l`o sse rvator e romano - Paróquia Nossa Senhora da Conceição
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y(7HB5G3*QLTKKS( +.!z![!#!,! Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum Ano XLVII, número 15 (2.409) EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Cidade do Vaticano quinta-feira 14 de abril de 2016 Exortação apostólica «Amoris laetitia» fruto dos sínodos sobre a família convocados em 2014 e 2015 Alegria do amor «Reafirmar com vigor não o “ideal” da família, mas a sua realidade rica e complexa» para refletir «sobre o amor na família» juntamente com as mulheres e os homens do nosso tempo. Com esta finalidade o Papa assinou no dia 19 de março, solenidade de são José, a exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia». Apresentado na manhã de 8 de abril, na Sala de imprensa da Santa Sé, o muito esperado documento usa a linguagem da experiência oferecendo um olhar amplo, profundamente positivo, que se nutre não de abstra- ções nem de projeções ideais, mas de uma atenção pastoral à realidade. Leitura intensa com muitas indicações espirituais e de sabedoria práti- ca, úteis para todos os casais ou pessoas que desejam construir uma família, a exortação é também fruto de experiências concretas com pessoas Para o bem de todos GIOVANNI MARIA VIAN Desde há tempos um texto papal não suscitava tanta expectativa como aquele que agora é o fruto maduro e suculento do caminho empreendido sobre a família, já a partir do primeiro ano do pontificado de Francisco. E o longuíssimo documento não desilude as expectativas, por amplidão, unanimidade e linguagem: todos elementos que concorrem para a sua novidade de fundo, na continuidade vital da tradição cristã, sobre um tema que interessa não apenas aos católicos. Além disso, é a primeira vez que se reúnem num único texto as linhas, expressas pela vastíssima maioria, de duas assembleias sinodais, por sua vez preparadas com amplas consultas e depois continuadas no arco de um ano. A finalidade da exortação sobre a «alegria do amor» é frisada pelo próprio Pontífice no brevíssimo quirógrafo, escrito inteiramente à mão, que a acompanha e onde se lê que o texto é «para o bem de todas as famílias e de todas as pessoas, jovens e idosas». A circunstância é inusual e confirma mais uma vez como Francisco, Papa missionário, tem a peito a realidade humana das famílias. É um dado de facto multiforme, diante do qual precisamente «a partir das reflexões sinodais não permanece um estereótipo da família ideal», mas sim um verdadeiro «mosaico», formado preci- Wayne Potrafka, «Alegria» PÁGINAS 8 Renovado apelo do Papa para abolir a pena de morte Francisco vai a Lesbos Não-violência como arma de paz Solidariedade e proximidade Capazes de fitar nos olhos Senhor Cardeal! Sinto-me feliz por transmitir a minha cordial saudação a Vossa Eminência e a todos os participantes na Conferência que se realiza em Roma de 11 a 13 de abril sobre o tema: «Nonviolence and Just Peace: Contributing to the Catholic Understanding of and Commitment to Nonviolence». Tal encontro, organizado conjuntamente pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» e pelo Movimento Pax Christi, assume um caráter e um valor totalmente particulares no Ano Jubilar da Misericórdia. Com efeito, a misericórdia é «fonte de alegria, serenidade e paz»1, uma paz antes de tudo interior que nasce da reconciliação com o Senhor2. Contudo, é inegável que também as circunstâncias, o momento histórico, no qual tal Conferência se realiza, por um lado enchem-na de expectativas e, por outro, não podem deixar de ser consideradas nas reflexões dos participantes. PÁGINA 7 CONTINUA NA PÁGINA 14 CONTINUA NA PÁGINA 8 Audiência jubilar sobre a esmola que sabem o que significa a família e a convivência por muitos anos. Ampla e articulada, a «Amoris laetitia» está subdividida em nove capítulos e mais de trezentos parágrafos, que contêm os resultados de dois sínodos sobre a família convocados pelo Papa Francisco em 2014 e 2015. Com efeito, os relatórios conclusivos das duas assembleias são amplamente citados, juntamente com documentos e ensinamentos dos seus predecessores e numerosas catequeses do Pontífice sobre a família. E, como já aconteceu noutras circunstâncias, o Papa utiliza também os contributos de várias conferências episcopais dos cinco continentes e citações de personalidades como Martin Luther King ou Erich Fromm, da poesia latino-americana e do mundo cinematográfico, como quando Francisco cita o filme A festa de Babette, para explicar o conceito de gratuitidade. Particularmente significativa a premissa de «Amoris laetitia», explicitada nos sete parágrafos introdutórios, que evidencia a consciência da complexidade do tema e o aprofundamento que requer. O apelo ao «testemunho ativo da nãoviolência como “arma” para obter a paz» foi relançado por Francisco na seguinte mensagem enviada a 11 de abril aos participantes numa conferência promovida pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» e pelo movimento Pax Christi. A 11 Francisco irá sábado 16 de abril a Lesbos «para manifestar proximidade e solidariedade» aos refugiados, aos cidadãos e a todo o povo grego «tão generoso no acolhimento». Ao anunciá-lo o Pontífice — que durante a visita será acompanhado pelo patriarca de Constantinopla Bartolomeu e pelo arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, Jerónimo — pediu aos fiéis presentes na audiência geral de quarta-feira 13 para o acompanhar «com a oração». O Papa falou da sua iminente viagem saudando os numerosos grupos presentes na praça de São Pedro, depois de ter proferido a catequese dedicada ao episódio evangélico da chamada de Mateus, o qual sendo «um publicano» era considerado «pecador público». Não obstante tudo, Jesus não hesita em visitá-lo na sua casa e sentar-se à sua mesa, suscitando discussões entre os fariseus. PÁGINAS 4 E 16 L’OSSERVATORE ROMANO página 2 quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 Um sinal na montanha Prefácio do Papa ao livro «Tibhirine. L’héritage» inguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos» (Jo 15, 13). Christian de Chergé e os seus companheiros escolheram viver de modo simples a sua vocação contemplativa naquela região bela e árida do Atlas argelino. Os monges estavam presentes em Tibhirine desde 1938, mas o mosteiro era frágil: eram «hóspedes» da casa do islão, trabalhavam a terra e partilhavam a vida pobre dos camponeses. Os irmãos levavam uma vida comunitária simples, totalmente dedicada a Deus que os unia. Na sua capela, o louvor da oração elevava-se sete vezes por dia. Raptados na madrugada entre 26 e 27 de março de 1996, os sete monges de Tibhirine foram assassinados depois de longos dias de sequestro, vítimas da luta fratricida que dilace- rava o país. Mas os assassinos não usurparam a vida deles, que a doaram em antecipação, precisamente como os outros doze religiosos e religiosas, entre os quais o nosso irmão bispo Pierre Claverie, assassinado na Argélia naqueles anos obscuros. Não fugiram diante da violência: combateram-na com as armas do amor, do acolhimento fraterno, da oração comunitária. Instrumento de paz, de diálogo e de amizade, os monges responderam desta forma ao convite dirigido por são João Paulo II aos bispos do Magrebe durante a sua visita ad limina em 1986: «Viveis aquilo que o Concílio disse da Igreja. Ela é um sacramento, isto é, um sinal, e não se pede a um sinal que faça número». Pequena Igreja orante no meio de um povo de orantes, os monges foram um sinal na montanha. Os irmãos cistercienses de Atlas deram testemunho com o próprio sangue, vivendo de modo trágico esta prescrição da regra de são Bento: que «Cristo [...] nos guie todos para a vida eterna» (capítulo A 6 de abril foi lançado na França o 72). Na sua carne, venceram o livro Tibhirine. L’héritage (Christophe ódio no dia da grande provaHenning, Paris, Bayard, 2016, 180 ção. Mas com a sua vida inteipáginas), uma série de testemunhos de ra foram testemunhas (mártivárias personalidades sobre os frutos da res) do amor. E não sem difimensagem de paz e convivência entre culdades: «Oferecemos o noscristianismo e islão dos sete monges so coração a Deus a granel, e trapistas, raptados e assassinados na já nos custa muito que no-lo Argélia em 1996. Publicamos o prefácio arrebate a retalho», afirmava o do Papa Francisco, datado de 2 de janeiro, e o posfácio de François Cheng. padre Christian de Chergé, «N prior da pequena comunidade. Isto não se refere só aos monges e monjas: todos nós somos chamados a dar a nossa vida diária em família, no trabalho, na sociedade, ao serviço da «casa comum» e do bem de todos. Depois de vinte anos da sua morte, somos convidados a ser por nossa Com os monges Vinte anos depois Os irmãos de Notre-Dame de l’Atlas Irmão Christian (Christian de Chergé), 59 anos, prior do mosteiro de Notre-Dame de l’Atlas. Chegou a Atlas em 1971. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Christophe (Christophe Lebreton), 45 anos, vice-prior e mestre dos noviços. Entrou na abadia de Tamié em 1974, chegou à Argélia em 1987. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Luc (Paul Dochier), 82 anos, médico. Entrou na abadia de Aiguebelle em 1941, chegou à Argélia em 1946. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Michel (Michel Fleury), 52 anos. Entrou na abadia de Bellefontaine em 1980, chegou a Tibhirine em 1984. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Bruno (Christian Lemarchand), 66 anos, superior da casa anexa de Marrocos. Entrou na abadia de Bellefontaine em 1981, chegou à Argélia em 1989, foi a Fez em 1991. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Célestin (Célestin Ringeard), 62 anos. Entrou na abadia de Bellefontaine em 1983, chegou à Argélia em 1986. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Paul (Paul Favre-Miville), 57 anos, entrou na abadia de Tamié em 1984, chegou a Tibhirine em 1989. Assassinado a 21 de maio de 1996. Irmão Amédée (Jean Noto), 19202008, entrou no mosteiro de Tibherine em 1946. Conseguiu escapar ao rapto de 1996, vivendo em seguida na Argélia e em Midelt. Faleceu a 27 de julho de 2008 em Aiguebelle (D rôme). Irmão Jean-Pierre (Jean-Pierre Schumacher) nasceu em 1924, entrou na abadia de Timadeuc em 1957, chegou a Tibhirine em 1964. Escapou ao rapto de 1996 e continua a sua vida monástica em Midelt, Marrocos. L’OSSERVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt GIOVANNI MARIA VIAN diretor Giuseppe Fiorentino vice-diretor Cidade do Vaticano [email protected] www.osservatoreromano.va Redação via del Pellegrino, 00120 Cidade do Vaticano telefone +390669899420 fax +390669883675 vez sinais de simplicidade e de misericórdia, no exercício diário do dom de nós mesmos, seguindo o exemplo de Cristo. Não há outro modo de combater o mal que tece a sua tela no nosso mundo. Em Tibhirine vivia-se o diálogo da vida com os muçulmanos; nós, cristãos, queremos ir ao encontro do outro, seja ele quem for, a fim de promover a amizade espiritual e o diálogo fraterno que poderão vencer a violência. «Para conquistar o coração do homem, é preciso amar», confidenciava o irmão Christophe, o mais jovem da comunidade. Eis a mensagem que podemos conservar no coração. É simples e grande: seguir o exemplo de Jesus, fazer da nossa vida um «amo-te». FRANÇOIS CHENG Quando acontece algo de terrível, que nos arrebata da nossa vida de trabalho e de oração, podemos ficar surpresos? Esperávamos isto há muito tempo. Esperávamos, mas não sabíamos a hora. Quando acontece algo de terrível, deveríamos estar prontos. Estávamos? A morte é a provação suprema; pode ser atroz. Por mais que nos preparemos, nunca estaremos prontos. O próprio nosso Senhor, antes de enfrentar a cruz, porventura não sussurrou: «agora a minha alma está perturbada»? De repente a morte diante de nós, pelas mãos de seres humanos transformados em bestas ferozes. A morte na frente, implacável e sem piedade. Não escolhemos morrer como mártires. Simplesmente escolhemos amar. Não é a mesma coisa. E no entanto é igual. Amar de maneira incondicional é estar completamente desarmado, absolutamente sem defesa. Não escolhemos amar a vida até ao fim. Aquele sopro que palpita no profundo da carne, aquela incandescência que brilha no centro da alma. Uma terra que nutre e renova os seus dons de geração em geração, os povos que a habitam e aspiram à harmonia. Olhares trocados, dores partilhadas, ternura infinita, ressonância sem fim. Quanto valem estes desejos e sonhos aos olhos dos nossos carnífices? Nós que somos apenas descartes nas suas mãos. O que lhes dizem o nosso rosto e a nossa voz? Os seus, desfigurados pelo ódio, nada têm de humano. TIPO GRAFIA VATICANA EDITRICE L’OSSERVATORE ROMANO don Sergio Pellini S.D.B. diretor-geral Toda a brutalidade animal recairá sobre nós. Qualquer lamentação será inútil. Depois da marcha insuportável na madrugada sem fim; cedimento dos nossos corpos consumidos pela sede e pela fome no chão gelado. Antes de nos prepararmos para a morte, submetemnos a torturas horríveis, cobrindonos de injúrias e cuspos. Tudo isto acontecerá sem testemunhas. Queimar-nos-ão para não deixar vestígio algum dos nossos corpos mutilados. Na longa expectativa, abandonados a nós mesmos, permanecemos paralisados pelo medo. Como está distante o tempo da infância e da inocência! A nossa carne contrai-se, o nosso sangue coagulase, os nossos ossos, rígidos, estremecem-se até à medula. Pai da misericórdia, permanecei connosco! Nesta hora de solidão extrema, sentimos, misturadas com as batidas do nosso coração, as palavras do Filho: «A minha alma está triste até à morte». «Também vós agora estais tristes. Mas voltarei, o vosso coração alegrar-se-á. E ninguém poderá impedir-vos a vossa alegria». Um relâmpago atravessa-nos de um lado para o outro, pulverizando-nos. Em nós brota um clamor: «Tudo podem contra o nosso corpo, nada podem contra a nossa alma!». Senhor, circundada pelas trevas, eis a nossa alma, inteira, intacta, indivisa. Nunca ela esteve tão próxima da vossa. Do fundo do precipício terrestre eleva-se uma chama que já alcança aquela que acendestes no primeiro dia do mundo, no primeiro dia da Vida. Assinaturas: Itália - Vaticano: € 58.00; Europa: € 100.00 - U.S. $ 148.00; América Latina, África, Ásia: € 110.00 - U.S. $ 160.00; América do Norte, Oceânia: 162.00 - U.S. $ 240.00. Administração: telefone +390669899480; fax +390669885164; e-mail: [email protected] Serviço fotográfico Para o Brasil: Impressão, Distribuição e Administração: Editora santuário, televendas: 0800160004, fax: 00551231042036, e-mail: [email protected] telefone +390669884797 fax +390669884998 [email protected] Publicidade Il Sole 24 Ore S.p.A, System Comunicazione Pubblicitaria, Via Monte Rosa, 91, 20149 Milano, [email protected] número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 3 Ann Chapin «Jesus aparece na margem» (2015, pormenor) surreição a quantos encontramos, sobretudo a quem sofre, aos que estão sozinhos, a quantos se encontram em condições precárias, aos doentes, aos refugiados, aos marginalizados. A todos façamos chegar um raio da luz de Cristo ressuscitado, um sinal do seu poder misericordioso. Ele, o Senhor, renove também em nós a fé pascal. Nos torne cada vez mais conscientes da nossa missão ao serviço do Evangelho e dos irmãos; nos encha do seu Espírito Santo para que, amparados pela intercessão de Maria, com toda a Igreja possamos proclamar a grandeza do seu amor e a riqueza da sua misericórdia. O episódio evangélico da pesca milagrosa é um convite a experimentar «a presença de Jesus ressuscitado» que «transforma todas as coisas»: disse o Papa Francisco no Regina caeli recitado na manhã de domingo 10 de abril na praça de São Pedro. Amados irmãos e irmãs, bom dia! O Evangelho de hoje narra a terceira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, nas margens do lago da Galileia, com a descrição da pesca milagrosa (cf. Jo 21, 1-19). A narração é inserida no âmbito da vida diária dos discípulos, que voltaram à sua terra e ao seu trabalho de pescadores, depois dos dias perturbadores da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Para eles era difícil compreender o que tinha acontecido. Mas, quando tudo parecia ter terminado, é ainda Jesus quem «procura» de novo os seus discípulos. É Ele que os vai procurar. Desta vez encontraos junto do lago, onde eles passaram a noite nos barcos sem pescar nada. As redes vazias são, num certo sentido, como que o balanço da sua experiência com Jesus: conheceram-no, tinham deixado tudo para o seguir, cheios de esperança... e agora? Sim, tinham-no visto ressuscitado, mas depois pensavam: «Foi embora e deixou-nos... Foi como que um sonho...». Mas eis que ao alvorecer Jesus se apresenta na margem do lago; e eles não o reconhecem (cf. v. 4). Àqueles pescadores, cansados e desiludidos, o Senhor diz: «Lançai a rede à direita do barco e achareis» (v. 6). Os discípulos confiaram em Jesus e o resultado foi uma pesca incrivelmente abundante. A este ponto João, dirigindo-se a Pedro, diz: «É o Senhor!» (v. 7). Imediatamente Pedro lança-se à água e nada até à mar- Francisco recordou que o Ressuscitado transforma tudo Redes cheias Apelo a favor das pessoas raptadas em zonas de guerra gem, na direção de Jesus. Naquela exclamação: «É o Senhor!», há todo o entusiasmo da fé pascal, cheia de alegria e de admiração, que contrasta em grande medida com a desorientação, o desânimo, o sentido de impotência que se tinham acumulado no ânimo dos discípulos. A presença de Jesus ressuscitado transforma todas as coisas: a escuridão é vencida pela luz, o trabalho inútil torna-se de novo frutuoso e prometedor, o sentido de cansaço e de abandono deixa lugar a um novo impulso e à certeza de que Ele está connosco. A partir de então, estes mesmos sentimentos animam a Igreja, a Comunidade do Ressuscitado. Todos nós somos a comunidade do Ressuscitado! Se por vezes, à primeira impressão, pode parecer que as trevas do mal e a fadiga do dia a dia têm a supremacia, a Igreja sabe com certeza que sobre quantos seguem o Senhor Jesus já resplandece a luz da Páscoa que não conhece ocaso. O grande anúncio da Ressurreição infunde nos corações dos crentes uma alegria íntima e uma esperança invencível. Verdadeiramente Cristo ressuscitou! Também hoje a Igreja continua a fazer ressoar este anúncio jubiloso: a alegria e a esperança continuam a escorrer nos corações, nos rostos, nos gestos, nas palavras. Todos nós, cristãos, estamos chamados a comunicar esta mensagem de res- Concluída a décima quarta reunião do Conselho de cardeais Começa a ganhar forma «a proposta global a oferecer ao Papa», pelo Conselho de cardeais, «em vista da nova constituição apostólica»: informou o diretor da Sala de imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, durante o briefing realizado no final da manhã de quarta-feira, 13 de abril, para informar acerca da décima quarta reunião do Pontífice com os cardeais conselheiros, que teve início na segunda-feira 11. Na presença de oito dos nove membros (o cardeal Gracias estava ausente por motivos de saúde) o Papa participou em todos os encontros, exceto, como de costume, no de quarta-feira de manhã, devido à audiência geral. Segundo quanto referido, grande parte das consultas foi dedicada a ulteriores considerações sobre diversos dicastérios da Cúria, já objeto de reflexão: em particular as Congregações para o culto divino, vida consagrada, causas dos santos e doutrina da fé. Além disso, os textos já ultimados relativos aos dois novos dicastérios, ou seja «leigos, família, vida» e «justiça, paz, migrações» (que inclui também caridade e pastoral da saúde), foram relidos e confiados ao Papa para as suas decisões. Falou-se também de outros assuntos, em particular dos critérios para a recolha das informações para a nomeação dos novos bispos, à luz da sua identidade e missão pastoral, e do significado e papel dos núncios apostólicos. O prefeito da Secretaria para a economia, cardeal Pell, e o presidente da Pontifícia comissão para a tutela dos menores, cardeal O’Malley, apresentaram comunicações de atualização. Por fim, no dia conclusivo, o conselho trabalhou para recolher, organizar e integrar as diversas contribuições emersas, de maneira a começar a estruturar a proposta a ser apresentada ao Papa para a reforma. As próximas reuniões durante 2016 foram estabelecidas para os dias 6-8 de junho, 12-14 de setembro e 12-14 de dezembro. No final da oração, antes de saudar os grupos presentes, o Pontífice lançou um apelo «a favor da libertação de todas as pessoas raptadas em zonas de conflito armado». Amados irmãos e irmãs! Na esperança que Cristo ressuscitado nos doou, renovo o meu apelo a favor da libertação de todas as pessoas raptadas em zonas de conflito armado; em particular desejo recordar o sacerdote salesiano Tom Uzhunnalil, raptado em Aden no Iémen a 4 de março passado. Saúdo todos vós, romanos e peregrinos provenientes da Itália e de diversas partes do mundo. E dirijo uma saudação também aos que estão a fazer a Maratona. Agradeço a sua presença aos coros paroquiais, alguns dos quais prestaram serviço nestes dias na basílica de São Pedro. Muito obrigado! E a todos desejo bom domingo. Por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Bom almoço e até à vista! Mensagem vídeo do Pontífice à Rede mundial de oração Justa remuneração aos pequenos agricultores «Obrigado, pequeno agricultor. O teu contributo é essencial para toda a humanidade». Começa com estas palavras a mensagem vídeo do Papa Francisco difundida no site www.apmej.org da Rede mundial de oração do Papa (Apostolado da oração). O Pontífice comentou em espanhol — o vídeo tem legendas em seis línguas e está disponível no endereço www.thepopevideo.org — a sua intenção universal para o mês de abril, dedicada aos pequenos agricultores. «Como pessoa, filho de Deus, mereces uma vida digna, mas pergunto-me: como são compensados os teus esforços?», questiona-se o Pontífice dirigindo-se idealmente a um camponês. Enquanto passam as imagens de vida campestre, Francisco continua, afirmando: «A terra é um dom de Deus. Não é justo utilizá-la só para favorecer poucos, privando a maioria dos seus direitos e benefícios». Em seguida, repetem-se imagens de labuta quotidiana nos campos e o Papa conclui: «Gostaria que te desses conta disto e unisses a tua voz à minha nesta intenção: que os pequenos agricultores recebam a justa remuneração pelo seu precioso trabalho». A mensagem vídeo foi preparada, como as anteriores, pela agência de comunicação La Machi, que se ocupa da produção e distribuição, em colaboração com o Centro televisivo do Vaticano, que gravou as imagens. Contam-se atualmente mais de 7 milhões de visualizações, com uma média de mais de 125.000 pessoas por dia, para os três vídeos temáticos já colocados na rede: o diálogo inter-religioso (janeiro), o cuidado da criação (fevereiro) e as crianças e as famílias em dificuldade (março). página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 O cardeal Vegliò sobre a viagem do Papa a Lesbos NICOLA GORI Um gesto concreto de solidariedade e proximidade aos muitos desesperados em fuga de guerras e miséria. Para o cardeal Antonio Maria Vegliò, é este o significado da visita que o Papa Francisco realizará no dia 16 de abril à ilha de Lesbos. O presidente do Pontifício Conselho para a pastoral dos migrantes e itinerantes falou sobre isto nesta entrevista concedida ao nosso jornal por ocasião do encontro anual do Comité católico internacional para os ciganos (Ccit) sobre o tema: «Na encruzilhada: a Europa, as Igrejas e as culturas face à misericórdia». Qual foi o motivo da escolha de Francisco de ir a Lesbos? A ilha de Lesbos, assim como Lampedusa, já se tornou um dos rostos da crise humanitária em ato. Milhões de homens, mulheres e crianças, muitas vezes sozinhos, em fuga de guerras e perseguições políticas e religiosas, são obrigados a empreender viagens irregulares e dramáticas na tentativa desesperada de se pôr a salvo e, com o desejo de requerer asilo, chegam àquelas praias, símbolo de esperança. A visita do Papa é um sinal concreto da sua proximidade a migrantes e refugiados e volta a pôr em primeiro plano o problema migratório na Europa. Para dizer não a todas as barreiras fim às causas das «viagens da esperança» de milhões de pessoas que com muita frequência se transformam em «viagens da morte». É necessário dar vida a canais humanitários seguros para permitir um controle dos fluxos migratórios e vigiar sobre o respeito pelos direitos fundamentais da pessoa; o Papa diz isto claramente com a sua viagem apostólica e com a vontade de se encontrar pessoalmente com quantos desembarcaram no litoral de Lesbos cheios de dor e confiança. O fenómeno migratório põe em jogo a capacidade da Europa de se confrontar com etnias e culturas diversas. Também é importante que o compromisso seja assumido por todos os membros da sociedade. São numerosos os instrumentos estudados apropriadamente para a luta ao anticiganismo e para favorecer a integração dos ciganos. Um deles é a Declaration on the rise of anti-gypsyism and racist violence against rom in Europe, adotada em 2012 pela comissão de ministros, que condena os «graves episódios de violência racista e as formas de retórica estigmatizante» e convida a «abster-se do uso de uma retórica anticigano, em particular durante as campanhas eleitorais». Outro instrumento é o Plano de ação conjunta para a formação de mediadores ciganos A visita do Papa chega num momento crítico para a União europeia. É um momento no qual a Europa, com o recente acordo com a Turquia, continua a levantar barreiras, a fechar fronteiras e a lesar os direitos fundamentais de migrantes, refugiados e requerentes de asilo. Estamos diante de um acordo míope que não permite uma gestão dos fluxos migratórios no respeito pela pessoa. A política migratória dos Governos precisa de clarividência e coesão através de ações destinadas a pôr A misericórdia deve ser o ponto de convergência para a Igreja, a sociedade e os ciganos, na busca de abordagens adequadas para favorecer novas formas de convivência baseadas na justiça, solidariedade, fraternidade e paz. Ser misericordioso em relação a eles não significa só oferecer assistência social, material, social e espiritual. As comunidades eclesiais são chamadas a valorizar a especificidade e a cultura do povo cigano e a acolhê-lo na sua diversidade. A participação ativa dos ciganos na vida da comunidade eclesial permite uma integração social respeitadora entendida não como assimilação, mas como participação nas políticas e decisões que lhes diz respeito com o pleno respeito pela sua cultura e tradições. Entre as dificuldades dos ciganos estão a discriminação e a negação dos direitos ao trabalho, à educação, aos cuidados médicos, à moradia. Que papel a Igreja pode desempenhar na resolução destes problemas? A comunidade eclesial é chamada a encontrar novos modos e estratégias para eliminar as causas de exclusão e discriminação e a pôr-se em primeira linha para defender e proclamar os direitos invioláveis dos ciganos. Nesta direção já se movem numerosas comunidades religiosas comprometidas no âmbito da edução e da formação profissional dos ciganos. Muitos sacerdotes, religiosas e agentes pastorais partilham inclusive o estilo de vida dos ciganos e seguem os seus deslocamentos, tornando-se porta-voz da Igreja ao exortá-los a viver em harmonia com a comunidade da qual fazem parte. Quais são as condições dos refugiados na ilha? Em Lesbos, como acontece com frequência nos lugares de desembarque, as condições para um acolhimento adequado são insuficientes e as chegadas são contínuas, sobretudo da Síria, Iraque, Afeganistão e Somália. Precisamente para o dever de oferecer acolhimento e acerca do respeito e da tutela da dignidade de quantos são obrigados a partir, Francisco quer chamar a atenção do mundo inteiro. A visita do Pontífice, juntamente com o patriarca Bartolomeu e o arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, Hieronymos II, é um gesto ecuménico cristão concreto; um só coração e uma só alma para enfrentar o drama da migração forçada e reafirmar em conjunto em nome de Cristo, a importância da responsabilidade fraterna, fitando os olhos das pessoas em fuga para as quais o destino frequentemente é decidido através de acordos cínicos e ignorando as verdadeiras razões que estão na base da sua tragédia. Pode a misericórdia ser um caminho concreto, como sugere o tema do encontro do Ccit? Mas nas paróquias existe uma sensibilidade pastoral em relação aos ciganos e aos itinerantes em geral? Acolhimento de migrantes na ilha de Lesbos (Reuters) os ciganos são um desafio para o continente atravessado frequentemente por vagas de «anticiganismo». Que se pode fazer para limitar esta deriva? Juntamente com o tráfico de mulheres e crianças no âmbito da comunidade cigana, este fenómeno constitui uma das chagas particularmente vergonhosas para a Europa e mais dolorosas para o povo cigano. O anticiganismo é um fenómeno social complexo que com muita frequência acaba em atos de violência, palavras de hostilidade, exploração e discriminação. Muitas vezes, o desprezo nasce de estereótipos considerados verdadeiros ou por comportamentos inadequados de alguns ciganos que se tornam objeto de generalização. Para impedir este fenómeno (Romed) adotado pelo Conselho da Europa e pela Comissão europeia em 2011. Nele é apresentada a mediação como um dos meios mais eficazes para superar as desigualdades. Além disso, recentemente, o Comité dos delegados dos ministros (Cm) elaborou o Plano de ação temática sobre a inclusão dos ciganos e dos travellers para o triénio de 2016-2019, no qual são indicadas três grandes prioridades: enfrentar com maior resolução preconceitos, discriminações e crimes contra as populações ciganas; promover políticas de inclusão das pessoas mais vulneráveis, com atenção particular às crianças, jovens e mulheres ciganos; promover modelos inovadores para a solução de problemáticas específicas a nível local. Sim, existem alguns casos concretos e deveriam ser imitados. Há dioceses e paróquias que amadureceram projetos e programas para as populações ciganas, como a de Dublim que em 1980 fundou a primeira paróquia para todos os viandantes — travellers — que se encontram às margens da Igreja local. Outro exemplo é a diocese de Vicenza, onde foi criada uma comissão da qual fazem parte os ciganos presentes no território e aberto um balcão de atendimento com função de secretariado social que lhes oferece a possibilidade de aceder ao microcrédito. As experiências e os modelos já em ato deveriam ser utilizados para potenciar o compromisso pastoral das Igrejas locais com forte presença de populações ciganas. Infelizmente, nem todas as paróquias e dioceses têm uma abertura tão ampla; eis porque, em dezembro de 2005, o nosso dicastério publicou Orientações para uma pastoral dos ciganos, o primeiro documento da Igreja dedicado a este tema. número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 5 Vitral com a representação de John Wesley, fundador dos metodistas que prega em Moorfields Discurso de Francisco ao conselho metodista mundial Nenhuma diferença pode ser um obstáculo «Para além das diferenças que subsistem», católicos e metodistas são chamados a «dar um testemunho comum diante do mundo», afirmou Francisco na audiência concedida, na manhã de 7 de abril, aos membros de uma delegação do Conselho metodista mundial. Em seguida, publicamos o conteúdo do discurso do Pontífice. Prezados irmãos e irmãs! Dirijo-vos a minha cordial saudação neste tempo pascal, durante o qual celebramos a Ressurreição do Senhor que resplandece no mundo. Agradeço as amáveis palavras que me foram dirigidas. Encontramo-nos unidos na fé que Jesus é o Senhor e que Deus o ressuscitou dos mortos; esta fé batismal torna-nos realmente irmãos e irmãs. Dirijo a minha saudação inclusive às instituições por vós representadas: o Conselho Meto- dista Mundial, o Conselho Metodista Europeu e a Igreja Metodista Britânica. Foi com prazer que recebi a notícia da abertura do Departamento de Ecumenismo Metodista em Roma. Trata-se de um sinal do intensificarse dos nossos relacionamentos, e em particular do nosso desejo comum de superar os obstáculos que nos impedem de entrar em plena comunhão. Rezo ao Senhor a fim de que abençoe o trabalho deste Departamento: possa tornar-se um lugar de encontro profícuo entre metodistas e católicos, onde apreciar cada vez mais a fé uns dos outros, quer sejam grupos de peregrinos, quer pessoas que se preparam para o ministério, quer responsáveis pelas respetivas comunidades; possa tornar-se também um lugar onde os progressos alcançados pelo nosso diálogo teológi- Saudação da vice-presidente Em prol do acolhimento dos migrantes «Migrantes e refugiados representam um desafio especial» para os cristãos na sociedade contemporânea: um desafio que deve ser enfrentado «com o Evangelho da misericórdia», ressaltou Gillian Kingston, irlandesa — que no primeiro dia do passado mês de abril foi eleita vice-presidente ad interim do World Methodist Council — durante a saudação dirigida ao Sumo Pontífice no início da audiência. Nas suas palavras, Kingston recordou que no momento da eleição do pontífice, em março de 2013, os metodistas estavam congregados para o seu encontro mundial no Rio de Janeiro e que ali juntos rezaram por ele. «Em seguida, escreveram-lhe uma missiva — acrescentou — manifestando a própria alegria pela escolha do nome Francisco, em honra de um santo que viveu antes das divisões» que depois mancharam a Igreja. Sucessivamente, a vice-presidente referiu-se à experiência do Concílio Vaticano II e à constatação de que os metodistas se inserem entre os primeiros que responderam ao convite católico a dar vida a um diálogo bilateral. Deste modo, a cada cinco anos a partir de 1967 é redigido um relatório que documenta os progressos alcançados. O décimo da série, que tem como tema «A chamada à santidade», será apresentado durante a próxima assembleia do Conselho metodista mundial, que terá lugar no mês de setembro em Houston, no Texas. Já o título — comentou Kingston — aborda o objetivo mais importante para um fiel metodista: a santidade. A santidade da vida pessoal e dos relacionamentos familiares, a santidade no compromisso e na ação social». Por fim, a vice-presidente frisou como o Papa Francisco, «em numerosas ocasiões, recordou que os cristãos devem oferecer um acolhimento radical num mundo que coloca os direitos individuais acima das responsabilidades coletivas, que põe o lucro antes das pessoas e que se deixa levar por uma espiritualidade privatizada. Em muitos lugares — assegurou Kingston a este propósito — os cristãos católicos e metodistas já trabalham em conjunto», a favor de «um mundo de paz» e para derrotar «a globalização da indiferença». co sejam divulgados, celebrados e incrementados. Já passaram quase cinquenta anos desde que a nossa Comissão Teológica Conjunta deu início aos seus trabalhos. Para além das diferenças que subsistem, o nosso diálogo, fundamentado no respeito e na fraternidade, enriquece ambas as Comunidades. O documento atualmente em fase de preparação, que deveria ser publicado até ao fim deste ano, é um claro exemplo disto. Inspirandose na adesão metodista à Declaração conjunta sobre a doutrina e a justificação, ele tem como tema: «A chamada à santidade». Católicos e metodistas têm muito a aprender uns dos outros, sobre o modo de entender a santidade e sobre a maneira de procurar vivê-la. Todos nós devemos fazer o possível a fim de que os membros das nossas respetivas paróquias se encontrem regularmente, se conheçam através de intercâmbios estimuladores e se animem de forma recíproca a procurar o Senhor e a sua graça. Quando lemos as Escrituras, sozinhos ou em grupo, mas sempre numa atmosfera de oração, abrimo-nos ao amor do Pai, que nos foi concedido no seu Filho e no Es- pírito Santo. Até onde subsistem divergências entre as nossas comunidades, elas podem e devem tornar-se um estímulo para a reflexão e o diálogo. Na sua Carta a um católico romano, John Wesley escreveu que católicos e metodistas são chamados a «ajudar-se mutuamente em tudo... aquilo que leve ao Reino». Que esta nova declaração conjunta sirva de encorajamento para metodistas e católicos, a fim de que se ajudem uns aos outros na vida de oração e devoção. Nessa mesma carta, Wesley escrevia também: «Se ainda não podemos pensar em tudo da mesma maneira, pelo menos podemos amar do mesmo modo». É verdade que ainda não pensamos do mesmo modo em tudo, e que sobre as questões relativas aos ministérios ordenados e à ética ainda é necessário trabalhar muito. No entanto, nenhuma destas diferenças representa um obstáculo que possa impedir-nos de amar do mesmo modo e de dar um testemunho comum perante o mundo. A nossa vida na santidade deve abranger sempre um serviço de amor ao mundo; juntos, católicos e metodistas devemos comprometer-nos em numerosos contextos, para dar um testemunho concreto do nosso amor a Cristo. Com efeito, a nossa comunhão aumenta quando servimos em conjunto aqueles que se encontram em dificuldade. No mundo de hoje, ferido por muitos males, é necessário como nunca que, como cristãos, testemunhemos juntos e com renovada energia a luz da Páscoa, tornando-nos sinal do amor de Deus, vitorioso na Ressurreição de Jesus. Que este amor, inclusive mediante o nosso serviço humilde e intrépido, alcance o coração e a vida de tantos irmãos e irmãs que o esperam, mesmo sem o saber. «Sejam dadas graças a Deus que nos concede a vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo!». Audiência ao presidente do Governo da República da Croácia No dia 7 de abril, o Papa recebeu o presidente do Governo da República da Croácia, Tihomir Orešković, que sucessivamente se encontrou com o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, acompanhado por monsenhor Antoine Camilleri, subsecretário para as Relações com os Estados. Durante os colóquios cordiais foram evidenciadas as boas relações entre a Santa Sé e a República da Croácia, da qual a presente visita é expressão significativa, confirmando a vontade comum de prosseguir o diálogo construtivo sobre os temas bilaterais concernentes às relações entre a comunidade eclesial e civil. Recordaram-se a importância que os fiéis croatas atribuem à figura do beato Alojzije Stepinac e a condição da minoria do povo croata na Bósnia e Herzegovina. Na ampla troca de opiniões sobre as questões internacionais e regionais expressaram preocupação, em particular, pela crise humanitária dos refugiados no Médio Oriente, pelas situações de conflito em diversas regiões do mundo e pelos atos que visam enfraquecer as bases da convivência civil. L’OSSERVATORE ROMANO página 6 quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 Pronunciamento do cardeal Hummes na Conferência nacional dos bispos do Brasil O rosto amazônico da Igreja «Devemos apresentar o rosto amazônico da Igreja». Foi o objetivo específico que o cardeal Cláudio Hummes, na dupla função de presidente da Comissão episcopal para a Amazônia e da Rede eclesial pan-amazônica (Repam), indicou aos bispos brasileiros. A ocasião foi a plenária do episcopado do mais vasto país sul-americano, que decorre até 15 de abril em Aparecida. Uma reunião dedicada principalmente à reflexão sobre o papel dos leigos «sal da terra e luz do mundo» e também ao exame da difícil situação social no país que enfrenta uma crise inédita, pelo menos nos tempos mais recentes, e que se revelou moral antes ainda que económica. Todavia, durante os dez dias da plenária, a atenção dos prelados não podia deixar de ser chamada também para as enormes necessidades pastorais e sociais de uma área como a amazônica, considerada o «pulmão» natural do planeta, que abrange mais de cinquenta dioceses e corresponde a pouco mais de metade do Brasil. «A Comissão foi instituída para aumentar a consciência da missão na Amazônia, um lugar onde existem muitas carências, especialmente materiais», recordou o purpurado, que frisou precisamente nesta perspetiva a tríplice vocação da Igreja no Brasil: ser «missionária», «compassiva» e «profética». Evidenciando os progressos alcançados nos últimos anos, com um aumento do número de sacerdotes, religiosos e leigos missionários comprometidos na Amazônia — «este crescimento é devido também à constatação de que na formação sacerdotal foram promovidas iniciativas em vista de uma Igreja «em saí- da», misericordiosa, feita de pobres e para os pobres» — Hummes voltou a realçar o desafio representado pela urbanização crescente, reclamando a necessidade de um modelo de desenvolvimento económico baseado num novo tipo de relação com o ambiente natural. Porque, reiterou com determinação também no encontro com os jornalistas, «este século será decisivo para salvar o planeta». E denunciou o caso de Marajó, a ilha situada na foz do Rio Amazonas, no Estado do Pará, «descuidada pelo Governo estatal e federal, com uma situação agravada por pobreza, miséria, desemprego e também por muitos episódios de abusos contra menores». Sob o ponto de vista estritamente pastoral, o cardeal Hummes recordou o crescente número das comunidades evangélicas e a questão da evangelização das populações indígenas, historicamente maltratadas e descuidadas pelo restante da sociedade. «A Igreja e a sociedade — disse — têm uma dívida enorme com os índios, que devem voltar a ser protagonistas da sua história, inclusive religiosa», reconhecendo que este pode ser interpretado como o desafio principal: a formação de um clero local e o despertar das forças evangelizadoras dentro da própria população indígena. Resumindo, a necessidade de mostrar o «rosto amazônico» da Igreja. Depois, o cardeal Hummes comentou a obra e a colaboração com a Repam, a rede atualmente ativa em sete dos nove países da área amazônica, com o objetivo de apoiar a solidariedade e o fortalecimento da ação evangelizadora na região. Tendo iniciado as suas atividades em se- Las Patronas premiadas pela sua assistência aos migrantes O historiador Jean Meyer Barth, o bispo José Raúl Vera López e «Las Patronas», um grupo de mulheres que oferecem víveres e assistência aos migrantes que atravessam o centro de Veracruz, receberão a medalha ao mérito da Universidad Veracruzana (Uv), como evento central da Feira internacional do livro universitário (Filu), que terá lugar de 22 de abril a 1 de maio. Jean Meyer Barth é professor emérito no Centro para a pesquisa e o ensino económico (Cide), e fundador e membro da Faculdade de história. D. José Raúl Vera López é o bispo de Saltillo, Coahuila (México) desde 30 de dezembro de 1999. Precedentemente, como bispo coadjutor de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, participou juntamente com D. Samuel Ruiz García, no processo de paz após a revolta zapatista. No seu trabalho pastoral evidenciam-se a defesa dos direitos humanos, o apoio ao melhoramento do trabalho dos mineiros, a ajuda aos migrantes através do projeto «Frontera con Justicia» e a criação do centro diocesano para os direitos humanos Frei Juan de Larios. «Las Patronas» são um grupo de voluntárias da comunidade La Patrona, em Amatlán de los Reyes. Desde 1995 oferecem alimentos e assistência aos migrantes ao longo da estrada que atravessa o Estado, sobretudo aos que passam com o comboio conhecido como «la bestia» que atravessa o México do sul para o norte, passando por quatro mil de bosques e desertos, até ao Río Grande e que transporta a maior parte de migrantes até à paragem do último obstáculo para o sonho. «Creio que o que fazemos por eles — disse Norma Romero Vásquez, líder do grupo — é devido ao ensinamento dos nossos pais: respeitar as pessoas e sobretudo amá-las. Amar não custa nada». Por este trabalho abnegado, foi-lhes atribuído o Prémio nacional para os direitos humanos de 2013, além de serem indicadas para o prémio Princesa das Astúrias para a Concórdia. tembro de 2014, a Repam pretendeu em primeiro lugar responder ao apelo lançado pelo Papa Francisco em 2013 no Rio de Janeiro, por ocasião da Jornada mundial da juventude. Com efeito, falando aos bispos brasileiros, o Pontífice afirmou que «a Amazônia é um banco de prova para a Igreja e a sociedade», lançou «um forte apelo ao respeito e à conservação da inteira criação que Deus confiou ao homem não para ser explorada de maneira selvagem mas para que a transforme num jardim». Apelo que depois foi difundido sobretudo na Laudato si’. Precisamente uma ampla reflexão sobre a encíclica foi promovida pela Repam em diversas universidades brasileiras, enquanto que para os dias 14-18 de novembro foi anunciado um encontro da Igreja católica da macrorregião Amazônia Legal. Obviamente, o esforço a favor da Amazônia insere-se numa mais ampla obra pastoral da Igreja brasileira, que vê com preocupação a crise de credibilidade das instituições, os casos de corrupção e as consequentes desordens sociais. Neste sentido deve ser interpretada também a reflexão do episcopado na perspetiva das próximas eleições municipais em outubro. «Esta orientação — afirmou o secretário-geral do episcopado e bispo auxiliar de Brasília, D. Leonardo Steiner — nada tem a ver com os partidos políticos, mas com as opções políticas. A Igreja deve optar sempre pela democracia e a CNBB procurou ser sempre fiel às orientações e motivações do Santo Padre». Orientação que conta muito com a responsabilidade e a maturidade dos fiéis leigos, sobre a qual está centrada a reflexão da plenária. «A busca de justiça não é realizada através da violência. As pessoas com posições diversas, em particular nos campos da política e da religião, não podem ser tratadas como inimigas, mas com o devido respeito», recordou o presidente da CNBB, D. Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília, ao abrir os trabalhos. «Em tempos de crise — acrescentou — os critérios que deveriam guiar as nossas ações são sempre de Deus e não do mundo. O Evangelho convida-nos a caminhar na luz». número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 7 Na audiência jubilar o Papa explicou o significado da esmola Capazes de fitar nos olhos Dar esmola «pode parecer uma coisa simples», mas «devemos prestar atenção a não esvaziar este gesto do grande conteúdo que possui». Disse o Papa Francisco aos fiéis reunidos na praça de São Pedro a 9 de abril para a audiência jubilar. «A esmola é um gesto de amor que se destina a quantos encontramos; é um gesto de atenção sincera a quem se aproxima de nós e pede a nossa ajuda». Queridos irmãos e irmãs, bom dia! O Evangelho que ouvimos permitenos descobrir um um aspeto essencial da misericórdia: a esmola. Dar esmola pode parecer uma coisa simples, mas devemos prestar atenção a não esvaziar este gesto do grande conteúdo que possui. Com efeito, a palavra «esmola» deriva do grego e significa precisamente «misericórdia». Por conseguinte, a esmola deveria conter em si toda a riqueza da misericórdia. E dado que a misericórdia tem numerosos caminhos, múltiplas modalidades, também a esmola se expressa de tantas maneiras, para aliviar o mal-estar de quantos estão em necessidade. O dever da esmola é tão antigo como a Bíblia. O sacrifício e a esmola eram dois deveres que uma pessoa religiosa tinha que cumprir. Há páginas importantes no Antigo Testamento, nas quais Deus exige uma atenção particular pelos pobres que são, ora indigentes, ora estrangeiros, ora órfãos ou viúvas. E na Bíblia is- to é um refrão contínuo: o necessitado, a viúva, o estrangeiro, o forasteiro, o órfão... é um refrão. Porque Deus quer que o seu povo olhe para estes nossos irmãos; aliás, diria que estão precisamente no centro da mensagem: louvar a Deus com o sacrifício e louvar a Deus com a esmola. Juntamente com a obrigação de se recordar deles, é dada também uma indicação preciosa: «Livremente lhe darás, e que o teu coração não seja maligno, quando lhe deres» (Dt 15, 10). Isto significa que a caridade exige, antes de tudo, uma atitude de alegria interior. Oferecer misericórdia não pode ser um peso nem um tédio de que nos libertar depressa. E quanta gente se justifica por não dar esmola dizendo: «Mas como será este? Talvez este a quem darei esmola vá comprar vinho para se embriagar». Mas se ele se embebeda, é porque não tem outro caminho! E tu, o que fazes às escondidas, quando ninguém te vê? E tu és juiz daquele pobre homem que te pede uma moeda para um copo de vinho? Apraz-me recordar o episódio do velho Tobias que, depois de ter recebido uma grande quantia de dinheiro, chamou seu filho e instruiu-o com estas palavras: «Dá esmola dos teus bens, e não te desvies de nenhum pobre, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti» (Tb 4, 7-8). São palavras muito sábias que ajudam a compreender o valor da esmola. Jesus, como ouvimos, deixou-nos um ensinamento insubstituível a este propósito. Antes de tudo, pede-nos que não demos esmola para sermos louvados e admirados pelos homens devido à nossa generosidade: faz de maneira que a tua mão direita não saiba o que faz a esquerda (cf. Mt 6, À Papal Foundation o Pontífice recordou que a caridade é reflexo do amor de Deus Obra de misericórdia Compartilhar a misericórdia de Cristo com quantos «estão espiritual e materialmente em necessidade, com o espírito de generosidade e ternura que reflete a bondade incomensurável de Deus»: foi a exortação de Francisco à Papal Foundation, organização caritativa norte-americana que promove projetos financeiros e concede bolsas de estudo a sacerdotes, religiosos e leigos que estudam em Roma, como recordou o cardeal presidente Donald Wuerl, arcebispo de Washington, garantindo uma oferta de dez milhões de dólares para a caridade do Papa que, somados às doações dos anos passados — desde 1990 — correspondem a mais de cento e seis milhões de dólares. A seguir, o discurso do Papa na audiência concedida na manhã de 8 de abril na sala Clementina. Eminências, Excelências Amados amigos em Cristo! Estou feliz por dar as boas-vindas a todos vós, membros, administradores e «Stewards of Saint Peter» da Papal Foundation, por ocasião da vossa peregrinação anual ao Vaticano. É uma alegria encontrar-me de novo convosco e manifestar o meu apreço pela vossa generosidade em relação ao meu ministério e à Igreja no mundo. Digo-vos obrigado em nome de todos aqueles que recebem assistência mediante o vosso compromisso de caridade. Este ano a vossa peregrinação realiza-se no âmbito do Jubileu da Misericórdia, durante o qual contemplamos o mistério da misericórdia, que é fonte de alegria, serenidade e paz, e da qual depende a nossa salvação (cf. Bula Misericordiae vultus, 2). Somos chamados por Cristo a compartilhar esta misericórdia com aqueles que estão espiritual e materialmente em necessidade, mediante as obras de misericórdia espirituais e corporais, com o espírito de generosidade e de ternura que reflete de maneira incomensurável a bondade de Deus. Como membros, administradores e Stewards da Papal Foundation, as obras de misericórdia estão no cerne da vossa missão. Através da vossa contribuição generosa a favor dos projetos diocesanos, paroquais e das comunidades, assim como mediante a oferta de bolsas de estudo, vós assistis numerosas pessoas a fim de que consigam enfrentar de modo eficaz as necessidades presentes nas respetivas comunidades e levar a cabo de forma cada vez mais fecunda as próprias obras de misericórdia. Desta maneira, a vossa caridade propagarse-á pelo mundo, proporcionando novas iniciativas que ajudarão a alargar o abraço misericordioso do Pai. Faço votos de que, com a graça de Deus, estes dias de peregrinação sejam para vós um renovado e vigoroso convite à santidade e uma intensa experiência da misericórdia de Deus. São Paulo recorda-nos que nunca nos devemos cansar de fazer o bem (cf. Gl 6, 9; 2 Ts 3, 13). Possa o Pai celestial sustentar-vos nas vossas obras de bem, mas sobretudo levar-vos a uma fé a uma experiência cada vez mais profunda do seu amor infinito. Recordai que as minhas orações e a minha Bênção vos acompanham; e, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado! 3). Não é a aparência que conta, mas a capacidade de parar para olhar diretamente para a pessoa que pede ajuda. Cada um de nós pode perguntar: «Sou capaz de parar e de olhar para o rosto, para os olhos, da pessoa que me está a pedir ajuda? Sou capaz? Por conseguinte, não devemos identificar a esmola com a simples moeda oferecida de modo apressado, sem olhar para a pessoa e sem parar a falar com ela para compreender do que tem realmente necessidade. Ao mesmo tempo, devemos distinguir entre os pobres e as várias formas de mendicidade que não prestam um bom serviço aos verdadeiros pobres. Em síntese, a esmola é um gesto de amor que se dirige a quantos encontramos; é um gesto de atenção sincera a quem se aproxima de nós e pede a nossa ajuda, feita em segredo, onde só Deus vê e compreende o valor do gesto realizado. Mas dar esmola deve ser para nós também um sacrifício. Recordo uma mãe: tinha três filhos, de seis, cinco e três anos, mais ou menos. E ensinava sempre aos filhos que se devia dar esmola àquelas pessoas que a pediam. Estavam a almoçar: cada um comia um bife à milanesa, como se diz na minha terra, «empanado». Batem à porta. O mais velho vai abrir e volta: «Mãe, é um pobre que pede de comer». «Que fazemos?», pergunta a mãe. «Damos-lhe — dizem todos — damos-lhe!» — «Bem: pega em metade do teu bife, tu noutra metade, e tu noutra, e faça duas sandes» — «Ah, não, mãe, não!» — «Não? «Dá do teu, daquilo que te custa a dar». É este o envolver-se com o pobre. Eu privo-me de alguma coisa de meu para o dar a ti. E aos pais digo: educai os vossos filhos a dar assim esmola, a ser generosos com o que têm. Façamos então nossas as palavras do apóstolo Paulo: «Em tudo vos tenho mostrado que assim, trabalhando, convém acudir os fracos e lembrar-se das palavras do Senhor Jesus, porquanto ele mesmo disse: “É maior felicidade dar que receber!”» (At 20, 35; cf. 2 Cor 9, 7). Obrigado! No final da audiência, saudando os vários grupos presentes, o Papa disse aos de expressão portuguesa. Com grande afeto, saúdo os peregrinos de língua portuguesa, em particular os grupos de Pontal e do Colégio São Bento do Rio de Janeiro, com votos de que possais vós todos dar-vos sempre conta do dom maravilhoso que é pertencer à Igreja. Vele sobre o vosso caminho a Virgem Maria e vos ajude a ser sinal de confiança e instrumento de caridade no meio dos vossos irmãos. Sobre vós e vossas famílias desça a Bênção de D eus. L’OSSERVATORE ROMANO número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 página 8/9 Alegria do amor «Retrato de família» (arte afro-americana) Exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia» sobre a família fruto das assembleias realizadas em 2014 e 2015 Na manhã de 8 de abril, na sala de imprensa da Santa Sé, foi apresentada a exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia», sobre o amor na família, que reúne os frutos dos dois sínodos dos bispos sobre o amor na família, celebrados respetivamente em 2014 e em 2015. Em seguida, publicamos um resumo do documento, subdividido em nove capítulos e, no total, 325 parágrafos. «Amoris laetitia» (AL — «A alegria do amor»), a Exortação apostólica pós-sinodal «sobre o amor na família», datada não por acaso de 19 de março, Solenidade de são José, recolhe os resultados de dois Sínodos sobre a família convocados pelo Papa Francisco em 2014 e 2015, cujas relações conclusivas são abundantemente citadas, juntamen- Habib Hyat, «Três com amor» (2014) te com documentos e ensinamentos dos seus predecessores e as numerosas catequeses sobre a família do próprio Papa Francisco. Contudo, como já sucedeu noutros documentos magisteriais, o Papa recorre também a contributos de diversas Conferências episcopais de todo o mundo (Quénia, Austrália, Argentina...) e a citações de personalidades de relevo, como Martin Luther King ou Erich Fromm. Ressalta em particular uma citação do filme «A Festa de Babette», que o Papa recorda para explicar o conceito de gratuitidade. Premissa A exortação apostólica chama a atenção pela sua amplitude e articulação. Está dividida em nove capítulos e mais de trezentos parágrafos. Tem início com sete parágrafos introdutórios que evidenciam plenamente a consciência da complexidade do tema, que requer ser aprofundado. Afirma-se que as intervenções dos Padres no sínodo constituíram um «precioso poliedro» (AL 4) que deve ser preservado. Neste sentido, o Papa escreve que «nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais». Por conseguinte, para algumas questões «em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais. De facto, “as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral (...), se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado”» (AL 3). Este princípio de inculturação revela-se como muito importante até no modo de abordar e compreender os problemas, modo esse que, sem entrar nas questões dogmáticas bem de- O quirógrafo enviado pelo Papa Francisco aos bispos para acompanhar o texto da exortação apostólica «Amoris laetitia» finidas pelo Magistério da Igreja, não pode ser «globalizado». Mas sobretudo o Papa afirma de imediato e com clareza que é necessário sair da estéril contraposição entre a ânsia de mudança e a aplicação pura e simples de normas abstratas. Escreve: «Os debates, que têm lugar nos meios de comunicação ou em publicações e mesmo entre ministros da Igreja, estendem-se desde o desejo desenfreado de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamentação até à atitude que pretende resolver tudo através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões teológicas» (AL 2). Capítulo I «À luz da Palavra» Para o bem de todos CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1 samente «por tantas realidades diferentes» sublinha com lucidez a exortação. O documento sinodal, texto concorde que exprime com grande equilíbrio um caminho comum, segundo um método tanto antigo quanto a própria Igreja tem em consideração esta variegada situação. E pelo menos igualmente antigos são os princípios que inspiram o texto e remontam a raízes ainda mais antigas, que se vislumbram entre as linhas de um texto linear e fluido: a condescendência (synkatábasis) divina descrita pelos Padres da Igreja para expressar a atenção de Deus e o seu abraço em relação à condição humana, sempre imperfeita, até à solicitude e às parábolas de Jesus, o Senhor que a liturgia chama «amigo dos homens», é princípio das «sementes do Logos» que é preciso esforçar-se por reconhecer presentes em cada realidade humana. A exortação é extremamente longa e desenvolve-se com generosidade, tocando vários pontos: desde uma visão da Escritura à situação atual das famí- lias, o texto expõe o ensinamento da Igreja e a sua tradução na vida diária dos fiéis, detendo-se na educação dos filhos, convidando «à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente àquilo que o Senhor nos propõe» e traçando enfim um esboço de espiritualidade para as famílias. Devido à extensão e à riqueza do texto, às vezes sugestivo e feliz também por recorrer a fontes não habituais nos documentos pontifícios, o próprio Papa desaconselha uma «leitura geral apressada» e sugere ao contrário um seu aprofundamento paciente. Como para os dois precedentes grandes textos do pontificado (Evangelii gaudium e Laudato si’) pode-se já agora prever que Amoris laetitia suscitará interesse e debates vivazes, não somente na Igreja, em particular sobre os aspetos cruciais da integração e da proximidade aos fiéis em situações difíceis. Este interesse é um bom sinal, como uma boa notícia é sem dúvida a novidade expressa pela exortação, em coerência com a grande tradição cristã e com a sua renovação, desejada há meio século pelo concílio. Enunciadas estas premissas, o Papa articula a sua reflexão a partir das Sagradas Escrituras no primeiro capítulo, que se desenvolve como uma meditação acerca do Salmo 128, característico da liturgia nupcial hebraica, assim como da cristã. A Bíblia «aparece cheia de famílias, gerações, histórias de amor e de crises familiares» (AL 8) e a partir deste dado pode meditar-se como a família não é um ideal abstrato, mas uma «tarefa “artesanal”» (AL 16) que se exprime com ternura (AL 28), mas que se confrontou desde o início também com o pecado, quando a relação de amor se transformou em domínio (cf. AL 19). Então, a Palavra de Deus «não se apresenta como uma sequência de teses abstratas, mas como uma companheira de viagem, mesmo para as famílias que estão em crise ou imersas nalguma tribulação, mostrando-lhes a meta do caminho» (AL 22). ção atual das famílias, mantendo «os pés assentes na terra» (AL 6), bebendo com abundância das Relações conclusivas dos dois sínodos e enfrentando numerosos desafios, desde o fenómeno migratório à negação ideológica da diferença de sexo («ideologia de género»); da cultura do provisório à mentalidade antinatalidade e ao impacto das biotecnologias no campo da procriação; da falta de habitação e de trabalho à pornografia e ao abuso de menores; da atenção às pessoas com deficiência ao respeito pelos idosos; da desconstrução jurídica da família à violência para com as mulheres. O Papa insiste sobre o carácter concreto, que é um elemento fundamental da exortação. E é este carácter concreto e realista que estabelece uma diferença substancial entre «teorias» de interpretação da realidade e «ideologias». Citando a Familiaris consortio, Francisco afirma que «é saudável prestar atenção à realidade concreta, porque “os pedidos e os apelos do Espírito res- soam também nos acontecimentos da história” através dos quais “a Igreja pode ser guiada para uma compreensão mais profunda do inexaurível mistério do matrimónio e da família”» (AL 31). Sem escutar a realidade não é possível compreender nem as exigências do presente nem os apelos do Espírito. O Papa nota que o individualismo exacerbado torna hoje difícil a doação a uma outra pessoa de uma maneira generosa (cf. AL 33). Eis um interessante retrato da situação: «Teme-se a solidão, desejase um espaço de proteção e fidelidade mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais» (AL 34). A humildade do realismo ajuda a não apresentar «um ideal teológico do matrimónio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são» (AL 36). O idealismo não permite considerar o matrimónio assim como é, ou seja, «um caminho dinâmico de crescimento e realização». Por isso, também não se pode julgar que se apoie as famílias «com a simples insistência em questões doutrinais, bioéticas e morais, sem motivar a abertura à graça» (AL 37). Convidando a uma certa «autocrítica» de uma apresentação não adequada da realidade matrimonial e familiar, o Papa insiste na necessidade de dar espaço à formação da consciência dos fiéis: «Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituílas» (AL 37). Jesus propunha um ideal exigente, mas «não perdia jamais a proximidade compassiva às pessoas frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera» (AL 38). Capítulo III «O olhar fixo em Jesus: a vocação da família» O terceiro capítulo é dedicado a alguns elementos essenciais do ensinamento da Igreja acerca do matrimónio e da família. É importante a presença deste capítulo, porque ilustra de uma maneira sintética em trinta parágrafos a Capítulo VI «Algumas perspetivas pastorais» vocação à família de acordo com o Evangelho, assim como ela foi recebida pela Igreja ao longo do tempo, sobretudo quanto ao tema da indissolubilidade, da sacramentalidade do matrimónio, da transmissão da vida e da educação dos filhos. Fazem-se inúmeras citações da Gaudium et spes do Vaticano II, da Humanae vitae de Paulo VI, da Familiaris consortio de João Paulo II. O olhar é amplo e inclui também as «situações imperfeitas». Com efeito, lemos: «“O discernimento da presença das semina Verbi nas outras culturas (cf. Ad gentes, 11) pode-se aplicar também à realidade matrimonial e familiar. Para além do verdadeiro matrimónio natural, há elementos positivos também nas formas matrimoniais doutras tradições religiosas”, embora não faltem também as sombras» (AL 77). A reflexão inclui ainda as «famílias feridas», a propósito das quais o Papa afirma — citando a Relatio finalis do Sínodo de 2015 que «é preciso lembrar sempre um princípio geral: “Saibam os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir bem as situações” (Familiaris consortio, 84). O grau de responsabilidade não é igual em todos os casos, e podem existir fatores que limitam a capacidade de decisão. Por isso, ao mesmo tempo que se exprime com clareza a doutrina, há que evitar juízos que não tenham em conta a complexidade das diferentes situações, e é preciso estar atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 79). Capítulo IV «O amor no matrimónio» Capítulo II «A realidade e os desafios das famílias» Partindo do terreno bíblico, o Papa considera no segundo capítulo a situa- titia não toma em consideração a família «mononuclear», mas está bem consciente da família como rede de relações alargadas. A própria mística do sacramento do matrimónio tem um profundo carácter social (cf. AL 186). E no âmbito desta dimensão social, o Papa sublinha em particular tanto o papel específico da relação entre jovens e idosos, quanto a relação entre irmãos como aprendizagem de crescimento na relação com os outros. Absalon Marticio, «Família» (1999) O quarto capítulo trata do amor no matrimónio e ilustra-o a partir do “hino ao amor” de São Paulo de 1 Cor 13, 4-7. O capítulo é uma verdadeira e autêntica exegese cuidadosa, precisa, inspirada e poética do texto paulino. Poderíamos dizer que se trata de uma coleção de fragmentos de um discurso amoroso atento a descrever o amor humano em termos absolutamente concretos. Surpreende-nos a capacidade de introspeção psicológica que caracteriza esta exegese. O aprofundamento psicológico chega ao mundo das emoções dos cônjuges — positivas e negativas — e à dimensão erótica do amor. Este é um contributo extremamente rico e precioso para a vida cristã dos cônjuges, que não tinha até agora paralelo em anteriores documentos papais. À sua maneira, este capítulo constitui um pequeno tratado no conjunto de um desenvolvimento mais amplo, plenamente consciente do carácter quotidiano do amor que se opõe a todos os idealismos: «não se deve atirar para cima de duas pessoas limitadas — escreve o Pontífice — o peso tremendo de ter que reproduzir perfeitamente a união que existe entre Cristo e a sua Igreja, porque o matrimónio como sinal implica “um processo dinâmico, que avança gradualmente com a progressiva integração dos dons de Deus”» (AL 122). Mas, por outro lado, o Papa insiste de modo enérgico e firme no facto de que «na própria natureza do amor conjugal, existe a abertura ao definitivo» (AL 123) precisamente no íntimo daquela «combinação necessária de alegrias e fadigas, de tensões e repouso, de sofrimentos e libertações, de satisfações e buscas, de aborrecimentos e prazeres» (AL 126) que é de facto o matrimónio. O capítulo conclui-se com uma reflexão muito importante acerca da «transformação do amor» uma vez que «o alongamento da vida provocou algo que não era comum noutros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha» (AL 163). A aparência física transforma-se e a atração amorosa não desaparece, mas muda: com o tempo, o desejo sexual pode transformar-se em desejo de intimidade e «cumplicidade». «Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projeto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade» (AL 163). Capítulo V «O amor que se torna fecundo» O quinto capítulo centra-se por completo na fecundidade e no carácter gerador do amor. Fala-se de uma maneira espiritual e psicologicamente profunda do acolher uma nova vida, da espera própria da gravidez, do amor de mãe e de pai. Mas também da fecundidade alargada, da adoção, do acolhimento do contributo das famílias para a promoção de uma “cultura do encontro”, da vida na família em sentido amplo, com a presença de tios, primos, parentes dos parentes, amigos. A Amoris lae- No sexto capítulo, o Papa aborda algumas vias pastorais que orientam para a edificação de famílias sólidas e fecundas de acordo com o plano de Deus. Nesta parte, a exortação recorre às relações conclusivas dos dois sínodos e às catequeses do Papa Francisco e de João Paulo II. Volta-se a sublinhar que as famílias são sujeito e não apenas objeto de evangelização. O Papa observa que «os ministros ordenados carecem, habitualmente, de formação adequada para tratar dos complexos problemas atuais das famílias» (AL 202). Se, por um lado, é necessário melhorar a formação psicoafetiva dos seminaristas e envolver mais a família na formação para o ministério (cf. AL 203), por outro «pode ser útil... também a experiência da longa tradição oriental dos sacerdotes casados» (AL 202). Em seguida, o Papa desenvolve o tema da orientação dos noivos no caminho de preparação para o matrimónio, do acompanhamento dos esposos nos primeiros anos da vida matrimonial (incluindo o tema da paternidade responsável), mas também em algumas situações complexas e, em particular, nas crises, sabendo que «cada crise esconde uma boa notícia, que é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração» (AL 232). São analisadas algumas causas de crise, entre elas uma maturação afetiva retardada (cf. AL 239). Além disso, fala-se também do acompanhamento das pessoas abandonadas, separadas ou divorciadas e sublinha-se a importância da recente reforma dos procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade matrimonial. Coloca-se em relevo o sofrimento dos filhos nas situações de conflito e concluise: «O divórcio é um mal, e é muito preocupante o aumento do número de divórcios. Por isso, sem dúvida, a nossa tarefa pastoral mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do nosso tempo» (AL 246). Referem-se de seguida as situações dos matrimónios mistos e daqueles com disparidade de culto, e a situação das famílias que têm dentro de si pessoas com tendência homossexual, insistindo no respeito para com elas e na recusa de qualquer discriminação injusta e de todas das formas de agressão e violência. A parte final do capítulo, «quando a morte crava o seu aguilhão», é de grande valor pastoral, tocando o tema da perda das pessoas queridas e da viuvez. CONTINUA NA PÁGINA 10 L’OSSERVATORE ROMANO página 10 quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 Apresentada a exortação apostólica pós-sinodal «Amoris laetitia» CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 8 Capítulo VII «Reforçar a educação dos filhos» O sétimo capítulo é totalmente dedicado à educação dos filhos: a sua formação ética, o valor da sanção como estímulo, o realismo paciente, a educação sexual, a transmissão da fé e, mais em geral, a vida familiar como contexto educativo. É interessante a sabedoria prática que transparece em cada parágrafo e sobretudo a atenção à gradualidade e aos pequenos passos que «possam ser compreendidos, aceites e apreciados» (AL 271). Há um parágrafo particularmente significativo e de um valor pedagógico fundamental em que Francisco afirma com clareza que «a obsessão não é educativa; e também não é possível ter o controle de todas as situações onde um filho poderá chegar a encontrar-se (...). Se um progenitor está obcecado com saber onde está o seu filho e controlar todos os seus movimentos, procurará apenas dominar o seu espaço. Mas, desta forma, não o educará, não o reforçará, não o preparará para enfrentar os desafios. O que interessa acima de tudo é gerar no filho, com muito amor, processos de amadurecimento da sua liberdade, de preparação, de crescimento integral, de cultivo da autêntica autonomia» (AL 261). A secção dedicada à educação sexual é notável, e intitula-se muito expressivamente: «Sim à educação sexual». Sustenta-se a sua necessidade e formula-se a interrogação de saber «se as nossas instituições educativas assumiram este desafio (...) num tempo em que se tende a banalizar e empobrecer a sexualidade». A educação sexual deve ser realizada «no contexto de uma educação para o amor, para a doação mútua» (AL 280). É feita uma advertência em relação à expressão «sexo seguro», pois transmite «uma atitude negativa a respeito da finalidade procriadora natural da sexualidade, como se um eventual filho fosse um inimigo do qual é preciso proteger-se. Deste modo promove-se a agressividade narcisista, em vez do acolhimento» (AL 283). Capítulo VIII «Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade» O capítulo oitavo representa um convite à misericórdia e ao discernimento pastoral diante de situações que não correspondem plenamente ao que o Senhor propõe. O Papa usa aqui três verbos muito importantes: «acompanhar, discernir e integrar», os quais são fundamentais para responder a situações de fragilidade, complexas ou irregulares. Em seguida, apresenta a necessária gradualidade na pastoral, a importância do discernimento, as normas e circunstâncias atenuantes no discernimento pastoral e, por fim, aquela que é por ele definida como a «lógica da misericórdia pastoral». O oitavo capítulo é muito delica- à reflexão da Igreja «sobre os condido. Na sua leitura deve-se recordar cionamentos e as circunstâncias ateque «muitas vezes, o trabalho da nuantes» no que respeita à imputaIgreja é semelhante ao de um hospi- bilidade das ações e, apoiando-se em tal de campanha» (AL 291). O Pontí- são Tomás de Aquino, detém-se na fice assume aqui aquilo que foi fruto relação entre «as normas e o discerda reflexão do Sínodo acerca de te- nimento», afirmando: «É verdade máticas controversas. Reafirma-se o que as normas gerais apresentam um que é o matrimónio cristão e acres- bem que nunca se deve ignorar nem centa-se que «algumas formas de transcurar, mas, na sua formulação, união contradizem radicalmente este não podem abarcar absolutamente ideal, enquanto outras o realizam todas as situações particulares. Ao pelo menos de forma parcial e ana- mesmo tempo é necessário afirmar lógica». Por conseguinte, a Igreja que, precisamente por esta razão, não deixa de valorizar «os elementos aquilo que faz parte de um discerniconstrutivos nas situações que ainda mento prático de uma situação partinão correspondem ou já não corres- cular não pode ser elevado à categopondem à sua doutrina sobre o ma- ria de norma» (AL 304). trimónio» (AL 292). Na última secção do capítulo, «A No que diz respeito ao «discerni- lógica da misericórdia pastoral», o mento» acerca das situações «irregu- Papa Francisco, para evitar equívolares», o Papa observa: «temos de cos, reafirma com vigor: «A compreevitar juízos que não tenham em ensão pelas situações excecionais conta a complexidade das diversas situações e é necessário estar atentos ao modo em que as pessoas vivem e sofrem por causa da sua condição» (AL 296). E continua: «Trata-se de integrar a todos, deve-se ajudar cada um a encontrar a sua própria maneira de participar na comunidade eclesial, para que se sinta objeto de uma misericórdia “imerecida, incondicional e gratuita”» (AL 297). E ainda: «Os divorciados que vivem numa nova união, por exemplo, podem encontrar-se em situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou encerradas em afirmações demasiado rígidas, sem deixar espaço para um adequado discernimento pessoal e pastoral» (AL 298). Nesta linha, acolhendo as observações de muitos Padres sinodais, o Papa afirma que «os batizados que se divorHenry Moore, «Grupo de família» (1949) ciaram e voltaram a casar civilmente devem ser mais integrados na comunidade cristã sob as não implica jamais esconder a luz do diferentes formas possíveis, evitando ideal mais pleno, nem propor menos toda a ocasião de escândalo». «A de quanto Jesus oferece ao ser husua participação pode exprimir-se mano. Hoje, mais importante do que em diferentes serviços eclesiais (...) uma pastoral dos falimentos é o esforço Não devem sentir-se excomungados, pastoral para consolidar os matrimómas podem viver e maturar como nios e assim evitar as ruturas» (AL membros vivos da Igreja (...) Esta 307). Mas o sentido abrangente do integração é necessária também para capítulo e do espírito que o Papa o cuidado e a educação cristã dos Francisco pretende imprimir à pastoral da Igreja encontra um resumo seus filhos» (AL 299). Mais em geral, o Papa profere adequado nas palavras finais: «Conuma afirmação extremamente impor- vido os fiéis, que vivem situações tante para que se compreenda a complexas, a aproximar-se com conorientação e o sentido da Exortação: fiança para falar com os seus pasto«Se se tiver em conta a variedade res ou com leigos que vivem entreinumerável de situações concretas gues ao Senhor. Nem sempre encon(...) é compreensível que esperar do trarão neles uma confirmação das sínodo ou desta exortação uma nova próprias ideias ou desejos, mas segunormativa geral de tipo canónico, ramente receberão uma luz que lhes aplicável a todos os casos. É possível permita compreender melhor o que apenas um novo encorajamento a está a acontecer e poderão descobrir um responsável discernimento pes- um caminho de amadurecimento soal e pastoral dos casos particula- pessoal. E convido os pastores a esres, que deveria reconhecer que, não cutar, com carinho e serenidade, sendo “o grau de responsabilidade com o desejo sincero de entrar no igual em todos os casos”, as conse- coração do drama das pessoas e quências ou efeitos de uma norma compreender o seu ponto de vista, não devem necessariamente ser sem- para as ajudar a viver melhor e recopre os mesmos» (AL 300). O Papa nhecer o seu lugar na Igreja» (AL desenvolve em profundidade as exi- 312). Acerca da «lógica da misericórgências e características do caminho dia pastoral», o Papa Francisco afirde acompanhamento e discernimen- ma com força: «Às vezes custa-nos to em diálogo profundo entre fiéis e muito dar lugar, na pastoral, ao pastores. A este propósito, faz apelo amor incondicional de Deus. Pomos tantas condições à misericórdia que a esvaziamos de sentido concreto e real significado, e esta é a pior maneira de aguar o Evangelho» (AL 311). Capítulo IX «Espiritualidade conjugal e familiar» O nono capítulo é dedicado à espiritualidade conjugal e familiar, «feita de milhares de gestos reais e concretos» (AL 315). Diz-se com clareza que «aqueles que têm desejos espirituais profundos não devem sentir que a família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é um percurso de que o Senhor Se serve para os levar às alturas da união mística» (AL 316). Tudo, «os momentos de alegria, o descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são sentidos como uma participação na vida plena da sua Ressurreição» (AL 317). Fala-se, portanto, da oração à luz da Páscoa, da espiritualidade do amor exclusivo e livre diante do desafio e do desejo de envelhecer e gastar-se juntos, refletindo a fidelidade de Deus (cf. AL 319). E, por fim, a espiritualidade «da solicitude, da consolação e do estímulo». «Toda a vida da família é um “pastoreio” misericordioso. Cada um, cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro» (AL 322), escreve o Papa. «É uma experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido com os olhos de Deus e reconhecer Cristo nele» (AL 323). No parágrafo conclusivo, o Papa afirma: «Nenhuma família é uma realidade perfeita e confecionada de uma vez para sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de amar (...) Todos somos chamados a manter viva a tensão para algo mais além de nós mesmos e dos nossos limites, e cada família deve viver neste estímulo constante. Avancemos, famílias; continuemos a caminhar! (...). Não percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi prometida» (AL 325). A Exortação apostólica conclui-se com uma Oração à Sagrada Família (AL 325). *** Como já se pode depreender a partir de um rápido exame dos seus conteúdos, a exortação apostólica Amoris laetitia pretende reafirmar com força não o «ideal» da família, mas a sua realidade rica e complexa. Há nas suas páginas um olhar aberto, profundamente positivo, que se nutre não de abstrações ou projeções ideais, mas de uma atenção pastoral à realidade. O documento é uma leitura densa de indicações espirituais e de sabedoria prática útil a cada casal ou a pessoas que desejam construir uma família. Nota-se sobretudo que foi fruto de uma experiência concreta com pessoas que sabem a partir da experiência o que é a família e o viver juntos durante muitos anos. A exortação fala de facto a linguagem da experiência e da esperança. número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 11 Globalidade e acolhimento na «Amoris laetitia» Frutos do caminho sinodal GUALTIERO BASSETTI uem procurar na Amoris laetitia uma revolução, no significado mundano do termo, não encontrará vestígio algum. E do mesmo modo quem procurar a sua negação, ou seja, a afirmação de uma forma qualquer de conservação, ficará igualmente desiludido. Pelo simples motivo de que esta é a linguagem mediática, mas não da Igreja, cuja única linguagem é o anúncio da boa notícia, da qual tudo deriva: a vinda de Jesus ao mundo e a sua Ressurreição; o amor e a caridade; o perdão dos pecados e a misericórdia; o testemunho da fé e a centralidade da família. A única verdadeira revolução que se pode vislumbrar entre as páginas da exortação é a revolução da ternura, que representa não apenas uma das categorias mais importantes deste pontificado, mas inclusive um dos símbolos mediante os quais observar a família através deste documento. Q Sem dúvida, a simplicidade destas afirmações contrastará com as habituais representações mediáticas, amplificadas além da medida por um uso obsessivo dos social networks, mas reiterar estes conceitos significa simplesmente frisar o âmago da exortação. Entre as numerosas reflexões que se poderiam e deveriam fazer, chamo a atenção para alguns aspetos. Em primeiro lugar, o espírito do sínodo. A exortação apostólica encarna perfeitamente o caminho sinodal, que não foi um confronto entre moções congressionais, mas um longo trecho de caminho percorrido em conjunto. Um trajeto que durou dois anos, contou com a participação de todas as dioceses do mundo e deu vida a um debate vivo, verdadeiro e autêntico, no qual todos falaram com franqueza. E isto não é pouco. Aliás, é muitíssimo! Não só. O espírito do sínodo foi também o mesmo do Vaticano II. Com efeito, um dos elementos mais evidenciados pelos padres sinodais Para discernir e acompanhar «Novidade» mas nenhum «elemento de rutura» em relação à doutrina da Igreja. Assim foi apresentada a exortação apostólica Amoris laetitia, na manhã de 8 de abril, na Sala de Imprensa da Santa Sé. O documento permanece ancorado na tradição pastoral prudencial da Igreja. E escolhe uma linguagem simples, direta, clara que chega a todo o povo de Deus. Uma linguagem que tributa grande respeito a cada homem, considerado não um caso problemático para resolver mas uma pessoa com uma história e um percurso peculiar. As palavras-chave da exortação, ou seja, «discernir e acompanhar» — como frisou o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena — não se destinam só às «chamadas situações irregulares» mas são válidas para todos os homens, para cada matrimónio e família. Antes do purpurado austríaco foi o cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário-geral do Sínodo dos bispos, quem apresentou motivações e conteúdos da exortação apostólica, que — observou — não introduz uma nova normativa geral na «inúmera variedade de situações concretas» relacionadas com as famílias feridas e com as chamadas situações «irregulares». Estava presente no encontro com a imprensa também o bispo Fabio Fabene, subsecretário do Sínodo dos bispos. Ilustrou o documento também o casal Miano. Tomando a palavra depois dos dois cardeais, Francesco e Giuseppina De Simone ofereceram o seu testemunho de casal cristão diante de «um texto magisterial que ao falar da família reconduz ao essencial, àquilo que mais conta», fazendo-o «com uma linguagem direta, simples, para todos». Em síntese, segundo eles Amoris laetitia «não é um texto para peritos na matéria, para especialistas da pastoral, mas para «adidos da vida», ou seja, para todos nós que, de maneira diversa, somos parte de uma família». Analisando em particular a segunda secção dedicada ao amor em família e o capítulo sobre a educação dos filhos, os relatores frisaram como nestas páginas se sente que «o Papa guia pela mão a descobrir a beleza das nossas famílias, imperfeitas, frágeis, mas extraordinárias, porque amparadas no seu caminho quotidiano pelo amor do Senhor que nunca se cansa, nunca falta e renova todas as coisas». Portanto, através deste documento pode-se «ver o tesouro que temos nas mãos, o grande bem que está na normalidade da nossa vida. É como se — explicou o casal — o Papa dissesse: paremos um momento, deixemos para trás os rumores, as corridas, os afãs, o turbilhão de vozes que nos investe diariamente até nos submergir, e procuremos sentir a nossa vida naquilo que deveras tem para nos dizer, ouçamos o que acontece dentro de nós, o que move o nosso coração. Porque é nesta escuta que aprendemos a divisar a presença do Senhor que faz das nossas histórias “terra sagrada”». Sobretudo, continuaram, «a linguagem do Papa Francisco deixa falar a vida concreta das famílias». Até porque «as suas palavras nascem da escuta humilde para a qual convidavam os padres sinodais na abertura do sínodo de 2014 e da qual ele mesmo deu testemunho nas intensas jornadas de trabalho dos dois sínodos dedicados à família: e é lindíssima esta Igreja que se deixa instruir pela família». De resto, a exortação desenha «uma gramática das relações que a Igreja não dita do alto consistiu em realçar a «finalidade unitiva» do matrimónio, isto é, «o convite a crescer no amor» e na «ajuda recíproca». Ou seja, uma das grandes novidades introduzidas pelo concílio. Além disso, neste horizonte traçado pela assembleia conciliar é necessário ressaltar uma virtude com muita frequência «ignorada neste tempo de relações frenéticas e superficiais», ou seja, a ternura. É a ternura cantada pelo salmista que, com os traços «do amor paterno e materno», exprime a união entre os fiéis e o Senhor, e é também a «terna intimidade que existe entre a mãe e o filho». No fundo, a ternura é «o olhar feito de fé e amor, de graça e compromisso», que podemos contemplar na família. Outro elemento que convém sublinhar é o alcance mundial da Amoris laetitia. Um alcance que, com efeito, sem se limitar unicamente ao contexto ocidental, representa um olhar global às famílias do mundo. A globalidade da exortação — que, enraizando-se em cada território, põe em evidência também a sua extrema solidez — é bem testemunhada pelas citações tiradas de documentos dos episcopados do mundo inteiro: do México à Colômbia, da Itália à Coreia, da Austrália ao Quénia. O último aspeto é o acolhimento na Igreja, que se une estreitamente ao acompanhamento e ao discernimento. Trata-se de um elemento crucial que mede, e continuará a medir, a nossa capacidade de amar e ajudar as famílias. Com efeito, o acolhimento deve ser reservado a todos: às famílias em migração, àquelas que vivem em condições de pobreza extrema e a quantas conheceram a ferida do fracasso matrimonial. Uma integração pastoral necessária, mas que é impensável sem o remédio da misericórdia e o discernimento do pastor. Indubitavelmente, trata-se de um grande testemunho de caridade, de afinidade fraternal e de proximidade autêntica em relação a todo o povo de Deus, sem excluir ninguém. da perfeição cristã do amor e colocado no centro desta exortação, é declinado pelo Papa no tempo e nos dias da vida das famílias» e que «este amor que é caminho no tempo rumo à plenitude é alegria que dilata o coração». Mas, admoestaram em continuidade com o documento, que é preciso cuidar da Kolade Oshinowo, «A família» (2009) alegria do amor. Como? Cultivandomas que ela mesma aprende da vida a, «crescendo na capacidade de um das famílias. Não é uma Igreja que olhar que aprecia», considerando se coloca na cátedra, é uma Igreja que «muitas feridas e crises têm a que sabe pôr-se a caminho e escolhe sua origem quando já não somos caestar nele até ao fundo, mas que pazes deste olhar, «quando deixaprecisamente por isto pode tornar-se mos de nos contemplar» entre marimestra que ajuda a fazer clareza e a do e esposa, entre pais e filhos, entre reencontrar cada vez o sentido do irmãos». Não só, a alegria do amor caminho». «fortalece-se nos sofrimentos e nas Na prática, para evocar uma ima- batalhas vividas juntos, cresce atragem querida ao Papa Francisco, tra- vés das palavras e gestos que alimenta-se do documento de «uma Igreja tam o amor dia após dia». E ao que é povo de Deus a caminho». E mesmo tempo «amadurece através a este propósito «a categoria do ca- do diálogo, do “conceder tempo” à minho» parece «fundamental para escuta do outro dando-lhe espaço». compreender o sentido da vida da Mesmo se «isto exige que se amadufamília que transparece» das páginas reça uma amplidão mental, uma fledo documento. «Que a vida da fa- xibilidade, uma riqueza interior sem mília é um caminho — observaram — a qual a vida familiar se torna asfixia é repetido com clareza; um caminho e o diálogo se empobrece». no qual não devemos cansar-nos de Sempre falando de alegria, o casal olhar em frente, de ter grandes hori- relançou a importância das «emozontes, não podemos deixar de so- ções». Que, frisaram, «não devem nhar, e do qual aprender a saborear ser sufocadas mas ajudadas a harmoe apreciar cada passo sem temer o nizar-se num crescimento de sensibiporvir, as transformações que o ca- lidade em relação ao outro». Sem minho inclui em si, tendo antes o esquecer, entre outras coisas, a «disentido da imperfeição e do cresci- mensão erótica do amor», que não é mento». «um mal consentido» ou «um peso Em seguida o casal falou do facto CONTINUA NA PÁGINA 12 que «o hino da caridade, paradigma L’OSSERVATORE ROMANO página 12 quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 Missas matutinas em Santa Marta Quinta-feira 7 de abril Sangue vivo A Igreja «tem necessidade de testemunhas», mártires e cristãos «coerentes» que «levem a sério a vida». Partindo da liturgia do dia, em especial na primeira leitura, tirada dos Atos dos apóstolos (5, 27-33), na qual se apresenta «um trecho da longa história» que tem início quando João e Pedro curam «o paralítico que estava na porta formosa do templo». Todos, recordou o Pontífice, «viram a cura» e ninguém podia negar o carácter extraordinário do acontecimento, porque «todos conheciam aquele homem que tinha quarenta anos». E no entanto os chefes, os sacerdotes, zangados, proibiram que os apóstolos «ensinassem, pregassem em nome de Jesus». Aliás, repreendendo-os, nunca proferiam o nome de Jesus, mas diziam: «aquele homem». E afirmavam: «Enchestes Jerusalém com o vosso ensinamento e desejais fazer cair sobre nós o sangue deste homem». Para discernir e acompanhar CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 11 que deve ser suportado», mas ao contrário «dom de Deus que embeleza o encontro entre os esposos». Enquanto que deve ser recusada na vida da família qualquer forma de «submissão» que espezinhe ou limite a liberdade e a dignidade do outro. Por fim outros quatro aspetos do amor mencionados pelos relatores foram o facto de que ele não teme a mudança, que gera vida, que se faz encontro e que educa. Em relação ao primeiro, evidenciaram como o prolongarse da vida média faça «sobressair com força a exigência de “voltar a escolher-se em várias etapas”. Não o arrastar-se cansado de relações privadas de luz, mas a riqueza de uma intimidade que existe na força de uma partilha que cresce no tempo em volta de um projeto comum, enfrentando juntos as dificuldades e gozando juntos das coisas boas». E até quando «o aspeto físico muda», se «os outros já não podem reconhecer a beleza da identidade do outro, o cônjuge apaixonado continua a ser capaz de a sentir com o instinto do amor». Em relação ao tema da vida, fizeram notar quanto são bonitas as páginas dedicadas ao pai e à mãe, que mostram o rosto paterno e materno do Senhor; no respeitante ao tema do encontro explicaram que o Papa recorda a presença de avós, tios, primos e vizinhos; e sobre a educação frisaram que o Pontífice dedica parágrafos decisivos não só ao ser pais, mas também ao ser filhos e irmãos ou idosos. Eram postos em dificuldade por uma realidade que «estava diante de todos. Todos conheciam o paralítico desde há anos e agora viam-no dançar de alegria, louvar a Deus, porque fora curado». Diante deles, «forte no seu testemunho», estava Pedro. E o Papa, fazendo uma comparação, quis recordar a diversa atitude do apóstolo por ocasião da negação de Cristo: «Pensemos em Pedro, o cobarde, na noite de Quinta-Feira Santa quando, cheio de medo, nega três vezes o Senhor». Ao contrário, nessa circunstância o apóstolo afirma: «É preciso obedecer a Deus e não aos homens. O Deus dos nossos Pais ressuscitou Jesus, que vós matastes, pregando-o numa cruz. Deus elevou-o à sua direita como chefe e salvador, e destes eventos somos testemunhas nós e o Espírito Santo, que Deus concedeu a quantos lhe obedecem». Diria: «Que corajoso!». Francisco comentou: «Aquele Pedro nada tem a ver com o Pedro de Quinta-Feira, nada! Um Pedro cheio de força que dá testemunho». Mas aquele testemunho corajoso teve consequências: «Ao ouvir estas coisas, eles — os chefes, os sumos sacerdotes — enraiveceram-se e queriam condená-lo à morte». De resto, «o testemunho cristão» segue «o mesmo caminho de Jesus: dar a vida. De um modo ou de outro, mas arrisca a vida no verdadeiro testemunho». Nesta altura, o Pontífice aprofundou o conceito de testemunho, começando com uma pergunta: «Por que se tornou Pedro tão forte no seu testemunho?». Depois de ter curado o paralítico, o apóstolo disse: «Não podemos calar aquilo que vimos e ouvimos». Ou seja, explicou Francisco, «a coerência entre a vida e o que vimos e ouvimos é precisamente o início do testemunho». Mas o testemunho cristão tem outra caraterística, «não é só de quem o dá: o testemunho cristão realiza-se sempre em dois», como explica o próprio são Pedro: «Nós e o Espírito Santo somos testemunhas destes acontecimentos». Portanto, «sem o Espírito Santo não há testemunho cristão, porque o testemunho cristão, a vida cristã é uma graça, uma graça que o Senhor nos concede com o Espírito Santo» e «sem o Espírito não conseguimos ser testemunhas». Caraterística essencial é a coerência: «A testemunha é coerente com o que diz, o que faz e o que recebeu, ou seja, o Espírito Santo». Tal compreensão vem também do Evangelho. A este propósito, o Papa evocou o trecho em que Jesus fala com o discípulo que veio ter com Ele durante a noite, e afirma que quem é enviado por Deus «diz as palavras de Deus, sem medida. Ele dá o Espírito. E quem vem do céu dá testemunho do que viu e ouviu». De resto, é o testemunho do próprio Jesus: «Ele dá testemunho do que viu e ouviu com o Espírito que concede aos seus discípulos». E esta, explicou, «é a coragem cristã, este é o testemunho». Um testemunho, recordou o Pontífice, que encontramos nos «nossos numerosos mártires de hoje, expulsos da sua terra, deslocados, degolados, perseguidos». Eles «têm a coragem de confessar Jesus precisamente até ao momento da morte». Mas é também o testemunho «dos cristãos que levam a sério a sua vida e dizem: “Não posso fazer isto, não posso fazer mal ao próximo; não posso enganar; não posso levar uma vida pela metade, mas devo dar o meu testemunho”». Tudo se liga a um único conceito: o testemunho consiste em dizer o que na fé «vimos e ouvimos, ou seja Jesus ressuscitado», com o Espírito Santo «recebido como dom». Quantas vezes, acrescentou, «em momentos difíceis da história» ouvimos dizer: «Hoje a pátria precisa de heróis». Analogamente, podemos perguntar: «De que precisa a Igreja hoje?». A resposta é imediata: «de testemunhas, de mártires», isto é, dos «santos de todos os dias, da vida diária», levada em frente «com coerência», mas também daqueles que têm a coragem de ser «testemunhas até ao fim, até à morte». Todos «são o sangue vivo da Igreja». São eles, acrescentou, «que levam em frente a Igreja, as testemunhas, quantos dão testemunho de que Jesus ressuscitou, de que Jesus está vivo, e testemunham-no com a coerência de vida e com o Espírito Santo que receberam como dádiva». Concluindo, convidou a rezar para que «o Senhor nos conceda, a todos nós, esta coragem e sobretudo a fidelidade ao Espírito Santo, que nos é oferecido como dom». Celebração do Pontífice para o Centro Aletti Vereda do serviço O caminho do cristão não é o mesmo dos arrivistas, nem daqueles que seguem o deus dinheiro, procurando ocasiões para se ostentar diante dos outros: o testemunho de Jesus Cristo implica abaixamento, humilhação e até perseguições e sofrimentos, recordou o Papa Francisco durante a santa missa celebrada na capela Redemptoris Mater no Vaticano, na parte da tarde de 8 de abril. A ocasião foi oferecida pelo vigésimo quinto aniversário do centro de estudos e pesquisas intitulado a Ezio Aletti, fundado pelo sacerdote jesuíta Marko Ivan Rupnik imediatamente depois da derrocada dos regimes comunistas do leste europeu, e pelo vigésimo aniversário de fundação do Atelier de arte espiritual, ligado ao mencionado centro e intitulado à memória do saudoso cardeal Tomáš Špidlík. Entre os numerosos concelebrantes estava presente também o próprio padre Rupnik (autor, entre outros, dos mosaicos que adornam a capela no Palácio apostólico) e o sacerdote jesuíta Milan Žust, superior da comunidade religiosa do mesmo centro. Estavam presentes aproximadamente oitenta pessoas. Seguindo a liturgia do dia, o Sumo Pontífice deu continuidade à reflexão começada nas missas celebradas recentemente na Casa de Santa Marta, aprofundando o conceito de testemunho cristão. Tratase de um testemunho que — como foi ressaltado também pelo trecho tirado dos Atos dos Apóstolos, em que se descreve o aprisionamento de Pedro e de João, depois da cura do paralítico em Jerusalém — exige a graça do Espírito Santo. Ninguém pode dar testemunho sozinho. Mas corroborado pelo Espírito Santo o cristão será capaz também de sofrer ultrajes e até perseguições, sem renunciar a ensinar e anunciar que Jesus é o Cristo. Não devemos pensar — explicou o Papa — numa espécie de espiritualidade masoquista, que se deleita com o sofrimento e com a dor, mas é necessário reconhecer e fazer nossa a espiritualidade do reino de Deus, aquela que se encontra viva em Jesus. Ele nunca segue o caminho da elevação: quando o povo quer fazê-lo rei, Ele retira-se para as montanhas. O seu exemplo consiste no abaixamento, no esvaziamento e no serviço: somente aqueles que o seguem ao longo deste caminho poderão encontrar paz e felicidade. Por isso, até quantos não são chamados a viver a experiência da perseguição, nem a derramar o próprio sangue pela fé, e contudo vivem no silêncio, sem julgar, e na mansidão, humanamente falando perdem, não ganham. Em síntese, num «balanço» hipotético o testemunho è sempre uma perda. Contudo, não somos cristãos para ganhar posições aos olhos do mundo. A lição, concluiu o Pontífice, vem de Maria. Neste sentido, Francisco recordou como ele mesmo gosta de recitar o terço diante de um ícone de Nossa Senhora com o Menino no colo. Neste ícone, Maria parece ocupar o lugar central, mas na realidade Ela usa as suas mãos como uma espécie de degrau através do qual Jesus pode descer para ser assim um de nós. O centro é sempre Jesus, que se abaixa para caminhar com os homens, aos quais pede que o sigam pela mesma vereda do serviço. número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 L’OSSERVATORE ROMANO página 13 Missas matutinas em Santa Marta to que «Jesus dissera» àquelas pessoas «que os seus pais tinham assassinado os profetas “e vós edificais monumentos, sepulcros”». Mas a «resposta deles é mais do que hipócrita, é cínica: “Se estivéssemos na época dos nossos pais, não teríamos feito o mesmo”». E «assim lavavam as mãos e diante de si mesmos julgam-se puros». Mas «o coração está fechado à palavra de Deus, está fechado à verdade, está fechado ao mensageiro de Deus que traz a profecia para fazer avançar o povo de Deus». «Faz-me mal — confidenciou Francisco — quando leio aquele pequeno trecho do Evangelho de Mateus, quando Judas arrependido vai ter com os sacerdotes e diz: “pequei”, e quer dar... e dá moedas». Mas eles respondem-lhe: Beato Angélico, «Santo Estêvão diante do Sinédrio» «Não nos importa! É um problema teu!». Têm «um coração fechado diante deste pobre homem arrependido que não sabia o que fazer». Dizem-lhe: Segunda-feira «Resolves tu». E assim Judas «reti11 de abril rou-se e foi-se enforcar». Mas «o que fizeram eles quando Agarrados à letra Judas se foi enforcar? Falam e diPara Jesus o que conta é a vida das zem: “mas pobre homem...”». E pessoas e não um esquema de leis e aquelas moedas também, acrescenpalavras: o assassínio de Estêvão e tam referindo-se aos trinta denários, Joana d'Arc, a morte de muitos ou- «são pagos com o sangue, não potros inocentes na história e até o sui- dem entrar no templo». Em síntese cídio de Judas recordam quanto mal são «os doutores da letra» e assim possa causar «um coração fechado à seguem «a tal regra, a tal regra...». Eles, reafirmou o Papa, «não se palavra de Deus» a ponto de a usar importam com a vida de uma pesnomeadamente contra a verdade. Na primeira leitura tirada dos soa, não lhes interessa o arrependiAtos dos apóstolos (6, 8-15), expli- mento de Judas: o Evangelho diz cou Francisco «a Igreja faz-nos ou- que se arrependeu». Eles «imporvir o trecho do discurso de Estêvão tam-se apenas com o esquema das e do julgamento» contra ele. «Al- leis e com muitas palavras e coisas guns dos doutores da lei, doutores que construíram». Precisamente «esda letra, levantaram-se para debater ta é a dureza de coração, a estultice com Estêvão — recordou o Papa — do coração desta gente que, não pomas não conseguiam resistir à sabe- dendo resistir à verdade de Estêvão, doria e ao espírito com os quais ele vai à procura de testemunhos e tesfalava». Com efeito, «Estêvão foi temunhas falsos para o julgar: o desungido pelo Espírito Santo e tinha tino de Estêvão está marcado como precisamente a sabedoria do Espírito o dos profetas, assim como o de JeSanto e falava com aquela força, sus». E este modo de se comportar com aquela sabedoria, a mesma que tinha Jesus; mas ele era Deus, falava «reiterar-se-á» no tempo, disse Francom autoridade, a autoridade que cisco recordando que «não acontevem de Deus, a autoridade que vem ceu apenas nos primeiros tempos da Igreja». Aliás, observou, «a história do Espírito Santo». Nada podendo contra ele, prosse- narra-nos de muitas pessoas que foguiu Francisco, aquelas pessoas que ram assassinadas, julgadas, não obsestavam na sinagoga «incitaram al- tante fossem inocente: julgadas com guns para que» o acusassem injusta- a palavra de Deus contra a palavra mente de ter pronunciado «palavras de Deus». O Papa fez referência «à blasfemas contra Moisés e contra caça às bruxas ou à santa Joana Deus». Eis que, não podendo «dia- d'Arc» e também «a muitos outros logar com ele e abrir o coração à que foram queimados, condenados verdade, «escolheram imediatamente porque não se “conformaram”, seo caminho da calúnia». Os Atos gundo os juízes, à palavra de narram que Estêvão foi preso e leva- D eus». É «o modelo de Jesus — concluiu do diante do Sinédrio e que foram apresentadas também falsas testemu- o Pontífice — que, por ser fiel e por ter obedecido à palavra do Pai, acanhas para o acusar. A vicissitude de Estêvão, realçou o ba na cruz». Francisco evocou a Papa, é significativa: «O coração fe- imagem da grande ternura de Jesus, chado à verdade de Deus está agar- que aos discípulos de Emaús diz: rado somente à verdade da lei, da le- «Estultos e lentos de coração». Ao tra — mais do que da lei, da letra — Senhor, concluiu, «peçamos que, e não encontra outra solução a não com a mesma ternura, olhe para as ser a mentira, o falso testemunho e a pequenas ou grandes estultices do morte». Precisamente «Jesus tinha nosso coração, nos acaricie», dizenrepreendido esta atitude porque, no do-nos «ó estulto e lento de coraAntigo Testamento, acontecera o ção” e comece a explicar-nos as coimesmo com os profetas». A tal pon- sas». «A perseguição — observou o Papa — é uma das características, dos Terça-feira aspectos da Igreja, permeia toda a sua história». E «a perseguição é 12 de abril cruel, como esta de Estêvão, como a dos nossos irmãos paquistaneses há Duas perseguições três semanas». É cruel «como a que São duas as perseguições contra os praticava Saulo, que estava presente cristãos: a «explícita» — o Papa re- na morte de Estêvão, do mártir Estêcordou os mártires assassinados du- vão: ia, entrava nas casas, prendia os rante a Páscoa no Paquistão — e a cristãos e levava-os para que fossem «educada, disfarçada de cultura, mo- julgados». Contudo, advertiu Francisco, há dernidade e progresso» que acaba por tirar ao homem a liberdade, in- também «outra perseguição da qual não se fala muito». A primeira forclusive da objeção de consciência. Mas precisamente nos sofrimentos ma de perseguição «deve-se ao condas perseguições o cristão sabe que fessar o nome de Cristo» e é portanto «uma perseguição explícita, clatem sempre o Senhor ao lado. Para a sua meditação o Pontífice ra». Mas a outra perseguição «apreinspirou-se na primeira leitura, tira- senta-se disfarçada de cultura, de da dos Atos dos apóstolos (7, 51-8, modernidade, de progresso: é uma 1). «Ouvimos — explicou — o martí- perseguição – diria um pouco ironirio de Estêvão: a tradição da Igreja camente – educada». Reconhece-se chama-o protomártir, o primeiro «quando o homem é perseguido não por confessar o nome de Cristo, mas mártir da comunidade cristã». Mas por desejar ter e manifestar os valo«antes dele houve os pequenos márres de filho de Deus». Por consetires que, sem falar mas com a vida, guinte é «uma perseguição contra foram perseguidos por Herodes». E Deus Criador na pessoa dos seus fi«desde aquele tempo até hoje há lhos». E assim «vemos todos os dias mártires na Igreja, houve e haverá». que os poderes fazem leis que obriSão «homens e mulheres perseguigam a ir por este caminho e uma nados só por confessar e por dizer que ção que não segue estas leis moderJesus Cristo é o Senhor: mas isto é nas, cultas, ou pelo menos que não proibido!». Aliás, esta confissão quer tê-las na sua legislação, é acu«provoca — nalguns períodos, nal- sada, perseguida educadamente». É guns lugares — a perseguição». «a perseguição que priva o homem «É quanto sobressai claramente — da liberdade, inclusive da objeção de afirmou o Papa — do trecho dos consciência! Deus criou-nos livres, Atos dos apóstolos que leremos mas esta perseguição tira-nos a liberamanhã: depois do martírio de Estê- dade! E se não fazes isto, serás punivão teve início uma grande persegui- do: perderás o trabalho e muitas oução em Jerusalém». Então «todos os tras coisas ou serás posto de lado». cristãos fugiram, permaneceram só «Esta é a perseguição do mundo» os apóstolos». Eis que, acrescentou, insistiu o Pontífice. E «esta perse«a perseguição — diria eu — é o pão guição tem um chefe». Na perseguiquotidiano da Igreja: aliás disse-o ção de Estêvão «os chefes eram os Jesus». doutores das letras, os doutores da «Quando fazemos um pouco de lei, os sumos sacerdotes». Ao contráturismo em Roma e vamos ao Coli- rio, «ao chefe da perseguição educaseu pensamos que os mártires eram da, Jesus chamou-lhe: príncipe deste aqueles que os leões matavam» pros- mundo». Vê-se isto «quando os poseguiu o Papa. Contudo «os márti- deres querem impor comportamenres não foram só aqueles». Na reali- tos, leis contra a dignidade do filho dade os mártires «são homens e mu- de Deus, o perseguem e agem conlheres de todos os dias: hoje, no dia tra Deus criador: é a grande apostada Páscoa, há apenas três semanas». sia». Desta forma «a vida dos crisO pensamento de Francisco dirigiu- tãos continua com estas duas persese para «aqueles cristãos que festeja- guições». Mas também com a certevam a Páscoa no Paquistão: foram za de que «o Senhor nos prometeu martirizados precisamente por cele- que não se afastará de nós: “estai brar Cristo ressuscitado». E «assim a atentos, estai atentos! Não cedais ao história da Igreja continua com os espírito do mundo! Estai atentos! seus mártires». Porque «a Igreja é a Mas ide em frente, e Eu estarei concomunidade dos crentes, a comuni- vosco”». Concluindo, Francisco pedade dos confessores, daqueles que diu ao Senhor, na oração, «a graça professam que Jesus é Cristo: é a co- de compreender que o caminho do cristão continua sempre no meio de munidade dos mártires». duas perseguições: o cristão é um mártir, isto é, uma testemunha, deve dar testemunho do Cristo que nos salvou». Trata-se de «dar testemunho de Deus Pai, que nos criou, no caminho da vida». Neste caminho o cristão «muitas vezes deve sofrer: ele carrega muitas dores». Mas «é assim a nossa vida: com Jesus sempre ao nosso lado, com a consolação do Espírito Santo». E José Clemente Orozco, «O martírio de Santo Estêvão» (1944) «esta é a nossa força». página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 Francisco volta a denunciar a chaga do tráfico de seres humanos Crime contra a humanidade «A grave questão da escravidão moderna e do tráfico de seres humanos» hoje «continua a ser um flagelo no mundo inteiro» e constitui um verdadeiro «crime contra a humanidade», escreve o Papa Francisco na mensagem enviada ao arcebispo Bernardito Auza, observador permanente da Santa Sé junto da Organização das Nações Unidas, por ocasião da conferência sobre este tema, que teve lugar a 7 de abril no Palácio de Vidro em Nova Iorque. No texto em inglês, o Pontífice exprime o seu apreço pela iniciativa, organizada em colaboração com o chamado «Grupo de Santa Marta», a aliança de responsáveis de polícia e de bispos católicos do mundo inteiro, que trabalham com a sociedade civil para erradicar o tráfico de seres humanos e garantir cuidados pastorais às vítimas. A aliança reuniu-se pela primeira vez em abril de 2014 precisamente na Domus escolhida por Francisco como residência papal. Naquela circunstância, o Pontífice definiu o tráfico de seres humanos uma ferida aberta no tecido da sociedade contemporânea. Outras reuniões do grupo a nível internacional tiveram lugar em Londres (dezembro de 2014) e em Madrid (outubro de 2015). Na mensagem, Francisco manifestou a sua gratidão também aos Estados membros da Onu e às várias organizações governamentais, civis e religiosas «comprometidas no combate a este crime contra a humanidade», juntamente com o encorajamento — enquanto se realiza a reflexão sobre as múltiplas causas do fenómeno — a «fortalecer os vínculos de cooperação e comunicação, que são essenciais para pôr termo ao sofrimento dos numerosos homens, mulheres e crianças que hoje são redu- zidos à escravidão e vendidos como se fossem simples mercadoria». Com efeito, somente assim, explica Francisco, «será possível promover soluções e medidas preventivas que permitam debelar este mal a todos os níveis da sociedade». De resto, a recente aprovação da Agenda de 2030, com os novos objetivos de desenvolvimento sustentável da Onu, no n. 8.7 diz textualmente: «Tomar medidas imediatas e eficazes para erradicar o trabalho forçado, pôr fim à escravidão moderna e ao tráfico de seres humanos, e garantir a proibição e a eliminação das piores formas de trabalho infantil, em especial o re- crutamento e a utilização das crianças-soldado e, até 2025, acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas». Por isso, o Papa desejou que nos debates se tenha sempre «presente a dignidade de cada pessoa», reconhecendo «em cada esforço um serviço autêntico aos mais pobres e marginalizados da sociedade, que muitas vezes são esquecidos e não têm voz». Enfim, o Pontífice assegura a «todos os presentes o sólido compromisso da Igreja católica a lutar contra este crime e a cuidar de todas as suas vítimas». Não-violência como arma de paz CONTINUAÇÃO DA PÁGINA 1 A fim de buscar vias de solução para a singular e terrível «guerra mundial aos pedaços» que, nos nossos dias, grande parte da humanidade está a viver de modo direto ou indireto, é necessário redescobrir as razões que impeliram no século passado os filhos de uma civilização em grande parte ainda cristã a dar vida ao Movimento Pax Christi e ao Pontifício Conselho «Justiça e Paz». Ou seja, é preciso trabalhar por uma paz verdadeira através do encontro entre pessoas concretas e a reconciliação entre povos e grupos que se enfrentam por posições ideológicas contrapostas e esforçar-se por realizar a justiça na qual pessoas, famílias, povos e nações sintam que têm o direito nos âmbitos social, político e económico de cumprir a sua missão no mundo3. Com efeito, ao lado do «sábio esforço daquela superior fantasia criativa, que chamamos diplomacia»4 que deve ser continuamente alimentado, e à promoção, no mundo globalizado, da justiça, que é «ordem na liberdade e no dever consciente»5, é necessário renovar todos os instrumentos mais adequados para concretizar a aspiração à justiça e à paz dos homens e das mulheres de hoje. Desta forma, também a reflexão para relançar o percurso da não-violência, e em especial da nãoviolência ativa, constitui um necessário e positivo contributo. É quanto se propõem fazer os participantes na Conferência de Roma, aos quais gostaria de recordar nesta minha mensagem alguns pontos que me estão particularmente a peito. A premissa fundamental é que a finalidade última e mais digna da pessoa humana e da comunidade é a abolição da guerra6. De resto, como se sabe, a única condenação expressa pelo Concílio Vaticano II foi precisamente a da guerra7, embora na consciência de que, não tendo sido extirpada da condição humana, «não se pode negar aos governos, depois de esgotados todos os recursos de ne- gociações pacíficas, o direito de legítima defesa»8. Outro ponto indiscutível: a constatação de que «o conflito não pode ser ignorado ou dissimulado; deve ser aceitado»9 para não permanecermos enredados perdendo a perspetiva geral e o sentido da unidade profunda da realidade10. Com efeito, só se aceitarmos o conflito, poderemos resolvê-lo e transformá-lo num anel de ligação daquele novo processo que os «agentes de paz» põem em prática11. Além disso, como cristãos, sabemos que só se considerarmos os nossos semelhantes como irmãos e irmãs poderemos superar guerras e conflitos. A Igreja não se cansa de repetir que isto é válido não só individualmente mas também para os povos e as nações, a ponto que considera a Comunidade internacional como a «Família das Nações». Por este motivo, também na Mensagem para o Dia mundial da Paz deste ano dirigi um apelo aos responsáveis dos Estados a fim de que «renovem as suas relações com os outros povos, permitindo a todos uma efetiva participação e inclusão na vida da comunidade internacional, para que se realize a fraternidade também dentro da família das nações»12. Como cristãos, sabemos também que o grande obstáculo a ser removido para que isto aconteça é aquele erigido pelo muro da indiferença. A crónica dos tempos recentes demonstra-nos que se falo de muro não é só para usar uma linguagem figurada, mas porque se trata da triste realidade. Uma realidade, esta indiferença, que atinge não só os seres humanos mas também o meio ambiente natural com consequências frequentemente nefastas em termos de segurança e de paz social13. Contudo, o compromisso a superar a indiferença só terá sucesso se, imitando o Pai, formos capazes de usar a misericórdia. Aquela misericórdia que encontra a sua expressão na solidariedade, por assim dizer, «política» porque a solidariedade constitui a atitude moral e social que melhor responde à tomada de consciência das chagas do nosso tempo e da interdependência entre a vida do indivíduo e da comunidade familiar, local ou global14. Deste modo, no nosso mundo complexo e violento, é grande a tarefa que espera quantos trabalham pela paz, vivendo a experiência da não-violência! Obter o desarmamento integral «desarmando os espíritos»15, criando pontes, combatendo o medo e continuando o diálogo aberto e sincero, é deveras árduo. Com efeito, dialogar é difícil, é preciso estar prontos a dar e também a receber, a não partir do pressuposto que o outro erra mas, a partir das nossas diferenças, procurar, sem negociar, o bem de todos e, quando enfim se estabelece um acordo, mantê-lo firmemente16. De resto, diferenças culturais e de experiências de vida caracterizam também os participantes na Conferência de Roma, mas elas enriquecerão os intercâmbios e contribuirão para a renovação do testemunho ativo da não-violência como «arma» para conquistar a paz. Por fim, gostaria de convidar todos os presentes a apoiar duas das solicitações que dirigi aos responsáveis dos Estados, neste Ano jubilar: a abolição da pena de morte, onde ainda estiver em vigor, juntamente com a possibilidade de uma amnistia, e o cancelamento ou a gestão sustentável da dívida internacional dos Estados mais pobres17. Enquanto cordialmente desejo a Vossa Eminência e aos participantes um profícuo e frutuoso trabalho, a todos concedo a minha bênção apostólica. FRANCISCO 1. Misericordiae vultus, n. 2. 2. Ibid., n. 17. 3. Cf. Gaudium et spes, n. 9. 4. Paulo VI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1976, As verdadeiras armas da paz. 5. Ibid. 6. Discurso ao IV Curso de formação dos Capelães Militares ao Direito internacional humanitário, 26 de outubro de 2015. 7. Cf. Gaudium et spes, nn. 77 a 82. 8. Gaudium et spes, n. 79. 9. Evangelii gaudium, n. 226. 10. Ibid. 11. Ibid., n. 227. 12. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2016, Vence a indiferença e conquista a paz, n. 8. 13. Cf. ibid., n. 4. 14. Cf. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2016, Vence a indiferença e conquista a paz, n. 5. 15. São João XXIII, Pacem in terris, n. 61. 16. Discurso aos Representantes da Sociedade civil, Assunção, 11 de julho de 2015. 17. Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2016, Vence a indiferença e conquista a paz, n. 8. L’OSSERVATORE ROMANO número 15, quinta-feira 14 de abril de 2016 INFORMAÇÕES Audiências O Papa Francisco recebeu em audiências particulares: zia de Lábrea (Brasil), em conformidade com o cânone 401 § 2 do Código de Direito Canónico. No dia 7 de abril D. Giuseppe Pinto, Núncio Apostólico nas Filipinas; Sua Beatitude Gregorios III Laham, Patriarca de Antioquia dos Greco-Melquitas (Síria); D. Georges Pontier, Arcebispo de Marselha (França), Presidente da Conferência dos Bispos da França, com D. Pascal Delannoy, Bispo de Saint-Denis, Vice-Presidente, e D. Pierre-Marie Carré, Arcebispo de Montpellier, Vice-Presidente, e D. Olivier Ribadeau Dumas, SecretárioGeral. No dia 8 de abril Os Senhores Cardeais Fernando Filoni, Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos; e Dominique Mamberti, Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. No dia 9 de abril O Senhor Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos. Ereção de Diocese Sua Santidade erigiu: A 11 de abril A Diocese de Rayagada (Índia), desmembrando a Diocese de Berhampur, tornando-a sufragânea da Sede Metropolitana de CuttackBhubaneswar. Nomeações O Sumo Pontífice nomeou: A 7 de abril Administrador Apostólico sede vacante et ad nutum Sanctae Sedis da Diocese de Keta-Akatsi (Gana), D. Emmanuel Fianu, S.V.D., atualmente Bispo de Ho. Bispo de Ciudad Real (Espanha), D. Gerardo Melgar Viciosa, até esta data Bispo de Osma-Soria. Bispo de San Carlos de Venezuela (Venezuela), o Rev.do Padre Polito Rodríguez Méndez, do clero da Diocese de Barinas, até hoje Subsecretário da Conferência Episcopal da Venezuela. D. Polito Rodríguez Méndez nasceu em Santa Bárbara (Venezuela), a 13 de agosto de 1967. Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 31 de julho de 1999. Bispo Ordinário Militar para o Canadá, o Rev.do Pe. Scott McCaig, C.C., Superior-Geral dos Companions of the Cross (Canadá). D. Scott McCaig, C.C., nasceu em Duncan (Canadá), no dia 12 de dezembro de 1965. Foi ordenado Sacerdote a 3 de junho de 1995. O Santo Padre aceitou a renúncia: No dia 7 de abril D. Raúl Alfonso Carrillo Martínez nasceu a 22 de setembro de 1964, em De D. Anthony Kwami Adanuty, ao governo pastoral da Diocese de Keta-Akatsi (Gana), em conformidade com o cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico. No dia 8 de abril De D. Antonio Ángel Algora Hernando, ao governo pastoral da Diocese de Ciudad Real (Espanha), em conformidade com o cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico. De D. Donald Thériault, ao governo pastoral do Ordinariado Militar para o Canadá, em conformidade com o cânone 401 § 2 do Código de Direito Canónico. De D. Luis Horacio Gómez Gonzáles, ao governo pastoral do Vicariato Apostólico de Puerto Gaitán (Colômbia), em conformidade com o cânone 401 § 2 do Código de Direito Canónico. No dia 9 de abril De D. Ramón del Hoyo López, ao governo pastoral da Diocese de Jaén (Espanha), em conformidade com o cânone 401 § 1 do Código de Direito Canónico. No dia 13 de abril De D. Jesús Moraza Ruiz de Azúa, O.A.R., ao governo pastoral da prela- Auxiliar de Roma, o Rev.mo Mons. Gianrico Ruzza, do clero romano, até agora Pároco da Paróquia de São Roberto Belarmino, simultaneamente eleito Bispo Titular de Subaugusta. D. Gianrico Ruzza nasceu em Roma (Itália), no dia 14 de fevereiro de 1963. Foi ordenado Sacerdote a 16 de maio de 1987. A 9 de abril A 8 de abril Vigário Apostólico de Puerto Gaitán (Colômbia), o Rev.do Pe. Raúl Alfonso Carrillo Martínez, do clero de Zipaquirá, até esta data Pároco e Moderador da Cúria, simultaneamente eleito Bispo Titular de Afufenia. Renúncias Ubaté (Colômbia). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 14 de maio de 1990. Legado Pontifício para o Congresso Nacional da Lituânia sobre a Misericórdia, que será celebrado em Vilnius de 6 a 8 de maio, o Senhor Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado. Membro do Pontifício Conselho «Justiça e Paz», D. Silvano Maria Tomasi, Arcebispo Titular de Asolo, Núncio Apostólico. Bispo da Diocese de Jaén (Espanha), D. Amadeo Rodríguez Magro, até à presente data Bispo de Plasencia. A 11 de abril Bispo da Diocese de Dindigul (Índia), o Rev.mo Mons. Thomas Paulsamy, até hoje Pároco de Saint Anthony’s Church em Kallukuzhy, exVigário-Geral de Tiruchirapalli. D. Thomas Paulsamy nasceu a 2 de agosto de 1951 em N. Poolampatty (Índia). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 25 de maio de 1977. Primeiro Bispo de Rayagada (Índia), o Rev.do Pe. Aplinar Senapati, C.M., até esta data Pároco e Diretor da Escola Média de Derapathar. D. Aplinar Senapati, C.M., nasceu em Surada (Índia), no dia 28 de ou- Ccee e Cec por ocasião do Dia internacional dos Roma Seiscentos anos de acolhimento fracassado «Encorajemos as nossas comunidades cristãs na Europa a continuar a apoiar o bem-estar dos ciganos e a trabalhar ativamente para pôr fim a discursos de ódio e à exclusão social. Devemos caminhar juntos. Apelamos a todos para que os marginalizados sejam acolhidos e para que seja reconhecida a sua dignidade humana visto que é dom de Deus». Afirmaram-no conjuntamente o Conselho das Conferências episcopais europeias e a Confederação das Igrejas europeias numa mensagem difundida por ocasião do Dia internacional dos roma. Eles, lê-se no texto, «com a sua tradição, fé e cultura únicas também são chamados a levar os seus valores à sociedade europeia, como cidadãos responsáveis». Com efeito, os ciganos têm «um secular sentido de identidade europeia compartilhada e de livre circulação, através dos confins políticos, culturais e religiosos. São uma das populações indígenas da Europa que contudo não goza de um tratamento de igualdade em termos de respeito e honra entre as outras». As organizações internacionais recordam que «depois de mais de 600 anos da sua migração na Europa» o pleno acolhimento dos ciganos permanece incompleto: «O facto de que eles vivam em circunstâncias de contínua discriminação e até de perseguição é uma vergonha para os países europeus. É necessário observar a sua situação através dos séculos, e também desde o holocausto até aos nossos dias, e reconhecer a nossa responsabilidade. A principal solução para estas difíceis condições dos ciganos e das suas famílias — conclui a mensagem — passa através da consciência, do trabalho e da fé. A sua inclusão é uma indicação necessária do nosso compromisso por uma identidade europeia partilhada e pela livre circulação das pessoas, dos bens e das ideias na Europa». página 15 tubro de 1960. Foi ordenado Sacerdote a 28 de novembro de 1990. A 12 de abril Núncio Apostólico nos Estados Unidos da América, D. Christophe Pierre, até esta data Núncio Apostólico no México. A 13 de abril Bispo Prelado da Prelazia de Lábrea (Brasil), o Rev.do Pe. Santiago Sánchez Sebastián, O.A.R., até hoje Delegado da Província de São Nicolau dos Agostinianos Recoletos e Pároco da Paróquia de Santa Rita de Cássia em Manaus. D. Santiago Sánchez Sebastián, nasceu a 25 de julho de 1957 em Cortes (Navarra) Espanha. Frequentou o curso de Filosofia no Seminário «San Nicolás» e Fuenterrabia e de Teologia no «Teologado de los Agustinos Recoletos» em Marcilla. Emitiu a profissão religiosa a 22 de agosto de 1976 na Ordem dos Agostinianos Recoletos e recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 26 de julho de 1980. No exercício do ministério sacerdotal desempenhou os seguintes cargos: Formador no «Colegio San Agustín» em Valladolid, Espanha (1980-1983); Promotor vocacional em Valladolid (1983-1985); Formador no Seminário menor de Valladolid (1985-1988); Formador no Seminário menor de Lodosa, Navarra (1988-1997); Mestre de Noviços em Monteagudo, Navarra (1997-2006); Superior, Formador e Pároco em Fortaleza, Brasil (20062012). O.A.R., Prelados falecidos Adormeceram no Senhor: No dia 6 de abril D. Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo Emérito da Beira (Moçambique). O ilustre Prelado nasceu em Manica (Moçambique), a 26 de novembro de 1936. Foi ordenado sacerdote no dia 17 de dezembro de 1967. Recebeu a Ordenação episcopal em 28 de março de 1976. No dia 14 de janeiro de 2012 renunciou ao governo pastoral da Arquidiocese. No dia 9 de abril D. Lucas Martínez Lara, Bispo de Matehuala (México). O saudoso Prelado nasceu a 13 de março de 1943 em Villa de la Paz (México). Recebeu a Ordenação sacerdotal no dia 27 de outubro de 1968. Foi ordenado Bispo em 15 de outubro de 2006. No dia 10 de abril D. Thomas Kwaku Mensah, Arcebispo Emérito de Kumasi (Gana). O venerando Prelado nasceu em Assamang (Gana), no dia 2 de fevereiro de 1935. Foi ordenado Sacerdote a 3 de junho de 1973. Recebeu a Ordenação episcopal em 28 de maio de 1995. Início de Missão de Núncio Apostólico D. Luigi Bianco, Arcebispo Titular de Falerone, em Djibuti (15 de fevereiro). L’OSSERVATORE ROMANO página 16 quinta-feira 14 de abril de 2016, número 15 O Papa recordou que a Igreja é uma comunidade a caminho e pediu orações pela visita a Lesbos À mesa com os pecadores Jesus não tem medo de se sentar à mesma mesa dos publicanos e dos pecadores, porque «não tem em consideração o passado deles mas, ao contrário, abre-lhes um novo futuro», disse o Papa Francisco durante a audiência geral de quarta-feira 13 de abril, dando continuidade com os fiéis reunidos na praça de São Pedro à série de catequeses sobre a misericórdia à luz do Evangelho. Bom dia, prezados irmãos e irmãs! Ouvimos o Evangelho da vocação de Mateus. Mateus era um «publicano», ou seja, um cobrador de impostos em nome do império romano, e por isso era considerado pecador público. Mas Jesus chama-o para o seguir e para se tornar seu discípulo. Mateus aceita e convida-o para jantar na sua casa juntamente com os discípulos. Então, começa um debate entre os fariseus e os discípulos de Jesus, porque estes compartilham a mesa com os publicanos e os pecadores. «Mas tu não podes ir à casa desta gente!», diziam eles. Com efeito, Jesus não os afasta mas, pelo contrário, frequenta as suas casas e senta-se ao seu lado; isto significa que também eles podem tornarse seus discípulos. E é igualmente verdade que ser cristãos não nos torna impecáveis. Como o publicano Mateus, cada um de nós confia na graça do Senhor, não obstante os próprios pecados. Todos nós somos pecadores, todos cometemos pecados. Chamando Mateus, Jesus mostra aos pecadores que não tem em consideração o passado deles, nem a sua condição social, nem sequer as convenções exteriores mas, ao contrário, abre-lhes um novo futuro. Certa vez ouvi um bonito ditado: «Não há santo sem passado, nem pecador sem futuro». É isto que Jesus faz. Não há santo sem passado, nem pecador sem futuro. É suficiente responder ao convite com o coração humilde e sincero. A Igreja não é uma comunidade de pessoas perfeitas, mas de discípulos a caminho, que seguem o Senhor porque se reconhecem pecadores e necessitados do seu perdão. Por conseguinte, a vida cristã é escola de humildade que nos abre à graça. Este comportamento não é compreendido por quantos têm a presunção de se julgar «justos», de achar que são melhores que os outros. Soberba e orgulho não nos permitem reconhecer-nos necessitados de salvação, aliás, impedem-nos de ver o rosto misericordioso de Deus e de agir com misericórdia. Elas são um muro. A soberba e o orgulho são um muro que impedem a relação com Deus. E no entanto, a missão de Jesus é precisamente esta: vir à procura de cada um de nós, para curar as nossas feridas e para nos chamar a segui-lo com amor. Di-lo claramente: «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes» (v. 12). Jesus apresenta-se como um bom médico! Anuncia o Reino de Deus, e os sinais da sua vinda são evidentes: Ele cura das doenças, liberta do medo, da morte e do demónio. Diante de Jesus, nenhum pecador deve ser excluído — nenhum pecador deve ser excluído! — porque o poder purificador de Deus não conhece enfermidades que não possam ser curadas; e isto deve dar-nos confiança e abrir o nosso coração ao Senhor, a fim de que venha e nos cure. Chamando os pecadores à sua mesa, Ele cura-os restabelecendo-os naquela vocação que eles julgavam perdida e que os fariseus ti- nham esquecido: a de convidados para o banquete de Deus. Segundo a profecia de Isaías: «O Senhor dos exércitos preparou para todos os povos, nesse monte, um banquete de carnes gordas, um festim de vinhos velhos, de carnes gordas, de vinhos velhos purificados... E naquele dia dirão: eis o nosso Deus, do qual esperamos a nossa libertação. Congratulemo-nos, rejubilemo-nos pelo seu socorro» (25, 6-9). Se os fariseus veem nos convidados somente pecadores e se recusam a sentar-se ao seu lado, Jesus ao contrário recorda-lhes que também aqueles são comensais de Deus. Deste modo, sentar-se à mesa com Jesus significa ser por Ele transformado e salvo. Na comunidade cristã, a mesa de Jesus é dupla: há a mesa da Palavra e a mesa da Eucaristia (cf. Dei Verbum, 21). São estes os remédios com que o Médico Divino nos cura e nos alimenta. Com o primeiro — a Palavra — Ele revela-se e convidanos a um diálogo entre amigos. Jesus não tinha medo de dialogar com os pecadores, os publicanos, as prostitutas... Não, Ele não tinha receio: amava todos! A sua Palavra penetranos e, como um bisturi, age em profundidade para nos livrar do mal que se oculta na nossa vida. Às vezes esta Palavra é dolorosa porque incide sobre as hipocrisias, desmas- cara as falsas desculpas, revela as verdades escondidas; mas ao mesmo tempo ilumina e purifica, dá força e esperança, é um precioso reconstituinte no nosso caminho de fé. Por sua vez, a Eucaristia nutre-nos com a própria vida de Jesus e, com um remédio poderosíssimo, de modo misterioso renova continuamente a graça do nosso Batismo. Aproximando-nos da Eucaristia, nós alimentamo-nos com o Corpo e Sangue de Jesus; e no entanto, entrando em nós, é Jesus que nos une ao seu Corpo! Concluindo aquele diálogo com os fariseus, Jesus recorda-lhes uma palavra do profeta Oseias (6, 6): «Ide e aprendei o que significam estas palavras: Eu quero a misericórdia e não o sacrifício» (Mt 9, 13). Dirigindo-se ao povo de Israel, o profeta repreendia-o porque as preces que elevava eram palavras vazias e incoerentes. Não obstante a aliança de Deus e a misericórdia, o povo vivia frequentemente segundo uma religiosidade «de fachada», sem viver em profundidade o mandamento do Senhor. Eis por que razão o profeta insiste: «Eu quero a misericórdia», ou seja, a lealdade de um coração que reconhece os próprios pecados, que se arrepende e volta a ser fiel à aliança com Deus: «E não o sacrifício»: sem um coração arrependido, todas as obras religiosas são ineficazes! Jesus aplica esta frase profética também aos relacionamentos humanos: aqueles fariseus eram muito observantes na forma, mas não estavam dispostos a compartilhar a mesa com os publicanos e os pecadoes; não reconheciam a possibilidade de um arrependimento e por isso de uma cura; não punham em primeiro lugar a misericórdia: embora fossem fiéis guardiões da Lei, demonstravam que não conheciam o Coração de Deus! É como se te oferecessem um pacote com um presente e tu, em vez de ir ver o dom, olhasses somente para o papel com o qual ele foi embrulha- do: só as aparências, a forma, e não o núcleo da graça, do dom que é oferecido! Caros irmãos e irmãs, todos nós somos convidados à mesa do Senhor. Façamos nosso o convite a sentar-nos ao seu lado, juntamente com os seus discípulos. Aprendamos a olhar com misericórdia e a reconhecer em cada um deles um nosso comensal. Somos todos discípulos necessitados de experimentar e viver a palavra consoladora de Jesus. Todos nós temos necessidade de nos alimentarmos da misericórdia de Deus, porque é desta fonte que brota a nossa salvação. Obrigado! No dia 16 de abril o Pontífice irá a Lesbos «para manifestar proximidade e solidariedade» aos refugiados, aos cidadãos da ilha e a todo o povo grego, «tão generoso na hospitalidade». Ao dar este anúncio, Francisco pediu que todos o acompanhem com a oração. De coração saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, particularmente os brasileiros de Uberaba e Uruaçu. Queridos amigos, abandonemos a presunção de nos crermos mais justos e melhores do que os outros; ao contrário, reconheçamos que somos todos discípulos e pecadores necessitados de ser tocados pela misericórdia de Deus. Sobre vós e sobre vossas comunidades, desça a Bênção do Senhor! Estimados irmãos e irmãs, no próximo domingo celebraremos o Dia mundial de oração pelas vocações. Pedi a Cristo, Bom Pastor, que envie sempre novos trabalhadores ao seu serviço. No próximo sábado irei à ilha de Lesbos, por onde nos meses passados transitaram numerosíssimos refugiados. Irei juntamente com os meus irmãos, o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu e o Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia, Hieronymos, para manifestar proximidade e solidariedade, tanto aos refugiados como aos cidadãos de Lesbos e a todo o povo grego, tão generoso na hospitalidade. Peço por favor que me acompanheis com a oração, invocando a luz e a força do Espírito Santo, bem como a intercessão maternal da Virgem Maria. Dirijo uma saudação especial aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. O anúncio pascal continue a fazer-nos viver o arrebatamento dos discípulos de Emaús: amados jovens, só o Senhor Jesus sabe responder completamente às aspirações de felicidade e de bem na vossa vida; caros enfermos, não há melhor consolação para o vosso sofrimento do que a certeza da Ressurreição de Cristo; e vós, queridos recém-casados, vivei o vosso matrimónio em adesão concreta a Cristo e aos ensinamentos do Evangelho.