É possível uma explicação para o surgimento da

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É possível uma explicação para o surgimento da
É possível uma explicação para o surgimento da Shindo Renmei?
Iochihiko Kaneoya
A Shindo Renmei foi organização patriótica que surgiu no estado de São Paulo, na
década de 40 entre imigrantes japoneses, cujo objetivo era uni-los e cultuar o espírito
japonês. Acabou executando alguns e ferindo outros que não acreditavam na derrota
do Japão na Segunda Guerra mundial.
Antecedentes históricos no Japão
Isolado no extremo Oriente, o Japão demorou para ser visitado pelas potências
marítimas europeias. Foi só em 1542, pelos portugueses, que o Ocidente pôs seus pés
no Japão. Em 1549 a missão católica de Francisco Xavier, um dos fundadores da
Companhia de Jesus aporta em suas costas. A Companhia que tinha por missão o
ensino, a conversão e a caridade, logo converteu muitos à sua fé, inclusive alguns
daimyo (senhor feudal). Os portugueses aí encontraram um país feudal governado por
uma elite composta por guerreiros samurais. A figura lendária do guerreiro samurai
desde o regime xogunal (1192 a 1867) gozava de alto prestígio na sociedade. Sua
palavra era a lei, detinha o poder de vida e morte. Produto orgulhoso da lealdade,
sabedoria e coragem, sua conduta se cercava de esmero e cuidado, alimentado por
doutrina própria, posteriormente conhecida como Bushido – o caminho do guerreiro –
motivo de estudos à parte. Pedir ao samurai para assinar qualquer documento era
uma ofensa: bastava sua palavra. A palavra do guerreiro dada - “bushi no ichigon”- ,
era compromisso firmado, promessa feita, a verdade exteriorizada. Vive ainda no
japonês de hoje esse espírito que outrora habitava no samurai, afirma-o Inazo Nitobe,
ao escrever “Bushido – the soul of Japan”, cuja primeira edição é de 1900, editado no
Brasil como “Bushido – a alma do samurai”.
Historicamente o Japão sempre esteve atrasado em relação a outros países. Nação
ágrafa, a partir do século VI, importou da China a escrita, as artes, o sistema político;
da Coreia trouxe o budismo, a carpintaria, a metalurgia e mestres em vários ofícios,
inclusive professores de kanji. Estava também atrasado nas conquistas de terras
d’além-mar. No xogunato de Toyotomi Hideyoshi em 1596, o galeão espanhol San
Felipe naufragou na baía de Uraga, nas costas do Japão. Na conversa com náufragos,
foi mostrado no mapa ao kanpaku (regente geral – Toyotomi não tinha o título de
xogun), as terras ao redor do mundo conquistadas pela coroa espanhola. Passaram-se
quase dois séculos do pioneirismo das navegações expansionistas ibéricas, iniciadas
com a conquista de Ceuta pelos portugueses em 1415, e o Japão perdera a corrida
pelas possessões ultramarinas ao redor do mundo, conquistadas por Portugal, Espanha
e, mais tarde, também pela Inglaterra, França e Holanda. O kanpaku ficou sabendo
também o processo empregado para conquista: primeiro enviam-se missionários para
conversão, depois, quando necessário, o Exército para completar a dominação, que
não era apenas política: a colônia tornava-se rendosa tributária da corte, comprando
escravos, fornecendo e consumindo mercadorias – intermediadas por navegadores e
financistas, com altos lucros. Terras conquistadas, além de riquezas, conferiam ao país
conquistador prestígio de potência mundial. Este esclarecedor incidente somado a
injunções políticas do governo Toyotomi – alguns daimyos católicos se fortaleciam,
ameaçando a hegemonia do xogunato –, fez do catolicismo religião proibida, banidos
os missionários e mortos 26 cristãos em 1597, mais tarde canonizados como os
mártires de Nagasaki. Seguidamente os cristãos foram perseguidos e executados.
Entre 1614 e 1635, 280 mil cristãos morreram, crucificados ou sob outra tortura, ao se
recusar a negação da sua fé. Com receio de novamente ver seu povo entregue à fé
forasteira, o governo isolou o país, abrigando-o de influências externas, numa política
que ficou conhecida como “sakoku”. A partir de 1641 até 1866, fins do xogunato
Tokugawa, os japoneses foram proibidos de deixar o Japão. O isolamento incluía
também livros do Ocidente. O país viveu então uma espécie de censura ao exterior até
1720, quando o governo suspendeu a proibição à entrada de livros, com exceção dos
que continham doutrina cristã.
Foram-se os missionários, foi-se o cristianismo e ficou a lição para os japoneses: países
progridem com terras no exterior. Mas, governado pela dinastia Tokugawa (16031867), o Japão fez o contrário: com pouquíssimas exceções, fechou-se para o mundo
exterior durante 260 anos até ser obrigado a abrir seus portos ao comércio com os
norte-americanos pelo comodoro Matthew C. Perry em 1854, enviado do presidente
Millard Fillmore. Durante longo tempo a estabilidade política, econômica e social
proporcionada pela longeva administração Tokugawa fez revigorar e desenvolver a
cultura, o pensamento, as artes e a literatura, dando-lhes roupagens próprias. Na fase
final do xogunato,
os muitos erros da administração acabaram por gerar
descontentamentos sociais abalando a estabilidade política e fazendo suscitar
movimentos pela entrega do poder político ao imperador. No repentino choque com
os americanos – o que precipitou a Reforma Meiji – o Japão percebeu que perdera as
duas revoluções industriais e seus benefícios econômicos; perdera também o bonde
das reformas políticas trazidas pelos novos ventos do Iluminismo e da Revolução
Francesa. Mais uma vez, lá estava o atrasado Japão: agrário, feudal, pobre, sem ciência
ou tecnologia de valor econômico para o mercado do Ocidente, sem indústria, de
insignificante economia endógena, inexistente para o mundo desenvolvido, governado
por castas hereditárias absolutistas que o mundo desenvolvido já abolira havia quase
um século. Que choque para a nação! Mas a alta potência do golpe tirou-a do estado
letárgico em que se encontrava, e fê-la caminhar a passos céleres rumo à
modernização. Não sem algum descontentamento. As forças do xogunato enfrentaram
forças oposicionistas que desejavam mudanças com a restauração do poder de
governo ao imperador. A guerra, que acabou chamada de Boshin, durou de 1868-1869,
vencendo, ao final, as forças que desejavam a renovação, pondo fim à Era Edo após 2,5
séculos da dinastia Tokugawa e abrindo definitivamente o país à era da modernização.
Cunhou-se a expressão “bunmei kaika” (civilização e esclarecimento) – mote dos
novos tempos que passou a empolgar a nação que buscava agora, avidamente, os
conhecimentos do Ocidente.
Várias medidas foram tomadas pelo governo Meiji para modernizar o país, ao mesmo
tempo que militares e políticos de ideias expansionistas ganhavam poder. Convém
lembrar que o país era feudal e governado por samurais. Ao final da Guerra Boshin os
convidados a compor o futuro novo governo foram os daimyos dos feudos de Satsuma,
Choshu, Tosa e Hizen, que lutaram pró-futuro governo Meiji contra os Tokugawa. Com
o tempo, por influência do daimyo de Satsuma, Saigo Takamori, outros samurais dos
feudos vencidos também foram aproveitados no governo, podendo-se dizer que ali
estava para governar o Japão do início da modernização, um grupo de samurais, exdaimyos, na liderança, e muitos outros que se tornaram funcionários públicos, ao ser
extinta a classe dos samurais pela Reforma Meiji. À época havia 1,9 milhão de
samurais; muitos se tornaram professores, diplomatas, industriais, oficiais militares,
policiais, comerciantes, banqueiros, dado seu alto grau de educação. Compunham
também o primeiro governo Meiji, alguns civis com estudos no exterior.
Indubitavelmente era governo sob forte influência do caráter samuraico, isto é,
orgulhosa elite que perseguiria e executaria com vigor e tenacidade seus objetivos,
entre os quais, seu reconhecimento também como elite no cenário mundial.
Desde o século XV, havia no Japão movimento pela restauração da primitiva pureza
xintoísta, propondo-se expurgá-la das influências budistas. Estudiosos da mitologia
xintoísta afirmavam, baseados em escrituras, que o Japão era um país divino, de seres
superiores, cujo imperador descendia em linha direta e ininterrupta do primeiro
imperador, Jinmu - trineto da deusa Amaterasu - , e que por isso estava destinado a
espalhar seu domínio por todo o mundo. O Japão tinha portanto, um imperador divino,
descendente direto da deusa Amaterasu, divindade mais alta do xintoísmo. De um lado,
ocupava o poder no ocaso do xogunato, o líder secular de um governo enfraquecido e
conflagrado; de outro, como potencial liderança política, um sagrado imperador
revestido de divindade e digno de veneração. Líderes da oposição ao xogunato
Tokugawa perceberam o potencial aglutinador dessa crença junto às forças de
renovação, e passaram a promover sua revitalização como estratégia para insuflar
movimento pela devolução do poder ao imperador. Foi então incentivada sua
promoção - na imprensa, nas escolas, nas forças armadas - como estratégia para
legitimação do poder da Casa Imperial. De fato, em janeiro de 1868, após consolidada
a Era Meiji, o Departamento do Xintoísmo (Jingika, atual Jingikan) era o mais
importante, dentre os sete departamentos do novo governo. O Japão voltava a ser
administrado sob a política denominada “saisei itchi” – união da religião e do governo.
A desenvoltura das forças japonesas nas missões ultramarinas (China e Coréia no final
do século XVI – cujas tropas regressaram ao Japão pela morte do kanpaku em 1598), a
captura de Okinawa em 1609 e sua anexação em 1879), e os seguidos fracassos das
invasões dos temidos mongóis ao seu país, em 1274 e 1281 – em ambas varridas por
tufões, chamado pelos japoneses “o vento dos deuses – Kamikaze”- confirmavam
para a nação, o Japão como um país protegido por deuses. Três séculos depois, em
1894-95 em disputa por terras da Coreia, o Japão venceu a guerra com a China
incorporando Taiwan, a península de Liao Tung e as Ilhas Pescadores ao seu domínio.
Dez anos depois, também em disputa por terras, venceu a Rússia, ampliando ainda
mais seu território com a incorporação das Ilhas Sacalinas. Cinco anos depois, em 1910,
incorpora o território da Coreia; aproveita a Revolução Russa e ocupa a Sibéria em
1917; em 1919, como ganhos da Primeira Guerra, em que esteve ao lado dos Aliados,
ganhou Samoa, Togo, Palau, Nauru, as ilhas Marianas, Marshall, Carolinas e a antiga
base alemã de Kiao-Chao (depois obrigado a devolver); em 1931 toma a Manchúria e
ali institui o reino de Manchukuo nomeando seu imperador; em dezembro de 1941
bombardeia Pearl Harbor, causando as maiores baixas americanas durante o conflito e
forçando a maior potência ocidental a entrar na guerra; em 1942 ocupa a Malásia,
Filipinas, Cingapura, Hong-Kong, Birmânia, Indonésia e Tailândia, estendendo seu
domínio a todo sudeste asiático, perfazendo 7,4 milhões de km2 ocupados – quase 20
vezes seu território – fazendo jus à política iniciada na Era Meiji denominada “Fukoku
Kyohei” – país rico e Exército forte. Mas Exército forte consome recursos; estradas de
ferro, industrialização, modernização da economia, educação obrigatória, enfim,
reformas radicais como as implementadas, consomem muitos recursos. Esforço
colossal se notou na educação: a não ser uns poucos privilegiados, filhos da
aristocracia, do clero e de alguns comerciantes, as crianças não frequentavam a escola.
Tão logo assumiu o poder, o governo Meiji tornou a educação primária obrigatória, às
expensas do próprio aluno. Em 1873 já havia 27% de crianças alfabetizadas; em 1900
eram menos de 50% e em 1910 eram 98%. Embora o índice geral da população
alfabetizada fosse, nessa época de 85%, era ainda precária a alfabetização com o
domínio de apenas algumas centenas de kanjis, face aos milhares necessários para
uma boa educação, consequência da ainda baixa frequência de alunos no nível ginasial
– cerca de 30%. Nível não obrigatório, mas também pago pelo aluno, o que explica a
drástica redução de frequência nesse nível. Ao mesmo tempo em que se ensinava o
xintoísmo nas escolas, o governo incluiu entre os objetivos da educação, o culto da
disciplina, da obediência, da harmonia e da lealdade, o que formalizava na didática
escolar o tradicional, senão o único, modo de ser do japonês. A Universidade de
Tóquio, a primeira no país, foi inaugurada apenas em 1877. A modernização
caminhava a passos largos: o telégrafo foi inaugurado em 1869, a ferrovia em 1872, a
eletricidade estendida em 1887, o telefone em 1890. A escalada por conquistas talvez
tivesse tomado outro rumo não fosse a ascensão dos militares e militaristas ao poder –
gente que defendia a construção da “esfera de co-prosperidade no leste da Ásia” pela
ocupação de territórios. A expansão do Japão, segundo os militares, passava
necessariamente por essa estratégia para assegurar fornecimento de matérias primas,
mercado para seus produtos e domínio das rotas marítimas na Ásia para o Japão –
redenominado Império do Grande Japão (Dainippon Teikoku) no Período Meiji até
1947, incorporando ao nome, fidedignamente, sua política expansionista. O Japão,
cada vez mais necessitava de matéria prima e combustíveis para sustentar os
crescentes conglomerados industriais – as chamadas zaibatsu – como a Mitsui,
Mitsubishi, Sumitomo e Yasuda. É de se notar a denominação de partidos políticos e
associações civis, produtos da influência de pensadores como Sadao Araki, fundador
do Partido do Exército, que liderou o movimento nacionalista Showa; Associação de
Apoio ao Domínio Imperial -taisei yokusankai, cujo fundador, Fumimaro Konoe, foi
eleito Primeiro Ministro em 1940. Já no xogunato, a principal força de oposição se
chamava Ishin Shishi (Patriotas Nacionalistas). Outros fatores devem ser considerados
na escassez de recursos enfrentados pelo país nessa época. A repentina sensação de
liberdade pela extinção do feudalismo e a introdução das ciências do Ocidente, aí
incluída a médica, fez crescer a taxa de natalidade. Logo após a Reforma Meiji,
numerosa população advinda do êxodo rural – excedente da mecanização e da
reforma agrária do governo – agora sem emprego, sem renda e alguns endividados,
concentrava-se nas cidades somando-se aos milhares desempregados pela rápida
tecnificação da indústria. Formavam aglomerados humanos de insatisfeitos marcados
pela numerosa população, pobreza e falta de terras.
O Japão, única grande potência não-branca, era ainda visto com desconfiança pelas
potências do Ocidente. Desconfortável por ter sido alijado da proximidade dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha durante a Primeira Guerra, era seu desejo, conforme propôs
em Paris na Proposta de Igualdade Racial, na Conferência de Paz em 1919, ser
reconhecido como potência entre as brancas. A recusa fez o Japão concentrar-se em
ocupar os arredores, numa política externa nipocentrista e pan-asianista – o que
mostrava para o Ocidente sua superioridade como potência. A emigração assumiu
caráter de “expansionismo pacífico”, quer nas colônias de ocupação da Ásia oriental ou
nas colônias agrícolas como a das Américas, aí incluído o Brasil.
Muitos foram os emigrantes rumando para os vários territórios ocupados,
principalmente Manchúria, Coreia e Taiwan, retornando, porém, após 1945. Até este
ano, o Japão enviara ao Brasil 190 mil imigrantes e à Manchúria, 225 mil. Nos últimos
anos, a partir de 1939 o Japão vinha intensificando a emigração para territórios
ocupados da Coreia e Manchúria por ser mais barata do que para o Brasil.
Antecedentes históricos no Brasil
A princípio era indesejada a imigração japonesa para o Brasil. Manuel de Oliveira Lima,
encarregado de negócios da primeira missão diplomática ao Japão, consultado,
recomendou ao Ministério das Relações Exteriores a não importação desses imigrantes
alertando para o perigo de o brasileiro se misturar a essa “raça inferior”. Pouco antes,
o fracasso da imigração chinesa nos EUA contribuiu para a resistência na aceitação da
imigração japonesa para o Brasil. Nosso país preferia o europeu para “civilizar” e fazer
jus à política do “branqueamento” do brasileiro, idealizado por Francisco José de
Oliveira Viana e Nina Rodrigues. Os japoneses representavam o “perigo amarelo”, o
risco de se instalar no país “quistos amarelos”. Mas, na iminência de grandes prejuízos
na cafeicultura paulista pela escassez de mão de obra – não havia mais mão de obra
escrava –, abriram-se os portões para a imigração do japonês. Anos mais tarde,
começa a campanha pela nacionalização do imigrante, proibindo-se o ensino e o uso
do idioma de origem. O imigrante nipônico, que não desejava permanecer no Brasil,
procurou preparar seus filhos para o dia do retorno alfabetizando-os às escondidas.
Tornando-se inimigo o Japão, o estranhismo deu lugar à rejeição do imigrante, com
acalorados debates no Congresso, apoio da igreja católica e da opinião pública. As
ações repressivas da polícia e do governo, temendo o “perigo amarelo” isolou-os ainda
mais, reforçando no conceito popular a noção de raça estranha. Não havia nenhuma
entidade do governo para aproximar, assistir ou facilitar a integração do imigrante à
sociedade brasileira. Não havia intérpretes, as casas não tinham mobília e os gêneros
alimentícios não eram familiares à culinária japonesa. Muitos morreram
principalmente de doenças tropicais, enfermidades desconhecidas pelos japoneses;
alto era o índice de mortalidade infantil por males corriqueiros como disenteria e
desidratação, recorrentes em situações de precárias condições de higiene. Tantas
dificuldades iniciais fizeram anteriormente imigrantes europeus abandonarem a vida
no campo ou retornarem a seus países. A escassez de mão de obra se agravou ainda
mais face à proibição da emigração de italianos a partir de 1902, decretado pelo
congresso daquele país, face às más condições a que seus naturais estavam expostos
no Brasil – uma das razões por que tentava-se supri-la com japoneses. Assim como
ocorrera alguns anos antes, quando não se pensou na integração do ex-escravo à
sociedade e à economia brasileiras, também não houve para o imigrante, preocupação
com sua integração – apenas com a sua produção. Os japoneses sentiram necessidade
de se organizar em associações na tentativa de vencer o desconforto do isolamento e
manter os laços afetivos e culturais com o Japão, pátria à qual 90% dos imigrantes
pretendiam voltar. Fazia-se notar entre os objetivos, a união, o culto ao imperador e às
tradições da nação. Os termos união, progresso, patriotismo eram comuns na
denominação das associações. Havia também entidade assistencial fundada por
imigrantes japoneses católicos, com a aprovação da igreja, para assistência aos
imigrantes pobres. No Japão, a partir de 1927, foram organizadas cooperativas que
previamente vendiam aos emigrantes terras de futuras colônias no Brasil, que tinham
o objetivo de torná-los proprietários e livrá-los do trabalho vinculado a qualquer tipo
de dependência. Foi esta a origem das cidades paulistas de Bastos, Aliança, Tietê e Três
Barras em 1928. Era a inauguração de uma nova forma de trabalho no campo para o
imigrante japonês.
Como mencionado em artigo anterior, a gente japonesa era a mais diferente e a mais
recente das imigrações, por Oliveira Viana comparado a enxofre: “são insolúveis, não
se deixam assimilar”. Os imigrantes alemães também não se dispunham à mistura,
discriminando quem trabalhasse ao lado de negros e judeus. Sob a ideologia da
superioridade da raça ariana pregada pelo nazismo, não viam com bons olhos a
miscigenação brasileira. No Partido Nazista do Brasil, fundado por imigrantes alemães,
era proibido aos seus membros o casamento com brasileiras. Talvez pela
“inassimilaridade”, tanto quanto a japonesa, os imigrantes alemães que
representavam o “perigo alemão” foram também vítimas de agressivas campanhas de
nacionalização, entretanto, suavizadas aos imigrantes italianos como ocorreu na região
de Porto Alegre, Caxias do Sul e adjacências. Fato que mostra coerência ao passarmos
os olhos para o número de imigrantes das três etnias abordadas no presente artigo: de
1819 a 1947, entraram no Brasil, 253.846 alemães, 188.622 japoneses e 1.513.151
italianos. Mecanismo semelhante à Shindo Renmei no que tem de ligação afetuosa e
patriótica ao país de origem, o Partido Nazista do Brasil teve 2822 filiados estruturados
em 17 estados, pouco mais de um porcento numa população de 230 mil imigrantes
alemães na década de 30. Como se vê, comparativamente, bem pouco entusiasmo
despertou entre os imigrantes o nacionalismo alemão em terras brasileiras.
Conclusão
Com mais peças no tabuleiro, talvez possamos ir um pouco além do enfoque histórico
de fanatismo que a imprensa da época, o congresso e a sociedade brasileira deram ao
episódio, retratado pelo escritor Fernando Moraes em seu romance “Corações Sujos”.
Tão atroz realidade encontrada em terras brasileiras, muito distante da realidade
japonesa, ainda que pobre; distante ainda em pensamento, costumes, religião, hábitos
e caráter de seu país, tornou os imigrantes japoneses incapazes de assimilar os fatos,
fazendo-os, antes, se refugiar no conforto psicológico de um Japão ideal, no país para
o qual pretendiam retornar. Não sentem o Brasil como seu país, não se sentem sequer
acolhidos; pelo contrário, o abandono parece ter sido duplo: o governo japonês para
se modernizar e expandir, convidou-os à uma emigração de “sucesso garantido”,
pouco se importando com o “sucesso” e bem estar de seus cidadãos no Brasil, como
fizeram os italianos por exemplo. De garantido, as autoridades japonesas tinham
apenas a certeza da diminuição da pressão social no Japão. Da boca dos imigrantes
mais velhos, o que se ouve é que eles foram abandonados, pior, ludibriados. Saíram do
Japão sem qualquer orientação, sem conhecer nada do país de destino, sua
alimentação, usos e costumes. Os candidatos à emigração se mostravam
entusiasmados pela terra onde “se colhia dinheiro nas árvores” – boato que corria à
boca pequena. Mesmo depois de emigrados – mágoa que ainda permanece entre eles
– o governo japonês, se teve ciência, foi omisso com relação a pestes, doenças, e as
duras condições de vida que enfrentavam seus cidadãos. Estes, sentindo-se aqui mais
discriminados e mais hostilizados que outros imigrantes, além de todo sofrimento por
que passavam, sentiam-se humilhados por serem submetidos a policiais e capatazes
semi-alfabetizados, ameaçadores, rudes e armados (estranho e assustador para o
imigrante japonês, acostumado a relações mais amistosas com a polícia de seu país –
que trabalha desarmada ainda hoje). Os imigrantes lamentavam: imin wa kimin da (os
imigrantes são gente esquecida), relata o imigrante Tomoo Handa ao descrever a vida
dos imigrantes japoneses em terras brasileiras em “O imigrante japonês”. Embora
ressentidos, era ao país que sempre lhes deu orgulho pelo passado e o conforto do lar
pátrio, a que voltariam seu afeto e sua identificação cultural. Nascida a princípio para
unir os japoneses, com o tempo, a Shindo Renmei passou a sustentar confortável
ilusão, proporcionar aos seus seguidores o conforto do país idealizado, o solo materno
onde tinham suas raízes fincadas, protegidos da dura realidade exterior que aqui
viviam. A ilusão os fazia ter raízes de que se orgulhavam, ter ancestralidade,
identificação pela cultura, ser alguém, o que não acontecia neste país. O
distanciamento foi mútuo: o grosso da sociedade brasileira, se antes ignorava por não
compreender, passou a hostilizá-los como gente do país inimigo que representava
efetiva ameaça. De fato, era o único imigrante não branco, não cristão, de costumes e
culinária muito diferentes, cuja pátria aumentava cada vez mais seu território,
ignorando mesmo manifestações contrárias de outros países. Os japoneses, já isolados
pela irreconciliabilidade das
diferenças, antípodas, no isolamento também
discriminavam os brasileiros chamando-os gaijin (estrangeiros) ou pejorativamente
ketô (literalmente “forasteiro peludo”). Também não viam com bons olhos quem se
casava com os nativos daqui. A despeito de tantas diferenças, felizmente houve
exceções de fraternais aproximações a que muitos imigrantes são gratos: pela ajuda e
principalmente pelo calor da amizade recebida. E não são poucos os brasileiros que a
despeito das hostilidades, se interessaram pelas artes, pelos esportes e pela cultura
japonesa, resultando em simbiótica convivência com rica troca cultural.
O fenômeno Shindo Renmei foi “...mecanismo de negação da realidade na tentativa de
preservar a estrutura psíquica de seus membros”, conclui Marcela Jussara Miwa em
sua dissertação de mestrado da Unicamp “Narciso no império dos crisântemos:
interpretando o movimento Shindo Renmei”.
Os derrotistas eram geralmente mais integrados e por isso mais bem informados; eram
os de melhor situação financeira e profissional, tinham mais relações com brasileiros
de bom nível social e intelectual. Os “vitoristas” eram os mais numerosos e quase
unanimemente, gente das camadas menos favorecidas, as mais isoladas, as mais
sofridas e menos integradas: os que mais precisavam acreditar numa salvação, os
portadores do grito silencioso da dor, da humilhação, da angústia, da insegurança, os
que mais precisavam se auto-afirmar e se destacar no meio daquela sociedade que
lhes parecia hostil e indiferente ao seu passado glorioso. E a vitória do Japão com o
consequente repatriamento era a promessa de um mundo melhor, e se tornavam
automaticamente seus inimigos os que tentavam destruir essa preciosa esperança ou
conspurcar sua nação e seu imperador. Diante de realidade cruel, aceitável se torna
admitir mecanismo de defesa psicológico em que o homem idealiza seu grande pai que
o protege e o conforta. A terra natal e o imperador assumem o lugar do poderoso pai
protetor e acolhedor que haverá de lhe dar guarida e lhe proporcionar uma vida
melhor.
Extinta a Shindo Renmei por intervenção policial, restou o doloroso regresso à
realidade, tempo de cuidar dos ferimentos e deixar ainda muitos outros expostos –
estelionatários impunes, oportunistas ladrões do suor e da ingenuidade de
conterrâneos –, e repensar o distanciamento aberto com as diferenças ideológicas que
o movimento provocou entre a comunidade, outrora unida e coesa.
E uma vez mais, experienciar um novo começo ou o que quer que seja, em profundo e
agora, talvez ainda mais doloroso silêncio.
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