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Estética, educação e formação do arte-educador:
contribuição para crítica à concepção de
criação em arte-educação
Nádia Aline Baltazar 1
Marcelo Donizete da Silva 2
Resumo: Neste artigo buscamos analisar sobre a formação do arte-educador e seus desdobramentos no trabalho escolar. A escola tem como objetivo, disseminar os valores predominantes da cultura predominante de cada contexto social. Por essa razão, é função
da escola possibilitar o acesso à arte local em que o educando receberá subsídios para
expressar seu potencial criativo através da linguagem artística. Diante disso, a influência
exercida pelo professor evidencia os valores que serão despertados no aluno, em favor
da própria sociedade, ou seja, a reflexão acerca da arte-educação ao imediatismo de uma
educação de cunho prático e pouco crítico.
Palavras-chave: Arte-educação. Estética. Sociedade. Criatividade. Expressão.
1
Graduada em Artes pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <nadiabaltazar@hotmail.
com>.
2
Doutor em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de Campinas (SP). Coordenador das áreas de Pós-Graduação e Graduação em Filosofia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP).
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1. INTRODUÇÃO
O homem é um ser sensível que experiencia o mundo das diversas
maneiras possíveis e estabelece uma relação de reciprocidade entre o seu
ser individual e o ser social. E é justamente essa relação de troca entre individuo e sociedade que motiva os valores essenciais à significação do próprio mundo. Como nos aponta Marx (apud Mészáros, 2006, p. 180), “[...]
ser sensível é um ser padecente. O homem enquanto ser objetivo sensível
é, por conseguinte, um padecedor, e, porque é um ser que sente o seu tormento, um ser apaixonado. A paixão é a força humana essencial que caminha energicamente em direção ao seu objeto”.
É através de sua percepção que o homem despertará sua necessidade
de criar, de descobrir o novo, em nome da paixão que o impulsiona a um
valor que seja essencial à sua existência enquanto ser humano.
Enquanto ser social, o homem necessita comunicar-se com outros
homens e estabelece assim, relações que possam exprimir suas potencialidades individuais na constituição de seu próprio contexto. A educação
não deixa de ser uma necessidade social expressa pelo ser individual, assim
como a arte, que constitui uma linguagem capaz de expressar o valor estético incutido nas relações entre indivíduo e sociedade.
Diante do exposto, abordaremos como se estabelece a relação das
experiências estéticas no contexto escolar entre educando e educador, e
como isso repercute no meio social quanto ao desenvolvimento da arte
como produto estético que perde o caráter utilitário, tendo em vista que
todos nós já possuímos experiências. Logo, elas não precisam ser “criadas”
ou “desenvolvidas”, apenas ampliadas (LANIER, 2005).
Para tanto, motivados pela própria forma de conceber o mundo através de nossas percepções – de nossas experiências – desenvolvemos este trabalho através de referencial bibliográfico que pudesse satisfazer a proposta a
ser desenvolvida. Assim, inicialmente será apresentada uma análise histórica
sobre a produção humana e seu caráter estético, seguida de uma contraposição às questões da estética e o processo de formação do arte-educador, bem
como sua prática pedagógica, finalizando com um apontamento crítico sobre a relação da produção humana na transformação social.
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O objetivo da proposta aqui desenvolvida não consiste na definição acerca da importância do estético para o próprio homem, ou ainda
de como a criatividade possa ser fator existencial humano. Antes disso,
buscamos trazer à reflexão como o homem utiliza a capacidade que tem
de criar, aliada a sua percepção estética, dentro de seu meio sociocultural
e, por sua vez, qual o papel desempenhado pela educação no processo de
formação da consciência do homem que vivencia esse contexto.
2. A EXPRESSÃO ESTÉTICA EM
SEUS DIVERSOS CONTEXTOS HISTÓRICOS
Desde o paleolítico, o homem registra sua percepção do mundo através de imagens e esculturas. No entanto, não podemos negar a influência
do contexto histórico, e consequentemente da sociedade, na percepção e
interpretação humana, tanto no que se refere à finalidade do que se representa – como o caráter ritualístico rupestre – quanto aos padrões estéticos
propriamente ditos – como a busca pela “perfeição” do classicismo, por
exemplo. Entretanto, isso não exclui a necessidade humana de criar, ao
contrário (LANIER, 2005), essa necessidade surge em um contexto cultural onde a criação humana será o fator determinante da cultura.
A arte é um produto da criação humana e a criatividade constitui fator
importante para expressão artística, contudo, cabe ressaltar que nem toda
expressão criativa é expressão artística, visto que a arte deve estar desvinculada da produção utilitária do homem contemporâneo. Aliás, o que constitui ou não objeto artístico faz parte de uma incessante discussão histórica,
cuja determinação recebeu influência de grandes pensadores ao longo dos
séculos.
Platão, filósofo grego que viveu entre 428 e 348 a.C., caracteriza o
mundo sensível como cópia do mundo das idéias – o mundo detentor da
racionalidade e da perfeição, inspirado por uma idéia divina3 –, ou seja, o
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“E o Bem supremo é também a Suprema Beleza. É o Deus de Platão.” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 122).
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mundo físico é apenas a tentativa de se atingir a perfeição, que é una.
Portanto, se a arte é uma expressão humana, ela não poderia ser, senão, apenas cópia da cópia do mundo das ideias – já que a cópia primeira
é o próprio mundo físico, sensível ao homem – deturpando a realidade, a
ideia de arte4, afastando assim o homem da verdade. Em outras palavras,
podemos dizer que o fato do homem expressar sua percepção do mundo
físico passa a ser um ato de criação, contudo, para Platão, é apenas a representação daquilo que se encontra no mundo das essências.
Se para Platão a arte é uma cópia que distancia o homem da realidade, para Aristóteles ela passa a ser a expressão verossímil de uma possível
realidade, ou seja, é a construção humana que se realiza na matéria através
da representação da natureza. Compreendemos, então, que Aristóteles
encontra na imitação da natureza o próprio objeto estético e, diferente
do que afirmava Platão, nesse momento, a arte torna-se uma ferramenta
objetiva de produção do real.
Na Poética5, Aristóteles estabelece diretrizes que determinarão a
representação da natureza de fato como objeto estético para que não se
perca na subjetividade humana, deixando assim de ser verossímil. Tais diretrizes, no entanto, determinantes de muitos estilos ao longo da história da arte, a partir do século XVIII, chocam-se com o conceito estético
proposto pelo alemão Baumgarten, que configura a arte como objeto de
criação da sensibilidade, cuja finalidade é a contemplação, que consiste,
por parte do artista, na busca do belo e por parte do espectador no juízo
de valor, no próprio gosto pela obra.
Enquanto o pensamento aristotélico buscava configurar uma arte
do intelecto que pudesse educar uma arte tida como vulgar e determinasse
suas formas de expressão, Hegel – analogamente ao pensamento platônico –, na busca do belo artístico, distanciava-se desses conceitos. Segundo
Hegel (1988, p. 235):
“[...] a ideia de arte não é arte, é separada dela, deixando a arte, sua prática, o ‘fazer’, muito longe de poder
realizar o belo, e até de aspirar a ele.” (CAUQUELIN, 2005, p. 29).
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A Poética é um tratado aristotélico sobre poesia que exerceu grande influência no pensamento estético
ocidental, se expandindo da literatura para as demais expressões artísticas.
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Não consiste a originalidade na observância das leis do estilo, mas na
inspiração subjetiva que, em vez de se formar de uma certa maneira
para sempre utilizada, escolhe um assunto racional em si mesmo e
desenvolve escutando apenas a voz da subjetividade artística, assim
obedecendo, de igual modo, à natureza e conceito desta ou daquela
arte particular e ao conceito geral do ideal.
A expressão artística configura-se, portanto, como uma representação simbólica do espírito – inspiração subjetiva – manifesta sensivelmente no tempo e no espaço6 em que se encontra o homem, não possuindo
sentido algum separada da relação humana e seu contexto, o que justifica
os estilos e os movimentos artísticos ao longo da história da arte, que revelam o próprio meio de vivência do artista e suas relações com o mundo,
influenciando sua expressão.
No entanto, se a estética modifica-se de acordo com o contexto histórico, como explicar o fato de um mesmo contexto não aceitar determinada obra de arte, como o século XVIII parisiense, por exemplo, quando
houve o chamado Salon des Refusés7? Obviamente, isso se deve ao fato do
julgamento que estabelecemos acerca da arte.
Antes mesmo do Salon des Refusés, mas em um contexto já permeado
por obras de arte, reconhecidas como tal ou não, Kant conduz a reflexão
estética não mais para a necessidade de reconhecimento da arte como expressão humana, ou ainda regras para determinar essa expressão, mas para
a busca dos fatores que nos conduz à significação da arte, ou seja, sua reflexão está pautada na faculdade humana de fazer um juízo estético que nos
faz reconhecer determinadas obras como arte e recusar outras, a qual ele
denomina gosto. Podemos assim, relacionar a noção de belo ao conceito de
gosto, entendendo por gosto, conforme Kant (apud RUSS, 2003, p. 26),
“[...] a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representação pela
Nesse contexto, a arte passa a ser fenômeno que se manifesta na ordem do sensitivo, fato que leva a compreender as relações entre sujeito e objeto: tudo passa a ser arte, desde que seja intrínseco a essa relação.
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O Salon des Refusés (Salão dos Recusados) recebia as obras de arte rejeitadas no Salão de Paris e foi o
grande propulsor de vanguardas artísticas, como o Impressionismo.
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satisfação ou o desprazer de uma maneira completamente desinteressada.
Chama-se belo o objeto desta satisfação”.
Talvez a grande questão contemporânea relacionada à arte não esteja
mais relacionada ao belo ou ao gosto, mas à sua expressão, nas relações que
implicam a criação artística e sua aceitação pelo próprio homem.
A incessante busca humana pelo conhecimento de sua realidade, pelo
“autoconhecimento”, desperta no homem uma constante necessidade de
criar, motivada por suas expectativas interiores na tentativa de significar
o mundo com suas percepções. Como afirma Ostrower (1996, p. 09-10),
o homem:
[...] precisa orientar-se, ordenando os fenômenos e avaliando o sentido das formas ordenadas; precisa comunicar-se com outros seres
humanos, através de formas ordenadas. Trata-se, pois, de possibilidades, potencialidades do homem que se convertem em necessidades
existenciais. O homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta,
e sim porque precisa; e ele só pode crescer, enquanto ser humano,
coerentemente, ordenando, dando forma, criando.
Destaquemos aqui, inclusive, o pensamento nietzschiano de que a
arte vem em auxílio (ABBANANO, 2000) à existência humana e torna
possível a transfiguração da realidade lógica na criação do humanamente
aceitável: “[...] com a arte, a ciência pode aprender as vantagens de não
perder a liberdade sobre as coisas, do poder de ficar acima da moral e então suportar a diversidade de estados e momentos da existência” (BARROS, 2008, p. 74).
Seja qual for sua cultura, ou suas necessidades, o homem sempre cria
influenciado por um pensamento dominante em seu contexto, tanto para
satisfazer esse pensamento e contribuir para seu fortalecimento e abrangência, ou ainda para desmistificá-lo. Desta forma ele propõe novos ideais, capazes de revolucionar o contexto em que se encontra.
Para encerrar sua necessidade de criação, o homem buscará diversas
formas de expressão que manifestem seu potencial criativo, de acordo com
os objetivos condizentes a seus valores. Uma dessas formas de expressão é
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a própria arte que, com a modernidade, passou a ser concebida de maneira
utilitária em favor das próprias necessidades de criação do homem moderno – influenciado pelos modos de produção –, por vezes desvinculada da
reflexão estética em função da satisfação do ideal sociocultural predominante.
O homem contemporâneo passou a criar pela necessidade de adequação a um determinado contexto social8, e não mais para expressar sua
percepção desse contexto e, fatalmente, deixa de exercer sua capacidade
crítica na concepção do mundo, tornando-se passivo na construção de
sua própria cultura. Fato esse que, como analisaremos no próximo item,
influenciará o processo de formação do arte-educador e sua prática pedagógica.
3. A ARTE E A EDUCAÇÃO
3.1. Arte como expressão em arte-educação
Na maioria das sociedades, depois da família, a escola é, de fato, o
primeiro grupo social de uma pessoa, pois, é onde a criança entra em contato pela primeira vez com pessoas de vivências (supostamente) diferentes
das suas e compartilha experiências. É também na escola que o indivíduo
terá acesso aos valores dominantes de sua cultura e aprenderá assimilar
suas vivências em uma prática socialmente válida, aceitável pelo grupo em
que está inserido.
É inegável a existência de algum tipo de hierarquia nos grupos sociais e isso não poderia ser diferente na escola: o professor é aquele que no
meio escolar se torna responsável por instruir o aluno, instituindo assim
formas de dominação e subordinação consensualmente aceitáveis e que
não são evidentemente violadas, nem pelo professor, nem pelo aluno. Assim, o professor é visto como um modelo dentro da sociedade, capaz de
Podemos observar fenômenos como o kitsch, sutilmente disseminado pela indústria cultural, constituindo
o que chamamos de cultura de massa.
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transmitir valores e saberes a quem não os possui (OLIVEIRA, 1988).
É preciso considerar, no entanto, “[...] que uma grande parte dos
professores é da classe média e que a escola se dedica à tarefa de transmitir
os valores típicos desta classe” (OLIVEIRA, 1988, p. 129), confrontando, por vezes, com os valores trazidos pela criança para escola, referentes
a uma outra realidade – a uma outra vivência sociocultural – visto que os
valores são significados conforme as necessidades humanas, sendo inseparáveis da realidade do indivíduo (MÉSZÁROS, 2006).
No caso da arte, por exemplo, ela representará um valor “[...] apenas
na medida em que há uma necessidade humana que encontra realização
na criação e na apreciação de obras de arte” (MÉSZÁROS, 2006, p. 174),
ou seja, a produção e a recepção artística dependem das diversas intervenções sócio-culturais recebidas pelo homem e que fazem de sua expressão
uma necessidade de significação e identificação social. Diante disso, não
podemos ignorar o fato de que a escola, tendo o professor como mediador, será uma das principais responsáveis pela significação do produto estético como valor para realidade do aluno.
A percepção que temos do mundo, embora se dê através dos sentidos
comuns a todo ser humano, não se dá da mesma forma a todos os homens:
“[...] a posse de olhos não é suficiente para captar a beleza visual. Para isso,
é preciso possuir o sentido de beleza” (MÉSZÁROS, 2006, p. 183), assim,
um mesmo objeto se apresentará diversificadamente a cada indivíduo de
acordo com seus valores, sua sensibilidade de percepção, refletindo diretamente nas suas formas de expressão. Sabendo então que a escola é um dos
principais, e muitas vezes o único, meio de acesso à arte, ela possibilitará
o desenvolvimento da sensibilidade estética do educando, capacitando-o
para apreciação e criação artística de acordo com a percepção estética desenvolvida através das ferramentas e dos métodos de ensino selecionados
pelo arte-educador.
Compreendemos, então, o arte-educador como o indivíduo que
dentro da sociedade é o mais apto a desenvolver ações educativas criadoras, onde o educando, de posse de conhecimentos artísticos e valores estéticos, possa se identificar socialmente. No entanto, o indivíduo que em
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dado momento se encontra na condição de arte-educador tem sua própria
realidade sociocultural, suas particularidades de expressão e, não podemos negar, também já esteve na condição de aluno, instruído por outros
professores. É inegável, portanto, que todo seu ciclo social tenha exercido
influência em seus valores, no desenvolvimento de sua sensibilidade estética e percepção artística, ou seja, em seu próprio gosto pela arte que,
consequentemente, se refletirá em sua prática pedagógica.
Ao considerarmos a arte como uma “ferramenta” de expressão da
criação humana, ao arte-educador é atribuída a missão de desenvolvê-la
como linguagem expressiva, ou seja, é de sua incumbência possibilitar
meios para que o educando expresse seu potencial criativo através da linguagem artística.
Entretanto, sabendo que a necessidade de criação está diretamente
relacionada ao contexto cultural ao qual o indivíduo está inserido – a sua
realidade propriamente dita – e que educador e educando possuem necessidades diferentes, não se exclui a possibilidade de confronto entre a expressão estética do educando – que exterioriza sua necessidade de criação
através das atividades artísticas propostas pelo professor – com a percepção estética do educador – que julga até que ponto a expressão do aluno se
aproxima de sua concepção de belo proposta na atividade em desenvolvimento. Neste momento, independente do quão expressivo seja o produto
da criação do aluno e sua identificação com a realidade que impulsiona seu
processo criativo, prevalecerá a crítica do professor que, de posse do “poder de instrução”, determinará os padrões para que os alunos se expressem
artisticamente. Desse modo, institui-se um sutil processo de aculturação
do educando, visto que sua necessidade de criação agora, passa a ser expressa conforme as necessidades do educador (SNYDERS, 1992). Logo,
a linguagem artística em educação deixa de ser uma expressão reflexiva da
percepção estética individual 9 que determina o meio sociocultural e passa
a responder apenas ao ideal artístico já proposto. Como conseqüência, o
Cf. LDB 9394/96, Art. 27, Inciso I e Art. 205 da Constituição Federal, onde se define a relação entre os
interesses sociais e os interesses educacionais.
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educando – e inevitavelmente toda a sociedade – encerra sua “necessidade” de criação em uma expressão desprovida de um pensamento reflexivo,
alienada10.
3.2 Arte como criação em arte-educação
Se admitirmos a arte como uma linguagem capaz de expressar a criação humana – dentre tantas outras linguagens possíveis –, no ambiente
escolar nos depararemos com um educador que, pautado na sua interpretação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (2010), emprega sua
percepção estética no desenvolvimento de metodologias que proporcionem a expressão do educando através da linguagem artística. É possível
observar ainda a fundamentação do PCN-Arte na Proposta Triangular
para o ensino de arte, desenvolvida por Barbosa (2009) e muito difundida no Brasil desde a década de 1980, onde: a contextualização, o fazer
artístico e a apreciação buscam o resgate – ou até mesmo a atribuição – de
valores estéticos à disciplina. Valores esses que muitos educadores, ainda
que no papel de arte-educadores11, encontram dificuldades de desenvolver, resumindo seu processo de trabalho no simples ato do “fazer artístico”,
desprovido da contextualização e reflexão estética.
Mais do que isso, se analisarmos brevemente que a inserção da arte
no currículo escolar se deu em um momento histórico evidentemente permeado pela censura e por políticas econômicas neoliberais12, talvez isso
justifique a dificuldade de aceitação da arte como produto estético, desvinculado do caráter utilitário, visto que, mesmo hoje, as tendências tecnicistas deixaram seus resquícios na educação, inconscientemente refletida
no fazer artístico que, ainda “censurado” não consegue promover no meio
escolar o despertar para a apreciação do novo, claramente manifesto na
Declamar uma poesia, por exemplo, não implica que o aluno tome conhecimento do eu lírico em questão.
Entendemos aqui por arte-educador todo aquele que se encontra na condição de mediar o conhecimento
e a reflexão acerca da arte, independente de possuir ou não formação específica na área, como no caso dos
educadores das séries iniciais do ensino.
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Década de 1970, incluída obrigatoriamente pela LDB 5692/71, Art. 7°, como “Educação Artística”.
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prática pedagógica em arte-educação, que perdeu sua identidade estética.
Essa falta de identidade estética na prática pedagógica aqui mencionada, deve-se ao fato do desenvolvimento de um trabalho em arte-educação que ignora a experiência estética – tanto do educando, quanto do
educador, inclusive – e furtivamente se atenta a outros aspectos, como nos
aponta Lanier (2005, p. 45):
Não há, tampouco, nenhuma razão constrangedora que nos faça
duvidar que as atividades de arte na sala de aula possam promover
crescimentos pessoais independentes do valor ou da resposta estética.
Talvez a arte possa tornar alguém mais criativo em geral (o que quer
que isso queira dizer). Talvez possa fazê-lo perceber seu contexto físico ou social mais objetivamente. Talvez possa ajuda-lo a resolver suas
inadequações emocionais, aumentar seu QI, enriquecer sua aposentadoria ou promover a paz mundial e a boa vontade entre os homens.
O ponto sobre o qual queremos insistir é que todos esses outros
aspectos do crescimento individual não são ou não deveriam ser o
principal foco para o professor de artes plásticas: que a sua principal
referência deveria ser o progresso no domínio dos procedimentos estéticos-visuais. Se outros benefícios colaterais resultam das atividades
de arte, tanto melhor. Se, no entanto, eles não ocorrem, o papel educacional da arte não terá sido traído – contanto que o crescimento
das capacidades estético-visuais tenha se efetuado.
No entanto, como visto anteriormente, ao longo de seu processo de formação, desde sua iniciação na escola, aquele que hoje é arte-educador teve suas
experiências estéticas ignoradas – forçosamente pela própria política educacional – e muitas vezes isso impossibilitará o reconhecimento de expressões
estéticas, de criações artísticas propriamente ditas, divergentes àquelas que se
está habituado, justificando sua fuga do valor artístico em arte-educação.
É justamente nesse momento de fuga das divergências e da reflexão
estética que o arte-educador ignora a expressão do aluno na criação artística e impõe o seu ideal estético13, sem possibilitar, portanto, a crítica por
É comum que as crianças se habituem a colorir folhas com a cor verde, água com a cor azul e seres humanos, inclusive, com a típica cor que denominam “cor-de-pele”.
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parte do educando. Tal fato nos coloca frente ao caráter ideológico do
contexto escolar na significação, e reconhecimento, da produção estética.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão estética em arte-educação não se trata de um simples problema metodológico da pratica pedagógica adotada pelo educador, antes
de tudo, trata-se de um problema que envolve toda sociedade, representada pela escola.
Impossível será atribuir valor à arte e considerá-la, de fato, como uma
linguagem que expresse a necessidade do homem de criar sem que se desenvolva uma educação estética propriamente dita. Essa educação só se dará
através da contemplação, da própria apreciação, do produto estético, que
encerra a criação humana sensivelmente e subsidia seu potencial criativo.
Com a modernidade, e devido às transformações dos sistemas produtivos, o homem começou a perder sua identidade pessoal, distanciandose dos valores inerentes a sua cultura e, como conseqüência, observamos
um sujeito cada vez mais passivo às transformações, incapaz de questionar
coerentemente sua realidade, como se estivesse fadado a viver alienadamente.
Em contrapartida, enquanto educadores, ainda nos responsabilizamos pela sociedade e seus ideais – pelas formas de condução da educação
– impulsionados pelo potencial humano de criação, pela necessidade de
transpor o individualismo de uma “educação para todos”, em favor de uma
formação humana consciente de sua realidade, que possa estabelecer, de
fato, relações de troca de experiências entre ser individual e sociedade.
Contudo, ainda que a desvalorização do produto estético em meio
a uma sociedade utilitária não seja de exclusiva responsabilidade do arteeducador, não descartamos seu poder de influência ao representar a arte
como produto de uma necessidade humana, vinculada às experiências estéticas individuais.
No entanto, a reflexão crítica quanto à própria produção humana –
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construtora do contexto sociocultural – transpõe o imediatismo de uma
educação utilitária, onde “criar arte” resume-se ao “fazer artístico”, alienado do valor estético para uma leitura crítica e emancipadora dos processos
educacionais que submetem a arte apenas às formas de consumo.
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Title: Aesthetics, education and art educator formation: a contribution to the criticism
of the creation conception in art education.
Authors: Nádia Aline Baltazar; Marcelo Donizete da Silva.
ABSTRACT: This article tries to look on the formation of art educator and school
work in their developments. The school is aimed at spreading the prevailing values ​​of
the prevailing culture of each social context. For this reason, school is a function of providing access to local art in which the student will receive subsidies to express their creative
potential through creative artistic language. Therefore, the influence of the teacher shows the values ​​that will awaken the student, in favor of society itself, ie, the reflection
on art education to the immediacy of a practical nature educationand uncritical.
Keywords: Art Education. Aesthetics. Society. Creativity. Expression.
Educação, Batatais, v. 1, n. 1, p. 57-71, jan./dez. 2011
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