Página 6

Transcrição

Página 6
A RAZÃO
PÁGINA 6
MAIO / 2012
Obituário
Simplicidade na vida e na morte
C
entenas de amigos
estiveram na CasaChefe, a maioria racionalista cristã, para le var seu adeus a Hum berto Machado Rodrigues e
palavras de conforto à viúva,
d. Marluce, e demais pa rentes. O corpo foi velado
no saguão e de lá levado
para o cemitério de São João
Batista, onde repousa na carneira nº 3762.
Tanto o velório quanto o
sepultamento foram de muita simplicidade, como foi Dr.
Humberto durante toda sua
vida física.
Pouco antes da saída dos
restos mortais para o cemitério, em nome dos parentes,
racionalistas cristãos e admiradores do Dr. Humberto,
seu sucessor à frente da
Doutrina, Gilberto Silva, assim se despediu do amigo,
que muito admirava:
“Vamos tentar dizer algumas palavras em home-
nagem ao Dr. Humberto,
neste momento em que seu
corpo deixa pela última vez
a Casa-Chefe, porque o seu
espírito, desde ontem, logo
após a sua desencarnação, já
está em seu mundo de luz,
temos certeza disso.
Falar do legado de Humberto Machado Rodrigues,
dos seus feitos, da sua obra
magnífica em prol do Racionalismo Cristão, é tarefa
para seus biógrafos, especialistas em retratar a vida e
obra das grandes figuras da
humanidade.
Então, queremos falar
nesse instante do esposo
amantíssimo, do pai, sogro e
avô exemplar e do amigo incondicional de todos nós.
Dr. Humberto nutria pela Marluce, e ela por ele, um
amor que não há palavras
para descrevê-lo. Viveram
um para o outro, em dedicação total.
Como pai, sempre deu
exemplos dignificantes. Como amigo, foi incondicional
e soube compreender a todos, sempre com tolerância.
Humberto, queremos dizer-lhe apenas duas palavras:
Muito obrigado!"
Logo na reunião de
doutrinação que se seguiu ao
falecimento, o espírito de
Humberto Machado Rodri gues manifestou-se e fez um
comunicado, destacando estar bem em seu novo mundo.
Disse ele, através do
médium, iniciando seu comunicado: “Amigos racionalistas cristãos, nada de tristezas, pois o momento é de
felicidade. Estou muito bem
e feliz, pois cumpri as etapas evolutivas inerentes ao
plano de matéria densa. E
continuarei minha trajetória
evolutiva trabalhando astralmente em corpo fluídico em prol da evolução espiritual dos meus irmãos
em essência.”
Parentes e amigos, consternados, acompanham o corpo do Dr. Humberto no cemitério
Algo mais
sobre Humberto
Em resumo, ele era um
carioca autêntico e uma figura
típica da nossa cidade.
Humberto Cottas Rodrigues
Durante os comoventes
momentos que vivemos no último 19 de abril na CasaChefe do Racionalismo Cristão, nos instantes que precediam o término da última despedida a Humberto Machado
Rodrigues, o atual presidente
da instituição, Gilberto Silva,
perguntou-me se gostaria de
falar algo às pessoas. Independente de minha pouca capacidade em oratória, não
haveria condição para tal ato,
em razão da impossibilidade
de falar sobre o assunto sem
que caísse em prantos naquele
momento de pesar. Agradeci o
gesto do Gilberto e disse que
realmente não poderia discursar, porém poderia tentar escrever alguma coisa para A
Razão. A proposta foi imediatamente aceita e, passado
aquele dia, comecei a tentar
concatenar em minha mente
algum texto sobre quem foi o
homenageado em questão.
“COMPANHEIROS E
AMIGOS”, ERA ASSIM
QUE ELE SEMPRE
COMEÇAVA UM DISCURSO, LEMBRAM-SE?
Embora haja muito o que
dizer, não é nada fácil falar sobre essa figura, ainda mais
levando-se em conta a minha
posição de filho único, criado e
educado por ele com toda a
dedicação, carinho e amor que
uma pessoa poderia receber. É
lógico que seria extremamente
parcial e suspeito para avaliações; logo, prefiro deixar para
outros falarem sobre suas inúmeras e inquestionáveis qualidades, tais como o fato de ter
sido um brilhante orador de improviso, seu dom inato em escrever textos maravilhosos e a
capacidade de liderança carismática para o bem. Fora
vários outros predicados que
outros companheiros e amigos
comentarão de forma bem mais
isenta e imparcial (aliás, “Companheiros e amigos...”, era assim que ele começava sempre
um discurso, lembram-se?).
PARA NÃO FICAR
SOMENTE NO ERUDITO,
GOSTAVA MUITO DE
COMPOSITORES E
CANTORES NAC IONAIS.
Assim sendo, diante desta
condição de filho, achei que seria muito mais interessante
falar de outras questões da vida pessoal de uma pessoa que
marcou muito a todos nós. E
para isso preferi escolher aspectos que poucos conheceram,
que se constituem basicamente
nas ações, hobbies e hábitos de
meu pai como um homem comum em seu dia-a-dia, fora
dos protocolos e convenções
que seu cargo na Doutrina
racionalista cristã exigia. E sem
que ele soubesse, foi justamente através dessas características pessoais que ele me
passou o seu verdadeiro legado como pai.
Para começar, Humberto
Machado Rodrigues era um
homem de cultura vastíssima,
adquirida por toda a vida, desde a infância, quando estudou
no Colégio Lafayette, passando
pela formação na Faculdade
Nacional de Direito. Quando
completou o científico (atual
ensino médio), foi aprovado e
ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, curso que
abandonou após um ano, por
falta de vocação e horror à necessidade inicial de dissecar
cadáveres. Logo em seguida, fez
novo concurso e passou para o
curso de Direito, atividade na
qual teve sua verdadeira vocação profissional e desempenhou-a brilhantemente por
anos a fio, como advogado na
área cível. Sempre desejou
aprender, lendo e mergulhando
em bibliotecas pela cidade. Em
suas horas de folga, seu lazer
predileto era passar os dias na
Biblioteca Nacional ou no Real
Gabinete Português de Leitura,
do qual sempre foi associado e
contribuinte. Por conta disso,
aqui vai meu obrigado por ter
me apresentado a Machado de
Assis, Camões, Eça de Queiroz,
Guerra Junqueiro, Tolstoi, Victor Hugo e Alexandre Dumas,
entre vários outros.
Humberto Machado Rodrigues era intimamente ligado
à música erudita. Foi aluno da
escola de canto do professor
Giovanni Rocha e concluiu todo o curso, adquirindo registro
na Ordem dos Músicos do
Brasil. Foi um potente tenor e
seu mestre italiano havia indicado a sua ida para seguir carreira no Scala de Milão, o que
não chegou a ocorrer em razão
de seu início de namoro com
Marluce, minha mãe, que descrevia sua ida aos encontros
sempre com partituras debaixo
do braço. Era apaixonado por
óperas e assim passei minha
infância ouvindo seus LPs com
grandes óperas nas vozes de
Beniamino Gigli, Caruso, Mario del Monaco... Isso sem falar
na sua própria condição de intérprete, pois tinha mania de
recitar árias.
SEU LAZER PREDILETO
ERA A BIBLIOTECA
NACIONAL OU O REAL
GABINETE PORTUGUÊS
DE LEITURA.,
Por falar nisso, aqui vai
uma revelação de seu segredo
para discursar sem microfone
para grandes públicos, às vezes
por horas e sem sinais de fadiga. Dizia que isso era possível
porque usava a técnica adquirida nas aulas de canto, utilizando o diafragma e sem desgastar as cordas vocais. Para ele,
Gigli e Caruso eram os maiores. Chegou a conhecer seu
Pai e filho se amavam, que o diga o bilhete do pequeno Humberto, revelando a confiança no homem a quem admirava, mantido na mesa de trabalho do “velho” Humberto
ídolo Gigli pessoalmente, apresentado por Giovanni Rocha
em sua escola, e para o famoso
tenor chegou a enviar cartas
que foram gentilmente respondidas. Para provocá-lo, eu e
meu amigo Marcus Vinicius
costumávamos dizer que Carreras e Pavarotti eram melhores que o Gigli, o que o levava a responder enfaticamente
que não, ou então, dependendo do humor, a apenas rir e
balançar a cabeça negativamente. Essa brincadeira era
sempre feita por nós e sempre
tinha o mesmo efeito, até
muito recentemente.
APESAR DE
BOTAFOGUENSE
IA A JOGOS DE RIVAIS
PARA VER GRANDES
CRAQUES.
Assim, daqui mando-lhe
mais um muito obrigado por
ter me apresentado os cantores
acima, além de gênios como
Verdi, Puccini, Giordano, Mascagni, Donizetti, Wagner e
Tchaicovsky, alguns de seus
compositores prediletos.
Para não ficar somente no
erudito, apreciava também e
gostava muito de cantores e
compositores da nossa música
popular, aí incluindo Noel
Rosa, Francisco Alves, Martinho da Vila, Beth Carvalho,
Adoniran, Nelson Gonçalves e
mais alguns.
Por falar em gostos populares, nosso homenageado tinha queda também por futebol.
Era torcedor do Botafogo,
muito embora nunca tão
fanático como me tornei,
porém assim fiquei provavelmente por culpa dele. Seu pai
e meu avô, Manoel Machado,
era flamenguista doente, no entanto isso não foi capaz de impedir que se encantasse pelo
Botafogo de sua infância nos
anos 30, que tinha nomes como Carvalho Leite, Nilo Mur-
tinho Braga, Martin Silveira,
Canalli, Nariz, Tim, Patesko. E
depois, já adolescente e adulto, era fã confesso de Heleno
de Freitas e Nilton Santos.
Frequentou, ora com seu pai
ora com seus colegas do Lafayette, os estádios que abrigavam grandes jogos da época
pré-Maracanã, que incluíam os
de General Severiano, da Rua
Álvaro Chaves (nas Laranjeiras), São Januário e Andaraí
(antigo campo do America).
Apesar de botafoguense declarado, como era de se esperar
em razão de sua índole, admirava enormemente e até ia a
jogos de rivais para ver grandes
craques de outros times, como
Domingos da Guia, Leônidas
da Silva e Zizinho (estes do
Flamengo), Ademir Menezes,
Jair Rosa Pinto e Danilo Alvim
(do famoso “Expresso da
Vitória” do Vasco da Gama).
Falava-me que Domingos, Zizinho e Nilton Santos foram os
maiores craques que viu jogar.
Por incrível que pareça, não
citava muito Pelé e Garrincha
em suas apreciações, mas isso
explica-se por alguns motivos.
Primeiro, porque foi à final de
1950 no Maracanã e saiu passando muito mal do estádio
após a fatídica derrota frente
ao Uruguai.
SEMPRE AUTODIDATA,
NÃO FEZ QUALQUER
CURSO DE EQUITAÇÃO
E APRENDEU A
CAVALGAR SOZINHO.
Ficou traumatizado demais
e perdeu grande parte de seu
interesse em acompanhar futebol a partir daí, dizendo que
era um esporte sem lógica e injusto (eu já acho que aí está a
maior graça do velho esporte
bretão, a sua imprevisibilidade).
E segundo porque aos poucos
o seu interesse maior pelas
questões ligadas à doutrina espiritualista foram ganhando
mais espaço e ocupando praticamente toda sua atenção,
levando à perda progressiva de
interesse pelas coisas mais
mundanas. Mas, de qualquer
forma, sempre me contou
histórias gloriosas de futebol e
do Botafogo, o que me levou à
condição de torcedor fervoroso
pelo time da Estrela Solitária.
Embora nunca desse o braço a
torcer, em razão de minha
paixão pelo Botafogo, inúmeras
vezes passei a vê-lo interessado e torcendo novamente,
chegando a me acompanhar no
Maracanã em alguns jogos.
PASMEM! APRENDEU A
DIRIGIR CARRO SEM
QUALQUER AUXÍLIO.
ISSO SE DEU EM
MEADOS DOS ANOS 70.
Um dos seus hobbies favoritos era montar cavalos.
Como foi um autodidata em
quase tudo o que fazia, não fez
qualquer curso de equitação e
aprendeu a cavalgar sozinho.
Seja em Caxambu ou em
Valença, para onde íamos muito
em minha infância nos anos 70,
a primeira coisa que fazia era
procurar, através de contatos,
quem tinha os melhores cavalos
para montar. E através de seu
papo fácil e cativante, conhecia
pessoas que lhe ofereciam logo
os melhores “puro-sangues” da
região. Não gostava de pangarés, pois queria mesmo era
cavalgar forte o dia inteiro. E
muitas vezes levava-me junto,
o que me fez aprender a montar cavalos imensos aos dez
anos de idade, para desespero
de minha mãe. Assim como
aprendeu a montar cavalos sozinho, acreditem (e pasmem!)
que aprendeu também a dirigir carro sem qualquer auxílio.
Isso se deu por volta de meados dos anos 70.
Continua na página 7

Documentos relacionados