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Universidade Federal do Rio de Janeiro Tradução comentada da Vida de Calígula do De Vita Caesarum, de Suetônio Braulio Costa Pereira 2016 Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa Tradução comentada da Vida de Calígula do De Vita Caesarum, de Suetônio Braulio Costa Pereira Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Clássicas. Orientador: Prof. Dr Anderson de Araújo Martins Esteves Rio de Janeiro Fevereiro de 2016 Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Comissão de Pós-Graduação e Pesquisa Tradução comentada da Vida de Calígula do De Vita Caesarum, de Suetônio Braulio Costa Pereira Prof. Dr. Anderson de Araújo Martins Esteves Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. Rio de Janeiro, 29 de fevereiro de 2016 _____________________________________________________________________ Orientador, Prof. Dr. Anderson de Araújo Martins Esteves - UFRJ _____________________________________________________________________ Prof. Dr. Amós Coelho da Silva – UERJ _____________________________________________________________________ Profª. Drª Arlete José Mota – UFRJ _____________________________________________________________________ Profª. Drª. Fernanda Messeder de Moura – UFRJ, Suplente _____________________________________________________________________ Profª. Drª Regina Maria da Cunha Bustamante - UFRJ, Suplente Agradeço A Deus; Aos meus pais Maria e Oscar, minha irmã Barbara, minha tia Maria do Socorro e demais familiares pelo constante apoio; Aos amigos que fiz na faculdade, que são também familiares; A todos os professores que me ajudaram a chegar até aqui, desde a infância; A Anderson Martins, que me orientou na Academia e na vida; À UFRJ por tudo o que me proporcionou; Aos professores da banca, pela paciência; Àqueles que minha memória reconhecer, mas não meu coração. falha em Pereira, Braulio Costa Tradução comentada da Vida de Calígula do De Vita Caesarum, de Suetônio / Braulio Costa Pereira. - Rio de Janeiro: UFRJ, 2016. vii, 114 f. ; 30 cm. Orientador: Anderson de Araújo Martins Esteves. Dissertação (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, 2016 Referências bibliográficas: f. 122-124. 1. Suetônio. De Vita Caesarum Liber IIII – Tradução para o Português. I. Esteves, Anderson de Araújo Martins. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. III. Título. RESUMO Tradução comentada da Vida de Calígula do De Vita Caesarum, de Suetônio Braulio Costa Pereira Prof. Dr. Anderson de Araújo Martins Esteves Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. O presente trabalho apresenta uma proposta de tradução e comentários da Vida de Calígula, biografia que faz parte do conjunto de doze biografias escritas por Suetônio no século II d.C., conhecidas como De Vita Caesarum. Além da tradução e dos comentários, são apresentadas reflexões a respeito do contexto histórico e literário de produção da biografia e a respeito da biografia enquanto gênero literário na Roma Antiga. Palavras Chave: De Vita Caesarum, Suetônio, Calígula, Biografia, Tradução ABSTRACT A commented translation of the Life of Caligula from Suetonius’ De Vita Caesarum Braulio Costa Pereira Prof. Dr. Anderson de Araújo Martins Esteves Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas. ABSTRACT This work presents a translation and comments proposition of the Life of Caligula, part of the twelve biographies written by Suetonius on the II century A.D., known as De Vita Caesarum. Other than the translation and the comments, reflections on the historical and literary context of this biography and on the biography as a genre in Ancient Rome are presented. Keywords: De Vita Caesarum, Suetonius, Caligula, Biography, Translation 8 SUMÁRIO 1 Introdução...................................................................................................................................9 2 O contexto histórico da obra de Suetônio..................................................................................12 2.1 O Império Romano e o sistema do Principado........................................................................13 2.2 Suetônio..................................................................................................................................20 3 A biografia enquanto gênero literário.......................................................................................25 3.1 Gêneros textuais na Antiguidade Clássica.............................................................................25 3.2 Historiografia e biografia em Suetônio: fronteiras entre gêneros..........................................32 4 Texto e tradução........................................................................................................................45 5 Conclusão................................................................................................................................118 6 Referências Bibliográficas.......................................................................................................122 9 1 Introdução No presente trabalho, nos propusemos a fazer uma tradução com comentários da biografia de Calígula, parte integrante do conjunto de doze biografias de líderes romanos escritas por Suetônio no século II d.C., e conhecidas em português como “Vidas dos Doze Césares” – De Vita Caesarum, no original. A relevância desse trabalho reside nas questões que são levantadas através das reflexões feitas sobre o estilo do texto, pouco dado a malabarismos literários. Assim, ao longo da tradução da vida de Calígula, procurou-se sempre manter o estilo mais próximo daquilo que Suetônio tentou utilizar em latim – uma linguagem simples, seca, sem rebuscamentos, mas nem por isso chã ou desprovida de ornamento. A tradução tentou simular a maneira como Suetônio parece tentar apagar as marcas de sua própria escrita, deixando que os fatos se apresentem, sumarizando o ocorrido quase sem fazer uso das estruturas típicas de um texto narrativo. As rubricas de que o autor faz uso, ao colocar um substantivo relevante logo no início das seções de anedotas que tratam de determinado assunto, também foram respeitadas, mas é preciso ter em mente que a liberdade de posicionamento das palavras em língua portuguesa não é tão grande quanto a que existe em língua latina, o que muitas vezes exigiu algumas adaptações. Em nosso trabalho também foram consultadas outras traduções, não somente em língua portuguesa, como também em francês e inglês. Lembramos que a última tradução brasileira do De Vita Caesarum foi a de Sady-Garibaldi, datada de 1937, que apresentou várias reedições. Os comentários acrescentados à tradução possuem diversas motivações. Em primeiro lugar, procurou-se fornecer explicações ligadas ao uso de vocábulos incomuns na língua portuguesa, geralmente relacionados a realidades sociais e históricas que já não fazem parte do cotidiano das pessoas no século XXI, e que podem acabar trazendo ao texto um caráter enigmático que Suetônio não pretendia lhe conferir. Assim, forneceramse explicações sobre estruturas governamentais, eventos sociais, objetos ligados ao dia a dia dos romanos do período imperial, termos ligados a práticas religiosas que já não são facilmente reconhecidos pelos leigos, e principalmente sobre o vocabulário técnico de que Suetônio parece muitas vezes abusar ao longo do texto. 10 Além disso, a própria natureza erudita do autor fez com que ele buscasse não se tornar repetitivo. Assim, como a vida de Calígula é o quarto texto de uma série de doze, algumas referências que foram devidamente explicadas em biografias anteriores como a de Tibério acabaram sendo suprimidas pelo autor na biografia de Calígula. Uma vez que esse trabalho não se propõe a apresentar a tradução das doze biografias, alguns esclarecimentos se fazem necessários. Por fim, Suetônio também aparenta ter em mente o tipo de leitor que vai se interessar por sua obra: sendo ele um membro da ordem equestre, um dos integrantes do círculo literário de Plínio, que incluiu os principais autores de renome da época como o historiador Tácito, e, à época da publicação do De Vita Caesarum, já um autor devidamente estabelecido e experimentado, ele sabia que seu público leitor seria constituído por membros da ordem senatorial e da ordem equestre – a aristocracia romana. Esses leitores já teriam tido acesso a um nível de educação e envolvimento nas esferas políticas e sociais de Roma que dispensaria a explicação, muitas vezes até mesmo a menção a fatos históricos de importância. Mas o que antes era lugar-comum na Roma Antiga, acaba por se tornar obscuro no século XXI. Esses comentários também tem a função de preencher as lacunas deixadas por Suetônio de que o leitor não teria como saber mesmo tendo lido as doze biografias. Suetônio é talvez um dos autores cuja tradução exige ser comentada, sob a pena de o texto traduzido e desprovido de aparato crítico fornecer ao leitor a falsa impressão de que a matéria tratada é um assunto para iniciados, quando na verdade o autor tentou fazer com que seu texto fosse o mais simples possível a falar daqueles mesmos assuntos, sobretudo se comparado a escritores de outros gêneros como a historiografia. A partir da tradução, foi impossível não se questionar a singular natureza das biografias de Suetônio dentro do contexto histórico e literário em que se inserem. Por exemplo, o fato de, não muito tempo antes da publicação dos primeiros livros do De Vita Caesarum, Tácito ter publicado também textos pertencentes ao gênero historiográfico que tratavam quase exatamente do mesmo período, leva-nos a questionar a relação de contraste que pode ter sido formada entre os dois textos, e mesmo entre os dois autores, pela necessidade que Suetônio teve de tornar seu trabalho diferente daquilo que Tácito já 11 havia logrado escrever. Basicamente, a relação que se formou entre o trabalho do historiógrafo e o trabalho do biógrafo. Com isso, foi necessário buscar outros exemplos de biografia ao longo do processo de constituição desse gênero na literatura latina para entender que tipo de expectativas foram confirmadas ou subvertidas na escrita do De Vita Caesarum e como essas expectativas dialogam com o cânone literário da antiguidade – uma análise que se torna ainda mais complexa e interessante pelo fato de o gênero biográfico não ser reconhecido formalmente como tal por nenhum dos autores da antiguidade clássica, tanto grega quanto latina, cujos textos se dedicaram a tratar de gêneros literários. Também o contexto histórico apresenta uma óbvia relevância para a obra de Suetônio. Tendo ocupado cargos públicos de importância ao longo dos governos de Trajano e Adriano, e fazendo parte do círculo literário de Plínio, que apresentava fortes opiniões sobre a maneira adequada de governar o Império, ele não teria como ficar isento de uma certa carga ideológica que pode transparecer em muitas de suas biografias, principalmente aquelas que assumem um tom crítico mais acentuado. Muito embora Suetônio não se subscreva à tradição de escrita biográfica filosófica (baseada nas ideias dos filósofos peripatéticos), cujas principais aspirações incluíam fazer uma crítica moral dos biografados, parece-nos que o uso de estruturas anedóticas para a melhor exposição do caráter dos imperadores derivaria das práticas empregadas por essa mesma tradição. Assim, o tom superficialmente imparcial de Suetônio não impede que se veja nas entrelinhas uma opinião geral que o autor apresenta sobre os assuntos tratados. Esperamos que a biografia de Calígula consiga demonstrar essa hipótese de maneira satisfatória. O presente trabalho foi resultado de uma pesquisa que na verdade se iniciou antes mesmo de meu curso de mestrado, uma vez que comecei a me interessar pela biografia de Calígula ainda durante a graduação. Os primeiros resultados da pesquisa foram essenciais para o desenvolvimento do que agora se segue. A tradução foi feita com base no texto latino estabelecido por Henri Ailloud na edição Les Belles Lettres de 1931. 12 2 O Contexto histórico da obra de Suetônio Qualquer análise que se pretenda séria sobre uma obra literária tem de lidar com o problema do contexto. Independentemente da posição teórica da qual se parte, nenhum estudioso pode ficar alheio ao fato de que a obra literária não existe no vácuo, e que, embora análises que se limitam apenas ao texto sejam perfeitamente possíveis, e em alguns casos até mesmo recomendadas, algumas obras parecem exigir que se leve em consideração o contexto de produção, o contexto de recepção e as implicações que esses contextos podem trazer à leitura. No caso de um texto da literatura latina, marcado antes de qualquer coisa pela sua distância no eixo temporal em relação a nós, parece temerário debruçar-se sobre as obras sem uma tentativa prévia de compreender o contexto que as ajudou a produzir. É leviano achar que as mentes do século XXI são capazes de compreender os conflitos sociais da República Romana, ou o drama do esfacelamento do Império, ou as relações familiares entre senhores e escravos sem que haja um estudo razoavelmente aprofundado daquilo que norteia as aflições das pessoas que viveram essas épocas. Apesar de sermos, enquanto membros da civilização ocidental, os descendentes desses indivíduos, e ainda carregarmos em nossas mentes muitas das questões que não foram respondidas por seus pensadores originais (ou que foram respondidas diversas vezes, de maneiras diferentes), a distância temporal nos impede de alcançar com propriedade aquilo que buscamos: o outro. Toda tentativa de nos identificarmos com esse outro está fadada ao fracasso – o que não nos escusa de tentar. Pensando nessas questões, não seria possível iniciar uma análise da obra de Suetônio sem antes tentar caracterizar, minimamente, o ambiente em que sua obra se desenvolveu. Essa análise, é claro, não pode ser exaustiva, pois, do contrário, pode correr o risco de perder o seu foco. Assim, tendo em conta que Suetônio foi um autor do século II d. C., um cavaleiro romano, e que sua obra procura compreender e definir o comportamento de diversos líderes políticos que foram chamados de ‘Césares’, é necessário entender o que um homem do século II d. C., com acesso a uma educação que poucos tiveram em seu tempo, entendia quando falava de um ‘César’. Seria o César um 13 imperador? Mas o que é um imperador, afinal? No que ele difere de um ditador ou de um rei do oriente? Como funciona a estrutura do seu governo? Até onde se estende sua autoridade (política e geograficamente)? Mais do que isso, o imperador sempre foi o mesmo? Será que Calígula, cuja biografia vamos traduzir, tinha os mesmos direitos e deveres, tinha de lidar com as mesmas expectativas que os governantes da época de Suetônio, como Trajano e Adriano? E quais seriam os interesses de Suetônio em trazer à tona as biografias desses líderes? Seria um simples exercício de erudição? Poderíamos falar aqui numa obra de propaganda? Talvez numa obra que procura ser didática, apresentando exemplos do que se deve ou não fazer quando se chega ao poder como imperador? Aliás, será que os futuros imperadores leriam sua obra? Todas essas questões serão abordadas nas linhas que seguem. Espera-se, com isso, recriar o contexto de produção da obra de Suetônio, de modo a deixar mais claro aquilo de que falaremos durante a tradução da Vida de Calígula. 2.1 O Império Romano e o Sistema do Principado Levando em conta que a obra de Suetônio não só foi produzida no contexto histórico do Império, mas também se dedica a trabalhar com a própria noção de César, cabe aqui tentar compreender o que foi esse sistema de governo e como defini-lo. A definição ideal para a análise da obra de Suetônio seria aquela que o próprio Suetônio nos fornecesse. Mas, infelizmente, não fazia sentido para ele buscar uma definição de Império ou uma definição de César. Tais categorias estavam relativamente claras no pensamento do homem romano, sobretudo na época em que Suetônio viveu, quando o governo dos Césares já era reconhecido como o poder oficial havia quase dois séculos. Falar dos Césares era algo comum, tido como natural. Não havia necessidade de buscar uma definição teórica para o assunto. Isso faz com que nós, estudiosos do século XXI, tenhamos de nos valer de trabalhos teóricos sobre o assunto que procurem esclarecer o que o senso comum dos 14 homens daquela época entendia por Império, e como um César poderia ser reconhecido legitimamente como tal. Não é surpresa para ninguém o fato de que uma tentativa de definição sobre uma categoria tão abstrata quanto o “Império” cause perplexidade: para começar, o termo apresentava definições diversas para os próprios romanos1. Consultando o Dictionnaire Etymologique de La Langue Latine, de Ernout & Meillet, é possível compreender de maneira mais clara a evolução dos diferentes significados do termo: Imperium designa o poder soberano (por exemplo, o do pai de família sobre seus filhos, do senhor sobre seus escravos), imperare quer dizer “comandar como senhor”. Daí, na linguagem política, o sentido de imperium “comando, poder soberano de tomar todas as medidas de utilidade pública, mesmo fora das leis2 (ERNOUT&MEILLET, 1951: 74) Com essa definição, já é possível deixar de lado os usos mais corriqueiros de imperium enquanto “ordem”, “comando”, que não nos servem para trabalhar com o termo do ponto de vista político. A noção de comando militar é menos facilmente deixada de lado, mas também é menos importante no momento. Cabe aqui entender o imperium como o poder soberano exercido na esfera política, um poder tão absoluto que poderia até mesmo ignorar as leis. Mas, para nossa frustração, essa definição ainda é muito vaga, e não nos explica como esse sistema de governo funcionaria em suas estruturas mais profundas, nem como o povo se permitia convencer da legitimidade de um governante que recebesse um poder tão grande. Além da confusão derivada da própria polissemia do termo imperium em latim, não se pode esquecer que esse termo deu origem a palavras análogas nas mais diversas línguas. Com a diferença de que palavras como “Império” ou “Empire” designam 1 Mesmo os dicionários mais concisos oferecem um número relativamente elevado de definições para o termo imperium. Por exemplo, o Dicionário de Latim-Português/Português-Latim da Porto Editora, que contém cerca de 26000 entradas em latim, oferece as traduções: poder; autoridade; ordem; mando; poder supremo; hegemonia; soberania; comando militar; magistratura; Estado; Império. (PORTO EDITORA, 2012: 230) 2 “Imperium désigne le pouvouir souverain (par ex. du père de famille sur ses enfants, du mâitre sur ses esclaves), imperare veut dire “commander en mâitre”. De lá, dans la l. politique, le sens de imperium “commandement, pouvouir souverain de pendre toutes mesures d’utilité publique, même en dehors des lois”. 15 realidades que, embora análogas, reúnem diferenças fundamentais em relação ao tipo de Império de que se fala quando estamos tratando da Roma Antiga. E as semelhanças entre os sistemas de governo do Império Romano e o governo do Império Brasileiro, por exemplo, em lugar de auxiliar o pesquisador, podem levá-lo ao engano. Essa é uma preocupação expressa por diversos teóricos, como se pode observar nesta afirmação feita por Patrick Le Roux, que observa os riscos de se tomar uma postura anacrônica ao tratar do fenômeno político que foi o Império Romano como algo essencialmente idêntico aos outros sistemas de governo que foram chamados de impérios ao longo da História: A expressão “o Império Romano” admite diversas definições parciais, e teremos de combinar elementos de cada uma delas, caso queiramos nos aproximar de um conceito mais completo. Todos acreditam saber do que estão falando, mas captar esse conceito em sua totalidade é um verdadeiro desafio. Antes de mais nada, para estabelecermos uma conceituação precisa, será necessário libertá-la de todas as semelhanças enganosas que vem sendo encontradas com o Império Britânico ou o Império Francês. Hoje em dia, se pretendermos estabelecer qualquer comparação com o Império Americano, seremos novamente levados a cair na armadilha de um anacronismo. (LE ROUX, 2010: 7-8) Alguns dos pontos de divergência entre esses diversos sistemas de governo saltam aos olhos quando se faz uma observação mais detida. Há, por exemplo, a questão da escolha do novo líder após a morte do atual. Enquanto em regimes mais modernos se pode afirmar que essa escolha era baseada única e exclusivamente em critérios familiares, sendo o governante legitimado por ser um descendente direto de seu sucessor, no Império Romano isso não ocorria exatamente da mesma forma. Se admitimos que o primeiro princeps foi Otávio Augusto, cujo governo durou de 27 a.C. a 14 d.C., fica claro que, embora o critério de parentesco seja relevante tanto para a escolha do próprio Augusto como para a escolha de seu sucessor, ele não é determinante ao ponto de que apenas aqueles reconhecidos como descendentes diretos sejam elegíveis para o comando. Augusto recebeu o poder de Júlio César – que, apesar de seu comando absoluto sobre Roma, nunca chegou a ser um imperador, governando sob as alcunhas de cônsul e, mais tarde, ditador – que não era seu pai biológico. Ainda que pertencessem a 16 um mesmo clã, a gens Iulia, seu grau de parentesco era originalmente mais afastado – o então chamado Caio Otávio era sobrinho-neto de César. No entanto, ele foi adotado em testamento por César, passando a ser seu filho de fato e assumindo o nome de seu pai adotivo, e, por fim, após a derrota de Marco Antônio, o título de Augusto. Quanto ao sucessor de Augusto, Tibério, não se pode afirmar sequer que pertencia originalmente ao mesmo clã do pai adotivo. Pelo contrário, sua família vinha fugindo de Otaviano quando ele próprio era ainda uma criança, já que sua mãe, Lívia Drusila tivera como marido um aliado de Marco Antônio, Tibério Cláudio Nero, seu pai biológico. Augusto, no entanto, acabou se apaixonando por Drusila e Tibério, quando da morte de seu pai adotivo, terminou por assumir o governo. Com apenas esses dois exemplos, é possível notar que, primeiramente, o parentesco existente entre o imperador e seu sucessor não era necessariamente sanguíneo: a adoção era vista como uma maneira legítima de se manter o comando do Império dentro do mesmo clã. Em segundo lugar, não havia a necessidade de manter uma mesma família no controle, bastando que o sucessor pertencesse de alguma forma ao mesmo clã, ou melhor, à mesma gens de seu antecessor. A verdade é que a legitimidade do imperador não era determinada, ideologicamente, pelo seu parentesco. Ou, pelo menos, não somente por ele. Na teoria, o imperador era apenas mais um cidadão como qualquer outro, ao qual eram fornecidos poderes para administrar o Império. Tornar-se imperador era assumir uma responsabilidade, quase como tomar um fardo muito pesado de garantir o bom funcionamento de Roma e de suas províncias. Cabia a ele cuidar bem da república – sim, porque a noção de república não se perdia no governo dos Césares. 3 O que o fazia ser reconhecido como tal era um consenso entre os membros da sociedade de que aquele indivíduo seria capaz de cumprir sua árdua tarefa. A questão do parentesco, da Como afirma Veyne: “No Império, a palavra república não deixará de ser pronunciada em momento algum – e não se trata de uma ficção hipócrita. Sob o Antigo Regime, o indivíduo estava a serviço do rei; um imperador, ao contrário, servia à República. Ele não reinava para a própria glória, como um rei, mas para a glória dos romanos; suas conquistas e vitórias, celebradas nas moedas que cunhava, visavam única e exclusivamente ao benefício da gloria Romanorum ou da gloria rei publicae. (...) O regime imperial não mantinha sua fachada republicana por meio de uma ficção, mas à custa de um compromisso; o príncipe não podia nem desejava abolir a república, pois esta lhe era imprescindível – sem a ordem senatorial, sem os cônsules, os magistrados e promagistrados, o Império, destituído de sua coluna vertebral, ruiria. (VEYNE, 2009a: 8-9) 3 17 hereditariedade do Império, era simplesmente uma maneira de tornar a sociedade mais receptiva ao novo governante – não podemos esquecer que, para o romano, as virtudes de um homem eram muitas vezes hereditárias, sendo mais fácil acreditar que um indivíduo será um governante eficiente se ele for membro de uma gens na qual outros indivíduos já se haviam provado capazes de fazer o mesmo4. Esse consenso existente entre as diversas camadas da população não pode ser visto como uma votação popular. Na verdade, como nos lembra Veyne, ele era muito mais uma ferramenta ideológica, na qual diferentes setores da sociedade eram “representados” por alguns indivíduos em particular que atuavam como a voz de camadas populares muito mais numerosas.5 Basicamente, cabia ao senado e ao exército determinar quem era ou não elegível para exercer a soberania, e com o reconhecimento destas duas forças, o imperador era considerado legítimo. Mas ainda assim, talvez ainda por influência da aristocracia existente já desde os tempos da República, embora o imperador pudesse teoricamente ser qualquer um, havia uma clara preferência por aqueles que faziam parte do mesmo clã. Assim foi que se constituiu, com a passagem do governo de Augusto para Tibério, a primeira dinastia de imperadores que Roma conheceu – a dinastia júlio-claudiana. Os primeiros imperadores eram todos descendentes de Otávio Augusto, fossem eles de fato membros da família ou simplesmente adotados pela gens Iulia. Assim ocorreu com Tibério (14-37 d. C.), que, como já dissemos, não era seu filho legítimo, mas sim de um casamento anterior de Drusila. Há um consenso entre os historiadores de nossa época e da própria antiguidade de que Augusto não tinha grandes expectativas para Tibério6, mas, encurralado, 4 O mesmo também vale para os vícios, no entanto. Suetônio afirma que a filha de Calígula, ainda bebê, já demonstrava traços da ferocidade do pai, chegando até mesmo a atacar as crianças que brincavam perto dela. (Cal, XXV, 8). 5 “Como alguém se tornava imperador? Aqui, para compreendermos a questão, é preciso abrir mão de buscar um direito público, regras, fundamentação legal; só havia um jogo de forças. O êxito, as demonstrações de força e a submissão eram encobertos, após a vitória, pela ficção de um consenso de todos os cidadãos.” (VEYNE, 2009a: 5). 6 Como afirma Grimal, Augusto pretendia deixar o governo para um de seus netos, Lúcio ou Caio, filhos de Júlia e Vipsânio Agripa, mas: “Infelizmente esses dois jovens, que foram, desde a infância, cumulados de honras e que todos consideravam sucessores do príncipe, morreram aos 20 anos. Lúcio pereceu primeiro, em 2 d.C.; e Caio logo o seguiu. Augusto precisou resignar-se a buscar um sucessor entre os filhos de Lívia. Dos dois irmãos, nesse momento, só o mais velho sobrevivera, Tibério (...) Augusto não sentia nenhuma simpatia por ele. Só o escolheu porque não havia nenhum outro membro de sua casa capaz de assegurar, melhor ou pior, a sobrevivência de sua obra.” (GRIMAL, 2011: 132). 18 precisando de um herdeiro que pudesse cuidar de seu legado sem esfacelá-lo, foi necessário que ele concedesse o poder a seu filho adotivo, mesmo a contragosto. Entre Tibério e Calígula (37-41 d.C.), as relações não eram menos animosas. Basta lembrar que, como se verá na tradução da vida de Calígula, o jovem que viria a ser o terceiro imperador mais de uma vez se vangloriou de ter chegado perto de cometer parricídio, matando seu familiar e então imperador, Tibério. Mais do que isso, a crença geral era a de que Calígula havia chegado a perpetrar o ato, o que era escandaloso, mas não necessariamente inesperado. Calígula mataria ou enviaria para o exílio ainda outros membros mais próximos de sua família, e não seria o único imperador a fazê-lo. Essa acabava se tornando praticamente uma exigência para os governantes desse regime recém-instaurado, pois cada familiar que se destacava, ou que conseguia ser mais popular que o próprio imperador, era um candidato a substituí-lo, e tão legitimamente elegível quanto seu parente. O próprio Tibério percebeu isso, aparentemente, quando mandou envenenar – de acordo com Suetônio – o pai de Calígula, Germânico, um excelente general e homem extremamente carismático. Dessa forma, acabou abrindo caminho para Calígula. E o processo de sucessão foi visto com legitimidade também pelo fato de Calígula ser membro do clã: era sobrinho-neto de Tibério. O sucessor de Calígula foi seu tio, Cláudio (41-54 d. C.), o penúltimo membro da dinastia júlio-claudiana. É conhecida a narrativa de como os guardas pretorianos responsáveis pela morte de Calígula foram até Cláudio, sempre retratado como um homem de personalidade fraca, e praticamente exigiram que ele assumisse o poder. Prova da importância do pertencimento ao clã para a legitimidade do governante: mesmo um indivíduo reconhecido por todos como um idiota era um candidato qualificado por ser um dos poucos membros restantes da gens. Depois dele, Nero (54-68 d. C.), outro sobrinho de Cláulio, assumiu o poder. Em princípio uma figura de pouco destaque, Nero era aconselhado por seu mestre, Sêneca. Não tardou, porém, para que seus delírios de grandeza e sua paranoia o fizessem se voltar contra seu tutor, que acabou sendo morto por sua ordem. O assassinato de Nero marcaria o fim da dinastia e o início de uma guerra civil, já que não havia um consenso sobre quem deveria assumir o poder, uma vez que Nero não deixara herdeiros. Começava o ano dos quatro imperadores, um período de anarquia em que a ausência de herdeiros legítimos fez com que diversas figuras políticas 19 tentassem sua sorte para alcançar a soberania. Galba, Oto e Vitélio tiveram sucesso, mas por períodos de tempo extremamente curtos. Depois disso uma nova dinastia, a dos Flavianos, foi instaurada por Vespasiano (69-79 d. C.), continuada por Tito (79-81 d. C.), e encerrada com a morte de Domiciano (81-96 d. C.). A narrativa da Vida dos Doze Césares, de Suetônio, se encerra com a vida de Domiciano, e esse dado é importante para compreendermos o que pode ter motivado esse recorte. Depois de encerrada a dinastia dos Flavianos, para evitar uma nova guerra civil e mais um período de anarquia militar, o senador Nerva (96-98 d. C.) foi escolhido como governante. Um homem já de idade avançada, considerado muito sábio pelos seus pares, Nerva comprovou sua fama ao fazer uma escolha cuidadosa para seu sucessor: Trajano (98-117 d. C.), um jovem soldado cujas virtudes ele havia reconhecido. Estava fundada uma nova dinastia, a dos Antoninos, que seria caracterizada pelo fato de seus membros escolherem os sucessores com base em suas virtudes pessoais, fazendo com que o critério de escolha com base no pertencimento ao clã se tornasse menos importante. Todos os imperadores dessa dinastia foram escolhidos pelos seus antecessores como homens de grande valor pessoal e por eles adotados, para então assumirem o comando. Os Antoninos, que por esse motivo ficaram conhecidos como os imperadores adotivos, também não faziam parte das aristocracias romanas locais – alguns deles, como o próprio Trajano, que era espanhol, vinham de províncias romanas relativamente distantes. Sob o governo dos Antoninos, o Império prosperou de maneira nunca antes vista, e também atingiu sua máxima expansão territorial. Sob o governo de Trajano, os romanos conquistaram territórios na Ásia, frutos de conflitos bem-sucedidos com o Império Parta. Em 116 d.C., Roma compreendia praticamente toda a Europa Ocidental (com exceção dos territórios dos germanos, deixados em paz desde os tempos de Augusto), parte considerável do norte da África e havia conseguido chegar ainda mais longe em direção ao Oriente, numa tentativa de imitar as conquistas de Alexandre. O sucessor de Trajano, Adriano (117-138 d. C.) pôs um fim ao impulso expansionista romano, por reconhecer que o Império, conquistando ainda mais territórios do que aqueles que já administrava, corria o risco de se esfacelar. Pacífico, intelectual e fascinado pela cultura grega, Adriano seria lembrado como um grande líder pela maioria dos romanos. Mas, para Suetônio, ele 20 acabaria sendo um fardo. Ao cometer uma falta contra Adriano que ainda hoje não fica muito clara, Suetônio perdeu os cargos políticos que exercia. É esse o período do Império Romano relevante para entender a obra de Suetônio. Os primeiros césares até Domiciano foram biografados por ele, enquanto que sua carreira política e a publicação de sua obra ocorreram durante os governos dos antoninos, especificamente de Trajano e Adriano. 2.2 Suetônio E como isso se aplica ao próprio Suetônio? O De Vita Caesarum se estende apenas até o governo de Domiciano, muito embora Suetônio tenha vivido durante os governos posteriores de Nerva, Trajano e Adriano. O recorte feito pelo autor foi provavelmente motivado pela necessidade de não trazer à tona anedotas inconvenientes aos governantes. Em alguns momentos das vidas mais recentes do De Vita Caesarum, Suetônio demonstra já ter algum material polêmico a respeito dos imperadores que não biografou. Por exemplo, na vida de Domiciano, ele conta que esse imperador poderia ter entretido comércio sexual com Nerva, que governaria depois dele (Dom. I, 1). Ainda na mesma biografia, num dos raros momentos em que parece assumir um tom elogioso em relação ao biografado, Suetônio fala de como os magistrados posteriores a Domiciano não eram tão justos e moderados quanto foram durante o governo rigoroso do mesmo: Magistratibus quoque urbicis prouinciarumque praesidibus coercendis tantum curae adhibuit, ut neque modestiores umquam neque iustiores extiterint; e quibus plerosque post illum reos omnium criminum uidimus. (Dom. VIII, 2)7 Narrativas como essa podem ser feitas com alguma segurança a respeito dos imperadores que morreram há mais de um século, mas certamente não daqueles cuja influência ainda pode ser sentida. 7 E teve tanto cuidado para conter os magistrados das cidades e os governadores das províncias que eles nunca mais foram tão honestos e justos; eles que, depois de seu governo, vimos em grande número como réus de todo tipo de crime. 21 No entanto, o fato do governo de Domiciano ser recente não impede Suetônio de vituperá-lo. Na verdade, Suetônio dá a ele o mesmo tratamento dispensado a Calígula no que diz respeito às expectativas criadas com seus primeiros feitos no governo: Domiciano inicia seu mandato como um homem virtuoso, para então ceder, por medo, à avareza e sobretudo à crueldade. Em Calígula, essa percepção é ainda mais acentuada, ficando mais evidente no trecho em que o autor, tendo já narrado os prima acta do jovem imperador, diz que “Até aqui se falou de um príncipe – deve-se agora falar de um monstro” (Cal. XXII, 1). Seja como for, a crueldade dos dois príncipes é análoga. O que permite a Suetônio maldizer tão veementemente um imperador cujo governo ele até mesmo presenciou, ainda pequeno? O fato de ele não ser o único a fazêlo. Há toda uma tradição hostil às figuras de determinados imperadores, sobretudo de Calígula, Nero e Domiciano. Autores oriundos da ordem senatorial, como Sêneca (4 a.C. – 68 d.C.) e Tácito (56 – 117 d.C.) tinham uma opinião muito forte e não muito elogiosa dos imperadores que tentaram diminuir o poder da aristocracia. Embora Sêneca obviamente não tenha tido a oportunidade de tecer uma opinião sobre o governo de Domiciano, não é difícil imaginar que o autor não o aprovaria. Já Tácito demonstrou por via indireta na biografia de seu sogro Agricola que apenas os homens mais virtuosos conseguiriam ser bem-sucedidos no governo de Domiciano sem se deixar corromper. Pode-se pensar, então, numa espécie de ideologia que cercava as opiniões dos autores sobre o comportamento e o governo de determinados imperadores particularmente problemáticos. Mas, visto que Suetônio não pertencia à ordem senatorial, ainda é preciso empreender uma análise de sua vida para termos a certeza de que ele se subscreve a esse mesmo conjunto de ideias que pareceu nortear a opinião de autores daquela ordem. Suetônio nasceu provavelmente no ano de 69 d.C., ou talvez 70. As principais fontes que fornecem dados sobre sua vida são, tradicionalmente, o próprio Suetônio (que acaba fazendo pequenos comentários em seus textos biográficos que revelam detalhes de sua própria vida), a Suda bizantina e as correspondências trocadas entre Suetônio e Plínio, bem como outras cartas de Plínio destinadas a terceiros mas que mencionam o autor. Através dessas fontes, pôde-se reconhecer a filiação de Suetônio ao círculo literário de Plínio (o que também se confirma pelo fato de o autor ter dedicado o De Vita Caesarum a Septicius Clarus, outro membro desse grupo de intelectuais), a data aproximada de seu 22 nascimento, o fato de ter vivido em Roma na maior parte de sua vida, e ter ocupado uma série de cargos públicos (como os de responsável a studiis, a bibliothecis e ab epistulis, que lhe deram acesso a muitos documentos históricos importantes). Outra fonte ainda oriunda da Roma Antiga foi a Historia Augusta, que menciona o fato de Suetônio e Septicius Clarus terem caído em desgraça durante o governo de Adriano, talvez por um ato de indiscrição relacionado à imperatriz Sabina. Mais recentemente, no século XX, uma inscrição encontrada na cidade de Hippo Regius no norte da África lançava mais luz sobre a vida do autor: primeiramente por fazer menção a outros cargos públicos ocupados por ele dos quais ainda não se tinha notícia; mas principalmente por levantar a hipótese de que aquele mesmo lugar seria o local de nascimento de Suetônio, e não Roma, como antes se pensava (muito embora a inscrição não fale especificamente de um local de nascimento, não podendo ser considerada uma prova irrefutável contra a hipótese original). No que diz respeito aos familiares de Suetônio, pouco se sabe. As cartas de Plínio informam que ele teria recebido o Ius Trium Liberorum, reservado, como o nome sugere, aos cidadãos que tenham três filhos, mas que teria sido dado a ele de maneira excepcional – posto que ele não tivera filhos. A vida de seus antepassados também é contemplada por alguns comentários. Na vida de Calígula, que traduzimos, é interessante a passagem em que Suetônio apresenta uma explicação para a construção da ponte entre Puteoli (Puzzuoli) e Baiae (Baías), obra que marca o início das excentricidades de Calígula: Sed auum meum narrantem puer audiebam, causam operis ab interioribus aulicis proditam, quod Thrasyllus mathematicus anxio de successore Tiberio et in uerum nepotem proniori affirmasset non magis Gaium imperaturum quam per Baianum sinum equis discursurum. (Cal. XIX, 3)8 Algumas coisas podem ser ditas a respeito desse trecho. Primeiramente, ele ilustra a riqueza de fontes a que Suetônio recorre para relatar os fatos que selecionou. Essa 8 Mas ouvi de meu avô, quando eu era menino, que a razão de tal obra, contada pelos seus cortesãos, era o fato de o astrólogo Trasilo ter dito a Tibério – quando este se encontrava preocupado com seu sucessor e se mostrava propenso a escolher o neto – que “Caio tinha tantas chances de ser Imperador quantas de atravessar a cavalo o Golfo de Baías”. 23 passagem é ilustrada não só pela opinião de seu avô, mas também por outras opiniões correntes à época (e cujas fontes Suetônio não identifica) de que o ato seria uma tentativa de emular Xerxes ou de aterrorizar a Bretanha e a Germânia. Mas, além disso, também se identifica aqui uma certa relutância de Suetônio ao tratar de seu avô. Ao dizer que o avô soube desse motivo através dos cortesãos de Calígula, pode-se inferir que Suetônio acaba dando testemunho de uma origem mais humilde desse antepassado. Como explica Esteves, que se refere ao avô de Suetônio como Maior: Poderíamos esperar que se Suetônio Maior fosse um aulicus, este detalhe não escaparia ao relato do neto biógrafo. Entretanto, a questão não é tão simples, já que a função de aulicus está carregada pelo estigma do estatuto civil da escravidão – os cortesãos eram, sobretudo na dinastia júlio-claudiana, ou escravos, ou libertos da casa do princeps. (ESTEVES, 2015: 3) Essa preocupação demonstra que Suetônio, embora tenha sido ele mesmo, assim como o pai, um membro da ordem equestre, tinha antepassados menos louváveis, e que a menção às condições sociais desses antepassados era um assunto delicado. Nessa pequena hesitação seria possível enxergar uma insegurança que viesse a exigir de Suetônio que ele próprio se reafirmasse enquanto cavaleiro em outras situações sociais. Já se falou do contato que Suetônio tivera com Plínio. Pode-se dizer que Suetônio foi seu protegido tanto na esfera política como na literária, e o próprio Plínio era também um cavaleiro. A influência dele sobre a obra de Suetônio pode ser percebida em algumas de suas cartas, quando pede ao autor que não se demore a publicar uma das obras que já havia concluído (Ep. 5,10). Pode-se supor que sua influência política não tenha sido menor, e que as ideias políticas de Plínio tenham sido assumidas também por Suetônio, não só pela amizade existente entre os dois, mas também pela necessidade que Suetônio tinha de se firmar na figura política mais consolidada que era Plínio. Se podemos falar numa tal influência, então fica suficientemente explicada a facilidade com que Suetônio fala mal de Domiciano, uma vez que seu padrinho também havia demonstrado pouca simpatia por ele ao fazer o elogio de Trajano, onde a comparação entre os dois imperadores era clara, e tendia a colocar em contraste as virtudes de Trajano e os vícios de Domiciano. 24 Assim, os detalhes da vida de Suetônio se tornam importantes para o entendimento do tipo de tom que pode assumir a sua biografia, ainda que indiretamente, quando trata de imperadores cujo posicionamento político obscurecia o papel do senado ou que se comportaram de uma maneira análoga àquela como Domiciano se comportou. Podemos esperar que seu relato da vida de Calígula, portanto, apresente um tom moralizante. 25 3 A biografia enquanto gênero literário 3.1 Gêneros textuais na Antiguidade Clássica Ao analisarmos os escritos deixados por Suetônio, uma problematização bastante comum é aquela que diz respeito ao estatuto de gênero literário das biografias. Essa questão surge de uma preocupação em evitar anacronismos durante o trabalho de análise, o que pode ocorrer quando se classifica o texto através de critérios que pertencem às sociedades modernas, mas não aos romanos ou gregos. Nossas definições de gênero literário e de gênero textual são hoje mais amplas e complexas do que as definições da Antiguidade Clássica (ou ao menos é o que nos levam a crer os esquemas de separação dos gêneros presentes em autores como Aristóteles e Quintiliano), justamente porque elas abarcam não só as noções já trazidas da Antiguidade Clássica pela tradição ocidental, mas também uma série de gêneros que ainda não existiam na literatura ocidental anteriormente ao medievo, ou que foram incluídos em nosso arcabouço literário através do contato com culturas cuja literatura jamais alcançou os pensadores antigos. Além disso, o retorno constante à literatura grega e latina, com renovado pensamento e inspiração intelectual, nos fez enxergar categorias que, embora tornem mais acessível e inteligível o trabalho de análise dos textos, não encontram (ou, ao menos, não aparentam encontrar) correspondência imediata nas categorias reconhecidas pelos próprios autores desses textos. Em resumo: os textos da Antiguidade que falavam sobre gêneros literários não parecem reconhecer a biografia como um gênero em si. Utilizar a noção de biografia como gênero literário para abordar os textos de Suetônio não seria, portanto, atribuir às categorias de gênero literário da Antiguidade uma complexidade que não lhes pertence? Não que essas categorias não apresentassem suas próprias complexidades, é claro. Na verdade, é possível argumentar que muito das complexidades ali presentes não nos é acessível, por não terem chegado até nossos dias textos que tratassem do gênero literário de maneira mais aprofundada. Para melhor ilustrar esse ponto, observemos algumas das classificações de gêneros literários que a Antiguidade Clássica nos oferece. Em língua grega, A República, de Platão e a Poética de Aristóteles são as obras nas quais a tradição ocidental se baseia para reconhecer uma primeira divisão entre os gêneros literários. Ao justificar o seu conhecido ato de expulsar os poetas da república 26 ideal, Platão, na voz de Sócrates, acaba por fazer uma reflexão a respeito dos diferentes assuntos e dos diferentes modos de se representar encontrados na prática dos diferentes poetas. Assim, o poeta é excluído porque, em seus trabalhos, aborda temáticas que não condizem com os valores morais que se deve buscar na educação dos cidadãos. Quando os valores que se pretende fazer prevalecer entre os cidadãos incluem a coragem diante da morte, o apreço pela liberdade e o asco em relação à escravidão, ter no seio da República poetas que cantam os horrores presentes no Hades e os sofrimentos que aguardam as almas dos que morrem pode ser muito prejudicial. Logo: Palavras como estas e todas as outras da mesma espécie, pediremos vênia a Homero e aos outros poetas para que não se agastem se as apagarmos, não que não sejam poéticas e doces de escutar para a maioria; mas, quanto mais poéticas, menos devem ser ouvidas por crianças e por homens que devem ser livres, e temer a escravatura mais do que a morte. (Plat. Rep, III, 387b)9 Quanto à maneira pela qual os poetas reproduzem o que foi dito ao longo de suas narrativas, também aí o filósofo encontra motivos para censurá-los. Reconhecendo que só o que fazem os poetas é narrar acontecimentos passados, presentes ou futuros, ele delimita três modos de representação: a narrativa pura (ἁπλή διήγησις), na qual apenas se narram os acontecimentos; a imitação (μίμησις), em que se reproduz a fala dos personagens, em lugar de apenas contar o que foi dito; e ainda um terceiro modo, o misto, em que o autor se utiliza ora de um recurso, ora de outro. Quando o poeta faz a imitação, seja em sua forma pura ou em sua forma mista, corre o risco de se tornar prejudicial à cidade, pois acaba por imitar não só os homens superiores, mas também os inferiores, que jamais deveriam servir de exemplo a quem quer que fosse. Mas o que mais interessa aqui é que a essa distinção entre modos de representação se aplica uma divisão entre gêneros, já que Sócrates e Adimanto reconhecem em seu diálogo que: (...) em poesia e em prosa há uma espécie que é toda de imitação, como tu dizes que é a tragédia e a comédia; outra, de narração pelo próprio poeta – é nos ditirambos que pode encontrar-se de preferência; e outra ainda constituída por 9 Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 27 ambas, que se usa na composição da epopeia e de muitos outros gêneros, se estás a compreender-me. (Plat. Rep, III, 394c) A partir daqui, portanto, a tradição reconheceu uma divisão entre gêneros que incluiria a tragédia – utilizando a representação puramente mimética – a epopeia – utilizando a representação mista – e o ditirambo – utilizando a representação narrativa pura. Tal distinção influenciaria fortemente Aristóteles. Sobretudo no que diz respeito ao modo de representação através da imitação, que viria a se tornar, para Aristóteles, um traço distintivo comum à toda poesia, modificando sensivelmente a conceituação de mímesis feita por seu antecessor. Assim, logo no início da Poética, o filósofo afirma que: A poesia épica e a trágica, bem como a cômica, a ditirâmbica e a maioria da interpretação com flauta e instrumentos de cordas dedilhados são todas, encaradas como um todo, tipos de imitação. (Arist. Poet, 1447a)10 Repare-se que os “gêneros” que Platão havia separado de acordo com os modos de representação estão todos agrupados agora sob a rubrica da imitação – mesmo o ditirambo, do qual quase nada nos restou, mas que Platão havia considerado como o representante principal, na verdade o único por ele citado, da narrativa pura. Para distinguir esses gêneros, portanto, ele precisa se utilizar de outros critérios. Investigando, pois, as diferentes manifestações da imitação artística, Aristóteles parece reconhecer, num primeiro momento, três maneiras de diferenciá-las: primeiramente, através dos meios de imitação, em que se podem reconhecer os diferentes suportes através dos quais se faz a imitação (sendo que esta é uma maneira de diferenciar as imitações que Aristóteles negligencia ao longo de sua obra, dando ênfase às duas seguintes); a segunda maneira seria através dos objetos de imitação, criando-se aqui uma divisão entre a imitação de homens superiores à média, de homens inferiores à média e de homens que são “tal como somos” (Arist. Poet, 1448a). Desta última categoria de objetos também não 10 Tradução de Edson Bini. 28 se voltará a falar profundamente, mas as duas primeiras são usadas por Aristóteles para distinguir, através dos objetos de imitação, a Comédia e a Tragédia, sendo a primeira dedicada à imitação dos homens inferiores e a segunda à dos homens superiores; por fim, ainda é possível fazer uma distinção entre os diferentes modos de imitação, em que cabe diferenciar as obras que se utilizam da narração ou da performance direta dos papéis – Aristóteles não se esquece de salientar que Homero apresenta uma postura mista neste ponto, ora fazendo uso da narração direta, ora assumindo as falas de um personagem. A cada um desse modos (sendo deixado de lado o modo misto de Homero) pode-se chamar de narrativo o que se utiliza da narração direta e de dramático o que se utiliza da performance direta. Somente se pode falar em gêneros na Poética de Aristóteles, no entanto, a partir do momento em que se juntam esses diferentes critérios. Com isso, exclui-se, primeiramente, a diferenciação entre os meios de imitação, restando apenas a separação por duas instâncias superiores, os modos de imitação (em que o modo misto ficaria excluído, restando apenas o narrativo e o dramático) e os objetos de imitação (em que não se tratará da imitação dos homens médios, apenas dos homens superiores e dos homens inferiores). Assim, quando se une o modo de imitação dramático e o objeto de imitação homens superiores, tem-se a tragédia; dentro do mesmo modo de imitação, mas tendo como objeto os homens inferiores, encontra-se a comédia; o modo de imitação narrativo, quando aplicado aos homens superiores, dá origem à epopeia; por último, se esse modo de imitação é aplicado aos homens inferiores, tem-se aí a origem das paródias (um gênero bem menos determinado que os anteriores, sobretudo porque as obras que Aristóteles cita como exemplos do mesmo não chegaram até nós). Isso foi uma leitura resumida e superficial de alguns dos pontos principais das duas obras. Por ser superficial, ela também ignora alguns problemas presentes nos textos originais e, sobretudo, nas interpretações que esses textos receberam de teóricos ao longo dos séculos. Por exemplo, percebe-se que as distinções entre gêneros apresentadas por Platão e Aristóteles não servem para a análise da obra biográfica de Suetônio, tarefa a que se propõe este trabalho, simplesmente porque em momento algum os dois filósofos se referem à biografia enquanto gênero literário. No entanto, o mesmo poderia ser dito a respeito da poesia lírica: o texto de Platão se limita a uma poesia representativa, o que 29 não inclui o lírico. Também Aristóteles parece desprezá-lo (a não ser que se tenha aprofundado nele ao longo da parte perdida de seu texto). A verdade é que, apesar daquilo que durante muitos séculos a tradição ocidental afirmou, a famosa tripartição dos gêneros em épico, lírico e dramático não parece ser uma criação da Antiguidade Clássica, já que, como se viu, o lírico não é abordado por Platão nem por Aristóteles. Um autor que trabalhou com esse tipo de questionamento sobre as fontes clássicas da divisão entre gêneros literários reconhecida pelos teóricos do ocidente é Gérard Genette que, abordando o mesmo assunto em sua obra Introdução ao Arquitexto, desconstrói a tripartição dos gêneros, atribuindo-a a uma projeção da tradição romântica sobre os textos clássicos, sobretudo a Poética de Aristóteles, da qual diz que: (...) não se renuncia de moto fácil a projetar no texto fundador da poética clássica uma articulação fundamental da poética moderna – de fato, como é costume e como veremos, sobretudo romântica; e não talvez sem consequências teóricas importunas, pois, ao usurpar essa longínqua filiação, a teoria relativamente recente dos três gêneros fundamentais não somente se atribui uma antiguidade, logo uma aparência ou presunção de eternidade, e portanto de evidência: desvia, em proveito das suas três instâncias genéricas, um fundamento natural que Aristóteles, e Platão antes dele, tinham, e talvez mais legitimamente, estabelecido para alguma coisa de completamente diversa. (GENETTE, 1986: 20-21) Com isso, pretende-se apenas afirmar que, apesar de não serem mais do que uma projeção, as análises literárias que se basearam nessa tripartição como se fossem de fato um conceito clássico original não são por isso menos interessantes, nem menos pertinentes. O próprio Genette, em seu livro, cita diversos autores que de alguma forma se basearam nesse persistente engano, e entre eles encontram-se nomes muito importantes, por exemplo, Northrop Frye. Isso poderia servir como uma desculpa para afirmar que a biografia é reconhecida como um gênero literário sem buscar verificar se ela figura ou não nas obras clássicas de poética. Mas tal argumento seria muito raso. Seria mais conveniente tentar demonstrar que, na verdade, as obras poéticas dos autores clássicos apresentam classificações que são, via de regra, feitas ad hoc, e que tomá-las como uma classificação de caráter mais geral é um erro. Isso, esperamos, já foi 30 suficientemente demonstrado para as obras de Platão e Aristóteles com o que foi afirmado até aqui. Vamos agora voltar-nos às obras da literatura latina com o mesmo espírito. Dentre os autores que influenciaram nossa maneira de enxergar os gêneros literários, destacamse Horácio e Quintiliano. Em sua Arte Poética, Horácio estabeleceu alguns dos princípios que norteariam muitos dos movimentos classicistas surgidos posteriormente. Principalmente no que diz respeito à adequação da forma do poema àquilo de que ele trata. Segundo esse princípio, não caberia falar de coisas trágicas usando uma métrica típica de textos cômicos, ou viceversa. Singula quaeque locum teneant sortita decentem 11, diz o poeta ao falar dos versos. Não é verdadeiro poeta aquele que não respeita essa adequação. Esse respeito, porém, acaba por ignorar a existência de uma poesia de natureza mais híbrida. O texto horaciano parece bastante consciente de que está construindo um tratado de estética. Mas essa primeira impressão pode não ser inteiramente verdadeira. Para começar, Ars Poetica é apenas um dos títulos pelos quais ficou conhecido. Já era assim chamado por Quintiliano, mas, na verdade, tratava-se de uma das cartas escritas pelo autor, sob o nome de Epistulae ad Pisones. Não seria tão absurdo imaginar que esse texto não tivesse pretensões tão ambiciosas, mas ocorre que a posteridade, e mesmo uma posteridade não muito tardia, encarou essa como uma obra que seguia os mesmos caminhos das obras fundadoras dos gregos. Mas é Quintiliano aquele dentre os autores romanos que mais nos interessa, por uma série de fatores. Sobretudo, por sua carreira: tendo sido um Rethor, um professor de retórica, ele tinha interesse em escrever de maneira didática, buscando uma clara descrição dos gêneros que pretendia abordar. Os gêneros reconhecidos por ele ao longo do livro X de sua Institutio Oratoria são os seguintes: a epopeia, a poesia elegíaca, a poesia iâmbica, a poesia lírica, a poesia dramática, a história, a eloquência, a filosofia e a sátira. Eis uma classificação que parece ser mais exaustiva e abrangente do que aquelas feitas pelos filósofos gregos. “Que tenham cada um o lugar que lhes convém” (Ars. 92). A tradução é minha, tanto aqui como em outros trechos citados em latim, salvo nota em contrário. 11 31 No entanto, seria um erro aplicar essa classificação à toda a literatura latina. Basta para isso que se olhe com mais cuidado para o título da obra de Quintiliano: Institutio Oratoria poderia ser traduzido como “A educação oratória”, ou “A educação do orador”. Como já foi dito, Quintiliano foi um professor de retórica, preocupado com a formação dos oradores de seu tempo, que havia, aparentemente, decaído bastante se comparada à formação dos oradores na época de Cícero. Como afirma Zélia de Almeida Cardoso: A oratória superficial e ornamentada que dominou o período júlio-claudiano, e da qual temos suficientes exemplos nas Suasórias e Controvérsias de Sêneca, o Rétor, vai encontrar um forte opositor em Quintiliano (...) Como Rétor e mestre de alunos ilustres (...) Quintiliano se notabilizou tanto por ter procurado reconduzir a oratória às suas dimensões legítimas, colocando-a a serviço da pátria e do direito, como por ter-se preocupado sobremodo com questões de ordem moral. (CARDOSO, 2011: 165 e 166) Essa preocupação com a formação do orador romano é, talvez, o ponto principal da Institutio Oratoria, e por isso mesmo permeia todos os pontos do texto, inclusive sua classificação dos gêneros literários. De tal forma que, em diversos pontos, é possível perceber que os gêneros por ele delimitados não são, na verdade, uma sistematização de toda a literatura latina e grega, mas simplesmente uma sistematização dos gêneros que um orador deveria ler e conhecer, em nome de sua melhor formação. Veja-se por exemplo, esta passagem: Nobis autem copia cum iudicio paranda est uim orandi non circulatoriam uolubilitatem spectantibus. Id autem consequemur optima legendo atque audiendo. (Quint. Inst. X, 1,8)12 Na qual Quintiliano censura aqueles que decoram listas de sinônimos no intuito de terem um vocabulário amplo, sem considerar com cuidado o tipo de palavras que estão memorizando. Para ele, é somente através da leitura dos bons autores (sobretudo de outros “Devemos preparar um arcabouço (de palavras) com discernimento, pois buscamos a força do orador, não a torrente de palavras do charlatão. Isto conseguimos lendo e escutando as melhores obras.” 12 32 oradores) que se pode adquirir um bom vocabulário. Ainda com o mesmo raciocínio, ele afirmará mais adiante, pouco antes de começar a tratar de cada um dos gêneros: Sed nunc genera ipsa lectionum, quae praecipue conuenire intendentibus ut oratores fiant, existimem, persequar. (Inst. X, 1, 45)13 Note-se que Quintiliano deixa muito claro que vai tratar dos gêneros que julga ser mais convenientes (quae praecipue conuenire... ...existimem), dando a entender, portanto, que haveria outros menos recomendáveis. E recomendáveis para quem? Para os que querem se tornar oradores, especificamente. Poderia haver outros gêneros que, apesar de suas qualidades inerentes, não seriam recomendáveis para um estudante de oratória. Nem por isso seu estatuto de gêneros textuais estaria ameaçado. Assim, fica claro que uma tentativa de buscar nas obras da Antiguidade Clássica uma definição ou uma separação clara entre gêneros literários, embora seja muito pertinente para este trabalho, de maneira alguma encerra a questão sobre a biografia. Embora as obras mais conhecidas a tratarem do tema não a incluam no rol dos gêneros, a própria natureza fragmentária dessas obras ou seu escopo menos generalista do que se imagina não permitem tirar quaisquer conclusões sobre o estatuto de gênero do texto biográfico. 3.2 Historiografia e biografia em Suetônio: fronteiras entre gêneros Visto que não há como determinar se a biografia é ou não um gênero literário da Antiguidade apenas com o que se viu a esse respeito nos textos clássicos, faz-se necessária uma mudança de abordagem. Já não se pode apenas recorrer aos textos teóricos da Antiguidade, é preciso procurar por textos que falem sobre a biografia ainda que en “Mas agora vou expor os gêneros de textos que eu penso serem mais convenientes àqueles que pretendem se tornar oradores.” 13 33 passant. Talvez os autores que escreveram biografias na Antiguidade possam nos oferecer o material necessário para debater as fronteiras entre gêneros. Por onde começar, então? Seria interessante fazer um histórico, não da biografia em si, mas sim dos textos que podem, de alguma maneira, assumir um caráter biográfico. O que já leva a um outro problema: uma infinidade de textos se encaixaria nesse grupo. Se entendermos caráter biográfico como uma narrativa que tem como base a vida de um determinado personagem, então seremos forçados a admitir que textos tão antigos quanto a Odisseia – que, afinal, narra a vida de Odisseu – fazem parte do conjunto de textos biográficos da Antiguidade. Diversos textos narrativos se debruçam sobre aquilo que se poderia chamar de “material biográfico”, posto que seu assunto está intimamente ligado à vida de determinados personagens. E mesmo que se procure limitar esse conjunto apenas aos textos que falam de personagens cuja realidade histórica é comprovada, seria muito difícil separar a narrativa biográfica daquilo que se encontra em textos pertencentes ao gênero historiográfico – as narrativas sobre a vida de Nero nos Annales, de Tácito, sem dúvida poderiam ser consideradas material biográfico, mas trata-se de um gênero textual diferente. É preciso, portanto, começar definindo o que é texto biográfico, em oposição a material biográfico. Essa definição tende a ser bastante intuitiva, como se pode ver na breve explanação de Momigliano: Um relato da vida de um homem do nascimento até a morte é o que eu chamo de biografia. (MOMIGLIANO, 1993: 11)14 Tal critério já eliminaria a Odisseia, mas ainda é muito abrangente. Talvez a melhor opção neste momento seria fazer uso da oposição construída por Stadter, na introdução de seu capítulo sobre biografia e história: Primeiramente, no entanto, é necessário distinguir biografia de interesse ou material biográfico. (…) Biografia eu hesitantemente defino como um relato 14 “An account of the life of a man from birth to death is what I call biography.” 34 autossuficiente do tipo de vida vivido por um personagem histórico que também avalia o caráter, objetivos e as conquistas do sujeito. (STADTER, 2011: 529)15 A partir daí, tem-se que as verdadeiras biografias são em número bem mais reduzido. Utilizando esse critério, alguns dos primeiros textos biográficos da Antiguidade seriam os de Xenofonte (430-364 a.C.). Junto com os Diálogos, de Platão, que também buscam retratar a vida de Sócrates, textos desse autor podem ser considerados a primeira produção legitimamente biográfica da Antiguidade: Anabasis, tem um tom autobiográfico, além de contar com as biografias de alguns combatentes, entre eles Ciro, o Jovem, homônimo de Ciro, o Grande; deste último, Xenofonte escreveu também uma biografia (Cyropaedia), de cunho mais filosófico, em que a vida do governante persa foi relatada de maneira a apresentar as virtudes necessárias a outros homens que se pretendem bons governantes. Foi o primeiro texto biográfico a conter uma clara finalidade moralizante, e também o primeiro a retratar a vida de uma figura política de destaque. Outro texto de natureza semelhante desse mesmo autor foi o encômio dedicado ao rei espartano Agesilau. Tais obras acabam por se tornar uma espécie de modelo para a biografia da Antiguidade. Como afirma Stadter: Em Xenofonte especialmente se vê os antecedentes da biografia como gênero: tratamento (quando possível) da vida inteira do nascimento até a morte, avaliação prática e moral do caráter e das conquistas e sua inter-relação, atribuição do louvor e da culpa, uso da anedota ilustrativa, e uma tentativa de constituir o retrato com detalhes verossímeis. (STADTER, 2011: 529)16 Após Xenofonte, houve um outro momento da produção biográfica grega que influenciou fortemente os biógrafos da posteridade: a escola dos peripatéticos, discípulos “First, however, it is necessary to distinguish biography from biographical interest or material.(…) Biography I tentatively define as a self-sufficient account of the kind of life led by a historical person that also evaluates the subject’s character, goals and achievements.” 16 “In Xenophon especially one sees the antecedents of biography as a genre: treatment (when possible) of the whole life from birth to death, practical and moral evaluation of character and achievements and their interrelation, assignment of praise and blame, use of illustrative anecdote, and a willingness to flesh out the portrait with verisimilar detail.” 15 35 de Aristóteles, no século IV a.C., cunharam uma maneira particular de fazer biografias, partindo do princípio de que o caráter das pessoas (ethos), imutável desde o nascimento, revelava-se aos poucos através de suas ações (práxeis) ao longo da vida. Esse caráter poderia ser revelado pelo biógrafo através de uma seleção de anedotas referentes à vida do biografado. Embora não nos tenha restado qualquer das biografias desse grupo, podese entrever o espírito de sua proposta na obra de Teofrasto, o sucessor de Aristóteles no Liceu, que escreveu uma obra chamada Characteres, descrevendo uma série de personalidades da sociedade e os traços típicos que revelavam seu caráter. Houve também uma outra “escola” de biografia formada entre os eruditos de Alexandria. Eles buscavam fazer biografias resumidas dos poetas cuja obra queriam reeditar, à guisa de introdução aos seus textos. O caráter resumido e erudito desses textos demonstra que não tinham pretensões literárias, ao contrário das biografias que se estuda aqui. Talvez por isso mesmo, muito pouco desses textos chegou a ser conservado – embora tenham provavelmente inspirado outras biografias de poetas com pretensões literárias mais ambiciosas. Além disso, um terceiro tipo de biografia que precede tanto alexandrinos quanto peripatéticos é o costume, partilhado por gregos e romanos, de produzir textos encomiásticos em honra de seus parentes falecidos. Nesse tipo de produção, retomam-se os principais momentos da vida do indivíduo, chegando obviamente até o momento de sua morte, mas com a distinta intenção laudatória que compromete sua imparcialidade. É também nesse grupo que se encaixaria o trabalho de Xenofonte. Esses seriam os três principais tipos de produção biográfica da Antiguidade Clássica até a época da República romana, seguindo a divisão feita por Ronald Mellor no capítulo dedicado à biografia romana em The Roman Historians. Ainda segundo o autor, em se tratando de textos biográficos, o período da República romana não oferece propriamente qualquer biografia à posteridade, muito embora alguns textos de oradores como Cícero possam ser considerados algumas das primeiras formas biográficas em Roma que chegaram até nós: 36 Já que não sobrevive nenhuma biografia propriamente dita da República romana, as longas passagens nos discursos de Cícero que descrevem os antecedentes de seu cliente podem ser encaradas como os escritos biográficos romanos mais antigos a sobreviver. (MELLOR, 1999: 136)17 Esses textos servem de modelo às biografias posteriores. Para não demorar mais do que o necessário explicando que tipos seriam esses, vai-se usar aqui a útil divisão feita por Stadter, feita com base no objeto e no propósito dos textos biográficos. Assim, temse os seguintes tipos de biografia: a biografia filosófica (philosophical biography), que se dedica a biografar filósofos, muitas vezes mantendo o foco do texto nos ensinamentos deles; a biografia literária (literary biography), que, da mesma forma, se prestava a biografar poetas e oradores; as biografias escolares e de referência (school and reference biographies), de caráter enciclopédico; encômios (encomia); vidas dos recémfalecidos (lives of those recently departed); autobiografias, comentários e memórias (autobiographies, commentaries and memoirs); e, finalmente, a biografia histórica/política (historical/political biography). É o último tipo de biografia que mais interessa a este capítulo, justamente pela facilidade com que ele se confunde com o gênero historiográfico. Também encontramos nesse grupo os principais autores de biografia da Roma Antiga. É nele que vamos nos concentrar para analisar as fronteiras entre esses gêneros, fazendo um recorte que inclua os principais autores de biografia da literatura latina. Retomando o ponto em que Mellor afirma não ter restado nenhuma biografia romana do período republicano, basta seguirmos um pouco adiante na história de Roma para encontrarmos um contemporâneo de Cícero que se dedicou a escrita biográfica: Cornélio Nepos (100-24 a.C.). Conhecido pela dedicatória que Catulo faz a ele em seu poema I, Cornélio foi um autor que se dedicou a escrever historiografia e também biografou diversas personalidades romanas, gregas, persas e até mesmo cartagineses. Tinha uma preocupação particular de “apresentar” o mundo civilizado, principalmente o grego, ao povo romano que não falava nada além do latim. Por isso, ele acabou escrevendo centenas de pequenas biografias que serviam como uma referência rápida a “Since no proper biographies survive from the Roman Republic, the long passages in Cicero’s speeches that describe his client’s background may be regarded as the earliest extant Roman biographical writing.” 17 37 personagens importantes da História. O conjunto dessas biografias (mais de trezentas ao todo, embora muito poucas tenham sido conservadas) foi chamada De viris illustribus. Ao longo das biografias de Nepos que chegaram até nós, observa-se claramente a preocupação do autor em educar o povo romano a respeito dos vultos históricos de maior importância. Numa delas em particular, há também a preocupação de que seu trabalho não se confunda com o do historiador: Pelopidas Thebanus, magis historicis quam uulgo notus. Cuius de uirtutibus dubito quem ad modum exponam, quod uereor, si res explicare incipiam, ne non uitam eius enarrare, sed historiam uidear scribere, sin tantummodo summas attigero, ne rudibus Graecarum litterarum minus dilucide appareat, quantus fuerit ille uir. (Nep. Pel, 1, 1)18 Pode-se perceber que Nepos reconhece que uma biografia deveria conter os fatos mais relevantes da vida do personagem (muito embora, no caso da biografia de Pelópidas, isso pudesse resultar na dificuldade por parte dos leitores que não conhecem a cultura grega em enxergar a grandeza daquele personagem). O que, na verdade, não vai muito além daquilo que já havia sido visto até então. O valor da reflexão de Nepos para este estudo reside principalmente no fato de encontrar-se no trecho citado uma menção clara do termo latino utilizado para descrever a biografia, Vita, além da preocupação de manter essa mesma “vida” num campo de produção textual diferente daquele ao qual pertencem os textos dos historiadores (textos aos quais ele se refere usando o termo historia). É importante lembrar que Nepos foi também um historiador, além de ter feito a biografia de outros historiadores, o que faz com que ele tenha tido a necessidade de mostrar aos seus leitores as diferenças entre essas duas maneiras de produzir textos. Outro autor que também se dedicou tanto à historiografia quanto à biografia foi Tácito (55-120 d.C.). Ele fez a biografia do próprio sogro, Agricola, na qual são narrados muitos dos feitos militares do biografado. A diferença é que Tácito foi muito mais “Pelópidas, o Tebano, é mais conhecido pelos historiadores que pelo vulgo. Hesito quanto ao modo como devo apresentar suas virtudes, pois temo que se eu começar a contar os fatos, não estaria narrando sua vida, mas sim pareceria antes estar escrevendo história; se pelo contrário eu tocar somente os fatos mais importantes, temo que seja menos claro aos que não conhecem as letras gregas o quão grande foi aquele homem.”. 18 38 historiador do que biógrafo: ele narra fatos que muitas vezes se encaixariam melhor numa obra historiográfica, por exemplo, ao fazer a descrição da Bretanha do ponto de vista geográfico, além de descrever os combates entre as tropas de Agrícola e Calgacus (líder militar da Bretanha) com tal riqueza de detalhes que chega até mesmo a reproduzir os discursos de ambos aos seus homens. Assim, essa que foi uma das primeiras obras de um futuro historiador, já dá sinais de como suas obras historiográficas serão estruturadas. Por fim, o próprio Suetônio precisa ser devidamente analisado sob a luz da comparação entre os dois gêneros. Não que ele tenha sido um historiador, apesar de sua obra ter abarcado os mais diversos assuntos da antiguidade.19 Mas acontece que ele foi contemporâneo de Tácito, e os dois autores publicaram suas obras em períodos de tempo muito próximos. Quando da publicação dos primeiros livros do De Vita Caesarum (as doze uitae foram publicadas em oito volumes, com os seis primeiros contendo apenas uma uita cada, e os dois últimos contendo três uitae), Tácito já havia publicado suas Historiae, que tratavam do período entre os governos de Nero e Domiciano e já se preparava para publicar uma obra que trataria do período imediatamente anterior, o dos júlio-claudianos. Assim, muito embora as duas primeiras biografias de Suetônio, a de César e a de Augusto, não encontrassem correspondência imediata na obra de Tácito que viria a iniciar seus Annales pelo governo de Tibério - Suetônio sabia que suas uitae corriam um grande risco de se tornarem redundantes se comparadas aos relatos de Tácito. Sendo ele um erudito e não um historiador, e “competindo” com as obras de um colega que foi sem dúvida o maior historiador do período, o estilo e a estrutura da obra de Suetônio tiveram de se adaptar a essa realidade. Para começar, Suetônio fugiu do tipo peripatético de escrita biográfica, que buscava se utilizar da vida do personagem biografado para daí derivar lições de moral filosóficas, dando preferência ao estilo mais enxuto e erudito das biografias alexandrinas (caminho inverso ao feito pelo Agricola, de Tácito, que tinha inclusive um claro tom encomiástico). Nem por isso, no entanto, o seu Segundo Mellor: “Suetônio escreveu uma grande variedade de livros sobre assuntos linguísticos, de antiquário e biográficos, embora em sua maioria apenas os títulos tenham sobrevivido. Ele foi obviamente um erudito de grande alcance, uma vez que escreveu livros sobre tópicos tão diversos quanto o ano romano, o calendário, os nomes dos mares e as vidas de prostitutas famosas.” (Suetonius wrote a wide range of books on linguistic, antiquarian, and biographical subjects, though for most only the titles survive. He was obviously a scholar of great range, since he wrote books on such diverse topics as the Roman year, the calendar, the names of seas, and the lives of famous prostitutes.) (MELLOR, 1999: 147) 19 39 trabalho deixou de ter pretensões literárias: ele soube se utilizar do esquema de escrita biográfica dos peripatéticos ao trabalhar com uma série de narrativas anedóticas sobre seus biografados, a partir das quais se poderia chegar a uma conclusão sobre o caráter do mesmo. A diferença entre essa prática e aquela presente nos trabalhos dos peripatéticos é que Suetônio não tinha – ou aparentava não ter – a intenção de apresentar suas próprias conclusões sobre a conduta dos imperadores. Como um verdadeiro erudito, ele apresentava os fatos e deixava que o leitor tirasse suas próprias conclusões. O que não o impede, é claro, de oferecer ao leitor narrativas anedóticas que o deixem mais propenso a julgar cada imperador de um modo particular. Quem quer que tenha conhecido Calígula exclusivamente através de Suetônio não terá dúvidas de que se tratava de um homem cruel, egoísta, covarde, pervertido e provavelmente insano. A realidade, no entanto, pode ser diferente, e muito embora Suetônio possa ser desculpado por seus relatos difamatórios por conta do período de tempo que separa sua escrita do governo de Calígula, algumas afirmações que o autor faz não deveriam ser levadas em consideração por alguém que se considera um erudito e tenta escrever de maneira imparcial. Por exemplo, a respeito das práticas sexuais incestuosas de Calígula, Winterling afirma que: A afirmação de que o imperador cometeu incesto com suas três irmãs é uma informação imprecisa que vem à tona pela primeira vez em Suetônio. Sua falsidade é facilmente comprovada: os dois contemporâneos do imperador, Sêneca e Fílon, que eram familiares aos círculos aristocráticos em Roma e bem informados, acumulam injúrias contra o imperador e dificilmente falhariam em mencionar tal acusação se ela estivesse em circulação naquele tempo. Mas claramente eles não sabiam nada a respeito. (WINTERLING, 2011: 3)20 Assim, Suetônio assume uma postura particular em sua escrita que o coloca ao mesmo tempo distante das produções biográficas vistas até então em Roma e em contraste com aquilo que Tácito vinha escrevendo sobre os mesmos períodos históricos em que ele “The claim that the emperor committed incest with his three sisters is misinformation that surfaces for the first time in Suetonius. Its hollowness is easily proved: The emperor’s two contemporaries Seneca and Philo, who were both familiar with aristocratic circles in Rome and well informed, heap invective on the emperor and would hardly have failed to mention such a charge had it been in circulation then. But clearly they know nothing about it.” 20 40 se concentrou. Para melhor ilustrar como isso se deu, observemos a separação feita por Hadrill entre as Vitae de Suetônio e a historiografia. Hadrill separa o De Vita Caesarum das obras historiográficas com base em três critérios: estrutura, objeto de estudo e estilo. No que diz respeito à estrutura, ele afirma primeiramente que a historiografia em Roma tinha uma estrutura cronológica e narrativa. Cronológica, por influência dos Anais Pontificais, em que os sacerdotes registravam as atividades diárias da cidade nas mais diversas esferas do governo e da religião. Sobre esse costume de registro dos fatos se acrescentou a característica narrativa, derivada dos grandes clássicos da literatura grega – as epopeias homéricas. Quanto às biografias, de maneira geral, elas mantêm esses dois aspectos da estrutura historiográfica, com a diferença de que sua cronologia não é derivada da mera passagem dos anos, mas sim demarcada pelas fases da vida do biografado: sua família, local de nascimento, a narrativa de sua morte, etc. Essa cronologia também é refinada pela vida social do biografado, e grande ênfase é dada aos cargos políticos ocupados por ele. Nas uitae de Suetônio, a diferença se faz ainda maior: ele busca renunciar à narrativa. Obviamente seria impossível renunciar a ela por completo sem transformar seu trabalho numa estranha versão dos Anais Pontificais, mas o processo de tessitura do texto das uitae de Suetônio se dá, segundo Hadrill, por uma análise de um determinado fato relevante, do qual são retirados todos os detalhes não essenciais (narrativos, em sua maioria), e que depois é reconstituído a partir dos detalhes mais relevantes. É assim que, na biografia de Júlio César, ao tratar das conquistas militares do imperador, ele não vai fazer uma narrativa das batalhas pelas quais César teve de passar durante o período em que esteve na Gália, mas vai simplesmente resumir todos os seus sucessos e revezes durante as guerras gaulesas num único parágrafo. O objetivo de Suetônio é evitar fazer uso de uma narrativa que se encontraria presente também numa obra historiográfica. Em lugar de narrar as batalhas, portanto, ele se debruça sobre a personalidade de César enquanto general e líder. As conquistas de César, além disso, são de conhecimento comum, tendo restado inclusive a narrativa do próprio general que expõe esse assunto. Seria desnecessário se demorar na narrativa de um material tão fartamente documentado. No entanto, através desse processo de análise e eliminação dos detalhes ele também acaba por eliminar alguns pontos do contexto que poderiam levar o leitor a uma 41 interpretação diferente. Por exemplo, a famosa passagem em que Calígula teria dito que pretendia tornar cônsul seu cavalo favorito, Incitato, poderia ganhar uma interpretação bem diferente daquela que Suetônio oferece de maneira pretensamente imparcial, caso outros detalhes do contexto político de seu governo tivessem sido incluídos junto à anedota. Por exemplo, o fato de Calígula estar assumindo um forte posicionamento de oposição aos aristocratas de sua corte. Segundo Winterling: Não há como saber se todos em Roma entenderam essa piada. Nem podemos dizer se Suetônio a entendeu posteriormente ou – o que parece mais provável – falhou em entendê-la de propósito, já que faz uso dela para apresentar o imperador como insano. (...) Chegar ao consulado permanecia o objetivo mais importante da carreira de um aristocrata. Equipar o cavalo do imperador com uma propriedade suntuosa e destiná-lo ao consulado satirizava o objetivo principal das vidas dos aristocratas e o deixava exposto ao ridículo. Calígula colocou seu cavalo no mesmo nível dos membros de mais alto escalão da sociedade – e por implicação igualou-os a um cavalo. (WINTERLING, 2011: 103)21 Fora de seu contexto, o fato apresentado ganha uma interpretação bastante diversa. No entanto, não há como dizer que Suetônio faltou com a verdade ao narrar essa anedota. Ele apenas omitiu detalhes importantes, situando a anedota do cavalo em meio a outras tantas que procuravam pintar uma imagem de Calígula como um imperador completamente louco: o episódio do cavalo fecha o capítulo LV, em que Suetônio fala de como Calígula “Quorum uero studio teneretur, omnibus ad insaniam fauit.” (Cal, LV, 1)22. Logo, o leitor será induzido a acreditar que Calígula fez o que fez por ser louco, e não como provocação a seus adversários políticos. Quanto ao objeto de estudo, Hadrill reconhece que a historiografia clássica tem como objeto a pólis, os conflitos internos e externos que lhe dizem respeito (no campo “There is no way to know whether everyone in Rome got this joke. Nor can we tell whether Suetonius understood it later or – as seems more likely – failed to understand it on purpose, since he makes use of it to present the emperor as insane. (…) Achieving the consulship remained the most important goal of an aristocrat’s career. To equip the emperor’s horse with a sumptuous household and to destine it for the consulship satirized the main aim of aristocrat’s lives and laid it open to ridicule. Caligula placed his horse on the same level as the highest-ranking members of society – and by implication equated them with a horse.” 21 22 “Cuidava daqueles que tinha em grande estima até o ponto da loucura.” 42 militar) e a vida política de seus cidadãos. Já a biografia teria como objeto a vida de um único homem, sua personalidade e suas conquistas. Já as uitae de Suetônio fazem um distanciamento mais radical do objeto de estudo da historiografia. Segundo Hadrill, Suetônio consegue atingir esse distanciamento de maneira negativa e de maneira positiva: negativamente ao reduzir ao mínimo tudo o que diz respeito à guerra e à política. Novamente, seria impossível abrir mão por completo desses elementos, mas Suetônio tenta apresentar apenas aquilo que é mais essencial a essas passagens e, como já se viu, eliminando sempre que possível a narrativa historiográfica – mesmo quando se vê forçado a narrar uma ação militar específica, ele não narra as batalhas em si, mas somente aquilo que é essencial, via de regra uma anedota, para melhor traçar a personalidade do biografado; positivamente, ele procura se concentrar naquilo que não é histórico – a vida privada do imperador é seu foco principal, e mesmo quando abordar a vida pessoal é impossível sem falar também em política, ele se mantém no campo das relações pessoais. Assim, as relações presentes na família do imperador, que obviamente influenciam não só o governo presente, mas também definem o que será feito do governo futuro, são tratadas como meras relações interpessoais. As grandes maquinações políticas que tinham como objetivo destronar o imperador não passam de desentendimentos entre familiares. Quanto ao trabalho do imperador em si, por evitar mostrar os trabalhos mais “históricos” dos imperadores, como grandes conquistas militares e políticas, ele prefere oferecer ao leitor uma visão do imperador em seu dia-a-dia, o que é um ponto-de-vista muito interessante para os historiadores atuais, mas que seria desprezado pelos historiadores clássicos como algo indigno da historiografia. É por isso que na vida de Calígula se encontram passagens bastante demoradas que tratam da maneira como o imperador exerceu sua prodigalidade, oferecendo presentes em dinheiro ao povo, grandes banquetes aos senadores, organizando diversos jogos, etc. Suetônio chega até mesmo a falar das obras públicas que Calígula planejou, mas não conseguiu realizar, como sua intenção de cortar o istmo da província da Acaia (Grécia), que unia a Grécia continental à Península do Peloponeso, obra que facilitaria a passagem de navios mercantes na região. 43 Por fim, quanto ao estilo, Hadrill aponta para a necessidade existente na historiografia de adequar seu estilo de escrita à natureza de seu objeto de estudo. Uma vez que se trata de assuntos muito elevados, os mais importantes fatos políticos e militares de um determinado período, o estilo precisa ser elevado ao mesmo patamar. Tem-se, portanto, uma escrita muito trabalhada, que muitas vezes abusa de recursos literários para embelezar o texto. As uitae de Suetônio definitivamente não fazem uso desses recursos. Seu estilo é seco, sem adornos, típico de um erudito. Embora não se possa dizer que ele tenha escrito sem pretensões literárias, há muito pouco de literário no seu estilo de escrita. Do uso de anedotas, deriva em Suetônio uma clara separação por tópicos ao longo do texto (o que Hadrill chama de rubricas), que mais se assemelha a um catálogo do que à narrativa das ações de um personagem. Há três práticas da escrita de Suetônio que tornam clara sua postura como autor erudito, afastando-o do rebuscamento literário dos historiógrafos: primeiramente, o uso de vocabulário técnico. É o que aparece, por exemplo, em muitas das vezes em que se faz menção a um gladiador. Ao longo da vida de Calígula, Suetônio cita diversos tipos de gladiadores, mas nem sempre se referindo a eles pelo vocábulo gladiator, e sim utilizando o vocábulo que melhor os descreve de acordo com sua função. Assim, no capítulo XXXII ele fala no Murmulio, que usava um elmo adornado com a figura de um peixe; no capítulo XXXV aparecem menções ao Thraex, o gladiador trácio, conhecido por usar as armas típicas daquele povo; ao Hoplomachus, um gladiador que, ao contrário do que era costume, usava uma armadura completa; e ao Essedarius, que lutava sobre um carro. Outra prática bastante comum no estilo de Suetônio é o uso de citações em grego. Para além de palavras isoladas, ele reproduz muitas vezes a fala de um personagem em momentos cruciais. A famosa fala de César, “Até tu, Brutus, meu filho?”, dirigida a seu antigo aliado pouco antes de sua morte, teria sido proferida pelo moribundo em grego ("καὶ σύ, τέκνον”, no capítulo LXXXII). Calígula também parece ter uma tendência a 44 citar em grego textos clássicos, como quando faz uso do texto homérico para pôr fim a uma discussão entre reis do oriente: “Εἷς κοίρανος ἔστω, εἷς βασιλεύς.”23. Por fim, Suetônio também faz citações completas de documentos, fato que deriva de sua posição particular na administração imperial durante os governos de Trajano e de Adriano, e que lhe conferiu acesso a uma série de documentos que poucos privilegiados poderiam consultar. Essa prática o torna uma fonte muito importante de documentação histórica dos governos dos imperadores, em particular das correspondências de seus biografados. Tendo em vista o que foi apresentado até aqui, é possível observar que não há um texto teórico oriundo da Antiguidade Clássica que reconheça a biografia como um gênero literário. No entanto, não se deve considerar esse fato como uma afirmação de que a biografia não é um gênero, já que os textos teóricos da Antiguidade, via de regra, apresentavam classificações que não se destinavam a abarcar a totalidade das produções literárias. Ao observarmos as afirmações feitas por autores da literatura latina a respeito da biografia e da historiografia, sua preocupação em se manter dentro de um esquema textual específico que caracterizaria a biografia, fica claro que, se a biografia não foi reconhecida formalmente como gênero literário, é ao menos uma categoria textual reconhecida pelos escritores da época, que a opõem ao gênero historiográfico. Assumindo que esses escritores não produziriam um texto sem antes refletir sobre o gênero a que ele pertence, não seria absurdo considerar que a biografia foi, de fato, um gênero literário na Antiguidade Clássica. Por fim, mesmo que se possa questionar a última afirmação, fica óbvio que Suetônio, ao escrever o De Vita Caesarum, estava consciente da necessidade de opor sua obra aos textos historiográficos, e se dedicou a criar um contraste entre eles e suas biografias de líderes romanos. “Um só tenha o posto supremo; Um seja o rei.” (Cal. XXII). Calígula cita a Ilíada. A tradução é de Carlos Alberto Nunes. 23 45 4 Texto e tradução LIBER IIII LIVRO IIII C. CALIGVLA C. CALÍGULA I. 1Germanicus, C. Caesaris pater, Drusi et I – 1Germânico, pai de Calígula, filho de minoris Antoniae filius, a Tiberio patruo Druso e de Antônia, a jovem, adotado pelo adoptatus, quaesturam quinquennio ante tio paterno Tibério, assumiu o cargo de quam per leges liceret et post eam questor cinco anos antes do que era consulatum statim gessit, missusque ad permitido por lei e imediatamente depois exercitum in Germaniam, excesso Augusti o consuladoI. Foi enviado ao exército da nuntiato, legiones uniuersas imperatorem Germânia e, anunciada a morte de Tiberium pertinacissime recusantis et sibi Augusto, conteve todas as legiões que se summam rei p. deferentis incertum pietate voltavam pertinazmente contra o an constantia maiore compescuit atque imperador Tibério e ofereciam a ele hoste mox deuicto triumphauit. 2Consul mesmo o poder supremo, não se sabe se deinde iterum creatus ac prius quam por maior piedade ou firmeza de caráterII; honorem iniret ad componendum Orientis pouco depois de derrotar o inimigo, statum expulsus, cum Armeniae regem recebeu o triunfo. 2Foi feito cônsul depois, deuicisset, Cappadociam in prouinciae pela segunda vez, e antes de receber o formam redegisset, annum agens aetatis cargo foi enviado de Roma com a missão quartum et tricensimum diuturno morbo de pacificar o Oriente. Depois de derrotar Antiochiae obiit non sine ueneni completamente o rei da Armênia, suspicione. 3Nam praeter liuores, qui toto submeteu a Capadócia como província e, corpo erant, et spumas, quae per os contando trinta e quatro anos de idade, fluebant, cremati quoque cor inter ossa morreu na Antioquia de uma doença de incorruptum repertum est: cuius ea natura longa duração, não sem suspeita de envenenamento. 3Pois, além das manchas, que cobriam todo o corpo, e da espuma I O trecho inicial (os primeiros sete capítulos) da vida de Calígula funciona, na verdade, como uma pequena biografia de seu pai, Germânico (15 a.C. – 19 d.C.). II Os termos usados nessa passagem para descrever as virtudes de Germânico são pietas e constantia. Podese traçar aqui um paralelo entre a piedade de Germânico em relação a seu pai adotivo Tibério e o futuro comportamento de Calígula em relação à mesma figura (Calígula admite ter pensado em matar Tibério). 46 existimatur, ut tinctum, ueneno igne que lhe saía da boca, também foi confici nequeat. encontrado intacto entre os seus ossos o coração do cremado: órgão que se considera de natureza tal que, se repleto de veneno, não pode ser destruído pelo fogo. II. Obiit autem, ut opinio fuit, fraude II – Morreu, porém, como se acreditou, Tiberi, ministerio et opera CN. Pisonis, por crime de Tibério, por trabalho e obra qui sub idem tempus Syriae praepositus, de Cneu Pisão, que naquele mesmo tempo nec dissimulans offendendum sibi aut comandava a Síria, e não escondendo que patrem aut filium, quasi plane ita necesse ele tinha quase a necessidade de ofender esset, etiam grauissimis aegrum Germanicum ou o pai ou o filho, indispôs o doente uerborum ac rerum Germânico com gravíssimas ofensas de acerbitatibus nullo adhibito modo adfecit; palavras e de gestos, sem qualquer propter quae, ut Romam rediit, paene mesuraIII; razão pela qual, retornando a discerptus a populo, a senatu capitis Roma, tendo sido quase despedaçado pelo damnatus est. povo, foi condenado à morte pelo Senado. III. 1Omnes Germanico corporis animique III – 1Consta que Germânico tinha todas as uirtutes, et quantas nemini cuiquam, virtudes do corpo e do espírito, e ninguém contigisse satis fortitudinem formam et as tinha em tão grande nívelIV: aparência e ingenium in força notáveis, talento extraordinário em constat: egregiam, utroque eloquentiae doctrinaeque genere ambos os tipos de eloquência e praecellens, beniuolentiam singularem aprendizado, singular benevolência, e um conciliandaeque hominum gratoae ac admirável e poderoso esforço de granjear promerendi amoris mirum et efficax as boas graças dos homens e obter sua studium. III 2 Formae minus congruebat afeiçãoV. 2 As pernas magras não se Tácito acrescenta a isso ainda o uso de imprecações místicas contra Germânico (Tac. Ann. II.69.5). Como se pode notar, essa pequena biografia possui um acentuado caráter encomiástico. V Essas são as principais virtudes de germânico: forma (sua beleza física), fortitudo (sua robustez, uma força que pode ser entendida no sentido físico e no moral), eloquentia (a eloquência, facilidade de IV 47 gracilitas crurum, sed ea quoque paulatim harmonizavam com a aparência, mas ele repleta assidua equi uectatione post conseguiu cibum. 3 Hostem 4 percussit. Orauit comminus causas gradualmente saepe montando a cavalo com frequência após as etiam refeições. 3Ele frequentemente matava o triumphalis; atque inter cetera studiorum inimigo monimenta reliquit et comoedias Graecas. 5 repará-las 4 em combate corpo-a-corpo. Defendia causas mesmo depois de ter Domi forisque ciuilis, libera ac foederata recebido o triunfo. E, entre outras oppida sine lictoribus adibat. Sicubi lembranças de seus estudos, deixou clarorum uirorum sepulcra cognoscerent, também comédias gregas. 5 Modesto inferias manibus dabat. 6Caesorum clade dentro e fora de casa, visitava as cidades Variana ueteres ac dispersas reliquas uno livres e as aliadas sem ser precedido por tumulo humaturus, colligere sua manu et litores. Se, em algum lugar, reconhecesse comportare 7 primus adgressus est. os túmulos de homens ilustres, fazia Obtrectatoribus etiam, qualescumque et sacrifícios aos Manes. 6Quando estava quantacumque de causa nanctus esset, para enterrar em um único túmulo as lenis adeo et innoxius, ut Pisoni decreta relíquias antigas e dispersas dos que sua rescindenti, clientelas diuexanti non caíram durante a destruição de Varo, foi o prius suscensere in animum induxerit, primeiro a tentar recolhê-los e reuni-los quam ueneficiis quoque et deuotionibus com suas próprias mãos. 7Até mesmo com impugnari se comperisset; ac ne tunc seus inimigos, quem quer que fossem e quidem ultra progressus, quam ut por grande que fosse o motivo de serem amicitiam ei more maiorum renuntiaret seus desafetos, a tal ponto era brando e mandaretque domesticis ultionem, si quid inofensivo, que, enquanto Pisão anulava sibi accideret. seus decretos e maltratava sua clientela, não conseguiu se convencer a se indispor com ele antes que se descobrisse atacado com venenos e maldições. E mesmo então não foi além de renunciar a sua amizade de acordo com os costumes dos antepassados e de recomendar a vingança expressar-se) e o que se costuma entender por civilitas (sua sociabilidade, cortesia e modéstia). Tudo isso faz contraste com os defeitos de Calígula, com a possível exceção da eloquência. 48 aos de sua casa, na eventualidade de algo lhe acontecer. IV. Quarum uirtutum fructum uberrimum IV – Dessas virtudes ele colheu o fruto tulit, sic probatus et dilectus a suis, ut mais fértil, pois era tão amado e estimado Augustus (omito enim necessitudines pelos seus, que Augusto – omito, pois, os reliquas) diu successorem cunctatus destinaret, and sibi demais parentes -, tendo hesitado por adoptandum longo tempo em fazê-lo seu sucessor, fez Tiberio dederit; sic uulgo fauorabilis, ut com que fosse adotado por TibérioVI. Era plurimi tradant, quotiens aliquo adueniret tão querido pelo povo que, como muitos uel sicunde discederet, occurentium prae turba registram, todas as vezes que chegava a prosequentiumue algum lugar ou saía de lá, frequentemente nonnumquam eum discrimen uitae adisse, corria perigo de vida por conta da e Germania uero post compressam multidão dos que iam ao encontro dele ou seditionem praetorianas dos que o seguiam. Enquanto voltava da cohortes reuertenti uniuersas prodisse obuiam, Germânia depois de ter contido a revolta, quamuis pronuntiatum esset, ut duae todas as coortes pretorianas foram tantum modo exirent, populi autem encontrá-lo no caminho, ainda que se Romani sexum, aetatem, ordinem omnem tivesse decidido que apenas duas usque ad uicesimum lapidem effudisse se. poderiam ir, e os cidadãos romanos de todas idades, classes e sexos foram até a vigésima pedra miliar para recebê-lo. V. 1Tamen longe maiora et firmiora de eo V – 1E, no entanto, demonstraram-se ainda iudicia in morte ac post mortem extiterunt. maiores e mais seguros testemunhos de 2 Quo defunctus est die, lapidata sunt estima por ele em sua morte e depois de templa, subuersae deum arae, Lares a sua morte.VII 2No dia em que morreu, os VI Os historiadores afirmam que Augusto não nutria grande estima por Tibério (GRIMAL, 2011, p.132). Novamente, cria-se um contraste entre a atitude do povo quando da morte de Germânico e sua aparente indiferença quando da morte de Calígula (segundo Suetônio, o povo achou que Calígula estava simulando a própria morte). VII 49 quibusdam familiares in publicum abiecti, templos foram apedrejados, os altares dos partus coniugum expositi. barbaros ferunt, quibus 3 Quin et deuses foram derrubados, alguns lançaram intestinum para fora de suas casas os deuses lares, e quibusque aduersus nos bellum esset, expuseram os recém-nascidos.VIII 3 E uelut in domestico comunique maerore dizem que até mesmo os povos bárbaros, consensisse ad indutias; regulos quosdam estando em guerra fosse conosco, fosse barbam possuísse et uxorum capita rasisse entre si, como se estivessem sofrendo uma ad indicium maximi luctus; regum etiam tristeza doméstica e comum, fizeram uma regem et exercitatione uenandi et conuictu trégua. Alguns jovens reis tiraram a barba megistanum abstinuisse, quod Parthos iustiti instar est. apud e fizeram raspar as cabeças de suas esposas em sinal de máximo luto. E até mesmo o Rei dos ReisIX se absteve das caças e dos banquetes, o que entre os Partos é o equivalente ao luto público. VI. 1 Romae quidem, cum ad primam VI – 1Em Roma, pois, quando a cidade famam ualitudinis attonita et maesta triste e consternada pelos primeiros boatos ciuitas sequentis nuntios opperiretur, et de sua saúde aguardava as notícias repente iam uesperi incertis auctoribus seguintes, e de repente, à tarde, se conualuisse tandem percrebruisset, passim espalhou o boato, de fonte duvidosa, de cum luminibus et uictimis in Capitolium que ele havia enfim se recuperado, o povo, concursum est ac paene reuolsae templi vindo de todas as direções, correu ao fores, ne quid gestientis uota reddere Capitólio com vítimas e tochas, e quase moraretur, Tiberius expergefactus gratulantium undique concinentium: e uocibus somno destruíram as portas do templo para que atque nada impedisse os impacientes de pagarem suas promessas. Tibério foi despertado de seu sono pelas vozes dos VIII Essa curiosa forma de protesto não era de todo incomum. Segundo VEYNE, 2009b: 23, quando da morte de Agripina por Nero, um cidadão teria abandonado seu filho, pondo sobre ele um cartaz que dizia “não te crio com medo de que mates tua mãe”. IX Título dado ao rei dos Partos, povo que habitava regiões do Oriente Médio que se estendiam pelos territórios dos atuais Irã e Síria. 50 Salua Roma, salua patria, saluus est que agradeciam e que cantavam por toda Germanicus. 2 parte: Et ut demum fato functum palam factum ‘Está salva Roma, está salva a pátria, pois est, non solaciis ullis, non edictis inhiberi Germânico está salvo!’ luctus publicus potuit durauitque etiam 3 per festos Decembris mensis dies. Auxit gloriam desideriumque defuncti et atrocitas insequentium temporum, cunctis nec temere opinantibus reuerentia eius ac metu repressam Tiberi saeuitiam, quae mox eruperit. 2 Mas, quando enfim se soube que ele havia morrido, nenhum consolo, nenhum édito pôde conter o luto público, que se estendeu até mesmo pelos dias festivos de dezembroX. 3 A atrocidade dos tempos seguintes aumentou a fama e a saudade do falecido, pois todos acreditavam que a crueldade de Tibério, que logo se mostrou, estava sendo contida por medo e respeito à sua figura. VII. Habuit in matrimonio Agrippinam, VII – Casou-se com Agripina, filha de M. M. Agrippae it Iuliae filiam; ex ea nouem Agripa e Júlia, que lhe deu nove filhos; liberos tulit: quorum duo infants adhuc dos quais dois morreram ainda crianças, e rapti, unus festiuitate, iam puerascens insigni um, conhecido por sua alegria, quando cuius effigiem habitu estava se tornando rapaz, e cuja estátua Cupidinis in aede Capitolinae Veneris com trajes de cupido foi posta por Lívia no Liuia dedicauit, Augustus in cubiculo suo templo de Vênus Capitolina, e Augusto positam, quotiensque introieret, tinha outra em seu quarto, e sempre a exosculabatur; ceteri supérstites patri beijava ao entrar. Os demais viveram mais fuerunt, tres sexus feminini, Agrippina que o pai, AgripinaXI, Drusila e Livila, Drusilla Liuilla, continuo Trienio natae; nascidas sucessivamente em três anos, e o totidem mares, Nero et Drusus et C. mesmo número de meninos, Nero, Druso X XI As Saturnalia, festas em honra de Saturno, que se realizavam entre 17 e 23 de dezembro. A futura mãe do imperador Nero. 51 Caesar. Neronem et Drusum senatus e C. César. O Senado julgou inimigos a Nero e Druso, sob acusação de TibérioXII. Tiberio criminante hostes iudicauit. VIII. 1C. Caesar natus est pridie Kal. Sept. VIIIXIII – 1Caio César nasceu na véspera patre suo et C. Fonteio Capitone coss. 2Vbi das calendas de setembroXIV, sob o natus sit, incertum diuersitas tradentium consulado de seu pai e de C. Fonteio facit. 3CN. Lentulus Gaetulicus Tiburi Capito. 2O lugar onde nasceu é incerto, genitum scribit, Plinius Secundus in devido ao desacordo entre os que o Treueris uico supra narram. 3Cn. Lêntulo GetúlicoXV escreve Ambitaruio Confluentes; addit etiam pro argumento que ele nasceu em TiburXVI; Plínio, o aras ibi ostendi Agrippinae inscriptas puerperium>>. << 4 ob Jovem, diz que ele nasceu em TréverisXVII, Versiculi no vilarejo de Ambitárvio, ao norte de imperante mox eo diuulgati apud hibernas Coblença; e acrescenta como prova um altar lá erigido com a inscrição “ao parto legiones procreatum indicant: In castris natus, patriis nutritus in armis, de Agripina”. 4 Os versos divulgados pouco depois de ele se tornar Imperador Iam designate principis omen erat. indicam que ele teria nascido nos 5 Ego in actis Anti editum inuenio. acampamentos de inverno das legiões: 6 Gaetulicum refellit Plinius quasi mentitum per adulationem, ut ad laudes iuuenis gloriosique principis aliquid etiam ex urbe Herculi sacra sumeret, abusumque audentius mendacio, quod ante annum ‘Nascido nos acampamentos, nutrido pelas armas do pai, Já era o presságio de ser destinado ao Império.’ fere natus Germanico filius Tiburi fuerat, appelatus et ipse C. Caesar, de cuius amabili pueritia immaturoque obitu supra XII O próprio Suetônio narra o fato com maiores detalhes na vida de Tibério (Suet. Tib. LIV). Tem início a narrativa do nascimento e dos primeiros anos de vida de Calígula. É o começo de sua biografia propriamente dita. XIV Em 31 de agosto do ano 12 d.C. XV Contemporâneo de Calígula, que foi executado por ordem do mesmo em 39 d.C. XVI Atual Tívoli, comuna italiana da região do Lácio. XVII Atual Trier, na Alemanha XIII 52 diximus, 7Plinium arguit ratio temporum. Nam qui res 5 Eu mesmo encontrei nos Atos oficiais memoriae que ele nasceu em ÂncioXVIII. 6Plínio Augusti mandarunt, Germanicum exacto consulatu refuta Getúlico, como se ele houvesse in Galliam missum consentiunt iam nato mentido com o intuito de bajular, para Gaio. 8Nec Plini opinionem inscriptio arae acrescentar ao elogio de um príncipe quicquam adiuuerit, cum Agrippina bis in jovem e sedento de glória o fato de ter ea regione filias enixa sit, et qualiscumque nascido partus sine ullo sexus numa cidade consagrada a discrimine Hércules, e mais audacioso foi no uso da puerperium uocetur, quod antiqui etiam mentira porque quase um ano antes um puellas pueras, sicut et pueros puellos filho de Germânico havia nascido em dictitarent. 9Extat et Augusti epistula, ante Tibur, também chamado Caio César de paucos quam obiret menses ad cuja doce infância e morte prematura Agrippinam neptem ita scripta de Gaio falamos anteriormente. 7 Contra Plínio hoc (neque enim quisquam iam alius pesa o argumento do tempo. Pois aqueles infans nomine pari tunc supererat): que ficaram encarregados das memórias <<Puerum Gaium XV Kal. Iun., si dii de Augusto consentem que Germânico foi uolent, ut ducerent Talarius et Asillius, enviado à Gália depois de seu consulado, heri cum iis constitui. Mitto praeterea cum quando Caio já havia nascido. 8 E a eo ex seruis meis medicum, quem scripsi inscrição do altar em nada ajuda o Germanico si uellet ut retineret. Valebis, argumento de Plínio, pois Agripina teve mea Agrippina, et dabis operam ut ualens duas filhas naquela região, e o termo peruenias 10 ad Germanicum tuum.>> “puerperium” designava qualquer tipo de Abunde parere arbitror non potuisse ibi parto, sem distinção de sexo, já que os nasci Gaium, quo prope bimulus demum antigos chamavam também às meninas de perductus ab urbe sit. 11 Versiculorum “pueras”, assim como aos meninos de quoque fidem eadem haec eleuant et eo “puellos”. 9 Há também uma carta de facilius, quod ii sine auctore sunt. Augusto, escrita à sua neta Agripina 12 Sequenda est igitur, quae sola [autor] poucos meses antes da morte daquele, restat et publici instrumenti auctoritas, sobre este Caio (pois naquele tempo não praesertim cum Gaius Antium omnibus lhe restava nenhuma outra criança com XVIII Essa interessante passagem demonstra o espírito erudito de Suetônio. Ao longo deste capítulo, o maior da biografia, ele irá apresentar uma série de provas documentais que contestam as afirmações de Tácito e de Plínio. 53 semper locis atque secessibus praelatum este nome): “Combinei ontem com non aliter quam natale solum dilexerit Talário e Asílio que eles levarão o menino tradaturque etiam sedem ac domicilium Caio, se os deuses permitirem, no décimo imperii taedio destinasse. urbis transfere eo quinto dia antes das calendas de junho. Envio com ele, além disso, um de meus médicos, sobre o qual escrevi a Germânico que pode ficar com ele, se quiser. Fica bem, minha Agripina, e esforça-te por chegar saudável ao teu Germânico”. 10 Julgo ser bastante evidente que Caio não poderia ter nascido lá, já que somente quando tinha quase dois anos, foi levado para lá de Roma. argumentos retiram 11 Estes mesmos também a legitimidade dos versos com a mesma facilidade, visto que os mesmos são anônimos. 12 Deve-se seguir, portanto, o único testemunho que resta e a autoridade do arquivo público, sobretudo porque Caio sempre preferiu Âncio a todos os lugares e refúgios, da mesma maneira como se prefere o solo natal e diz-se que, cansado de Roma, quis transferir para lá a sede e a morada do Império. 54 IX. 1Caligulae cognomen castrense ioco IX. 1O sobrenome “Calígula” se deve a traxit, quia manipulario habitu inter uma brincadeira dos soldados, pois ele foi milites educabatur. 2Apud quos quantum criado entre os militares vestindo um praeterea per hanc nutrimentorum uniforme de soldado rasoXIX. 2Essa criação consuetudinem amore et gratia ualueri, valeu-lhe em grande medida, entre outras máxime cognitum est, cum post excessum coisas, a dedicação e o amor junto às Augusti tumultuandis et in furorem usque tropas. Isso se viu sobretudo quando, praecipites solus haud dubie ex conspectu depois da morte de Augusto, por si só – suo flexit. 3Non enim prius destiterunt, inegavelmente – abrandou os que haviam quam ablegari eum ob seditionis sido levados à revolta somente com sua periculum et in proximam ciuitatem aparição. 3Não deixaram a revolta, pois, demandari animadiuertissent; tunc antes de perceberem que ele seria demum ad paenitentiam uersi reprenso ac afastado, por medo da sedição, e mandado retento uehiculo inuidiam quae sibi fieret a uma cidade próxima; então, tomados de deprecati sunt. remorso, tendo parado e detido seu carro, imploraram que fossem poupados de tal ofensa. X. 1 Comitatus est patrem et Syriaca X. 1 Acompanhou também o pai na expeditione. 2Vnde reuersus primum in expedição à Síria. Tendo voltado de lá, matris, deinde ea relegata in Liuiae permaneceu primeiro junto à mãe e, Augustae proauiae suae contubernio depois que esta foi exilada, junto à bisavó, mansit; quam defunctam praetextatus Lívia Augusta. 2Da qual, depois de morta, etiam tunc pro rostris laudauit. 3Transitque fez o elogio junto aos rostros,XX ainda ad Antoniam auiam et undeuicensimo vestindo a toga pretextaXXI. 3 Depois, aetatis anno accitus Capreas a Tiberio uno passou a morar com a avó Antônia e, atque eodem die togam sumpsit contando dezenove anos de idade, foi barbamque posuit, sine ullo honore qualis trazido a CapriXXII por Tibério e no mesmo XIX Caligula é o diminutivo de caliga, espécie de bota utilizada pelos soldados romanos. Tribuna utilizada pelos oradores romanos, ornada com os rostros dos navios dos povos conquistados. XXI Toga com uma faixa púrpura usada pelos patrícios até os 17 anos de idade, quando era substituída pela toga viril. XXII Ilha do Golfo de Nápoles, no mar Tirreno. XX 55 contigerat tirocinio fratrum eius. 4 Hic dia vestiu a toga e raspou a barba, sem omnibus insidiis temptatus elicientium qualquer das honras que acompanharam o cogentiumque se ad querelas nullam noviciado de seus irmãosXXIII. 4Lá, mesmo umquam occasionem dedit, perinde tentado pelas armadilhas dos que o obliterato suorum casu ac si nihil cuiquam aliciavam, não reclamou em nenhuma accidisset, quae uero ipse pateretur ocasião, completamente obliteradas as incredibili dissimulatione transmittens lembranças das desgraças dos seus, como tantique in auum et qui iuxta erant se nada tivesse acontecido a ninguém. obsequii, ut non immerito sit dictum Aquilo que em verdade sofria, o escondia <<nec seruum meliorem ullum nec com incrível dissimulação, e tamanha era deteriorem dominum fuisse.>> a submissão ao avô e aos que o acompanhavam, que não sem mérito se disse “não haver melhor escravo nem pior senhor”. XI. 1 Naturam tamen saeuam atque XI. 1Nem então conseguia esconder a probrosam ne tunc quidem inhibere natureza cruel e ultrajanteXXIV. Pelo poterat, poenisque quin ad et animaduersionibus contrário, assistia com grande interesse supplicium datorum aos castigos e penas dos condenados, à cupidissime interesset et ganeas atque noite, frequentava as orgias e aos adulteria capillamento celatus et ueste adultérios, disfarçado com uma peruca e longa noctibus obiret ac scaenicas saltandi uma veste longa, e dedicava-se com canendique artes studiosissime appeteret; grande esforço às artes do teatro, da dança facile id sane Tiberio patiente, si per has e do canto. Tibério tolerava essas coisas mansuefieri posset ferum eius ingenium. com facilidade, na esperança de que, 2 Quod sagacissimus senex ita prorsus através delas, pudesse abrandar seu gênio perspexerat, ut aliquotiens praedicaret feroz. 2O sagaz ancião tão profundamente XXIII Honras que levaram Tibério a acusá-los e o Senado a julgá-los como inimigos públicos, resultando em suas mortes. XXIV Nessa passagem é possível notar claramente a postura de Suetônio com relação à questão da fixidez do caráter. Seguindo a mesma crença dos biógrafos peripatéticos, ele demostra que Calígula foi cruel desde sempre, muito embora seu grande talento para a dissimulação o tenha permitido assumir a aparência de um governante justo e generoso no início de seu governo. 56 exitio suo omniumque Gaium uiuere et se o compreendera, que disse algumas vezes natricem [serpentis id P.R., que “Caio vivia para sua ruína e de todos” genus] Phaethontem orbi terrarum educare. e que ele criava “uma hidra para o povo romano e um Faetonte para o mundoXXV”. XII. 1 Non ita multo post Iuniam XII.1Assim, não muito tempo depois Claudillam M. Silani nobilissimi uiri F. desposou Júnia Claudila, filha de M. duxit uxorem. 2Deinde augur in locum Silano, homem nobilíssimo. 2 Então, fratris sui Drusi destinatus, prius quam designado como áugure em lugar de seu inauguraretur ad pontificatum traductus irmão Druso, antes de ocupar o cargo, foi est insigni testimonio pietatis atque elevado por Tibério ao pontificado – indolis, cum deserta desolataque reliquis testemunho insigne de seu caráter e subsidiis aula, Seianoque tunc suspecto piedade – que, como visse a corte deserta mox et opresso, ad spem successionis e desprovida de seus apoios, e suspeitasse paulatim admoueretur. 3Quam quo magis de SejanoXXVI, que em breve seria confirmaret, amiss Iunia ex partu, Enniam esmagado, aos poucos o guiava, na Naeuiam, Macronis uxorem, qui tum esperança de que o sucedesse. 3Calígula, praetorianis cohortibus praeerat, para garantir isso, quando perdeu Júnia, sollicitauit ad stuprum polliticus et morta no parto, seduziuXXVII Ênia Névia, matrimonium suum, si potitus imperio esposa de fuisset; deque ea re et iure iurando et comandava MacrãoXXVIII, a guarda que então pretoriana e chirographo cauit. 4Per hanc insinuatus prometeu casar-se com ela, se alcançasse Macroni ueneno Tiberium adgressus est, o Império, o que proveu com juramento e ut quidam opinantur, spirantique adhuc com um documento escrito de seu próprio XXV A Hidra de Lerna era uma serpente aquática muito perigosa que tinha a capacidade de se regenerar: quando sua cabeça era cortada, duas outras cresciam. Já Faetonte, o filho de Apolo, convenceu o pai a lhe deixar dirigir o carro que levava o sol através dos céus, mas perdeu o controle e teria incendiado a terra se Zeus não o tivesse matado com um raio. É interessante que Calígula seja comparado a dois desastres ligados a elementos opostos, o fogo e a água. XXVI Líder da guarda pretoriana e antigo aliado de Tibério, que permaneceu em Roma depois que o imperador se mudou para Capri e viria a ser visto como um inimigo e executado, conforme Suetônio relata aqui. XXVII No original, “sollicitauit ad stuprum”. É preciso lembrar que a palavra “stuprum” tinha um sentido bastante lato, podendo ser usada para designar qualquer relação sexual ilícita, mesmo quando houvesse o consentimento das partes envolvidas. XXVIII Sucessor de Sejano na guarda pretoriana. 57 detrahi anulum et, quoniam suspicionem punho. 4 Através dela se insinuou a retinentis dabat, puluinum iussit inici Macrão, envenenou Tibério, segundo atque etiam fauces manu sua oppressit, pensam alguns, retirou-lhe o anel liberto, qui ob atrocitatem facinoris enquanto este ainda respirava e, como exclamauerat, confestim in crucem acto. suspeitava de que Tibério o retinha, 5 Nec abhorret a ueritate, cum sint quidam mandou que lhe fosse jogada uma autores ipsum postea etsi non de perfecto, almofada e com sua própria mão o at certe de cogitato quondam parricidio sufocou. Um liberto que havia protestado professum; gloriatum enim assidue in contra commemoranda sua pietate, a atrocidade do crime, foi ad imediatamente mandado à cruz. 5E isto ulciscendam necem Tiberii dormientis et não está longe da verdade, uma vez que há misericordia correptum abiecto ferro autores que afirmam que ele comentou, se recessisse; nec illum, quanquam sensisset, não ter cometido, ao menos ter pensado aut inquirere quicquam aut exequi ausum. em cometer tal parricídio; vangloriava-se frequentemente de que sua piedade deveria ser lembrada, que tinha entrado no quarto de Tibério, com um punhal, enquanto este dormia, para vingar a morte da mãe e dos irmãos, e que, tomado de misericórdia, jogou a arma fora e saiu de lá; e que nem Tibério, mesmo notando sua presença, não ousou acusá-lo nem o castigar.XXIX XIII. 1Sic imperium adeptus, P.R., uel XIII. 1Tendo assim chegado ao poder, dicam hominum genus, uoti compotem alcançou o desejo do povo romano, ou fecit, exoptatissimus princeps maximae antes de toda a humanidade, sendo ele o parti prouincialium ac militum, quod príncipe desejado não só pela maior parte XXIX Perceba-se o contraste entre a piedade de Calígula e a de Germânico. Mesmo a narrativa do próprio Calígula é dúbia: vingar os parentes mortos seria um ato de piedade, mas para isso era preciso matar Tibério. O dilema lembra o de Orestes. Seja como for, segundo Suetônio, Calígula só usava esse fato para contar vantagem. 58 infantem plerique cognouerant, sed et dos habitantes das províncias e dos uniuersae plebi urbanae ob memoriam militares, dos quais muitos o tinham Germanici patris miserationemque prope conhecido ainda criança, mas também de afflictae domus. 2Itaque ut a Miseno mouit toda a plebe de Roma, por conta da quamuis lugentis habitu et funus Tiberi memória de seu pai, Germânico, e das prosequens, tamen inter altaria et uictimas desgraças ardentisque taedas de sua casa, quase et despedaçadaXXX. 2Por isso, quando partiu densissimo laetissimo obuiorum agmine incessit, de Miseno, embora estivesse vestido de super fausta <<pullum>> nomina et <<sidus>> <<pupum>> et luto e seguindo o funeral de Tibério, ainda et assim, entre altares, vítimas e tochas <<alumnum>> appelantium. ardentes, atravessou uma multidão densa e felicíssima dos que vinham ao seu encontro, e que o chamavam com nomes auspiciosos, como ‘astro’, ‘menino’, ‘rapazinho’ e ‘pupilo’. XIV. 1 Ingressoque urbem, statim XIV. 1Tendo chegado a Roma, o Senado, consenso senatus et irrumpentis in curiam em acordo com a turba que irrompia pela turbae, inrita testamento Tiberi alterum uoluntate, nepotem qui cúria, e malgrado a vontade de Tibério – suum que em seu testamento deixara como praetextatum adhuc coheredem ei dederat, coerdeiro outro neto seu, já vestido da ius arbitriumque omnium rerum illi pretextaXXXI – deu a ele direito e governo permissum est tanta publica laetitia, ut de todas as coisas. Tamanha foi a alegria tribos proximis mensibus ac ne totis do povo, que nos três meses seguintes, e quidem supra centum sexaginta milia um pouco mais, segundo consta, foram uictimarum caesa tradantur. 2Cum deinde sacrificadas mais de cento e sessenta mil paucos post dies in proximas Campaniae vítimas. 2Como, então, depois de poucos insulas traiecisset, uota pro redita suscepta dias, ele tivesse ido para as ilhas próximas XXX Fica claro que o apreço do povo por Calígula se deve antes à sua família, seja pelo prestígio de Germânico, seja pela tragédia famíliar, do que aos seus próprios méritos. XXXI Tiberius Gemellus (o “gemeozinho”) , filho de Druso, primo de Calígula que seria adotado por ele e depois morto, sob acusações de planejar uma traição. 59 sunt, ne minimam quidem ocasionem à Campânia, fizeram-se votos pelo seu quoquam omittente in testificanda retorno, sem que ninguém se omitisse, sollicitudine et cura de incolumitate eius. nem pelo mais breve momento, de fazer 3 Vt uero in aduersam ualitudinem incidit, testemunhar sua solicitude e cuidado na pernoctantibus cunctis circa Palarium, non conservação de Calígula. 3E, na verdade, defuerunt qui depugnaturos se armis pro quando ele adoeceu, todos passaram a salute aegri quique capirta sua titulo noite ao redor do Palatino, e não faltaram proposito uouerent. 4 Accessit ad os que prometeram pegar em armas ou que immensum ciuium amorem notabilis ofereceram suas cabeças pela saúde do etiam externorum fauor. 5 Namque doenteXXXII. 4Acresce ao imenso amor dos Artabanus Parthorum rex, odium semper cidadãos também o notável favor dos contemptumque Tiberi prae se ferens, estrangeiros. 5 Pois Artabano, rei dos amicitiam huius ultro petiit uenitque ad Partos, que sempre declarou seu ódio e colloquium legati consulares et desprezo por Tibério, solicitou a amizade transgressus Euphraten aquilas et signa de Calígula, uma entrevista com o legado Romana Caesarumque imagines adorauit. consular e, tendo atravessado o Eufrates, prestou culto às águias e estátuas romanas e às imagens dos Césares. XV. 1Incendebat et ipse studia hominum XV. 1Ele próprio inflamava a devoção dos omni genere popularitatis. Tiberio cum homens com todo tipo de medidas plurimis lacrimis pro contione laudato popularesXXXIII. Tendo feito as últimas funeratoque amplissime confestim homenagens a Tibério e o elogiado Pandateriam et Pontias ad transferendos grandemente com muitíssimas lágrimas matris fratrisque cineres festinauit, diante do povo reunido, logo em seguida, tempestate turbida, quo magis pietas para ressaltar sua piedade, apressou-se a ir emineret, adiitque uenerabundus ac per a Pandatária e a PônciaXXXIV para trazer, semet in urnas condidit; XXXII 2 nec minore em meio a uma tempestade, as cinzas da Um exagero retórico que viria a se mostrar arriscado: Calígula aparentemente fazia honrar a palavra daqueles que prometiam morrer em troca de sua saúde. XXXIII Neste ponto se inicia o relato dos primeiros atos de Calígula como imperador. A partir daqui, nota-se que ele também era capaz de se fazer querido pelo povo sem depender em demasia da memória de seu pai. XXXIV Como afirma Lindsay (2002, p. 79) estas ilhas eram o destino costumeiro dos exilados. 60 scaena Ostiam praefixo in biremis puppe mãe e do irmão, chegando até elas uexillo et inde Romam Tiberi subuecto per respeitosamente e depositando-as em splendidissimum equestris urnas ele mesmo. 2E não sem menor quemque ordinis médio ac frequenti die duobus pompa as transportou para Óstia, numa ferculis Mausoleo intulit inferiasque is birreme com um estandarte à popa e de lá annua religione publice instituit, et eo para Roma, através do Tibre, e as fez levar amplius matri circenses carpentumque ao MausoléuXXXV, em duas liteiras, em 3 quo in pompa traduceretur. At in pleno dia e diante de muitos, determinou memoriam patris Septembrem mensem que fossem feitos sacrifícios públicos a Germanicum appelauit. 4 Post haec eles todos os anos e além disso jogos em Antoniae auiae, quidquid umquam Liuia homenagem à mãe, aos quais sua imagem Augusta honorum cepisset, uno senatus seria levada num carro, com toda a pompa. consulto congessit; patruum Claudium, 3 E em memória do pai, deu ao mês de equitem R. ad id tempus, collegam sibi in Setembro o nome de Germânico. 4Depois consulatu assumpsit; fratrem Tiberium die disso, concedeu a sua avó Antônia, através uirilis togae adoptauit appelauitque de um decreto do Senado, todas as honras principem iuuentutis. 5De sororibus auctor que haviam sido concedidas a Lívia fuit, ut omnibus sacramentis Augusta. Ao tio paterno Cláudio, naquele adiceretur:<<Neque me liberosque meos tempo um cavaleiro romano, fez com que cariores habebo quam Gaium et [h] ab eo assumisse o consulado como seu colega. sorores eius>>; item relationibus Ao irmão Tibério chamou “Príncipe da consulum:<<Quod bonum felixque sit. C. Juventude”, quando este assumiu a toga Caesari sororibusque popularitate damnatos eius.>> 6 Pari viril e o adotouXXXVI. 5Quanto às suas relegatosque irmãs, foi responsável por fazer com que a restituit; criminum, si quae residua ex todos os juramentos se acrescentasse esta priore tempore manebant, omnium fórmula: “Não colocarei a mim mesmo e gratiam fecit; commentarios ad matris nem aos meus acima de Caio e de suas fratrumque suorum causas pertinentes ne irmãs”. E, da mesma forma, nas cui postmodum delatori aut testii maneret deliberações dos cônsules: “Bem e XXXV Trata-se do Mausoléu construído por Augusto, de que Suetônio fala em Aug. C Por irmão, frater, deve-se entender aqui “primo” (Suetônio omite parte da expressão frater patruelis, significando primo pelo lado paterno). Trata-se do mesmo Tiberius Gemellus, que se mostrava desde já um forte candidato ao governo, e que Calígula provavelmente quis manter por perto desde o início. XXXVI 61 ullus metus, conuectos in fórum, et ante prosperidade a Caio César e suas clare obstestatus deos neque legisse neque irmãs”XXXVII. 6 Com igual intenção de attigisse quicquam, concremauit; libellum agradar ao povo, restituiu condenados e de salute sua oblatum non recepit, exilados. Perdoou todos os crimes que contendens << nihil sibi admissum cur datavam do governo anterior. Queimou os cuiquam inuisus esset>>, negauitque se comentários pertinentes aos processos de delatoribus aures habere. sua mãe e de seus irmãosXXXVIII, que haviam sido levados ao fórum e, para que nenhum delator ou testemunha o temesse, jurou diante dos deuses que não havia lido nem tocado nenhum deles. Recusou-se a receber uma lista que tratava de sua segurança, dizendo “não ter feito nada para ser odiado por ninguém”XXXIX, e negou dar atenção aos delatoresXL. 1 XLI XVI. 1Spintrias monstrosarum libidinum XVI. Expulsou da cidade os espíntrias , aegre ne profundo mergeret exoratus, urbe de monstruosas perversões, a muito custo 2 submouit. 2Titi Labieni, Cordi Cremuti, convencido de não os afogar. Permitiu XLII Cassi Seueri scripta senatus consultis que os escritos de Tito Labieno , Cordo XXXVII Esta seção descreve o amor e apreço de Calígula pela própria família (o que se subverterá mais à frente na narrativa), mostrando a reparação feita à honra de seus familiares mortos e o cuidado com os que ainda viviam. XXXVIII Como se verá mais à frente, Calígula na verdade fez cópias desses documentos antes de queimá-los. XXXIX Ou seja, uma lista com os nomes de supostos conspiradores, que Calígula não imaginava serem reais, já que ele não teria feito mal a ninguém para ser merecedor de ódio. XL Os delatores eram um problema muito grave na Roma Imperial, principalmente quando abusavam das denúncias de crime contra a maiestas (por exemplo, falar mal do imperador). Nos Annales de Tácito consta o episódio ocorrido no governo de Tibério em que quatro delatores da ordem senatorial, buscando ascender socialmente por prestar serviços a Sejano, o guarda pretoriano, teriam convidado um homem de mesmo status para o jantar e, tendo iniciado uma conversa difamatória a respeito de Sejano, aguardaram que esse homem se juntasse aos comentários pouco elogiosos. Quando ele o fez, os outros o denunciaram, já que três deles tinham ficado escondidos no teto para servir de testemunhas do “crime” (Tac. Ann. 4.69). XLI Homens que se prostituíam, e que teriam sido protegidos de Tibério em Capri. XLII Orador que viveu na época de Augusto, conhecido por atacar diversas figuras públicas em seus discursos. Cometeu suicídio depois que o Senado ordenou que seus livros fossem queimados. 62 abolita requiri et esse in manibus CremúcioXLIII e Cássio Severo XLIV – lectitarique permisit, quando maxime sua abolidos por um decreto do Senado – interesset ut facta quaeque posteris fossem pesquisados, distribuídos e lidos tradantur. 3Rationes imperii ab Augusto “uma vez que tinha grande interesse em proponi solitas sed a Tiberio intermissas informar a posteridade acerca de tudo”. publicauit. 4Magistratibus liberam iuris dictionem et sine sui 3 Fez a publicação das contas do governo, appellatione que era comum no governo de Augusto, concessit. 5Equites R. seuere curioseque mas que Tibério interrompera. 4Concedeu nec sine moderatione recognouit, palam aos magistrados total jurisdição, sem que adempto equo quibus aut probri aliquid fosse necessário apelar a ele mesmo. aut ignominiae inesset, eorum qui minore 5 Examinou os cavaleiros romanos com culpa tenerentur nominibus modo in severidade e escrutínio, mas não sem recitatione praeteritis. 6 Vt leuior labor moderação, e privou publicamente do iudicantibus foret, ad quattuor prioris cavalo aqueles contra os quais havia algo quintam decuriam addidit. 7Temptauit et de infâmia ou ignomínia, e daqueles que comitiorum more reuocato suffragia eram culpados de crimes menores, populo reddere. 8Legata ex testamento simplesmente absteve-se de citar o nome Tiberi quamquam abolito, sed et Iuliae durante a chamada. 6Para tornar mais leve Augustae, quod Tiberius suppresserat, o trabalho dos juízes, acrescentou às cum fide ac sine calumnia repraesentata quatro decúrias anteriores uma quintaXLV. persoluit. 9 Ducentesimam auctionum 7 Tentou até mesmo devolver ao povo o Italiae remisit; multis incendiorum damna direito de voto, trazendo de volta o suppleuit; ac si quibus regna restituit, costume das assembleias de romanos para adiecit et fructum omnem uectigaliorum et a eleição de magistradosXLVI. 8 Pagou reditum medii temporis, ut Antiocho fielmente aos herdeiros designados de Commageno sestertium milies Tibério, e confiscatum. 10Quoque magis nullius non testamento XLIII sem de fraude, Tibério embora tivesse o sido Historiador que foi acusado por Sejano de crime contra a maiestas e obrigado a tirar a própria vida. Professor de Retórica e amigo de Labieno, foi condenado ao exílio (onde viria a morrer depois de vinte e cinco anos) pelas mesmas acusações que o colega. XLV Havia três decúrias de juízes no período republicano. Augusto acrescentou uma quarta durante seu governo. XLVI Tais assembleias eram conhecidas como comitia, os “comícios”, e segundo o próprio Suetônio, Augusto já havia pensado em retomar esse costume (Aug, XL). XLIV 63 boni exempli fautor uideretur, mulieri anulado, e também aos de Júlia Augusta, libertinae octingenta excruciata grauissimis donauit, scelere patroni reticuisset. tormentis 11 quod embora Tibério os tivesse suprimido. de 9 Restituiu à Itália o imposto de meio por Quas ob res cento nas vendas em hasta pública; inter reliquos honores decretus est ei reparou muitos danos causados por clipeus aureus, quem quotannis certo die incêndios; e, se restituía a alguém o collegia sacerdotum in Capitolium ferrent, reinado, acrescentava todo produto dos senatu prosequente nobilibusque pueris ac impostos e rendimentos públicos puellis carmine modulato laudes uirtutum coletados neste ínterim, como fez a eius canentibus. Decretum autem ut dies, Antíoco, rei de Comagena, a quem quo cepisset imperium, Parilia uocaretur, devolveu cem milhões de sestércios uelut argumentum rursus conditae urbis. confiscados. 10E para que parecesse ainda mais o promotor de bons exemplos, deu oitenta mil sestércios a uma liberta que, tendo sofrido gravíssima tortura, não denunciou nenhum dos crimes de seu patrono. 11 Razões pelas quais, entre as demais honras, foi-lhe concedido o escudo douradoXLVII, que todo ano o colegiado dos sacerdotes levava ao Capitólio, seguidos pelo senado e por meninos e meninas da nobreza que entoavam o elogio de suas virtudes com um canto cadenciado. Também se decretou que o dia em que ele ascendera ao poder seria chamado de PariliaXLVIII, sob o argumento XLVII Semelhante ao clipeus aureus concedido a Augusto, que comemorava suas quatro virtudes, clementia, iustitia, pietas e uirtus. Não há como saber se foram essas mesmas as virtudes comemoradas no escudo de Calígula, no entanto. XLVIII Festas em homenagem ao deus Pales, ligado à vida pastoril (às vezes representado como uma divindade feminina). Acreditava-se que Roma havia sido fundada durante o festival dedicado a esse deus, em 21 de abril. 64 de que neste dia a cidade fora fundada uma segunda vez. XVII. 1 Consulatus quattuor gessit, XVII. 1 Exerceu quatro consulados, o primum ex Kal. Iul. per duos menses, primeiro iniciado nas calendas de julho, secundum ex Kal. Ian. per XXX dies, por dois meses, o segundo iniciado nas tertium usque in Idus Ian., quartum usque calendas de janeiro por trinta dias, o septimum Idus easdem. 2Ex omnibus duos terceiro até os idos de janeiro, o quarto até 3 nouissimos coniunxit. Tertium autem o sétimo dia antes dos idos daquele mesmo Luguduni iniit solus, non ut quidam mês.XLIX 2Dentre todos esses, os dois opinantur superbia neglegentiaue, sed últimos foram consecutivos. 3O terceiro, quod defunctum sub Kalendarum diem porém, inaugurou sozinho, em LugdunoL, collegam rescisse absens non potuerat. não por sua soberba ou negligência, como 4 Congiarium populo bis dedit trecenos muitos pensam, mas porque, estando sestertios, totiens abundantissimum ausente, não tinha como saber que seu epulum senatui equestrique ordini, etiam colega havia falecido durante as calendas coniugibus ac liberis utrorumque; daquele mês. 4Duas vezes deu de presente posteriore epulo forensia insuper uiris, ao povo a quantia de trezentos sestércios feminis ac pueris fascias purpurae ac para cada um, mesmo número de vezes em conchylii distribuit. 5 Et ut laetitiam que deu farto banquete à ordem dos publicam in perpetuum quoque augeret, senadores e dos cavaleiros, bem como às adiecit diem Saturnalibus appellauitque esposas e aos filhos de seus membros. No Iuuenalem. último destes, distribuiu também trajes públicos aos homens e faixas de púrpura às mulheres e às crianças. 5 E para aumentar a alegria do povo em caráter permanente, acrescentou um dia às XLIX Lindsay (2002, p. 88) afirma que Calígula recebeu do Senado uma oferta de consulado perpétuo, logo que assumiu o poder. Sua dispensa dessa oferta pode ser vista como parte da chamada recusatio, em que o imperador ritualmente recusava o poder que lhe era investido, como respeito à república. Depois dessa recusa inicial, no entanto, Calígula atuou como cônsul em todos os anos de seu governo. L Atualmente Lyon, na França. 65 Satunálias, ao qual chamou “Dia da Juventude”. 1 XVIII. Munera gladiatoria partim in XVIII. 1Ofereceu jogos de gladiadores LI, amphitheatro Tauri partim in Saeptis fosse no Anfiteatro de Tauro, fosse na aliquot edidit, quibus inseruit cateruas cerca das eleiçõesLII, aos quais introduziu Afrorum Campanorumque pugilum ex grupos de lutadores da África e da utraque regione electissimorum. 2Neque Campânia, os melhores de ambas as spectaculis semper ipse praesedit, sed regiões. 2 E nem sempre presidiu ele interdum aut magistratibus aut amicis mesmo aos espetáculos, mas, às vezes, praesidendi munus iniunxit. 3Scaenicos confiava este papel aos magistrados ou a ludos et assidue et uarii generis ac amigos. 3Promoveu muitas peças de teatro multifariam fecit, quondam et nocturnos de variado gêneroLIII, certa vez durante a accensis tota urbe luminibus. 4Sparsit et noite, missilia uariarum rerum et panaria cum 4 iluminando toda a cidade. Distribuiu também presentes de vários obsonio uiritim diuisit; qua epulatione tipos, que ele lançava ao povo, e deu a equiti R. contra se hilarius auidiusque cada pessoa cestos com víveres. Durante o uescenti partes suas misit, sed et senatori banquete, deu sua parte a um cavaleiro ob eandem causam codicillos, quibus romano que estava à frente dele e que praetorem eum extra ordinem designabat. comia com alegria e avidez. Pelo mesmo 5 Edidit et circenses plurimos a mane ad motivo, deu a um senador um documento, uesperam interiecta modo Africanarum através do qual o designava como pretor uenatione modo Troiae decursione, et extraordinário. 5Também instituiu jogos quosdam praecipuos, minio et chrysocolla circenses, que duravam da manhã até a constrato circo nec ullis nisi ex senatorio tarde, em cujo intervalo eram realizadas ordine aurigantibus. 6Commisit et subitos, caçadas africanas ou corridas troianas. Em cum e Gelotiana apparatum circi alguns jogos especiais, teve o circo LI Pode-se notar aqui uma nova rubrica: Suetônio falará do tratamento dado por Calígula aos jogos. Saepta, que pode ser entendido como uma área cercada. Neste contexto, trata-se provavelmente de uma grande área fechada localizada no Campo de Marte, onde o povo se reunia para votar, e onde se encontravam várias lojas. LII LIII É preciso lembrar que por jogos (ludi) os romanos entendiam não só o combate entre gladiadores, mas também os jogos do circo (ludi circenses) e as peças de teatro (ludi scaeneci). 66 prospicientem pauci proximis coberto por vermelhão e malaquitaLIV e ex Maenianis postulassent. não permitiu que subisse às bigas quem não fosse da ordem senatorial. 6Instituiu até mesmo jogos improvisados, visto que, enquanto observava do Palácio Gelociano as estruturas do circo, algumas pessoas dos balcões das casas vizinhas o pediram que fizesse. XIX. 1Nouum praeterea atque inauditum XIX. 1Criou, além disso, um novo tipo de genus spectaculi Baiarum medium Puteolanas moles, excogitauit. Nam espetáculo. Pois construiu, no espaço interuallum trium [ad] entre Baías e o quebra-mar de Puzzuoli - milium et uma distância de quase três mil e sescentorum fere passuum spatium, ponte seiscentos passosLV – uma ponte, que foi coniunxit contractis undique onerariis feita com navios de carga trazidos de toda nauibus et ordine duplici ad ancoras parte e postos, ancorados, numa fila dupla, conlocatis superiectoque terreno ac sobre a qual se colocou terra, moldando-a derecto in Appiae uiae formam. 2Per hunc até parecer com a Via Ápia. 2De imediato, pontem ultro citro commeauit biduo pôs-se a ir e vir, de lá para cá, durante dois continenti, primo die phalerato equo dias.LVI No primeiro dia, num cavalo insignisque quercea corona et caetra et coberto de insígnias militares, usando uma gladio aureaque chlamyde, postridie coroa de folhas de carvalho, um pequeno quadrigario habitu curriculoque biiugi escudo, uma espada e uma clâmide famosorum equorum, prae se ferens dourada, e no dia seguinte, vestido como Dareum puerum ex Parthorum obsidibus, um piloto de quadriga, num carro puxado comitante praetorianorum agmine et in por dois cavalos célebres, levando à sua essedis LIV cohorte amicorum. 3 Scio frente Dário, um jovem refém do Império Esses materiais teriam dado ao circo uma decoração baseada nas cores vermelha e verde, e pode ser uma referência às facções do circo (times de pilotos que participavam das corridas). A facção vermelha e a facção verde eram as preferidas da plebe, e Calígula em particular torcia pelos verdes. LV Cerca de 2.95 km. LVI Essa é a primeira grande demonstração de excentricidade por parte de Calígula depois de assumir o governo. 67 plerosque existimasse talem a Gaio Parta, acompanhado de uma tropa de pontem excogitatum aemulatione Xerxis, guardas pretorianos e uma companhia de qui non sine admiratione aliquanto amigos que vinham em carros de angustiorem Hellespontum guerraLVII. 3Sei que muitos pensaram que contabulauerit; alios, ut Germaniam et a idealização de tal ponte por Caio era uma Britanniam, quibus imminebat, alicuius tentativa de rivalizar Xerxes, que, não sem inmensi operis fama territaret. 4Sed auum produzir considerável admiração, cobriu o meum narrantem puer audiebam, causam Helesponto, mais estreito. Outros acharam operis ab interioribus aulicis proditam, que o fizera para aterrorizar a Germânia e quod Thrasyllus mathematicus anxio de a Bretanha, que então ameaçava de guerra, successore Tiberio et in uerum nepotem com o boato de tão imensa obraLVIII. 4Mas proniori affirmasset non magis Gaium ouvi de meu avô, quando eu era menino, imperaturum quam per Baianum sinum que a razão de tal obra, contada pelos seus equis discursurum. cortesãos, era o fato de o astrólogo Trasilo ter dito a Tibério – quando este se encontrava preocupado com seu sucessor e se mostrava propenso a escolher o neto – que “Caio tinha tantas chances de ser Imperador quantas de atravessar a cavalo o Golfo de Baías”LIX. XX. Edidit et peregre spectacula, in Sicilia XX. Também deu espetáculos fora de Syracusis asticos ludos et in Gallia Roma: em Siracusa, na Sicília, jogos Luguduni miscellos; sed hic certamen locaisLX; em Lugduno, na Gália, jogos quoque Graecae Latinaeque facundiae, diversos. Mas em Lugduno ofereceu um quo certamine ferunt uictoribus praemia concurso de eloquência grega e latina, no uictos contulisse, eorundem et laudes qual, LVII dizem, os vencidos deveriam Essa representação o deixava parecido com um general triunfante. O ato poderia ser ameaçador para a Bretanha porque deixava claro que uma fronteira aquática não era o bastante para fazer parar o imperador. LIX Essa passagem ilustra a variedade de fontes a que Suetônio recorre para compor seus relatos. Desde documentos oficiais até os comentários de seus próprios familiares. LX Astici Ludi, jogos celebrados em honra a Baco. LVIII 68 componere coactos; eos autem, qui conceder os prêmios aos vencedores, e maxime displicuissent, scripta sua spongia eram obrigados a fazer-lhes o elogio. Aos linguaue delere iussos, nisi ferulis que tinham se saído particularmente mal, obiurgari aut flumine proximo mergi cabia, porém, apagar seus escritos com maluissent. uma esponja ou com a própria língua, se não quisessem ser açoitados com varas ou lançados a um rio próximoLXI. XXI. 1Opera sub Tiberio semiperfecta, XXI. 1Completou as reformas do templo templum Augusti theatrumque Pompei, de Augusto e do teatro de Pompeu, que absoluit. 2Incohauit autem aquae ductum não tinham sido terminadas no governo de regione Tiburti et amphitheatrum iuxta TibérioLXII. 2Deu início, além disso, à Saepta, quorum operum a successore eius construção do aqueduto na região de Tibur Claudio alterum peractum, omissum e ao anfiteatro junto à cerca das eleições, alterum est. 3Syracusis conlapsa uetustate obras que foram, umas completadas, moenia 4 deorumque aedes refectae. outras abandonadas por seu sucessor, Destinauerat et Sami Polycratis regiam Cláudio. 3 Em Siracusa, reconstruiu as restituere, Mileti Didymeum peragere, in muralhas e os templos dos deuses, iugo Alpium urbem condere, sed ante destruídos pelo tempoLXIII. 4Tinha também omnia Isthmum in Achaia perfodere, planejado reconstruir o palácio de miseratque iam ad dimetiendum opus Polícrates, em Samos, terminar o templo primipilarem. de Apolo Didimeu, em Mileto, construir uma cidade no cume dos Alpes, mas, antes de tudo, cortar o istmo em AcaiaLXIV - e já LXI Primeira demonstração de interesse pela retórica. Também se vê aqui um pouco da crueldade futura que marcaria o governo de Calígula, de acordo com o relato de Suetônio. LXII Esse é o último trecho em que Suetônio tratará de Calígula como um bom governante. Aqui ele fala de algumas de suas obras públicas. LXIII Segundo Lindsay, tais obras poderiam ter sido feitas em agradecimento à cidade por ter sido a primeira a reconhecer a divindade de sua irmã Drusilla, depois de sua morte. LXIV Istmo em Corinto que une a Grécia continental à Península do Peloponeso. Calígula pensava em construir um canal nessa pequena faixa de terra, que facilitaria a navegação no litoral do Peloponeso. Tentada sem sucesso muitas vezes ao longo da Antiguidade, essa obra só veio a ser realizada no final do século XIX. 69 tinha mandado um centurião para fazer as medidas necessárias à obra. XXII. 1Hactenus quasi de principe, reliqua XXII. 1Até aqui se falou de um príncipe ut 2 de monstro narranda sunt. deve-se agora falar de um monstroLXV. Compluribus cognominibus adsumptis – 2 Tendo assumido diversos nomes (pois era nam et "pius" et "castrorum filius" et chamado “pio”, “filho dos acampamentos "pater exercituum" et "optimus maximus militares”, “pai do exército” e “César Caesar" uocabatur – cum audiret forte Ótimo Máximo”), como certa vez tivesse reges, qui officii causa in urbem escutado um grupo de reis, que tinham aduenerant, concertantis apud se super vindo à Roma numa visita cerimonial, cenam de nobilitate generis, exclamauit: discutindo entre si sobre a nobreza de suas Εἷς κοίρανος ἔστω, εἷς βασιλεύς. estirpes, disse: Nec multum afuit quin statim diadema ‘Um só tenha o posto supremo; sumeret speciemque principatus in regni Um, seja o rei’LXVI formam conuerteret. 3Verum admonitus et excessisse e por pouco não tomou a coroa naquele fastigium, diuinam ex eo maiestatem momento, convertendo em realeza a falsa 3 asserere sibi coepit; datoque negotio, ut aparência de principado. No entanto, simulacra numinum religione et arte como o tivessem dito que ele havia principum et regum se praeclara, inter quae Olympii Iouis, superado o mais alto grau dos príncipes e apportarentur e Graecia, quibus capite dos reis, começou a atribuir a si mesmo a dempto suum imponeret, partem Palatii ad majestade divina. E, tendo dado a ordem forum usque promouit, atque aede de que fossem trazidas da Grécia as uestibulum estátuas de deuses mais distintas pela transfigurata, consistens saepe inter fratres devoção e pela arte, entre elas uma de Castoris et Pollucis in deos, medium adorandum se adeuntibus Júpiter Olímpico, às quais, retiradas as cabeças, acrescentou sua própria imagem, LXV Tem-se aqui a clara separação entre os dois principais momentos do texto: Suetônio inicia o relato das anedotas que ilustram o mau caráter de Calígula, começando por seu orgulho e crueldade. LXVI Calígula cita Homero: εἷς κοίρανος ἔστω, εἷς βασιλεύς (Il, II, 204). A tradução é de Carlos Alberto Nunes. 70 exhibebat; et quidam eum Latiarem Iouem ele fez com que uma parte do palácio se consalutarunt. 4Templum etiam numini estendesse até o Fórum e, transformando o suo proprium et sacerdotes excogitatissimas hostias instituit. templo simulacrum stabat et templo de Castor e Pólux num vestíbulo, 5 In se punha frequentemente entre as imagens aureum dos deuses irmãos, e se oferecia à iconicum amiciebaturque cotidie ueste, adoração dos visitantes. E houve aqueles quali ipse uteretur. 6Magisteria sacerdotii que o saudassem como “Júpiter do Lácio”. ditissimus quisque et ambitione et 4 E até consagrou um templo dedicado a licitatione maxima uicibus comparabant. seu nume, com sacerdotes e vítimas muito 7 Hostiae erant phoenicopteri, pauones, bem escolhidas. 5Nesse templo havia uma tetraones, numidicae, meleagrides, estátua dourada sua, em tamanho natural, phasianae, quae generatim per singulos que era vestida todos os dias com vestes dies immolarentur. 8Et noctibus quidem semelhantes às que ele mesmo utilizava. plenam fulgentemque lunam inuitabat 6 Os cidadãos mais ricos tentavam garantir assidue in amplexus atque concubitum, os cargos de sacerdotes desse templo, interdiu uero cum Capitolino Ioue secreto alternadamente, com grande esforço e fabulabatur, modo insusurrans ac com as ofertas mais altas. 7As vítimas praebens in uicem aurem, modo clarius eram flamingos, pavões, tetrazes, galinhas nec sine iurgiis. 9Nam uox comminantis da Numídia, galinhas-d’Angola, faisões, audita est: que eram imoladas uma espécie a cada dia. Ἤ μ᾽ ἀνάειρ᾽ ἤ ἐγὼ σέ, 8 E de fato, à noite, convidava a lua cheia e brilhante a abraçá-lo e a deitar-se com ele, donec exoratus, ut referebat, et in enquanto durante o dia conversava em contubernium ultro inuitatus super segredo com Júpiter Capitolino, às vezes templum Diui Augusti ponte transmisso cochichando e prestando ouvidos a ele, às Palatium Capitoliumque coniunxit. vezes em voz alta, e não sem discutir. 10 Mox, quo propior esset, in area 9Ouviu-se, pois, a sua voz ameaçar: Capitolina nouae domus fundamenta iecit. ‘Ou me levanta ou a ti faça eu o mesmo’LXVII Novamente uma citação de Homero: ἤ μ᾽ ἀνάειρ᾽ ἢ ἐγὼ σέ (Il, XXIII, 724). A tradução é de Carlos Alberto Nunes. LXVII 71 Tendo-o persuadido, por fim, segundo ele, foi convidado pelo deus a habitar com ele, e uniu o Palatino ao Capitólio através de uma ponte que passava sobre o templo de Augusto. 10 Mais tarde, para que ficasse ainda mais perto, ergueu as bases de um novo palácio no Capitólio.LXVIII XXIII. 1Agrippae se nepotem neque credi XXIII. 1Não permitia que se acreditasse neque dici ob ignobilitatem eius uolebat nem que se dissesse que ele era neto de suscensebatque, si qui uel oratione uel Agripa, por conta de sua baixa origem, e carmine imaginibus insererent. 2 eum Caesarum se irritava se alguém, numa representação Praedicabat autem matrem em verso ou em prosa, o colocava entre os suam ex incesto, quod Augustus cum Iulia ancestrais dos CésaresLXIX. 2Proclamava filia admisisset, procreatam; ac non que sua mãe havia nascido de um incesto contentus hac Augusti insectatione que Augusto houvera cometido com sua Actiacas Siculasque uictorias, ut funestas filha Júlia. Não contente com esse insulto p. R. et calamitosas, uetuit sollemnibus a Augusto, proibiu que fossem celebradas feriis celebrari. 3 Liuiam Augustam com festas solenes as vitórias nas batalhas proauiam "Vlixem stolatum" identidem de Ácio e da Sicília, alegando que haviam appellans, etiam ignobilitatis quadam ad sido funestas e desastrosas ao povo senatum epistula arguere ausus est quasi romano. 3 Chamava a bisavó Lívia materno auo decurione Fundano ortam, Augusta de “Ulisses de estola”LXX, e cum publicis monumentis certum sit, ousou declarar numa carta ao Senado sua Aufidium Lurconem Romae honoribus baixa origem, como se tivesse por avô functum. 4 Auiae Antoniae secretum materno um decurião de Fondi, quando os petenti denegauit, nisi ut interueniret documentos LXVIII públicos afirmam O culto a Calígula é usado por Suetônio como uma maneira de fazer o contraste entre a aparente humildade do imperador no início do governo e seu verdadeiro caráter. LXIX Aqui Suetônio volta a falar das relações familiares de Calígula. LXX A estola era uma roupa tipicamente feminina (seria o equivalente de chamá-la “Ulisses de saias”). A figura de Ulisses sempre foi ambivalente para os romanos. Apesar de ser um herói importante, sua esperteza era vista com desconfiança. 72 Macro praefectus, ac per istius modi seguramente que fora Aufídio Lurco, indignitates et taedia causa exstitit mortis, homem que exercera magistraturas em dato tamen, ut quidam putant, et ueneno; Roma. 4 Negou-se a ter um encontro nec defunctae ullum honorem habuit particular com a avó Antônia sem ser prospexitque e triclinio ardentem rogum. acompanhado de Macrão, comandante da 5 Fratrem Tiberium inopinantem repente guarda pretoriana, e através de afrontas e immisso tribuno Silanum item militum socerum interemit, desgostos deste tipo foi que causou sua ad necem morte, embora há quem diga que lhe teria secandasque nouacula fauces compulit, dado veneno. E nem lhe prestou, morta, as causatus in utroque, quod hic ingressum se honras fúnebres, meramente observando turbatius mare non esset secutus ac spe do triclínio sua pira funerária acesa. occupandi urbem, si quid sibi per 5 Mandou matar o desavisado irmão tempestates accideret, remansisset, ille Tibério por um tribuno militar. Da mesma antidotum oboluisset, quasi ad forma obrigou o sogro Silano a se matar praecauenda uenena sua sumptum, cum et cortando a garganta com uma navalha. Silanus impatientiam nauseae uitasset et Deu como motivo para essas mortes o fato molestiam nauigandi, et Tiberius propter de Silano não o ter seguido quando entrou assiduam et ingrauescentem tussim no mar tempestuosoLXXI e ter permanecido medicamento usus esset. 6Nam Claudium em terra, na esperança de governar Roma, patruum non nisi in ludibrium reseruauit. se algo lhe acontecesse por conta das tempestades, e de Tibério ter tomado um antídoto, como se estivesse se precavendo de seu envenenamento – quando, na verdade, Silano tinha permanecido em terra para evitar a náusea e o enjoo da navegação e Tibério havia tomado um medicamento por conta de sua tosse frequente que se agravava. 6Quanto ao seu LXXI Isto é, quando foi buscar os restos mortais de seus parentes, logo no início do governo. 73 tio paterno Cláudio, o manteve apenas porque era motivo de risoLXXII. XXIV. 1 Cum omnibus sororibus suis XXIV. consuetudinem stupri fecit 1 Teve frequentes relações plenoque incestuosasLXXIII com todas as suas irmãs, conuiuio singulas infra se uicissim e em pleno banquete, as colocava abaixo conlocabat uxore supra cubante. 2Ex iis de si, uma de cada vez, enquanto sua Drusillam uitiasse uirginem praetextatus esposa ficava por cima. 2 Dentre elas, adhuc creditur atque etiam in concubitu acredita-se que tenha tirado a virgindade a eius quondam deprehensus ab Antonia Drusila, enquanto ele ainda vestia a toga auia, apud quam simul educabantur; mox pretexta, e foi pego deitando-se com ela Lucio Cassio Longino consulari pela avó Antônia, que os havia criado; conlocatam abduxit et in modum iustae mais tarde, a tomou do consular Lúcio uxoris propalam habuit; heredem quoque Cássio Longino, com quem ela havia se bonorum atque imperii aeger instituit. casado, e a tratou abertamente como sua 3 Eadem defuncta iustitium indixit, in quo esposa legítima. Quando ele ficou doente, risisse lauisse cenasse cum parentibus aut a escolheu como herdeira de seus bens e coniuge liberisue capital fuit. 4 Ac do Império. 3Quando ela morreu, instituiu maeroris impatiens, cum repente noctu um luto oficial, no qual quem risse, se profugisset ab urbe transcucurrissetque banhasse, jantasse com a família ou o Campaniam, Syracusas petit, rursusque cônjuge, era condenado à morte. 4 E, inde propere rediit barba capilloque incapaz de suportar a dor, partiu de Roma promisso; nec umquam postea à noite, repentinamente, atravessou a quantiscumque de rebus, ne pro contione Campânia e chegou a SiracusaLXXIV, de quidem populi aut apud milites, nisi per onde voltou rapidamente com a barba e o LXXII Suetônio afirma na biografia de Cláudio que este era sempre o último dentre os homens de status consular a falar no senado (Claud. IX.2) LXXIII Novamente, o uso do termo stuprum nessa passagem não indica que as relações tenham ocorrido necessariamente sem o consentimento das partes envolvidas. Além disso, segundo Winterling (2011, p.3), é pouco provável que tais relações incestuosas tenham ocorrido de fato, já que Fílon e Sêneca não chegam a mencionar nada a respeito. LXXIV Cf. nota LXIII. 74 numen Drusillae deierauit. 5 Reliquas cabelo crescidos. E depois disso, não sorores nec cupiditate tanta nec dignatione importando a grandeza do assunto, nem dilexit, ut quas saepe exoletis suis mesmo diante do povo reunido ou dos prostrauerit; quo facilius eas in causa soldados, não fez juramentos senão ao Aemili Lepidi quasi nume de Drusila. 5Não amava as outras condemnauit adulteras et insidiarum aduersus se irmãs com tanto desejo ou respeito, já que conscias ei. omnium 6 Nec solum chirographa frequentemente as prostituíra com os requisita fraude ac stupro jovens devassos. E com facilidade as diuulgauit, sed et tres gladios in necem condenou no processo contra Emílio suam praeparatos Marti Vltori addito Lépido, como adúlteras e cúmplices das elogio consecrauit. tramas que haviam sido planejadas contra ele mesmo. 6E não só publicou todas as cartas manuscritas de suas irmãs, através de fraude e de desonra, como consagrou a Marte Vingador as três espadas preparadas para matá-lo, acrescentando-lhes uma inscrição. XXV. 1Matrimonia contraxerit turpius an XXV. 1Quanto a seus casamentosLXXV, é dimiserit an tenuerit, non est facile difícil dizer se foi maior afronta tê-los discernere. 2Liuiam Orestillam C. Pisoni contraído, nubentem, cum ad officium et ipse 2 terminado ou mantido. Quando Lívia Orestila se casou com C. uenisset, ad se deduci imperauit intraque Pisão, como ele próprio comparecesse à paucos dies repudiatam biennio post cerimônia, ordenou que ela lhe fosse dada relegauit, quod repetisse usum prioris como esposa e dentro de poucos dias a mariti tempore medio uidebatur. tradunt adhibitum mandasse accumbentem: ad 3 Alii dispensou, e dali a dois anos a exilou, cenae nuptiali porque parecia que tinha retornado ao Pisonem contra marido anterior naquele meio tempo. "Noli uxorem meam 3 Outros dizem que ele, tendo sido premere," statimque e conuiuio abduxisse convidado ao banquete do casamento, LXXV Suetônio trata dos casamentos de Calígula nesta rubrica. 75 secum ac proximo die edixisse: mandou como recado a Pisão, que se “matrimonium sibi repertum exemplo sentava à sua frente: “Não te deites com Romuli et Augusti.” 4Lolliam Paulinam, minha esposa.”, e imediatamente a levou C. Memmio consulari exercitus regenti consigo de lá e no dia seguinte afirmou nuptam, facta mentione auiae eius ut “ter contraído um matrimônio a exemplo quondam pulcherrimae, subito ex de prouincia euocauit ac perductam a marito 4 Rômulo Convocou e de Augusto”LXXVI. repentinamente de sua coniunxit sibi breuique missam fecit província Lólia Paulina, casada com C. interdicto cuiusquam in perpetuum coitu. Mêmio, consular que comandava os 5 Caesoniam neque facie insigni neque exércitos, depois de alguém ter comentado aetate integra matremque iam ex alio uiro que sua avó havia sido uma mulher muito trium filiarum, sed luxuriae ac lasciuiae bela, e a tirou do marido, casou-se com perditae, et ardentius et constantius ela, e pouco tempo depois a mandou amauit, ut saepe chlamyde peltaque et embora, tendo-a proibido para sempre de galea ornatam ac iuxta adequitantem deitar-se com qualquer outro. militibus ostenderit, amicis uero etiam Cesônia nudam. 6 de modo ardente 5 e Amou com Vxorio nomine [non prius] perseverança, embora ela não fosse nem dignatus est quam enixam, uno atque bonita, nem jovem, e já mãe de três filhas eodem die professus et maritum se eius et com outro homem, além de perdida de patrem infantis ex ea natae. 7Infantem devassidão e lascívia. Frequentemente a autem, Iuliam Drusillam appellatam, per exibia aos soldados vestida de clâmide, omnium dearum templa circumferens peltaLXXVII e elmo, cavalgando ao seu Mineruae gremio imposuit alendamque et lado, e até mesmo nua, aos amigos. 6Deuinstituendam commendauit. 8 Nec ullo lhe o nome de esposa quando ela teve um firmiore indicio sui seminis esse credebat bebê, e num único e mesmo dia disse ser quam feritatis, quae illi quoque tanta iam seu marido e pai do filho que dela nascera. tunc erat, ut infestis digitis ora et oculos 7 simul ludentium infantium incesseret. Júlia Drusila, ele levou aos templos de Essa criança, porém, que foi chamada de todas as deusas e a deixou no colo de LXXVI Rômulo, o lendário primeiro rei de Roma, teria ordenado o sequestro das esposas dos Sabinos para que os primeiros romanos tivessem mulheres com as quais casar. Já Augusto era reconhecidamente dado ao adultério, muito embora o fizesse sobretudo por razões políticas (Suet. Aug. LXIX.1). LXXVII Pequeno escudo trácio em formato e meia-lua. 76 Minerva, a quem recomendou que a criasse e alimentasse. 8E nenhum indício de que era sua filha lhe pareceu mais convincente do que a ferocidade da menina, que já naquele momento era tão grande que ela tentava atacar com os dedos violentos os olhos e a boca das crianças que brincavam perto delaLXXVIII. XXVI. 1Leue ac frigidum sit his addere, XXVI. 1Seria frívolo e trivial acrescentar quo propinquos tractauerit, amicosque Ptolemaeum pacto qualquer coisa ao modo como tratava seus regis Iubae amigos e pessoas próximasLXXIX. filium, consobrinum suum – erat enim et Ptolomeu, filho do rei Juba, seu primo is M. Antoni ex Selene filia nepos – et in (era, também, neto de Marco Antônio, primis ipsum Macronem, ipsam Enniam, pela mãe Selene) e, em particular, o adiutores imperii; quibus omnibus pro próprio Macrão e a própria Ênia, que o necessitudinis iure proque meritorum ajudaram a chegar ao poder: todos eles gratia cruenta mors persoluta est. 2Nihilo receberam como recompensa por seu reuerentior leniorue erga senatum, parentesco e pelos seus méritos uma morte quosdam summis honoribus functos ad sangrenta. 2Não foi mais respeitoso ou essedum sibi currere togatos per aliquot gentil em relação ao SenadoLXXX, cujos passuum milia et cenanti modo ad pluteum membros que haviam ocupado os cargos modo ad pedes stare succinctos linteo mais importantes ele deixou correr passus est; alios cum clam interemisset, vestidos de toga, junto a seu carro, por citare nihilo minus ut uiuos perseuerauit, alguns milhares de passos e ficar ora junto paucos post dies uoluntaria morte perisse de seu leito, enquanto jantava, ora junto de mentitus. 3Consulibus oblitis de natali suo LXXVIII Mais um indício da opinião de Suetônio sobre a natureza cruel de Calígula, que chega até mesmo a ser hereditária. LXXIX Mais um indicativo da opinião pessoal de Suetônio sobre o assunto tratado. LXXX Aqui Suetônio relata o tratamento dispensado por Calígula às diferentes ordens sociais. 77 edicere abrogauit magistratum fuitque per seus pés, usando vestes de linhoLXXXI; triduum sine summa potestate res p. outros foram mortos em segredo, e ele 4 Quaestorem suum nominatum in flagellauit coniuratione insistia em chamá-los como se ainda ueste detracta estivessem vivos, e poucos dias depois, subiectaque militum pedibus, quo firme mentia dizendo que haviam cometido uerberaturi insisterent. 5Simili superbia suicídio. 3 Quando os cônsules se uiolentiaque ceteros tractauit ordines. esqueceram de fazer uma proclamação 6 Inquietatus fremitu gratuita in circo loca pública de seu aniversário, ele os afastou de media nocte occupantium, omnis de seus cargos, e deixou o estado sem sua fustibus abegit; elisi per eum tumultum magistratura suprema durante três dias. uiginti amplius matronae, equites super R., totidem innumeram 4 Flagelou seu questor que havia sido turbam citado numa conjuração, tirando suas ceteram. 7Scaenicis ludis, inter plebem et vestes e colocando-as sob os pés dos equitem causam discordiarum ferens, soldados, para que os que iam castigá-lo decimas maturius dabat, ut equestria ab pudessem firmar melhor os pés. 5Tratou as infimo quoque occuparentur. 8Gladiatorio outras ordens com semelhante violência e munere reductis interdum flagrantissimo soberba. 6Incomodado com o barulho de sole uelis emitti quemquam uetabat, algumas pessoas que vinham durante a remotoque ordinario apparatu tabidas noite garantir seus lugares gratuitos no feras, uilissimos senioque confectos circo, os expulsou a todos com bastões; na gladiatores, proque paegniariis patres confusão, foram pisoteados mais de vinte familiarum notos in bonam partem sed cavaleiros romanos, o mesmo tanto de insignis subiciebat. debilitate 9 aliqua corporis matronas, e outras pessoas em grande Ac nonnumquam horreis número. 7Nas peças de teatro, tentando praeclusis populo famem indixit. provocar a discórdia entre os cavaleiros e a plebe, fez distribuir as décimas LXXXII mais cedo que o normal, para que os lugares dos cavaleiros fossem ocupados pela ralé. 8Nos jogos de gladiadores, por vezes ele mandava que se retirassem os LXXXI LXXXII Vestimenta que era associada à condição de escravo. Termo usado para se referir a um presente concedido pelos governantes ao povo. 78 toldos, num sol escaldante, e proibia a quem quer que fosse de ir embora. Então, retirado o equipamento comum, o substituía por animais lânguidos, pelos gladiadores mais baratos e acabados pela velhice, e, como falsos gladiadores, pais de família conhecidos [em boa medida] mas acometidos de alguma doença. 9Às vezes, ele anunciava a fome ao povo, tendo fechado os celeiros. XXVII. 1 Saeuitiam ingenii per haec XXVII. 1A crueldadeLXXXIII de seu caráter maxime ostendit. 2 Cum ad saginam se faz mostrar particularmente pelo que ferarum muneri praeparatarum carius segue: 2como tivesse achado muito caro pecudes compararentur, laniandos adnotauit, et ex noxiis comprar gado para alimentar as feras custodiarum preparadas para os espetáculos, designou seriem recognoscens, nullius inspecto dentre os criminosos alguns que deveriam elogio, stans tantum modo intra porticum ser devorados e, inspecionando as celas, mediam, "a caluo ad caluum" duci sem conferir nenhum dos registros imperauit. 3Votum exegit ab eo, qui pro criminais, mas simplesmente parando no salute sua gladiatoriam operam meio do pórtico, mandou que fossem promiserat, spectauitque ferro dimicantem levados “cabeça por cabeça”. 3Exigiu o nec dimisit nisi uictorem et post multas cumprimento da promessa a um homem preces. 4Alterum, qui se periturum ea de que havia jurado, por sua saúde, lutar causa uouerat, cunctantem pueris tradidit, como gladiador e o assistiu lutar com uerbenatum infulatumque uotum espada em punho, e nem o dispensou até reposcentes per uicos agerent, quoad que ele conseguisse a vitória, e só depois praecipitaretur ex aggere. 5Multos honesti de muitas súplicas. 4De um outro, que pela ordinis deformatos prius stigmatum notis mesma causa havia jurado se matar, mas ad metalla et munitiones uiarum aut ad que hesitara, disse a seus escravos que LXXXIII Nesta rubrica Suetônio trata especificamente da saeuitia, a crueldade de Calígula. 79 bestias condemnauit aut bestiarum more “conduzissem-no pelas ruas adornado quadripedes cauea coercuit aut medios com ínfulas e com ramos sagrados, serra dissecuit, nec omnes grauibus ex pedindo a todos que o juramento se causis, uerum male de munere suo cumprisse, até que se precipitasse de uma opinatos, uel quod numquam per genium colina”LXXXIV. 5Muitas pessoas de alta suum deierassent. 6 Parentes supplicio ordem foram primeiro desfiguradas com filiorum interesse cogebat; quorum uni marcas de ignomínia e depois condenadas ualitudinem excusanti lecticam misit, a trabalhar nas minas, ou na construção alium a spectaculo poenae epulis statim das estradas ou foram jogadas às feras, ou adhibuit hilaritatem 7 atque et omni comitate iocos ad colocadas em jaulas, obrigadas a prouocauit. permanecer de quatro, como animais ou Curatorem munerum ac uenationum per cortadas ao meio com uma serra. E tudo continuos dies in conspectu suo catenis isso não por motivos graves, mas por uerberatum non prius occidit quam terem falado mal de seus espetáculos ou offensus 8 putrefacti cerebri odore. por nunca terem jurado pelo seu nume. Atellanae poetam ob ambigui ioci 6 Obrigava os pais a assistirem à morte dos uersiculum media amphitheatri harena filhos, enviando uma liteira a um deles igni cremauit. Equitem R. obiectum feris, quando disse que não poderia comparecer cum se innocentem proclamasset, reduxit por estar doente, e convidando um outro abscisaque lingua rursus induxit. para um banquete depois de assistir à execução, tentando provocar-lhe o riso com todo tipo de amabilidade. 7 Um administrador de jogos e de caçadas foi espancado com correntes diante dele por vários dias, e não morreu antes que ele se incomodasse com o cheiro de seu cérebro putrefato. 8 Um compositor de atelanasLXXXV foi queimado vivo no anfiteatro, no meio da arena, por conta de um versinho jocoso de duplo sentido. 9Um LXXXIV LXXXV Cf. nota XXXII. Peças cômicas surgidas na cidade de Atela, na Campânia. 80 cavaleiro romano que havia sido jogado às feras, como tivesse gritado que era inocente, foi trazido de volta, teve a língua cortada e foi novamente jogado às feras. XXVIII. 1Reuocatum quendam a uetere XXVIII. 1Quando perguntou a um homem exilio sciscitatus, quidnam ibi facere retornado do exílio o que fazia enquanto consuesset, respondente eo per ainda era exilado, ele lhe respondeu, para adulationem: "Deos semper oraui ut, quod bajulá-lo: “Pedia sempre aos deuses para euenit, periret Tiberius et tu imperares," que acontecesse de Tibério morrer e tu te opinans sibi quoque exules suos mortem tornares imperador.”. Achando, então, que imprecari, misit circum insulas, qui aqueles que ele próprio havia exilado uniuersos contrucidarent. 2Cum discerpi também pediam pela sua morte, mandou senatorem concupisset, subornauit qui soldados às ilhas para executar todos eles. ingredientem curiam repente hostem publicum appellantes 2 Como quisesse que um senador fosse inuaderent, partido em pedaços, subornou alguns graphisque confossum lacerandum ceteris deles para que se lançassem sobre ele de traderent; nec ante satiatus est quam repente, quando entrava na cúria, membra et artus et uiscera hominis tracta chamando-o de inimigo público, ferindo-o per uicos atque ante se congesta uidisset. com seus estilosLXXXVI, e que o levassem aos demais para ser destroçado. E não ficou satisfeito enquanto não viu os membros e vísceras dele serem levados pelas ruas e empilhados diante de si. XXIX. 1 Immanissima atrocitate uerborum. 2 facta augebat XXIX. 1Os seus atos mais desumanos ele Nihil magis in agravava com a monstruosidade de suas natura sua laudare se ac probare dicebat palavras. LXXXVI 2 Dizia que a coisa mais Objeto pontiagudo, geralmente feito de metal, usado pelos romanos para escrever sobre tábuas cobertas com cera. 81 quam, ut ipsius uerbo utar, ἀδιατρεψίαν, admirável na sua natureza era, para usar hoc est 3 inuerecundiam. Monenti suas próprias palavras, sua Antoniae auiae tamquam parum esset non ἀδιατρεψίανLXXXVII, ou seja, sua falta de oboedire: "Memento," ait, "omnia mihi et vergonha. 3À avó Antônia, que lhe dava in omnis licere." 4Trucidaturus fratrem, então conselhos, como se já não fosse o quem metu praemuniri bastante não a obedecer, disse: “Lembra- uenenorum medicamentis suspicabatur: "Antidotum," te que posso fazer o que eu quiser a quem inquit, "aduersus Caesarem?" 5Relegatis eu bem entender.”. 4Quando estava para sororibus non solum insulas habere se, sed matar o irmão, de quem suspeitava ter-se etiam gladios minabatur. uirum ex secessu 6 Praetorium munido de um antídoto, por medo de ser Anticyrae, quam envenenado, disse: “Existe antídoto contra ualitudinis causa petierat, propagari sibi César?”. 5Ameaçava as irmãs exiladas commeatum saepius desiderantem cum escrevendo-lhes que “não tinha apenas mandasset interimi, adiecit necessariam ilhas, mas também espadas”. 6Depois de esse sanguinis missionem, cui tam diu non ter mandado matar a um pretor que pedia prodesset elleborum. 7Decimo quoque die frequentemente que se estendesse seu numerum puniendorum ex custodia retiro em Anticíra, aonde tinha ido para subscribens rationem se purgare dicebat. cuidar da saúde, acrescentou “que era Gallis Graecisque aliquot uno tempore necessária uma sangria, a quem não pode condemnatis gloriabatur Gallograeciam se aproveitar tão longo tratamento com subegisse. heléboroLXXXVIII”. 7 Quando assinava, a cada dez dias, a lista de prisioneiros que seriam executados, dizia estar “fechando a conta”. 8Tendo condenado de uma só vez vários prisioneiros gauleses e gregos, gabou-se de “ter conquistado Galogrécia”. “Adiatrepsia”, um conceito relacionado ao estoicismo, que diz respeito à atitude de imobilidade diante dos fatos da vida. LXXXVIII Planta medicinal muito utilizada na antiguidade para o tratamento de doenças mentais. LXXXVII a 82 XXX. 1Non temere in quemquam nisi XXX. 1Não admitia que qualquer um fosse crebris et minutis ictibus animaduerti executado senão por meio de pequenos e passus est, perpetuo notoque iam numerosos golpes, continuamente praecepto: "Ita feri ut se mori sentiat." expressando a conhecida ordem: “Mata-o 2 Punito per errorem nominis alio quam de modo que ele se sinta morrer.”. 2Tendo quem destinauerat, ipsum quoque paria um homem diferente daquele que meruisse dixit. 3Tragicum illud subinde designara sido punido por uma confusão iactabat: entre nomes, ele disse que o próprio Oderint, dum metuant. merecia 3 semelhante Frequentemente dizia castigo. estes versos 4 Saepe in cunctos pariter senatores ut trágicos: Seiani clientis, ut matris ac fratrum “Que me odeiem, desde que me suorum delatores, inuectus est prolatis libellis, quos defensaque crematos Tiberi necessaria, saeuitia quasi 4 Frequentemente se voltava a todos os criminantibus senadores, chamando-os de clientes de credendum esset. 5Equestrem ordinem ut Sejano, de delatores de sua mãe e seus scaenae harenaeque deuotum assidue irmãos, trazendo à tona os documentos, proscidit. aduersus cum temam.LXXXIX” simulauerat, 6 Infensus studium tot turbae suum fauenti que ele fingira ter queimadoXC, e defendia exclamauit: a crueldade de Tibério como se fosse "Vtinam P. R. unam ceruicem haberet!" necessária, em vista de quantos o 7 Cumque Tetrinius latro postularetur, et acusavam de ser cruel. 5Muitas vezes qui postularent, Tetrinios esse ait. 8Retiari atacou a ordem equestre, dizendo serem tunicati quinque numero gregatim devotos da arena e do palco. 6Irritado com dimicantes sine certamine ullo totidem a turba que favorecia a um opositor, ele secutoribus succubuerant; cum occidi disse: “Quem dera o povo romano tivesse iuberentur, unus resumpta fuscina omnes um só pescoço!”. 7Como o bandido uictores interemit: hanc ut crudelissimam Tetrínio tivesse sido processado, ele disse caedem et defleuit edicto et eos, qui que “também os que o acusaram são spectare sustinuissent, execratus est. Tetrínios”. 8Um grupo de cinco retiários LXXXIX XC Fragmento de uma peça de Ácio, autor do período republicano. Cf. nota XXXVIII. 83 vestidos de túnicasXCI, lutando em grupo contra o mesmo número de perseguidoresXCII foram vencidos em combate sem qualquer resistência; quando se mandou que fossem mortos, um deles, pegando novamente o tridente, matou todos os vencedores: Calígula lamentou este fato como uma crudelíssima matança através de um édito e lançou imprecações contra aqueles que haviam assistido ao espetáculoXCIII. XXXI. Queri etiam palam de condicione XXXI. Costumava lamentar-se também temporum suorum solebat, quod nullis publicamente do estado das coisas de seu calamitatibus publicis insignirentur; tempo, que não era marcado por quaisquer Augusti principatum clade Variana, Tiberi grandes calamidades, que o principado de ruina spectaculorum apud Fidenas Augusto tinha sido marcado pelo desastre memorabilem factum, suo obliuionem de VaroXCIV, o de Tibério fora feito imminere prosperitate rerum; atque memorável pelo desmoronamento do identidem exercituum caedes, famem, anfiteatro em FidenasXCV, enquanto o seu pestilentiam, incendia, hiatum aliquem ameaçava ser esquecido por conta da terrae optabat. prosperidade. E repetidamente desejava o massacre dos exércitos, a fome, a peste, incêndios ou algum terremoto. Os retiarii tunicati eram aparentemente prisioneiros de caráter efeminado, destinados a servir de “alívio cômico” durante as lutas. Numa sátira de Juvenal, Graco, um personagem da nobreza, luta como um desses gladiadores, e é vituperado pelo autor (Juv. VIII, 200). Como os retiarii originais, usavam a rede e o tridente como suas principais armas, além de uma manga de metal que lhes cobria o braço. Lutavam com a face à mostra. XCII Os secutores eram um tipo de gladiador armado de espada, escudo, capacete e grevas. XCIII É difícil explicar a revolta de Calígula com o ocorrido, mas ela possivelmente deriva do papel atribuído aos retiarii tunicati: eles não deveriam vencer os combates de que participavam. XCIV Referência ao episódio da perda das três legiões (XVII, XVIII e XIX) sob comando de Públio Quintílio Varo, que foram massacradas na floresta de Teutoburgo, na Germânia. XCV Relatado por Suetônio em Tib. XL, esse desastre teria ceifado a vida de vinte mil pessoas. XCI 84 1 XXXII. quoque remittenti XXXII. 1Mesmo enquanto relaxava, e se Animum ludoque et epulis dedito eadem factorum dedicava aos jogos e aos banquetes, ainda dictorumque saeuitia aderat. 2Saepe in mostrava a mesma crueldade nos atos e conspectu prandentis uel comisantis seriae nas palavras. 2Frequentemente questões quaestiones per tormenta habebantur, sérias eram respondidas através de tortura miles decollandi artifex quibuscumque e diante dele, enquanto jantava ou se custodia capita 3 amputabat. Puteolis entregava a orgias, e um soldado dedicatione pontis, quem excogitatum ab especialista em decapitações cortava as eo significauimus, cum multos e litore cabeças de todos os prisioneiros. 3Durante inuitasset ad se, praecipitauit, repente quosdam omnis a inauguração da ponte em Putéoli, que gubernacula dissemos ter sido planejada por ele, como apprehendentes contis remisque detrusit in chamasse para si muitas pessoas que mare. 4Romae publico epulo seruum ob estavam à margem, de repente as fez cair detractam lectis argenteam laminam ao mar, e as empurrou com varas e remos carnifici confestim tradidit, ut manibus enquanto elas se agarravam ao leme. abscisis atque ante pectus e collo pendentibus, praecedente titulo 4 Durante um banquete público em Roma, qui levou um escravo imediatamente ao causam poenae indicaret, per coetus carrasco por ter roubado de dentre os leitos epulantium 5 circumduceretur. uma bandeja de prata e fez com que ele Murmillonem e ludo rudibus secum circulasse entre os que se banqueteavam battuentem et sponte prostratum confodit com as mãos decepadas em frente ao ferrea sica ac more uictorum cum palma peito, penduradas ao pescoço, precedido discucurrit. 6 Admota altaribus uictima de um escrito que indicava a causa de sua succinctus poparum habitu elato alte punição. 5Atravessou com um punhal de malleo cultrarium mactauit. 7 Lautiore ferro um mirmilãoXCVI do colégio dos conuiuio effusus subito in cachinnos gladiadores que lutava com ele usando consulibus, qui iuxta cubabant, quidnam espadas de madeira, quando este se jogou rideret blande quaerentibus: "Quid," ao chão de propósito, e começou a correr com a palma na mão, à maneira dos XCVI O murmillo era um gladiador que se utilizada de um elmo adornado com a figura de um peixe. Era muitas vezes colocado para lutar com o retiarius, criando-se assim uma representação da atividade de pesca. 85 inquit, "nisi uno meo nutu iugulari vencedores. 6Tendo sido levada ao altar utrumque uestrum statim posse?" uma vítima, ele, vestido como popaXCVII, erguendo bem alto o martelo, sacrificou o cutileiroXCVIII. 7Durante um banquete mais luxuoso, começou a rir de repente e sem parar. Como os cônsules que estavam ao seu lado tivessem perguntado educadamente por que ele ria, respondeu: “Pelo que mais, se não pelo fato de que, com um aceno de minha cabeça, cada um de vocês pode ser degolado?” XXXIII. 1Inter uarios iocos, cum assistens XXXIII. simulacro Iouis Apellen 1 Dentre seus variados tragoedum gracejosXCIX, certa vez, colocando-se ao consuluisset uter illi maior uideretur, lado de uma estátua de Júpiter, perguntou cunctantem flagellis discidit conlaudans a um ator trágico chamado Apeles qual subinde uocem deprecantis quasi etiam in dos dois lhe parecia maior. Como ele gemitu praedulcem. 2Quotiens uxoris uel hesitasse, mandou rasgá-lo com chicotes, amiculae collum exoscularetur, addebat: em seguida elogiando sua voz enquanto "tam bona ceruix simul ac iussero ele suplicava, como se fosse agradável demetur." Quin et subinde iactabat mesmo quando ele gemiaC. 2Todas as exquisiturum se uel fidiculis de Caesonia vezes em que beijava o pescoço da esposa sua, cur eam tanto opere diligeret. ou das amantes, dizia: “Tão bela cabeça será cortada, assim que eu tiver dado a ordem”. 3 Mais do que isso, frequentemente dizia “que procuraria XCVII Popa, sacerdote encarregado de matar as vítimas com um golpe na cabeça. Cultrarius, o ajudante do popa, era responsável por cortar a garganta das vítimas com uma lâmina. XCIX Nesse trecho vê-se como Calígula temperava suas crueldades com uma espécie de humor pervertido. C Há uma piada cruel subentendida aqui: “Apeles” pode ser entendido como o “sem-pele” (a+pellis). Calígula ordenou que sua pele fosse rasgada com os flagelos. XCVIII 86 descobrir até mesmo com tortura de sua amada Cesônia por que a amava tanto”. XXXIV. 1 Nec minore liuore ac XXXIV. 1E com invejaCI e malignidade malignitate quam superbia saeuitiaque não menor que sua soberba e crueldade, paene aduersus omnis aeui hominum lançou-se contra os homens de todos os genus grassatus est. 2 Statuas uirorum tempos. 2De tal forma destruiu e inutilizou inlustrium ab Augusto ex Capitolina area as estátuas de homens ilustres que haviam propter angustias in campum Martium sido levadas da praça do Capitólio para o conlatas ita subuertit atque disiecit ut Campo de Marte por Augusto, por falta de restitui saluis titulis non potuerint, espaço, que elas não puderam ser uetuitque posthac uiuentium cuiquam reconstituídas com suas inscrições usquam statuam aut imaginem nisi inteiras. E proibiu que dali em diante se consulto et auctore se poni. 3Cogitauit fizesse qualquer estátua ou imagem de etiam de Homeri carminibus abolendis, qualquer pessoa ainda viva, sem consulta cur enim sibi non licere dicens, quod e ordem dele. 3Pensou até mesmo de abolir Platoni licuisset, qui eum e ciuitate quam os poemas de Homero, dizendo “Por que constituebat eiecerit? 4Sed et Vergili ac não me será permitido fazer o que foi Titi Liui scripta et imagines paulum afuit permitido a Platão, que o expulsou da quin ex omnibus bibliothecis amoueret, cidade que ele havia idealizado?”. 4E por quorum alterum minimaeque ut nullius doctrinae, ingenii pouco não removeu os escritos e imagens alterum ut de Virgílio e Tito Lívio de todas as uerbosum in historia neglegentemque bibliotecas, os quais repreendia dizendo carpebat. 5De iuris quoque consultis, quasi que o primeiro não tinha qualquer gênio scientiae eorum omnem usum aboliturus, ou instrução, e que o segundo era prolixo saepe iactauit se mehercule effecturum ne e negligente com a história. 5Quanto aos quid respondere possint praeter eum. jurisconsultos, quase como se estivesse para abolir todo o uso do conhecimento deles, frequentemente dizia “por Hércules, CI Aqui serão relatados os atos ligados à inveja que Calígula sentia da glória alheia, mesmo daqueles que já haviam morrido. 87 farei com que não possam dar consultas que sejam contrárias a mim”. 1 XXXV. Vetera familiarum insignia XXXV. 1Ele retirou as velhas insígnias de nobilissimo cuique ademit, Torquato família dos homens mais nobres: o colar a torquem, Cincinnato crinem, Cn. Pompeio TorquatoCII, a cabeleira a CincinatoCIII, e o stirpis 2 antiquae cognomen. sobrenome Magno a Cneu PompeuCIV, Magni Ptolemaeum, de quo rettuli, et arcessitum que pertencia a essa antiga linhagem. e regno et exceptum honorifice, non alia 2 Matou de repente a Ptolomeu, de quem já de causa repente percussit, quam quod falei, que ele havia mandado trazer de seu edente se munus ingressum spectacula reino e recebido com honras, por nenhuma conuertisse hominum oculos fulgore outra causa que não o fato de que, quando purpureae abollae animaduertit. 3Pulchros entrou num anfiteatro em que oferecia et comatos, quotiens sibi occurrerent, jogos públicos, percebeu que os olhos das occipitio raso deturpabat. 4Erat Aesius pessoas se voltaram a ele por causa do Proculus patre primipilari, ob egregiam fulgor de seu manto púrpura. 3Sempre que corporis amplitudinem Colosseros dictus; hunc et speciem encontrava homens belos e com belas spectaculis cabeleiras, tornava-os feios raspando-lhes detractum repente et in harenam deductum a parte de trás da cabeçaCV. 4Havia um Thraeci et mox hoplomacho comparauit homem, filho de centurião, chamado Ésio bisque uictorem constringi sine mora Próculo, iussit et pannis obsitum conhecido como uicatim “Colosseros”CVI, por sua aparência e pelo circumduci ac mulieribus ostendi, deinde tamanho de seu corpo; a este, arrastado de iugulari. 5Nullus denique tam abiectae seu lugar na plateia, e levado à arena, condicionis tamque extremae sortis fuit, CII Tito Mânlio Torquato venceu um gaulês em combate singular e retirou-lhe o colar de ouro como prêmio, assumindo o sobrenome Torquatus, “aquele que carrega um colar”, que foi passado aos seus descendentes. CIII Lúcio Quinto Cincinato, ditador romano do V século a.C., ficou conhecido por sua falta de ambição pessoal e virtude cívica, por ter renunciado à ditadura quando esta já não era mais necessária, efetivamente renunciando ao governo absoluto de Roma. Cincinnatus significa “de cabelos anelados”. CIV Cneu Pompeu Magno foi aliado de Júlio César e mais tarde, durante as guerras civis, seu rival. Suas conquistas militares lhe renderam o sobrenome Magnus, “grande”. CV A tradição diz que Calígula sofreu de calvície. CVI “Colosso” e “Eros” ao mesmo tempo. Tratava-se de um homem grande e belo. 88 cuius 6 non commodis obtrectaret. Calígula fez confrontar um trácioCVII e em Nemorensi regi, quod multos iam annos seguida um hoplómacoCVIII, e mandou, poteretur sacerdotio, ualidiorem quando ele venceu os dois combates, que aduersarium subornauit. 7Cum quodam fosse amarrado imediatamente, coberto de die muneris prosperam essedario pugnam Porio seruum post trapos, conduzido por todas as ruas e suum mostrado às mulheres, e depois degolado. manumittenti studiosius plausum esset, ita 5 Não houve ninguém de condição tão proripuit se spectaculis, ut calcata lacinia abjeta ou de tão má sorte, que ele não togae praeceps per gradus iret, tenha atacado indignabundus et clamitans dominum privilégios. 6 por inveja de seus Contratou um adversário gentium populum ex re leuissima plus mais forte para matar o rei do BosqueCIX, honoris gladiatori tribuentem quam uma vez que este já ocupava o cargo havia consecratis principibus aut praesenti sibi. muitos anos. 7Quando certo dia, durante os jogos, o essedárioCX Pório, que libertara seu escravo depois de uma luta favorável, tinha sido aplaudido com muito entusiasmo, ele se arrancou da plateia tão repentinamente que, pisando na aba da toga, caiu pelos degraus de cabeça para baixo, gritando e cheio de indignação “contra o povo, senhor das gentes, que pela coisa mais leve concedia mais honras a um gladiador do que aos príncipes divinizados e a ele próprio ali presente”. CVII O Thraex era um tipo de gladiador que se utilizada de escudo e punhal semelhantes àqueles utilizados pelo povo trácio. CVIII O Hoplomachus era um gladiador que usava armadura completa (normalmente os gladiadores só usavam algumas partes de armadura, cobrindo a cabeça e ora os braços, ora as pernas). CIX O rex nemorensis era o sumo-sacerdote de Diana de Arícia, deusa que era cultuada no bosque sagrado (nemus) de Arícia. Segundo o costume, qualquer um poderia ocupar este cargo, desde que fosse um escravo fugitivo e matasse seu antecessor. CX O essedarius era um gladiador que combatia sobre um carro de guerra. 89 XXXVI. 1Pudicitiae neque suae neque XXXVI. 1Não respeitou nem seu pudor, alienae pepercit. Mnesterem 2 M. Lepidum, nem o de outrosCXI. 2 Diz-se que M. quosdam Lépido, o pantomimo MnesterCXII, e pantomimum, obsides dilexisse fertur commercio mutui alguns reféns foram seus amantes em 3 stupri. Valerius Catullus, consulari mútua relação familia iuuenis, stupratum a se ac latera CatuloCXIII, desonrosa. jovem de 3 uma Valério família sibi contubernio eius defessa etiam consular, vociferou que tinha mantido uociferatus est. 4Super sororum incesta et relações com Calígula e que seus flancos notissimum prostitutae Pyrallidis amorem estavam cansados de tanto se deitar com non temere ulla inlustriore femina ele. 4Além das relações incestuosas com as abstinuit. 5Quas plerumque cum maritis ad irmãs e sobretudo com a prostituta cenam uocatas praeterque pedes suos Pirálide, não se absteve de modo algum de transeuntis diligenter ac lente mercantium quaisquer das mulheres mais ilustres. 5As more considerabat, etiam faciem manu quais, várias vezes, quando eram adleuans, si quae pudore submitterent; chamadas para jantar junto com seus quotiens deinde triclinio, cum libuisset egressus maridos, avaliava diligentemente como maxime placitam um mercador enquanto passavam junto ao seuocasset, paulo post recentibus adhuc seu leito, até mesmo erguendo suas faces lasciuiae notis reuersus uel laudabat palam com a mão, se alguma delas a abaixava por uel uituperabat, singula enumerans bona pudor; e sempre que queria, ele deixava o malaue 6 atque concubitus. triclínioCXIV, chamando aquela que mais absentium maritorum havia lhe agradado e, voltando pouco corporis Quibusdam nomine repudium ipse misit iussitque in depois com sinais de recente lascívia, acta ita referri. abertamente elogiava ou criticava, enumerando cada um dos pontos fortes e fracos do corpo e do desempenho da mulher. 6Para algumas mandou ele próprio CXI Trata-se aqui da impudicícia de Calígula. A pantomima não era uma arte bem vista pelos romanos, tanto por ser de origem grega como por seu caráter efeminado. CXIII Possível descendente do poeta Catulo, e, segundo o próprio Suetônio, ele mesmo um autor, só que de mimos. CXIV Salão de banquetes onde eram realizados os convivia. Era mobiliado com três leitos, sobre os quais se deitavam os convivas, em número máximo de nove. CXII 90 uma carta de repúdio em nome dos maridos ausentes, e mandou que constasse nas atas públicas. XXXVII. 1Nepotatus sumptibus omnium XXXVII. 1 Sua extravagânciaCXV em prodigorum ingenia superauit, commentus relação às despesas superou os talentos nouum balnearum usum, portentosissima dos homens mais pródigos, tendo genera ciborum atque cenarum, ut calidis inventado um novo uso para os banhos, e frigidisque unguentis lauaretur, tipos extravagantes de jantares e refeições, pretiosissima margarita aceto liquefacta banhando-se em óleos perfumados frios e sorberet, conuiuis ex auro panes et quentes, bebendo pérolas preciosíssimas obsonia apponeret, aut frugi hominem dissolvidas em vinagreCXVI, colocando esse oportere dictitans aut Caesarem. diante de seus convidados pães e outros 2 Quin et nummos non mediocris summae alimentos feitos de ouro, dizendo que ‘um e fastigio basilicae Iuliae per aliquot dies homem ou deve ser sóbrio ou ser César’. sparsit in plebem. 3Fabricauit et deceris Liburnicas gemmatis 2 E durante alguns dias até jogou para a puppibus, plebe, do alto da basílica Júlia, uma uersicoloribus uelis, magna thermarum et considerável soma de moedas. 3Também porticuum et tricliniorum laxitate fabricou navios libúrnicosCXVII de dez magnaque etiam uitium et pomiferarum fileiras de remos, com popas recobertas de arborum uarietate; quibus discumbens de pedras preciosas, velas de cores variadas, die inter choros ac symphonias litora com grandes espaços para banhos, galerias Campaniae peragraret. 4In exstructionibus e triclínios, e ainda com grande variedade praetoriorum atque uillarum omni ratione de vinhas e árvores frutíferas, navios nos posthabita nihil tam efficere quais ele, entre concertos e danças, concupiscebat quam quod posse effici reclinava-se durante o dia enquanto negaretur. 5Et iactae itaque moles infesto percorria as praias da Campânia. 4Nas CXV É preciso entender as diferenças que Suetônio traz à tona entre liberalitas e nepotatus. A primeira é uma virtude dos imperadores, que devem ser pródigos, dispostos a gastar dinheiro com seu povo. A segunda é a extravagância, um vício, o gasto excessivo com aquilo que só diz respeito a si mesmo. CXVI A tradição atribui essa prática primeiramente à Cleópatra, que teria feito uma aposta com Marco Antônio sobre quanto dinheiro ela poderia gastar num único banquete. CXVII Originários da Libúrnia, na Ilíria. 91 ac profundo mari et excisae rupes edificações de palácios e de casas de durissimi silicis et campi montibus aggere campo, desprezando toda contabilidade, aequati et complanata fossuris montium nada mais desejava fazer do que aquilo iuga, incredibili quidem celeritate, cum que se dizia ser impossível. 5E assim 6 Ac ne foram colocados diques no mar profundo immensas opes e hostil, destruídas as rochas mais duras, morae culpa capite lueretur. singula enumerem, totumque illud Ti. Caesaris uicies ac igualados em altura os campos aos septies milies sestertium non toto uertente montes, com aterro, e terraplanados os anno absumpsit. cumes dos montes, com escavações, numa velocidade verdadeiramente incrível, já que o atraso era punido com a morte. 6E, para não falar de cada gasto, esgotou em menos de um ano imensas riquezas, e todos os dois bilhões e setecentos milhões de sestércios de Tibério. XXXVIII. 1Exhaustus igitur atque egens XXXVIII. ad rapinas conuertit animum uario et necessitado, 1 Estando, pois, exaurido e voltou sua atenção à exquisitissimo calumniarum et auctionum pilhagemCXVIII, com variado e requintado et uectigalium genere. 2 Negabat iure gênero de calúnias, leilões e impostos. ciuitatem Romanam usurpare eos, quorum maiores sibi posterisque 2 Não permitia gozar o direito da cidadania eam romana àqueles cujos antepassados o impetrassent, nisi si filii essent, neque haviam conquistado para si e para sua enim intellegi debere "posteros" ultra hunc posteridade, a não ser que fossem os filhos gradum; prolataque Diuorum Iuli et destes, e dizia que não se devia entender Augusti diplomata ut uetera et obsoleta ‘posteridade’ como nada para além desse deflabat. 3Arguebat et perperam editos grau; e quando alguém lhe apresentava census, quibus postea quacumque de documentos do Divino Júlio e do Divino causa quicquam incrementi accessisset. Augusto, desprezava-os como antigos e 4 Testamenta primipilarium, qui ab initio obsoletos. 3E também acusava de terem CXVIII Nessa rubrica, Suetônio fala das rapinae de Calígula. 92 Tiberi principatus neque illum neque se declarado falsamente sua riqueza aqueles heredem reliquissent, ut ingrata rescidit; que, depois de o terem declarado, tivessem item ceterorum ut irrita et uana, acrescentado o que quer que fosse de quoscumque quis diceret herede Caesare aumento sob qualquer justificativaCXIX. mori destinasse. 5Quo metu iniecto cum 4 Os testamentos dos centuriões, que nada iam et ab ignotis inter familiares et a deixaram a ele ou a Tibério desde o início parentibus inter liberos palam heres do principado deste, anulou sob pretexto nuncuparetur, derisores uocabat, quod de ingratidão; e da mesma forma anulou o post nuncupationem uiuere perseuerarent, testamento das demais pessoas, sob et 6 multis uenenatas matteas misit. pretexto de serem vazios e sem efeito, se Cognoscebat autem de talibus causis, houvesse alguém que dissesse que elas taxato prius modo summae ad quem haviam designado César como conficiendum confecto herdeiro. 5Razão pela qual, provocado o consideret, demum excitabatur. 7 seu Ac ne paululum medo, já era nomeado abertamente como quidem morae patiens super quadraginta herdeiro pelos estranhos entre seus amigos reos quondam ex diuersis criminibus una íntimos e pelos pais entre seus filhos, os sententia condemnauit gloriatusque est quais ele chamava de aduladores, porque expergefacta e somno Caesonia quantum insistiam em continuar vivos depois de egisset, dum ea meridiaret. proposita 8 Auctione nomeá-lo, e a muitos enviou guloseimas omnium envenenadas. 6Ele instruía o processo de reliquias spectaculorum subiecit ac uenditauit, tais causas, tendo já estabelecido exquirens per se pretia et usque eo previamente a soma que considerasse que extendens, ut quidam immenso coacti se deveria atingir, e somente depois de quaedam emere ac bonis exuti uenas sibi atingida tal soma ele se retirava. 7E para inciderent. Saturnino 9 Nota res est, Aponio que não se demorasse nem um pouco, inter subsellia dormitante, certa vez condenou quarenta réus monitum a Gaio praeconem ne praetorium acusados de crimes diferentes à mesma uirum crebro capitis motu nutantem sibi sentença, e se vangloriou dizendo a praeteriret, nec licendi finem factum, Cesônia, despertada do sono, ‘o quanto ele quoad tredecim gladiatores sestertium havia nonagies ignoranti addicerentur. CXIX 8 feito, enquanto ela dormia’. Organizando um leilão, ele expôs e O que lhe dava o direito de confiscar as propriedades dos supostos criminosos. 93 vendeu as coisas que restavam de todos os espetáculos, solicitando os preços ele mesmo, e aumentando-os a tal ponto, que alguns que foram coagidos a comprar algumas coisas por um preço imenso e tiveram seus bens esgotados cortaram as próprias veias. 9É conhecida a história de Apônio Saturnino, que cochilava nos bancos. Caio tinha avisado ao pregoeiro que não deixasse de lado o pretor que lhe acenava frequentemente com a cabeça, e o leilão não chegou ao fim até que fossem atribuídos ao pretor desavisado treze gladiadores vendidos por nove milhões de sestércios. XXXIX. 1 damnatarum In Gallia sororum quoque, ornamenta cum XXXIX. 1Também na Gália, depois de ter et vendido os ornamentos, móveis, escravos supellectilem et seruos atque etiam e até mesmo os libertos de suas irmãs libertos immensis pretiis uendidisset, condenadas por imensas quantiasCXX, inuitatus lucro, quidquid instrumenti incitado pelo lucro, mandou trazer da ueteris aulae erat ab urbe repetiit, cidade tudo o que havia de material do comprensis ad deportandum meritoriis antigo palácio, tomando veículos alugados quoque uehiculis et pistrinensibus e os jumentos dos moinhos para o iumentis, adeo ut et panis Romae saepe transporte, de modo que, por vezes, faltou deficeret et litigatorum plerique, quod pão a Roma, e muitos perderam a causa de occurrere absentes ad uadimonium non seus processos, porque não podiam possent, causa caderent. 2Cui instrumento comparecer às suas obrigações. 2E para distrahendo nihil non fraudis ac lenocinii vender esse material não fez uso de nada CXX Desde o período republicano, a propriedade dos condenados era confiscada pelo ditador e mais tarde pelo imperador. Esse processo, no entanto, era muitas vezes visto com desconfiança. 94 adhibuit, modo auaritiae singulos além de fraudes e janotice, ora censurando increpans et quod non puderet eos cada um dos compradores de não se locupletiores esse quam se, modo envergonharem de serem mais ricos do paenitentiam simulans quod principalium que ele, ora fingindo ter pena de tornar em rerum 3 priuatis Compererat copiam prouincialem faceret. objetos de particulares as coisas que locupletem pertenceram ao príncipe. 3 Tinha sido ducenta sestertia numerasse uocatoribus, informado de que um rico provincial tinha ut per fallaciam conuiuio interponeretur, oferecido duzentos mil sestércios aos seus nec tulerat moleste tam magno aestimari escravos, para que fosse admitido em seu honorem cenae suae; huic postero die banquete clandestinamente, e não achou sedenti in auctione misit, qui nescio quid ruim que alguém tivesse em tão alta estima friuoli ducentis milibus traderet diceretque a honra de estar presente ao seu jantar; no cenaturum apud Caesarem uocatu ipsius. dia seguinte, fez com que este mesmo homem, que estava num leilão, pagasse duzentos mil sestércios por qualquer coisa de frívolo e lhe disse que jantaria com César, a convite do próprio. XL. 1 Vectigalia noua atque inaudita XL. 1Cobrou impostos novos e jamais primum per publicanos, deinde, quia vistosCXXI, primeiro pelos publicanos, e lucrum exuberabat, per centuriones daí, como o lucro era abundante, pelos tribunosque praetorianos exercuit, nullo centuriões e tribunos pretorianos, sem rerum aut hominum genere omisso, cui deixar de lado nenhum gênero de coisa ou non tributi aliquid imponeret. 2 Pro pessoa a quem não tivesse imposto um edulibus, quae tota urbe uenirent, certum tributo. 2Aos comestíveis, que vinham de statumque exigebatur; pro litibus ac toda a cidade, exigia-se uma cobrança fixa iudiciis ubicumque conceptis e estabelecida; nos litígios e processos quadragesima summae, de qua litigaretur, judiciais, onde quer que fossem nec sine poena, si quis composuisse uel realizados, exigia-se a quadragésima parte donasse CXXI negotium conuinceretur; ex da soma em disputa, e não sem punições Esta nova rubrica, ainda ligada às rapinae, trata dos impostos injustos de Calígula. 95 gerulorum diurnis quaestibus pars octaua; para aqueles que ficasse comprovado ex capturis quaeque prostitutarum quantum terem entregado ou deixado de lado a concubitu mereret; causa; exigia-se a oitava parte dos ganhos uno additumque ad caput legis, ut tenerentur diários dos carregadores; dos proveitos publico et lenocinium quae meretricium fecissent, nec quiue das prostitutas, o quanto cada uma delas non matrimonia obnoxia essent. et conseguia a cada encontro; havia um acréscimo à enquadrados lei, para nesse que fossem imposto público aqueles que já tivessem trabalhado como prostitutas ou proxenetas, e também os casamentos ficavam submetidos a ele. XLI. 1 Eius modi uectigalibus indictis XLI. 2 Anunciados desse modo os neque propositis, cum per ignorantiam impostos, mas não afixados, como muitas scripturae multa commissa fierent, tandem infrações tivessem sido cometidas por flagitante populo proposuit quidem legem, ignorância do texto, afixou a cobrança a sed et minutissimis litteris et angustissimo pedido do povo, mas em letras minúsculas loco, uti ne cui describere liceret. 2Ac ne e num lugar escondido, para que ninguém quod non manubiarum genus experiretur, as pudesse copiar. 2 E para que não lupanar in Palatio constituit, districtisque deixasse de experimentar todo tipo de et instructis pro loci dignitate compluribus pilhagem, construiu um prostíbulo no cellis, in quibus matronae ingenuique palácio, com diversos cômodos separados starent, misit circum fora et basilicas e mobiliados de acordo com a dignidade nomenculatores ad inuitandos ad do lugar, nos quais se encontravam libidinem iuuenes senesque; praebita matronas e rapazes jovens, e enviou seus aduenientibus appositique pecunia qui nomina faenebris escravosCXXII pelos fóruns e basílicas para palam convidar os jovens e os velhos à subnotarent, quasi adiuuantium Caesaris libertinagem. Oferecia dinheiro reditus. 3Ac ne ex lusu quidem aleae emprestado aos que vinham e mandava CXXII Esses escravos são chamados por Suetônio de nomenculatores, um tipo de escravo de companhia cujo dever era lembrar aos seus senhores o nome das pessoas. 96 compendium spernens plus mendacio que atque etiam periurio lucrabatur. seus Et abertamente, nomes fossem como se anotados fossem quondam proximo conlusori demandata contribuintes da renda de CésarCXXIII. 3E uice sua progressus in atrium domus, cum não desprezando mesmo o lucro dos jogos praetereuntis duos equites R. locupletis de dados, ainda por cima ganhava por sine mora corripi confiscarique iussisset, meio da mentira e até mesmo do perjúrio. exultans rediit gloriansque numquam se E certa vez, dando a vez a um jogador que prosperiore alea usum. estava perto dele, saiu ao átrio da casa e viu dois cavaleiros romanos ricos, os quais sem demora mandou que fossem presos e tivessem seus bens confiscados, e voltou ao jogo exultante, e gabando-se de que ‘nunca tinha tido tamanha sorte nos dados’. XLII. 1Filia uero nata paupertatem nec iam XLII. 1Nascida sua filhaCXXIV, queixandoimperatoria modo sed et patria conquerens se de sua pobreza e não apenas das onera conlationes in alimonium ac dotem despesas de governante, mas também das puellae recepit. 2Edixit et strenas ineunte de pai, aceitou contribuições para o anno se recepturum stetitque in uestibulo sustento e para constituir o dote da aedium Kal. Ian. ad captandas stipes, quas menina. 2Também divulgou que receberia plenis ante eum manibus ac sinu omnis presentes de ano novo, e ficou de pé na generis turba fundebat. 3 Nouissime entrada das casas no primeiro dia de contrectandae pecuniae cupidine incensus, janeiro para receber o pagamento, que a saepe super immensos aureorum aceruos turba de todo tipo de gente diante dele lhe patentissimo diffusos loco et nudis jogava com as mãos cheias ou tirando da pedibus spatiatus et aliquamdiu uolutatus est. CXXIII toto corpore toga. 3Por fim, aceso pelo desejo de tocar o dinheiro, muitas vezes caminhou de pés Dião Cássio faz um relato diferente: segundo ele, esses membros da aristocracia não foram prostituídos, mas apenas forçados a viver no palácio pagando uma quantia exorbitante em troca, embora, segundo o próprio autor, alguns o tenham feito espontaneamente (Dio. LIX. 21) CXXIV Júlia Drusila, a filha de Cesônia. 97 descalços sobre montes de moedas de ouro espalhadas num vasto espaço ou rolou sobre elas com todo o corpoCXXV. XLIII. 1Militiam resque bellicas semel XLIII. 1 Teve apenas uma experiência attigit neque ex destinato, sed cum ad militarCXXVI, e não de propósito uisendum nemus flumenque Clitumni deliberado, mas quando tinha ido à Meuaniam processisset, admonitus de MevâniaCXXVII para ver o bosque e o rio de supplendo numero Batauorum, quos circa Clitumno, advertido de que deveria se habebat, expeditionis Germanicae completar impetum cepit; 2 o número de soldados neque distulit, sed batavosCXXVIII, que trazia ao seu redor, legionibus et auxiliis undique excitis, tomou o impulso de fazer uma expedição dilectibus ubique acerbissime actis, à Germânia; 2e sem fazer diferença, reuniu contracto et omnis generis commeatu legiões e tropas auxiliares vindas de toda quanto numquam antea, iter ingressus est parte, recrutados em todo lugar e confecitque modo tam festinanter et conduzidos com grande rigor, e arrecadou rapide, ut praetorianae cohortes contra mantimentos de todo tipo em quantidade morem signa iumentis imponere et ita jamais vista, pôs-se a caminho e saiu com subsequi cogerentur, segniter delicateque, interdum ut adeo tanta pressa e rapidez que as coortes octaphoro pretorianas puseram suas insígnias sobre ueheretur atque a propinquarum urbium os jumentos – o que era contrário ao plebe uerri sibi uias et conspergi propter costume – e assim foram obrigadas a puluerem exigeret. acompanhá-lo. Às vezes era tão lento e vagaroso, que se fazia transportar numa liteira carregada por oito homens e exigia do povo das cidades próximas que CXXV Esse é um dos indícios da insanidade de Calígula apresentados por Suetônio. Nessa rubrica, Suetônio trata dos militia, os feitos militares de Calígula. CXXVII Hoje Bevagna, na Itália. CXXVIII Oriundos da Batávia, hoje correspondente, em parte, ao território da Holanda. CXXVI 98 varressem as estradas para ele e as aspergissem para evitar a poeiraCXXIX. 1 XLIV. Postquam castra attigit, ut se XLIV. 1 Depois de chegar aos acrem ac seuerum ducem ostenderet, acampamentos, para se mostrar um legatos, qui auxilia serius ex diuersis locis general cruel e severo, dispensou com adduxerant, cum ignominia dimisit; at in ignomínia os embaixadores que haviam exercitu recensendo plerisque trazido as tropas auxiliares de diversas centurionum maturis iam et nonnullis ante localidades com atraso; e ao fazer a revista paucissimos quam consummaturi essent do exército retirou do comando da dies, primos pilos ademit, causatus senium primeira companhia muitos dos centuriões cuiusque et imbecillitatem; ceterorum mais velhos - e alguns já a pouquíssimos increpita cupiditate commoda emeritae dias de cumprir seu tempo de serviço – sob militiae ad senum milium summam o pretexto de sua velhice e fraqueza de 2 recidit. Nihil autem amplius quam espírito; acusando a avareza dos outros, Adminio Cynobellini Britannorum regis reduziu filio, qui pulsus a patre cum exigua manu veteranos o estipêndio à soma dos de soldados seis mil transfugerat, in deditionem recepto, quasi sestérciosCXXX. 2E não conseguiu nada uniuersa Romam tradita litteras insula, magnificas mais do que a rendição de Admínio, filho misit, monitis de Cunobelino, rei da Bretanha, que tinha speculatoribus, ut uehiculo ad forum sido expulso pelo pai e fugira com uma usque et curiam pertenderent nec nisi in pequena tropa. E mandou cartas suntuosas aede Martis ac consulibus traderent. frequente senatu a Roma, como se houvesse capturado toda a ilha, aconselhando aos batedores que fossem num carro até o Fórum e a cúria, e não entregassem a mensagem antes de CXXIX Nota-se como Suetônio evita fazer quaisquer comentários sobre as possíveis batalhas travadas nessa campanha. Ele se limita a usá-la para melhor traçar a personalidade de Calígula. CXXX O texto original fala em ‘sescentorum milium’, ou seja, seiscentos mil. No entanto, trata-se provavelmente de um erro, já que, de acordo com Dion Cássio (Dio. LV. 23), o valor na época de Augusto seria de doze mil sestércios. 99 chegar ao Campo de Marte e diante do senado e dos cônsules. XLV. 1 Mox deficiente belli materia XLV. Pouco tempo depois, faltando-lhe paucos de custodia Germanos traici motivo para a guerra, mandou que alguns occulique trans Rhenum iussit ac sibi post poucos reféns germanos atravessassem o prandium quam tumultuosissime adesse Reno e se escondessem, e que se hostem nuntiari. 2Quo facto proripuit se anunciasse a ele com grande tumulto, cum amicis et parte equitum depois do jantar, que o inimigo estava praetorianorum in proximam siluam, perto. Razão pela qual se arrancou com truncatisque arboribus et in modum alguns companheiros e parte da cavalaria tropaeorum adornatis ad lumina reuersus, pretoriana para uma floresta próxima, e eorum quidem qui secuti non essent depois de cortar algumas árvores e adornátimiditatem et ignauiam corripuit, comites las como troféus, retornou com archotes e autem et participes uictoriae nouo genere censurou os que não o haviam seguido por ac nomine coronarum donauit, quas sua covardia e indolência, mas aos seus distinctas solis ac lunae siderumque specie companheiros e participantes da vitória exploratorias appellauit. 3Rursus obsides presenteou-lhes com coroas de um novo quosdam abductos e litterario ludo tipo e novo nome, as quais chamou clamque praemissos, deserto repente ‘exploradoras’, e que eram adornadas com conuiuio, cum equitatu insecutus ueluti a imagem do sol, da lua e dos astros. Outra profugos ac reprehensos in catenis vez sequestrou reféns de uma escola e os reduxit; in hoc quoque mimo praeter mandou secretamente à sua frente, depois modum intemperans. Repetita cena do que ele repentinamente abandonou um renuntiantis coactum agmen sic ut erant banquete e os perseguiu com o auxílio de loricatos ad discumbendum adhortatus est. uma cavalaria como se fossem foragidos e Monuit etiam notissimo Vergili uersu os trouxe de volta acorrentados. "durarent secundisque se rebus seruarent." Excessivamente desregrado também nesta 5 Atque inter haec absentem senatum encenação, depois que voltou ao jantar, populumque grauissimo obiurgauit edicto, exortou os soldados que vinham informáquod Caesare proeliante et tantis lo de que o exército estava reunido a se 100 discriminibus obiecto tempestiua sentarem à mesa do jeito que estavam, conuiuia, circum et theatra et amoenos vestidos com suas armaduras. E também secessus celebrarent. os aconselhou com o conhecido verso de Virgílio para esperassem que dias ‘resistissem e melhores’CXXXI. E, enquanto isso, repreendeu o senado e o povo ausentes em Roma com um édito muito severo, pois ‘enquanto César lutava e era objeto de tantos perigos, celebravam banquetes suntuosos, aproveitando os jogos circenses, teatros e retiros amenos’. XLVI. Postremo quasi perpetraturus XLVI. Por fim, como se estivesse para pôr bellum, derecta acie in litore Oceani ac um fim a uma guerra, levou o exército às ballistis machinisque dispositis, nemine margens do Oceano e armou catapultas e gnaro aut opinante quidnam coepturus máquinas de guerra, sem que ninguém esset, repente ut conchas legerent soubesse ou pudesse imaginar o que ele galeasque et sinus replerent imperauit, faria, e de repente mandou que fossem "spolia Oceani" Palatioque debita," uocans "Capitolio recolhidas conchas e que os soldados et indicium enchessem os bolsos e os capacetes, in uictoriae altissimam turrem excitauit, ex chamando-as de ‘espólios do Oceano, qua ut Pharo noctibus ad regendos nauium devidas ao Capitólio e ao Palatino’, e cursus ignes emicarent; pronuntiatoque ergueu uma altíssima torre em sinal de militi donatiuo centenis uiritim denariis, vitória, quasi omne exemplum da qual, como em Faros, liberalitatis brilhariam luzes para guiar o caminho dos supergressus: "abite," inquit, "laeti, abite navios durante a noite; e anunciando ao locupletes." exército uma recompensa de cem denários para cada homem, como se tivesse ultrapassado CXXXI Calígula cita uma passagem da Eneida (I, 207). todo exemplo de 101 generosidade, disse-lhes: ‘Ide em alegria! Ide enriquecidos!’CXXXII. XLVII. 1 Conuersus hinc ad curam XLVII. 1Voltando-se ao cuidado do seu triumphi praeter captiuos ac transfugas triunfo, além dos cativos e dos fugitivos barbaros Galliarum quoque bárbaros, escolheu os mais eminentes de procerissimum quemque et, ut ipse cada uma das Gálias e, como ele mesmo dicebat, ἀξιοθριάμβευτον, ac nonnullos ex dizia, ‘os mais dignos de triunfo’, e alguns principibus legit ac seposuit ad pompam dentre os príncipes e os reservou à coegitque non tantum rutilare et cerimônia, coagindo-os não somente a summittere comam, sed et sermonem tingir de vermelho os cabelos e a deixá-los Germanicum addiscere et nomina crescer, mas também a aprender a língua barbarica ferre. 2Praecepit etiam triremis, dos germanos e adotar nomes bárbaros. quibus introierat Oceanum, magna ex 2 Instruiu também que se trouxessem para parte itinere terrestri Romam deuehi. Roma as trirremesCXXXIII nas quais ele 3 Scripsit et procuratoribus, triumphum havia adentrado o Oceano, e isso foi feito appararent quam minima summa, sed na maior parte pelo caminho terrestre. 3E quantus numquam alius fuisset, quando in também escreveu aos procuradores ‘que omnium hominum bona ius haberent. preparassem um triunfo com o menor gasto, mas maior do que jamais houvera, pois tinha autoridade sobre os bens de todos os homens’CXXXIV. XLVIII. 1Prius quam prouincia decederet, XLVIII. 1Antes de deixar a província, consilium CXXXII iniit nefandae atrocitatis planejou a nefanda atrocidade de destruir Essa passagem pode ter sido, segundo Winterling (2011: 118), o resultado de um motim por parte das tropas que acompanhavam Calígula, que teriam se recusado a atravessar o mar até a Bretanha. O gesto de Calígula de fazer com que recolhessem conchas como espólios e dar a eles uma recompensa minúscula poderia ser uma tentativa de ridicularizá-los por sua covardia. CXXXIII Embarcação de guerra que dispunha de três ordens de remos. CXXXIV Possível tentativa de fazer pouco do triunfo, que era uma instituição regulada pelo Senado, com quem Calígula parecia indisposto. 102 legiones, quae post excessum Augusti as legiões que outrora haviam promovido seditionem olim mouerant, contrucidandi, uma sedição depois da morte de Augusto, quod et patrem suum Germanicum ducem porque assediaram tanto a seu pai e et se infantem tunc obsedissent, uixque a comandante deles, Germânico, quanto a tam praecipiti cogitatione reuocatus, ele mesmo, ainda meninoCXXXV. E com inhiberi nullo modo potuit quin decimare dificuldade uelle perseueraret. 2 foi dissuadido de tão Vocatas itaque ad precipitado pensamento, mas não se pôde contionem inermes, atque etiam gladiis convencê-lo de modo algum a desistir de depositis, equitatu armato circumdedit. dizimá-los. 2Depois que, desarmadas, elas 3 Sed cum uideret suspecta re plerosque foram chamadas à reunião, e até mesmo já dilabi ad resumenda si qua uis fieret arma, com as espadas depostas, cercou-as com profugit contionem confestimque urbem uma cavalaria armada. 3Mas, vendo que petit, deflexa omni acerbitate in senatum, muitos, suspeitando, escapavam-se para cui ad auertendos tantorum dedecorum recuperar as rumores palam minabatur, querens inter contenda, fugiu cetera fraudatum se iusto triumpho, cum imediatamente ipse paulo ante, ne quid de honoribus suis despejando ageretur, etiam sub mortis armas caso da voltou todo o houvesse reunião para ódio e Roma, sobre o poena senadoCXXXVI, que ameaçava abertamente denuntiasset. para distrair dos rumores de tantas vergonhas, alegando entre outras coisas que fora privado de seu justo triunfo, quando ele próprio, pouco antes, havia proibido sob pena de morte que se fizesse algo a respeito de suas honras. XLIX. 1Aditus ergo in itinere a legatis XLIX. 1 Tendo sido encontrado no amplissimi ordinis ut maturaret orantibus, caminho por um membro daquela distinta quam maxima uoce: "ueniam," inquit, CXXXV Como afirma Winterling (2011, 119) é muito pouco provável que os soldados daquele tempo ainda fizessem parte das legiões depois de quase trinta anos. O mais plausível seria imaginar que Calígula pretendia castigar os responsáveis por um novo motim. CXXXVI Sêneca afirma que Calígula planejava destruir todo o senado. (Sen. De Ira III.19.2). 103 "ueniam, et hic mecum," capulum gladii ordemCXXXVII, que lhe pedia que crebro uerberans, quo cinctus erat. 2Edixit apressasse seu retorno, respondeu-lhe em et reuerti se, sed iis tantum qui optarent, alto e bom som: ‘Voltarei, sim, e isto aqui equestri ordini et populo; nam se neque estará comigo’ e batia na ponta do cabo da ciuem neque principem senatui amplius espada, que lhe pendia da cintura. 2E fore. 3Vetuit etiam quemquam senatorum mandou dizer que ‘retornava, mas sibi occurrere. 4Atque omisso uel dilato somente para aqueles que desejavam seu triumpho ouans urbem natali suo retorno, o povo e a ordem equestre, pois ingressus est; intraque quartum mensem ele não mais seria concidadão nem periit, ingentia facinora ausus et aliquanto príncipe do senado’. 3Até mesmo proibiu maiora moliens, siquidem proposuerat que qualquer membro do senado fosse até Antium, deinde Alexandream commigrare ele. 4E, tendo atrasado ou desistido do interempto prius utriusque ordinis triunfo, entrou na cidade no dia de seu electissimo quoque. 5Quod ne cui dubium aniversário em meio a uma ovação; e uideatur, in secretis eius reperti sunt duo dentro de quatro meses morreu, tendo libelli diuerso titulo, alteri "gladius," alteri ousado cometer crimes enormes, e "pugio" index erat; ambo nomina et notas planejando cometer outros ainda maiores, continebant morti destinatorum. 6Inuenta visto que pretendia se mudar para et arca ingens uariorum uenenorum plena, ÂncioCXXXVIII, e depois para quibus mox a Claudio demersis infecta AlexandriaCXXXIX, depois de matar os maria traduntur non sine piscium exitio, mais importantes membros de cada quos enectos aestus in proxima litora ordem. 5E para que quanto a isto não eiecit. pareça haver dúvida a quem quer que seja, em seus documentos particulares foram encontrados dois livrinhos com títulos diferentes: um chamado ‘espada’, e o CXXXVII Ou seja, da ordem senatorial. Esse trecho dá ainda mais indícios da relação conturbada entre Calígula e a aristocracia romana. CXXXVIII Outro indício de que esta seria a localidade natal de Calígula. CXXXIX Desde os tempos de Augusto, que criticava a aproximação entre Marco Antônio e Cleópatra, tornouse um lugar-comum que os governantes que não recebiam aprovação da aristocracia fossem acusados posteriormente de tentar “orientalizar” o Império. Pode-se supor que isso também se encaixa com as alegações de relações incestuosas entre Calígula e suas irmãs (que seriam mais naturais no Egito) e o estabelecimento de um culto ao seu próprio nume. 104 outro ‘punhal’CXL; ambos continham nomes e marcas distintivas dos que estavam destinados à morte. 6Também foi encontrada uma imensa arca cheia de vários venenos, os quais, dizem, contaminaram os mares, não sem matança de peixes, que as ondas lançaram, mortos, nas praias próximas depois que Cláudio jogou seu conteúdo na água. L. 1Statura fuit eminenti, colore expallido, L. 1Era de alta estatura, cor pálida, corpo corpore enormi, gracilitate maxima enorme, mas com pescoço e pernas ceruicis et crurum, oculis et temporibus extremamente magros, têmporas e olhos concauis, fronte lata et torua, capillo raro côncavos, testa larga e ameaçadora, cabelo at circa uerticem nullo, hirsutus cetera. ralo e calvo no topo da cabeça, mas com 2 Quare transeunte eo prospicere ex um corpo peludo. 2Razão pela qual era superiore parte aut omnino quacumque de considerado crime e motivo de pena causa capram nominare, criminosum et capital falar em bodes, sob qualquer exitiale habebatur. 3Vultum uero natura pretexto, ou olhá-lo de cima quando ele horridum ac taetrum etiam ex industria passava. 3Seu rosto já naturalmente feio e efferabat componens ad speculum in horrendo ele tornava ainda mais bestial, omnem 4 terrorem ac formidinem. treinando diante do espelho todo tipo de Valitudo ei neque corporis neque animi terror e espantoCXLI. 4Não era saudável constitit. Puer comitiali morbo uexatus, in nem de corpo, nem de espírito. Quando adulescentia ita patiens laborum erat, ut menino, fora acometido por epilepsia, e tamen nonnumquam subita defectione durante a juventude suportava sofrimento ingredi, stare, colligere semet ac sufferre tal que, muitas vezes, tomado por súbito uix posset. 5Mentis ualitudinem et ipse desfalecimento, mal conseguia caminhar, CXL Que seriam carregados por um liberto seu, Protógenes. Este retrato de Calígula entra em contraste com o de Germânico. De acordo com as tradições de fisiognomia da Antiguidade, o fato de ter um corpo grande e membros magros era sinal de sua feiura. A palidez era vista como sinal de covardia. Os olhos de Calígula davam a impressão de estupidez. (LINDSAY, 2002, p. 153). CXLI 105 senserat ac subinde de secessu deque ou ficar de pé, se recompor ou se sustentar. purgando cerebro cogitauit. 6 Creditur 5 Ele próprio tinha tomado consciência de potionatus a Caesonia uxore amatorio sua quidem medicamento, furorem uerterit. 7 sed quod saúde mental, e pensou in frequentemente de se retirar e limpar seu Incitabatur insomnio cérebro. 6 Acredita-se que tenha sido maxime; neque enim plus quam tribus envenenado pela esposa Cesônia com nocturnis horis quiescebat ac ne iis algum filtro de amor, mas que se quidem placida quiete, sed pauida miris transformara em loucuraCXLII. 7 Era rerum imaginibus, ut qui inter ceteras atormentado sobretudo pela insônia; pois pelagi quondam speciem conloquentem não descansava mais do que três horas secum uidere uisus sit. 8Ideoque magna durante a noite, e não eram essas horas de parte noctis uigiliae cubandique taedio um repouso plácido, mas sim aterrado por nunc toro residens, nunc per longissimas imagens terríveis, de modo que, entre porticus uagus inuocare identidem atque outras coisas, pareceu-lhe, certa vez, ver a expectare lucem consuerat. si mesmo conversando com o espírito do mar. 8E, por isso, durante a maior parte da noite, cansado de permanecer deitado sem dormir, tinha o costume de ora sentar-se no leito, ora, vagando através de muitos pórticos, invocar e esperar incessantemente pela luz do dia. LI. 1 Non inmerito mentis ualitudini LI. 1Eu posso atribuir não injustamente à attribuerim diuersissima in eodem uitia, sua saúde mental os dois muito diferentes summam confidentiam et contra nimium vícios nele presentes, uma petulância metum. 2 Nam qui deos tanto opere exacerbada e, por outro lado, uma contemneret, ad minima tonitrua et covardia demasiada. 2 Pois aquele que fulgura coniuere, caput obuoluere, at uero tanto desprezava os deuses costumava, ao maiore proripere se e strato sub lectumque perceber o menor trovão ou raio, fechar os CXLII Embora a tradição tenha sempre considerado Calígula um governante louco, a maioria dos especialistas de hoje discorda dessa hipótese. (WINTERLING, 2011: 6). 106 condere solebat. 3Peregrinatione quidem olhos, cobrir a cabeça, e quando estes Siciliensi miraculis profugit irrisis multum repente a Aetnaei locorum eram estrondosos, arrancar-se do estrado e Messana noctu esconder-se sob o leito. uerticis fumo 3 Durante sua ac peregrinação pela SicíliaCXLIII, riu-se dos murmure pauefactus. 4Aduersus barbaros milagres em muitos lugares, mas fugiu de quoque minacissimus, cum trans Rhenum repente de Messana, durante a noite, inter angustias densumque agmen iter aterrorizado com a fumaça e com o ruído essedo faceret, dicente quodam non no topo do Etna. 4Embora ameaçador mediocrem fore consternationem sicunde contra os bárbaros, quando fez o caminho hostis appareat, equum ilico conscendit ac de carro para atravessar o Reno e ficou propere reuersus ad pontes, ut eos entre os desfiladeiros com seu exército calonibus et impedimentis stipatos cerrado, e alguém disse que não seria repperit, impatiens morae per manus ac pequeno o tumulto se o inimigo super capita hominum translatus est. 5Mox aparecesse, imediatamente subiu num etiam audita rebellione Germaniae fugam cavalo e correu de volta para as pontes, e et subsidia fugae classes apparabat, uno como as encontrasse bloqueadas por solacio adquiescens transmarinas certe criados e bagagens, impaciente com a sibi superfuturas prouincias, si uictores demora, fez-se ser levado sobre as cabeças Alpium iuga, ut Cimbri, uel etiam urbem, dos homens, sustentado pelas suas mãos. ut Senones quondam, occuparent; unde 5 E pouco depois, tendo ouvido falar da credo percussoribus eius postea consilium rebelião na GermâniaCXLIV, preparou a natum apud tumultuantes milites fuga e uma esquadra com mantimentos ementiendi, ipsum sibi manus intulisse para fugir, tendo como único consolo o nuntio malae pugnae perterritum. fato de que lhe restariam as províncias de além-mar, se os vencedores tomassem o topo dos alpes, como os CimbrosCXLV haviam feito, ou até mesmo a própria Roma, como os SenonosCXLVI certa vez. Razão pela qual, creio, seus assassinos CXLIII Logo após a morte da irmã Drusila. Segundo Lindsay, não há registro desse episódio. Talvez seja uma referência à conspiração de Getúlico. (LINDSAY, 2002: 157). CXLV Povo da Germânia. CXLVI Povo da Gália Cisalpina. CXLIV 107 posteriormente tiveram a ideia de inventar para os seus soldados revoltados que ele próprio tinha tirado a vida, com medo da notícia de uma derrota. LII. 1Vestitu calciatuque et cetero habitu LII. 1Nunca usou roupas e calçados e neque patrio neque ciuili, ac ne uirili outras vestimentas à moda nacional, nem quidem ac denique humano semper usus dos cidadãos, nem dos chefes de família, est. 2Saepe depictas gemmatasque indutus e, por fim, nem dos seres humanos. paenulas, manuleatus et armillatus in 2 Frequentemente vestia-se com capas publicum processit; aliquando sericatus et coloridas e adornadas com pedras, saía em cycladatus; ac modo in crepidis uel público com túnicas de manga e com coturnis, modo in speculatoria caliga, braceletes, às vezes usando sedas e nonnumquam socco muliebri; plerumque cícladeCXLVII, às vezes sandálias ou uero aurea barba, fulmen tenens aut coturnos, às vezes botas de batedor, ou fuscinam aut caduceum deorum insignia, ainda borzeguins femininosCXLVIII; foi atque etiam Veneris cultu conspectus est. visto várias vezes usando uma barba 3 Triumphalem quidem ornatum etiam ante dourada, segurando um raio, um tridente expeditionem assidue gestauit, interdum ou um caduceu, insígnias dos deuses, e até et Magni Alexandri thoracem repetitum e mesmo vestido de VênusCXLIX. conditorio eius. 3 Em muitas ocasiões vestiu os ornamentos triunfais mesmo antes de sua campanha militar, às vezes usando a couraça de Alexandre MagnoCL, tirada de seu túmulo. CXLVII Peça do vestuário feminino. Essa descrição é uma tentativa de reforçar a natureza efeminada de Calígula. CXLIX Aqui, acrescenta-se ao seu caráter efeminado sua húbris ao se comparar com os deuses. CL Outro sinal da fraqueza de Calígula pelas tradições orientais. CXLVIII 108 LIII. 1Ex disciplinis liberalibus minimum LIII. 1Dentre as disciplinas liberaisCLI, eruditioni, eloquentiae plurimum attendit, dedicou-se pouco à erudição, e mais à quantumuis facundus et promptus, utique eloquência, sendo facundo e disposto ao si perorandum in aliquem esset. 2Irato et falar com alguém. uerba et sententiae 2 Quando irado, as suppetebant, palavras e as frases ficavam à sua pronuntiatio quoque et uox, ut neque disposição, assim como a voz e a eodem loci prae ardore consisteret et pronúncia, de tal modo que não parava no exaudiretur 3 a procul stantibus. mesmo lugar de tão empolgado, e era Peroraturus stricturum se lucubrationis ouvido mesmo pelos que estavam longe. suae telum minabatur, lenius comptiusque 3 Quando estava para discursar, ameaçava scribendi genus adeo contemnens, ut que Senecam tum ‘sacaria um dardo de suas placentem lucubrações’, de tal forma desprezando o maxime "commissiones meras" componere et estilo de escrita mais ameno e burilado, "harenam 4 Solebat esse sine etiam calce" prosperis diceret. que dizia que Sêneca, então muitíssimo oratorum apreciado, havia composto ‘meras obras actionibus rescribere et magnorum in de ocasião’, e que era ‘areia sem cal’ CLII. senatu reorum accusationes 4 Também costumava compor respostas defensionesque meditari ac, prout stilus aos discursos dos oradores de sucesso, e cesserat, uel onerare sententia sua elaborar acusações e defesas dos grandes quemque uel subleuare, equestri quoque réus no senadoCLIII, e, conforme concedia ordine ad audiendum inuitato per edicta. seu estilo, tornar-lhes a sentença mais pesada ou mais leve, convidando até mesmo a ordem equestre, por meio de éditos, para que o ouvissem. CLI A saber: retórica, filosofia, música, poesia e jurisprudência. O interesse de Calígula pela retórica já havia sido demonstrado nos jogos que ele havia realizado em Siracusa (Cf. nota LXI). CLII Visão que possivelmente não diferia muito da de Suetônio, que afirma que Sêneca teria privado o jovem Nero do contato com oradores mais recentes (e melhores) para fortalecer a admiração que o futuro imperador tinha por ele. (Ner. LII.1). CLIII O que não difere muito dos exercícios de controuersiae e de suasoriae praticados pelos alunos de retórica. 109 LIV. 1 Sed et aliorum generum artes LIV. 1 Mas também exerceu studiosissime et diuersissimas exercuit. diligentemente artes bem diferentes, e de 2 Thraex et auriga, idem cantor atque outros gêneros. 2Como trácioCLIV ou piloto saltator, battuebat pugnatoriis armis, de biga, ou mesmo como cantor ou aurigabat exstructo plurifariam circo; dançarino, batia-se com armas de lutador, canendi ac efferebatur, saltandi ut ne uoluptate publicis ita e conduzia a biga nos diversos lugares em quidem que se havia construído um circo; era tão spectaculis temperaret quo minus et afetado pelo desejo de cantar e de dançar, tragoedo pronuntianti concineret et que nem mesmo durante os espetáculos gestum histrionis quasi laudans uel públicos conseguia impedir-se de corrigens palam effingeret. 3Nec alia de declamar junto com o ator de tragédia ou causa uidetur eo die, quo periit, de imitar os gestos do histrião, como se o peruigilium indixisse quam ut initium in elogiasse ou corrigisseCLV. 3E não parece scaenam prodeundi licentia temporis ter sido por outro motivo que, no dia em auspicaretur. 4 Saltabat autem que morreu, tinha determinado um culto nonnumquam etiam noctu; et quondam noturno com vigília, para que inaugurasse tres consulares secunda uigilia in Palatium o início de seu aparecimento no palco, accitos multaque et extrema metuentis usando super pulpitum conlocauit, deinde repente 4 a ocasião como desculpa. Dançava muitas vezes até durante a noite; magno tibiarum et scabellorum crepitu e certa vez, durante a segunda vigíliaCLVI, cum palla tunicaque talari prosiluit ac colocou sobre os bancos três consulares – desaltato cantico abiit. 5Atque hic tam que temiam coisas extremas e diversas docilis ad cetera natare nesciit. que ele havia mandado trazer ao palácio, e então, de repente, com o grande estrondo das flautas e escabelosCLVII, saltou diante deles com uma túnica que ia até os tornozelos e vestes de ator trágico e, tendo feito seu canto e sua dança, foi embora. 4E CLIV Cf. nota CVII. Todas essas práticas iam de encontro aos valores da aristocracia romana, e foram atribuídas a Calígula e a Nero de maneira análoga. CLVI Os romanos dividiam as horas sem sol em quatro vigílias de três horas cada. O período da segunda vigília seria entre nove horas e meia-noite. CLVII Scabellum, um pequeno tamborete que se tocava com o pé. CLV 110 este homem, tão versado em outras matérias, não sabia nadar. LV. 1 Quorum uero studio teneretur, LV. 1 Cuidava daqueles que tinha em omnibus ad insaniam fauit. 2Mnesterem grande estima até o ponto da loucura. pantomimum etiam inter spectacula 2 Mesmo durante os espetáculos beijava o osculabatur, ac si qui saltante eo uel leuiter pantomimo MnesterCLVIII, e se alguém obstreperet, detrahi iussum manu sua fazia um leve ruído enquanto ele dançava, flagellabat. 3 Equiti R. tumultuanti per mandava que se retirasse e o flagelava centurionem denuntiauit, abiret sine mora com suas próprias mãos. 3Mandou a um Ostiam perferretque ad Ptolemaeum cavaleiro romano que fazia barulho, regem in Mauretaniam codicillos suos; através de um centurião, que ele fosse sem quorum exemplum erat: "ei quem istoc demora para Óstia e levasse até o rei misi, neque boni quicquam neque mali Ptolomeu na Mauritânia seu bilhete, que feceris." corporis 4 Thraeces quosdam Germanis tinha como minuta: ‘Não farás nada de custodibus praeposuit. bom ou de mal àquele que enviei para recidit. aí’CLIX. 4Pôs alguns gladiadores tráciosCLX 5 Murmillonum 6 Columbo uictori, leuiter tamen saucio, à frente de sua guarda germânicaCLXI. armaturas uenenum in plagam addidit, quod ex eo 5 Diminuiu a armadura dos mirmilõesCLXII. Columbinum appellauit; sic certe inter alia 6 Depois que ColomboCLXIII foi vencedor, uenena scriptum ab eo repertum est. embora tivesse sido ferido de leve, ele 7 Prasinae factioni ita addictus et deditus, colocou veneno em sua ferida, veneno que ut cenaret in stabulo assidue et maneret, chamou de columbino por conta dele; com agitatori Eutycho comisatione quadam in esse nome ele foi encontrado na lista de CLVIII Novamente há uma crítica ao caráter efeminado de Calígula, não sem menção ao seu comportamento favorável às tradições gregas. CLIX Um plano demasiadamente complexo para simplesmente exilar o cavaleiro. Outra amostra do estranho senso de humor de Calígula. CLX Cf. nota CVII. CLXI O que demonstra seu apreço pelos gladiadores enquanto grupo, o que obviamente não era visto com bons olhos pelos seus críticos. CLXII Cf. nota XCVI. O fato de Calígula ter diminuído a armadura desse tipo de gladiador pode ser sinal de sua preferência pelos seus rivais, sobretudo os trácios, que ele havia acrescentado à sua guarda particular. CLXIII Um gladiador contemporâneo de Calígula. Esse ato novamente atesta o interesse desmesurado do imperador pelos jogos de gladiadores. 111 apophoretis uicies sestertium contulit. venenos escrita por Calígula. 7Era tão 8 Incitato equo, circenses, ne cuius causa inquietaretur, pridie favorável e dedicado à facção uiciniae prásinaCLXIV, que muitas vezes ceava nos silentium per milites indicere solebat, seus estábulos ou lá permanecia, e deu ao praeter equile marmoreum et praesaepe condutor Eutico, durante uma orgia, dois eburneum praeterque purpurea tegumenta milhões de sestércios como presente. ac monilia e gemmis domum etiam et 8 Costumava usar soldados para forçar o familiam et supellectilem dedit, quo silêncio nas vizinhanças quando da lautius nomine eius inuitati acciperentur; véspera dos jogos circenses, para que seu consulatum quoque traditur destinasse. cavalo Incitato não fosse incomodado, além ter-lhe mandado construir um estábulo de mármore e uma manjedoura de marfim. púrpura, Também deu-lhe cobriu-lhe colares de de pedras preciosas, uma casa, escravos e mobília, para que pudesse receber com maior suntuosidade os convidados; diz-se também que planejava fazê-lo cônsulCLXV. LVI. 1Ita bacchantem atque grassantem LVI. 1Por tamanha devassidão e tantos non defuit plerisque animus adoriri. 2Sed assaltos, não una atque altera conspiratione detecta, derrubá-loCLXVI. faltou 2 quem quisesse Mas quando uma ou aliis per inopiam occasionis cunctantibus, outra conspiração havia sido descoberta e duo consilium communicauerunt outros esperavam pela ocasião necessária, perfeceruntque, non sine conscientia dois homens dividiram o mesmo plano e o potentissimorum praefectorumque CLXIV libertorum executaram, não sem o conhecimento dos praetori; quod ipsi seus libertos mais poderosos e dos Cf. nota LIV. Na época de Calígula, os pilotos dividiam-se em quatro facções representadas por cores diferentes, os verdes, os azuis, os brancos e os vermelhos. CLXV Conforme afirma Winterling (2011: 103), essa paixão pelo próprio cavalo, e principalmente a intenção de torná-lo cônsul, provavelmente foi uma maneira de criticar e humilhar a aristocracia, equiparando seus membros a cavalos. CLXVI Nessa rubrica, Suetônio começa a tratar da morte de Calígula. 112 quoque etsi falso in quadam coniuratione membros da guarda pretoriana, porque quasi participes nominati, suspectos eles próprios também quase foram tamen se et inuisos sentiebant. 3Nam et falsamente acusados de participar de uma statim seductis magnam fecit inuidiam conspiração, e percebiam que Calígula destricto gladio affirmans sponte se suspeitava deles e os odiava. 3Pois ele periturum, si et illis morte dignus criou imediatamente grande hostilidade uideretur, nec cessauit ex eo criminari para alguns deles, a quem havia chamado alterum alteri atque inter se omnis de lado e, puxando da espada, dito que ‘ele committere. ludis 4 Cum placuisset Palatinis mesmo se mataria, se a eles parecesse que spectaculo egressum meridie ele merecia a morte’, e não cessou de fazer adgredi, primas sibi partes Cassius com que um acusasse o outro de desejar Chaerea tribunus cohortis praetoriae matá-lo, nem de colocar todos contra depoposcit, quem Gaius seniorem iam et todos. 4Como tinham decidido atacá-lo ao mollem et effeminatum denotare omni meio-dia quando ele voltaria dos probro consuerat et modo signum petenti espetáculos nos jogos do Palatino, Cássio "Priapum" aut "Venerem" dare, modo ex Quérea, tribuno da coorte pretoriana, aliqua causa agenti gratias osculandam exigiu ser o primeiro a atacar, pois Caio manum offerre formatam commotamque costumava difamá-lo – ele que já era um in obscaenum modum. homem de idade – com todo tipo de ultraje, como fraco e efeminado. Também dava a ele como senha, quando ele pedia, palavras como “PriapoCLXVII” e “Vênus”, e quando por algum motivo precisava agradecê-lo, Caio lhe oferecia a mão para beijar, movendo-a e fazendo com ela gestos obscenos. LVII. 1 Futurae caedis multa prodigia LVII. 1 Houve muitos prodígios que exstiterunt. 2Olympiae simulacrum Iouis, prediziam sua morteCLXVIII. 2A estátua de CLXVII Priapus, divindade originalmente ligada à fertilidade, era um deus cuja característica mais notável era ter um pênis de tamanho descomunal. CLXVIII Esses prodígios são reveladores dos crimes e do caráter de Calígula. 113 quod dissolui transferrique Romam Júpiter em Olímpia, que ele havia placuerat, tantum cachinnum repente ordenado que se desmontasse e trouxesse edidit, ut machinis labefactis opifices para Roma, de repente, começou a rir tanto diffugerint; superuenitque ilico quidam que os andaimes caíram e os operários se Cassius nomine, iussum se somnio puseram a fugirCLXIX; e então chegou lá affirmans 3 immolare taurum Ioui. um homem chamado Cássio, afirmando Capitolium Capuae Id. Mart. de caelo que recebera em sonho ordens para tactum est, item Romae cella Palatini sacrificar um touro em honra de atriensis. 4Nec defuerunt qui coniectarent JúpiterCLXX. 3O Capitólio em Cápua tinha altero ostento periculum a custodibus sido atingido por um raio no quinze de domino portendi, altero caedem rursus março, assim como o quarto do guarda do insignem, qualis eodem die facta quondam átrio do palácio, em RomaCLXXI. 4E não fuisset. 5Consulenti quoque de genitura faltou quem concluísse por um desses sua Sulla necem 6 mathematicus appropinquare certissimam presságios que um perigo era anunciado affirmauit. ao senhor através de seus guardas, e que o Monuerunt et Fortunae Antiatinae, ut a outro se referia à morte de um outro Cassio caueret; qua causa ille Cassium homem insigneCLXXII, que se dera certa Longinum occidendum Asiae tum proconsulem vez naquele mesmo dia. 5E também o delegauerat, Chaeream Cassium nominari. inmemor matemático Sula, com quem Calígula 7 Pridie consultou seu horóscopo, afirmou-lhe que quam periret, somniauit consistere se in sua morte certíssima se aproximava. 6Os caelo iuxta solium Iouis impulsumque ab oráculos de ÂncioCLXXIII também o eo dextri pedis pollice et in terras advertiram de que devia tomar cuidado praecipitatum. 8Prodigiorum loco habita com um homem chamado Cássio, razão sunt etiam, quae forte illo ipso die paulo pela qual ele mandou que matassem prius acciderant. 9Sacrificans respersus est Cássio Longino, então procônsul da Ásia, phoenicopteri sanguine; et pantomimus esquecendo de que Quérea se chamava CLXIX O primeiro prodígio se refere ao crime de húbris cometido por Calígula. Pode-se pensar aqui em Júpiter se regozijando com sua vingança que estava prestes a se dar. CLXX Um homem que tinha o mesmo nome de Quérea. Calígula aparece como a vítima a ser sacrificada em honra (e vingança) de Júpiter. CLXXI A simbologia é clara: o raio de Júpiter atinge lugares ligados à figura do imperador. CLXXII Trata-se de Júlio César, morto em quinze de março de 44 a.C. CLXXIII Região de importância, já que era o local de nascimento de Calígula. 114 Mnester tragoediam saltauit, quam olim Cássio. 7No dia anterior à sua morte, Neoptolemus tragoedus ludis, quibus rex sonhou que estava no céu, junto ao trono Macedonum Philippus occisus est, egerat; de Júpiter e que era lançado à terra pelo et cum in Laureolo mimo, in quo a[u]ctor dedão do pé direito do deus.CLXXIV proripiens se ruina sanguinem uomit, plures secundarum 8 Também foram tidas como prodígios certatim algumas coisas que aconteceram por acaso experimentum artis darent, cruore scaena um pouco mais cedo naquele mesmo dia. abundauit. 10 Parabatur et in noctem 9 Enquanto sacrificava um flamingo, o spectaculum, quo argumenta inferorum sangue lhe respingou; e o pantomimo per Aegyptios et Aethiopas explicarentur. Mnester dançou uma tragédia que outrora Neoptolemo havia encenado durante os jogos teatrais nos quais Filipe, rei da Macedônia, havia sido morto. Na farsa chamada ‘Lauréolo’, na qual o ator, que se precipitava para a própria ruína, vomitava sangue, uma vez que muitos dos atores em papéis secundários queriam dar testemunho de sua arte, o palco se inundou de sangue.CLXXV 10 Também se encenou à noite um espetáculo, cujo argumento relacionado aos infernos seria apresentado por egípcios e etíopes. LVIII. 1VIIII. Kal. Febr. hora fere septima LVIII. 1Nove dias antes das calendas de cunctatus an ad prandium surgeret fevereiro, por volta da sétima horaCLXXVI, marcente adhuc stomacho pridiani cibi ele hesitou entre levantar-se para ir ao onere, tandem suadentibus amicis almoço, porque tinha o estômago ainda egressus est. 2Cum in crypta, per quam pesado da refeição do dia anterior, mas, CLXXIV O que confirma ainda mais a noção de que sua morte foi uma punição divina. Esse sinal, bem como o fato de o sangue do flamingo ter respingado em Calígula, indicava uma morte sangrenta iminente. CLXXVI Ou seja, no dia 24 de janeiro, por volta das 13h. CLXXV 115 transeundum erat, pueri nobiles ex Asia ad com o convencimento dos amigos, retirouedendas in praepararentur, scaena operas ut eos euocati se. 2Na passagem coberta, pela qual teria inspiceret de passar, meninos de nobre nascimento hortareturque restitit, ac nisi princeps chamados da Ásia eram preparados para gregis algere se diceret, redire ac apresentar obras no palco. Ele parou para repraesentare spectaculum uoluit. 3Duplex inspecioná-los e animá-los, e pretendia dehinc fama est: alii tradunt adloquenti voltar para representar o espetáculo, se o pueros a tergo Chaeream ceruicem gladio líder da tropa não tivesse dito que sentia caesim grauiter percussisse praemissa frio. 3A partir daqui há duas versões para uoce: "hoc age!" Dehinc Cornelium o que aconteceuCLXXVII: alguns dizem que Sabinum, alterum e coniuratis, tribunum Quérea o atacou por trás enquanto ele ex aduerso traiecisse pectus; alii Sabinum falava com os meninos, acertando-o na summota per conscios centuriones turba parte de trás do pescoço com a espada, a signum more militiae petisse et Gaio pesados golpes de talho, ao sinal de ‘Faz "Iouem" dante Chaeream exclamasse: isto!’, e daí Cornélio Sabino, outro dos "accipe ratum!" Respicientique maxillam conjurados, que estava à sua frente, ictu discidisse. 4Iacentem contractisque perfurou-lhe o peito. Outros dizem que membris clamitantem se uiuere ceteri Sabino, fazendo a turba se dispersar com uulneribus triginta confecerunt; nam ajuda de centuriões que sabiam do plano, signum erat omnium: "repete!" 5Quidam pediu-lhe a senha, como fazem os etiam per obscaena ferrum adegerunt. 6Ad militares, e quando Caio disse ‘Júpiter’, primum tumultum lecticari cum asseribus Quérea exclamou: ‘Aceita o que te é in auxilium accucurrerunt, mox Germani devido!’ e partiu-lhe o maxilar com um corporis custodes, ac nonnullos ex golpe quando ele se viravaCLXXVIII. 4Os percussoribus, quosdam etiam senatores demais lhe atingiram trinta vezes enquanto innoxios interemerunt. ele jazia ao solo, com os membros contraídos, gritando ‘estou vivo’; pois a senha de todos eles era ‘ataca outra vez’. 5 Alguns até mesmo enterraram a espada em suas partes íntimas. 6No início do CLXXVII CLXXVIII As duas versões, de acordo com Lindsay (2002: 169), seriam a de Sêneca e a de Flávio Josefo. Essa versão coroa a vingança de Júpiter sobre Calígula. 116 tumulto, os carregadores de liteira correram ao seu auxílio com seus bastões, e depois os seus guardas germanos, e eles mataram muitos dos assassinos, e também alguns senadores inofensivos. LIX. 1Vixit annis uiginti nouem, imperauit LIX. 1Viveu vinte e nove anos, governou triennio et decem mensibus diebusque por três anos, dez meses e oito dias. 2O octo. 2 Cadauer eius clam in hortos cadáver dele foi levado secretamente aos Lamianos asportatum et tumultuario rogo jardins da família Lâmia, e depois de semiambustum leui caespite obrutum est, parcialmente queimado numa fogueira postea per sorores ab exilio reuersas improvisada, foi enterrado num pedaço de erutum et crematum sepultumque. 3Satis terra levemente coberto de relva. Depois constat, prius quam id fieret, hortorum foi desenterrado, queimado e devidamente custodes umbris inquietatos; in ea quoque sepultado pelas irmãs que retornaram do domo, in qua occubuerit, nullam noctem exílio. 3Antes de elas terem feito isso, sine aliquo terrore transactam, donec ipsa consta que os guardas dos jardins eram domus incendio consumpta sit. 4Perit una incomodados por assombraçõesCLXXIX; e et uxor Caesonia gladio a centurione na mesma casa em que ele havia falecido, confossa et filia parieti inlisa. não se passou uma noite sem que algo de terrível acontecesse, até que a própria casa foi consumida num incêndio. 4Pereceu ao mesmo tempo sua esposa, Cesônia, atravessada pela espada de um centurião e sua filha, esmagada por uma paredeCLXXX. CLXXIX Os costumes da Antiguidade em relação aos mortos ditavam que as almas dos mortos indevidamente sepultados estavam condenadas a vagar como fantasmas. CLXXX O assassinato da linhagem de Calígula possivelmente teria motivações políticas (muito embora o próprio relato de Suetônio apontasse para o fato de sua filha ter herdado seu caráter vicioso). 117 1 LX. Condicionem temporum illorum LX. 1Alguém poderia ter uma ideia da etiam per haec aestimare quiuis possit. condição daqueles tempos através disto: 2 Nam neque caede uulgata statim 2 pois nem quando a notícia do assassinato creditum est, fuitque suspicio ab ipso Gaio se espalhou acreditou-se que havia famam caedis simulatam et emissam, ut eo acontecido, e suspeitou-se que o próprio pacto hominum erga se mentes Calígula havia forjado e espalhado o deprehenderet; neque coniurati cuiquam boato, para com isso saber o que as imperium destinauerunt; et senatus in pessoas asserenda libertate adeo consensit, ut conjurados pensavam não deleCLXXXI. tinham Os designado consules primo non in curiam, quia Iulia ninguém para substituí-lo. E o senado uocabatur, sed in Capitolium conuocarent, estava tão decidido a reclamar a liberdade, quidam uero sententiae loco abolendam que fez a primeira convocação dos Caesarum memoriam ac diruenda templa cônsules não na Cúria, porque tinha o censuerint. 3 Obseruatum autem nome de Júlia, mas no Capitólio, e alguns notatumque est in primis Caesares omnes, propunham, como parecer, que se abolisse quibus Gai praenomen fuerit, ferro a memória dos Césares e se destruíssem os perisse, iam inde ab eo, qui Cinnanis seus templos. 3Também se observou e temporibus sit occisus. notou que todos os primeiros Césares cujo primeiro nome era Caio haviam morrido pela espada, desde aquele que tinha sido morto nos tempos de CinaCLXXXII. CLXXXI CLXXXII Cf. nota VII Caio Júlio César Estrabão, morto durante as guerras civis em 87 a.C. 118 5 Conclusão O trabalho apresentado foi uma proposta de tradução da biografia de Calígula, extraída do De Vita Caesarum, de Suetônio. Sua principal motivação foi a de empreender um trabalho de tradução e comentários, que juntos forneceriam ao leitor a capacidade de ler a vida de Calígula do ponto de vista aproximado de um leitor da época de Suetônio – conhecendo os detalhes que o autor havia deixado de lado por serem lugares-comuns em seu tempo, ou simplesmente porque já os havia mencionado em outras de suas biografias. No entanto, essa proposta acabou por se transformar em algo mais complexo. Ao finalizar a tradução, surgiu uma série de questionamentos que não poderiam ser ignorados e que exigiam uma pesquisa mais minuciosa a respeito de aspectos ligados ao contexto de produção da biografia de Suetônio, tanto do ponto de vista histórico como do ponto de vista literário, bem como do gênero biográfico como um todo. Devido a esses questionamentos, procurou-se investigar em primeiro lugar a maneira como o contexto histórico afetou a obra de Suetônio. Viu-se que isso se deu de duas maneiras: primeiramente, no nível da obra em si, as biografias oferecem um relato do período histórico vivido pelos biografados. Muito embora Suetônio não seja um historiógrafo, suas atitudes enquanto autor de biografias o colocam, ironicamente, mais próximo daquilo que se esperaria de um historiador moderno do que estariam autores como Tácito ou Tito Lívio. Diferentemente do que fazem os historiógrafos da Antiguidade, Suetônio procura reproduzir os fatos sem adorná-los, faz uso de documentação histórica relevante (como documentos escritos de próprio punho pelos imperadores que biografou), contesta os relatos de outros colegas eruditos, etc. Um bom exemplo disso, que se pode ver na biografia de Calígula, é como Suetônio chega à conclusão do local de nascimento do imperador (Cal VIII). Ele começa por reconhecer que existe um desacordo entre os autores sobre onde exatamente ele teria nascido: Cneu Lêntulo Getúlico diz que ele nasceu em Tibur, enquanto Plínio afirma que ele teria nascido em Tréveris. Estabelecidas as duas versões, ele entra em detalhes sobre a documentação apresentada por Plínio para sustentar seu argumento. Depois, uma terceira versão, do próprio Suetônio, é apresentada: os Atos oficiais diriam que ele nasceu em Âncio. A partir daí ele pesa as diferentes versões e aquilo que as sustenta, atestando que 119 Plínio já havia descartado a hipótese de Getúlico, considerando-a uma tentativa de bajular o imperador ao sugerir que ele havia nascido numa cidade consagrada a Hércules. Mas o argumento de Plínio também não se sustenta, já que a inscrição citada por ele não contém o nome de Calígula, e poderia se referir tanto a um menino quanto a uma menina. Finalmente, Suetônio defende sua própria posição, citando não só os documentos oficiais, mas também uma carta de Augusto que corrobora a hipótese do nascimento em Âncio. Além disso, outras passagens de caráter histórico relevante são perdidas pela falta de detalhamento típica de Suetônio. Por exemplo, embora a biografia de Calígula mencione o guarda pretoriano Sejano (20 a.C. – 31 d.C.) em mais de uma ocasião, não se fala da relevância que essa figura teve durante o governo de Tibério, enquanto o imperador se submeteu a uma espécie de exílio na ilha de Capri. Assim, para compreender melhor todas as referências trazidas pelo texto, é necessário entender o funcionamento do governo romano durante a época do Principado, sobretudo, mas não exclusivamente, o de Calígula. A segunda maneira pela qual o contexto histórico afeta a obra de Suetônio é aquela comum a todos os autores de qualquer período: todo texto é um produto de seu tempo. E o tempo em que Suetônio viveu e compôs o De Vita Caesarum afeta sensivelmente o resultado final do seu processo de composição. Assim, ao observar a relevância que o círculo literário de Plínio, o Jovem (o mesmo cujas observações sobre o nascimento de Calígula foram contestadas por Suetônio) teve para a vida pessoal do autor, somos levados a concluir que muito daquilo que se apresenta sobre os imperadores biografados deveria estar de acordo com as ideias gerais partilhadas por figuras como Plínio e Tácito a respeito do que faz um imperador ser um bom ou mau governante. Não admira, portanto, que a sua biografia de Calígula acabe fazendo parte do conjunto de textos que constituem uma tradição bastante hostil ao período de seu governo, postura motivada pelos constantes conflitos em que Calígula se envolveu com a própria aristocracia. Sendo Suetônio um cavaleiro, um seguidor de Plínio e um amigo de Tácito, seu ponto de vista é fortemente influenciado pela opinião da ordem senatorial. E é assim que relatos que antes poderiam ser vistos como provocações à aristocracia (como o favoritismo que Calígula demonstrava por seu cavalo, Incitato) são encarados ao pé da letra, e usados como base para a construção da ideia de que Calígula fora um homem louco. 120 Ainda pensando no contexto de produção da obra, viu-se a necessidade de entender melhor o contexto literário em que as biografias de Suetônio se inseriam. Sua produção literária é um dos grandes momentos da biografia na Antiguidade, e para melhor compreender as estruturas de suas biografias, é preciso colocá-las em contraste com outras obras. Foi observando o contraste entre as biografias de Suetônio e as obras historiográficas de Tácito que pudemos perceber a influência que esse autor teve sobre o resultado final do texto de Suetônio, posto que Suetônio procurou de diversas maneiras se distanciar daquilo que Tácito tinha a dizer sobre os mesmos assuntos. Assim, vimos que Suetônio procurou começar sua obra com a biografia de dois líderes que não foram abordados por Tácito: Júlio César e Augusto. Essa escolha já lhe garantia alguma originalidade em relação à Tácito. Mas, mesmo na biografia dos imperadores de que Tácito falou em suas obras, Suetônio se mostrou diferente. Seu estilo de escrita erudito e simples se distancia muito da prosa rebuscada de Tácito. A ênfase que Tácito deu aos assuntos típicos da historiografia clássica, como as grandes batalhas, foi evitada por Suetônio, que se limita apenas a utilizar as batalhas relevantes dos imperadores para traçar sua personalidade enquanto líderes militares e chegar a uma conclusão sobre seu caráter através de suas escolhas e seu comportamento no campo de batalha. Mas o distanciamento maior entre as duas obras se fez na escolha do gênero literário dos textos de Suetônio. Ele escreveu uitae, e não historia. O que levou nossa investigação a se questionar sobre a existência da biografia enquanto gênero literário. Investigação que demonstrou que os principais “teóricos da literatura” da Antiguidade, como Platão, Aristóteles, Horácio e Quintiliano não reconheciam a biografia como um gênero literário à parte. Mas a mesma investigação também concluiu que os textos desses teóricos raramente tratavam dos gêneros literários de maneira exaustiva: geralmente suas classificações tinham um caráter mais restritivo, e eram feitas ad hoc. Além disso, também concluiu que os textos biográficos da Antiguidade muitas vezes apresentavam reflexões que deixavam clara a intenção de escrever algo que não era história, mas sim biografia, e que, portanto, apesar de não haver textos teóricos da Antiguidade que corroborem esse posicionamento, a afirmação de que a biografia foi considerada um gênero literário pelos autores da época de Suetônio, incluindo o próprio, não é uma afirmação leviana. 121 Dessa forma, esperamos que o trabalho tenha conseguido, através das investigações teóricas, da tradução e dos comentários, apresentar satisfatoriamente o contexto histórico da época retratada por Suetônio na biografia de Calígula; o contexto histórico em que o próprio autor viveu e escreveu; o contexto literário em que a obra de Suetônio se situa, influenciada pelos autores de seu tempo; e a possibilidade de encarar os textos de caráter biográfico produzidos na Roma Antiga como pertencentes a um gênero literário próprio, separados daqueles textos que são agrupados sob a rubrica da historiografia. 122 6 Referências Bibliográficas ARISTÓTELES. 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