Programa de estudos
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Programa de estudos
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica Renira Rampazzo Gambarato São Paulo 2005 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica Renira Rampazzo Gambarato Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica, sob orientação da Profa. Dra. Maria Lucia Santaella São Paulo 2005 Banca Examinadora a an bi Fa m Ko Edna Conti Agradeço sinceramente u es a of Pr Gea ne Azam ora ia úc L . ra .D la el ta n Sa r. Jo f. D Pro Carv alho de rge ieira ue V q r e uqu Alb Brasil Ro be rt on Bair gio r é .S . Dr Prof CNPq na Ja Si m on e M al ag ut i to ra le co Ni Prof. Dr. Winfried Nöth ba am oG zz pa m Ra Ro be rto Ch iac hir i da sil Jo oR am pa zz oG am b Ben Kos sma nn ra isha B a Nin Deutschland r idle che S rc Ma Ba a rb ra Eb r ne Frau Renate Foster-Fernandes au Fr t er lb e g En r u rth .r A .D of Pr Ank eH ertlin g Ich bedanke mich ara to Lembre-se de que você mesmo é: o melhor secretário para sua tarefa, o mais eficiente propagandista de seus ideais, a mais clara demonstração de seus princípios, o mais alto padrão do ensino superior que seu espírito abraça. É a mensagem viva das elevadas noções que transmite aos outros. André Luiz discussão de conceitos fundamentais, tais como Resumo diagrama, sistema e informação. Apresentamos Esta pesquisa dá continuidade à nossa a exemplificação de diagramas cujo design das dissertação de mestrado (Gambarato, 2002a), informações cujo desenvolvimento culminou na elaboração comunicacional e pela riqueza visual. Neste de tridimensionais, contexto, abordamos o conceito e o exemplo do recursiva das design gerativo - morfogenético - ainda pouco categorias fenomenológicas de Charles Sanders divulgado e explorado no Brasil, mas já em Peirce (1839-1914). A partir daquele trabalho, destaque na Europa, nos EUA e no Japão. Por propomos as seguintes indagações: é possível fim, os objetivos desta tese concretizam-se nos aprimorar os diagramas bi e tridimensionais aprimoramentos dos diagramas 2D e 3D e na desenvolvidos anteriormente? É pertinente nos apresentação do diagrama 4D. diagramas bi representativos da e lógica concentrarmos na exploração das possibilidades No se caracteriza desdobramento do pela eficiência desenvolvimento de expansão dos diagramas, tanto formal formal quadridimensional, alcançamos, ainda, quanto teoricamente, além das três dimensões uma representação diagramática em 5D (quatro do espaço? Quais são os ganhos, para a dimensões de espaço + tempo). Os diagramas representação apresentados nesta tese, por meio do design de decorrentes da do filosofia de desenvolvimento Peirce, de um suas informações, buscam dar densidade a, ao diagrama quadridimensional? mesmo tempo que se propõem a viabilizar a A hipótese é que, no desenvolvimento de formas conceituais tridimensionalidade, que vão podemos além compreensão da investigar as anteriormente não previstas ou não exploradas, o que representa um ganho formal-estético para o design e uma aproximação da essência do pensamento peirceano. O percurso de investigação considerou a abordagem de conceitos físico-matemáticos indispensáveis para esclarecer qual é o terreno, sobre o qual a construção dos diagramas multidimensionais se edifica: o hiperespaço. O pode ser demonstrado matematicamente no âmbito da geometria nãoeuclidiana. euclidianas, Dentre as discutimos, geometrias não- principalmente, complexidade da lógica recursiva coextensiva a toda filosofia de Peirce. possibilidades de concretização de formas hiperespaço da a geometria fractal, empregada na resolução do aperfeiçoamento dos diagramas representativos da lógica recursiva de Peirce. Perpassamos a 6 and information. We presente exemplifications of Abstract diagrams which information design is characterized by the communicational efficiency This research is based on our master's development and visual wealth. In this context, we present culminated in the elaboration of two and three- also the concept and the example of generative dimensional diagrams, representative of the design - morphogenetic – not much published recursive logic of Charles Sanders Peirce´s and explored in Brazil but already in prominence (1839-1914) categories. in Europe, in the USA and in Japan. The goals of Starting from that research we propose the this thesis are finally materialized in the following inquiries: is it possible to improve the improvement of the 2D and 3D diagrams and in two and three-dimensional diagrams previously the presentation of the 4D diagram. degree dissertation which phenomenological In the unfolding of the four-dimensional developed? Is it pertinent concentrate ourselves of formal development we reached a diagrammatic expansion of the diagrams, such formal as representation in 5D (four space dimensions + theoretically, besides the three dimensions of time). The diagrams presented by the thesis, space? the through the design of their information, attempt representation of Peirce´s philosophy resulting to facilitate the understanding of the complexity from the development of a four-dimensional of the recursive logic of the whole Peirce´s diagram? philosophy. in the The exploration Which of are hypothesis the the possibilities gains is that for developing conceptual forms besides the tridimensionality, we investigate the possibilities to generate forms not previously explored, what would represent a formal-esthetic gain for the design and an approach of the real essence of the Peircean thought. The investigation course considered the approach of indispensable physical- mathematical concepts to explain which is the land, under which the construction of the multidimensional hyperspace. The diagrams is hyperspace built: the can be mathematically demonstrated in the extent of the non-euclidean geometry. Among the non- euclidean geometries, we discusse mainly the fractal geometry, directly used in the solution of the improvement of the representative diagrams of Peirce´s recursive logic. We also discusse fundamental concepts, such as diagram, system 7 Sumário 09 Apresentação PARTE 1 - Geometria do(s) espaço(s) Capítulo 1. Hiper+espaço Kaluza+Klein Super+gravidade Super+cordas Quatro+n Capítulo 2. Geometrias Geometria (não)+euclidiana Topologia Hiper+geometria Método de visualização de objetos multidimensionais Geometria fractal Ordem no caos Capítulo 3. Perspectivas Antiga+idade Re+nascimento 0D + 1D + 2D + 3D + 4D Em tempo 13 13 14 15 16 18 18 21 24 26 28 33 35 35 37 39 51 PARTE 2 - Design da informação Capítulo 4. Aventuras de diagrama no país dos signos Aventuras do diagrama no país dos ícones Através dos sistemas e o que o diagrama encontrou lá Conectividade Integralidade Complexidade Maravilhas de diagramas Capítulo 5. Design in formação Design faz diferença Generative Design, Generative Art, Designing Ideas, Metadesign Ad continuum 57 57 65 66 67 67 69 75 79 84 90 PARTE 3 - Morfologias da linguagem Capítulo 6. Peirce in forma Modelos triádicos do signo Diagramas bi e tridimensionais da lógica recursiva de Peirce: antecedentes Diagramas bi e tridimensionais da lógica recursiva de Peirce: aprimoramentos Diagrama quadridimensional da lógica recursiva de Peirce: implementações Diagrama spin network Diagrama spin foam FAQ (Frequently Asked Questions) 94 95 97 106 111 113 121 126 128 141 Bibliografia Musicografia do processo Anexo Diagrama no espaço curvo: (pre)visões 142 8 contribui para sua compreensão. Ao mesmo Apresentação tempo que buscamos o desenvolvimento de formas multidimensionais, Esta pesquisa dá continuidade à nossa procuramos tanto dissertação de mestrado (Gambarato, 2002a), favorecer o entendimento teórico quanto o cujo desenvolvimento culminou na elaboração desenvolvimento formal criativo no âmbito do de design. diagramas bi representativos da e lógica tridimensionais, recursiva O horizonte desta pesquisa se abre para das categorias fenomenológicas de Charles Sanders disciplinas várias, Peirce (1839-1914). semiótica peirceana, o design, a física e a matemática. Propõe as seguintes indagações: é possível Os pelos principalmente diálogos elas são pautados desenvolvidos anteriormente? Mais do que isso, pesquisa e pela acessibilidade possível de uma é pertinente nos concentrarmos na exploração designer das possibilidades de expansão dos diagramas, exatos. O rigor científico também é preservado tanto formal quanto teoricamente, para além das por aquilo que Peirce denominou ética da três dimensões do espaço? Quais são os terminologia, um compromisso com a clareza do ganhos, para a representação da filosofia de discurso científico. Trata-se, portanto, de uma Peirce, decorrentes do desenvolvimento de um pesquisa semiótica inserida no âmbito do diagrama quadridimensional? design, cuja abrangência não pressupõe o domínios específicos a aprimorar os diagramas bi e tridimensionais aos objetivos entre para da físico-matemáticos A hipótese proposta considera que, no levantamento de novas questões físicas ou desenvolvimento de formas conceituais para matemáticas, mas a investigação dos diálogos além da tridimensionalidade, pode haver a possíveis entre a semiótica e outras áreas investigação significativas para o design. das possibilidades de concretização de formas antes não previstas ou Visando às indagações preliminares e à não exploradas, o que representa um ganho realização do desafio de desenvolver formas a formal-estético uma partir da pressuposição da quarta dimensão do aproximação da real essência do pensamento espaço, organizamos a tese em três partes peirceano. A justificativa para prosseguirmos no distintas - embora inter-relacionadas - que são: desenvolvimento de uma mais completa e 1) geometria do(s) espaço(s); 2) design da abrangente da informação e 3) morfologias da linguagem. Os filosofia de Peirce, se dá pelas contribuições três capítulos da primeira parte se dedicam à para o design e para a semiótica, dela abordagem de conceitos físico-matemáticos decorrentes. Por meio do design podemos indispensáveis para esclarecer qual é o terreno implementar a riqueza potencial desse tipo de sobre o qual a construção dos diagramas representação visual esquemática, por se tratar multidimensionais se edifica. para o representação design e diagramática de um diagrama que traz aos nossos olhos a O primeiro capítulo trata do conceito de possibilidade de observar as relações nele hiperespaço e apresenta o percurso evolutivo contidas. dessa teoria para melhor descrevê-la. Apesar da Assim, as abstrações da teoria inviabilidade peirceana se concretizam no diagrama, o que 9 técnica de se comprovar empiricamente os cálculos que demonstram a recursividade, existência os triádica. A geometria fractal também é recursiva: cientistas parecem não mais considerar, de um fractal é um objeto que não perde a maneira cética, essa possibilidade. O que definição formal na medida em que é ampliado, podemos depreender para a pertinência desta mantém sua estrutura idêntica à original. do espaço multidimensional, cuja base de orientação é pesquisa é que, no decorrer do tempo, nossa O terceiro capítulo encerra a primeira parte noção de espaço se expande, com a ampliação desta tese, com a abordagem de questões de possibilidades criativas. O hiperespaço pode referentes à perspectiva. Perspectiva é a arte de ser representar demonstrado matematicamente pela hipergeometria, tema do capítulo seguinte. a.C.) compreendermos com modificações pela posição. Representar num plano a os sensação de três dimensões espaciais, é o seu caminhos percorridos pelos geômetras para desafio. É preciso, entretanto, distinguir esse culminar da sistema de expressão visual do espaço na não- Antigüidade e no Renascimento, que são os euclidiana. Foram as novas geometrias que períodos mais marcantes da evolução do permitiram às ciências uma série de avanços, sistema perspéctico. Para os antigos, tratava-se dentre os quais a elaboração da teoria da de uma representação do mundo pelo cálculo relatividade de Albert Einstein (1879-1955), pela dos ângulos visuais e, para os renascentistas, a constatação de que a curvatura do espaço está perspectiva era um sistema de redução da diretamente de proporção dos objetos pela distância. Utilizamo- energia e matéria nele contida. A física permitiu nos, no decorrer do capítulo, da exemplificação provar que essas teorias, decorrentes da das geometria não-euclidiana, tinham realmente dimensões de espaço - o ambiente genético aplicações práticas. Apresentamos, também, desta pesquisa - e entendermos como nossa métodos objetos sensibilidade multidimensionais, já que não se consegue compreensão visualizar diretamente o espaço além das três espacial. Encerrando o capítulo, introduzimos a dimensões. Pode-se, no entanto, visualizar suas problemática do tempo, do ponto de vista da projeções em dimensões anteriores. Dentre as física quântica, nossa opção teórica para geometrias não-euclidianas, examinadas ainda representar o tempo nos diagramas. na para objetos aparentes, neles produzidas pela distância e No segundo capítulo, partimos de Euclides (330-260 os geometria multidimensionalidade, a relacionada de característica geometria à quantidade visualização de artes para problematizarmos foi se da moldando quatro para a tetradimensionalidade nesse capítulo, discutimos a geometria fractal, A segunda parte, intitulada design da empregada na resolução do aprimoramento dos informação, apresenta no quarto capítulo, a diagramas representativos da lógica recursiva definição de conceitos fundamentais para a de Peirce. Alguma coisa é recursiva, iterativa, tese, sobretudo os de diagrama e de sistema, e quando é definida em termos dela própria. É traz exemplos de diagramas cujo design das algo que está dentro de si, está dentro de si e informações assim sucessivamente, infinitamente. Todo o comunicacional e pela riqueza visual. O quinto pensamento capítulo, peirceano estrutura-se na 10 se caracteriza encarrega-se da pela eficiência investigação do conceito de informação sob o viés semiótico, diagramas spin network (4D) e spin foam (5D). sistêmico, da teoria da informação e do design. Nessa Dedicado da geometria de um spin network e o tempo é informação, esse capítulo ainda apresenta o definido pela seqüência de mudanças distintas conceito e o exemplo do design gerativo - de posição, que rearranjam o diagrama spin morfogenético - pouco divulgado e explorado no network em diagrama spin foam. No último Brasil, mas em destaque na Europa, nos EUA e capítulo, encontramos respostas para algumas no Japão, como pudemos constatar durante questões suscitadas pelos diagramas desta estágio de 14 meses de pesquisa realizado na tese, a fim de esclarecer os aspectos que Alemanha, entre 2003 e 2004. Pela abordagem motivaram o seu desenvolvimento. Por fim, gerativa não temos a priori um produto real como apontamento futuro para novas pesquisas (como uma imagem, um objeto, um modelo, temos, anexo, a proposição da representação uma música), mas uma idéia-produto. Trata-se dos diagramas no espaço curvo. Por entre as da representação de uma “espécie” pronta a morfologias gerar uma incontável seqüência de eventos matemática, da física, da semiótica... esta tese individuais diferentes entre si, mas provenientes caracteriza-se, ela mesma, como design in de uma mesma idéia (código) identificável. formação. às premissas do design A terceira e última parte desta tese, correspondente ao sexto capítulo, considera, inicialmente, os variados modelos triádicos do signo já existentes, representativos peirceana, da que ou seja, estrutura modelos tricotômica fundamentam nossas investigações acerca do desenvolvimento de formas diagramáticas representativas da lógica recursiva da filosofia de Peirce. Temos, então, os diagramas 2D e 3D que antecederam esta tese, seguidos pelo aprimoramento (por meio da geometria fractal), ainda em 2D e 3D, desses mesmos diagramas, e pela apresentação do diagrama 4D, desdobramento questão do quadridimensional, desta tese. desenvolvimento alcançamos No formal uma representação diagramática em 5D (quatro dimensões de espaço + tempo). Optamos, como alternativa desses viável diagramas para o desenvolvimento hiperdimensionais, pelas estratégias geométricas surgidas com a teoria da gravidade quântica (loop quantum gravity): os 11 teoria, da o espaço linguagem é do definido design, pela da Geometria do(s) espaço(s) chega a prever o número preciso de Capítulo 1. Hiper+espaço dimensões: dez. As três dimensões Espaço multidimensional, eis a questão. Se habituais de espaço (comprimento, largura e “a nova geografia é uma geografia do virtual” profundidade) e uma de tempo são agora (Critical Art Ensemble, 2001: 11), elegemos a acrescidas teoria do hiperespaço como o terreno propício espaciais (Kaku, 2000: 08, grifos nossos). de seis outras dimensões para o desenvolvimento de investigações nAssim, dimensionais. A teoria do hiperespaço, enquanto um corpo bem matemáticas, dimensões definido descreve além de a das de o percurso de Kaluza-Klein à teoria das supercordas para equações de melhor descrever a teoria do hiperespaço e espaço justificar sua pertinência para as investigações existência três consideraremos morfológicas pretendidas por essa pesquisa. (comprimento/largura/altura) e do tempo. O prefixo hiper-, de origem grega, significa “acima, 1.1. Kaluza+Klein além” ou, mais especificamente, no âmbito da matemática, “estendido, generalizado”. Em Para a teoria do hiperespaço, a matéria 1919, Albert Einstein (1879-1955) consiste em micro-cordas vibráteis, “sendo a recebeu um artigo do matemático Theodor própria dobras Kaluza Meyer (1885-1954), da Universidade de minúsculas do espaço” (Souza e Silva, 2002). A Königsberg, Alemanha, propondo a união da matéria pode ser vista como vibrações que se teoria da gravidade de Einstein com a teoria da encrespam através do tecido do espaço-tempo. luz de James Clerk Maxwell (1831-1879). A matéria Apesar conseqüência da teoria experimentalmente pode ser laboratório), de ter sido solução proposta era a introdução da quinta (ainda não dimensão, isto é, a quarta dimensão de espaço, medida em além do tempo. Kaluza propôs uma genuína Gribbin teoria de campo a partir do pressuposto de que não comprovada convenientemente cientistas como John (1999), Michio Kaku (2000), Stephen Hawking a (1988, 2001), Steven Weinberg (2005), Abhay encrespamento Ashtekar Mostrou, (2005), estão absolutamente luz é uma perturbação dessa decorrente dimensão através de adicional. equações convencidos de que o universo é n-dimensional, pentadimensionais, pois a teoria quadridimensional (três dimensões quadridimensional de Einstein estava nelas de espaço + uma de tempo) não é suficiente contida para descrever adequadamente todas as forças precisamente, a teoria da luz de Maxwell. A luz que comandam o universo. emergia, então, como “o empenamento da e que que do a parte a adicional teoria era, geometria do espaço com maior número de Nos meios hiperespaço Kaluza-Klein científicos, é conhecida e a teoria como supergravidade. dimensões” (Kaku, 2000: 121). do Embora teoria Georg Riemann (1826-1866), Charles Hinton (1853-1907) e Johann Zöllner Sua é (1834-1882) já houvessem abordado a quarta chamada de teoria das supercordas, a qual dimensão espacial antes, pela primeira vez formulação mais avançada, porém, 13 propunha-se um uso deliberado dela: a novo para a proeminência. Hoje, em unificação das leis da física. Kaluza deixava contraste com a década de 1920, os físicos claro que o universo quadridimensional de se vêem desafiados a fazer mais do que Einstein não era suficiente para acomodar tanto unificar a força eletromagnética quanto a gravitacional. eletromagnetismo apenas – eles querem Em 1926, o matemático sueco Oskar Klein a unificar a gravidade gravidade com também o com as (1894-1977) introduziu vários aperfeiçoamentos interações forte e fraca. Isso requer ainda na teoria. Calculou que a quarta dimensão de mais dimensões, além da quinta (Pagels -33 espaço deveria ter 10 comprimento Planck1), de apud Kaku, 2000: 159). centímetros (o chamado ou seja, é extremamente pequena para ser detectada por Em 1976, os físicos Daniel Freedman, qualquer experimento terrestre. A teoria Kaluza- Sérgio Ferrara e Peter van Nieuwenhuizen, da Klein, no entanto, não foi capaz de determinar o Universidade valor exato de “n” para o inevitável espaço n- formularam o que seria um avanço da teoria dimensional. Uma versão mais avançada dessa Kaluza-Klein: a teoria da supergravidade. Estadual de Nova York, Com o objetivo de unificação de todas as teoria foi denominada teoria da supergravidade. partículas, a supergravidade se funda na supersimetria: associação de cada partícula a um 1.2. Super+gravidade companheiro super-simétrico, por exemplo, a Após ter sido relegada ao esquecimento um fóton (partícula de luz), o fotino; a um durante décadas, a teoria Kaluza-Klein foi elétron, o selétron. Para os físicos, as partículas resgatada no final da década de 1970, frente às se dividem de acordo com seu momento angular tentativas frustradas dos físicos de unificar as intrínseco, ou spin (rotação das partículas em quatro gravitacional, torno delas mesmas, como se fossem pequenos eletromagnética (eletricidade, magnetismo, luz) planetas). “A supersimetria requer que, para e as forças nucleares forte (fornecedora da cada partícula dotada de spin inteiro - 0, 1, 2 (...) energia produzida nas estrelas) e fraca (força de -, exista uma partícula de mesma massa, mas desintegração com spin que seja metade de um número inteiro forças da natureza: radioativa, que provoca (1/2, 3/2, 5/2 etc.), e vice-versa” (Duff, 2005: 12). aquecimento). Embora nenhum experimento tenha Após a década de 1930, a idéia de Kaluza- conseguido evidenciar a existência necessária Klein caiu em desfavor, e por muitos anos de partículas acompanhadas de superparceiros, permaneceu os teóricos acreditam nessa propriedade, pois adormecida. Recentemente, buscavam ela possibilita a unificação da matéria, das qualquer saída possível para a unificação da forças forte, fraca e eletromagnética com a gravidade com outras forças, ela saltou de gravidade. porém, quando os físicos A super-simetria transforma o espaço-tempo de modo que as leis da física sejam as mesmas para todos os observadores. 1 O comprimento de Planck é 100 bilhões de bilhões de vezes menor que o próton, pequeno demais, portanto, para ser investigado pelo maior acelerador de partículas existente até o momento. A alternativa para inclusão de matéria foi 14 formular a teoria em 11 dimensões. A gravidade vibratórios convencional não impõe limites para o número ressonantes, cujos comprimentos de onda de dimensões do espaço-tempo; em princípio, se encaixam precisamente entre as duas suas equações funcionam em qualquer número extremidades. Mas enquanto as diferentes de dimensões. A supergravidade, por sua vez, freqüências ressonantes das cordas de um delimita No violino dão origem a diferentes notas entanto, inconsistências matemáticas levaram musicais, as diferentes oscilações de uma ao declínio da teoria da supergravidade e, em corda dão origem a diferentes massas e busca de um formalismo mais rigoroso, a teoria cargas de força, que são interpretadas como das partículas 11 dimensões supercordas condicionantes. surge como competente alternativa. ressonantes, ou fundamentais. freqüências Grosso modo, quanto menor o comprimento de onda da oscilação da corda, maior a massa da partícula (Hawking, 2001: 52). 1.3. Super+cordas A teoria das nasceu Na teoria das cordas fechadas, pelo gráviton acidentalmente em 1968, em Genebra, Suíça, (partícula de interação da gravidade) obtém-se a quando os físicos Gabriel Veneziano e Mahiko relatividade geral (considerando o limite em que Suzuki pesquisavam funções matemáticas. Em o comprimento da corda tende a zero, ela volta 1970, Goto a ser um objeto pontual). O problema é que descobriram que as cordas vibráteis estavam essa teoria apresenta uma inconsistência física: por prevê Yoichiro trás supercordas Nambu das e Tetsuo propriedades do modelo uma partícula que se move com matemático Veneziano-Suzuki. Assim, a teoria velocidade superior à da luz, o que é proibido das supercordas provém da interação da teoria pela relatividade restrita. A solução para esse de cordas com a supersimetria (a essência da impasse é justamente a teoria das supercordas, supergravidade). foi que conta com a inclusão da supersimetria para concebida no final da década de 1960 com o remover essa partícula indesejável, o que intuito de descrever as interações das forças viabiliza a essência unificadora da teoria das fortes. Seus objetos fundamentais são cordas cordas. A teoria das cordas (objetos com extensão unidimensional, têm Segundo essa teoria, a matéria é a apenas comprimento e deslocam-se em relação harmonia criada pelas cordas vibráteis. Quando ao espaço-tempo) e não partículas. consideramos uma partícula pontual, na verdade, trata-se de uma pequena corda vibrátil Na teoria das cordas, os objetos básicos (comprimento de Planck). Assim, a teoria das não são partículas, que ocupam um ponto cordas explica a natureza das partículas e individual também a do espaço-tempo. Ao se movimentar no espaço, mas cordas unidimensionais. Essas cordas podem ter no extremidades ou se fechar em anéis. Assim complexos conjuntos como as cordas de um violino, as cordas na obedecem a teoria das cordas mantêm certos padrões coerentes e rigorosas. E são justamente as 15 espaço-tempo, um uma de corda executa movimentos, conjunto de que condições restrições daí advindas que permitem que a 1.4. Quatro+n formulação das supercordas precise o número de dimensões: dez (Greco, 2002; Abdalla e Não Casali, 2003). podemos dimensionais visualizar com n>3. espaços Nossos n- cérebros Até meados da década de 1990 parecia evoluíram para manipular ocorrências em três haver cinco diferentes teorias das supercordas dimensões. Mas, sobretudo, após a teoria sem Kaluza-Klein conexões entre si: Tipo I SO(32) especificar o tamanho das (supercordas abertas), Tipo IIA e Tipo IIB dimensões adicionais como sendo 100 bilhões (supercordas Heterótica- de bilhões de vezes menor que o próton, fica SO(32) e Heterótica-E8 x E8 (combinação de claro que não podemos ver essas dimensões cordas Atualmente, adicionais porque elas se “enroscaram numa entretanto, propõe-se que essas cinco teorias bola tão minúscula que não podem mais ser sejam, de fato, cinco limites ou ramificações detectadas” possíveis de uma teoria só, denominada teoria- necessária para investigar a décima dimensão é M. um quadrilhão de vezes maior que toda a fechadas), abertas e corda fechadas). (Kaku, 2000: 35). A energia energia possível de ser produzida pelo maior Em 1995, porém, foram acelerador de partículas da Terra. As equações subordinadas à Teoria-M. Nas palavras do calculam a energia necessária para se chegar guru dessa teoria, Edward Witten, do às demais dimensões (a temperatura necessária Instituto em seria de 1000 trilhões de trilhões de graus), mas Princeton, “M designa magia, mistério ou não temos e, talvez nunca venhamos a ter, membrana, como produzir essa energia. de as Estudos conforme cordas Avançados o gosto”. Novos indícios a favor dessa concepção aparecem o tempo todo e representam o avanço mais A introdução de dimensões múltiplas pode empolgante desde que as cordas entraram ser essencial para desvendar os segredos em cena (Duff, 2005: 12). da Criação. Segundo essa teoria [hiperespaço], antes do Big Bang nosso cosmo era de fato um perfeito universo de A teoria-M considera como objetos as p- dez dimensões, um mundo em que a branas, existentes em diversas dimensões. “P- viagem branas são objetos estendidos em p dimensões. Contudo, esse mundo de dez dimensões era Os casos especiais são as cordas, que são p=1, instável, e acabou por “rachar” em dois, e as membranas, que são p=2, mas valores gerando dois universos separados: um de maiores de p são possíveis em espaço-tempos quatro dimensões e um de seis dimensões. com 10 ou 11 dimensões” (Hawking, 2001: 54). O universo em que vivemos nasceu nesse Sejam dez, 11 ou mais dimensões que interdimensional cataclisma cósmico. era possível. Nosso universo se expandiu configurem nosso espaço-tempo, por que não quadridimensional conseguimos explosivamente, enquanto nosso universo ver nada além do universo quadridimensional de Einstein? gêmeo de seis dimensões se contraiu 16 violentamente, até se reduzir a um tamanho quântica. O mesmo deve acontecer quando quase infinitesimal. (...) Essa teoria prevê formularmos a teoria final (Rivelles, 2000). que nosso universo ainda tem um gêmeo anão, um universo companheiro que foi Não temos a pretensão de apresentar uma enroscado numa bolinha de seis dimensões, solução para essa questão do número de pequena demais para ser observada. Esse hiperdimensões espaciais, uma vez que a universo de seis dimensões, longe de ser própria física ainda não o fez. Todos os avanços um apêndice inútil de nosso mundo, pode proporcionados pela teoria das supercordas e finalmente vir a ser nossa salvação (Kaku, pela teoria-M empolgam os físicos, mas não 2000: 46-7). encerram, ou ainda, estão longe de encerrar as investigações que culminariam na teoria final As dimensões adjacentes podem fornecer unificadora. Apesar da inviabilidade técnica de as respostas que a ciência busca e podem vir a comprovar ser a rota de fuga em caso de colapso do demonstram universo... mas essa é uma outra questão que multidimensional, os cientistas parecem não não cabe para o momento. mais considerar, de maneira cética, essa empiricamente a os cálculos existência do que espaço Quanto ao número exato de dimensões possibilidade. Para o que nos interessa, é no extras existentes, permanece a imprecisão decorrer do tempo que nossa noção de espaço advinda das diferentes teorias que nascem, se expande, ampliando nossas possibilidades crescem, reproduzem-se e morrem com o criativas. Não é o número exato de dimensões propósito maior de unificação de todas as leis da que natureza, a teoria de tudo! A teoria final constatação da alta possibilidade da existência (Weinberg, 2005). da enésima dimensão como dilatação de nossa importa para este trabalho, mas a visão de mundo, de ciência e de estética. Já se sabe nem As investigações formais que propomos membranas são objetos fundamentais, mas consideram a quarta dimensão do espaço, num que são só diferentes limites da teoria final. exercício de expansão de alternativas estético- É provável, portanto, que a teoria final não formais, tenha uma dimensão fixa, e que a dimensão tridimensionais. só seja determinada quando se estuda a demonstrado teoria em algum limite. Apesar de arrojadas, hipergeometria, que abordaremos na seqüência. essas novas idéias estão revelando uma No entanto, para melhor compreendermos os nova maneira de encarar a teoria de caminhos percorridos pelos geômetras para supercordas. Essa situação é parecida com culminar a época do átomo de Bohr, quando existiam multidimensionalidade, partiremos dos estudos muitas de Euclides (330-260 a.C.). regras que úteis nem para cordas, explicar o comportamento dos elétrons no átomo. Essas regras só foram completamente elucidadas com o advento da mecânica 17 para na além O das hiperespaço restrições pode matematicamente geometria característica ser pela da são: tetraedro (quatro faces triangulares, cf. Capítulo 2. Geometrias figura 01), cubo (seis faces quadradas, cf. figura 02), octaedro (oito faces triangulares, cf. figura A geometria é o campo da matemática 03), dodecaedro (12 faces pentagonais, cf. dedicado às propriedades de elementos que são invariantes sob determinado grupo figura 04) e icosaedro (20 faces triangulares, cf. de figura 05). transformações. Enquanto ciência, a geometria se subdivide conforme os diferentes tipos de elementos que investiga, mediante distintas configurações espaciais: linhas, superfícies, volumes, sólidos. Questões geométricas estão, indissociavelmente, relacionadas ao espaço e a suas dimensões. As formas mentais e científicas Figura 01: Tetraedro perspectivado e planificado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Tetrahedron.html. de representação do espaço estão em processo de transformação, como se pode constatar pelas diferenças do espaço plano de Euclides, do espaço tridimensional cartesiano, da geometria curvilínea de Gauss, da geometria n- dimensional de Riemann, por exemplo. Figura 02: Cubo perspectivado e planificado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Cube.html. Para o que nos interessa neste momento, consideraremos a geometria euclidiana como a base dessa ciência; e não-euclidiana, como o terreno sobre o qual, pouco a pouco, o espaço n-dimensional (foco da pesquisa) foi edificado. 2.1. Geometria (não)+euclidiana Figura 03: Octaedro perspectivado e planificado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Octahedron.html. Euclides viveu em Alexandria por volta de 300 a.C. e seu trabalho mais célebre foi “Os Elementos”, apresentado em 13 volumes. Sua geometria considera cinco sólidos regulares de espaço, chamados sólidos platônicos. Os sólidos platônicos são convexos, cujas arestas formam polígonos planos regulares congruentes. Apenas três tipos de polígonos regulares (todos os seus segmentos têm o mesmo tamanho e os ângulos internos entre os segmentos têm o mesmo valor) podem formar Figura 04: Dodecaedro perspectivado, visto do topo e planificado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Dodecahedron.html. esses sólidos: o triângulo, o quadrado e o pentágono. Assim sendo, os sólidos platônicos 18 usados como a base de sua geometria e que foram considerados, por séculos, indiscutíveis. Em Emmer (2004: 23), encontramos algumas definições relevantes: Definição 1 = um ponto é o que não tem partes. Definição 2 = uma linha (curva) é comprimento sem largura. Definição 3 = as extremidades de um segmento de linha são pontos. Definição 4 = uma linha reta é aquela formada por igual respeitando os pontos finais. Figura 05: Icosaedro perspectivado e planificado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Icosahedron.html. É no volume XIII, de Euclides, Definição 5 = um plano tem somente comprimento e largura. que Definição 6 = as extremidades de um encontramos a construção dos cinco sólidos segmento de plano são linhas. regulares, todos eles inscritos em uma esfera. Definição 7 = um plano é aquele formado por igual respeitando essas linhas. Ninguém sabe quem foi o primeiro a notar Euclides também listou cinco postulados. O que o número de polígonos regulares, como pentágonos, mais famoso deles é o quinto - o chamado hexaedros e assim por diante, continua ao axioma das paralelas -, que convenciona que: infinito; realmente se uma linha reta cortar duas outras retas de fascinante é que o número de sólidos modo que a soma dos dois ângulos internos de regulares é finito. Esse fato fascinou Platão um mesmo lado seja menor do que dois ângulos (427-348 a.C.), que relacionou os sólidos retos, regulares com as estruturas do mundo e os suficientemente prolongadas, vão se cruzar do elementos do espaço físico. Em seu diálogo mesmo lado em que estão esses dois ângulos. Timeu, nós encontramos a mais antiga Ou seja: duas retas são paralelas quando se descrição regulares, encontram no infinito (Emmer, 1993: 215-22; embora eles já fossem conhecidos pelos Hildebrand, 2001: 37-42; Sperling, 2003: 125-7 e pitagóricos (Emmer, 1993: 215). Emmer, 2004: 22-30). É justamente o quinto triângulos, quadrados, mas dos a descoberta cinco sólidos então essas duas retas, quando postulado que vai diferenciar a geometria Platão desenvolveu as seguintes euclidiana, por vezes denominada parabólica, associações entre os elementos da natureza e das não-euclidianas. A negação do postulado do os sólidos regulares: tetraedro → fogo; cubo → paralelismo, motivada pela impossibilidade de terra; octaedro → ar; dodecaedro → cosmos e sua demonstração, é que dá origem às outras icosaedro → água. Esses sólidos são um dos geometrias, reconhecidas, então, como não- cernes da geometria euclidiana. euclidianas.O empenho do italiano Giovanni Girolamo Saccheri (1667-1733) e do alemão O volume I trata das definições e conceitos 19 Johann Karl Friedrich Gauss (1777-1855), em dissertação intitulada Über die Hypothesen negar o paralelismo de Euclides, culminou nas welche der Geometrie zu Grunde liegen ousadas propostas do jovem húngaro Janos [Sobre as hipóteses que residem nos Bolyai (1802 - 1860) e do jovem russo Nicolai fundamentos da geometria], não publicada Ivanovich Lobachevski (1792 - 1856). Este até 1867. Em sua apresentação, Riemann último publica em 1829 sua versão da geometria defendeu uma visão global da geometria não-euclidiana à qual chama, primeiramente, de como o estudo de uma variedade de geometria imaginária e depois de pangeometria. qualquer número de dimensões em qualquer Atualmente, a geometria de Lobachevski e tipo de espaço (Emmer, 2004: 09-10). Bolyai é chamada de geometria hiperbólica, que considera a soma dos ângulos internos de Ao substituir o axioma das paralelas, tornou- o um triângulo menor que 180 . Esse foi o primeiro se possível construir duas geometrias - as exemplo de que o quinto postulado de Euclides propostas não era mais válido. Ainda no século XIX, diferentes da geometria euclidiana, igualmente adicionaram-se às colaborações os trabalhos de coerentes e que não conduziam a nenhuma Georg Friedrich Bernhard Riemann, orientados contradição. por Gauss na Universidade de Göttingen, concebíveis, ambas foram reconhecidas como Alemanha. de alternativas legítimas e contribuíram para o Riemann passou a ser denominada geometria processo de transformação de nossa noção de elíptica ou esférica, que considera a soma dos espaço, ângulos internos de um triângulo maior que constatando: o universo é curvo e múltiplo. A geometria não-euclidiana por Lobachevski Apesar de corroborando e Riemann serem a noção - dificilmente de que o 180 . O postulado do paralelismo de Euclides foi substituído pelos seguintes axiomas: O fato de que nosso universo (...) é curvo • Por um ponto exterior a uma reta, podemos traçar uma infinidade numa dimensão invisível além de nossa compreensão de espacial foi paralelas a esta reta (geometria de experimentalmente comprovado por vários Lobachevski); experimentos rigorosos. Esses • Por um ponto exterior a uma reta não experimentos, realizados com a trajetória de podemos traçar nenhuma paralela a esta feixes de luz, mostram que a luz das reta (geometria de Riemann). estrelas é curvada ao se mover através do universo (Kaku, 2000: 37). A geometria não-euclidiana permaneceu por muitos anos relegada a um A luz toma o caminho mais curto entre dois aspecto de pontos e se curva sob a influência da gravidade, curiosidade, até ser incorporada como parte logo a distância mais curta entre dois pontos é integrante dos conceitos gerais de G. F. B. uma linha curva. Não há, de fato, “retas” no Riemann (1826-1866). Em 1854, Riemann universo físico. Para Euclides, o mundo é apresentou, na tridimensional e plano, portanto os teoremas Universidade de Göttingen, sua famosa usuais de sua geometria não vigoram diante da marginal da geometria, diante da um tipo faculdade 20 curvatura ou do empenamento do espaço duas teorias, é a topologia (Kaku, 2000: multidimensional. A geometria euclidiana é 350). viável dentro dos limites das superfícies planas, entretanto, no mundo das superfícies curvas é Situada dentre as geometrias não- mesmo incorreta. Para Riemann, no mundo euclidianas, a topologia (topos, lugar + logos, natural (montanhas, oceanos, nuvens etc) não estudo) investiga as propriedades de figuras encontramos as figuras geométricas planas, geométricas que permanecem invariantes em idealizadas, de Euclides. Daí a importância de face de transformações topológicas. Augustus sua nova geometria, que desenvolveu questões Ferdinand Möbius (1790-1868), aluno de Gauss, matemáticas decorrentes da descoberta da definiu, de modo preciso, a transformação curvatura do espaço, em que objetos curvos se topológica como a transformação de uma figura vergam e se torcem diversamente. em outra, de tal maneira que dois pontos Riemann foi o primeiro a estabelecer os fundamentos geométricos multidimensional dimensões coerentes. e a o demonstrar extras Foram para eram quaisquer que se encontrem juntos na figura espaço que original as na figura A topologia não aborda a correspondência novas entre forma (linguagem geométrica) e linguagem geometrias que permitiram às ciências uma algébrica. A ligação entre forma e álgebra é série de avanços, dentre os quais a elaboração característica da geometria analítica, também da teoria da relatividade de Einstein, pela denominada cartesiana. “Interessa à Topologia constatação de que a curvatura do espaço está menos a forma, que estaria vinculada à diretamente de Topografia e mais as relações existentes entre energia e matéria contida naquele espaço. A os pontos dessa forma” (Sperling, 2003: 40). física Assim, a topologia não se restringe às formas relacionada permitiu decorrentes da provar à que geometria as juntos transformada (Pinto, 2004: 03). perfeitamente justamente permaneçam quantidade essas teorias, não-euclidiana, tinham realmente aplicações práticas. complexas, deformadas relaciona-se mais à ou contorcidas, organização espacial mantida entre elas (Munkres, 2000). A 2.1.1. Topologia topologia, originalmente denominada analysis situs, por Jules Henri Poincaré (1854Uma das características intrigantes da teoria 1912), e “geometria de posição”, por Gottfried das supercordas é o nível a que a Wilhelm Leibniz (1646-1716), trata da posição e matemática é guindada. Nenhuma outra das propriedades advindas da posição das teoria uma configurações formais. Poincaré a define como matemática tão poderosa num nível tão “a ciência que nos mostra as propriedades fundamental. Em retrospecto, isso só podia qualitativas de figuras geométricas, não apenas ser assim, porque toda teoria unificada deve no espaço usual mas também no espaço com absorver a geometria riemanniana da teoria mais de três dimensões” (Emmer, 2004: 10). O de Einstein (...). Essa nova matemática, que desenvolvimento é responsável pela incorporação dessas proposto como objetivo último dessa pesquisa, conhecida na ciência usa 21 de formas diagramáticas, considerará a localização das representações, Obtém-se um modelo da fita de Möbius torcendo bem como sua geometria. O primeiro texto a 180o uma tira e unindo suas extremidades. publicado no qual aparece a referência ao termo topologia intitula-se Vorstudien zur Topologie (Estudos preliminares para a topologia) e foi Figura 06: Construção da Fita de Möbius. Fonte: http://www.prof2000.pt/users/j.pinto/vitae/textos/ 04_ Topologia_JPinto.pdf. publicado em 1847 por Johann Benedict Listing (1808-1882), também aluno de Gauss. Atualmente, a topologia é uma das mais A superfície foi deformada, sem cortes ou extensas partes da matemática e conta com diversas ramificações, conjuntos, topologia combinatória, como: topologia algébrica, geométrica, rasgos; a rotação é que foi responsável pelas de mudanças. Quando comparamos a fita de diferencial, entre Möbius outras genuína topologia: superfície, hipersuperfície e quarta exterior/interior, pela configuração encontrados exemplos da utilização de superfícies como essa na decoração dos possível entre A e B dá-se o nome de segmento cavalos da guarda de czares russos no século geodésico. No plano euclidiano, por exemplo, os XVII e ainda em vários mosaicos romanos do segmentos geodésicos são segmentos de reta. século III (Emmer, 2004: 66-9). Isso nos leva a Temos três transformações que não afetam a considerar que a fita de Möbius é um tipo de topologia de uma superfície: arquétipo 1. Esticar ou alargar a superfície ou parte redescoberto. Essa fita, extensivamente utilizada como referencial nas dela; artes plásticas, motiva questionamentos acerca 2. Encolher a superfície ou parte dela; das mais variadas dicotomias que engessam a 3. Entortar a superfície ou parte dela. consciência humana: fortemente impulsionados pela descoberta conjunta de que Pensamento vem de fora existem e pensa que vem de dentro, só um ter sido descoberta no século XIX, foram entre eles. Ao caminho de menor comprimento um de e Apesar de, matematicamente, a fita de Möbius sempre possível traçar um caminho (uma curva) de fora/dentro, seu centro, ela permanece com um lado só. dois pontos quaisquer A e B numa superfície é superfícies não- cortamos a fita de Möbius ao meio ao longo do Listing e Möbius, pressupõe que considerados foram Superfícies terceiro, um objeto contínuo. De fato, ao superfície, apresentado nos trabalhos iniciais de Listing superfícies. caracterizam-se e comprimento, sem espessura. O conceito de e das dicotomia Uma superfície é uma entidade geométrica Möbius cilíndrica, orientáveis são aquelas que não apresentam a dimensão. largura regular, orientabilidade é uma propriedade topológica sobre os seguintes conceitos abordados pela possui fita de Möbius é um objeto não-orientável. A desta pesquisa, nos restringiremos a versar que uma concluímos que a fita normal é orientável e a fita (Hildebrand, 2001: 158-62). Do ponto de vista bidimensional com “lado”. Descobriram, então, a mais conhecida dentre as pensamento que expectora superfícies topológicas: a fita de Möbius. o que no meu peito penso. 22 Pensamento a mil por hora, superfície tormento a todo momento. dimensões, tal que n≥4). Por que é que eu penso agora também se remete a Novak e a Perrela ao sem o meu consentimento? considerar que uma “hipersuperfície está onde o Se tudo que comemora real e o virtual se encontram” (2004: 95). no hiperespaço (espaço de n Gabriella Giannachi tem o seu impedimento, O conceito de hipersuperfície, oriundo da se tudo aquilo que chora topologia, apesar de ser bastante simples, cresce com o seu fermento; acabou sendo lido de maneira equivocada, pensamento, dê o fora, sendo extensamente utilizado como referência saia do meu pensamento. direta ao hiperespaço, gerando imprecisões, Pensamento, vá embora, como pudemos ver acima. O prefixo hiper-, aqui, desapareça no vento. denota que o objeto referido possui um grau de E não jogarei sementes liberdade dentro do ambiente, necessariamente em cima do seu cimento maior em dimensões que o objeto, e não que se (Antunes, 1990: s/n). trata de uma superfície no hiperespaço (Perrela, 1998: 07-15; Novak, 1998: 85-93, Sperling, Há sempre um duplo movimento no poema 2003: 81-5 e Giannachi, 2004: 95-122). sem título de Arnaldo Antunes: o paradoxo A quarta dimensão na geometria é um inicial (entre o que vem de fora e pensa que vem espaço que pode ser representado como mais de dentro) nos parece traduzir, numa estreita um eixo (comumente, w) adicionado aos três relação, palavras. eixos cartesianos x, y, z. O quarto eixo estaria Transforma-na num objeto estético, máquina de relacionado aos outros três por um ângulo de semioses. 90o. Em topologia, a quarta dimensão é utilizada a fita Prosseguindo, de Möbius temos em que uma para a resolução de auto-interseções e de hipersuperfície é todo objeto de dimensão n singularidades de superfícies (Sperling, 2003: num espaço de dimensão n+1. Relaciona-se 134). mais com a interação entre o objeto e seu necessariamente, às dimensões inferiores. Se ambiente, e menos com as características podemos representar a planificação de um cubo intrínsecas do próprio objeto. Assim, qualquer (3D) em uma folha de papel (2D), podemos superfície (uma entidade bidimensional), num então, analogamente, representar o hipercubo ambiente tridimensional, é uma hipersuperfície; (cubo em 4D) num ambiente tridimensional, ou ou ainda, uma linha num plano também se inferior. Para sua visualização, recorremos, caracteriza como uma hipersuperfície. Não há, O consenso científico, desde o final do portanto, a partir da topologia, uma relação século XX, é o de um universo multidimensional, direta entre hipersuperfície e hiperespaço, como cujo volume se curva na direção da quarta poderíamos supor e como propõem Stephen dimensão Perrela (1998) e Marcus Novak (1998). conseguirmos conceber a quarta dimensão, Novak se utiliza da concepção de Perrela espacial. Apesar de não podemos medir seus efeitos (Porto, 2002). O que considera uma hipersuperfície como uma hiperespaço 23 pode ser demonstrado matematicamente pela hipergeometria. Considera-se a expansão das três dimensões do espaço como característica da hipergeometria. Assim, um objeto eqüidistante do centro em n>3 dimensões seria uma hiperesfera e, similarmente, podemos ter um hipercubo, um hipertetraedro e assim por diante. Figura 08: Hipercubo perspectivado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Tesseract.html. 2.1.2. Hiper+geometria Uma geometria com dimensões múltiplas pode ser a fonte última de unidade no universo (Kaku, 2000: 34). O matemático suíço Ludwig Schläfli (1814- Figura 09: Hiperoctaedro perspectivado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/16-Cell.html. 1895) foi o primeiro a determinar, em 1852, que os cinco sólidos platônicos correspondiam a seis sólidos regulares em quatro dimensões e três, em cinco ou mais dimensões (Pessoa Jr., 2004). Os seis hipersólidos identificados são: hipertetraedro (dez faces triangulares, cf. figura 07), hipercubo (24 faces quadradas, cf. figura 08), hiperoctaedro (32 faces triangulares, cf. figura 09), hiperdodecaedro (720 faces Figura 10: Hiperdodecaedro perspectivado e visto do topo. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/120-Cell.html. pentagonais, cf. figura 10), hipericosaedro (1200 faces triangulares, cf. figura 11) e hiperdiamante (94 faces triangulares, cf. figura 12), sendo este último o único sólido que não tem análogo tridimensional. Em cinco ou mais dimensões teríamos: hiper-n-tetraedro, hiper-n-cubo e hiper-n-octaedro. Figura 11: Hipericosaedro perspectivado e visto do topo. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/600-Cell.html. Figura 07: Hipertetraedro perspectivado. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/Pentatope.html. Figura 12: Hiperdiamante perspectivado e visto do topo. Fonte: http://mathworld.wolfram.com/24-Cell.html. 24 Em 1923, o matemático britânico Harold A hiperesfera é definida como o lugar Scott MacDonald Coxeter (1907-2003) iniciou geométrico dos pontos (x, y, z, w) que seu trabalho com geometria para além das três satisfazem a relação x2 + y2 + z2 + w2 = r2, onde dimensões e, em 1948, escreveu que apenas r = raio da circunferência . A fórmula da uma ou duas pessoas teriam tido a habilidade hiperesfera é 2π2r3. O π extra na fórmula da de visualizar hipersólidos assim como todos nós superfície da conseguimos representa a visualizar sólidos. Dentre os hipersólidos, indubitavelmente o hipercubo é o hiperesfera rotação (esfera em uma = 4πr2) dimensão adicional. mais explorado. Ainda que nossos cérebros não possam visualizar um cubo n-dimensional, a fórmula matemática do hipercubo é bastante simples: sendo o comprimento de uma diagonal de um cubo a2 + b2+ c2 = d2 (a, b e c correspondem aos lados do cubo), a adição de mais termos a essa equação (teorema de Pitágoras) não a altera e generaliza a diagonal z de um hipercubo n-dimensional como a2 + b2+ c2 +d2 + ... = z2. As possíveis projeções do hipercubo em 3D Figura 14: Possível representação de hiperesfera. Fonte: http://www.hypersphere.com/hs/abouths.html. começaram em 1967 com Michael Noll, cujas conclusões apontavam para a representação tridimensional, a partir do Como objeto Banchoff e anteriormente, não além das três dimensões. Podemos, no entanto, minimizar as distorções projetadas. Em 1978, os Thomas descrito conseguimos visualizar diretamente o espaço quadridimensional em rotação no espaço, para matemáticos já visualizar sombras de objetos multidimensionais, Charles ou seja, suas projeções por meio de estratégias Strauss criaram o primeiro filme animado do matemáticas desenvolvidas inicialmente por hipercubo e, em 1987, criaram a primeira Charles Howard Hinton (1853-1907). Foi Hinton, representação de uma hiperesfera (Banchoff e na segunda metade do século XIX, quem Max, 1981: 191-209; Banchoff, 1990; Emmer, popularizou 2004: 38-51, cf. Figura 13). a concepção de espaço multidimensional pois, por meio da geometria quadridimensional, tornou menos abstrata a concepção do hiperespaço. Hinton viria a argumentar que devemos ser realmente seres pluridimensionais, porque de outro modo seríamos incapazes, inclusive, de conceber a quarta dimensão. O arquiteto Marcos Novak considera “que, com bastante prática, a mente Figura 13: Vista em corte de uma hiperesfera, a partir de Thomas Banchoff. Fonte: http://www.fortunecity.com/emachines/e11/86/ tourist4c.html. pode aprender a antecipar os resultados 3D de comportamentos 4D, quando modelos 3D são 25 deformados em espaço 4D” daqueles pobres enclausurados e o levasse (Oosterhuis, 2003: 48). Nossa consciência, para longe da caverna, num primeiro momento, entretanto, encontra-se aprisionada em três ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema dimensões, podemos luminosidade do sol do lado de fora da caverna. perceber uma seção tridimensional de nós Mas, depois de aclimatado, ele iria desvendar mesmos (Fragoso, 2002). aos poucos as manchas, as imagens, e, razão pela matemático qual só finalmente, uma infinidade outra de objetos 2.1.3. Métodos de visualização de objetos maravilhosos que o cercavam (Brun, 1994: 132- multidimensionais 3). Essa crítica de Platão à condição humana se aplica perfeitamente às nossas limitações diante A manipulação e a visualização de objetos n-dimensionais possíveis multidimensional, restando-nos apenas a possibilidade de visualização de projeção de sua sombra em telas planas e objetos n-dimensionais em dimensões inferiores bidimensionais de computador, o que nos por meio da projeção de suas desdobras, remete ao mito platônico da caverna, segundo o sombras2 e seções transversais - ou seja, qual pelos métodos de Hinton. Podemos conceber o habitantes de mediante universo a somos são do uma caverna, que nunca poderíamos perceber. condenados a ver somente as sombras da vida do lado de fora e tomá-las como verdadeiras. Em Oxford, Hinton iniciou seus esforços Platão imaginou (no Livro VII d’A República, um para visualizar a quarta dimensão espacial. diálogo Sabia que não era possível visualizá-la em sua escrito entre 380-370 a.C.) a humanidade presa, imobilizada, atada, desde a inteireza, mas refletiu que seria infância, no fundo de uma caverna, a correntes visualizar o desdobre que obrigavam todos sempre a olharem a quadridimensional. “O múltiplo é não só o que parede em frente. Supondo que existissem tem muitas partes, mas o que é dobrado de prisioneiros a carregar sobre suas cabeças muitas maneiras” (Deleuze, 2000: 14). Passou estatuetas de homens, de animais, vasos e anos aperfeiçoando cubos especiais para a outros utensílios por detrás do muro onde os visualização de hipercubos. Desenvolveu, então, demais estavam encadeados, sob escassa o tesseract (cf. figura 15), também conhecido iluminação vinda do subterrâneo, concluiu que como cubos de Hinton: de possível um objeto os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar as sombras daqueles objetos, que Um hipercubo em quatro dimensões não surgiam e se desfaziam diante deles. Assim pode sendo, desdobrar acreditavam que as imagens ser visualizado. um Mas hipercubo podemos em seus fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos componentes inferiores, que são cubos - as quais Platão chama de ídolos - eram tridimensionais comuns. Esses cubos, por verdadeiras, pois tomavam o espectro pela sua vez, podem ser arranjados numa cruz realidade. A existência dos prisioneiros era, tridimensional – um tesseract, ou hipercubo. então, inteiramente dominada pela ignorância. É impossível para nós visualizar como esses Se, por acaso, alguém resolvesse libertar um 2 Utilizaremos o termo “sombra”, mantendo a terminologia referenciada na bibliografia consultada. 26 cubos devem ser dobrados para formar um costura. hipercubo. No entanto, uma pessoa de um multimétodo de visualização n-dimensional por mundo com mais dimensões pode “erguer” natureza (Smoot e Davidson, 2000 e Silva, cada cubo de nosso universo e em seguida 2003). Dobrar, desdobrar e redobrar: o dobrar o cubo e formar um hiper cubo. (Nossos olhos tridimensionais, A dobra como paradigma projetivo parte, testemunhando esse evento espetacular, para a geração de tridimensionalidade, de veriam cubos outras bases, nem de um processo aditivo desaparecerem, deixando um único cubo no ou subtrativo, nem de uma matéria-prima nosso universo) (Kaku, 2000: 89). geométrica apenas os outros tridimensional. O objeto arquitetônico é resultado da manipulação de uma entidade bidimensional, a superfície, a qual não extrínsecas se submete de adição a ou operações retirada de elementos, mas a operações intrínsecas de dobraduras, onde ficam implícitas a extensão ou retração de suas dimensões, designadas em homeomorfismos, Topologia operações por que não alteram topologia. (...) A dobra permite à Figura 15: Tesseract (ou tessela, em português) = superfície a possibilidade de gerar um objeto hipercubo desdobrado. tridimensional em que a caracterização Fonte:http://www.wordiq.com/definition/Tesseract. básica é a continuidade material (Sperling, Tanto numa acepção literal 2003: 44). quanto metafórica, a desdobra não é o contrário da dobra, mas segue a dobra até outra dobra, é As idéias de Hinton foram publicadas condição de sua manifestação. Trata-se de inicialmente em 1884 e, a partir de então, ele tender-distender, continuou, contrair-dilatar, comprimir- durante desenvolvendo explodir, envolver-desenvolver, involuir-evoluir. métodos “Quando a dobra deixa de ser representada multidimensional. para tornar-se ‘método’, operação, ato, a dimensão menor e que ainda representasse a desdobra vem a ser o resultado do ato que se informação expressa elevadas. precisamente dessa maneira” de anos, visualização Buscava contida em do um espaço espaço dimensões de mais (Deleuze, 2000: 68). A dobra ideal para Deleuze (2000: 58) é a Zwiefalt (dobra entre dois, Hinton entredodra), conceito que Martin Heidegger maneira de visualizar objetos com mais (1889-1976) invoca para marcar que a diferença dimensões: olhando para as sombras que desdobra-se e redobra-se coextensivamente, eles projetam em dimensões inferiores. (...) desvelando a essência. A Zwiefalt articula, Além de visualizar o desdobramento de 27 conhecia ainda uma segunda hipercubos e examinar suas sombras, Prosseguindo dentre as principais Hinton tinha consciência de uma terceira configurações maneira de conceituar a quarta dimensão: concluiremos pela abordagem da geometria por seções transversais (Kaku, 2000: 89- fractal. A geometria fractal se apresenta como a 90, grifos nossos). mais adaptada ao estudo das formas naturais e da geometria não-euclidiana, suas evoluções, capaz de descrevê-las num A sombra de um hipercubo projetada em 3D sentido esteticamente valioso, “fractal como a assemelha-se a um cubo dentro de outro cubo. linguagem própria da geometria” (Emmer, 2004: Se o hipercubo for rotacionado em 4D, o cubo 11). executará movimentos impossíveis aos que parecerão A descrição matemática de fenômenos nossos cérebros naturais pela geometria fractal representa a tridimensionais. possibilidade Seguindo o raciocínio de Hinton, as seções transversais dimensão bidimensionais da terceira representariam o objeto de lidar com dimensões fracionárias ou irracionais, em oposição às três dimensões da geometria euclidiana. Na geometria euclidiana, um ponto tem dimensão quadridimensional que iria aparecer, ficar maior, zero, menor, mudar de forma, de cor e desaparecer (comprimento), uma superfície tem dimensão repentinamente. É como se visualizássemos dois (comprimento e largura) e um volume tem apenas as “fatias” cortadas do objeto. Os cortes dimensão três (comprimento, largura e altura). não geram rupturas de continuidade; repartem o De acordo com a geometria fractal, "pode-se contínuo de modo que não haja lacunas. Esses dizer que certas curvas planas muito irregulares três (sombras, têm 'dimensão fractal' entre um e dois, e que transversais) certas superfícies muito rugosas e onduladas permanecem sendo os principais meios para têm 'dimensão fractal' entre dois e três" conceituação de objetos multidimensionais. (Mandelbrot, 1984: 06). Constitui, por exemplo, métodos desdobramentos de Hinton e seções uma linha tem dimensão um mais que uma linha e menos que uma superfície: uma interdimensão, conforme define 2.1.4. Geometria fractal Deleuze (2000: 34-35). Os fractais têm dimensões diferentes e próprias de cada A mente é uma espécie de fractal... Não há imagem (Peitgen e Saupe, 1988 e Braun, 1996). propriamente qualquer simplicidade nela em nenhum momento, nem identidade no Muitos objetos na natureza são diferente, apenas um fluxo e um movimento caracterizados por uma dimensão fractal. perpétuos, uma variação constante, na qual Assim, uma nuvem não é nem um volume várias nem percepções sucessivamente uma superfície, e sim um ser aparecem: passam, re-passam, esvaecem e intermediário, se misturam numa infinita variedade de dimensão que fica entre 2 e 3. Hoje, os DNAs algoritmos e recombinações (Critical Art Ensemble, 2001: 80). utilizados 28 caracterizado fractais nas são imagens por uma amplamente de síntese e permitem construir com facilidade e ainda, possuem formas tão únicas que não “fidelidade” desconcertantes formas que até apresentam termos de definição, seja nas então desafiavam os olhos e a mão do ciências ou nas artes (Schuster, 1984: 46-50). desenhista (Prigogine e Stengers, 1992: 78). Para a construção de um fractal, temos que uma linha pode ser dividida em n partes iguais O início do estudo da teoria geométrica da (n=n1), logo, o tamanho de cada fragmento da medida iniciou-se com o matemático alemão reta é 1/n; um quadrado pode ser dividido em n2 Felix Hausdorff (1868-1942) em 1919, seguido partes iguais; um cubo pode ser dividido em n3 pelo russo Abram Samoilovitch Besicovitch partes iguais e um hipercubo divide-se em nn (1891-1970). O ponto de bifurcação no estudo partes iguais. Nestes casos, a dimensão é igual de dimensão surge quando o matemático ao valor do expoente de n. Isto acabará por polonês Benoit Mandelbrot (1924-...) passa a levar a: fazer uso de conjuntos com dimensão N = (L/n)-d ∴ fracionária para modelar fenômenos científicos. Mandelbrot descobriu (ou sistematizou) a N = comprimento do segmento na iteração p geometria fractal na década de 1970. Consultou da construção do fractal, em que p é um número um dicionário de latim e encontrou o adjetivo fractus, do verbo frangere, que natural qualquer significa quebrado, fracionado. Cunhou, então, o termo L = comprimento de uma linha fractal. Definiu um fractal como um conjunto com dimensão de Hausdorff estritamente maior que n = número de partes em que a linha é sua dimensão topológica. Seu trabalho foi influenciado, sobretudo, pelos estudos dividida na iteração p da construção do fractal de estruturas com características semelhantes dos d = dimensão de Hausdorff matemáticos George Cantor (1845-1918) conjunto de Cantor; Helge von Koch (1870- Aplicando o logaritmo a ambos os membros, 1924) - curva de Koch; Waclaw Sierpinski (1882- obtém-se a fórmula da dimensão de Hausdorff: 1969) - triângulo de Sierpinski e Giuseppe Peano (1858-1932) - curva de Peano. A d = log(L/n) dimensão fractal - ou dimensão de Hausdorff - log N de um objeto mede seu grau de complexidade, ou seja, e Fractais são formas igualmente complexas comportamento, quer se trate de uma figura ou no detalhe e na forma global. Por complexidade, de um fenômeno físico, biológico ou social. entendemos a diferença, a heterogeneidade dos Os sua mais irregularidade, envolvem elementos constituintes de um sistema em si e probabilidades (chances), e suas irregularidades na relação com o ambiente (cf. capítulo 4). Um e Alguns dos fractais mais conhecido é o conjunto de conjuntos fractais são curvas ou superfícies, Mandelbrot (cf. figura 16), apresentado na outros são pontos desconectados e outros, seqüência (Schuster, 1984: 132-6): regularidades úteis estrutura são fractais estatísticas. 29 Um fractal é um objeto que não perde a definição formal na medida em que é ampliado, mantém sua estrutura idêntica à original. Existem duas categorias de fractais: os fractais geométricos - que repetem continuamente um padrão idêntico - e os fractais aleatórios resultado de funções iterativas complexas. As principais propriedades que caracterizam os fractais são a auto-similaridade e a complexidade infinita. A auto-similaridade é Figura 16: Imagem fractal “Conjunto de Mandelbrot”. Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm99/icm43/fractais.htm. a simetria através das escalas. Cada pequena porção do fractal poder ser vista como uma réplica de todo o fractal numa escala menor. Tem-se a auto-similaridade exata e a estatística. A exata apresenta uma repetição precisa dos padrões em diferentes ampliações. Um exemplo notório de auto-similaridade é o “Triângulo de Sierpinski” (cf. figura 20), descoberto em 1917 pelo matemático polonês Figura 17: Imagem fractal “Jóia de filigrana ktaza 189”. Fonte: http://freepages.arts.rootsweb.com/~soler1/ ktaza189.jpg. Waclaw Sierpinski (Braun, 1996: 104-15). Sua construção básica começa com um triângulo equilátero sobre o qual aplicam-se sistemas repetitivos de operações. Tomam-se os pontos médios dos três lados, que junto com os vértices do triângulo original formam quatro triângulos congruentes, dos quais retira-se o central. Tem-se, então, três triângulos congruentes, cujos lados medem Figura 18: Imagem fractal “Penas Tiera 3942”. Fonte: http://freepages.arts.rootsweb.com/~soler1/ Tiera3942.jpg. metade do lado do triângulo original. Repete-se o processo tanto quanto desejado, gerando outros 3, 9, 27, 81, 243... triângulos. Uma pequena porção do triângulo é idêntica à do triângulo todo. A dimensão fractal do Triângulo de Sierpinski é aproximadamente 1,58: d = log 3 Figura 19: Imagem fractal “Pratos de ouro Tiera 1825”. Fonte: http://freepages.arts.rootsweb.com/~soler1/ Tiera1825.jpg. log 2 30 = 1,5849 Figura 20: Triângulo de Sierpinski, exemplo de autosimilaridade exata. Fonte http://victoriamx.com/fractales/webdocs/FractaisSemin8.doc. Em construção análoga, destacamos o “Tetraedro de Sierpinski” (cf. figura 21), uma generalização no espaço do seu Triângulo, cuja dimensão fractal é 2: d = log 2 Figura 22: Árvore real, exemplo de auto-similaridade estatística. Fonte:http://materialscience.uoregon.edu/taylor/art/ splash.html. =2 log 2 A propriedade denominada complexidade infinita relaciona-se ao fato de o processo gerador dos fractais ser recursivo, tendo um número infinito de interações. Outra característica importante dos fractais é sua dimensão. Como anteriormente descrito, a dimensão fractal é uma quantidade fracionária, que representa o grau de ocupação do fractal no espaço. As formas estranhas e caóticas dos fractais descrevem alguns fenômenos naturais, como os sismos, o desenvolvimento das árvores, a estrutura da sua casca, a forma de Figura 21: Tetraedro de Sierpinski, exemplo de autosimilaridade exata. Fonte http://victoriamx.com/fractales/webdocs/FractaisSemin8.doc. algumas raízes (como a do gengibre), a linha de costa marítima, as nuvens, entre outros. Entretanto, o caos está na ocupação do espaço Na auto-similaridade estatística (cf. figura e não na forma em si. 22), os padrões não se repetem com exatidão, O termo caos, originário do étimo grego são as qualidades estatísticas dos padrões que cháos, significa origem. Pelos romanos, no se repetem. A maioria dos padrões existentes entanto, passou a conotar desordem, em na natureza obedece a esse tipo de auto- oposição a kósmos, ordem. Incorporou-se similaridade, como numa árvore (Taylor, 2003: então, historicamente, a acepção de desordem 86). ao caos. Assim sendo, caos não está ligado à 31 desordem e, sim, à sensibilidade às condições uma espécie de “ordem”, sim, se se quiser... iniciais, Mas é preciso compreender que essas ou melhor, à “dependência hipersensível das condições iniciais” (Ruelle, palavras 1993: 58). Isso significa que uma pequena revestem-se como sempre acontece em mudança no estado do sistema produz uma ciência, de um sentido ao mesmo tempo mudança ulterior, que cresce exponencialmente muito mais preciso e bem mais pobre do com o tempo. Portanto, a uma pequena causa que decorre um grande efeito. A teoria do caos, empregadas. Para resumir, a teorização do batizada pelo matemático Jim Yorke na década “caos” confunde as fronteiras entre o acaso de 1970, é conceituada como um campo e a necessidade ou, dito de outro modo, avançado da matemática e se dedica às rompe a identificação da causalidade e da análises de sistemas dinâmicos não-lineares, previsibilidade cujo 166-7). comportamento é fundamentalmente na – ordem, língua desordem, corrente em caos que (Pessis-Pasternak, – são 1992: aleatório e imprevisível. O caos busca o padrão no interior do aleatório; a ordem, na desordem; A matemática do caos utiliza-se dos procura um padrão de desordem em sistemas estudos qualitativos para investigar, por meio de complexos (Schüler, 2000). “Nos fenômenos modelos caóticos, a ordem determinista cria, portanto, a fenômenos naturais que surgem no universo. O desordem do acaso” (Ruelle, 1993: 93). Em conceito de ordem envolve simetria no modelo entrevista a Pessis-Pasternak, quanto à teoria ou uma invariância de padrão na ação de um do caos, o físico teórico Jean-Marc Lévy- conjunto de transformações. A parte deste Leblond é enfático: padrão torna-se suficiente para a edificação do todo. A matemáticos, suposta uma classe desordem, de similarmente, Sob esse belo nome [teoria do caos], há contém uma teoria física, nova por seu objeto, mas probabilidade de um dado componente estar ou tradicional por seu método: uma modelagem não localizado numa posição particular. O matemática, contas, processo aleatório pode ser caracterizado pelo convencional, de certos fenômenos naturais. fato de todas as possíveis transições ou Trata-se ao mesmo tempo de fenômenos movimentos até aqui considerados como demasiado (Haken, 1981 e 1982; Gleick, 1990; Hayles, complicados, como a turbulência dos fluidos, 1990 e 1991). no final das uma simetria serem estabelecida igualmente pela prováveis e que começam a se esclarecer, e outros Estamos diante de um fractal quando o que se julgavam simples, como sistemas exame do objeto, em diferentes escalas, mostra mecânicos bem pequenos – de três corpos, seu por denominado embrião fractal) repetitivo. Os exemplo complexidades -, e que fundamental (também Em todo fractais estão “presentificados” nos objetos em aparente faz função de uma regra algorítmica (conforme a vislumbrar agora uma estrutura subjacente dimensão de Hausdorff). A geometria de um suscetível de uma descrição formalizada – elemento caso, uma insuspeitadas. revelam elemento desordem 32 fractal pode ser traduzida por algoritmos. A natureza obedece a regras em computador, Taylor conseguiu medir algorítmicas, ou seja, pode ser analisada e dimensões fractais presentes no trabalho de traduzida pela linguagem fractal (Hildebrand, Pollock e percebeu que a dimensão fractal 2001: 139-47 e Vieira e Lopes, 2003). aumenta à medida que o artista refina sua as técnica. Esse valor aumentou durante a década em que se dedicou às pinturas com respingos, 2.1.5. Ordem no caos indo de 1,12 em 1945, para 1,7 em 1952 e O físico Richard Taylor descobriu que as chegando a 1,9, como se o pintor estivesse, peculiares obras do artista americano Jackson inconscientemente, à procura de fractais cada Pollock vez mais complexos (Taylor, 2003: 89). (1912-1956) geométrico fractal seguem o modelo (cf. figuras 23 a 26). Configuram-se padrões em que cada detalhe reproduz o todo. Começou a investigação escaneando uma das pinturas e, em seguida, cobriu a imagem com uma malha de quadrados idênticos (gerados pelo computador) de tamanhos que variavam de um centímetro a 4,8 metros. Analisando os quadrados preenchidos pelo padrão pintado e os quadrados vazios, calculou as qualidades estatísticas do padrão. O resultado foi o de que um mesmo padrão se repetia em diversos tamanhos, alguns até mil vezes maior que outros. Ao analisar as obras Figura 23: Catedral, Jackson Pollock, 1947 (Museu de arte de Dallas – Dallas, EUA). Fonte: http://www.beatmuseum.org/pollock/cathedral.html. Figura 24: Ritmo de outono: Número 30, Jackson Pollock, 1950 (Museu de arte Metropolitan – New York, EUA). Fonte: http://www.metmuseum.org/Works_Of_Art/viewOne Zoom.asp?dep=21&zoomFlag=0&viewMode=0&item=57.92. 33 Figura 25: Um: Número 31, Jackson Pollock, 1950 (Museu de arte moderma - New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/depts/paint_sculpt/blowups/paint_sculpt_019.html. Figura 26: Pólos azuis: Número 2, Jackson Pollock, 1952 (Galeria nacional da Austrália – Camberra, Austrália). Fonte:http://materialscience.uoregon.edu/taylor/art/jack.html. As pinturas de Pollock podem resultar da esteja justamente na semelhança com a percepção da essência dos cenários naturais, natureza. uma vez que o próprio pintor afirmava sua Não é de se espantar que esse tipo de preocupação com os ritmos da natureza padrão nos pareça agradável. Vinte e cinco (Hildebrand, 2001: 44-5 e Emmerling, 2003). anos antes da descoberta dos fractais na A beleza dos quadros de Pollock talvez natureza, Pollock já os pintava. 34 Os antigos partiam do pressuposto de que Capítulo 3. Perspectivas as dimensões visuais não são determinadas pela distância existente entre os objetos e o Perspectiva (do latim perspicere, “ver com olho, e sim pela medida do ângulo visual. Esse clareza”) é a arte de representar os objetos com era o princípio fundamental do procedimento as modificações aparentes, neles produzidas perspectivo antigo. A arte antiga privilegiava a pela distância e posição. Representar num plano representação dos objetos em detrimento do a sensação de três dimensões espaciais é o desafio da perspectiva. O espaço, espaço. antes Panofsky acredita que os romanos clássicos absoluto, passa a ser perspectivado ao olho: possuíam, geométricos De um espaço absoluto passou-se a um arquiteto espaço relativizado ao olho por intermédio absoluta passou-se a igualmente relativiza o Vitruvio (século que I o a.C.) imagem tridimensional sobre o plano. Embora não haja um ponto de fuga único nas pinturas olho, antigas (como na perspectiva plana introduzida desnaturalizando o espaço. No reino do tempo, Marco Salienta método de representação perspectiva de uma uma linguagem relativizada ao olho pelo tempo, que perspectivos. procedimentos apresenta a definição de scenographia como da linguagem; de uma linguagem assim tornada realmente, no Renascimento), há a utilização de diversos espaço-olho-e-linguagem pontos de convergência dos prolongamentos descobrem-se conexos, e mais uma vez das linhas de profundidade, o chamado eixo de indecidíveis (Campos, 1990: 20). fuga. As ortogonais convergem, mas nunca a um horizonte unitário ou a um centro contínuo. É preciso, entretanto, distinguir esse sistema Scenographia é 1) o método do pintor que, de expressão visual do espaço na Antigüidade e desejando reproduzir graficamente edifícios, o no Renascimento, os períodos mais marcantes faz não segundo medidas reais, mas sim por da evolução do sistema perspéctico. Para os medidas aparentes; 2) o método do arquiteto antigos tratava-se de uma representação do que não deve aplicar as proporções definidas mundo pelo cálculo dos ângulos visuais e, para como belas, do ponto de vista matemático, e sim os renascentistas, a perspectiva era um sistema perseguir a forma satisfatória sob o ponto de de redução da proporção dos objetos pela vista subjetivo e 3) o método do escultor que distância. Vejamos pormenorizadamente. realiza obras de grande volume. A scenographia instrui o escultor acerca da impressão ótica 3.1. Antiga+idade futura de sua obra, a fim de que a impressão A Antigüidade clássica era contrária à não seja meramente simétrica (Panofsky, 1985: perspectiva linear plana, pois considerava a 75). configuração do campo visual como esférica. O espaço é representado artisticamente Para óticos, teóricos de arte e filósofos da mediante a superposição e sucessão de figuras Antiguidade “o reto é visto como curvo e o curvo (cf. figura 27). De maneira geral, as dimensões como reto” (Panofsky, 1985: 15). diminuem na direção do fundo com o objetivo de 35 representarem a profundidade, mas essa mundo físico com o mundo das formas diminuição não é constante e o resultado é a geométricas (Campos, 1990: 47). representação de figuras fora de proporção. A tendência de Platão em associar espaço à matéria predominou sobre o pensamento científico até o século XII, quando cedeu lugar para a influência de Aristóteles. A rigor, Aristóteles não utiliza o termo espaço (chóra), entretanto é freqüente o emprego de tópos, noção de lugar (Campos, 1990: 48-9 e Brun, 1994: 228-41). Figura 27: História de Abraham, século VI (Mosaico da Igreja San Vital de Ravena – Ravena, Itália). Fonte: http://www.xtec.es/sgfp/llicencies/200203/memories/ prodriguez/antiguotestamento/abrahamisaac.htm. O próprio “espaço” é concebido como a soma global dos lugares ocupados pelos As teorias antigas do espaço nunca o corpos. Para Aristóteles, o lugar seria definiram como um sistema de relações entre a aquela altura, o comprimento e a profundidade. A parte do espaço cujos limites coincidem com os limites do corpo que o perspectiva antiga é a expressão de uma ocupa. (...) Cada coisa é um “ninho” de determinada intuição de espaço, que difere da lugares contidos uns nos outros (Campos, intuição moderna. 1990: 49). Platão condenava a construção perspectiva em seus primórdios por considerar que a Concluímos que a perspectiva plana não perspectiva deformava a medida das coisas. fazia parte da Kunstwollen (vontade de arte) Bem como as questões geométricas relativas antiga, portanto, seria inexato constatarmos, aos sólidos, a teoria platônica do espaço simplesmente, uma “incapacidade” dos antigos também se encontra apresentada no Timeu. O em relação à perspectiva, pois: espaço (chóra, tópos) é o lugar da matéria enquanto possibilidade do corpóreo (Panofsky, (...) se eles tivessem conhecido as leis da 1979 e 1985: 51-56; Campos, 1990: 46-8 e perspectiva linear, da forma como as Brun, 1994: 128-33; ). estabeleceu a matemática mais recente, ainda assim não a teriam utilizado (...) os Platão o considera [espaço] a instância do artistas antigos não poderiam aspirar à devir (gênesis), uma espécie de recipiente unidade espacial perspéctica, visto que esta (dechómenon) vazio onde a água, o ar, o não fogo artística nenhuma (Riegl apud Campos, e a ininterruptamente terra (...) de estado. mudariam (...) Só lhes teria proporcionado unidade 1990: 34). podemos compreendê-lo adequadamente se o situamos dentro do projeto pitagórico- Na platônico de identificação progressiva do realidade, seria mesmo um erro considerar a noção de perspectiva antiga como 36 equivocada, pois a ótica antiga considerava o A novidade do Quattrocento será, então, a mundo curvo. uniformidade, a visão globalizante do espaço: o De fato, a retina humana é uma superfície olho extrapolará a simples visão panorâmica côncava e a física contemporânea prova que o pelo poder unificador da perspectiva vista por universo é curvo. Nessa medida, os antigos um único ângulo. estariam à frente de seu tempo, uma vez que a 3.2. Re+nascimento perspectiva renascentista, como veremos, parte de um campo visual plano. É na arte bizantina, Durante entre a Antigüidade e a Renascença, que se Duccio (Duccio di Buoninsegna, 1255-1319), alcançar o Renascimento. A arte romântica durante o Trecento. Assim, começa a superação (século XV) sim, segundo Panofsky, marca a dos princípios anteriores de representação. A transformação do período antigo: a pintura representação de um espaço interno fechado, romântica reduz de um mesmo modo os concebido como um corpo vazio, significa uma elementos e o espaço à superfície. Figuras e revolução na valoração formal da superfície espaço permanecem unidos e se alteram sob pictórica: o plano através do qual vemos um mesma proporção (Panofsky, 1985: 33-4). “O o espaço definitivo corpo não mais se distinguem após serem arquetípicos nos parece transparente, 37-8 e Kaku, 2000: 82-3). clássicos, do espaço pictórico. Nele, espaço e por que denominado plano figurativo (Panofsky, 1985: desaparecimento da representação, em moldes condensados pintores foram Giotto (Giotto di Bondone, 1267-1337) e absoluta da tradição antiga, nem se conseguiu ensejará os dessa nova concepção de espaço perspectivo superfície. Mas não se configurou uma ruptura romântico Renascimento, descobriram a terceira dimensão. Os fundadores revela o esforço em reduzir o espaço à período o (...) os termos “espaço” e “perspectiva”, padrões” aplicados à Renascença, têm um sentido (Campos, 1990: 52). Figuras agrupam-se num bem definido e sobre o qual há uma único cenário espacial homogêneo (cf. figura concordância geral. A perspectiva designa 28). um sistema de agenciamento da superfície plana da tela onde todos os elementos a representar são considerados a partir de um ponto de vista único e as dimensões relativas das partes deduzidas, matematicamente, do cálculo da distância dos objetos que aparecem numa relação com o olho sempre imóvel do hipotético espectador (Campos, 1990: 25). O sistema do ponto de fuga (a base da Figura 28: Majestade, Giotto, 1310 (Galeria Uffizi – Florença, Itália). Fonte:http://gallery.euroweb.hu/html/g/giotto/z_panel/2p perspectiva renascentista) surge, ainda durante anel/40maesta.html. o Trecento, com os irmãos Pietro (1280-1348) e 37 Ambrogio (1290-1348) Lorenzetti, que estiveram A partir do Renascimento, a perspectiva, em contato com Giotto, por quem foram enquanto técnica de representação gráfica, influenciados. O ponto de fuga (centro de passou a ser considerada uma disciplina anexa convergência único das ortogonais, disposto na à geometria. Brunelleschi aplicou, pela primeira linha do horizonte) aparece, pela primeira vez, vez, princípios de geometria e matemática no no quadro “Anunciação”, em 1344, de Ambrogio estabelecimento de leis de percepção visual na Lorenzetti (cf. figura 29). perspectiva. Decidiu, para tanto, realizar uma experiência na praça da Catedral de Florença: pintou sobre uma pequena prancha a visão urbana que teria um espectador que estivesse à porta da Catedral. Pela utilização de um mecanismo de espelho e de um buraco, feito no centro do quadro, demonstrou sua visão em perspectiva, pois apesar dos tamanhos diferentes, conseguiu fazer coincidir o “desenho” com a realidade dos edifícios. Com esta demonstração, Brunelleschi apresentou o sistema de ponto de fuga, o ponto onde se encontram todas as linhas que desenham a profundidade. Esse tipo de abordagem designa-se projeção cônica (a projeção é realizada a partir de um ponto de Figura 29: Anunciação, Ambrogio Lorenzetti, 1344 (Pinacoteca Nacional – Siena, Itália). Fonte: http://www.pitoresco.com.br/italiana/lorenzetti.htm. onde partem as retas) e deu origem à perspectiva renascentista. Se Brunelleschi descobriu a construção perspectiva plana, Leon Battista Alberti (1404- Entretanto, as pinturas do Trecento não na 1472) foi o responsável pelo método que construção perspectiva. Somente em torno de facilitou sua utilização na prática. Alberti realizou 1420 foi criada uma construção perspectiva o primeiro trabalho teórico sobre questões da matematicamente o perspectiva em seu tratado “Da Pintura” (1435). arquiteto florentino Filippo Brunelleschi (1377- O sistema desenvolvido por ele consistia na 1446) (Francastel, 1982: 215-49 e Panofsky, construção perspéctica do quadrado de base 1985: 45-49). quadriculado segundo o procedimento com apresentavam correção exata. matemática Seu autor foi pontos Esse espaço perspéctico foi descoberto em de distância: os intervalos de virtude das relações de Brunelleschi com profundidade são proporcionados pela diagonal, matemáticos e teóricos, como seu amigo cujo extremo I2 se obtém levando sobre o Giannozzo Manetti (1369-1459). Propuseram, horizonte (DH) a distância até o ponto de vista I1, então, o princípio da organização do espaço ou seja, o intervalo entre o olho e a superfície do fundada na medida. quadro (cf. figura 30). 38 representar, com bidimensionais exatidão, que ilustram projeções as formas tridimensionais dos objetos (cf. figura 31). A geometria descritiva permanece sendo a base do desenho técnico. Figura 30: Método de Alberti para construção perspectiva de um quadriculado. Fonte: http://www.cienciaviva.pt/projectos/inventions2003/ marrocos2.asp. O Renascimento, assim, consegue Figura 31: Sistema de projeções ortogonais da geometria descritiva. Fonte:http://www.perdiamateria.eng.br/Nomes/Monge.htm. racionalizar o plano matemático da imagem do espaço. Cada objeto é tomado, não individualmente, mas em função de suas 3.3. 0D + 1D + 2D + 3D + 4D relações métricas com os demais. Por meio de lei matematicamente fundamentada, passa a ser As noções de dimensão (no espaço, o possível determinar as distâncias entre as número figuras e a relação delas com o espaço para determinação unívoca de seus pontos) e de uma espaço medida (tamanho, quantidade) desempenham tridimensional. A perspectiva no Renascimento um papel muito importante na definição das transformou melhor espaço o representação espaço matemático: do de coordenadas necessárias à psicofisiológico em civilizações: implicam a procura de todas as objetivação do fontes de uma determinada forma de vida, a subjetivismo (Panofsky, 1985: 29-49; Campos, pensamento ou ação. 1990: 55-84 e Hildebrand, 2001: 31-42). Já no século XVIII, deve-se ao matemático francês Gaspard a de uma civilização se encontram de fato descoberta de um sistema geométrico de envolvidos os diferentes aspectos sob os representação: a geometria descritiva. A partir quais dos documentário das artes em função das métodos Monge desenvolvidos (1746-1818) Nessa definição da dimensão mensurável pelos artistas pode ser precisado o valor renascentistas, formulou regras mais rigorosas ambições para representação planificada. Introduziu dois Potencialidade e extensão dos modelos planos de projeção perpendiculares entre si para antigos ou novos na vida corrente dos descrição gráfica de objetos sólidos. indivíduos ou dos grupos; coerência interna Essas legítimas técnicas foram generalizadas num sistema de e projeções encaminhamentos ortogonais, em seu tratado limites de uma da forma que História. de cultura; permitiram ao “Geometria descritiva”, em 1795. É um sistema modelo circular através de toda a terra no duplo de projeção designado por sistema tempo como no espaço, as artes fornecem, diédrico ortogonal, um método que objetiva sobre esses diversos pontos, uma enorme 39 quantidade de balizando as iluminando a informações da história dimensão alguma. Por definição, é um ente e geométrico infinitesimal. Não possui medida tipos nem materialidade apreensível, pode constituir- mentais. Seu estudo permite identificar se na mera virtualidade de sua indicação, como transferências no domínio das técnicas acontece na pintura de Michelangelo (1475- como no das estruturas imaginárias. (...) As 1564) no teto da Capela Cistina (cf. figura 32), formas em que o “ponto” é a indicação sutil do toque não estradas precisas, complexidade são apenas dos produtos e testemunhos, elas são também causa de entre dedos. obras e de condutas (Francastel, 1982: 845). Quando o pensamento humano se exprime no espaço, toma uma forma plástica. A forma plástica em função da noção de espaço é variável no tempo. Assim, a plástica da arte, do design, da arquitetura etc, traduz a concepção que seu tempo tem do espaço. As concepções Figura 32: A criação do homem, Michelangelo, 1508-1512 (fragmento do teto da Capela Cistina – Vaticano, Itália). Fonte: http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp? materia=247. gerais do espaço, sobretudo as matemáticas, num movimento inversamente proporcional, informam-nos sobre as intenções de uma O pontilhismo (movimento pictórico pós- determinada época. Nessa medida, utilizaremo- impressionista surgido na França na década de nos 1880), como o próprio nome já indica, tem o da exemplificação das artes para abordarmos quatro dimensões de espaço - o ponto ambiente e característica central é a decomposição tonal entendermos como nossa sensibilidade foi se mediante minúsculas pinceladas nitidamente moldando da separadas, como perfeitos pontos. As bases do Ressaltamos pontilhismo encontram-se nas idéias de vários que as questões aqui referidas acerca da físicos do final do século XIX, entre os quais dimensionalidade não se restringem a uma Hermann von Helmholtz (1821-1894). Para os questão de escala. Trata-se da noção das pontilhistas, entre as cores complementares primitivas geométricas não-dimensional, uni e deveria existir sempre uma relação exata, de bidimensional, modo genético para desta a tetradimensionalidade além tetradimensionalidade, pesquisa compreensão espacial. da tri e - da como que, entidade a um fundamental. tom de Sua vermelho respectivamente correspondesse outro de verde e existisse entre denominadas 0D, 1D, 2D, 3D e 4D, permeadas ambos uma seção infinitesimal de suporte. A ou não pela dimensão temporal (Gomes Filho, justaposição 2002: 39-47). segundo um esquema matemático, emprestou das cores complementares, 0D- a primitiva geométrica não-dimensional ao pontilhismo um aspecto inconfundível, como corresponde à noção de ponto. O ponto, per se, conferimos na obra do seu maior expoente, é o elemento mínimo da geometria, não tem Georges Seurat (1859-1891) (cf. figura 33). 40 Figura 33: Um domingo à tarde na ilha de Grande Jatte, Georges Seurat, 1884-1886 (Instituto de arte de Chicago – Chicago, EUA). Fonte: http://viagemaopontodefuga.blogspot.com/2003_12_ 01_viagemaopontodefuga_archive.html. Figura 34: Sem título, Gego, 1970 (Fundação Gego – Caracas, Venezuela). Fonte: http://www.stmk.gv.at/verwaltung/lmjng/04/gego/bild15.html. O 1D- a primitiva geométrica unidimensional é a linha: ente geométrico que pode esquema acrescido ser do espacial tempo dá unidimensional às linhas sua especificado por dois pontos de coordenadas transparência, seu peso, sua imaterialidade (x,y). A dimensão linear, a dimensão definida peculiar. O tempo, nas configurações lineares, pela ligação entre dois pontos, é o comprimento. desenrola-se no interior de uma espacialidade Uma linha configura um espaço direcional: dirige mínima (1D). nossa atenção numa dada direção, como uma constituem a expressividade da linha. Com seta (cf. figura 34). Esse movimento visual se dá relação à expressão, as linhas nascem de nosso no espaço e no tempo. poder de abstração: percebemos a linha do horizonte, Essas qualificações do espaço percebemos linhas em figuras humanas, embora elas fisicamente não existam. Existem possibilidades de se modular o As linhas nos propiciam movimentos psíquicos movimento na forma de e-moção (e = direcional, lançado da linha. Podem-se, por exemplo, produzir intervalos. Sugeri que para fora; moção = movimento). abaixo da linha contínua se desenhasse outra linha, desta vez 2D- a primitiva geométrica bidimensional é o descontínua, plano: superfície de duas dimensões composta de tracinhos horizontais. Em (comprimento e altura). O que caracteriza a seguida, uma terceira linha toda pontilhada. bidimensionalidade é a noção de limite expressa Examinando as linhas, não havia dificuldade em em observar que os intervalos entre os planificação. tracinhos interrompiam o contínuo fluir. E superfície também que, quanto maiores fossem os dimensões de tal modo que uma não pode ser intervalos vista sem a outra. As linhas (físicas ou em relação aos segmentos termos de sua A organização integra, projeção plana, ou espacial da sobremaneira, as duas lineares, tanto mais lento se torna o imaginárias), percurso. Os intervalos funcionam como bidimensional, pausas (Ostrower, 1996: 66). dimensão à outra, diminuindo seu movimento 41 que delimitam acabam por uma prender área uma visual. A redução do movimento visual reduz o Malevich (1878–1935) (cf. figura 37) e Wassily fluir do tempo. Kandinsky (1866–1944) (cf. figura 38), foram os primeiros pintores abstratos da história. na Vislumbravam um estado de harmonia, ao que estrutura da superfície, as duas dimensões correspondia uma imagem ideal de espaço. Em estabilizam o espaço e o imobilizam. Se não busca de uma objetividade na visão de espaço, forem elementos combinavam superfícies geométricas regulares. dinâmicos, de movimento, o espaço aparece Mondrian, diferentemente dos russos, optou idealizado. Seria um espaço ideal, em pela exclusão do tempo através da supressão termos de pura expansão sem indicações de de linhas livres e da incorporação de linhas tempo. Esse tipo de idealização de espaço é fortes de contorno. Essas linhas em torno de encontrado muitas vezes na arte, em várias superfícies épocas históricas, sempre em configurações simultaneamente, as funções de forma de espaciais diversas, por motivos diversos superfície e de forma de intervalo. Assim sendo, (culturais ou individuais) e com conteúdos a imagem não pode ser percebida por meio de expressivos diversos. Sempre a superfície partes isoladas, figura ou fundo. A estrutura da recebe ampla elaboração formal na imagem, imagem sendo a redução ou a eliminação do tempo homogênea. justamente uma das características do percebemos a inclusão sutil de elementos mais espaço idealizado (Ostrower, 1996: 70-1). livres e desconectados. Intervalos e exploração (...) compensando-se introduzidos mutuamente novos regulares é desempenham, vista como uma totalidade Em Malevich e Kandinsky, das linhas virtuais diagonais de organização do espaço trazem a dimensão temporal para a Pelas imagens dispostas na seqüência, superfície das obras. podemos observar o acréscimo gradual de movimento nessas obras essencialmente bidimensionais. A e-moção aumenta por meio da utilização de linhas individuais, intervalos, inclinações, supressão de linhas deliberadas de contorno, por exemplo. Partimos do francês Henri Émile Benoit Matisse (1869-1954) (cf. figura 35), o principal representante do fauvismo, reconhecido por uma vasta produção pictórica desprovida de perspectiva e “freqüentemente topológica” (Francastel, 1982: 131). Como fauvista, sua tendência era a exploração máxima da expressividade das cores pelo uso exacerbado das cores agressivas em representações planas. O Figura 35: Retrato de Lydia Delectorskaya, Henri Matisse, 1947 (Museu Hermitage – São Petersburgo, Rússia). Fonte: http://www.hermitagemuseum.org/fcgibin/db2www/quickSearchDL.mac/Lgallery?selLang=English& tmCond=Matisse+Henri& START_ROW_NUM_DL=41. neoplasticista holandês Piet Cornelis Mondrian (1872–1944) (figura 36), juntamente com os russos Kazimir 42 Figura 38: Pressão suave, Wassily Kandinsky, 1931 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/103 2.83.html. 3D- René Descartes (1596-1650) define, em suas “Regras para a direção do espírito”, que o Figura 36: Composição, Piet Mondrian, 1921 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte: http://www.moma.org/collection/provenance/items/ 154.57.html. elemento de dimensão espacial é o comprimento: “pode-se partir do comprimento para reconstruir a realidade espacial como multiplicidade de três dimensões” (Francastel, 1982: 147). O espaço tridimensional (comprimento, altura e profundidade) é, naturalmente, nosso espaço por excelência, o espaço das três dimensões abstratas geométricas no qual estamos imersos. O espaço 3D extrapola a base do plano, tornando-se mais dinâmico. Mesmo quando restrito à representação bidimensional, o espaço torna-se profundo pela presença de linhas diagonais interligadas às horizontais e verticais. Quando vistas em conjunto com horizontais e verticais, as diagonais introduzem a dimensão da profundidade. A sensação de volume advém das Figura 37: Composição suprematista: avião voando, Kazimir Malevich, 1915 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte: http://www.moma.org/collection/provenance/items/ 248.35.html. qualidades espaciais de planos relacionados em diagonal, das superposições e do cheio versus o vazio (cf. figuras 39 e 40). 43 Em configurações de volumes sempre reencontramos os apresentadas, do pintor abstrato checo František kupka (1871-1957) e superfície. Mas os reencontramos sobretudo do artista gráfico holandês Maurits Cornelis em a Escher (1898-1972), materializam a e-moção da diagonalidade (linha) e a superposição representação tridimensional no suporte plano (superfície). Esses aspectos dinâmicos – até 2D. A magia da sensação de profundidade do então opções que permitem aumentar a real é manifestada no visual, virtual (Coxeter et movimentação visual ali, 1987 e Escher, 2002). desdobramento formal aspectos linha obras e seus elementos Essas dinâmicos, possível e O espaço característico de volumes é a agora profundidade. Na representação do volume, a incorporados como aspectos essenciais da profundidade é inferida pela presença de estrutura de volumes. Quer seja geométrico diagonais junto a planos verticais e horizontais. ou volume Na experiência sensorial da profundidade real representa um conjunto de planos em do espaço em nosso universo 3D, a interação superposições diagonais (Ostrower, 1996: das três dimensões nos absorve e nos permite 82). vivenciar os sentidos, os sentimentos, as superfícies – de no linhas encontram-se não-geométrico, qualquer dimensões. Espaço em tempo, movimento. Imersão. Nessa atmosfera insere-se a artista e arquiteta alemã Goldschmidt, Gego 1912-1994), (Gertrud Louise radicada na Venezuela, uma tecedora de urdiduras, nas quais o homem, junto com um novo sentido de espaço, descobre que já não pode estar fora da obra. Sua produção desmaterializa uma ora visão materializa, cada vez ora mais diferente do real percebido: a linha, formada pela luz, nas margens dos volumes furtivos. A linha é o elemento essencial na obra de Gego, Figura 39: Planos verticais e diagonais, František kupka, 1913 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/103 6.83.html. cuja função é criar estruturas que tomam o espaço, modulam-no, organizam-no e lhe dão Figura 40: Metamorfose 7, M. C. Escher, 1939. Fonte:http://home.comcast.net/~eschermc/metamorph7.jpg. 44 mobilidade, ritmo, simples 4D- A quarta dimensão espacial simbolizou indeterminação. Fazem aparecer o espaço a liberdade das vanguardas artísticas (cubismo, vazio, como condição sine qua non para formar dadaísmo3, futurismo e surrealismo), marcou o uma nova dinâmica. Movimento, variação e rompimento com o positivismo opressivo dos energia que formam volumes virtuais, potencias cientistas (cf. figura 41). As linhas saltam para o espaço utilização do conceito de 4D foi primeiramente ambiente, aplicada nas artes, no contexto cultural e, a multidimensão formam mais tensão perfeita ou tradução da (cf. figura 42). Linhas que espaços. Invenções sensíveis. no alvorecer do século XX. A posteriormente, na física. O contraponto do vazio no qual estamos imersos Para os cubistas, o positivismo era uma (Peruga, 2003). camisa-de-força que nos confinava ao que podia ser medido no laboratório, suprimindo os frutos de nossa imaginação. Eles perguntavam: por que a arte deve ser clinicamente “realista”? Essa “revolta contra a perspectiva” do cubismo se apossou da quarta dimensão porque ela tocava a terceira dimensão a partir de todas as perspectivas possíveis. (...) a arte cubista abraçou a quarta dimensão. As pinturas de Picasso Figura 41: Vibração em negro, Gego, 1957 (Fundação Gego – Caracas, Venezuela). Fonte:http://www.stmk.gv.at/verwaltung/lmjng/04/gego/bild18.html. são mostrando um uma exemplo clara esplêndido, rejeição da perspectiva, com faces de mulheres vistas simultaneamente de vários ângulos. Em vez de um único ponto de vista, as pinturas de Picasso mostram muitas perspectivas, como se fossem pintadas por alguém na quarta dimensão, capaz de ver todas as perspectivas simultaneamente (Kaku, 2000: 83). “Foi entre os cubistas que se desenvolveu a primeira e mais coerente teoria da arte baseada nas novas geometrias” (Henderson, 1983: xxi) e seus principais expoentes foram o espanhol Pablo Picasso (1881–1973) e os franceses Figura 42: Reticulárea, Gego, 1969 (Museu de belas artes – Caracas, Venezuela). Fonte:http://www.stmk.gv.at/verwaltung/lmjng/04/gego/bild09.html. 3 Destacamos, dentre os dadaístas, o trabalho do romeno Marcel Janko (1895-1984) e do americano Man Ray (18901976), como grandes influências ao imaginário multidimensional: o significado como objeto de arte. 45 Georges Duchamp Braque 4 (1882–1963) e Marcel Os pintores abstratos tentaram visualizar o (1887–1968), que acabaram por mundo como se pintado por seres provenientes preparar nossa sensibilidade para a 4D. Ao do pintar, os cubistas mostram várias facetas da dimensão do tempo. Assim Duchamp (cf. figura figura ao mesmo tempo. Retratam formas 45), Braque (cf. figura 46) e o futurista italiano geométricas, que fazem parte da estrutura de Giacomo Balla (1871-1958) (cf. figura 47), por figuras humanas e de outros objetos que pintam exemplo, utilizaram-se da superposição de (cf. figuras 43 e 44). imagens espaço temporais: para quadridimensional, representar seqüências as de além da instâncias tempo simultaneamente visualizadas. Figura 43: Cabeça de Marie-Thérèse, Pablo Picasso, 1938 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/345. 85.html. Figura 45: A passagem de virgem para noiva, Marcel Duchamp, 1912 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/174. 45.html. Figura 44: Menina diante de um espelho, Pablo Picasso, 1932 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/2.38 .html. Figura 46: Homem com um violão, Georges Braque, 19111912 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/175. 45.html. 4 Marcel Duchamp, dos principais artistas do século XX, tornou-se expoente não apenas do cubismo, mas também do futurismo, dadaísmo e surrealismo. Cf. Mink, 2000 e Paz, 1977. 46 (1880), especula sobre a existência de outras dimensões e geometrias não-euclidianas. Até mesmo a Revolução Russa (1917) perpassou o debate sobre o espaço n-dimensional pela influência política de Vladimir Ilyich Lenin (18701924) dentro do partido bolchevique, o que acabaria por exercer significativa ascendência sobre a ciência soviética (Kaku, 2000: 84-7). Figura 47: Automóvel em movimento, Giacomo Balla, 1912 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte: http://www.moma.org/collection/provenance/items/ 271.49.html. A arte contemporânea rejeitou a concepção da perspectiva monocular e da quadratura geométrica simples do espaço; admitiu o espaço plural, a multiplicidade e a simultaneidade dos pontos de vista. Nesse sentido o surrealismo, sobretudo pelo trabalho do espanhol Salvador Dali (1904–1989) e pelo do francês André Masson (1896-1987), substancialmente também para contribuiu moldar nossa sensibilidade rumo às esferas espaciais das dimensões superiores a três. O surrealismo pretendia explorar a força criativa do subconsciente, valorizando o anti-racionalismo, a livre associação de pensamentos e os sonhos. O universo onírico de Dali, por exemplo, dispõe Figura 48: Crucificação (Corpus hypercubus), Salvador Dali, 1954 (Museu de arte Metropolitan – New York, EUA). Fonte:http://www.virtualdali.com/54Crucifixion.html. da geometria do tesseract de Hinton para dar corpo às novas possibilidades de expressão e de representação surreais (cf. figura 48). Nas artes, o construtivismo e suprematismo A quarta dimensão também fascinou a russos (originados do cubismo), concretizaram Rússia czarista, da literatura às artes plásticas, visualmente a experiência multidimensional. O envolvendo também a ciência e a política. A construtivismo foi um movimento nascido na influência inicial se concretizou pelos escritos de Rússia em 1913, endossado pelo Manifesto Piotr Demianovich Ouspensky (1878-1947) que, Realista, que apregoava o ideal de se "construir" em 1909, publicou “A quarta dimensão”, teoria a arte. A arte deveria refletir o mundo moderno e matemática Mikhailovitch sua tecnologia, utilizando-se para isso de Dostoievski (1821-1881), em Irmãos Karamazov materiais industriais. Ligou-se ao suprematismo abstrata. Fiodor 47 de Malevich, cuja base era a arte geométrica abstrata. Enfatizava a cor como instrumento de criação de realidade na arte e valorizava muito a emoção, em detrimento da razão consciente (Sabbag, 2005). Esse movimento estabelecido entre os anos 1915 e 1923 teve, além de Malevich, El Lissitzky (Lazar Mikhailovitch Lissitsky, 1890-1941), Aristarkh Lentulov (1882-1943, cf. figura 49), Pavel Nikolayevich Filonov (1883-1941, cf. figura 50), Liubov Sergeievna Popova (1889-1924, cf. Figura 50: Escuna de pescadores, Pavel Nikolayevich Filonov, 1913-1914 (Museu russo – São Petersburgo, Rússia). Fonte:http://www.russianavantgard.com/Artists/filonov/filonov _fishermen_schooner.html. figura 51), Nadezhda Andreyevna Udaltsova (1886-1961, Rodchenko cf. figura (1891-1956) 52) e como Aleksandr nomes significativos. A riqueza do construtivismo e suprematismo russos se revela vasta, diante da geometria focada nos múltiplos ângulos simultâneos. Simultaneidade é o mote identificador da representação quadridimensional. Figura 51: Assunto de uma tinturaria, Liubov Sergeievna Popova, 1914 (Museu de arte moderna – New York, EUA). Fonte:http://www.moma.org/collection/provenance/items/105 9.83.html. Figura 52: Ao piano, Nadezhda Andreyevna Udaltsova, 1915 (Galeria de arte da Universidade de Yale – New York, EUA). Fonte:http://www.guggenheim.org/exhibitions/past_exhibition s/amazons_of_the_avant_garde/udaltsova.html. Figura 49: Moscou, Aristarkh Lentulov, 1913 (Museu russo – São Petersburgo, Rússia). Fonte:http://russian.psydeshow.org/images/cityscapes.htm. 48 Não poderíamos deixar de ressaltar, ainda, a concretização das (Koolhaas e Mau, 1995: 1261 e Meyer-Büser e explorações Orchard, 2001, cf. figuras 53 a 56). multidimensionais no âmbito da arquitetura. Der Merzbau,5 o próprio ateliê cubista-dadaísta-surrealista Schwitters (Herman projetado pelo alemão Kurt Edward Karl Julius Schwitters, 1887-1948), foi um grande exercício no sentido de incorporar à realidade 3D as emoções do vir-a-ser 4D. Em 1923, o artista começou a transformar seu ateliê em Hannover numa escultura arquitetural. O processo de transformação foi contínuo e permaneceu enquanto Schwitters lá viveu, até 1936. Der Merzbau incorporou a noção de Schwitters de Gesamtkunstwerk (obra de arte total), que rompeu as barreiras entre arte e vida: um ambiente no qual se poderia trabalhar e viver criativamente. Ele dizia que Der Merzbau era o trabalho da sua vida, unia o princípio da colagem, geometria severa, transformação de objetos e materiais reciclados Figura 53: Parede lateral, Réplica Der Merzbau, Kurt Schwitters, 1980-1983 (Sprengel Museum Hannover Hannover, Alemanha). Original, 1923-1936 (Waldhausenstrasse, 5 - Hannover, Alemanha). Fonte: Foto Renira R. Gambarato, 2004. em composição artística. O nome Der Merzbau, criado pelo artista, significa: Merz = criação de relacionamentos preferivelmente entre todas as coisas do mundo; Bau = construção. Uma construção absolutamente disforme de um branco profundo, constituída basicamente de madeira e gesso, com pequenos detalhes em cor. Foi destruída por um bombardeio aliado em 1943. O centro da Merzbau, batizado pelo artista de “catedral da miséria erótica”, foi reconstruído na década de 1980 no Museu Sprengel em Hannover, como um legado de instâncias multidimensionais a ser experienciado Figura 54: Parede oposta, Réplica Der Merzbau, Kurt Schwitters, 1980-1983 (Sprengel Museum Hannover Hannover, Alemanha). Original, 1923-1936 (Waldhausenstrasse, 5 - Hannover, Alemanha). Fonte: Foto Renira R. Gambarato, 2004. 5 Está disponível na web o projeto Merzbau in cyberspace, um modelo interativo da Merzbau em 3D (VRML) para navegação, realizado por Zvonimir Bakotin para o Sprengel Museum Hannover, em 1999. Cf. http://www.merzbau. org/merzbau.html. 49 durou apenas algumas semanas durante o verão de 1914 em Köln, Alemanha. Não resistiu à Primeira Guerra Mundial. Embora poucos registros com informações da obra tenham restado, isso não impediu que a Glashaus se tornasse um marco da arquitetura expressionista alemã (cf. figuras 57 e 58). Taut, com suas transparências, questionava os limites da perspectiva. Extrapolando o dinamismo dos espaços criados pelo Jugendstil (Art Nouveau), sua arquitetura expressionista rompeu de forma radical a estática do edifício, explorando a complexidade da iluminação e a maleabilidade dos materiais por meio de formas cristalinas. Em 1919, expressionistas um grupo institui de o arquitetos círculo de correspondência denominado Die gläserne Kette (A Figura 55: Detalhe da parede oposta, Réplica Der Merzbau, Kurt Schwitters, 1980-1983 (Sprengel Museum Hannover Hannover, Alemanha). Original, 1923-1936 (Waldhausenstrasse, 5 - Hannover, Alemanha). Fonte: Foto Renira R. Gambarato, 2004. corrente de vidro). Acompanhando o intercâmbio das vanguardas, Bruno Taut inicia esta correspondência estética com 14 outros artistas, dentre os quais Hermann Finsterlin (1878-1973), Hans Scharoun (1893-1972) e Walter Gropius (1883-1969). Sob a aura de uma maçonaria artística, caracterizada pelo uso de pseudônimos e pelo compromisso de sigilo, a correspondência do grupo revela posicionamentos distintos e as controvérsias da arquitetura de vanguarda da década de 1920 entre socialismo e nazismo, apologia da natureza e fascínio pela técnica. Parte do conteúdo das cartas do grupo foi Figura 56: Detalhe do teto, Réplica Der Merzbau, Kurt Schwitters, 1980-1983 (Sprengel Museum Hannover Hannover, Alemanha). Original, 1923-1936 (Waldhausenstrasse, 5 - Hannover, Alemanha). Fonte: Foto Renira R. Gambarato, 2004. publicada na revista Frühlicht (Luz primeira), editada por Taut. No último número da revista, editado em 1922, já se articula o diagnóstico de Das Glashaus (Casa de vidro), projetada que a arquitetura tenderia ao material, criando pelo arquiteto alemão Bruno Julius Florian Taut espaços puros através da simplicidade da (1880-1938) para funcionar como pavilhão de iluminação, das cores e das formas. Paradoxos exposição industrial, foi uma obra tão efêmera transparentes: o que está fora vem de dentro. E- quanto marcante. A existência material da casa moção, em tempo. 50 bizarras de lógica e geometrias - incorporou idéias como a do buraco de minhoca e dimensões adicionais em seus livros infantis, sob o pseudônimo de Lewis Carroll. O espelho que liga a Inglaterra ao País das Maravilhas corresponde ao corte de Riemann, um exemplo de buraco de minhoca. O corte de Riemann, com duas folhas conectadas uma à outra ao longo de uma linha. Se caminharmos em torno do corte, permaneceremos dentro do mesmo espaço. Se caminharmos através do corte, porém, passaremos de uma folha para a outra. Esta Figura 57: Casa de vidro (Das Glashaus), Bruno Taut, 1914 (Köln, Alemanha). Fonte:http://www.arquitectura.com/historia/textos/sabugo/gir os.asp. é uma superfície multiplamente conectada (Kaku, 2000: 62). Alice e suas maravilhas: uma alegoria (analogia expandida) conveniente do mundo que habitamos (Gilmore, 1998: 07). A teoria de dimensões mais elevadas de Riemann também deu origem a outros clássicos da literatura infantil, como a Terra de Oz, de Dorothy (autoria de Lyman Frank Baum, 1856-1919) e a Terra do Nunca, de Peter Pan (autoria de James Matthew Barrie, 1860-1937). No avanço seqüencial de descobertas de Figura 58: Composição apresentada no CD-ROM Das Glashaus von Bruno Taut – Bauen im Licht. Fonte: Engelbert, Ramershoven e Thiekötter, 1996. dimensões superiores a três, a quarta 6 dimensão descoberta foi o tempo, ao contrário do que presumiam cientistas como Zöllner e 3.4. Em tempo Hinton, que acreditavam que a próxima a ser descoberta seria a quarta dimensão espacial. O espaço é multiplamente conectado em Mas antes disso, espaço e tempo estariam diferentes regiões do espaço e tempo. As dialeticamente conexões entre pontos distantes no espaço e no relatividade tempo (o que inclui passado e futuro) são de unidos para Einstein. Na sempre pela busca pela unificação das leis da natureza, em 1905, denominadas buracos de minhoca (tubos de ligação). O espelho de Alice. 6 Para não suscitar dúvidas, optamos nesse trabalho por sempre deixar claro se estamos nos referindo à quarta dimensão espacial ou ao tempo, enquanto a quarta dimensão estabelecida por Einstein. O lógico Charles Lutwidge Dodgson (18321898) - fascinado pelas formas alternativas e 51 Einstein compreendeu que se espaço e tempo coincidiriam se elas estivessem em repouso pudessem ser unificados numa única entidade uma em relação à outra, pois se estivessem em (espaço-tempo), matéria e energia também movimento a coincidência não se verificaria. “O poderiam ser unidas numa relação dialética. tempo não suporta ser marcado como se fosse gado. Mas, se você vivesse com ele em boas Ora, se o tempo é a quarta dimensão, então pazes, ele faria qualquer coisa que você é possível fazer “rotações” que convertam quisesse com o relógio!” (Carroll, 1980: 88). espaço em tempo e vice e versa. Essas Einstein relaciona o tempo real e as três “rotações” dimensões de espaço em um espaço-tempo quadridimensionais são precisamente as distorções do espaço e quadridimensional. tempo exigidas pela relatividade especial. Nessas mesmas décadas do início do Em outras palavras, espaço e tempo se século XX, em que Einstein formulava sua teoria misturam essencial, da relatividade (teoria da gravidade), a mecânica governada pela relatividade. O significado quântica surgia para confirmar que a matéria é do tempo como a quarta dimensão é que feita de átomos que, por sua vez, são espaço e tempo podem se transformar um compostos por forças e partículas elementares. no outro por rotação de uma maneira Sua origem está principalmente ligada aos matematicamente Doravante, nomes de Max Planck (1858-1947), Max Born devem ser tratados como dois aspectos da (1882-1970), Niels Bohr (1885-1962), Erwin mesma quantidade: espaço-tempo (Kaku, Schrödinger (1887-1961), Louis de Broglie 2000: 104). (1892-1987) e Werner Heisenberg (1901-1976), de uma maneira precisa. além do próprio Einstein (Lévy-Leblond e Cinni, Daí decorre intrinsecamente que ligado o ao tempo movimento está 1990). Prigogine e Stengers (1984: 09) definem no a mecânica quântica como a teoria atual dos espaço. O tempo pode avançar de maneira comportamentos diferente, dependendo da velocidade com que problemas novos que a física clássica ignorava. os corpos se movem. A partir da teoria da Em sua origem, há uma série de dados que a relatividade especial (ou restrita) de Einstein, mecânica clássica não conseguia interpretar, não existem repouso e tempo absolutos, como sobretudo, os referentes à luz emitida e na física newtoniana. Isaac Newton (1642- absorvida por átomos excitados. O estudo de 1727), em seu Principia Mathematica (1687), dadas propriedades de radiação luminosa levou apresentou o primeiro modelo para o espaço e o Max tempo, no qual o tempo era distinto do espaço e universal, a constante de Planck (h) - que liga o considerado uma linha reta única, como um aspecto trilho de trem, infinito em ambas as direções. corpuscular. A constante de Planck corresponde Com Einstein, abandonou-se a idéia de que a h= 6,626 x 10-34 J.s. Essa constante liga tanto pudesse as propriedades ondulatórias - freqüência (v) e existir uma quantidade universal Planck a microscópicos, introduzir ondulatório onda uma luz (λ) constante ao - traz aspecto chamada tempo, que todos os relógios mediriam comprimento igualmente. Os tempos de duas pessoas propriedades corpusculares - energia (E) e 52 de da que quanto as quantidade de movimento (p) - pelas seguintes melhor as conseqüências do caráter de relações: E = hv e λ = h/p. Planck ganhou o constante universal da velocidade da luz, Prêmio Nobel da Física, em 1918, por esse Einstein se imaginara cavalgando um fóton; trabalho. mas a mecânica quântica descobre que Foi Niels Bohr, no entanto, que ligou somos demasiado pesados, nós ou nossos deliberadamente essa nova física ao problema instrumentos de medição, para cavalgar um do átomo. Postulou que somente quando o fóton ou um elétron; é impossível nos átomo é excitado é que o elétron pode ser imaginarmos no lugar de seres tão leves, expulso da sua órbita, e é justamente no nos identificarmos a eles, descrever o que momento em que passa de uma órbita a outra pensariam, se acaso pensassem, o que que emite ou absorve um fóton, cuja freqüência experimentariam, corresponde à diferença das energias que alguma coisa (Prigogine e Stengers, 1984: caracterizam o movimento eletrônico em cada 167). se pudessem sentir uma das órbitas. No decurso dos anos 19251927, foram Schrödinger principalmente e Born (física clássica) são distintas e funcionam em coerência e a elegância da mecânica quântica, escalas diametralmente opostas: micro-atômica embora ela e macro-atômica, respectivamente. No intuito de suscitados permaneçam intensos (Prigogine e combinar os princípios fundamentais de ambas, Stengers, 1984: 167-79 e 1992: 128-147 e cientistas como Lee Smolin, Abhay Ashtekar e Progogine, 1996: 48-58). Carlo Rovelli desenvolveram a teoria da loop hoje os consolidaram A mecânica quântica e a relatividade geral a ainda que Heisenberg, debates por quantum gravity (Kauffman e Smolin, 1997; A relatividade, antiga Rovelli, 1998; Smolin, 2003 e 2004; Ashtekar, concepção de objetividade física, mantinha 2005). A proposta se apresenta, então, como intacta uma outra característica fundamental uma teoria quântica da gravidade, o que implica da física clássica, a ambição de obter uma uma teoria quântica do espaço-tempo. descrição se modificou “completa” (...) As investigações, iniciadas ainda na década Nesse sentido, a relatividade se situa ainda de 1980, não partiram do pressuposto de que o no prolongamento da física clássica. A espaço é contínuo e liso. A teoria loop quantum mecânica contrapartida, gravity prediz que o espaço-tempo não é corresponde à primeira teoria física que contínuo e sua geometria é granular, ou seja, o verdadeiramente e espaço-tempo é composto por pedacinhos abandonou toda referência a esse ponto fixo distintos. A escala espacial da teoria é a de que o conhecimento divino do mundo Planck: comprimento = 10–33 centímetros, área = constituía; a mecânica quântica não nos 10-66 centímetros quadrados e volume = 10-99 localiza mas centímetros cúbicos. Isso significa, por exemplo, “pesados”, que a teoria prevê que existem 1099 átomos em constituídos por um número macroscópico cada centímetro cúbico de volume. “(...) existe de átomos. Disse-se que, para conceber mais quanta em um centímetro cúbico do que quântica, como natureza. em cortou somente identifica-nos da a na as amarras natureza, seres 53 centímetros cúbicos no universo visível (1085)” (Smolin, 2004: corresponde ao 61). A tempo escala de Numa escala tão minúscula, um cubo (a) temporal tem como correspondente um diagrama spin -44 network (b). O ponto, ou nó, representa o Planck: 10 segundos (Prigogine e Stengers, 1992: 190). Numa escala de até 10 espaço parece -12 volume (cf. figura 60) e as demais seis linhas centímetros, o completamente liso; representam as seis faces do cubo. No certa diagrama, encontramos as seguintes notações: -30 V = 8 e A = 4, em que 8 corresponde ao volume cm), a do cubo e 4 à área de cada face. Os valores idéia de um espaço contínuo e liso seria numéricos estão na escala de Planck. Se um inconsistente (cf. figura 59). tetraedro (c) é adicionado ao cubo, temos uma rugosidade começa a ser perceptível a 10 -33 centímetros e na escala de Planck (10 linha que representa, no diagrama (d), a face que conecta o cubo ao tetraedro, cujo volume é representado por um outro nó. Seguem-se mais quatro linhas equivalentes às demais faces do tetraedro. Assim sendo, temos que, em diagramas spin network, os volumes são representados por nós e as áreas, por linhas normais (perpendiculares) às faces. A conexão de vários volumes distintos gera uma rede spin -12 Figura 59: Espaço a uma escala de 10 cm, seguido de -30 -33 10 cm e na escala de Planck (10 cm). Fonte: http://universe-review.ca/I01-16-quantumfoam.jpg. network (cf. figura 61). Segundo a teoria, a matéria existe nos nós de um spin network (Smolin, 2004: 61). Em consonância com a teoria das supercordas, o espaço tomado numa escala tão pequena quanto a de Planck exige uma representação geométrica específica. A teoria da gravidade quântica descartou a representação por meio de poliedros (3D) e passou a considerar apenas os diagramas (ou grafos) deles decorrentes, pois 1) essa é uma maneira de viabilizar a representação complexa do espaço quântico com dimensões superiores a três; 2) as conexões dos diagramas mantêm as relações matemáticas implícitas e 3) todo poliedro pode ser representado como diagrama, mas nem todas as possibilidades inerentes a esses diagramas encontram na poliedros escala de Planck correspondentes. Figura 60: Representação de poliedros como diagramas spin network. Fonte:http://universe-review.ca/I02-30-lqg2.jpg. Tais diagramas são chamados spin networks. 54 descontínuo. A evolução da geometria é como um tique do relógio; a geometria do espaço muda com o tempo. A diferença no tempo de um tique para o próximo é 10-43 segundos. “Mas o tempo não existe entre um tique e outro. Da mesma forma que não existe água entre duas moléculas adjacentes de água” (Smolin, 2004: 63). Dentro da teoria loop quantum gravity, o spin network representa o espaço e o spin foam representa o conceito de espaço-tempo. Figura 61: Vários volumes distintos conectados, formando uma rede spin network. Fonte: http://universe-review.ca/I15-56-spinnet.jpg. Enquanto o espaço é definido pela geometria de um spin network, o tempo, na teoria da gravidade quântica, é definido pela seqüência de mudanças distintas de posição que rearranjam a rede spin network. O tempo flui não como um rio, mas ao compasso de um relógio, cuja marcação tem a duração do tempo de Planck: 10-43 segundos. O tempo no universo flui pelo tique-taque de incontáveis relógios, no sentido de que cada mudança de localização de matéria e energia no spin network demarca um tique do relógio naquela posição (Kauffman e Smolin, 1997). O resultado da adição da dimensão do tempo num spin network é Figura 62: O fluir do espaço-tempo representado por spin foam. Fonte: http://universe-review.ca/I02-30-lqg3.jpg. chamado spin foam (cf. figura 62). As linhas do diagrama spin network se tornam planos e os Prigogine e Stengers concluem que a nós se tornam linhas. Pegando-se uma “fatia” de um spin foam - num momento particular de história tempo network. simplicidade monótona de um tempo único, quer Pegando-se uma série de fatias em diferentes esse tempo cunhe uma invariância, quer trace momentos, decorrente os caminhos de um progresso ou de uma (apresentada na figura 62) mostra a evolução de degradação” (1984: 211). Acrescenta-se que “a um volumes história não existe mais: apenas a reflexão conectados e por seis superfícies que se especulativa perdura no que é agora o fractal do fundem para se tornar um só. O tempo, definido tempo. Quanto maior a velocidade, maior a como um spin foam, evolui por meio de uma intensidade série de mudanças abruptas e distintas em fluxo Ensemble, 2001: 110). - grupo produziremos a um spin seqüência composto por três 55 nunca da poderá ser fragmentação” reduzida (Critical “à Art Design da informação Podemos Capítulo 4. Aventuras do diagrama no defini-la [a semiótica] como Ciência Geral dos Signos. Se é assim, país dos signos cuidará também dos sistemas de signos, logo de todas as linguagens e, efetivadas as várias formas de semiose, tratará também A primeira parte da tese, correspondente de todos os sistemas de comunicação aos três primeiros capítulos, foi dedicada às premissas físico-matemáticas (Vieira, 2003: 05). indispensáveis para a contextualização do ambiente gerativo Semiótica, dos diagramas multidimensionais propostos por gera interpretantes ad infinitum, denomina-se diagramas, mas agora no âmbito específico da semiose. Peirce enfatiza a “noção de signo ou semiótica, do design e da abordagem sistêmica. a ser explorado linguagem como mediação entre mente e é matéria. A polaridade entre o mundo da mente e exatamente o de diagrama. Etimologicamente, diagrama o da matéria, o interior e o exterior, psíquico e significa físico, só pode ser superada no momento em “através da linguagem”: diágramma, do grego, que se introduz o único elemento mediador, o nasce da junção de dia (através de) e gramma signo, através do qual esses dois mundos se (medida de linguagem). No senso comum, seu interseccionam” (Santaella, 1992: 104). É nesse significado se restringe a um gráfico, o que país dos signos que legitimamente encontramos absolutamente não corresponde à complexidade os diagramas: através da linguagem. do termo. Diagramas ou desenhos se em uma certa medida. Sua ação contínua, que fundamentais envolvidos na problemática dos conceito linguagem que representa alguma coisa para uma mente, aqui, dá seqüência à exposição de conceitos principal e entrelaçam pelo fio condutor do signo, aquele essa pesquisa. A segunda parte, que se inicia O sistemas diagramáticos podem ser considerados como uma das formas 4.1. Aventuras do diagrama no país dos mais antigas e primitivas de comunicação ícones humana: as inscrições pré-históricas já A semiótica peirceana, ou lógica das registravam acontecimentos por meio de traços verdadeiras linguagens, nasce no interior da filosofia de narrativas das ações humanas (Sperling, 2003: Peirce, mais especificamente como uma das 97). Ciências Normativas, na seqüência da Estética concisos, constituindo-se em e da Ética. Como alicerce da filosofia e, por No intuito de investigar os meandros e diagrama, conseguinte, da semiótica, Peirce nos apresenta apresentaremos uma abordagem semiótica e sua fenomenologia, que busca determinar os sistêmica. A ênfase na Teoria Geral dos Signos elementos universais daquilo que aparece à ou Semiótica de Peirce e na Teoria Geral de mente, ou seja, do fenômeno. Para diferenciar Sistemas, segundo Mario Bunge (1919-...), se os tipos de elementos presentes nos fenômenos funda e agrupá-los em classes ou categorias, as mais variabilidades nas do conceito consonâncias de que ambas universais possíveis, Peirce desenvolveu três compartilham. 57 categorias. São elas: primeiridade, segundidade como função estabelecer o que é possível ser e terceiridade. Partindo da idéia de primeiro, admirável em si mesmo. À lógica, enquanto original, gera-se o entendimento de que a ciência do raciocínio, cabem os meios para se primeiridade aplica-se aos fenômenos que são o agir razoavelmente na direção do fim último - que são, são livres, ou seja, não condicionados. ideal estético - a ser alcançado. A ética, por sua É uma consciência una que não envolve vez, propõe e analisa os propósitos razoáveis qualquer comparação, é um sentimento, ou nas dos fins a serem perseguidos. A finalidade da palavras de semiótica é a formação de pensamentos lógicos, sentimento (Peirce, 1974: 23). A segundidade signos em comunhão com a ética e com a traz a idéia de segundo em relação ao primeiro, estética. O signo é “algo de natureza aberta, independentemente de qualquer terceiro. Ser quer dizer, é qualquer coisa de qualquer espécie segundo é ser outra coisa que não o primeiro. que seja - um pensamento, ação, sentimento, Insere-se aí a noção de alteridade, aquele que é imagem, palavra, biblioteca, (...), os objetos que outro, reage. nos cercam no mundo cotidiano, enfim, qualquer Terceiridade constitui-se de um pensamento coisa pode funcionar como signo” (Santaella, mediador entre primeiridade e segundidade. O 2000: 145). É necessário que o signo seja um pensamento primeiro de que regularidade, pressupõe Peirce, se só uma contrapõe, é que possível semelhança. algum qualidade tipo A de se houver terceiridade ordem, que esteja em real relação de substituição com um segundo, seu objeto, por de meio da geração de um terceiro, seu continuidade, de permanência. A terceiridade, interpretante. Quando operamos em nossa com sua característica de mediação por meio da mente esta substituição, damos origem ao representação, contém, necessariamente, a interpretante. O signo, ao representar seu primeiridade e a segundidade. objeto, liga-se a ele em alguns aspectos, nunca em sua totalidade, pois se isso acontecesse, o O primeiro está aliado às idéias de acaso, signo seria o próprio objeto. Peirce identificou indeterminação, originalidade, dois tipos distintos de objetos, sendo: objeto espontaneidade, potencialidade, qualidade, imediato - interno ao signo, parcial, um recorte presentidade, imediaticidade, mônada... O do objeto dinâmico, é o modo como o objeto segundo às idéias de força bruta, ação- dinâmico se representa no signo e objeto reação, conflito, (...) esforço e resistência, dinâmico - externo ao signo. Segundo Peirce, é díada... O terceiro está ligado às idéias de impossível o acesso direto ao objeto dinâmico, generalidade, crescimento, pois ele é inevitavelmente mediado pelo objeto tríada... imediato. A correspondência entre signo e representação, frescor, continuidade, mediação, (Santaella, 1995: 18). objeto dinâmico é dada pelo objeto imediato. Portanto, quando nos referimos ao objeto do As ciências normativas objetivam atingir signo, trata-se do objeto tal qual o signo a ele normas ou ideais, dedicando-se ao estudo do está conectado e depende da natureza do signo. fenômeno. Estética, ética e lógica (semiótica) O interpretante é o efeito gerado pela tradução imbricam-se uma nas outras: a estética tem dos signos, enquanto o intérprete é aquele que 58 permite essa tradução. O interpretante é o depende da existência do objeto para significar. terceiro elemento da tríade, é o mediador do Mantém com o objeto uma relação direta, primeiro (signo) e do segundo (objeto), aquele portanto é de fácil interpretação. “Há um que gera significação. Os interpretantes são relacionamento de causa e efeito, ou uma gerados em variados níveis ou graus: 1) temporal, local ou física ligação entre o signo e interpretante imediato = “interno ao signo, seu objeto” (Nöth, 2000: 18). È um signo que propriedade interna do signo, possibilidade de consiste em ser segundo com uma relação interpretação ainda em abstrato, ainda não- muito próxima ao objeto. Assim como na realizada: aquilo que o signo está apto a fenomenologia produzir como efeito numa mente interpretadora primeiridade, um signo indicial pressupõe um qualquer” (Santaella, 1995: 97); 2) interpretante icônico. O símbolo é um signo que depende de dinâmico = efeito real produzido na mente uma convenção para significar. Seu caráter interpretadora e 3) interpretante final = a palavra consiste em ser uma regra que determinará seu “final” denota um limite ideal, porém inatingível interpretante. É uma lei, uma regularidade. Um na medida em que “o interpretante final é um símbolo só surge a partir de outros símbolos. interpretante in abstracto, fronteira ideal para a Seu significado está ligado a um hábito natural qual os interpretantes dinâmicos (interpretantes ou convencional. É um signo que ao substituir o in concreto) tendem a caminhar, no longo curso objeto gera um interpretante tacitamente aceito do tempo” (Santaella, 1995: 100). por um consentimento geral. a segundidade implica na O interpretante, “que o signo como tipo geral está destinado a gerar, é também ele um outro O Ícone não tem conexão dinâmica alguma signo. Portanto ele também é um tipo geral para com o objeto que representa; simplesmente o qual é transferido o facho de representação. acontece Sendo assemelham um outro signo, o interpretante que suas às do qualidades objeto e se excitam necessariamente irá gerar um outro signo que sensações análogas na mente para a qual é funcionará como seu interpretante, e assim ad uma semelhança. Mas, na verdade, não infinitum” (Santaella, 1995: 86-7). mantém conexão com elas. O índice está Os signos se subdividem em tricotomias fisicamente conectado com seu objeto; segundo suas características. Uma das mais formam, ambos, um par orgânico, porém a importantes é aquela que classifica os signos mente interpretante nada tem a ver com conforme sua relação com o objeto; este pode essa conexão, exceto o fato de registrá-la, ser: ícone, índice, símbolo. O ícone é um signo depois de ser estabelecida. O símbolo está de semelhança com o objeto, mas que não conectado a seu objeto por força da idéia da depende da sua existência para significar. mente-que-usa-o-símbolo, sem a qual essa Mantém uma analogia com o objeto por meio da conexão não existiria (Peirce, 1999: 73). apropriação de alguma qualidade essencial dele. “Em precisão de discurso, ícones não Dando seqüência à sua estrutura triádica, podem representar nada além de Formas e Peirce Sentimentos” (CP 4.544). O índice é o signo que iconicidade: ícone puro, ícone atual, signo 59 apresenta três níveis distintos de icônico ou hipoícone. Em breve panorama, paralelismo com alguma outra coisa, são conforme Santaella (1995: 144-57) e Santaella e metáforas (CP 2.277). Nöth (1997: 59-63), temos que os ícones puros dizem respeito mônada O diagrama é caracterizado pela sua indivisível, meramente possível e mental, “ainda similaridade com o objeto, mas enquanto a não relativa ao ícone a conseqüentemente, como nenhum anterior à objeto e, imagem representa seu objeto por simples geração de qualidades e a metáfora o representa por uma qualquer interpretante” (Santaella, 1995: 145). similaridade fundada em alguma outra coisa, o O ícone atual é relativo ao aspecto diádico diagrama o representa por um desenho de do ícone e refere-se às funções que ele adquire frente ao processo perceptivo em relações (Stjernfelt, 2000: 358). dois O ícone é o único caminho para a expressão subníveis: 1) passivo - qualidade de sentimento de novas idéias (CP 3.433). E o diagrama, e revelação perceptiva e 2) ativo - conjunto de enquanto um tipo específico de ícone dedicado qualidades que se juntam como uma só para a a trazer à tona esse potencial criativo, explora o percepção; qualidade individual entendida como inesperado no interior do código. objeto de outra qualidade individual e hipótese adotada como regra geral (Santaella e Nöth, No País das Maravilhas, signos icônicos 1997: 61). são, às vezes, auxiliares semióticos em Os signos icônicos ou hipoícones “agem meio à desorientação, mas outras vezes propriamente como signos porque representam funcionam algo, sendo, portanto, intrinsecamente triádicos, revelando quer dizer, embora a tríade não seja genuína, desconhecido pois é governada pela similaridade e relações criatividade é explorada com ícones da de comparação” (Santaella e Nöth, 1997: 62). categoria imagem e da categoria dos Peirce classificou os hipoícones em três tipos: diagramas (Nöth, 1995b: 120). também um como potencial de surpresa, até então criatividade. Essa imagens, diagramas e metáforas. Vejamos algumas definições de diagrama em Peirce: Hipoícones podem ser, simplificadamente, divididos conforme o modo de Primeiridade Ícones são especialmente requisitados para do qual partilhem. Aqueles que partilham o raciocínio. Um diagrama é, principalmente, simples um qualidades, ou Primeira Primeiridade, são imagens; aqueles que ícone, e um ícone de relações inteligíveis (CP 4.531). representam as relações (...) das partes de uma coisa por relações análogas às suas Um diagrama deve ser tão icônico quanto próprias partes, são diagramas; aqueles que possível; isto é, deve representar relações representam o caráter representativo de um por meio de relações visíveis análogas a representamen pela representação de um elas (CP 4.433). 60 Voltando-nos agora para a evidência momento quando nós perdemos a retórica, é fato comum a existência de consciência de que a pintura não é a coisa, representações tais como os ícones. Toda a distinção do real e da cópia desaparece, e imagem (por mais convencional que seja isso é para o momento um puro sonho - seu nenhuma existência particular, e ainda método) é essencialmente uma representação dessa espécie. Também o é nenhuma todo estamos diagrama, ainda que não haja semelhança sensível alguma entre ele e seu geral. Nesse contemplando momento um ícone nós (CP 3.362). objeto, mas apenas uma analogia entre as relações das partes de cada um (CP 2.279). Em torno de 1870, Peirce interessou-se pelo pensamento diagramático e seus diagramas lógicos decorrentes. Seus primeiros esforços Muitos diagramas não se assemelham, de nesse sentido resultaram no desenvolvimento modo algum, com seus objetos quanto à de um sistema de Grafos Entitativos (entitative aparência; a semelhança entre eles consiste graphs - CP 4.434), semelhantes aos diagramas apenas quanto à relação entre suas partes químicos - Peirce era também químico (CP (CP 2.282). 4.419 e Mitauy, 2003: 94-102). O aperfeiçoamento, em 1896, desse sistema Um diagrama geométrico ou arranjo de (tornado mais icônico) culminou nos chamados símbolos algébricos é construído de acordo Grafos Existenciais (CP 4.359): sistema de com um preceito abstratamente dado, e diagramas lógicos para “análise do pensamento entre as partes de cada diagrama ou arranjo matemático” (Moraes, 1999: 11). Eis a definição certas relações são observadas para obter de grafo para Peirce: outras além daquelas que foram Por expressadas no preceito (CP 2.216). grafo (uma palavra recentemente elaborada) entendo, em geral, de minha parte, seguindo meus amigos Clifford e Eu chamo o signo que representa alguma Sylvester, os introdutores desse termo, um coisa meramente porque se assemelha a diagrama ela, um ícone. Ícones são completamente pontos e linhas que ligam alguns dos pontos substituídos por seus objetos tão dificilmente (CP 4.535). composto principalmente por quanto são distinguidos deles. Assim são os Os diagramas da geometria. Um diagrama, grafos existenciais podem ser uma subdivididos na seguinte tricotomia: 1) grafos α significação geral, não é um ícone puro; mas (correspondem ao cálculo sentencial clássico); no nós 2) grafos β (cálculo de predicados de primeira esquecemos essa abstração em grande ordem e 3) grafos γ (sistema de lógica modal) parte, e o diagrama é para nós a coisa. (Moraes, 1999: 12). Atendo-nos aos interesses Contemplando específicos desta pesquisa, não abordaremos certamente, meio não do obstante nosso uma tenha raciocínio pintura, existe um 61 minuciosamente os grafos existenciais de justaposição. Neste caso, apesar dos elementos Peirce. serem diferentes é a proximidade entre eles que Diagramas, enquanto signos não-verbais, origina a semelhança. O ideograma é um têm a particularidade de representarem seu exemplo deste tipo de associação. O terceiro objeto modo analogicamente, similaridades. meio similaridade, de - caracterizado pela relação de qualidade semelhança por mediação - ocorre quando se categoria produz na mente um terceiro termo que serve fenomênica de Peirce, é um raciocínio mais para unir os dois estados de consciência. Como elevado, é um processo consciente no qual as exemplos, citam-se as metáforas, tanto verbais idéias se aproximam por alguma igualdade quanto visuais” (Plaza e Tavares, 1998: 102). representativa A por ligada à primeira (variação auto-gerativa), semelhança (variação na diversidade) ou analogia (Jorge, 2004: 126- (...) a distinção que Peirce estabelece entre 30). O signo icônico tenta manter uma analogia hipoícones com o objeto e para isso pode se apropriar de diagramáticos alguma qualidade essencial dele. imagem está baseada em similaridades imagéticos é e oportuna. hipoícones Enquanto a Ao definir o ícone como um signo que se aparentes, tais como contornos e formas, a refere ao seu objeto em virtude da similaridade, similaridade dos diagramas está baseada Stjernfelt nos alerta para os possíveis perigos em advindos do conceito de similaridade, quais internos sejam: a trivial referência à identidade; o (Santaella, 2001: 239). psicologismo referindo-se a relações não abstratas, em processos imediatamente visíveis sentimentos subjetivos de semelhança e a falta de critério O termo associativo similaridade foi para julgar fenômenos como sendo similares desenvolvido por David Hume (1711-1776) no (Stjernfelt, 2000: 358). século XVIII, mas foi Peirce quem identificou a A similaridade “coloca em realce aquele similaridade como uma forma especial de aspecto criativo, visto que não é a semelhança produção de idéias, pela natureza do processo entre idéias ou fatos que permite a associação, criativo que origina. Não há acidente na reunião mas é ela, a associação, como controle do de idéias, há uma tendência harmônica, uma raciocínio que produz a semelhança” (Ferrara, afinidade (affection para Peirce - CP 5.287) que 1993: 172). A similaridade pode se dar por se encarrega das associações criativas. Um semelhança de “qualidade, por justaposição ou diagrama é um vir-a-ser, mera possibilidade! por mediação. A primeira delas ocorre quando “(...) é locus do pensamento e registro de seu existe identidade de caracteres qualitativos entre próprio as partes do signo, ou seja, quando as partes, raciocínio criativo instaura novas relações, ao na sensível, participar de sua representação estabelece apresentam qualidades; os paramorfismos, as comunicação. O diagrama se notabiliza por ser simetrias um sistema de representação flexível, fato sua materialidade e física reversibilidades e são exemplos acontecimento; ao participar característicos deste tipo de associação. Em resultante segundo lugar, apresenta-se a semelhança por diagramático” (Sperling, 2003: 105). 62 do caráter múltiplo do do signo O diagrama é um hipoícone de relações pensamento” (Sperling, 2003: 195). Peirce entre suas partes constituintes, relações, essas, resgata Kant (1724-1804) e se inspira em sua que não necessariamente estavam visíveis doutrina do esquematismo (cf. Stjernfelt, 2000: antes Essa 362-72) para esclarecer que novas descobertas característica encerra o potencial abdutivo decorrem de um diagrama, ainda que não desse tipo particular de signo. tenham sido previstas: da construção do diagrama. O geômetra desenha um diagrama que, se Kant está inteiramente correto ao dizer que não é exatamente uma ficção é, no mínimo, (...) uma criação e, pela observação desse geometria, é chamada uma “construção”, ou diagrama, ele está apto a sintetizar e um diagrama geral, ou um arranjo visual de mostrar relações entre elementos que antes caracteres ou linhas. Tal construção é pareciam não ter relação necessária. A formada realidade nos compele a colocar algumas fornecido pela hipótese. Uma vez formada, a coisas numa relação muito próxima e outras construção é submetida ao escrutínio da menos, num sentido altamente complexo e observação, e de uma maneira ininteligível; mas isso é a descobertas entre genialidade da mente, que pega todos esses apresentadas no preceito pelo qual ela foi sinais de sentido, acrescenta imensamente formada (CP 3.560). o matemático de acordo utiliza com novas as o que, um em preceito relações são partes não a eles, os torna precisos e os mostra de uma forma inteligível nas intuições de A partir daqui ficam evidentes 1) o caráter espaço e tempo (CP 1.383). tácito de todo diagrama; 2) o caráter abdutivo de todo diagrama e 3) o caráter dedutivo de todo O caráter icônico dos diagramas tem, diagrama. Parte do nosso conhecimento não justamente, a função de permitir a revelação de pode ser expresso por palavras. Conhecemos e verdades inesperadas, mesmo que não sejam reconhecemos signos muito além do que observadas semelhanças explícitas entre o conseguimos verbalizar, afinal “nós podemos diagrama e seu objeto. Um diagrama nasce de saber mais do que nós podemos dizer” (Polanyi, associações, relaciona e integra idéias que já 1967: 04). A estrutura básica do conhecimento existiam previamente, mas que não eram tácito envolve sempre dois termos. Associamos percebidas, um termo ao outro sem saber exatamente como, não estavam conectadas, desveladas. Permite visualizar as relações entre mas as idéias, representando-as em integração, de Conhecemos o primeiro termo apenas pela modo que explicite o que anteriormente não era correspondência ao segundo em função de percebido (Gambarato, 2002a: 173-98 e 2002b: nossa consciência. essa relação entre eles é lógica. 71-9). “Do caráter de iconicidade de um diagrama depende seu funcionamento, pois ao Todo raciocínio necessário [dedução] é, sem promover exceção, relações análogas ao objeto representado, torna-se (...) meio para o próprio diagramático. Isto é, nós construímos um ícone a partir do nosso 63 preceito hipotético [abdução] das coisas e criadora, que irá descobrir novas relações prosseguimos observando-o. Essa em que o olho para a exterioridade do observação permite que diagrama e o olho para a interioridade do alguma coisa é verdadeira, que nós estamos imaginário juntam-se na unidade de uma ou não aptos a formular com precisão consciência heuristicamente perceptiva. É [conhecimento tácito] e nós prosseguimos deste modo que um diagrama dedutivo questionando se isso é verdadeiro ou não causa “surpresas” (Ibri, 1994: 128-9). nos suspeitar (CP 5.162). O caráter abdutivo concernente a esse tipo Por se tratar de uma representação visual, de representação diagramática é responsável os diagramas trazem aos nossos olhos a pelo potencial de descoberta e de inovação possibilidade de observar as relações neles disponíveis na criação de ícones de relações. contidas. diagrama No entanto, o potencial heurístico não é restrito comporta tanto a abdução quanto a dedução. A apenas à abdução, na medida em que a filosofia peirceana dedica uma porção específica “dedução extrai conseqüências necessárias da de sua lógica ou semiótica aos estudos desses hipótese” (Ibri, 1994: 130). A descoberta decifra, tipos de raciocínio. A Lógica Crítica se vale dos desvenda algo previamente existente. Disso decorre que o estudos fornecidos pela Gramática Especulativa “Dedução (...) requer uma atuação criativa de Peirce para investigar as condições mediante da mente sobre seus diagramas como modo de as quais os signos são conformados, as desvelamento do que de mundo já estava relações entre os vários tipos de raciocínio. contido geneticamente na abdução” (Ibri, 1994: Ressaltamos 130-1). A dedução é reveladora da abdução. que a abdução é uma possibilidade lógica que pode, ou não, ser verdadeira. É o processo de formulação de (...) dedução consiste em construir um ícone hipóteses, de novas teorias, sem a estrita ou diagrama de relações cujas partes preocupação de confirmá-las. Essa confirmação apresentarão uma completa analogia com somente será alcançada com a aplicação da aquelas partes do objeto de raciocínio, etapa do raciocínio científico. O experimentando sobre essa imagem na argumento dedutivo é aquele necessário. Ibri imaginação e observando o resultado para (1994) destaca o fato de: descobrir dedutiva relações não notadas e escondidas entre as partes (CP 3.363). (...) o diagrama, como ícone, trazer o objeto representado em uma forma que lhe é Stjernfelt ressalta, ademais, as relações de estruturalmente análoga. Exclui-se, para diagramas com símbolos: o diagrama in actu, ou esta mente observadora, a necessidade seja, aquele que se torna parte de um processo recursiva de inferência, envolve um símbolo do qual ele é a operações mnemônicas; a presentidade do diagrama permite-lhe uma um contemplação interpretante de um símbolo (Stjernfelt, 2000: livre de quaisquer constrições: é este o estado da idealidade 367). 64 interpretante – o diagrama como o Esse é o ponto crucial para se entender a A Teoria Geral de Sistemas foi, inicialmente, dupla determinação do diagrama – icônica e desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy (1901- simbólica, perceptiva e geral – em Peirce. O 1972), em 1950. No entanto, não abordaremos diagrama é um ícone, mas um ícone seu enfoque clássico de metodologia científica especial na medida em que é governado por (Bertalanffy, 1993), optaremos pela ontologia um símbolo (Stjernfelt, 2000: 367). científica (ou ciência geral da realidade) de Mario Bunge, cujo foco são as características Quanto ao processo de estruturais dos sistemas. raciocínio Segundo Bunge (1979), um sistema é um diagramático gerador de interpretantes, o autor objeto complexo, cujos componentes estão mais pondera que diagramas são construídos com inter-relacionados que soltos. A realidade é uma intenção e essa intenção diagramática sistêmica e o universo é o sistema gerador de inicial é ela mesma um interpretante de um todos os outros sistemas. A realidade não é símbolo. “Assim, o processo de raciocínio se composta por sistemas isolados, aqueles que inicia com o desenho de um diagrama para não trocam energia nem matéria, mas por exibir a antecedente condição de seu objeto, sistemas abertos em algum nível: trocam determinando um ‘interpretante simbólico inicial’” energia e matéria com o ambiente. A definição (Stjernfelt, 2000: 371). Um ícone especialmente formal de sistema desenvolvida por Bunge governado por um símbolo significa um signo ressalta exatamente esse aspecto de relação explicitando seu interpretante, sua interpretação. com o ambiente, pois relaciona as coisas entre Ainda em Peirce, temos que um diagrama si e elas com seu Umwelt. O sistema S é uma “pode constituir um sistema de representação tripla ordenada: perfeitamente consistente, fundado sobre uma simples e fácil idéia básica inteligível” (CP 4.418, S = < C, A, R > grifo nosso). O termo sistema é amplamente utilizado pelas mais variadas áreas do Onde: conhecimento: da física, química, biologia, C = coisa astronomia às artes. Entretanto, o conceito de A = meio ambiente de C sistema é pouco explorado, o que acaba por R = conjunto de relações gerar imprecisões e mesmo incorreções. C ∩ A = ∅ (coisa Com o propósito de entendermos como e ambiente são diferentes) diagramas podem ser considerados sistemas, introduziremos, na seqüência, os conceitos Bunge ainda apresenta o seguinte esquema provenientes da Teoria Geral dos Sistemas, que funcional para a representação de sistemas: justificam suas imbricações. S = < M, IP > Onde: 4.2. Através dos sistemas e o que o diagrama S = sistema encontrou lá 65 M = substratum do qual é composto o permanecer), meio ambiente (todos os sistemas sistema são abertos para um ambiente) e autonomia IP = lista de propriedades que caracterizam (função memória, estocagem de informações). o sistema Os parâmetros evolutivos se organizam segundo a seguinte hierarquia: composição, Um sistema pode ser representado por um conectividade, estrutura, integralidade, substratum que faz referência à sua composição funcionalidade, organização e complexidade. e a uma lista de propriedades desse sistema. Dado nosso foco de interesse, vamos abordar Considerando os parâmetros conectividade, integralidade e os sistemas abertos, essas propriedades costumam variar no tempo, ou melhor, essas propriedades complexidade, relacionando-os com diagrama. possuem 7 intensidades que variam no tempo : 4.2.1. Conectividade Parâmetro que exprime a capacidade que IP = { pi } os elementos constitutivos do sistema possuem Onde: em desenvolver um conjunto de relações ou IP = conjunto de propriedades conexões. Conexão é uma relação intensa que afetará a história de, pelo menos, um de seus elementos. Nessa relação existe ação entre os IP (t) = { p; (t) } elementos envolvidos. Onde: Dados os conjuntos A e B, temos o produto IP (t) = conjunto de propriedades em função cartesiano P = A x B, assim definido: do tempo P = { < x, y > / x ∈ A & y ∈ B } p = propriedades t = tempo P é construído pelos arranjos entre Para melhor descrever e perceber os elementos de A e B, mas pode haver alguma processos associados aos sistemas é preciso regra, lei ou restrição que guie a seleção desses considerar Tais pares ordenados. Assim sendo, a regra irá parâmetros são características que ocorrem em selecionar um subconjunto R (relação) que se todo sistema, independentemente de suas dará por: os parâmetros sistêmicos. particularidades, e se subdividem em: básicos ou fundamentais (que permanecem em qualquer R = { < x, y > ⊂ P } tempo, independente dos processos evolutivos) e evolutivos (que podem flutuar no tempo, ao Outro forte traço da conectividade é a longo da evolução). Os parâmetros básicos são: variação de intensidade das conexões no permanência tempo. As conexões mantêm o sistema no (sobrevivência, tendência a tempo. 7 Notas de aula. Disciplina Ciências Cognitivas e da Informação (PUC-SP); Prof. Dr. Jorge de Albuquerque Vieira; 08/04/2003. Cf. Vieira, 1994. 66 Dessa forma temos um aspecto da 4.2.2. Integralidade conectividade que responde por uma forma de estabilidade e permanência sistêmicas, É a estratégia que um sistema usa em se que será chamada Coesão. A coesão está subdividir em subsistemas pela emergência de próxima, em semiótica, ao conceito de novas propriedades partilhadas. sintaxe, uma propriedade construída sobre o integração depende das conexões entre os conjunto R de relações. A sintaxe é o componentes do sistema com relação às ações conjunto de regras que subjaz às relações de desintegração do ambiente (Bunge, 1979). A integralidade, por exprimir a configuração (Vieira, 2003: 24). por Ao O grau de considerarmos diagramas meio de subsistemas, interessa-nos particularmente por estar ligada à questão da enquanto sistemas, ou seja, enquanto objetos complexos forma. cujos subsistemas. A heterogeneidade (diferença) dos componentes ou subsistemas estão A forma coesão que a conectividade é parâmetro essencial para integralidade refere-se à maneira pela qual os a descrição dessas relações internalizadas nos subsistemas estão conectados. Diagramas têm diagramas. Afinal, se em Peirce diagramas são em sua forma ou configuração seu principal ícones de relações que deixam aparecer à atributo. A integralidade de seus subsistemas, nossa mente verdades não antes previstas, ou podemos (informação) a ser interpretado. considerar que diagramas são forma, delimita a comunica forma. dos subsistemas sua que da conectados entre si e com o ambiente, temos de é surge o A conteúdo sistemas que, ao trocarem energia entre seus 4.2.3. Complexidade subsistemas (elementos visuais constituintes) e com o ambiente (mente interpretante), nessa A complexidade pode se manifestar de interface, geram a descoberta e a inovação tão variadas maneiras em meio aos parâmetros particulares a esse tipo de signo. sistêmicos. É, por vezes, considerada um parâmetro livre e difícil de ser definida, mas está Admitamos assim que a realidade é formada sempre por tendem a permanecer e para isso desenvolvem sistemas abertos, tal que a presente. Os sistemas complexos conectividade entre seus subsistemas, com estratégias o conseqüente transporte de informação, incapacidade gera a condição em que cada subsistema é manutenção da organização do sistema no mediado outros, espaço e no tempo (Fogliano, 2002: 14-9). “A comportando-se como signo, de acordo com complexidade pode ser o entrópico, o caótico, a proposta de Peirce. Dessa forma, temos a mas também o organizado, o organizado com possibilidade de conciliar a visão sistêmica qualidade, o estético, o axiológico...” (Vieira, com a semiótica peirceana, o que nos 2003: 26). Em entrevista a Pessis-Pasternak, parece uma dilatação ontológica fértil para o Jean-Pierre estudo da complexidade (Vieira, 2003: 13). diferenças entre complexidade e desordem: ou vem a mediar 67 de adaptação de Dupuy ao adaptação nos alerta meio. A inviabiliza a quanto às Por que dizemos que um sistema é referência às representações das coisas. No complexo, e não desordenado? Nos dois entanto, lembra-nos o autor que toda definição casos, designa-se déficit de depende de uma elaboração lingüística e que é aparente de bastante possível que a complexidade dos regularidade. Qual a diferença que há entre sistemas seja melhor percebida fora de nossas a complexidade e a desordem? (...) A elaborações distinção que se é levado a estabelecer conhecimento tácito como forma legítima de entre um sistema complexo e um sistema percepção desordenado é que, no primeiro caso, complexidades (2003: 27-8). compreensão, uma um falta verbais. da Assim, considera complexidade, ou o das observam-se propriedades funcionais: o sistema faz algo! Pode-se então dizer que A fonte do conhecimento tácito seria a um sistema estratégia, altamente sofisticada, de mapear aparentemente desordenado, mas por trás diversidade em nossos cérebros e mentes; do qual postula-se uma ordem oculta, uma ou ordem da qual quase não se conhece o notavelmente complexo que reflete níveis código (Dupuy a Pessis-Pasternak, 1992: notavelmente complexos de uma realidade. 110-1). Nesse sentido, se chegamos a construir sistema complexo é um seja, planos Vamos abordar a complexidade por meio dos outros mentais seria complexos um código contendo dimensões axiológicas várias, além de sentimentos e emoções, é porque essas conectividade e integralidade. A conectividade, representações representam algo do mundo enquanto fonte de relações, pode apresentar objetivo, o que é concordante com a complexidade no número e na diversidade semiótica de Peirce e também com sua dessas relações. A integralidade advém da metafísica ou ontologia (Vieira, 2003: 28). de acima tácito dispostos: emergência parâmetros o subsistemas, denotando aumento da complexidade sistêmica tanto no número de subsistemas quanto na emergência Neste momento, retomamos o início de de propriedades partilhadas. nossa Pela conectividade e pela integralidade, abordagem dos diagramas, que considerava seu caráter tácito na medida em temos que a complexidade de um sistema está que calcada na diferença, na heterogeneidade de deixam perceber muito mais do que poderíamos seus elementos constituintes entre si e na perceber apenas pela elaboração lingüística. relação com o ambiente. Essas diferenças - Ademais, a comunhão entre semiótica e teoria informação - explicitadas nos diagramas agem dos sobre nós. É a mediação sígnica enriquecida demonstrar, tornou-se pertinente pelo viés do pela diversidade, complexidade. diagrama, definido por Peirce como um sistema as representações sistemas, diagramáticas conforme nos procuramos Vieira coloca o problema das definições da de representação (CP 4.418). O diagrama complexidade existente realmente nas coisas e encontra na semiótica como nos sistemas, o da complexidade semiótica, aquela que faz país adequado para se estabelecer. 68 explicitar - alguma coisa, alguma idéia, além de 4.3. Maravilhas de diagramas simplesmente concretizá-la. Ao mesmo tempo, Trabalhar - e pensar - diagramaticamente não significa apenas utilizar não são apenas explicações (enquanto algo que diagramas. vem depois), mas atuam como intermediários no Trabalho diagramático é trabalho projetivo na processo medida em que implica a abertura de novos desempenhado por diagramas transpassa por: (mais especificamente, de virtuais) territórios in-formar, trans-formar, per-formar. Possibilitar. de geração formal. O papel para a práxis, considerando (sob a ótica deleuziana) que diagrama é a possibilidade do Ao fato - e não o fato em si (Eisenman, 1999: 23). O correspondente a um estado de coisas, há processo para possibilidade de representar relações reais Peirce, implica a formação de algum tipo de por meio de uma disposição de linhas e representação icônica dos fatos em nossa formas que permitem dali predicar novas imaginação (CP 2.778). relações, possíveis ou prováveis, conforme de raciocínio diagramático, a se elaborar flexibilidade desse um diagrama, esquema e do O pensamento sempre provém na forma de esquema mental de quem as observa. (...) diálogo entre diferentes fases dialógicas do Esse diagrama de ícones evidenciados à ego, derivadas dos signos que se conectam visão exige do observador tempo para a uns aos outros em diagramas, equações, contemplação de suas formas relacionais, grafos (Jorge, 2004: 168). todavia, a partir da observação dessa síntese do estado de coisas, impõe-se um O arquiteto e teórico americano Peter intervalo temporal, ou átimo abdutivo, que Eisenman (1932-...) define diagrama como “uma ao suprimir a relação temporal faz brilhar representação de alguma coisa que não é a uma das gradações possíveis do faneron coisa em si”. E pontua que diagramas, em (fenômeno), suma, “explicam relacionamentos” (Eisenman, denominado insight e cujo expoente são 1999: 27). Qualquer semelhança com o conceito novas descobertas (Jorge, 2004: 166-7). processo comumente de signo não é mera coincidência. Já vimos anteriormente que, em Peirce, o diagrama é um Um diagrama não é uma entidade estática; tipo específico de hipoícone: signo de relações. desnuda a interioridade do processo do design Eisenman (o design, ele mesmo - metadesign) como um tem uma predileção, em seus diagramas, pela geometria não-euclidiana e pelo potencial estudo do fractal, da teoria do caos, da teoria da configurações. “Os modelos diagramáticos se catástrofe, do DNA e do cristal líquido, como tornam uma reflexão teórica sobre o projeto e princípios-guia lhe da deformação e do dão para forma” a geração (Galofaro, de 1999: novas 24). desenvolvimento do espaço formal (Galofaro, Metaprojeto, metadesign: o diagrama é o 1999: 31). registro do seu próprio processo. Metaprocesso: Diagramas são mais que meros esquemas o diagrama reflete, investiga e explicita a si geométricos, pois objetivam explicar - ou mesmo. “(...) o diagrama quer seja uni, bi ou 69 tridimensional condensa em si representação e pensamentos. Eles constituem uma gramática, construção, é simultaneamente processo e um sistema de signos, que permite colocar em produto” (Sperling, 2003: 70). É nesse sentido relação concreta conteúdos dispersos. “Forma de interioridade que diagramas podem ser, digital, como um sistema de organização de simultaneamente, explanatórios, analíticos e informação, pode retratar pensamentos únicos gerativos. Diagramas “podem expressar melhor com múltiplos significados, os quais emergem e relações complexas no espaço e no tempo do se que a linguagem verbal é capaz. Portanto, espacialidade” (Baglivo e Galofaro, 2003: 14-5). comunicação gráfica pode ser considerada Vejamos os exemplos (cf. figuras 63 a 77): desenvolvem pela reconfiguração da como um passo à frente na evolução das possibilidades de evolução conexões de comunicação, que que podem é a ser desenhadas” (Engeli, 2001: 29). Design não como ilustração de conteúdo (no sentido mero de ornar ou descrever), mas como o próprio movimento possibilitada de construção por todos de significação os caracteres Figura 63: Diagrama Goethes Farbenkreis als Temperamentenrose (círculo das cores vs temperamentos de Goethe), aquarela de Friedrich Schiller, 1799. Fonte: http://www.beta45.de/farbcodes/theorie/goethe.html. constituintes do design (cores, formas, texturas etc). Trata-se de tradução intersemiótica (Plaza, 1987). Tradução sem perdas: por meio dos diagramas, a riqueza do hipoícone se revela na variabilidade de interpretantes possíveis de serem gerados pelo intérprete, sem perder a alteridade do nível indicial (característico da visualidade) que deixa suas marcas, pegadas claras do caminho de ligação entre o signo Figura 64: Diagramas do projeto do prédio de escritórios (Un)plug, arquitetos François Roche e Stephanie Lavaux, Paris, França, 2001. Fonte: http://www.new-territories.com/unplug.htm. representado e o conteúdo de referência. A linguagem gráfica - na sua mais alta perfeição - é um método muito eficiente de transmitir informação. É certamente mais rápida que a linguagem falada e escrita. Com a linguagem gráfica é também possível transmitir informações que não poderiam ser expressadas verbalmente (Engeli, 2001: 28). O design do diagrama faz parte dele, Figura 65: Diagramas do projeto do prédio de escritórios (Un)plug, arquitetos François Roche e Stephanie Lavaux, Paris, França, 2001. Fonte: http://www.new-territories.com/unplug.htm. integra, é seu próprio conteúdo. Diagramas são signos que significam idéias, ideais, traduzem 70 Figura 66: Diagramas do projeto do prédio de escritórios (Un)plug, arquitetos François Roche e Stephanie Lavaux, Paris, França, 2001. Fonte: http://www.new-territories.com/unplug.htm. Figura 68: Diagrama Rama, de Patrick Sibenaler → vista do mapa de narrativas no hiperespaço. Fonte: http://www.arch.usyd.edu.au/kcdc/journal/vol1/dcnet/ stream2/slides5/s6.html. Figura 67: Projeto do prédio de escritórios (Un)plug, arquitetos François Roche e Stephanie Lavaux, Paris, França, 2001. Fonte: http://www.new-territories.com/unplug.htm. Figura 69: Diagrama Sky → zoom progressivo do mapa do sistema. Fonte: http://www.arch.usyd.edu.au/kcdc/journal/vol1/dcnet/ stream2/slides5/s6.html. 71 Figura 73: Diagrama Data-Driven Forms, de Marcos Novak, 1997-1998. Fonte: http://www.archilab.org/public/2000/catalog/ocean/ oceanen.htm#. Figura 70: Diagrama Asymptote, de Rashid + Couture → modelo virtual 3D para a Bolsa de Valores (NYSE), New York, EUA. Fonte: http://www.architect.org/features/nyse/nyse4.html. Figura 74: Diagrama Actractor Game Parkstad Reitdiep, de Kas Oosterhuis, 1996. Fonte: http://www.oosterhuis.nl/quickstart/index.php?id=159. Figura 71: Diagrama Polynuclear Landscape, de Kas Oosterhuis , 1998. Fonte: http://www.oosterhuis.nl/quickstart/index.php?id=161. Figura 75: Diagramas Ocean Membrane de Frank Hardin, Alex Thompson e Tom Verebes - concurso O.C.E.A.N. UK, Japão, 1999. Fonte: http://www.archilab.org/public/2000/catalog/ocean/ oceanen.htm#. Figura 72: Diagrama Lymphatic System, de Michael Bittermann, 2002. Fonte:http://www.protospace.bk.tudelft.nl/live/pagina.jsp?id= 0e6f1a17-54cf-4743-b9fe-fd339d37d6ee&lang=nl. 72 Figura 78: Diagrama do projeto Périphériques de MarinTrottin, concurso Musée des Arts Premiers, Paris, França, 1999. Fonte:http://www.archilab.org/public/2000/catalog/ocean/oce anen.htm#. Destacamos, ainda, a representação diagramática do projeto World processor, do alemão Ingo Günther (cf. figura 77). O projeto começou em 1988 e continua, até o presente momento, com o intuito de fazer jus aos termos Figura 76: Diagrama do projeto ESK House de Naga Studio, Cairo, Egito, 2000. Fonte: http://www.archilab.org/public/2000/catalog/ocean/ oceanen.htm#. “globo político” e “globo geopolítico”. Trata-se, segundo o autor, da “mentira (de abstração e visualização) que diz a verdade” (Günther, 2000). Até o segundo semestre de 2005, existiam mais de 250 globos diagramáticos representativos de aspectos tais como: volume de população, expectativa de vida, mortalidade infantil, prisioneiros políticos, posição de submarinos nucleares, chuva ácida, poluição, aquecimento e resfriamento globais, rede de fibra ótica, rotas de imigração, terrorismo etc. O arquiteto holandês Ben van Berkel (cf. figura 79) ressalta, a respeito de seu trabalho diagramático, que diagramas são essencialmente infraestruturais e podem ser lidos como mapas de movimentos, não respectivos a suas origens. Por meio deles novas direções desencadeados e novos significados (Jormakka, 2002: são 44). Configuram-se mapas de mundos a serem construídos. Mapas do vir-a-ser. Espaços de Figura 77: Diagramas World processor, de Ingo Günther, em processo desde 1988. Fonte: http://worldprocessor.com/index_vis.htm. informação. 73 Figura 79: Diagramas da The Möbius House de Ben van Berkel, Amsterdam, Holanda, 1993-1998. Fonte: http://www.archiweb.cz/builds/obytne/mobius.htm e http://www.floornature.com/worldaround/articolo.php/art70/3/ en. Como observadores e intérpretes de mensagens gráficas, nós não vemos simples marcas em isolamento. Nós as vemos na relação entre elas e na relação com o background de nosso próprio conhecimento ou repertório. Temos, assim, não apenas o que conhecemos, literalmente, mas o que conjecturamos, imaginamos, pressupomos... O repertório reconstrói o caminho do signo, desvelando-o. Com a participação construtiva do intérprete (semiose) uma imagem ou diagrama ou objeto ou forma ou cor... pode dizer mil palavras (Janney e Arndt, 1994). Diagramas tornam a complexidade clara. Design do entendimento. 74 versão Capítulo 5. Design in formação simplificada de sua fórmula de informação seria: O termo informação começa a ser utilizado I = log2 1 no século XIII em língua francesa (information) e depois aparece (Information), também inglês em p alemão (information), Onde: italiano (informazioni) e em português. Como podemos I = informação observar, a origem é sempre a mesma, do latim log2 = logaritmo informatio (ação de formar, plano, esboço), p = probabilidade de ocorrência de um sinal (Harrah, 1963: 54-60; Edwards, 1964: 11-5; informare (dar forma, esboçar). Etimologicamente, portanto, informação é Moles, 1969: 34-48; Shannon e Weaver, 1979; in-formação: trazer alguma coisa em forma, dar Hayles, 1990: 53-8; Prigogine e Stengers, 1992: forma. E “forma” está relacionada à raiz grega 90-5; Ruelle, 1993: 177-184; Nöth, 1995a: 134- morph (como em morfologia) (Marcus, 1997: 143; Nöth, no prelo; Marcus, 1997: 15-47; Silva, 16). Desde Aristóteles, forma é definida como 2000: 22-53; Baglivo e Galofaro, 2003: 08-10; aparência exterior de um objeto (Nöth, no prelo). Santaella e Nöth, 2004: 31-67). No senso comum, o conceito da informação Essa fórmula logarítmica indica que o valor relaciona-se a algo qualitativo: “aquilo que é de I é maior quando p é menor. Assim, a informativo possui significado e um certo valor quantificação da informação é dependente da de a probabilidade de ocorrência do sinal. Na teoria comunicação de fatos ou acontecimentos, antes da informação, o valor dela está ligado ao desconhecidos” (Nöth, no prelo). inesperado, ao imprevisto. Informação é medida novidade. (...) uma informação é de Em Claude Shannon (1916-2001) e Warren redução de incerteza, é medida de improbabilidade de um sinal. Weaver (1894-1978) - teoria matemática da informação - e em Norbert Wiener (1894-1964) cibernética -, a informação é reduzida a um <<Criar>> é antes de tudo <<fazer alguma conjunto de sinais desprovidos de significado, o coisa que importa é a quantidade de informação, que probabilidade nada tem a ver com significado. Sinais podem pouca probabilidade>> e <<velho>> significa não <<de alta probabilidade>>. Ademais, <<algo ter significado, mas têm informação nova>>. é Na linguagem <<novo>> normalmente significa uma da <<de quantitativa. Por esse viés quantitativo inerente novo>> nova à teoria, o bit (aquele mesmo que todos combinação de velhos elementos (Golitsyn e conhecemos como a unidade do alfabeto digital Petrov, 1995: 67). = binary digit) é criado como a unidade Não elementar de medida de informação. A teoria da nos aprofundaremos nas informação foi desenvolvida por Shannon e especificidades matemáticas que escapam ao Weaver de nosso foco, mas ressaltaremos que a teoria de problemas técnicos de telecomunicações. Trata- Shannon trata da transmissão de sinais e não se, assim, de uma teoria matemática. Uma necessariamente de signos. Daí decorrem suas em 1949, para a resolução 75 restrições no âmbito da comunicação humana, comunicação e semiótica se cruzam aí fica afinal, uma teoria da informação é também uma nítido (Santaella e Nöth, 2004: 77). teoria da comunicação: “informação implica circulação, transmissão de mensagens, “Teoria da informação e semiótica têm comunicação” (Silva, 2000: 247) e troca. Pignatari demonstra as objetivos de similar universalidade analítica. imbricações Ambas estudam mensagens de todo tipo, mas indissolúveis entre informação e comunicação por ao afirmar que “alguns teóricos e estudiosos quantitativo, a teoria da informação é muito mais chegam mesmo a distinguir entre informação e restrita em seu escopo” (Nöth, 1995a: 134). O comunicação, o que nos parece um eco de uma conceito semiótico de informação, embora outra distinção bastante arraigada e corrente, bastante mas dificilmente sustentável, qual seja, a restrições quantificáveis da teoria matemática da distinção entre forma e fundo, entre forma e informação. No âmbito da filosofia peirceana, o conteúdo” (2002: 13). conceito conta do seu complexo, de aspecto estritamente amplia-se informação é frente utilizado às com A propósito da comunicação, observamos freqüência e abordado em instâncias distintas. que o étimo advém do latim communicare, que Interessa-nos destacar, em consonância com as significa transmitir, tornar comum. Os sinais são ponderações de Solange Silva (2000), as apenas veículos materiais dos signos. Os seguintes instâncias: signos, entretanto, correspondem ao caráter 1- Relação entre informação e mental, prenhe de significação no processo de conhecimento = processo de aquisição de comunicação. parece-nos conhecimento, informação como estado de inevitável entender a semiótica peirceana (teoria conhecimento. A informação não é puramente geral dos signos) de modo indissociável da subjetiva. comunicação. A semiótica per se é uma teoria transmitida, colocamo-la em relação com o da comunicação. Ou, nas palavras de Santaella conhecimento. Assim sendo, e Nöth, “a semiótica peirceana também é uma Ao entendermos 2- Significado teoria da comunicação” (2004: 156). metafísico a = informação informação como conexão entre matéria e forma. “(...) informação é o elo de ligação entre o fenômeno e o real, a conexão entre forma e matéria. (...) (...) dentre todas as ciências ou campos de forma corresponde ao fenômeno, enquanto conhecimento, aquele que mais perto está matéria corresponde ao real. (...) É através da da semiótica é, sem dúvida, a comunicação. informação que o real existente circula pelo Não pode haver comunicação sem ação de mundo da sensação e da percepção, o mundo signos e vice-versa. (...) não se pode negar do fenômeno. Eis aqui o estatuto ontológico da que, sem a transmissão de algum tipo de informação” (Silva, 2000: 191). mensagem, (...) 3- Significado em lógica = informação as como medida de predicação. Para Peirce, “em mensagens são feitas. Se a semiótica lógica informação pode significar a medida da estuda predicação” (CP 2.418, nota). Predicação é o signos são os não os há comunicação. materiais signos, o de ponto que em que 76 termo lógico empregado por Peirce como informação sinônimo híbrida e mutante (Alzamora, 2004: 109). de determinação, essa também naturalmente multifacetada, entendida como causação lógica: Informação é diferença (Fogliano, 2002: 55O signo age, como já visto, por causação 8). Do ponto de vista daquele que recebe a lógica. mais informação, temos que “a informação é, então, a palavra diferença entre o conteúdo informacional da ‘determina’. (...) O objeto é algo diverso do mensagem e a quantidade de conhecimento signo, diversidade que o signo não pode armazenado no código do receptor antes do ato apagar. Daí haver a determinação do signo de comunicação. (...) A surpresa, por ex., pode pelo objeto e não mera substituição. (...) Em ser definida como uma grande diferença entre o síntese: o signo determina o interpretante, conhecimento prévio e a nova informação mas uma transmitida” (Nöth, no prelo). Do ponto de vista determinação do objeto (Santaella, 1995: daquele que emite a mensagem, informação é 38-9). “a medida da diferença entre o código do Esta se elucidativamente ele o expressa por meio determina da como emissor e a mensagem produzida” (Nöth, no O fluxo de informação no interior do signo prelo). segue do objeto para o signo e do signo para o interpretante. Somente temos acesso ao objeto Uma maneira de definir afirmativamente dinâmico pelo objeto imediato, que não o informação reside em considerá-la como representa em sua completude. Assim, o objeto uma entidade capaz de reduzir a incerteza imediato (objeto como representado no signo), ou ainda como a diferença entre duas em formas sua relação de determinação, é a de organização em um dado informação. No complemento da tríade, temos sistema. (...) Aqui, entende-se organização ainda a relação de determinação segundo a qual (...) como o conjunto de relações existentes o à entre seus componentes, (...) para que o informação que o signo tem a capacidade de sistema seja reconhecido como membro de transmitir (tal qual ela se apresenta à mente). uma classe específica (Fogliano, 2002: 55). interpretante imediato corresponde Peirce utiliza ainda os termos medium (CP 5.284) e veículo de informação (CP 2.231) como Diferença sinônimos de signo. tem caráter espaciotemporal, implica diversidade. Heterogeneidade (Deleuze, 1988: 195-201). Afinal, informação “(...) só Partindo-se das considerações peirceanas, começa a existir onde houver um mínimo de sugere-se compreender informação, em diferenciação, um mínimo de alternativa sim/não qualquer meio, como um complexo fluxo - ou seja, um bit de informação” (Pignatari, 2002: semiósico, do qual emergem diversificadas 58). Diferença... espaços entre! A partir da instâncias de conhecimento. Cada momento afirmativa de Gregory Bateson, numa visão flagrado domínios subjetivista, de que “informação é uma diferença fenomenológicos específicos, o que torna a que faz diferença” (1976: 484), temos que na semiose revela 77 informação é diferença para alguém e não mesmo meramente diferença. Aqui podemos resgatar diádicas podem funcionar como signos tão logo Peirce, para ampliar e entender “para alguém” encontrem um intérprete” (Santaella e Nöth, como “para uma mente”, não necessariamente 2004: 204). Nas relações monádicas temos humana, como ele bem ressalta (CP 4.551). signos de primeiridade, os ícones; nas diádicas, Informação é segundidade, categoria ontológica os índices. Os ícones (quase-signos) têm o mais da existência em Peirce. “O segundo é pensado alto grau de degeneração, o que não os impede como desempenhando o papel de segundidade, de estabelecer comunicação e ser informação. ou evento. Quer dizer, ele é da natureza geral A informação veiculada pelo ícone é da ordem da experiência ou informação” (CP 1.537). da possibilidade. uma ação ou reação meramente Diferença é segundidade, implica alteridade. “(...) informação é da natureza do índice” (Silva, Enquanto o rema, em nível de primeiridade, 2000: 234). A informação é mesmo traço de é um interpretante conjectural, hipotético, no indexicalidade. nível de secundidade, o dicente é um signo Vejamos agora as relações da informação com a terceiridade, afirmativa: “para partindo Peirce, o da que será interpretado como propondo e seguinte conceito veiculando alguma informação sobre um de existente, um sin-signo, em contraposição informação (...) aplica-se apenas aos símbolos” ao ícone que, por não poder indicar nada, (Santaella e Nöth, 2004: 195). O conceito de mas apenas sugerir, só permite que dele informação na semiótica peirceana relaciona-se seja derivada informação (CP 2.309). Uma ao símbolo, cuja natureza é a de um signo que, vez que fornece informação sobre algo ao substituir o objeto, gera um interpretante existente, o dicente é puramente referencial, tacitamente aceito por um consentimento geral. reportando-se a algo fora dele (Santaella, Fenomenologicamente, 2001: 200-1). corresponde à terceiridade, cuja característica de mediação, por meio da necessariamente, representação, transmitir informação, podem nos ajudar a obtê- segundidade. O caráter icônico (primeiridade) e las. Quanto ao ícone puro, temos que “(...) neste a são tipo de ícone não existe informação sobre. O da ícone puro é a instância onde a informação é” ingredientes indicial do primeiridade e Se os ícones não podem exatamente a natureza a contém, (segundidade) símbolo e, portanto, informação. Símbolos remontam à atualização da informação. São signos (Silva, 2000: 218). genuinamente triádicos. No entanto, devemos ter em mente De fato, verificamos que os ícones podem que a semiótica peirceana considera “(...) como ser do maior auxílio na obtenção de signos também os fenômenos que não são informação – em geometria por exemplo – inerentemente triádicos, isto é, fenômenos de porém ainda assim é verdade que um ícone 8 secundidade e de primeiridade. Desse modo, não 8 Secondness em Peirce é comumente traduzido como secundidade ou segundidade. Preferimos segundidade pode, por si mesmo, veicular (second = segundo) à secundidade, mas respeitaremos a opção por secundidade presentes em citações já traduzidas. 78 informação, uma vez que seu objeto é tudo 5. Axioma de união: para duas infons A e B, aquilo que é semelhante ao ícone, e é seu uma infon AB (união de A e B) existe com o objeto na medida em que é semelhante ao conteúdo de A e B e nada mais. ícone (CP 2.314). Para exemplificar o conceito, Stonier recorreu aos painéis informativos da Times Diagramas, nosso objeto de estudo, são Square, em Nova York (cf. figuras 80 e 81). hipoícones de relações entre suas partes Ponderou constituintes, de disponibilizadas no painel vão mudando, mas se não considerarmos o comportamento dos prótons e necessariamente estavam visíveis antes da elétrons, o painel não muda quando o conteúdo construção os da informação se altera. Portanto, há ondas de hipoícones não podem transmitir informação, informação propagadas através do sistema. mas, uma vez que neles a informação é Stonier possibilidade, informação relações, possibilidades essas, informativas do diagrama. deles ‘se prenhes que “Também pode derivar informação’” (Silva, 2000: 218). Por meio de que as considerou circulam ondas que nos de essas informação ondas de entremeios do universo. diagramas, portanto, o design se faz in- E evolução, para o autor, é a experienciação formação. e desenvolvimento do aumento dos níveis de complexidade do conteúdo das informações 5.1. Design faz diferença (Stonier, 1990 e 1997 e Oosterhuis, 2003: 2332). Tom Stonier (1927-1999), cientista alemão radicado nos EUA, propôs a existência de infons: partículas de informação essencialmente diferentes de prótons e elétrons, unidades de informação sem massa e sem energia. Cinco axiomas descrevem a natureza das infons (Long, 2003): 1. Axioma de identidade e substituição: para quaisquer infons A e B, se A==B (A idêntico a B) o conteúdo da informação será preservado, desde que A seja fisicamente substituído por B. 2. Axioma do meio excluído: para quaisquer infons A e B, podemos ter A==B ou A!=B (A não idêntico a B), nunca os dois. 3. Axioma de contenção e identidade: se duas infons A e B tiverem os mesmos membros, então A==B. 4. Axioma de contenção recursiva: para Figura 80: Design da informação → painel Nasdaq, Times Square, New York, EUA. Fonte: Fotos Renira R. Gambarato, 2001. duas infons A e B, A contém B se todos os membros de B também forem membros de A. 79 de baixa entropia. Aqui o design intervém apresentando dados que podem ser percebidos e recebidos. (...) O próximo passo de transformar esses bits de informação em conhecimento se dá quando o usuário internaliza, interpreta e utiliza a informação, ou seja, traduz a informação em ação (Bonsiepe, 2000). Nesse sentido e em contraposição a autores como Manuel Castells (1999), Shedroff (2001) e Figura 81: Design da informação → painel informativo, Times Square, New York, EUA. Fonte: Foto Renira R. Gambarato, 2001. Wurman (1989) consideram uma grande falácia a afirmativa de que vivemos numa Era da Ao abordar o contexto específico do design informação, argumentam que o que estaríamos da informação, Shedroff insiste que “dado não é vivendo seria uma abundância de dados e não informação. Isso é primordial perceber. Embora de nós usemos os dois termos intercambiavelmente “sociedade da informação” não passa de “um em nossa cultura - principalmente para glorificar slogan tecnicista, manejado por industriais e dados políticos” (2002: 20). Vejamos ainda outros que não têm razão para serem informações. Para Sodré, também, a argumentos: enobrecidos - eles significam coisas diferentes” (Shedroff, 2001: 37). “Dado” seria “produto de pesquisa, criação, coleção e descoberta. É o (...) a situação atual material cru que encontramos ou criamos para caracterizada construir nossas comunicações” (Shedroff em informações, e ao mesmo tempo pelo Jacobson, 2000: 272). Ressalta que o dado não acesso insuficiente à informação. Como se caracteriza como uma mensagem completa, podem ocorrer ambas ao mesmo tempo? dotada de organização. Bonsiepe (2000) nos Este é um problema de ausência e presença traz o seguinte exemplo ilustrativo: – a presença de uma sobrecarga de por uma é parcialmente sobrecarga de informações sob a forma de espetáculo Um simples exemplo serve para ilustrar o (presença) que rouba soberania, e uma processo de transformação de dados em ausência de informação que devolve a informação e informação em conhecimento soberania útil. Ensemble, 2001: 128-9). As tabelas de horários estão ao indivíduo (Critical Art caracterizadas como lista de dados. É informação bruta, ou seja, desordenada, Em vez do tradicional ocultamento de sobre números de trens, horários de saída, informações (blackout), enfrentamos uma horários de chegada, rotas, etc; transforma- tempestade de informações (whiteout). Isso se em informação quando é estruturada, força o indivíduo a depender de uma quando passa do estado de alta entropia ao autoridade que o ajude a priorizar a 80 informação a ser selecionada. Este é o organizar nossos próprios contextos e a integrar, fundamento da catástrofe de informações, mais uma reciclagem interminável de soberania informações etc. O design da informação chega que a leva de volta ao Estado sob o pretexto a ser definido como “design de representações da liberdade de informação (Critical Art externas para ampliar o conhecimento” (Card, Ensemble, 2001: 129-30). Mackinlay e Shneidermann, 1999: 07). O facilmente, novas experiências, conhecimento do mundo é sempre mediado por Informação nos dá uma medida exata de signos. O designer pode colaborar nesse progresso, de processo de aquisição de conhecimento na organização. O processo e o resultado da medida em que tem condições de operar os evolução biológica, tanto quanto a atividade signos, representando-os de maneira a projetar, humana – é o crescimento da informação. A conscientemente, sua recepção (Nadin, 1988: evolução dos seres vivos, da história da 269-75 e Devlin, 1999). de desenvolvimento, e humanidade, do progresso da cultura, arte, O processo de comunicação consiste na ciência, e tecnologia – são ao mesmo tempo transmissão de informações por meio de processos de crescimento da informação mensagens, ou ainda, “processo de formação e (Golitsyn e Petrov, 1995: 30). transformação de informação” (Oosterhuis, 2003: 23). As mensagens são materializadas em Existe um tsunami de dados que está signos atingindo as praias do mundo civilizado necessitam de um suporte, de um canal. Esses (Engeli, 2001: 30). signos são decodificados e estabelecem a que, para serem transmitidos, comunicação. O étimo grego secnom (cortar, À parte a discussão se estaríamos vivendo extrair uma parte de) e o latino signum deram mais a abundância de dados do que a de origem a palavras expressivas como signo, informações, o sinal, (tempestade de conceito de informações) whiteout sigla, insígnia e também desígnio, parece-nos desenho. “Mas o que me parecem tentadoras precisar a realidade à qual estamos expostos: são as relações que se podem estabelecer entre informação em processo. desenho, desígnio (tão patentes na palavra O conhecimento, por sua vez, é construído a partir das informações representações nos adquiridas, são inglesa conhecimento verdade, poderia uma pois essas transmitidas. do ‘signo’ como ‘projeto significante’” (Pignatari, definição ser significado, relações parecem confluir para o entendimento 2002: 28). que deve ser entendida em um sentido mais Na e cujas “Conhecimento é um tipo de meta-informação geral. design) Um aspecto fundamental do design é como de ele é entendido pela mente do ‘soluções receptor/intérprete. Para Bonsiepe (2000), o suficientemente generalizadas adquiridas por objetivo do design da informação é “facilitar o meio da experiência’” (Shedroff, 2001: 48). A metabolismo do conhecimento, ou seja, a generalização é importante porque torna o assimilação conhecimento mais útil. Ajuda-nos a usar e a cognitivos podem, freqüentemente, revolucionar 81 do saber”. Novos modelos o entendimento de informações ou experiências, O design busca, por meio de suas ajudando as pessoas a entenderem e a representações, reorganizarem previamente Hakken delineia a seguinte cadeia progressiva experienciaram. Já o processo de aquisição de como característica do design da informação: sabedoria se dá quando o conhecimento é “começa efetivamente utilizado. processados (informação) até a verificação de o que elas nos ampliar dados, o conhecimento. passa pelos dados dados (conhecimento) e chega ao que talvez Sabedoria não pode ser criada como dados seja a informação existencialmente confirmada e (sabedoria)” (1999: 21). informações, e não pode ser Como compartilhada com os outros como o observamos seriam na dados figura colocados 82, conhecimento. Porque o contexto é tão informações em pessoal que se torna quase exclusivo à contexto e dotados de organização. Softwares, nossa própria mente, e incompatível com a em particular, permitem-nos manipular dados, mente dos outros sem extensiva translação. mas não necessariamente nos ajudam a criar Essa translação requer não apenas a base sentido para eles. “Aqui é que o design da informação pode do conhecimento e as oportunidades para experiências que ajudem a criar sabedoria, ter seu melhor impacto. mas também o processo de introspecção, preocupada em retrospecção, interpretação e contemplação informações criando (Shedroff, 2001: 54). (Shedroff, 2001: 43). É transformar contexto a disciplina dados e em estrutura” Figura 82: “Espectro de entendimento” - proposta de Nathan Shedroff para a compreensão do processo de comunicação no âmbito do design da informação. Fonte: referência à http://www.nathan.com/present/experiencedesign/info.html. 82 Design da Informação é, portanto, uma disciplina que entendimento infográficos, estuda como maximizar de diagramas, tabelas, interfaces similares compartilhadas. No entanto, devemos o considerar que tempo, número e alfabeto são gráficos, estruturas organizacionais fáceis de empregar, interativas, mas que podem não conferir significado aos sinalização pública etc. Cabe-nos dados ressaltar que o design da pela sua (agrupamentos artificialidade. conforme Categorias determinados informação faz parte do design gráfico, cuja atributos) e localização (relações espaciais) são tarefa organizações que podem nos orientar com é propriamente perceptíveis aos arranjar sentidos elementos humanos para maior eficácia. Por serem mais qualitativas que comunicar visualmente uma mensagem. quantitativas, parecem-nos mais naturais. A Sociedade Brasileira de Design da Casualidade é a falta de organização, que pode Informação define design da informação como gerar resultados interessantes, experiências “uma área do design gráfico que objetiva enriquecedoras. A ausência de organização é equacionar os aspectos sintáticos, semânticos e também pragmáticos que envolvem os sistemas de pretendido. Experimentar diferentes formas de informação contextualização, organização é um processo de descoberta da planejamento, produção e interface gráfica da organização que emerge das próprias coisas. informação junto ao seu público alvo. Seu Pode revolucionar nosso entendimento mesmo princípio básico é o de otimizar o processo de de assunto familiares (Jacobson, 2000: 272-9 e aquisição da informação efetivado nos sistemas Shedroff, 2001: 34-43). através da um caminho rumo ao sentido de comunicação analógicos e digitais” (ver http://www.sbdi.org.br). O design gráfico está necessariamente Nós aprendemos do design da informação envolvido na elaboração per se de diagramas, que estrutura, ela mesma, tem significado e gráficos, infográficos etc. Assim sendo, os isso pode afetar não apenas a efetividade, diagramas que apresentamos na parte final da mas também o significado da mensagem. tese envolvem tanto o design gráfico quanto o (...) Para construir comunicações mais design da informação na sua elaboração. efetivas, nós devemos experimentar muito Para a tarefa de transformar dados em mais as formas que elas deverão assumir informações por meio do design, ou seja, para a tarefa de organizar as coisas, (Shedroff, 2001: 34). Shedroff apresenta os seguintes princípios: magnitude, tempo, números, alfabeto, categorias, Estrutura, localização e casualidade (Randomness). Magnitude (cronologia), (escala número de valores), (ordem tempo numérica) conexões e (construção), estrutura possibilita a conexão das de integralidade da qual parâmetro nela vigentes. Do latim struere partes através como evolutivo de um sistema, denota o número de alfabeto (ordem alfabética) são todos algum tipo seqüência, considerada podemos organizar coisas baseadas em características para criar a o favor determinação da forma. 83 todo. da Estrutura e organização, mais diversas culturas poder chegar a 5.1.1. Generative Design, Generative Art, interpretações Designing Ideas, Metadesign mesmas Além dos termos Generative Design, sempre diferentes “arquiformas” das essenciais (Hertzberger, 1999: 93). Generative Art, Designing Ideas e Metadesign, poderíamos Morphogenetic Peirce considerava a linguagem “um tipo de Evolutionary álgebra, e uma álgebra nada mais é do que um Design. O design gerativo - morfogenético - tipo de diagrama” (CP 3.419). Ibri também faz surge como a representação de uma idéia referência ao aspecto diagramático da gramática enquanto uma de Chomsky: “de fato, a recente gramática multiplicidade de possibilidades formais, como o gerativa de Chomsky evidencia que a estrutura DNA (ácido desoxirribonucléico) na natureza. O sintática profunda da linguagem é, nestes DNA é constituído por uma longa cadeia de termos, um ícone de relações ou diagrama” (Ibri, apenas quatro tipos de ácidos nucléicos, 1994: 123). Design, ainda empregar Induction Design código capaz ou de gerar representados pelas letras A, T, G, C. Esse restrito alfabeto é responsável toda envolver design industrial (cf. figuras 83, 84, 85 informação hereditária. O objetivo do design não e 86), arquitetura (cf. figuras 87, 88, 89 e 90), é imitar as formas da natureza, mas partilhar de urbanismo (cf. figura 91), arte (cf. figura 92), seus seu música, web art, performances, inteligência o artificial, comunicação, nanotecnologia etc. Pela ge(ne)rativa abordagem gerativa - em qualquer instância - transformacional de Avram Noam Chomsky - não temos a priori um produto real (como uma que explicita o saber implícito do falante - à imagem, um objeto, um modelo, uma música), geração plural de formas: mas uma idéia-produto. processos. por O design gerativo, por sua vez, pode Hertzberger, compêndio sobre arquitetura, conceito de gramática em relaciona Trata-se da representação de uma “espécie” [Chomsky] tomou como ponto de partida pronta a gerar uma incontável seqüência de uma “gramática gerativa”, uma espécie de eventos individuais diferentes entre si, mas padrão subjacente a todas as línguas e para provenientes de uma mesma idéia (código) o qual existe uma capacidade inata. Neste identificável. No entanto, não se trata de ter um sentido, como computador que cria um enorme número de comportamento, formas não usuais a serem escolhidas pelo podem ser vistas como transformações designer. A proposta não é simplesmente umas das outras. De uma maneira genérica, descobrir formas, é descobrir maneiras de tudo isso não parece muito distante dos propor formas capazes de resolver problemas “arquétipos” de Jung. Isso conduz ao propostos. Um projeto gerativo é um conceito sentimento de que também a criação da (cf. http://www.generativeart.com) que trabalha forma e da organização espacial de maneira com a produção de eventos únicos e não análoga uma replicáveis como expressões possíveis de uma capacidade inata a todos os homens nas idéia-produto criada pelo projetista. Eventos diferentes línguas diferentes, formas pode ser de remetida tal a 84 potencialmente bons (soluções de design (Oosterhuis, 2003: 76). “A idéia é um competente), não quaisquer eventos. O projeto metaprojeto subjetivo” (Soddu e Colabella, final tem a potencialidade de surpreender o 1997b), metadesign, registro de seu próprio próprio processo. Todo projeto morfogenético é um criador enquanto representação imprevisível da idéia-produto original. metadesign, não porque otimiza a organização, mas porque é um sistema que pode gerar O charme da Generative Art é que ela pode inúmeras possibilidades paralelas de criação usar complexas estruturas de proliferação e (Soddu, homotetia como fractais, não agindo sobre evolução dos procedimentos para definir a as formas, mas agindo sobre a lógica. A complexidade dos sistemas gerados. Designing experiência com fractais nos ensinou que, Ideas: idéia como código de transformação, com no reconhecimento da imagem final, a forma a capacidade de implementar a identidade e a da qual nós partimos não conta, mas a idéia, singularidade de cada evento individual dele o decorrente. “O designer não escolhe formas, reconhecimento pertence aos 1993). O metadesign controla a procedimentos adotados e repetidos. A opera gerência da construção em progresso de um arquiteto italiano Celestino Soddu, diretor do trabalho de arte, por meio de uma estrutura Generative evolutiva, que significa a realização de uma Politécnica de Milão, acredita que a abordagem estrutura de vida artificial capaz de criar o morfogenética pode gerar metaprojetos que são trabalho de arte, envolve teste, crescimento realmente novos produtos de design. São de sua complexidade e levantamento da idéias-produto capazes de gerar virtualmente multiplicidade de possíveis resultados como uma seqüência ilimitada de produtos. Uma idéia- múltiplas representações de uma mesmo produto pode, potencialmente, dar origem a idéia (Soddu, 2000a). inúmeros modelos a serem produzidos (ver transformações” Design (Soddu, Lab da 2000b). O Universidade http://www.soddu.it). O princípio dos softwares Os procedimentos são ativados pelo código desenvolvidos para a geração de diferentes (não uma seqüência de formas pré-definidas, modelos - a partir de um algoritmo inicial - está mas uma série de procedimentos gerativos) calcado num sistema com paradigma auto- para emular a evolução do design como um organizativo que mantém o senso durante o sistema dinâmico. “Formas são resultados, não período de simulação dos modelos. A lógica é ponto de partida” (Watanabe, 2002: 09). A lógica fractal: cada decisão do software dispara um que guia os códigos gerativos é a emulação dos ciclo e cada ciclo contém outro ciclo interno e procedimentos subjetivos, que normalmente assim sucessivamente. norteiam a práxis do design. “Os designers começam propondo as regras do jogo e então A estrutura de cada ciclo, como em objetos eles outros fractais, é sempre a mesma. As diferenças e 16). a imprevisibilidade nascem da ressonância Conclusão: “o design é a fórmula, jogar o jogo com os outros ciclos, a partir do momento significa de ativação e de cada diferente fluxo de jogam interessados” o jogo junto (Oosterhuis, estabelecer os com 2003: parâmetros” 85 informação. estrutura Cada ciclo completa escolhas na representa simulação decisivas. Isso a característica primordial é a modelagem direta das em 3D. Com o auxílio do arquiteto Peter opera a Eisenman, Yessios desenvolveu algoritmos transformação de respostas em possíveis gerativos, formas (Soddu, 1999). performances de processos gerativos (Serraino, incorporando ao software 2002: 38). No Japão, Makoto Watanabe leva à Os códigos gerativos são a real estrutura da frente o Induction Cities (cf. figura 91), cujo idéia, bem como a língua é a estrutura por método é a indução de resultados segundo excelência do pensamento (Hertzberger, 1999: condições estabelecidas a priori. Sobre esse 92). projeto de desenvolvimento urbano, Watanabe Cada algoritmo define como a transformação do input em output vai ocorrer. considera Os evidentemente, Induction Design. Poderia também ser chamado mantêm-se conectados ao evento inicial, mas Generative Design, já que nasce de condições, não se trata de um banco de dados de soluções ou Evolutionary Design, por ter a característica pré-formatadas. As matrizes formais geradoras, de que os resultados progridem por meio de que são formas abstratas capazes de dar corpo gerações” (Watanabe, 2002: 10). Os softwares a uma série de performances do software, não gerativos utilizados são Web Frame e Wind se caracterizam como um banco de dados. São Wings. Na Holanda, no entanto, Sophia Vyzoviti extemporaneamente e Hans Cornelissen - Studio D10: Het Lab - possíveis resultados, indissociáveis por geradas meio pelos do ciclos conjunto de Proeftuin que “ele voor poderia Ontwerpen ser chamado em Nieuwe dispositivos simultâneos dentro de distintos Theorieën, da Universidade de Tecnologia de parâmetros: dimensão, Delft -, trabalham com o processo morfogenético complexidade, material etc. Ao final de cada de projeto inicialmente por meio de dobras e ciclo temos: um aumento de complexidade e a desdobras apenas em papel. “É a operação de produção de novas necessidades formais. Os dobrar que gera a forma” (Eisenman, 1999: 21). algoritmos funcionam como um repertório de No processo de design gerativo pela dobra, o procedimentos variáveis. Na Itália, Celestino objetivo é desenvolver diagramas espaciais, Soddu e Enrica Colabella utilizam os softwares estruturais e organizacionais a partir dos quais Argenia e Basílica (da autoria de Soddu) e na possam emergir protótipos (cf. figuras 93 e 94). geometria, Alemanha, Hans Dehlinger e Markus Schein, do Generative Design Lab_Kassel, software Rhinocerus (Visual Edition), além do software Liegengenerator (da autoria Liegengenerator gera simplificados modelos utilizam Basic O o uma Script do digitais e é “uma objeto. Considerando esse como um desenvolvimento aberto e dinâmico, no qual o Schein). variação morfogenético seqüência de transformações que afeta o design experimental de processo design evolui com alternados períodos de de desequilíbrio, nós podemos apreciar a função de também dobrar como um design gerador por fases de possibilita a execução de prototipagem rápida. transição, Nos EUA, destaca-se o uso do software FormZ, transformações qualitativas ocorrem” (Vyzoviti, desenvolvido 2003: 08). por Christos Yessios, cuja 86 isto é, limiar crítico no qual Em Generative Design, cada modelo é distinto, mas pertence a um mesmo código genético, a uma mesma idéia genética, gerativa. Generative Design é o design de um processo evolutivo capaz de gerar uma seqüência de eventos imprevisíveis. Figura 85: Aplicabilidade no design industrial → luminárias de Hans Dehlinger e Celestino Soddu gerados pelo software Argenia. Fonte: http://www.generativedesign.com/lamps/lamps1.htm. Figura 83: Aplicabilidade no design industrial → cadeiras de Celestino Soddu geradas pelo software Argenia. Fonte: http://www.celestinosoddu.com/. Figura 84: Aplicabilidade no design industrial → anéis de Celestino Soddu gerados pelo software Argenia. Fonte: http://www.celestinosoddu.com/. Figura 86: Aplicabilidade no design industrial → cafeteiras de Celestino Soddu geradas pelo software Argenia. Fonte: http://www.celestinosoddu.com/. 87 Figura 87: Aplicabilidade na arquitetura → castelos de Celestino Soddu gerados pelo software Basílica. Fonte: http://www.generativedesign.com/rp/RP_arch.htm. Figura 88: Aplicabilidade na arquitetura → castelos de Enrica Colabella e Celestino Soddu gerados pelo software Argenia. Fonte: http://www.generativedesign.com/argenia3.htm#. 88 Figura 89: Aplicabilidade na arquitetura → Shangai - identidade em progresso: antes e depois da construção arquitetônica de Celestino Soddu, gerada pelo software Argenia. Fonte: http://www.celestinosoddu.com/. Figura 91: Aplicabilidade no urbanismo → Induction Cities, de Makoto Watanabe, design urbano gerado pelos softwares Web Frame e Wind Wings. Fonte: http://www.makoto-architect.com/idc2000/index2.htm. Figura 92: Aplicabilidade nas artes → retratos de Picasso por Celestino Soddu, gerados pelo software Argenia Generative Art. Fonte: http://www.generativedesign.com/Picasso.htm. Figura 90: Aplicabilidade na arquitetura → diagramas gerativos de Peter Eisenman para o concurso Virtual House, New York, EUA, 1997. Fonte: http://architettura.supereva.com/inabit/20000728/ index_en.htm. 89 de seu artesão. Esse vínculo, juntamente com a singularidade e irreprodutibilidade do objeto, investia-o de uma qualidade que estava além de seu valor intrínseco. Para o objeto, as conseqüências eram uma extremamente lenta obsolescência em relação a todas as suas funções, inclusive a função estética. Com a industrialização, entretanto, acirrouse a valorização da troca, interessando ao Figura 93: Generative Design pelo processo de dobradesdobra em papel, Studio D10, Holanda. Fonte: Vyzoviti, 2003: 79. consumidor, primordialmente, o uso e ao produtor, a valorização da troca. Inicialmente, a população valorizava o uso, mas a massificação da produção aliada aos interesses da indústria impuseram a troca através de mudanças superficiais que os produtos passaram a sofrer visando a persuadir o consumidor. Objetos produzidos em linha de produção de massa eram idênticos e produzidos aos milhares e isso era sinal de qualidade. Essa substituição da valorização do uso pela troca gerou a chamada obsolescência programada, através da qual o consumo passou a ser mais rápido, explorando a forma a fim de estimular a venda (Styling). Ao Figura 94: Generative Design pelo processo de dobradesdobra em papel, Studio D10, Holanda. Fonte: Vyzoviti, 2003: 24. se incorporar a mudança como variável, a moda (grife, embalagem, visual) veio prevalecer em detrimento dos valores anteriores, substituindo- 5.1.2. Ad continuum se o valor da troca pelo valor da posse. A Revolução Industrial (1750) proporcionou O design agora representa um estímulo para avanços e conquistas científicas, tecnológicas e a sagacidade do usuário e para sua habilidade sociais com uma rapidez nunca vista até então. de saber comprar, pois o consumidor está Essas conquistas modificaram e continuam ansioso para se salvar das crises econômicas. alterando os meios e modos de produção, Com isso, a posse é superada pela seleção que, transformando a relação entre produtores e por sua vez, reinventa um novo valor do uso: a consumidores através dos tempos. Cabe ao função do produto passa a ser a de informar design mediar essa relação se valendo do sobre desenvolvimento e, comportamentos, outra ideologia a usuários com também, das transformações da sociedade. No capacidade de processar essas informações. No período pré-industrial, cada objeto era único, momento pós-industrial em que vivemos, a irrepetível e fortemente conectado à identidade tecnologia de manufatura digital permite-nos tecnológico produtivo 90 tecnologias, materiais, outros realizar, pelo mesmo custo operacional, tanto computadorizadas. Exemplo de referência, o objetos únicos quanto repetidos. A diferença museu Guggenheim em Bilbao, Espanha, é está de projeto precursor no uso de soluções digitais programação dos equipamentos de produção. A (software Catia) sem as quais o projeto não produção a poderia ser concebido. Sobre esse projeto de obsolescência lenta característica dos idos pré- Frank Gehry (cf. figuras 95 e 96), Lindsey industriais. considera que “teria sido um prédio diferente na mudança de dos objetos comandos únicos resgata sem o uso de ferramentas digitais. Talvez fosse Após 200 anos da velha era industrial de um não tão rápido, que não se movesse e que objetos necessariamente clonados, o objeto não mudasse” (2001: 49). Somente a precisão único tornou-se uma resposta essencial à na geração de coordenadas, característica do negligenciada necessidade humana de viver Catia, é que viabilizou o projeto de todas as num mundo no qual cada objeto artificial curvaturas espelha a unicidade e irrepetibilidade de primórdios da computação essas ferramentas cada pessoa. Numa época marcada por pareciam repetidas tentativas de clonagem de seres criatividade naturais, o design retorna, em campos de permitem ampliá-la. Generartive Design “inicia tecnologia avançada como os sistemas uma nova era no design e na produção dinâmicos não lineares, à noção de vida industrial: o desafio de uma nova naturalidade artificial e inteligência artificial, à estética e do objeto industrial como um evento único e ao irrepetível, prazer ético da redescoberta dos pensadas colaborar humana, espelho por para Gehry. a extinção atualmente da Se elas unicidade nos da nos e processos e características da natureza irrepetibilidade do homem e da natureza” (Soddu, 2003). (Soddu, 2003). O desenvolvimento de formas imprevisíveis contribui para a expansão da O trabalho de desenvolvimento de formas possíveis apenas mediante o uso criatividade humana. O computador é apenas a de ferramenta que viabiliza a criação. computadores - como no Generative Design - Consideramos que o Generative Design abre a possibilidade de experiências criativas pode ser também entendido como o resultado antes da relação entre o sujeito-eu e o sujeito-on impensáveis sem as ferramentas Figura 95: Museu Guggenheim Bilbao, Espanha, 1991-97, desenvolvido com o software Catia. Fonte: http://www.greatbuildings.com/buildings/Guggenheim_Bilbao.html. 91 Figura 96: Museu Guggenheim Bilbao, Espanha, 1991-97, desenvolvido com o software Catia. Fonte: http://www.bm30.es/homegug_uk.html. (partilhado) no sentido atribuído por Couchot do ser (Selbstwelt). Sujeito-on + sujeito-eu. É o (1998: 05-13). O conceito de sujeito-on de ponto de contato, a convergência da alteridade Couchot sujeito dos mundos. É um modo de partilhar o mundo interfaceado, conectado, cuja percepção se dá (Mitwelt) (Escudero, 2001: 203-21 e Gregory, sempre de modo impessoal, despersonalizado 2003: 30-5). Nesse panorama, poderíamos (Laurentiz, 1999: 122-7). No Generative Design, localizar sob (enquanto mediação entre Umwelt (o mundo objetivo das algoritmo programado por alguém) estaria no coisas) e Selbstwelt (o mundo subjetivo das âmbito do sujeito-eu, enquanto a replicação dos vivências interiores individuais), como Mitwelt (o algoritmos pela máquina (output) estaria na mundo social compartilhado intersubjetivamente esfera mundo com as outras pessoas). O design parece partilhado entre o ser e seu Umwelt (mundo à transformar o Umwelt em Mitwelt denotando volta). Os objetos gerados são signos dispostos Selbstwelt. Coloca o homem em contato com as ao constante devir de interpretantes gerados ad coisas e as pessoas do mundo. Esse é caráter infinitum. São fruto das semioses de quem os mediativo, terceiro em Peirce, do design. vem essa do de Merleau-Ponty: perspectiva, sujeito-on. o input Design num cria e de quem (ou o que) lhes atribui significação, num diálogo contínuo de estímulos, senso e sensibilidade. Um continuum entre mente e matéria, interioridade e exterioridade, no sentido mesmo do sinequismo (doutrina da continuidade) em Peirce. Um dos prováveis papéis do design material e imaterial simultaneamente - é tornar o mundo à volta (Umwelt) possível para o mundo 92 o design no meio, como meio, Morfologias da linguagem As três categorias fenomenológicas de Capítulo 6. Peirce in forma Peirce (primeiridade, segundidade, terceiridade) A segunda conceitos parte da fundamentais, tese são apresentou sobretudo o onipresentes, mas há sempre uma dominância lógica entre elas. de diagrama, de sistema e de informação, e trouxe exemplos de informações diagramas se cujo caracteriza das Elas [as três categorias] estão sincrônica e eficiência simultaneamente presentes em todos os design pela comunicacional e pela riqueza visual. fenômenos, Tratou de modo que, quando o das premissas do design da informação, que fenômeno se apresenta no seu caráter de serão signo, deliberadamente desenvolvimento dos aplicadas diagramas no os três níveis semióticos – iconicidade, indexicalidade e simbolicidade – propostos estão nesta terceira e última parte da tese. indissoluvelmente conectados e A terceira parte, ao concluir a investigação intrincadamente urdidos. (...) embora a acerca da geração de formas diagramáticas, linguagem visual esteja dominantemente emprega os conceitos básicos dispostos nas enraizada na segunda categoria e, portanto, duas partes anteriores. Une física, matemática, nos caracteres do sin-signo indicial, dicente, semiótica em favor do design que dá forma ao isso não significa que essa linguagem não pensamento recursivo de Charles Sanders tenha possibilidades de atingir os níveis Peirce. mais puros da iconicidade, de um lado, ou os Conforme disposto na segunda parte, um níveis mais convencionais da diagrama pode suscitar em cada intérprete simbolicidade, de outro (Santaella, 2001: diferentes possibilidades interpretadoras pela 193). riqueza de sua natureza icônica mas, por tratarse de uma representação visual, o nível indicial A respeito do diagrama, enquanto hipoícone dos diagramas deixa suas marcas, pegadas de relações genuinamente diádicas, no qual o claras do caminho de ligação entre o signo papel desempenhado pela indexicalidade é representado fundamental, Santaella (2001: 196-9) argumenta e o objeto (conteúdo) de que a linguagem visual per se, como forma de referência. representação, sempre se corporifica em uma materialidade singular, forma particular ou caso Para Peirce, nenhum tipo de signo é auto- de representação icônica, que encontra na suficiente ou completo. Ícones, índices e indexicalidade o foco de predominância. A símbolos têm cada qual suas suficiências e função significativa do ícone fica subordinada à insuficiências (CP 4.531, 4.544). Por isso função denotativa do índice. mesmo, tanto mais será perfeita a semiose ou ação do signo quanto mais ela proceder Quaisquer que sejam, entretanto, analógicos a uma mistura dos ingredientes icônicos, ou indiciais e simbólicos em igualdade de sempre alta dose de convencionalidade. condições (Santaella, 2001: 56). Esta varia em graus que vão do projetivo, 94 digitais, os diagramas apresentam mais icônico, até a abstração simbólica. representativos específica e exclusivamente das Quanto mais projetivo e icônico, menos o classes de signos. Trataremos de diagramas diagrama é capaz de se referir a abstrações representativos e algo categorias fenomenológicas de Peirce, a base existente. Quanto mais arbitrário, mais o de todo seu pensamento, inclusive de sua diagrama terá classificação dos signos. qualquer coisa, mais seu referente poder deve ser para concreta especificar ou abstrata da lógica recursiva das Levando-se em consideração essa diferença (Santaella, 2001: 240). de objetivos, não apresentaremos os diagramas dedicados à visualização das classes de signos Os diagramas ou modelos representacionais em Peirce. Especificamente sobre esse assunto, permeiam o legado de Peirce e também cf. CP 2.264, CP 8.376; EP 2: 296, EP 2: 491; encontram certo destaque na obra de seus Anderson e Merrell, 1991; Amadori, 2001; comentadores, como Kenneth Kentner (1986); Farias, 2002; Queiroz, 2002 e 2004. Floyd Merrell (1995a, 1995b, 1997) e Kelly Parker (1998). Os modelos mais difundidos são 6.1. Modelos triádicos do signo aqueles referentes à estrutura triádica do signo, Na semiótica, os variados modelos triádicos abordados na seqüência, e às classes de 9 do signos . signo procuram representar seus três Os modelos dedicados à classificação dos correlatos e suas relações inerentes. Buscam, signos primam por evidenciar as imbricações portanto, representar o signo em ação, qual entre as diferentes classes e suas respectivas seja, a semiose. à Por semiose, Peirce entende “uma ação ou informático influência que consiste em ou envolve a dinâmico das classes de signos elaboradas por cooperação de três sujeitos, o signo, o objeto e Peirce, cujo objetivo é o de investigar as o interpretante, influência tri-relativa essa que relações entre as classes. Trata-se de um não pode, de forma alguma, ser resolvida em dispositivo ações entre pares” (CP 5.484). As tríades estão ramificações. construção Farias de digital um (2002) dedicou-se diagrama para a visualização e baseadas no conceito de mediação, pelo qual investigação das classes de signos. um terceiro correlato se relaciona a um primeiro E qual seria então a relação dos diagramas via um segundo (Nöth, 1995a: 89). propostos por essa tese com os modelos das Ogden e Richards (1923: 11) propuseram classes de signo? Os diagramas aqui propostos não são uma representação da estrutura triádica do modelos das classes de signos. Não há conexão signo por meio de um triângulo, conhecido como direta entre os diagramas e os modelos triângulo semiótico (cf. figura 97): 9 Peirce desenvolveu dez classes de signos: 1) Quali-signo; 2) Sin-signo icônico; 3) Sin-signo indicial remático; 4) Sinsigno dicente; 5) Legi-signo icônico; 6) Legi-signo indicial remático; 7) Legi-signo indicial dicente; 8) Símbolo remático; 9) Símbolo dicente; 10) Argumento. Porém, as combinatórias dessas 10 classes geram 28, 66 classes, também descritas por Peirce. Ele ainda calculou que essas 66 gerariam 54.049 classes, embora não as tenha desenvolvido. 95 italiana Borromeos, no século XV, e foi desenvolvido na matemática como recurso topológico a posteriori. Jacques Lacan (19011981), por exemplo, utilizou-o para representar o enlaçamento de real, simbólico e imaginário em sua teoria psicanalítica. O nó apresenta as signo seguintes características: o rompimento de um dos aros implica a liberação de todos os outros e as cordas são equivalentes. Figura 97: Triângulo semiótico, de Ogden e Richards, 1923. Os três correlatos apresentados no triângulo semiótico, correspondem para a: Ogden 1) símbolo e Richards (symbol), Figura 98: Modelo alternativo de representação da estrutura 2) sígnica: tripod. Fonte: Queiroz, 2002: 43. referência (thought or reference) e 3) referente (referent). A linha tracejada na base do triângulo indica a natureza indireta da relação entre o veículo do signo e o referente correspondente. Indireta, porque ela se dá tão e somente pela ação do segundo correlato, o sentido. Em Figura 99: Modelo alternativo de representação da estrutura sígnica: nó borromeano. Fonte: Queiroz, 2002: 43. Peirce, essa tríade corresponde a: 1) signo ou representâmen, 2) interpretante e 3) objeto (CP 2.228 e Nöth, 1995a: 89-91). É oportuno lembrar Peirce, no contexto dos seus grafos que, de acordo com a fenomenologia peirceana, oriundos da química, apresenta as seguintes o signo encontra-se na esfera da primeiridade; o formas como possibilidades representativas de objeto, na segundidade e o interpretante, na tríades (EP 2: 364; cf. também Peirce, 1974: terceiridade. 102, cf. figura 100): Esse modelo a partir do triângulo é criticado por representar relações de pares de termos e não uma relação genuinamente triádica. Na tentativa de aprimoramento do modelo, outros Figura 100: Representações peirceanas de tríades. Fonte: Farias, 2002: 23. surgiram. O tripod e o nó borromeano (cf. figura Pimenta (1999: 27-124) inventariou sistemas 98 e 99) apresentam-se como alternativas mais precisas de representação, na medida em que o triádicos tripod traz, pela bifurcação, três elementos em sociedades correlação e o nó borromeano interliga três geométricos tridimensionais, a menor estrutura elementos simultaneamente (Queiroz, 2002: 43). consistente para representar relações triádicas O nó borromeano serviu de brasão à família seria 96 um per se e presentes concluiu octaedro, e que, não em diferentes em um termos tetraedro. Argumenta que o tetraedro produz um conflito Antecedendo o início descritivo do percurso na estrutura triádica, identificado pelo quarto de desenvolvimento dos múltiplos diagramas vértice (cf. figura 101) e que o octaedro propostos, a seguinte indagação poderia ser representaria suscitada: mas afinal, qual a utilidade dos as associações triádicas essenciais de Peirce (cf. figura 102). A crítica diagramas? que fazemos a esse modelo é a utilização de Um diagrama nasce de associações, uma base quadrada, que não contempla o relaciona e integra idéias que já existiam caráter triádico: previamente, mas que estavam desconectadas. Permite visualizar essas relações entre as idéias, representando-as numa estrutura, de modo que facilite sua compreensão e explicite o que anteriormente não era percebido. Se os diagramas aqui propostos deixam mais clara a lógica da filosofia peirceana, também contribuem para seu entendimento, colocando em relação concreta conteúdos dispersos. A Figura 101: Conflito na estrutura triádica produzida pelo tetraedro. Fonte: Pimenta, 1999: 94. utilidade é, portanto, a colaboração para a melhor compreensão da complexidade da lógica recursiva coextensiva a toda filosofia de Peirce. Fundamenta-se em nossa dissertação de mestrado (Gambarato, 2002a), cujo desenvolvimento culminou na elaboração de diagramas bi e tridimensionais representativos da lógica recursiva das categorias fenomenológicas de Peirce, a reflexão sobre as possibilidades de representação - por meio de Figura 102: Octaedro com as indicações das respectivas tríades. Fonte: Pimenta, 1999: 95. diagramas - da estrutura triádica e iterativa sobre a qual o vasto corpus filosófico de Peirce foi edificado. Sob a égide desses principais modelos tricotômica, Toda a extensão da filosofia peirceana está fundamos nossas investigações acerca do calcada em relações triádicas, cuja base é a desenvolvimento de formas diagramáticas que fenomenologia original do autor. Surpreendemo- pudessem, pela lógica recursiva, representar nos com o número de relações triádicas que genérica e abrangentemente a filosofia de podem Peirce. paralelos, como: primeiridade, segundidade, representativos da estrutura ser estabelecidas entre conceitos terceiridade; acaso, existência, lei; ícone, índice, símbolo. No entanto, a representação gráfica 6.2. Diagramas bi e tridimensionais da lógica comumente atribuída às tríades peirceanas se recursiva de Peirce: antecedentes restringe a um triângulo equilátero, que não é 97 capaz de abranger todo o raciocínio das Peirce: “uma relação tetrádica, pentádica, ou tricotomias de Peirce, como pudemos constatar uma com mais elevado número de correlatos é no item 6.1. Com a constatação de variados um composto de relações triádicas” (CP 1.347). paralelismos entre as tríades, pareceu-nos extremamente pertinente desenvolver As uma relações envolvem as poliádicas 12 propostas tríades seguintes: representação gráfica que abarcasse todos fenomenologia, ciências normativas, metafísica; esses conceitos e que não se restringisse primeiridade, apenas a demonstrar cada tríade isoladamente mônada, num triângulo equilátero. Assim nasceram os determinação, necessidade; qualidade, reação, diagramas, pois afinal Peirce considera que um mediação; liberdade, causalidade, cognição; diagrama “pode constituir um sistema, de estética, representação interpretante; quali-signo, sin-signo, legi-signo; perfeitamente consistente, segundidade, díada, terceiridade; tríada; ética, possibilidade, lógica; signo, objeto, fundado sobre uma simples e fácil idéia básica” ícone, (CP 4.418). Toda sua filosofia está calcada em argumento; acaso, existência, lei. Essas 12 relações triádicas, na medida em que “toda tríades selecionadas comportam-se como uma relação triádica genuína envolve significado” amostragem dentre (CP 1.345). poderíamos relacionar, índice, especulativa, símbolo; rema, tantas lógica dicente, outras como crítica, que gramática metodêutica; Um fragmento do lendário Tao Te King, dedução, indução, abdução. Faz-se necessário, atribuído a Lao Tse, ilumina algo da antes natureza Zen ao nível estético: <<Um gerou geométricas, Dois, Dois gerou Três, Três gerou a atribuímos multiplicidade. A Multiplicidade retorna ao referenciados Um>> (Pimenta, 1999: 83). concordância com os estudos peirceanos: de apresentarmos explicitar a cada às 12 as as um disposições definições dos tríades, 36 que termos sempre em Fenomenologia = Teoria das Aparências Além da múltiplos que trata da aparência dos fenômenos, que não paralelismos existentes entre as tricotomias, é necessariamente a realidade. Traça um destacamos catálogo de categorias dotado de generalidade: a constatação recursividade dos originária das categorias fenomenológicas, princípio-base de primeiridade, segundidade, terceiridade. todo e qualquer fenômeno (tudo que aparece à Ciências normativas = visam a atingir mente) para Peirce. A recursividade é a normas e ideais, sendo elas: Estética, Ética e descrição de algo em termos dele mesmo. Lógica ou Semiótica. Alguma coisa é recursiva, iterativa, quando é Metafísica = trata da realidade dos definida em termos dela própria. É algo que está fenômenos dentro de si, está dentro de si e assim Fundamenta-se na experiência para buscar sucessivamente, infinitamente. Desenvolvemos teorias explicativas. e não de sua aparência. representações de relações poliádicas, isto é, de Primeiridade = consciência una que não relações de várias partes que se formam a partir envolve qualquer comparação, é uma qualidade de genuínas tríades, seguindo a referência de de sentimento. Partindo da idéia de primeiro, 98 original, gera-se o entendimento de que a Mediação = efeito de intermédio, primeiridade aplica-se aos fenômenos que são o intervenção entre duas partes na busca da que são, são livres, ou seja, não há nada que os produção de um terceiro elemento. condicione. Liberdade = não há nada que condicione Segundidade = insere-se no universo dos seu modo de ser, é independente de qualquer fatos, respeita a realidade, suas relações são de outro. ação e reação entre existentes. Idéia de um segundo em relação a um Causalidade = condicionalidade entre um primeiro, antecedente e um conseqüente. independentemente de qualquer terceiro. Terceiridade = camada Cognição = requer uma permanência dos interpretativa acontecimentos, contida no universo simbólico, caracterizada pressupõe regularidade. É preciso conhecer a regra para prever eventos. pelo pensamento mediador entre consciência e Estética = a estética peirceana intenta fenômeno. Pressupõe algum tipo de ordem, de determinar o que pode ser admirável, desejável continuidade, de permanência. em si mesmo, sem razões anteriores. Mônada = não se refere a algo prévio, é um Ética = a ética é o estudo sobre quais as elemento lógico associado à possibilidade, é um finalidades de ação que estamos preparados único elemento simples. É um primeiro que para adotar. prescinde do segundo e do terceiro. Lógica = ou semiótica é o estudo da Díada = elemento fundado no interior da formação de pensamentos condizentes com o lógica, associado à reação característica da segundidade. Pressupõe dois ideal estético. elementos Signo = é aquilo que, sob determinado reagentes. É um segundo que prescinde do aspecto, representa algo para alguém. É terceiro, mas que inclui o primeiro. necessário que o signo seja um primeiro que Tríada = elemento lógico que marca a esteja em real relação de substituição com um filosofia peirceana por relacionar-se à mediação, segundo, seu objeto, por meio da geração de caracterizando a subdivisão em três partes. É um terceiro, seu interpretante. um terceiro que inclui o segundo e o primeiro. Objeto = é algo que o signo representa, Possibilidade = qualidade de possível, mas não sob todos os aspectos. Trata-se do aquilo que é possível. objeto tal qual o signo a ele está conectado e Determinação = causação, existência de depende da natureza do signo. relações necessárias entre fenômenos. Interpretante = é o resultado, para uma Necessidade = aquilo que é inevitável, que mente não pode deixar de ser. É estrito, compulsório. interpretadora, substituição do objeto da operação pelo signo. de O Qualidade = possibilidade abstrata, mera interpretante é o terceiro elemento da tríade, é o potencialidade, é uma unidade sem referência a mediador do primeiro (signo) e do segundo nada. (objeto), aquele que gera significação. Reação = oposição a outro sem a Quali-signo = é uma qualidade que é um aniquilação de nenhuma das partes. Aparição signo. Funciona como signo por intermédio de da contrariedade. uma primeiridade da qualidade. 99 Sin-signo = é um existente concreto e real Santaella alerta para o fato de que “todas as que é um signo. O prefixo sin sugere a idéia de tricotomias único, singular, aqui e agora. funcionam como categorias separadas de coisas estabelecidas por Peirce não Legi-signo = é uma lei geral que é um excludentes, mas como modos coordenados e signo. Funciona como signo na medida em que mutuamente compatíveis pelos quais algo pode a lei é tomada como propriedade que rege seu ser identificado semioticamente” (1995: 126). funcionamento. Assim Ícone = é um signo de semelhança com o sendo, cabe-nos demonstrar as imbricações entre as tríades acima relacionadas objeto, mas que não depende de sua existência. e É uma qualidade que se assemelha a outra, diagramas. Partimos do conceito de qualidade independentemente do objeto. (característico da primeiridade) que envolve a definidas, justificando a coerência dos Índice = signo que mantém uma relação noção de mônada, pois se constitui pela existencial, direta, com o objeto, é uma parte liberdade em relação às premissas anteriores. dele. Depende da existência do objeto para Encontra-se no presente, é o que é sem significar. referências passadas. “Sob a primeira categoria, Símbolo = signo que segue um sistema de então, cremos ser lícito considerar indissolúvel o leis, de convenções e depende desse sistema par acaso-qualidade” (Ibri, 1992: 43). É o acaso para significar. Seu caráter consiste em ser uma que regra que determinará seu interpretante. É uma incondicionalidade da qualidade, em relação à lei, uma regularidade. factualidade do passado e à intencionalidade do Rema = signo de possibilidade qualitativa que representa um objeto possível. confere liberdade aos atos. A futuro, torna-a uma mera possibilidade. “Ora, Seu enquanto um modo de ser, um princípio, deve interpretante é meramente hipotético. ser considerado geral e, modalmente, associado Dicente = produz como interpretante um à possibilidade e não à necessidade da lei. Com signo de existência real, totalmente referencial. estas considerações, parece ser inequívoco o O interpretante final o vincula a alguma vínculo entre primeiridade e possibilidade” (Ibri, informação sobre um existente. 1992: 66). Argumento = é considerado como lei, regra reguladora ou princípio-guia pelo seu interpretante. Acaso desordem; O primeiro está aliado às idéias de acaso, = é princípio responsável aleatório, pela indeterminação, incondicionado. frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, Pressupõe diversidade, variedade, assimetria. presentidade, imediaticidade, mônada... O Existência = modo de ser que implica a segundo às idéias de força bruta, ação- oposição ao outro. Um existente é aquele que reação, conflito, (...) esforço e resistência, produz díada... O terceiro está ligado às idéias de efeitos sobre os sentidos, reage dinamicamente sobre outros existentes. generalidade, Lei = hábito de conduta calcado na potência representação, de ordem, na generalidade, na regularidade. continuidade, crescimento, mediação, (Santaella, 1995: 18, grifos nossos). 100 tríada... A segundidade pressupõe a corporificação signo considerado especialmente no que diz de uma qualidade em matéria existente, pois respeito a uma relação diádica na qual ele se somente os existentes reagem. “Sob a segunda situa - sua ocorrência ou existência atual (seu categoria está, também, toda a experiência ocorrer ou existir: uma propriedade segunda)” pretérita sobre a qual não se tem qualquer poder (Santaella, 1995: 132). Já o legi-signo tem a modificador” (Ibri, 1992: 08). A causalidade natureza da lei e funciona como mediação. É estabelece eminentemente terceiro. com o passado (experiência precedente) uma relação de condicionalidade Na tricotomia concernente à relação do inevitável no tempo. Algo acontece enquanto signo com seu objeto, temos que o ícone causa de outra experiência anterior. É reação estabelece uma relação de mera comunidade, mediante uma ação decorrida. A cognição, de ou de semelhança de alguma qualidade, com o maneira oposta, caracteriza-se pela mediação objeto. O índice tem uma correspondência de de efetiva com seu objeto através de uma relação ser existencial. O símbolo é aquele que depende de estabelecida baseando-se na regularidade e na uma convenção ou lei para se relacionar com permanência dispondo-se, seu objeto. Um rema, enquanto um primeiro, é claramente, no nível da terceiridade. Na medida um signo que representa alguma qualidade em que o objeto é o que determina o signo, e encarnada através de seu interpretante. O que o interpretante é determinado pelo signo, dicente, situado no nível da segundidade, é podemos estabelecer a seguinte relação de aquele que é interpretado na proposição de temporalidade: o objeto tem de existir (passado) qualquer informação existente. O argumento, para determinar o signo (presente) que, por sua um terceiro, é compreendido como convenção, vez, determinará o interpretante (futuro). como lei, pelo interpretante. ações futuras. aprendizagem, a dos Enquanto cognição processo só fenômenos, pode A terceiridade corresponde ao processo de A estética peirceana intenta determinar o mediação de três termos, caracterizando a que pode ser admirável, desejável em si semiose infinita do signo. É uma relação triádica mesmo, sem razões anteriores. Cabe a ela a entre um signo, seu objeto e o pensamento descoberta do ideal supremo da vida humana: interpretante. O primeiro (signo) liga-se ao segundo (objeto) terceiro O ideal que Peirce tinha em mente é o fim (interpretante). A semiótica peirceana investiga último em direção ao qual o esforço humano os variados tipos de signos de acordo com as deve se dirigir. Trata-se do ideal mais relações que esses estabelecem com o signo supremo para o qual nosso desejo, vontade em si (quali-signo, sin-signo, legi-signo), com o e sentimento deveriam estar voltados. O objeto ideal dos ideais, o summum bonum, que não (ícone, através índice, do símbolo) e com o interpretante (rema, dicente, argumento). O precisa quali-signo explicação (Santaella, 2000: 126). funciona por meio de uma de nenhuma justificativa ou primeiridade da qualidade, ou seja, da qualidade em si. É um tipo de signo que retém, Esse ideal estético está voltado para exclusivamente, a qualidade. O sin-signo é “um propósitos 101 coletivos e não individuais do homem. Está calcado no admirável e não na fenomênica; as Ciências Normativas, em seu beleza. Admirável (kalos) é aquilo que atrai aspecto coletivamente, segundidade e a Metafísica, enquanto ciência aquilo que deveria ser experienciado por si mesmo, em seu próprio de determinação, ligam-se à da realidade, encontra-se na terceiridade. valor inerente. E mais, o ideal deve sempre ser Tais tríades se organizam e se apresentam evolutivo, seu significado pleno deve sempre ser por meio de diagramas geométricos bi e adiado, caracterizando o crescimento contínuo tridimensionais das idéias. euclidiana. O que propomos são diagramas O summum bonum estético coincide com o crescimento da razoabilidade concreta: contidos na geometria auto-referenciais, iterativos, com incontáveis o desdobramentos. Vejamos o por quê. crescimento está continuamente em processo, O diagrama bidimensional (2D) foi sempre por vir; a razoabilidade não se confunde constituído a partir da representação de um com razão, aproxima-se da racionalidade que elemento gráfico base, originário de um triângulo mistura equilátero com as arestas estendidas, as quais razão, ação e sentimento; sua concretude indica que a razoabilidade não é propiciam abstrata nem estática, está a todo momento se tricotomias e transformam o triângulo em elo atualizando, favorecendo seu crescimento. entre A estética tem como função estabelecer o as elas. inter-relações Essa com representação outras evoluiu naturalmente para a tridimensionalidade (3D), que é possível ser admirável em si mesmo. À com lógica, enquanto ciência do raciocínio, cabem os precisamente a riqueza tri-relativa da rede de meios para se agir razoavelmente na direção do conexões passível de ser estabelecida entre as fim último – ideal estético – a ser alcançado. A tricotomias peirceanas. O desenvolvimento 2D ética, por sua vez, propõe e analisa os do diagrama parte da seguinte unidade básica propósitos (cf. figura 103): razoáveis dos fins a serem o objetivo de representar mais perseguidos. Todas as tricotomias sígnicas da filosofia peirceana estão fenomenologia, cujas fundadas três em categorias sua NÚCLEO são primeiridade, segundidade e terceiridade. Tais categorias “podem ser identificadas logicamente com possibilidade, determinação e necessidade, Figura 103: Unidade básica do diagrama bidimensional representativo da lógica recursiva de Peirce. nesta ordem” (Ibri, 1992: 67). Fenomenologia, Ciências Normativas e Metafísica são, para O núcleo da unidade, mesmo sendo um Peirce, subdivisões de sua filosofia, na qual a triângulo equilátero, funciona como um ponto fenomenologia ocupa a primeira posição dentre central (a exemplo do tripod, cf. figura 98) ao as ciências positivas. As Ciências Normativas qual convergem as arestas estendidas, ou seja, ocupam a segunda posição e, a Metafísica, a o núcleo, como o próprio nome sugere, passa a terceira. A Fenomenologia, em seu aspecto de ser o ponto de ligação não de pares diádicos, possibilidade, situa-se no nível da primeiridade mas de uma genuína tríade. O núcleo será o 102 ponto de referência identificarmos para cada destacarmos uma das e amarelo - para demarcar, respectivamente, o tríades domínio da primeiridade, o da segundidade e o componentes do conjunto (cf. tabela 01): da terceiridade, ou seja, para identificar as arestas estendidas. Pela combinação dessas FENOMENOLOGIA CIÊNCIAS METAFÍSICA três cores primárias podemos ter todas as NORMATIVAS outras. Optamos, assim, por esse simbolismo PRIMEIRIDADE SEGUNDIDADE TERCEIRIDADE MÔNADA DÍADA TRÍADA POSSIBILIDADE DETERMINAÇÃO NECESSIDADE peirceanas abrangerem todos os fenômenos QUALIDADE REAÇÃO MEDIAÇÃO possíveis. LIBERDADE CAUSALIDADE COGNIÇÃO ESTÉTICA ÉTICA LÓGICA SIGNO OBJETO INTERPRETANTE união de todas as cores de pigmento. Na QUALI-SIGNO SIN-SIGNO LEGI-SIGNO seqüência estão organizadas as composições para a observação de sua plástica (cf. figura em analogia ao fato das três categorias O núcleo da unidade básica apresenta-se em preto, a cor que sintetiza a ÍCONE ÍNDICE SÍMBOLO REMA DICENTE ARGUMENTO ACASO EXISTÊNCIA LEI 104) e das inter-relações dos conceitos envolvidos (cf. figura 105): Tabela 01: 12 tríades componentes dos diagramas representativos da lógica recursiva de Peirce. Percebemos que na tabela 02 cada tríade está disposta na posição horizontal. No entanto, observamos, na vertical, a disposição dos 12 conceitos que identificam amplamente o caráter primeiro (1a. coluna), segundo (2a. coluna) e terceiro (3a. coluna) da filosofia tricotômica de Peirce. É essa harmonia iterativa entre as diferentes tríades (horizontal + vertical), sua precisa conjugação, demonstrar que visualmente pretendemos por meio dos diagramas. Retomando a conformação do diagrama 2D propriamente dito, apresentamos três formações geométricas decorrentes da conjunção de quatro, 12 e 24 unidades básicas, relacionadas às tricotomias. Essas combinações, na realidade, são ilimitadas, pois as unidades rearranjam-se progressiva e iterativamente, formando “n” figuras complexas, das quais nos atemos a possibilidades. apresentar Utilizamos essas as três quatro cores Figura 104: Composições de quatro, 12 e 24 unidades básicas do diagrama bidimensional representativo da lógica recursiva de Peirce. primárias de pigmento - vermelho, azul e 103 CA US AL ID AD E C. N OR MA T IVA S Figura 105: Composição de 24 unidades básicas do diagrama 2D com a disposição das 12 tricotomias - para observação das relações iterativas entre elas. Podemos, disposições na seqüência, tridimensionais observar as decorrentes da estrutura básica 2D apresentada. O diagrama 3D, desenvolvido a partir de tetraedros com as arestas estendidas, apresenta-se em diferentes pontos de vista perspectivados (cf. figuras 106 a 109): Figura 107: Vista de topo e vista frontal do diagrama 3D. Figura 106: Perspectiva da unidade básica tridimensional isolada do diagrama 3D representativo da lógica recursiva de Peirce. 104 Ao analisarmos o diagrama 3D, observamos que suas projeções ortogonais (cf. figura 107), bem como as perspectivas isométricas (cf. figura 108), apresentam uma reprodução contínua de módulos (no caso, as unidades básicas). A reprodução continuada de elementos é um evento recorrente na natureza, sendo característico da própria natureza. Está presente nos cristais, nos neurônios, nas estruturas atômicas, no DNA etc. É a própria iteratividade em processo. Pelas perspectivas (cf. figura 109), ficam explicitadas as diferenças que a repetição Figura 108: Perspectivas isométricas do diagrama 3D. dos módulos pode produzir pela mudança de ângulo de visão. Os variados pontos de vista transformam a reprodutibilidade dos módulos em experiências experiências singulares, estéticas de tornando-as grande riqueza, justamente por conservarem o conteúdo que as originou. Dessa forma, entendemos que a representação tridimensional proposta não se limita apenas a transferir a informação de duas para três dimensões. A variabilidade de pontos de vista acaba por criar novas possibilidades estético-formais e, também, informacionais. A tridimensionalidade cria uma representação mais acurada da própria realidade. O diagrama é auto-referencial, porém, com incontáveis desdobramentos. É articulação. Diagrama: desenho mínimo para explicar um conceito. Mas também para gerar conceitos, instrumento do processo de design. Formulações visuais e verbais, para um inventário dos aspectos envolvidos. Representação gráfica da informação abstrata e características estruturais. Cada informação pode gerar tema ou conceito. Diagramas convertem dados em fenômeno, conceitualizando Figura 109: Perspectivas do diagrama 3D. 105 através do uso de imagens, modelos, signos. (...) O diagrama semelhante eficiência as reduções regressivas é uma overview instantânea de fatores inerentes complexos. Um Consideremos os seguintes argumentos quanto informação, tornando-a desenhável. meio para visualizar manipulável Esquematização: e à teoria peirceana dos signos. à progressão e regressão infinitas do processo os de ação do signo: componentes separados (dado, fenômeno, projeto) são examinados em termos de Qualquer coisa que conduz uma outra (seu novas relações entre eles (Deen e Lootsma, interpretante) a referir-se a um objeto ao 1998). qual ela mesma se refere (seu objeto), de modo Do ponto de vista transformando-se o trabalho, interpretante, por sua vez, em signo, e acreditamos no potencial de aperfeiçoamento assim sucessivamente ad infinitum (CP desses 2.303, grifos nossos). diagramas bi deste idêntico, e tridimensionais, desenvolvidos em nossa mestrado, na elaboração e dissertação outras A relação triádica é o esquema analítico possibilidades de exploração de sua construção elementar de um processo de continuidade formal, para além das três dimensões espaciais. que tanto regride quanto se prolonga ao Vejamos infinito (Santaella, 1995: 29, grifos nossos). os aprimoramentos de de e as implementações propostos. Faz parte da própria forma lógica de 6.2.1. Diagramas bi e tridimensionais da geração do signo que ela seja a forma de lógica recursiva de Peirce: aprimoramentos um processo ininterrupto, sem limites finitos. (...) Qualquer interrupção no A estrutura modular iterativa dos diagramas processo degenera o caráter significante 2D e 3D acima referenciados é dotada de perfeito do signo que é o de gerar um potencial de fractalização. A geometria fractal, interpretante que gerará outro, e assim dentre as geometrias não-euclidianas, confere a indefinidamente (Santaella, 1995: 30, grifos um objeto de dimensão fracionária definição nossos). formal que não se perde, na medida em que ele é ampliado ou reduzido, mantendo-se sua Por mais que a cadeia sígnica cresça, o estrutura idêntica à original. Essa característica objeto é aquilo que nela sempre volta a de auto-similaridade dos fractais pareceu-nos o insistir porque resiste na sua diversidade caminho ideal para o aprimoramento dos (Santaella, 1995: 46). diagramas, pois entendemos que os diagramas encerrados nos geometria limites euclidiana tridimensionais da O objeto da representação não pode ser representavam outra coisa senão uma representação da satisfatoriamente as ampliações progressivas qual decorrentes da reprodutibilidade das unidades interpretante. (...) O significado de uma básicas, representação não pode ser senão uma mas não representavam com 106 a primeira representação é um representação. De fato, não há nada mais Isto posto, encontramos na geometria fractal do que a representação, ela mesma, do Triângulo e Tetraedro de Sierpinski (cf. concebida como despida de roupagem capítulo 2, item 2.1.4) opção consistente para o irrelevante. Mas essa roupagem não pode aperfeiçoamento da questão da regressão ser nunca completamente despida; ela só é infinita nos diagramas representativos da lógica trocada por algo mais diáfano. Há, assim, recursiva de Peirce. O Triângulo de Sierpinski é uma regressão infinita aí (CP 1.339, grifos um fractal de auto-similaridade exata com nossos). dimensão fracionária correspondente a aproximadamente 1,58. Sua recursividade parte Em síntese, a ação que é própria ao signo é de três triângulos congruentes, cujos lados a de crescer. Note-se, contudo, que a medem metade do lado do triângulo original, relação triádica não é apenas a forma gerando outros três, nove, 27, 81, 243... elementar de um processo que cresce triângulos. O Tetraedro de Sierpinski é uma infinitamente do lado do interpretante, mas construção análoga ao seu Triângulo. Vejamos também a de um processo que regride ao as figuras subseqüentes (cf. figuras 110 a 113): infinito, do lado do objeto, ou seja, não há um objeto originário na semiose. (...) A regressão infinita na relação entre signo e objeto está ligada ao fato de que a operação de representação do objeto pelo signo implica a determinação do interpretante. Ou seja, numa relação triádica genuína, o objeto se manifesta no interpretante através do signo (Santaella, 1995: 31, grifos nossos). (...) o modelo elaborado por Charles Sanders Peirce organiza-se em tríades auto-referenciais, interativas e auto- similares. Para ele, linguagem sem signo ou sem representamen, como por vezes preferia chamar - simplesmente não seria possível. A partir de uma tal lógica <<fractal>> - auto-similar e de incontáveis desdobramentos - a que Peirce chamou de <<Semiótica>>, é-nos permitido desvendar significados muitas vezes <<escondidos>> Figura 110: Unidade básica do diagrama bidimensional aprimorado, com sucessivas replicações do fractal Triângulo de Sierpinski. em outros signos e outras linguagens (Pimenta, 1999: 89, grifos nossos). 107 Pelas representações acima dispostas, temos que a inclusão da estrutura fractal no núcleo da unidade básica 2D - Triângulo de Sierpinski - e 3D - Tetraedro de Sierpinski - não altera a lógica das relações de tudo que é primeiro, segundo e terceiro no corpus filosófico peirceano. A explicitação/visualização dessas relações se apresenta pela extensão das arestas dos triângulos e tetraedros. Em nosso trabalho anterior (dissertação de mestrado), não nos atentamos para o fato de que a estrutura então criada já era de natureza fractal. Entretanto, os aprimoramentos agora propostos Figura 111: Composições de 24 unidades básicas do diagrama 2D aprimorado. por meio das estruturas de Sierpinski, evidenciam a fractalidade dos diagramas, marca clara da recursividade requerida pelo pensamento peirceano. A descoberta de atratores caracterizados por dimensões fracionárias permite transferir o novo olhar que os fractais determinaram do espaço das comportamentos “fractal” Figura 112: Perspectiva da unidade básica tridimensional isolada do diagrama 3D aprimorado. será formas para temporais. (...) o Um uma dos atrator estrutura extraordinariamente sutil. As trajetórias que o constituem literalmente preenchem uma porção do espaço com suas dobras e redobras. Quando examinamos uma dessas dobras descobrir numa nela escala maior, podemos uma nova estrutura semelhante à primeira, de dobra e de redobra, e isso indefinidamente. Enquanto um atrator comum “dominava” o espaço, já que todas as trajetórias convergiam para ele, as trajetórias que constituem um atrator fractal formam uma multiplicidade indefinida (Progogine e Stengers, 1992: 78). Figura 113: Perspectiva do diagrama 3D aprimorado. 108 A perda de simetria dessas representações mais acelerada de crescimento dos fractais, como pudemos observar nas figuras próprios signos no universo (Santaella, 109 1992: 45-6). e 113, reverte-se em ganho de organicidade: dentro do fractal encontramos organização. A organização é identificada Esse crescimento indubitável de redes de pelo conjunto das características estruturais signos é a confirmação da doutrina peirceana do e fu ncionais de um sistema, que representa sinequismo. Peirce considera que “os signos e sua s relações e atividades ou funções e que as idéias tendem a se espalhar continuamente” tem a capacidade de transformar, produzir, (CP 6.104), culminando na coincidência entre reu nir, manter e gerar seus comportamentos. mente e matéria, entre universo mental e Ess a caracterização traz em si a dinâmica universo material: o continuum do universo. sub jacente “Não há nada que não possa ser um signo, ou ao sistema (D´Ottaviano e Bresciani Filho, 2004). A organização interna melhor, tudo é signo” (Santaella, 1992: 76). dos diagramas, regida pela fractalidade do Triâ ngulo e é continuidade dos signos se concretizam nos por diagramas. Levando-se em conta o objetivo de sign os, ou seja, à fractalidade dos próprios tornar nítida essa continuidade infinita das sign os. unidades coe xtensiva Tetraedro à de realidade Sierpinski, O crescimento progressivo e regressivo e a permeada componentes correspondentes categorias Cada vez mais está se tornando evidente que as redes semióticas não suprimimos se estendidas. restringem ao mundo orgânico, mas estão instâncias disciplina, para se estruturar como tal, (...). Essa As arestas relações Peirce -, anteriormente entre primeiros, fenomenológicas. Portanto, os diagramas 2D e 3D aprimorados trazem a envolve processos sígnicos, coloca a metadisciplina as de das dos diagramas condensa em si essas três toda e qualquer ciência, toda e qualquer posição fenomenológicas recursiva - existir, pois cada vértice presente na geometria inorgânica. Num outro nível, o fato de que numa lógica diagramas segundos e terceiros se mantêm, não deixam de presentes também na Física e Química Semiótica à dos supressão das arestas anteriormente estendidas de (cf. figuras 114 a 124). tendência expansiva das investigações semióticas só pode ser enraizada na tendência ao crescimento que se manifesta no próprio mundo dos signos. Não são apenas o olho e a mente semioticamente informados e treinados que nos fazem enxergar redes semióticas tanto nos reinos mais microscópicos quanto nos macroscópicos. Está também havendo Figura 114: Diagrama 2D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. uma tendência ininterrupta e cada vez 109 Figura 115: Vista de topo do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 118: Perspectiva do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 116: Vista frontal do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 119: Perspectiva do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 117: Perspectiva do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 120: Perspectiva do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. 110 Figura 121: Perspectiva em recorte do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Figura 124: Perspectiva em recorte do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. 6.3. Diagrama quadridimensional da lógica recursiva de Peirce: implementações Enfatizamos que todos os diagramas propostos nesta tese, com o objetivo de representarem a lógica recursiva das categorias fenomenológicas de Peirce, refletem a representação da estrutura triádica embasadora de toda filosofia peirceana, conforme procuramos demonstrar no item 6.2. deste capítulo. Figura 122: Perspectiva em recorte do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. Esse grau de generalidade, de abstração, pretendido como resultado último dos diagramas, encontra correspondência no conceito de causação final em Peirce: Toda causação se divide em dois grandes ramos, o eficiente, ou energético; e o ideal, ou final. Se nós conservarmos a verdade dessa declaração, nós temos que entender causação final como o modo de produzir fatos de forma que uma descrição geral do resultado seja feita (...). Causação final não determina de qual maneira particular ele [o resultado] foi conseguido, mas apenas que o resultado terá um certo caráter geral (CP Figura 123: Perspectiva em recorte do diagrama 3D aprimorado com a supressão das arestas estendidas das unidades básicas. 1.211). 111 A definição genérica de signo para Peirce “é Afinal, não há como realizar propriamente a a mais geral descrição da estrutura interna da interpretação sígnica se não pela instância que causação final” (Pape, 1993: 593). A semiose torna o interpretante outro signo. A opção por consiste no fato de que seus processos são desenvolver um diagrama não-euclidiano a partir governados por causações finais, pois “não da pressuposição da quadridimensionalidade pode existir um processo sígnico sem existir parece-nos alternativa viável para abranger a uma causação final ativamente envolvida nele” magnitude (Pape, 1993: 594). O processo de ação do signo embora não possamos vê-las, elas existem fora equivale ao processo de ação da mente. Para de nossa percepção (tanto quanto a quarta Peirce, “mente tem seu modo de ação universal, dimensão do espaço). Peirce se dedicou chamado de causação final” (CP 1.269), “a inclusive ao estudo da geometria não-euclidiana, mente trabalha por causação final, e causação especialmente ao da geometria hiperbólica final é causação lógica” (CP 1.250). Lógica, (Fisch apud Santaella, 1992: 98). A linearidade nesse sentido, é o mesmo que semiótica. 3D não nos parece suficiente para representar Se causação eficiente apresenta-se como condição particular, causação final das conexões do pensamento; essas conexões mentais que movem a semiose - e, conseqüentemente, todas as formas de diametralmente oposta - caracteriza-se pelo raciocínio. caráter geral, vago, pela lógica da vagueza, principalmente, o raciocínio criativo denominado generalidade o por Peirce abdutivo, o diagrama 4D assume comportamento dos diagramas representativos essa realidade da concretização da semiose na da lógica peirceana. A implementação dos quarta dimensão espacial. Examinemos o por diagramas 2D e 3D por meio de 4D corresponde quê. de propósito. Esse é Levando-se em consideração, ao aprimoramento do caráter genérico almejado O conceito de abdução, original do autor, pelos diagramas. Investiguemos, então, como a comporta-se como um estatuto de hipóteses, de quarta dimensão do espaço se conecta ao possibilidades, que não têm a preocupação pensamento peirceano. estrita de buscar a verdade. O momento da Peirce considerava a existência da quarta formulação de uma nova hipótese é poético, é dimensão espacial, justificando que, “embora nesse instante que a criatividade emerge. O em nenhum ponto do espaço onde já estivemos termo abdução foi desenvolvido em substituição nós à palavra hipótese, pois Peirce, “conforme tenhamos encontrado qualquer possibilidade de movimentação em uma quarta avançava dimensão, isso não tende a mostrar (por simples investigação científica, veio se deparar com um indução, pelo menos) que o espaço tem outro passo no processo através do qual idéias absolutamente três dimensões” (CP 2.732; cf. e teorias são engendradas, o que o levou (...) a também CP 6.575 e CP 7.308). Na quarta rejeitar a hipótese, introduzindo a abdução na dimensão do espaço, o processo semiósico sua classificação” (Santaella, 1992: 91). A concretiza uma melhor maneira de explicitar as capacidade relações intrínsecas ao processo e que não se corretas (il lume naturale) corresponde à noção esgotam na tríade signo-objeto-interpretante. de insight (introvisão) em Peirce. Apesar de seu 112 nos estudos humana de da natureza propor da hipóteses caráter instintivo, entretanto, a abdução é de cognição, natureza lógica, é inferência lógica. E a grande originária, Peirce continuou sustentando que questão que disso decorre é quais seriam, toda cognição é determinada por outra, o que então, as premissas da abdução. Não há regras significava para a ocorrência da abdução justamente cartesiano de que as premissas primeiras da porque a liberdade é seu principal traço. Não é demonstração são indemonstráveis” (Santaella, possível formalizá-la numa regra silogística. 1993: 41). Para Peirce, a cognição se dá como Abdução uma um processo contínuo, expresso por meio das primeiras inferências dedutivas, indutivas e abdutivas, não premissas são inconscientes: estão fora de havendo origem específica do processo. São nosso controle. Sobre se existiria alguma essas cognição não determinada por prévia cognição, propulsionam o pensamento - mesmo sem Peirce pondera: nosso controle deliberado e sem origem definida não elaboração é inata, cognitiva, pressupõe mas as qualquer atacar inferências, cognição, o é, postulado essas de fato, aristotélico- conexões que - que o diagrama 4D pode abranger e mostrar. Pareceria que sim; que existe ou existiu uma cognição prévia em todos os casos; uma 6.3.1. Diagrama spin network cognição primeira na série das nossas cognições (...). Mas há muitos fatos contra Acabamos de visualizar os diagramas bi e essa hipótese (CP 5.259). tridimensionais desenvolvidos e agora nos deparamos com o desafio da geração de um A cognição que mal começa já está diagrama quadridimensional. Mas qual seria a mudando; só no primeiro instante se pode necessidade/vantagem de um diagrama em 4D? dizer que seja portanto, Entendemos que é na quarta dimensão apreendê-la seria um evento que não espacial que o processo semiósico se completa, aconteceria no tempo. Além disso, todas as pois a interpretação sígnica se realiza na faculdades cognitivas que conhecemos são geração de um novo signo a partir da relação relativas, e seus produtos são relações. Mas signo-objeto-intepretante. a cognição de uma relação é determinada pareceu-nos a opção mais interessante para por concretizar cognições intuição. E, anteriores. Nenhuma e explicitar O diagrama em 4D essas relações cognição não determinada por outra anterior intrínsecas ao processo e que não se esgotam pode ser conhecida (CP 5.262). na tríade signo-objeto-interpretante. A linearidade 3D não é suficiente para representar Vemos que não há uma criatividade essas conexões mentais que movem a semiose absoluta, a abdução se dá por meio de e, conseqüentemente, toda a lógica peirceana premissas pré-existentes. A intuição é fruto advinda de sua fenomenologia. dessas premissas anteriores (inferências). Não A tarefa de investigação e experimentação há cognição imediata, essa sempre é resultado em 4D partiu do tetraedro, enquanto unidade de uma cognição anterior: “argumentando que básica nunca podemos saber, com certeza, se uma geométrica correspondente ao tetraedro em 4D 113 de nosso diagrama 3D. A figura é o hipertetraedro (cf. capítulo 2, item 2.1.2.). No decorrente do diagrama spin network. Vamos a entanto, não podemos deixar de considerar que, eles. ao abordarmos o universo n-dimensional, A teoria da gravidade quântica descarta a adentramos um mundo micro-atômico, cuja representação por meio de poliedros 3D e escala é a de Planck: comprimento = 10 área = 10 10 -44 -66 2 cm , volume = 10 -99 –33 cm, assume o diagrama spin network como modo de 3 cm e tempo = viabilizar segundos. Conforme disposto no terceiro a complexa representação hiperdimensional. capítulo, o espaço-tempo tomado numa escala A lógica do spin network considera um tão pequena quanto a de Planck exige uma volume tridimensional como sendo equivalente a representação geométrica específica. Optamos, um ponto (ou nó) e a área de cada face do então, o volume equivale a uma linha normal à própria desenvolvimento do diagrama em 4D, pelas face. Temos, ainda, que a conexão de vários estratégias geométricas surgidas com a teoria volumes distintos gera uma rede spin network. da gravidade quântica (loop quantum gravity): os Interessados em manter a lógica dos diagramas diagramas spin network e spin foam (cf. capítulo 2D 3, item 3.4.). Desta feita, contemplaríamos as configuração do especificidades da hipergeometria e incluiríamos inicialmente, construir o tempo de forma estrutural na representação conseqüentemente, o spin foam. como alternativa viável para diagramática. Pela teoria quântica, o tempo não e 3D aperfeiçoados, partimos hipertetraedro o spin da para, network e, Do hipertetraedro temos acesso apenas às é contínuo, é fragmentado e essa característica suas vai ao encontro das ponderações de Peirce Assim sendo, um hipertetraedro representado sobre o tempo. Como veremos mais adiante, em 3D é composto de cinco tetraedros, dez Peirce faces, 10 arestas e cinco vértices. considera descontinuidade e a a continuidade, ausência de a tempo projeções nas dimensões anteriores. Trata-se de uma figura pertencente ao imbricadamente. mundo das idéias, cuja construção se dá por A inclusão explícita do tempo no diagrama é analogia, partindo-se de um tetraedro. Enquanto um desafio que não havia sido solucionado nas um quadrilátero com suas diagonais pode ser instâncias 2D e 3D dos diagramas anteriormente visto como um tetraedro perspectivado, um desenvolvidos. de pentágono com as diagonais demarcadas pode mestrado, apresentamos uma animação do representar um modelo de hipertetraedro (cf. diagrama 3D (cf. CD-ROM que acompanha a figura 125). Em nossa dissertação tese) para melhor explorar as conexões dele advindas e para encadear a replicação das unidades formais básicas. Entretanto, não se pode confundir esse resultado do diagrama em movimento com a inclusão do tempo como um Figura 125: Se conectarmos os quatro vértices de um tetraedro visto em perspectiva (1) a um quinto vértice (2) teremos um hipertetraedro visto em perspectiva (3). Fonte: http://www.mathematischebasteleien.de/hypertetrahedron.htm. vetor da estrutura. A solução proposta para esse desafio se concretiza no diagrama spin foam, 114 Figura 126: Cinco tetraedros que compõem um hipertetraedro vistos em perspectiva com o destaque das linhas normais às suas faces, seguidos por seus respectivos diagramas spin network. Embora seja impossível a representação em 3D, na “realidade” hiperespacial todas as arestas do hipertetraedro têm a mesma dimensão. Na seqüência, hipertetraedro com apresentamos seus cinco um tetraedros componentes e seus respectivos spin networks (cf. figura 126). A figura 126 explicita, por meio de dez cores diferentes, as dez faces componentes do hipertetraedro. Essas faces se conectam entre si, de modo a configurar o tetraedro em 4D. Os spin produzido networks de separadamente cada tetraedro apresentam-nos Figura 127: Rede spin network formada pelos diagramas de cinco tetraedros componentes de um hipertetraedro. quais são as faces ali envolvidas e, assim, podemos interligar os cinco diagramas spin network entre si pelas faces Antes de prosseguirmos, faz-se necessário corretas rememorarmos e identificarmos o significado de correspondentes à realidade multidimensional cada elemento do diagrama spin network. Se o do hipertetraedro. volume de cada tetraedro é representado por A composição dos cinco diagramas spin um ponto (vértice) e, cada face, por uma aresta network configura a seguinte rede (cf. figura no spin network, cada um dos cinco vértices 127): resultantes equivale a um núcleo da unidade 115 básica 3D do diagrama aperfeiçoado e cada aresta corresponde a uma face do núcleo. Se cada face é composta de três arestas que representam tudo que é primeiro, segundo e terceiro na filosofia peirceana, temos a manutenção das relações do diagrama 3D, com o acréscimo na representação iterativa da lógica fractal, pois cada linha do diagrama spin network proposto traz dentro de si as três instâncias fenomênicas de Peirce (um dentro do outro, dentro do outro...). Figura 129: Perspectiva de uma unidade de rede spin network ligada a uma segunda unidade e, na seqüência, as duas ligadas a uma terceira unidade. A recursividade da teoria peirceana agora integra, estrutural diagrama. Não e indissociavelmente, advém exclusivamente o da conexão de um núcleo com outro. A rede spin network gerada passa a constituir-se como uma unidade que pode, então, ser replicada e interconectada. Para uma representação mais precisa da conexão de uma rede à outra pela posição equivalente das arestas e vértices, apresentamos a rede spin network com as dez respectivas faces preenchidas por cores Figura 130: Perspectiva de quatro unidades de rede spin network interligadas apenas por meio de uma face e, na seqüência, a movimentação da face superior de uma das unidades em direção à complementação da conexão. distintas. Dessa maneira, podemos identificar a ligação de faces equivalentes (cf. figuras 128 a 136). Figura 131: Perspectiva da conexão completa de uma das unidades de rede spin network e, na seqüência, a movimentação da face superior de mais uma das unidades em direção à complementação da conexão. Figura 128: Perspectiva interna e externa de uma unidade de rede spin network com as faces coloridas para melhor visualização. 116 Figura 132: Perspectiva da conexão completa de duas das unidades de rede spin network e, na seqüência, a movimentação da face superior da unidade restante em direção à complementação da conexão. Figura 135: Continuação da junção dos pares de faces equivalentes. Figura 133: Perspectiva da conexão completa de quatro unidades de rede spin network e, na seqüência, o início da junção dos pares de faces equivalentes. Figura 136: Junção completa das quatro unidades de rede spin network, equivalente ao retorno à figura inicial de uma unidade. O resultado da conexão de quatro unidades de rede spin network é uma metamorfose replicável infinitamente (cf. figura 137). O hipertetraedro representado em 3D apresenta seis faces externas e quatro faces internas (cf. figura 128). Ao conectarmos cada uma das faces (não demonstramos as conexões das Figura 134: Continuação da junção dos pares de faces equivalentes. faces internas no diagrama, pois as figuras se 117 Figura 137: Seqüência (storyboard) do processo de conexão de unidades de rede spin network. superpõem exatamente) a uma outra face em seu interior aumenta. Trata-se do uno que correspondente, geramos uma figura com 12 traz em si a multiplicidade. Apresentamos, junto faces externas (cf. figura 133). Essas 12 faces a esta tese, um CD-ROM com animações da são redobradas de maneira a conectar os seis configuração da unidade de rede spin network e pares de faces equivalentes resultantes (cf. suas conjugações, para melhor visualização do figuras 133 a 135). A redobra desses pares de processo de transformação. faces culmina no retorno a uma unidade de seis Este resultado apresenta-se como faces externas (cf. figura 136), como a unidade inesperado diante de nossa expectativa de que deu início ao processo. O retorno à unidade geração de uma rede expansiva no espaço, da rede spin network, iniciadora do processo, é como aquela decorrente da conexão de infinitas apenas da unidades básicas do diagrama 3D (cf. figura transformação guarda dentro de si as estruturas 113). Tão surpreendente quanto, foi reconhecer precedentes. Assim, a cada nova replicação, o o diagrama construído como um sistema processo cresce internamente, mesmo que dinâmico caótico: um espaço de estados com externamente pareça inalterado. A fractalidade tempo interno caracterizado pela “transformação aparente, pois o resultado 118 de padeiro” (Prigogine, 1996: 101-11; Prigogine se desenvolvem a partir dos estados e Stengers, 1984: 186-96 e 1992: 100-24). anteriores, de acordo com uma determinada Antes de prosseguirmos com a descrição da lei preestabelecida. Ou seja, conhecendo-se “transformação de padeiro”, vamos nos ater aos o estado do sistema em qualquer estágio conceitos implicados: sistema, sistema dinâmico (ou comportamento o que de natureza determinística, mas que têm, realizam muitas vezes, um comportamento que não elementos possuem se pode prever ou predizer (D´Ottaviano e propriedades, atributos, Bresciani Filho, 2004). Os características, caracteriza se refere a sistemas com processos que são como sendo as partes, os componentes, os atividades. que caótico. Desse modo, o caos determinístico elementos do sistema são considerados que possível muitas vezes se denomina determinismo qual possui uma funcionalidade. (...) Os agentes é ser particularmente o final. (...) E é esse elementos que formam uma estrutura, a os inicial, pode estágio (ou instante) posterior, que pode ser consiste de um conjunto de ou o que determinar o estado do sistema em um noção de sistema, abordada no capítulo 4: atores anterior, particularmente e sistema dinâmico caótico. Retomemos a Sistema instante) predicados e qualidades, que podem ser expressos por parâmetros variáveis ou constantes. O sistema também desenvolve O atividades (funções, processos, ações, etc.), sistema dinâmico caótico, por ser dinâmico, tem sua condição inicial conhecida e a assume estados e possui características trajetória de seus elementos regida por alguma (propriedades, etc.) próprias (D´Ottaviano e lei, mas por ser caótico, o sistema apresenta Bresciani Filho, 2004). instabilidade: sensibilidade nas ou às condições Um sistema pode ser identificado pelos iniciais, apesar da presença da lei. Para ilustrar seus estados (ou situações) e a evolução do e modelizar o conceito de sistema dinâmico sistema caótico, mudanças pode ser e Stengers escolheram dinâmico apresenta ao menos uma de suas seja, o estiramento e a redobra indefinidamente variáveis de estado dependente do tempo. reiterada Consideremos as particularidades de um representação do espaço das fases de um sist ema dinâmico caótico: sistema. dinâmico Um Prigogine especialmente a “transformação do padeiro”, ou sistema estados. pelas sistema O desses identificada caótico é comportamento efetivamente tem dominantemente determinísticas, aleatoriedade. um aleatório, (...) superfície, operação como matemática a da análogo formal do trabalho que um padeiro aplica a uma massa de pão: movimento sem fim mas de estiramento, de dobra e de redobra de uma comportamento por regras superfície abstrata. A transformação de padeiro, quando ocorre hoje clássica, é descrita como a transformação sistema de um ponto em outro no interior do espaço de conduzido mesmo A uma “transformação do padeiro” é uma espécie de visto comumente como sendo um sistema com um de O determinístico é aquele no qual os estados fases 119 de um sistema. A aplicação ou transformação de padeiro define um sistema repetindo indefinidamente a mesma seqüência caótico reversível. O espaço de fases desse de modelo tem duas dimensões: é um quadrado de transformação lado igual à unidade. A transformação consiste reversível, recorrente e caótica (Prigogine, 1996: em achatar o quadrado em retângulo, sendo 104-6). este, na seqüência, dobrado para reconstituir o específica do tempo envolvida na transformação quadrado coordenada de padeiro e, portanto, coextensiva ao diagrama horizontal (x) é a coordenada dilatante, pois a spin network. Prigogine e Stengers (1984: 190- dilatação do quadrado em retângulo realiza-se 6) vão se dizer convencidos de que o exemplo em sua direção. A coordenada vertical (y) é, por do padeiro permite descobrir um tempo interno oposição, ao sistema e que esse tempo interno também (cf. figura 138). contratante: na A direção desta transformações. de A padeiro Investiguemos dinâmica é, agora em a da suma, questão coordenada, os pontos se aproximam quando existe do achatamento do quadrado em retângulo sistemas. Distinguem, por conseguinte, dois (Prigogine, 1996: 101; Prigogine e Stengers, conceitos de tempo: o tempo trajetória e o 1984: 101 e 1992: 187). A transformação de tempo interno: para uma gama generalizada de padeiro pode também ser invertida (cf. figura 139). O quadrado é, então, não mais achatado Encontramos-nos agora em face de dois em retângulo, mas alongado verticalmente. Por conceitos de tempo: o tempo trajetória, o essa transformação inversa, faz-se voltar ao que vemos nos relógios, exterior ao nosso ponto quadrado organismo e a tudo o que é natural, e que transformado inicialmente. A transformação é, nos serve para medir e comunicar; e o portanto, reversível. tempo interno, o que, no caso do padeiro, se inicial cada ponto do mede pelo grau de fragmentação das partições e que, no caso dos organismos vivos, poderia, sem dúvida, aproximar-se do que se toma sob o conceito de “idade Figura 138: Transformação de padeiro. biológica”. Claro que estes dois tempos não podem, sem contradição, ser independentes; e não o são mesmo. No caso do padeiro, por exemplo, podemos repetir a transformação em cada segundo Figura 139: Transformação de padeiro invertida. (Prigogine e Stengers, 1984: 196). A aplicação de padeiro compartilha ainda sistemas No modelo de padeiro, o operador “tempo” dinâmicos, a propriedade de recorrência (e o ou “idade” (T) é introduzido pelas partições diagrama spin network também). decorrentes uma propriedade importante dos da aplicação sucessiva das Quando as coordenadas (x,y) de um ponto transformações de padeiro. Assim sendo, a são números racionais, após certo tempo, os idade é determinada pelas partições às quais pontos correspondem as distribuições (cf. figura 140 e terão um comportamento cíclico 120 141). Entretanto, de c onceito (cf. capítulo 4, item 4.2.1.): dados os distribuição corresponde a uma partição de conjuntos A e B, temos o produto cartesiano P = idade temos A x B definido assim P = { < x, y > / x ∈ A & y ∈ distribuições oriundas de partes de idades B }. P é construído pelos arranjos entre diferentes, temos somente uma idade média elementos de A e B, mas pode haver alguma (<T>) regra, lei ou restrição que guie a seleção desses bem nem toda determinada. (cf. figura função Quando 142) (Prigogine e Stengers,1984: 195): pares ordenados. A regra, assim sendo, irá selecionar um subconjunto R (relação) que se dará por: R = { < x, y > ⊂ complexos relações apresentam circulares, elementos Figura 140: Função de distribuição construída a partir de uma partição de idade 1. não P }. Sistemas necessariamente apesar serem de seus obrigatoriamente numerosos. Os sistemas constituídos de muitos elementos, arborescentes, apenas mesmo podem ser complicados, com relações considerados mas não obrigatoriamente complexos. A complexidade depende da quantidade de elementos, da Figura 141: Função de distribuição construída a partir de uma partição de idade 2. variedade de elementos, da quantidade de relações e da variedade de relações (D´Ottaviano e Bresciani Filho, 2004). Por tratar-se de um sistema dinâmico caótico, o diagrama spin network caracteriza-se como uma construção de espaço de estados, cujo tempo Figura 142: Função de distribuição construída a partir de metade da soma de uma partição de idade 1 e de uma partição de idade 2. interno funciona como sinônimo de semiose. Abordemos, então, o tempo em Peirce. Da associação do modelo de padeiro ao diagrama spin network aqui 6.3.2. Diagrama spin foam proposto, depreendemos que no diagrama, embora o tempo não se apresente concretamente como Doravante exploramos uma natureza de um vetor, ele se faz presente indiretamente, evoluções múltiplas e divergentes que nos como tempo interno ao sistema. A complexidade faz pensar não num tempo à custa dos do sistema-diagrama cresce internamente na outros mas na coexistência de tempos medida em que o tempo decorre (por entre as irredutivelmente diferentes e articulados. (...) partições das O tempo hoje reencontrado é também o transformações sofridas) e a semiose ocorre. A tempo que não fala mais de solidão, mas complexidade, enquanto parâmetro sistêmico sim da aliança do homem com a natureza evolutivo, pode ser caracterizada a partir do que descreve (Prigogine e Stengers, 1984: conceito 15). das de dobras relação. e redobras Resgatemos esse 121 Embora o tempo se faça indiretamente palavras de Peirce, “a completa concepção de presente no diagrama spin network e satisfaça a tempo pertence à terceiridade genuína” (CP lógica 1.384). do processo semiósico, ainda nos Continuidade é tempo. Santaella, interessa buscar uma representação visual entretanto, evidencia as relações do tempo com concreta a primeiridade e segundidade da seguinte do tempo em interação com o diagrama. A representação inclusão do deliberada tempo no da forma: diagrama complementa tanto a coerência conceitual do A primeiridade, por outro lado, é arcabouço teórico de Charles S. Peirce quanto a independente do tempo. Na primeiridade, a coerência físico-matemática do espaço-tempo categoria da pura possibilidade, não há nível multidimensional segundo a mecânica quântica. de degeneração. Secundidade degenerada, Sobre o tempo na esfera semiótica peirceana, tanto quanto terceiridade degenerada em consideremos as seguintes relações pertinentes: seu segundo ou mais alto grau (ambos próximos da primeiridade) estão também muito próximos da existência de relações a) Tempo é sinônimo de semiose ou a independentes de tempo. (...) Do ponto de ação do signo. vista do tempo, degeneração aqui significa b) Onde há tempo, há a ação do signo. qualquer tipo de descontinuidade. Em geral, c) A ação do signo é a de gerar um toda ação do signo sob o domínio da interpretante. secundidade aparece como descontínuo d) O interpretante é um esse in futuro. (Santaella, 1998a: 255). e) A ação do signo se desenvolve no tempo. f) Continuidade e descontinuidade coexistem: Semiose é também coextensiva à noção de mente. Onde quer que haja mediação, há g) Mente não é restrita a mentes humanas. continuidade ou tempo. Onde quer que haja h) Mente aparece onde houver a tendência instantaneidade i) e ação cega, há à auto-organização. descontinuidade, que deve ser apenas um Auto-organização é um sinônimo de componente do tempo desde que Peirce signo e tempo (Santaella, 1998a: 252, não grifos nossos). descontinuidade concebe continuidade como duas e realidades isoladas ou mutuamente excludentes. (...) A A noção semiótica de tempo, assim como noção de tempo de Peirce não deve ser toda a filosofia peirceana, não é uniforme ou entendida num sentido linear ou cronológico. estanque. Envolve sutilezas e variações por Tempo, para ele, não é cronologia. Ao entre contrário, é uma mera variável do espaço – as três primeiridade, categorias fenomenológicas: segundidade, terceiridade. o abstrato ou concreto locus onde as coisas Sinteticamente, destacaríamos o tempo como ocorrem ou ainda – como o tempo é sendo, comumente entendido (Santaella, 1998b: genuinamente, um fenômeno de terceiridade, por seu caráter contínuo. Nas 257). 122 Tempo em Peirce se caracteriza pelos relações em que o olho para a exterioridade diferentes graus de mistura entre continuidade do diagrama e o olho para a interioridade do (signo genuíno), descontinuidade (signos de imaginário juntam-se na unidade de uma segundidade) e ausência de tempo (quasi- consciência heuristicamente perceptiva (Ibri, signos de primeiridade). Essa variabilidade de 1994: 129). imbricações pode coexistir no interior de um A multiplicidade dos tempos em Peirce - mesmo fenômeno, em gradação, uma vez que as categorias fenomenológicas de Peirce são ligada à variabilidade coextensiva entre onipresentes. continuidade, descontinuidade e ausência - se reflete na estrutura do diagrama spin foam, Se considerarmos um diagrama como um alternativa da teoria quântica da gravidade para ícone de relações evidenciadas à visão, ter- representar se-á diante dela, a presentidade de todos dimensão do tempo no diagrama spin network. aqueles Ora, Se na teoria quântica da gravidade o espaço é pensamos ser esta a idéia de tempo contida definido pela geometria de um spin network, o no conceito kantiano de esquema, em que, tempo é definido pela seqüência de mudanças na realidade, o tempo é abolido para a distintas de posição que rearranjam a rede spin intuição. Aquelas qualidades são, para a network. predicados mente, relacionais. absolutamente o movimento (flutuação) da simultâneas, O tempo não flui como um rio, mas ao oferecendo-se já como uma primeira síntese compasso de um relógio, cuja marcação tem a e facilitando perceptivamente a associação duração do tempo de Planck: 10-44 segundos. As de outras às idéias correlatas. A síntese do linhas do spin network se tornam planos e os tempo implicaria, nestes termos, sua própria nós se tornam linhas no spin foam (cf. figura exclusão para a consciência; a importância 143). Pegando-se uma série de “fatias” da rede do tempo num diagrama é, na realidade, sua spin vital reunir, seqüência decorrente mostra a evolução da simultaneamente, todos os predicados de rede que se funde para se tornar um só ponto relações num único sistema. Lembremo-nos (cf. figuras 144 e 145). que esta presentidade das idéias para a conversão, acrescenta-se uma dimensão a mente é a sua condição fundamentalmente mais, justamente a do tempo. Essa estratégia heurística, destarte o diagrama, como ícone, geométrica corporifica a temporalização. ausência, ao se network em diferentes momentos, a Por meio dessa trazer o objeto representado em uma forma O tempo, definido por um diagrama spin que lhe é estruturalmente análoga. Exclui- foam, evolui por meio de uma série de se, mudanças para esta mente observadora, a abruptas e distintas em fluxo operações descontínuo. O diagrama de planos e pontos mnemônicas; a presentidade do diagrama tende ao uno - “volume singular” (Smolin, 2004: permiti-lhe de 63) - no decorrer do tempo e esse uno é quaisquer constrições: é este o estado de diferente: não é nenhum dos pontos anteriores, idealidade criadora, que irá descobrir novas é o resultante deles. necessidade recursiva uma a contemplação livre 123 Figura 143: Perspectiva da rede spin network, seguida pelo diagrama spin foam com os nós (em cinza) transformados em linhas e as linhas transformadas em planos. Para facilitar a visualização de todos os planos, preenchemos apenas um em cinza. Figura 144: Flutuação da dimensão do tempo no diagrama spin foam. Figura 145: Seqüência da evolução no tempo do diagrama spin foam fundindo-se para se tornar um só ponto. 124 Figura 146: Esquema de correspondência entre a noção de tempo peirceana e sua representação por meio do diagrama spin foam, no qual temos que: visão geral do diagrama = continuidade = terceiridade; momentos = descontinuidade = segundidade e ponto convergente = ausência de tempo = primeiridade. É essa consideração da descontinuidade do instantaneidade de momentos isolados, tempo, pela teoria quântica da gravidade, a descontínuos, traço característico do tempo em razão pela qual optamos pelo desenvolvimento sua de um diagrama spin foam que concretizasse descontinuidade não estão separadas, nem são exatamente o posicionamento de Peirce frente à excludentes. coexistência de continuidade, descontinuidade e classificação peirceana, são signos icônicos ausência do tempo. O diagrama spin foam dotados naturalmente de primeiridade e o tempo sintetiza em sua geometria discreta 1) as nessa instância está ausente. A ausência do relações triádicas básicas representativas da tempo se concretiza no ponto de convergência lógica (volume recursiva de Peirce presentes na instância segunda. Continuidade Diagramas singular) do em spin si, foam, e pela reunião estrutura do spin network; 2) ao incluir o tempo simultânea dos predicados do sistema (cf. figura no diagrama spin network (4D), torna-se uma 146). representação (5D) concreta do espaço-tempo Não poderíamos deixar de considerar as multidimensional e 3) desde que o tempo é formas entendido por Peirce como uma variável do hiperdimensionais no espaço curvo, uma vez espaço, alternando entre contínuo, descontínuo que a ciência comprova experimentalmente a e ausente, o spin foam evidencia à visão a curvatura do universo. No entanto, limitamo-nos conjugação da teoria peirceana com a teoria a indicar os primeiros passos deste, que se quântica da gravidade. configura Pela visão geral do diagrama, temos o representacionais como pesquisado. um Anexo, novo de desafio figuras a encontram-se ser as tempo contínuo característico da terceiridade, experiências embrionárias do desenvolvimento representativo diagramático no espaço curvo, a sinalização de seqüenciais da no mediação. Os cortes diagrama trazem a um possível caminho a vir a ser percorrido. 125 o que equivale a um comprimento de 10–33 6.4. FAQ (Frequently Asked Questions) centímetros. Sob essas condições, o espaçoOs diagramas apresentados nesta tese tempo exige uma representação geométrica podem suscitar questionamentos. Na seqüência, específica. Nossa escolha foi desenvolver o encontramos respostas para algumas prováveis diagrama em 4D por meio das estratégias questões, com o objetivo de explicitar os geométricas aspectos o diagramas spin network e spin foam. Assim, desenvolvimento desta tese, qual seja: o desafio teríamos uma representação mais elaborada e, de portanto, mais fidedigna das formas geométricas cruciais desenvolver representativos da que motivaram diagramas lógica eficientes recursiva da loop quantum gravity: os das hiperdimensionais e do próprio pensamento categorias fenomênicas de Charles Sanders peirceano. A mera substituição do tetraedro 3D Peirce. pelo hipertetraedro não seria a solução para a representação do diagrama em 4D, além de não Os diagramas são incluir deliberadamente a questão do tempo. simplesmente ilustrações da teoria? Qual a justificativa para elaborar uma Os diagramas não são ilustrações da teoria tese a partir da pressuposição da existência de Peirce - no mero sentido de ornar ou de dimensões espaciais além de três, sendo descrever detalhes. Os diagramas fazem parte que não há comprovação experimental? da teoria, integram-na e concretizam-na. Eles não ilustram simplesmente a teoria, contribuem para o movimento de Rovelli, os absolutamente convencidos de que o universo é caracteres integrantes do diagrama (linhas, n-dimensional, pois a teoria quadridimensional formas, cores...). Por meio dos diagramas (três dimensões de espaço + uma de tempo) geométricos, a riqueza do ícone se revela na não é suficiente para descrever adequadamente variabilidade de interpretantes possíveis de todas as forças que comandam o universo. Em serem gerados, sem perder a alteridade do nível 1926, o matemático Oskar Klein calculou que a indicial (característico da visualidade). quarta dimensão do espaço deveria ter 10-33 significação, de possibilitado construção Cientistas como Weinberg, Gribbin, Kaku, por todos Smolin, Ashtekar, Kauffman estão centímetros, o comprimento de Planck, ou seja, algo extremamente pequeno para ser detectado Para o desenvolvimento do diagrama 4D, por que não se manteve a mesma estrutura por do substituindo-se comprimento de Planck é 100 bilhões de bilhões simplesmente a figura do tetraedro pelo de vezes menor que o próton, pequeno demais hipertetraedro? para ser investigado pelo maior acelerador de diagrama 3D, qualquer experimento terrestre. O partículas. Entretanto, um corpo bem definido de A quarta dimensão espacial é minúscula, tão equações matemáticas descreve a existência de minúscula que ainda não se conseguiu alcançá- dimensões hiperespaciais. Conforme Peirce la experimentalmente. Sua escala é a de Planck, ponderou, o fato de não podermos ver a quarta 126 dimensão espacial não implica sua inexistência (CP 2.732). E Friedrich Nietzsche (1844-1900) assim nos instiga: Trabalhamos apenas com coisas que não existem: linhas, planos, corpos, átomos, intervalos divisíveis de tempo, espaços divisíveis. Como podem as explicações ser possíveis quando primeiro transformamos tudo em uma imagem, nossa imagem! (Critical Art Ensemble, 2001: 125). A construção - tanto do conceito de diagrama quanto da elaboração efetiva de diagramas de modo multidisciplinar, desde a teoria dos signos, perpassando a teoria geral dos sistemas, design da informação até a geometria não-euclidiana e teoria quântica da gravidade - considerou a imbricação de variáveis como o pensamento, o espaço e o tempo. Os diagramas por nós apresentados nesta tese, por meio do design de suas informações, evidente o buscam processo favorecer de e tornar constituição de pensamento em pensamento, a síntese última da semiose, o cerne da filosofia prodigiosa de Charles Sanders Peirce. 127 Ashtekar/articles/final.pdf> Acesso em Bibliografia 04/07/20005 ABDALLA, Elcio e CASALI, Adenauer G. (2003). ATLAN, Henri (1992). Entre o cristal e a fumaça Cordas, dimensões e teoria M. In Scientific – Sobre a organização do ser vivo. American Brasil. 10: 28-35. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge ALLWEIN, Gerard e BARWISE, Jon (eds.) Zahar. (1996). Logical reasoning with diagrams. Oxford: Oxford University Press. BAGLIVO, Carmelo e GALOFARO, Luca (2003). Digital odyssey – A new voyage in the ALZAMORA, Geane (2004). A semiose da mediterranean. Basel: Birkhäuser. informação webjornalística. In BRASIL, A.; FALCI, C. H.; JESUS, E. e ALZAMORA, G. BANCHOFF, Thomas (1990). Beyond the third (orgs.) Cultura em fluxos. 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No entanto, a forma mais fiel à realidade hiperespacial para construir um hipercubo - e conseqüentemente todo e qualquer hipersólido deveria ser por arcos de circunferência, devido à curvatura do espaço. Ainda no capítulo 2 (item Figura 147: Representação do hipertetraedro no espaço curvo. Fonte: http://www.terra.es/personal8/vibarbero/3geom/ burbujas.htm 2.1.), exploramos a questão cientificamente comprovada de que o espaço é curvo numa dimensão invisível, além de nossa compreensão espacial. A representação de figuras hiperdimensionais no espaço curvo apresenta um conjunto de “bolhas”, nas quais podemos distinguir vértices, faces e arestas, ainda que estejam curvadas. As bolhas partem de regiões espaciais, que são zonas de espaço que separam elas próprias. Faces são os polígonos curvados, limitados pelas arestas, ou seja, área de contato entre bolhas. Arestas são os arcos ou segmentos de borda das faces, que vão de um vértice a outro. Vértices são os pontos extremos das arestas. Assim sendo, Figura 148: Representação do hipercubo no espaço curvo. Fonte: http://www.terra.es/personal8/vibarbero/3geom/ burbujas.htm um hipertetraedro representado no espaço curvo (cf. regiões Vislumbramos, portanto, a representação do tetraédricas, 10 faces triangulares, 10 arestas e espaço hiperdimensional curvo como o caminho cinco vértices. Observamos que a constituição é a ser percorrido em pesquisas futuras, rumo à a mesma do hipertetraedro não considerado no expansão dos diagramas por nós apresentados espaço curvo, a diferença fica por conta nesta tese. Com o objetivo de iniciarmos a somente da curvatura. Da mesma maneira, experimentação do desenvolvimento formal, teríamos um hipercubo representado no espaço considerando a curvatura do espaço, propomos figura 147) conta com: cinco 142 as seguintes disposições de nosso diagrama spin network representadas no espaço curvo (cf. figuras 149 a 153): Figura 152: Perspectiva do diagrama spin network representado no espaço curvo. Figura 149: Perspectiva do diagrama spin network representado no espaço curvo. Figura 150: Perspectiva do diagrama spin network representado no espaço curvo. Figura 153: Perspectiva do diagrama spin network representado no espaço curvo. Como pudemos observar nos diferentes ângulos perspectivados do diagrama spin network representado no espaço curvo (cf. figuras 149 a 153), a lógica da estrutura do hipertetraedro permanece inalterada e, conseqüentemente, as relações com a filosofia peirceana também. Podemos compará-la à estrutura spin network apresentada na figura 127, capítulo 6. Por acréscimo, temos um diagrama mais orgânico e mais condizente com Figura 151: Perspectiva do diagrama spin network representado no espaço curvo. a realidade do mundo n-dimensional curvo que 143 habitamos. Por enquanto, trata-se apenas de (pre)visões de representações um possível diagramáticas vir-a-ser das originalmente propostas nesta tese. 144