faculdade de Educação e desde o início a gente ir fazendo esse
trabalho com eles, entendeu. Leitura de artigos de educação,
trabalhos aonde ele pegasse o conteúdo e tentasse transpor para o
Ensino Médio, a ideia era muito boa mas a aplicação foi meio,
P:
Não foi tão,
Prof. Ana:
Não, não. (entrevista 2, linha 231 à 239)
Mais adiante, no tópico em que analiso o conjunto das análises desse episódio,
retomarei essa questão da falta de integração.
Partindo para a questão da tríade Ensino, Pesquisa e Extensão, diferente da
professora Maria, que buscou de início retratar na equivalência dessas dimensões o
princípio para o funcionamento harmonioso da universidade, a professora Ana ordena
essas dimensões de forma direta como podemos perceber no trecho,
Prof. Ana: Pra universidade hoje? Eu acho que a importância
maior e que gera mais recursos pra universidade e o que ela está
mais interessada é a pesquisa, não tenha dúvidas, isso em função
basicamente do... né? Então em primeiro lugar você tem a pesquisa,
que traz recursos pra universidade, que projeta o professor na
comunidade, isso é para o professor extremamente importante né,
então eu acho que ele dá muito mais importância à pesquisa, por ser
uma coisa maior, mais importante, mais bem vista né? Em segundo
lugar, o Ensino né, que ele obrigatoriamente ele tem que dar aula,
independente se ele está dando aula na graduação ou pós graduação
ele tem que ter uma carga horária, né? Obrigatória... E a
extensão...eu acho que é considerada a menos importante, até um
pouco depreciada, apesar de que em determinadas áreas, eu acho que
a extensão seja extremamente importante... (entrevista 2, linha 478 à
490)
O ordenamento proposto pela professora Ana foi o mesmo da professora Maria,
colocando a extensão como a atividade que ocupa o último grau de importância.
Interessante notar que a professora Ana destaca a projeção que a pesquisa proporciona
ao professor junto à comunidade acadêmica, colocando o Ensino como uma atividade
obrigatória do professor, mas situada entre a pesquisa e a extensão.
108
Diante da importância dada à Pesquisa, retomo o trecho em que a professora
relata a evolução dos processos seletivos na universidade, destacando a importância
essencial do doutorado nos processos atuais e as consequências dessas novas
exigências,
Prof. Ana: [...] Hoje, pra você ser um professor universitário, e aí por
que determinadas áreas optaram por isso, justamente pra você não
pegar um professor lá no início da... com a graduação e aí ele vai
passando por tempo independente de ter uma formação ou não, em
determinadas áreas, principalmente determinadas áreas com pesquisa
muito forte, você só tem concurso pra adjunto, no mínimo, tem que ter
o doutorado, e pra pesquisa é muito bom, você já pega o pesquisador
pronto, porque não só tem que ter o doutorado como ele tem que ter
um projeto de pesquisa, defender um projeto de pesquisa, que é o que
ele vai implantar na hora que ele entrar lá dentro. Mas tem um lado
muito negativo. A gente está contratando professores que não sabem
dar aula, porque assim como eu entrei graduada, peguei uma turma
de 50 e tinha lá minha fichinha, né? e tinha que estudar e tinha que
pegar 300 livros pra preparar a aula, porque, eu tinha o conteúdo
mas não tinha a experiência, Como que eu vou passar isso pro aluno?
Como é que eu vou preparar a aula, juntar vários conhecimentos?
Fazer o aluno perceber, pensar? Então, tem pesquisador que passou a
vida dele inteira ali: graduação, mestrado, doutorado, só na área de
pesquisa, nunca deu uma aula, ou se deu foram 6 meses 1 ano de
aula, aí ele acha que o aluno né? de Química geral tem que entender
mecânica quântica... (entrevista 2, linha 416 à 429)
Em seu discurso, a professora ressalta que essa valorização da titulação traz
benefícios para a universidade, pois agrega ao seu corpo docente “o pesquisador
pronto” mas traz um ônus, “A gente está contratando professores que não sabem dar
aula”. Interessante notar que a profa. Ana ratifica a ideia de que para saber dar aula é
preciso somente um bom conhecimento da matéria e organização para reproduzir os
conteúdos, como destacado no trecho “porque assim como eu entrei graduada, peguei
uma turma de 50 e tinha lá minha fichinha, né? e tinha que estudar e tinha que pegar
300 livros pra preparar a aula, porque, eu tinha o conteúdo mas não tinha a
experiência”.
Com relação ao desmembramento dessa tríade no cotidiano docente, a
professora Ana coloca que o professor envolvido com projetos de pesquisa traz
investimentos para a universidade e acaba tendo sua carga horária em sala de aula
reduzida, ainda mais se o mesmo complementar sua carga nos cursos de pós-graduação,
diminuindo consideravelmente seu envolvimento com os licenciandos.
Nesse sentido, pergunto se isso não influencia (num tom negativo) a atuação do
professor em sala de aula, como colocado,
109
P: Isso então influencia de forma direta, na atuação desse professor
em sala de aula?
Prof. Ana: Influencia, Anderson... Mas depende muito do
professor...
P:
Entendi
Prof. Ana: Você tem excelentes pesquisadores e aí na hora que
você tem um professor, que acredito eu que é uma pessoa inteligente,
uma pessoa acessível que tem cultura para também se formar um bom
e ser um bom professor então eu acho, do ponto de vista do meu
departamento, que a gente tem conseguido isso, porque também
pensar naquele professor que está mais dedicado à sala de aula e por
isso ele vai ser um bom professor, pelo menos no meu departamento a
gente não vê isso, aqueles professores que não estão envolvidos em
pesquisa, independente de ser na área de educação ou na área de
Química, são professores que dão aula, aula, são professores que são
escalados pra engenharia básica, porque eles também não estão
envolvidos... Eu sinceramente, quando eu fazia minha distribuição de
carga horária eu dizia, não quero esse, esse e esse professor dando
aula pra Química. Porque apesar de serem professores que tinham
uma alta carga horária na graduação, porque não faziam pesquisa,
queriam lecionar? Muito pelo contrário. Então eu acho que o modelo
apesar das discussões, ainda é melhor do que o modelo que nós
tivemos durante um certo tempo. Que você tinha um graduado
entrando e não sendo obrigado a se formar, progredindo...
P:
progredindo por tempo e não por, entre aspas,
merecimento (entrevista 2, linha 456 à 472)
A professora Ana, assim como a professora Maria, aponta para a diminuição do
envolvimento do professor com a sala de aula de graduação devido à pesquisa que
realiza e, concordante com Maria, acredita que, apesar disso, esse fator favorece para
uma boa atuação em sala de aula, pois como relatado pela professora Ana o pesquisador
é “uma pessoa inteligente, uma pessoa acessível que tem cultura para também se
formar um bom e ser um bom professor”, o que reforça a ideologia de que o professor
pode aprender a dar aula somente na prática, sem conhecimentos pedagógicos prévios.
Segundo a professora, o professor que atua somente em sala de aula na
universidade é escalado para disciplinas de formação mais panorâmica, por não
demonstrar um envolvimento, uma preocupação com a qualidade de suas aulas.
c) Professor José
A questão do conteúdo é marcadamente importante para o professor. Quando
perguntado sobre os aspectos positivos e negativos da reforma curricular, ele ressalta os
negativos,
110
Prof. José: Olha, eu acho que a questão assim, negativa, é que os
cursos de Química, e também Farmácia, ficaram muito generalistas,
generalistas em excesso, né? E, com isso daí, isso claro, com
orientação governamental, né, levou aos estudantes, aí não só de
Licenciatura tá, até o de bacharelado, levou os estudantes a terem uma
formação um pouco mais fraca, porque eles são mais generalistas e
não sabem explicar pontos mais específicos, e ele precisa fazer isso
para depois saber como vai proceder para ministrar a aula no segundo
grau, né? Então, eu acho que o grande problema tem sido esse daí tá,
algum currículo que está generalista demais, e comprometeu
seriamente, na minha opinião, a qualidade e formação do estudante,
tá? Isso eu tô falando da parte de Química, e a parte de Licenciatura
eu não conheço. Mas, em Química eu noto muito isso, não foi só com
o pessoal de Licenciatura. E na questão de Licenciatura, por exemplo,
eu vou citar uma disciplina que eu não entendo até hoje porque é
ministrada para Licenciatura, é aquela Química Quântica. Você
certamente não vai ensinar hoje, no Ensino médio tá, não vai ministrar
qualquer conceito de Química Quântica. Então, não concordo que
essa disciplina seja obrigatória para um estudante de Licenciatura em
Química. (entrevista 3, linha 181 à 193)
O que foi destacado como um movimento de busca de identidade curricular pela
professora Ana foi colocado como um movimento empobrecedor em termos de
conteúdos pelo professor José e pela professora Maria, mesmo com a presença de um
conteúdo muito presente nas tecnologias atuais, como a Química Quântica.
O professor, em outro momento da entrevista, retoma essa crítica quando eu o
questiono sobre a reforma curricular no currículo da Licenciatura em Química,
Prof. José: Olha, a reforma, ela tornou a formação mais generalista,
diminuiu sem dúvida o conteúdo. E quando diminuiu o conteúdo, eu
tenho detectado claramente que os estudantes, e depois claro, futuros
profissionais, eles saem com problemas sérios de formação. Eu tive
estudante aqui tentando recristalizar líquido [...] a formação
generalista, ela tá suprimindo alguns conceitos que são fundamentais
pra Química. (entrevista 3, linha 270 à 279).
Segundo o professor, esse movimento de enxugamento dos conteúdos além de
empobrecedor compromete e muito a formação do futuro professor de Química, que
deveria ser formado como um Bacharel. A adequação do currículo que busca atender às
demandas profissionais do futuro professor de Química é um dos principais problemas
ocasionados pela reforma curricular,
Prof. José: [...] Porque essa pessoa que se forma em Licenciatura,
ele pode ser formado também em bacharel, ela pode querer de hoje
pra amanhã trabalhar numa indústria, por que não, né?
[...]
111
P: Nesse movimento então de adequação ao perfil, o senhor acredita
que foram retirados muitos conteúdos da formação do químico que
eram essenciais então. Só pra fechar.
Prof. José: Sem dúvida. Esse pra mim é o principal problema
ocasionado pela reforma curricular. (entrevista 3, linha 281 à 296)
Apesar de acreditar que era necessária uma reforma curricular, o professor
defende uma reforma de outro tipo, segundo ele, o resultado dessa reforma não foi
satisfatório em termos formativos e considera que esse movimento tenha sido uma
imposição do MEC, semelhante ao que está ocorrendo na pós-graduação, com uma
tendência de aligeirar a formação do pós-graduando.
Entretanto, a reforma curricular nas Licenciaturas foi desencadeada por uma
necessidade apontada em diversas pesquisas no que tange à vivência do licenciando no
ambiente escolar, buscando uma formação que se afaste da setorização dessa vivência
apenas nos estágios supervisionados. Esse movimento subsidiado pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (1996) e pelo Parecer do Conselho Nacional de Bases da
Educação Nacional (NNE/CP 28/2001) estende a carga horária destinada à prática de
Ensino e ao estágio supervisionado para 400 horas cada, obrigando as universidades a
se adequarem às novas exigências.
No que diz respeito ao seu cotidiano, o professor José coloca que o professor
universitário hoje tem que estar em constante atualização, e essa se dá por intermédio da
pesquisa científica, pela bagagem de leituras atuais que ela proporciona sobre um
determinado assunto, melhorando a qualidade da aula. E justifica a contratação de
professores doutores como um movimento de valorização da pesquisa na universidade
que gera conhecimento.
Nesse viés, perguntei sobre as outras atividades que o professor universitário
desempenha em seu cotidiano,
P: Além da pesquisa assim, no seu cotidiano, quais são as outras
atribuições que tomam tempo do professor universitário?
Prof. José: Nossa! Olha, eu não vou colocar as aulas, porque aula não
encaro como tomar tempo, aula é um prazer sempre, é muito gostoso
ministrar aula, é uma hora que na verdade a gente, vamos dizer assim,
relaxa entre aspas. Na verdade, não é relaxar, você tem
responsabilidade enorme, mas eu encaro como sempre um prazer falar
em Química [...] o que me leva um bom tempo pra fazer isso, é que eu
gosto de preparar a aula, então minhas aulas são sempre preparadas,
sempre atualizadas de semestre a semestre, eu não repito aula, eu
gosto de fazer isso, gosto de propor novos experimentos, novos
métodos. Então eu sempre estou lendo, tá, lendo livros, lendo artigos,
fazendo de tudo para ministrar uma aula mais interessante.
112
P: Fora isso, deve ter possivelmente os projetos...
Prof. José: Claro, gestão de projetos de pesquisa, contratar pessoal
de pós-graduação, tem cargos na universidade, tem cargos na
Sociedade Brasileira de Química, nós temos muitas, mais muitas,
muitas, atribuições essas sim nos tomam um tempo muito grande, eu
acho que, por exemplo, um chefe de departamento não deve ficar
olhando pra ver onde está o vazamento no banheiro. Vazamento no
banheiro, você pode botar um administrador no instituto, isso é a
função dele. Os chefes de departamento deveriam fazer o quê? Ao
invés de ficar olhando vazamento em banheiro, se tem luz ou não?
Pensar em políticas educacionais catalisar discussões nesse sentido,
não só chefe do departamento, mas diretores do instituto, né?
(entrevista 3, linha 326 à 344)
Mesmo que a docência seja apontada pelo professor José como um prazer, ele
mesmo a coloca como uma atividade que requer leituras para o aperfeiçoamento da aula
e após ouvi-lo elencar as inúmeras outras atividades que rondam seu cotidiano –
algumas inclusive que fogem das atribuições do professor – perguntei em que medida
essas demandas influenciam sua atividade em sala de aula,
Prof. José: Enfim, sem dúvida, vão atrapalhar, porque são papéis que
eu não deveria estar fazendo. É claro, se eu estou fazendo esse tipo de
trabalho, eu hoje estou lendo menos. (entrevista 3, linha 354 à 364)
Segundo o professor, essas atividades atrapalham inclusive sua preparação para
aula. Caminhando para as dimensões Pesquisa, Ensino e Extensão presentes na
universidade, pergunto ao professor como ele as ordena,
Prof. José: Todos as três são igualmente importantes, igualmente. Eu
não vejo uma mais importante do que a outra. Eu gosto mais de
Pesquisa, mas entendo que o Ensino e a Extensão também são
fundamentais. A Extensão que todo mundo fala menos, né, é a bela
oportunidade que a universidade tem, né, de exteriorizar tudo aquilo
que ela faz, né, e de mostrar às pessoas para que nós servimos, então...
P: O senhor coloca essas três dimensões no mesmo patamar.
Prof. José: No mesmo patamar. (entrevista 3, linha 374 à 379)
O professor José, da mesma forma que a professora Maria, não hierarquiza essas
dimensões num primeiro momento, mas coloca seu apreço pela pesquisa e acha que a
extensão tem um papel importante, “A Extensão que todo mundo fala menos, né, é a
bela oportunidade que a universidade tem, né, de exteriorizar tudo aquilo que ela faz,
né, e de mostrar às pessoas para que nós servimos”.
No entanto, ao perguntar se esse equilíbrio existe na universidade atualmente, o
professor retruca,
113
Prof. José: Ah [risos], aí agora é outra pergunta. Não, claro que não.
O patamar principal hoje, que as pessoas veem a universidade na qual
eu não concordo, não concordo com essa posição, é pesquisa
científica. Todo mundo hoje só fala em pesquisa científica, porque
essa é que na verdade traz dinheiro pra universidade, tá? Então, é
basicamente...
P:
Pesquisa é a que move...
Prof. José: Pesquisa é o que move a universidade, né? Até porque o
financiamento do Governo Federal dá no ato. Nisso a extensão ficou
como algo que tem poucas pessoas dedicadas à extensão, e o Ensino
quase que como um castigo, quem não faz pesquisa que vá dá aula.
(entrevista 3, linha 380 à 388)
Concordante com as professoras Ana e Maria, o professor aponta que na
realidade universitária atual, a pesquisa é a prioridade. Não que essa dimensão não
mereça destaque, mas o papel formativo é por vezes deixado de lado ou, como colocado
pelo professor José, valorado como castigo para os professores que não atuam na
pesquisa, “quem não faz pesquisa que vá dá aula”.
d) Professora Lucia
A professora Lucia não viveu a época da reforma curricular da Licenciatura em
Química da UFF, no entanto, o trabalho desenvolvido por sua disciplina requer
parcerias, seja com outras instituições de Ensino (como escolas e colégios de nível
médio) seja com outras disciplinas da área de Química. Dessa forma, utilizei esse tema
como fio condutor para as questões do cenário universitário,
P: ... como a senhora avalia a participação, as parcerias com outros
professores e outras disciplinas que estão presentes na formação do...
Prof. Lucia: Dentro da universidade?
P:
É, na Licenciatura em Química...
Prof. Lucia: Infelizmente elas são pequenas [...] Essa interface... a
estrutura da universidade não ajuda. Nós estamos muito mais isolados
no nosso próprio trabalho dentro da universidade, do que um professor
de Ensino médio. O professor de Ensino médio, a escola ainda faz
algum movimento, tem reunião pra discutir. A universidade deixa a
gente mais, vamos dizer, livre, mas o ser livre também é ser sozinho.
(entrevista 4, linha 190 à 199)
A professora Lucia levanta uma questão importante que acaba influenciando os
fazeres na universidade, a autonomia docente na universidade. No entanto, essa
autonomia acaba dificultando conversas, como colocado pela professora,
114
Prof. Lucia: Não conversa. Essa autonomia implica em isolamento,
você quase não dialoga com o outro, a não ser que haja realmente uma
afinidade às vezes pessoal. Então, eu já tenho pensado em recorrer à
professora de Psicologia pra me ajudar com algumas coisas, pra gente
ter uma interface, mas são iniciativas independentes da estrutura
própria da universidade.
P: E a senhora acha que isso se agrava nas disciplinas de formação
específica de Química? Eu falo das Físico-Químicas, das analíticas,
das orgânicas. Isso se agrava?
Prof. Lucia: Pelo que eu conheço, lá então é mais solto ainda, né? E
assim, há muitos problemas na formação, na formação específica, na
ciência que eles vão lecionar, eu vejo um distanciamento muito
grande, justamente naquilo que eles vão lecionar. É uma Química
muito dura, ainda muito dissociada das questões sociais que a gente
gostaria de vê-los abordando no Ensino Médio, é uma questão muito
difícil, eles não vão ensinar aquilo que eles não aprenderam.
(entrevista 4, linha 201 à 211)
No trecho, “É uma Química muito dura, ainda muito dissociada das questões
sociais que a gente gostaria de vê-los abordando no Ensino Médio” a professora coloca
que as Químicas específicas (Físico-Química, Química Inorgânica, Química Orgânica e
Química Analítica) ainda são lecionadas de forma asséptica, dogmática e a-histórica,
contribuindo negativamente com a formação dos licenciandos, os afastando de uma
formação
conectadas
às
questões
políticas,
sociais
e
epistemológicas,
e
consequentemente potencializando a internalização de fazeres distantes daqueles que
buscam formar o cidadão (CHASSOT, 2006).
A carência de parcerias, a falta de integração entre os pares de profissão na
universidade é um aspecto destacado também pelas professoras Ana e Maria. Nesse
sentido, perguntei para a professora Lucia, formada em um currículo do tipo “3+1”, se
ela ainda percebia na UFF, com um fluxograma estruturalmente distinto desse modelo,
a presença dessa lógica,
Prof. Lucia: Tá. Tá. Porque... talvez menos, mas ainda muito, porque
assim, você aprende estrutura da organização da educação no Brasil,
uma disciplina na universidade, se eu não me engano está no primeiro
período. Isso ajuda pra conscientizar o estudante de que ele está desde
sempre, num curso que forma professores, isso ajuda [...] depois ele
vai aprender psicologia da aprendizagem, didática também, nos
primeiros períodos. Integrado com as disciplinas da ciência de
referência, tá muito pouco, muito pouco relacionado. Mas, com
fundamentos que possibilitam ao estudante fazer conexões por ele
mesmo. Mesmo que as disciplinas não estejam realizando bem essa
conexão, né, o estudante tá recebendo o instrumental pra fazer, pra
elaborar por si mesmo. Então, não é irrelevante você ter uma matriz
curricular onde a formação docente percorre o curso, por que o
115
instrumental pra que o estudante elabore em si, na sua prática,
relações entre a ciência que ele aprende, a ciência de referência, e a
ciência pedagógica, e até pra prática profissional também quando ele
vai pro estágio, aquilo está disponível, está colocado pra ele. É muito
diferente do três mais um. (entrevista 4, linha 500 à 513)
Segundo o discurso da professora, a mudança estrutural no currículo da
Licenciatura ajuda a “conscientizar o estudante de que ele está desde sempre, num
curso que forma professores”, mas, em termos de integração, a professora ainda
considera as disciplinas muito pouco integradas, o licenciando precisa fazer as conexões
por ele mesmo, movimento difícil diante da bagagem de ensino tradicional que
normalmente esses alunos trazem.
Apesar desse descompasso entre os professores, a professora Lucia destaca
como positiva a formação específica de Química do licenciando da UFF, “o
conhecimento duro do nosso aluno aqui na Licenciatura em Química da UFF, é um
conhecimento profundo, eles sabem Química. São profissionais, nesse ponto de vista,
muito bem informados”(entrevista 4, linha 274 à 275), mas coloca como aspecto
negativo a falta de “sentido” dessa formação na própria graduação,
Prof. Lucia: [...] Falta justamente é dar sentido a essa formação na
própria graduação, porque acaba que eles às vezes revelam coisas do
tipo assim: Professora, alguns professores nossos dizem que a gente
não sabe Química. Nós vamos nos formar sem saber Química, porque
nós não sabemos aplicar isso, nós estamos aprendendo nós não
sabemos aonde isso está. Como se aplica? No meu cotidiano, onde é
que isso está? Bom, isso é uma deficiência da formação, né?
(entrevista 4, linha 276 à 280)
No trecho em que a professora resgata a voz dos seus alunos, “Professora,
alguns professores nossos dizem que a gente não sabe Química. Nós vamos nos formar
sem saber Química”, posso conjeturar que essas falas dos licenciandos possam estar
influenciadas pelos discursos de professores insatisfeitos com a reforma curricular e que
acreditam que essa reforma empobreceu o currículo químico da Licenciatura. Justifico
essa hipótese devido ao eco no discurso do professor José que acredita que os alunos de
hoje, que estão nesse currículo reformado, não possuem um conhecimento químico
profundo, mesmo que essa profundidade careça de sentido, pois ainda na fala trazida
pela professora, colocam os licenciandos: “nós não sabemos aplicar isso, nós estamos
aprendendo nós não sabemos aonde isso está. Como se aplica? No meu cotidiano,
onde é que isso está?”.
116
Retomo aqui a questão da transposição didática por acreditar que esse
movimento de “dar sentido à formação” se enquadre nesse movimento de justificar
para o futuro professor a razão da presença daquele conteúdo em sua trajetória
formativa, viés defendido apenas pelas professoras Ana e Lucia. A professora Maria e o
professor José setorizam essa responsabilidade para as disciplinas pedagógicas.
A professora Lucia acredita que os professores universitários precisam tomar a
consciência de que são professores e, nesse sentido, a universidade precisa mobilizá-los
através de cursos de formação, palestras, debates sobre a prática docente, etc. Realidade
ainda distante do corpo docente da UFF.
Quando perguntada sobre as exigências do professor universitário, a professora
coloca que o ritmo é exaustivo e que a universidade está assentada em um quadripé
(apresentando a gestão como mais uma dimensão da tríade Pesquisa, Ensino e
Extensão), nas suas palavras,
Prof. Lucia: Arranca o couro... Olha, é uma loucura porque... Num
outro dia disse um colega aqui, na faculdade de educação, a gente tem
um quadripé... Não é um tripé, não, é um quadripé. Você é um
professor universitário, você tem que ter propostas para o Ensino, pra
pesquisa, pra extensão, e para a gestão. Porque a estrutura da
universidade pública no Brasil, é de gestão democrática, então você
tem que tratar de organismos colegiados e tudo mais. Onde você vai
ter um monte de orientações... você vai ter as suas aulas, vai preparar,
ter material, leitura, enfim, e metodologias e tudo mais. Você tem que
pesquisar, você tem que publicar, você tem que levar o produto do seu
trabalho pra sociedade, você tem uma dívida social que você tem que
retribuir, então você tem que ter proposta de extensão. Vou falar
publicar de novo, porque publicar é obrigação que mais a gente vê
enquanto instituição acadêmica, né? Enfim, talvez a extensão faça um
papel tão relevante ou mais que a publicação em termos de abrilhantar
resultados do trabalho da universidade, da sociedade. Mas a
publicação é aquela obrigação que somos cobrados. Então você tem
muito trabalho, muito trabalho. (entrevista 4, linha 359 à 370)
A professora traz a voz de um de seus pares de profissão “Num outro dia disse
um colega aqui, na faculdade de educação, a gente tem um quadripé... Não é um tripé,
não, é um quadripé” para ratificar, nesse movimento polifônico, que sua opinião sobre
as dimensões que atravessam o professor universitário confluem com outras vozes.
Ademais, dentre as atividades exercidas pelo professor, a professora realça a
publicação como a instância mais cobrada no ambiente acadêmico, como é possível
observar no trecho: “Vou falar publicar de novo, porque publicar é obrigação que mais
117
a gente vê enquanto instituição acadêmica, né?[...] a publicação é aquela obrigação
que somos cobrados”.
Na sequência, perguntei em que medida essas demandas influenciam a atuação
da professora em sala de aula. Segundo a professora Lucia, essas demandas contribuem,
mesmo que às vezes ela se sinta sobrecarregada, e localiza os “prazos” como os
principais fatores do estresse do cotidiano do professor universitário, que afetam
inclusive a qualidade da pesquisa,
Prof. Lucia: [...] quando você tem a obrigação de apresentar
resultado num tempo curto, às vezes acontece de os dados não
amadurecerem. Então, eu não sei, acho que esse é um modo muito
cruel de buscar qualidade para universidade, porque nem sempre
resulta em qualidade; resulta sobrecarga, aligeiramento. É preciso ter
muito cuidado, sabe? E a gente tem que ter muito jogo de cintura pra
de fato fazer com que uma determinada atividade que você realize,
seja contributiva pra outra, porque se você for se desdobrar, aí fica
tudo mal feito e as coisas mal feitas não servem né? (entrevista 4,
linha 375 à 380)
Como colocado pela professora, um dos desafios dos professores universitários
atualmente é alinhar suas atividades para que elas possam contribuir com os índices
avaliativos que a universidade e os órgãos de fomento à pesquisa impõem, como
destacado no trecho: “E a gente tem que ter muito jogo de cintura pra de fato fazer com
que uma determinada atividade que você realize, seja contributiva pra outra, porque se
você for se desdobrar, aí fica tudo mal feito e as coisas mal feitas não servem né?”.
Quando perguntada sobre como ela hierarquiza as dimensões Pesquisa, Ensino e
Extensão, a professora coloca que, como seu cargo é de docente, o Ensino, em uma
situação ideal, deveria ser o mais importante, e complementa,
Prof. Lucia: [...] eu acho que deveria ser o Ensino. Acho que o
Ensino deveria ser a base pra sua pesquisa, acho que a sua pesquisa
pode contribuir para o seu Ensino, desde que você não faça do seu
Ensino, reprodução de suas pesquisas, não é? Porque também você
não pode levar pra sua sala de aula, aquilo que você pesquisar senão
você limita muito. Mas, eu acho que tudo o que a gente produz
precisa reverter para o Ensino. Acho que, quando a gente propõe uma
atividade de extensão, ela tem que ser uma atividade que ensine.
Porque é pouco eu ser, ou o professor ser doutor, pesquisador, pra um
projeto de extensão. Eu quero formar um monte de pessoas que
saibam realizar bem as duas tarefas, e que as multipliquem em coisas
boas. Então, eu acho que o Ensino deveria ser o alvo principal. Você
pesquisa, pra você formar conhecimento, você orienta pesquisa pra
que outras pessoas formem conhecimento, isso é super relevante, e
não só na pós-graduação. Se você tem a pesquisa como um princípio
118
educativo, o seu aluno é levado a pesquisar, né, a ter conclusões sobre
o que ele foi buscar. Isso é formador. Então, eu acho que a dimensão
de maior importância é o Ensino. (entrevista 4, linha 387 à 398)
Segundo a professora, em uma situação ideal, o Ensino deveria permear todas as
atividades na universidade, no sentido de formar multiplicadores que saibam executar
bem suas tarefas e propaguem em coisas boas para sociedade, mas ressalta que o ensino
não pode ser mera reprodução de pesquisas, por considerar esse movimento muito
limitado, como destacado no trecho: “desde que você não faça do seu Ensino,
reprodução de suas pesquisas, não é? Porque também você não pode levar pra sua sala
de aula, aquilo que você pesquisar senão você limita muito”.
No entanto, pensando na cultura acadêmica atual, ela coloca a Pesquisa como a
dimensão mais importante, o Ensino em segundo lugar e a Extensão por último, assim
como os demais professores valoraram.
e) Relação entre os professores nesse episódio
Após a análise, da mesma forma que no outro episódio, percebo algumas
conexões e/ou desconexões que considero relevantes:
 A reforma curricular da Licenciatura em Química para o professor José e para a
professora Maria tornou o curso mais generalista, empobrecido nos
conhecimentos Químicos, devido ao “enxugamento curricular” sofrido.
O professor José inclusive considera esse enxugamento como um dos principais
problemas ocasionados pela reforma pois “essa pessoa que se forma em Licenciatura,
ele pode ser formado também em bacharel, ela pode querer de hoje pra amanhã
trabalhar numa indústria, por que não, né?”, como se esse movimento restringisse o
campo de atuação do licenciando.
Esse “enxugamento” ao qual os professores se referem diz respeito à retirada,
acréscimo e reformulação das disciplinas do antigo currículo da Licenciatura ocorrido
na última reforma e busca a construção de um currículo com identidade (como
destacado pela professora Ana), voltado para Licenciatura, que busca se afastar do
antigo perfil de “complementação do bacharelado”, e esse movimento tem sido valorado
na literatura de pesquisa em Ensino como um aspecto positivo, ao contrário do apontado
pelos professores José e Maria, o que pode revelar lógicas de pensamento que colocam
em segundo plano qualquer disciplina que não seja da formação específica, ou seja, para
formar um bom professor de Química, basta saber bem o conteúdo Químico.
119
Outra congruência interessante entre os professores José e Maria é sua visão
restrita sobre a disciplina “Introdução à Química Quântica” e “Química Quântica
aplicada”, ambos destacaram que não percebem a utilidade dessas disciplinas
(implementadas após a reforma curricular) para o licenciando.
No entanto, esse conceito é fundamental e inclusive permeou alguns temas dos
minicursos oferecidos no evento XXIX ENEQUI99 (um dos eventos de grande destaque
entre os pesquisadores da área de Ensino em Química), pois, além de embasar uma série
de outros conceitos na Química como a Eletrosfera Atômica, as Ligações Químicas e
Geometria Molecular, permite o entendimento de diversas tecnologias que permeiam a
sociedade como: os Raios X, o raio Laser (leitores de CD e DVD e códigos de barra), a
comunicação via satélite ou antena (funcionamento de televisores, rádios e telefones
celulares), o forno de micro-ondas, etc. Portanto, ao contrario da valoração dada a essa
disciplina por esses professores, considero que essa seja relevante para formação do
Licenciado.
 Todos ordenaram a tríade Pesquisa/Ensino/Extensão na mesma escala de
importância, em primeiro lugar a Pesquisa, em segundo o Ensino e por último, e
ainda de forma pouco expressiva, a Extensão.
A UFF apresenta a pós-graduação stricto sensu consolidada100 e os discursos
analisados revelaram uma escala hierárquica de importância atribuída a essas atividades
da universidade. No topo, a Pesquisa, no meio, o Ensino, que ainda pode ser dividido
em ensino de graduação e pós-graduação101 e por fim a Extensão, por vezes confundida
como “prestação de serviços” (SGUISSARDI, 2009).
Sobre a graduação (foco desta tese), Sguissardi coloca,
Na graduação, mais do que a aula propriamente dita, valoriza-se a iniciação
científica, em especial quando se tem em vista preparar futuros candidatos ao
mestrado e ao doutorado nos programas da instituição em que atuam esses
professores e ali garantem o essencial de seu trabalho e prestígio acadêmicos.
(p.143, 2009)
99
Vigésimo nono Encontro Nacional de Ensino de Química, realizado em Curitiba-PR, detalhes dos
temas dos minicursos e palestras consultados no site: http://www.enequi2011.ct.utfpr.edu.br/index.html,
acessado em 11 de Julho de 2011.
100
A UFF, em levantamento feito no ano de 2005, oferecia 63 cursos de graduação, 40 cursos de
Mestrado e 22 de Doutorado e apresentava em seu quadro permanente 48,9% de doutores
(SGUISSARDI, 2009).
101
Vinculam-se nessa divisão do ensino as atividades de orientação de mestrandos e doutorandos, visando
à produção de suas dissertações e teses, que poderão ser antecedidas, acompanhadas ou seguidas de
“trabalhos” para congressos e artigos para revistas científicas, quesitos bastante valorizados no mercado
acadêmico (SGUISSARD, 2009).
120
Uma consequência da Pesquisa como ápice das atividades docentes foi a
gradativa desvalorização do ensino de graduação. Essa desvalorização não alcança
ainda o patamar da extensão, mas já é considerada, em algumas graduações, como
espaço prioritário de atuação dos professores substitutos102, uma espécie de exército de
reverva103 para suprir as vagas produzidas e não preenchidas das políticas oficiais para
as Instituições Federais de Ensino Superior104. Afinal de contas, cada dia mais os
professores efetivos se encontram ocupados e preocupados com seus respectivos
diretórios de pesquisa, do CNPq105, com seus vínculos a grupos de pesquisa nacionais e
internacionais e com a produção intelectual requerida (op. cited).
Com relação a essa produção intelectual supracitada, a professora Lucia levanta
a questão dos prazos dos produtos de pesquisa, colocando-os como fatores que tornam
por vezes o cotidiano docente massacrante. Além disso, segundo a professora Maria, as
instituições de fomento à pesquisa exigem um nível de publicações que despende tempo
e dedicação dos docentes e que “fecha os olhos” desses profissionais para outras
atividades (como o Ensino) e relata que, devido ao tempo que essa atividade toma,
muitos professores preferem lecionar por anos a mesma disciplina para evitar a
preparação de novas aulas. Finalizo esses entraves provocados pela supervalorização da
pesquisa nas atividades docentes com o professor José, que coloca que a pesquisa
diminui seu tempo para preparação de aulas.
Entretanto, mesmo diante de todas esses entraves que os professores relatam
sobre a influência da Pesquisa na sala de aula, todos apostam na Pesquisa como fator
que melhora esse ambiente, por trazer conteúdos sempre atualizados aos alunos. Cabe
destacar que nem sempre a Pesquisa que o professor realiza na universidade conversa
com a disciplina que ele leciona em sala, o que pode tornar esse argumento falho.
Ademais, essa defesa da Pesquisa (principalmente as suportadas pelos órgãos de
fomento à pesquisa) pode estar associada à ideologia do empreendedorismo que
102
Os professores substitutos são professores contratados por tempo determinado, sem plano de carreira e
mal-remunerados (SGUISSARDI, 2009).
103
Com soldados inexperientes, recém-formados que às vezes assumem cargas horárias altas em
diferentes disciplinas da graduação.
104
Um adendo sobre a situação na UFF no que tange às vagas não preenchidas citadas nesse parágrafo,
entre 1995 e 2005, essa universidade aumentou o número de cursos de graduação em 40%, o número de
cursos de Mestrado em 48,1% e número dos cursos de Doutorado em espetaculares 266,7% (Tabela 22,
p.94, SGUISSARDI, 2009), enquanto o quadro docente dessa universidade no mesmo período
(1995/2005) sofreu uma involução com uma diminuição de 10% no quantitativo de seu corpo docente
efetivo (Tabela 38, p.105, SGUISSARDI, 2009).
105
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
121
permeia as universidades atuais, uma vez que o “funcionamento cotidiano das
faculdades e cursos depende cada vez mais da iniciativa de suas professores na busca
de recursos extra-orçamentários de todas as fontes” (p.159, SGUISSARDI, 2009).
Outra consequência da valorização da pesquisa ocorre, como colocado no
discurso da professora Ana, nos processos seletivos para professores efetivos nas
universidades, que ao mesmo tempo que procura “pesquisadores prontos” aprovam
professores que não “sabem dar aula”.
A professora traz um problema atual na universidade: os alunos de Bacharelado
percorrem uma trajetória formativa em que, em muitos casos, a sala de aula (e as
questões pedagógicas que a permeiam) não é abordada. Essa formação pedagógica não
é nem proporcionada ao bacharel e nem exigida pela legislação oficial ao docente de
Ensino Superior, o que afeta o desempenho desses professores em sala de aula, que
esperam que os alunos atinjam metas inalcançáveis pra eles em determinadas etapas do
curso.
Para minimizar essa defasagem no que tange à formação pedagógica, os
programas de pós-graduação estão exigindo (mais recentemente) vivências em sala de
aula de seus pós-graduandos, que atuam em sala com outros professores numa espécie
de estágio docente. Algumas instituições particulares oferecem o curso de “docência
superior” que licencia o bacharel para lecionar no nível superior.
Finalizo com um breve adendo sobre o relato dos professores Maria e José, que
supõem numa situação ideal que a universidade deveria conjugar Ensino, Pesquisa e
Extensão num mesmo tom. Situação, por todas as evidências colocadas nesse tópico,
muito distante da real. Se já existe uma notória dificuldade prática de uma adequada
associação entre Ensino e Pesquisa, mais difícil ainda seria uma adequada associação
entre Pesquisa, Ensino e Extensão, ainda mais quando esses dois últimos, em tempos de
produtivismo acadêmico não soem ter o prestígio da produção científica e sua
divulgação nos veículos Qualis A ou B nacionais e/ou internacionais106.
 As professoras Ana, Maria e Lucia apontaram um desencontro de objetivos
comuns entre os professores que lecionam as disciplinas da formação
106
O Qualis é uma classificação feita pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior) dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da produção
intelectual de seus docentes e alunos, cujo objetivo é atender às necessidades específicas da avaliação da
pós-graduação realizada por esta agência.
122
profissional da Licenciatura, abarcando tanto as disciplinas da Química
específica como as relações entre essas disciplinas e as da Faculdade de
Educação.
Essa falta dessa integração reproduz o mesmo ideário do currículo 3+1 numa
estrutura reformada. Obviamente que as razões desse descompasso não podem ser
tomadas aqui num tom meramente emocional, de “má vontade” por parte dos
professores imbricados nesse processo. Como colocado no tópico anterior, existem
outros condicionantes que tornam o cotidiano do professor universitário complexo e,
para alguns, massacrante, dificultando ações que busquem a integração desses docentes.
Acho oportuno localizar a publicação “Novos rumos da Licenciatura”
organizada por Vera Candau (1987) e que reúne pesquisas realizadas na década de 80
sobre a temática da formação docente. Apesar de sua idade, esse documento faz
considerações relevantes sobre a falta de integração ocorrida nas licenciaturas desde os
primórdios de sua existência.
Segundo Fenelon (1983 apud CANDAU, 1987), a falta de integração entre os
professores imbricados na formação do licenciando deve-se ao fato de que “não
conseguimos pensar a educação como algo global e único, mas que tem especificidades
que não sabemos como preservar senão quando cada um demarca seu campo e não
permite a entrada de outros” (p.1258, 1983 apud CANDAU, 1987).
Ademais destaco que no relato da professora Maria de que os objetivos
formativos de cada disciplina e do curso como um todo são nebulosos, “tudo muito
feito na intuição”, não pode ser considerado algo de dimensão documental, pois a
Licenciatura em Química da UFF apresenta um Plano Político Pedagógico que norteia
os objetivos dessa graduação.
Sendo assim, essa nebulosidade ganha talvez uma dimensão pragmática, fazendo
emergir questões como: até que ponto esse plano foi divulgado, debatido e incorporado
aos fazeres dos professores? Será que os professores que atuam nas disciplinas de
formação básica e profissional da Licenciatura (Química específica) sabem os objetivos
de suas disciplinas e de outras no processo formativo do licenciando? A ideia de
objetivos intuitivos revela um possível desconhecimento desse plano, e se os
licenciandos são formados sem objetivos compartilhados entre as disciplinas, que perfil
profissional está sendo construído?
Mesmo diante da inviabilidade de entrevistar todos os professores da
universidade, o quarteto de professores selecionados atua em diferentes momentos e
123
áreas da trajetória formativa oferecida aos licenciandos e, desta forma, diante do
desencontro destacado por todos eles, posso amplificar minhas impressões e concluir
que essas questões não foram debatidas também com os outros professores da
Licenciatura e, por conta disso, os professores da Licenciatura não sabem com clareza
qual o perfil profissional que o curso pretende formar.
6.2) O arremate...
Busco nessa seção sondar as concepções dos professores sobre o papel do
professor universitário e do professor de Ensino Médio na sociedade, bem como sobre o
papel da instituição universidade e juntamente com os apontamentos já realizados nos
outros momentos, contribuir com reflexões sobre a formação de professores de Química
oferecida pela UFF.
a) Professora Maria
Quando perguntada sobre o papel do professor universitário e o papel do
professor de Ensino Médio, a professora Maria inicia seu discurso localizando os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) como marcos de uma mudança no perfil formativo do professor e acredita que
a universidade deva estar preparada para formar esse novo profissional,
Prof. Maria: Olha, a gente tem PCN, né, PCN do Ensino Médio. Se
você vê aquele PCN, você vê a tua geração pra trás não foi formada
pra usar aquele PCN. O ENEM nesses novos moldes, também vejo
que fica muito difícil, pro professor de Ensino Médio que não batalha,
que não corre atrás, não continua numa formação, se adequar ao
ENEM, senão ele vai ficar, pesquisa de Google, “Control C, Control
V”, copiando textos que ele mesmo não tem noção, não entende, não
sabe por quê. Então eu vejo que o papel da universidade é que
começa pra poder formar aquele profissional, pra se adequar à
legislação, educação ambiental é lei e não é aplicada. Ninguém tem
na formação ou alguma disciplina... Você vê, primeiro já começa a lei
dizendo que educação ambiental não pode ser uma disciplina, pela
interdisciplinaridade, por todas as trans-disciplinaridades, por isso.
Mas, quem é que vai formar um profissional pra atuar em educação
ambiental? Se ele não teve a sua formação na graduação, aí ele vai
fazer o que? Uma feira de ciências, né, uma catação selecionada de
lixo e vai achar que aquilo é educação ambiental entendeu? Então, o
início é universidade. Então, a universidade é que tem que preparar o
profissional pra atuar nos PCN’s, na legislação. (entrevista 1, linha
337 à 349)
124
No discurso da professora Maria, fica claro o entendimento da dificuldade que
os professores de Ensino Médio, na visão da professora, que não buscam uma formação
continuada “que não batalha, que não corre atrás, não continua numa formação, se
adequar ao ENEM” despertarem dessa lógica de reprodução de conhecimentos sem
reflexão “senão ele vai ficar, pesquisa de Google, “Control C, Control V”, copiando
textos que ele mesmo não tem noção, não entende, não sabe por quê” e complementa
citando alguns projetos comumente desenvolvidos nas escolas como as “feiras de
ciências” e a “catação selecionada de lixo” que não alcançam os objetivos, no seu
entendimento, de educação ambiental.
Nesse sentido, segundo a professora, o professor universitário deve se preparar
para saber formar esse novo profissional que o mercado exige, como coloca,
Prof. Maria: Eu não tive essa formação, você não teve. Então, o que
tem que ser feito? Preparar pra mostrar que existe algo além, que não
é só uma feira de ciências e dizer que...Isso é educação ambiental, por
exemplo, estou dando um exemplo, né? mesma coisa do ENEM, o
ENEM semestre passado, está tendo curso da especialização, e os
professores perdidos, pesquisa de internet direto, entendeu? Ainda
falava assim, “Você acha que é por aí?” Nos livros textos tem tudo,
num nível, e se você for pra internet, tem coisas boas, tem coisas
ruins, mas será que o aluno do Ensino Médio está preparado praquele
texto da internet? Enquanto você também não está. Entendeu? Então
o que eu via tinha que preparar lista de exercícios aquele afã (affair)
de modelo ENEM, entendeu? Eu fiquei muito chocada com essa coisa,
a cobrança das escolas, cobrando uma nova maneira de cobrar os
exercícios, num modelo, que não foi formado, nem coordenador, nem
ninguém, que está copiando uma receita... Entendeu? Criou essa
confusão toda... (entrevista 1, linha 356 à 366)
A professora Maria levanta um ponto interessante de discussão: a maior parte
das escolas ainda está permeada por um tipo de Ensino propedêutico e disciplinar, no
qual temas que atravessam diferentes disciplinas não costumam ser abordados de forma
interdisciplinar. O ENEM procurou, em algumas de suas questões, trabalhar com a
interdisciplinaridade e isso deixou muitos professores perdidos, talvez por não terem
sido formados com esse paradigma.
Já o papel do professor de Ensino Médio, segundo a professora, é formar o
cidadão, indivíduo capaz de entender o mundo em que ele está inserido, e prepará-lo
para uma formação técnica ou para a universidade, opinião influenciada por suas
leituras na área de Ensino.
Caminhando para o papel da universidade na sociedade, a professora coloca,
125
Prof. Maria: É, de formar profissionais capazes, né, num país com
essa divergência que a gente tem aí entre estados, entre regiões, né, o
papel da universidade é realmente formar uma elite pensante. A
universidade ainda é para uma elite, não uma elite social, não tem
nada a ver com cota, nada disso, mas tem que ser pra pessoas que
realmente têm uma capacidade intelectual de ir além, porque também
na universidade os currículos são muito engessados. [...] E eu acho
que é o papel da universidade, realmente formar uma elite pensante
como qualquer outro país do mundo, né, e aqui as divergências
regionais são complicadas, porque você não tem o mesmo perfil em
todos os locais. (entrevista 1, linha 375 à 383)
O direcionamento discursivo fica claro com sua preocupação em esclarecer para
o pesquisador na área de educação que sua visão de elite não está associada à questão
social das cotas, mas à questão de “capacidade intelectual de ir além”, essa última
declaração me remete às já superadas concepções inatistas107 no que tange aos alunos.
A professora Maria critica o engessamento curricular que permeia a
universidade, alheia às particularidades de cada região e aposta na universidade como
espaço de formação de uma elite pensante que coopere para a diminuição das
divergências entre estados e regiões. Essa última posição revela uma concepção
contrária às pressões exercida pelos movimentos sociais brasileiros pela democratização
do acesso ao nível superior; cito o programa “Universidade para Todos” (PROUNI),
lançado pelo governo Lula no primeiro semestre de 2004, como um dos marcos em
termos de políticas públicas nesse sentido.
b) Professora Ana
A professora Ana, ao ser perguntada sobre o papel do professor universitário,
valoriza o envolvimento desses profissionais com as Licenciaturas por acreditar que
esses profissionais podem contribuir com a formação dos licenciados, mas adverte,
Prof. Ana: [...] O professor está preocupado com o conteúdo, agora
com o conhecimento muito grande na área dele, de Química, de física,
de matemática, a contribuição que ele pode dar pra formação do
licenciado é extremamente... é muito grande, porque ele pode
trabalhar aquele conteúdo com licenciado, ensinando, ou ajudando
ele a aprender [...] Mas para isso a gente vai esbarrar em outros
problemas, que o próprio professor universitário tem que aprender a
ser professor antes de passar isso para o aluno, então você conta com
107
Essa perspectiva entende que o ser humano é um sujeito fechado em si mesmo, nasce com
potencialidades, com dons e aptidões que serão desenvolvidos de acordo com seu amadurecimento
biológico.
126
professores com mais envolvimento pra poder ajudar na Licenciatura,
os novos não têm condições.(entrevista 2, linha 514 à 522)
A professora Ana endereça sua resposta a um grupo de professores que atuam na
área da Química específica, profissionais que, segundo ela, são conteudistas “O
professor está preocupado com o conteúdo” e precisam aprender a serem professores.
Essa observação nos remete aos apontamentos da professora Lucia, que da mesma
forma coloca que os alunos do curso de Química apresentam uma boa formação em
termos de conteúdos, mas falta “dar sentido” a esses conteúdos, e atribui essa lacuna a
esse fato, a falta de conscientização de que os professores universitários são professores.
Caminhando sobre o papel do professor do Ensino Médio, a professora ainda se
mantém vinculada ao processo formativo em seu discurso e responde com relação à
função do professor do Ensino Médio como agente de troca de saberes nas escolas,
como peça fundamental do processo formativo do licenciando. E conclui afirmando que
esse professor deve saber estimular, motivar o aluno para aprender o conteúdo.
Sobre o papel da universidade na sociedade, ela coloca,
Prof. Ana: Eu acho que é de fundamental importância. Na
universidade que se desenvolve novas tecnologias que vão ser
repassadas para benefício da sociedade, é a universidade que
desenvolve, né? que forma os novos profissionais que vão contribuir
para sociedade... Então eu acho que a universidade, ela é o motor que
move toda a sociedade o desenvolvimento de um país, né? Porque se
não houver uma boa formação dentro da universidade desses
profissionais e dessas novas tecnologias, você não tem como
contribuir para evolução da sociedade, ela não tem como contribuir
para uma qualidade melhor de vida né? das pessoas, das diferenças
sociais, né? Atuar, melhorar o nível de pobreza, eu acho que a
universidade ela tem um papel importante no momento que ela forma
e esse profissional dá o retorno à sociedade e no desenvolvimento das
novas tecnologias... (entrevista 2, linha 541 à 549)
A professora Ana retrata a universidade como o motor que “move toda a
sociedade e o desenvolvimento de um país” na medida em que forma profissionais
capacitados ou, como sugere a professora Maria, a “elite pensante” da sociedade. O
retorno desses profissionais no que tange à evolução da sociedade é uma questão de
compromisso devido aos impostos que mantêm a instituição.
127
c) Professor José
O professor José, quando perguntado sobre o papel do professor universitário,
afirma que esse profissional além de ter a capacidade de estimular o estudante para a
aprendizagem do assunto, precisa ter uma visão geral de mercado, em suas palavras,
Prof. José: [...] ele tem que saber que ele não vai formar só
pesquisadores, ou só profissionais para a indústria, ou só professores
do Ensino médio. Então ele tem que dar uma formação ampla a essas
pessoas, uma formação com conteúdo, com didática. (entrevista 3,
linha 392 à 396)
Enquanto o professor universitário, segundo o professor José, deva estar
preparado para formar diferentes perfis de graduandos, o que simplifica a complexidade
inerente de cada perfil profissional, a definição do papel do professor do Ensino Médio
é posta a partir de uma perspectiva de chegada à universidade, pois o professor indica
em seu discurso que
Prof. José: O professor do Ensino médio, né, o que eu gostaria é que
ele... que o estudante viesse pra cá, com conceitos bem sedimentados.
Não precisaria ser conceitos amplos [...] O que ele precisa, que eu
gostaria que ele soubesse do Ensino médio quando viesse pra cá, é
saber que uma concentração de solução, isso ele pode usar lá fora, ele
pode usar no seu cotidiano, como preparar uma solução a 10%. Ou o
conceito de ácidos e bases [...] mas isso bem sedimentado. Você pode
ministrar menos quantidade no Ensino médio, menos quantidade,
menos conteúdo, mas ministrados de forma bem sedimentada. Porque
isso vai fazer com que o profissional que vai fazer advocacia, conheça
a Química que ele precisa pro dia a dia. Ah, e o pessoal que vai fazer
Química? Ah, ele vai aprender o resto aqui (entrevista 3, linha 396 à
405)
O professor não menciona a formação cidadã como um dos papéis do professor
do Ensino Médio e o coloca a serviço da universidade, como preparador dos alunos
ingressantes desse nível.
Com relação a essa formação cidadã, acredito que ele não a mencione talvez por
acreditar que a universidade deveria estar inserida o suficiente nas cidades para formar o
cidadão através de projetos de Ensino e extensão, como ele coloca quando perguntado
sobre o papel das universidades na sociedade brasileira,
Prof. José: Olha, as universidades na Europa, elas estão fortemente
inseridas nas cidades. Tem cidades que basicamente vivem em função
de universidades. Por exemplo: a Arihant, na Espanha, em função da
universidade de Arihant, a Grenoble, na França, né, vive em função da
128
universidade também, são cidades universitárias, né? Então, quando
você tem uma universidade fortemente inserida numa sociedade, e
isso ela pode fazer através de projetos não só de Ensino, mas também
de Extensão, até a Pesquisa contribui pra isso, né, você acaba tendo
uma população culturalmente melhor. Então, essa população
culturalmente melhor, mais preparada, ela certamente não vai tomar
atitudes, né, como acho que nós vemos sendo tomadas hoje em muitos
países, no Brasil por exemplo. Tanta má educação, no trânsito, tantos
problemas sociais que nós temos, isso é facilmente resolvível com a
educação, e isso é o papel da universidade, ela se inserir bem na
comunidade, na sociedade, para que várias pessoas tenham um outro
tipo de padrão de comportamento, inclusive de valores; valores éticos;
valores de cidadania. Isso a universidade tem que fazer, tá, na questão
cidadã mesmo, na questão política, a universidade tem que se inserir
bem na sociedade, mostrar a sociedade, discutir com a sociedade,
todas essas questões éticas, de cidadania, política. Política ela até faz
alguma coisa, mas nem sempre é bem compreendida. Mas eu acho
que falta trabalhar mais nisso. (entrevista 3, linha 410 à 424)
A universidade na concepção do professor José deveria estar inserida na vida das
cidades ou das regiões do entorno da instituição, no entanto, cabe ressaltar que na
Europa algumas universidades são seculares e suas histórias se confundem com as
origens dos centros urbanos, no Brasil, as universidades chegaram tardiamente, no que
se refere à estruturação dos centros urbanos, o que não impede que as mesmas se
insiram na vida desses centros, mas, para isso, as atividades de extensão deveriam se
fortalecer muito mais.
Outro aspecto interessante é que, ao contrário do que foi sugerido pelo professor
José, as pesquisas na área de Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais creditam
a responsabilidade pela formação cidadã às instituições de Ensino básico, o que não
impede que as universidades auxiliem, através de parcerias, esse processo.
d) Professora Lucia
A professora Lucia considera que o papel do professor universitário é formar o
profissional, “o professor da universidade prepara alguém capaz de executar com
qualidade, com competência, suas atividades profissionais” (entrevista 4, linha 421 à
423). Já o professor de Ensino Médio,
Prof. Lucia: [...] o professor do Ensino médio forma as pessoas para
as múltiplas facetas da sua vida, enquanto ser social. Então ele precisa
ter conhecimentos para o cotidiano, no caso da Química, existe muita
coisa no cotidiano que ele poderia tá conhecendo melhor, né, a gente
lida com produtos químicos o tempo todo, parar com essa bobagem de
dizer: “Ah, essa aqui não tem Química, por isso que é boa”. Isso é
129
natural, é natural, é ótimo, né? “Ah, essa água nem tem cloro, ela é
pura”. E eu como Química tenho vontade de dizer assim: “Ai meu
Deus! Tinha que ter”. Então, eu acho que formar as pessoas para
viverem melhor em aspectos corriqueiros, cotidianos, né, nas suas
vidas, para saberem lidar melhor uns com os outros... [...] Isso é
contribuírem para sua comunidade, pra fazer parte de um grupo, e até
pra se preparar com o trabalho, mas preparar para um trabalho é algo
mais genérico do que formar um profissional. Preparar para o
trabalho, é você ter um monte de aptidões, de conhecimentos, né, mais
gerais, é saber usar um computador, é saber trabalhar em equipe, é
saber aproveitar bem de uma leitura, expressar bem por escrito.
Enfim, preparar essa pessoa, a pessoa estará apta para exercer
atividades profissionais, e que não significa ter conhecimento
profissional. Então, essa formação mais ampla do Ensino médio, eu
acho muito importante pra formar as pessoas, e pra conhecerem as
profissões. (entrevista 4, linha 423 à 439)
As ideias expressas pela professora com relação ao papel do professor do Ensino
Médio vão ao encontro dos apontamentos mais atuais das pesquisas em Ensino de
Ciências, que orienta essa educação para as questões e problemas sociais que terão que
ser enfrentados pela humanidade no século XXI, como: a crise ambiental global, a
injustiça social global e a opressão e injustiça invisíveis para com os mais jovens,
questões que buscam contribuir para melhora da vida social (LEMKE, 2005).
No que tange ao papel da universidade, a professora acha importantíssimo e
complementa,
Prof. Lucia: Então, eu tenho plena certeza até de que um jovem de
que não passa pela universidade, ele sabe menos da vida, de tudo, não
só da profissão não, porque tem todo também um modo de vivência, a
própria cultura, a maneira de ser e de estar na universidade, também
ensina. Então, a universidade é muito importante, importante pra
formação de profissionais, importante pela constituição de
conhecimentos, pela parte da pesquisa, importante pelo retorno que dá
à sociedade, tanto na divulgação, temos acesso à produção acadêmica,
quanto nos projetos de extensão. A universidade é fundamental pra
constituição de uma sociedade mais equilibrada, enfim, ela tem muito
a oferecer, a universidade tem muito a oferecer. (entrevista 4, linha
447 à 453).
A professora coloca a universidade como espaço de complementação de
formação do jovem que extrapola a questão profissional e a considera como parte
constituinte de uma sociedade mais equilibrada.
e) Relação entre as professoras nesse episódio
130
Exponho nas linhas que seguem algumas conexões e/ou desconexões que
considero relevantes na análise desse episódio:
 Ser um profissional preparado para formar bons profissionais é o papel do
professor universitário segundo as professoras Maria e Lucia e o professor José.
Esse último acrescenta que o professor deva ser capaz de estimular o estudante e
oferecer ampla formação ao mesmo. A professora Ana coloca que o professor
universitário deve estar envolvido com a Licenciatura.
Todos assumidamente creditam a responsabilidade de formar bons profissionais
aos professores universitários, mas seus discursos revelam fazeres em que essa
dimensão, o ensino, não é prioridade.
 O papel do professor do Ensino Médio para as professoras Maria e Lucia é
formar o cidadão, enquanto que o professor José e a professora Ana definem a
função desse professor com foco na universidade: o professor José em função
de como ele gostaria que o estudante chegasse ao nível universitário e a
professora Ana em função da importância do mesmo na troca de saberes com o
licenciando.
Interessante destacar que somente as professoras que tiveram contato com a área
de Pesquisa em educação (Maria e Lucia) colocaram a formação cidadã como uma das
atribuições do professor do Ensino Médio, enquanto o professor José e a professora Ana
colocaram esses professores subordinados à universidade, o que pode revelar a
concepção desse professor como transmissor e reprodutor de conhecimentos
produzidos na universidade.
 No que tange ao papel da universidade, as professoras Maria e Ana consideram
essa instituição como um espaço para formação de profissionais capazes de
contribuir com a evolução da sociedade. A professor José coloca que a
universidade deveria estar inserida na cidade, ajudando no desenvolvimento da
mesma e auxiliando a formação cidadã. A professora Lucia retrata essa
instituição como espaço de complementação da formação do jovem, que
ultrapassa a questão profissional.
Todos apontaram para o papel formativo das universidades, no entanto, embora
essa consideração pareça óbvia e indissociável dessa instituição, as circunstâncias
instáveis atuais de funcionamento, sua manutenção e sobrevivência desvirtuam esse
131
papel essencial. As universidades atuais se aproximam cada vez mais do perfil de
centros de pesquisa, em que o nível de qualidade está associado aos indicadores de
produção científica, como: patentes, projetos de pesquisa subvencionados, publicações,
congressos, etc., enquanto o caráter formativo constitui uma variável de menor
importância (ALVAREZ, 2004).
O capítulo seis, bem como o anterior (cinco), integra as análises dos quatro
momentos da entrevista anunciados no capítulo quatro e, diante dessas leituras e
discussões, fui conduzido a algumas considerações sobre o processo formativo
oferecido na Licenciatura em Química da UFF e que serão elencadas no próximo
capítulo, nas considerações finais.
132
7
CAPÍTULO
Aonde essas leituras me levaram? Considerações finais
Enquanto eu tiver perguntas e não houver
respostas... continuarei a escrever
Clarice Lispector108
O estudo que realizei e formalizo nesta tese abordou algumas temáticas como: os
Saberes Docentes, a Pedagogia Universitária, a Universidade e Formação inicial de
Professores de Química e foi se constituindo a partir de um ponto de vista ainda pouco
abordado na literatura, a dos professores universitários.
Algumas indagações principais alicerçaram esta pesquisa desde seu primeiro
esboço, são elas: Quais as concepções dos professores universitários sobre a atividade
docente? Quais são suas concepções sobre o Ensino? Como ele identifica e valora sua
disciplina no processo formativo do Licenciando? Como ele avalia a formação inicial na
qual ele está imbricado? Como ele valora a tríade Pesquisa, Ensino e Extensão na
universidade? Como essa tríade afeta suas atividades docentes? Quais são suas
concepções sobre o papel dos professores de Ensino Médio? E sobre os professores
universitários? Qual o papel da universidade?
Essas questões foram diluídas, multiplicadas e agrupadas nos quatro episódios
analisados nos capítulos cinco e seis desta tese e é a partir do capítulo cinco, onde
apresento a rica trajetória acadêmica dos meus quatro sujeitos de pesquisa e suas
concepções sobre o “ser professor”, que começo a tecer – com as análises realizadas respostas a essas indagações e que embasarão o texto dessas considerações finais.
Os quatro professores apresentam trajetórias formativas e profissionais longas e
singulares, todos apresentam mais de 20 anos em sala de aula, e três dos quatro
entrevistados apresentam essa vivência somente na UFF.
No quarteto entrevistado, duas professoras (Ana e Lucia) são formadas em
Licenciatura em Química, em uma época em que vigorava o já explicitado currículo do
tipo “3+1” e, por essa razão, seus relatos foram num tom de desvalorização dessa
formação pedagógica, considerada por elas deficiente para atuação em sala de aula.
108
Frase retirada da exposição “A hora da Estrela”, sobre a autora, no Centro Cultural Banco do Brasil
(RJ), em agosto de 2008.
133
Cabe ressaltar que essa formação foi direcionada para a atuação no nível Médio e não
no Superior.
Os outros dois professores entrevistados, Maria e José, não possuem
Licenciatura e pautaram seus fazeres em sala intuitivamente – da mesma forma que a
professora Ana descreve sua primeira experiência em sala de aula – e mesmo que a
ausência dessas disciplinas não seja garantia de mediações inadequadas, a formação
inicial dos licenciandos pôde, de alguma forma, ter sido prejudicada.
Esse entrave da formação apedagógica dos professores da universidade tem
suporte legal, como já exposto no capítulo 2, a LDB exige apenas que um terço do
corpo docente da universidade pública seja composto por mestres e doutores, o que
também não garante a formação pedagógica.
Nesse sentido, considero que a universidade carece de cursos de formação
continuada para os seus próprios professores, cursos em que sejam debatidas as
especificidades do Magistério Superior, que ponham em cheque o processo de ensinar e
aprender na prática docente universitária, que estimulem a criação coletiva de propostas
desvinculadas dos pressupostos que caracterizam o ensino tradicional, e que valorizem
os saberes pedagógicos.
Esse preterimento dos saberes pedagógicos, essa noção de que o professor só
aprende na prática e que, para ser um bom professor de Química, é preciso ter um bom
conteúdo ficou mais evidente quando o professor José e a professora Maria expressaram
suas concepções sobre a transposição didática109 dos conteúdos de suas disciplinas,
associando essa responsabilidade às disciplinas pedagógicas, diferente das professoras
Ana e Lucia que defendem que estas deveriam ser trabalhadas nas próprias disciplinas
da Química específica.
Ademais, outra concepção que reforça esse perfil conteudista é a noção de que o
trio de professores da Química específica compartilha das pós-graduações, como
momentos da trajetória profissional de aprofundamento e conexão de conhecimentos da
Química. Não obstante esse valor, acredito que as conexões deveriam ser
potencializadas na graduação, que deveria ser suficiente para formar o professor de
Ensino Médio.
109
Retomo aqui que considero essa transposição didática um movimento de contextualizações e
adaptações que podem ser realizadas junto aos conteúdos do nível superior (saberes já ensináveis), para
que esses sejam lecionáveis para os alunos do Ensino Médio
134
Retomando a questão da transposição didática, para o Licenciando, que
estruturalmente cursa um currículo pensado para atender às necessidades do professor, o
debate sobre como os conteúdos do nível superior pode ser lecionado e adaptado ao
nível médio é essencial, além de refutar a setorização da formação pedagógica a um
pequeno grupo de disciplinas.
Todos os professores das disciplinas específicas do conteúdo químico (Maria,
Ana e José) apresentam um perfil conteudista e mesmo que apresentem em seu discurso
um esforço para contextualização desses conteúdos, essa não alcança a realidade dos
licenciandos, pois questões que aludem como esses conteúdos do nível superior se
estruturam no Ensino Médio não são contempladas.
A ausência dessas pontes com o Ensino Médio provoca hiatos na formação
docente e potencializa a formação de profissionais que refletem muito pouco sobre sua
prática, sobre o que ensinam e sobre o currículo ensinado, podendo tornar esses futuros
professores reprodutores de conteúdos prescritos nos livros didáticos.
De forma contrária, o “dar sentido” aos conteúdos ensinados nas disciplinas
específicas da Química, colocado pela professora Lucia, passa por uma postura não só
de contextualização dos conteúdos para sala de aula, mas de debate de suas raízes
epistemológicas. O objetivo é proporcionar ao licenciando uma consciência maior sobre
os aspectos históricos e culturais que rondaram a produção daquele conhecimento, para
que ele possa desmistificá-lo, percebendo seus sentidos.
Além disso, é preciso que as disciplinas estejam mais engajadas em uma
proposta nítida de formação docente, pois esse descompasso, esse desencontro de
objetivos entre as disciplinas da formação profissional da Licenciatura, que ocorre tanto
dentro do Instituto de Química quanto entre o Instituto e a Faculdade de Educação da
UFF, reproduz o mesmo ideário do currículo “3+1”.
No que tange aos aspectos do cenário acadêmico, inicio com a questão da
reforma curricular, por perceber a conexão do perfil conteudista dos professores da
Química específica (com exceção da professora Ana) com suas opiniões sobre a reforma
curricular da Licenciatura em Química. Esse movimento que buscou dar identidade à
formação do professor, acrescentando, retirando ou reformulando disciplinas, foi
considerado empobrecedor pelos professores José e Maria. O professor José chega até
mesmo a ressaltar que o licenciando deveria ser formado também em Bacharel.
Essa última afirmativa remete à valorização da Pesquisa na graduação e, diante
disso, discorro sobre a discussão da tríade Pesquisa/Ensino/Extensão no cotidiano dos
135
professores entrevistados, que classificaram a Pesquisa como ápice das atividades
docentes, colocando o Ensino em segundo plano e a Extensão como a dimensão menos
valorizada.
Com relação ao Ensino, todos apontaram que a Pesquisa abarca de forma
considerável o tempo e a dedicação do professor universitário em sala de aula,
parecendo esses professores estarem atados às engrenagens de uma máquina conduzida
pelos órgãos de fomento à pesquisa e pelos sistemas avaliativos da própria universidade,
onde a produção acadêmica, como: publicações, projetos de pesquisa, patentes e
orientações, entre outras atividades, são moedas de troca para que o professor alcance
reconhecimento e gratificações salariais.
Mesmo diante dessa precarização da formação pela desvalorização do Ensino,
todos os professores consideram que existe nesse movimento de supervalorização da
pesquisa uma melhora nas atividades de ensino, por considerarem que essas atividades
são indissociáveis. No entanto, cabe ressaltar que essa noção é duvidosa, uma vez que
não é a mera coexistência dessas instâncias (Pesquisa e Ensino) que garante a almejada
indissociabilidade.
A ideia de indissociabilidade deve ser compreendida como algo que ultrapasse a
noção de mera coexistência da Pesquisa e do Ensino no corpo de atividades que o
docente realiza para se concretizar no trânsito de experiências e conhecimentos que o
professor leva aos alunos, como resultado de suas vivências acadêmicas. Essa dimensão
se configura atualmente como um desafio para a universidade atual.
Assim sendo, é preciso retomar a reflexão teórico-prática rigorosa sobre o ensino
e a aprendizagem, para que se possa avançar na questão da prática pedagógica que se dá
na universidade em direção da indissociabilidade.
No que concerne ao papel do professor universitário e do professor do Ensino
Médio, todos os professores definem que o primeiro deva ser um profissional preparado
para formar bons profissionais, mesmo que seus discursos revelem fazeres em que essa
dimensão, a do ensino, não seja prioridade.
Enquanto os professores de Ensino Médio apresentam papéis diferenciados entre
os professores entrevistados: para as professoras Maria e Lúcia, o papel de formar o
cidadão, e, para os professores José e Ana, uma atribuição de dependência com a
universidade, sendo o de preparar bem o aluno para a universidade na visão do
professor José e, na visão da professora Ana, a de troca de conhecimentos com os
licenciandos.
136
Nesse interim, o papel da universidade, segundo os professores, também possui
definições distintas. As professoras Maria e Ana consideram essa instituição um espaço
para formação de profissionais capazes de contribuir com a evolução da sociedade. Já o
professor José considera que a universidade deveria estar inserida na cidade, ajudando
no seu desenvolvimento e auxiliando a formação cidadã. A professora Lucia configura
essa instituição como espaço de complementação da formação do jovem, que ultrapassa
a questão profissional.
As concepções expressas por esses professores sobre os papéis da universidade
esboçam um quadro que valora, pelo menos nos discursos, o papel formativo dessas
instituições. No entanto, como coloca Zabalza (2004), as universidades apresentam, há
tempos, um perfil, cujos aspectos formativos não são colocados em primeiro plano. A
precarização do trabalho docente diante da busca de recursos para manter essas
instituições através da Pesquisa está prejudicando de forma incisiva os cursos de
formação docente.
No caso da Licenciatura em Química da UFF, essa lógica não é diferente. Diante
da análise dos discursos dos professores que atuam nessa Licenciatura, é possível
perceber que essa universidade carece de projetos e iniciativas que aprimorem a
formação inicial de professores, tema do último capítulo desta tese.
137
8
CAPÍTULO
Aonde esse estudo pode levar? Propostas e esperanças
Porque há o direito ao grito.
então eu grito.
Clarice Lispector110
Diante do quadro esboçado no capítulo anterior sobre a Licenciatura em
Química da UFF, exponho nas linhas que seguem alguns exemplos de iniciativas que
ocorreram a nível universitário, em diferentes regiões do Brasil, e que aprimoraram a
formação inicial dos professores de Química e, no final dos relatos, uma breve
conclusão dessas experiências.
8.1) A experiência na Universidade Federal de Goiás (UFG)
Nessa instituição, a reforma curricular ocorreu a partir do Projeto PolíticoPedagógico (PPP), reformulado em 2003 e posto em prática em 2004. O ideário que
permeia o PPP vai de encontro às políticas que, em virtude da necessidade urgente de se
habilitar novos docentes, propõem um aligeiramento do processo formativo sem que os
formandos se apropriem dos conhecimentos adequados nem realizem pesquisas
fundamentais à formação docente. Busca, contribuir também, de forma efetiva para a
dinamização da capacidade de intervenção no coletivo escolar dos alunos e professores
envolvidos (ECHEVERRÍA, BENITE & SOARES, 2010).
Para isso, o PPP dessa instituição instituiu disciplinas que privilegiam a reflexão
coletiva, a troca de experiências, a contextualização e o desenvolvimento de ações
conjuntas entre os futuros professores e os professores formadores. Ademais, foi criado
o Núcleo de Pesquisa em Ensino de Ciências – NUPEC.
O NUPEC é constituído por professores formadores do Instituto de Química (da
área de Educação em Química e das disciplinas específicas de Química) além de
professores dos Institutos de Física e Biologia, alunos de graduação e pós graduação e
professores do Ensino Médio.
Segundo Echeverría, Benite & Soares,
110
Frase retirada da exposição “A hora da Estrela”, sobre a autora, no Centro Cultural Banco do Brasil
(RJ), em agosto de 2008.
138
A ideia que fundamenta o Núcleo é a de promover interações comunicativas
tendo a prática pedagógica como objeto de estudo. Essa articulação é um
desafio a ser vencido constantemente. No Nupec fomentamos ativamente a
participação dos professores, mas essa participação é muito complexa e deve
ser constantemente estimulada pelos professores formadores, pois a criação
de uma nova cultura escolar fomentada com base na problematização da
prática educativa concorre com o peso da “mesmice cotidiana” das escolas,
pobre em discussões teóricas, e com a visão da racionalidade técnica que
formou a todos nós alunos e professores, e que está “impregnada” no tecido
das instituições escolares em todos os níveis. (2010, p.33 apud
ECHEVERRIA & ZANON, 2010)
Os autores colocam ainda que, ao longo de seis anos de trabalho, foi possível
redimensionar uma série de atividades, de desconstruir e reconstruir práticas
pedagógicas e cita um período111 desse núcleo que foi dedicado à elaboração de projetos
de Ensino a serem desenvolvidos em escolas públicas de Ensino Médio nas quais os
professores do grupo trabalhavam.
Esses projetos eram inicialmente formulados
individualmente pelos professores e debatidos coletivamente, para seu aperfeiçoamento
e/ou reelaboração, para só assim serem executados com o acompanhamento e a
intervenção constante dos professores formadores.
Complementam os mesmos que, por entraves burocráticos e/ou resistência de
alguns gestores – que possuem a lógica enraizada de distanciamento entre a
universidade e escola, alguns projetos não puderam ser desenvolvidos.
No entanto, concordante com os autores, acredito que essa dinâmica
empreendida por esses projetos que levam a universidade para dentro da escola e
forçam mudanças de “cima para baixo” e de “baixo para cima” é que rompem com a
solidão do professor e potencializam, por um processo de valorização do profissional, a
efetiva participação do professor em atividades coletivas e interdisciplinares, além de
mobilizarem os professores formadores.
No que tange à pesquisa educacional, o PPP do curso de Licenciatura em
Química, da Universidade Federal coloca o Estágio de Licenciatura dividido em três
disciplinas, com ementas e objetivos distintos e que perfazem um total de 400 horas,
como exigido por lei.
Segundo a descrição dos autores, no estágio de Licenciatura I (100 h) o futuro
professor é iniciado na pesquisa em Ensino de Química e é convidado a debater sobre os
seus enfoques epistemológicos e seus fundamentos teóricos, além de ser apresentado
111
Segundo semestre de 2005 e primeiro semestre de 2006.
139
aos objetos de estudo da área, seus métodos e instrumentos. Nessa etapa o alunos é
convidado112 a participar do Nupec.
Nos estágios seguintes, II (100 h) e III (200 h), os alunos, já iniciados na
pesquisa, se juntam aos professores do Ensino Médio participantes do Nupec e
desenvolvem com eles a pesquisa nas escolas. Os autores colocam que nem todos os
alunos fazem seus estágios supervisionados em parceria com o Nupec, pois algumas
escolas para as quais eles são encaminhados não apresentam professores participantes
do núcleo. Independentemente disso, os alunos realizam pesquisa, orientados pelos
professores da área de Educação em Química, e apresentam suas monografias de final
de curso, no final do estágio III.
Outras atividades estão inseridas no planejamento pedagógico do Instituto, entre
elas, os grupos de estudo entre calouros (alunos do primeiro período) e veteranos.
Nesses grupos, a participação é voluntária, e dois veteranos (orientados por professores
formadores) coordenam os encontros com um grupo de calouros, para debaterem
conceitos fundamentais da Química. Esses encontros são filmados em VHS, as
entrevistas são gravadas em áudio, e os questionários respondidos pelos calouros são
guardados. Todo esse material é analisado pelos veteranos juntamente com os
professores formadores (op. cited.).
Todo esse conjunto de ações e ideias, na perspectiva de criar uma nova cultura
de formação de professores, requer um tempo de sedimentação e, nesse sentido, a
vontade, o “planejamento escrupuloso do sonho” (p.43, op cited) e a constante
construção e reelaboração coletiva são imprescindíveis.
8.2) A experiência na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS) e na Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG)
Nessas instituições, Ramos, Galiazzi & Moraes (2010 apud ECHEVERRÍA &
ZANON) destacam que a interação dos licenciandos e dos docentes com os professores
e alunos das escolas é dada desde o início do curso, num processo de imersão gradativa
do licenciando na escola.
112
Os autores ressaltam que, embora convidados, nem todos os alunos comparecem às reuniões do
Nupec. E os motivos são variados, mas um deles é o horário, e sinalizam que para todos os alunos
participarem seria necessário que não houvesse aulas de nenhuma disciplina sexta à tarde. Acredito que
essa medida poderia ser tomada, se as coordenações vinculadas à Licenciatura acordassem entre elas essa
condição.
140
Segundo os autores, o conceito de tutoramento, que perpassa as várias
disciplinas de formação pedagógica, é definido como “o processo de aprender com o
outro, numa relação de reciprocidade, no espaço/tempo da escola e da Universidade”,
(p.48, op. cited.) envolvendo todos os saberes categorizados por Tardif. E
complementam que, para que ocorram aprendizagens relevantes associadas ao “ser
professor”, é necessária a interação dos quatro elementos fundamentais do processo de
formação inicial: os professores universitários, os licenciados, os professores da escola e
seus alunos.
Em relação à matriz curricular, o curso da PUCRS se assemelha às demais
matrizes reformadas113, com disciplinas pedagógicas desde o primeiro período, e
iniciando as atividades de prática de Ensino por intermédio das disciplinas Tutoramento
em Prática de Ensino I, II, III e IV que culminam no Estágio Supervisionado, no
penúltimo período.
Assim como na experiência relatada da UFG, cada “Tutoramento em Prática de
Ensino” na PUCRS também tem um objetivo: o primeiro propõe-se ao reconhecimento
e à problematização da realidade escolar e da sala de aula; o segundo visa ao estudo da
experimentação no Ensino de Química; o terceiro, ao estudo e aprofundamento dessas
questões experimentais do Ensino de Química pela integração com outras áreas, pelo
desenvolvimento de projetos com alunos e atividades integradoras com o Museu da
PUCRS, da pesquisa de novas atividades experimentais e da produção escrita sobre o
trabalho desenvolvido. O último propõe-se ao planejamento e à organização de recursos
para as atividades futuras do Estágio Supervisionado (op. cited.).
Esses tutoramentos têm, portanto, caráter de estágio, uma vez que, segundo os
autores, ocorrem no campo real de trabalho, com a supervisão e interação dos docentes
da universidade e os demais licenciados das escolas.
No caso do curso da FURG, com estrutura semelhante ao da PUCRS, os estágios
supervisionados são realizados em cinco momentos semestrais, a partir da metade do
segundo ano do curso, e a proposta desses estágios está sustentada em educar pela
pesquisa. Sendo assim, cada estágio cumpre um objetivo: no Estágio I, a ênfase é no
regresso do aluno à escola agora numa perspectiva profissional em que ele observa e
113
A partir desse ponto, categorizo matrizes reformadas como todas aquelas que, após a publicação das
Diretrizes para formação inicial de professores da Educação Básica em Cursos de Nível Superior
(BRASIL, 2001), reformularam ou criaram seus currículos pautados na desvinculação da Licenciatura e
do Bacharel e na introdução a disciplinas articuladoras e pedagógicas desde o começo do curso de
Licenciatura.
141
conhece a escola e seu contexto e registra essas observações em portifólios; no estágio
II, o enfoque é experimentação no Ensino Médio e sua natureza pedagógica e
epistemológica; no estágio III, o aluno analisa os livros didáticos via pesquisa coletiva;
no estágio IV, o licenciando apresenta um envolvimento com a escola que o encaminha
para o planejamento de seu trabalho, junto com o professor tutor das atividades que
serão desenvolvidas no estágio V, no qual ele assume uma sala de aula durante um
semestre.
Em ambos os exemplos, o que as instituições têm procurado reforçar é a
articulação entre professores universitários, licenciandos, professores das escolas e seus
alunos e os processos de formação permanente em que se busca a articulação dessa
formação com o desenvolvimento curricular.
8.3) A experiência na Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (UNIJUÍ)
A Licenciatura em Química, na UNIJUÍ, apresenta um currículo reformado e
este relato está centrado em dois componentes curriculares dessa matriz curricular:
Pesquisa em Ensino de Química I e II, apropriados e usados pelos licenciandos
enquanto vivência formativa.
Nesses componentes curriculares, os licenciados aprendem e vivenciam todos os
passos da execução de uma pesquisa, desde a construção de uma questão de pesquisa, a
elaboração de um projeto, até a sua execução no contexto escolar incluindo, também, a
escrita de um relatório final no formato de um artigo em que o aluno submete seus
resultados de pesquisa à validação no curso ou em eventos fora dele (WENZEL,
ZANON & MALDANER, 2010).
Essas ações constam no plano de Ensino da universidade e são consideradas um
aprender coletivo, segundo os autores (op. cited.), onde os licenciandos atuam em
pequenos grupos e contam com a sistemática mediação dos professores orientadores.
Os objetivos do trabalho superam a mera descrição da prática da pesquisa e focalizam
principalmente a interpretação de tal prática, como os licenciandos vão vivenciando os
passos do fazer pesquisa em sua formação e constituindo-se professores pesquisadores.
A construção e análise dos dados de pesquisa partem da aplicação de
questionários e da realização de entrevistas semiestruturadas (gravadas em áudio e
posteriormente transcritas) com os licenciandos que cursaram os componentes
142
curriculares que servem de campo empírico para investigação. A base teórica principal é
o referencial histórico-cultural, tendo Vygotsky como precursor, cujo cerne consiste na
visão de que o indivíduo é resultado de um processo mediado histórica e culturalmente,
nas interações sociais, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem no
desenvolvimento humano.
Com base nesse entendimento e concordante com os autores, ratifico suas
considerações no que tange à pesquisa como prática: o professor em formação inicial
(ou continuada) não irá aprender a pesquisar, nem compreender a importância da
pesquisa se não vivenciá-la em situações práticas que potencializem tal aprendizado (op.
cited.).
Os resultados obtidos são muito promissores e reforçam a ideia de que a prática
do fazer pesquisa necessita ser ensinada e mediada por um orientador, pois um
pesquisador se constitui pela apropriação de instrumentos culturais como: leitura, escrita
e fala (parte da socialização da pesquisa) e pelo uso da linguagem específica da pesquisa
(deslocando o aluno da ventrilocução114 dos termos que permeiam a área de educação).
Esse tipo de formação é condição essencial na constituição de um professor com
iniciativa de procurar diferentes fontes de informação, capaz de construir e reconstruir
conhecimentos.
8.4) A experiência na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
O curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), situada no estado da Bahia, possui, assim como as outras universidades
selecionadas nesse capítulo, seu currículo reformado desde 2004, a partir de um novo
Projeto Acadêmico Curricular (PAC), alinhado com as orientações gerais para os
cursos de formação docente e com as experiências da própria universidade na formação
de professores (WARTHA & GRAMACHO, 2010).
Segundo os autores, o PAC foi estruturado, buscando uma formação mais
abrangente e humana, permitindo ao aluno o contato com disciplinas relacionadas à
problemática da educação desde o início do curso. Ademais, foram desenvolvidas
disciplinas de outras áreas do conhecimento com um perfil mais significativo para o
aluno do curso de Química, como Geometria Aplicada à Química e Informática
aplicada à formação do professor.
114
No viés bakthiniano, é o ato da fala (que aqui estendo a escrita) sem a apropriação do significado.
143
O PAC criou também as disciplinas Pesquisa e Ensino de Química I e II,
ministradas nos dois últimos semestres dos cursos e com o propósito de oferecer ao
aluno o aprofundamento de algumas questões discutidas ao longo da formação,
mediante a elaboração e execução de projetos de Pesquisa em Ensino de Química e que
subsidiarão a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Além dessas modificações, o corpo docente do curso tem buscado ampliar os
projetos de extensão que objetivam fortalecer o vínculo permanente entre a universidade
e a escola básica, procurando proporcionar espaços de interação entre o licenciando e os
professores de Química do Ensino Médio.
Segundo os autores, essa necessidade de criação de novos espaços de interação
profissional, dentro e fora da universidade, impulsionou o desenvolvimento de ações de
formação docente inicial em que professores de escolas atuem em aulas/disciplinas, na
universidade, em parceria com professores formadores.
Em disciplinas como Experimentação no Ensino de Química, Dificuldades de
Ensino, Aprendizagem em Química, Contextualização e Interdisciplinaridade no Ensino
de Química, um ou mais professores do Ensino Médio são convidados a participar do
planejamento e execução de aulas da Licenciatura em Química.
Mesmo que assumam que o curso ainda se encontra distante do esperado, os
autores consideram que estejam construindo mudanças significativas na formação de
futuros professores de Química e finalizam destacando algumas conquistas
proporcionadas pelo PAC, como: a formação pedagógica articulada com a formação
Química durante todo o tempo do curso; a formação inicial articulada à continuada; a
mobilização de todos os docentes do curso e a conjugação Pesquisa, Ensino e Extensão
realizada na prática através dos projetos de formação continuada dos professores de
Química.
8.5) Meu grito: em que esses relatos podem contribuir para melhoria da
formação inicial da Licenciatura em Química da UFF?
Os relatos descritos nesse capítulo são exemplos de iniciativas tomadas em
algumas universidades no Brasil para aprimorar o processo formativo de seus
licenciados e esses apresentam alguns movimentos similares que podem apontar
tendências para o aperfeiçoamento da Licenciatura em Química da UFF, o cenário desta
pesquisa.
144
Em todas as propostas aqui apresentadas, a primeira característica comum foi a
criação nos currículos reformados apresentados de disciplinas que privilegiem reflexões
coletivas que articulem os professores universitários, os licenciandos e os professores
do Ensino Médio. Essas são as articulações horizontais que poderiam ser coordenadas
por professores da área de Ensino de Química, juntamente com o coordenador do curso.
Além disso, algumas propostas valorizam também as articulações verticais, entre
os integrantes da instituição, e apostam nos grupos de estudo entre calouros e veteranos,
para debate sobre conceitos fundamentais da Química, com supervisão de professores
universitários e alunos de pós-graduação.
Essas duas modalidades de articulação requerem das instituições a criação e
legitimação de espaços para essas interações, inserindo essa atividade na organização
dos tempos e espaços acadêmicos. Além disso, é preciso criar mecanismos que
incentivem o envolvimento dos professores universitários nessas propostas.
Com base nas entrevistas analisadas, vimos que, na UFF, formalmente se tenta
fazer a primeira articulação, que fica sob a responsabilidade da disciplina lecionada pela
professora Lucia (Pesquisa e Práticas de Ensino I, II, III e IV), que se esforça para
potencializar a articulação com os professores das escolas, mas ainda se declara isolada
com relação à articulação pretendida com os outros professores universitários
imbricados no processo formativo da licenciatura, seus pares de profissão.
A segunda característica em comum se manifesta no esforço das propostas em
oferecer uma rota formativa de estágio supervisionado que culmine na formação do
professor pesquisador, o que também é descrito como um dos fazeres das disciplinas de
Pesquisa e Prática de Ensino da UFF.
No entanto, em algumas propostas, houve a criação de disciplinas que tratam
somente dessa questão do fazer pesquisa, aproveitando as próprias vivências dos
licenciandos como dados para futuras pesquisas por eles desenvolvidas. Essa ideia que
contribui para a associação da prática de pesquisa à prática de ensino e possibilita por
parte do licenciando uma postura de ensino diferenciada.
A criação dessas disciplinas se assemelha à criação do NUPEC na proposta
apresentada da UFG. Um núcleo de pesquisa que mobiliza diferentes professores das
Licenciaturas, professores do Ensino Médio e licenciandos, articulando essas relações, e
também subsidia essas discussões sobre o como fazer pesquisa na área de Ensino.
Essa articulação é perfeitamente possível na UFF, o que falta são ações que
procurem integrar os professores os quais, de forma isolada, desenvolvem pesquisas
145
relacionadas ao Ensino. Nesse ambiente, as parecerias ainda são estabelecidas,
considerando a empatia entre os professores ou a proximidade de seus departamentos ou
institutos.
Nesse sentido, considero necessária a criação de mais eventos ou projetos com
propósitos que superem a apresentação e partam para a integração. Eventos já
instituídos como: “Semana de Extensão”, “Jornada de Iniciação Científica” e o
“Prêmio Vasconcelos Torres”115 que incentivam a apresentação do rico corpo docente
da universidade e seus projetos de pesquisa, poderiam abarcar também outros objetivos,
através de debates ou dinâmicas propostas nesses encontros que buscassem diminuir a
sensação de isolamento que permeia, por vezes, os próprios professores de disciplinas
afins.
E os já conhecidos “Seminário Interativo de Prática Pedagógica Discente” e a
“Mostra de iniciação à docência” poderiam abarcar também outros objetivos,
convocando os diferentes professores que não estão envolvidos diretamente com os
trabalhos apresentados para os debates, provocando nesses professores a reflexão e a
autocrítica de suas práticas pedagógicas e de suas concepções sobre docência,
corroborando também para uma integração da comunidade docente de formadores da
UFF.
Por fim, outra característica fortemente presente nos relatos apresentados foi a
elaboração de Projetos de Ensino em constante interação com as escolas públicas. Esses
contam com a participação efetiva dos professores do Ensino Médio, dos professores
universitários e dos licenciandos e são propostas cada vez mais valorizadas pelas
pesquisas educacionais no que tange à formação docente.
A subcoordenadoria de iniciação à docência da UFF, setor vinculado à
PROAC116, tem concedido desde 2006, devido aos recursos do programa
PRODOCÊNCIA117 do MEC, bolsas para alunos de licenciatura atuarem em projetos
com perfis próximos aos supracitados, o que mostra um avanço para melhoria da
formação docente.
Acrescento que essas iniciativas proporcionam o reconhecimento e a
problematização da realidade escolar e da sala de aula, valoram os professores do
115
Premiação aos melhores projetos de pesquisa, que são avaliados por uma comissão científica da
própria UFF.
116
Pró-Reitoria de Assuntos Acadêmicos, atualmente PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação.
117
Programa de Consolidação das Licenciaturas implementado pela CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) em 2006.
146
Ensino Médio como membros efetivos da comunidade de pesquisadores em Educação,
potencializam reflexões por parte dos professores universitários sobre o seu papel no
processo formativo e das disciplinas que lecionam. Estimulam também a vivência da
pesquisa em todos os seus passos de execução por parte dos licenciandos e por fim,
fortalecem a atividade de extensão, fortalecendo o vínculo permanente entre a
universidade e a escola básica.
Para os três professores entrevistados, a atividade de extensão foi
assumidamente aquela menos valorada. Essa realidade pode começar a mudar na
medida em que o corpo docente da Licenciatura for estimulado para formulação de
novos Projetos de Extensão dirigidos para a formação de professores, em parcerias com
a escola básica, ou, ainda, que o corpo docente seja estimulado a conhecer e participar
dos Projetos desse tipo, que se encontram em andamento na universidade, coordenados
pela Pró-Reitoria de extensão da UFF.
Portanto, a partir das similaridades encontradas nas experiências relatadas pelas
instituições para a melhoria de suas Licenciaturas e diante das mazelas reveladas sobre
o processo formativo oferecido na UFF, sedimento minhas expectativas de suscitar,
através da publicação desta Tese, o debate e a criação – e não a importação – de
iniciativas apropriadas à realidade da UFF, que aprimorem a formação inicial da
Licenciatura em Química dessa instituição.
147
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152
ANEXO 1 – FLUXOGRAMA DA LICENCIATURA
LEGENDA:
Disciplinas lecionadas pela professora Maria
Disciplinas lecionadas pela professora Ana
Disciplinas que Maria e Ana lecionaram
Disciplinas lecionadas pela professora Lúcia
Disciplinas lecionadas pelo professor José
153
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
P: Então, professora, na verdade, assim, primeiro eu queria dizer que nessa gravação, que essa entrevista
vai ser utilizada só pra fins de estudo e que em nenhum momento a sua identidade vai ser revelada, nem
na minha tese nem nos possíveis artigos que essa entrevista pode produzir, né? Ela vai ser preservada, é,
então, nesse primeiro momento, queria que você, se apresentasse assim, né, expondo sua formação
acadêmica, as disciplinas que você lecionou na Licenciatura em Química, as funções que desempenha ou
desempenhou aqui na universidade.
Prof. Maria: Bom, minha formação básica é engenharia Química, e ingressei... Fui monitora do
departamento de físico-Química, e ingressei na universidade em 79, e logo depois comecei o mestrado na
UFRJ em físico-Química, depois eu não emendei logo o doutorado, comecei a trabalhar nessa parte de
físico-Química analítica, trabalhando com eletrodo seletivo, que tava começando, no começo dos anos 80,
então comecei a trabalhar mais voltada pra análise na área ambiental, e fiz o doutorado então em
geoQuímica ambiental, acabei em 2000. Paralelamente, vinha trabalhando com essa questão do Ensino
no curso de especialização em Ensino de ciências, dando aula... No primeiro momento, não dava aula, só
montava o projeto, alguma coisa assim, material de apoio, e depois passei a dar a instrumentação de
Ensino na área de físico-Química.
P: Esse curso de especialização foi o primeiro contato com a sala de aula na universidade que a senhora
teve?
Prof. Maria: Não, na sala de aula não, pra o Ensino Médio. Na sala de aula eu comecei desde 79. Então
dei aula de físico-Química I, físico-Química II, físico-Química V, os laboratórios todos do departamento.
P:
Naquela época o currículo ainda era comum, né? Então na verdade a senhora deu
pra... tanto com bacharel como pros licenciados.
Prof. Maria:
Isso. Pra farmácia também, engenharia Química, hoje, a engenharia de petróleo.
E aí depois, principalmente depois que eu estive afastada pro doutorado, quando eu retornei, introduzi
uma disciplina de Química ambiental, aí até já tinha um início, eu dei uma reformulada, comecei e se
criaram então duas disciplinas de análise ambiental, então, depois eu passei a dar... [fomos interrompidos]
P: Então, a senhora falava da disciplina de Química ambiental.
Prof. Maria: Isso. Aí essa disciplina primeiro era uma disciplina optativa. Então, a clientela era Química,
né, tanto bacharel quanto licenciado, industrial também. Depois, o pessoal da engenharia Química passou
a procurar, e quando houve a reforma curricular dos cursos de Química, essa disciplina passou a ser
obrigatória, então ela mudou um pouco o enfoque, ela passou a ser - embora tenha o nome de introdução
a Química ambiental - ela passou a ser mais Química e em seguir, eu passei, fiz uma outra disciplina, que
a demanda é muito grande até hoje, uma disciplina chamada Química ambiental. E essa disciplina
Química ambiental atende biologia, atende geografia, vários cursos. Então, essa é optativa, e, então,
como eu também criei depois uma disciplina de gerenciamento de resíduos de laboratório, então fica um
semestre sim, um semestre não, essas duas optativas, né?
P:
Ou com Química ambiental ou...
Prof. Maria: ...ambiental ou gerenciamento de resíduos de laboratório.
P: Entendi. E assim, fora a sala de aula, as outras funções que a senhora desempenhou, a senhora já foi
coordenadora, já foi...
Prof. Maria:
É, eu já fui chefe de departamento várias vezes, sub-chefe. Então, a primeira vez
que eu fui subchefe, bem no começo houve uma vacância aqui, acabei ficando como subchefe, aí logo
depois teve a eleição, tudo isso, mudou todo o esquema, passou a ser um cargo eletivo, aí eu me
candidatei, fui chefe durante dois anos. Depois fiz dobradinha com outras colegas de vice, várias vezes.
Então, chefe mesmo, duas vezes, dois mandatos, e como vice-chefe departamento umas três vezes mais ou
menos.
P: Está certo, é...
Prof. Maria: fora colegiados, né, de cursos, especialização, colegiado de unidade. Sempre me vi mais
ou menos envolvida nessa parte administrativa.
P:
Então a senhora, pelo que a senhora falou, você tem a graduação de engenharia
Química, mas desde que entrou na universidade, teve contato com a sala de aula, pelo fato de ter tido uma
graduação em engenharia Química, você não teve um contato direto com essas disciplinas pedagógicas,
né? Eu queria saber de que forma isso afetou ou não a sua relação na sala de aula?
Prof. Maria: Eu acho que foi tudo muito feito por intuição, né? Eu sempre procurei dar o melhor, uma
melhor maneira tanto de repassar o conhecimento, como de avaliar, tudo isso. Sempre questionei muito
isso, mas feito sem base nenhuma teórica. Até adquirir essa... um pouco, né, dessa base, quando eu fui...
me envolvi no curso de especialização, aí passei a fazer uma leitura de Ensino de ciências entendeu,
P:
em Ensino de ciências
Prof. Maria:
aí eu passei a ter uma leitura voltada pra essa área que até então a formação era
mais pesquisa em radioQuímica ou mesmo na área de ambiental.
154
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
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P: Em que momento a senhora passou a se envolver com essa especialização de Ensino de ciências? Foi
logo no início quando a senhora começou a dar aula de físico-Química, tal, ou foi mais no meio do
percurso, como é que foi?
Prof. Maria: Bom, eu considero como marco, digamos assim, depois que eu acabei o doutorado, porque
no começo eu tinha uma participação meio sem compromisso, né? Então, depois, aí tive que me afastar
mesmo que o foco era outro, a prioridade era o doutorado mesmo, então depois de 2000 é que eu
realmente passei a publicar na área entendeu, fazer parte do projeto. Então, praticamente, eu considero
esse o marco.
P: E aí a área de Ensino realmente entrou oficialmente no seu currículo.
Prof. Maria: Isso, oficialmente.
P: Ah, entendi, e, como professora de físico Química, possivelmente nesse percurso a senhora deu aula
pra licenciados. Pra essa disciplina de físico-Química, né, que é uma disciplina inclusive que a gente
percebe que também está presente no Ensino Médio, quais são os conhecimentos necessários na sua
opinião, pra lecionar físico-Química no nível superior?
Prof. Maria: Bom, nível superior, físico-Química pela característica dela, ela vem a explicar os
fenômenos e através de modelos. E esses modelos são todos elaborados em cima de modelos
matemáticos, então, eu vejo que a maior dificuldade, principalmente pro aluno de farmácia que não traz
essa bagagem, é o formalismo, quando a coisa é só fenomenológica, eles vão bem. Agora, quando parte
pro modelo, pro formalismo matemático, aí você sabe que fica perdido, que já tem dificuldade mesmo.
P: E assim, com relação ao professor de Química do Ensino Médio, qual a importância, na sua opinião,
dessa disciplina físico-Química, pra esse futuro professor de Ensino Médio? A físico-Química que ele
aprende aqui na faculdade, que integra o currículo dele. Qual a importância dessa disciplina pra sua
formação, enquanto futuro professor do Ensino Médio?
Prof. Maria: É, pelo fato dele explicar. Então, você pode usar exemplos desde um gás liberado de uma
garrafa de refrigerante, por que o céu é azul, todas as explicações da natureza, tudo isso, todas elas tem
uma explicação físico-Química, então, eu hoje vejo que é super importante o licenciando sair com essa
bagagem entendeu?
P: Mesmo que as vezes essa bagagem esteja impregnada de formalismo matemático?
Prof. Maria: Que ele não precisa aplicar no Ensino Médio, mas que faz parte do entendimento de um
todo entendeu?
P: Precisa então no caso de que o estudante tenha uma capacidade pra adaptar o conteúdo de físicoQuímica pro Ensino Médio.
Prof. Maria: É.
P: E nesse sentido assim, por essa adaptação, por essa transposição didática, na sua opinião, quais são as
formas que isso poderia ser feito? O estudante, ele vai desenvolver isso, ele pode desenvolver isso em que
disciplina? Na própria disciplina de físico-Química, numa disciplina da área pedagógica, numa disciplina
de interface entre a pedagogia e a Química?
Prof. Maria: Eu acho que numa disciplina pedagógica, porque a disciplina de físico-Química precisa ser
cobrada com todo o seu formalismo, né? Você tem a Química quântica, que é dentro da físico-Química,
que tem um formalismo matemático muito rígido; a termodinâmica; a radioQuímica, que faz parte do
currículo, né, ele precisa ser cobrado enquanto aluno de graduação.
P:
Uma série de exigências que essa disciplina requer...
Prof. Maria:
É, requer. Agora, a aplicação dela, desse profissional, aí até acho que no
currículo do Ensino Médio, não precisaria de tanto formalismo, acho que deveria voltar sim, pra essa
questão mais fenomenológica que a físico-Química tem resposta entendeu?
P: Entendi.
Prof. Maria: Afastar um pouco desse formalismo de tanto cálculo, de soluções. O aluno do Ensino
Médio não vai fazer uma solução entendeu? Então...
P: E assim, nesse sentido, já que estamos falando aqui do professor de Ensino Médio, a senhora atuou
tanto tempo como professora. O que a senhora acha, o que a senhora considera importante pra formar um
bom professor de Química? O que a senhora acha que deveria ser imprescindível, fundamental, pra um
bom professor de Química na sua formação?
Prof. Maria: O que eu vejo hoje, eu já fiz vários trabalhos, ultimamente tenho feito até mais de alunos de
Licenciatura e monografia de conclusão de curso. Então, esses alunos estão indo as escolas de Ensino
Médio. E até pra surpresa, esses alunos que passaram por mim, por outros colegas que tem a mesma
prática, passam em concursos, são comprometidos com Ensino, porque vão ter uma vivência prática. O
que eu sinto falta é que a universidade, parece que fica num patamar acima, e aí não há uma interação
do aluno que está sendo formado, com o Ensino Médio, com a escola, digo que tem que ter o aluno na
escola. Meus títulos são sempre assim, o olhar do licenciando entendeu? Sempre focando a presença
desse licenciando na escola, porque forma-se licenciandos, a menos praquele aluno que vai se virar, vai
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ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
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dar aula no cursinho, no pré-vestibular, pré-vestibular comunitário. Mas aquela vivência de um projeto,
do aluno estar na escola, vivenciando a escola antes da graduação, né, da apropriação do grau, eu acho
isso importantíssimo entendeu, porque cria um compromisso.
P:
Então a senhora aponta então ainda uma carência de parcerias...
Prof. Maria:
de parcerias...
P:
Entre a universidade e a escola. Pelo que a senhora colocou, parece que o aluno
licenciando, precisaria viver mais na escola pra poder desenvolver esses conhecimentos...
Prof. Maria:
É. Porque os estágios supervisionados, passam muito longe da realidade, acaba
sendo assim, sendo Ensino público é meio que ‘tapa buraco’. E uma escola particular, o estagiário, que
seria o bolsista, né, ele não tem acesso a rotina mesmo de uma programação de aula, uma lista de
exercício, ele é mais observador entendeu? Então, eu sinto essa lacuna.
P:
Ele ainda está suspenso...
Prof. Maria:
É, não está inserido, ele não sabe ainda o que é o dia-a-dia da profissão. Sai com
o título e aí muitas vezes, muitos se chocam, e aí como tem sempre a possibilidade de fazer
complementação pra Química industrial, pra Licenciatura, eles retornam. Até alunos que tem potencial,
que saíram com uma inspiração...
P:
Alguns até abandonam o magistério...
Prof. Maria:
É, o magistério, acho que se isso fosse encaminhado desde algumas disciplinas
da educação, da pedagogia da educação, eu acho que seria um link entendeu, porque ia ajudar muito na
formação...
P:
pra evitar esse tipo de problema, de evasão para outras áreas, e agora, uma
pergunta que vai fazer a senhora viajar um pouco no tempo. A senhora teve assim, na sua graduação de
engenharia Química, uma série de professores passaram por sua vida, por sua formação acadêmica, e a
senhora logo depois, veio também ser professora da universidade e tal... Então assim, comparando a sua
atuação em sala de aula, com a dos professores que lecionaram pra você na sua época de graduação,
quais são as semelhanças e as diferenças que a senhora pode apontar?
Prof. Maria: Tem sempre aqueles que você identifica que você não quer, não quer ser aquele espelho...
P:
Aquele perfil, né?
Prof. Maria:
Não quer ter aquele perfil, né? Eu fiz uma vez uma vez uma prova de concurso
que caiu uma parte de uma matéria, um professor até muito legal, sabe a história daquele professor muito
falante, todo mundo gostava dele, mas depois quando se espremeu não ficou nada do curso dele, uma
prova que caiu muita coisa. Então, eu sinto que é uma falha da minha formação, é essa parte da
engenharia Química, por conta que foi uma brincadeira, um curso levado sem compromisso nenhum
entendeu? Então, sempre e eu acho que o aluno, ele num primeiro momento ele pode não gostar do
professor que cobre, mas depois ele reconhece que aquele professor acrescentou alguma coisa na vida
profissional dele, na formação dele. Então, eu sempre procuro, né, eu sempre brinco, eu digo assim:
“Olha, vocês que vão aprender físico-Química, eu estou aqui pra ajudar”. Mas eu sinto que aqueles que
realmente correm atrás, mesmo os de farmácia que tem realmente uma grande dificuldade,
principalmente com físico-Química I, que é mais formal, que é mais assim, abstrato, os que realmente
levam a sério e frequentam o curso direito, eles acabam se superando, aí depois de um certo nível, iguala
todo mundo entendeu? Tanto é de Química, como de farmácia; não vejo diferença nenhuma, num
primeiro momento sim, depois não. Então, sempre procurei ajudar esses alunos de farmácia, embora não
sendo farmacêutica, sabendo dessa real dificuldade entendeu? Não sei se eu fugi da resposta.
P:
É, eu vou voltar. Comparando a essa atuação, então. Se você pudesse se definir,
que perfil a Professora Maria tem em suas aulas de físico-Química? Comparando até com formadores,
professores que já passaram na sua vida acadêmica, naquela que você colocou ali o exemplo do
professor que era muito carismático, mas que ele levou o curso inteiro na brincadeira e aí no final da
graduação, a senhora percebeu que espremendo ali não ficou quase nada. Então nisso, como é que a
Professora Maria iria se definir? Que tipo de perfil ia ela ia assumir?
Prof. Maria: Um compromisso entendeu, um compromisso de realmente mostrar até pro aluno,
principalmente de farmácia. Mostrando que, primeiro discurso a fala é única. Pra que eu preciso de
físico-Química? Aí eu começo, aqui, aqui, aqui... em tudo, um creme que você passa no rosto tem a parte
cosmética, a parte de todos os fármacos, estabilidade de fármacos, começo todas mostrando, “Olha,
físico-Química é uma ferramenta”. Então, eu procuro esse tipo entendeu, de mostrar a importância da
disciplina, ambiental é uma coisa que eu adoro, então também é uma coisa que eu valorizo, sem ser
aquela ambientalista piegas, aquela coisa assim, mas mostrando que o químico é um ator que pode atuar
firme, e tem muita gente na área de ambiental que não sabe os porquês, entendeu? Então, eu sempre falo
é um campo de falhas porque vocês, além de ter o conhecimento que todos os outros geógrafos, biólogos,
vão adquirir, vocês sabem explicar o porquê está acontecendo o efeito estufa, ou o porquê do
aquecimento global entendeu, toda essa bagagem. Então eu procuro mostrar a necessidade do
156
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
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conhecimento, entendeu, que não é aquela coisa assim, formal, de botar derivada pra tudo quanto é lado,
integral, sempre mostrado que faz parte, mas que tem algo além, que é super prático entendeu?
P: Entendi.
Prof. Maria:
Que é uma disciplina muito prática
P: Bom, agora indo mais pra UFF em si, né? Considerando o tempo que a senhora atua aqui na UFF, no
seu entendimento, as reformas curriculares que foram realizadas na Licenciatura, melhoraram, pioraram,
ficou a mesma coisa, com relação a formação dos futuros professores de Química?
Prof. Maria: Já estou aqui, vai fazer trinta e um anos agora, né, dando aula de Química e teve projetos, e
projetos de mudança de curso e fui até de comissões, a coisa não andou, mas a última reforma foi muito
abrangente, eu acho que teve uma resposta muito boa, tanto a nível dos profissionais que saíram, que
fizeram concurso, tem alunos que estão muito bem colocados, tanto em prova pra estado, primeiro, você
também é um exemplo. Quer dizer, você vê que é lógico, que tem pontos fora da reta, tanto pra mais
quanto pra menos, mas de uma maneira geral, a maioria dos alunos estão se colocando bem. Então, eu
acho que a reforma, foi até ambiciosa demais, nós estamos em fase de começar a mexer no currículo, nós
estamos na segunda modificação e acho que pode ter uns ajustes, principalmente pro licenciando que
ficou muito pesado, essa parte de Química quântica entendeu, espectroscopia. Então, pra que um
licenciando precisa... até precisa de uma noção, pra poder ter o além pra poder explicar o básico, né?
Por que ocorre uma ligação... Mas, nós vamos dar uma enxugada em alguns tópicos, alguma coisa que foi
além. Mas uma coisa muito positiva que eu vi no curso, nessa reforma curricular, foi que nós criamos
tutorias. Então, tem seis tutorias além da monografia de conclusão de curso. Então, o aluno, ele vai
aprendendo nessas tutorias, a parte de didática também, a parte de pesquisa, como preparar um pôster,
como preparar, usar um data show, um Power point, seminários. Então, tudo isso de certa forma é
treinado num primeiro momento, em grupo de4, 5, e aí você fica acompanhando aquele aluno um ano, na
tutoria I e II, depois você já vai trabalhando mais individualizado. Aí, normalmente o que que se faz? É
trazer esse aluno pro seu grupo de pesquisa. Porque você já trabalhou com ele, aí que vai, o interessante
que aí leva esse aluno pra escola, vai fazer um trabalho de campo, aprende a fazer um questionário,
então acaba realmente criando aquele aluno, professor/aluno/pesquisador, ele já vai entendendo como se
faz uma pesquisa na área de Ensino, esse tipo de coisa, né, laboratório, escola entendeu?
P: Então, nesse sentido assim, quais são os pontos positivos e os pontos negativos, se é que existem, né?
Que a senhora pode destacar na formação universitária oferecida pro licenciando atualmente?
Prof. Maria: ...
P: Você levantou a questão da tutoria né?
Prof. Maria:
aham
P:
Então, já que comentou a tutoria de forma positiva, pro aluno, pra ensiná-lo
algumas coisas a mais, né? Quais são outros pontos positivos ou algum ponto negativo que a senhora
enxergue que ainda precise mudar na formação oferecida atualmente na universidade, pós-reforma, né?
Prof. Maria: É. Em termos do curso de Química aqui da UFF, eu acho que negativo é esse currículo que
você está tentando agora adequar, enxugando mais, né? Mas eu acho que é valorização mesmo do
profissional, do aluno que ele acaba é... hoje a FAPERJ já da bolsa de iniciação científica pra quem faz
trabalho na área de Ensino de ciência. Até pouco tempo atrás, até 2008, não tinha. Então, que que o aluno
licenciando, ele não ia buscar trabalhar no projeto na área de Ensino, porque o projeto não tinha bolsa.
Uma minoria até que ia, a gente tinha outros meios de ter uma bolsa de trabalho, alguma coisa assim, mas
não era uma bolsa oficial PBIC? com reconhecimento... Então, o que fazia esse aluno? Ele ia fazer
iniciação científica, em laboratórios, não tem nada contra, mas não tinha aquela valorização do
profissional. Hoje a FAPERJ é o único órgão de fomento que dá bolsa pro licenciando. Então, acho que
isso passou a ser uma valorização do aluno licenciado entendeu?
P:
Uma valorização que foi na verdade, inovadora pra um órgão de fomento a
pesquisa, e, com relação a UFF em si, né, a estrutura da UFF assim, né, a formação que a UFF oferece.
Por que o órgão de fomento a pesquisa, a gente sabe que na verdade, todo projeto tem um professor por
trás, o professor da UFF submete um projeto com o aluno, tal, mas com relação a estrutura da UFF com
relação aos professores que lecionam o curso de Licenciatura, com as reformas, essa mudança que houve
no currículo, esse enxugamento enfim, todos esses condicionantes, o que a senhora pode destacar de
positivo e de negativo?
Prof. Maria: De positivo eu acho que como também o corpo docente aqui é de muito ex-aluno, existe
uma coisa de vestir a camisa mesmo. Então, se busca mesmo uma formação de qualidade, embora ainda
acho que como negativo é a falta - até não vão gostar do que vou falar - mas é a falta de um trabalho
conjunto das disciplinas da Química com as disciplinas da educação. Então, eu sinto que não há uma
coisa conjunta de “vamos trabalhar dessa forma” ou todo mundo vai... Sabe, até a gente que não é...
Principalmente eu, que sou engenheira Química, na hora de escrever um artigo, eu gostaria de ter um
colega da área de educação dando um suporte pra me explicar como é que eu faço uma análise em
157
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
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discurso, que a gente acha que faz ou tenta fazer da melhor forma possível, eu não tenho aquela vivência,
a experiência. Então, a parceria que eu acho que falta, tanto na formação deles, quanto no próprio curso
aqui de especialização entendeu, é como se fosse duas coisas estanques.
P: E essa parceria, ela é uma carência que nos eu ponto de vista acontece só entre as disciplinas
específicas da UFF e as pedagógicas, ou existe também, às vezes, a falta dessa parceria entre as próprias
disciplinas da formação específica?
Prof. Maria: Também, acredito que também. Não há uma política, uma visão, como que vai se quer
formar esse profissional, né? Porque assim, acho que é tudo muito feito na intuição, nós queremos um
profissional com esse perfil, aí a coisa fica... Ou um ou outro, se eu conheço uma pessoa, há uma coisa
individual, né, uma coisa formal, uma coisa de nível institucional.
P: Entendi, então, trazendo agora mais pro seu cotidiano professora. Quais as exigências que o professor
universitário vive na universidade atualmente? Todo mundo sabe que o professor, ele muitas vezes além
da sala de aula, ele também gerencia projetos, como a senhora mesmo falou no início da nossa entrevista,
né, a senhora foi chefe de departamento. Então assim, o professor universitário hoje na UFF, né, quais são
as exigências que esse professor enfrenta no seu cotidiano profissional?
Prof. Maria: Bom, eu vejo a universidade - eu ouvi essa frase e vou repetir - a universidade são três
pilares: Ensino, pesquisa e extensão. Então eu acho que, principalmente na universidade pública, né?
Tem que ter o compromisso com a extensão, porque afinal de contas está recebendo dinheiro do
contribuinte, né, na forma de salário, na forma de equipamento, tudo isso. Então, esses três pilares têm
que estar muito bem equilibrado, né, tem que ter a parte administrativa. Eu acho que faz parte da vida
profissional, passar por todos esses segmentos entendeu? Eu vejo até colegas, às vezes, reclamando de um
colega que está chefe, ou que está diretor, e aí você diz: “Ah, a coisa não é bem assim”. Você precisa ser
chefe pra ver as dificuldades com funcionários, com isso, com aquilo. Têm vários problemas, né, uns
mais graves, menos importantes, mas tem, então, antes de criticar é preciso ter vivência, né? Mas hoje, a
cobrança, né, porque os indicadores todos hoje, é produto, é trabalho publicado. Então, o que acontece,
ainda tem a bolsa do CNPQ, né? Que muitas vezes na forma de melhorar o salário, o rendimento, é
pleitear bolsa do CNPQ, e aí você tem que estar em outro patamar de publicação, então você tem. Mas,
pra alcançar isso, você tem que fechar os olhos pras outras atividades. Então, você não quer dar mais do
que oito horas, você às vezes quer escolher disciplinas, então você fica um tempo enorme na mesma
disciplina, porque aquilo já está incorporado, já tá no DNA, né, então você já não tem o mesmo trabalho
do que um curso novo né, exige você preparar. Então, é um complicador a questão, não digo que ele não
é importante não, ele é importante sim. Acho que qualquer coisa tem que ser avaliado, qualquer coisa
tem que ser mensurado, mas tem que ser dosado, né?
P: A própria resposta da senhora já respondeu a próxima pergunta, né, mas eu vou fazer de qualquer
forma. Eu ia perguntar, de que forma essas demandas influenciam na atuação em sala de aula? Pelo que
a senhora colocou, a senhora até falou isso várias vezes, a gente está tão tomado de outras coisas, que
temos que fechar os olhos pra outra atividade. Tem que as vezes dar uma disciplina, a mesma disciplina
ou o que já está acostumado com a dinâmica da disciplina, as vezes não tem tempo pra... e como é que a
senhora acha que isso poderia ser amenizado, ou se isso é uma coisa que, por exemplo, o fato da senhora
administrar, com relação ao cotidiano? [fomos interrompidos]
Então professora, continuando. Então como é que a senhora colocaria assim, de que forma essas outras
demandas, influenciam a atuação na sala de aula do professor universitário?
Prof. Maria: É complicado entendeu, você na verdade tem que ter tempo pra tudo, não é só pesquisador,
você... Mas também não pode ser só professor. Então tem que realmente ser... se desdobrar como critério
né...
P: Você acha que de alguma forma prejudica a atividade docente, com relação à preparação ou coisa do
tipo, como é que a senhora avalia isso?
Prof. Maria: Não assim, sempre contribui, porque eu acho que a partir do momento que você está
fazendo pesquisa, seja em que área for, ou na questão só de didática ou na pesquisa pura de Química, né?
Você faz coisa de ponta, e aí você tem oportunidade de levar pra sala de aula, não uma Química do século
retrasado, mas levar nanopartícula entendeu, levar uma coisa que é atual. Então eu acho que isso só tem
a contribuir. Tem aqueles colegas que não querem, só enxergam pesquisa e que acha que é dissociado,
né? mas eu acho que você tem sempre a contribuir com novidades, que você está na área de educação,
você está lendo e aí você está sempre trazendo alguma coisa nova, né?
P: Durante uma das suas respostas, a senhora localizou logo no início os três pilares da universidade, né?
Pesquisa, extensão e Ensino. Como você ordena esses três pilares em grau de importância pra você?
Prof. Maria: Não tem, é universidade.
P:
então não tem ordenamento?
Prof. Maria: Você teria que ter o equilíbrio, é lógico que é característica de cada um ter mais
facilidade, valorizar até mais, mas de uma maneira geral pra coisa ser harmoniosa, era que todos
158
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
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atuassem nas três áreas. Extensão é uma coisa complicada pra fazer então em termos gerais de UFF, eu
vejo que o mais fraco é a extensão, entendeu? Porque acaba ficando... Se der tempo, entendeu? Hoje é
chamada já de projetos, já está permitindo, né, a saída da escola por exemplo, em educação, você não
deixa de estar fazendo uma extensão. Saindo dos muros da universidade, você está contribuindo dessa
forma. Mas, pra uma pesquisa mais pura, mais acadêmica a nível de laboratório, não estou dizendo que
a outra seja mais importante, mas o perfil é diferente. E aí fica difícil fazer a extensão, né? Eu fui até
representante na UFF, da comissão de extensão da universidade, entrava muda e saia calada, porque eu
achava que o que eu podia estar fazendo ali, o pessoal da área de humanas tinha muito mais a ver com a
extensão do que uma Química podia contribuir. Então, muitas vezes achava os projetos maravilhosos e
não conseguia me enquadrar ali como sendo... e hoje não, né, CTSA tá aí pra isso, né? Agora você tem
ciência, tecnologia sociedade e ambiente.
P: Se nesse sentido mais fraco é a extensão, qual seria o mais forte? Pesquisa ou Ensino?
Prof. Maria: Olha, em captação de recursos é pesquisa, porque ainda é quem banca a universidade.
Posso dizer, que nesse segundo Governo Lula, como Hadad como ministro da educação, e com a
implantação da REUNI, o REUNI teve algumas falhas e teve uma contrapartida ruim pra universidade,
mas é inegável que injetou dinheiro na universidade, em todas elas. É claro que foi uma negociação, em
troca de vaga, em troca daquilo, mas houve uma injeção de verba na universidade, pra infra-estrutura,
pra prédio, pra instalações elétricas, pra conforto, pra laboratório de graduação, então teve o seu lado
bom. Porque até então, muitas vezes os laboratórios de graduação funcionavam por conta das migalhas
que sobravam da pesquisa, eram reagentes que chefe de departamento pedia entendeu? Então, quer
dizer, existem duas histórias entendeu? uma antes e outra depois. Então, antes a pesquisa era responsável
pela injeção de dinheiro. Tem ela então, uma universidade forte, uma URFJ, uma UNICAMP, uma USP,
pra ter muita verba. A UFF nessa corrida por verbas e a CNPQ, tinha que brigar feio porque o número de
doutores era inferiores e tudo... a contrapartida da universidade era muito ruim, né, então isso está
mudando, então agora a gente já está conseguindo brigar de igual pra igual, conseguindo verba de
outros órgãos, sem ser órgãos de fomento tradicionais públicos como Petrobrás entendeu, já que tem
convênios sem ser público, sem ser uma instituição.
P: Isso passou a ocorrer pós REUNI, né?
Prof. Maria: Eu acredito que sim, porque se passou a conseguir dar uma contrapartida, porque na hora...
P:
Meio que equilibrou, equiparou as universidades pra...
Prof. Maria:
Tá acontecendo né?, não aconteceu, né, tem muita obra... a UFF está num campo
de obra, né, está assim muita obra, acho que pra melhor.
P:
Então nesse sentido assim, já que falamos muito da universidade, dos pilares que
sustentam a universidade, na sua opinião professora, qual o papel do professor universitário na
Licenciatura e na sequência, qual seria o papel do professor de Ensino Médio na sua opinião? Essas duas
modalidades de professor: professor universitário, professor de Ensino Médio. Qual o papel de cada um
na sua opinião?
Prof. Maria: Olha, a gente tem PCN, né, PCN do Ensino Médio. Se você vê aquele PCN, você vê a tua
geração pra trás não foi formada pra usar aquele PCN. O ENEM nesses novos moldes, também vejo que
fica muito difícil, pro professor de Ensino Médio que não batalha, que não corre atrás, não continua
numa formação se adequar ao ENEM, senão ele vai ficar, pesquisa de Google, “Control C, Control V”,
copiando textos que ele mesmo não tem noção, não entende, não sabe por quê. Então eu vejo que o papel
da universidade é que começa pra poder formar aquele profissional, pra se adequar a legislação,
educação ambiental é lei e não é aplicada. Ninguém tem na formação ou alguma disciplina... Você vê,
primeiro já começa a lei dizendo que educação ambiental não pode ser uma disciplina, pela
interdisciplinaridade, por todas as trans-disciplinariedades, por isso. Mas, quem é que vai formar um
profissional pra atuar em educação ambiental? Se ele não teve a sua formação na graduação, aí ele vai
fazer o que? Uma feira de ciências, né, uma catação selecionada de lixo e vai achar que aquilo é
educação ambiental entendeu? Então, o início é universidade. Então, a universidade é que tem que
preparar o profissional pra atuar nos PCN’s, na legislação. Por que? Como a geração pra trás não foi
preparada, hoje que...
P:
É o papel da universidade.
Prof. Maria:
Com certeza.
P: E o professor como sendo parte integrante desse corpo chamado universidade, qual seria o papel dele?
Prof. Maria: Se preparar pra fazer isso, porque ele também não teve essa formação. Entendeu?
P:
Entendi
Prof. Maria: Eu não tive essa formação, você não teve. Então, o que tem que ser feito? Preparar pra
mostrar que existe algo além, que não é só uma feira de ciências e dizer que...Isso é educação ambiental,
por exemplo, estou dando um exemplo, né? mesma coisa do ENEM, o ENEM semestre passado, está
tendo curso da especialização, e os professores perdidos, pesquisa de internet direto, entendeu? Ainda
159
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 1 – PROFESSORA MARIA
360
365
370
375
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385
390
395
falava assim, “Você acha que é por aí?” Nos livros textos tem tudo, num nível, e se você for pra internet,
tem coisas boas, tem coisas ruins, mas será que o aluno do Ensino Médio está preparado praquele texto
da internet? Enquanto você também não está. Entendeu? Então o que eu via tinha que preparar lista de
exercícios aquele afã (affair) de modelo ENEM, entendeu? Eu fiquei muito chocada com essa coisa, a
cobrança das escolas, cobrando uma nova maneira de cobrar os exercícios, num modelo, que não foi
formado, nem coordenador, nem ninguém, que está copiando uma receita... Entendeu? Criou essa
confusão toda...
P:
O ENEM foi realmente bem polêmico nessa mudança de perfil. Nesse sentido,
na sua opinião, o professor de Ensino Médio, ele desempenha... vem desempenhar que papel da nossa
sociedade?
Prof. Maria: Formação de cidadãos. Formação básica, ele teria que preparar o conteúdo pra fazer curso
técnico pra ir pra universidade, mas também com toda a preparação de entender o mundo que ele está
inserido.
P: Sem querer ser redundante, que eu acho que a senhora até já respondeu essa próxima pergunta, mas só
pra retomar mesmo, então, qual seria o papel das universidades na sociedade brasileira?
Prof. Maria: É, de formar profissionais capazes, né, num país com essa divergência que a gente tem aí
entre estados, entre regiões, né, o papel da universidade é realmente formar uma elite pensante. A
universidade ainda é para uma elite, não uma elite social, não tem nada a ver com cota, nada disso, mas
tem que ser pra pessoas que realmente tem uma capacidade intelectual de ir além, porque também na
universidade os currículos são muito engessados. Então, você não pode ir, tem que cumprir, né, um
programa analítico, tem que ser cumprido e aí o resto, aquela coisa a mais, aquela discussão, aquela
formação além da sala de aula, fica muito expulsada por questão do tempo. E eu acho que é o papel da
universidade, realmente formar uma elite pensante como qualquer outro país do mundo, né, e aqui as
divergências regionais são complicadas, porque você não tem o mesmo perfil em todos os locais.
P: Então professora, muito obrigado pela entrevista.
Prof. Maria: Não sei se eu contribuir com alguma coisa.
P: Com certeza, contribuiu.
Prof. Maria: É um assunto delicado.
P: É. É um assunto delicado sim, mas é isso, acho que da mesma forma que existe essa mudança de perfil
em muitos segmentos da sociedade, essa minha pesquisa ela está tentando contribuir nesse sentido, dar
voz ao professor universitário pra saber suas opiniões, seus conflitos, seu cotidiano, pra que a gente
comece num estudo desse novo cotidiano, desse novo universo, enquanto pesquisa contribuir com a
melhoria, né?
Prof. Maria: É, não pode ficar só naquele discurso: “Ah, atua mal porque ganha mal”, entendeu? Eu
acho que isso também é um paradigma que tem que ser quebrado. Entendeu? “Ah, você quis”, vamos lá,
vamos correr atrás, vamos mudar de outra forma, vamos pressionar dessa maneira entendeu?
P: Então, queria agradecer a senhora pela atenção. Obrigado! Valeu mesmo.
[Fim]
160
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
P: Primeiro queria - nesse momento que a gente está gravando - deixar claro que essa entrevista é para
fins de estudo, né? Na tese ou nos artigos que ela pode resultar em nenhum momento a sua identidade vai
ser revelada e é isso, ela vai dar suporte a essa construção da minha tese. Então, nesse primeiro momento,
eu queria que a senhora começasse se apresentando, falando da sua formação acadêmica, as disciplinas
que a senhora lecionou na universidade, é, as funções que desempenhou.
Prof. Ana: Bom, o meu nome você já sabe, né? Não sei se sabe todo, [risos e declara seu nome completo]
mas você disse que isso aí não vai ser colocado [risos]...Bom, minha via inteira foi na Universidade
Federal Fluminense, eu fiz vestibular para a UFF em 1970, fiz o curso de Química lá e fui licenciada em
Química, e ao terminar o curso de Química que era bacharelado e Licenciatura, na verdade quando eu
entrei era só Licenciatura, durante o curso, né, é que nós tivemos um adicional na carga horária e ele
passou também a ser bacharelado. A minha vontade era empreender, eu nunca pensei em dar aula na
minha vida, eu era muito, sempre fui, você já deve ter percebido, muito tímida né, não tinha... Enfrentar
uma sala de aula para mim era uma coisa terrível, enfim... Então, eu comecei a fazer entrevistas para
indústria e um ex-professor meu resolveu fazer mestrado em geoQuímica lá na UFF, né? E pediu para que
eu apresentasse na época, o professor José que era o coordenador do mestrado em geoQuímica, né, me
conheceu e conversando lá com ele, ele virou para mim e falou assim “Professora Ana vai ter concurso,
você não quer fazer?” Não eu não quero dar aula, né, eu quero ir pra indústria, ele: faz! Eu conheço
uma pessoa que está lá fazendo, né, conheço a pessoa que te entrevistou e pediu referencias suas, né? Mas
infelizmente - que tinha outra menina fazendo a entrevista comigo - a pessoa que estava com você tinha
um “Quem Indique”.
P:
Ah tá! Um QI a mais né... [risos]
Prof. Ana:
Bom, e aí ele insistiu e insistiu eu falei, está bem, eu vou fazer o concurso, e fiz o
concurso... passei... Daí passei, no princípio queria área experimental fazer ambiental, naquela época
existia a carreira universitária, você entrava como auxiliar de Ensino, tinha quatro anos para fazer o
mestrado, depois de quatro anos você tinha que fazer um outro concurso público para assistente, e aí com
seis meses ele me deu uma turma teórica... e aí encarei uma turma de Química geral III...
P:
Caramba! E assim, já era para a Licenciatura naquela época também...
Prof. Ana:
Não, era para Química e engenharia Química, era assim misturado durante muito
anos...
P:
Foram turmas mistas...
Prof. Ana:
Aí 50 alunos, eu me vi ali em cima ... né...e foi! E aí depois que eu comecei a dar
aula eu não quis saber de outra coisa, né? Bom, aí durante esse tempo fiz mestrado lá nas práticas de
Ensino defendi a tese e logo depois da defesa da tese houve um concurso, eu fiz o concurso novamente...
P:
pra assistente, né?
Prof. Ana:
foi para assistente, então, eu tenho a satisfação de dizer que eu fiz dois
concursos...[risos] Bom, aí como assistente, eu continuei dando as aulas, na maior parte do tempo eu
atendia sempre Química e engenharia Química, foram poucas as turmas que eu peguei de...
P:
Licenciatura...
Prof. Ana:
Não! de farmácia,
P:
de farmácia...
Prof. Ana:
É, pois é, porque naquela época, Anderson, você não tinha essa divisão...
P:
o currículo era... é... exatamente....
Prof. Ana:
Você dava aula pra Química, porque na verdade você tinha os três, era
Licenciatura, bacharelado e industrial, e mais que engenharia Química que nas disciplinas de
inorgânica e Química geral você tinha turma mista com engenharia Química, ao contrário da físicoQuímica que a turma mista era com a farmácia,
P:
Com a farmácia é...
Prof. Ana:
Então, o curso de Química ele ia tapando buraco, ele não tinha uma identidade,
você lembra disso,
P:
É verdade,
Prof. Ana:
Então, você não tinha algo em Licenciatura, e até porque o aluno que entrava
pra Química, não queria fazer Licenciatura, ele queria fazer bacharelado, o que entrava para industrial
sabia que queria área industrial, o que entrava pra Química, na verdade a ideia dele era fazer bacharelado,
Licenciatura era um apêndice ali no final, aquelas disciplinas que fazer porque era obrigado a fazer...
né? Então, durante a minha vida lecionando, as disciplinas que eu dei: Química geral III, Química geral
IV, inorgânica I, inorgânica II e as experimentais, né? Então, nas experimentais eventualmente tinha uma
turma de farmácia que era aquela Química geral II experimental e inorgânica II experimental, na verdade
eu dei aula de todas as disciplinas do departamento, a gente fez um,
P:
Rodízio.
161
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
60
65
70
75
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90
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100
105
110
115
Prof. Ana:
Rodízio né? Bom, e aí, quando eu, levei um certo tempo para iniciar o meu
doutorado, até porque eu com três filhos fica meio complicado, mas finalmente eu resolvi fazer doutorado
e fiz o doutorado na UFRJ... e digo que meu doutorado foi em Química, porque apesar de eu estar
vinculada ao departamento de orgânica, a minha tese ela era... é, envolvia né: inorgânica, orgânica,
porque eu estava estudando a atividade de uma molécula que complexava metais, então, era uma
molécula orgânica que complexava metais e todo meu desenvolvimento, toda pesquisa tinha o
comportamento físico-químico dessa espécie,
P:
Entendi...
Prof. Ana:
da reação e da atividade dela, então, foi muito rico pra mim, porque eu que
estava na área de inorgânica né, tive que relembrar muita coisa de orgânica, porque quando você vai se
afastando e isso vai acontecer com você,
P:
é... [risos]
Prof. Ana:
você acaba deixando para lá, principalmente a orgânica e a inorgânica.
P:
é...
Prof. Ana:
Aí foi bom porque eu tive que estudar orgânica de novo, todas as disciplinas que
eram de Química orgânica
P:
Química orgânica avançada e tal...
Prof. Ana:
e a físico-Química né, então, eu digo que depois que eu terminei o meu
doutorado a minha visão da área de Química ficou muito mais abrangente não tinha...
P:
você podia fazer muito mais elos, né?
Prof. Ana:
Aquele assunto que eu não pudesse ler e entender e relacionar, quer dizer, foi
bastante interessante...bom esqueci...
P:
Não é isso... está apresentada! [risos] Bom, e pelo que a senhora falou, a senhora
na verdade fez uma graduação e Licenciatura, naquela época ainda estava misturada, eu também vivi
parte deste currículo, aquele currículo estilo 3 +1, e aí nesse sentido eu queria fazer uma pergunta para a
senhora que diz respeito às disciplinas pedagógicas, né? A senhora teve na sua formação inicial contato
com essas disciplinas, né? De que forma a senhora acha que essas disciplinas contribuíram para a sua
atuação em sala de aula.
Prof. Ana:
Você vai criar um problema com a faculdade de educação, você vai ter que
cortar essa resposta daí... [risos]
Prof. Ana:
Não contribuiu em nada!
P:
Em nada?
Prof. Ana:
Em nada, em nada, apesar de que tem que abrir um parênteses tá, que na época a
professora de prática de Ensino, que era a Madalena da Silva.
P:
Era uma pratica de Ensino específica para Química.
Prof. Ana:
Era específica para Química. Ela apesar de não ter formação na área de
Química, ela era uma pessoa que em termos teóricos, né, de preparar, como que se prepara um aula, e
era é uma pessoa muito séria, então, nós tínhamos realmente a carga horária de prática de Ensino, a
gente ia pra faculdade de educação e tinha aula, tá, então, isso era a realidade da minha época, na
psicologia de educação, tem as disciplinas ate hoje, tem a psicologia da adolescência a gente lia e tinha
que debater, né... E a prática de Ensino, toda a parte teórica, elaboração de planos de aula, né? E a gente
ia pra frente, fazia fichinha, toda aquela dinâmica, né? Nós tivemos, porque ela não era, ela não tinha
formação na área de Química né, então obviamente, mas ela era uma pessoa muito, como professora era
muito boa né? Então, ela levava a gente para a escola e fez um estágio, na prática no Liceu, eles estavam
montando o laboratório na época no Liceu, o Liceu já teve um laboratório de Química que foi
maravilhoso, hoje está tudo guardado nas bancadas né...a gente fez a prática de Ensino lá no Liceu...
Então, da minha época eu não posso dizer mal das aulas, a qualidade da aula pelo menos eles cumpriam,
diretinho, agora, não significou quase nada porque no currículo você tem aqui a marca de conhecimento
ideal, é na área específica você ter três, quatro disciplinas, na verdade eram quatro, estrutura de
funcionamento do 2° grau, psicologia e duas práticas eram 4 disciplinas... e não significou praticamente
nada... Eu aprendi a dar aula, na sala de aula.
P:
Na prática mesmo.
Prof. Ana:
Na prática mesmo, então, a minha experiência foi na sala de aula...
P:
Entendi...
Prof. Ana:
E eu acho que piorou um pouquinho na medida em que o comprometimento das
pessoas lá do... Infelizmente, apesar de ser amiga pessoal de alguns professores, eu acho que o
comprometimento deles com a área de Ensino para as Licenciaturas, ela foi começar na pedagogia, a
faculdade de educação, eu acho que o grande problema é esse, a visão deles é que eles formam
pedagogos, e as Licenciaturas, “ah não isso aí bota o professor tal” e...
P:
segundo plano, né?
162
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
120
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175
Prof. Ana:
Fica em segundo plano...
P: E assim, como professora de Química geral, né? Na verdade eu sei que a senhora já foi professora de
Química geral, inorg I, inorg II, inorg IV, mas para disciplina de Química geral que é um tipo de
disciplina que você percebe muitos daqueles tópicos, daqueles conteúdos no Ensino Médio, né? Para essa
disciplinas, primeiro pra parte do nível superior, quais são os conhecimentos necessários que a senhora
acha para lecionar essa disciplina no nível superior?
Prof. Ana: Se eu fosse um professor da disciplina, ele tem que ter uma base muito grande, muito boa em
Química inorgânica né? Eu acho que tem que saber muita Química inorgânica, tem que saber orgânica,
porque eu acho que para você fazer determinadas relações, né, e a Química geral, como diz, ela está
vinculada a um departamento de inorgânica onde na verdade ela deveria ser uma disciplina...
P:
Que é de todos né, todos os departamentos.
Prof. Ana:
É né, de todos, o próprio nome já diz né? é Química geral...
P:
É, a ideia é dar aquela visão panorâmica
Prof. Ana:
Exatamente, então, além de uma boa base de inorgânica ele realmente tem que
ter uma visão geral, tem que ter uma boa base em orgânica, em físico-Química, e aí eu digo a você, que
eu acho que eu passei a ser uma professora muito melhor de Química geral quando eu percebi isso,
porque como ela esta vinculada a área de inorgânica normalmente o professor de Química geral se
preocupa em dar aula de Química geral para preparar para o inorgânica, quando na verdade, né, você
está preparando o aluno para todas as outras disciplinas. A grande base que ele tem pra poder ir em
frente, para poder pensar as outras disciplinas.
P: Entendi, e assim, qual seria a importância dessa disciplina de Química geral, para a atuação do futuro
professor de Química do Ensino Médio, pra senhora, na sua opinião?
Prof. Ana: Eu acho que se ele tem uma boa visão dentro da Química geral de estrutura atômica, ligação
Química, tabela periódica, ele pode transportar e fazer a transposição para o Ensino Médio com
qualidade, porque, ele tem que ter, ele tem que saber mais do que ele vai ensinar, né? Então, se ele tem
uma boa base de Química geral, e consegue realmente entender todos os conceitos, ele pode fazer essa
transposição de uma maneira muito mais agradável ao aluno e levando pro aluno que realmente precisa
saber, não daquela maneira que você normalmente vê no Ensino Médio que o aluno tem que decorar
determinadas coisas, mas, entender determinados conceitos, né? Para que ele possa chegar na
universidade, independente da área em que ele vá atuar, não necessariamente precisa ser Química, pra
que ele tenha uma visão de Química agradável, começando por alguma coisa que ele está presente em
todo o cotidiano dele.
P: E nesse sentido, assim, a senhora comentou sobre a questão da transposição né, ele vai ter contato com
uma Química geral que é lecionada obviamente em um nível mais avançado que no Ensino Médio e ele
vai fazer a transposição, é, na sua opinião, se tivéssemos que eleger uma disciplina, qual disciplina é
responsável por essa transposição? Isso poderia ser feito na própria disciplina de Química geral, isso
poderia ser feito nas disciplinas da área de educação? Ou isso poderia ser feito em disciplinas de interface, Química geral com educação. Pra senhora essa transposição poderia ser trabalhada em que
disciplinas?
Prof. Ana: É, o ideal é que a transposição fosse trabalhada em todas as disciplinas, essa é a visão das
diretrizes curriculares, né? Que você tenha a disciplina com a parte teórica e que você dentro da própria
disciplina você vá trabalhando isso, então, por exemplo, você faz uma estrutura atômica para o seu
aluno e aí você tem um espaço dentro desta disciplina para que você possa trabalhar com ele, bom, eu
estou lidando com os conhecimentos de estrutura atômica nesse nível, como você vai preparar uma aula,
como você vai pegar esses seus conhecimentos, que são conhecimentos,.
P:
Mais avançados,
Prof. Ana:
Mais avançados, como é que você vai passar isso para o aluno de Ensino Médio
que tem uma maturidade ainda,
P:
Em crescimento,
Prof. Ana:
Em crescimento, é, não tem lá o seu raciocínio muito bem estabelecido, então,
como é que você vai passar isso para ele sem que ele ache isso um horror, uma coisa chata, né? E como
é que ele vai poder absorver esse conhecimento, então, dentro da própria disciplina você ia fazendo isso,
Chega na inorgânica, você tem, algumas disciplinas na inorgânica, ácido-base, a própria ligação
Química, você vai mais fundo, como é que você vai trabalhar isso com o seu aluno, então, essa é a visão
das diretrizes, só que é impossível você fazer isso dentro da universidade, porque? Porque, porque você
vai ter uma disciplina de licenciados, não é disciplina, uma turma de licenciados muito pequena.
P: Então, assim, na própria logística da universidade as disciplinas acabam sendo mistas, porque...
Prof. Ana:
Não adianta, nós conseguimos com a reforma curricular manter turmas só de
Química, não sei ate quando...
P:
Na verdade são Químicas mistas entre as modalidades de Química.
163
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
180
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190
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200
205
210
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220
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230
235
Prof. Ana:
É, entre as modalidades da Química, porque senão você teria uma turma de
licenciados de quinze alunos no máximo, isso eu já estou sendo assim, otimista né. Agora, na
Licenciatura noturna daria para fazer, se as pessoas estivessem também preparadas para fazer isso,.
P:
[risos] É outra questão delicada né
Prof. Ana:
É outra questão delicada, então, o professor ele se prepara para, eu digo comum,
não vejo separação não, eu vou ser de Química, eu vou me preparar, vou pegar vários livros para passar
o conteúdo, tá? Então, o professor, eu acho que não é só na área de Química não, em todas as áreas, ele
é conteudista mesmo ele quer é passar o conteúdo, né? Agora, a aplicação disso deixa lá para a faculdade
de educação, que por sua vez quando chega lá o professor da faculdade de educação ele está muito mais
preocupado em como ensinar ele a dar aula... “Não você vai fazer assim, você vai fazer... A metodologia
é essa, é aquela, não sei o quê”... e aí também não junta. Não, qual é o conteúdo que você tem, como é
que eu vou pegar esse conteúdo agora e vou passar esse conteúdo para o meu aluno? Ninguém faz isso.
P: Acabam ficando dois conteúdos que não conversam, né?
Prof. Ana:
que não conversam, que não conversam...
P:
Porque é uma área específica que é dada na faculdade e aí uma outra área
específica da faculdade de educação e parece que não existe um encontro...
Prof. Ana:
Não existe um encontro. Eu tentei fazer isso e consegui, em parte, na
Licenciatura noturna pela disciplina tutoria, que eu fazia na tutoria? eu pegava um tópico de Química
geral, dividia a turma em grupos de dois alunos né, dava um tópico de Química geral, que a tutoria I e
tutoria II estavam vendo Química geral e logo depois iam ver a Química orgânica, então, a gente tinha o
conteúdo e aí a gente trabalhava durante o semestre inteiro, como transformar aquele conteúdo que eles
estavam aprendendo, como é que eles dariam a aula, então, entregavam um trabalho e faziam um
seminário, né? Onde eles preparavam uma aula, enfim, então, durante algum tempo eu consegui fazer
isso, como eu que dava as disciplinas da noite, então, eu consegui fazer isso no noturno, então, era uma
disciplina que começava no primeiro semestre, então a gente ia, em um primeiro momento a gente fazia
um seminário, em um segundo momento eles tinham que fazer aquilo sobre a forma de um pôster, em um
terceiro momento era só um trabalho de escrita e a gente vai montando a complexidade,
P:
A complexidade da coisa. E assim, já que estamos falando dessa questão de
transposição didática, de preparação de professores, o que a senhora considera importante para formar um
bom professor de Química, o que é imprescindível, na sua opinião, para formar um bom profissional de
Química, um bom professor de Química?
Prof. Ana: Bom, não tenha dúvida de que ele tem que ter um conteúdo bastante sólido né, ele tem que
realmente ter feito um bom curso de Química, porque o conteúdo você não pode abrir mão, não pense
que sem conteúdo você vai conseguir dar uma boa aula né, ele tem que ter conteúdo. Agora, ao longo do
curso ele tem que ser trabalhado ele tem que ser formado para ser um professor. Então, a ideia quando a
gente fez a reforma curricular, atendendo as diretrizes que eu acho que realmente, eu acho que a visão foi
muito boa, apesar de não conhecer nenhuma universidade que esteja conseguindo atender, tá, até porque
justamente a estrutura é muito rígida, então, você... eu sofri muito né, era crítica em cima de crítica e
queriam culpar alguém, então “tutoria não serve pra nada”, mas era onde a gente conseguia, a tentativa
de,
P:
Oxigenar aquele currículo...
Prof. Ana:
Exatamente, e puxar, quer dizer juntar o conteúdo com a formação do professor.
P:
Entendi.
Prof. Ana: Então, a gente fazia debates, eles tinham que ler sobre as diretrizes, eles tinham que ler
artigos,
P:
A tutoria acabava se estruturando como uma verdadeira disciplina de inter-face.
Prof. Ana:
Era, era de inter-face isso a gente escutou muito essa palavra, quando tinha
colocar quatrocentas horas de prática né, bom, como é que ia fazer isso? quatrocentas horas de prática
mais quatrocentas, na verdade eram oitocentas, como é que você vai fazer isso num currículo que já tem
um conteúdo pesado? Vamos fazer o seguinte, as quatrocentas de prática não tem jeito tem que ficar nos
4 últimos semestres, as outras quatrocentas vamos tentar fazer uma espiral durante o curso que acabavam
culminando com a monografia, aonde você vai fazendo a formação dos professores, né, isso em conjunto
com o instituto e a faculdade de educação. Foi muito mais o instituto do que a faculdade de educação...
foi muito mais o instituto de Química do que a faculdade de educação, na verdade eu consegui levar
algumas pessoas para dar palestras, enfim, mas a ideia era essa, era juntar o instituto com a faculdade
de educação e desde o início a gente ir fazendo esse trabalho com eles, entendeu. Leitura de artigos de
educação, trabalhos aonde ele pegasse o conteúdo e tentasse transpor para o Ensino Médio, a ideia era
muito boa mais a aplicação foi meia,
P:
Não foi tão,
164
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
240
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250
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290
295
Prof. Ana:
Não, não. Porque enquanto eu estava envolvida né, e eu só conseguia fazer isso a
noite porque de dia era misturado, como íamos pegar um grupo de alunos, pra fazer, o que a gente
pensava em fazer na tutoria, era colocar os alunos de Licenciatura com orientadores que estavam
envolvidos com a área de educação: Joana, Lúcia, enfim, aqueles que tinham um pouquinho mais de
habilidade nessa área.
P: Entendi. E assim, é interessante que a senhora conta pra mim um percurso, em que fez a Licenciatura e
que depois ainda estava um pouco resistente para ir para a sala de aula e depois que entrou na sala de aula
viu que era aquilo que queria mesmo e que gostava e tal, e aí nesse sentido uma pergunta que vai nos
levar a outros tempos assim né. A senhora quando estava fazendo a graduação, teve e, sua formação uma
série de professores que passaram por ela, e eu queria que a senhora então, comparasse né. Comparando a
sua atuação na sala de aula com a dos professores que lecionaram para a senhora na graduação, quais
são as semelhanças que a senhora percebe que quais são as diferenças?
Prof. Ana: ...Deixa eu ver, em termos de conteúdo né, eu tive como professor o Sandro, o professor
Paulo Eduardo da área de Química geral, quer dizer, na verdade Paulo Eduardo e Sandro eram de físicoQuímica e eram professores muito bons, na área de orgânica também o sempre teve uma estrutura muito
boa em termos de professores né, em termos de conteúdo na área de orgânica também eu tive excelentes
professores, e tive professores medíocres também, isso aí eu acho que em todo curso, não é uma
prerrogativa da UFF, da UFRJ em todo curso você tem... Agora, durante o meu curso, e como a gente,
novamente, na minha época era um pouquinho mais crítico né, porque só entravam vinte alunos,
desistiam dez no meio do caminho né, na minha turma, por exemplo, a primeira turma foram cinco
formandos só, tá, em uma turma de vinte. E aí a gente estava super misturado né no meio da engenharia,
da farmácia né, então, basicamente os professores passavam o conteúdo, uns passavam muito bem e
outros muito mal né? Em termos de semelhanças eu posso dizer que, uma coisa que eu sempre vejo nos
primeiros semestres já com a minha própria experiência e tendo que fazer anotação para dar aula né,
enfim, aquela toda insegurança do início, eu tento sempre, eu procurei fazer o meu trabalho com a mais
alta qualidade, dentro das minhas possibilidades. No início, um pouco mais insegura e depois na medida
que eu fui aprendendo, eu fui melhorando. Então, em termos de semelhança, eu acho que, eu vejo a
seriedade, em termos de dar uma boa aula, em termos de melhorar...
P:
de comprometimento.
Prof. Ana:
Em termos de melhorar né, preocupados com o aluno né, as vezes um pouco
rígido demais, sempre fui da ala mais rígida, nunca fui uma professora lá muito querida, mas porque
achava que realmente você tinha que passar o conteúdo e pedir do aluno o retorno né? Então, as
semelhanças eu vejo com alguns professores que eu tive.
P: Aham, e a as diferenças?
Prof. Ana: Em termos de diferenças eu acho que ao longo da minha carreira eu procurei evoluir, né?
Então...
P:
Evoluir na área de Ensino mesmo, né?
Prof. Ana:
De Ensino, então, eu que era uma professora muito conteudista, então, tinha que
ensinar tudo, então, a minha filosofia na época era, professor de Química pra dar aula, de que, que
precisa? De Química! Ta? e ao longo do tempo apesar de ter feito mestrado, doutorado, quer dizer,
participo de uma área mais de pesquisa né? Eu percebi que o professor pra ser professor ele não
precisava só de conteúdo, e aí eu fui moldando a minha maneira de dar aula, de conviver com os alunos,
eu acho que nos últimos oito anos que foi quando eu assumi a coordenação, eu fiz questão de não sair da
sala de aula, eu não admitia um coordenador né, não está na sala de aula pra saber o que, que estava
acontecendo no curso né? eu acho que o meu crescimento foi muito grande, porque, eu acho que eu
evoluí né...
P:
Oxigenando os seus próprios conceitos de... É, então, assim, considerando o
tempo em que a senhora atuou na UFF, né? No seu entendimento, né? Que a senhora comentou no
contexto das reformas, no seu entendimento as reformas realizadas na Licenciatura, melhoraram,
pioraram, ficou a mesma coisa, com relação à formação dos professores?
Prof. Ana: Bom, eu sou suspeita para falar, porque aquele currículo era, foi mais um filho meu né,
então, eu realmente me dediquei a aquela reforma curricular né, bati de frente com muita gente ali né,
criei, no final eu acho que não, no final eu tinha vários amigos né, mas no início foi uma coisa assim, eu
achei que eles iam me destituir do cargo, foi uma guerra muito grande, mas, eu, na minha opinião,
melhorou muito, a qualidade, não só de Licenciatura, dos cursos, te digo porque. Os alunos de Química,
vou te dar primeiro em uma visão geral para depois falar específico em Licenciatura. Qual era um dos
grandes problemas do aluno de Química dentro do instituto de Química? Ele não tinha identidade, o
instituto de Química ele trabalhava para a engenharia Química e para a farmácia, porque aluno de
Química como eu te disse ele preenchia buraco, “Ah, tem tantas vagas sobrando, vai pra Química, tá”.
Então, ele não tinha identidade, ele não reconhecia o instituto de Química como sendo a casa de le, ele
165
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
300
305
310
315
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325
330
335
340
345
350
355
não tinha espaço para monitoria, pra iniciação científica, e com a reforma curricular a gente abriu esse
diálogo, então, se você for ver, fizer um levantamento de quantos monitores nós tínhamos e de quantos
alunos de iniciação científica que nós tínhamos, antes e depois da reforma, isso foi um crescimento,
assim, muito grande, porque? Por mais que as pessoas critiquem, “ah, porque é uma perda de tempo, era
isso e aquilo”, mas era onde a gente abria espaço, o aluno tinha que fazer a monografia e tinha que ter
um orientador e aí ele tinha, e aí ele...
P:
Acabava se envolvendo...
Prof. Ana:
Desenvolvendo, e ele ia se envolvendo, e aí você tinha em termos de Química
muitos alunos, a iniciação científica assim foi um negócio muito interessante, como aumentou a
quantidade de alunos né, na iniciação. É, o aluno de Química passou a ser exigente dentro do curso tá,
porque agora era a casa dele, era o curso dele...
P:
Legal
Prof. Ana:
Nós conseguimos ter muitas disciplinas só de turmas de Química, então, ele não
é mais um aluno a mais ali dentro, e aí o aluno de farmácia despontando né com as maiores notas, e o de
Química lá coitadinho, né? super envergonhado né? de fazer Química, o licenciado, então, você
perguntava ele nem respondia que era licenciado né?
P:
[risos]
Prof. Ana:
O quê? era vergonha fazer Licenciatura né? Então, eu acho que a reforma
curricular o principal ganho foi esse, o aluno de Química realmente se integrou ao curso de Química, em
relação à Licenciatura, eu não tenho dúvidas tá, enquanto você tinha alunos com vergonha de dizer que
eram licenciados, assim,“eu faço Licenciatura porque você sabe como é que é né?” . Ele não admitia que
ele estava fazendo Licenciatura, rara eram as exceções, você era uma. Depois de um tempo: “eu vou
fazer Licenciatura, eu quero fazer Licenciatura”, porque desde o primeiro momento ele já estava se
envolvendo né, ele começou fazendo a psicologia da educação e a estrutura de funcionamento lá nos
primeiros semestres, então, no início ele já estava na faculdade de educação, e mais a carga aqui com a
gente né e ia municiando, “você quer fazer Licenciatura, então, como é que a gente vai trabalhar isso”,
colocando disciplinas de metodologias de instrumentação dentro do currículo que não existia, né? Então,
ele tinha na faculdade de educação e tinha o instituto. Então, eu acho que ele criticar, (inaudível – 35:48),
então, eu acho que para o licenciado foi um ganho muito grande.
P: Acabou forçando uma parceria que antes não existia.
Prof. Ana:
Não existia, e aí gente via aluno que dizia “estou fazendo Licenciatura”, ele
tinha orgulho de dizer, não a monografia vai ser... E como o currículo do bacharel, e aí a gente conseguiu
realmente dividir industrial é industrial, com pesquisa industrial, licenciado ficou sendo licenciado, e o
bacharel é o pesquisador não é? então, não vamos fazer o seguinte, e aí foi uma coisa de doido as tais
das 630 horas de optativas que ele tinha que fazer para definir a linha de pesquisa dele né, porque ele
não é pesquisador? só que isso não deu certo, porque os departamentos não tinham disciplinas, não
oferecia a quantidade de disciplinas suficiente para que ele justamente procurasse,
P:
Pudesse escolher qual área ele ia se aprofundar...
Prof. Ana:
Qual área ele ia se aprofundar né, por conta do curso de Química, com poucos
alunos, você dar uma disciplina optativa com cinco, seis alunos, era um professor né? e aí bate em toda
estrutura da universidade né, de carga horária, então, o bacharel nesse ponto ficou, é, o objetivo da
formação ficou prejudicado, porque na verdade eles faziam as disciplinas na físico-Química porque ela é
que tinha o maior número de optativas para oferecer, então aquele objetivo da formação de
pesquisadores realmente não foi alcançado, Agora, para o licenciado eu não tenho dúvidas que o ganho
foi muito grande, foi muito grande em termos de você ter uma quantidade de horas a onde o aluno podia
vivenciar aquela parte de educação e poder relacionar os conteúdos com,
P: Então, assim, sem querer ser redundante, mas já sendo, quais são os pontos positivos e negativos que a
senhora destaca na formação universitária para a Licenciatura atualmente.
Prof. Ana:
Bom, os pontos positivos, essa relação que começou a haver entre os conteúdos
de Química e os conteúdos pedagógicos
P:
que antes não existia...
Prof. Ana:
que antes não existia, a integração de alguns professores que realmente
perceberam a importância disso e começaram a se envolver com a Licenciatura. A gente tinha algumas
pessoas que já faziam isso, mas a gente teve um número de professores aderindo ao,
P:
Que antes eles não tinham, às vezes, até por ignorância, por não conhecer, né?
Prof. Ana:
Isso, porque, pra eles, era algo que continuava sendo, professor de Química era
professor de Química. E, aí, a medida que eles foram percebendo, né? E teve uma coisa que ajudou nesse
ponto, também. Isso ajuda a qualquer projeto universitário. Na hora em que você tem dinheiro rolando
fácil numa determinada área, você vê que você tem um crescimento naquela área. E o governo investiu
muito nos projetos, né, de formação por conta da grande deficiência, que eu considero, e não é só por
166
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
360
365
370
375
380
385
390
395
400
405
410
415
conta da formação do professor, mas nenhum professor, né? você sabe disso, né? Vai fazer 4 anos de
Licenciatura, que tem que dar a vida pra se formar, pra depois, ganhar R$ 500,00
P:
é...
Prof. Ana: Então, eu acho que a falta de professor no Ensino Médio, acho que passa, também, por aí.
P:
Por essa questão da valorização.
Prof. Ana:
Da valorização né? Você pode formar milhões de professores né, mas se não
tiver um grande salário... até porque ele tem uma boa formação, ele é profissional qualificado, ele vai se
submeter a ganhar R$ 500,00? Dar aula em múltiplos colégios pra juntar um salário decente, não.
P:
É complicado mesmo.
Prof. Ana:
Muito complicado. Então, em termos de pontos positivos, voltando, né? pra não
fugir, os professores que se integraram, a autoestima do aluno que aumentou e muito, a vocação que
determinados alunos mostraram, apresentaram, né? Para serem professores, isso você decidia ao longo
do curso, passava e você não via, ia ser um bom professor e continuou lá ralando em sala de aula como
eu, né? Mas não durante o curso você não sentia aquela vocação, a gente viu essa vocação e aparecendo
lá com os alunos, realmente muito empolgados e com os projetos frequentando as escolas, projetos
dentro da própria universidades, enfim todos aspectos muito positivos. Aspectos negativos, alguns
professores estiveram muito reticentes a isso, e eu realmente fico muito preocupada com o futuro da
Licenciatura, se não tiver pessoas dentro da unidade, em qualquer universidade, que realmente
continuem engajadas nesse processo de valorização do magistrado de uma visão diferente, uma visão de
realmente de formação de professores, eu tenho uma preocupação grande que isso...
P:
Comece...
Prof. Ana:
Comece a reverter
P:
Se avançou muito estruturalmente e talvez o que mais ameace hoje, é talvez a
persistência de alguns professores de...
Prof. Ana:
de alguns professores, se bem que foi o que te falei, enquanto o governo tiver
injetando dinheiro na formação de professores, os próprios pesquisadores estão percebendo isso e estão,
então você tem hoje um número de, vários professores envolvidos, né? Na educação, porque? é onde
você tem, você tem bolsa pra professor, você tem bolsa pra projetos, você tem projetos com valores
altíssimos de financiamento para formação de professor, foi um incentivo bastante grande...[risos]
P:
Entendi [risos]... Bom, e agora assim, lembrando mais do seu cotidiano por
exemplo. Que você enfrentou na universidade, dando aula enfim, já foi coordenadora do curso de
Química. Enfim... sobre o cotidiano, quais são as exigências profissionais, que o professor universitário
enfrenta hoje?
Prof. Ana: Bem, na minha época, você tinha carreira universitária. Então, você entrava pra universidade
como auxiliar de Ensino, você trabalhava junto ao professor titular, né? Que ia contribuindo pra sua
formação, ele ia aprendendo a ser professor universitário né, a partir dessa vivência com outros
professores né? Então, como eu te falei, em 4 anos você tinha que ter o seu mestrado pra poder fazer um
concurso de assistente, mais 4 anos você tinha que fazer doutorado pra adjunto, então existia essa carreira
universitária, que não era uma carreira que você crescia mudando de...
P:
De nível
Prof. Ana:
De nível por tempo, mas por formação.
P:
Entendi...
Prof. Ana:
Em 1980 houve uma coisa que eu achei que foi extremamente danosa para
universidade, que foi o projeto, o grande projeto do... na época, o Ministro da Educação, que era o
Portela, tanto que o projeto passou a se chamar “portelão”, em 1980 a gente começou ter uma falta
muito grande, onde você não tinha vagas pra universidade. Então, os substitutos na época era até muito
contratados e chamados de bóia fria né? era muito grande. Pra resolver isso, esse projeto absorveu esses
professores todos, sem concurso, tá? E acabou com o plano de carreira, você, ele manteve os níveis, mas
agora você tinha uma progressão por tempo e por avaliação interna. E aí, foi o grande “bonde da
alegria”, porque depois de 4 anos você fazia um relatório, “ah dei tantas aulas, não sei o quê”
independente de ter mestrado ou não, mas se você está dando muito e não teve tempo de fazer um
mestrado, poxa você era bonzinho, está trabalhando bastante vamos promovê-lo para assistente, né?
Agora o pessoal está começando a barrar, pra adjunto não! Tem até uma briga lá interna de um professor
que não tem doutorado dele e quer ir pra adjunto, e o departamento tá... Mas é uma questão de tempo.
Existe toda uma, como todo serviço público, é como uma família né?
P:
O paternalismo...
Prof. Ana:
O paternalismo é muito grande né? Então isso existia dentro da universidade e eu
acho que era muito positivo. Hoje, pra você ser um professor universitário, e aí por que determinadas
áreas optaram por isso, justamente pra você não pegar um professor lá no início da... com a graduação e
aí ele vai passando por tempo independente de ter uma formação ou não, em determinadas áreas,
167
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
420
425
430
435
440
445
450
455
460
465
470
475
principalmente determinadas áreas com pesquisa muito forte, você só tem concurso pra adjunto, no
mínimo, tem que ter o doutorado, e pra pesquisa é muito bom, você já pega o pesquisador pronto, porque
não só tem que ter o doutorado como ele tem que ter um projeto de pesquisa, defender um projeto de
pesquisa, que é o que ele vai implantar na hora que ele entrar lá dentro. Mas tem um lado muito negativo.
A gente está contratando professores que não sabem dar aula, porque assim como eu entrei graduada,
peguei uma turma de 50 e tinha lá minha fichinha, né? e tinha que estudar e tinha que pegar 300 livros
pra preparar a aula, porque, eu tinha o conteúdo mas não tinha a experiência, Como que eu vou passar
isso pro aluno? Como é que eu vou preparar a aula, juntar vários conhecimentos? Fazer o aluno
perceber, pensar? Então, tem pesquisadores que passou a vida dele intera ali: graduação, mestrado,
doutorado, só na área de pesquisa, nunca deu uma aula, ou se deu foi 6 meses 1 ano de aula, aí ele acha
que o aluno né? de Química geral tem que entender mecânica quântica...
P:
[risos]
Prof. Ana:
ou tem que entender espectroscopia...Afinal de contas é a área dele, temos
vários casos do professor chegar na sala de aula, aula, aula, aula...e o aluno ficar olhando pra cara dele...
“o que ele tá falando”... como não entendi? né? ... como distribuição eletrônica, porque? No nível que
ele tá ele acha que isso... mas durante a graduação dele não sabia nada daquilo, então ele quer que o
aluno aprenda a Química geral no nível dele, então esse é que é o grande problema que a gente tá tendo...
P: E isso com certeza traz reflexos pro, pra formação...
Prof. Ana:
Pra formação do aluno, na área básica, ele é um pesquisador. Agora, nós temos
tido sorte dentro do departamento, a gente tem contratado professores que apesar da falta de experiência,
a gente tem um departamento, que é um departamento unido, envolvido, enfim, eles vão, depois de um
certo tempo, eles vão entrando no ritmo.
P: Normalmente o professor quando, pelo que a senhora colocou, quando entra na universidade, a
universidade está procurando um professor que tenha doutorado, um pesquisador pronto, né? Obviamente
para poder exercer, assim que entrar na universidade essa função de pesquisador também...
Prof. Ana:
de pesquisador
P: Na universidade a gente tem a pesquisa, a extensão, o Ensino, ali muito presente no cotidiano do
professor. Como é que a senhora avalia esse professor atualmente? O cotidiano do professor universitário,
como ele se desdobra, como a senhora poderia avaliar ele?
Prof. Ana: É, normalmente o que acontece com o pesquisador, se ele tem pesquisas, ele tem projetos e
ele no relatório dele, ele mostra isso, traz investimentos pra universidade através de projetos, ele tem sua
carga horária reduzida na graduação, tá? Então ele vai ter uma carga reduzida na graduação você hoje
tem, a maioria das universidades tem as pós graduações, então ele vai ter uma outra, vai complementar
sua carga horária na pós graduação e restante com pesquisa, então é um professor que tem menos
envolvimento com a graduação...
P:
na sala de aula...
Prof. Ana:
na sala de aula
P: Isso então, influencia de forma direta, na atuação desse professor em sala de aula?
Prof. Ana:
Influencia, Anderson... Mas depende muito do professor...
P:
Entendi
Prof. Ana:
Você tem excelentes pesquisadores e aí na hora que você tem um professor, que
acredito eu que é uma pessoa inteligente, uma pessoa acessível que tem cultura para também se formar
um bom e ser um bom professor então eu acho, do ponto de vista do meu departamento, que a gente tem
conseguido isso, porque também pensar naquele professor que está mais dedicado a sala de aula e por
isso ele vai ser um bom professor, pelo menos no meu departamento a gente não vê isso, aqueles
professores que não estão envolvidos em pesquisa, independente de ser na área de educação ou na área de
Química, são professores que dão aula, aula, são professores que são escalados pra engenharia básica,
porque eles também não estão envolvidos... Eu sinceramente, quando eu fazia minha distribuição de
carga horária eu dizia, não quero esse, esse e esse professor dando aula pra Química, Porque apesar de
serem professores que tinham uma alta carga horária na graduação, porque não faziam pesquisa, queriam
lecionar? Muito pelo contrário. Então eu acho que o modelo apesar das discussões, ainda é melhor do
que o modelo que nós tivemos durante um certo tempo. Que você tinha um graduado entrando e não
sendo obrigado a se formar, progredindo...
P:
progredindo por tempo e não por, entre aspas, merecimento
Prof. Ana:
progredindo por tempo... exatamente
P:
ou por título de pesquisa, um título...
Prof. Ana:
Se houvesse ainda carreira universitária, eu acho que você teria, ai sim você
poderia ir formando, com tempo... mas no modelo atual, você ainda admitir pesquisadores ainda acho
que é o caminho melhor...
168
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
480
485
490
495
500
505
510
515
520
525
530
535
P: Bom professora, com relação à pesquisa, o Ensino e a extensão que estão presentes na universidade,
como a senhora ordenaria esses três condicionantes presentes na universidade em grau de importância pra
universidade hoje?
Prof. Ana:
Pra universidade hoje? Eu acho que a importância maior e que gera mais
recursos pra universidade e o que ela está mais interessada é a pesquisa, não tenha dúvidas, isso em
função basicamente do... né? Então em primeiro lugar você tem a pesquisa, que traz recursos pra
universidade, que projeta o professor na comunidade, isso é para o professor extremamente importante
né, então eu acho que ele dá muito mais importância a pesquisa, por ser uma coisa maior, mais
importante, mais bem vista né? Em segundo lugar, o Ensino né, que ele obrigatoriamente ele tem que dar
aula, independente se ele está dando aula na graduação ou pós graduação ele tem que ter uma carga
horária, né? Obrigatória... E a extensão...eu acho que é considerada a menos importante, até um pouco
depreciada, apesar de que em determinadas áreas, eu acho que a extensão seja extremamente
importante...
P:
Aham...
Prof. Ana:
na área médica que poderia estar fazendo programas de extensão para
comunidade e nas próprias áreas exatas hoje, eu acho que com a formação de professores, eu acho que
você pode estar fazendo um trabalho muito grande com as escolas, com a comunidade, né? Em termos
projetos de extensão, né? de projetos com o aluno, não é só no Ensino Médio não, no Ensino
fundamental, fazendo o aluno gostar de ciências, de matemática, de... Isso só incentiva o aluno e se
houvesse mais essa integração, teríamos menos alunos com problemas em matemática, problemas em
física, né? Então, agora, tem muita gente envolvida nisso, a física com a casa da descoberta, né? Com
projetos la com a Química... Agora também porque? Porque hoje você tem dinheiro envolvido...
P:
[risos]...sendo injetado ali, dando um incentivo, então assim, dessas três
dimensões, pesquisa, Ensino e extensão e dessa forma que o professor universitário hoje se relaciona com
elas, diante desse contexto, desse cenário, pra senhora, qual o papel do professor universitário na
Licenciatura?
Prof. Ana: ...deixa eu entender a sua...
P:
Assim, a gente veio construindo o cotidiano do professor né? como ele se
desmembra na universidade diante da pesquisa, da extensão, qual seria o papel desse professor
universitário na universidade hoje...
Prof. Ana:
Ah! entendi! Importantíssimo quisera eu que todos os professores dentro dos
institutos, tivessem envolvidos com Licenciatura, eu não estou falando só de professores de Química não,
acho que na área de exatas isso é muito mais crítico. Porque de alguma maneira nas áreas é, sociais, nas
áreas é,
P:
Humanas
Prof. Ana:
Humanas, você tem um... isso passa um pouco mais fácil... pelo menos eu
acredito, agora na área exatas isso é muito complicado né? O professor está preocupado com o
conteúdo, agora com o conhecimento muito grande na área dele, de Química, de física, de matemática, a
contribuição que ele pode dar pra formação do licenciado, é extremamente... é muito grande, porque ele
pode trabalhar aquele conteúdo com licenciado, ensinando, ou ajudando ele aprender, ensinando não
porque ninguém ensina nada a ninguém, ajudando ele aprender como é que ele vai ser um professor, ele
vai se tornar um professor. Mas para isso a gente vai esbarrar em outros problemas, que o próprio
professor universitário tem que aprender a ser professor antes de passar isso para o aluno, então você
conta com professores com mais envolvimento pra poder ajudar na Licenciatura, os novos não tem
condições.
P: Assim, mudando um pouco da modalidade né? Então você colocou da importância do professor
universitário na Licenciatura, Qual a importância do professor de Ensino Médio, para sociedade?
Prof. Ana: Eu acho que assim, um processo fundamental na hora que você, se conseguir realmente
trabalhar as 400 horas da prática. Por que? Pratica é prática, o aluno tem que saber ir a escola, tem que
conhecer a escola, tem que vivenciar a escola e tem que aprender com os outros professores de Ensino
Médio que tá lá todo dia, e a gente sabe que não é fácil tá, como ele será um professor igual ou melhor
ainda que aquele professor que tá lá, então, o professor de Ensino Médio tem um papel muito importante
ao receber o aluno na escola e ajudar esse aluno a entender, compreender, os problemas da escola, os
problemas dos alunos, como é que vai trabalhar isso né? Você sabe que tem escolas aí, você trabalhou
em uma que ficava no pé de morro né? Quais são os problemas né? Se tem um professor lá dentro né. que
tem essa vivências que sabe como é que vai chegar no aluno, como é que vai motivar o aluno pra
aprender né, ou então ele vai desviar pro tráfico, qual a importância dessa situação pra ele e pra o
crescimento da sociedade, então eu acho que se o aluno tem a oportunidade de viver na escola com o
professor de Ensino Médio, eu acho que o papel do professor na formação dele é fantástica...
P:
É fundamental...
169
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 2 – PROFESSORA ANA
540
545
550
555
560
565
570
575
Prof. Ana:
eu acho que o papel do professor na formação dele é... fundamental...
P: Então pra gente encerrar, já que falamos da Licenciatura da universidade, das vertentes que permeiam
a universidade, na sua opinião, qual o papel da universidade na sociedade?
Prof. Ana: Eu acho que é de fundamental importância. A universidade que se desenvolve novas
tecnologias que vão ser repassadas para benefício da sociedade, é a universidade que desenvolve, né? que
forma os novos profissionais que vão contribuir para sociedade... Então eu acho que a universidade, ela é
o motor que move toda a sociedade o desenvolvimento de um país, né? Porque se não houver uma boa
formação dentro da universidade desses profissionais e dessas novas tecnologias, você não tem como
contribuir para evolução da sociedade, ela não tem como contribuir para uma qualidade melhor de vida
né? das pessoas, das diferenças sociais, né? Atuar, melhorar o nível de pobreza, eu acho que a
universidade ela tem um papel importante no momento que ela forma e esse profissional dá o retorno à
sociedade e no desenvolvimento das novas tecnologias...
P:
Nada mais justo né? Afinal de contas as universidades que forma profissionais,
às custas dos próprios contribuintes, né?
Prof. Ana:
Exatamente, o retorno tem que aparecer...
P:
É a expectativa de que cria pela própria...
Prof. Ana:
Exatamente, porque tudo aquilo é mantido com o dinheiro dos impostos da
contribuição... e aí, eu sempre falava pros alunos isso, as minhas falas nos primeiros semestres, né? E eu
acho que eu consegui alguma coisa, né? era deles acharem que aquilo tudo era de graça... Porque o aluno
achava, “não” e largava o curso e ficava não sei quantos anos sem fazer o curso ali dentro e não era de
graça, é tudo muito caro...a universidade é muito cara para ser mantida... então acho que esse reforço é
fundamental porque é um custo muito alto para manter essa estrutura...
P: Então tá professora, eu agradeço...
Prof. Ana:
Espero que eu tenha...
P:
Eu Acho que ajudou muito, essa minha entrevista, na verdade a senhora está
sendo a segunda entrevistada, essa minha entrevista na realidade ela tem muito a ver com minha história
pessoal como eu me relacionei com tudo na minha graduação, movido por vários questionamentos eu
resolvi ao invés de pegar o caminho comum onde as pessoas começam a estudar as dificuldades do
Ensino Médio, do professor do Ensino Médio, eu resolvi colocar o foco em outro lugar, as dificuldades do
professor universitário o que ele enfrenta, como isso afeta a própria relação que ele tem com os futuros
professores, isso é uma pesquisa que ta me dando na verdade muito prazer por que é aquela pesquisa que
a gente faz com verdade, com sentimento, na verdade eu fiz essa mudança, essa guinada de carreira, de
uma carreira acadêmica que ia acabar lá na Química inorgânica mesmo, também uma matéria que eu
gosto muito, mas eu fui ficando envolvido cada vez mais com a educação com a sala de aula e eu só
tenho a agradecer a senhora mesmo a senhora, por toda essa contribuição, esse material vai me ajudar
muito a entender melhor o nosso cotidiano, uma vez que agora eu também sou professor universitário.
Então é isso professora, muito obrigado.
Prof. Ana: Obrigada você.
[Fim]
170
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
P: Primeiro, assim, deixar claro, uma gravação que os dados dessa entrevista, eles serão utilizados num
trabalho de tese do doutorado, e que as publicações que esses dados possam produzir em todas essas
publicações, em nenhum momento essa identidade vai ser revelada, né, por questões éticas, então, o
senhor fica tranquilo com relação a isso. E aí, nesse primeiro momento, eu gostaria que o senhor se
apresentasse expondo a sua formação acadêmica, sua graduação e tal; e suas pós-graduações; as
disciplinas que o senhor leciona ou lecionou na Licenciatura em Química; as funções que desempenha ou
desempenhou aqui na UFF.
Prof. José: Bom, eu sou Químico pela... formado pela UFRJ em 1991... em 81, fui formado pela UFRJ
em novembro de 81.
P: Bacharel?
Prof. José: Lá é Químico com atribuições tecnológicas.
P: Ah, entendi, é como se fosse a Química Industrial.
Prof. José:
Exatamente, é como se fosse a Química Industrial. Até hoje não me é claro que
atribuições tecnológicas são essas, né? Após isso, eu fiz o mestrado em Química de produtos naturais,
pela UFRJ também, defendi a tese na área de síntese Orgânica em 1985. De imediato, já comecei
doutorado, também pelo Instituto de Química da UFRJ, na área de Química Orgânica, também na área de
síntese orgânica assimétrica, comprovando estereoQuímica, e defendi a tese em 1991.
P: Certo.
Prof. José: Incontinente, eu parti para o pós doutorado na França, aonde eu trabalhei durante um ano na
École Supérieure de Physique et Chimie Industrielles de Paris, supervisão do Profº Jean D’Angelo,
também na área de síntese assimétrica. Nesse interim eu já tinha vindo para UFF, comecei aqui em 1987,
né? Eu estudava no processo de doutorado, comecei a trabalhar aqui, dando... ministrando aulas pra
graduação, na época, aos cursos de Química, tanto Licenciatura, como bacharelado, né, Farmácia
também, Veterinária, Química Industrial. E, quando voltei do pós-doutorado, nós estávamos criando
cursos de pós-graduação aqui na UFF, então eu fui um dos fundadores da pós-graduação aqui, né, e na
pós-graduação eu comecei a desenvolver atividades de pesquisa, na área de síntese assimétrica, hoje
também trabalho ainda na área de síntese assimétricas, mas também no desenvolvimento de novas
substâncias visando a determinar as atividades fisiológicas, farmacológicas, né, de uma substância, né?
Tenho ministrado aulas na pós-graduação, tendo algumas disciplinas que eu ministro lá estereoQuímica,
síntese orgânica e síntese assimétrica. E nesse interim também, eu venho ministrando aulas para os cursos
de Química Industrial, Licenciatura em Química, Farmácia, Engenharia Química e também nutrição, né, o
que eu tenho feito aqui. Em 2006, eu tive a oportunidade de ir para a Universidade de Aveiro em
Portugal, onde eu fiquei seis meses como professor associado dessa universidade, em atividade
intempestiva. Eu tenho várias colaborações científicas, sou pesquisador do CNPQ, de produtividade,
tenho um grupo de pesquisa razoavelmente grande, produtivo né, que tem saído muitas teses de mestrado,
de doutorado, tem... nós temos já um bom número de publicações em revistas, em periódicos
internacionais, e algumas patentes já que nós depositamos.
P: Tá certo. Perfeito. É, então, como o senhor colocou na sua formação, o senhor é Químico formado pela
UFRJ, com atribuições tecnológicas, possivelmente em sua formação não teve contato com disciplinas de
cunho pedagógico, né, essas são disciplinas que caracterizam a graduação em Licenciatura. E aí, eu
gostaria de perguntar pro senhor, que não teve na sua formação inicial um contato com essas disciplinas,
como isso afetou, e se afetou, a sua primeira atuação em sala de aula na graduação? Como o senhor avalia
esse primeiro... essa primeira experiência em sala de aula?
Prof. José: Certamente teria sido muito interessante ter tido uma formação em Licenciatura também. Mas
a UFRJ, ela não tinha essa opção de químico com Licenciatura, então eu tive que aprender para ministrar
aula, especialmente na graduação, foi no dia a dia, né?
P: Entendi.
Prof. José: E, claro, lendo bastante, muitos livros, muitos artigos, isso pôde ter, eu espero, parcialmente
solucionado, né? Mas a formação de Licenciatura, realmente é muito importante.
P: Certo. Então assim, o senhor avalia que nesse primeiro momento em sala de aula que o senhor teve,
obviamente teve um comprometimento com qualidade, leitura de artigo e tudo mais, mas seria importante
que de repente essa formação de Licenciatura, ou pra graduação isso não teve muito peso? Então...
Prof. José: Teve algum peso, especialmente no começo, tá? Mas, quando você está preocupado não só
com a qualidade, com a questão técnica, com a questão de ministrar os conceitos; quando você tá
preocupado também com a questão didática, né, muita coisa você consegue passar para o aluno, acredito
que passei bem as coisas, né, os conceitos, porque você se coloca na posição do aluno, você está ali sem
conhecer nada do assunto, e você precisa conhecer o conceito e saber aplicar o conceito.
P: E aí, se colocando no lugar do aluno, traçar as estratégias de como...
Prof. José:
De como ensinar aquilo, né, e como fazer o estudante, como motivar o estudante
a estudar aquilo, mesmo aquele estudante que não gosta do tema, você tenta deixar o estudante bem...
171
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
65
70
75
80
85
90
95
100
105
110
115
120
P:
A vontade?
Prof. José:
A vontade não é bem o termo... motivado, para estudar aquele tema. Você fala da
importância do tema, né, para a vida profissional dele, como a vida profissional de um modo geral, e
começa a ministrar aquilo partindo da completa, ou quase completa, ausência de conhecimentos sobre o
conteúdo.
P: Tá certo. E como professor de sua disciplina lá na graduação, o senhor é professor, pelo que eu li no
seu currículo, professor de Química Orgânica, e lecionou pra diversas turmas de Química, né? Quais são
os conhecimentos necessários pra lecionar, por exemplo, as Químicas orgânicas? Fala um pouco sobre
essa estrutura da Química Orgânica na graduação.
Prof. José: Vamos ver se eu entendi a pergunta. Você quer o conteúdo...
P: É. Sobre o conteúdo, quais são os conhecimentos necessários pra lecionar as disciplinas que...
Prof. José: São conhecimentos meus ou do estudante?
P: Não. Dos seus.
Prof. José: Meus.
P: Isso.
Prof. José: O conhecimento que eu tive como graduação, como estudante em graduação, ele me deu uma
base, claro. Mas, é muito importante o fato deu ter feito pós-graduações, né? Essas especializações todas
que eu fiz, que eu falei no início, né, elas não me deram uma visão muito mais ampla da Química,
inclusive, a inserção dos conceitos da Química no dia a dia. Porque é muito fácil você dizer: “Olha, o
conceito de tal tema é esse”. Mas você procurar ver aquilo aonde o estudante usa no dia a dia, isso é
muito importante. Não adianta ele saber o conceito, e não saber identificar esse conceito no seu dia a dia.
Algum tempo atrás, eu fiz parte da banca de organização de provas no vestibular da UFF.
P: Hum, hum.
Prof. José: E nessa época, eu lembro de cenas no vestibular de Química Orgânica, incluíam reações de
Grignard. Eu coloquei, olha, pra que um advogado vai querer saber o que é reação de Grignard? Não é
muito mais interessante o advogado saber o equilíbrio ácido base, por exemplo, cloreto de sódio mais...
por exemplo, ácido clorídrico mais hidróxido de sódio? Dando cloreto de sódio mais água. É muito mais
interessante ele saber que quando ele vai à praia, ele não morre, porque o equilíbrio entre ácido clorídrico
e hidróxido de sódio, está deslocado para um cloreto de sódio mais água, que é o que nós temos na água
do mar.
P: Hum, hum.
Prof. José: Se o equilíbrio tivesse deslocado no sentido contrário, a pessoa estaria morta, né? Então, eu
acho muito mais interessante você, para o estudante em geral, fazer com que ele compreenda o conceito,
saiba usar o conceito, mas identifica esses conceitos no dia a dia. Eu tenho uma colega aqui que está
fazendo um questionário muito interessante, sobre o que o estudante consegue identificar do conceito em
Química orgânica no seu dia a dia. E por incrível que pareça, os estudantes, conhecem o conceito, mas
não sabem identificar no dia a dia. Isso é um buraco enorme.
P: Bom, professor, então trazendo... já que o senhor tocou com essa questão do questionário, trazendo um
pouco mais pra realidade da Licenciatura, o senhor foi professor de Química Orgânica I, Química
Orgânica II... [fomos interrompidos por um barulho ambiente] ... Repetindo, o senhor foi professor de
Química Orgânica I, II, III, V, enfim, várias Químicas né? E essas orgânicas constituem o escopo de
disciplinas da Licenciatura em Química. Eu queria saber se na sua opinião, qual a importância das
disciplinas de Química Orgânica pra atuação do futuro professor de Química do Ensino médio?
Prof. José: Realmente ele tem que conhecer esses conceitos, porque, especialmente os novos conceitos
que vão aparecendo. Porque ainda por incrível que pareça, você ainda vê professor no Ensino médio,
chamando a ligação de hidrogênio de ponte de hidrogênio. Existe muito professor, não só no Ensino
médio, mas como também na universidade, falando em ligação covalente dativa. Isso nunca existiu.
P: É verdade.
Prof. José: Então, eu acho fundamental, tá, que inclusive os professores universitários se atualizem para
passar aos estudantes, os novos conceitos de forma correta, né, que ele possa trabalhar com isso, melhor
no Ensino médio. Por exemplo, o Ensino médio é muito comum o professor, pelo menos a mim foi
ensinado assim, ensinar os orbitais s, p, d, f e faz aquela distribuição toda de elétrons, e o estudante fica
perguntando, e daí? Pra que isso? No Ensino médio é muito comum isso
P: Hum, hum.
Prof. José: Pra que, que ensina aquilo? Eu acho que tem que mostrar a coisa de uma forma mais geral, tá,
e menos específica, para o Ensino médio.
P: Certo.
Prof. José: Claro, que pra isso, o estudante da universidade, de Licenciatura, ao longo de sua formatura,
ele tem que conhecer, saber aplicar bem esses conceitos.
P: Conhecer profundamente os conceitos.
172
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
125
130
135
140
145
150
155
160
165
170
175
180
Prof. José:
Conhecer profundamente os conceitos. Não adianta você ter didática, se você
não ter conteúdo.
P: É verdade.
Prof. José: Como também não é desejável ter conteúdo e não ter didática.
P: É, tem que ter o equilíbrio aí, né?
Prof. José:
O equilíbrio.
P: E o que você considera, nesse sentido, importante pra formar o bom professor de Química?
Prof. José: Um bom professor de Química em nível médio, né?
P: Nível médio.
Prof. José: É, claro, tem... Ele tem que conhecer os conteúdos, tá, não tem duvida, tem que conhecer a
parte didática. Mas eu acho que ele tem que aprender a aplicação daquilo, porque realmente só conhece
um conteúdo quando você sabe aplicar. Eu tenho visto muito que as pessoas, por exemplo, sabem todas as
definições de acides e basicidade, que é o tema central da Química, né? Mas ela não sabe aplicar aquilo,
não sabe como aplicar os conceitos de acidez e basicidade no seu dia a dia. Então eu acho que o professor
de Ensino médio, ele deve estar apto e motivado, preparado e motivado para ensinar não só os conceitos,
agora os conceitos principais, há de se fazer um filtro muito grande no conteúdo do Ensino médio, e
mostrar como a Química está inserida no dia a dia das pessoas.
P: Hum, hum.
Prof. José: Todo mundo, por exemplo, quando fala em polímero, elas pensam o quê? Em teflon,
polietileno, mas ninguém fala em proteína, que é o principal polímero, é o polímero da vida.
P: Essencial.
Prof. José:
Essencial. Então, esse tipo de coisa a gente tem que alertar no Ensino médio,
porque isso vai ficar como formação cultural, uma formação geral, para estudante que queira fazer
quaisquer carreira: advogado, administrador de empresa, até teatro, cinema. Esse tipo de coisa fica...
P:
De uma formação geral, mas contextualizada a realidade.
Prof. José:
Contextualizada. Não adianta ele ter um conhecimento e não saber aplicar, ele
não enxergar aquele conceito no dia a dia. Não é só pra Química é pra Física também, não é verdade?
P: É verdade... Então professor, indo agora mais pra uma dimensão pessoal assim, comparando a sua
atuação em sala de aula com a dos professores que lecionavam pra você na sua graduação, fazendo um
resgate da memória, quais são as semelhanças e diferenças que o senhor pode apontar, pro senhor
proceder em sala de aula?
Prof. José: Olha, a gente tem sempre uma tendência, qualquer setor de atividade, né, a se espelhar nos
profissionais que mais nos chamaram atenção, né? Claro, eu me espelhei em alguns profissionais assim,
ótimos profissionais, né? Professores bastante motivadores, professores que tinham essa visão de
aplicação, professores que não tinham essa visão de aplicação, então você vai fazendo uma mistura deles.
Evidente, tinha conhecido professores que não influenciam muito nos temas, né, e isso vem desde o meu
Ensino médio, eu tive muito professor que estava caindo ali pra falar alguma coisa que ele não conhecia.
Agora, o que eu acho importante nisso daí, é o professor ter feito uma pós-graduação, porque a pósgraduação, ela deixa, né, a pessoa com uma visão muito mais ampla do que um estudante que acabou a
graduação. Isso é normal, né?
P: Independente do nível, ou o senhor está falando só dos professores universitários?
Prof. José: Independente do nível. Eu acho que o professor do Ensino médio, também deveria fazer uma
pós-graduação, é fundamental, porque ele vai ver alguns conceitos mais modernos que explicam alguns
passos que ele não conseguia explicar com os conceitos que ele aprendeu na graduação. Isso é muito
comum, que a graduação nós não conseguimos passar todos os conceitos pro estudante, porque a primeira
vez que ele tá aprendendo aquele tema ali como Química Orgânica, ele não tem maturidade pra absorver
todos os conceitos, nós temos que saber trabalhar com o momento das pessoas, né? E alguns conceitos
são realmente um pouco mais difíceis, né? Então, o estudante tem uma dificuldade, né? Então, se ele levar
apenas essa visão para ensinar ao professor do Ensino médio, ele certamente vai deixar alguns buracos,
né, algumas coisas sem explicação.
P: Certo.
Prof. José: Então, é importante que pro professor fazer a pós-graduação. Eu acho que quando fiz a pósgraduação misturando com os bons, os grandes professores que eu tive, certamente foi um bom número,
aí nisso me moldou, moldou meu estilo de trabalho.
P:
De trabalho. Tá certo, professor. E assim, o senhor... gostaria que o senhor
apontasse pontos positivos e pontos negativos que o senhor visualize, na formação universitária oferecida
pra Licenciatura, né? Se o senhor percebe alguma deficiência. Nessa experiência que o senhor teve aqui,
há mais de vinte anos de UFF lecionando pra diferentes turmas, o senhor consegue identificar pontos
positivos e negativos, inclusive eu sei de sua participação também como professor no colegiado e tal, nos
cursos. O que o senhor pode dizer sobre isso?
173
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
185
190
195
200
205
210
215
220
225
230
235
Prof. José: Olha, eu acho que a questão assim, negativa, é que os cursos de Química, e também farmácia,
ficaram muito generalistas, generalistas em excesso, né? E, com isso daí, isso claro, com orientação
governamental, né, levou aos estudantes, aí não só de Licenciatura tá, até o de bacharelado, levou os
estudantes a terem uma formação um pouco mais fraca, porque eles são mais generalistas e não sabem
explicar pontos mais específicos, e ele precisa fazer isso para depois saber como vai proceder para
ministrar a aula no segundo grau, né? Então, eu acho que o grande problema tem sido esse daí tá, algum
currículo que está generalista demais, e comprometeu seriamente, na minha opinião, a qualidade e
formação do estudante, tá? Isso eu tô falando da parte de Química, e a parte de Licenciatura eu não
conheço. Mas, em Química eu noto muito isso, não foi só com o pessoal de Licenciatura. E na questão de
Licenciatura, por exemplo, eu vou citar uma disciplina que eu não entendo até hoje porque é ministrada
para Licenciatura, é aquela Química quântica. Você certamente não vai ensinar hoje, no Ensino médio tá,
não vai ministrar qualquer conceito de Química quântica. Então, não concordo que essa disciplina seja
obrigatória para um estudante de Licenciatura em Química.
P: Certo.
Prof. José: Eu acho que deveria se repensar o que você espera de um professor de Química, e não apenas
do professor, mas o que você espera que o estudante do Ensino médio precise saber para o seu
conhecimento geral. E com base nisso você vai formar o professor de Química, mas com conteúdo um
pouco maior do que ele precisa dar. Mas, que seja o conteúdo tá, que seja temas que ele vá ministrar no
segundo grau.
P: Entendi.
Prof. José:
Do Ensino médio. Ele vai ministrar aquele tema, ele tem que saber um pouco
mais aquele tema.
P:
É uma formação mais direcionada.
Prof. José:
Ele ter uma formação um pouquinho mais elevada, para poder ter até
instrumentos de poder montar aulas com experimentos no segundo grau, que ensine melhor o estudante.
P: Bom, já que o senhor tocou nesse assunto do Ensino médio, o professor de Química e o licenciado
durante a sua formação ele tem contato com estudante de Físico-Química, de Química Geral e Inorgânica,
disciplinas de Química Orgânica, que são temas que estão presentes no Ensino médio, não é? Nesse
sentido, eu pergunto pro senhor com relação a essa adaptação da Química do nível superior para a
Química do nível médio, essa transposição didática, o senhor acha que, quais as disciplinas poderiam
trabalhar essa transposição didática? Pensando numa formação ideal, quais seriam as disciplinas que
poderiam trabalhar essa transposição didática?
Prof. José: É, bom, a Química geral e inorgânica e físico-Química, orgânica, seriam certamente
disciplinas poderiam fazer isso, né? Agora, eu sinto um pouco da falta da inserção da BioQuímica nisso aí
tudo, até pra ensinar a biologia ao estudante do Ensino médio, tá?
P: Certo.
Prof. José: Se o professor de Química, ele conhecer as reações da BioQuímica sob o ponto de vista da
Química Orgânica, por exemplo, ele vai poder ensinar muito melhor ao aluno do Ensino médio tá,
mostrando pequenas reações básicas, enxugando, você não vai chegar no Ensino médio, e mostrar todas
as reações da Química Orgânica, não isso é bobagem.
P: Certo.
Prof. José: Você vai mostrar aquelas reações da Química Orgânica que vão ser importantes para alguma
coisa, por exemplo, para os processos bioquímicos. E aí, poderia ter uma ressonância entre a biologia e a
Química Orgânica no Ensino médio, faria o estudante conhecer muito mais biologia, e depois de
bioQuímica, e veria que a Química orgânica está contextualizada aí.
P: Então nesse sentido assim, então devemos colocar da seguinte maneira, porque no currículo da
Licenciatura, há pouco tempo atrás nós vivíamos uma realidade de setorização da parte didática. Então,
eu por exemplo fui formado dessa maneira, eu fiz o curso inteiro como um bacharel... depois eu fiz né, o
chamado currículo três mais um. Fiz lá o complemento na área didática e ali também ocorreu a
pedagogização de alguns conteúdos. Só pra retomar, professor, então, o senhor dizendo pra mim, por
exemplo, que a grande transposição didática poderia ser feita em cada disciplina durante a Licenciatura,
ou a transposição didática, ela vai ficar na verdade a cargo da responsabilidade das áreas pedagógicas?
Prof. José: É. Olha só, tem um problema, quando você se forma em Licenciatura, né, você está apto para
trabalhar não só no Ensino médio, como também numa universidade particular, ou até universidade
pública.
P: Sim.
Prof. José: Então, você não pode deixar de ter aquele conteúdo básico que você pode querer trabalhar
assim nas universidades. Então, você cortar conteúdo, você vai estar limitando a pessoa na questão de um
segmento de atuação, seria dar aula em universidades, tá? Agora, para trabalhar isso visando o Ensino
174
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
240
245
250
255
260
265
270
275
280
285
290
295
médio, eu acho que na faculdade de educação, poderia se pegar alguns conceitos e contextualizá-los no
Ensino médio.
P: Então por essas questões de demanda, as disciplinas de formação específica não teriam tempo pra
pedagogizar seria mais interessante então fazer essa transposição na faculdade de educação?
Prof. José:
Na faculdade de educação, eu acredito. Eu sei que ali tem suas necessidades, né?
Mas eu acho que esse tipo de coisa trabalhado lá, junto com os educadores, eu acho que daria mais
resultado do que aqui. Nós podemos fazer isso aqui, não é o problema, a questão é o número de horas que
nós temos pra administrar... pra ministrar uma carga horária muito grande, com muito conteúdo e como é
que nós vamos ainda fazer isso. É muito difícil.
P: Entendi. E como o senhor avalia, mesmo sendo o senhor professor das áreas de específica de Química,
mas como o senhor avalia o papel da escola na formação dos professores?
Prof. José: Papel da escola...
P:
Da escola do Ensino médio, na formação do licenciado. Ele que vai atuar nesse
ambiente.
Prof. José: Eu não entendi.
P:
Então...
Prof. José:
O papel da escola...
P:
É, o papel da escola de Ensino médio. Que assim, o licenciado em Química, ele...
durante a sua formação ele tem a oportunidade de fazer o que nós chamamos de estágio supervisionado,
né, que é ter o contato com escolas de Ensino médio. Eu quero saber como o senhor avalia a importância
dessa escola na formação do professor do Ensino médio?
Prof. José: Certamente é uma experiência, né, para o profissional muito importante. Agora, eu acho que
essa experiência deveria ter uma interação muito forte com a faculdade de educação, né, pra eles trocarem
experiência, né, visando justamente contextualizar o conceito que o estudante aprendeu aqui, e como ele
vai passar para o Ensino médio.
P: Entendi. E assim, considerando o tempo que o senhor atua nessa universidade, o senhor presenciou a
última reforma que tivemos, curricular, eu naquela ocasião fazia parte do diretório acadêmico, participei
também nas reuniões de colegiado. E houve um movimento de mudança de currículo, tanto pro perfil de
bacharel, perfil da Licenciatura, perfil químico industrial. O senhor avalia que essas reformas realizadas
na Licenciatura, melhoraram ou pioraram a formação dos futuros professores de Química?
Prof. José: Olha, a reforma, ela tornou a formação mais generalista, diminuiu sem dúvida o conteúdo. E
quando diminuiu o conteúdo, eu tenho detectado claramente que os estudantes, e depois claro, futuros
profissionais, eles saem com problemas sérios de formação. Eu tive estudante aqui tentando recristalizar
líquido, algo que...
P:
Complicado né?
Prof. José:
Eu tenho estudante aqui que tem dois experimentais para fazer uma reação, ao
invés dele seguir um experimental ou outro, ele mistura os dois. Tem estudantes que não sabem
recristalizar. Se você tentar hoje conversar sobre recristalização via par de solventes, nenhum estudante
da Química orgânica da UFF sabe, porque isso não é mais ensinado na graduação, é uma pena. Então, a
formação generalista, ela tá suprimindo alguns conceitos que são fundamentais pra Química.
P: Empobrecendo também, né?
Prof. José:
Sem dúvida, sem dúvida. Porque essa pessoa que se forma em Licenciatura, ele
pode ser formado também em bacharel, ela pode querer de hoje pra amanhã trabalhar numa indústria,
porque não, né?
P: Hum, hum.
Prof. José: E, tendo conceitos fundamentais bem colocados, é um problema sério, né? Então, está
acontecendo isso, a questão do conteúdo dos estudantes caiu demais com isso. Eu concordo que era
necessário fazer uma reforma curricular para os estudantes de Química, para os estudantes de Farmácia,
da Engenharia Química. Só estou citando isso isso porque são esses os que eu tenho contato, havia de se
fazer.
P:
Era necessário.
Prof. José: Só que o que te fez e não me agradou, não me agradou porque o resultado da formação do
estudante mostra que a formação do estudante, a qualidade do estudante caiu demais. Aí eu estou
preocupado com o futuro dele.
P: Nesse movimento então de adequação ao perfil, o senhor acredita que foram retirados muitos
conteúdos da formação do químico que eram essenciais então. Só pra fechar.
Prof. José: Sem dúvida. Esse pra mim é o principal problema ocasionado pela reforma curricular.
P: Entendi.
Prof. José: Que foi uma coisa imposta pelo MEC, em última análise, né? E isso também está ocorrendo
na pós-graduação. Se quer o MEC quis, né, via CAPES uma formação mais rápida do estudante de
175
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
300
305
310
315
320
325
330
335
340
345
350
355
mestrado, quando eu fiz mestrado nós levávamos quatro anos no mestrado, hoje leva dois. Então, eles
quiseram diminuir o curso de mestrado...
P: É, mestrado é toque de caixa, né?
Prof. José:
Exatamente. Toque de caixa, né? Então, o que acabou acontecendo isso? O
estudante sai do mestrado com deficiências sérias, vai para o doutorado, quando vai não consegue
desenvolver uma boa tese de doutorado, quase muitas vezes, difícil você ver um estudante com esse novo
perfil, que faça uma boa tese de doutorado, e isso leva um prejuízo muito grande. A CAPES agora já viu
que a política que ela tinha colocado pra gente, ela não está dando certo, e agora ela já está pedindo que
os estudantes de mestrado já tenham uma formação melhor.
P: Bom, puxando agora mais no seu cotidiano, professor, quais as exigências profissionais que o
professor universitário enfrenta atualmente? O senhor, pode enriquecer bastante a minha pesquisa com
essa visão já que é um professor bem atuante em sala de aula também, atua numa série de outras coisas.
Eu queria saber em que medida essas demandas... quais são as exigências profissionais que o professor
universitário, ele enfrenta atualmente?
Prof. José: Bom, o professor universitário hoje, ele tem que estar em constante atualização. E pra falar
em constante atualização, só tem um jeito, ele tem que fazer pesquisa, tem que fazer pesquisa científica.
Porque a pesquisa científica é que faz você ler o tempo todo, ler o artigo mais recente que saiu hoje nos
periódicos; é essa pesquisa científica inclusive que te faz dar melhor a aula para os estudantes, você já
suprime conceitos antigos nas aulas, e coloca as razões modernas, porque aquele fenômeno atua, e você
trabalha também ensinando gente na pós-graduação. Então, a atualização do professor constante é
fundamental, e pra isso ele tem que fazer pesquisa. Por isso hoje as universidades, quando vão contratar
um professor, elas exigem o título de doutorado, via de regra.
P: Pra contribuir na área de pesquisa.
Prof. José: Pra contribuir na área de pesquisa, e gerar conhecimento. Universidade não é só transmitir
conhecimento, ela tem que gerar conhecimento. E quando ela gera conhecimento, ela está também se
habilitando a transmitir melhor o conhecimento.
P: Além da pesquisa assim, no seu cotidiano, quais são as outras atribuições que tomam tempo do
professor universitário?
Prof. José: Nossa! Olha, eu não vou colocar as aulas, porque aula não encaro como somar tempo, aula é
um prazer sempre, é muito gostoso ministrar aula, é uma hora que na verdade a gente, vamos dizer assim,
relaxa entre aspas. Na verdade, não é relaxar, você tem responsabilidade enorme, mas eu encaro como
sempre um prazer falar em Química. Então, se eu posso dar aula e falar em Química, eu acho ótimo. Eu...
o que me leva um bom tempo pra fazer isso, é que eu gosto de preparar a aula, então minhas aulas são
sempre preparadas, sempre atualizadas de semestre a semestre, eu não repito aula, eu gosto de fazer isso,
gosto de propor novos experimentos, novos métodos. Então eu sempre estou lendo, tá, lendo livros, lendo
artigos, fazendo de tudo para ministrar uma aula mais interessante.
P: Fora isso, deve ter possivelmente os projetos...
Prof. José:
Claro, gestão de projetos de pesquisa, contratar pessoal de pós-graduação, tem
cargos na universidade, tem cargos na Sociedade Brasileira de Química, nós temos muitas, mais muitas,
muitas, atribuições essas sim nos tomam um tempo muito grande, eu acho que, por exemplo, um chefe de
departamento não deve ficar olhando pra ver onde está o vazamento no banheiro. Vazamento no banheiro,
você pode botar um administrador no instituto, isso é a função dele. Os chefes de departamento deveriam
fazer o quê? Ao invés de ficar olhando vazamento em banheiro, se tem luz ou não? Pensar em políticas
educacionais catalisar discussões nesse sentido, não só chefe do departamento, mas diretores do instituto,
né?
P: Hum, hum.
Prof. José: Deveríamos pensar quem nós somos hoje, o que nós fazemos hoje, o que nós queremos fazer
amanhã, quem nós queremos fazer? O que nós estamos formando? Essa pessoa tá adequada ao mercado
de trabalho? Vamos pensar um pouco mais adiante.
P: Entendi.
Prof. José: Daqui há cinquenta anos... cinquenta não, daqui há trinta e cinco anos, a pessoa que nós
formamos hoje, ela vai ter um conhecimento sólido para continuar sendo uma pessoa de qualidade?
P: Entendi.
Prof. José: É isso que eu esperaria.
P: Entendi. E nesse sentido, de que forma essas demandas influenciam na sua atuação em sala de aula?
Prof. José: Ah, de forma vital né, o tempo todo estou preocupado com a qualidade do estudante que vai
sair, né, e não falei antes, ele sabe aplicar os conhecimentos, aplicar e reconhecer. Claro, eu sempre
procuro mostrar a eles o mercado de trabalho, como é que está, o que ele pode fazer, falando duramente
com ele, aonde ele tem que trabalhar mais para conseguir boas posições de progresso na vida profissional.
176
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
360
365
370
375
380
385
390
395
400
405
410
415
P: O senhor colocou o professor universitário que tem uma série de papéis, inclusive o de gestão. Eu vou
retomar a pergunta, que na verdade, eu queria saber assim, e o senhor acredita que essas diferentes
funções que o professor universitário desempenha na universidade, atrapalha alguma medida a sua
atuação em sala de aula.
Prof. José: Enfim, sem dúvida, vão atrapalhar, porque são papéis que eu não deveria estar fazendo. É
claro, se eu estou fazendo esse tipo de trabalho, eu hoje estou lendo menos.
P: Pensando em algo ideal pro senhor, quais seriam então os papéis essenciais que o professor
universitário deveria desempenhar? Se o senhor pudesse elencar, “olha, eu sou professor universitário, eu
só quero fazer isso, isso e isso na universidade”.
Prof. José: São duas coisas o que eu faria hoje, eu não falo em questão de extensão, mas o papel do
professor universitário hoje, gerir conhecimento; gerar conhecimento, melhor falando, gerar
conhecimento; transmitir conhecimento. Agora, é claro, a transmissão do conhecimento pressupõe que
fazer a pessoa saber construir conhecimento.
P: Entendi. Perfeito. Pesquisa, Ensino e extensão universitária. Como o senhor ordena essas dimensões da
universidade em graus de importância?
Prof. José: Todos os três são igualmente importantes, igualmente. Eu não vejo uma mais importante do
que a outra. Eu gosto mais de pesquisa, mas entendo que o Ensino e a extensão também são
fundamentais. A extensão que todo mundo fala menos, né, é a bela oportunidade que a universidade tem,
né, de exteriorizar tudo aquilo que ela faz, né, e de mostrar as pessoas pra que nós servimos, então...
P: O senhor coloca essas três dimensões no mesmo patamar.
Prof. José: No mesmo patamar.
P: Mas, essas três dimensões, na realidade universitária hoje, estão no mesmo patamar?
Prof. José: Ah (risos), aí agora é outra pergunta. Não, claro que não. O patamar principal hoje, que as
pessoas veem a universidade na qual eu não concordo, não concordo com essa posição, é pesquisa
científica. Todo mundo hoje só fala em pesquisa científica, porque essa é que na verdade traz dinheiro pra
universidade, tá? Então, é basicamente...
P:
Pesquisa é a que move...
Prof. José:
Pesquisa é o que move a universidade, né? Até porque o financiamento do
Governo Federal dá no ato. Nisso a extensão fico como algo que tem poucas pessoas dedicadas a
extensão, e o Ensino quase que como um castigo, quem não faz pesquisa que vá da aula.
P: Entendi. Bom, professor, estamos já, caminhando para o final da nossa entrevista, eu vou fazer duas
perguntas, né, pro senhor. A penúltima é: Pra você qual o papel do professor universitário na
Licenciatura? E qual o papel do professor de Ensino médio?
Prof. José: Bom, o professor universitário, ele tem que não só ministrar os conceitos, mas como
estimular a pessoa, o estudante a gostar daquele tema. Ele tem que ter uma visão geral do mercado, ele
tem que saber que ele não vai formar só pesquisadores, ou só profissionais para a indústria, ou só
professores do Ensino médio. Então ele tem que dar uma formação ampla a essas pessoas, uma formação
com conteúdo, com didática. O professor do Ensino médio, né, o que eu gostaria é que ele... que o
estudante viesse pra cá, com conceitos bem sedimentados. Não precisaria ser conceitos amplos, como eu
falei antes, reação de Grignard não precisa saber no Ensino médio, isso eu Ensino aqui. O que ele precisa,
que eu gostaria que ele soubesse do Ensino médio quando viesse pra cá, é saber que uma concentração de
solução, isso ele pode usar lá fora, ele pode usar no seu cotidiano, como preparar uma solução a 10%. Ou
o conceito de ácidos e bases, mas não precisa ser o conceito de Lewis, não, conceitos de Arrhenius,
Bronsted, mas isso bem sedimentado. Você pode ministrar menos quantidade no Ensino médio, menos
quantidade, menos conteúdo, mas ministrados de forma bem sedimentada. Porque isso vai fazer com que
o profissional que vai fazer advocacia, conheça a Química que ele precisa pro dia a dia. Ah, e o pessoal
que vai fazer Química? Ah, ele vai aprender o resto aqui,
P: Vai aprofundar aqui.
Prof. José: Vai aprender os outros conceitos, porque vai aprender a reação de Grignard, no Ensino médio
eu acho que não tem razão. Nem Físico-Química quântica.
P: Pra finalizarmos então, qual o papel das universidades, pro senhor, na sociedade brasileira?
Prof. José: Olha, as universidades na Europa, elas estão fortemente inseridas nas cidades. Tem cidades
que basicamente vivem em função de universidades. Por exemplo: a Arihant na Espanha, em função da
universidade de Arihant, a Grenoble, na França, né, vive em função da universidade também, são cidades
universitárias, né? Então, quando você tem uma universidade fortemente inserida numa sociedade, e isso
ela pode fazer através de projetos não só de Ensino, mas também de extensão, até a pesquisa contribui pra
isso, né, você acaba tendo uma população culturalmente melhor. Então, essa população culturalmente
melhor, mais preparada, ela certamente não vai tomar atitudes, né, como acho que nós vemos sendo
tomadas hoje em muitos países, no Brasil por exemplo. Tanta má educação, no trânsito, tantos problemas
sociais que nós temos, isso é facilmente resolvível com a educação, e isso é o papel da universidade, ela
177
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 3 – PROFESSOR JOSÉ
420
425
se inserir bem na comunidade, na sociedade, para que várias pessoas terem um outro tipo de padrão de
comportamento, inclusive de valores; valores éticos; valores de cidadania. Isso a universidade tem que
fazer, tá, na questão cidadã mesmo, na questão política, a universidade tem que se inserir bem na
sociedade, mostrar a sociedade, discutir com a sociedade, todas essas questões éticas, de cidadania,
política. Política ela até faz alguma coisa, mas nem sempre é bem compreendida. Mas eu acho que falta
trabalhar mais nisso.
P: Tá certo, professor, muito obrigado pela entrevista e pelo seu tempo, obrigado.
Prof. José: Espero que tenha contribuído, que possa ter contribuído pro seu trabalho.
P: Sem dúvida. Obrigado.
Prof. José: Ok. Obrigado a você.
[Fim]
430
178
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
55
60
P: Bom, primeiro, gostaria de dizer que todos os dados dessa gravação serão transcritos, e o que eu vou
utilizar tanto na tese quanto nas publicações futuras, essa utilização não vai revelar sua identidade, então
isso é bom que fique claro, sua identidade não vai ser revelada nessa entrevista. Bom, primeiro, nesse
primeiro momento, eu gostaria professora, que a senhora se apresentasse, né, colocando sua formação
acadêmica, as disciplinas que leciona, ou que lecionou aqui na UFF, as funções que desempenha aqui na
faculdade, ou as funções que desempenhou, enfim.
Prof. Lucia: Ok. Essa informação... você quer saber a formação de professora como um todo, ou a minha
formação no doutorado apenas?
P: Não, sua formação como um todo assim, apresentação mesmo.
Prof. Lucia:
Apresentação mesmo, quem sou eu?
P:
Isso.
Prof. Lucia: É porque eu sou professora há trinta e oito anos, então isso eu acho que já é uma coisa que
conta, eu comecei muito novinha, a professora das séries iniciais, na época professora primária que a
gente dizia, né?
P:
Hum, hum.
Prof. Lucia: E, estudei Química, já trabalhando, sou licenciada, bacharel, depois eu fui estudar
Pedagogia, porque pra mim a carreira no magistério tava, era... era benefício pra mim, na minha carreira
no magistério. Fui professora de escola pública sempre, né, desde dessa fase, e enfim, Licenciada,
Pedagoga, Bacharel em Química, eu fui fazer uma especialização em Ensino de ciências aqui da UFF, no
Instituto de Química, depois fiz mestrado na área de formação de professores na UERJ, e por fim
doutorado na Fundação Osvaldo Cruz, no Instituto Osvaldo Cruz, em Ensino de ciências. Então,
completou um ciclo, né, de formação, acho que completou com coerência.
P: E, a senhora entrou na UFF...
Prof. Lucia: Ah, eu sou nova, eu me dei o direito de ser nova de novo. Eu sou aposentada, eu sou
aposentada, quer dizer, nesse tempo todo professora das séries iniciais, professora do Ensino Médio na
rede estadual, né, catorze anos que eu tive na rede estadual. Depois eu fiz concurso pra educação
profissional, foram outros catorze anos na educação profissional, já tinha uma carga anterior, né, das
séries iniciais na rede municipal do Rio, aí eu me aposentei e surgiu uma oportunidade de um novo
concurso, eu fiz, só que lá longe da cidade, trabalhando com prática de Ensino, bem interessante.
P: Prática de Ensino pra Licenciatura em Química...
Prof. Lucia: Para Licenciatura em Química.
P: Certo. É, e nesse processo seletivo que a senhora participou, descreve pra mim, quais são as etapas que
ocorreram nesse processo, e na sua opinião, quais dessas etapas foi a mais relevante pra sua contratação?
Prof. Lucia: Olha, é assim, hierarquizar não é simples, as etapas foram as etapas convencionais, uma
análise de currículo, do Currículo Vitae; uma prova escrita, que foi uma prova bem consistente, foi muito
interessante, foram... a banca era uma banca interessante, com autor de livro, com pessoas que tem um
nome de bastante peso na educação em ciências de um modo em geral. E depois a prova aqui de aula, né?
Eu acho, que a etapa mais, de maior consistência foi mesmo a prova escrita, acho que ali a gente tinha que
se expor mais, e que a banca tinha uma atenção maior, né, sobre a qualidade do que a gente podia estar
apresentando.
P: Então, a senhora poderia dizer que dessas três etapas, né, análise de currículo com as publicações, tudo
mais, a prova escrita e depois a prova de aula. Das três etapas a mais relevante pra contratação,
Prof. Lucia:
Eu acho.
P:
foi a prova escrita.
Prof. Lucia:
É, acho. Embora seja uma suposição, eu não sei quanto que o currículo pesou
para a banca, isso não ficou claro pra mim, né, mas foi solicitado um currículo também bastante
detalhado.
P: Certo. E a senhora está atuando pra prática de Ensino na área de Química, né?
Prof. Lucia: De Química.
P: Então assim, a senhora falou que a senhora, nesse breve resumo do seu currículo, a senhora é formada
em Licenciatura em Química, também é Pedagoga, fez mestrado na área de Ensino, doutorado na área de
Ensino, duas perguntas, primeiro, a ida a Pedagogia, ela foi anterior a Licenciatura em Química, ou ela foi
posterior a...
Prof. Lucia:
Posterior.
P: E existe nessa ida, alguma busca por causa de alguma deficiência que você encontrou na Licenciatura
em Química, na parte pedagógica ou não?
Prof. Lucia:
Não.
P:
Ou foi um desejo pessoal mesmo de...
Prof. Lucia:
Foi assim, foi... O que acontece? Como eu tenho essa carreira tão diversificada,
eu na época, eu precisei trabalhar cedo. Então, eu fui professora com 18 anos, fiz a faculdade de Química
179
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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enquanto trabalhava. Quando conclui meu curso, estava procurando emprego, e demorei um pouco a
conseguir um emprego como professora de Química, nesse intervalo, eu percebi que no município do Rio
de Janeiro onde eu era empregada, se eu tivesse um curso de Pedagogia, eu sairia da condição de
professora das séries iniciais para o cargo de nível superior. Então, isso pra mim foi vantajoso.
P: Entendi.
Prof. Lucia: Então eu fui procurar o curso de Pedagogia apenas por isso.
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Se você me perguntar pela qualidade da minha formação pedagógica no curso de Química,
eu diria pra você que eu sinto sim, que haveria muitas deficiências, muitas defasagens.
P:
Essa pergunta é a próxima.
Prof. Lucia: É a próxima? Já adiantei?
P: Na verdade... é, eu ia perguntar exatamente isso. Já que você teve formação inicial, esse contato com
as áreas, com as disciplinas pedagógicas como no seu curso de Licenciatura em Química, com que
medida essas disciplinas contribuíram pra sua atuação como professora de Química no Ensino Médio?
Prof. Lucia: Pouco, na verdade, pouco. Por quê? Lá na escola normal que eu tinha cursado ainda muito
jovem, eu já tinha, eu já obtive uma formação pedagógica que eu considero relevante, e eu já tinha uma
experiência docente. Quando fui fazer a Licenciatura, ainda era aquele tradicional modelo 3+1, que hoje
em dia já caiu em desuso, felizmente né, então a gente ia pra faculdade de educação, olhar para os
fundamentos da educação pra atuar como professor ou professora, assim, de uma forma muito descasada
da formação de químico, a não ser a parte de prática de Ensino propriamente, mas que ainda assim era...
um pouco superficial, era vamos dizer... era mais raro. Os encontros com a professora de prática eram
poucos, eram no Colégio de Aplicação, o meu foi feito na UFRJ, era lá no Colégio de Aplicação, com a
obrigação de dar uma aula. Então, aí que você vai pros fundamentos, Psicologia da Educação, aquela aula
de Psicologia da Educação, ela não me adiantava muito porque eu já tinha feito Psicologia da Educação
antes e de uma forma bem interessante. Filosofia da Educação; Fundamentos, fundamentos não, a parte
de estrutura, legislação e tudo mais, então essa parte do meu curso, na formação de licenciada em
Química, não foi boa não, não foi boa. E depois da Pedagogia, me ajudou muito. Quando eu fui pra
Pedagogia, aí aprendi mais um monte de coisas, mas a formação para lecionar, ela era muito secundária
na minha formação como um todo.
P: Entendi. E assim, como professora de prática de Ensino, quais são os conhecimentos que a senhora
acredita que sejam importantes pra lecionar essa disciplina? O professor de prática de Ensino.
Prof. Lucia: Eu acho que o conhecimento pedagógico, de fato, é muito importante, no nosso caso de
professores de Química, conhecer as especificidades do Ensino de ciências que eu avalio que hoje,
quando você tem uma área específica da CAPES inclusive de formação de prof...desculpe eu me
atrapalhei, você corta isso, tem um apito ai que tá me chateando, o que será isso hein? ... Mas assim, a
gente hoje no Ensino de ciências, o Ensino de ciências é uma área de conhecimento específico, e é uma
área de conhecimento específico, a didática das ciências por uma justa razão. Eu compreendo hoje assim,
o conhecimento epistemológico é importante porque você professor, você tem que ter uma noção de
como se constrói o conhecimento da ciência que você leciona, dando coerência ao seu trabalho.
P: Certo.
Prof. Lucia: Conhecer um pouco da história que está ali envolvida, conhecer um pouco das questões de
comunicação, porque às vezes o professor, ele não... a interação... a gente... o professor é profissional que
lida com a fala, com o texto escrito, não é? Se você não se comunica bem com o seu aluno, se você não
vai de fato ter uma linguagem que o auxilie a construir o conhecimento, ajudá-lo a se desenvolver, não dá,
você tem que ser um professor que compreenda que o estudante ele reelabora conhecimento, então esses
aspectos da psicologia da aprendizagem é tão importante conhecer. Você precisa... Eu vejo assim, são, a
epistemologia é fundamental, história e filosofia das ciências é fundamental, a questão do envolvimento...
desse novo paradigma que a gente tá elaborando, das relações ciência sociedade. A ciência é parte da
cultura, o homem constrói ciência, a ciência impacta a vida do homem, eu acho que a gente pra ser
professor de Ciências, tem que estar aberto a isso, sem contar a questão da própria construção do
conhecimento científico, sair do empirismo pra ir, sabe, pra estar numa experimentação de uma forma
mais construtiva de fato; elaborar hipóteses; testar hipótese. Esses conhecimentos todos eu acho que tem
que estar presentes na formação do professor.
P: Então, nesse sentido, só complementando a pergunta, a senhora falou no que a senhora acredita... quais
são os conhecimentos que a senhora considera importante pra disciplina prática de Ensino, e agora eu vou
só deslocar o foco. Qual a importância da sua disciplina, na sua opinião, pra atuação do futuro professor
de Química no Ensino Médio.
Prof. Lucia: Ela é fundamental.
P: Como é que você coloca...
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ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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Prof. Lucia:
Fundamental. Porque, eu não havia falado antes, mas também é importante para
o professor de prática de Ensino, compreender o novo paradigma, eu disse todos novos porque eu...
assim, não são tão novos, né?
P:
Hum, hum.
Prof. Lucia:
Mas não estavam muito presentes nos cursos de formação. Então, quando a gente
fala de professor reflexivo, professor que questiona sua própria prática, que aprende com ela, né, que
reflete no sentido de se autoavaliar, de avaliar durante o seu percurso docente, frente as suas turmas, que
impacto que a sua aula tem. Formar um professor que reflete sobre a sua própria prática, que constrói,
elabora conhecimento da prática com isso, eu acho que é super importante. E a prática de Ensino está aí
pra isso. Então, como é que eu vejo um percurso interessante na disciplina prática de Ensino? Começando
por aí, fundamentar a reflexão do futuro professor. A gente trazer conhecimentos que sejam a base dessa
reflexão, pra que a reflexão não seja achismo. Você reflete, mas reflete porque tem base pra avaliar sua
própria atuação. Então eu acho que é isso, respondi?
P: Respondeu. Assim, a senhora colocou que a sua formação na Licenciatura em Química, que essa área
pedagógica ela foi secundária e tal, que inclusive foi uma experiência muito boa pra senhora ter feito a
Pedagogia, porque aprendeu muito mais coisas e tal. A pergunta que eu faço é: Agora, como professora
atuante de prática de Ensino, o que a senhora faz pra tentar afastar essa formação que durante um bom
tempo dominou a universidade? Essa formação, digamos, fragmentada. Só um adendo, eu entrevistei
alguns professores, todos eles, também como a senhora, com uma larga experiência no Ensino, né? E eles
colocaram também essa deficiência da área pedagógica. Então, hoje, o que a senhora faz pra tentar ser
diferente nessa formação?
Prof. Lucia: Eu busco resgatar um pouco, quer dizer, recorrer aos conhecimentos que eu acredito que
estejam nas outras disciplinas da base pedagógica da formação. Então justamente, a psicologia da
aprendizagem, a didática, e a estrutura de Ensino, a organização de Ensino. Então, a gente vai trabalhando
e recorrendo. Agora, é claro que tem um plano pra minha disciplina, né? Então nesse plano da disciplina,
da forma como eu a tenho construído, e sem dúvida que eu recorro às ementas que a universidade
preparou, mas não fui eu que preparei, não me afasto daquilo. Mas, claro que cada um de nós, tem uma
interpretação e dá o seu toque.
P: Claro, sua contribuição. Com certeza.
Prof. Lucia: Então, essa organização ela é assim, meu aluno tem comigo encontros em que ele, eu trago
leituras, contribuições de autores e pesquisadores a respeito da escola, eles estudam o que vem a ser a
instituição escolar e como ela funciona. Eles são sempre alertados e levados a refletir pra que a gente
esteja de fato formando um profissional que reflita sobre a sua prática, essa reflexão, ela é feita em
conjunto, então as aulas, ao mesmo tempo que há momentos de fundamentação, como eu te disse, eles
vão conhecer a instituição escolar, vão conhecer a aula, vão conhecer os recursos didáticos, as questões de
inovação que a gente traz ainda aquela coisa de professor, de fato, que só transmite, porque isso tá muito
na linguagem, a gente aprende muito como aluno, né, a gente se forma professor sendo aluno. Então,
quando o estudante, ela fala: Ah, professora, eu preciso aprender a transmitir a matéria. A gente começa
a desmistificar um pouco isso, que transmitir, você não vai transmitir não, você é um auxiliar do aluno, é
ele que tá aprendendo. Então, como é que você vai ajudá-lo a aprender? O que vai fazer pra ajudar? Não é
transmitir. Há um momento da transmissão, você é fonte de conhecimento, o professor é fonte de
conhecimento, ele não pode sonegar isso. Mas ele não é só fonte de conhecimento, ele tem que ajudar o
aluno a recorrer a outras fontes. Olha o livro didático, olha a internet, enfim, um filme... Então, o aluno é
levado a ir compreendendo esse papel do professor de auxiliar na aprendizagem, mesmo que aquele que
ele auxilia, em muitos momentos vai ter conhecimentos que ele tá ali apresentando, mas ele vai
conhecendo e interligando... fundamentos, com a própria prática, traga a sua prática, vai pra escola a
campo de estágio, vai lá. Tem um roteiro, ele tem um roteiro de observação que a escola conta, então ele
vai, observa a escola, observa como a gestão da escola se dá, observa como as relações pessoais na escola
acontecem, como a escola está organizada. Depois num outro momento, como é que a aula se organiza, o
que está sendo planejado, qual é o currículo, quais são as estratégias, quais são as metodologias que o
professor usa, que aula é essa? Vamos preparar uma aula, né, com base nessa discussão? O que você viu
de errado, o que você viu de certo, como que foi bom, o que foi ruim? Vamos preparar. Depois, aula não
é a única coisa que o professor faz, então vamos ver. Como se desenvolve um projeto? Como é que... Que
outras estratégias você pode ter do computador para as aulas? A questão das leituras, a biblioteca, as
notícias de jornal, como é que você vai aproveitar as notícias de jornal pra sua aula? Como é que você
aproveita a visita ao museu, num centro de ciências, pra poder como auxiliar na sua aula? Vamos
trabalhando nisso. E está sendo bem interessante agora embora seja nova nessa...
P:
Instituição
Prof. Lucia:
Nessa instituição e com essa atribuição, está sendo muito interessante porque
eles tem um roteiro de observação assim, no início eles são guiados a fazer um pouquinho de pesquisa
181
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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etnográfica, eles são ali imersos e vão compreendendo dentro do campo de observação. Depois eles
começam a elaborar, a construir, né? E agora eles estão chegando num ponto em que eles estão querendo
escrever artigos. Como foi que, assim, essa estratégia, digamos inovadora, usar de uma notícia de jornal
como ponto de partida ou de apoio pra uma discussão, a respeito da informação, determinar
conhecimento, se interessa no currículo daquela casa. Aí, eles já vão bolar um projetinho, não é uma aula
apenas, é um pequeno projeto, que vão buscar aplicar...
P: E que pode render inclusive uma publicação.
Prof. Lucia:
Tá rendendo, eles estão entusiasmadíssimos. Tá muito interessante isso.
P: É formar o professor que pesquisa sua própria prática.
Prof. Lucia:
Sua própria prática. Eles estão gostando muito.
P: E, nesse sentido assim, como a senhora avalia a participação, as parcerias com outros professores e
outras disciplinas que estão presentes na formação do...
Prof. Lucia:
Dentro da universidade?
P:
É, na Licenciatura em Química...
Prof. Lucia:
Infelizmente elas são pequenas.
P:
Parcerias.
Prof. Lucia:
Essa interface... a estrutura da universidade não ajuda. Nós estamos muito mais
isolados no nosso próprio trabalho dentro da universidade, do que um professor de Ensino médio. O
professor de Ensino médio, a escola ainda faz algum movimento, tem reunião pra discutir. A universidade
deixa a gente mais, vamos dizer, livre, mas o ser livre também é ser sozinho
P:
É uma autonomia que não divide, que acaba não conversando, né?
Prof. Lucia:
Não conversa. Essa autonomia implica em isolamento, você quase não dialoga
com o outro, a não ser que haja realmente uma afinidade às vezes pessoal. Então, eu já tenho pensado em
recorrer a professora de Psicologia pra me ajudar com algumas coisas, pra gente ter uma interface, mas
são iniciativas independentes da estrutura própria da universidade.
P: E a senhora acha que isso se agrava nas disciplinas de formação específica de Química? Eu falo das
físico-Químicas, das analíticas, das orgânicas. Isso se agrava?
Prof. Lucia: Pelo que eu conheço, lá então é mais solto ainda, né? E assim, há muitos problemas na
formação, na formação específica, na ciência que eles vão lecionar, eu vejo um distanciamento muito
grande, justamente naquilo que eles vão lecionar. É uma Química muito dura, ainda muito dissociada das
questões sociais que a gente gostaria de vê-los abordando no Ensino Médio, é uma questão muito difícil
eles não vão ensinar aquilo que eles não aprenderam. Então, vão fazer uma físico-Química muito
amparada em cálculo, e pouco vão discutir aspectos físico-químicos de situações cotidianas, não vão.
Então, que horas que eles vão aprender isso? Pra prática de Ensino somente pra dar isso, é difícil, é
pouco... O tempo é pouco.
P: É muito sobrecarregado.
Prof. Lucia:
Fica. Não tem condição de fazer isso exatamente, a gente vai puxando um pouco.
Os trabalhos de conclusão de curso ajudam, porque aí você começa a levantar penas aonde...
P:
que possam levar uma reflexão...
Prof. Lucia:
uma reflexão.
P:
Entendi.
Prof. Lucia: É um grande ganho o trabalho de conclusão de curso. Mas as disciplinas em si, elas...
P: Carece esse engajamento?
Prof. Lucia: Carece.
P: Com a área... Nesse sentido assim, a senhora acha que seria positivo ou negativo, por exemplo, na
turma de Licenciatura você ter um curso de Licenciatura em Química formado só por licenciandos, ou a
senhora acha positiva essas turmas mistas? Porque assim, na realidade das disciplinas específicas aqui da
UFF, você encontra às vezes numa turma de físico-Química, alunos de químico-industrial, bacharel, os
licenciados, os farmacêuticos, os engenheiros químicos. Nesse sentido, a senhora acha que seria positivo
criar turmas formadas só por licenciandos, ou a senhora acha que não teria problema em manter essa
turma mista, desde que houvesse também uma preocupação com o licenciado?
Prof. Lucia: Seria ótimo se as turmas mistas, se ao tratar nas disciplinas nessas turmas mistas, eu acho
que elas são mais produtivas. Imagina, um professor que tem na sua turma de físico-Química, ou de
Química analítica, um estudante de Farmácia, um estudante da Química industrial, eles trazem pra sala de
aula conhecimentos muito interessantes pra um professor saber, não é?
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Então, se o docente, o universitário, que tenha uma turma como essa nas suas mãos, tivesse
a preocupação, o desprendimento, ou tivesse alerta para dialogar, levar mais diálogo pra sua sala de aula,
pra que o estudante de Farmácia pudesse mostrar onde se aplica aquele conhecimento na farmácia, onde
ele identifica, ou da Química industrial, ou da engenharia, enfim, outros né? Às vezes na geoQuímica,
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ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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seria tudo de bom, porque aí se formaria um leque amplo de conhecimento aplicado, de já ter ouvido
falar: Poxa, eu tô vendo essa físico-Química, ela se aplica aquele conhecimento geo-químico, aquele
conhecimento ambiental, aquele conhecimento industrial, o farmacêutico.
P: Então, só pra fechar essa parte da entrevista, professora, o que você considera importante então pra
formar um bom professor de Química? Pra fazer um arremate disso tudo que conversamos.
Prof. Lucia: Bom, vou tentar sintetizar, né? Primeiro, ele tem que saber que ele é um profissional que
lida com seres humanos. Então, se você lida com seres humanos, você tem que estar aberto pra
diversidade, você tem que ter muita tranqüilidade em lidar com os diferentes, porque somos todos
diferentes, né? Nessa abertura pra lidar com as pessoas e com as suas diferenças individuais, estar pronto
a ser talvez mais... em muitos momentos ouvir e não só falar. Então, o professor tem que dar espaço pro
estudante se colocar, perguntar, se expor, e ter um pouco de controle, de manejo desse grupo de jovens
que ele tem em mãos, pra que alguns problemas típicos da adolescência não surjam, ou não cresçam; um
não pode debochar do outro, tem que ter esse domínio da turma, porque o jovem que está ali pra ser
ouvido, ele vai se expor, então a gente tem que saber dominar isso. Eu acho que isso é super importante,
tem que ser um professor que saiba lhe dar com a diferença, que saiba ouvir, que saiba contornar essa
dificuldade desses diálogos existentes na turma, que saiba refletir sobre sua prática, o que é que ele está
fazendo, se tá tendo impacto positivo sobre suas turmas, ou que não está tendo impacto positivo pra ele
poder se rever enquanto profissional, e melhorar a situação, né?
E saber compreender os processos científicos da sua ciência base, porque eles se refletem na
aprendizagem dessa ciência. Existe um paralelo, a gente... Às vezes a gente diz assim: Ah, a ciência dos
cientistas não é a ciência escolar. Mas a epistemologia da ciência escolar, ela esta intimamente
relacionada à ciência dos cientistas. Então, a gente tem que ter coerência entre uma coisa e outra, não é
fazer diferente, esse conhecimento é importante. E sempre lhe dar com as questões pessoais, sociais ou
individuais, porque isso vai dar sentido a aprendizagem, aquilo que a gente fala, aprendizagem
significativa, aprendizagem com sentido, né?
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Você tem que buscar dar sentido ao que você está ensinando. Tirar da abstração. Eu acho
que, talvez, pra Química fosse mais relevante.
P: Certo. E, voltando à questão da formação docente oferecida na Licenciatura, só resgatando, a senhora
destacou algumas coisas que faz na prática de Ensino e também falou de algumas coisas que acontecem
na universidade. Assim, quais são os pontos positivos e negativos dessa formação oferecida na UFF? Eu
sei que a senhora tá aqui ainda há pouco tempo, mas quais são as impressões que a senhora já tem? Quais
são as dificuldades e quais são os aspectos que a senhora acha interessante, os pontos positivos e
negativos dessa formação?
Prof. Lucia: Eu acho que o conhecimento duro do nosso aluno na Licenciatura em Química da UFF, é
um conhecimento profundo, eles sabem Química. São profissionais, nesse ponto de vista, muito bem
informados. Falta justamente é dar sentido a essa formação na própria graduação, porque acaba que eles
às vezes revelam coisas do tipo assim: Professora, alguns professores nossos dizem que a gente não sabe
Química. Nós vamos nos formar sem saber Química, porque nós não sabemos aplicar isso, nós estamos
aprendendo nós não sabemos aonde isso está. Como se aplica? No meu cotidiano, onde é que isso está?
Bom, isso é uma deficiência da formação, né?
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Eu não sei que soluções haveria, talvez fosse preciso levar mais é, conscientizar mais os
professores universitários de que eles também são professores, né?
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Então esses cursos de boa formação de um docente que a gente tem na Licenciatura, tinha
que fazer parte das reflexões, das discussões, dos professores que atuam na Licenciatura. Pra que
houvesse um fluxo interessante, né, e pra que eles buscassem nas suas aulas, fazer aquilo que a gente
ensina os meninos a fazerem, né? Mas são profissionais que não foram... não tiveram essa oportunidade
na sua formação, né? Então, talvez fosse bom que houvesse essa oportunidade, né, enquanto formação
continuada na universidade.
P: Entendi.
Prof. Lucia: Que dessem a chance de passar por um curso, ouvir uma palestra, serem chamados pra
debater questões da prática docente já que estão aqui como docentes. Então, assim, o curso da UFF tem
uma Química relevante, mas que acaba não fazendo pesquisa, aquele sentido que a gente quer buscar, não
tem uma formação. Tem eventualmente, é raro, não é comum.
P: Entendi. E nesse sentido, como a senhora coloca o papel da escola na formação dos professores?
Prof. Lucia: Da escola onde eles estagiam? Na prática de Ensino?
P:
Isso, isso.
183
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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Prof. Lucia: Ah, é fundamental. Pro bem, pro mal, tem aluno que vem pra escola, que recebem bem, que
o professor é um bom exemplo, onde eles aprendem nessa observação, muitos truques do cotidiano
docente e serão muito bem vindos. Outros não, outros vão pra escola, mas eles observam um monte de
problemas. Mas até isso também faz parte da formação, desde que a gente na prática de Ensino, dialogue,
leve os meninos a dialogarem, com todo respeito à ética, é claro. Mesmo que a gente às vezes critica
algum ocorrido, eles precisam ser orientados de que essa observação crítica se existe, ela vai ficar fechada
em quatro paredes, porque a escola nos recebe bem, nos acolhe, e contribui pra formação deles mostrando
qualidade e defeitos, mostrando onde acerta e mostrando onde erra. Então, temos que respeitar isso todo
tempo. Agora, se eles não estiverem na escola, como é que eles vão aprender isso? Então, essa parceria
com a escola é fundamental, fundamental.
P: E como a senhora localiza a contribuição do PIBID? Existem alunos na Licenciatura em Química
envolvidos com o PIBID?
Prof. Lucia: Vinte.
P: Vinte alunos. E como a senhora localiza essa contribuição? Eu gostaria que a senhora desse uma visão
sobre essa contribuição, esse investimento que o governo fez, né, sobre os reflexos que o PIBID pode
trazer. Enfim, como a senhora localiza a importância do PIBID?
Prof. Lucia: O PIBID, ele tem algumas características muito interessantes: primeiro, ele traz... ele leva o
aluno obrigatoriamente para... Assim, na verdade, o PIBID garante que a prática de Ensino seja efetiva e
eficiente. Ele vai ter um orientador para essa atuação de iniciação a docência lá na escola de verdade,
porque nem sempre as práticas de Ensino ocorrem assim, e o PIBID garante que seja assim. Então, ele
tem um professor da universidade que orienta a sua presença, como vai se dar essa sua presença, essa sua
parceria, a maneira como ele ajuda o professor, a maneira como ele observa o professor. Se orienta a
elaboração de materiais didáticos, né? Que busca acompanhar resultados da sua ação. Então, é muito...
A orientação é muito efetiva, é muito próxima, é muito junto ali. Fora isso, tem um professor da escola
que supervisiona e acompanha, um professor cuja atribuição é apresentar ao aluno informação, o
estudante, o formando, o graduando, apresentar a realidade dessa prática, porque a gente não pode tá
formando... A gente precisa muito de professor pra escola pública. Então, você não pode formar pra uma
escola ideal, tem que formar pra escola real. E quando o aluno entra na escola pública, acompanhado por
um professor da escola pública, supervisionado por ele, que vai ajudá-lo a compreender melhor as
dinâmicas desse cotidiano da escola, e ao mesmo tempo ele tem uma orientação acadêmica, mostrando o
que há de ideal, então ele tá diante desses dois... dessas duas visões, o real e o ideal, e que todo mundo
aprende com isso. O graduando aprende, o supervisor aprende, o coordenador aprende, todo mundo
aprende.
P: E, o PIBID, ele tem alcançado alguns professores da graduação, na sua opinião, que antes não estavam
de repente envolvidos, engajados nesse projeto pedagógico, ou os professores que participam aqui na
Universidade Federal Fluminense, já são professores que antes tinham algum histórico de envolvimento?
Prof. Lucia: É claro que as pessoas estão admitidas para o PIBID, eles tem interesse pela formação de
docentes, e que tem alguma história, enfim, que tem sido escolhidos com pessoas adequadas pra fazer
isso.
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: É, eu acho que o grupo que hoje está com o PIBID, aqui na UFF, tanto na Química quanto
em outras disciplinas, é um grupo bem interessante porque justamente não é um grupo de professores da
prática de Ensino. Eu coordeno o PIBID, faço a coordenação institucional, mas eu sou a pessoa que não
vai pra escola. Eu sou da prática de Ensino, mas eu não vou pra escola, né, eles é que vão. Claro que eu
digo que eu não vou pra escola que não sou eu que coordeno... eu não tenho bolsistas comigo, não tenho a
minha interferência lá. Esses professores que estão coordenando o grupo no PIBID na Química inclusive,
não com professores com histórico na educação, a não ser a professora da Biologia, que ela já tem uma
história longa na educação. Os outros estão interessados nas recentes, pessoas que valorizam a educação,
que querem contribuir, eu acho isso perfeito. Por quê? O envolvimento com o projeto é benéfico pra todo
mundo, esses professores que não tinham um contato de educação, que não tinham preocupação com
materiais didáticos, ou pelo menos não tinham uma prática relevante a isso, eles agora estão pensando
sobre isso. Então, é perfeito, não tinha que ser professor da prática de Ensino pra ser coordenador do
PIBID, tá entendendo?
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Tem que ser professor que acha que educar é importante, porque eles dentro do próprio
projeto eles vão aprender também. Vão ler mais, vão estudar juntos, vão se preocupar em pesquisar pra
ajudar o aluno, pra encontrar soluções pra prática que eles estão encontrando. Acho que isso é muito bom.
P: Entendi. Trazendo um pouco mais a pergunta pro seu cotidiano, professora, quais são as exigências
profissionais que o professor universitário enfrenta atualmente? Assim, eu quero que a senhora fale um
pouco mais do cotidiano do professor da Universidade Federal Fluminense.
184
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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Prof. Lucia: Arranca o couro... Olha, é uma loucura porque... Num outro dia disse um colega aqui, na
faculdade de educação, a gente tem um quadripé... Não é um tripé, não, é um quadripé. Você é um
professor universitário, você tem que ter propostas para o Ensino, pra pesquisa, pra extensão, e para a
gestão. Porque a estrutura da universidade pública no Brasil, é de gestão democrática, então você tem que
tratar de organismos colegiados e tudo mais. Onde você vai ter um monte de orient... você vai ter as suas
aulas, vai preparar, ter material, leitura, enfim, e metodologias e tudo mais. Você tem que pesquisar, você
tem que publicar, você tem que levar o produto do seu trabalho pra sociedade, você tem uma dívida
social que você tem que retribuir, então você tem que ter proposta de extensão. Vou falar publicar de
novo, porque publicar é obrigação que mais a gente vê enquanto instituição acadêmica, né? Enfim, talvez
a extensão faça um papel tão relevante ou mais que a publicação em termos de abrilhantar resultados do
trabalho da universidade, da sociedade. Mas a publicação é aquela obrigação que somos cobrados. Então
você tem muito trabalho, muito trabalho.
P: E de que forma essas demandas influenciam na sua opinião a sua atuação em sala de aula?
Prof. Lucia: Olha, elas contribuem, elas vão contribuir, mas tem horas que a gente se sente muito
sobrecarregado, e que percebe que os prazos dão trabalho. o que eu acho é que o prazo é trabalho. Você
poderia estar fazendo as mesmas coisas, mas com obrigação de apresentar resultados num tempo mais
largo, porque quando você tem a obrigação de apresentar resultado num tempo curto, às vezes acontece
de os dados não amadureceram. Então, eu não sei, acho que esse é um modo muito cruel de buscar
qualidade para universidade, porque nem sempre resulta em qualidade; resulta sobrecarga, aligeiramento.
É preciso ter muito cuidado, sabe? E a gente tem que ter muito jogo de cintura pra de fato fazer com que
uma determinada atividade que você realize, seja contributiva pra outra, porque se você for se desdobrar,
aí fica tudo mal feito e as coisas mal feitas não servem né?
P: Entendi. Nesse sentido, como a senhora ordena essas dimensões: Pesquisa, Ensino e extensão, em
grau de importância na universidade?
Prof. Lucia: Pegou pesado. Meu cargo é de docente, né?
P: É.
Prof. Lucia: Enfim, eu acho que a dimensão de maior importância deveria ser o Ensino, não é.
P: Não é.
Prof. Lucia: Não é. Mas eu acho que deveria ser o Ensino. Acho que o Ensino deveria ser a base pra sua
pesquisa, acho que a sua pesquisa pode contribuir para o seu Ensino, desde que você não faça do seu
Ensino, reprodução de suas pesquisas, não é? Porque também você não pode levar pra sua sala de aula,
aquilo que você pesquisar senão você limita muito. Mas, eu acho que tudo o que a gente produz precisa
reverter para o Ensino. Acho que, quando a gente propõe uma atividade de extensão, ela tem que ser uma
atividade que ensine. Porque é pouco eu ser, ou o professor ser doutor, pesquisador, pra um projeto de
extensão. Eu quero formar um monte de pessoas que saibam realizar bem as duas tarefas, e que as
multipliquem em coisas boas. Então, eu acho que o Ensino deveria ser o alvo principal. Você pesquisa,
pra você formar conhecimento, você orienta pesquisa pra que outras pessoas formem conhecimento, isso
é super relevante, e não só na pós-graduação. Se você tem a pesquisa como um princípio educativo, o seu
aluno é levado a pesquisar, né, a ter conclusões sobre o que ele foi buscar. Isso é formador. Então, eu
acho que a dimensão de maior importância é o Ensino.
P: Tá. Deveria, coloca uma dimensão de ideal, né? Como a senhora colocou, deveria ser Ensino, não é.
Na situação real, como a senhora a ordena?
Prof. Lucia: Pesquisa.
P:
Já sabemos que não...
Prof. Lucia:
O Ensino é o último.
P:
Pesquisa então é o que?
Prof. Lucia:
Não, o Ensino não é a última não, tô sendo cruel. Eu acho que em termos de
importância, na cultura acadêmica.
P:
atual.
Prof. Lucia:
Na cultura acadêmica atual, a pesquisa é a mais importante. E ainda vê... acho
que o Ensino está no meio, porque nós somos docentes, temos responsabilidades com os nossos alunos, e
a extensão ainda não é... a extensão ainda não é vista como algo muito...
P: Importante.
Prof. Lucia: Relevante.
P: Entendi.
Prof. Lucia: É claro que isso é uma avaliação minha, né?
P: Claro, claro, claro.
Prof. Lucia: Objetiva a beça, né?
185
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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P: E pra senhora, qual o papel do professor universitário da Licenciatura, e do professor de Ensino médio
como professores que atuam em ambientes distintos? Então qual seria o papel do professor universitário,
o que forma, e o professor do Ensino médio?
Prof. Lucia: O professor universitário, ele forma o profissional, o curso universitário é um curso
profissional, né? Então, isso já traz uma especificidade pra essa formação, ele tá... o professor da
universidade prepara alguém capaz de executar com qualidade, com competência, suas atividades
profissionais. O professor do Ensino médio, vai formar gente... a palavra cidadão, ficou banalizada, né?
Mas é muito isso, você vai formar as pessoas para a sua vida cotidiana, entre muitos conhecimentos que a
gente precisa saber, né, a gente... Deixa eu melhorar o que eu estou dizendo. Assim, o professor do
Ensino médio forma as pessoas para as múltiplas facetas da sua vida, enquanto ser social. Então ele
precisa ter conhecimentos para o cotidiano, no caso da Química, existe muita coisa no cotidiano que ele
poderia tá conhecendo melhor, né, a gente lida com produtos químicos o tempo todo, parar com essa
bobagem de dizer: “Ah, essa aqui não tem Química, por isso que é boa”. Isso é natural, é natural, é
ótimo, né? “Ah, essa água nem tem cloro, ela é pura”. E eu como Química tenho vontade de dizer assim:
“Ai meu Deus! Tinha que ter”. Então, eu acho que formar as pessoas para viverem melhor em aspectos
corriqueiros, cotidianos, né, nas suas vidas, para saberem lidar melhor uns com os outros... Como é que
eu vou dizer? Isso é contribuírem para sua comunidade, pra fazer parte de um grupo, e até pra se preparar
com o trabalho, mas preparar para um trabalho é algo mais genérico do que formar um profissional.
Preparar para o trabalho, é você ter um monte de aptidões, de conhecimentos, né, mais gerais, é saber usar
um computador, é saber trabalhar em equipe, é saber aproveitar bem de uma leitura, expressar bem por
escrito. Enfim, preparar essa pessoa, a pessoa estará apta para exercer atividades profissionais, e que não
significa ter conhecimento profissional. Então, essa formação mais ampla do Ensino médio, eu acho
muito importante pra formar as pessoas, e pra conhecerem as profissões.
P: E é o que diferencia da formação universitária.
Prof. Lucia: a formação universitária é a formação de um profissional qualificado, né? Então...
P: Bom, estamos caminhando já pro final da nossa entrevista, eu queria que a senhora falasse qual o papel
das universidades na sociedade brasileira então, de maneira geral, o que a senhora acha.
Prof. Lucia: Importantíssimo. Cada nível de Ensino que a gente vai vivenciando, traz pra nós suas
contribuições.
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Então, eu tenho plena certeza até de que um jovem de que não passa pela universidade, ele
sabe menos da vida, de tudo, não só da profissão não, porque tem todo também um modo de vivência, a
própria cultura, a maneira de ser e de estar na universidade, também ensina. Então, a universidade é muito
importante, importante pra formação de profissionais, importante pela constituição de conhecimentos,
pela parte da pesquisa, importante pelo retorno que dá a sociedade, tanto na divulgação, temos acesso a
produção acadêmica, quanto nos projetos de extensão. A universidade é fundamental pra constituição de
uma sociedade mais equilibrada, enfim, ela tem muito a oferecer, a universidade tem muito a oferecer.
P: Bom, professora, eu vou, vou fazer um resgate de uma questão que eu não abordei a princípio, mas eu
já entrevistei alguns professores, como eu falei pra senhora, alguns professores da área de formação
específica. E eu perguntei pra esses professores, né, pra ser mais preciso eu entrevistei uma professora da
área de físico-Química e uma professora da área de Química geral e inorgânica. É, vou entrevistar
também ainda professores na área de orgânica e na área de analítica. E eu perguntei pra essas professoras,
sobre a questão da transposição didática, né? Porque o professor de Química, ele passa durante a sua
formação, por uma série de disciplinas que encontram eco lá no Ensino médio, né, vários conhecimentos
que são passados pra esse formando, como a físico-Química, como a Química geral, a Química
inorgânica, a Química orgânica, que ele vai lecionar. E eu perguntei sobre a responsabilidade da
transposição didática. Qual é da disciplina, ou como elas consideravam essa questão? Onde se faz a
transposição didática? Eu gostaria de saber qual é a sua opinião a respeito disso, onde se deve trabalhar a
transposição didática?
Prof. Lucia: Eu acho que eu devia ser compartilhado. Por quê? Se deixar por conta da didática, a didática
vai... A didática vai auxiliar, vai pontuar alguns aspectos importantes pra que o centro de referência faça
sentido com a ciência escolar.
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Mas ela não pode tá sozinha, é aquilo que eu falei a você, os professores das disciplinas que
compõe a ciência de referência, aquela parte específica, eles já podiam estar...
P:
Trabalhando, essa questão...
Prof. Lucia:
Trabalhando essa questão do sentido que eu acho que falta muitas vezes, né?
Como um professor tá trabalhando, propriedades coligativas ou questões da termodinâmica. Ele já não
pode dentro da estrutura daquilo que ele... dentro da sua ciência específica, já não pode estar buscando
trazer o sentido? Eu acho que ele pode estar trazendo o sentido, porque senão depois fica descolado. Que
186
ANEXO 2 – TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS
ENTREVISTA 4 – PROFESSORA LUCIA
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horas que a didática vai fazer, a que horas, quando, que a didática vai fazer isso, né? Que horas que a
prática de Ensino vai fazer isso? Seria preciso buscar oportunidades, seria preciso que a prática de Ensino
e a didática, buscasse oportunidade, quando lá na ciência de referência, a oportunidade vai aparecendo,
porque já está estudando aspectos químicos. Por que não trabalhar de alguma forma a reflexão, o
conhecimento, de que sentido aquilo faz... para as pessoas em geral? Porque Ensino médio é isso,
educação básica, se é básica é pra todo mundo. Se é pra todo mundo, tem que ser algo muito geral, né?
Então, a medida que você vai aprendendo, na especificidade que interessa pra sua formação,
especificidade, profundidade, que interessa pra sua formação profissional de professor, ou de bacharel, ou
de o que for, de professor no caso, também você já pode ver em que sentido aquilo pode fazer para todas
as pessoas, né? Uma vez uma aluna minha queria muito fazer um trabalho de conclusão de curso sobre
biorgânica, mas ela se recusava a levar essa discussão pra questão do Ensino. E aí eu perguntei a ela:
“Vem cá, bioorgânica é importante? É. Pra quem? Ué, pra todo mundo. Pra todo mundo justifica isso no
Ensino médio”. Então, você tem que discutir esse conhecimento que é produzido, abordado com a
profundidade na universidade, ele tem que ser útil pra alguém, então justifique, não só pra você ou vale a
pena conhecer aspectos da bioinorgânica, qualquer pessoa conhecer. Então, é isso que precisa. Tá
estudando? Parece que... Que é muito pura, é uma ciência muito pura, mas ela não é tão pura assim, visto
que ela pode ser importante pra todas as pessoas. Naquela hora ali que tem que procurar e ir trabalhando,
fala rapidinho, mas fala.
P: A senhora foi formada por um currículo que era apelidado, que foi apelidado como currículo 3+1. Eu
também fui formado nesse currículo. Hoje, a Universidade Federal Fluminense, a gente tem um
fluxograma que estruturalmente quebra essa setorização de formação didática do currículo três mais um,
né? A pergunta que eu faço pra senhora é essa: O currículo, ele estruturalmente ele não é mais 3+1, mas a
senhora acha que essa lógica ainda tá presente na universidade?
Prof. Lucia: Tá. Tá. Porque... talvez menos, mas ainda muito, porque assim, você aprende estrutura da
organização da educação no Brasil, uma disciplina na universidade, se eu não me engano está no primeiro
período. Isso ajuda pra conscientizar o estudante de que ele está desde sempre, num curso que forma
professores, isso ajuda... Não é irrelevante não, é relevante.
P: Hum, hum.
Prof. Lucia: Então, depois ele vai aprender psicologia da aprendizagem, didática também, nos primeiros
períodos. Integrado com as disciplinas da ciência de referência, tá muito pouco, muito pouco relacionado.
Mas, com fundamentos que possibilitam ao estudante fazer conexões por ele mesmo. Mesmo que as
disciplinas não estejam realizando bem essa conexão, né, o estudante tá recebendo o instrumental pra
fazer, pra elaborar por si mesmo. Então, não é irrelevante você ter uma matriz curricular onde a formação
docente percorre o curso, por que o instrumental pra que o estudante elabore em si, na sua prática,
relações entre a ciência que ele aprende, a ciência de referência, e a ciência pedagógica, e até pra prática
profissional também quando ele vai pro estágio, aquilo está disponível, está colocado pra ele. É muito
diferente do três mais um.
P: É.
Prof. Lucia: Agora, é uma pena que a gente não consiga ajudar um pouco.
P:
Que ele consiga rasgar esses envelopes, né, digamos assim.
Prof. Lucia:
Isso, exatamente. A gente ainda não tá fazendo isso, a gente ainda não sabe
fazer. Mas eu acho que tudo isso também é evolução...
P:
É, faz parte.
Prof. Lucia:
Faz parte, a gente qualquer dia vai conseguir fazer isso com mais facilidade, com
certeza.
P: Bom, professora, eu agradeço a sua contribuição.
Prof. Lucia: Eu agradeço a oportunidade.
P: Eu acho que foi muito boa a nossa entrevista, e obrigado.
Prof. Lucia: Tá bom. Sucesso,.. Depois você me mostra essa tese aí...
[Fim]
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