contato social - Faculdade Guarapuava

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contato social - Faculdade Guarapuava
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CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Nº 1 – ANO 1 - 2011
PESQUISA ACADÊMICA E INTERVENÇÃO SOCIAL
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UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA
Cleri Becher de Mattos Leão
Diretora Presidente
Leonardo Becher de Mattos Leão
Diretor Administrativo
FACULDADE GUARAPUAVA - FG
Carlos Alberto Ferreira Gomes
Diretor Geral
CONTATO SOCIAL
REVISTA ELETRÔNICA DO CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
ANO I – Nº 1 - 2011
PESQUISA ACADÊMICA E INTERVENÇÃO SOCIAL
Artigos Científicos e Resumos Expandidos
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes
Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes
Prof.Ms. Ernando Brito Gonçalves Júnior
Profª Ms. Patrícia Terezinha da Silva
Profª.Ms. Rosimeri Schaia Pedroso
COMISSÃO DE APOIO
Carlos de Jesus Lima (Filosofia)
Dafne Ribeiro Breda (Pedagogia)
Eliane Lupepsa Costenaro (História)
Gilce Primak Niquetti (Pedagogia)
Leticia Larsson (Pedagogia)
Luciano (História)
Luciana Sékula (Psicologia)
Silvana da Silva Carneiro (Serviço Social)
Obs: A Comissão de Apoio é constituída por acadêmicos do Curso de Ciências
Sociais que já possuem graduação em áreas afins e/ou cursos de
especialização Lato Sensu.
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GONÇALVES JR. Ernando Brito e GOMES, Cerize
Nascimento (Orgs). Contato
Social: Pesquisa acadêmica e
2011.
intervenção social. 161 páginas.
Guarapuava (PR): Faculdade Guarapuava. Revista Contato
Social, NºÍNDICE
1, Ano 1, 2011.
Palavras Chave: Sociedade. Ensino. Pesquisa.
Intervenção. Políticas Públicas.
ÍNDICE
1 - A educação integral no contexto republicano: corpo, mente e civísmo Ernando Brito Gonçalves Júnior
p. 06
2 - As condições materiais da vida na relação família – escola : A
experiência do bairro caçula no Município de Cantagalo(PR) - Márcia
Regina Weber
p. 21
3 - Crenças e práticas ciganas : um olhar da antropologia sobre a obra
Magia cigana de Charles Leland - Gilce Francisca Primak Niquetti, Deorlene
Pacheco Fonseca e Claudinor Tomasi
p. 37
4 - Jogos de linguagem: Treinamento, maquinaria e formas de vida Carlos de Jesus Lima
p. 50
5 - A teoria da dominação : impressões de Paulo Freire sobre educação e
relações de poder na América Latina - Cerize Nascimento Gomes
p. 73
6 - Estudos sobre a organização política e a representatividade social da
Comunidade Quilombola Invernada Paiol De Telha Fundão – Município de
Pinhão (Pr) – Valmir Jocoski
p. 98
7 - O ensino de cultura afro-brasileira e as manifestações de religiosidade
dos afro-descendentes - Neiva da Cruz Antunes Camargo, Lucélia Terezinha
Araujo Pietras e Nicéia Rodrigues
p.101
8 - As transformações ocorridas no cotidiano, no comportamento e na
constituição da família na sociedade contemporânea - Joelma Eleutério
Chimilovsk
p. 104
9 - Considerações sobre assessoria e consultoria em serviço social Sonia Roth Bruger
p. 107
10 - Considerações sobre o mundo das relações do trabalho - Megi
Monique Maria Dias
p. 112
11 - A origem contratual do estado: considerações sobre o modelo
hobbessiano - Nayara Cristina Bueno
p. 116
12 - Imagens e linguagens urbanas: fotografia das contradições sociais Ciro Nascimento Gomes e Affonso Markovicz
p. 121
13 - Biotecnologias cooperativismo e desenvolvimento sustentável: o
exemplo da coopaflora no Município de Turvo – PR - Débora Machado e
Deniam José Viana
p. 125
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14 - Educação indígena: abordagens temáticas e sociodiversidade dos
povos indígenas na região de Guarapuava – Luciane Pietras, Thais dos
Santos e Thiago da Luz Brito
p. 128
15 - Educação ambiental: quem vai ensinar o que para quem? Larize de
Lima Belo e João Luiz de Campos
p.131
16 - Considerações sobre a aprovação da união estável entre casais
homoafetivos pelo Supremo Tribunal Federal e o impacto social dessa
nova forma de família - Lais Martins Oliveira
p. 134
17 - O campo como cenário de políticas públicas na área de educação: A
experiência do Projovem no município de Candói (PR) - Ilda Aparecida da
Silva Ressai e João Rodrigues
p. 141
18 - Um olhar da psicologia social sobre a pessoa com necessidades
especiais: olhar para a diferença e ser olhado como diferente – Luciana
Sékula
p. 145
19 - A psicologia do clown no comportamento social: Relato de
experiência com o projeto cultural Dantemus do Município de Reserva do
Iguaçu - PR - Sergius Ramos
p. 149
20 - “Eu” e “não-eu”: Ponderações sobre as relações ocidente/oriente a
partir de observações sobre a morte de Osama Bin Laden - Rodolfo Grande
Neto
p. 155
21 - Bloch e Weber: ensaio sobre os diálogos entre a escrita da história e
da sociologia durante os séculos XIX e XX - Gisele Cristina Fogaça p. 161
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A EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO REPUBLICANO: CORPO,
MENTE E CIVÍSMO
Ernando Brito Gonçalves Júnior
Docente do curso de Ciências sociais
Faculdades Guarapuava
RESUMO: A pesquisa em tela tem como objetivo discutir a proposta de
“educação integral” apresentada por Dario Vellozo - importante intelectual,
escritor e professor que viveu no Paraná entre os anos 1885 e 1937. Segundo
Vellozo, seria por meio das educações física, intelectual, moral, estética e
cívica que o cidadão estaria apto a ingressar e atuar na sociedade. Nossa
análise tomou como fonte seu manual didático intitulado Compêndio de
Pedagogia, publicado em 1907, buscando compreender como o autor articula
suas ideias de formação do aluno. Assim, na presente pesquisa, buscamos
fazer uma análise pautada pela História Intelectual, levando em consideração
os elementos textuais e contextuais. Por fim, concluímos que Vellozo defendia
que a formação do cidadão deveria ser fomentada pela ideia de formação do
corpo e da mente, com base na ciência e em alguns ideais republicanos.
PALAVRAS-CHAVE: Dario Vellozo; Educação; História Intelectual.
O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por
transformações em diversos âmbitos no Brasil. Essas mudanças interferiram de
maneira substancial na sociedade brasileira, pois, além de transformações no
cenário político do país, questões culturais e sociais sofreram impactos devido
às novas formas de pensamento e de projetos sociais. Nesse sentido, seguindo
o exemplo dos grandes centros brasileiros, como São Paulo e Rio de Janeiro, o
estado do Paraná também respirou esses ares de transformação. De acordo
com Etelvina de Castro Trindade e Maria Luiza Andreazza (2001, p. 66), “[...]
qualquer pessoa que chegasse às cidades paranaenses no período da
Primeira República encontraria, em maior ou menor grau, alguns signos da
então moderna tecnologia: telégrafo, telefone ou luz elétrica; depois
automóveis e bondes”.
Nesse sentido, Amélia Siegel Corrêa aponta, em sua dissertação acerca
da imprensa e política no Paraná, que as ideias de modernização:
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[...] refletiam-se no desenvolvimento material da cidade, cada vez
mais urbanizada, com alterações arquitetônicas, difusão da luz
elétrica, bondes, calçadas, telégrafo. Obras como a Estrada da
Graciosa, concluída em 1873, e a ferrovia, entregue em 1885,
trouxeram, para a capital, vários engenheiros (CORRÊA, 2006, p. 31).
O projeto de expansão da capital paranaense foi desenvolvido pelo
governo do estado pautado em um discurso de modernidade e civilização. A
higienização do centro da cidade, a expansão das redes de esgoto, o
alargamento das praças, a arborização e os calçamentos das ruas foram
algumas das prioridades do governo paranaense (TRINDADE E ANDREAZZA,
2001).
Em virtude de todo esse processo de transformação vivenciado em
Curitiba, várias correntes de pensamento ganharam adeptos e começaram a se
destacar no cenário intelectual curitibano. Entre elas, o Anarquismo 1,
movimento de defesa de ideias anticlericais2, liderado por Dario Vellozo, o qual
travou uma intensa batalha contra os clérigos paranaenses; os Católicos 3, que
lutavam para manter o ensino religioso; e o Simbolismo4, movimento literário
que também teve a participação de Dario Vellozo.
Entre os vários nomes de personagens que se destacaram na época
como intelectuais, no sentido exposto acima, utilizaram como foco de nossa
pesquisa o carioca Dario Vellozo, que viveu no Paraná entre os anos de 1885
até 1937, e teve toda sua produção intelectual gestada nesse estado.
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Sobre o anarquismo, em Curitiba nos remetemos a VALENTE, Silza Maria Pazello. A
presença rebelde na Cidade Sorriso: contribuição ao estudo anarquista em Curitiba
(1890-1920). 1992. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), Campinas, 1992.
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Essa questão é bem discutida no livro de MARCHETTE, Tatiana Dantas. Corvo no galho
das acácias: o movimento anticlerical em Curitiba (1896-1912). Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 1999.
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Para maiores informações sobre os projetos educacionais católicos, ver: CAMPOS, Nevio de.
Laicato Católico: o papel dos intelectuais no processo de organização do projeto
formativo da Igreja Católica no Paraná (1926-1938). 2002. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, 2002.
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Movimento pode ser entendido, segundo D’Onofrio (2002, p. 405): “[...] como movimento
estético. Surgiu na França e vigorou nas duas últimas décadas do século passado, na fase da
belle époque, época da boemia de Montmartre, chamados de ‘poetas decadentes’, tomados
pela sensação do fin du siècle. Acusa a crise dos ideais do complexo cultural positivista e
apresenta uma nova proposta estética, fundamentada em valores espirituais. [...] Voltando, de
um certo modo, à estética romântica, o Simbolismo aperfeiçoa o gosto pelo mistério das coisas,
na tentativa de captar a realidade secreta do universo, nesse, encontrando uma Alma e
descobrindo a correspondência entre os diversos elementos da natureza, expressa
artisticamente através da metáfora sinestésica: ideias aromáticas, flor canora, luz falante,
cheiro das cores, etc.”.
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A escolha de Dario Vellozo se deve pela sua importância no cenário
intelectual paranaense. Vellozo foi profícuo poeta, tipógrafo e professor de
História, fundou e teve participação na criação de várias revistas e jornais, foi
um dos participantes da fundação do IHGPR (Instituto Histórico e Geográfico
Paranaense) e criou o INP (Instituto Neo-Pitagórico). Além disso, Vellozo via a
educação
como
o
principal
caminho
para
transformar
a
sociedade,
empenhando-se ao máximo pela instrução da população, fosse através de
suas aulas nas escolas ou no Instituto Neo-Pitagórico, ou de seus textos para
conduzir a uma nova forma de sociedade.
Dario Persiano de Castro Vellozo nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de
novembro de 1869, e mudou-se para Curitiba no ano de 1885, com 16 anos, na
companhia de seu pai e irmão; fez do estado do Paraná seu “lar” e defendeu,
perante os novos traços da República, o lugar do estado no cenário nacional.
Sua vida desde cedo esteve relacionada ao mundo da imprensa e da
literatura. Em seu primeiro emprego, ainda no Rio de Janeiro, trabalhou como
aprendiz de encadernador e posteriormente tipógrafo. Pouco depois de sua
chegada à cidade de Curitiba, trabalhou como tipógrafo do jornal mais antigo
do Paraná, o Dezenove de Dezembro.
Vellozo logo entrou em contato com diversos intelectuais e passou a
integrar esse rico cenário que se configurava na cidade de Curitiba.
Juntamente com outros pensadores do período - como Ermelino de Leão,
Emiliano Pernetta, Júlio Pernetta, Silveira Neto, Romário Martins, entre outros , fundou várias revistas e escreveu diversos livros revelando-se um dos mais
fecundos e importantes escritores do Paraná.
Dario Vellozo era também adepto da maçonaria, assim como muitos dos
intelectuais curitibanos desse período, e defensor de ideias “neopitagóricas”.
Foi um dos membros fundadores do Instituto Histórico e Geográfico
Paranaense, em 1900, e fundou, em 1909, o Instituto Neo-Pitagórico5. Nesse
instituto, além de reuniões para discussões de obras, eram promovidas festas
ao estilo dos cultos helênicos (ANDRADE, 2002).
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O INP funciona até hoje. Nesse instituto são organizadas reuniões, palestras, cursos e
oficinas abertas ao público sobre diversos temas como filosofia, história das religiões e
ocultismo, entre outros. Além disso, a instituição possui uma biblioteca com vários livros
publicados por sua editora no período que aqui nos interessa. O INP possui um site com mais
informações: http://www.pitagorico.org.br/. Acesso em: 16 de julho de 2009.
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No que diz respeito ao ensino, Vellozo também possuía, para o quadro
em pauta, um olhar diferenciado. Foi professor no Ginásio Paranaense a partir
de 1899, além de colaborador, redator ou editor de revistas voltadas ao ensino,
como A Escola (órgão do grêmio dos professores; 1906-1910), Pátria e Lar
(1912-1913) e Brazil Cívico (1918-1919).
Sua atuação editorial teve visibilidade maior principalmente devido à sua
fama e respeito, adquiridos em seu trabalho como professor. No papel de
educador, ele pôde demonstrar sua vasta erudição:
[...] formando em seus alunos verdadeiros discípulos que se
constituiriam, com o grupo dos “novos”, em continuadores das
preocupações literárias do grupo do Cenáculo. Foi no periódico
fundado por esses seus alunos, o Fanal, que essa admiração ficou
expressa, tanto na deferência com que se referiam a Dario, como nas
afirmações de que ele os inspirava (DENIPOTI, 2001, p. 80).
Sendo assim, suas preocupações pedagógicas, “[...] aliadas às suas
preocupações com a formação teórica e prática do cidadão, além de seu perfil
intelectual” (DENIPOTI, 2001, p. 80), culminaram na fundação da Escola Brazil
Civico, na cidade de Rio Negro, ao sul de Curitiba, em 1913. A escola trazia,
além das disciplinas teóricas curriculares, cursos profissionalizantes de
agricultura, comércio, artes e indústria (DENIPOTI, 2001). Devido aos conflitos
entre o Exército e os revoltosos do movimento do Contestado, a escola foi
obrigada a se transferir para Curitiba. Porém, não durou muito tempo e antes
de completar um ano foi fechada.
No que se refere à concepção de escola de Dario Vellozo, segundo
Maria Lucia de Andrade (2007, p. 192), para ele a “escola moderna [...] deveria
ser antes de tudo laica, pública, profissionalizante e obrigatória”. Dario Vellozo
ainda escreveu dois livros didáticos que foram muito utilizados pelas escolas
curitibanas: Licções de História (1902) e Compêndio de Pedagogia (1907).
Devido ao seu grande reconhecimento como professor, as obras de
Dario Vellozo supracitadas tiveram repercussão após suas publicações.
Compêndio de Pedagogia teve grande receptividade no cenário educacional
paranaense: “os livros didáticos de Dario Vellozo contavam com um público
cativo entre os professores de todo o país.
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Mesmo antes de sua publicação, já se criava uma grande expectativa
em torno do Compêndio de Pedagogia6 (DENIPOTI, 2001, p. 82).
Vellozo se aposenta do cargo de professor em 1930, porém, continua
escrevendo textos e livros até seus últimos dias. Em 1933, escreve Atlântida,
seu ultimo livro, continua escrevendo outros textos menores e liderando as
reuniões no INP. Em 1937, escreve o que seria seu último texto, Jesus
Pitagórico, já com a saúde debilitada, e falece em 28 de setembro daquele ano.
Para a melhor compreensão da obra, Compêndio de Pedagogia,
faremos uma análise da relação entre a obra e o contexto no qual ela foi
concebida. Para tanto, utilizaremos, como proposta de abordagem, a História
Intelectual, mais especificamente a proposta francesa de investigação histórica
das ideias e de seus produtores, os intelectuais.
Comecemos por destacar a existência de, pelo menos, duas abordagens
ou duas formas de fazer História Intelectual: a intellectual history e a histoire
intellectuelle. A primeira diz respeito a uma abordagem feita principalmente
pelos estadunidenses, voltada mais para as preocupações linguísticas e
literárias de uma obra (CHARTIER, 2001). A segunda, com a qual dialogamos,
surgiu na historiografia francesa e tem como seu principal foco “[...] o
posicionamento das ideias, situando-as em seu contexto (intelectual e histórico)
de produção” (SILVA, 2002, p. 12). Nesse sentido, essa abordagem busca
fazer uma análise visando uma articulação entre os elementos internos e os
externos da obra. Assim, “[...] a história intelectual deve privilegiar a leitura de
um texto em relação ao seu contexto. Isso significa considerar a obra em
relação à formação social e cultural de seu autor, ao espaço ou “campo” de
produção e à conjuntura histórica dessa última” (SILVA, 2002, p. 12).
Acreditamos que a proposta de pesquisa delineada pela História
Intelectual francesa deve ser fomentada em analisar as obras levando em
consideração seu texto e o seu contexto de produção, como bem apontou
Carlos Eduardo Vieira:
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Segundo Cristiane Vitório de Souza, em dissertação sobre as leituras pedagógicas de Silvio
Romero, Romero possuía uma biblioteca específica de livros sobre educação e, entre eles,
existe um exemplar da primeira edição do livro Compêndio de Pedagogia, de Vellozo. Para
mais informações, ver: SOUZA, Cristiane Vitório de. As leituras pedagógicas de Silvio
Romero. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSE (Universidade Federal de
Sergipe), São Cristóvão, 2006.
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De forma similar a história intelectual investe na análise dos
processos de produção, circulação e recepção das ideias e dos
discursos científicos, políticos, pedagógicos ou artísticos,
desenclausurando-os da lógica e do método internalista da tradicional
história das ideias (VIEIRA, 2008, p.80).
No que diz respeito ao intelectual, vários autores se propuseram a
discutir o papel desses agentes na sociedade e alguns traços que possam
qualificar um indivíduo como tal. Carlos Eduardo Vieira nos apresenta quatro
aspectos que, segundo ele, são fundamentais para concebermos os
intelectuais como agentes sociais que possuem certa visibilidade na esfera
cultural e atuam no campo político (VIEIRA, 2010). Os aspectos são
apresentados da seguinte forma:
1) sentimento de pertencimento ao estrato social que, ao longo do
século dezenove e vinte, produziu a identidade social do intelectual;
2) engajamento político propiciado pelo sentimento de missão ou de
dever social; 3) elaboração e veiculação do discurso que estabelece a
relação entre educação e modernidade; 4) assunção da centralidade
do Estado como agente político para a efetivação do projeto moderno
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de reforma social. (VIEIRA, 2010, não publicado) .
Partindo desse pressuposto traçado pelo autor, identificamos que Dario
Vellozo, objeto de nossa pesquisa, pode ser relacionado com as dimensões
descritas acima. Longe de pensarmos em uma definição forçada e engessada,
essas ideias de atuações e vinculações dos intelectuais propostas por Vieira
nos possibilita enxergamos as diversas possibilidades de atuações desses
agentes sociais.
Passamos agora a discutir um pouco a questão do manual produzido
com finalidade didática. Esse artefato da cultura escolar, apesar de ser de fácil
identificação e de, em geral, as distinções entre esse tipo de publicação e
outros livros serem dadas ou apresentadas sem grandes reflexões, à obra de
cunho didático se constitui em um objeto de difícil definição (BITTENCOURT,
2008). Segundo Bittencourt: “é um objeto de múltiplas facetas, e para a sua
elaboração e uso existem muitas interferências” (BITTENCOURT, 2008, p.
301).
Objeto material de grande importância no processo de construção de
uma cultura escolar e de uma tecnologia de gestão da sala de aula e do
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VIEIRA, Carlos Eduardo. Erasmo Pilotto: identidade, engajamento político e crenças dos
intelectuais vinculados ao campo educacional no Brasil. Curitiba, 2010. Não publicado.
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coletivo de alunos, em que as noções de ordem e de método assumem uma
enorme
centralidade,
os
manuais
didáticos
foram,
simultaneamente,
instrumentos de inovação e de controle, pois atribuíam legitimidade a um
conjunto de ideias e de práticas (e retirarem a outros), ao mesmo tempo em
que apelavam à socialização e afirmação profissional dos futuros professores
com base num conjunto em que se articulavam o saber, o saber-fazer e o
saber-ser. (CARVALHO, 2007)
Entendemos que os livros didáticos “[...] não são apenas instrumentos
pedagógicos: são também produtos de grupos sociais que procuram, por
intermédio deles, perpetuar suas identidades, seus valores, suas tradições,
suas culturas” (CHOPPIN apud BITTENCOURT, 2004, p. 69).
Assim, Começamos por destacar que a primeira edição da obra
Compêndio de Pedagogia, em 1907, foi subsidiada pelo governo do Paraná e
se tornou de uso obrigatório nas Escolas Normais do estado. Isso nos mostra
que Vellozo comungava, pelo menos em algumas questões educacionais, com
as preocupações e ideias as quais o governo estadual estava interessado em
propagar nesse período e que, em contrapartida, o governo enxergava no autor
e em suas obras instrumentos de divulgação e formação de ideias e de
motivação de ações.
No que tange a elementos textuais da obra, o livro é dividido em três
partes que correspondem aos três anos dos cursos normais. O primeiro ano é
composto por dez lições e começa com uma definição de Pedagogia; em
seguida, apresenta-se uma trajetória histórica da educação, começando pela
educação na Antiguidade, passando pelos povos chineses, egípcios, pelo
período medieval e terminando no que Dario Vellozo chama de tempos
modernos. Nessa primeira parte, Vellozo mostra, portanto, sua definição de
Pedagogia. Segundo ele, a “Pedagogia é a arte e a ciência da educação.
Ensina a ensinar: indica os meios, regras e preceitos de que deve servir-se o
professor a fim de instruir e educar os alunos” (VELLOZO, 1975, p. 395).
A segunda parte do livro (o segundo ano), para a qual dedicaremos um
olhar mais cuidadoso, também é formada por dez lições, tendo início com uma
descrição dos métodos de ensino indutivo e dedutivo, passando por princípios
didáticos, modos, formas e processos de ensino. As últimas lições dessa parte
serão tomadas como os principais objetos de análise e reflexão, pois são as
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que melhor representam a tentativa de formar alunos/professores condizentes
com os ideais republicanos. Essas lições estão divididas em Educação Física,
Intelectual, Moral, Estética e, por fim, a Educação Cívica, cada uma com
algumas ramificações que serão discutidas e apresentadas mais adiante.
A última divisão da obra (o terceiro ano) abarca 11 lições, que se iniciam
com uma abordagem sobre a iniciação à leitura e à escrita, passando por
estudos da língua portuguesa, bem como estudos de geografia, de história, de
ciências, de desenho, de música, de canto, além de instruções morais e cívicas
que o professor deveria ensinar para o aluno.
Indicaremos, a priori, um itinerário para que se possa compreender por
que esses pontos são essenciais para entendermos como Vellozo concebia a
educação. Para ele, a educação era um “[...] conjunto de ponderados esforços
no sentido de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais do
indivíduo, facultando-lhe meios de aperfeiçoamento, para felicidade própria e
alheia” (VELLOZO, 1975, p. 397). Assim, entendia que a educação deveria
ocorrer em vários âmbitos, pois o cidadão pleno deveria ser bem instruído,
possuir aptidões físicas e zelar pelo convívio, buscando uma sociedade
harmônica.
Nesse sentido, lançaremos um olhar mais apurado à lição VIII do
compêndio de Dario Vellozo, intitulada “da educação em geral”. Nesse item,
Vellozo discute a educação e suas ramificações, explicando a importância de
cada uma para formar um indivíduo apto para os desafios da vida e para bem
servir à família, à pátria e à humanidade (VELLOZO, 1975). Acreditamos que
nessa parte do compêndio se concentra o cerne principal da concepção de
educação formulada por Vellozo.
Vellozo entendia que a educação dividia-se em física, intelectual, moral
e estética. Vellozo também cita a educação cívica que perpassaria as outras
formas de educação e teria como objetivo ensinar os direitos e deveres do
cidadão. Assim, a educação física, intelectual, moral e estética propiciariam ao
cidadão cumprir suas atuações cívicas.
Nesse sentido, Vellozo entendia que a educação era um: “[...] conjunto
de ponderados esforços no sentido de desenvolver as faculdades físicas,
intelectuais e morais do indivíduo, facultando-lhe meios de aperfeiçoamento,
para felicidade própria e alheia” (VELLOZO, 1975, p. 397). Assim, entendia que
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a educação deveria ocorrer em diversos âmbitos, pois o cidadão pleno deveria
ser bem instruído, possuir aptidões físicas e zelar pelo convívio, buscando uma
sociedade harmônica. Vale lembrar que a ideia de formação do indivíduo apto
para atuar na sociedade era a premissa central da educação para Vellozo.
A ideia de educação integral apresentada por Vellozo fazia parte de um
esforço de reorganização da educação brasileira que ocorreu no final do século
XIX e início do século XX. Essa reorganização buscou renovar o método de
ensino, bem como ampliar o programa escolar. A base dessa ampliação seria
calcada no princípio da educação integral, que englobaria a educação física,
intelectual e moral (SOUZA, 2000). Percebemos que Vellozo estava em
sintonia com as mudanças educacionais que estavam ocorrendo em cenário
nacional, na medida em que, em seu livro, o autor defende algumas das ideias
de renovação do ensino, como o método intuitivo e a perspectiva de educação
integral, que estavam sendo propostas por alguns pensadores da educação,
como, por exemplo, Rui Barbosa.
A prerrogativa de educação integral, formada pela tríade educação
física, intelectual e moral, foi formulada e difundida a partir da obra de Herbert
Spencer, intitulada: “Educação Intelectual, Moral e Física”, e publicada em
1861. Essa obra buscava unir uma concepção de educação com as aspirações
e necessidades da sociedade moderna. O apelo de Spencer à correspondência
entre a lei da evolução biológica e o progresso social possibilitou a
naturalização da evolução da sociedade e a compreensão da ciência como o
conhecimento mais relevante, o conhecimento útil com aplicação no trabalho,
na arte e na vida diária.
Nessa concepção, corpo e espírito são indissociáveis. O princípio da
educação integral expressava essa compreensão unificada pela qual a
educação seguia as leis da natureza e a ciência revelava-se como o melhor
meio para a disciplina intelectual e a disciplina moral (SPENCER, 1901). Da
mesma forma, Vellozo acreditava que apenas a ciência poderia mostrar um
real conhecimento, assim defendeu em diversos momentos a importância da
ciência na educação como a melhor maneira de se alcançar o conhecimento.
Além dessas proximidades, Vellozo cita o livro de Spencer como uma das
referências suas utilizadas para escrever o compêndio e recomenda-o para ser
lido pelos professores.
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A inserção do pensamento de Spencer na educação brasileira não se
faz apenas por essa discussão de Vellozo, haja vista que Rui Barbosa, em seu
parecer acerca da “Reforma do ensino primário e várias instituições
complementares da instrução pública”, publicado em 1883, compartilhava das
ideias de Spencer e as recomendava à educação pública brasileira (SOUZA,
2000).
Nesse sentido, o primeiro ponto abordado por Vellozo é a Educação
Física. Segundo o autor do “compêndio”, ela é importante na medida em que
auxilia o aluno a se tornar um indivíduo “robusto” e “sadio”. Vellozo ainda
argumenta que, para que o aluno possua uma boa compreensão do que lhe
está sendo ensinado, necessita de um físico forte, pois: “sem robustez, sem
saúde o corpo é débil, fraca a memória, a compreensão mais difícil”
(VELLOZO, 1975, p. 438).
A Educação Física, segundo Vellozo, possui dois elementos principais: a
ginástica e a higiene. Para o pensador, a ginástica tem por finalidade fortalecer
os músculos e aumentar a força do aluno. Já a higiene possui por finalidade
eliminar “maus hábitos” e melhorar a saúde do aluno e a qualidade do
ambiente escolar. Assim, a educação física possibilitaria a constituição de
corpos saudáveis, fortes e vigorosos, auxiliaria a disciplinar os hábitos e
costumes responsáveis pelo cultivo dos valores cívicos e patrióticos. De acordo
com Soares (1994), a educação física das crianças no Brasil emerge atuando
na preparação do corpo feminino para a reprodução dos filhos da pátria e na
preparação do corpo do soldado tornando-o útil à pátria e ao capital, além de
vincular algumas questões de moral, saúde e produtividade do trabalho a essa
educação. Para Vellozo, o futuro cidadão deveria possuir uma saúde e vigor
físicos apurados para bem servir à pátria e à família, que foram duas
preocupações de Vellozo.
O segundo ponto destacado por Vellozo é a Educação Intelectual. De
acordo com ele: “a educação intelectual é o sistema que trata de desenvolver,
elucidar, enriquecer e orientar a mente” (VELLOZO, 1975, p. 440). Destaca-se
a explicação que Vellozo elabora para justificar a Educação Intelectual: “a
educação intelectual proporciona o saber, o conhecimento exato das coisas, a
consciência e a verdade, pela ciência” (VELLOZO, 1975, p. 441). Vellozo
estava encantado com a ciência, encanto esse que atingiu vários pensadores
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do século XIX, período que foi marcado por uma grande adesão as ideias
científicas. Novamente evocamos a figura de Spencer para elucidar a fonte
com a qual Vellozo dialoga. Spencer teceu questões importantes para
entendermos a concepção moderna do papel social da ciência na sociedade e
na educação ao apontá-la como o conhecimento de maior valor:
Assim, para a pergunta que formulamos – quais são os
conhecimentos de maior valor? – há uma resposta uniforme – a
Ciência. É o veredicto para todas as interrogações. Para a direta
conservação própria, para a conservação da vida e da saúde, o
conhecimento mais importante é a Ciência. Para a indireta
conservação própria, o que se chama ganhar a vida, o conhecimento
de maior valor é a Ciência. Para o justo desempenho das funções da
família, o guia mais próprio só se encontra na Ciência. Para a
interpretação da vida nacional, no passado e no presente, sem o qual
o cidadão não pode justamente regularizar o seu procedimento, a
chave indispensável é a Ciência. Para a produção mais perfeita e
para os gozos da arte em todas as suas formas, a preparação
imprescindível é ainda a Ciência, e para os fins da disciplina
intelectual, moral e religiosa – o estudo mais eficaz é, ainda, uma vez,
a Ciência. (SPENCER, 1901, p. 73)
Para esse autor, a ciência era o conhecimento que melhor revelava o
sentido do progresso e da sociedade dita civilizada do século XIX. Para tanto, a
ciência sobressaía como um conhecimento essencial para a vida moderna, o
conhecimento útil e válido cujas verdades podiam ser aplicadas aos mais
variados negócios da vida prática: na indústria, no trabalho, na conservação da
saúde, no exercício dos deveres políticos e sociais, na condução da vida moral.
Vellozo foi um adepto dessa fé na ciência, e em seu livro podemos perceber a
importância que ele atribui à ciência empírica, defendendo que apenas essa
ciência pode levar ao conhecimento verdadeiro da sociedade.
A próxima questão abordada por Vellozo é a Educação Moral. Ele
acreditava que as faculdades morais formariam o caráter do aluno. Assim, a
Educação Moral tinha por objetivo “[...] desenvolver e formar a vontade,
estabelecendo normas de conduta, ensinando os deveres e as virtudes, para o
Bem” (VELLOZO, 1975, p. 441).
Vellozo ainda defendia que o caráter da criança deveria ser
desenvolvido por uma prática de ensino pautada na verdade científica, pois,
para ele, o “saber leva à verdade; a educação intelectual contribui para a
educação moral, dando ao indivíduo o máximo grau possível de consciência
pelo conhecimento exato das coisas” (VELLOZO, 1975, p. 443). Dessa forma,
16
notamos em Vellozo a crença no princípio segundo o qual quanto maior for o
conhecimento fomentado pela verdade científica, melhor será o caráter do
indivíduo.
A concepção de educação moral de alguns republicanos mais radicais
no período da primeira República brasileira - caso de Dario Vellozo - colocou
em evidência a secularização da moral de natureza cívica em detrimento à
moral religiosa. Nesse sentido, convinha, pois, desenvolver sentimentos e
hábitos, cultivar valores morais desejáveis, tais como: respeito à ordem,
disciplina, tolerância, amor ao dever, apreço ao trabalho, o bom emprego do
tempo, a sinceridade, a lealdade e o amor à pátria.
A separação entre o Estado e a Igreja foi a motivação dessa mudança
de moral, que passou a ser voltada ao culto da nação. Vale lembrar que a
transformação não se deu de maneira abrupta e nem por completa, haja vista
que muitas práticas religiosas ainda continuaram a ser realizadas após essa
separação. Nesse sentido, Vellozo acreditava que a moral deveria fazer com
que o aluno soubesse respeitar o próximo para que houvesse uma melhor
convivência e, assim, o país conseguiria uma união melhor para alcançar o
progresso. Portanto, a ideia de respeito e união não estava atrelada a uma
visão religiosa, e sim pautada em uma perspectiva e união para o
desenvolvimento econômico e social do país.
Concomitantemente com a educação moral está a educação estética
para Dario Vellozo. Segundo o autor, “a educação estética desenvolve os
sentimentos superiores, não só é fonte de emoções supremas, como fator da
educação moral” (VELLOZO, 1975, p. 443).
Essa
educação
era
dividida,
para ele, em belas letras - que englobava a literatura - e belas artes compostas por esculturas, pinturas, arquitetura, música e canto. Vellozo ainda
atentava para o ensino do senso crítico da arte.
A questão da educação estética se fazia presente em discussões de
alguns teóricos educacionais - como Spencer, Froebel e Pestalozzi - como uma
importante faceta da educação. Vale lembrar ainda que Schiller, em suas
cartas, foi categórico ao defender que não é possível elevar moralmente e
racionalmente o ser humano sem cultivar a sua emoção e sensibilidade, sendo
possível apenas o desenvolvimento completo do homem a partir de um
equilíbrio entre a razão e a emoção (SCHILLER, 1995).
17
Aproximando essa discussão para o cenário republicano brasileiro, a
educação estética ganhou um componente a mais: o caráter de cívico, ou seja,
foi utilizada, algumas vezes, como forma de auxiliar o ensino cívico. Assim, “[...]
o despertar para a civilidade não se faria apenas com a abertura de escolas,
mas com uma educação estética que envolvesse habilidades manuais,
educação das mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os
cantos, a dança [...]” (VEIGA, 2003, p. 406).
Além dessas questões que estavam em voga no período, Vellozo ainda
possuía um apego a mais à educação estética: sua própria veia artística.
Vellozo ganhou notoriedade no cenário curitibano como poeta e produziu
literatura até a sua morte. Tinha familiaridade com a música, pois tocava
instrumentos de sopro, além de ter pintado algumas telas. Seu interesse pelas
artes faz com que ele acrescente importância a essa dimensão, pois, segundo
Vellozo: “os mais delicados prazeres da vida são propiciados pela arte”
(VELLOZO, 1975, p. 443). Isso além de entender que “pedagogicamente a arte
e a moral são inseparáveis” (VELLOZO, 1975, p. 444). Assim, uma boa
educação estética pode ajudar a ter uma boa educação moral.
Por fim, Vellozo discute a educação cívica. O pensador defendia que
todas as outras “educações” deveriam trabalhar juntas para que fosse formada
esta. De acordo com ele: “a função principal da escola é formar futuros
cidadãos, aptos e conscientes” (VELLOZO, 1975, p. 444). Nesse sentido, a
educação cívica teria por finalidade ensinar os deveres e os direitos do
cidadão, estabelecidos em relação à sociedade e à pátria.
Para Dario Vellozo, a educação cívica seria o fim a ser alcançado pela
educação,
pois,
segundo
ele,
“educados
física,
intelectual,
moral
e
esteticamente, o homem e a mulher ficam em condições de bem servir à
família, à pátria e à humanidade – que tal é o fim da educação cívica”
(VELLOZO, 1975, p. 444). Assim, percebemos que a educação possuía uma
missão específica no pensamento de Vellozo: a formação de pessoas para
servir à pátria e família para que o país pudesse alcançar o seu progresso
pleno, tanto na área econômica, quanto na social.
Após a leitura e análise da obra “Compêndio de Pedagogia”, podemos
perceber que o sentido de servir à pátria se apresenta em consonância com o
discurso republicano em voga no Brasil do final do século XIX e início do século
18
XX, tanto em âmbito nacional, como em âmbito estadual. Nota-se assim,
novamente, que Vellozo era adepto do discurso republicano. Dessa forma,
apresentados os elementos fundamentais da educação humana, o indivíduo
seria também um homem político atuante. Nesse mesmo sentido, percebemos
que a educação integral era entendida por Vellozo como um dos fatores
essenciais na formação humana, pois, para alcançar um progresso, a evolução
social que Vellozo acreditava, o homem deveria estar educado em seus
diversos sentidos. Percebemos novamente relações entre Vellozo e Spencer,
no sentido da crença em uma evolução humana, tendo como base a ciência.
À guisa de conclusão, nossa análise procurou discutir alguns aspectos
do pensamento pedagógico de Dario Vellozo manifestados em sua obra
Compêndio de Pedagogia. Seu manual didático, além de indicar aspectos
muito significativos de seu pensamento pedagógico, mostra-nos uma possível
tendência que pairava sobre o cenário da educação paranaense no período em
apreço. A educação, para Vellozo, deveria construir um homem capaz de
pensar politicamente de forma livre (leia-se: republicana) e apto a desenvolver
a sociedade rumo à ordem e ao progresso.
REFERÊNCIAS
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formativo de Dario Vellozo. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) –
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_____. Erasmo Pilotto: identidade, engajamento político e crenças dos
intelectuais vinculados ao campo educacional no Brasil. Curitiba, 2010.
Não publicado.
20
AS CONDIÇÕES MATERIAIS DA VIDA NA RELAÇÃO FAMÍLIA – ESCOLA:
A EXPERIÊNCIA DO BAIRRO CAÇULA NO MUNICIPIO DE CANTAGALOPR
Márcia Regina Weber
Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Curso de Pedagogia - Unicentro
Orientador: Profº Ms. Alessandro de Melo
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo conhecer e analisar a realidade
das condições de existência material das famílias dos alunos da 2ª série A da
Escola São Bernardo, bem como sua contribuição para o fracasso escolar
destas crianças. O texto fundamenta-se no materialismo histórico de Marx e
Engels, proposta na obra A ideologia alemã que procura explicar a sociedade e
seu desenvolvimento no decorrer da história. Durante a pesquisa de campo
utilizou-se um questionário com respostas objetivas, onde foi possível perceber
a precariedade das condições materiais de existência destes indivíduos e a sua
relação com o fracasso escolar das crianças oriundas destas famílias. O que
pretendeu-se com este trabalho é a contribuição para com o desenvolvimento
de práticas conscientes e críticas por parte dos professores favorecendo o
avanço da sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Famílias. Materialismo Histórico e Dialético.Sociedade.
Crianças.
Introdução
Este artigo tem como objetivo abordar a influência das
questões materiais da existência humana na educação, levando em
consideração que o desenvolvimento da sociedade através da história, dá-se a
partir da evolução das forças produtivas pela ação dos indivíduos em
sociedade, levando em consideração que segundo Marx as classes sociais
não são determinadas apenas pelo capital, mas também pelo capital cultural,
capital social e objetivos sociais e pessoais.
Para isso realizou-se uma pesquisa envolvendo vinte e quatro
famílias residentes no Bairro Caçula na cidade de Cantagalo, região centro-
21
oeste do Paraná. Durante a pesquisa aplicou-se um questionário com
perguntas objetivas sobre as condições materiais destas famílias. .
Como fundamento teórico utilizou-se o materialismo histórico,
presente na obra A ideologia alemã de Marx e Engels. Esta obra propõe a
reflexão sobre a realidade histórica e social em que vivem os homens e as
determinações de sua existência, sendo estes diferentes dos animais pelo
trabalho, exercício essencial à sua existência.
A escolha desta teoria deveu-se ao fato de que ela possibilita
explicar de maneira contundente a estrita relação entre as condições materiais
familiares e a educação escolar, considerando que os indivíduos são
determinados pela maneira como produzem sua vida material, por meio de
relações sociais muitas vezes independentes da sua vontade.
Através do caminho percorrido foi possível constatar esta
relação, ao percebermos que a maior parte destas famílias, ou seja, quatorze
delas vivem em degradante situação de pobreza, usufruindo uma renda mensal
bastante inferior a um salário mínimo, visto que são trabalhadores do setor
informal, ou seja, trabalham sem carteira assinada. A renda destas famílias não
as possibilita a aquisição de todos os bens materiais e culturais necessários à
sua sobrevivência. Tendo em vista que a escola muitas vezes desempenha um
papel dominante, não possibilitando chances iguais a todos,determinando
assim a reprodução da divisão das classes sociais. Esta situação afasta cada
vez mais as crianças advindas destas famílias, contribuindo para a
continuidade do modelo capitalista da sociedade. Por isso é que a escola não
pode tornar-se uma ilha, pelo contrario, ela deve estar consciente da realidade
social e política em que está inserida para que possa ser acessível a todos,
garantindo o pleno desenvolvimento da sociedade.
Descrição do município
O município de Cantagalo situa-se na região centro-oeste do
Paraná. Teve sua origem por volta de 1930, quando tropeiros utilizavam-se de
um itinerário próximo ao que é hoje a BR 277 para conduzir gado bovino e
suíno até o município de Ponta Grossa. Na jornada esses homens faziam
22
pousada em alguns pontos do caminho, dando origem a algumas localidades,
entre elas Cantagalo.
Os
primeiros
moradores
que
se
estabeleceram
nesta
localidade foram alguns fazendeiros, entre eles: Jacob Fritz, Argemiro José de
Mattos e Augusto Thomas.
O inicio do ensino na referida localidade, deu-se a partir de
1960 com a fundação da primeira escola, inicialmente denominada Escola
Isolada de Cantagalo e posteriormente vindo á chamar-se Casa Escolar Olavo
Bilac.
Em 1982, após uma consulta á população local, Cantagalo foi
desmembrada de Guarapuava, vindo a tornar-se município em 12 de maio do
mesmo ano. Atualmente o município conta com 12.810 habitantes, sendo 57%
residentes na zona urbana e 43% na zona rural. Segundo dados do IPARDES
(Instituto Paranaense de Desenvolvimento e Estatística), 47% da população
cantagalense encontra-se em situação de pobreza ou miséria, vivendo com
uma renda mensal inferior a um salário mínimo. Esta situação pode ser
evidenciada por meio do questionário aplicado às vinte e quatro famílias
envolvidas nesta pesquisa.
Com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,686, (ano
2000) Cantagalo situa-se entre os municípios mais pobres do Parná,
encontrando-se no 371° lugar, entre os 399 municípios do Estado. Analisando
os dados disponíveis no site do IPARDES sobre os municípios vizinhos,
percebe-se que Cantagalo está a frente apenas de Goioxim, sendo
ultrapassado por municípios mais jovens como Candói, Virmond e Nova
Laranjeiras.
No setor educacional, Cantagalo conta com IDEB (Índice de
Desenvolvimento Educacional) no ano de 2007 de 3.7 figurando novamente
entre os últimos do Estado, ficando à frente apenas de Espigão Alto do Iguaçu.
A taxa de analfabetismo da população adulta é de 19,7% , sendo que 47,4% da
população possui menos de 4 anos de estudo e 84% possui menos de 8 anos
de estudos, assim a média de anos de estudo desta população é de 3,9.
São vários os fatores que contribuem diretamente para a
situação de pobreza em que se encontra o município, entre eles está: o
23
desemprego, o analfabetismo, o modelo mecanizado da agricultura e a falta de
investimentos em geração de emprego e renda.
Analisando a história do município, não é difícil encontrar
respostas para a situação de miséria deste, pois no passado muitos dos
pequenos proprietários rurais viram-se obrigados a vender suas poucas terras
a grandes fazendeiros. Após a venda da propriedade, estas pessoas
juntamente com suas famílias passaram a resistir na periferia da zona urbana,
desta maneira estes trabalhadores foram levados a vender sua força de
trabalho às indústrias madeireiras que haviam se estabelecido no município em
troca de salários irrisórios. Os baixos salários destes trabalhadores fizeram
com que muitos não conseguissem manter seus filhos na escola.
A situação agravou-se ainda mais na década de 90, quando
algumas destas indústrias transferiram-se para outros municípios, deixando
para trás muitos pais de família desempregados.
Desta forma, iremos analisar os impactos causados pelas
condições materiais das famílias cantagalenses e sua contribuição para o
fracasso de muitas crianças oriundas das famílias menos favorecidas do
município.
No caso especifico aqui analisado, estes impactos serão
estudados em relação a uma amostra dos vinte e quatro alunos de uma 2ª
série, da escola São Bernardo localizada no Bairro Caçula, que obteve um
índice de reprovação de 42% de seus alunos no ano de 2007 e um Índice de
Desenvolvimento Educacional (IDEB) de 3.2.
Sendo assim, percebe-se que as condições materiais e
culturais destas famílias refletem diretamente no desempenho de seus filhos na
escola, pois dos vinte e quatro alunos desta 2ª série aqui estudada apenas dez
nunca reprovaram, porém destes dez, cinco casos apresentam problemas de
leitura, escrita, interpretação ou cálculo. Desta maneira, observa-se que
apenas cinco destes vinte e quatro alunos possuem um desenvolvimento
excelente no que se refere a aprendizagem.
24
Fundamentação teórica
Este texto tem como fundamento teórico o materialismo
histórico desenvolvido nas obras de Marx e Engels. Em especial interessa-nos
analisar ainda que brevemente, a concepção materialista presente na obra A
ideologia alemã.
O materialismo histórico é a teoria formulada por Karl Marx e
Friedrich Engels para interpretar a sociedade e seu movimento no decorrer da
história. Esta teoria defende que o movimento da História dá-se devido ao
desenvolvimento da relação das forças produtivas pela ação dos indivíduos na
sociedade. Assim percebe - se que as mudanças sociais ocorrem pelas
relações conflituosas entre as classes sociais que no capitalismo, fase atual em
que vivemos, está dividida entre burguesia e proletariado. Porém, é preciso ser
consciente de que “as classes sociais não são determinadas apenas pelo
capital, mas também por elementos como: capital cultural, capital social,
objetivos sociais e pessoas entre outros”. (MARX, ENGELS, 1991, 36)
Este fundamento nos permite refletir sobre a realidade histórica
social em que os homens vivem e as condições que determinam a sua vida.
Para estes autores, as condições que determinam a vida em sociedade são as
advindas da materialidade da vida. Assim afirmam os autores, “os homens
como sujeitos sócio-históricos somente podem ser entendidos pelo modo como
produzem sua vida em sociedade”. (MARX, ENGELS, 1991, p. 36).
As diferentes formas assumidas pelas sociedades referem - se,
portanto, às diferentes formas desta organização da vida material. Em termos
históricos, os homens se constituem em uma espécie diferenciada de outros
animais pelo fato de que se tornaram capazes de produzir sua própria
existência, sendo assim, ao invés de adaptar-se à natureza, o homem adapta a
natureza a si, tornando-se diferente dos outros animais pelo trabalho. Logo, a
forma desta existência é a própria forma humana que se constitui
historicamente, num processo dinâmico e dialético entre homem, sociedade e
natureza. Resulta que os homens são o que e como produzem a sua vida.
Para melhor elucidar os fundamentos materialistas neste texto
reportamo-nos à MARX e ENGELS, (1991).
25
A estrutura social e o Estado nascem constantemente do processo
de vida de indivíduos determinados, como atuam e produzem
materialmente e, portanto, como desenvolvem suas atividades sob
determinados limites, pressupostos e condições materiais,
independentemente de sua vontade. (p.36).
Sendo assim, os homens são determinados pelo modo como
produzem sua vida material, por meio de relações recíprocas e seu
desenvolvimento posterior na constituição social. Desta maneira, concordamos
com Marx e Engels quando estes afirmaram: “não é a consciência que
determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (1991 p.37). Esta
afirmação é inegável visto que para a sua sobrevivência e de sua família, antes
de tudo o ser humano precisa comer, beber, vestir e morar. Estas
necessidades determinam à produção material do homem, em contrapartida, a
produção da vida material pode alienar o homem e é condicionante de seu
estado social.
Sendo o trabalho um exercício essencial para que o homem
possa suprir suas necessidades de sobrevivência, no capitalismo este obrigase a vender a sua força de trabalho ao capitalista em troca de um salário.
Neste contexto, o salário nada mais é do que um nome especial dado ao preço
da força de trabalho.
No mundo do capital, os indivíduos não trabalham para o bem
e o desenvolvimento coletivo, mas para o sucesso particular. As relações são
de competição e concorrência entre os trabalhadores ao invés de serem de
amizade e solidariedade mútua, pois cada qual está interessado no seu bem
particular e não no bem comum. Assim, a condição material da existência
humana, faz com que a classe trabalhadora torne-se cada vez mais oprimida
pela burguesia detentora do capital e dos meios de produção, visto que o
trabalhador assalariado desempenha seu trabalho sem se importar com o
objetivo da atividade que esta realizando, para estes indivíduos a realização
desta é o meio que ele encontra para garantir a sua sobrevivência.
Para o capitalista o produto é sempre mais importante que o
homem e a opressão vivida pela classe operária a torna a força matriz,
sustentáculo de todo o edifício capitalista, porém o salário pago pela venda do
trabalho é quase insignificante, tornando cada vez mais difícil para o
trabalhador deixar a situação de pobreza em que se encontra, pois as
26
condições materiais de vida o afasta cada vez mais da escola e do saber
elaborado que torna os indivíduos capazes de compreender e agir sobre a
realidade vivida por eles.
Para esclarecermos melhor a questão recorremos a Marx e
Engels que afirmam:
Os indivíduos que constituem a classe dominante
dominam como pensadores, como produtores de idéias,
regulam a produção e a distribuição de idéias e fazem
com que as suas idéias sejam as idéias dominantes da
época. (1991, p.72).
Logo, para a classe burguesa não é interessante que seus
trabalhadores sejam educados e instruídos, pois a tomada de consciência por
parte destes homens tornaria muito difícil a dominação da burguesia, por isso
os capitalistas desejam que os trabalhadores sejam educados apenas o
necessário para evitar desperdícios e garantir a produtividade e o aumento do
capital. Nesta sociedade as relações sociais passam a ser mediadas pela
mercadoria e até mesmo o trabalho torna-se mercadoria. Uma vez que os
operários recebem baixos salários, dificilmente terão acesso à escola e ao
saber elaborado. Sendo assim, segundo MARX: “o que os indivíduos são
resulta, portanto, das condições materiais de sua produção”. (1991, p.28) Logo,
se o indivíduo não tem condições materiais de acesso à educação, se tornará
incapaz não só de compreender o mundo que o cerca, mas também de agir
sobre ele.
Toda produção precisa assegurar a reprodução das condições
materiais, sendo assim, o Estado age como instrumento de repressão,
assegurando a dominação de uma classe sobre outra usando aparelhos
ideológicos como a escola. Desta forma, apesar de o saber ser um produto da
sociedade, na sociedade capitalista eles são apropriados apenas por uma
classe social, a burguesa. Isso nos leva a crer que as diversas formas como
cada indivíduo produz sua vida reflete sobremaneira e diretamente o que ele é.
Logo, quem constrói o mundo é o homem através do seu trabalho e de suas
ações, mas o que os homens são coincide com a sua produção, com o que
produzem e também o como produzem. Em outras palavras aquilo que eles
são depende, portanto das condições materiais da sua produção e existência,
27
desta forma, produzindo seus meios de vida os indivíduos produzem
indiretamente a sua vida material. Entretanto, para que haja produção material,
é necessário que o homem antecipe em idéias os objetivos da ação. Mas para
que o homem faça a antecipação destas idéias é preciso que este tenha
acesso ao saber elaborado produzido na sociedade, porém o saber produzido
socialmente, na sociedade capitalista a tendência é torná-lo propriedade
exclusiva da classe dominante.
Por isso faz-se necessária a formação crítica de nossos
professores, para que estes trabalhem de forma diferenciada, não deixando
com que a escola se torne um aparelho ideológico a serviço do estado.
Descrição e análise dos dados coletados
Tendo em vista o método aqui adotado, ou seja, o materialismo
histórico de Marx e Engels, foi construído um instrumento de pesquisa que
levou em consideração elementos constitutivos da materialidade das famílias
envolvidas.
A pesquisa foi feita envolvendo vinte e quatro famílias,
residentes no Bairro Caçula, bairro mais populoso do município. Durante a
realização deste trabalho, foi aplicado um questionário com alternativas e
repostas objetivas sobre alguns dados referentes aos bens materiais e culturais
de cada uma das vinte e quatro famílias envolvidas. Dentre as questões
destacamos: a estrutura familiar, o grau de escolaridade, emprego, renda e
profissão, bens materiais e culturais, estrutura de cada residência, tempo de
estudo, tempo assistindo TV e o tempo que passam com seus filhos. a seguir,
será feita a descrição e análise de cada questão.
A primeira é referente à estrutura familiar. Observa-se que das
vinte e quatro famílias, dezessete são nucleares, ou seja, são constituídos por
pai, mãe e filhos, outros cinco apenas por mãe e filho, e há ainda dois casos
em que as crianças moram com os avós maternos. Nos cinco casos em que as
crianças moram apenas com a mãe, quatro delas são repetentes e três
mostram-se bastante rebeldes, agressivas e sem interesse pelos conteúdos na
escola, não obtendo bom aproveitamento escolar. Em conversas com estas
mães, elas falam sobre suas dificuldades, pois a maioria destas trabalham
28
como domésticas ou diaristas para garantir a subsistência de sua família,
sendo assim, muitas vezes no período em que estão trabalhando, as crianças
ficam sozinhas em casa.
A segunda questão refere-se ao grau de escolaridade dos
responsáveis pela família, isto é, pai, mãe ou avós, neste caso encontramos a
seguinte situação: nos sete casos em que as crianças moram apenas com a
mãe ou os avos, estes possuem menos de quatro anos de estudo. Com
relação as dezessete famílias nucleares nota-se que: quatro pais e uma mãe
declaram-se analfabetos, seis pais e sete mães possuem ensino fundamental
de 1ª a 4ª séries incompleto, três pais e três mães concluíram seus estudos de
ensino fundamental de 5ª a 8ª séries incompleto, enquanto que três pais e uma
mãe têm estudo ate 8ª série. Entre estas dezessete famílias entrevistadas,
apenas uma mãe declarou ter iniciado o ensino médio, não o concluindo
posteriormente, e apenas um pai e uma mãe que conseguiram concluí-lo. É
necessário destacar que no último caso descrito estes pais não pertencem à
mesma família nuclear envolvidos na pesquisa há um caso em que pai e mãe
pertencentes ao mesmo núcleo familiar encontram-se em estado de
analfabetismo. Estas situações descritas acima dão sustentação a informações
anteriores que dão conta de que 84% da população deste município possuem
menos de oito anos de estudo.
A terceira questão refere-se a emprego, renda e profissão,
onde se agravam ainda mais os problemas destas famílias, isso porque, sem
dúvida, a renda familiar é uma das mais importantes fontes de constituição
material. Remetendo–nos a Marx em seu texto “salário, preço e lucro”, onde
este autor determina o salário como “a expressão em dinheiro da compra da
força de trabalho por um determinado período”. Em outras palavras, o salário é
o valor de troca da força de trabalho. Desta maneira, percebe - se que grande
parte destas famílias vive em situação precária, sendo que entre as vinte e
quatro famílias, em quatorze delas apenas o pai trabalha em quatro casos o
pai, juntamente com outro membro da família como mãe ou filhos mais velhos
trabalham. Há também um caso em que a mãe e um filho trabalham, e nas
duas famílias compostas por avós e netos em um caso o avô trabalha e no
outro apenas um tio. Entretanto, destas vinte e quatro famílias nove recebem
algum tipo de beneficio do governo como Bolsa-Escola ou Bolsa-Família, assim
29
foi possível constatar que três destas famílias vivem apenas deste benefício
sem que nenhum membro da família trabalhe.
Portanto, a renda média destas famílias é muito baixa, não
possibilitando a elas uma melhor qualidade de vida. Segundo os dados
coletados, quatorze famílias sobrevive com uma renda de 0 a um salário
mínimo, sete recebem em torno de 1 a 2 salários mínimos e apenas três
famílias conseguem sobreviver com um pouco mais de conforto e dignidade
possuindo uma renda entre 2 e 3 salários mínimos. Sendo o salário o preço de
troca pela força de trabalho dos indivíduos, e sendo este quase que
insignificante, é possível perceber claramente que estes homens e mulheres
não possuem meios para adquirir todas as mercadorias necessárias à
subsistência de suas famílias.
Outro aspecto que precisa ser levado em consideração é a
questão educacional, pois Marx afirma em seu texto Trabalho assalariado e
capital, que “quanto menor for o tempo de formação profissional exigidos por
um trabalho, menores serão os custos de produção operária e menor será o
preço do seu trabalho, o seu salário” (2006 p.44) Das vinte e quatro famílias,
dezenove possuem menos de oito anos de estudo explica-se em parte a
questão dos baixos salários e suas conseqüentes precariedades materiais de
vida. Como a maioria destes pais possui pouco estudo, muitas vezes não
conseguem entender as atividades escolares para ajudar seus filhos em casa.
O trabalho desempenhado por estes indivíduos é em grande
parte braçal, sendo nove deles ligados a agricultura ou ao setor madeireiro e
outros como: à construção civil, serviços gerais, cabeleireiro, motorista,
empregada doméstica, mecânico e operador de máquina, trabalhos que não
exigem grande esforço mental ou maior grau de escolaridade do que
apresentado por estas pessoas. Destacamos que entre estas vinte e quatro
famílias, há apenas o caso de uma mãe que é professora, trabalho que exige
maior grau de escolaridade. Outro agravante desta situação é o fato que entre
vinte e uma famílias onde há um membro desta trabalhando, doze declararam
trabalhar sem carteira assinada, ou seja, no setor informal, restando apenas
nove para o setor formal.
A próxima questão a ser analisada, refere - se aos bens
materiais e culturais das famílias participantes desta pesquisa. Dos dados
30
coletados: quinze famílias declararam possuir livros em casa, entretanto, estes
livros não são livros de leitura ou de pesquisa e sim livros didáticos ou de
histórias infantis, apenas cinco informaram possuir algum tipo de revista em
casa e três declararam possuir algum jornal, porém estes não são provenientes
de assinaturas, mas adquiridos aleatoriamente uma vez ou outra.
Percebe - se a gravidade da situação socioeconômica destas
famílias em se tratando de bens materiais como, TV, rádio, DVD, vídeo - game
e brinquedos, sendo que sete destas declaram não possuir aparelho de
televisão, uma não possui aparelho de rádio, dezesseis não possuem aparelho
de DVD, vinte e duas não possuem aparelho de vídeo - game e cinco não
possuem nenhum tipo de brinquedo em casa.Estas famílias também declaram
que não possuem estes bens em suas residências devido à precariedade de
suas condições socioeconômicas, ou seja, devido a materialidade de sua
existência.
Dando continuidade à descrição dos dados aqui analisados,
discorreremos sobre a estrutura física das residências destes indivíduos, onde
muitos destes domicílios não apresentam todos os cômodos necessários ao
conforto da família. Entre as vinte e quatro residências visitadas, em quinze
delas as crianças não possuem quarto individual, muitas vezes vindo dormir no
mesmo quarto e até na mesma cama que os pais, das nove crianças que
possuem seu próprio quarto, duas não dormem nele por medo do escuro ou
outro medo qualquer, lembrando que estas duas crianças já estão com seus
oito anos completos, retratando talvez
certa falta de limites que os pais
deveriam impor. Apenas quatorzes destas residências possuem as salas de
estar, onde a família geralmente se reúne para conversar, assistir TV ou
desenvolver outras atividades. No caso de lavanderia, a parte utilizada para
fazer a higiene das roupas e dos calçados utilizados pela família, apenas oito
residências possuem esse cômodo, nas demais este trabalho é feito ao relento
ou na própria varanda da casa, pois nove residências possuem varanda sendo
seis delas não possuindo lavanderia. Há que se ressaltar que existem seis
domicílios onde cozinha e quarto fazem parte praticamente de um mesmo
cômodo, sendo separado algumas vezes por uma cortina ou nem isso. Ainda
há dois casos mais graves em que duas residências não apresentam sequer
31
banheiro, cômodo de fundamental importância para a manutenção da higiene
pessoal dos indivíduos.
Segundo Marx, quanto maior o grau de instrução do operário,
quanto mais o operário precisar se qualificar, mais cara se tornará sua força de
trabalho e conseqüentemente mais alto será o seu salário, sendo estes
indivíduos possuidores de uma baixa escolaridade, submetem-se a trabalhos
que não exijam muito esforço mental, porém estes trabalhos realizados
mecanicamente pelo operário, são pagos com salários bastante reduzidos, que
não permitem a estes trabalhadores condições adequadas de vida para si e
para os seus familiares. Por estes motivos é que se explica parte das
dificuldades financeiras destas famílias. e se seus filhos não tiverem chances
de adquirir conhecimentos, provavelmente esta situação perdurará por um bom
espaço de tempo.
Segundo dados reunidos nas entrevistas, doze das vinte e
quatro crianças aqui analisadas separam menos de 1 hora diária para os
estudos, cinco separam entre 1 e 2 horas e sete não separam nenhum tempo
para estudar em casa. Algumas respostas indicam que o horário de estudo
destas crianças é durante a noite, após o jantar, o que não é recomendável,
pois neste horário elas já se encontram bastante cansadas e com sono. Sendo
assim, fica claro que estas famílias não desenvolvem em seus filhos o hábito
de estudo extra-escolar, tão necessário para a melhor aprendizagem e
aproveitamento destes alunos.
Nas entrevistas realizadas, conversando com os pais, pudemos
constatar que os pais destas crianças são bastante desprovidos de estudos,
apenas oito famílias informaram que o pai ou a mãe ajudam seus filhos nas
atividades escolares enviadas para casa, quatro declararam não ajudar porque
não sabem, cinco disseram que outras pessoas como irmãos, tios e vizinhos
ajudam e sete disseram que ajudam apenas quando sabem, pois quando eram
crianças estudaram apenas a primeira e segunda séries e com o passar dos
anos foram esquecendo o pouco que haviam aprendido, ou seja, são pessoas
praticamente analfabetas, que sabem apenas assinar o nome e ler algumas
palavras,
faltando-lhes
a
noção
de
interpretação
de
mundo
e
dos
acontecimentos sua volta São pessoas que possivelmente serão manipuladas
por outras mis instruídas.
32
Em contrapartida à falta de condições para os estudos,
observa-se que das dezessete famílias que possuem TV, em apenas uma
delas houve a declaração de que as crianças assistem TV por tempo inferior a
1 hora por dia, em dez delas as crianças assistem TV por tempo superior a 1
hora diária e em cinco casos os pais foram honestos em declarar que seus
filhos assistem TV por mais de 3 horas diárias.
Sendo a TV um dos meios de comunicação de maior influência
principalmente da população de baixa renda e escolaridade reduzida, e sendo
também propagadora e banalizadora de temas como violência, rebeldia, falta
de limites e até mesmo sexo é comum que estas crianças interpretem como
corretas certas exposições feitas em propagandas e telenovelas, pois muitas
destas, mesmo sendo classificadas para pessoas com idade mínima entre 12,
14 e até mesmo 16 anos, são vistas e interpretadas a seu modo por estas
crianças, e sem dúvida, muitos dos exemplos explicitados pela TV influenciam
de maneira desastrosa para muitas destas crianças.
Durante este trabalho, foi possível detectar as dificuldades
destas famílias no que se refere às questões materiais, culturais e de
escolaridade. Sem dúvida estes fatores manifestam significativa influência
sobre o desempenho escolar dos estudantes. Dos vinte e quatro estudantes da
2ª série A da Escola São Bernardo descreve-se a seguinte situação: apenas
oito alunos não acumularam nenhuma reprovação em seus registros escolares,
estas crianças completaram ou irão completar 8 anos no decorrer deste ano.
Nove destes alunos estão com 9 anos e acumularam uma reprovação, três
estão com 10 anos e acumularam duas reprovações, um está com 11 anos e
acumula três reprovações, um completou 12 anos e já acumula quatro
reprovações e o caso mais grave é de um aluno que está com 13 anos
completos e acumula 5 reprovações, sendo uma na 1º série e quatro na 2°
série. E existe ainda o caso de um aluno surdo que já está com 15 anos e
apresenta uma reprovação no ensino regular.
Sendo assim, não há argumentos contrários a afirmação de
Saviani (1991) que diz: “as crianças das camadas trabalhadoras são vítimas de
uma situação social injusta e opressora” (p.39) Esta afirmação explica-se pelo
fato de que as citadas crianças não possuem as mesmas oportunidades dos
filhos de pessoas pertencentes à classe burguesa, pois devido aos baixos
33
salários de seus pais muitas vezes estas crianças precisam deixar a escola
para dar início a sua vida de trabalhador e desta forma ajudar na renda familiar.
Com o pouco estudo que estes puderam adquirir, estarão condenados aos
trabalhos mais insalubres e mal remunerado dando continuidade á vida de
exploração á que seus pais foram submetidos.
Sendo assim, durante este trabalho pode-se perceber que a
situação socioeconômica das vinte e quatro famílias estudadas é bastante
desfavorável, privando-as do bem estar e conforto a que todo ser humano tem
direito. A questão que mais preocupa é o fato de que são as crianças as mais
prejudicadas quando não se tem as condições materiais necessárias à
sobrevivência humana. Assim, destaca-se a necessidade de refletirmos de
forma crítica sobre as verdadeiras faces do capitalismo, pois todos
consideramos que este sistema é bastante injusto e o principal responsável
pelas desigualdades sociais existentes.
Considerações finais
Este artigo configurou-se em um esforço analítico teórico
prático da relação família-escola por meio da teoria materialista de Marx e
Engels que interpreta a sociedade e seu desenvolvimento histórico. Apoiada
neste subsídio pode-se concluir que há uma estreita relação entre as condições
materiais dos indivíduos e seu desenvolvimento social, visto que este
desenvolvimento depende do modo como estes homens produzem seus meios
de vida, determinados por limites e pressupostos independentes de sua
vontade.
No quadro das vinte e quatro famílias estudadas percebe-se
um retrato das condições materiais da cidade de Cantagalo, que na ordem das
cidades paranaenses constitui-se em uma das mais pobres com 47% de sua
população vivendo abaixo da linha da pobreza, ou seja, sobrevivendo com uma
renda mensal igual ou até mesmo inferior a um salário mínimo.
Além de constituírem um representativo universo da cidade de
Cantagalo, as condições materiais das vinte e quatro famílias envolvidas nesta
pesquisa retratam a realidade do Bairro Caçula, onde localiza-se a Escola São
34
Bernardo que vem sofrendo com sérios problemas de aprendizagem de seus
alunos, chegando a reprovar 46% destes, e obtendo um Índice de
Desenvolvimento Educacional de 3.2 no ano de 2007.
Dados colhidos na pesquisa como renda familiar, emprego,
constituição familiar, escolaridade dos pais, residência, propriedade de bens
materiais e culturais cruzados com a vida escolar dos estudantes nos fizeram
concluir que a desfavorável situação social em que vivem estas pessoas,
contribui para o baixo rendimento de seus filhos na escola, pois muitas destas
famílias vivem em absoluta situação de pobreza, não ofertando aos seus filhos
as mínimas condições de conforto e bem estar.. O analfabetismo ou semianalfabetismo dos pais também contribui para a continuidade desta situação,
porque se os pais não possuem o mínimo de conhecimento não conseguirão
oferecer aos seus filhos a ajuda necessária à resolução de suas atividades
extra-escolares.
Porém, não é o caso de caracterizarmos esta relação das
condições precárias destas famílias com o insucesso escolar como
determinada a priori. Ao contrário disso, estes estudos preconizam, como base
para outros estudos, a necessidade de se ir a realidade concreta, perceber as
relações e os obstáculos que se opõem à atuação competente do professor,
para que este, ao executar o trabalho pedagógico, tenha o compromisso de
superação justamente desta determinação que é corrente em nossa sociedade,
tendo em vista que a educação é um dos grandes instrumentos de promoção
de igualdade das condições sociais, Mas para que isso aconteça de fato, é
necessário o compromisso político que é o ponto crítico do processo educativo.
Assim, pretende-se contribuir com este trabalho para novas
pesquisas e práticas pedagógicas mais conscientes e críticas por parte dos
professores, práticas estas que se desenvolvam para além do senso comum e
se tornem atividades intencionais que tenham como ponto de partida a
realidade precária de nossos alunos e escolas, mas como ponto de chegada à
construção coletiva de uma nova sociedade, mais justa e igualitária para todos.
35
REFERÊNCIAS
36
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação, São Paulo:
Moderna, 1989.
DUARTE, Newton. Crítica ao fetichismo da individualidade. Campinas:
Autores Associados, 2004
IPARDES (Instituto Paranaense de Desenvolvimento e Estatística). Disponível
em: http/www.ipardes.gov.br. Acesso em 10 de setembro de 2008.
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec,
1991.
MARX, Karl. Trabalho assalariado e capital e salário, preço e lucro. São
Paulo: Expressão Popular, 2006.
PREFEITURA
MUNICIPAL
DE
CANTAGALO.
Disponível
http/www.cantagalo.net, acesso em 05 de setembro de 2008.
em:
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórica - critica: primeiras aproximações,
São Paulo Cartez, 1991.
37
CRENÇAS E PRÁTICAS CIGANAS : UM OLHAR DA
ANTROPOLOGIA SOBRE A OBRA MAGIA CIGANA DE CHARLES LELAND
Gilce Francisca Primak Niquetti
Deorlene Pacheco Fonseca
Claudinor Tomasi
Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava
Orientadora: Prof.ª Ms. Cerize Nascimento Gomes
RESUMO: Este trabalho pretende uma releitura da obra Magia
Cigana: Encantamentos, Ervas Mágicas e Adivinhação, editado em 1891, de
Charles Godofrey Leland, fundador e presidente da sociedade de Cultura
Cigana. Segundo o autor, a ciganologia tem poucos registros e fontes de
pesquisa, resumindo-se nas leis de repressão e expulsão dos povos
ciganos. A riqueza de informações reside em lendas, canções e
encantamentos preservados pela tradição oral. Este trabalho procura
identificar como o povo cigano contribuiu para disseminar em suas
andanças, as magias e os medicamentos entre os camponeses de várias
regiões, durante sua jornada em direção do Ocidente. Em constante
mobilidade, os ciganos mais assimilavam a cultura dos povos por onde
passavam, do que a influenciavam. Os grupos que chegaram à Europa no
século XV procediam do baixo Egito, Grécia, Chipre e regiões vizinhas.
Como resultado, pode-se observar a escassa literatura bibliográfica, bem
como pesquisas acadêmicas sobre a origem, costumes e crenças ciganas.
Com este estudo pretende-se identificar e valorizar o interesse do autor em
registrar e valorizar elementos da cultura cigana, que podem esclarecer
aspectos da história desse povo místico.
PALAVRAS-CHAVE: Ciganos. Cultura. Magia. Crenças. Costumes.
1. Introdução
De origem incerta, cercado de mistério e preconceitos,
impiedosamente perseguido ao longo dos séculos,
o povo cigano faz do planeta a sua pátria.
Oscar D’Ambrosio
Os ciganos pertencem aos grupos que praticamente não possuem
registros históricos com fontes documentais reduzidas aos registros feitos
por leis de repressão e de expulsão que caracterizam os primeiros quatro
séculos de sua passagem pela Europa. Margery Silver entende que o livro
de Charles Godfrey Leland, Magia Cigana: Encantamentos, ervas mágicas e
adivinhação, publicado em 1891, é a mais representativa obra e a única
coletânea autêntica sobre a essência da cultura cigana. Sobre isso ela
escreve:
A tese defendida por Leland – esboçada e documentada não
só em sua biblioteca incomum, mas por associações pessoais
íntimas de metade de uma vida em estradas abertas ou em
clareiras nos campos – é que os ciganos, em extensão muito
maior do que qualquer pessoa esteja consciente, tem sido, pelo
menos durante uns mil anos, os vendedores andarilhos
internacionais dessa permuta de lembranças, magias e
medicamentos com a maioria dos camponeses do mundo,
durante sua longa trilha em direção ao Ocidente, como os
exilados párias da Índia, ao longo dos platões do Afeganistão e
da Pérsia, para a Síria e o Egito, e de lá, depois de uma pausa
de direção desconhecida, em direção ao norte, atravessando
as montanhas do Cáucaso e penetrando os Bálcans, a Grécia
e eventualmente a Europa ocidental medieval, onde seu
itinerário foi amplamente estendido, à força e voluntariamente,
para as praias distantes do continente americano e até mesmo
australiano. (SILVER, in, LELAND, 1962, p.9)
Segundo a autora, o interesse pela ciganologia data da emergência
do pensamento etnológico do final do século XIX, momento em que a
antropologia procurava explicar aos homens as razões culturais da sua
existência. Nesse período, marcado pelas crises da Revolução Industrial,
houve
um
interesse
renovado
pelos
conhecimentos
até
então
marginalizados como os aspectos mágico-religiosos dos povos até então
excluídos por suas crenças e seus costumes considerados pagãos. Os
primeiros estudantes da cultura cigana encontraram suas origens nos
mistérios e rituais da antiguidade primitiva e em práticas e preocupações
contemporâneas, o que demonstra que em lugar de serem engolidas pela
modernidade, as crenças ciganas pareciam ter avançado com ela:
Os etnólogos começaram, no final do século XIX, a juntar o
quebra-cabeça cigano a partir de evidências das características
físicas, dos mitos tribais e, mais importante do que tudo, das
38
raízes e dos apêndices de sua língua. ( ) Os estudiosos
concordaram que por sua condição de estrangeiros e sua
facilidade de aprender idiomas novos, os ciganos conseguiam
sobreviver onde quer que fossem, bem como pelo acervo de
seus conhecimentos tribais de dança, canto, habilidade com os
metais e o trato com os animais, ou pela prática da medicina
indiana, quiromancia e roubo, quando as oportunidades e o
interesse do público permitiam. (SILVER, in LELAND, 1962, p.
10 e 11)
No caso de Leland, ela observa que eu interesse datava de pelo menos
50 anos antes dos primeiros trabalhos de antropologia. Com o tema em
cena, o folclorista tratou de corresponder-se com outros poucos etnólogos
espalhados pelo mundo, que também estavam seriamente interessados no
idioma e na cultura cigana (SILVER, in LELAND, 1962 p.20). Com isso
teriam formado um grupo de estudos e troca de informações que foi
precursor da Sociedade de Cultura Cigana, fundada em 1888. A partir a
descoberta da lingüística, a ciência que estuda as línguas, foi que estudiosos
começaram a seguir as pistas deixadas pelos ciganos, na sua migração
desde a Índia. A principal língua identificada foi o romani.
Até hoje, os
ciganos falam o romani, uma língua própria, inclusive com alguns dialetos
específicos. Mesmo esses dialetos, apesar de influenciados pelas línguas e
culturas dos países por onde os ciganos passaram, conservam ainda forte
ligação com o romani. Por meio dos estudos lingüísticos, juntos esses
pesquisadores começaram a investigar a vida cultural dos ciganos, suas
tradições e suas práticas que até então eram desconhecidas:
Secretas como um embrião e escorregadias como a água as
crença dos ciganos constituem uma mistura curiosa de
elementos pagãos e cristãos, primitiva e sagaz, bucólica e
bestial.(
) Esse esforço etnológico conseguiu iluminar
verdadeiramente o túnel estreito e profundo dos costumes
humanos, escuro até esse momento, que percorrera a cultura
ocidental durantes séculos. ((SILVER, in, LELAND, 1962, p.7)
Desde
os
primeiros
estudos
os
membros
da
Sociedade
concordavam que o povo cigano por sua constante mobilidade, havia
colaborado para disseminar em suas andanças, as crenças, as magias e os
medicamentos gestados pelo contato com várias culturas, para os
camponeses com os quais conviviam durante sua jornada em direção do
Ocidente. O movimento das caravanas fazia com que os grupos
39
assimilassem porções da cultura dos povos por onde passavam, as quais
influenciavam
e
pelas
quais
eram
influenciados,
num
intercâmbio
desconhecido em outros povos estudados pelos etnólogos e folcloristas. Os
grupos que chegaram à Europa no século XV vinham do baixo Egito, que, na
Grécia, Chipre e regiões vizinhas e traziam com eles conhecimentos
secretos e curiosos.
Assim sendo, por meio da obra Magia cigana, de Leland, que reúne
uma coleção de encantamentos, simpatias, conjurações, adivinhações e
superstições, pretende-se examinar as práticas e as crenças ciganas, com o
objetivo de identificar as contribuições dos povos ciganos para a cultura
ocidental.
2. Sobre o autor
Charles Godfrey Leland (1824-1903), é descendente de uma família
inglesa que no século XVII imigrou para os Estados Unidos da América,
fugindo das perseguições aos protestantes e dos intermináveis conflitos
religiosos europeus. Filho de pais prósperos, ainda em sua infância
interessou-se pela magia cigana a partir de contos relatados por
empregados da casa. A maior parte da sua infância foi dedicada ao estudo
compenetrado de lendas medievais, contos de fada, casos de fantasmas e
receitas de poções e de encantamentos.
Jornalista, escritor e folclorista norte-americano, em 1870 mudou-se para
a Inglaterra onde pretendia dar continuidade aos estudos sobre os povos
ciganos. Aprendeu a língua romanesa (romani, vem de rom que significa
cigano) e pela convivência harmoniosa com vários grupos e linhagens de
povos ciganos passou a ser considerado um membro da comunidade. Por
seus vários tratados sobre a ciganologia inglesa e a bruxaria italiana, tornouse um dos maiores folcloristas do século XIX. Em 1888, fundou a Sociedade
de Cultura Cigana, da qual se tornou o primeiro presidente.
O primeiro livro de Leland sobre o tema foi Os ciganos e sua língua,
publicado três anos depois de seu primeiro contato com os mesmos.
40
Publicou também Poesia e mistério dos sonhos e posteriormente, em 1891,
Magia Cigana. Incentivado pelos ciganos interessou-se pela feitiçaria etrusca
e florentina. Embarcou para a Itália onde após anos de estudos, publicou em
1899, um dos seus livros mais conhecidos Arádia: O evangelho das bruxas,
no qual apresentou uma coletânea de conjurações, superstições, costumes,
cerimônias, fetiches, rituais e filtros de amor. Quanto ao livro sobre o qual
está relacionado o presente trabalho, Magia cigana, sua biógrafa escreveu:
O motivo mais urgente que levou Leland a compilar tal volume
foi salvar os fragmentos vivos da passagem longa e não
registrada dos ciganos pelos caminhos secretos da civilização,
antes que fossem completamente extintos. E é em suas obra
ciganas que esse interessante autor americano nos dá o seu
verdadeiro auto-retrato: o de um cavalheiro vitoriano vigoroso e
letrado, de mente inquisidora e coração encantador, vestido
com seus trajes ingleses, as longas barbas brancas eriçadas
pelo vento que levanta a poeira em torno das tendas de um
acampamento de andarilhos romani, com um caderno de
anotações em uma das mãos e um amuleto no bolso. ( ) Entre
as caravanas, violinos e fogueiras Leland foi iluminado por
essas essências selvagens destiladas ao longo dos séculos
pela pura imaginação dos homens simples. (SILVER, in.
LELAND, 1962, p.26 e 27)
3. Magia cigana – um clássico do século XIX
A obra Magia cigana: Encantamentos, ervas mágicas e adivinhação
foi publicado em 1891, com mais de 300 páginas e 16 capítulos. O primeiro
trata sobre as origens das crenças ciganas e suas relações com a feitiçaria e
o xamanismo; o segundo aborda encantamentos e conjurações para curar
distúrbios dos adultos; o terceiro descreve conjurações, exorcismos e cura
de crianças, bem como as virtudes do alho; o quarto capitulo aborda a
doutrina de magia cigana de vários grupos, os espíritos da terra e do ar e o
costume dos encantamentos com cascas de ovos; o quinto dedica-se aos
encantamentos ou conjurações para curar e proteger animais; o sexto trata
das práticas de encantamento para mulheres grávidas e sortilégios para
prevenir hemorragias menstruais.
No sétimo capítulo de sua obra, Leland versa sobre a recuperação
de propriedades roubadas, confecção de amuletos de amor, poções e filtros
amorosos; no oitavo escreve sobre bruxarias e superstições da Romênia e
41
da Transilvânia que são ligadas aos ciganos; no nono capítulo descreve os
encontros e reuniões de mulheres feiticeiras e aborda lendas ciganas; no
décimo enfoca assombrações e hábitos das feiticeiras, espectros e
mistificações ciganas; no décimo primeiro item apresenta o resultado de
estudos sobre o poder mágico inato em todos os homens e mulheres e
relata como pode ser cultivado e desenvolvido esse poder, dissertando
também sobre os princípios da adivinhação.
O décimo segundo capítulo é dedicado à quiromancia (leitura das
mãos), sortilégios românticos e situações autenticas de predição cigana; o
décimo terceiro reproduz uma coletânea de
provérbios referentes às
feiticeiras, ciganas e fadas; o décimo quarto capítulo é bastante denso e traz
referências sobre sortilégios mágicos, rimas e encantações infantis com
casos e lendas relatados pelos ciganos; o décimo quarto aborda a confecção
de amuletos ciganos e finalmente, o décimo sexto capitulo do livro trata
sobre a relação da magia cigana com os sapos e encantamentos
relacionados aos sapos.
Sobre a totalidade da obra, a biógrafa Margery Silver, entende que
sua diversidade e singularidade devem-se a erudição do autor, a variedade
do seu material e a profundidade de sua coordenação dos fatos. Acrescenta
ainda crédito a vastidão das suas especulações sociológicas e psicológicas,
ao bom humor do autor e a sua convivência impar com os ciganos. Sobre o
resultado final da obra ela avalia:
Esse foi o último trabalho de Leland sobre os ciganos,
publicado pela primeira vez em 1891, quando o autor já estava
com quase 70 anos, e representa uma coleta de 20 anos de
conjurações, superstições, costumes, cerimônias, fetiches,
rituais, exorcismos, encantações e filtros de amor – baixos e
vulgares, divertidos e confusos – colhidos de fontes vivas de
toda a Europa, o Oriente e a América, e de publicações de
escritores antigos, tanto conhecidos como desconhecidos. É
um delicioso apanhado de ensinamentos estranhos, cheios de
demônios, diabos, danças, canções, sexo, castidade, rapto de
criancinhas, gravidez, prognósticos, bruxarias com sapos, com
ovos e outras coisas inacreditáveis. Essa obra é diferente de
todos os livros já escritos sobre temas ciganos.(SILVER, in
LELAND, p.23)
42
4. Crenças e práticas ciganas
As crenças ciganas têm como principais características: o estrito
monoteísmo, sem o mínimo indício de algum passado politeísta ou
panteísta; um caráter muito pessoal de Deus, que é acessível e com quem é
possível dialogar e inclusive discutir e que não necessita de mediação; a
existência de um mundo espiritual que consiste em espíritos puros e impuros
, que representam o bem e o mal e que combatem entre si. Quanto à morte,
ela é vista e como uma passagem definitiva ao mundo espiritual, não há
menção de crença em reencarnação. O destino último do cigano depois da
morte é o Paraíso, mesmo os maus podem ser redimidos e ascender ao
Paraíso.
Acredita-se que a adivinhação, a leitura das mãos ou das cartas, bem
como poções, filtros , danças de sedução e outros sortilégios, tenham sido
ensinadas aos ciganos por antigos magos e alquimistas persas. Os poderes
mágicos herdados de ancestrais longínquos e uma vida de intensa
mobilidade acrescentam mistério e romance às lendas desses povos
aventureiros.
4.1.
Sortilégios com cabelos, unhas e dentes
Com a finalidade de fornecer idéia sobre alguns costumes ciganos
foram selecionadas algumas passagens da obra. Imediatamente ao receber
seu primeiro banho e unção, o recém-nascido deve ter a testa e o pescoço
marcados com um semicírculo – que talvez represente a lua. Se for menino
deve ser feita uma pasta de feijões que deve ser passada sobre a sua
genitália para assegurar-lhe grande força viril ou sexual. Se for menina deve
ser feita uma pasta com semente de abóbora ou de girassol para que esta
seja fértil (LELAND, p.29).
Os ciganos depositavam grande confiança em sortilégios feitos com
os fios de cabelo e acreditavam que se uma feiticeira ou um bruxo
conseguissem uma mecha do cabelo de uma pessoa poderiam fazer-lhe
grande mal. Existiam várias magias que poderiam ser feitas com os cabelos.
43
Por exemplo, se alguém quisesse enfeitiçar um inimigo, deveria recolher
alguns fios do seu cabelo, molhá-los em sua urina e jogá-los sobre suas
roupas para que este não tivesse repouso nem de dia e nem de noite. Para
uma esposa fazer com que seu marido a amasse eternamente deveria
amarrar os fios do seu próprio cabelo aos dele durante três noites de lua
cheia. Para facilitar o parto, deviam-se costurar fios de cabelos vermelhos
em um saquinho e trazê-lo junto ao ventre durante toda a gravidez. O cabelo
vermelho indica boa sorte e são chamados de cabelos solares. Se uma
criança sofre de insônia os cabelos de sua mãe deverão ser costurados nas
roupas da criança e ela dormirá tranqüila (LELAND, 1962, p.31).
Assim como os cabelos, as unhas tinham poder. Unhas cortadas na
sexta-feira deviam ser queimadas e suas cinzas misturadas com a forragem
do gado para que o rebanho não fosse atacado por animais selvagens ou
roubado. Para uma criança crescer colocava-se um pouco das cinzas de
unhas queimadas em sua comida. Para gerar crianças fortes e saudáveis as
mulheres grávidas usavam um colar com unhas e dentes de urso ao redor
do pescoço. Dentes de javali também eram usados (LELAND, 1962, p.33)
4.2.
Encantamentos com cascas de ovos
Lendas baseadas com ovos são inesgotáveis. Na Europa Oriental e
Ocidental costumam destruir as cascas de ovos depois de comer para que
elas não sejam usadas pelas feiticeiras. No Oriente o ovo é considerado um
amuleto de sorte e costumam ser usados ovos de avestruz que tem
semelhanças aos ovos de galinha para realização de simpatias. Na Índia há
várias tradições referentes a práticas com ovos. Por exemplo, quando um
parto era difícil, as parteiras quebravam ovos e diziam: “O ovo, o ovo é
redondo. E o ventre é redondo. Que venha esta criança com boa saúde.
Deus a chama!” (LELAND, 1962, p.62). Se uma mulher morresse de parto,
dois ovos eram colocados embaixo de seus braços e o seguinte dístico era
pronunciado: “Quando este ovo for quebrado, aqui não haverá mais leite”.
Acreditava-se que assim o espírito da cigana descansaria no Paraíso.
(LELAND, 1962, p.63).
44
Além das práticas, o autor relata várias histórias e lendas sobre feiticeiras
e fadas que usam cacas de ovos para navegar ou voar. Algumas são boas,
outras más. Tudo depende da sorte de quem quebrou os ovos. Para evitar
surpresas as meninas eram ensinadas a quebrar as cascas em pedaços
minúsculos.
4.3.
Magia com uso de animais
Os casos sobre uso de sapos, rãs, morcegos, mariposas e outros bichos
pelos ciganos para fazer encantamentos, bem como as orações para curar
ou reaver animais eram famosos.
Diante dessas lendas, em
algumas
regiões, como as da Romênia os camponeses chamavam os ciganos para
conjurar em qualquer ocasião. Nessa época a maioria das pessoas
acreditava
estar
rodeadas
por
legiões
de
demônios,
fantasmas,
assombrações e duendes que não podiam ser vistos pelos homens, mas sim
pelos animais:
Os ciganos acreditam que os cavalos pretos podem ver seres
que são invisíveis para os olhos humanos. A maneira
misteriosa com a qual os cachorros e os cavalos demonstram
sentir medo, quando aparentemente não existe nada visível
que possa ser temido – o cachorro latindo à noite, e o cavalo
correndo selvagemente, sem a menor dúvida suscitou essa
crença. (LELAND, 1962, p.107).
Leland relata que na
Húngria , os
ciganos usavam sementes de
estramônio ( planta considerada venenosa) e um tambor parecido com o de
um feiticeiro xamã para realizar o ritual de expulsão dos maus espíritos
juntamente com estanhas conjurações. Para acalmar, evitar que os animais
fugissem ou fossem roubados o autor menciona as mais variadas orações.
Para encantar cavalos, animais dos quais precisavam para se locomover,
desenhavam com carvão um anel, na pata esquerda, e na direita, uma cruz
e rezavam:
” Gire, Gire e gire! Seja, seja muito presente. O demônio não
virá até você. Pois Deus, Deus estará com você. Bom Deus,
afaste do corpo deste cavalo o pai do mal. Que este cavalo
seja lindo, brincalhão e bom. Sete espíritos da terra, ouçam! Eu
tenho sete cadeias, proteja este animal sempre, sempre”.(
LELAND, 1962, p. 106)
45
O sapo representa um papel de destaque na feitiçaria cigana, o que é
previsível pois na maioria dos dialetos romani, existem a mesma palavra
para designar o sapo, a rã, e o demônio. Os ciganos e os sapos eram “
aliados próximos “ uns dos outros, e muitas vezes as crianças ciganas
costumavam tê-los como animais domésticos.O autor relata que as
conexões entre ciganos e persas torna-se cada vez mais legítima, porque na
antiguidade esse povo fez do sapo um símbolo e, ao mesmo tempo uma
animal de estimação. Isso porque ele era inimigo da luz e mais do que
qualquer outra espécie conhecia os seres das trevas. Acreditando nisso os
ciganos desenvolveram relações com os mesmos para proteger-se de
demônios. Entre as tribos primitivas os sapos eram dominados pela magia e
serviam como mensageiros do bem e do mau. Na Europa medieval o sapo
representava a gula e a avareza. Na Alemanha crê-se que os sapos
perseguem aqueles que fizeram votos de peregrinação e não os cumpriram.
Entre os ciganos sapos e rãs eram também usados para adivinhações e
poções de amor, conforme segue.
4.4.
Poções, simpatias e filtros de amor
Para os ciganos todas as mulheres, em determinadas épocas tem
poderes mágicos. Por isso, todas são feiticeiras. As ciganas, húngaras,
eslavas, indianas e italianas, apesar de terem práticas diversas das
européias, concordavam
em promover reuniões rituais em conjunto em
certas épocas, estações ou fases lunares. Relata-se que se uma dessas
mulheres quisesse conquistar um homem, bastaria que subisse solitária
numa noite de lua nova até uma montanha distante, tirasse toda a roupa e
nua dançasse a luz do luar pensando no homem desejado. Essa dança ritual
que teve sua origem na Pérsia, disseminou-se pela Índia e também pela
Espanha,
tinha o poder de seduzir e encantar a pessoa amada sem
qualquer uso de filtro amoroso. Isso porque o poder da magia dessas
mulheres poderia ser colocado em ação a partir dos movimentos ritmados
das danças libertinas e devassas. Ao som de violinos, flautas e tamborins, o
autor diz que as danças ciganas são as mais selvagens já encontradas em
qualquer cultura. (LELAND, 1962, p.200).
46
Mesmo assim, não eram todas as mulheres que tinham o poder de
sedução pela dança, para esses casos, outras ciganas eram sábias
manipuladoras de poções de amor:
A beberagem mais simples ou menos perigosa, que serve para
garantir o amor, é feita da seguinte maneira: em qualquer uma
das noites de lua cheia, colhe-se nas campinas, a planta
chamada de açafrão, cujas raízes amarelas são posta para
secar. Depois, trituram-nas, misturando o resultado com a
menstruação, colando-se tudo isso na comida da pessoa cujo
amor se deseja conseguir. (LELAND, 1962, p.153)
Do mesmo tipo, existe outra poção, preparada da seguinte maneira:
Na noite de São João, pega-se uma rã verde, colocando-a num
receptáculo de barro fechado, cheio de pequenos buracos. Em
seguida esse receptáculo deverá ser colocado num
formigueiro. As formigas comerão a rã deixando o esqueleto,
que será transformado em pó e misturado com o sangue de um
morcego e asas de mariposas secas. Essa mistura deve ser
colocada secretamente na comida da pessoa a ser encantada.
(LELAND, 1962, p.154)
O autor explica que esses encantamentos “abomináveis” são do
conhecimento de muitas feiticeiras que não são ciganas. Eles podem ser
encontrados também entre mulheres européias e práticas africanas, bem
como em toda a parte do mundo. Além dessas poções, o autor relata que
existiam filtros para colocar em bebidas cujas qualidades mágicas estavam
ligadas ao uso de plantas como limeiras, tílias e videiras, cujas folhas
deveriam ser fervidas e depois deixadas no sereno para que fossem
misturadas com gotas de orvalho (LELAND, 1962, p.177)
Para adivinhar o futuro de uma relação amorosa, existia uma maneira
simples e eficaz. Bastava cortar uma maçã em duas partes com uma faca
afiada. Se nenhuma semente fosse partida o romance teria sucesso. Porém
se as sementes fossem cortadas alguém teria o coração partido (LELAND,
1962, p.179).
47
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
48
Segundo o autor da obra Magia Cigana a feitiçaria sempre esteve
associada aos ciganos e aos poderes mágicos que esses povos receberam
dos seus ancestrais mais longínquos. Desde a antiguidade os povos ciganos
existiram como possuidores do poderes desconhecidos, conhecimentos
secretos e fórmulas mágicas. Aliando-se esses requisitos ao comércio
indiscriminado de encantamentos, adivinhações, quiromancia e poções de
amor, eles tornaram-se pessoas perigosas para aqueles que com eles
convivessem.
O desconhecimento sobre suas práticas e o receio de serem vítimas
das caravanas de ciganos fez com que esses povos fossem marginalizados
e perseguidos em vários lugares, durante os mais diversos períodos da
história.
Apenas a partir dos estudos promovidos pela antropologia e pela
etnologia, a partir do século XIX, foram
primeiras pesquisas sobre
registradas e publicadas as
as origens, as crenças, os costumes e as
práticas desses povos, até então temidos como ladrões de cavalos, raptores
de crianças, bruxos, feiticeiros, “encantadores de olhos brilhantes e frios
como a lua” (LELAND, 1962, p.33).
O presente artigo construído a partir de leitura da obra de Leland,
deixa claro que ainda são necessárias nova investidas para que se
compreenda a ciganologia. Este trabalho é apenas um indicativo de quantos
caminhos existem para o surgimento de pesquisas sobre esse tema tão
abrangente. É mister que se diga que o comércio da magia cigana tinha
várias características, porém como os povos ciganos eram nômades e
viviam em acampamentos, sem propriedade particular, sua ciência mágicoreligiosa era mais do que qualquer coisa, um meio de sobrevivência.
No que diz respeito ao modo como Leland registrou em seu livro as
práticas desse povo, com conjurações e orações, filtro e poções, sortilégios
e adivinhações, evidencia-se que a obra feita despretensiosamente em
1891, contem um farto material que serve como fonte de pesquisas para
todos os interessados em conhecer os costumes e a flexibilidade do
cotidiano dos ciganos.
O conhecimento sobre os povos ciganos é de grande valor para a
cultura popular e compreender o significado de suas práticas é fundamental
para a preservação de sua memória. Baçan, entende sua importância
baseado na premissa que em todos os lugares do mundo , nas mais
diversas épocas eles foram
ou têm sido os adivinhos, andarilhos e
aventureiros que preservam essa forma de magia religiosa popular que
permanece envolta em estranhamento e marginalização acadêmica e
social.
O desafio apena começou. Ainda estamos longe de compreender a
importância dos povos ciganos e suas contribuições para a história cultural
da humanidade.
REFERÊNCIAS
LELAND,Charles Godfrey. Magia Cigana: Encantamentos, Ervas
Mágicas e Adivinhação. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil ,1962.
SILVER, Margery. Introdução. In. Magia Cigana: Encantamentos,
Ervas Mágicas e Adivinhação. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil ,1962.
BAÇAN, L. P. Ciganos, Os filhos do vento. São Paulo: Ed. A casa
do Mago das Letras, 1999.
49
JOGOS DE LINGUAGEM: TREINAMENTO, MAQUINARIA E FORMAS DE
VIDA
Carlos de Jesus Lima
Acadêmico do 1º período do curso de Ciências Sociais –– Faculdade
Guarapuava
RESUMO: Os signos nestas paginas aqui organizados, tem como objetivo
apresentar a noção de Jogos de Linguagem do filosofo Wittgenstein como
formas de vida, parte dos mundos da linguagem – buscando entender como a
linguagem funciona – sua maquinaria. Para tal recorreu-se principalmente a
primeira parte da obra Investigações Filosóficas que pertencem ao segundo
período filosófico do autor, tendo ele já superado a concepção de “formas
lógicas” pertencente ao primeiro período no Tractatus Lógicus
Philosóphicus. Considerando um fenômeno qualquer, não devemos tentar
descrevê-lo de maneira pré-conceituosa partindo de uma possível fôrma,
pronta, acabada, como se tudo já houvesse sido explicado e tabelado de modo
que ao consultar uma dada tabela teríamos todas as respostas. Alem disso um
princípio explicativo, um fundamento, sendo universal e o único valido para
toda e qualquer situação só poderia estar fora do mundo e isto se deve pela
necessidade (solipsista) de comandar tudo, existir no todo, durar tudo, ser o
todo, funcionar tudo – saber tudo – tornando impossível haver neste mundo um
só espanto na consciência, pois no todo ocorreriam os fenômenos exatamente
na medida em que todas as gentes antecipadamente os saberiam. Na verdade
só haveria ELE.
PALAVRAS-CHAVE: Jogo. Linguagem. Função. Filosofia.Educação.
Introdução
Como ocorre a transmissão do saber? É possível haver uma paridade
intersubjetiva e compreensiva num mesmo discurso – não seria o caso de
seguido e seguidor? Como se representa à consciência o fenômeno da
linguagem enquanto forma de vida? – foi esta a problemática que serviu de
guia ate então à pesquisa que se deu em referencia à noção de jogos de
linguagem do filósofo Wittgenstein.
No inicio buscou-se (pelas leituras) entender o processo de se transmitir
uma palavra sem o uso da vocalização – linguagem de sinais, por exemplo –
coisa que se tornou supérflua pela complexidade da problemática tratada e
abrangências das considerações do autor pesquisado. Porem não tenho
duvidas que algumas das questões postas de lado devido a maneira de
tratamento textual pelo qual se dera tal pesquisa, não deixaram de ser
esclarecidas, a saber, referente ao aprendizado de uma palavra avançamos
50
muito mesmo que tenha sido numa perspectiva do funcionamento da
linguagem de modo geral.
A pesquisa se desenvolveu via analise bibliográfica e partiu da leitura da
primeira parte de Investigações Filosóficas na medida em que trata da noção
de jogos de linguagem e seguiu-se daí como base de todas as demais leituras.
Num primeiro momento se trata nesta pesquisa e de maneira
introdutória, os temas que nortearam a pesquisa no todo. Os temas tratados –
palavra, língua e linguagem – seguem buscando apresentar-se no que houve
de mais claro e simples possível, afim de que, a partir de então se possa
considerar o conteúdo principal reconhecendo inclusive os limites de
tratamento dos mesmos.
Num segundo momento que então serão apresentados os limites
reconhecidos pelo filósofo no livro Tractatus Lógicus-Philosóphicus – formas
lógicas – seguindo os passo dos escritos dele para que se possa compreender
em referencia a isto o que se tornara possível de concluir sobre os jogos de
linguagem frente a problemática em questão – principalmente a saber, como
ocorre a compreensão?.
Nos terceiro e quarto momentos busca-se introduzir o tema em sua
especificidade relativa aos textos de Wittgenstein que serviram de base à
pesquisa.
Enfim, será apresentada a noção de jogos de linguagem a confrontar de
maneira conclusiva (e dentro do possível), ao exposto anteriormente, seja no
objetivo de compreender a evolução de outras noções por vez apresentadas,
seja na conclusão e clareza dos temas e possível solução/resposta à temática.
1. Sobre Wittgenstein
Ludwig Wittgenstein (26 de Abril de 1889 – 29 de Abril de 1951), filósofo
austríaco considerado um dos maiores filósofos do séc. XX, senão o maior. Foi
aluno de Bertrand Russel, que certa vez admitiu ter em sua classe um aluno
tão estranho que não se podia dizer se era gênio ou apenas mais um
excêntrico. Um estranho aluno, que certa vez interpelou seu professor de uma
dada maneira que não se encontrou saída – a questão era: “o senhor poderia
51
me fazer a fineza de responder se sou ou não demasiado idiota?”... Sendo
idiota direcionaria seus esforços à aeronáutica e se não, tornar-se-ia filósofo.
Russel então pediu que o estranho aluno escrevesse sobre qualquer coisa da
filosofia. E quando Wittgenstein entregou a Russel seu escrito, não se teve
mais duvida – ali estava um gênio e futuro filósofo.
Wittgenstein é sem duvida um ícone na filosofia da linguagem. Entre
seus trabalhos temos o: Tractatus Lógicus-Philosóphicus, sua primeira grande
obra apresentada inclusive como tese de doutorado. O Tractatus é o livro em
que se apresenta a primeira fase do pensamento do filosofo em cuja pretensão
se tinha dar por finalizados quaisquer problemas da filosofia (problemas da
linguagem) – e se filosofar é pensar sobre aquilo que pode ser dito,
considerando que os problemas são sempre problemas de linguagem, então,
resolvendo os da linguagem, acabar-se iam todos aqueles da filosofia. Foi um
grandioso e impar trabalho em conteúdo e forma de expressão – talvez o livro
mais bem escrito (em termos lógicos) ate hoje. Aspirou-se a perfeição do
discurso filosófico ao tocar os limites daquela linguagem (lógica). Foi em seu
primeiro grande trabalho que Wittgenstein apresentou suas idéias associadas a
noção de forma lógica e tendo resolvido os problemas pretendidos, logo depois
teria o filosofo inclusive abandonado a carreira universitária – pois não havia
mais por que filosofar8. Ate que um amigo fez um gesto com a mão e como se
deixasse
um
vazio
como
o
que
deixei
aqui e lhe perguntasse “qual é a forma lógica disto?” – a partir daí dá-se a
segunda
fase
de
seu
pensamento,
exposto
principalmente
na
obra
Investigações Filosóficas que ele mesmo chegou a organizar para edição –
mas que só veio a ser lançado postumamente. Alias, o único livro entregue à
edição enquanto ele ainda estava vivo foi o Tractatus. É nas Investigações
Filosóficas que observaremos como o próprio autor ressaltaria, as reflexões
que o acompanharam pelos últimos dezesseis anos de sua vida – é onde
encontramos a definição de Jogos de Linguagem na medida em que se tem
uma superação das formas lógicas expostas no seu Tractatus.
8
Não se deve aqui considerar que uma obra como o Tractatus tenha substituído o valor da atividade que é
filosofar – não é este o sentido a que se propõe o livro, ainda que se tenha lá a resposta para tudo que se
pretendia o trabalho.
52
Uma vez que abandonara a perspectiva logicista do Tracatactus o livro
Investigações Filosóficas é escrito de uma forma bem diferente. Neste ultimo o
filosofo não tem aquela postura de estrutura prefixada logicamente, isto é, na
medida em que o lemos temos a impressão de as idéias virem surgindo a partir
daquilo que ele mesmo via e lembrava ao escrever e observar o já escrito e
conjuntamente ao novo mesmo pensado a partir do velho – num ziguezaguear
que construía o próprio discurso ao crescer a partir de si, alimentando-se e
transmudando-se em cada cifra acrescentada. E quando por vezes retoma um
assunto, este já é novo, mais rico e ligado a um conteúdo ainda maior, já olha
de outro ponto e o vê diferente – uma sucessão de presentes que no
instante/agora podem nos dar uma nova lembrança daquilo que passou e
quando o relatamos também construímos, organizamos, etc.
2. Palavra, língua e linguagem
Tendo em mente que o problema – compreender um dado saber
transmitido pelo treinamento... – refere-se à compreensão do que se dá no
confronto entre o transmitir e o receber de uma idéia. Segue-se com relação ao
seguinte pensamento:
Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se
voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto
fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles
queriam indicá-lo. (AGOSTINHO, apud Wittgenstein, 1999, § 1,
p.27).
Indubitavelmente é deste modo que as pessoas em geral compreendem
o processo de transmissão de um dado saber. Pensemos no caso de nos
perguntarem: como sabemos que caneta (isto é, a palavra caneta, que faz
referencia a um dado objeto presente em uma de nossas mãos), é caneta?
Com isto tem-se, e é estabelecida uma idéia sobre os objetos, que seria
transmitida através de um sistema sonoro da linguagem, no qual os numerais,
as letras, não passariam de representações formais sobre os mais diversos
assuntos a serem (como referencia à ordem sonora de apreender os seres)
documentados.
53
54
Mas deduzi isto dos seus gestos, a linguagem natural de todos
os povos, e da linguagem que, por meio de mímica e dos jogos
com os olhos, por meio dos movimentos dos membros e do som
da voz, indica as sensações da alma, quando esta deseja algo,
ou se detem, ou recusa ou foge. Assim, aprendi pouco a pouco a
compreender quais coisas eram designadas pelas palavras que
eu ouvia pronunciar repetidamente nos seus lugares
determinados em frases. E quando habituara minha boca a
esses signos, dava expressão aos meus desejos (Idem).
Temos aqui, talvez a mais simples e objetiva idéia da linguagem como
um todo9. Posto deste modo evidencia-se a relação que há entre objeto
pensado/conhecido e o ser pensante, uma vez que este ultimo se detém frente
a um outro sujeito para ensiná-lo ou aprender com ele. Está posto o apreender
de uma idéia não apenas através da palavra falada, mas também se
compreende que há vários modos de se apresentar uma mesma palavra: com
raiva; com calma; etc. A tonalidade da voz pode mudar mudando também o
seu significado apreendido, sentido, lembrado. E quanto à voz, acrescentamos
também um gesto de adeus, por exemplo, um riso, uma cara de tristeza ou
qualquer outro gesto, seja de mãos ou com os pés talvez – quando tapamos a
boca logo após ter dito algo, dizemos algo que não se ouviu. Deste modo
transportamos a palavra e a própria linguagem a um nível imagético, isto é,
enquanto aprendizagem fazemos pôr um objeto em movimento, uma imagem
em ação, chamamos pela imaginação.
Segundo Agostinho “As imagens são originadas por coisas corpóreas e
por meio das sensações: estas, uma vez recebidas, podem ser facilmente
lembradas, distinguidas, multiplicadas, reduzidas, ampliadas, organizadas,
invertidas, recompostas do modo que mais agrade ao pensamento” (apud,
ABBAGNANO, p. 538). E com isto uma vez que compreendemos o conceito de
imagem como “Representação mental que retrata um objeto externo percebido
pelos sentidos” (JAPIASSÚ, p.143), pois bem, chegando a este ponto, faz-se
necessário distinguir ainda que brevemente os termos: palavra, língua e
linguagem.
9
Alusão feita afinal, em concordância com a postura de Wittgenstein, p. 27.

Palavra: segundo Silveira Bueno (p. 458), é tida como som articulado, com
significação; fala; faculdade de expressão pela voz, etc. Em ABBAGNANO
(P. 740- 741) aparecem dois modos de compreendê-la: um em que o
falante utiliza o código da língua para exprimir uma idéia, e outro cujo
mecanismo psicológico é que lhe permite exteriorizar a idéia – que em
ambos os modos é expressa através de combinações. Ao que parece, a
partir destes aspectos da palavra, consideramo-la um ato individual. Mas
em certo sentido, encontramos (in ABBAGNANO, Idem), uma ambigüidade,
em que a palavra aparece sempre como evento novo ou como ocorrência
sempre da mesma. Temos em um livro o caso de milhares de palavras ao
passo que há também a ocorrência de uma mesma palavra entre tantas em
diversos pontos do mesmo livro – o que talvez devêssemos considerar:
signo e símbolo10.

Língua: segundo S. BUENO, é o “Órgão muscular situado na cavidade
bucal, cuja parede inferior esta presa pela base, e que serve para
degustação, para deglutição e para a fala; idioma; nome de vários objetos
que tem semelhança com o órgão bucal” (BUENO, p. 378), entre outros.
Tomemos para esta discussão o sentido referente à fala, isto é, o idioma.
Para isto, língua é “conjunto dos costumes lingüísticos que permite a um
sujeito
compreender e fazer-se
compreender” (SAUSSURRE
apud
ABBAGNANO, p. 615). Temos aqui tanto a idéia de um sistema/estrutura,
quanto de uma “massa falante”, uma realidade social11.

Linguagem: para BUENO, linguagem é “Utilização dos elementos de uma
língua como meio de comunicação (...) de acordo com cada um, sem
preocupação estética; qualquer meio de exprimir o que se sente ou pensa;
estilo” (p. 378). Tomemos para tanto e em sentido genérico, “o uso de
signos intersubjetivos, que são os que possibilitam a comunicação”
(ABBAGNANO, p. 615).
10
Signo – objeto que é um outro por significado, isto é, a qualidade referencial de um objeto (ex:
sagitário, mapa-múndi, “palavra”).
Símbolo – do grego é aquele que une. É um objeto que qualitativamente representa outro
sem deixar de ser ele mesmo (ex: bandeira, mapa, letra).
11
A partir de ABBAGNANO (p. 615), por vezes parafraseando.
55
56
Tendo discriminado cada um dos termos, a saber: palavra, língua e
linguagem –, eis que nos assalta a questão proposta desde o inicio deste
trabalho: como se dá o processo de aprendizagem de uma palavra – como
ocorre a transmissão do saber? É possível haver uma paridade compreensiva
e intersubjetiva num mesmo discurso – não seria o caso de seguido e
seguidor? Como se representa à consciência o fenômeno da linguagem
enquanto modo de vida?
Para tal, recorro ao termo jogo de linguagem proposto pelo filosofo
Wittgenstein, buscando encontrar um fundamento12, isto é, como se da o
funcionamento indubitável do fenômeno Jogo enquanto modo de vida – sendo
o modo de vida todo aquele fenômeno em que é possível a relação de sujeitos
e objetos como parte de um mundo organizado – como linguagem.
3. Formas lógicas
No Tractatus Lógicus-Philosóphicus Wittgenstein nos brinda com o
§4.1212 em que se diz: “O que pode ser mostrado não pode ser dito”. Ora, o
filósofo expôs concomitante ao supracitado, a noção de forma lógica que num
segundo período veio a abandonar, ou melhor, superar. É por isso que para
compreendermos os jogos de linguagem nas Investigações, faz-se necessário
considerá-los em relação ao exposto no Tractatus – a superação da forma
lógica talvez se de pelo esclarecimento de seus próprios limites desta ate o
ponto de o desenvolvimento fazer surgir os jogos.
Wittgenstein escreve o seu Tratado Lógico-filosófico envolto numa
espécie de atmosfera poético-mística. Considera a Filosofia como aquela
“terapia” responsável por esclarecer os limites da linguagem. Assim, a Filosofia
teria o caráter de terapia que ao ser feita como se ao subir de uma escada –
sobre os desafios da linguagem –, superar-se-iam os problemas filosóficos e só
nos restaria ao final, abandoná-la. Talvez tenha sido esta a postura do filosofo,
a de abandonar seu Tractatus, a sua terapia.
12
Não há em Wittgenstein um fundamento em sentido metafísico da linguagem – limita-se, portanto, a
compreender como a linguagem funciona.
Como é afirmado naquele tratado, se tudo aquilo que pode ser mostrado
não pode ser dito, significa que o mundo descrito é uma representação da
realidade, mas não pode ser ela. No entanto, para representar algo é sabido
pelo Tractatus, que se necessita possuir a forma lógica daquilo que se
representa forma esta que não pode ser dita, mas apenas mostrada, isto é,
quando digo “este cão!”, faço ver o cão que não pode ser dito quando o
represento. Disto se conclui que a forma lógica é uma necessidade para que o
mundo possa ser representado – comum ao mundo e também à representação
do mundo – ao passo que o representado possa ser algo de sentido.
Enunciemos o Tractatus Lógicus-Philosóphicus no seu ponto inicial com
o intento de explanar os sentidos do discurso do autor para com o conteúdo de
tudo aquilo que foi dito a partir de então (1968 p.55)13:
1 O mundo é tudo o que ocorre.
1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.
1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir
em todos os fatos.
1.12 A totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e
também tudo que não ocorre.
1.13 Os fatos, no espaço lógico, são o mundo.
1.2 O mundo se resolve em fatos.
1.21 Algo pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto
permanecer na mesma.
Deveríamos tomar a linguagem como uma casa de vidro através dos
quais acessamos a realidade. Assim o nosso mundo é o mundo real
representado e desse modo conhecido. O mundo é, portanto aquele mesmo da
realidade e não pode ser outro. Sendo deste modo, devemos considerar que a
realidade consiste em tudo aquilo que representamos e mais, é também aquilo
que ignoramos. E nós ignoramos muitos fatos, pois o mundo não depende de
um sujeito – ele é dependente sim de uma corrente de fatos – onde um
determinado fato é um anelo.
13
Segue-se a versão do texto “publicado em 1921 na revista de Oatwald Annalen der Naturphilesephie”
57
Quando se diz ser o fato um composto de objetos reunidos, poderíamos
afirmar que o mundo é a totalidade dos objetos que existem. Neste caso
porem, não se pode afirmar nada de um objeto em particular, pois sem o fato
nada há - um cão só pode ser no mundo na medida em que é composto, mas
aquilo que subsiste (componente essencial) no cão não pode ser representado.
Observando um cão, não o podemos conhecer sem um dado lugar –
anelo do mundo – ao qual o cão pertence. Este cão não é uma coisa, mas um
fato que esta no mundo e isto faz denotar sua existência para nós/outros.
Consideramos então que uma representação é factual, ou seja, representa
aquilo que ocorre, é o mundo. Devemos compreender que é o mundo, pois
seguindo os passos de Wittgenstein compreendemos que, uma rede é uma
rede mesmo que mostremos apenas um pedaço dela. Assim é o mundo, sua
totalidade.
Compreender o que é o mundo seria um dado totalmente estranho se
nos representássemos outros fatos que não o próprio mundo na medida certa
de sua existência. Para tanto se compreende a necessidade lógica como
espelhamento concomitante tanto ao mundo quanto à linguagem – o que é na
linguagem é também no mundo. A certa medida da ocorrência de algo assim
pertence também à ordem pela qual dizemos aquilo que ocorre. A isto
chamemos de: forma lógica dos fatos (no mundo e na linguagem)14.
Segundo Wittgenstein a lógica não pode ser representada, pois se
tentássemos teríamos de sair dela levando-a conosco. Levaríamos “tal!” para
que pudéssemos observar “tal!” de fora e por “tal!” logicamente se
compreenderia como pode ser representado aquilo que nesta frase aparece
como logicamente. Tal empreitada revelou-se logicamente impossível porque
nem sequer será possível representar a lógica que faz representar algum fato
com um signo como este “1+1+1=3 logicamente”, isto só é possível de ser
representado pela existência factual de uma forma lógica. Assim, um fato é
sempre lógico, isto é, tem uma forma lógica e, portanto aquilo que digo do fato
é logicamente referente ao mesmo fato – no §4.12: “A proposição pode
representar a realidade inteira, não pode, porém, representar o que ela deve ter
14
Faz-se notar por vezes “aquele” perigo – mundo/linguagem; linguagem/mundo – em distinguir aquilo
que tomamos como mundo do que consideramos enquanto linguagem.
58
em comum com a realidade para poder representá-la — a forma lógica” (1968,
p.77).
Retomando aquilo que chamamos noutra instancia de casa de vidro e
através da qual percebemos o mundo, consideremos que para tanto, podemos
imaginar vidros sujos ou limpos pelos quais são enxergados os mesmos fatos
ditos “reais”. Ora, não vemos num fato aquilo que não existe – vemos o fato
como real a partir da realidade – e disto se compreende que ao dizermos o
falso estamos por representar o real, isto é, aquele “vidro” carregado de sujeira
é o que me faz dizê-lo.
Eis que se apresenta frente aos problemas de verdade, o caráter da Filosofia.
Esta tem o objetivo de esclarecer os problemas que não a constituem, a saber,
os problemas da linguagem, isto é, a sujeira do vidro pelo qual vemos o mundo
tal qual ocorre. Como terapia a Filosofia vem pelo esclarecimento dar à
linguagem a superação de seus problemas – conquistado seu objetivo, a
filosofia deixa de atuar. Talvez como uma balsa depois que a usamos para
atravessar um rio que abandonamo-la, não a carregamos por terra firme e
menos ainda como peso em nossas costas. Consideremos para isto, que a
Filosofia é “a” nobre atividade terapêutica – ressaltemos a atividade, pois é isto
o que se pode ser dito da Filosofia: filosofar é pensar sobre aquilo que pode ser
dito – filosofar é revelar e compreender os limites da linguagem. “A finalidade
da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos” (1968, p. 76). Alem do
mais, “A filosofia não é teoria mas atividade” (idem).
Ludwig Wittgenstein (in 1968,) começa seu livro com a frase “O mundo é
tudo o que ocorre”(p.55) e conclui dizendo que, “O que não se pode falar, devese calar” (p.129).
Quanto às suas primeiras idéias brevemente apresentadas neste
trabalho através de uma leitura do Tractatus em que o filosofo resolve os
problemas a que se propôs o trabalho, a saber, que os problemas filosóficos
não existem, são problemas de linguagem. Tendo delimitado o campo da
linguagem não será mais necessário usar uma escada que outrora nos fez
compreender e superar as dificuldades da linguagem – em §4.1212 se
evidencia “O que pode ser mostrado não pode ser dito” (1968, p. 78). Se em
relação à noção de forma lógica nos resta dizer o que pode ser dito e mostrar o
que pode ser mostrado – tem-se aqui delimitado a nossa ação posterior ao
59
filosofar – cabe, no entanto considerar a totalidade do que ocorre como o
mundo. E, como no §7 “o que não pode ser dito, deve-se calar”.
4. Do treinamento
Na primeira parte de Investigações Filosóficas, o filósofo anuncia que o
ponto de vista de Agostinho citado anteriormente no inicio deste trabalho,
parece revelar uma imagem da essência da linguagem humana, a saber:
(...) as palavras da linguagem denominam objetos – frases são
ligações de tais denominações. – nesta imagem encontramos as
raízes da idéia: cada palavra tem uma significação. Esta
significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra
substitui. (1999, §1 p.27)
Segundo Wittgenstein, se Agostinho estiver certo, a linguagem na qual
falar o nome de um objeto indicado em certas condições – para um sujeito que
por isso aprende a idéia (p.28) –, é treinamento. E deste modo “quem ensina
mostra os objetos” (§6, p.29), caso em que um professor não explica, apenas
conduz. Ele fala o nome e o aluno repete. Assim se ensina e assim se aprende.
Mas este treinamento ou aquilo que representamos como sendo ele, não é o
suficiente para explicar como uma palavra (signo) passa a ser (significar) este
ou aquele objeto, ainda que consintamos à ação de nomear em analogia
àquela de pôr etiquetas num objeto para dizer alguma coisa – como se colada
numa caixa de laranjas uma etiqueta mostrasse letras organizadas da seguinte
forma: “laranja”, sem as aspas talvez. Isto levaria a quem lê tal palavra
(“laranja”), a informação de que ali tem laranjas. Mas, somente se a pessoa
treinou aquele trajeto, isto é, se aquele leitor esta seguindo pelas
determinações de uma etiqueta que aprendeu pelo treinamento. Deve
considerar os limites de treino necessários para uma pessoa poder ler
(“laranja”) e saber que se ali houvesse as letras “limões”, ele saberia pela
etiqueta aquilo que com isso se espera ter na caixa.
Observamos que para tanto, cada objeto apreendido se daria pelo
treinamento. E para de fato ler este texto ou aqueles outros tão comuns em
nosso cotidiano, alem de tantos – de matemática, biologia, psicologia,
60
geografia – como é possível ler? Quanto de treinamento tem de ser feito? E
como se daria a transmissão de um dado saber senão por treinamento?
O treinamento por si só não consegue nos representar satisfatoriamente
o processo de significação que se apreende com ele. Isto fica claro em nossas
experiências na medida em que descobrimos pelo jornal, algo de novo, uma
informação nova. Mas, se por acaso não existir coisa alguma a ser conhecido e
sim treinado, talvez estejamos considerando erroneamente a transmissão de
uma mensagem – como passagem de uma coisa a outra ou do
condicionamento daquilo que já esta ali – via treinamento. Não podemos negar
ao treinamento a importância que lhe cabe nem tomá-lo constituído pelo que
não lhe é próprio.
Se ao seguir o filósofo temos de considerar que “O ensino da linguagem
não é aqui nenhuma explicação, mas sim um treinamento” (§5, p.29) –
sabemos agora que no treinamento a fim de apreendermos uma linguagem,
junto nos toca um algo a mais.
O treinamento enfim, já é segundo Wittgenstein, uma linguagem –
linguagem primitiva, em que A mostra a B um tijolo e ao mesmo tempo grita
“tijolo!” até que B através de erros e acertos traga até A o objeto nomeado e
seja por isso recompensado. B aprendeu, isto é, B foi treinado15.
5. Da maquinaria
Se não há possibilidade de compreensão daquilo que (foi treinado), esta
sendo dito ou demonstrado, isto significa que não há uma linguagem sequer,
nem mesmo primitiva. Faz-se necessário lembrar em que consiste a
linguagem, seja ela primitiva ou não. Pois bem, a linguagem é o uso de signos
pelo qual se compreende e se faz compreender algo. Devemos entender,
portanto, como se da uma compreensão – o treinamento por si só não da conta
de fazer compreender.
Devemos pensar em analogia ao processo de leitura. Quando
exatamente podemos afirmar que alguém lê, é quando este possui uma
linguagem, que domina alguns signos, palavras – a leitura limita-se à extensão
15
Treinamento = uma manifestação da linguagem que nos toca com algo a mais; treinar = ensinar; falta a
compreensão;
61
de domínio de signos pelo leitor. Bem, se considerarmos que ao ler segue-se
uma tabela, o treinamento nos pos a firme tal tabela, sem a qual não podemos
entender o que esta diante de nossos olhos. O fato é que uma tabela tem
apenas modelos ordenados (A, B, C,...) de certa maneira – se eu buscar nessa
tabela o modelo deste texto, não o encontrarei – sem um modelo
conseqüentemente eu nem sequer poderia tê-lo escrito. Na memória tenho
elementos que compõem o texto, não o texto modelo – lembremos que
Wittgenstein vai para alem dos limites daquilo que afirmara no Tractatus, isto é,
da forma lógica.
Seguindo
adiante,
pensemos
agora
nas
formulas
matemáticas.
Podemos aprendê-las por treinamento. Mesmo assim há nas fórmulas algo a
mais que o exposto nas tabelas – nem todos os resultados, nem todas as
combinações estão na memória, isto é, naquela tabela (ex. 2+192837465=... –
você não procura numa tabela – isto nos remete a idéia de calculo). Então
quando assimilamos uma formula – nas Investigações – junto
desta
assimilamos seu funcionamento:
(...) – devo dizer que efetiva a compreensão da palavra? Não
compreende a ordem “lajota!” aquele que age de acordo com
ela? Isto ajudou certamente a produzir o ensino ostensivo; mas
na verdade apenas com uma lição determinada. Com uma outra
lição, o mesmo ensino ostensivo dessas palavras teria efetivado
uma compreensão completamente diferente.
“Ligando a barra com a alavanca, faço funcionar o freio.” – Sim,
dado todo o mecanismo restante. Apenas com este, é alavanca
de freio; e, separado do seu apoio, nunca é alavanca, mas pode
ser qualquer coisa ou nada. (1999, §6, p. 29)
Pois se consideramos uma linguagem qualquer como uso de signos,
aquilo pelo qual isto se apreendeu chamar-se-á também de linguagem. Não.
Aqui Wittgenstein não pergunta qual é a essência da linguagem, mas como ela
funciona. Funcionar parece demasiado aproximar-se da idéia de pôr algo em
movimento, movimentar, etc. Assim, uma coisa que move sempre é movida por
outra como numa roda d’água.
Se observarmos uma roda qualquer, perceberemos que ela só pode ser
uma roda fora do mundo. Quando olhamos para uma roda no mundo, no
entanto ela é uma peça de maquina que só funciona ao fazer parte. Uma roda
qualquer é totalmente inútil. Uma roda é constituinte de um mecanismo e útil na
62
medida em que a maquina funciona – é sem duvida deste modo que sabemos
o que é aquele ou este objeto, isto é, sei onde se encontra, conheço seu
espaço e seus limites de encontro às demais peças. Assim um pneu é aquilo
que é ao servir de pneu, pois se um pneu estivesse sempre apto a correr e
morder todos os gatos que miaram durante noite quando pronuncio “pega!”, o
pneu seria isto e não aquilo, etc.
Segundo nosso autor, portanto, sempre que uma pessoa apreende o
significado de um signo qualquer é por que levamos a ele a representação de
um contexto e como parte deste um objeto que indicamos. Assim, quando A
gritou “tijolo!” certamente havia ali pelo menos um tijolo entre vários objetos
dispostos em um dado espaço – momento este em que B aprendeu – em
dadas condições ao ser recompensado negativamente pelos erros e
positivamente pelos acertos – não só o que se desejava com aquele grito, mas
também que os demais objetos ali dispostos não eram desejados por “tijolo!”.
Lembremos
agora
daquela
formula
matemática,
a
saber,
“2+192837465=...”. Considerando o parágrafo anterior temos em concordância
com nosso autor que poderíamos ensinar alguém o numero dois se de acordo
com as condições lhe apresentássemos, por exemplo, duas pedras e em
seguida pronunciássemos a palavra “dois!” – bem, nosso aluno intui pelas
condições ali apresentadas o significado da palavra em relação à quantidade
determinada pelo exercício e treinamento ali feito. Mas como ocorreu esta
intuição? O que é realmente que produz a compreensão da quantidade?
6. Formas de vida
Ainda na primeira parte das Investigações Filosóficas temos a noção de
Jogos de Linguagem que esta explanada do seguinte modo:
Podemos imaginar também que todo o processo de uso de
palavras em (216) seja um dos jogos por meio dos quais as
crianças aprendem sua língua materna. Quero chamar esses
Jogos de “jogos de linguagem”, e falar de uma linguagem
primitiva às vezes como de um jogo de linguagem.E poder-se-ia
chamar também de jogos de linguagem os processos de
16
parágrafo 2
63
denominação das pedras e de repetição da palavra pronunciada.
Pense em certo uso que se faz das palavras em brincadeiras de
roda.Chamarei de “jogo de linguagem” também a totalidade
formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem
entrelaçada. (1999, §7, p. 30)
O jogo de linguagem nos remete a uma noção bem mais abrangente que
aquela das formas lógicas proposta no Tractatus. E assim se segue nas
Investigações:
(...) – há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies
diferentes de empregos do que denominamos “signos”,
“palavras”, “frases”. E essa variedade não é algo fixo, dado de
uma vez por todas; mas, podemos dizer, novos tipos de
linguagem; novos jogos de linguagem surgem, outros, outros
envelhecem e são esquecidos. (As mutações da matemática nos
podem dar uma imagem aproximativa disso.) A expressão “jogo
de linguagem” deve aqui salientar que falar uma língua é parte
de uma atividade ou de uma forma de vida. (1999, §23, p.35)
Com a noção de formas lógicas o filósofo demonstrou no Tractatus a
maquinaria da linguagem como uma corrente composta de anelos que são os
fatos do mundo ao qual se representa na linguagem. Considera que a forma
lógica não pode ser representada, mas toda representação tem uma forma – o
quadrado tem sua forma especifica que não é senão a forma de um quadrado.
Portanto, é inútil perguntarmos pela forma da forma – esta forma lógica nos da
as condições necessárias para que possamos dizer ou mostrar algo na medida
em que ocorre – e aquilo que não pode ser nem dito nem mostrado esta fora
do mundo como a própria lógica e que por isso, sendo transcendental não tem
forma, é formal, é ideal. Assim é delimitado o campo da linguagem.
Frente a isto é que Wittgenstein passa a investigar como seria possível
representar uma manifestação de dor, ou seja, passa a questionar se existe ou
não a forma lógica de fenômenos como a dor – se a resposta fosse afirmativa a
dor poderia então ser dita ou mostrada – mas este não é o caso. Pois bem, não
se pode representar a dor. Seria ela transcendental? Ideal? Uma forma que,
portanto não pertence ao mundo, isto é, não ocorre no mundo, mas enquanto
forma reconhecemo-la nas condições lógicas necessárias para que a
expressemos?
O problema que se anuncia foi uma das principais influencias nos
trabalhos posteriores ao Tractatus, tanto que consideramos em referencia a tal
64
problematica a distinção entre um primeiro e um segundo Wittgenstein – o
primeiro é o das formas lógicas como fundamento da linguagem; o segundo é o
dos jogos de linguagem como forma de vida do mundo ou da própria
linguagem, isto é, como ela funciona.
A noção de jogo referente à linguagem tem para Wittgenstein o sentido
de que uma expressão carrega algo a mais que sua forma, pois alem de dizer
algo, uma expressão é carregada de um querer dizer. E, quando mostramos
algo, no ato de mostrar há também um querer mostrar que se expressa junto a
forma de expressão. Assim a forma de um fato por si só não condiciona o que
me é dito ou mostrado numa expressão. Há algo que não está especificamente
dado numa expressão.
Para que possamos compreender o jogo de linguagem Wittgenstein se
refere à noção geral de jogo, onde não se tem nunca todos os limites – a
palavra pode ser esta ou aquela “palavra!” dependendo de um jogo seja ele
qual for, no qual ela poderá surgir dando ou recebendo um sentido.
Pensemos na seguinte frase: “esta mancha pode ser e não é uma
mancha senão as letras ‘m’, ‘a’, ‘n’, ‘c’, ‘h’, ‘a’; organizadas do seguinte modo:
‘m+a+n+c+h+a = mancha’ numa forma legível, isto é, um nome que substitui
algo que você talvez conheça”. Ela esta subordinada a regras que devem ser
seguidas, mas as regras não podem prever tudo que ocorre num jogo –, como
por exemplo, não está previsto ate quantos metros se permite que a bola suba
verticalmente em relação ao solo, pelas regras de uma partida de futebol.
Sabemos também que não se prevê um limite de força para os chutes a gol.
No §24 de Investigações Filosóficas o filosofo considera:
Quem não tem perante os olhos a multiplicidade das espécies
dos jogos de linguagem será talvez inclinado a colocar questões
como esta: “Que é uma pergunta?” – é a constatação de que
não sei tal e tal coisa, ou a constatação de meu estado de
anímico e incerteza? E o grito “socorro!” é uma tal descrição?
Pense em quantas coisas diferentes são chamadas de
“descrição”: descrição da posição de um corpo pelas suas
coordenadas; descrição de uma expressão fisionômica;
descrição de uma expressão tátil; de um estado de humor.
(1999, p.36)
65
Observando que existe uma grande multiplicidade de jogos de
linguagem reconhecemos também que estes por vezes se entrecruzam
perdendo e ganhando sentidos. E Wittgenstein por vezes toma o exemplo de
uma partida em que o jogo é o xadrez. E neste ponto temos de considerar que
ali alem de um jogo há em certo sentido vários jogos – o jogo que se pode
fazer com o cavalo é diferente daquele que se permite com a torre. E, se
pensarmos naqueles pontos nos quais e em dadas condições ocorre que uma
peça passa a substituir outra, como um peão que se torna dama, coisa bem
comum nesse tipo de jogo; ainda que uma peça torne-se outra, porem, de certo
modo ligam-se ambos entre si – jogos que compõem outros jogos e deixam de
ser aqueles ao tornar-se parte deste por fim transformam-se em outros.
O fato de as linguagens (2) e (8) consistirem apenas de
comandos não deve perturbá-lo. Se você quer dizer que elas por
isso não são completas, então pergunte-se se nossa linguagem
é completa; - se o foi antes que lhe fossem incorporados o
simbolismo químico e a notação infinitesimal, pois estes são, por
assim dizer, os subúrbios de nossa linguagem. (E com quantas
casas ou ruas, uma cidade começa a ser cidade?) Nossa
linguagem pode ser considerada como uma velha cidade: uma
rede de ruelas e praças, casas novas e velhas, e casas
construídas em diferentes épocas; e isto tudo cercado por uma
quantidade de novos subúrbios com ruas retas e regulares e
com casas uniformes. (1999, §18 p. 32)
Se nos remetermos ao que foi tomado como exemplo de fatos expressos
nas formas lógicas do mundo como uma corrente, nos jogos de linguagem não
poderíamos tomá-los apenas como anelos, pois estes de repente se tornariam
correntes extrapolando seus limites e trocando de forma – coisa logicamente
inconcebível.
Uma forma de vida, no entanto tem o caráter de expressar algo que está
privado, como a dor que por vezes desejamos expressar ao mundo ao mesmo
tempo em que se sabe permanecem sem manifestar-se alem de um “ai!” – que
não é a dor e nem podemos saber ao certo se é realmente uma manifestação
de dor, pois pode ser uma mentira, fingimento de que se sente dor. Se
analogicamente com a dor se compreende o jogo como forma de vida,
sabemos que uma expressão de sentimento não é o sentimento nem tem a
forma do que se sente. O jogo por vezes é uma peça de outro jogo que se liga
por parentesco.
66
67
Pode-se representar facilmente uma linguagem que consiste
apenas de comandos e informações durante uma batalha. – Ou
uma linguagem que consiste apenas de perguntas e de uma
expressão de afirmação e de negação. E muitas outras. – E
representar uma linguagem significa representar uma forma de
vida. (1999, §19 p.32)
Pensemos por parentesco naquelas semelhanças entre familiares: o
olho do filho parecido com o da tia e o cabelo desta com o da neta daquele. As
combinações não são rígidas, podem sempre vir a servir em outras situações
de jogo.
Quando observamos as figuras (117), (2), (3) e (418), notamos na (4) o
duplo sentido daquele desenho e a menos que nos seja mostrado em um
contexto especifico, não decidimos se o desenho é de um pato ou de um
coelho – se é os dois ou nenhum, a dificuldade é insolúvel sem o contexto. A
primeira figura, no entanto diz respeito ao modo que se pensa no Tractatus, ou
seja, dada uma forma lógica o sentido é explicito, seja ele dito ou mostrado.
Tendo em consideração os jogos de linguagem, há necessidade de um
jogo pelo qual possamos fazer em um momento considerá-lo pato e em outro
nos servir de coelho. Alem do mais o que se mostra talvez possa ser tomado
apenas como um desenho ou uma folha de papel. Assim também são as
palavras que podem surgir numa frase como “sujeito!” e ser ao mesmo tempo o
objeto e vice versa – ex: “o prego se transformou em um macaco!” ou “o prego
foi transformado pelo macaco!”.
Se lembrarmos do mundo figurado como uma rede, podemos imaginar
também como seria se considerássemos o sentimento dos peixes que nela se
debatessem. O fato é que podemos compreender um jogo porque de certo
modo também jogamos. Assim poderíamos criar uma estória ou contar uma
historia daquele pato que, imaginemos, enganava as pessoas fingindo ser
coelho. No entanto, saber que aquele coelho poderia expressar algo que só ele
sente não se pode considerar como representação de um sujeito que sente.
Isto é, podemos representar um sujeito que sente dor ao ponto de sentir o que
17
Todas as figuras aqui usadas foram produzidas por este que vos fala em relação às obras aqui citadas de
Wittgenstein e de HEATON, J., 2002;
ele sente? E isso se percebe por que não representamos coisas como a dor.
Com tais considerações podemos dizer que a dor daquelas pessoas que
encontramos diariamente não nos foi dada ao conhecimento e que jamais a
conheceremos. Assim, quando nos é sabido que alguma parte de nosso ser
dói, jamais poderemos dar a terceiros tal saber, apenas o expressamos – com
gestos, sapateio, grito, lagrima e ranger de dentes que não são as dores que
se sente – são, no entanto as formas de vida que se expressam como partes
de um mundo em jogo. E, deste modo, compreendemos a dor porque vivemola e quando alguém nos diz “sinto dor!” ou “dói aqui!” é pelo parentesco de
nossa própria dor e juntamente pelo jogo com o qual poderíamos enfim
expressa-la também – reconhecemo-nos pelos jogos e seus devidos
significados por parentescos.
Leia-se:
Como já foi dito, em certos casos, especialmente ao apontar
‘para a forma’ ou ‘para o numero’, há vivencias e maneiras de
apontar características – ‘características’ porque se remetem
frequentemente (não sempre), onde forma ou numero são ‘tidos
em mente’. Mas você conhece também uma vivencia
característica para apontar a figura de jogo, enquanto figura de
jogo? E no entanto pode-se dizer: “creio que essa figura de jogo
chama-se ‘rei’, não esse pedaço de madeira determinado
para o qual eu aponto”. (Reconhecer, desejar, recordar-se etc.)
(1999, §35, p. 40)
Pois bem, compreendemos então que se nos da alguma coisa à
compreensão, pode ser pelo parentesco que a pode tornar peça de um jogo –
parentesco pelo qual apreendemos seu uso na forma de vida, isto é, no jogo.
Não como uma peça da maquinaria em especifico, mas como um jogo em dado
contexto. A compreensão pode inclusive ser tomada no sentido de seguir uma
regra (ligar, encaixar, relacionar ao contexto aquilo que surge, aparece, é posto
ou nomeado), como no treinamento que já observamos – se eu disser “pule a
cerca!” certamente fará sentido em relação à vivencias de ouvintes e falantes e
não por si só – considere-se o sentido da figura (4) que denota grande aqui
uma grande influencia em nossa compreensão através da obra em relação ao
segundo período filosófico de Wittgenstein.
68
7. A título de conclusão
A temática afinal apresentada revela-se pouco mais que um esboço,
tamanha a tarefa em questão. O filosofo aqui apresentado tem tradicionalmente
através de suas reflexões sobre a linguagem, mobilizado vários outros
seguimentos e autores a lançarem-se na pesquisa.
Bem, a Filosofia para Wittgenstein tem o caráter de atividade, isto é, fazse necessário que contestemos o tempo todo, a postura daqueles
intelectualóides que presos aos liames da linguagem acabam por enganar-se
ante a visão da verdade – afinal não se conclui nada contra um sistema já
consolidado de dizer uma certa verdade e mesmo de filosofar – uma vez que
permanecem presos a uma reflexão dogmática de se pensar a própria filosofia.
Na visão do filosofo a Filosofia se mantém como uma terapia cujo papel
deveras, é nos libertar dos feitiços da linguagem.
Considerar a vivencia como jogo de linguagem e não apenas os signos
como peças determinadas de um jogo vêm tornar dinâmica aquela maneira de
como vemos toda a linguagem – observemos o uso dos signos num jogo como
parte de algo que o torna significado e ao compreender do jogo se dá o
significado dos seres.
Pensemos na morte, por exemplo, e no que ela significa sendo que
ainda não morremos para que pudéssemos de fato conhecê-la – o que é a
morte? – Talvez... 19
A noção de jogos de linguagem e não a forma de um dizer lógico
formatado nos traz o incomodo de sentir que ao escrever estas páginas,
alguém viveu e ao viver de certo modo aproximou-se da própria morte – porem
talvez a tendo na consciência sem nunca tê-la experimentado, sem conhecê-la
de fato. Mas foi por ter vivido que se deu tal expressão e enquanto se jogava
por nada ou por alguma coisa não se pode negar que ali esteve jogando uma
forma de vida.
ANEXOS20
19
Talvez seja necessário investigar mais a fundo a noção de morte nas investigações - não é o objetivo
porem, deste trabalho;
69
Figura (1):
Figura (2):
20
Figuras (1), (2) e (3) em relação à noção de forma lógica a fim de representar o encadeamento daquilo
que compõe um fato;
70
Figura (3):
Figura (4)21:
21
Figura que nos serve de referencia à noção de jogo de linguagem;
71
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, Tradução José Carlos
Bruni. São Paulo: Nova Cultural, 1989. – (Os pensadores)
WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logicus-Philosophicus, Tradução José
Arthur Giannotti. São Paulo: COMPANHIA EDITORA NACIONAL 2. ed, 1968. –
(Biblioteca Universitária)
HEATON, John. Wittgenstein Para Principiante, Tradução Daniela Rodrigues
Gesualdi Bueno Aires: Era Naciente/SRL. 2002. – (Documentales Ilustrados)
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4.ed. São Paulo: Martins fontes,
2003. 1014p.
BUENO, Francisco da Silveira et al. Dicionário escolar da língua portuguesa. 9.
ed. Rio de Janeiro: FENAME, 1975. 1488p.
JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo; Dicionário Básico de Filosofia. 4. ed.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 2006.
72
73
A TEORIA DA DOMINAÇÃO : IMPRESSÕES DE PAULO FREIRE SOBRE
EDUCAÇÃO E RELAÇÕES DE PODER NA AMÉRICA LATINA
GOMES, Cerize Nascimento
Coordenadora do Curso de Ciências Sociais
Faculdade Guarapuava
RESUMO: Este artigo trata sobre a atualidade do pensamento de Paulo Freire
e propõe uma releitura da obra Pedagogia do Oprimido, publicada durante seu
exílio no Chile em 1968, no contexto da Ditadura Militar. A produção aprofunda
a teoria de que a educação como território de dominação social – analisada a
partir do materialismo histórico e dialético de Karl Marx - apresenta-se também
como espaço para a libertação de todo e qualquer tipo de opressão. A conexão
entre as idéias de Freire e Marx provoca a reflexão dialética sobre uma
contradição específica: a educação é afinal um instrumento de opressão ou de
libertação social? Ao propor um processo dialético de tal natureza, a Pedagogia
do Oprimido, promove um contexto no qual o professor surge como principal
sujeito/agente de transformação das sociedades latino-americanas, por meio
da reformulação dos métodos de ensino e da apresentação de práticas
pedagógicas alternativas.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Opressão. Sociedade. Ensino-aprendizagem.
Liberdade.
1. Um intelectual com poder de intervenção social
“A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os
homens que não tem humildade ou a perdem, não podem
aproximar-se do povo. Não podem ser seus
companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é
capaz de sentir-se ou de saber-se tão homem quanto os
outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para
chegar ao lugar do encontro com eles. Neste lugar de
encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios
absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber
mais.”
Paulo Freire – Pedagogia do oprimido
“A educação, como prática de dominação, pretende, em seu marco
ideológico, manter a ingenuidade dos indivíduos e acomodá-los ao mundo da
opressão”, escreveu Paulo Freire, em Pedagogia do oprimido, livro publicado
em 1967 durante os primeiros anos da Ditadura Militar no Brasil, no qual
considera que se a educação serve como instrumento de alienação, deve ser
ela também a principal mediadora da libertação. Segundo o autor, por meio do
aprendizado da leitura e da escrita, inaugura-se o dialogo e os oprimidos
aprendem a pronunciar a sua realidade social:
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa,
nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de
palavras verdadeiras com que os homens transformam o
mundo. Existir humanamente, é pronunciar o mundo, é
modificá-lo. Não é no silêncio que os homens se fazem, mas
na palavra, no trabalho, na ação e na reflexão. (...) Não há
dialogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos
homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato
de criação e recriação, se não há amor que a infunda. (...) O
ato de amor consiste em comprometer-se com a causa dos
oprimidos. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso,
porque é amoroso, é dialógico. Se não amo o mundo, se não
amo a vida , se não amo os homens, é impossível o diálogo.
(FREIRE, 1987, p. 44 - 45)
Ao denunciar o uso da educação como instrumento de dominação, o
autor não esperava que as elites dominadoras renunciassem à sua prática. Seu
objetivo era o de chamar a atenção dos verdadeiros humanistas para a
necessidade de transformar a educação em instrumento de libertação e não de
segregação
social.
O
significado
dessa
ação
libertadora
seria
conseqüentemente a politização das massas, resultado pouco interessante
para as elites nacionais:
Por especial que pudesse ser em teoria o projeto de dar
educação às classes trabalhadoras pobres, seria prejudicial
para sua moral e sua felicidade. A educação ensinaria os
trabalhadores a desprezar sua missão na vida, em lugar de
fazer deles bons servos para a agricultura e outros empregos,
em lugar de ensinar-lhes subordinação os faria rebeldes e
refratários, como se pôs em evidência nos condados
manufatureiros. Habilitá-los-ia ler folhetos sediciosos, livros
perversos e publicações contra a cristandade. Torná-los-ia
insolentes com seus superiores e, em poucos anos, se faria
necessário à legislatura dirigir contra eles o braço forte do
poder. (GIDDY, in FREIRE, Paulo, 1987, p.74)
Especificamente no caso da América Latina, no qual nove dos onze
países conviveram com regimes militares a partir da segunda metade do século
XX, é preciso chamar a atenção para a imposição dos princípios positivistas
relativos à manutenção da ordem por meio de ostensivo controle social, cujos
métodos envolviam a negação da educação para as classes trabalhadoras e a
74
manipulação dos conteúdos programáticos das disciplinas que poderiam
contribuir para o espírito crítico das massas.
A eficácia dessa política estava na adoção de formas próprias dos
regimes autoritários, tais como regime de partido único, toque de recolher,
censura a quaisquer tipos de liberdade de expressão; além de prisão, tortura e
morte de militantes da esquerda, ações essas que, entre outras, tiveram como
resultado a consolidação das políticas pretendidas pelas elites aristocráticas e
burguesas. Sobre esse contexto, observou o historiador Michel Vovelle:
Tenho visitado alguns países da América Latina. Constato – e
não julgo, mas apenas observo e aprecio como historiador das
mentalidades – uma espécie de consolidação da direita, e
penso que isso define bem um universo: o do medo.
(VOVELLE, 1989, p.87)
O medo como arma para manter o povo distante de qualquer luta por
qualquer direito, define também o universo político e social do Brasil, durante
o regime militar que vigorou de 1964 até 1985. Nos primeiros anos as ações
foram desenvolvidas para deter os movimentos populares, identificar suas
lideranças e impedir manifestações de protesto. Invadiram-se jornais,
sindicatos, escolas, igrejas, associações e principalmente universidades.
Sindicalistas, camponeses, professores e estudantes foram presos, torturados
ou mortos.
Livros de autores considerados “perigosos” para os militares foram
queimados em praça pública e tiveram sua leitura proibida e sua publicação
vetada no país. Entre os autores que tiveram suas obras banidas pela Ditadura
constam Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Ilich Lenin, Rosa de
Luxemburgo, Leon Trotski, Antonio Gramsci e Berthold Brecht. Estima-se que
Paulo Freire tenha sido o autor nacional com o maior numero de obras
censuradas, apreendidas e queimadas durante o Regime Militar. No caso da
Pedagogia do Oprimido - escrito no Brasil – o livro só foi publicado durante seu
exílio no Chile em 1968. Proibido pelo governo militar até 1974, todas as
publicações encontradas anteriormente foram apreendidas e destruídas.
Freire denunciou a reformulação dos currículos de ensino fundamental,
médio e superior durante a vigência da Ditadura. Nesse momento, as
disciplinas de Sociologia e Filosofia deixaram de ser ministradas no Ensino
75
Médio e nos cursos universitários o poder de criticidade das disciplinas de
Ciências Humanas e de Ciências Sociais foi reduzido por meio de severa
vigilância sobre os cursos dessas áreas nas instituições de ensino superior. O
positivismo – um modelo de educação liberal concedida para as massas sob
severo controle do Estado - tomou conta da história, da filosofia, da literatura
e das artes. Os cursos de Licenciatura passaram a graduar professores e
bacharéis sem referências políticas e sociais com o passado.
Conteúdos como a Revolução Francesa de 1789, a formação da classe
operária no século XIX, os movimentos sociais da Primavera dos Povos de
1848, a Comuna de Paris de 1871, Revolução Russa de 1917 ou Revolução
Cubana de 1959, quando ministrados eram colocados fora do seu contexto
social e do seu processo histórico. Diante dessa rigidez dos programas
escolares e da ausência da discussão política nas temáticas estudadas, criouse espaço no Brasil, para que os revolucionários que aderissem à luta armada
contra os militares fossem considerados traidores e não defensores da pátria.
Nesse sentido, a educação foi um instrumento de manutenção dos privilégios
econômicos das elites agrárias e urbanas, e também de garantia da ordem dos
militares. Por meio dos currículos escolares divulgava-se a idéia de que o
governo militar era o mais benéfico para o país e que todos os que se
opusessem a ele eram inimigos e traidores da Pátria.
Carlos Marighella, por exemplo, fundador da Aliança Libertadora Nacional
– ALN (1967), apoiou a luta armada contra os militares, foi considerado o
“inimigo público número 1 da nação brasileira”, arrebanhou contra si as forças
militares do exército, da marinha e da aeronáutica, no que é considerado pelos
historiadores a maior caçadas política da história do Brasil. Marighella foi
assassinado em 4 de novembro 1969 pelos agentes do Departamento de
Ordem e Política Social - DOPS, em São Paulo. Sua morte foi comemorada
com festa pelas lideranças políticas do país. Outro exemplo é o de Carlos
Lamarca, um oficial brasileiro de origem operária, que influenciado pela
Revolução Cubana e pelas idéias de Che Guevara, abandonou os quadros do
exército para fundar a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, um
movimento de luta contra o Regime Militar. Matéria publicada pelo Jornal Folha
76
de São Paulo em 19 de setembro de 1971, descreve o desfecho da
perseguição ao “Capitão Lamarca” como era conhecido pelos guerrilheiros :
Carlos Lamarca, considerado o mais perigoso líder terrorista no
País, foi morto em tiroteio com as forças de segurança, na
pequena localidade de Pintada, interior da Bahia. O encontro
decisivo ocorreu há dois dias, mas somente ontem foi feita a
identificação oficial do cadáver, mediante confronto com as
fichas datiloscópicas. (Banco de Dados Folha de São Paulo,
domingo, 19 de setembro de 1971 – Disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/brasil_19set1971.html)
A
inércia
da
população
brasileira
diante
desses
fatos
e
do
desaparecimento de centenas de pessoas deve-se em grande parte, ao fato de
que a liberdade de expressão e o espírito crítico foram varridos das salas de
aula, e, a partir disso, banidos de praticamente todos os espaços públicos.
Durante duas décadas, a educação tinha como finalidade a perpetuação do
militarismo e seu objetivo era impedir qualquer debate ou avanço dos princípios
socialistas, comunistas ou anarquistas. Os grupos de esquerda foram
desarticulados e suas lideranças reprimidas, exiladas ou assassinadas. As
universidades foram transformadas em meras fábricas de diploma.
2. Detidos por “porte” de livro
Em 1968, o professor Paulo Freire, com o qual iniciamos esta
abordagem, teve sua obra Pedagogia do oprimido, publicada no Chile, na
relação de leituras proibidas. Comercializado inicialmente de forma clandestina
no Brasil, o livro certamente figura entre os exemplares mais apreendidos e
queimados pelos militares. Muitas pessoas foram detidas e tiveram que prestar
esclarecimentos sobre o “porte” do livro, como se estivessem realmente
portando uma metralhadora ou um fuzil.
Em Guarapuava, cidade do Estado do Paraná,
tornou-se lenda o
episódio em que a professora Neonila Denczuk Gomes, da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras (FAFIG), mesmo sem qualquer militância política,
foi detida por agentes do DOPS para prestar depoimento, simplesmente porque
havia comprado e estava “portando” o livro Pedagogia do Oprimido. Durante
conversa com a professora, ela relatou que permaneceu aproximadamente
77
quatro horas prestando depoimentos e que só foi liberada após averiguações
sobre suas atividades profissionais e políticas.
Esse é apenas um dos muitos casos que ocorreram no País.
Certamente algumas pessoas não tiveram a mesma sorte da professora de
Guarapuava e foram após o porte do livro detidas, torturadas ou
desaparecidas. O Arquivo Público do Estado do Paraná (APESP) possui um
acervo de documentos originalmente organizado pelas polícias do DOPS que
atuaram no Estado. .
Alessandro Meiguins ao escrever sobre o período de 1964 até 1969 diz
que a repressão foi maior contra o Movimento Estudantil. Segundo ele, já no
início, em 1964, declarou-se a ilegalidade da União Nacional dos Estudantes
(UNE) e as universidades e faculdades foram palco de invasões rotineiras. Ele
explica que isso ocorreu porque
politizado no sentido da esquerda, o
movimento tornou-se um dos principais alvos das ações militares. O autor
escreve sobre a reorganização clandestina da UNE em 1966 e sobre a
influência que os movimentos internacionais da juventude exerceu sobre os
estudantes brasileiros:
A UNE foi reorganizada em 1966 em um congresso clandestino
em Belo Horizonte. A Ação Popular (AP), cheia de estudantes,
lançou o Movimento contra a Ditadura. Em 1967, as
manifestações já eram freqüentes. E com uma lista de motivos
enorme: o alto número de “excedentes” – estudantes
aprovados nos vestibulares, mas sem vaga para matrícula; um
acordo educacional com os Estados Unidos; as prisões e
cassações de políticos, sindicalistas e oposicionistas em geral;
a censura e outras formas de autoritarismo; e o espírito
libertário que contaminara jovens de outros países, que na
época tomaram Paris e se reuniram aos milhares em
Washington para pedir o fim da Guerra do Vietnã (MEIGUINS,
2011, ed. 091, grifo nosso).
A falta de vagas nas universidades e um acordo com os Estados Unidos
envolvendo assuntos relacionados à educação (grifo) serviram como
adrenalina para intensificar a indignação dos jovens brasileiros. A publicação
da Pedagogia do oprimido nos primeiros anos da Ditadura Militar aumentou a
polêmica relativa à educação e à cassação das liberdades políticas e de
expressão. Entende-se assim, que a preocupação do governo ao impedir a
78
circulação da obra estava relacionada ao seu conteúdo considerado subversivo
pelos militares.
Em essência Freire desenvolve um estudo sobre a teoria da dominação
e procura explicar os métodos adotados pela burguesia e pelos poderes
constituídos para assegurar a opressão das massas, impedindo-lhes o pleno
acesso ao conhecimento, a liberdade de expressão e até mesmo de
pensamento. O autor sustenta que a educação oferecida ao povo permite que
as elites alienem e dividam as massas para assim subjugá-las.
O livro, que rendeu ao seu autor a prisão e o exílio, além de expor a
condição dos dominados educados para o silêncio e a imobilidade, tratava a
educação como prática política, que deveria ter por finalidade a libertação de
povos oprimidos na luta incessante pela recuperação de sua liberdade.
Defendia, para tanto, os princípios do materialismo histórico e dialético de Karl
Marx, fundador do socialismo científico e da ideologia comunista.
Freire via o processo de libertação das massas oprimidas como um
parto doloroso capaz de trazer à vida um novo homem, livre da opressão
imposta pela sociedade capitalista, na qual a educação agia sobre os homens
para conformá-los e adaptá-los a uma realidade que deveria permanecer
intocável. No mesmo instante em que anunciava o oficio da pedagogia como
única prática política capaz de libertar os oprimidos, Freire indicava a
importância dos professores nesse processo libertário.
Antes censurado, neste início de século XXI, o livro é uma referencia
mundial para os educadores. No Brasil está próximo da 50ª edição e já foi
traduzido em mais de 20 idiomas, tendo circulado em mais de 100 países.
Conforme o autor, a realidade social é produto da ação humana e a
principal tarefa histórica e social da humanidade é a superação da opressão
(FREIRE, 1987, p.20), ofício para o qual os professores deveriam estar
preparados ao fazer uso do espaço da sala de aula. Freire entende que se as
pessoas podem ser educadas para a opressão, elas também podem ser
educadas para a liberdade. Por meio da leitura e do diálogo crítico, do livre
pensar e pronunciar o mundo, elas poderiam substituir os instrumentos de
domesticação ou adestramento por elementos que promovessem sua
libertação econômica, cultural, política e social.
Sobre a função da pedagogia no processo revolucionário, ele escreveu:
79
Se os líderes revolucionários de todos os tempos afirmam a
necessidade do convencimento das massas oprimidas para
que aceitem a luta pela libertação – o que de resto é óbvio –
reconhecem implicitamente o sentido pedagógico dessa luta.
Muitos, porém, talvez por preconceitos naturais e explicáveis,
terminam usando, na sua ação, métodos que são empregados
na educação que serve ao opressor. A propaganda, o
dirigismo, a manipulação, como armas de dominação não
podem ser instrumentos de libertação. Não há outro caminho
senão o da prática da pedagogia humanizadora, em que a
liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos
oprimidos e continuar mantendo-os como quase coisas, com
eles estabelece uma relação dialógica permanente.
(FREIRE,1987, p.31)
Essa práxis dialógica passou a representar na prática o sentido da
proposta de dialética marxista. O espaço da sala-de-aula tornava-se, a partir da
teoria do autor, o espaço viável e próprio para o desenvolvimento do processo
de libertação das massas e de desenvolvimento integrado da América Latina.
Na prática Freire desenvolveu métodos adequados e simples aos ideais
teoricamente
do materialismo histórico e dialético. Sua ação sobre a
educação de crianças, jovens e adultos, foi intensa não apenas no Brasil, mas
também no Chile e em alguns países da África, durante o seu exílio.
Para o
pedagogo, a educação era uma construção coletiva na qual o professor não
era senhor do saber, mas coadjuvante do processo de ensino-aprendizagem.
3. A superação do modelo de educação bancária pela dialética
Para explicar o modelo de educação adotado pela burguesia, ele criou a
metáfora da “educação bancária”, segundo a qual a escola é a guardiã do
conhecimento da mesma forma que o banco é o guardião do dinheiro. O
professor é o único detentor e distribuidor de saberes e os alunos são ouvintes
passivos que não podem criticar um conteúdo ou emitir opinião sobre um
assunto para não atrapalhar a transmissão dos conteúdos. Dentro desse
princípio, o professor é quem gerencia o conhecimento, distribuindo-o,
emprestando-o, cobrando-o, exatamente como o gerente do banco faz com o
dinheiro. Cabe ao aluno enquanto receptor, ficar quieto e recepcionar os
saberes nele depositados pelo professor e depois devolvê-los no momento da
avaliação com juros e correção monetária. Esse projeto brasileiro de educação
80
debatido por Freire é um dos sintomas que confirmam a presença nefasta do
positivismo em sala de aula. Ao criticar esse modelo, Freire entende que:
A educação autêntica não se faz de A para B, nem de A sobre
B, mas de A com B mediatizados pelo mundo. Mundo que
impressiona e desafia a uns e a outros, gerando visões ou
pontos de vista impregnados de anseios, de dúvidas, de
esperanças ou desesperanças que implicam em temas
significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo
programático da educação. A linguagem do educador ou do
político tanto quanto a linguagem do povo não existem sem um
pensar e ambos, linguagem e pensar, não existem sem uma
realidade a que se encontrem referidos.Desta forma, para que
haja comunicação eficiente entre eles, é preciso que educador
e político sejam capazes de conhecer as condições estruturais
em que a linguagem e o pensar do povo, dialeticamente se
constituem. (FREIRE, 1987, p.48-49)
Estabelecida a importância de legitimar o mundo através da apropriação
da palavra, já que pensamos, lemos, escrevemos e falamos por meio de
palavras, a inauguração do diálogo deve marcar a superação do exercício
dominador ou de imposição de um discurso sobre os ouvintes. Para ele, tanto
educadores quanto políticos deveriam aprender a ouvir as representações do
mundo criadas e recriadas pelo povo. Sobre isso, argumentou:
Estamos convencidos de que o diálogo com as massas
populares é uma exigência radical de toda a revolução
autêntica. Ela é revolução por isto. Distingue-se do golpe militar
por isto. Dos golpes, seria ingenuidade esperar que
estabelecessem diálogo com as massas oprimidas. Deles, o
que se pode esperar é o engodo para legitimar-se ou a força
que reprime. A verdadeira revolução, cedo ou tarde, tem de
inaugurar o diálogo corajoso com as massas. Sua legitimidade
está no diálogo com elas, não no engodo ou na mentira. A
revolução autêntica não pode temer as massas, a sua
expressividade e a sua participação efetiva no poder. A nossa
convicção é a de que, quanto mais cedo comece o diálogo,
mais revolução será. (FREIRE, 1987, p.72)
O que permanece evidente na argumentação de Freire é que, em seu
modo de pensar, a revolução autêntica tem inicio com um processo que
envolve ações simples:
conversar, ouvir e falar, ler e escrever, refletir e
debater a existência histórica da humanidade. Muito diferente da idéia de que a
revolução se faz com armas, ele crê que a revolução se faz com palavras. Por
meio da apreensão da palavra que lê, escreve, ouve e fala por meio do diálogo
81
os seres humanos estabelecem a dialética e se tornam capazes de criar e
recriar o mundo. No processo de educação para a libertação todos podem
expressar o próprio pensamento e ouvir a própria voz, tornando-se donos da
sua palavra e, por meio dela, sujeitos da história. Destaca o autor:
Não há realidade histórica que não seja humana. Não há
história sem homens, como não há uma história para os
homens, mas uma história de homens que, feita por eles,
também os faz, como disse Marx. E é, precisamente quando às grandes maiorias - se proíbe o direito de participarem como
sujeitos da história, que elas se encontram dominadas e
alienadas. O intento de ultrapassagem do estado de objetos
para o de sujeitos – objetivo da verdadeira revolução – não
pode prescindir nem da ação das massas, incidente na
realidade a ser transformada, nem de sua reflexão. (FREIRE,
1987, p.73)
Ao abordar a importância da reflexão das massas, o autor retorna ao
campo da dialética e diz que o pensar sobre o mundo e sobre a realidade é que
leva os homens e as mulheres à compreensão da sua existência histórica.
Segundo ele, a burguesia desenvolveu um sistema de educação no qual pensa
pelas massas e, ao mesmo tempo, impede que elas pensem, alienando-as por
meio da manipulação de
programas educativos que não refletem sua
realidade. Sobre esse processo de dominação Freire entende que:
A transformação social exige um pensar constante, que não
pode ser negado às massas populares, se o objetivo visado é a
libertação. A liderança revolucionária não pode pensar sem as
massas, nem para elas, mas com elas. Quem pode se dar ao
luxo de pensar sem as massas são as elites dominadoras. [...]
A única forma de pensar do ponto de vista da dominação é não
deixar que as massas pensem. Em todas as épocas os
dominadores foram sempre assim: jamais permitiram às
massas que pensassem. A classe opressora não pode pensar
com as massas oprimidas e não pode deixar que elas pensem.
(FREIRE, 1987, p.74)
Para o autor, a ideologia opressora reconhece as massas como
absolutamente ignorantes e indignas de recepção do conhecimento. Ela tem no
outro o seu oposto. A sua palavra é a única verdadeira e pode ser imposta aos
demais. Ao agir assim, as elites estão literalmente roubando dos oprimidos a
sua palavra e, ao cometer tal ilícito, tornam impossível o desenvolvimento do
diálogo libertador. A manutenção do modelo da educação bancária assegura,
alimenta, expande e legitima o campo de dominação e a hegemonia burguesa.
82
Nesse cenário, as minorias comandam as maiorias sem qualquer traço de
culpa, ao contrário, com satisfação:
Desenvolve-se no que rouba a palavra dos outros uma
profunda descrença nas vítimas consideradas como incapazes.
Quanto mais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão
proibidos de dizê-la, tanto mais exercita o gosto de mandar, de
dirigir, de comandar. Já não pode mais viver se não tem
alguém a quem dirija sua palavra de ordem. (FREIRE, 1987,
p.79)
Para Freire, a apropriação da educação como instrumento de alienação
e de controle social foi decisiva para a consolidação do projeto de separação,
divisão e submissão dos trabalhadores. Uma vez que todos os conceitos e
assuntos considerados subversivos ou perigosos foram extraídos do debate e
que o aparato estatal e social estava mobilizado em torno dos interesses das
elites, estas estavam livres para manipular informações que lhes permitissem
invadir e ocupar os oprimidos com suas próprias ideologias e desejos. Pode-se
afirmar que esse procedimento gerou nas massas uma espécie inércia ou
transe, como se nelas tivesse sido inoculado um tipo de vírus, que se num
primeiro momento causava sofrimento, num segundo instante anestesiava-as.
Na medida em que as minorias submetem as maiorias, oprimilas e mantê-las divididas é indispensável para a manutenção
do seu poder. A unificação das massas populares significaria
uma séria ameaça à sua hegemonia. Daí que toda a ação que
possa proporcionar a organização das classes oprimidas é
imediatamente freada pelos opressores através de métodos
violentos. Conceitos como os de união, conscientização e luta
são timbrados, sem demora, como perigosos. E realmente o
são, para os opressores. O que interessa ao opressor é
enfraquecer os oprimidos mais do que já estão, ilhando-os,
criando cisões entre eles, através de uma variada gama de
métodos e processos. Desde os métodos de repressão da
burocracia estatal, à sua disposição, até as formas de ação
cultural por meio das quais manejam as massas populares,
dando-lhes a impressão de que as ajudam. (FREIRE, 1987, p.
80)
4. A maldição do recorte e pulverização da história
Entre os métodos de repressão concebidos pelas ações culturais
descritas por Freire, está o uso do método de ensinar por meio de recortes ou
83
fragmentos, meio bastante usado para “manejar as massas populares, dandolhes a impressão de que as ajudam” (FREIRE, 1987, p.80). Aprofundando-se
nessa questão, o pedagogo sugere que o sucesso da teoria da dominação só é
possível diante de uma visão focalista ou recortada da realidade. Isso implica
em dizer que só se justifica a inércia das massas pela ausência de uma visão
ampla e crítica do processo histórico. Segundo o autor, o foco ou o recorte
pulverizam e distorcem a realidade e, sem a devida contextualização, impedem
a percepção da totalidade histórica. Desse modo, enquanto o mundo capitalista
globaliza-se cada vez mais, os temas passam a ser estudados por áreas,
regiões ou blocos isolados, desarticulando-se assim a possibilidade de
compreensão desse processo histórico juntamente com capacidade de
organização social dos povos oprimidos.
Isso significa que qualquer tema que possa ter uma abordagem global,
não deve ser restrito a um período ou a uma época específicas, sob pena de
perda do seu real sentido. O autoritarismo, por exemplo, pode ser visto como
um conceito real na vida de todos os povos em todos os períodos históricos.
Qualquer recorte deve expor essa condição de totalidade desse conceito. Ele é
tão real no Egito antigo e no Império Romano, quanto na Europa medieval ou
absolutista moderna. Desse modo não pode ser estudado apenas do ponto de
vista dos regimes totalitários contemporâneos, típicos da II Guerra Mundial e
dos regimes militares latino-americanos.
É preciso que se apreenda que como processo histórico o autoritarismo
existe desde que os homens subjugaram os animais, depois as mulheres ou as
tribos inimigas e assim por diante. Isso significa o que? Que o autoritarismo
está implícito no homem e que ele deve lutar contra sua natureza autoritária. E
se deve lutar contra si mesmo, isso sugere que pode lutar contra todos os
autoritarismos que encontrará pela vida afora. Porém, se ao estudar o
autoritarismo o estudante o percebe como fator implícito aos regimes
absolutistas ou totalitários da Europa, mesmo que em alguns momentos o
recorte promova reflexões sobre os regimes militares latino-americanos, pouca
diferença esse conteúdo faz para o aluno porque está relacionado a períodos
passados e deles é prisioneiro.
84
Sua compreensão desse conteúdo é que como os regimes totalitários e
militares da Europa e da América Latina foram extintos o autoritarismo acabou.
Foi só uma “coisa” que ocorreu no século XX aqui e na Europa, e que talvez
ainda exista no Oriente Médio ou na China, ou seja, muito distante da sua
realidade. A fragmentação ou focalismo, como prefere Freire, produz ruídos
que interferem no processo de ensino-aprendizagem, no caso do autoritarismo,
o assunto perde referências, conceitos e
atualidade. O resultado disso é
extremamente improdutivo, uma vez que o alunado passa a perceber
o
autoritarismo como se fosse uma “coisa” de outro tempo ou de outro mundo.
E desse modo, sem o confronto com o autoritarismo, própria da sua
natureza e das relações sociais e políticas que estabelece ao longo da sua
vida, a pessoa jamais terá conhecimento ou forças para lutar contra qualquer
tipo de autoritarismo. É, em grande parte, o tipo de educação que recebe que
faz com que o povo esteja quase sempre ausente e que se sinta, na maioria
das vezes, impotente diante de momentos históricos marcados pelo avanço de
regimes autoritários.
Freire defende o materialismo histórico e dialético de Karl Marx no que diz
respeito à totalidade ou globalidade próprias da história, cuja apreensão pode
conduzir a
compreensão dos processos históricos em diversas épocas e
locais. Para o pedagogo, por mais bem elaborados que seja o recorte, por
maior clareza que tenha seu foco, ele sempre limitará as infinitas possibilidades
de debate que o olhar sobre a totalidade consegue oferecer. Desse modo,
podemos interpretar como bastante curiosa a insistência de alguns intelectuais
sobre o uso do recorte, principalmente quando não se aborda a necessidade
de contextualização do seu foco em uma estrutura mais ampla ou global.
Desse modo, Freire sugere que o recorte é apenas uma peça e que só
terá valor de aprendizagem quando inserido no quebra-cabeça ao qual
pertence. Sem essa colagem não há visão possível do contexto o que significa
que não há aprendizado integral, pois os fragmentos promovem uma visão
parcial da realidade, por vezes tão ínfima que confunde os estudiosos e impede
o desenvolvimento do seu espírito crítico. Explica o autor que o uso insistente
do modelo focalista cumpre sua função, que é a de manter as massas
85
oprimidas ilhadas, desorganizadas e sem qualquer visão de outras gentes e de
outras áreas em relação dialética com a sua (FREIRE, 1987, p.80).
Nesse sentido, os intelectuais que fazem a opção radical pelo recorte e
descartam a idéia de totalidade
marcham na contramão do materialismo
histórico e dialético, que é o único método capaz de incluir os extratos pobres
como sujeitos da história em nível global. Mesmo que estejam repletos de boas
intenções, ainda assim, com seus recortes e seus focos reducionistas, tais
pessoas carregam a bandeira dos opressores e trabalham contra o processo
de libertação das massas.
É preciso que fique bastante claro que assim como a burguesia não
aceita o rótulo de classe opressora e batiza-se de produtora, mesmo sabendose mantenedora de relações sociais antagônicas entre quem compra e quem
vende sua força de trabalho,
alguns professores que não aceitam e nem de
longe imaginam ser chamados de positivistas, alardeando-se adeptos de todas
as pedagogias da libertação, traem apenas a si mesmos e aos seus pares, pois
os estudantes reconhecem em curto ou médio prazo todos aqueles que
aplicam em seu ofício cotidiano a teoria da dominação.
Justamente por colocar tais questões em debate, Freire tornou-se uma
referência em educação, bastante polêmico e atuante politicamente o brasileiro
é considerado um dos grandes pedagogos do século XX, em nível mundial.
Como professor denunciou permanentemente que o mau uso da educação é
a principal fonte de misérias do mundo capitalista e que sua apropriação pela
burguesia e pelos governos liberais foi fundamental para que fosse assegurado
o silêncio dos vencidos diante da opressão dos vencedores.
5. As máscaras do positivismo contra a revolução cultural/dialética
O historiador mexicano Carlos Antônio Aguirre Rojas, em Marx: para
uma história crítica, é adepto da teoria de Freire e sugere que existem
procedimentos mais sutis a serem analisados quando se trata de abordar o
triunfo do liberalismo sobre o socialismo ou o domínio dos patrões sobre os
trabalhadores. Para ele, tal poder está relacionado aos princípios positivistas
desenvolvidos por Augusto Comte, fundador da Sociologia no século XIX, cujos
86
ideais permitiram estancar o “furor” da Revolução Francesa e dos movimentos
sociais que povoaram o primeiro século do mundo contemporâneo. Segundo o
autor, apesar das críticas que a maioria dos professores costuma estabelecer
contra o método positivista, ele conquistou estatuto de permanência e ainda
hoje dá o tom dos currículos escolares, desde o ensino básico até o ensino
superior na maioria das escolas latino-americanas.
Para Rojas, essa fórmula menos visível de controle das massas, desde a
mais tenra idade, não é menos rígida que as torturas a que eram submetidos
os sublevados durante qualquer regime autoritário. Ele entende que o controle
dos grupos sociais por meio da educação deve ser entendido como uma
estratégia prioritária das elites dominantes
em sua guerra contra o menor
avanço das classes populares. A violência do modelo positivista reside no fato
que ele sugere sempre o controle das massas e jamais sua independência
econômica ou política, o que priva as camadas populares do acesso à
cidadania e até mesmo da compreensão do que seriam os tais direitos do
homem e do cidadão, pelos quais seus antepassados ofereceram a própria
vida.
O autor explica que a perda do poder social dos trabalhadores se deve ao
exercício do controle social por meio da educação, e que isso só poderia ser
transformado através da substituição do positivismo de Comte pelo
materialismo histórico e dialético de Marx. Nesse sentido, ele chama a atenção
para a
atualidade e a funcionalidade das teorias sociais que privilegiam a
história da luta de classes e colocam na cena acadêmica algumas questões
relacionadas ao desenvolvimento do capitalismo e seus enormes custos
sociais. Custos esses que permanecem negligenciados pela sociedade e pelos
governos, com graves prejuízos para a maioria da população mundial, formada
por pobres, analfabetos, desempregados e excluídos :
A história científica desenvolvida por Marx, e que vem
mantendo sua atualidade, é o fato de conceber a história, em
todas as suas dimensões, temáticas e problemas abordados,
como uma história notadamente social. Isto significa que, além
de estudar os indivíduos, os grandes personagens, as elites e
classes dominantes, a história deve investigar também os
grupos sociais, as massas populares, as classes sociais
87
numericamente majoritárias e a todo o conjunto dos
protagonistas que até há pouco tempo eram anônimos, e que
são as verdadeiras forças sociais, os verdadeiros agentes
coletivos que fazem e constroem a maior parte da matéria que
constitui a história. (ROJAS, 2003, p.54)
O historiador entende que pertence ao materialismo histórico e dialético
do século XIX o mérito da incorporação sistemática das classes populares
como verdadeiras protagonistas da história. Enfatiza ainda que é através dele
que as pessoas podem finalmente apreender que foram os escravos e as
comunidades arcaicas, assim como os servos, os trabalhadores, os
camponeses e os grupos sociais explorados e submetidos que em grande
medida fizeram a história (ROJAS 2003, p.55). Para o autor, os trabalhadores
e as classes sociais envolvidas em conflitos - com seu trabalho e suas ações
de resistência - fizeram o que em termos concretos foi e é história.
O exemplo mais visível da atualidade e da importância do materialismo
histórico e dialético e dialético de Karl Marx concentra-se hoje na escola
inglesa denominada New Letf ou Nova Esquerda, que reúne autores como Eric
Hobsbawm, Edward Palmer Thompson, Peter Burke, Jim Sharpe e Christopher
Hill, todos empenhados em estudos históricos, políticos, sociais e culturais,
dentro de uma linha neo-marxista, que promove a inclusão de temas e de
sujeitos que até então permaneceram às margens da história.
Tais autores construíram a teoria de que os extratos populares, ao serem
oprimidos de todas as formas pelas classes detentoras do poder, forjaram
novos modelos de resistência que muitas vezes passaram despercebidos para
os historiadores. Dessa forma, por meio do estudo das práticas culturais,
legitimaram áreas de pesquisas - que mesmo diante do esforço de algumas
escolas anteriores – até a década de 1970 ainda permaneciam marginalizadas
nas universidades dos países centrais e que só conquistariam espaço nas
nações latino-americanas, entre elas, o Brasil, a partir dos anos de 1990.
A
atuação
competente
desses
intelectuais
está
gradativamente
promovendo o surgimento de pesquisas livres das amarras da ortodoxia de
toda e qualquer escola, inclusive daquela a que estão filiados, pois na prática
advogam sua libertação do marxismo ortodoxo, extrapolam o debate teórico,
revolucionam o uso das fontes e desafiam os métodos tradicionais de pesquisa
e escrita da história por meio de novas abordagens políticas, sociais e culturais.
88
Para Rojas, essas investidas são necessárias para atender aos objetivos de
inserção das massas como sujeitos históricos e de identificação das formas de
resistência popular do passado
que
ainda estão presentes na sociedade
capitalista (ROJAS, 2003, p.56).
Sem a presença dos intelectuais na cena política,
os trabalhadores
estarão entregues à própria sorte. Em sua solidão, as maiorias oprimidas que
já não conseguem nem mesmo pensar contra o sistema que as explora, e
jamais terão forças suficientes para lutar contra ele. Apenas com professores
determinados em promover a desalienação das massas, poderá haver a
necessária ruptura social com o medo, o silêncio, a insegurança e a
ingenuidade, que são algumas das causas de escravização das massas latinoamericanas.
Para Freire, podem justificar sua ausência ao compromisso apenas
aqueles intelectuais que já foram invadidos pela teoria dominante, ou os que
foram amaciados com cargos, ou ainda os que receberam promoção, porque
esses são pagos para desertar. É preciso recordá-los, no entanto, que sua
deserção e seu apego ao status quo só faz crescer a servidão das massas.
Abandonados, silenciados e solitários, os desapropriados do mundo tornam-se
presas fáceis da exploração e da dominação (FREIRE, 1987, p.82). Já para
Thompson, os que conhecem a história e permanecem omissos são aqueles
que transformaram a universidade numa bolha recortada do contexto global em
que ela está inserida, e na qual flutuam justamente para colocar-se à distância
das massas com as quais estão permanentemente em débito.
Para manter a ordem que vem sendo gestada e reelaborada desde o
começo do século XIX, Freire observa que as elites adotaram uma política
permanente de incorporação de mitos e de possíveis lideranças populares.
Exemplo disso é a aderência aparente da imagem de Che Guevara aos
produtos próprios do capitalismo que ele tanto combateu. No caso de líderes
vivos, Freire explica que para cooptá-los, a classe dominante promove a
distribuição de benesses, promoções e cargos como se realizasse leilões. Até
mesmo quando os governos neoliberais
desenvolvem ações sociais
ostensivas e campanhas contra a pobreza, Freire é cético em relação à sua
89
honestidade e chama tais atitudes de falsa generosidade. Para o autor, todas
essas atividades têm como objetivo final o lucro. Até mesmo as suas “boas
ações” são feitas para a salvação da riqueza, do estilo de vida e do poder com
que a burguesia esmaga os demais (FREIRE, 1987, p.88-89).
Faz parte do show de tais elites a propagação de programas de combate
à fome e à miséria que eles mesmos promovem. Bem como as campanhas
internacionais de solidariedade quando ocorrem desastres ambientais que só
existem em razão da ambição de suas corporações. Também faz parte do seu
show cooptar pessoas que poderiam liderar multidões, para adestrá-las e
depois castrá-las. É por esses meios que as elites vão conformando as massas
aos seus objetivos, mantendo-as imaturas politicamente, incapazes de pensar
sobre suas reais condições de vida e de lutar contra os seus predadores
naturais.
Dentro da mesma linha de ação, Freire recorda que no Brasil, em certas
condições históricas especiais, a burguesia nacional possibilitou a abertura de
diálogo com os trabalhadores com a finalidade de firmar contratos sociais ou
pactos políticos, que cedo ou tarde resultaram no esmagamento das massas.
Os contratos sociais propostos pelos governos latino-americanos em
conluio com a sociedade civil, representada por políticos com interesses
nefastos, para o autor não passam de farsas e crimes contra a boa fé da
população. Segundo Freire, as elites políticas e econômicas só convidam as
massas para o banquete quando precisam de alguém para limpar a sujeira que
se esconde debaixo do seu tapete. Os intelectuais devem ter em mente que a
classe dominante jamais cederá um palmo que seja para permitir o
desenvolvimento de qualquer ação que possa resultar em algum tipo de
reflexão que possa conduzir as massas em direção à consciência de sua
historicidade (FREIRE 1987, p.102).
6. Os humanistas e sua função histórica de libertação das massas
Sabendo-se que a classe dominante jamais abrirá mão de praticar a
teoria da dominação e fará o que estiver ao seu alcance para que o povo não
90
pense, Freire costumava dizer que ao denunciar suas práticas, não esperava
que a burguesia abrisse mão de suas ações, mas sim que os humanistas
assumissem a sua função histórica de libertação das massas. Isso significa que
a educação só poderá ser um instrumento de libertação quando os professores
preocupados com esse processo, assumirem em definitivo um compromisso
com a politização e a organização das massas populares.
Nesse caso, um aspecto posto em debate na Pedagogia do Oprimido é a
situação de aderência dos oprimidos aos opressores como maior obstáculo ao
projeto de autonomia e de inserção dos excluídos. Isso significa que além de
enfrentar os projetos já consolidados das elites, os militantes terão que
combater a resistência dos oprimidos. Esse processo deve ser considerado
natural, porque mantidas em cativeiro, inconscientes das decisões políticas e
ingênuas quanto às suas condições históricas, as massas deixam-se invadir,
ocupar e habitar pelos simulacros que as dominam.
Ao ter como única projeção de êxito a imagem da burguesia, como um
reflexo que em tudo cintila, o oprimido entende que não há outra realidade
além da sua que não seja a do opressor. Em seu desconhecimento histórico
para ser livre ele precisa ser o opressor. Assim o trabalhador mais reprimido
pode vir a ser o mais terrível carrasco, porque ele quer ser o opressor. A teoria
de Freire é que esse desejo cristaliza a superioridade dos dominadores. Dessa
forma o opressor não está longe, ele vive dentro do oprimido. Habita seus
sonhos de libertação do sofrimento e da miséria.
O pedagogo procura elucidar que essa ocorrência é fruto da caótica
invasão cultural promovida pela propaganda das idéias, dos produtos e dos
modismos burgueses. Seduzidos pelas formas e pelas cores da publicidade
enganosa, os invadidos reconhecem-se como inferiores e alienam sua cultura,
suas crenças e sua possibilidade de libertação ao dominador. Nesse sentido, a
face mais terrível da educação para a subserviência está impressa no rosto dos
jovens pobres que desejam parecer com os ricos, andar como aqueles, vestir à
sua maneira e falar ao seu modo (FREIRE, 1987, p.87).
91
Essa identificação com o mundo do opressor surge como resultado da
falta de concepção histórica e crítica da realidade e persiste pela perpetuação
do silêncio da classe oprimida. Essa condição imposta aos jovens é um dos
sinais mais visíveis de que a opressão, quando não combatida em tempo, é
capaz de invadir o espaço cultural e cristalizar as relações de dominação no
corpo social. A crueldade dessa cristalização é tão desmedida que o indivíduo
ao sofrer a invasão do seu único e ínfimo espaço já não quer travar batalhas
para expulsar o inimigo, mas unir-se a ele contra si mesmo.
Freire usa esse conhecimento para demonstrar que quando não há
capacidade de resistência toda a estrutura social adota e reproduz a feição
dominadora de modo uniforme: os lares, as escolas, as universidades e todas
as instituições sociais funcionam como agências reguladoras da dominação
econômica e cultural. Nesse momento as possibilidades de opressão se tornam
mais refinadas e são potencializadas pelo uso de tecnologias de última
geração, que levam à construção de abismos e ilhas que promovem o silêncio
e o distanciamento até mesmo entre pessoas que vivem na mesma casa.
Nesse caso, as maiores vítimas, como em todas as guerras, são as
crianças e os jovens, que sem endereçar-se politicamente para a rebelião
autêntica e própria da sua idade, com receio da liberdade e proibidos de
pensar, abrem mão do seu direito de sonhar e olham o mundo em que vivem
como se não lhes pertencesse, e as pessoas que as cercam diariamente como
se com elas não tivessem nenhum laço afetivo ou nenhuma afinidade real.
Esse é o aspecto mais terrível da sociedade capitalista, a destruição dos
vínculos humanos e a morte prematura dos ideais e dos sonhos da juventude.
Esse quadro social colabora com os princípios liberais que começaram
com a defesa da propriedade privada e dos direitos individuais, e acabaram por
solapar qualquer ideal de igualdade, liberdade e fraternidade, colocando em
primeiro plano a individualidade do ser. Enquanto a ideologia socialista pensa o
bem-estar das massas e age em defesa da cidadania, do ser e da sua
humanidade, a filosofia liberal propõe a defesa do indivíduo e de seus
pertences, fazendo com que as pessoas vivam voltadas para o próprio umbigo
seduzidas pelo consumismo. Supondo-se que o fim do mundo fosse amanhã, o
92
homem liberal faria o possível para salvar sua família, sua casa, sua empresa,
seu carro, sua televisão, seu computador, seu gato e seu cachorro. Se não
pudesse salvar a todos, salvar-se-ia a si mesmo e tudo continuaria bem. Já o
humanista seria aquele capaz de dar a vida por sua comunidade. A capacidade
de pensar nos outros, tanto quanto em si mesmo, é o que distingue o socialista
do liberal.
Diante disso, nota-se que no individualismo da sociedade neoliberal
reside o sentimento de estrangeirismo da juventude. A visão fragmentada de
realidades dispersas no tempo e no espaço, traduz para os receptores apenas
a ignorância de um sistema injusto e dominador que atua contra sua liberdade
de ser, de ter e de sonhar, e contra o qual sentem que não possuem armas
para lutar. A percepção que os jovens têm da sociedade capitalista é de um
cenário cinematográfico no qual as aparências valem tanto quanto a realidade.
Essa percepção de interação entre o real e o virtual desenvolve uma espécie
de indiferença diante de todas as relações políticas e sociais, o que faz com
que seus professores os considerem “completamente” alienados.
Freire entende, no entanto, que tal comportamento não deve ser visto
como manifestação de desinteresse ou ignorância e muito menos de alienação.
Ele sugere que há algo mais profundo nesse suposto alheamento juvenil, e que
até mesmo a ausência de reação e a opção pela apatia podem ser parte de
novas formas de resistência e
de rebelião dos jovens contra um modelo
cultural que os trata como inferiores, alienados, preguiçosos, doentes,
incapazes e mal-agradecidos, enquanto eles compreendem perfeitamente que
sua condição social não é fruto da sua debilidade, mas da violência do seu
invasor.
Sobre o sentimento da juventude vitimada pela invasão da cultura
neoliberal que se apossou das suas relações sociais, dos seus conteúdos de
estudo e de todas as mídias que constituem o seu cotidiano, Freire considera
que:
Os jovens sentem a necessidade de renunciar à ação invasora,
mas os padrões dominadores estão de tal forma “metidos”
dentro deles, que esta renúncia é uma espécie de morrer um
93
pouco. Renunciar ao ato invasor significa, de certa maneira,
superar a dualidade em que se encontram, dominados por um
lado, dominadores por outro. Significa renunciar a todos os
mitos de que se nutre a invasão e existenciar uma ação
dialógica. Significa deixar de estar sobre ou dentro como
estrangeiros, para estar com, como companheiros. [...]
Desnudar-se dos mitos e renunciar a eles é uma violência
contra si mesmos, praticada por eles próprios. Submetidos ao
condicionamento de uma cultura do êxito e do sucesso
pessoal, reconhecer sua condição alienada é desfavorável, é o
mesmo que frear sua possibilidade de êxito.[...] Isto exige que
se instaure uma revolução cultural e um novo poder que não
seja só o freio necessário aos que pretendem continuar
negando os homens, mas também um convite valente a todos
os que queiram participar da reconstrução da sociedade”.
(FREIRE, 1987, p. 89 – 90)
Ao expor as dificuldades impostas àqueles humanistas que desejam
impedir a invasão das ideologias dominantes, Freire deixa evidente a
necessidade de um contra-poder que possa despertar as massas do doping
que as faz reféns da teoria da dominação e de um sistema que pretende
transformar crianças e jovens em zumbis .
Sem perder de vista que ao
transformar a educação num instrumento de opressão e controle social, as
elites encontraram uma forma discreta e segura para a propagação do seu
domínio, o autor avalia que o impacto histórico e social desse adestramento
pode ser considerado maior que o de todas as guerras historicamente
registradas.
Quando Foucault, em Microfísica do poder, denuncia as práticas que
mascaram a repercussão da disciplina liberal instalada nas fábricas a partir de
1848, como parte vital do programa de conformação dos trabalhadores aos
anseios da burguesia, ou quando Freire denuncia a apropriação da educação
como instrumento de controle social, próprio da teoria da dominação, espera-se
que compreendamos que o problema não está nas instituições, mas nas
relações de poder estabelecidas na sociedade. Quando um estudioso brasileiro
mundialmente respeitado escreve um livro explicando o que é e como funciona
a teoria da dominação, entendendo-a como a base da repressão aos
movimentos populares, bem como da derrota dos trabalhadores na conquista
de direitos humanos fundamentais para a sua sobrevivência e a sua dignidade,
tal teoria merece atenção. E quando esse autor explica que a condição para a
libertação é a intervenção dos intelectuais por meio do exercício comprometido
94
do magistério, essa consideração deve ser vista como o maior desafio já
imposto aos professores.
Considerações finais
Os referenciais teóricos utilizados neste artigo permitem afirmar que a
dominação faz parte do cotidiano das massas latino-americanas e que nesse
cenário de opressão a educação é um dos centros vitais para o exercício do
controle e da exclusão social.
Os argumentos usados por Paulo Freire demonstram que a possibilidade
de revolução está presente no cotidiano dos trabalhadores e que, inseridos
nesse contexto,
os professores são em virtude do seu ofício, os sujeitos
históricos com maior poder de transformação social.
Essas afirmações estão envoltas em evidente contradição. Ao mesmo
tempo em que a educação pode ser vista como o palco de práticas opressoras,
apresenta-se como cenário de libertação social. É justamente nesse sentido
que a teoria marxista de pesquisar e atuar a partir das contradições sociais
pode ser experimentada. Compreendendo a sutileza desse pensamento, Freire
percebe que somente no local da alienação é que se pode criar o espaço
necessário ao exercício da libertação. Se a educação é a base da teoria da
dominação, por meio dela se dará o imprescindível processo de libertação.
As leituras e sugestões feitas neste artigo, cumprem sua finalidade de
expor que para a libertação da opressão que resultará na assunção do poder
de intervenção das camadas populares sobre a realidade latino-americana,
podem ser elencadas três condições. Primeiramente que se compreenda que o
ofício do professor tem um poder capaz de provocar a transformação social.
Para tanto, é mister repensar, com a devida urgência e praticidade, a
importância da formação de licenciados para atuação em todos os níveis de
ensino. Em segundo lugar, defendem-se metas para a superação da influência
dos métodos positivistas no ofício de professor, o abandono do recorte focalista
em prol da totalidade histórica, juntamente com o reconhecimento de que não
há saber neutro e que o ofício do magistério é também ou essencialmente
político. Finalmente, entende-se que a opção por uma sociedade mais justa
95
está intimamente relacionada ao socialismo e que para a superação do modelo
neoliberal, mantenedor da educação como reduto de opressão social,
os
intelectuais latino-americanos precisam reconhecer e debater as propostas do
materialismo histórico e dialético.
Considera-se que essas tarefas são imprescindíveis, para que o professor
reafirme sua presença na cena política, como sujeito histórico e agente capaz
de promover a reorganização da ação política dos trabalhadores urbanos ou
rurais que ainda sonham em deter o poder hegemônico que a burguesia
mantém sobre as relações e as práticas sociais na América Latina, bem como
nos países da África, da Ásia e da Oceania que também sofrem a intervenção
política, econômica e cultural do imperialismo europeu ou norte-americano.
Para tanto, as armas aconselháveis por Freire são mais simples que
quaisquer artefatos bélicos de última geração. Os dois autores concordam que
a revolução autêntica exige primeiramente disposição para a dialética, por meio
da reflexão, do diálogo, da pronúncia, da leitura e da escrita de palavras que
possam ajudar os homens e as mulheres do povo a reencontrar sua palavra.
Sugerem ainda, a urgente inauguração de debates sobre as condições
históricas dos trabalhadores em nível global, que lhes assegure a consciência
de sua cidadania e lhes oportunize o contato com sua humanidade perdida em
meio ao turbilhão de coisas colocadas como superiores ao seu desejo de ser
parte deste mundo e sujeitos da sua história.
Finalmente, todos os autores estudados neste artigo entendem que é
preciso adesão a teoria de que a condição para a libertação das massas, é a
ação pedagógica comprometida, desapegada de recortes inúteis e focos
isolados, que academicamente possibilitam apenas a configuração de
contextos, fatos ou conceitos fragmentados, bastante frágeis e descartáveis
diante de um mundo globalizado e de um sistema capitalista cada vez mais
totalizante (ou totalitário).
Conclui-se enfim, que a contribuição de Paulo Freire para a educação é
fundamental para uma época marcada pela intolerância não apenas política,
mas também religiosa, racial, étnica e sexual, na qual se aprofundam também
as diferenças geradas pelo capital econômico e cultural. Nesse contexto, a
96
educação ocupa um espaço de vanguarda e os professores emergem como
agentes do projeto de reformulação das políticas públicas, autores da
revolução das práticas pedagógicas, comprometidos com a reorganização dos
trabalhadores, a autonomia das classes populares e a ocupação de espaços
políticos com relações de poder mais equilibradas e mais justas. Isso significa
reconhecer no professor, o profissional dotado dos requisitos necessários para
melhorar as formas de vida de povos e grupos humanos em condições de
opressão.
Referências
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: A aventura da
modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HOBSBAWM, Eric.Os trabalhadores: Estudos sobre a história do operariado.
São Paulo: Paz e Terra, 2000.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1998.
MEMMI, Albert. Descolonizado: Retrato do árabe-mulçumano e de alguns
outros. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2007.
ROJAS Carlos Antonio Aguierre. Marx para uma história crítica. In: Revista
Temas e Matrizes. Ano II, p.52. Cascavel: Editora Unioeste, 2003.
THOMPSON, Edward. Os românticos: A Inglaterra na era revolucionária. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
VOVELLE, Michel. Jacobinos e jacobinismo. São Paulo: Edusc, 2000.
SITOGRAFIA
MEIGUINS, Alessandro. Estudantes : É pau, é pedra é o fim do caminho.
Disponível em: http://historia.abril.com.br/politica/estudantes-pau-pedra-fimcaminho-434189.shtml. Acessado em 10 de março de 2011.
97
ESTUDOS SOBRE A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E A
REPRESENTATIVIDADE SOCIAL DA COMUNIDADE QUILOMBOLA
INVERNADA PAIOL DE TELHA FUNDÃO – MUNICÍPIO DE PINHÃO (PR)
Valmir Jocoski
Orientador: Profª. Ms. Ernando Brito Gonçalves Júnior
Palavras-Chave: Comunidade Quilombola. Organização. Política.
Sociedade.
Esta pesquisa prioriza a abordagem de uma temática regional, com o
propósito de conhecer, divulgar e preservar as práticas políticas da
Comunidade Quilombola Paiol de Telha Fundão, da mesorregião de
Guarapuava, reconhecida como uma das comunidades quilombolas com o
histórico mais polêmico de luta pela posse da terra no Estado do Paraná.
Desde 1998, cerca de cinqüenta famílias estão acampadas a cinqüenta
quilômetros de Guarapuava, em frente à Fazenda Fundão, no Município de
Pinhão, aguardando que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) efetue a localização e cessão de uma área de 850 hectares para
assentamento dos manifestantes.
Tal questão envolve uma área de terras que teria sido deixada de
herança para os ex-escravos e que teria sido esbulhada nas décadas de 1960
e de 1970, cuja ação envolve diversas instituições, famílias e uma cooperativa
da região. O processo tornou-se conhecido nacionalmente a partir de 1981,
quando o Instituto de Terras e Cartografia (ITC), a partir de estudos da
documentação apresentada pelos representantes dos quilombolas, manifestouse pela necessidade de aprofundamento sobre o direito de posse da área de
terras em questão. Desde então uma série de procedimentos foram realizados
e por meio desta pesquisa procurar-se-á identificar de que forma os
descendentes dos escravos estão organizados politicamente para defender o
que julgam ser seu por direito.
Politicamente, sabe-se que a partir de 1995, a Comissão Pastoral da
Terra – CPT, incentivou a formação de uma associação com a finalidade de
98
organizar legalmente as ações comunitárias, o que teria resultado na criação
da Associação Pró-Reintegração da Invernada Paiol de Telha, comunidade
para descendente de escravos, definida como - Associação Civil sem fins
lucrativos sob a inscrição 01.194.255/001-03, com endereço à Rua XV de
Novembro, No 3466, 4o andar, sala 404, Guarapuava-Paraná.
Nos primeiros passos da pesquisa foram encontradas evidencias sobre
o apoio de várias entidades estaduais, principalmente sindicais, que teriam se
manifestado em prol da causa dos quilombolas de Paiol de Telha, entre elas a
Associação de Professores do Paraná (APP – Sindicato), Sindicato dos
Bancários de Curitiba; ACNAP (Associação Cultural Negritude e Ação Popular);
Comissão Pastoral da Terra, SISMMUC (Sindicato dos Servidores Municipais
de Curitiba), Instituto Afro-brasileiro, setorial de negros e negras do PT,
Coletivo de Mulheres Negras.
Além dessas entidades, na região de Guarapuava, a Associação de
Paiol de Telha teria conseguido o apoio da Pastoral da Terra, Pastoral Operária
e Pastoral da Criança, do Diretório Municipal do PT, da Associação de Famílias
de Trabalhadores Rurais de Pinhão- AFATRUP, do Sindicato dos Servidores
Públicos e Professores Municipais de Guarapuava e do Núcleo Sindical da
APP - Sindicatos.
Acredita-se que a aproximação com essa comunidade a partir da
intervenção acadêmica, por meio de atividades de pesquisa e de extensão,
poderá contribuir para a produção de estudos sobre as formas de organização
política e social desenvolvidas pelos afro-descendentes que vivem na
localidade de Paiol de Telha.
Alguns documentos que poderão fornecer embasamento legal ao
presente objeto de pesquisa são: a Lei nº. 13.381/ 01, que torna obrigatória, no
Ensino Fundamental e Médio da Rede Pública e Estadual, o trabalho com os
conteúdos de História do Paraná; Lei 10639/2003, que estabelece a
obrigatoriedade do ensino da temática história e cultura afrobrasileira nos
estabelecimentos de ensino fundamental e médio das redes públicas e
particulares do Brasil; Parecer do Conselho Nacional de Educação- CNE
número 003 de 2004, sobre as Diretrizes Curriculares relacionadas as relações
étnicorraciais, de história e de cultura afro-brasileira; O Estatuto da Igualdade
Racial no Estado do Paraná.
99
Para a elaboração do referencial teórico serão utilizados os estudos
feitos pelas historiadoras de Guarapuava Gracita Gruber Macondes e Alcioly
Gruber de Abreu, pela professora Valderez Pontarollo, para o Programa PDE –
PR, por Mirian Furtado Hartung,bem como resultados de Laudo antropológico
realizado por professores da Universidade Federal de Santa Catarina, na
Invernada Paiol de Telha; (UFSC, Laudo Antropológico). Procurar-se-á ainda,
ouvir e registrar depoimentos dos moradores da Comunidade Invernada Paiol
de Telha Fundão, para a elaboração e a finalização dessa pesquisa.
REFERÊNCIAS
ABREU,
Alcioly Therezinha Gruber de.
A Posse e o Uso da Terra:
Modernização Agropecuária de Guarapuava. Curitiba: Secretaria de Estado
da Cultura e do Esporte, 1986.
_____. e MARCONDES, Gracita Gruber. Escravidão e Trabalho. Fundação
Universidade Estadual do Centro Oeste-UNICENTRO. Guarapuava: 1991.
HARTUNG, Mirian Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados:
escravidão, herança e expropriação do grupo negro Invernada Paiol de
Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.
PONTAROLLO,
Valderez.
As
práticas
tradicionais
religiosas
da
Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão: Estudo de
caso sobre a prática da recomenda das almas. Programa PDE/ Estado do
Paraná, 2011.
SCHLEUMER, Fabiana de e OLIVEIRA, Oseias de. (org) Estudos étnicoraciais. São Paulo: Canal 6 Editora, 2009.
100
O ENSINO DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AS MANIFESTAÇÕES
DE RELIGIOSIDADE DOS AFRO-DESCENDENTES
Neiva da Cruz Antunes Camargo
Lucélia Terezinha Araujo Pietras
Nicéia Rodrigues
Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava
Palavras-Chave: Cultura. Crenças. Práticas. Ensino. Afro-brasileiros.
Considerando-se que a Lei Nº: 10.639 de 09/01/ 2003 incluí no currículo
Oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática relacionada à “História
e Cultura Afro- Brasileira”, bem como que os povos africanos desempenharam
um papel de destaque na formação do povo brasileiro, apresenta-se esta
pesquisa ainda em sua fase inaugural. Pretende-se com tal estudo pensar
sobre as alternativas existentes para o ensino de questões relacionadas às
crenças, aos costumes e às práticas culturais dos povos afro-brasileiros.
A iniciação aos estudos antropológicos no Curso de Ciências Sociais da
Faculdade Guarapuava, levou-nos à percepção que os conhecimentos relativos
à história e cultura afro-brasileira, ainda são pouco disseminados e pouco
conhecidos, principalmente na região sul do Brasil. No decorrer de nossa busca
por textos didáticos e materiais que nos levasse a compreender as crenças e a
religiosidade dos afro-descendentes, fez com que percebêssemos que esse
tema possui vários focos ainda inexplorados e que se apresenta como um
campo amplo para pesquisas e estudos culturais.
Desse modo, fomos atraídas pela diferença dos costumes e dos ritos dos
povos africanos, especificamente aqueles que foram preservados e que
resistiram ao preconceito e a discriminação imposta pelos imigrantes europeus,
desde a colonização do Brasil. Nesse sentido, investigar essa temática tornouse um desafio que pretendemos enfrentar, com a finalidade de estabelecer
concepções sólidas sobre as crenças africanas e seu poder de intervenção
sobre a formação do povo brasileiro.
Nosso objetivo é o de promover estudos sobre a Lei Federal nº
10639/2003 que introduziu o ensino afro-brasileiro no currículo escolar e a
101
partir disso propor alternativas para o ensino sobre a religiosidade dos afrobrasileiros, entendendo-se o estudo cultural, em seus aspectos das crenças e
manifestações populares, pode dar maior visibilidade aos povos, cujos
costumes, foram excluídos do processo histórico brasileiro.
Os questionamentos condutores do nosso trabalho são: quais as
mudanças propostas pela lei que tornou obrigatório o ensino afro-brasileiro em
todas as escolas da rede pública e particular de ensino? Como devem ser
contempladas a diversidade e as relações culturais dos povos africanos? Qual
a importância desses povos no contexto econômico, cultural e social brasileiro?
Essas são algumas questões que problematizam o presente trabalho.
O embasamento teórico desta pesquisa conta com autores como Gilberto
Freire, Mirian Furtado Hartung, Paulo Freire, Octavio Ianni, Caio Prado Junior,
Fabiana Schleumer e Oséias de Oliveira, entre outros.
Esta pesquisa está em consonância procurará com o que preconiza o
decreto presidencial número 6040 de 7/02/2007, que em seu artigo terceiro,
considera que:
Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem
formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição. (Decreto presidencial 6040, art.3º,
2007, p. 22)
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), conforme
alterações propostas pela publicação de 10.639/2003, os professores vem
sendo estimulados a trabalhar a História e Cultura Afro-Brasileira em todos os
currículos escolares, da rede pública e particular de ensino, em áreas
específicas. O tema proposto diz respeito às maneiras de conhecer, divulgar e
preservar as práticas tradicionais das comunidades afro-brasileiras bem como
de valorizar suas manifestações culturais.
Através do parecer CNE/CP 003/2004, das Diretrizes Curriculares, está
incluso no currículo escolar a Educação das Relações Étnicorraciais para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Recentemente as
lideranças do movimento negro paranaense, fizeram aprovar a Lei PL/
102
N°235/09 que determina feriado Estadual da Consciência Negra no dia 20 de
novembro, em homenagem ao aniversário de Zumbi dos Palmares.
9917-3551
A Secretaria do Estado de Educação (Seed) institucionalizou o Fórum
Permanente de Educação e Diversidade Étnicorraciais do Paraná, o qual
institui as Diretrizes Curriculares para a educação das relações étnicas e
raciais e para o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana em
consonância com determinações do Ministério da Educação e Cultura (MEC).
Todas essas políticas reconhecidas e disseminadas pelo Governo
Federal e Estadual servem de ponto de partida para a elaboração de propostas
que possam corresponder ao que já está aprovado em lei.
O embasamento teórico desta pesquisa conta com autores como Gilberto
Freire, Mirian Furtado Hartung, Paulo Freire, Octavio Ianni, Caio Prado Junior,
Fabiana Schleumer e Oséias de Oliveira, entre outros.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Gilberto.
Casa Grande e Senzala.
Rio de Janeiro: Livraria José
Olympio, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HARTUNG, Mirian Furtado. O sangue e o espírito dos antepassados:
escravidão, herança e expropriação do grupo negro Invernada Paiol de
Telha. Florianópolis: NUER/UFSC, 2004.
GOMES, Jackson Jr. et all (org). Paraná Negro: fotografia e pesquisa
histórica. Curitiba: UFPR, 2008.
SCHLEUMER, Fabiana de; OLIVEIRA, Oseias de. (org) Estudos étnicoraciais. São Paulo: Canal 6 Editora, 2009.
DOCUMENTOS CONSULTADOS
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas
transversais. Ética/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1997.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei 10.639/2003 e
11.645/2008; sobre as mudanças em relação aos estudos afro-brasileiros.
103
104
AS TRANSFORMAÇÕES OCORRIDAS NO COTIDIANO, NO
COMPORTAMENTO E NA CONSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA
Joelma Eleutério Chimilovski –
Curso de Ciências Sociais
Faculdade Guarapuava
Palavras-Chave: Educação. Família. Casamento. Cultura. Sociedade.
O presente trabalho apresenta a intenção de pesquisa sobre a
constituição da família, dentro do contexto histórico de diferentes épocas,
buscando
enfatizar
sua
formação
social
relacionada
ao
aspecto
numérico,descendência, cultura, religião e papel dos pais na formação escolar
e social dos filhos por meio de informações em diversas fontes históricas e na
obtenção de dados qualitativos .O estudo de fenômenos acerca da família deve
ser realizado levando-se em consideração modelos culturais específicos a fim
de
estabelecer
posterior
comparação
com
a
formação
da
família
contemporânea.
Considerando-se o conceito de família relacionado à ordem biológica,
faz-se necessário ressaltar seu papel enquanto uma organização da
humanidade que se constituiu sócio-historicamente.
A família constitui-se
enquanto instituição social e não como grupo social, pois o conceito de grupo
social refere-se a um processo de interação contínuo dos indivíduos
considerando objetivos comuns, e a instituição se refere ao conjunto de regras
e procedimentos padronizados dos diversos grupos, como exemplo: existem
várias formações familiares, mas o papel relacionado ao pai, a mãe e aos filhos
obedecem
a
uma
regra
e
basicamente
são
iguais.
De acordo com o materialismo-histórico, a família se origina com a
necessidade de organizar seus modos de produção. Sabendo, portanto, que os
modos de produção se modificaram com o passar do tempo a composição da
família por sua vez também sofreu alterações que serão apontadas
posteriormente.
A família trás consigo diversas responsabilidades histórica, social e
culturalmente estabelecidas, que se dão nas relações familiares e se
desenvolvem em contextos culturais diversos. Este estudo refere-se à
composição familiar enquanto uma instituição social seguindo uma variação de
aspectos relacionados à diferentes famílias, abrangendo questões como
número e tipo de casamentos e suas funções principais tais como: função
sexual, reprodutiva, econômica e educacional. Dentro desta perspectiva, tornase importante o presente estudo. O objetivo a ser alcançado é realizar um
levantamento de informações acumuladas histórico culturais, a cerca da
funcionalidade e constituição familiar dentro de cada contexto histórico.
A palavra família origina-se desta forma do latim "famulus" que
significava literalmente escravo doméstico. A hierarquia se estabelece com os
patriarcas sobre os membros, para mais tarde, com o aumento da população,
estabelecer-se sobre os escravos (MARX; ENGELS, 1980). Por exemplo, no
início da colonização brasileira a família assumiu a forma patriarcal, na qual o
poder e os direitos são obtidos somente pelo patriarca, ou seja, o marido. A
forma de organização familiar se modificou ao longo do tempo devido às
mudanças econômicas, sociais e culturais como, por exemplo: a popularização
dos métodos anticoncepcionais a partir da década de 60, a legalização do
aborto nos países em alguns países, a aprovação da lei do divórcio no Brasil
em 1977, a decadência do casamento e também
a entrada da mulher no
mercado de trabalho decorrente de mudanças sociais que as permitiram se
dedicar a outros interesses além da função de esposa e mãe são aspectos
decorrentes da transformação social.
Todos esses fatores influenciaram diretamente na composição familiar
da sociedade contemporânea, apresentando-se características fora dos
padrões estabelecidos da família enquanto instituição, pois surgem novas
concepções acerca de sua formação, falamos dos novos arranjos familiares
tais como casais homossexuais, casais separados e em segunda união bem
como a transferência de responsabilidades dos pais aos avôs e outros parentes
consangüíneos, no que se refere à formação escolar e humana.
A partir do exposto, pode-se perceber que a família vem se
transformando de acordo com as transformações ocorridas na sociedade
industrial e nos modos de produção. Desse modo, por meio da presente
105
pesquisa procurar-se-á identificar de que forma essas mudanças afetaram o
cotidiano, o comportamento e a ação dos indivíduos na sociedade, a partir de
um estudo sobre. O trabalho segue na mesma linha de pesquisa almejando a
ampliação de pesquisa e em consequência melhores resultados.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Pérsio Santos. Introdução à Sociologia. São Paulo: Ática, 1998.
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
106
CONSIDERAÇÕES SOBRE ASSESSORIA E CONSULTORIA EM SERVIÇO
SOCIAL: ESPAÇO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE
SOCIAL
Sonia Roth Bruger
Graduada em Serviço Social
Faculdade Guairacá
Orientadora: Profª Clarice Battistelli
Palavras-Chave: Serviço Social. Assessoria. Consultoria. Espaço SócioOcupacional.
O Serviço Social enquanto profissão de intervenção social no Brasil,
desde seu início na década de 1930, vem aprimorando sua ação e formação,
resultando na efetivação de grandes avanços e conquistas em torno dos
espaços sócio-ocupacionais. No trato dos seus espaços sócio-ocupacionais na
contemporaneidade a Assessoria/Consultoria é trazida como objeto de análise
deste estudo, partindo de alguns conceitos, competências, habilidades,
procedimentos e ações realizadas nesse processo de trabalho. A pesquisa de
campo, de caráter principalmente qualitativo, permitiu abordar junto aos
sujeitos entrevistados, o entendimento sobre o tema pesquisado, as
perspectivas e os impedimentos vistos para a atuação nesse espaço
ocupacional, utilizando-se como instrumental de coleta de dados, o
questionário com perguntas previamente formuladas, aplicado junto a
profissionais
de
Serviço
Social,
atuantes
e
não-atuantes
em
Assessoria/Consultoria. Diante disso, a pesquisa contribui com a discussão e
produção científica sobre a Assessoria/Consultoria enquanto espaço de
atuação sócio-ocupacional do Assistente Social na contemporaneidade.
O despertar e interesse por explorar este “novo” campo de intervenção
profissional originou-se no campo de estágio: Projeto de Extensão “Assessoria
e Consultoria em Serviço Social”. Esta aproximação com o espaço sócioocupacional trouxe a indagação do motivo da pouca atuação dos profissionais
nesta área. Esta pesquisa teve por objeto de pesquisa a Assessoria e
Consultoria em Serviço Social, tendo como objetivo geral contribuir com a
107
discussão sobre este espaço, enquanto processo de trabalho do Serviço
Social, levantando suas perspectivas frente ao mercado de trabalho e suas
novas demandas, e trazendo como objetivos específicos: buscar conhecimento
teórico histórico do que é assessoria enquanto processo de trabalho do Serviço
Social, bem como entender as competências conforme regulamentação da lei
profissional; conhecer o processo metodológico e operacional desenvolvido
pelo campo da assessoria; identificar as demandas existentes em assessoria
no Serviço Social; demonstrar/refletir sobre as dificuldades e perspectivas para
a atuação profissional no campo da assessoria, na atualidade. Assim sendo, a
realização da pesquisa se deu em torno de como no contexto atual, a
Assessoria/Consultoria em Serviço Social se faz presente.
No decorrer da trajetória histórica do Serviço Social brasileiro, houve
muitas transformações e conquistas referentes à sua prática profissional e ao
seu espaço sócio-ocupacional. Hoje as transformações não param de
acontecer, sejam no meio econômico, político, cultural ou social, sendo
originadas por um sistema que produz e reproduz os interesses do capital,
gerando a cada tempo histórico, novas roupagens às expressões da Questão
Social, as quais também agregam em si, e com mais força, novas formas de
exclusão. Diante dessas transformações são necessárias inovações no modo
de intervir do Assistente Social em busca de ações que possam trazer
mudanças efetivas, onde a Assessoria e Consultoria podem se tornar um
promissor espaço ocupacional para enfrentamento das demandas sociais
contemporâneas.
Neste caso, o profissional Assistente Social fornecerá uma prestação de
serviços especializados com conhecimento na área social, diagnosticando a
realidade e a necessidade de intervenção, indicando as soluções e ações
corretas a serem executadas, desenvolvendo projetos específicos e viáveis às
necessidades demandadas, buscando viabilizar recursos e alternativas para a
efetivação de direitos. Segundo Ruiz (2006, p. 97/98), “[...] assessorar implica
contribuir para a solução de determinada demanda a partir de atribuições,
capacidades e conhecimentos específicos.”
Buscou-se através da pesquisa biliográfica e documental, a construção
dos conteúdos teóricos e legais, de forma sistematizada, para uma melhor
compreensão do objeto analisado, deparando-se com a ausência de produção
108
cientifica específica em Assessoria/Consultoria em Serviço Social, o que
remeteu a busca para outras areas do saber, onde conforme a afirmativa de
Bravo e Matos (Org. 2006, p.19): “O pouco que existe de material publicado
sobre assessoria está localizado no campo da administração [...]”. Com a
pesquisa de campo procurou-se uma maior aproximação com o objeto de
estudo, a partir da vivência dos sujeitos entrevistados em diferentes lugares do
Brasil. Através da pesquisa foi possível identificar que todos os entrevistados
veêm a Asessoria/Consultoria como competência e processo de trabalho do
Assistente Social, sendo um meio de buscar a efetivação e o fortalecimento da
profissão e do Projeto Ético Politico; este processo de trabalho é uma
assistencia técnica sistematizada e contínua, relacionada a área de
atuação/especialização do profissional; através dele se instrumentaliza
grupos/movimentos em matéria especifíca de sua atuação e/ou áreas diversas;
as técnicas de assessoria/consultoria são conhecidas apenas pelos que
exercem esse processo, por iniciativa própria ou aproximação acadêmica.
As dificuldades para a atuação neste processo de trabalho referem-se: a
ausência de reconhecimento e aperfeiçoamento da categoria como um campo
de atuação; entender a visão, missão, filosofia, processo de gestão, dirigentes
e objetivos de trabalho de cada instituição atuante; ausência de alinhamento
conceitual
e
publicização
das
técnicas
e
metodologia;
ausência
de
conhecimento do profissional, incentivo e desenvolvimento dessa prática no
meio acadêmico.
As demandas inerentes a atuação nesse processo de trabalho são
grandes em todas as áreas no mercado: família, empresas, políticas públicas,
judiciário, instituições como nas demais que se manifestam as expressões da
Questão Social, como perspectiva de um processo de implementação em todo
o território nacional, visando o crescimento da profissão. Este é mais um
espaço sócio-ocupacional em que o Assistente Social pode buscar efetivar seu
Projeto Ético-Político, e traz em si múltiplas possibilidades, uma vez que não
depende de vínculos institucionais e empregatícios, sendo este o único espaço
ocupacional que realmente caracteriza a profissão de Assistente Social, como
liberal.
Considerações finais
109
A
realização
desta
pesquisa
possibilitou
verificar
a
Assessoria/Consultoria enquanto competência e atribuição no âmbito dos
processos de trabalho do Serviço Social. Também foi possível identificar que
este processo de trabalho é um campo ainda incipiente na atuação profissional,
devido à ausência de produção teórica e técnica-operacional e, principalmente,
pela pouca apropriação dos Assistentes Sociais nesse espaço sócioocupacional.
Diante das análises de entrevistas constatou-se que as demandas e
perspectivas
referentes
a
esse
espaço
de
atuação
profissional
são
promissoras, pois são múltiplas diante da nova roupagem das expressões da
Questão Social e das exigências das Políticas Sociais Públicas atuais. Sendo
assim, a Assessoria/Consultoria é um espaço sócio-ocupacional do Assistente
Social, legalizado e regulamentado por lei, porém, é preciso que aconteça a
apropriação desse espaço ainda incipiente, buscando a qualificação,
conhecimento e técnicas que esse processo disponibiliza.
Segundo Iamamoto (2007, p. 48-49), o profissional Assistente Social que
deve ser “[...] um profissional criativo e inventivo, capaz de entender o ‘tempo
presente, os homens presentes, a vida presente’ e nela atuar, contribuindo,
também, para moldar os rumos de sua história.” Dessa forma, é preciso que
sejam profissionais não só executivos, mas inovadores e audazes, porque se
“[...] não o fizerem, outros farão, absorvendo progressivamente espaços
ocupacionais até então a eles reservados”. Buscar as competências
necessárias para esta forma de intervenção na área social, é um desafio na
atualidade para o Assistente Social.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Ética do Assistente Social. Lei 8.662/93 de
regulamentação da profissão.-3. ed. rer. E atual. – [Brasília]: Conselho Federal
de Serviço Social, 1997.
BRAVO, Maria S; MATOS, Maurílio C. de. (org). Assessoria, Consultoria e
Serviço
IAMAMOTO, Marilda V. O serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e
formação profissional – 11. ed. – São Paulo, Cortez,2007.
110
RUIZ, Jefferson L.de S. A experiencia de Assessoria Política ao Conselho
Regional de Serviço Social 7ª Região – Rio de Janeiro. In: BRAVO, Maria S;
MATOS, Maurílio C. de. (org). Assessoria, Consultoria e Serviço Social. Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2006.
111
112
CONSIDERAÇÕES SOBRE O MUNDO DAS RELAÇÕES DO TRABALHO
Megi Monique Maria Dias
Estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação no Campo.
UNICENTRO/Campus Santa Cruz – Guarapuava
E-mail: [email protected]
PALAVRAS-CHAVES: Trabalho. Desenvolvimento Econômico. Produção. Massa.
Analisar as formas de produção do trabalho e de Estado do século XX impõe
a necessidade de uma reflexão sobre o desenvolvimento, bem como as crises que
sucedem a permanência do capitalismo como sistema estruturante da sociedade
contemporânea. Alguns estudiosos definem o Estado como “conjunto de todas as
formas organizadas e, portanto, institucionalizadas das classes capitalistas”
(BRUNO, 2001, p. 11).
O papel assumido pelo Estado em assegurar ao capital sua reprodução por
diversos momentos foi caracterizado por uma atuação dupla. Por um lado mantinha
os ideais de valorização do capital e, por outro, agindo como mediador político dos
interesses antagônicos expostos na configuração da sociedade. (NEVES, 1999, p.
14-15)
Sabe-se que o trabalho baseado nas concepções fordista vigorou por boa
parte do século XX, e foi marcado pela intensificação do trabalho. Compreendidos
como apêndices das máquinas, os operários fordistas estavam submetidos às
rotinas de trabalho: repetitivos, massificados, intenso, atuante em prol do aumento
do lucro capitalista. A precariedade imposta pelo trabalho massificado reforçou uma
segunda tendência do modelo fordista de produzir, a de racionalizar a produção por
vias do parcelamento de tarefas, oriundo do modo Taylorista. (GOUNET, 1999)
O surgimento do fordismo/taylorismo na organização industrial automobilística
levou Ford a aplicar os princípios da organização científica do trabalho, na ambição
de atender um potencial consumo de massas. A primeira característica do fordismo
se constituiu pela produção em massa. Isso foi decorrente ao fato de que apenas
essa forma de produção poderia ser capaz de reduzir custos de produção e o preço
de venda dos produtos.
Essa nova forma de produção modifica de maneira radical sua organização. O
desenvolvimento das forças produtivas implicou na elaboração de vários discursos
de valorização ao trabalho, dentre eles o Taylorismo, que priorizava o trabalho em
equipe, a qualidade do trabalho, bem como, a multifuncionalidade, a flexibilização e a
qualificação do trabalhador, todos em prol do metabolismo social do capital, na
busca desenfreada e incontrolável do lucro. (MESZÁROS, 1995 apud. PERES, 2010)
Conhecida como época de ouro do capitalismo, o Welfare State, comumente
designado como aquele que envolve responsabilidade estatal no sentido de garantir
o bem-estar básico dos cidadãos, alcançou forte desenvolvimento entre meados da
década de 1940 e de 1970, concomitante aos regimes de democracia de massas. As
políticas desse tipo de Estado envolvem questões como o papel assumido na
extensão da cidadania social, bem como, sua ação na tentativa de transformação da
sociedade capitalista. Esse modelo de organização exige a compreensão das formas
como se relacionam as atividades estatais com o papel exercido pelo mercado e
família em termos de uma proteção social.
A resposta à crise foi a configuração do Estado Neoliberal, com suas
capacidades de Estado rígido e interventor, flexível e mínimo para as questões
sociais. Nesse novo processo a rigidez da produção em massa passava a ser
ancorada na produção flexível, onde a própria ação dos sindicatos será colocada em
cheque. A necessidade de o modo capitalista superar as crises do capital implicou na
adoção de um novo modo de acumulação, ou seja, acumulação flexível de capital,
na tentativa de manter ou obter maiores taxas de lucros, elemento vital para a
manutenção do sistema.
Quando o desenvolvimento econômico do sistema capitalista entrou em crise
em meados dos anos 70, o Estado não mais existia como espaço regulador da crise,
mas se apresentava como um meio de transição para um novo regime de
acumulação, que por sua vez, resultaria em uma modificação do modo de
regulamentação do capital, do mercado e da força de trabalho. (RAMOS, s/d)
A resposta econômica à crise foi a globalização neoliberal, decorrente da
intensificação da exploração dos mercados existentes e dos novos mercados, com o
objetivo de manter o processo de acumulação e centralização de recursos e
riquezas. Conhecidas como categorias-síntese, o Neoliberalismo e o Pós-
113
Modernismo tem a capacidade de agregarem a totalidade das relações capitalistas,
fundamentais na relação Capital e Trabalho. Do ponto de vista econômico o
Neoliberalismo teve como marco a publicação em 1944 da obra “O caminho da
servidão”, escrito pelo economista Frederich Hayek para quem o mercado é a ordem
natural e espontânea das coisas na sociedade. Enquanto que o pós-modernismo
caracteriza a perspectiva cultural e educacional do capitalismo contemporâneo.
Se na década de 70 e início da década de 80 os nomes da política neoliberal
foram os de Margareth Thatcher (Inglaterra), Ronald Reagan (E.U.A.) e, no Brasil,
Fernando Collor de Mello (com a abertura do mercado brasileiro e o início das
privatizações). Num momento posterior, Fernando Henrique Cardoso se configurou
como o novo protagonista da radicalização de privatizações (Vale do Rio Doce,
USIMINAS, CSN, Telecomunicações, entre outros), o governo de Luís Inácio Lula da
Silva não ficou imune às reformas do capital e conseguiu aprovar reformas de cunho
liberal (Reforma da Previdência, Tributária – não completa, Lei de Falências,
Parcerias Público-Privada)
A nova Reforma do Estado que institucionalizou o Neoliberalismo teve suas
conquistas
ancoradas
na
relação
entre
gerente
e
agente
das
relações
intercapitalistas, sendo que sua intenção se apresentou muito mais viável para o
equilíbrio do mercado financeiro do que para os investimentos na população.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho – Ensaio sobre a afirmação e a
negação do trabalho. Ed. Boitempo, São Paulo, 1999.
ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo
(orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 6.ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, pp. 09-23.
BOBBIO, N. Estado Moderno. In: Dicionário de política. 7.ed. Brasília: Edunb,
1995.
BRUNO, L. Reorganização econômica, reforma do Estado e educação. In:
HIDALGO, A.; SILVA, I.L.F. Educação e estado: as mudanças nos sistemas de
ensino do Brasil e do Paraná na década de 90. Londrina: EDUEL, 2001. p.3-20.
CÊA, G.S.S. Fundamentos da idéia do empreendedorismo e a formação dos
trabalhadores. In. CÊA, G.S.S (Org). O estado da arte da formação do trabalhador
114
no Brasil: Cascavel: Edunioeste, 2007. p.307-325.
115
GOUNET. T Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo:
Boitempo editorial, 1999.
HARVEY, D. A condição pós-moderna. 11 ed. São Paulo: Loyola, 2002.
MARX, K. O Capital, Livro I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
NEVES, L.M.W. Educação e política no Brasil de hoje. 2.ed. São Paulo: Cortez,
1999.
PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylorismo,
fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
SITOGRAFIA
ALVES, G. Reestruturação produtiva, novas qualificações e empregabilidade.
In: Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho.
Londrina: Práxis, 2007. Disponível em: <http://www.giovannialves.org>. Acesso 2010
PERES, Marcos A. de Castro. Do Taylorismo/Fordismo à acumulação flexível
Toyotista:
novos
paradigmas
e
velhos
dilemas.
Disponível
em:
<http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/taylorismo_e_fordismo_toyotismo
1.pdf>. Acesso dia 2011.
RAMOS, Luiz R. Acumulação flexível, Toyotismo e Desregulamentação do
Direito
do
Trabalho.
Disponível
em:
<http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/toyotismodireito.htm>. Acesso dia: 2011
A ORIGEM CONTRATUAL DO ESTADO: CONSIDERAÇÕES SOBRE O
MODELO HOBBESSIANO
Nayara Cristina Bueno
Curso de Especialização em Seguridade Social
Faculdade Guairacá.
E-mail: [email protected]
Palavras-chave: Racionalismo.Thomas Hobbes. Contratualismo.
Introdução
A questão da origem do Estado é muito antiga, por isso, foram
elaboradas diferentes teorias, entre elas estão: a origem pela força, divina, a
partir da vontade dos indivíduos e como conseqüência da divisão da sociedade
em classes.
A origem pela força ou origem violenta do Estado considera que a
organização política resultou ou do poder de convenção ou do poder de
dominação dos mais fortes sobre os mais fracos (Jean Bodin e Gumplowicz);
enquanto que a origem divina considera que Deus criou o Estado, assim, os
reis eram ungidos por ele (Tomas de Aquino, Santo Agostinho); a origem a
partir da vontade dos indivíduos é a primeira que procura explicar
racionalmente a origem e a legitimidade do Estado e será objeto deste estudo;
contrapondo a ela está a origem como conseqüência da divisão de classes
(Marx e Engels), nesta concepção o Estado tornou-se uma necessidade devido
ao desenvolvimento econômico que cria a divisão da sociedade em classes.
Desta forma, a classe que domina a economia precisa institucionalizar sua
dominação através de um Estado.
A origem contratual do Estado ou a origem a partir da vontade dos
indivíduos
se
assenta,
principalmente,
em
três
modelos:
o
modelo
hobbessiano, o modelo lockeano e o modelo roussoniano. Estas diferentes
construções teóricas explicam e justificam a necessidade do Estado a partir da
dicotomia ‘estado de natureza’/estado civil. Desta forma, percebem o Estado
116
como o resultado de um pacto entre os homens, por isso eram chamados de
contratualistas.
As idéias contratualistas emergiram na Europa entre os séculos XVI e
XVIII e compreende todas as teorias políticas que percebem a origem da
sociedade e o fundamento do poder político num contrato, ou seja, num acordo
entre os homens visando o inicio de um estado social e político em detrimento
de um “estado de natureza”.
Assim, os contratualistas eram também racionalistas uma vez que
consideravam a razão humana como essência do real, ou seja, somente a
razão poderia proporcionar o conhecimento adequado da realidade, iluminar o
real e perceber suas conexões, relações, articulações ou interdependência.
Thomas Hobbes (1588 – 1649) filósofo e político inglês viveu em um
período de muitas guerras na Inglaterra, “[...] escreveu sobre política partindo
do problema real e crucial de seu tempo: o problema da unidade do Estado
[...]”(BOBBIO, 1991, p. 26), a qual estava ameaçada pelas discórdias
religiosas, pelo contraste entre Coroa e parlamento e pela disputada em torno
da divisão de poderes, por isso, o seu pensamento central é esta unidade.
(BOBBIO,1991)
Hobbes é considerado o primeiro construtor da teoria do Estado
moderno, sendo este marcado pela ruptura com o Estado Medieval e, ao
mesmo tempo, pela continuidade de uma concepção que transfere para a
“ordem da natureza” os fundamentos da desigualdade social.
O filósofo político escreveu dois livros principais: De cive (Do
Cidadão) em 1642 e Leviathan (Leviatã) em 1651, nos quais assinala a
necessidade de um Estado forte, absolutista, como a única forma do homem
sair da anarquia natural (presente no “estado de natureza”) e estabelecer a paz
(constituição de um Estado).
Estado de natureza, contrato social e estado civil
Hobbes para justificar a necessidade do Estado utiliza uma teoria
hipotética. Assim, faz uso do método resolutivo-compositivo, o que significa
reduzir a realidade a partes mínimas para depois recompô-la como um todo.
117
Desta forma, o seu objeto é o Estado e os elementos deste Estado são os
homens. (MARTINS, 2001)
Para Hobbes no “estado de natureza” os homens são iguais, por isso,
são capazes de causar males uns aos outros, chegando ao maior deles: a
morte. Diante disso, numa situação de escassez dos bens, a igualdade faz
surgir em cada um o desejo de possuir a mesma coisa, gerando desconfiança
recíproca que os leva a se preparar para a guerra e, quando necessária, fazêla. Além disso, o que impulsiona o luta do homem contra o homem é o desejo
inesgotável de poder:
[...] O poder é definido como o conjunto dos meios
empregados para obter uma vantagem futura. Distinguem-se
duas espécies de poder: o poder natural, que depende de
faculdades eminentes do corpo ou do espírito; e o poder
instrumental, que consiste em meios (como riqueza,
reputação, amizades) capazes de acrescer o poder natural.
[...] (BOBBIO, 1991, p.35).
Assim, considerando a busca inesgotável de poder natural e
instrumental de homens livres e iguais, Hobbes considerava o ‘estado de
natureza’ um estado de guerra de todos contra todos, que só sanava com a
morte. Além disso, a condição de guerra era causada porque cada homem se
imaginava poderoso, perseguido e traído pelo outro. Porém, o homem “natural”
de Hobbes não era um selvagem, mas o mesmo que viveria em sociedade.
Segundo Ribeiro (2006), a maioria dos autores de antes do século XVIII
acreditavam que os homens não mudavam, ou seja, os homens não eram
transformados pela história.
O “estado de natureza” seria a condição anterior a constituição da
sociedade civil e condição pré-social no qual os indivíduos existiam de forma
isolada, pois não existiria aquilo que se chama de sociedade.
Para sair do “estado de natureza” os homens utilizam a razão, pela
qual renunciam a sua liberdade ‘natural’ e a posse natural de bens e riquezas,
em troca da liberdade civil. Ao realizarem um pacto social, ou seja, um contrato
para constituírem um Estado como forma de impedir o avanço do egoísmo e
buscar a paz, garantindo, assim, a vida, os homens transferem ao soberano o
118
poder para criar e aplicar leis, tornando-se autoridade política. Neste sentido, o
Estado seria produto da vontade dos indivíduos com objetivo do bem comum:
Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de
homens concordaram e pactuaram, cada um com cada um
dos outros, que a qualquer homem ou assembléia de homens
a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a
pessoa de todos eles (ou seja, de ser seu representante),
todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como
os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e
decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem
protegidos dos restantes homens. (HOBBES, 1997, p.145)
Neste sentido, Hobbes defende um Estado dotado de espada para
forçar os homens ao respeito, por isso o poder do soberano deve ser pleno,
absoluto. Com o pacto cada individuo receberá o que o soberano determinar,
uma vez que os contratantes autorizaram todos os atos e decisões do mesmo
e transformaram o direito natural em direito civil, garantindo a vida, a liberdade
e a propriedade privada.
O soberano, para Hobbes, pode ser um rei, um grupo de aristocratas
ou uma assembléia democrática, porque o que importa é a determinação de
quem possui o poder. Ele deve respeitar os direitos naturais: o direito a vida e a
paz.
Diante do exposto, percebemos que para Hobbes o direito de
propriedade dos bens nasce na sociedade civil, que é o Estado propriamente
dito, sendo, então, um efeito do contrato social e de competência do poder
soberano que pode, inclusive, dividir as propriedades entre os governados
como bem entender.
Considerações finais
Hobbes criou uma teoria que fundamenta a necessidade de um Estado
soberano como forma de garantir o direito a vida e a paz. Para isso, estudou de
forma hipotética o homem no seu ‘estado natural’, sem nenhuma autoridade ou
Estado.
Além disso, sua teoria sustenta-se na valorização do individuo, devido
a legitimidade da preservação da vida e da ilegalidade do dano causado por
119
outrem. Assim, Hobbes considera o homem artífice de sua condição, rompendo
com as teorias que existiam até então, as quais consideravam Deus ou a
natureza donos do destino do homem.
Contudo, podemos considerá-lo conservador, pois acreditava que a
sociedade só poderia se sustentar pela desigualdade, principalmente entre
soberano e governados.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro, editora Campus, 1991.
RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. Francisco C. Weffort
(org). Os Clássicos da Política. 14 ed. São Paulo: Ática, 2006.
SITOGRAFIA
MARTINS, Dayse Braga. O estado natural de Thomas Hobbes e a
necessidade de uma instituição política e jurídica. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2117>.
de 2010.
Acessado em novembro
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IMAGENS E LINGUAGENS URBANAS
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FOTOGRAFIA DAS CONTRADIÇÕES SOCIAIS
Ciro Nascimento Gomes
Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Curso de Publicidade e Propaganda - Unicentro
Affonso Markovicz
Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava
Palavras-Chave:
Linguagem.
Fotografia.
Imagem.
Representação.
Alternativas.
Fotografar é escrever com luz.
Milton Guran
Comunicar-se. Com esse fim os humanos primitivos inauguraram os
gestos, os sons, os desenhos pictóricos, as danças, as músicas cerimoniais,
os jogos, os objetos, os rituais e finalmente as palavras. Na antiguidade com a
codificação dos primeiros alfabetos e o surgimento da escrita, a arte continuou
a expressar a multiplicidade da linguagem humana por meio da arquitetura,
das pinturas, das esculturas, do teatro e da poesia.
Lúcia Santaella escreveu no livro “O que é semiótica”, que existe
simultaneamente uma enorme variedade de outras linguagens que constituem
sistemas sociais, simbólicos e históricos de representação do mundo. Segundo
essa autora, o século XX assistiu nascer e está testemunhando o crescimento
de duas ciências da linguagem. Uma delas é a Lingüística, ciência da
linguagem verbal. A outra é a Semiótica, ciência de toda e qualquer linguagem.
Sobre a descoberta dessa multiplicidade ela escreve:
Cumpre notar que a ilusória exclusividade da língua, como
forma de linguagem e meio de comunicação privilegiados, é
muito intensamente devida a um condicionamento histórico
que nos levou à crença de que as únicas formas de
conhecimento, de saber e de interpretação do mundo são
aquelas veiculadas pela língua, na sua manifestação como
linguagem verbal oral ou escrita. O saber analítico, que essa
linguagem permite, conduziu à legitimação consensual e
institucional de que esse é o saber de primeira ordem, em
detrimento e relegando para uma segunda ordem todos os
outros saberes, mais sensíveis, que as outras linguagens, as
não-verbais, possibilitam. (SANTAELLA, 2007, p.1)
A produção científica da autora possui como meta fazer com que o leitor
perceba que as coisas falam e que procure reconhecer a forma como elas
falam e se comunicam a partir de tudo o que o rodeia:
Haverá, assim, a linguagem das flores, dos ventos, dos ruídos,
dos sinais de energia vital emitidos pelo corpo e, até mesmo, a
linguagem do silêncio. Isso tudo, sem falar do sonho que,
desde Freud, já sabemos que também se estrutura como
linguagem. Tudo aquilo que, na natureza, fala ao homem é
sentido como linguagem. (SANTAELLA, 2007, p.2)
Desse modo, imagina-se uma pesquisa científica com uma temática
social, por meio da qual se possa mostrar além do que poderia ser escrito,
usando-se uma linguagem alternativa, no caso a fotografia. Essa opção surge
a partir do referencial teórico da semiótica, segundo o qual a imagem é tão
importante quanto à fala porque possui o poder de capturar o olhar e produzir
interpretações, significados e sentimentos que passam por mutações
estabelecidas unicamente entre quem olha e o que é olhado:
Nessa medida, não apenas a vida é uma espécie
linguagem, mas também todos os sistemas e formas
linguagem tendem a se comportar como sistemas vivos,
seja, eles reproduzem, se readaptam, se transformam e
regeneram como as coisas vivas. (SANTAELLA, 2007, p.2)
de
de
ou
se
Peirce, o fundador da semiótica, ao expor a linguagem das coisas,
explica que o investigador deve estar pronto para novas idéias, novas
experiências e novas observações. Segundo ele, essas escolhas estão
relacionadas ao modo de vida, lugar e tempo nos quais o pesquisador está
inserido. É justamente nesse sentido que se pretende realizar um estudo das
contradições sociais da cidade por meio de fotografias. Isso se torna possível
porque dentro da semiótica e da sua multiplicidade “a descrição e análise das
experiências estão em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada
canto e esquina de nosso cotidiano” (PEIRCE apud SANTAELLA, p.6).
122
Acredita-se assim, que a fotografia é um instrumento capaz de captar essas
evidências presentes no espaço urbano.
No que diz respeito à preferência por um estudo que privilegie as
imagens em detrimento das palavras e da produção textual, coloca-se também
o pensamento de Saussure:
A língua é uma bateria combinatória, estabelecida por
convenção ou pacto coletivo, armazenada no cérebro dos
indivíduos falantes de uma dada comunidade. Somente na
medida em que nos submetemos a essas regras. (SAUSSURE,
apud SANTAELLA, 2007, p.17)
Um caso que merece citação para validar a importância da pesquisa
acadêmica liberar-se das regras impostas pela linguagem escrita, é o exemplo
do fotografo brasileiro Sebastião Salgado, que em 1997 publicou o álbum
Terra, com lançamento simultâneo em mais de 100 países, e que se constitui
em um dos mais valiosos documentos sobre a situação dos excluídos do Brasil.
Sobre o poder de denúncia social que a fotografia possui, Milton Guran
em “Linguagem fotográfica e informação”, pondera que as imagens fotográficas
possuem um particularismo e uma linguagem própria e inconfundível:
Sendo a participação do autor (fotógrafo) balizada por uma
técnica completamente vinculada às especificidades de uma
determinada realidade, a foto resultante pode traduzir com
bastante rigor a evidência dessa realidade. (GURAN, 1992,
p.15)
Para Douglas Kellner, autor de “A cultura da mídia”, as imagens ajudam
a urdir o tecido da vida cotidiana, modelando opiniões políticas e
comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam
sua identidade (KELLNER, 2001, p.34).
Para a conclusão desta exposição é interessante abordar que ao abrir
espaço para a fotografia no universo acadêmico da pesquisa científica, cria-se
uma rota alternativa às mídias que controlam as informações sobre o mundo
social e que, na maioria das vezes, criam simulacros e representações da
realidade. Sobre a necessidade de apresentar experiências que possam
reduzir esse monopólio de informações, o sociólogo Pierre Bourdieu, pede
nossa atenção no livro “Contrafogos”:
123
Através do poder quase absoluto que detém sobre os grandes
grupos de comunicação, isto é, sobre o conjunto de
instrumentos de produção e de difusão dos bens culturais, os
novos senhores do mundo tendem a concentrar todos os
poderes, econômicos, culturais e simbólicos. E assim estão em
condições de impor muito amplamente uma visão de mundo de
acordo com seus interesses. (BOURDIEU, 2001, p.95)
Certamente, se as universidades e faculdades ampliarem o seu espaço
para experiências de pesquisa com linguagens alternativas, serão elas a
principal referencia para o desenvolvimento de novos padrões de informação
que possibilitem notícias concretas do mundo social, compreensíveis para
todos os tipos de leitores.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
GURAN, Milton. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio
Fundo, 1989.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.
SALGADO, Sebastião. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. Texto digitado, disponível em: <jusoperandi.blogspot.com/.../o-que-semiotica-lcia-santaella.html>. Acessado em
março de 2011.
124
BIOTECNOLOGIAS COOPERATIVISMO E DESENVOLVIMENTO
125
SUSTENTÁVEL: O EXEMPLO DA COOPAFLORA NO MUNICÍPIO DE
TURVO – PR
Débora Machado
Deniam José Viana
Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Orientadora: Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes
PALAVRAS-CHAVE: Agricultura Familiar. Desenvolvimento Sustentável. Ervas
Medicinais. Cooperativismo. Parcerias.
Uma das questões mais debatidas neste início de século, está
relacionada ao surgimento de um modelo de sociedade organizada a partir de
uma base econômica, social, cultural e ambiental mais sustentável. Jalcione
Almeida, em A problemática do desenvolvimento sustentável, procura elucidar
a concepção dessa prática:
A noção de desenvolvimento sustentável vem sendo utilizada como
portadora de um novo projeto para a sociedade, capaz de garantir, no presente
e no futuro, a sobrevivência dos grupos sociais e da natureza. Transforma-se,
gradativamente, em uma categoria-chave amplamente divulgada, inaugurando
uma via alternativa onde transitam diferentes grupos sociais.(ALMEIDA, 1997,
p.20).
Tais leituras contribuiram para a elaboração de um projeto de pesquisa
sobre a Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de
Turvo – Coopaflora, que teve sua fundação em janeiro de 2006, no município
de Turvo,
Região Central do Paraná, macrorregião de Guarapuava ,
que
caracteriza-se pela posse e preservação de uma das maiores reservas nativas
de araucárias do Sul do Brasil. Com chuvas regulares, clima frio, altitude média
de 1000m, o município é conhecido regionalmente pelo desenvolvimento de um
programa de cultivo de ervas orgânicas de excelência, tais como Alcachofra,
alfazema, alecrim, calendula, camomila, capim-limão, carqueja, cavalinha,
chapeu de couro, endro, espinheira-santa, funcho, macela, manjericão,
manjerona, melissa, menta, oregano, pata-de-vaca, poejo, sálvia, setesangrias, tanchagem e tomilho,
A Coopaflora reúne agricultores e técnicos agrícolas e congrega 85
famílias
de pequenos produtores rurais, inseridos em uma área de 765
hectares. Incluindo-se familiares, funcionários e prestadores de serviços, a
comunidade atendida pela cooperativa envolve mais de 430 pessoas, que
adotaram o sistema agroecológico de produção como opção de trabalho e
filosofia de vida.
Segundo dados constantes do site institucional “a Coopaflora oferece um
mix de diversos produtos orgânicos desidratados, o qual é composto
basicamente por plantas medicinais, condimentares, aromáticas e erva-mate.
Estes produtos são comercializados a granel ou beneficiados em forma de
chás
e
temperos.
Considera-se
ainda
que
todas
as
propriedades
compreendidas pela entidade possuem certificação orgânica , o que assegura
a qualidade dos produtos oferecidos aos consumidores.
Os certificados são oferecidos Ecocert, empresa que teve sua origem na
França,na década de 1990, a partir de famílias organizadas em torno dos
movimentos em prol da agricultura orgânica. A Ecocert do Brasil surgiu em
2001 a partir de uma parceria entre agricultores franceses e brasileiros com a
finalidade de referenciar certificação sócio-ambiental para produtos que
incorporam em seu processo de produção, normas de respeito e proteção ao
meio ambiente, reciclagem de materiais e respeito às condições de trabalho.
Os atestados emitidos pela Ecocert tem validade para mercados nacionais e
internacionais.
Desse modo, acredita-se que a Coopaflora contribui de modo
significativo para a conservação dos remanescentes florestais de araucária,
bem como com a recuperação dos ambientes florestais já degradados, ao
mesmo tempo em que busca estimular a melhoria das condições de vida das
famílias de pequenos agricultores , através do desenvolvimento da agricultura
familiar sustentável, baseada na agroecologia.
Entre os benefícios oferecidos pela Cooperativa referendam-se , o
desenvolvimento familiar sustentável; preservação e recuperação ambiental;
126
enriquecimento da cadeia produtiva de erva-mate; expansão das atividades
econômicas na Região Central do Paraná; promoção do turismo rural através
da valorização de sua gente e seu ecossistema.
Leva-se em conta a formação de parcerias com organismos como o
Sebrae, Ministério do Turismo, The Nature Conservancy – TNC
e Natura
Cosméticos do Brasil. Esta última, promoveu para o Dia das Mães 2011, uma
campanha, na qual colocou em destaque sabonetes de pitanga, juntamente
com a informação de que tais frutos são colhidos pelos agricultores familiares
da Coopaflora. O lançamento dessa campanha em nível nacional, bem como
sua aceitação, foi o insight necessário para a proposição de um estudo
cientifico com recorte espacial regional.
Justifica-se assim o interesse pelo tema e a definição do objeto de
estudo deste trabalho no sentido de observar a integração sistêmica em três
aspectos: a exploração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico e
a mudança social.
REFERÊNCIAS
BARRERE, Martine (org). Terra, patrimônio comum: A ciência a serviço do
meio ambiente e do desenvolvimento. São Paulo: Nobel, 1992.
BECKER, Dinizar Fermiano (org). Desenvolvimento sustentável:
Necessidade e/ou possibilidade? Santa Cruz do Sul (RS): EDUNISC, 1997.
CAVALCANTI, C. (org.). Sociedade e natureza: estudos para uma
sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim
Nabuco, 1998.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra: Ecopedagogia e educação
sustentável. São Paulo: Peirópolis, 2000.
SITOGRAFIA
<http://www.arvoredobrasil.com.br/>. Acessado 2011.
<http://www.ecocert.com.br/certificacao.html>. Acessado 2011.
127
EDUCAÇÃO INDIGENA: ABORDAGENS TEMÁTICAS E
128
SOCIODIVERSIDADE DOS POVOS INDIGENAS NA REGIÃO DE
GUARAPUAVA
Luciane Pietras
Thais dos Santos
Thiago da Luz Brito
Curso de Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Orientadora: Profª. Ms. Cerize Nascimento Gomes
Palavras-Chave: Indígenas. Diversidade. Costumes. Educação. Identidade.
O desafio que se nos coloca, é o de como pensar a diferença. Diferença entre
povos, culturas, tipos físicos, classes sociais: estará fadada a ser eternamente
compreendida e vivida como desigualdade? Como relações entre superiores e
inferiores, evoluídos e primitivos, cultos e ignorantes, ricos e pobres, maiores e
menores, corretos e incorretos, com direitos e sem direitos, com voz e sem
voz?
Aracy Lopes da Silva
A Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, por meio dos
artigos 26, 26 A e 79 B, assegura o direito à igualdade de condições de vida e
de cidadania , assim como garantem igual direito às histórias e culturas que
compõem a nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da
cultura nacional a todos os brasileiros. A Lei 11.645/2008 tem a seguinte
redação:
O art. 26-A da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a
vigorar com a seguinte redação: “Art. 26-A.
Nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático
a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história
e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e
dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os
conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos
povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo
o
currículo
escolar.
(Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/2008/lei/l11645.htm>. Acesso
em 2011).
Desde 2008, o estudo da história dos povos indígenas no Brasil tornouse obrigatório em todas as escolas da rede oficial de ensino do país, tanto
públicas como privadas. A lei que determina a obrigatoriedade do ensino do
tema em sala de aula foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e
publicada no dia 11 de março de 2008, no Diário Oficial da União.
A medida, válida para todas as escolas de ensino fundamental e médio,
passou desde então a fazer parte de todo o currículo escolar, sem a
necessidade de mudança na grade curricular. Isso porque a lei sancionada não
exige a criação de novas disciplinas, mais sim uma atenção maior aos
conteúdos sobre os quais possam ser feitas abordagens sobre a questão
indígena. Como a temática indígena é interdisciplinar, entende-se ainda que a
formação dos professores deve adequar-se às mudanças ocorridas na política
educacional:
Os professores devem ser qualificados para o ensino das
diferentes áreas de conhecimento; com formação para lidar com
as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações,
sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações
entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre
descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos
indígenas. Estas condições materiais das escolas e de formação
de professores são indispensáveis para uma educação de
qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e a
valorização da história, cultura e identidade dos povos indígenas.
(Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil/2008/lei/l11645.htm>
Acesso
2011.)
Outra normatização sobre a questão está no decreto 6.861/2009, que
descreve como objetivos da educação escolar indígena a valorização das
culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade
étnica; o fortalecimento das práticas socioculturais e das línguas indígenas; a
formulação e manutenção de programas de formação de professores e de
conteúdos culturais; a afirmação das identidades étnicas e consideração dos
129
projetos societários definidos de forma autônoma para os povos indígenas.
(Disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
2010/2009/Decreto/D6861.htm).
Tomando-se
esse
referencial
normativo
para
o
estudo
das
comunidades indígenas, procurar-se-á por meio do desenvolvimento desta
pesquisa identificar as crenças e os elementos da cultura material dos indígenas
da mesorregião de Guarapuava, observando-se sua interação com o meio
ambiente, a produção de objetos como ferramentas, instrumentos, utensílios e
ornamentos, a escolha e utilização das matérias-primas e
as atividades
envolvidas na confecção desses artefatos. Além disso, prevê-se a identificação
dos elementos simbólicos relacionado às crenças, costumes e ritos desses
povos indígenas, bem como algumas as formas de sociabilidade tribal.
Desse modo, prioriza-se a construção de conhecimentos teóricos e
o desenvolvimento de projetos de intervenção social que possam contribuir para
a elaboração de políticas públicas de gestão social relacionadas às reservas
indígenas da região de Guarapuava, bem como com novos elementos para o
tratamento da questão indígena em sala de aula.
REFERÊNCIAS
ALVARES, Myriam Martins. A educação indígena na escola e a domesticação
indígena da escola. Boletim do MPEG: Série Antropologia, Belém : MPEG, v.
15, n. 2, p. 223-51, dez. 1999.
LEVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.
SILVA, Aracy Lopes da (Org.). A temática indígena na escola. Brasília:
MEC/UNESCO, 1995.
SOUZA, Nabira Gerim (Org). Diretrizes para a política nacional de educação
escolar indígena. Brasília: MEC/SEF, 1994.
DOCUMENTOS
Lei de Diretrizes e Bases da Educação/1996 atualizada em 2011. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf>. Acessado 2011.
Lei 6.861/2009 – Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2009/Decreto/D6861.htm>. Acessado 2011.
130
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
131
QUEM VAI ENSINAR O QUE PARA QUEM?
Larize de Lima Belo
João Luiz de Campos
CURSO DE CIENCIAS SOCIAIS
Faculdade Guarapuava
PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Educação. Formação docente.
A questão ambiental entrou nos programas das ciências sociais a partir
da década de 1970, a partir dos movimentos ecológicos gestados pela
contracultura e desde então conquista importantes espaços. No final do século
XX a temática já estava consolidada nos cursos de graduação e também de
pós-graduação das principais universidades mundiais. No início do século XXI,
diante de um quadro ambiental bastante caótico é impossível para a sociologia
negar a importância dos estudos sobre o meio ambiente.
Os cientistas que fazem o mapeamento de dados e coletam informações
sobre as questões ambientais, atestam com preocupação o esgotamento dos
recursos da Terra, a acumulação do lixo e as transformações climáticas. Essa
afirmação é feita por Daniel Botkin, professor de biologia e de estudos do meio
ambiente da Universidade da Califórnia, autor de vários livros sobre ecologia.
Segundo o pesquisador escreve em Qual ecologia para o século XXI? a ciência
e a natureza estão em permanente conflito e quanto mais acelerado é o
desenvolvimento do capitalismo, maiores são os problemas relacionados à
questão ambiental:
O meio ambiente tornou-se uma das principais preocupações
dos países desenvolvidos. O lixo, a poluição, o buraco de ozônio
são assuntos comuns de discussão. Ninguem deseja instalações
industriais perto de sua casa e todos temem os efeitos que
podem ter sobre o clima os gases do efeito estufa. Os países em
desenvolvimento, por seu lado, continuam na corrida por um
maior crescimento econômico e por bem-estar, objetivo que a
alguns parece cada dia mais longínquo. (BOTKIN, 1992, p.9)
Como conciliar as exigências do desenvolvimento com as do meio
ambiente? Essa é a grande questão colocada pelo autor.
Para Botkin, a educação ambiental só ganhou espaço depois que os
resultados das pesquisas sobre o tema se tornaram públicos e que as
catástrofes tecnológicas e naturais multiplicaram-se causando crises e mortes
em várias regiões do Planeta. Fritjof Capra, físico e filósofo, autor de várias
obras sobre poluição ambiental, energia nuclear e saúde pública. No livro O
ponto de mutação, publicado na década de 1980, por meio de projeções
cientificas, ele alertou que as duas últimas décadas do século XX seriam
marcadas por graves crises mundiais que teriam como causa principal a
despreocupação dos países do Norte com o meio ambiente.
Sobre isso ele
escreveu:
Milhares de toneladas de material tóxico foram descarregadas
no meio ambiente e continuam se acumulando no ar que
respiramos, nos alimentos que comemos e na água que
bebemos. O ecossistema global e a futura evolução da vida na
Terra estão correndo sério perigo e um desastre ecológico em
larga escola não está descartado. (CAPRA, 1995, p.20)
Sobre os graves riscos que esses problemas trazem para a saúde
pública o autor traçou um panorama nefasto:
As doenças nutricionais e infecciosas são as maiores causas de
morte nos países periféricos, enquanto isso nos países
industrializados as pessoas são flageladas por doenças crônicas
e degenerativas. Em todo o mundo aumentam os casos de
câncer, enfarte e derrame. A depressão e a esquizofrenia
parecem brotar paralelamente à degradação da natureza.
(CAPRA, 19954, p.22)
A pesquisadora Cerize Gomes, estudiosa da obra de Fritjoj Capra
explica que o autor foi um dos primeiros cientistas a preocupar-se com as
implicações do meio ambiente sobre as questões sociais (GOMES, 2010,
p.81). Segundo ela a análise do impacto do caos ambiental sobre o universo
social é cada vez mais amplo e as estatísticas apresentadas na primeira
década do século XXI confirmaram as conclusões apresentadas nos estudos
de Capra nas duas últimas décadas do século XX.
Diante dos dados cada vez mais alarmantes sobre mudanças climáticas
e caos relacionados à falta de preservação ambiental essa temática conquista
novos espaços na área das Ciências Sociais e das Ciências Humanas, o que
132
faz com que os temas relacionados ao meio ambiente sejam cada vez mais
presentes nas linhas de pesquisa de Sociologia, Antropologia e Ciência
Política. Daí o interesse na elaboração de pesquisa que possa resultar na
apresentação de sugestões didáticas sobre a temática ambiental.
REFERÊNCIAS
BOTKIN, Daniel. Qual ecologia para o século XXI?In: Terra: Patrimônio
Cultural. São Paulo: Nobel, 1992.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1995.
GOMES, Cerize Nascimento. Sobre Sociologia: Fundamentos de Teoria
Social para futuros historiadores. Guarapuava (PR): Unicentro, 2010 .
GRIPPI, Sidney. Lixo: reciclagem e sua historia. Rio de Janeiro: Interciência,
2001.
133
134
CONSIDERAÇÕES SOBRE A APROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE
CASAIS HOMOAFETIVOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O
IMPACTO SOCIAL DESSA NOVA FORMA DE FAMÍLIA
Lais Martins Oliveira
Curso de Direito – 3º ano
Faculdades Guarapuava.
PALAVRAS-CHAVE: Homoafetividade. Vinculo afetivo. União Estável.
O presente trabalho não tem o intuito de esgotar o tema, mas discorrer
sobre os efeitos e reflexos da recente decisão proferida pelo STF, “equiparação
da união homoafetivas à união Estável”, breve trajetória histórica da causa e
seu efeito na sociedade, bem como se a mesma esta preparada para conviver
com essas sensíveis mudanças.
A liberdade sexual compreende tanto o fato de os brasileiros se
relacionarem com quem quiser, a hora que quiser e como quiser quanto ao fato
de sua orientação sexual. Conforme Maria Berenice Dias, “a sexualidade
integra a própria condição humana do individuo, e lhe acompanha desde seu
nascimento (DIAS, 2010, p. 200)”. Diante disso, o individuo não pode estar
fadado à infelicidades somente para atender padrões sociais impostos pela
maioria.
Contudo, apesar de ser ponto pacífico a necessidade do reconhecimento
dos direitos dos casais homossexuais, a grande questão é se a sociedade esta
preparada para os efeitos da equiparação da união homoafetiva à união
estável?
A mídia mostra as crescentes manifestações de violência contra os
homossexuais no Brasil, a revolta se acentua por parte dos acéticos à medida
que o judiciário reconhece os direitos de tal classe. O que se pretende discorrer
é justamente sobre o desencadeamento de uma onda de preconceito e
violência por conta da disparidade de opiniões e valores que se constata no
vasto território brasileiro.
Através do método qualitativo, documental e teórico bibliográfico o
presente trabalho compara documentação indireta, posições doutrinárias,
dados, com a intenção de demonstrar a importância de preparar, ou ao menos
tentar preparar a sociedade para receber tal mudança.
O homossexualismo já esteve classificado como doença e instituído na
Classificação Internacional de Doenças - CID, no capítulo “dos Sintomas
Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais”, posteriormente retirado e tendo
seu termo alterado de Homossexualismo, o sufixo “ismo” remete a doença,
para homossexualidade porque o sufixo “dade” significa modo de ser (DIAS,
2010, p.197).
A Lei Maria da Penha (11.340/2006) promoveu novas perspectivas aos
casais homossexuais quando definiu união entre pessoas do mesmo sexo
como entidade familiar, ao protegê-la da violência doméstica, em seu artigo 2°:
“Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, [...] goza
de direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”.
Em decisão recente, em maio de 2011, o STF reconheceu união entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Deu-se por julgamento de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI/4277) ajuizada pela Procuradoria
Geral da Republica e Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
(ADPF/132), Ajuizada pelo Governador do rio de Janeiro, Sergio Cabral.
Fundada em preceitos fundamentais constitucionais como igualdade e
liberdade e o princípio da dignidade da pessoa humana, acolhida por votação
unânime no congresso, conforme abaixo transcrito:
Obrigatório o reconhecimento, da união entre pessoas
do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que
atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união
estável entre homem e mulher; que os mesmos direitos e
deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se
aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo
sexo.
Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da
Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132
como ação direta de inconstitucionalidade, por votação
unânime. Prejudicado o primeiro pedido originariamente
formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas
todas as preliminares, por votação unânime. Em seguida, o
Tribunal, ainda por votação unânime, julgou procedente as
ações, com eficácia erga omnes e efeito vinculante,
135
autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre
a mesma questão, independentemente da publicação do
acórdão. (www.stf.jus.br)
Maria Berenice Dias, ao defender a causa, destaca o principio norteador
da Carta Magna, à dignidade da pessoa humana. Quando se trata de vinculo
afetivo, não há como deixar de invocar a Constituição Federal, nem os
princípios norteadores do Direito (DIAS, 2010, p.199).
Em contra partida a Decisão do supremo, Gonçalves
diverge do
posicionamento da ilustríssima corte tanto em relação a equiparação da “união
homoafetiva” à união heterossexual, quanto ao “casamento homoafetivo”,
assim argumenta o autor:
Malgrado alguns países como Espanha, a Holanda, a Bélgica, o
Canadá e o Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos,
admitam o casamento de pessoas do mesmo sexo, no Brasil o
casamento entre pessoas do mesmo sexo não pode ocorrer.
Subliminarmente percebe-se a oposição do autor a união de
casais homoafetivos e isso se evidência quando relata que “a
constituição Federal ao proclamar que os direitos e deveres
referentes a sociedade conjugal são exercido igualmente pelo
homem e pela mulher , (art. 226, §§°3 e 5°). Só admite-se
casamento entre pessoas que não tenham o mesmo sexo, esse
posicionamento é tradicional e já salientado nos textos clássicos
romanos”. (GONÇALVES, 2008, p.127)
Já o voto do ministro Gilmar Mendes, (ADI/4722), “os homossexuais tem
o mesmo direito concedido aos casais heterossexuais que vivem em união
estável, exceto os direitos típicos da relação entre homem e mulher”. Ou seja,
os homossexuais não poderão realizar o casamento civil, mas terão seus
direitos garantidos.
Acompanhando Gonçalves e totalmente contra a já referida Decisão do
supremo o Advogado da Confederação Nacional Brasileira dos Bispos – CNBB,
Hugo José Cisneiros, se pronunciou afirmando que o supremo Tribunal Federal
ultrapassou os limites de sua competência e com tal decisão descaracterizou a
identidade familiar e ameaçou a sua estabilidade.
Já o voto do ministro Gilmar Mendes, (ADI/4722), “os homossexuais tem
o mesmo direito concedido aos casais heterossexuais que vivem em união
estável, exceto os direitos típicos da relação entre homem e mulher”. Ou seja,
136
os homossexuais não poderão realizar o casamento civil, mas terão seus
direitos garantidos.
Contudo, Percebe-se que as divergências não são poucas, nem tão
simples, pelo contrário tocam os íntimos valores morais, da sociedade e
também de seus representantes. Note-se que a disparidade de opiniões em
torno da matéria, está presente em todas as faixas etárias e em todas as
classes sociais. O debate sobre o tema deve se desenvolver com respeito às
diferenças não só de opção sexual, mas também de pensamento. Caso isso
não ocorra, teme-se que quando a proposta chegar ao Congresso Nacional,
manifestações e protestos de ambos os lados possam tumultuar o debate e ter
repercussões prejudiciais ao bem estar e a ordem social.
Assim sendo, um dos objetivos deste estudo é antecipar as reflexões em
torno da questão para que a sociedade possa ter argumentos relativos aos dois
posicionamentos, tanto daqueles que defendem a união homoafetiva, quanto
daqueles que são contra a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
Neste sentido, são inúmeros e incontáveis os reflexos no ordenamento
pátrio da decisão supra citada. A partir de leitura do artigo União Homoafetiva:
o preconceito e a busca pelo reconhecimento citam-se os argumentos mais
relevantes:
1. Evitar o enriquecimento ilícito dos parentes de um dos
integrantes do casal em caso do falecimento do outro, ou mesmo
que o patrimônio do de cujus se integre ao patrimônio da união
por herança vacante; 2.direitos previdenciários; 3. quanto aos
consulados em relação aos vistos; 4.seguro DPVAT e a União
de Seguradoras privadas; 5. além dos demais direitos de família
e direitos sucessórios que serão idênticos para o casal
homossexual, 6.tais como adoção. Justamente por isso a
necessidade de uma consciência uniforme de toda a sociedade.
(MARCELINO, 2009, p.3)
Quanto à omissão legislativa, em seu voto (ADI /4722, pg www.stf.jus.br)
o ministro Ayres Brito relata que o judiciário tem feito “ás vezes do Legislativo”,
fundamentado no Art. 4° da LICC (Lei de introdução ao Código Civil): “na falta
de Lei o Juiz decidirá por analogia, costumes, princípios gerias do direito”.
Desta forma a falta de lei sobre a matéria não é sinônimo de inexistência de um
137
direito, afirma o ministro, entendendo ele que as pessoas não podem estar
prejudicadas apenas por omissão legislativa.
Há autores como Berenice Dias que vão mais longe no debate político e
social ao afirmar que a escusa do Legislativo se dá em virtude de medo de
desagradar seu eleitorado ao aprovar Leis que protegeriam a minoria. (DIAS,
2010, p.201).
Para compreender a decisão do STF, argumenta-se que o Estado tomou
como compromisso o artigo 5° da Constituição Federal: “Igualdade, a
Liberdade, a segurança e a propriedade”.
Esse é o preceito fundamental,
relacionado à recente decisão do STF, uma vez que todas as circunstâncias
exigem do legislador a tutela legal desta polêmica entidade familiar formada
pelos casais homoafetivos.
Apesar das discordâncias em torno da matéria, percebe-se que tanto a
sociedade civil, quanto os poderes constituídos caminham em direção a
garantia de estabilidade que possa garantir os direitos mínimos aos casais
homoafetivos.
Berenice Dias insiste que a mudança social implica em mudança no
mundo do direito. Segundo ela, é preciso lembrar que há 40 anos a mulher
não integrava o mercado de trabalho e não tinha direito ao beneficio
maternidade, também às questões homoafetivas há pouco tempo não
despertava a atenção do judiciário (DIAS, 2010, p.201).
Ou seja, são os
movimentos e as manifestações sociais que movem o debate político, cultural e
jurídico.
Considerações finais
Entendendo-se que a partir do divórcio surgiram famílias mantidas só
pela mãe ou pelo pai; as multifamílias fruto da união de casais separados, com
filhos, a mãe solteira, e agora surge a questão dos casais homoafetivos,
certamente uma das mais polêmicas em torno da vida familiar. Apesar dos
números apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica –
IBGE, a partir do CENSO 2010, de que existem atualmente no Brasil 60 mil
casais homoafetivos o tema encontra resistência em questões morais e
religiosas bastante proeminentes em determinados grupos sociais.
138
A discussão dessa pauta permite que se pense em algumas questões
fundamentais, por exemplo, como queremos que as crianças de hoje sejam
adultos mais preparados, abertos às novas formatações de família que já estão
explicitadas no universo do direito, se a resistência à matéria está presente em
todas as famílias?
Ao mesmo tempo como exigir que adultos procedentes de uma
educação conservadora ou pessoas criadas sob o peso do Regime Militar nas
décadas de 1960, 1970 aceitem o casamento homoafetivo? E no caso dos
idosos que passaram a vida toda sem tecnologia, sem internet, sem qualquer
aprofundamento teórico sobre o universo do direito, em um mundo em que as
mulheres não podiam trabalhar nem votar, aceitem tais idéias com
naturalidade? E ainda, o que dizer de uma grande massa populacional que
socialmente e juridicamente aceita, mas moralmente não aceita esse tipo de
união?
Esses questionamentos devem ser debatidos em coletividade e em
profundidade, pois mesmo entre os magistrados existem divergências. Resta
acrescentar que a sociedade evolui justamente a partir dessas contradições e
que a tendência do
direito é acompanhar as transformações sociais e
ultrapassar os resquícios do conservadorismo. Ainda assim é preciso
acrescentar que mesmo com a normatização das leis, os poderes Legislativo e
Judiciário não podem impor um comportamento à sociedade.
Como o Brasil é um país de imensa diversidade cultural, social, religiosa
e política, sua população tem condições para o enfrentamento das
problemáticas que decorrem do debate sobre a união homoafetiva. Porém, a
partir desse breve estudo, conclui-se que mesmo com a possível aprovação da
matéria pelo Congresso Nacional, como já o foi pelo STF, ainda assim será
preciso muito tempo para que alguns grupos sociais mais conservadores e
resistentes aceitem esse novo formato de família.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, São Paulo. 6° Edição.
Revista dos Tribunais, 2010.
139
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, São Paulo. Vol. VI, 5°
Edição. Editora Saraiva, 2008.
SITOGRAFIA
MARCELINO, Andrey de Alcantara e outros. União Homoafetiva: preconceito e
a busca pelo reconhecimento. Encontro Internacional de Produção Cientifica
Cesumar. VI EPCC, 2009. Disponível em: WWW.cesumar.br. Acessado em 11
de maio de 2011.
www.ibge.gov.br. Acessado em 11 de maio de 2011.
www.stf.gov.br . Acessado em 11 de maio de 2011.
140
141
O CAMPO COMO CENÁRIO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA DE
EDUCAÇÃO: SABERES E FAZERES DA TERRA A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DO PROJOVEM NO MUNICÍPIO DE CANDÓI (PR)
Ilda Aparecida da Silva Ressai
João Rodrigues
Curso de Ciências Sociais
Faculdade Guarapuava
Palavras-Chave: Educação do Campo. Políticas Públicas. Agricultura. História.
Sociedade.
O objeto da presente pesquisa está relacionado à educação do campo,
um tema em crescimento desde a última década do século XX e que
recentemente conquistou espaço entre os educadores e financiamentos
públicos governamentais, com a verificação do surgimento de cursos de
graduação e de pós-graduação na área.
Desse modo, procurar-se-á por
meio de competente investigação científica, apresentar um panorama das
primeiras mudanças ocorridas no Município de Candói,
na região de
Guarapuava (PR), com o registro dos saberes e fazeres que estão sendo
construídos pelos educadores e educadoras do campo, enfatizando sua
relevância social em função de seu compromisso com o desenvolvimento
social e a redução da pobreza, da miséria e da violência.
Ao mesmo tempo, pretende-se estudar a importância da educação do
campo para a produção de alimentos saudáveis, e conseqüentemente, para a
melhoria das condições e da qualidade de vida, não apenas para os
educandos, mas também para os seus familiares e sua comunidade.
A história da luta dos camponeses pela terra e pela educação
A história da educação do campo foi marcada por lutas e conquistas ao
longo do tempo. Na década de 1920 foram criadas as primeiras ligas
camponesas do Brasil, começando pelo nordeste e espalhando-se por todo o
território. Mesmo que durante o governo de Getulio Vargas, tenham sido
registrados os primeiros avanços dos pequenos agricultores, inclusive na
questão da Reforma Agrária, cuja pauta começou a ser discutida no congresso,
houve repressão às ligas camponesas o que impediu historicamente o
desenvolvimento dos projetos políticos e sociais voltados para a agricultura.
Nas décadas de 1940 e de 1950 houve a retomada do debate sobre o
assunto e a reorganização de projetos considerados prioritários. As lideranças
voltaram a debater os direitos dos pequenos agricultores. Porém, com o golpe
militar de1964 os movimentos ligados à questão agrária foram novamente alvo
de desmobilização social e política, vítimas de censura e perseguição, e os
grupos que haviam sido formados passam para o anonimato.
Somente em 1984 com o fim da ditadura militar os movimentos em
defesa da reforma agrária ressurgiriam com a finalidade de recolocar na ordem
do dia o debate sobre as questões relacionadas à posse e ao uso da terra. Em
1990, o Congresso Nacional retomou o debate sobre a questão agrária. Em
1997, surgiu o Programa Nacional de Reforma Agrária – PRONERA, um
projeto especificamente voltado para a educação do campo, tendo em vista o
atendimento às prioridades apresentadas pelos assentamentos. Em 2002, com
o governo de Luís Inácio Lula da Silva, ocorreram mudanças na base política,
e com o advento do governo do Partido dos Trabalhadores, o projeto
relacionado
a
educação
voltada
especificamente
para
o
campo, foi
transformado em lei.
Reflexões teórico-conceituais sobre educação do campo
A partir desse momento, as reflexões teórico-conceituais para as políticas
de educação, passam a ter o campo como cenário das políticas públicas
brasileiras. Este projeto de pesquisa insere-se nessas reflexões e pretende
debater a educação do campo por meio de um estado sobre o Projovem Campo Saberes da Terra, um projeto especificamente voltado para as
diversidades encontradas no campo que tem como compromisso atender as
necessidades específicas e múltiplas dos diversos sujeitos que compõem a
população do campo.
142
Uma Educação, ou reeducação voltada para a agricultura familiar, passou
a ser no início do século XXI, um conceito promotor de abertura para novas
práticas, tanto no que diz respeito à produção dos alimentos e à boa
alimentação, como no que tange a uma nova postura quanto ao aspecto
ambiental, ou seja, estimular a sustentabilidade e a produção sem o uso de
agrotóxicos e com os devidos e necessários cuidados com o solo, os rios, as
nascentes, dentre outros remanescentes ambientais, fazendo com que tais
ações tornem-se inerentes aos pequenos agricultores, sujeitos do campo.
Soberania alimentar: saberes e fazeres da Terra
Esta concepção sugere novos caminhos a serem cursados e que são
contrários ou alternativos à produção agrícola dos grandes latifúndios,
contrapondo-se a idéia de produzir apenas para satisfazer o sistema capitalista,
tendo como propósito a construção de uma ideologia de produção que está
intimamente relacionada ao que a educação do campo intitula de soberania
alimentar.
Os educadores e as educadoras do Projovem - Campo Saberes da Terra
aparecem nos projetos políticos como investigadores e disseminadores do
conhecimento, com a função de elucidar os seus educandos quanto ao valor
que os mesmos têm como produtores e sujeitos do campo, e de igual modo a
importância da sua intervenção cidadã e transformadora do mundo social.
Portanto, ao elaborar esta intenção de pesquisa, considerou-se de suma
importância a proposta da educação do campo e suas representações para as
Diretrizes Educacionais, uma vez que suas concepções fogem das convenções
e das tradições, tornando propícia, cada vez mais profícuo o intercambio entre
saberes e fazeres do universo rural e urbano.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. O Camponês e seu corpo. In: Revista de Sociologia e
Política. Curitiba, 26 p. 83-92. jun.2006.
BRASIL. Diretrizes operacionais para a Educ. Básica: escolas do campo.
Resolução CNE/CEB n° 1 de 03 de abril de 2002 (MEC – SECAD).
143
SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no loop da montanharussa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.140p.
144
UM OLHAR DA PSICOLOGIA SOCIAL SOBRE A PESSOA COM
NECESSIDADES ESPECIAIS: OLHAR PARA A DIFERENÇA E SER
OLHADA COMO DIFERENTE
Luciana Sékula
Ciências Sociais – Faculdade Guarapuava
Palavras-Chave: Olhar. Linguagem. Relações Humanas. Necessidades
Especiais. Exclusão.
Não há ninguém que veja a verdade sem ser com os olhos,
e os olhos são sempre os olhos de alguém.
Gianni Vattimo
A presente pesquisa procura chamar a atenção para as perspectivas sobre
o olhar de quem olha e de quem é olhado enfatizando-se o papel de sujeitos e
de objetos dos diversos olhares. Focaliza-se o tema na apreensão e na
produção da diferença no contexto das relações humanas em geral e
especificamente entre os portadores de necessidades especiais em particular.
Refletir-se-á, neste texto sobre a multiplicidade de formas que podem ser
assumidas na perspectiva de quem olha e de quem é olhado/estigmatizado,
enfatizando-se o papel de sujeitos e de “objetos” de diversos olhares.
Concebendo-se o olhar como uma maneira de posicionar-se no/frente ao
mundo.
Os olhos são considerados o meio mais eficaz de comunicação entre o
mundo interior dos seres humanos e o mundo exterior. Popularmente, fala-se
dos olhos como “janelas da alma”. Os gregos utilizavam a palavra empatia para
significar a capacidade de olhar através dos olhos do outro, pela perspectiva do
outro, capacidade esta considerada como a forma suprema de solidariedade. O
olhar é, também, compreendido como uma linguagem que constrói e se realiza
no contato com os outros, nas inter-relações.
145
Neste aspecto aponta-se para níveis de relações humanas que vão do
desconhecimento, passando pela aproximação e simpatia, até a possibilidade
de alcançar a empatia. O texto sugere como foco o olhar na apreensão e na
produção da diferença no contexto das relações humanas em geral e
especificamente entre os portadores de necessidades especiais em particular.
Tomando-se como suporte teorias e experiências procura-se tratar sobre a
diferença entre olhar para a diferença e ser olhado como diferente.
Os seres humanos, individuais e coletivos, passam por diversas fases
concomitantes, sucessivas, costuradas, estabelecendo relações consigo
mesmos e com os outros. Essa demarcação de relações é permeada pelas
concepções advindas de cosmo visões, de ideologias, de teorias da educaçãogeradoras e direcionadoras de olhares – e da forma como são implementadas
e mantidas essas formas pelas instituições sociais.
A relação do ser consigo mesmo é uma tarefa de construção e de
desconstrução. O individuo sofre a intervenção de nstituições como família,
escola e igreja que têm no aparato jurídico sua base social. Diante dessas
intervenções percebe-se que há muito que destruir para possibilitar a
construção da individualidade dos sujeitos sociais. Tem-se aqui um aspecto
que caracteriza um dos maiores desafios de uma vida individual que se
manifesta no coletivo, e que tem na escola uma das suas principais mediações.
Esse desafio é a passagem da heteronomia (aquela situação em que se está
completamente susceptível às opiniões dos outros, dependente física ou
emocionalmente dos outros) para a autonomia, a liberdade do individuo para a
construção de processos de criação e socialização.
Na
relação
com
os
outros,
há
alguns
estágios
ou
graus
de
proximidade/trocas: a) desconhecimento (o outro não existe); b) indiferença
(existe, mas não me diz nada); c) (in) tolerância (está presente-física ou
afetivamente- e me mobiliza; d) anti/sim-patia (está presente-física ou
afetivamente- e me mobiliza); e) empatia (muda o foco: o decisivo é a forma
como EU “olho”). Isso significa que pelo olhar estabelecem-se relações e
realizam-se experiências que permitem aprendizagens e transformações.
146
Nessas trocas são datadas e situadas relações afetivas, que acabam sendo
desencadeadas realizadas num lugar e numa época especificas, responsáveis
pela construção de processos históricos. Esse lugar/tempo caracteriza-se por
ser não inclusivo para a maioria, uma vez que a diferença é apreendida como
defasagem, como defeito social. A diversidade - exatamente a condição que
poderia propiciar o enriquecimento das relações humanas- diante da
padronização social, estabelecida por uma minoria, denominada classe ou
grupo dominante, sofre a interferência de critérios pré-concebidos.
E é neste contexto que a questão do olhar-aqui aprendido no sentido lato,
de órgão da visão e de conexão ideológica - deve ser compreendida, mediante
algumas indagações pessoais: quando olhamos para os portadores de
necessidades especiais conseguimos nos dar conta de que pelo nosso olhar
eles podem estar sendo olhados do ponto de vista dos padrões estabelecidos
por um grupo ou classe dominante? Damo-nos conta de que podemos estar
sendo meros ventríloquos de outras vozes e olhares, interessados em garantir
que os olhados permaneçam no seu lugar? Conseguimos, nos colocar
empaticamente no ponto de vista dos portadores de necessidades especiais
que estão sendo olhados?
Responder a estas questões é fundamental uma vez que há uma diferença
entre a situação de quem é autor/ ator do olhar e da condição de quem é
paciente/receptor de olhares que são dirigidos. Mas uma coisa é você olhar
para; é você dispor-se a; é você engajar-se; é querer olhar e se comprometer
de uma forma diferente com os diferentes, este coletivo que compõe o conjunto
dos portadores de necessidades especiais. Outra coisa bem diversa é você
ser o olhado e não aquele que olha! É ser o que fica na condição de ser olhado
e de ser excluído pelo olhar! Não é que este não olhe. Evidentemente o
excluído continua olhando, mas é muito diferente ser autor do olhar que
estigmatiza e ser o olhado estigmatizado.
É muito, muito diferente colocar-se na condição de quem está sendo olhado,
de quem, por um atributo da sua natureza, por uma diferença no seu corpo ou
pela falta de um sentido, órgão ou algum membro, pela sua etnia, pela sua
147
raça, pela sua cor, pela sua religião, pelo seu sexo, ou seja, qual outra
diferença for, é subjugado à condição de quem está sendo olhado!
Entre o que olha e o que é olhado há um oceano de condições diferentes.
O que olha, é soberano, dono do olhar e da direção do olhar. O outro, o
diferente, aquele que é olhado, fica na dependência da decisão e da direção do
olhar daquele que olha! Assim sendo, quem olha tem em suas mãos, parte da
responsabilidade pela escrita de uma história que não pode mais ser relegada
á condição de nota de rodapé.
REFERÊNCIAS
BIANCHETTI, Lucídio. Um olhar sobre a diferença. São Paulo: Papirus, 2000.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. São Paulo: Editora
Nacional, 1976.
148
149
A PSICOLOGIA DO CLOWN NO COMPORTAMENTO SOCIAL
Relato de experiência com o projeto cultural Dantemus do Município de
Reserva do Iguaçu - PR
Sergius Ramos
Curso de Ciências Sociais - Faculdade Guarapuava
Orientador: Prof. Ms. Ernando Brito Gonçalves Junior
Palavras-Chave: Clown. Comportamento. Educação Social. Improviso. Arte.
A pesquisa em andamento visa estabelecer um parâmetro associativo
com base nos estudos do ofício cômico do clown (palhaço de mil faces). Estilo
de palhaço que busca na própria alma do ator circense o encontro com suas
falhas e necessidades através do improviso individual ou coletivo. O improviso
é um elemento cuja investigação pode contribuir para o exame da constituição
de um espetáculo teatral e através desta o participante expressa suas
emoções. Através de métodos de educação social o estudo será realizado a
partir das experiências conduzidas na aplicação de medidas sócio educativas e
inclusão social através da arte.
Aliando a orientação social com a arte, nos baseamos nas relações
sociais e suas interdependências, a partir das experiências em Educação
Social realizadas pelo Projeto DANTEMUS de Reserva do Iguaçu, que utiliza a
psicologia social como base nas prerrogativas que tangem os participantes
deste projeto. Os dados analisados têm como fonte relatórios dos profissionais
envolvidos, tanto na área das artes quanto na área de atendimento
psicossocial, depoimentos de alunos e pais.
A proposta de investigação visa mostrar as possibilidades de
transformação do comportamento de crianças e adolescentes em cumprimento
de medida sócio educativa ou em risco social, para inclusão através do estudo
das artes circenses, com enfoque no clown e suas perspectivas de explorar o
universo do “eu emocional”.
Uma simbiose da máscara da comédia e da
tradição farsesca francesa e anglo-saxônica; unindo essas características o
clown é a pessoa que fracassa, que bagunça sua vez, e, fazendo isso, dá à
audiência o senso de superioridade. Através de seu fracasso, ele revela sua
profunda natureza humana, que nos comove e nos faz rir, é um perdedor feliz.
Esse é o fio condutor que aliamos a arte ao comportamento como forma de
envolvimento e transformação social.
Sobre a arte
A arte faz parte da vida e da cultura de um grupo, de um povo. É uma
linguagem, uma forma de expressar e comunicar significados por meio de
símbolos. Autor e público se deixam tocar num processo “de duas mãos” que
envolve pensamento, intuição, sensibilidade e imaginação. A arte é a realidade
percebida de outro ponto de vista; o artista desafia as coisas como são para
revelar como poderiam ser.
Presente em todas as culturas, a arte exprime sentidos, educa a
sensibilidade, possibilita o exercício da imaginação. A arte tem uma função
social: retrata uma situação que a sociedade está vivendo e pode despertar
questões sobre ela. Ao fazer um trabalho de arte, desenvolvemos muitas idéias
e utilizamos diversos materiais, dando forma a experiências e valores
humanos. Ampliamos o conhecimento que temos de nós mesmos, do outro e
da realidade em que vivemos. Esse processo contribui para nos tornar
cidadãos. No ofício de arte-educadores trabalha-se diariamente com o jogo
dramático como mediador da criatividade do sujeito que se manifesta na
resolução dos problemas propostos pela própria instrução do jogo.
O homem como ser influenciado pelo meio em que vive é motivo de
estudo constante e o seu corpo físico e psicológico devem ser observados
intrinsecamente, como uma interligação simbiótica. Na vida, nenhuma
manifestação desenvolve-se em uma mesma velocidade, a velocidade
aumenta ou diminui. O movimento tem um começo e um fim, mas a sua
metade não está no meio. Falar do movimento, do ritmo, do espaço e do
tempo, é falar da vida e de seu mistério. "O espaço é a medida do tempo",
disse Aristóteles.
O movimento não é somente um deslocamento de linhas, ele propõe ao
espaço pressões e tensões. As forças jogam assim uma contra a outra, uma
com a outra, dando uma consistência viva e vibrante ao espaço. Definir seu
150
percurso é superficial. Uma escultura de Rodin, imóvel em sua própria matéria,
move-se em si mesma e faz com que se mova o espaço que a rodeia:
organizam-se em sua forma as contradições motoras da dinâmica. O
"empurrar/puxar" é o motor direcional que se desenvolve como: empurrarse/puxar-se e ser-empurrado/ser-puxado. É nesse nível que o movimento
toma sua verdadeira dimensão, organizando-se, no tempo-espaço, pelo ritmo.
O teatro de alto nível de representação coloca o corpo em um espaço de
tensão mais alto do que o que é usado habitualmente na vida. Chega-se assim
a estabelecer uma escala de tensões do corpo em sete níveis. Cada um
desses níveis acolhe um estilo diferente de teatro, cada vez mais forte, a partir
de deslocamentos variados, tais como caminhar, sentar; também com o uso da
palavra.
A experiência de Reserva do Iguaçu
Usando métodos que envolvem essas premissas, a pesquisa se pauta
em experiências realizadas desde 2008 na cidade de Reserva do Iguaçu com o
projeto DANTEMUS, que absorve os objetivos acima descritos, mas com o
desejo de mostrar que é possível criar uma realidade mais próxima e mais
humana, através da arte que tem a capacidade de transformar a realidade,
viver sonhos e ilustrar mundos imaginários.
Assim como proposta de estudo, o ator principal é o ser humano. Os
alunos recebem informações e transformam estas em ações vivas. E uma
dessas ações resulta em espetáculo de improvisação coletiva, onde o clown –
que é o palhaço de mil faces – é base da criação destas cenas. Poderia ser
somente mais um espetáculo para soltar o riso, mas a preocupação com o
colega que está do lado também faz parte da realidade que nos cerca.
É preciso observar minuciosamente cada movimento, cada ação e, a
partir
dessa
observação
estabelecer
metas
e
métodos
flexíveis
no
acompanhamento das crianças e adolescentes. A educação através da arte
possibilita alcançar resultados satisfatórios, mas é preciso olhar além do que
enxergamos, é preciso transver esse olhar. O equilíbrio e a racionalidade são
as principais virtudes, não se pode deixar iludir e nem se arriscar. Tudo é
planejado. Porém, às vezes, é preciso imaginar e pular etapas. "O olho vê, a
151
lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso transver o Mundo", como diz
o poeta Manoel de Barros. Dessa forma as aulas no projeto DANTEMUS,
querendo transver realidades e planejando etapas que poderiam ser facilmente
mudadas conforme as necessidades.
Em uma das experiências de 2008 a proposta foi usar o clown como
forma primária para originar outros personagens, sejam eles sérios ou cômicos.
Os alunos atuaram a partir de um roteiro improvisado sob orientação, onde não
havia falas determinadas, mas ações que davam seqüência à história. Todos
os alunos da rede municipal assistiram ao espetáculo durante a comemoração
do Dia da Criança, possibilitando a reflexão acerca do companheirismo. A
evolução na interpretação foi constante da primeira para a última sessão
apresentada, deixando claro que o contato com o público faz com que os
próprios alunos/atores percebam onde podem e como devem mudar no
contexto que vivenciam.
Buscando atingir cada vez mais os objetivos de identificar as
possibilidades são preparados novos jogos de cena e convivência. Geralmente
os resultados dos jogos são transferidos para um molde estético que irá se
caracterizar em cenas e em futuras “mini” peças ilustrativas, entretanto as
possibilidades do uso do jogo dramático não findam por aí, muito pelo
contrário. Se dermos um passo atrás perceberemos que o ato de selecionar os
jogos compreende em si uma busca por um objetivo. Outro ponto a observar
são os resultados, nada estéticos por enquanto, que emergem de simples
instruções, mas que se intensificadas podem revelar universos que o aluno
mascara no dia a dia.
O projeto trabalhou com a inclusão e desmistificação de conceitos,
buscando valorizar o ser humano em sua identidade social e sugerindo
possibilidades de crescimento. Supervisionado pela Secretaria Municipal de
Assistência Social de Reserva do Iguaçu, o DANTEMUS atende crianças e
adolescentes de 7 a 18 anos com o intuito de despertar além de seus talentos,
a responsabilidade e a convivência social.
Buscando formas alternativas de encontrar estes caminhos, a proposta
está sempre em constante transformação, conforme exigem as mudanças que
todos os dias trilham novas possibilidades. As áreas temáticas abordadas nas
aulas são pensadas em todos os âmbitos, com o intuito de apontar formas de
152
convivência/vivência para promover responsabilidade social e valorização do
ser humano, a partir das crianças e dos adolescentes.
Os professores envolvidos no projeto, além de seus conhecimentos
artísticos, constantemente estão em capacitação e planejamento de ações
interdisciplinares e coletivas, objetivando atingir cada vez mais o seu ideal de
intervenção sobre a sociedade, no sentido de propiciar a busca de crescimento
individual e social.
Considerações Finais
Há três anos nesse projeto, a orientação social tem possibilitado ver
mudanças significativas no comportamento social de crianças e adolescentes.
A busca destes pelo aprendizado é visível nas apresentações de resultados
constantemente realizadas em apresentações no Município e na região.
Podem ser apontados diversos aspectos positivos e negativos dos
resultados obtidos, como em todas as coisas que fazemos. Houve uma
melhora significativa no comportamento, na fala e nas formas de analisar as
situações que surgem. O fazer artístico nesse caso, é apenas um subterfúgio
para expor e explorar os sentimentos dos alunos na busca de formas de
auxiliá-los no desenvolvimento como seres humanos. Há a necessidade desse
trabalho constante, pois a cada fase a transformação se faz necessária para
acompanhar a evolução das coisas que mudam a cada instante. Alguns se
encaminham para a vida profissional e com certeza talentos são despertados
nesse processo, ainda que nenhum esteja latente e pronto a atuar
efetivamente, a continuidade é a única forma de preparar de fato o próprio
aluno para ser ‘instrutor/educador’.
Importante é frisar o despertar social e profissional e o encaminhamento
agora para o aprendizado, mas também a auto valorização, o despertar pelo
interesse em observar mais a fundo o próprio desenvolvimento, o envolvimento
com o mundo social, enfim, a capacidade de intervir sobre a realidade e
transformá-la por meio da arte.
REFERÊNCIAS
153
LECOQ, Jaques. The moving body. The teaching creative theatre.
Translated
from Le corps Poétique by David Bradby. A theatre Arts Book.
Routledge.New York, 2001.
RODRIGUES, Aroldo. Psicologia Social. Petropolis, Vozes, 12ª Ed., 1988.
WEIL, Pierre. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação nãoverbal. Vozes, 59ª ed., 1986.
ROMANS, Mercè. Profissão: educador social. trad. Ernani Rosa. Porto
Alegre, Artmed, 2003.
SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin, trad. de Ingrid
Dormien Koudela. São Paulo, Perspectiva, 2008.
154
155
“EU” E “NÃO-EU”: PONDERAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES
OCIDENTE/ORIENTE A PARTIR DE OBSERVAÇÕES SOBRE A MORTE DE
OSAMA BIN LADEN
Rodolfo Grande Neto
Curso de História –2º Ano
Unicentro - Universidade Estadual do Centro-Oeste.
Orientadora: Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia. Cultura. Eu. O outro. Fronteiras.
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto.
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto.
É que Narciso acha feio o que não é espelho.. (Caetano Veloso)
O texto em questão apresenta uma reflexão a partir da
teoria da
dialética e da estética hegeliana, com a finalidade de demonstrar como as
sociedades, principalmente aquelas que se organizam de forma capitalista,
encontram dificuldades em despir seus valores tradicionais para compreender
e aceitar o outro.
Hegel parte da critica aos filósofos românticos que ao analisarem o “eu”
e o “não-eu” acabam desprezando este último, transformando o que não fazia
parte da construção do seu eu, apenas em ponto desconhecido,
a ser
superado ao invés de ser apreendido. Para dar embasamento teórico ao
presente estudo validam-se as concepções de Jean Hyppolite em Introdução à
filosofia da historia de Hegel, Paulo Menezes em Hegel e a Fenomenologia do
Espírito, Claude Levi-Strauss em Antropologia estrutural e de Aron Raymond
em Etapas do pensamento sociológico.
As leituras de Hyppolite e Menezes, sugerem que a filosofia de Hegel
incita alguns questionamentos: E se tudo aquilo em que sempre se acreditou e
se entendeu como correto fosse simplesmente uma ilusão? E se Deus na
verdade se chamar Alá ou se for uma mulher? Para que lugar irá todas as
certezas desde sempre cultivadas? Será que o ser humano está realmente
pronto para encarar o que é novo? Estará preparado para aceitar o diferente
mesmo que ele acabe ferindo suas crenças mais íntimas? Quantos desafios
terão que ser vencidos para realizar o encontro com o outro?
A partir da busca de respostas para tais indagações filosóficas, entendese que apesar do discurso acadêmico e midiático sobre a
globalização, a
aproximação dos povos, a quebra de fronteiras, a pluralização das culturas e a
aceitação do que é diferente, permanecem descobertos preconceitos que
aprofundam o abismo entre o “eu” e o “não-eu”.
Um exemplo recente desse distanciamento cultural num mundo global,
foi a morte do líder extremista Osama Bin Laden pelo governo dos Estados
Unidos da América e a forma como o mundo Ocidental comemorou o ato
praticado pelos soldados norte-americanos. O que essa celebração da morte
de Bin Laden realmente significa?O comportamento dos governos e da
população dos países centrais do Norte, no momento do abate de um
adversário considerado o inimigo número um do imperialismo, tornou-se uma
referencia para evidenciar a “supremacia” de um pensamento (Ocidente) sobre
outro (Oriente Médio).
Essa mesma dualidade cultural e ideológica está presente na sociedade
mediante a idéia – bastante antiga – da eterna luta entre o bem e o mal. Nesse
sentido, a filosofia ocidental desenvolveu o aparato intelectual necessário para
que jamais, nada que seja contrário a sua crença política, econômica e social,
seja visto com empatia. Isso significa que qualquer visão que possa ser
destoante da ocidental, mesmo que não esteja necessariamente errada, será
automaticamente descartada ou ignorada – ou quando considerada perigosa –
eliminada. O antropólogo Claude Lévi-Strauss, escreveu sobre essa estratégia,
no caso sobre o comportamento de tribos australianas, porém a mesma
relação pode ser feita em relação aos muçulmanos marcados pelo conflito
entre o “eu” e o “não-eu”:
Um indivíduo consciente de que é objeto de um malefício fica
profundamente convencido pelas tradições mais solenes do seu
grupo, de que está condenado, e
parentes e amigos
compartilham a certeza. A partir de então, a comunidade se
retrai, todos se afastam do maldito e se comportam com ele
como se, além de já estar morto, representasse uma fonte de
perigo para todos os que o cercam. (LÉVI-STRAUSS, 2008,
p.181).
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Ao se tomar o caso de Bin Laden como objeto de estudo, não se
pretende tornar justificáveis suas atividades ou sua ideologia política , pelo
contrário, tais atos só demonstram um radicalismo idêntico ao dos países
norte-americanos, especialmente os EUA que os muçulmanos tanto criticam. O
objetivo é causar reflexões sobre o modo como o comportamento político de
países de “primeiro mundo” pode ser comparável ao das tribos australianas
Quanto ao imperialismo ocidental capitalista, entende-se que a
manutenção e a defesa do “eu” imperialista - economicamente, belicamente e
politicamente em vantagem sobre povos considerados primitivos ou selvagens
- é semelhante a uma batalha permanente que acaba por não dar chances
para qualquer defesa da outra parte.
Ao partir de países considerados “civilizados” que apregoam a tese de
criar um mundo conectado, um mundo sem fronteiras e sem desigualdades,
esse comportamento monopolizador de riquezas culturais e econômicas, serve
para demonstrar que os pressupostos teóricos que se defendem com unhas e
dentes não se aplicam na prática. Assim sendo, propõe-se confrontar o
discurso do individualismo neoliberal com a diversidade sociocultural, porém
antes disso, é necessário entender que nem sempre – ou quase nunca – a
cultura predominante (do seu ponto de vista) é a mais correta ou a mais
coerente.
As leituras promovidas sobre as referências bibliográficas deste trabalho,
informam que o desejo permanente de estar certo, de estar correto e de ser
coerente e justo é o que causa a relutância do “eu” ocidental em aceitar o “nãoeu”. Isso significa que aquilo que não reflete a si mesmo, mas que sugere a
existência do outro , é condenado à ignorância justamente por ser capaz de
revelar o não ser dos países capitalistas. Como diz a letra de Caetano Veloso:
Quanto eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto.
Chamei de mau gosto o que eu vi, de mau gosto, mau
gosto. É que Narciso acha feio o que não é espelho.
(VELOSO, Caetano, letra da música SAMPA).
Assim sendo, diante do que não é espelho jogam-se reflexos do que nós
somos sobre o ser dos outros povos e nações. Isso ocorre porque retroceder
diante da diferença seria reconhecer que a soberania dos países imperialistas
não é plena e que seu poder é limitado pelo direito do outro. Ao mesmo tempo
surge naturalmente o reconhecimento de que os conceitos de superioridade e
inferioridade são sempre discutíveis. Tal idéia de relatividade cultural gera
desconforto e instabilidade, pois o encontro com o “não-eu” pode comprometer
projetos, alterar conceitos e mudar aquilo que se considera natural na ordem
mundial imperialista.
Compreende-se com este breve estudo sobre a morte de Bin Laden que
propor alternativas para debater o confronto entre o “eu” (Ocidente) e o “nãoeu” (Oriente) é dispor-se a correr riscos e expor-se em demasia. O ego da
sociedade neoliberal funciona como o verdadeiro ídolo da sociedade ocidental
contemporânea. Coloca-se acima de todas as diferenças e de todos os outros.
Sustentado pelo individualismo e pelo consumismo, o Ocidente nega
permanentemente a existência do outro, mesmo que em seu discurso
pronuncie-se em favor dos direitos daqueles que diariamente exclui.
O reconhecimento do “não-eu” é muito mais difícil do que podem
pressupor as teorias filosóficas e sociais. A concepção do outro, a comunhão
com a diferença significa automaticamente assumir alguma beleza, alguma
singularidade e alguns traços de perfeição no outro, o que sugere
imediatamente as imperfeições do “eu”. Diante dessa constatação, a sociedade
capitalista que funciona como uma grande empresa teme tornar-se obsoleta.
Raymond Aron sugere que para manter seu status quo e parecer literalmente
o melhor de todos os sistemas existentes, o “eu” ocidental coloca-se acima, e
para isso é preciso que todo o resto esteja abaixo.
No sentido de promover uma ruptura com a idolatria da própria
identidade do Norte industrializado, considera-se o objetivo de identificar
aspectos teóricos que na prática permitam reduzir as distancias entre o “eu” e o
“não-eu”. Entre nós e os outros. Nesse sentido, esta pesquisa pretende
encaminhar-se por rotas que impliquem no lançamento de pontes que
aproximem os diferentes, estabeleçam diálogos entre os divergentes e criem
laços entre os distantes.
Para tanto, o conflito entre a idéia de “eu” e “não-eu”, terá que ser
revisitado. Essa visitação tem por meta o reconhecimento dos modos pelos
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quais o eu individualizado passa a excluir automaticamente tudo o que ele não
é. Em teoria, se para negar o que não somos precisamos compreender o
significado de não sermos, a especificidade dessa intenção de pesquisa reside
no fato de dispor-se a pensar sobre o que não somos. O “não-eu” torna-se
nossa referência investigativa. Dessa forma, principia-se a interação entre “eu”
e o outro.
Diante desses pressupostos, prima-se pela dialética Hegeliana, segundo
a qual,
tudo o que forma os seres humanos parte de uma idéia de tese,
antítese e síntese, ou seja, um confronto de idéias que se mesclam e acabam
por criar uma mediação, uma simbiose que por meio de construções teóricas
estruturadas, sob os mais variados pontos de vista, nos transformam no que
somos e nos colocam em oposição ao que não somos.
Percebe-se assim, que a criação do próprio “eu”, bem como nossa
concepção do outro, é apenas uma ilusão. Uma vez que para essa gestação,
utilizam-se modelos prontos e padrões definidos - na maioria das vezes
arcaicos e conservadores, ortodoxos e ultrapassados - para classificar o que
somos e o que não somos, pode-se afirmar que o que convencionamos chamar
de próprio “eu” é apenas a somatória de um processo sobre o qual exercemos
pouca ou nenhuma intervenção
A filosofia hegeliana possibilita indagar se as bandeiras levantadas todos
os dias, os ideais defendidos com a própria vida , bem como as crenças cegas
em conceitos e dogmas em nome de um “eu” que recusa a existência do outro,
é sinal de consciência e desenvolvimento ou de ignorância e estagnação.
Concluí-se que não reconhecer o outro não se trata apenas de um
preconceito sem cabimento, negar o diferente está relacionado a um processo
de auto-afirmação que, a partir da construção de uma unidade de pensamento
garante apenas estabilidade e aceitação própria e perante os iguais. Além das
fronteiras do mundo ocidental existe uma porção de terras e gentes, crenças e
costumes, que quando fragilizados, inexistem perante esse “eu” formatado
acima de tudo e todos. Já quando o outro oferece a sombra de possíveis
ameaças, torna-se motivo de guerras contra forças do mal, como foi o caso da
invasão do Iraque e do Afeganistão, no início do século XXI. Essa política
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imperialista extrai das vítimas o sentimento de pertencimento a um povo, uma
religião e uma cultura dignas.
Finalmente, sobre o caso da morte de Osama Bin Laden, bem como no
caso de outros muçulmanos considerados terroristas, ao comemorar a derrota
árabe, automaticamente – mesmo que inconscientemente, se aceita que o
estilo de vida norte-americano tem superioridade sobre os demais. Como a
sociedade brasileira esta constituída a partir dos
padrões funcionais e
adaptáveis dos países capitalistas e pouco conhece sobre as sociedades
árabes, com o auxílio da mídia perpetua-se o distanciamento e alarga-se o
abismo entre ocidente/oriente.
As concepções em torno do que somos e do que não somos, sem
reflexões consistentes, continuam a fechar as portas de um mundo sem
fronteiras. Constrói-se assim um mundo economicamente globalizado, mas
culturalmente tribal. A filosofia apresenta-se aqui como uma poderosa
ferramenta de pesquisa para as áreas de Ciências Sociais e de Ciências
Humanas.
REFERÊNCIAS
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo.
Martins Fontes. 1993
HYPPOLITE, Jean. Introdução à filosofia da historia de hegel. Rio de
Janeiro. Elfos, 1995.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify,
2008.
MENESES, Paulo. Hegel & a fenomenologia do espírito. Rio de Janeiro.
Jorge Zahar, 2003.
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BLOCH E WEBER: ENSAIO SOBRE OS DIÁLOGOS ENTRE A ESCRITA DA
HISTÓRIA E DA SOCIOLOGIA DURANTE OS SÉCULOS XIX E XX
Gisele Cristina Fogaça
Curso de História
Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro
Palavras – Chave: História. Historiografia. Sociologia.
Este trabalho procura apresentar uma revisão teórica de alguns autores
da história e da sociologia, com a finalidade de estabelecer novos diálogos
entre as ciências sociais e as ciências humanas. Apesar das diferenças quanto
ao foco de analise, historiadores e sociólogos têm várias semelhanças em seus
conceitos, conforme comparação quanto aos métodos e aos conceitos
abordados por sociólogos e historiadores. Parte-se do pressuposto que apesar
da grande influência de Émile Durkheim sobre a escrita da história de Marc
Bloch, uma das principais referências da Escola dos Annales, este também
apresenta um diálogo muito forte, que por vezes é ignorado, com Max Weber.
Proporcionando assim a interdisciplinaridade, uma das maiores características
apresentadas pelos artigos publicados pela Revista dos Annales.
Compreende-se assim que o século XIX foi marcado por uma escrita
unilateral e factual da história, visando unicamente à política como objeto de
analise e de como a sociedade se organizava a partir do Estado, sendo assim
todos os outros objetos de estudo subordinados ao teor político, como política
econômica, política social, etc. Por outro lado nessa época surgiram muitos
trabalhos no campo das ciências sociais, especialmente aqui analisadas as
contribuições de Weber que buscavam compreender a sociedade em amplos
sentidos, principalmente pela economia e religião.
Já no inicio do século XX, historiadores como Marc Bloch e Lucien
Febvre tentavam apresentar uma nova abordagem que contemplasse uma
visão de como a sociedade agia no individuo, para isso era preciso
compreender cada vez mais a fundo como a sociedade é constituída. Porém, a
limitação documental que a história se submetia durante o século XIX não
preenchia completamente as necessidades dos novos historiadores, era
preciso ampliar as fronteiras do conceito de documento. Assim a história passa
a dialogar com a sociologia na busca para conhecer os métodos de analise.
Nesse período a história deixa de ser unicamente uma narrativa e começa a
estudar as várias estruturas que compunham a sociedade em seus diversos
períodos.
Sendo o homem o foco principal de estudo da história e a sociedade o
foco da sociologia, ambas acabam se encontrando em diversas análises
semelhantes. A sociologia se caracterizava por ser uma ciência que delimitava
o seu espaço temporal em entender o presente. Logo, história começa a se
aproximar da sociologia quando os Annales passam a problematizar o
presente. É necessário que para se compreender o presente antes de tudo se
entenda o passado. Assim, o olhar presente-passado acaba fazendo com que
história e sociologia comecem a dialogar cada vez mais, já que ambas acabam
se tornando quase dependentes uma da outra.
Para Weber há o homem histórico, aquele que movido pela ação social
passa a agir e modificar a história, não se tornar apenas passivo dela. Nesta
mesma linha de analise, quando Marc Bloch escreve que a história se trata da
“ciência dos homens no tempo”, ele também dá esse caráter de modificador da
realidade ao homem.
Tanto para Weber como para Bloch, não há imparcialidade possível no
homem, ele é justamente movido pelas suas paixões, ao excluir uma coisa ele
naturalmente se aproxima de várias outras e suas ações são o que configuram
o seu presente. O homem então se torna produto das suas escolhas, a
causalidade proposta por Weber. Essa noção de causalidade expressada em
Bloch pode vir a se originar na história como um processo, abandonando a
noção de que ocorriam fatos isolados, mas que todos os acontecimentos
dependiam de outros fatores. Assim a história passa a ser compreensiva e
dependente de entender todas as esferas sociais.
Apesar dessas considerações, Weber e Bloch, ou melhor, sociólogos e
historiadores se desentendem em vários outros aspectos. O sociólogo do
século XX busca eventos que se repitam constantemente na procura de leis
que sejam gerais para toda a sociedade enquanto os historiadores estão mais
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interessados em descobrir o particular, que é a principio, ignorado pelo
sociólogo.
Apesar do diálogo entre historiadores e sociólogos nem sempre serem
tranqüilos, ambas as ciências são muito relacionadas e têm em seus conceitos,
formas muito parecidas de se entender o seu objeto de analise, mesmo que
muitas vezes esse objeto tenha análises diferenciadas de acordo com as áreas
de conhecimento e linhas de pesquisa dos historiadores e dos sociólogos.
Mesmo em se tratando de autores que nem sempre são vistos juntos, podemos
analisar que ao longo dos anos, durante os séculos XIX e XX os estudos das
duas ciências confirmam que estas se complementam, afinal, o objetivo de
ambas é compreender a humanidade e como ela se organiza, seja através da
sociedade ou através do tempo, pela análise dos períodos e dos processos
históricos e sociais.
REFERÊNCIAS
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de
Janeiro: Joge Zahar, 2001
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo.
Pioneira, 1996.
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