comparação entre protocolos de exaustão e de 30
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ISSN 1413-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 1 (2005), 77-83 ©Revista Brasileira de Fisioterapia COMPARAÇÃO ENTRE PROTOCOLOS DE EXAUSTÃO E DE 30 SEGUNDOS UTILIZADOS NA AVALIAÇÃO DA FADIGA ELETROMIOGRÁFICA DOS MÚSCULOS ERETORES DA ESPINHA Barbosa, F. S. S. e Gonçalves, M. Laboratório de Biomecânica, Departamento de Educação Física, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Campus de Rio Claro Correspondência para: Fernando Sérgio Silva Barbosa e Mauro Gonçalves, Laboratório de Biomecânica, Departamento de Educação Física, Universidade Estadual Paulista, UNESP, Campus de Rio Claro, Av. 24A, 1515, CEP 13506-900, Bela Vista, Rio Claro, SP, e-mail: [email protected] Recebido: 12/5/2004 – Aceito: 25/10/2004 RESUMO Contexto: A dor lombar tem demonstrado relação com a baixa resistência isométrica dos músculos eretores da espinha, resultante da fadiga muscular. Por esse motivo, testes direcionados à avaliação dessa variável têm sido propostos. Entretanto, fatores subjetivos não relacionados à fadiga muscular podem ser responsáveis por interferência nos resultados desses testes. Objetivo: Verificar se a identificação da fadiga dos músculos eretores da espinha a partir de um teste de resistência isométrica realizado até a exaustão (TRI) é reproduzida no mesmo teste, mas com duração de 30 segundos (T30). Nove voluntários saudáveis realizaram a extensão isométrica do tronco contra cargas de 5%, 10%, 15% e 20% da carga máxima. Foi captada a atividade eletromiográfica do músculo multífido bilateralmente. A fadiga muscular foi identificada por meio do coeficiente angular resultante da correlação entre os valores de Root Mean Square e de tempo, o qual, sendo positivo, revelou que a atividade eletromiográfica aumentou em função do tempo, indicando, assim, o desenvolvimento da fadiga muscular. Resultados: Os resultados demonstraram que apenas o T30 foi capaz de demonstrar a fadiga do músculo multífido. Conclusão: A partir dos resultados obtidos, recomenda-se a realização do teste proposto, o qual é suficiente para identificar a fadiga do músculo multífido ao mesmo tempo em que otimiza sua execução, exigindo menos tempo para a avaliação e minimizando, assim, interferências resultantes da condução de testes desse tipo até a exaustão, como motivação, medo e dor. Palavras-chave: biomecânica, eletromiografia, coluna vertebral, fadiga muscular, dor lombar, protocolos clínicos. ABSTRACT Comparison between exhaustion and 30-second protocols utilized in evaluating electromyographic fatigue of the erector spinae muscles Background: Low back pain (LBP) has been shown to be related to low isometric resistance of the erector spinae muscles, resulting from muscle fatigue. For this reason, tests aimed at evaluating this variable have been proposed. However, subjective factors unrelated to muscle fatigue may be responsible for interference in the results from such tests. Objective: To verify whether fatigue identified in the erector spinae muscles from an isometric test performed until exhaustion (TRI) is reproducible in the same test lasting 30 seconds (T30). Method: Nine healthy volunteers performed isometric extension of the trunk against loads of 5%, 10%, 15% and 20% of the maximum load. The electromyographic activity of the multifidus muscles was recorded. Muscle fatigue was identified by means of the angular coefficient resulting from correlation between RMS values and time. A positive coefficient expressed electromyographic activity that was increasing with time and thus indicated the development of muscle fatigue. Results: The T30 test was sufficient to demonstrate fatigue in the multifidus muscle. Conclusion: From the results obtained, it is recommended that the T30 test be utilized for identifying fatigue in the multifidus muscle. In this way, the isometric test is optimized through requiring less time for the evaluation and thus minimizing the interference that results from conducting this type of test until exhaustion, such as motivation, fear and pain. Key words: biomechanics, electromyography, spine, muscle fatigue, low back pain, clinical protocols. 78 Barbosa, F. S. S. e Gonçalves, M. INTRODUÇÃO A manutenção da postura ereta do homem é possível pela ação de importantes músculos antigravitacionários, como os eretores da espinha. Em decorrência da grande exigência imposta a esses músculos durante a realização de atividades da vida diária (AVDs), trabalho e esporte, estudos vêm sendo realizados com o objetivo de melhor compreender seu comportamento em situação de sobrecarga imposta à coluna vertebral.1,2 Alguns desses estudos têm demonstrado importante relação entre a resistência isométrica dos músculos eretores da espinha e a manutenção da integridade física e funcional da coluna vertebral, bem como com a presença de dores na coluna.3 Uma possível explicação para essa relação é que os tecidos passivos (cápsulas, ligamentos e discos intervertebrais) da coluna vertebral passam a ser sobrecarregados depois que os elementos ativos (músculos) tornam-se menos efetivos em decorrência da fadiga muscular,4,5 definida como redução na capacidade do sistema neuromuscular em gerar força ou realizar trabalho.6 Dentro dessa linha, pacientes portadores de dor lombar têm demonstrado resistência isométrica significativamente reduzida em comparação a voluntários saudáveis,3,7 o que permite inferir que testes de resistência isométrica são úteis como ferramentas de diagnóstico e prognóstico do estado funcional dos músculos eretores da espinha. Entretanto, em estudos desse tipo, usualmente a seleção da intensidade da carga a ser sustentada e o tempo de duração do teste ocorre de forma arbitrária5 e, embora essas alternativas apresentem a vantagem óbvia de minimizar o estresse psicológico conseqüente da realização de um teste até a exaustão, é impossível assumir que os resultados obtidos em ambos os testes sejam similares. Entre as variáveis obtidas a partir do sinal eletromiográfico e que comumente são utilizadas para identificar esse fenômeno neurofisiológico está a Root Mean Square (RMS), que, essencialmente, é definida como um procedimento matemático que eleva ao quadrado cada valor no sinal, calcula a média desses valores e, então, obtém a raiz quadrada desse valor médio. Essa variável relacionada à análise no domínio do tempo tem demonstrado elevar-se em função do tempo de realização de determinado exercício, como conseqüência do recrutamento e da sincronização de unidades motoras visando a manter o nível de força necessário para a realização de determinado exercício, bem como para compensar as já fadigadas.8 Nesse sentido, destaca-se a utilização de períodos de tempo submáximos como alternativa para minimização dos fatores subjetivos passíveis de interferência nos resultados de testes de resistência isométrica. Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar se a identificação da fadiga dos músculos eretores da espinha, por meio da análise da amplitude do sinal eletromiográfico Rev. bras. fisioter. obtido em um teste de exaustão, é reproduzida em teste realizado por 30 segundos contra porcentagens da carga máxima. MATERIAIS E MÉTODOS Voluntários Participaram do presente estudo nove voluntários do gênero masculino com os seguintes valores médios e desviospadrão para suas características demográficas: idade (20,4 ± 1,3 anos); massa (68,7 ± 9,4 kg); altura (175 ± 0,06 cm). Os voluntários não apresentavam patologias musculoesqueléticas na coluna vertebral nem histórico de dor lombar nas quatro semanas que antecederam o estudo.9 Todos os voluntários assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando em participar do estudo, o qual foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Local de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. No primeiro dia, antes da realização do teste de carga máxima e com o objetivo de familiarizar os voluntários com o ambiente do laboratório, assim como com os procedimentos aos quais seriam submetidos, os equipamentos utilizados no teste foram apresentados aos voluntários, os quais foram esclarecidos a respeito de cada etapa do teste. Finalmente, os voluntários realizaram uma Contração Isométrica Voluntária Máxima (CIVM) com duração de cinco segundos e após intervalo de cinco minutos realizaram também uma contração submáxima com duração de apenas alguns segundos, ambas com o objetivo de treino para os testes que seriam realizados. O mesmo examinador conduziu todas as etapas do teste em cada um dos voluntários avaliados. Posicionamento dos Voluntários Para o teste de carga máxima, assim como para o teste de exaustão, os voluntários foram posicionados em decúbito ventral sobre uma mesa de teste. Inicialmente, o tronco foi mantido em repouso com flexão de 35º confirmada por goniômetro. A pelve e os membros inferiores foram fixados à mesa de teste por meio da utilização de três cintos de couro posicionados nas articulações dos quadris, joelhos e tornozelos. Os membros superiores mantiveram-se cruzados em frente ao tórax com as mãos tocando o ombro contralateral. Em ambos os testes, ao receberem comando verbal específico e partindo da posição de repouso, os voluntários realizaram a extensão da coluna vertebral até a posição neutra contra uma célula de carga (Kratos dinamômetros Ltda. MM – 100 kgf) do tipo strain gage e com capacidade para suportar 100 kg, a qual foi fixada à base da mesa de teste em uma extremidade e acoplada a um colete utilizado pelos voluntários na outra. Limitadores de movimento evitaram a rotação e a inclinação lateral da coluna vertebral (Figura 1). Vol. 9 No. 1, 2005 Fadiga Eletromiográfica dos Músculos Eretores da Espinha Determinação da Carga Máxima e Teste de Exaustão Para a determinação da carga máxima de cada voluntário foi utilizado o teste de CIVM. Esse teste foi realizado em três dias e em cada um foram realizadas três CIVM com cinco segundos de duração. Desse modo, ao término dos três dias de teste de carga máxima e visto que em cada dia foram realizadas três repetições da CIVM, foram obtidos nove valores correspondentes à força de tração na célula de carga, sendo a carga máxima definida individualmente para cada voluntário como a média desses nove valores. O teste de exaustão foi realizado contra cargas equivalentes a 5%, 10%, 15% e 20% da carga máxima, distribuídas de forma aleatória na razão de duas cargas por dia. Para que os voluntários pudessem controlar a intensidade da força de tração exercida sobre a célula de carga durante esse teste, um indicador digital (Kratos dinamômetros Ltda. – IK – 14A) foi posicionado no solo abaixo dos voluntários. O abaixamento do tronco e a incapacidade de manter as porcentagens da carga máxima dentro de um desvio-padrão de 1 kg foram os critérios utilizados para o encerramento do teste. Intervalos Intra e Interdias Entre as três CIVM realizadas em um mesmo dia para o teste de carga máxima foi padronizado um intervalo de cinco minutos entre cada repetição. A literatura tem demonstrado a existência de adenosina trifosfato (ATP), bem como a possibilidade de regenerar suficientemente o suprimento dessa molécula, no músculo em CIVM com 30 segundos de duração. 10 Considerando que as CIVM utilizadas no presente estudo foram realizadas por um 79 período de tempo muito inferior a 30 segundos e que as informações apresentadas relacionadas tanto ao consumo quanto à reposição dos substratos energéticos do musculoesquelético nessa situação, o intervalo proposto de cinco minutos entre cada CIVM foi considerado suficiente. Por outro lado, o intervalo entre dois testes de exaustão realizados em um mesmo dia contra porcentagens da carga máxima foi de no mínimo uma hora. Esse tempo tem demonstrado ser suficiente para permitir a recuperação do músculo avaliado tanto do ponto de vista fisiológico como neural,11,12 não influenciando as diferentes variáveis obtidas com a eletromiografia em uma nova avaliação muscular após uma hora de repouso. Apesar de os intervalos intradia propostos para ambos os testes possibilitarem, de acordo com a literatura citada, sua realização em único dia, foi proposto, como tentativa de garantir que os voluntários se recuperassem completamente, os intervalos mínimo e máximo de 24 e 48 horas, respectivamente, entre os dias de teste. Instrumentação Foi utilizado um eletromiógrafo equipado com módulo de aquisição de sinais biológicos de quatro canais (LYNX Tecnologia Eletrônica Ltda.), aos quais foram conectados os cabos e eletrodos e uma placa conversora analógica-digital (A/D) (CAD 1026 – LYNX) com faixa de entrada de –5 a +5 volts e resolução de 10 bits, modo comum de rejeição de 60 dB, ganho calibrado em 1.000 vezes, filtro passa alta em 10 Hz, filtro passa baixa em 500 Hz e freqüência de amostragem em 1.000 Hz. Para a aquisição dos sinais também foi utilizado um software específico (AQDADOS 4 – LYNX). Figura 1. Postura e equipamentos utilizados para os testes de contração isométrica voluntária máxima e de exaustão. a: mesa de teste; b: cintos de couro; c: célula de carga; d: colete; e: limitadores de movimento; f: indicador digital; g: eletrodos. 80 Barbosa, F. S. S. e Gonçalves, M. Para a captação dos sinais eletromiográficos foram utilizados eletrodos de superfície descartáveis bipolares passivos de Ag/AgCl (Medi Trace 200 – Kendall) com 3 cm de diâmetro e área efetiva de captação de 1 cm com gel interposto entre esta e a pele. Após tricotomia, abrasão com lixa fina (n o 500) e limpeza da pele com álcool na região lombar e processo estilóide da ulna direita, realizados com o objetivo de reduzir ao máximo a impedância pele-eletrodo, os eletrodos foram posicionados bilateralmente sobre o músculo multífido a 3 cm do espaço interespinhal de L4-L54,13 e com distância intereletrodos de 3 cm perpendicularmente ao sentido das fibras musculares. A identificação das estruturas ósseas utilizadas como referência para o posicionamento dos eletrodos foi realizada segundo Hoppenfeld.14 Com o objetivo de garantir que os eletrodos fossem posicionados sempre sobre o mesmo local foram realizadas marcas na pele com canetas dermográficas. Um fio terra foi posicionado no punho direito dos voluntários com o objetivo de atuar como eletrodo de referência e para assegurar a qualidade do sinal. Os sinais eletromiográficos brutos foram inspecionados a cada coleta com o objetivo de determinar sua qualidade. Em repouso, os valores de RMS para todos os músculos avaliados foram fixados em < 5 µV. Por meio de rotinas específicas desenvolvidas em ambiente MATLAB (MATLAB 6.5 – Mathworks), as quais permitiram a inspeção do sinal eletromiográfico bruto, foram realizados o off-set e sua retificação em onda completa e, em seguida, a obtenção dos valores de RMS. Determinação da Fadiga Muscular e Análise Estatística Os valores de RMS foram obtidos em coletas com duração de cinco segundos realizadas de forma sucessiva e sem intervalo durante todo o teste de exaustão. Esses valores foram correlacionados em função do tempo de resistência isométrica (TRI), utilizando-se a correlação linear de Pearson, cuja reta de regressão linear interceptou no eixo “y”, permitindo, assim, estimar o grau de inclinação dessa reta ou o coeficiente angular, valor indicativo da taxa de elevação da RMS e, portanto, do nível de fadiga dos músculos avaliados. Esse procedimento foi repetido na análise dos valores de RMS obtidos até os 30 segundos (T30) do teste de exaustão. Em ambas as análises, as correlações foram consideradas significativas com p < 0,05. Os coeficientes angulares obtidos das análises de TRI e de T30 foram comparados separadamente em cada porcentagem de carga por meio do teste t de Student para amostras independentes, uma vez que esses valores foram considerados significativamente diferentes com p < 0,05. Para verificar possíveis diferenças no nível de fadiga em função da intensidade da carga utilizada foi realizada a análise Rev. bras. fisioter. de variância (ANOVA) com as diferenças sendo consideradas significativas para p < 0,05. RESULTADOS O valor médio e o desvio-padrão da carga máxima dos nove voluntários foram de 40,62 ± 9,63 kg e do TRI foi de 134 ± 42 segundos na carga de 5%, 82 ± 27 na carga de 10%, 72 ± 2 na carga de 15% e 62 ± 28 na carga de 20%, evidenciando assim relação inversa entre a intensidade da carga e o TRI. Os resultados obtidos não evidenciaram efeito algum da porcentagem da carga máxima sobre a elevação da RMS (p > 0,05), tanto no TRI como no T30. Analisando as médias dos coeficientes angulares resultantes das correlações RMS versus TRI e RMS versus T30, observa-se predominantemente a existência de correlações positivas para os músculos avaliados (Figuras 2A e 2B). Em adição, comparando as médias dos coeficientes angulares do TRI e do T30 separadamente em cada porcentagem de carga, observa-se predominantemente a inexistência de diferenças estatisticamente significativas, exceto para o músculo multífido esquerdo (Figuras 2A e 2B, respectivamente). DISCUSSÃO Considerando apenas os resultados obtidos com a análise das médias dos coeficientes angulares de TRI e T30, seria possível afirmar de forma equivocada que predominantemente ambos os protocolos foram capazes de induzir a fadiga do músculo multífido direito, o mesmo ocorrendo para o músculo multífido esquerdo na carga de 20%. Contudo, quando os coeficientes angulares foram individualmente analisados para cada músculo e cada voluntário foi possível verificar no TRI predomínio de correlações negativas ou de positivas não estatisticamente significantes, tanto para o músculo multífido direito nas cargas de 5% (n = 6), 10% (n = 6), 15% (n = 8) e 20% (n = 6) como para o músculo multífido esquerdo nas cargas 5% (n = 6), 10% (n = 6), 15% (n = 7) e 20% (n = 7). Esse tipo de análise permitiu observar de forma estatisticamente mais representativa e individualizada o real comportamento da fadiga dos músculos avaliados para cada voluntário. Entretanto, mais uma vez outro erro encontra-se presente, dessa vez relacionado à interpretação dos resultados obtidos de análises individuais. Conforme relatado pela literatura em estudos semelhantes ao aqui apresentado,15,16 o músculo multífido apresenta pouca resistência à fadiga, como conseqüência do predomínio de fibras do tipo II (contração rápida), as quais por utilizarem o metabolismo anaeróbio como o principal sistema responsável pelo fornecimento de energia são capazes de manterem níveis de contrações necessários para a execução do presente teste por um tempo em média não superior a 30 segundos.10 Vol. 9 No. 1, 2005 Fadiga Eletromiográfica dos Músculos Eretores da Espinha 81 Figura 2. Comparação entre os coeficientes angulares do tempo de resistência isométrica (TRI) e do tempo de 30 segundos (T30) obtidos dos músculos eretores da espinha a partir da correlação entre os valores de Root Mean Square (RMS) e o tempo. *Diferença significativa entre os coeficientes angulares do TRI e do T30 nas cargas de 5%, 15% e 20%. 82 Barbosa, F. S. S. e Gonçalves, M. A presença de um grande número de correlações negativas ou de correlações positivas não significativas bilateralmente no músculo multífido poderia sugerir a não ocorrência ou menor nível de fadiga nesse músculo, o que não seria correto, pois esse resultado evidencia apenas o comportamento decrescente da reta resultante do modelo de regressão linear utilizado no presente estudo e que foi resultado do comportamento parabólico de concavidade para baixo dos valores de RMS em função do tempo (Figura 3). Esse tipo de comportamento já descrito na literatura em postura idêntica a aqui empregada16,17 pode prover uma explicação para o modo como os músculos eretores da espinha localizados em níveis mais baixos na coluna lombar são recrutados. Assim, inicialmente ocorre aumento da atividade eletromiográfica por uma combinação de vários fatores, incluindo maior taxa e sincronização dos disparos das unidades motoras.4,8 Quando os limites dessas estratégias para a manutenção dos níveis de força são extrapolados, a atividade eletromiográfica diminui, novamente em decorrência de processos multifatoriais, como a redução da taxa de disparo dos neurônios motores,6 a potencialização da contração de músculos siner- Rev. bras. fisioter. gistas com o objetivo de manter o torque necessário à manutenção da postura durante a realização do teste16,17 e, finalmente, outros músculos do tronco seriam solicitados, levando a uma ativação cíclica entre grupos musculares sinergistas.1,2,17 Todos esses processos acabam culminando com uma atividade eletromiográfica muito baixa, como conseqüência de possível desativação ou desrecrutamento17 das unidades motoras, o que, do ponto de vista teórico, ocorre com o objetivo de prevenir lesões na ultra-estrutura do músculo esquelético. Embora essa diminuição da atividade eletromiográfica evidencie uma resposta diferente do que classicamente tem sido encontrado para fadiga muscular, fundamentado nas explicações apresentadas, esse comportamento também tem sido aceito como indicativo da ocorrência da fadiga muscular,2,17 particularmente no músculo multífido. Com a análise do T30, esses fatores foram reduzidos, uma vez que a utilização desse protocolo possibilitou a análise apenas da parte ascendente da curva, a qual em média ocorreu até os 30 segundos do TRI. Prova disso foi a obtenção de coeficientes angulares médios somente positivos para o músculo multífido bilateralmente em todas as porcentagens de carga, como demonstrado nas Figuras 2A e 2B. Figura 3. Curva representativa do comportamento predominante dos valores de Root Mean Square (RMS) obtidos bilateralmente do músculo multífido em função do tempo de resistência isométrica. Vol. 9 No. 1, 2005 Fadiga Eletromiográfica dos Músculos Eretores da Espinha Dois fatos devem ser destacados em relação ao comportamento da atividade eletromiográfica do músculo multífido bilteralmente. Primeiro, no músculo multífido direito, os coeficientes angulares obtidos com 5%, 10% e 15% da carga máxima foram positivos, enquanto para a carga de 20% o coeficiente apresentou valor negativo. Uma possível explicação para esse achado está relacionada ao nível de fadiga induzido por cada uma das cargas, o qual embora tenha sido evidenciado em 5%, 10% e 15% da carga máxima, na carga de 20% ocorreu de forma mais expressiva, induzindo ao já mencionado desrecrutamento17 das unidades motoras do músculo multífido direito e resultando em coeficientes angulares negativos. Segundo, no músculo multífido esquerdo, os coeficientes angulares, ao contrário do que foi observado do lado direito, foram predominantemente negativos, possivelmente em função de movimentos compensatórios, os quais, embora presumivelmente tivessem sido controlados pela estação de teste desenvolvida para o presente estudo, podem ter ocorrido de forma mínima, mas suficiente para gerar maior sobrecarga ao músculo multífido esquerdo nas cargas de 5%, 10% e 15% da carga máxima, resultando inclusive em diferenças estatisticamente significativas em relação aos coeficientes angulares obtidos com o T30. Finalmente, outro resultado especialmente interessante foi a demonstração de que a adição entre 5% e 20% da carga máxima à massa do tronco induziu ao mesmo nível de fadiga no músculo multífido, o que mais uma vez permite assumir a possibilidade de otimizar esse popular teste destinado a avaliar a resistência isométrica dos músculos eretores da espinha, realizando-o não só por um período de tempo submáximo, mas também contra uma única porcentagem da carga máxima. CONCLUSÃO A partir dos resultados obtidos com o presente estudo é possível afirmar que para a identificação e a avaliação da fadiga do músculo multífido apenas o protocolo de T30 foi eficaz. Desse modo, uma vez que o modelo utilizado para a identificação da fadiga do músculo multífido demonstrou ser confiável apenas com a utilização de protocolo com duração de 30 segundos e visto que a utilização de tempos de contração submáximos minimiza o estresse imposto a pacientes, além de permitir a otimização de sua avaliação, recomenda-se esse modelo quando o objetivo for avaliar a resistência isométrica do músculo multífido. Agradecimentos — Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação para o Desenvolvimento da UNESP (Fundunesp). 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Barbosa FS, Gonçalves M. Proposta de protocolo eletromiográfico para a identificação de sobrecarga na coluna vertebral. Anais do XIII Congresso Brasileiro de Ergonomia [Anais em CDROM]. 2004. 2. Seidel H, Beyer H, Bräuer D. Electromyographic evaluation of back muscle fatigue with repeated sustained contractions of different strengths. Eur J Appl Physiol 1987; 56: 592-602. 3. 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