1 O TRABALHO ALÉM DAS FRONTEIRAS Selma Venco1

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1 O TRABALHO ALÉM DAS FRONTEIRAS Selma Venco1
O TRABALHO ALÉM DAS FRONTEIRAS
Selma Venco1
Introdução
O presente artigo visa debater a divisão internacional do trabalho apoiada nas
tecnologias de informação, a qual possibilita a prestação de serviços aos países
centrais com atividades produtivas realizadas nos periféricos ou semi-periféricos. Tal
processo pode ser compreendido como uma nova face da terceirização, esta agora de
caráter internacional, posto que o trabalho ocorre “além das fronteiras”, sem, contudo,
carecer do deslocamento das empresas dos países-sede.
A compreensão deste fenômeno exige uma imersão nos conceitos elaborados
acerca da mundialização. Consoante Ianni (1995) e Chesnais (1996) compreendê-lo é
ir além da constatação de um processo de internacionalização, sendo necessário
interrogá-lo a partir da contemplação dos mecanismos de regulação por ela regidos.
As adaptações imperativas para o desenvolvimento de novas etapas do capitalismo
apóiam-se em novas tecnologias, na criação de organismos internacionais que
controlem o sistema financeiro em escala mundial, na divisão internacional do
trabalho, no estabelecimento de um idioma “oficial” mundial e, especialmente, na
configuração de um ideário neoliberal que determina comportamentos e atitudes que,
complementamos: promove a concorrência empresarial refletida nas relações sociais
em todo o mundo, estabelecendo uma nova noção de geografia: uma geografia
flexível, capaz de atender às novas demandas de deslocamento de transações e de
trabalho, com vistas ao aumento da acumulação do capital.
Contudo, é importante destacar que tal fenômeno apresenta características
históricas que se constituem em verdadeiras permanências da lógica da exploração
entre as nações.
1
Pós-doutoranda, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Departamento de Sociologia,
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP e no Laboratoire Genre, Travail et Mobilités – Universités
Paris X e VIII.. Endereço eletrônico: [email protected]
1
Tomando como base a Carta de Pero Vaz de Caminha2 apreendem-se formas
de dominação que podem, em certa medida, serem transpostas à realidade da atual
divisão internacional do trabalho. A análise de tal documento indica a presença da
ação disciplinadora dos portugueses sobre os nativos, da apropriação da terra e de
suas riquezas, bem como do ser humano:
E entre muitas falas que sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a
maior parte, que seria muito bem. E nisto concordaram. E logo que a
resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força
um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em
lugar deles outros dois destes degredados (Caminha, 1500, s/p).
O “homem cordial” tal como retratado por Buarque de Holanda (1979),
destaca a polidez, a afetividade como uma forma de resistência frente à sociedade.
Aos olhos portugueses, os índios também lhes pareciam homens cordiais: “Contudo,
o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente”
(Caminha, 1550, s/p). A Carta faz longas descrições dos índios, apresentando-os
como afáveis, interessados nos objetos que portavam aos portugueses e oferecendo
ouro aos recém-chegados.
Tais considerações históricas articulam-se ao pensamento de Ianni (1992,
1995, 1996), que destacou em suas obras destinadas ao debate sobre o tema: o
capitalismo porta em si um processo civilizatório. Das navegações à atualidade são
observadas alterações sociais, econômicas, políticas e culturais, cuja expansão ocorre
de forma internacional e, mais precisamente, de forma global, cuja ampliação vai
gradativamente apresentando o desenvolvimento do capitalismo e sua capacidade de
concentração em escala mundial.
A constatação de Ianni (1995, p.55) vem ao encontro de tal perspectiva à
medida que afirma: “a história do capitalismo pode ser vista como a história da
mundialização”.
2
Disponível em< http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/carta.html>. Acesso em 10.jul.2007.
2
Se, por um lado, observam-se permanências nesse processo histórico, há, por
outro, importantes rupturas a ele imbricadas que passamos a tecer.
O espaço e o tempo
As configurações na nova divisão internacional do trabalho incidem na
compreensão acerca da vivência do tempo e do espaço. Sociologicamente, o tempo é
uma construção social edificada sobre normas concebidas e instituídas na vida
cotidiana das comunidades. No decorrer da história do capitalismo, essa construção
vai, paulatinamente, se afastando das normas regidas fundamentalmente pelo tempo
da natureza (Venco, 2006).
O espaço é comumente tratado como “um fato da natureza” (Harvey, 1989, p.
188), encerrando aspectos relacionados à sua abrangência e dimensão, e tido como
algo “objetivo, que pode ser medido e, portanto, apreendido” (idem). Contudo, apesar
da objetividade que lhe é intrínseca, sofre mutações no interior das diversas culturas,
fato que gerou, ao longo da história, uma série de conflitos pautados nas diferentes
compreensões de suas características.
Atribuir sentido social ao espaço e ao tempo é reconhecer que ambos fazem
parte de uma representação simbólica e expressam normas de convivência e de
trabalho. Assim, as concepções relativas a tais categorias analíticas são permeadas de
um sentido ideológico que vai alterando a conformação da vida social.
Para Harvey, a dominação do espaço relaciona-se com a amplitude do poder
implícito numa ação dessa natureza e a associação das categorias dinheiro, espaço e
tempo “forma um nexo substancial de poder social que não podemos nos dar ao luxo
de ignorar” (Harvey, 1989, p. 207).
A partir de tais análises apreende-se a atualidade do pensamento de Marx e
Engels que apontava o impulso do capitalismo para conquistar mercados mais
amplos:“(...) a necessidade de mercados cada vez mais extensos (...) impele a
burguesia para todo o globo terrestre” (Marx e Engels, 1979, p.11) alertavam, à
época, para o risco da perda da cultura e da tradição. Atualmente, observam-se os
3
trabalhadores indianos contratados por empresas norte-americanas que passam por
um processo de “americanização”, mesmo que a presença dos Estados Unidos incida
e ocorra virtualmente na Índia, via o trabalho que realizam.3
Harvey (2001) analisando a teoria da localização em Marx reafirma que o
processo de crescimento econômico vincula-se estreitamente às relações espaciais,
posto que as trocas dependem da superação das barreiras espaciais. A questão central
para esse autor reside na compreensão das formas de articulação da acumulação à
estrutura espacial. A análise de Marx indica que a divisão internacional do trabalho é
um tipo de adaptação às exigências do capital. Se, à época, referia-se aos setores
agrários e industriais hoje é possível afirmar que alguns centros mundiais
desenvolvem tecnologias, enquanto os periféricos permanecem realizando trabalhos
repetitivos próximos aos praticados no início da industrialização:
Se o capital é enviado para o exterior, isso não se faz pelo fato de que esse
capital não possa ser aplicado no país de origem, mas porque esse capital
pode ser aplicado com maior margem de lucro em um país estrangeiro
(Marx apud Harvey, 2001, p. 61)4.
O autor pautando-se mais uma vez em Marx pondera que o capitalismo busca
sua expansão orientado pela expansão geográfica. Este fenômeno tal como colocado é
constatado, por um lado, nas grandes navegações, e, por outro, na atual flexibilidade
de barreiras geográficas possibilitadas pelo avanço da telemática.
Metodologia
A pesquisa desenvolvida foi de caráter qualitativo, realizando, nesta etapa do
estudo, entrevistas em profundidade a partir de roteiros semi-estruturados com
executivos, diretores responsáveis pelas operações internacionais, dirigentes sindicais
e representantes do patronato do setor de serviços passíveis de serem realizados a
distância e apoiados em novas tecnologias. Foram assim selecionadas algumas áreas
3
O livro, de caráter jornalístico, “O mundo é plano”, de Thomas Friedman, bem como o filme por ele
produzido “Globalization” são ilustrativos – e, ressaltamos, não analíticos - de tal situação.
4
Parte das referências bibliográficas está, neste texto, citada por outros autores que não os próprios, tendo em
vista que, no momento, não temos acesso às obras originalmente consultados.
4
de atuação: BPO (Business Process outsourcing), centrais de atendimento, fábricas de
softwares e laboratórios médicos, todas prestando serviços a outros países . Além das
entrevistas realizadas no Brasil, outras foram feitas no Marrocos, Portugal e França, a
fim de obter, também a visão dos contratantes de serviços. Uma segunda fase da
pesquisa consiste em coletar a compreensão dos trabalhadores sobre tal fenômeno.
Foram entrevistados nove diretores no Brasil, dois no exterior. Além destes,
foram ouvidos os representantes sindicais no campo das telecomunicações e
teleatendimento e o representante patronal do setor de serviços, totalizando 17
entrevistas.
Objetivos
O objetivo central deste estudo concentra-se na análise da divisão
internacional do trabalho possibilitado pelas novas tecnologias, indagando quais são
as estratégias empresariais concernentes ao deslocamento de postos de trabalho
originados nos países centrais, que vão, gradativamente, sendo transferidos aos
periféricos e semi-periféricos. A hipótese norteadora da pesquisa é que estes são
marcados por forte prescrição, controle e repetitividade, permanecendo nos países
centrais as atividades de maior valor agregado. Objetiva-se, desta forma, investigar a
natureza e as especificidades deste trabalho e, futuramente, quais são as
características dos trabalhadores que exercem tais atividades.
Resultados
Desde o início da era neoliberal no Brasil há uma continuidade nas políticas,
cujo sentido foi o de reduzir a intervenção do Estado na economia, promover a livre
concorrência e assegurar marcos regulatórios e jurídicos mais favoráveis às operações
das forças do mercado.
5
Segundo Alves (2002) o Brasil vivencia a década neoliberal a partir de 1990, a
partir da política econômica implantada pelo então Presidente da República Fernando
Collor. Nesta etapa predominou a abertura comercial e financeira; o rompimento das
barreiras não-tarifárias, e, ainda, a ocorrência de alterações tarifárias, no caso do
Brasil as barreiras tarifárias eram maiores que as não-tarifárias. O início do processo
de privatização inaugura a concretização de um modelo neoliberal que seria
implementado a partir do seu impeachment em 1992, que cedeu lugar a um grupo de
orientação liberal conservadora, elegendo, em seguida, Fernando Henrique Cardoso.
A onda neoliberal trouxe consigo a onda terceirizatória, que a crise econômica
veio a reforçar enormemente como forma de evitar o que se chama “custo-Brasil” –
uma das questões mais candentes para o empresariado aqui estabelecido, nacional ou
não. Segundo Otaviano Canuto, o termo “custo-Brasil” tem sido empregado
unanimemente para designar fatores nefastos à competitividade entre setores e
empresas no bojo da economia brasileira. O termo refere-se, ainda, segundo o
economista, à carga tributária presente nas exportações, à deterioração dos meios de
transportes em função do baixo investimento público ao longo da história recente do
país. O setor empresarial demanda uma redução tributária e privatização de
determinados segmentos estatais para reduzir o “custo- Brasil”5. O termo porta, ainda
um sentido significativo no meio empresarial para designar os custos do trabalho, ou
seja, os encargos trabalhistas.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e
BRASSCOM (Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para
Exportação)
6
apontam que o Brasil já porta o status na América Latina de país
concentrador para oferta de serviços de TI. Justificam tal afirmação a partir da
5
Otaviano Canuto é professor livre-docente da Universidade de São Paulo, ex- secretário de Assuntos
Internacionais no Ministério da Fazenda e atualmente é vice-presidente de Países do Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Definição disponível em:
< http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/comext/custobr/apresent.htm> Acesso em
15. mar.2008
6
Documento
disponível
em:
<http://ce.mdic.gov.br/SOFTWARE/BRASSCOM%20-%20Sumariotexto%20ATK%20v%5B1%5D.final.doc>. Acesso em 15.mar.2008.
6
constatação que as três maiores empresas fornecedoras de serviços de TI, escolheram
o Brasil como plataforma para operações de offshore outsourcing, ou seja,
terceirização além das fronteiras.
Há ações concretas que auxiliam na consolidação de ações deste tipo de
terceirização, tais como: o apoio do governo federal, por meio da Política Industrial,
Tecnológica e de Comércio Exterior e a criação de leis de incentivos como a Lei de
Informática (Lei n° 10.176, de 11 de janeiro de 2.001), a Lei de Inovação (Lei n°
10.973, de 02 de dezembro de 2.004) e a Medida Provisória 252, de 15 de junho de
2.005, as quais visavam o aumento da eficiência produtiva, a redução da
vulnerabilidade externa, o estímulo ao investimento e à produtividade e ao
desenvolvimento da base produtiva. A Medida Provisória 252, especialmente,
determina uma tributação especial, favorecendo as empresas exportadoras de serviços
de TI.
BRIC ou RIC?
Artigo recentemente publicado em jornais de projeção nacional7 aponta a
rápida e forte evolução do Brasil no cenário internacional da exportação de serviços
de tecnologia da informação: no curto período de 2 anos, entre 2.005 e 2.007, o país
passou da 10ª para a 5ª posição no ranking dos melhores países em atratividade,
conforme dados do relatório da consultoria AT Kearney. No mesmo ano de 2.004 o
Brasil aparecia como o 4º principal destino de terceirização entre as organizações
industriais consultadas pela mesma consultoria (2005, p.9)8, com 20% de citações
bem próximo ao México que contava, à época, com 23%, mas abaixo da China (35%)
e, sobretudo, da Índia, 67%. Em pesquisa de intenção acerca da transferência de
serviços para outros países nos próximos 3 anos, o Brasil era apontado em 3º lugar
entre os mais considerados9.
7
Brasil começa a ganhar espaço na exportação de serviços de TI. São Paulo: O Estado de São Paulo,
Caderno de Economia, B21. 10.11.2007.
8
AT Kearney, Six-industry. Survey, 2004. In: Fórum de Informação, 2007.
9
McKinsey, 2005. In: Fórum de Informação, 2007
7
Dados de 1.995 e de 2.004 apontavam que a participação no mercado havia
dobrado, de cerca de 0,5% para 1,0% das exportações mundiais de serviços de
negócios e de computação e informação10, o que o colocava na 26ª posição mundial.
O estudo da referida consultoria (2004) indica, ainda, que a América Latina
tem se mostrado atraente para as operações de terceirização além das fronteiras, assim
como para o denominado nearshoring - que designa a terceirização entre países que
apresentam maior proximidade geográfica, como, por exemplo, Brasil e Estados
Unidos - de empresas dos EUA e também de alguns países europeus em razão,
principalmente, das habilitações em línguas, baixos custos da força de trabalho, além
de afinidades culturais e a farta disponibilidade de trabalhadores em idade ativa. No
referido relatório o Brasil emerge como o país com mais vantagens para a atração de
negócios em uma ponderação de 6 itens além das já citadas: estabilidade política e
econômica, suporte governamental e possuir o maior mercado de call center da
América Latina. Soma-se a este conjunto o fato do país contar com a maior população
na América Latina no arco etário compreendido entre 15 e 39 anos, 90,4 milhões de
pessoas, salários que estão entre os mais baixos, menor condição de risco para
negócios e ambiente político favorável.
As empresas analisadas estão exultantes com as perspectivas de inserção do
Brasil na terceirização além das fronteiras. Apontam que: a Índia está se aproximando
de um ‘esgotamento natural’ de suas reservas em termos de qualificação e capacidade
de atendimento; os trabalhos desenvolvidos hoje entre países dependem cada vez
mais de interatividade e, neste quesito, o Brasil constitui-se como uma efetiva
possibilidade para atrair operações desta natureza em razão do fuso horário ser
consideravelmente inferior em relação aos EUA e à Europa, passando a ser um
diferencial importante na decisão da terceirização internacional.
As opiniões entre os entrevistados que representam grandes empresas
realizando operações de terceirização além das fronteiras foram unânimes em
constatar que o Brasil é o mais competitivo na América Latina pela magnitude da
10
Fonte: Base de dados do Balanço de Pagamentos do International Monetary Fund (IMF), march 2006.
8
população e território e, sobretudo, por concentrar aqui as melhores universidades do
continente.
Segundo os entrevistados, a ausência de fenômenos naturais importantes no
Brasil também contribui para a ampliação das oportunidades de tornar-se um forte
“player”, ou seja um país concentrador de trabalho terceirizado. Para as empresas
pesquisadas os tipos de equipamento utilizados são muito sensíveis e teriam seu
funcionamento
comprometido
em
localidades
que
apresentam
riscos
de
movimentação terrrestre.
No que tange à dimensão política ponderam dois aspectos: por um lado, o
Brasil é um país sem ocorrências de ataques terroristas e ações radicais por parte de
grupos organizados; por outro, ainda carece de ações governamentais eficazes que
permitam ao Brasil concorrer em condições menos desiguais com outros países. As
empresas têm tentado junto ao governo federal negociar formas de redução de
impostos trabalhistas, para adquirirem capacidades para gerar mais postos de
trabalho. Cabe aqui indagar as formas de resistência que serão, ou não, desenvolvidas
por parte dos sindicatos, tendo em vista que a flexibilidade nas relações de trabalho e
a precarização do trabalho já se constituem como realidade para parte considerável da
população.
Segundo o presidente da Federação das Empresas de Serviços do Estado de
São Paulo:
“se houvesse a redução da carga tributária trabalhista no Brasil, não
haveria um morador de rua: estariam todos empregados” (Presidente da
Federação da Empresas de Serviços – Estado de São Paulo. 16.08.2007)
A constatação por parte das empresas é que os trabalhos mais padronizados,
cuja organização do trabalho traz aspectos próximos aos dos observados no
taylorismo, são os que tendem mais facilmente a serem terceirizados para os países
periféricos e semi-periféricos. Segundo dados coletados nas entrevistas os trabalhos
que agregam níveis mais altos de padronização são mais passíveis de serem
externalizados para o Brasil. Citam como exemplos clássicos o call center e a
confecção de mala direta, envelopamento e expedição.
9
“O trabalho mais padronizado, taylorizado ele tem uma tendência a sair
dos países centrais, por exemplo, o call center. Esse trabalho possui
mais mobilidade. São duas vertentes: trabalho padronizado, envelopar,
por exemplo, pode ser feito em qualquer lugar do mundo... quanto mais
taylorizado mais fácil de sair”
(Diretor de planejamento de operações. Empresa A. 28.08.2007).
O mesmo diretor aborda o aspecto relativo à qualificação da força de
trabalho, apontando esse como determinante na forma de inserção do Brasil na
terceirização além das fronteiras:
“Quanto o Brasil vai crescer? Há de se olhar desde o [trabalho] mais
taylorizado até o mais qualificado. Pode crescer muito no mais
taylorizado e vai depender de como o Brasil quer se inserir nesse
mercado. O menos taylorizado o de maior valor agregado ele é menos
dependente de fatores de custo, de incentivos etc. A lei é clara de oferta
e demanda. O mais taylorizado ele depende mais de competitividade por
custo. O que faz com que sua mão-de-obra faça mais ou menos trabalho
taylorizado? É a educação dela. Quanto mais qualificação a gente tiver
menos trabalho taylorizado nós vamos fazer, independente dos fatores
de mercado. Quanto mais qualificado menos messiânico, vamos definir
mais o nosso destino” (Diretor de planejamento de operações. Empresa
A. 28.08.2007).
A análise tecida pelas empresas indica que o Brasil irá crescer desde os
trabalhos com características mais taylorizadas até os segmentos mais qualificados.
Ponderam, entretanto, que os mais padronizados certamente virão em maior volume.
Entre as empresas é fato que no campo da informática as atividades que
exijam maior qualificação não ultrapassarão as fronteiras; o Brasil é competitivo para
trabalhos mais padronizados, com forte presença de organização do trabalho
semelhantes ao taylorismo. Em termos do mercado de informática, segundo os
entrevistados, o Brasil apresenta um diferencial para se inserir na produção de
software: bons conhecimentos, senso crítico e criatividade.
‘Se você falar para ele fazer a casa quadrada ele [o indiano] não te
pergunta se tem que ter alicerce, como é o telhado, ele vai lá, faz um
cubo e te entrega. E o brasileiro não. Se você mandar ele fazer um cubo
ele vai perguntar: ‘ o cubo é de tal jeito? Desse jeito?’ (COO South
América. 24.10.2007).
10
Em duas situações de trabalho analisadas observa-se que os trabalhadores
desconhecem para quem realizam seu trabalho. Este tipo de anonimato foi notado em
duas situações do presente estudo: o desenvolvimento e teste de softwares e a
teleradiologia. O técnico ou engenheiro que desenvolve o software, por utilizarem
linguagem técnica universal apreende as necessidades do demandante, via
coordenador da equipe, ou seja, conhece as características do cliente mas, não sabe
sua localização geográfica.
“Eles nem sabem que estão trabalhando para o exterior” (COO South
América. Empresa C.. 24.10.2007).
O mesmo observa-se na teleradiologia, cujos exames realizados fora do país
são enviados ao Brasil via internet e aqui diagnosticados indistintamente pelos
médicos. Nas palavras de um dos diretores:
“ o exame vai para a pilha e é examinado nos mesmos procedimentos
que os demais”
Um setor que emerge na prestação de serviços terceirizados para além das
fronteiras contraria a hipótese do presente estudo pautada na supremacia dos
trabalhos padronizados e sem a exigência de alta qualificação são passíveis de serem
transferidos para outros países: a telemedicina. Sua inserção é ainda tímida mas,
apresenta um potencial de crescimento que pode vir a alterar as características
profissionais e a própria relação tradicional médico-paciente.
Foram identificados no Brasil dois laboratórios que realizam serviços para
diferentes países. Um, especializado em telerradiologia, atende a uma demanda
originada na Europa. E, outro, especializado em patologia cirúrgica, encontra-se em
vias de preparação para a realização de exames anatomo-patológicos para os Estados
Unidos, a partir de imagens recebidas via Internet.
Conclusões
11
A presente pesquisa abordou as perspectivas brasileiras de participação na atual
divisão internacional do trabalho.
O Brasil tem alterado gradativamente sua imagem no cenário internacional, sendo
ilustrativo o fato do país quitar sua dívida externa em 2.008 e criar um Programa de
Aceleração do Crescimento que, se espera, terá resultados favoráveis à geração de
empregos e sensível melhoria na infra-estrutura brasileira. Um dos aspectos desse Programa
que importa diretamente para o presente estudo, diz respeito ao aperfeiçoamento da matriz
energética, o que poderá ser um diferencial importante na concorrência internacional para
algumas atividades produtivas.
Acerca do desenvolvimento de tecnologias de informação os órgãos governamentais
e associações vinculadas a este setor indicam que o Brasil é a referência na América Latina
para a oferta de serviços baseados em TI. Neste aspecto, o governo federal tem apoiado a
partir de ações concretas tais como a criação da Política Industrial Tecnológica e de
Comércio Exterior, programas especiais que favorecem a exportação de serviços em TI,
bem como um arcabouço jurídico especialmente adequado a estes fins. A despeito desta
atuação as empresas entrevistadas e a federação representante do patronato do setor de
serviços, consideram tais medidas muito tímidas para o Brasil se tornar um verdadeiro
concorrente internacional. As críticas e as reivindicações residem, sobretudo, na redução de
impostos trabalhistas e na maior flexibilização das leis que regem as relações de trabalho.
Para o setor empresarial, sem tais medidas o país não poderá concorrer no cenário
internacional, especialmente com Índia e China.
Concernente à flexibilização das relações de trabalho, há de se ponderar que o
Brasil não vivenciou o Estado do Bem-Estar Social e que na história recente as empresas
fazem amplo uso de dispositivos que retiram do trabalhador os direitos sociais previstos em
lei. Empresas de diversos segmentos da economia, a exemplo da área financeira, contratam
trabalhadores via cooperativas de trabalho, isentas de uma série de encargos sociais e que
assumem vantagens consideráveis nos processos de terceirização, tendo em vista a redução
de custos com a força de trabalho. A empresa F pesquisada, por exemplo, configura-se
como captadora de serviços de desenvolvimento e acompanhamento de softwares in house
12
e utiliza espaço físico mínimo, em local central mas, de toda forma em condições de
instalação adversas ao serviço oferecido; contrata os denominados consultores – pessoas
jurídicas - que atuarão nas empresas contratantes, sendo seu vínculo concretizado a partir
da concessão de notas fiscais à empresa contratada.
Muito embora o país não tenha como idioma principal os requeridos pelos tipos de
trabalho demandados pela divisão internacional do trabalho, quais sejam, inglês e espanhol,
os relatórios analisados indicam como aspecto favorável ao Brasil o fato da farta
disponibilidade da força de trabalho qualificada e com habilitação em outros idiomas,
concorrendo para essa constatação tanto a formação praticada quanto os aspectos
vinculados à imigração européia no século XX. Ilustra-se tal afirmação a partir da decisão
de uma das empresas analisadas de call center, cuja localidade foi decidida a partir da
ponderação da presença de universidades importantes e de qualidade na região, bem como a
forte imigração de países da América Latina, facilitando, portanto, o recrutamento de
pessoas qualificadas, com domínio de outro idioma e, ainda, fora do eixo principal de
atividades comerciais Rio de Janeiro-São Paulo, cujos salários são mais elevados que em
cidades medianas.
A criação e o desenvolvimento das centrais de atendimento aportam um grau de
racionalização no trabalho em diversos setores da economia. Uma central multilingüe é
observada em São Paulo, cuja empresa de telecomunicações atende clientes, ainda no
Brasil, em cinco idiomas. Tal experiência tem sido considerada como um portfolio
importante para a empresa divulgar suas qualificações no mercado externo.
O setor de teleatendimento cresce ininterruptamente desde o início dos anos 2.000 e
vislumbra forte potencial de expansão interna. Tal constatação por parte de uma das
empresas pesquisadas faz com que, grande parte delas, não se volte para operações
internacionais mesmo que esta seja uma opção presente no horizonte de todas as empresas
já estabelecidas no mercado. Este segmento produtivo vive um momento de consolidação
das experiências acumuladas, demonstrando interesse contínuo na regulamentação do setor,
de disputas sindicais importantes e, também, de fusões de empresas. A tendência que
desponta neste mercado é reunir grandes empresas, desaparecendo, gradativamente, as
13
demais com até 5.000 teleoperadores. Esta característica irá aportar ao Brasil um diferencial
em relação a diversos países, cuja média de teleoperadores por empresa é baixa. Isto
significa ganhos em escala, possibilidades de trabalho 24 horas e 7 dias na semana,
aspectos importantes na decisão da terceirização internacional por parte dos países centrais
cujas leis trabalhistas obstaculizam determinadas práticas de trabalho.
A telemedicina, por seu turno, se destaca como um elemento novo no cenário das
exportações de serviços. Atividade reconhecida como de alta especialização, ela também
apoiou-se nas novas tecnologias para viabilizar as operações além das fronteiras. Indica-se
aqui que este segmento trará, possivelmente, maiores alterações no conjunto do trabalho
que nas demais abordadas, uma vez que nela se estabelece uma relação entre pacienteprofissional que apresenta rupturas importantes com os modelos até então vivenciados.
As constatações desenvolvidas neste estudo reafirmam o caráter histórico da divisão
internacional do trabalho. Compactua-se, aqui, com a perspectiva do sociólogo português
Boaventura Souza Santos (1995) e do economista francês François Chesnais (1996) de que
o processo de mundialização agudiza as desigualdades no mundo e exacerba as relações de
dominação presentes ao longo da história.
A mundialização distante de portar um caráter integrador aponta, contrariamente,
expressivas contradições em um mundo distante de ser “plano”. Conservam-se e
exacerbam-se as divergências entre capital e trabalho, o conceito de centro e periferia, e,
finalizamos com as palavras de Ianni (1992, p.65) “pode se falar em produção e consumo,
emprego e desemprego, afluência e pauperismo, integração e fragmentação, massificação
e solidão”.
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